o visto - 5ª edição

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Quinta Edição, dezembro de 2014. Periódico dos alunos da graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAJORNAL DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

/OVISTOUFSCOVISTOUFSC@GMAIL.COM

ANO 2, Nº5 DEZEMBRO de 2014 16 PÁGINAS

Conflitos e guerras

O VISTOEDIÇÃO ESPECIAL

pelo mundo

EDITORIAL EXPEDIENTE

Bruna Bruscatto (11.1)bbruscato@live.com

Carolina Ferrari (12.2) ferrari_carol@hotmail.com

Darlan de Souza Borges (12.2) darlanbs@hotmail.com

Gabriel Antonio C. Pereira (12.2) gabriel_antonioc@hotmail.com

Gabriel Piccinini (12.2)gabrielpiccinini@me.com

Jonatan Carvalho de Borba (12.2) jcarvalhodeborba@gmail.com

Lucas Cidade Garcez (12.2)garcezlc@hotmail.com

Mariana Almeida Tavares (12.2)marianatava@yahoo.com.br

Mariana Serrano Silvério (12.2)mariana@silverio.net.br

Design por Gisele Flôres (13.2) giselefloressilva@gmail.com

ovistoufsc@gmail.com

nesta edição“Peacekeeping na República Centro-africana”Página 3

Anexação da Crimeia pela RússiaPágina 7

Grupo terrorista Buko Haram na NigériaPágina 11

O processo eleitoral de 2013 na VenezuelaPágina 14

O VISTO

apoio

Os fenômenos internacionais evoluem muito rapidamente, o que exige dos internacionalistas um trabalho constante de monitoramento dos mesmos e das discussões mais importantes e impactantes da conjuntura internacional. Pensando nisso, o projeto de extensão “Laboratório de Análise de Conjun-tura em Relações Internacionais/LabCon-RI” buscou oferecer, ao longo de 2014, um espaço aos alunos interessados em entender e analisar alguns temas e fenômenos da conjuntura internacional. Apósaseleçãodosconflitos internacionais aseremestudadosedebatidos, osestudantes elaboraram“factsheets”relativosaostemas.Os“factsheets”foramusadospelogrupocomoformadesistematizarasinformações coletadas como cronologia, principais atores envolvidos e re-percussões dos fenômenos em análise em âmbito local, regional e global. Os textos da presente edição de O Visto são, portanto, o resulta-do do trabalho desenvolvido pelos estudantes do curso de graduação em Relações Internacionais no projeto de extensão LabCon-RI. As pesquisas e análisesqueembasaramaconstruçãodos“factsheets”foramsintetizadaseadequadasnoformatodeartigosdejornal. Esperamosquea leituradosartigospossacontribuirparaacom-preensãodosconflitosselecionadosedespertá-losparaadiscussãodetaistemáticas.Desejamos,também,queosestudantesenvolvidosnoprojetopossamterpercebidoquemesmoparaescreverumbreveartigoconjun-turalparaumjornaléprecisobemmaisdoqueumapesquisanainternet.Aconfecçãodessesartigosexigiumuita pesquisa,discussãoteórica eahabilidade de analisar os fatos.

Boa leitura a todos,

Profª.GracieladeContiPagliariProfª.PatríciaFerreiraFonsecaArienti

A ilustração da capa desta edição foi gentilmentecedidopela

canadense Eve Gaboury. Mais de seus trabalhos podem ser

conferidos no site http://www.leshindig.com

A combinação de pobreza generalizada, interrup-çõesnocomércioeagricultura,insegurançacon-tínua, deslocamentos populacionais em grande

escala e total ausência de serviços públicos, deixa a República Centro-Africana (RCA) imersa em uma situa-ção de profunda crise socioeconômica e humanitária, ocupando o 185º lugar dos 187 países analisados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2013. Desde sua independência da França em 1960, o país temvividogolpespolíticos recorrentes, violência,incursões demilícias estrangeiras, conflitos internos etransfronteiriços, e necessita de ajuda internacional para sobreviver. Em2003,FrançoisBozizétomaopoderatravésde um golpe militar e, posteriormente, vence as elei-ções presidenciais em 2005. O governo negligencia o norte do país, gerando manifestações de insatisfaçãoque culminam no ataque de grupos armados à capital, Bangui.Nofinalde2012,aaliançademilíciasconheci-das como Seleka (“coalizão” em Sango, a língua nacio-nal)levanta-secontraogovernoBozizé,alegandoonão

cumprimento por parte do governo de acordo de paz as-sinado em 2008. Em janeiro de 2013, um acordo de paz entregovernoeaSelekaéassinado.Contudo,alémdosopositores acusarem o governo de não efetuar esforços políticossuficientesparaa implementaçãodostermosacordados, acusamoExércitoeaGuardaPresidencialde perpetrarem desaparecimentos, torturas e assassi-natos contra muçulmanos. Assim, a milícia ataca nova-mente e, sob a liderança de Michel Djotodia, assume o controle de Bangui em 24 de março de 2013. Aoassumiropoder,osselekadãocontinuidadeàs suasatividadesdeviolência, comosaques,desapa-recimentos e recrutamento de crianças, sobretudo no noroeste do país. O governante Djotodia, vendo o gran-dederramamentodesangue,tentadissolverseuantigogrupo,porémamaioriapermaneceativa.Paralelamen-te, grupos cristãos já existentes, conhecidos como os anti-Balaka (“anti-sabre”), começama se expandir emresposta aos abusos cometidospelos Seleka. Situaçãoque eleva as taxas de violência com os ataques e retalia-çõesentreSelekaxanti-Balaka,tornandomaisfrequen-te as destruições de mesquitas e igrejas. As cidades de Bossangoa e Bangui tornaram-se arenas de confrontos e mais de mil pessoas são mortas, entre o início de de-zembrode2012efinaldejaneirode2013.

ANÁLISE DA CRIAÇÃO DA OPERAÇÃO DE PEACEKEEPING MINUSCA NA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA PELO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS

Um mapa político é a forma gráfica de identificar divisões políticas e administrativas de uma determinada região, aqui, ele serve para acabar com as divisões e juntar visões e pensamentos sobre tudo o que você pensa e acha que deve ser dito e debatido acerca do cenário internacional. O que você pensa?

O VISTO PÁGINA 3

Amanda MichaltchukGabriel AntonioGustavo Henrique de Souza Bodenmüller

MAPA POLÍTICO

O VISTOPÁGINA 4

Em 10 de janeiro de 2014, durante a cúpula da Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CE-EAC), a pressão internacional forçou Djotodia a demitir-se.Os selekas começaram a sair de Bangui e das províncias ocidentais, visto que não mais se viam representados pela li-derançadopaísenãotinhammais suas ações protegidas pelo governo. Populações muçulmanas minoritárias nas áreas centrais tornaram-se mais vulneráveis à violência pormilíciasanti-Balaka,provocandoêxododecivismu-çulmanos para regiões mais afastadas. Situação que afe-taocrescimentodoIslãnaRCA,poisumnúmerosignifi-cativodeempresaségeridoporimigrantesmuçulmanosepaísesárabesestãomultiplicandoseusinvestimentosna RCA. Todavia o aumento dos deslocamentos devido a perseguições resultou numa escassez de bens, incluindo medicamentos,alémdeumaumento significativonospreços de mercado. Opróprioprocessodeevacuaçãomuçulmanaéalvodeataques.Episódioquerepresentataldificuldadefoioataquedeanti-Balakasaumcomboiohumanitá-rio com 18 caminhões da ONU que levava 1.300 muçul-manos para uma área mais segura no norte do país. O ACNUR apontou que, desde abril de 2014, o número de mortesentreascriançasrefugiadasécrescente,tendoas principais causas desidratação, hipotermia e anemia. OAlto-Comissariadodefineasrotasdefugacomo“jor-nadas de fome e morte”. Osrecursosnaturaistambémestão ligadosaosgrupos armados, que por meio da exploração ilegal ad-quirem armamentos e meios para manutenção de seus trabalhos. A INTERPOL e o Programa das Nações Uni-das para o Meio Ambiente (PNUMA) lançaram em 2014 um estudo acerca dos crimes ambientais, tratando das ameaças ao desenvolvimento sustentável de exploração ecomércioilegaldavidaselvagemerecursosflorestais.O relatório aponta esta conexão entre violações ao meio ambiente e compra de armas. Milícias armadas locais caçam regularmente elefantes e hipopótamos em bus-cademarfim,alémdeestaremligadasaocomérciodemadeira ilegal, carvão, ouro e minerais, violando grave-mente os direitos humanos nestes trabalhos. Os proces-sos de exploração incluem recrutamento de crianças, trabalho forçado, escravidão sexual, pilhagens em mas-sa, e deslocamento forçado. Neste cenáriode vácuopolíticopósqueda Se-

leka, o Conselho Nacional de Transição elege em 20 de janeiro de 2014 Catherine Samba-Panza, ex-prefeita de Bangui, como a nova chefe de Estado de Transição da República Centro-Africana. Formou-se um novo gover-no de transição em 27 de janeiro, compreendendo 20 membros, incluindo três representantes ex-Seleka e um representanteanti-Balaka.Amenorparticipaçãodere-presentantes das milícias no quadro de funcionário do novogovernoprovocouinsatisfaçãoentreosgruposmi-litantes, causando o aumento da violência em Bangui. A escolha do momento adequado para a reali-zação de eleições presidenciais na RCA não será apenas umaquestãodecolocarempráticaascapacidadestéc-nicas necessárias, arranjos legais e de fornecer um am-biente seguro.Mas tambémde instituir umambientepolíticoemqueaseleiçõesajudemafortalecerasocie-dade e promover a estabilidade, em vez de ser fonte de conflitoeinstabilidadesocial.Opicodeviolênciaemde-zembro de 2013 dizimou as capacidades nacionais, que já eram escassas, e levou ao colapso da administração do país. Os funcionários públicos não foram pagos des-deentãoeoEstadomantém-sesemcapitalparapagarossalários.Assim,oEstado,alémdenãoprestarservi-çosbásicosàpopulação,tambémnãocontribuiparaamovimentação da economia. A capacidade das novas autoridades de transição para efetuar a mudança vai depender, em parte, num futuro imediato, do apoio da comunidade internacional. O Banco Mundial comprometeu-se com cerca de 100 milhões de dólares em apoio aos esforços de resposta a emergências, incluindo rápido suporte ao setor público. O Banco Mundial, a União Europeia e o FMI estão focados numa aproximação com autoridades nacionaisparadiscutiroapoiodiretoaoorçamento.Noentanto, a capacidade deste envolvimento depende da situaçãodecertaestabilidadepolíticanaRCAparaqueasnegociaçõespossamserefetivadas,suasaçõesapli-cadaseresultadosconcretizados.

Figura 1 - Crescimento Real do PIB da República Centro-Africana (2004-2015)

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ParapossibilitaraefetivaçãodemedidasnaRCA,em 21 de abril de 2014, o CSNU aprova a criação da Mis-sãoMultidimensionalIntegradadeEstabilizaçãodaRe-pública Centro-Africana das Nações Unidas (MINUSCA) e solicita ao Secretário-Geral para subsumir o BINUCA (escritório de peacebulding da ONU aberto em abril de 2009) ànovamissão atravésdeuma suave transição.Definiu-se,também,atransferênciatotaldeautoridadedaMISCAparaMINUSCAaté15desetembrode2014.Amissão tememseumandato8objetivosprincipais:a) Proteção dos civis; b) Apoio à implementação do processo de transição, incluindo os esforços em favor da extensão da autoridade do Estado e preservação da integri-dade territorial; c) Faci-litar a entrega imediata, completa, segura e sem obstáculos de ajuda hu-manitária; d) Proteção das Nações Unidas; e) Proteção dos Direitos Humanos; f) Apoio à justiça nacional e inter-nacional e do Estado de Direito; g) Desarmamen-to, Desmobilização, Reintegração e repatriamento . As tropas com cerca de 12 mil homens foram autorizadas peloCSNUautilizardetodososmeiosnecessáriosparalevar a cabo o seu mandato, dentro de suas capacidades e as suas áreas de implantação. TalsituaçãonaRCA,permeadaporcaracterísti-cas estruturais do país, permite perceber que o Estado centro-africano não se enquadra adequadamente no modelodoEstadoModernocomoumaunidadepolíticasoberana e independente. A centralização do poder po-lítico,unidadeterritorial,unidadenacional,burocraciaeaseparaçãoentrepúblicoeprivadosãocaracterísticasaindadébeisnaRCA.Observa-se,historicamente,quenãohouveumpontodepartidapropíciopara instau-rar o funcionamento tradicional esperado de um Estado Moderno. O não alcance de tal patamar organizacional einstitucionalposiciona-sedemaneiradialéticaàcon-tinuidadedosconflitos,umavezqueelesdificultamoestabelecimento do padrão Estado Moderno, ao passo queaausênciadestemodeloabreespaçoparaapráti-ca de violência pelos civis. É necessária a consideração deste status estatal da RCA para a compreensão da di-nâmicadosconflitosedaatuaçãodaMINUSCAnopaís. As circunstâncias de instabilidade dentro da RCA

trouxeram várias repercussões, em nível local, após aprovar a expansão das tropas de peacekeeping, a ONU sublinhou em relatóriooficial que ambosos ladosdoconflito são responsáveis por crimes contra a huma-nidade.EmumdurorelatóriosobreoconflitonaRCAemitidoemjunhode2014,aONGHumanRightsWatchassinalouqueoatual contingentedaMISCA temsidoincapaz de controlar a violência sectária crescente, re-forçando a necessidade do aumento de tropas da MI-NUSCA. A aprovação da expansão das tropas de pea-

cekeeping pela ONU foi co-adunada por novas medidas pacificadorasadotadaspelogoverno interino liderado por Samba-Panza. Em 6 de junho de 2014, a líder da RCA apresentou um plano composto por quatro pon-tos focados na restauração da paz e da estabilidade do país. Dentre as medidas apresentadas, destacam--se iniciativasemdireçãoàredução das animosidades entre as comunidades mu-çulmanas e cristãs e o início

do diálogo com indivíduos que foram deslocados em decorrênciadoconflito. Porfim,nodia26dejunhode2014,foiinstau-rado um comitê composto por membros de ambos os ladosdoconflito, sobosauspíciosdeumgrupo inde-pendentededicado à resoluçãode conflitos chamadoPARETO. A iniciativa, segundo o líder dos Seleka, EricMassi, busca levar ambas as partes a uma reconciliação. Umdosfatorescomplicadoresdoprocessoéadivisãoexistente de ambos os grupos rivais em diferentes fac-ções espalhadas pelo país, o que faz com que o proces-sodepazdevaseriniciadoporumainiciativadereuni-ficaçãodasduasfacções. Noâmbitoregional,verifica-seque,desdejá,ospaíses vizinhos ao conflito sentem consequências im-portantesdoconflito.Nodia6dejaneirode2014,Je-ffreyFeltman,subsecretário-geraldaONUparaassun-tospolíticos,alertouqueoaumentodaviolênciaentremuçulmanos e cristãos poderia acabar por espalhar tal conflitoparaalémdasfronteirasdaRepúblicaCentro-A-fricana.

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O CSNU aprovou o envio da operação de paz MINUS-CAdiasdepoisqueumcontingentede16milpessoasfugiu da violência generalizada pelas fronteiras do país, movimento este realizado por cerca 1 milhão de cen-tro-africanosquerepresentam,atémaiode2014,oto-talderefugiadosgeradopeloconflito.Estesrefugiadoscompõemoscontínuosfluxosdepessoasquebuscamabrigo em países da região, como Camarões, Repúbli-caDemocráticadoCongoeChade. Localizadoaonor-tedaRCA,oChadenãodispõederecursossuficientespara fornecer serviços básicos de saúde e alimentação aestescontingentescrescentesderefugiados,emborainicialmente tenha auxiliado no transporte de diversas famíliascentro-africanasemsituaçõesderisco.ArotinanoscamposdoChadeémarcadaporinstalaçõesprecá-rias e pela busca dos centro-africanos por alimento atra-vésdaprostituiçãoedocrime. Em Camarões, país situado ao noroeste da RCA, as condições de vida nos campos de refugiados centro--africanos são tampouco adequadas. Milhares de famí-lias desmembradas pela violência dependem da ação da ONU em colaboração com autoridades locais para ob-terem acesso a serviços de saúde emergenciais e assis-tênciaalimentar. Apesardasdificuldadesencontradaspelos refugiados, Camarões ainda é considerada uma“zonasegura”daregião,dadoorelativobaixonúmerodeconflitosemseuterritórioeasaçõesdesegurançaempenhadaspelapolíticacamaronesaemdiversassitu-ações. Em Agosto de 2013, as autoridades do país orde-naram o fechamento das fronteiras com a RCA após um tiroteiopromovidoporrebeldesSelekanaregião. Alémdos refugiados, alerta-se tambémpara asituação dos “nacionais de países terceiros” (TCN –thir-d-countrynationals) emmeioao conflitonaRCA. Sãoconsiderados TCN’s indivíduos que, ao fugir de uma zonadeconflito,nãosãoconsideradosrefugiados,poisnão pertencem nem ao país de refúgio, nem ao país de fuga. Deste modo, a determinação do status migratório destescidadãosémotivodecontrovérsia.Emalgunsca-sos, a Organização Internacional para a Imigração auxi-liouefinancioua repatriaçãodemuitosTCN’s fugidosda crise na RCA em seus países de origem. Tal questão emergiu com mais força na região africana como uma consequência da crise na RCA e suas repercussões polí-ticas. Aconfirmaçãodoenviodastropasdepeaceke-eping MINUSCA à RCA deu nova energia ao combate à violência por parte dos países aliados da África Central. Diasapósaconfirmaçãodoenviodastropas,emdiscur-so, o secretário-geral da ONU, Ban-ki Mon, chamou a responsabilidade dos países parceiros da RCA para um trabalhoemconjuntocomoexércitodemanutençãoda

paz.Acooperaçãoregionalembuscadofimdoconfli-to na RCA foi ainda reforçada em 6 de junho de 2014, quando em Luanda líderes africanos reuniram-se para discutirotema. Pode-se verificar repercussões do conflito emnível global, em Abril de 2014, o governo dos Estados Unidos reiterou a preocupação e apoio à RCA em busca de uma restauração da segurança, apoio humanitário, reconciliaçãodeumgovernodemocrático..Alémdevi-sitasdeoficiaisparaprestarapoioàRCA,ogovernonor-te americano vem trabalhando para aumentar o apoio à segurança e ajuda humanitária no âmbito internacional, atravésdeconferenciasemBruxelas,BrazzavilleeAddisBabas. OsEstadosUnidostambémsecomprometeramafornecerumaajudafinanceiraaosesforçosdereestru-turação da segurança da RCA, o que incluiu transporte aéreoeequipamentodeproteçãoecomunicaçãoparamais de 1700 peacekeepers, a fundação da MISCA e ajuda na compra de equipamentos não-letais e meios de transporte, apoio logísticoe táticoàAfricanUnionRegional Task Force (AU-RTF), que vem protegendo co-munidades e contendo a violência. Em 14 de maio de 2014, o presidente norte americano Barack Obama im-pôs uma sanção aos líderes da RCA, François Bozize e MichelDjotodiaemaistrêsoutrosoficiais.Asançãoob-jetivapassaramensagemdequeaimpunidadenãoserátolerada e quem ameaçar a estabilidade da RCA sofrerá consequências. Em 24 de Junho de 2014, os Estados Unidosanunciaram uma doação no valor de 51 milhões dóla-resàsvítimasdoconflito.Aassistênciaserádestinadaàprovisão de água potável, alimentos e serviços de emer-gênciaàgrandepartedapopulaçãoafetadapeloconfli-to.Osrecursostambémauxiliarãoprogramasdedicadosàidentificaçãodecriançasperdidaseprogramasdedi-cados à redução da exposição de crianças a riscos de abusos e exploração. A União Europeia possui relações estreitas com aRepúblicaCentro-AfricanaatravésdoRegionalIndica-tiveProgramme(RIP)aliadoaoutrastrêsorganizações:CEMAC,CEPLGeCEEAC.Odiálogonaregiãoédirecio-nado à busca pela paz e segurança, como por exemplo, o estabelecimento da missão Consolidação de Paz (MI-COPAX) em 2008 sob tutela da CEEAC para proteger civis e contribuir no processo de negociação.

O VISTO

O VISTO PÁGINA 7

ANÁLISE DA ANEXAÇÃO DA CRIMEIA PELA RÚSSIA EM MARÇO DE 2014

A República Autônoma da Cri-meia é uma península quepossui uma privilegiada posi-

çãogeográfica.Aregião jáfoihabi-tada por mais de dez povos diferen-tes, passando inclusive por alemães, ucranianos e os modernos russos, sendo constituída por umamaioriaétnicarussa(58%)eucraniana(24%)etambémumaminoriamuçulmana.Foi ao mês de outubro de 1921 que nasceuaRepública SoviéticaSocia-lista Autônoma da Crimeia (RSSAC), passando a fazer parte da Federação Russae,então,daUniãoSoviética. Alguns anos mais tarde, em 1944, Stalin ordenou o exílio de toda a população de tártaros na Ásia Cen-tral como uma forma de punição co-letiva,umavezquesesupunhaque

teriam cooperado com as forças de ocupação nazistas e formado legi-ões de tártaros antissoviéticos. Nomesmo ano, as populações armênia, búlgara e grega foram igualmen-te deportadas para a Ásia Central, tendo sido alcançada a “purifica-çãoétnica”daCrimeianoverãode1944. Em 1945, a RSSAC foi abolida e transformada, ainda sob Stalin, em Província da Crimeia pertencente à Federação Russa. Nove anos mais tarde, tendo como Secretário Geral do PartidoComunista o russo crescido na Ucrâ-nia, Nikita Khruschev, o Presidium do Conselho Supremo da União So-viéticadecretouocâmbiodaProvín-cia da Crimeia à República Socialista SoviéticadaUcrânia. Passados 37 anos da anexa-ção da Crimeia à Ucrânia, atenden-do um referendo popular ocorrido em janeiro de 1991, a Província da

Crimeia foi transformada em Repú-blica Socialista Soviética Autônoma(RSSA) em fevereiro do mesmo ano pelo Conselho Supremo da Ucrânia. ComacrisedaUniãoSovié-tica,alocalidadedaCriméiatornou--separtedaUcrâniarecémindepen-dente, criando tensões com o país russo. A frota do Mar Morto, que permanecia parada na península, reforçava as preocupações e trazia apreensãocomaameaçadeconfli-tos armados. Neste mesmo período, os tártaros começaram a retornar de seu exílio e se restabelecer na Cri-meia.

Angela GerolomettoGabriel de Rezende PiccininiGabriel Guimarães Raupp

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Mais recentemente, em 2004,umprotestodemassapacífico,queficouconhecidocomo“Revolu-ção Laranja”, forçou as autoridades a invalidar as eleições presidenciais que haviam levado Viktor Yanuko-vich ao poder, permitindo que umnovo processo eleitoral, internacio-nalmente monitorado, fosse levado a cabo, o que resultou na eleição de Viktor Yushchenko. Apenas em fevereiro de 2010, Yanukovich seria novamente eleito presidente ucra-niano. Com uma política pró-Rús-sia, Yanukovich, em novembro 2013, optou pela suspensão da assinatura de um acordo com a União Europeia que vinha sendo negociado há três anos e pelo reforço das relações eco-nômicas com a vizinha Rússia, cau-sando o início de manifestações vio-lentas em Kiev. O presidente alegou que tal decisão foi tomada por pres-sões do governo russo que teriam ameaçado cortar o fornecimento de gás e tomar medidas protecionistas contra produtos ucranianos. Em de-zembro ainda, Rússia e Ucrânia as-sinamnovoacordopararetiradadebarreiras comerciais entre os dois países. Os grupos oposicionistas, em desacordocomapolíticadealiançacomPutin,continuamaexigirare-núncia do presidente e do primeiro--ministro.Natentativadeamenizara crise, o primeiro-ministro renuncia ao cargo, o que, contudo, não me-lhora o ânimo da oposição. Em uma manobra políticabem articulada, Yanukovich conse-gue negociar com a oposição uma antecipação das eleições que seriam em 2015 para 2014. Entretanto, no dia seguinte ao acordo, o presidente afirma ter sofrido um golpe de Es-tado. O parlamento ucraniano, em resposta ao ato de Yanukovich, ale-ga abandono de cargo e antecipa as eleições para 25 de maio de 2014, o

que contribui para a fuga de Yanuko-vich para Rússia. Em fevereiro, iniciam-se con-frontos entre manifestantes pró e anti-russos em Simferopol, capitalda Crimeia, levando o Parlamento da Rússia a aprovar um pedido de inter-venção militar na Ucrânia. Em 16 de março de 2014, a Crimeia realiza um referendopopularnoqual96%doseleitores optam pela independên-cia da Crimeia e anexação à Rússia. Putin,nodiaseguinte,reconheceaCrimeia como um Estado soberano e independente e a anexa ao território russo. A anexação da Crimeia trou-xe consigo manifestações e crise tambémnolestedaUcrânia,regiãode maioria russa. Militantes pró-Rus-sia e tropas ucranianas entraram em confronto, principalmente na cidade de Donetsk, pela tomada e retoma-da de prédios públicos ocupados.Donetsk também chegou a realizarum referendo de anexação à Rússia, sem terobtido, contudo,o resulta-doesperado,umavezquePutinnãochegou a se pronunciar sobre o as-sunto. Em resposta, o governo ucra-niano empreendeu uma operação antiterrorista contra os militantespró-russos de modo a combater os desejos separatistas. A Rússia che-gou a mobilizar tropas na região da fronteira, que foram posteriormente retiradas.Maistarde,aUcrâniane-gociou um cessar-fogo no leste do país com os rebeldes pró-russos e a criação de uma zona de segurança. Em maio deste ano, foram realizadas as eleições para presidente da Ucrâ-nia, em algumas cidades boicotadas por insurgentes. Petro Poroshenko, com56%dosvotos,foieleitopresi-dente. Suas primeiras ações, já em junho, incluíram a assinatura de um acordodelivrecomércioecoopera-ção política com aUnião Europeia,mostrando seu não-alinhamento

com o governo russo. No Ocidente, as ações de Pu-tintêmdespertado,aumsótempo,pavor e paralisia. EUA e União Euro-peia,muitotimidamente,chegarama impor sanções à economia russa, o que, de fato, não provocou muito efeito. O G8, por exemplo, o grupo das nações mais industrializadas do mundo, voltou-se contra seu próprio membro, a Rússia, ao cancelar as preparações para uma reunião que ocorreria no país em junho. A União Europeiatambéméponto-chavenapressão sobre a Rússia. Um dos fa-tores mais importantes que podem ser usados pela Europa nesse jogo éaenergiadopetróleoedogás.Ébemverdadequeesteéumaspec-to de força e fraqueza, uma vez que aEuropanãoteriaalternativasparacompensar uma eventual escassez de petróleo e gás. No entanto, a Rús-siatambémdependedaEuropa.Elavendecercade25%dogásemcon-tratos que beiram os US$ 100 mi-lhões por dia. Mas exatamente por causa dessa profunda dependência, a área de petróleo e gás pode se tor-nar um campo de batalha bastante improvável. No panorama atual, a arma do Ocidente que parece ser a mais poderosa contra o Kremlin é mi-rar nas elites das quais eles depen-dem. Os Estados Unidos, ainda que de forma tímida, vêm pressionan-do economicamente a Rússia, em uma estratégia focada na reduçãodeinvestimentosecomércio.Oquesepercebe,noentanto,équeumaação decisiva e súbita do Ocidente parece bastante improvável.

O VISTO PÁGINA 9

Putinpareceserumafigura-chave para entender o con-flito.Quandochegouaopoder,em1999, falava ideologicamente, mas agia racionalmente: ouvia uma sé-rie de opiniões, desde o economis-taliberalAlexeiKudrinatépolíticoeempresário Vladislav Surkov. Putinpodeatéterconsideradoocolapsoda União Soviética como o grandedesastre geopolítico do século XX,mas sabia que não poderia recriá-la. Hoje, o Ocidente encara um líder russo em muito diferente. Afinal, a anexação da Crimeia, porqualquer cálculo racional, não faz o mínimo sentido. ARússia já possuía uma influência imensa napenínsula, com o be-nefício de não ter anecessidade de sub-sidiá-la, como a Ucrâ-nia o fazia - neste bre-ve ínterim, o governo russo teve de prome-ter uma ajuda de 1,5 bilhões de dólares para apoiar a Crimeia. Alémdisso,oKremlin,antes da anexação, revelara temores em perder o controle so-bre sua base naval em Sevastopol, às margens do Mar Ne-gro. No entanto, a posição da frota russa, no porto da Crimeia em Se-vastopol,estavaseguraaté2042,jáque um acordo de 2010 entre Rús-sia e Ucrânia prolongava a sua per-manência, que deveria se estender apenasaté2017,emmais25anos. Domesticamente,Putintam-bémmudou,afastando-sedoprag-matismo que marcou os primeirosanos de seu governo. Ao invés deser o árbitro, intermediando um consenso entre vários grupos de in-teressesdiversos,Putintemsetor-nado, cada vez mais, um autocrata.

Seu círculo de aliados e conselheiros agora se restringe somente àqueles quecompartilhamdesuasmesmasideias. Putinmudou tantoque tec-nocratas como o Ministro das Rela-ções Exteriores Sergei Lavrov e o Mi-nistro da Defesa Sergei Shoigu não desempenharam papel algum na tomada de decisão sobre a Crimeia, apenas executando as ordens que vinham de cima. Como resultado, a relação de Putin com a elite russase tornou tortuosa. Tendo ofereci-do excelentes oportunidades para os membros da elite de Moscou nos primeiros anos de seu mandato, Pu-

tinhojenãoapenasdesconfiadestamesmaelite,masavêcomoantipa-triota. Em consequência disso, em pouco tempo, mais de 420 bilhões de dólares em investimentos vaza-ram da economia russa. Em política externa, Putinparece pensar que a história é fei-ta apenas por governantes. Ao que tudo indica, o líder russo descon-sidera algo como uma revolução ucraniana, ocorrida em dezembro, e acredita - ou, pelo menos, assim ajustifica-quetudonãopassoudeartimanhasdoOcidenteparatrazera Ucrânia mais a Oeste, da mesma

forma como se passou no Kosovo em 2008. A narrativa de Putin in-clui os sucessivos alargamentos da OTAN também como arquitetadosexclusivamente pelo Ocidente para conter a Rússia, o que desconsidera, no entanto, que foram as próprias repúblicas ex-soviéticas, com gran-de apoio dos países do Leste que já eram membros, como a Polônia, por exemplo, que postularam suas en-tradas na organização. O argumen-to de Moscou - da necessidade de ajudar seus compatriotas ameaça-dos pelos “radicais da revolução” na Ucrânia - a respeito da intervenção

na Crimeia parece se enquadrar nes-ta narrativa. Alémdisso, a Europa não esperava que o conflito tomasseestas proporções, uma vez que não estava disposta a arcar com os cus-tos de defender a Ucrânia. O aspecto contraditório aqui é que uma OTANreorganizada e ree-nergizadapodeatéser o pior pesadelo de Putin, mas são

exatamentesuasações táticasque,em grande medida, tem provocado isto.

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O VISTO

Em virtude da anexação e da crise que se instalou, mudanças ocorridas em todo o território da Crimeia podem gerar transforma-ções em diversas configurações dasociedade local. Uma das altera-çõesquepoderãosersentidaspelapopulação peninsular é a pressãopara que seus habitantes tornem-se russos. Os residentes na Crimeia, de nacionalidade ucraniana ou com ou-tro status, deveriam pedir para ser reconhecidoscomorussosatéabrile os que não cumpriram este prazo têm enfrentado “assédio e intimi-dação”, segundo o relatório de uma missão especial de observadores de direitos humanos enviada pela ONU àUcrânia.Alémdisso,aONUtemseesforçado para que direitos, como à propriedade, acesso à educação e à saúde e aos benefícios sociais, aqualquer habitante peninsular que decida por não se tornar russo se-jamgarantidos. No leste da Ucrânia, onde a maioria é russa, o movimento se-paratista ganhou força emilitantespró-russosinvadiramprédiosgover-namentais. A anexação da Crimeia ao território russo abriu preceden-tes para a anexação destas outras regiõesseparatistasdaantigaUniãoSoviética, indo contra os princípiosdo direito internacional. Em razão das relações con-flituosascomonovogovernopró-o-cidente, desde junho, a Rússia não tem fornecido gás natural à Ucrânia. Desde o corte, a Ucrânia tem pro-curado os chamados “fluxos inver-tidos”, que são o gás vendido poroperadores privados europeus, algo que a Rússia considera uma violação aos contratos comerciais estabeleci-dos. Atualmente, no entanto, Rússia e Ucrânia estão negociando novos acordos para o restabelecimento do fornecimento de gás. Opontomaiscrítico,noen-

tanto, é a ameaça russa, ocorridaemoutubro,detambémsuspendero fornecimento de gás da Europa - já que alguns países do bloco estão o reexportando para a Ucrânia -, o que poderia causar uma crise sem prece-dentes, já que um terço do forneci-mentodegásaocontinentevemdaRússia. Em desdobramentos futuros, talvez um aspecto interessante e de extrema relevância seja a mudança damatrizenergéticaeuropeiaedi-minuição de sua dependência em relaçãoàRússia.Jáemmarçodesteano, em um discurso em Bruxelas, o presidente Barack Obama ofereceu aocontinenteumtratadocomercialque permita a exportação de gás de xisto para substituição do forneci-mentodogásrusso.Nessesentido,pode-se perceber uma receptivi-dade à ideia americana em alguns países do continente, muita claraem um pronunciamento do primei-ro-ministro britânico David Cameron afirmandoque“aextraçãodegásdexisto deve se tornar o ponto número um da agenda energética” do país- ainda que, hoje em dia, o gás de xistonãosejaaalternativamaisviá-vel, tanto por questões econômicas, quanto por questões ambientais. O conflitonaCrimeia,portanto,podeter despertado a ideia de que a de-pendência energética europeia emrelação à Rússia precisa ser alterada, sendo o gás de xisto, em um futuro ainda um pouco distante, a alterna-tiva. Os impactos globais têm se concentrado mais no campo econô-mico,atravésdesanções,embargose suspensão de acordos, sobretudo por parte dos Estados Unidos. O G7 –antesdoconflito,quandoaRússiafazia parte, G8 - cancelou um encon-tro marcado para junho que aconte-ceria na própria Rússia. A atual crise na Ucrânia parece ter potencial para

um realinhamento da ordem global, nummomento em que a Rússia éalijada dos principais acordos com países ocidentais e as relações en-tre a ela e a China parecem desfru-tarde“bons”ventos:PutineZhangGaoli, vice-primeiro-ministro chinês, já anunciaram a construção de um gasoduto que permitirá a exporta-çãodegásparaaChina,apartirde2018. No campo político, valemencionar que a anexação da pe-nínsula anula o que foi conquistado em 1994, através do Memorandode Budapeste, nomeadamente um esforço para conter a proliferação nuclear global. Através do acordoassinado em 1994, Estados Unidos, Rússia e Reino Unido (aos quais se somariam China e França, mais tar-de) davam à Ucrânia garantias deque, em troca da renúncia ao tercei-ro maior arsenal nuclear mundial e adesão ao TNP, não iriam ameaçá-la ou invadi-lano futuro.Neste senti-do, um precedente perigoso parece tersidoabertocujoresultadoéain-da incerto, mas certamente danoso à contenção da proliferação nuclear.

O sequestro de aproximadamente 200 meninas ni-gerianas pelo grupo terrorista Boko Haram (tra-dução literal para “educação oriental é proibi-

da”), em março de 2014, não apenas movimentou redes sociais,mídiaefiguraspolíticasfamosas,ocasotambémrevelou à comunidade internacional as mazelas de um Estado frágil, ou seja, um “Estado incapaz de assegurar aos seus cidadãos as funções básicas necessárias à re-dução da pobreza, ao desenvolvimento e à salvaguarda da segurança e dos direitos humanos da sua população” (OrganisationforEconomicCo-operationandDevelop-ment, 2008). A Nigéria possui uma população de cerca de170 milhões de habitantes e pode ser rudemente di-

vidida entre o norte de maioria muçulmana e o sul de maioriacristã,oquenãosignificaquenãohácristãosemulçumanos em ambas as regiões. O Estado nigeriano éomaior produtordepetróleodaÁfrica; sua econo-miaémuitodependentedaexportaçãodoproduto.Asprincipais jazidas de petróleo estão concentradas na re-gião sul e, apesar de a produção do hidrocarboneto ser proeminente, a instabilidade interna do país prejudica ummaioraproveitamentodaatividadeeconômicaemquestão.Em2014,aNigériafoiclassificadacomooEs-tadomaisricodocontinenteAfricano,oquenãosigni-ficouumamelhoranascondiçõesdevidadapopulaçãodo país, que possui PIB per capta de US$2.400 (Banco Mundial, 2014) e sofre com a incapacidade de suas ins-tituiçõesemproverumadistribuiçãoadequadadebenspúblicos,incluindotransporte,água,cuidadosmédicos,alimentação e educação.

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A RECENTE INTENSIFICAÇÃO DAS AÇÕES DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM

Victor Hugo Lopes Mariana AlmeidaBruna Bruscato

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O norte, em especial, sofre com problemas eco-nômicos e com a má distribuição dos recursos públicos, principalmente aqueles provenientes dos ganhos com a produção do petróleo. A presença do Estado na re-gião é praticamente inexistente. Faltam investimentosem desenvolvimento, a infraestrutura se deteriora cada vez mais, há escassez de eletricidade, e o aumento das importações de produtos com baixíssimos preços levou ao fechamento de fábricas e ao crescimento do desem-prego. Muitos jovens no norte do Estado são obrigados a largar seus estudos para trabalhar, de forma que a poucaounenhumaqualificaçãodessesjovensdificultaa obtenção de um emprego, facilitando, assim, o recru-tamentodosmesmosporgruposanti-estataisoumilí-cias.OfracassodoEstadoemgarantiraordempúblicaecontribuircompossíveissoluçõesdecontrovérsiaseimplementação de medidas para consolidação da paz, tambémajudaafomentaracriaçãodessesgruposeoaumentodosconflitos internos. AregiãonordestedoEstado, principal campo de atuação do Boko Haram, concentraapiortaxadepobrezadentreasregiõesofi-ciais do país. A falta de crença nas autoridades seculares le-varam muitos muçulmanos do Norte a enxergarem o Islãcomoumaalternativa,eentre1999e2002foramrealizadosplebiscitosquetiveramcomofima implan-tação da sharia em doze estados. No entanto, a medida nãofoiefetivaeaporçãonortedaNigériaaindaconvivecomosproblemasdecorrupção,pobrezaeineficiênciaestatal.Asfalhasdecondutadogoverno,aliadasàsdificul-dades econômicas, aumento da desigualdade e frustra-ção social, fomentam o crescimento de grupos radicais como o Boko Haram, sendo este apenas um dos grupos de uma longa lista dos movimentos provenientes do nortedaNigéria,regiãoconhecidapeloseufundamen-talismo religioso. Cabe ressaltar ainda os casos latentes de corrupçãoque assolammuitas das instituições go-vernamentaisnigerianas,concedendoàNigériaopostode um dos países mais corruptos do mundo (Transpe-rencyInternational,2008). O BokoHaram, fundado em 2002 pelo clérigoMohammedYusuf,éumgrupojihadistasunitalocaliza-dononordestedaNigéria,regiãodemaioriamuçulma-na.O grupo temcomoobjetivo implementar a shariaem todo o Estado Nigeriano, condenando a corrupção e os chamados “falsos muçulmanos”. Originalmente diri-gida, sobretudo, contra as forças de segurança e funcio-nários do governo, a campanha terrorista do grupo tem seexpandidoparaincluirataquescontracristãos,cléri-gosmuçulmanos críticos, chefes tradicionais, agênciasdaONUeescolas.Alémdisso,ogrupocombateainflu

ênciaocidentalnonortedaÁfrica,principalmotivaçãopara o sequestro das estudantes, já que o grupo promo-veaideiadequeasmulheresdevemficaremsuascasase não terem acesso à educação, principalmente se esta for de orientação ocidental.O grupo passou a se radicalizar desde 2009 quando, no mês de julho, um assalto surpresa das forças de segu-rança a um esconderijo do Boko Haram no estado de Bauchi resultou em retaliações por parte dos insurgen-teselevouaconflitosdiretoscomasforçasarmadasni-gerianas. A violência só terminou após o líder do grupo, Mohammed Yusuf, ser capturado e morto. O segundo em comando de Yusuf, Abubakar Shekau, assumiu a lide-rança do grupo prometendo vingar a morte do ex-líder. Posteriormente a essa declaração, observou-se tanto o crescimento no número de ataques, sendo registrados 168 atentados somente em 2011, como a evolução das técnicas e armamentos empregados, acarretando nocrescimentodasvitimascivis.Em2014,aONUadicio-nou o Boko Haram à sua lista negra, descrevendo o gru-pocomofiliadoàAlQaedaeàOrganizaçãodaAl-Qaedano Magreb Islâmico. As informações repassadas pelo governo em re-lação ao caso do sequestro das garotas nigerianas mui-tas vezes são desconexas e incertas, e as ações para o resgate das meninas não surtem efeitos, mesmo com a ajuda de países como os Estados Unidos e Inglaterra, quedisponibilizaramauxilioestratégicoparainvestiga-ção e planejamento do caso. Após o atentado contra as garotas, outros ataques violentos foram deferidos pelo Boko Haram em diferentes regiões da Nigéria, comoKwada, Ngurojina, Karagau e Kautikari, em que os al-vos principais foram igrejas. Em Kano, no mês de julho, ocorreram quatro ataques de mulheres-bombas.

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O Boko Haram acaba por ser um resultado das falhasde infraestrutura jáexistentesnaNigériaeumaresposta às lacunas da sociedade nigeriana, sejam elas de ordem política ou econômica. As ações do Estadoparaenfraquecere,finalmente,desmembraroBokoHa-rampassamlongedeseremefetivas.Aviolênciaàqualapopulaçãoésubmetidacolocaemchequeumpossí-vel apoio da mesma ao governo. A falta da presença do Estado principalmente no norte e nordeste do país, os casosdecorrupçãoeafaltadeinvestimentomínimoemeducação e infraestrutura aprofundam as tensões e ma-ximizamosproblemasatuaisenfrentadospelaNigéria.Os abusos provocados pelas forças de segurança inci-tamacontinuidadedosatosdeviolênciaprovenientesdogrupo.Torna-sedifícilpôrfimaociclodeviolênciaque se estabeleceu no país. O norte da Nigéria tornou-se uma região degrande instabilidade. Isso se deve em parte devido à incapacidade que o governo central vem demonstran-do em conter a violência e reestabelecer a ordem, con-juntamente com o alto nível de violência e corrupção dasforçasarmadas,oquegeraumsentimentodedes-confiançanapopulaçãolocaleintensificaainseguran-ça na localidade. Após as sucessivas ações de grupos extremistasislâmicos,opresidenteGoodluckJonathanproclamou estado de emergência nos estados de Ada-mawa,BornoeYobeemmaiode2013. A atuação mais ofensiva do governo tem provo-cado uma radicalização por parte do Boko Haram, au-mentandoonúmerodeataquesavítimascivis,umavezque os atentados vêm ocorrendo principalmente em lugares públicos como igrejas e mercados populares. O desempenho do grupo tem fragilizado ainda mais a eco-nomia da região, a qual apresenta altos índices de de-sempregoepobreza.Alémdisso,percebe-seumaondade fechamento de escolas na região, devido ao temor de pais e alunos com possíveis sequestros. Osentimentode insegurança levamuitosnige-rianos a deixarem seu país e já se calcula que cerca de seismilpessoasabandonaramaNigérianoiníciodesteano, segundo a ACNUR (Agência da ONU para os Refu-giados).DadosoficiaisapontamqueemCamarões,paíslimítrofedaNigéria,chegaamaisdedozemilonúmeroderefugiados.Alémdisso,aregiãoapresentafronteirasmuitotênuesesemfiscalização,possibilitandoofluxoe ação do grupo em Estados fronteiriços, possibilitando ações como o sequestro de uma família francesa em ter-ritório camaronês em fevereiro de 2013. As porosidades entre as fronteiras norte da Ni-gériacomCamarões,NígereChadesãopotenciaislocuspara uma margem de manobra do Boko Haram, poden-do facilmente entrar e sair desses países, gerando uma instabilidade em toda a região. As falhas fronteiriças já

foram evidenciadas com um rapto, por parte do Boko Haram, na faixa fronteiriça norte entre Camarões e Ni-géria.NocasodoChadeeNíger,háasuspeitaqueessespaísesforamdestinosdasmeninasraptadasemabril. Estas empreitadas recentes do grupo terrorista aospaísesvizinhosfezcomqueogovernodeYaoundédeclarasse que o norte do país estava sob instabilidade políticaesuscetívelaataquesterroristas,bemcomoaação destes. Por outro lado, o governo do Chade adotou medidas de maior vigilância em suas fronteiras, (ainda mais considerando que sua capital, N’jadema, se en-contrapertodafronteiracomaNigéria)elançouumapolíticaofensivacontraogrupoBokoHaram,quefoide-clarado como um dos fatores principais pelo aumento que seus produtos sofreram no mercado internacional, umavezque,semlitoral,oChademantémacordosdeescoamentoprodutivocomAbuja.ÉpossívelobservarumacrescenteatuaçãodaAlQae-danosEstadosvizinhosàNigéria, formando,de certaforma, uma associação regional de facções criminosas. Considerando que na região quase todos os países pos-suem fronteiras frágeis, os grupos passam a ter uma espéciede livrecirculaçãoentreo território,podendoarticular-se. Deve-se ainda analisar que a área compõe uma importante rota do tráfico de armas internacional etambémumaregiãodecompradearmas,açãoestafo-mentadapelapresençadeumaquantidadesignificativadeguerrilhas,exércitosparticulareseconflitosétnicosna região. Sendo assim, o panorama regional se cons-tituinumcenárionoqualnãosesabeaocertoo realpoderbélicodosrevoltosos.Soma-seaissoofatordasfronteiras porosas que dá ao grupo – Boko Haram - uma margem de manobra muito maior frente aos governos que o combatem, podendo gerar crises regionais. A ONU passou a classificar o grupo como ter-roristaemmaiode2014,sujeitandoautomaticamenteo Boko Haram à sanções de diferentes ordens, como o embargo de armamentos e o congelamento de bens. Os quinze membros do Conselho de Segurança foram favoráveisàdecisão.Restasaberoquãoefetivaseráamedida e os impactos que ela terá sobre o grupo. Aindasobreaclassificaçãodogrupocomoter-rorista, há cada vez mais grupos extremistas apoiando construções de Estados Islâmicos, não só com o cresci-mentodaatuaçãodaAlQaedanoMagreb,mastambémporpartedoautointituladoCalifadononortedoIraque.Issogeraumvínculopraticamenteautomático,mesmoque indireto, entre esses diversos levantes, podendo as-simestabelecer-seumaconexãomaisefetivaentreeles,estendendomuitosuaáreadeatuaçãoepoderbélico.

O VISTO

As disputas políticas na Ve-nezuela a partir da segundametade do século XX foram

marcadas pelo papel do petróleo na economia do país. A crise econômi-ca derivada da queda dos preços do petróleonadécadade80,easme-didas para tentar contornar a crise, forammotivosderevoltaspopularesqueculminaramnuma tentativadegolpe em 1992 pelo Movimento Bo-livariano Revolucionário 200 (MBR-200). O então tenente-coronel Hugo Chávez Frías, líder do movimento revolucionário com ideais bolivaria-nosdeanti-imperialismoeoposiçãoao neoliberalismo, foi preso após o fracasso do episódio. Após ser anis-tiado, Chávez é eleito presidente,em 1998, como candidato do Mo-vimento Quinta República. No anoseguinte jáéestabelecidaaConsti-tuição da República Bolivariana da Venezuela. Em 2001, Chávez decretou a nova Lei de Hidrocarbonetos, atra-vésdaqual aPDVSA tornou-sedo-mínio exclusivo do Estado, assim como ampliou a participação doEstadonos royaltiesde16,6%para30%. Amudançadivideopaís emblocosantagônicos:deumlado,em-presários, sindicalistas e gerentes da PDVSA e, de outro lado, os alia-dosàpolíticapetroleiradogovernoChávez. É nesse cenário de disputas que Chávez sofre uma tentativa degolpe,ficandopresoatéqueospro-testos de milhares de apoiadores em frente ao Palácio deMirafloresobrigassem o autodeclarado presi-dente interino, o empresário Pedro Carmona, a libertar Chávez, que é,então, reintegrado como presidente da Venezuela.Em 2009, o referendopara reeleição indefinida na Vene-zuelaéaprovadoeChávezéreelei-

to. No dia 5 de março de 2013, devi-do às complicações causadas por um câncer, o presidente Hugo Chávez morreu. A ausência do carismáticolíder bolivariano e o agravamento da situação econômica do país marca-ram o início de uma fase de acirra-mento nas disputas políticas inter-nas da Venezuela. Osucessorpolítico,oqualjáhavia sido indicado por Chávez du-rante o agravamento da sua doença, foi o vice-presidente Nicolás Madu-ro, que assumiu como presidente interino na noite do dia 8 de março, três dias após a morte de Chávez, e solicitou a convocação imediata de eleições presidenciais. Com a morte de Chávez, o acirramento entre par-tidáriosdogovernoeoposiçãonãotardou a aparecer. Após o anúncio da posse de Maduro como presiden-te interino, o líder opositor Henri-que Capriles, que havia perdido as eleições presidenciais para Chávez em2012,classificouapossedeMa-durocomoilegítima. As eleições convocadas por Maduro foram realizadas no dia 14 de abril de 2013, e com uma van-tagem de apenas 50,66% dos vo-tos contra 49,07% o líder chavistafoi eleito presidente da Venezuela. O resultado foi amplamente ques-tionado pela oposição. Alegando aexistência de fraude no processo eleitoral, o adversário de Maduro e líder da oposição, Henrique Capriles, solicitou recontagem de todos os vo-tos sob acusações de irregularidades expostas em um documento com 180 páginas com pelo menos 3500 pontos descritos.Assim, na mesma noite, enquanto parte da população simpatizanteaogovernoeleitosaíaàs ruas para comemorar a vitória, a oposiçãotambémsaíaàs ruasparabater panelas como forma de mani-festar seu desacordo com o fato. O resultado acirrado das vo-tações do dia 14 de abril demonstra

a forte polarização da política navenezuelana, que se refletiu, doisdias após as eleições, numa violen-taondadeprotestos.Osconflitosseintensificaram quando o ConselhoNacional Eleitoral proclamou Nicolás Maduro como presidente eleito sem a realização de uma recontagem dos votos e a oposição convocou a realização de marchas de protes-to. Como resposta às acusações de fraude eleitoral, o Presidente Madu-roacusouaoposiçãodetentativadegolpe de Estado ao não reconhecer oresultadodaeleição.Astentativasdo governo de conter os protestos que vinham ocorrendo no país aca-baram, por vezes, assumindo um ca-ráter violento. No segundo dia após a posse de Maduro, sete pessoas já haviammorrido, outras 60 ficaramferidas e mais de 130 haviam sido presas durante os enfrentamentos entre a polícia e os manifestantes da oposição. Ainda em Abril de 2013 a Globovision, considerado o único canal aberto independente do país, que apresentava constantemente críticasaogovernochavista,foiven-didaparapartidáriosdogovernodeMaduro. Com a venda, a emissora reduziu sua programação e passou a adotar uma posição mais centrista. O caso ganhou repercussão interna-cional, no qual o governo chavista foi acusado de ferir gravemente a li-berdade de expressão da população ao calar o único veículo de informa-çãoqueapresentavacríticasaoatu-al governo. Em setembro de 2013, em meio a essa conturbada crise polí-tica, a Venezuela se retirou oficial-mente da Convenção Americana de Direitos Humanos. Na véspera decumprimento do prazo de um ano dopré-aviso feitopelogovernove-nezuelano, o presidente Nicolás Ma-duroconfirmouquedeixariaaenti-dade, acusando-a de interferir na

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O PROCESSO ELEITORAL DE 2013 NA VENEZUELA

Isabella de ModestiJemuel Paulo FaéRodolfo Kuhnen

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soberania do Estado venezuelano e de ser contra o regime socialis-ta adotado pelo governo. Maduro acusou ainda a Corte Americana de Direitos Humanos de trabalhar em favor dos interesses nacionais dos EstadosUnidos.Essaatitudedesper-tou, interna e internacionalmente, dúvidas a respeito da forma como governo do Presidente Maduro con-duziriaacrisee,atémesmo,sobreodesfecho da crise. A medida do governo cha-vista tomou projeção internacional. Por um lado, governos aliados à Venezuela, como os da Bolívia e do Equador, acusaram a Corte America-na de Direitos Humanos de defender interesses contrários aos de seus go-vernos; por outro lado, países oposi-cionistas ao governo chavista, como os EUA e a Colômbia, organizações internacionais não-governamentais, como a Human Rights Whatch, etambém a oposição interna vene-zuelana, viram na decisão tomada pelo governo chavista uma derrota para a Venezuela. Somados aos problemas po-líticos,etambémumadesuasprin-cipais causas, a Venezuela enfren-tava uma severa crise econômica. A taxa de inflação venezuelana eraa maior de toda a América Latina,a indústria apresentava um baixo crescimento, o mercado enfrentava de escassez de bens de consumo e a dívida pública ultrapassava o valor equivalentea50%doProdutoInter-no Bruto. As tensões internas entre governoeoposiçãovenezuelanati-veram o seu ápice entre fevereiro e março de 2014. No dia 12 de fe-vereiro uma manifestação contra o governo do Presidente Maduro em Caracas terminou com 3 mortos e mais de 20 pessoas feridas. Após o ocorrido, governo e oposição passa-ram a trocar acusaçõese, enquanto milhares de venezuelanos saíam às ruas para protestar contra o gover-no, outros milhares saíam em apoio

ao Presidente Maduro.Em meio a crescente escalada das manifestações de protesto na Ve-nezuela, Leopoldo López, líder do partidodedireitaVoluntadPopular,tornou-se o principal nome de opo-sição. López e seus simpatizantesbuscaram obrigar o presidente cha-vista a renunciar em curto prazo, de-fendendo que uma via rápida para a mudança de governo seria a melhor soluçãoparaacrisepolíticaeeconô-mica enfrentada pelo país. Os pro-testos, no entanto, expuseram uma divisão dentro da oposição entre o setor moderado, liderado principal-mente pelo ex-candidato a presidên-cia Henrique Capriles, e uma outra ala, da qual López era o principal re-presentante. Dias após o início dos pro-testos, o governo decretou um man-dato de prisão a Leopoldo López, acusado de promoção de violência durante as manifestações. López se entregou à polícia no dia 18 de fe-vereiro, mas pediu para seus simpa-tizantes que continuassem os pro-testos. No final do mês de março,os enfrentamentos políticos na Ve-nezuela contabilizavam 34 mortes e centenas de pessoas feridas. A resposta do governo de Maduro em relação aos excessos na realização da contenção dos pro-testos veio, novamente, através deacusaçõesde tentativadegolpedeEstado por parte da oposição, assim como alegações de que os Estados Unidos estariam incentivando osprotestos contra o governo na tenta-tivadedesestabilizaropaís.Aomes-mo tempo, a escassez de produtos básicosnaVenezuela,seintensifica,aumentando o descontentamento da oposição.Em maio de 2014, por intermédio da UNASUL, foram rea-lizadas reuniões para tentar buscar uma solução pacífica das divergên-cias entre governo e oposição. O processo eleitoral de 2013 expôs a intensa polarização do povo vene-zuelano, mostrada tanto pela revolta

da oposição, como pelas manifesta-ções violentas que se seguiram. Os protestos também refletiram a re-volta dos cidadãos com a crescente deterioração da segurança e da eco-nomianosúltimosanos.Noâmbitoeconômico, o cotidiano da popula-çãoestavaafetadoporumainflaçãode 56,2%, escassez de produtosbásicos como leite, açúcar e papel higiênico, e ameaças constantes de racionamento de energia elétrica.No tocante à segurança, segundo a ONG Observatório Venezuelano de Violência, no ano de 2013 a taxa de mortes violentas na Venezuela foi de 79 mortos para cada 100 mil habitantes, com 24.763 mortes no total. O presidente Nicolás Maduro atribui as manifestações a levantes “nazifascistas” que buscam um gol-pe de Estado, e responsabiliza os ini-migos da Revolução Bolivariana pela crise econômica de abastecimento e energia.Jáaoposição,divididaentreum setor mais radical e outro que defende a opção “por um caminho mais longo”, destacam a forte inter-venção estatal através de limitaçãode ganhos sobre venda de produtos eafixaçãodepreçoscomocausado-ras das distorções na economia. Devido à grande tensão en-tre os setores da sociedade vene-zuelana, os movimentos de protesto frequentementesetornamconflitosviolentos.Estima-sequenosúltimosmeses mais de 30 pessoas já morre-ram em manifestações.Organizações de defesa dos direitos humanos têm alertado para essa tendência violen-ta a que se encaminham as disputas políticas na Venezuela e tambémpara a situação da mídia no país, já que os maiores veículos são contro-lados pelo governo. As eleições de 2013 na Ve-nezuelaforammatériadediscussãoem uma cúpula extraordinária da UNASUL, que decidiu respeitar os resultados das eleições e reconhe-ceu a importância do Conselho

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Nacional Eleitoral da Venezuela ter aceitoverificarasurnaseletrônicasem resposta aos pedidos da oposi-ção na Venezuela. Os Estados Parte do Mercosul também se manifes-taram, aceitando os resultados das eleições e considerando os protes-tos ocorridos como ofensas à ordem democráticadopaís. Para além dos posiciona-mentosoficiaisdospaísesdaregião,a sociedade civil também semani-festou, principalmente sobre as vio-lações de direitos humanos durante a contenção dos protestos. Alguns estudantesepolíticosvenezuelanosque se posicionavam contra a deci-são do Conselho Nacional Eleitoral buscaram apoio nos países da re-gião, inclusive no Brasil. A repercussão da crise ve-nezuelana na Colômbia merece ser analisada separadamente. Primei-ro porque as relações entre os dois paísestêmumhistóricoconflituosono que diz respeito às questões de fronteira. Além disso, a tensão en-tre os países levou ao rompimento dasrelaçõesdiplomáticasem2010,quando a visão do presidente co-lombiano Álvaro Uribe conflitavacom as conduções das políticas deHugo Chávez, principalmente no tocante às guerrilhas que atuam na região. Alguns meses depois, já quando Juan Manuel Santos suce-deuUribe,asrelaçõesdiplomáticasforam retomadas. Outro fato que destaca a importância dessa análise são as relações comerciais, já que a Colômbia é grande fornecedora deprodutos básicos e alimentos para a Venezuela.Alémdisso,aVenezuelaatua como observadora no processo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). A Venezuela ameaçou deixar a posição de observadora dos diálo-gos de paz entre governo colombia-no e FARC quando o presidente da Colômbia se encontrou com Capri-

les, líder da oposição venezuelana. Mesmo assim, o governo colom-biano se ofereceu para a mediação dos diálogos com a oposição na Ve-nezuela,masaofertaconflitoucomo pedido de Maduro para que a Co-lômbia não interferisse nos negócios internos do seu país. A instabilidade da Venezuela implica também problemas comer-ciais com a Colômbia. O contraban-do na fronteira, com extensão de 2,2 mil quilômetros entre os países, tem seintensificadoàmedidaqueobo-lívar venezuelano se desvaloriza em relação ao peso colombiano, o que leva os comerciantes da Venezue-la a buscarem o mercado vizinho. Os atravessadores também procu-ram trazer dólares para negociar no mercado paralelo da Venezuela, que chega a pagar 10 vezes mais que o dólardomercadooficial.Ospaísesjá têm tomado medidas conjuntas nosentidodeamenizartalsituação.Em setembro de 2013, a saída da Venezuela da Convenção Interame-ricana de Direitos Humanos foi um acontecimento impactante interre-gionalmente. O pedido já havia sido feito com antecedência de um ano pelo ex-presidente Hugo Chávez, conforme determinado pelo tratado da Convenção. As razões para a deci-são teriam sido a falta de neutralida-de e isenção nas análises da Comis-são,principalmente,pela influênciado governo dos Estados Unidos. Ao contrário dos governos anteriores, a política externa deHugo Chávez era pautada na dimi-nuição da presença dos Estados Unidos no país, uma vez que desde sua eleição, em 1999, Chávez sem-pre buscou alternativas aomodeloneoliberal norte-americano. A pola-rização entre a Venezuela e os EUA aumentou com o estabelecimento da ALBA - Aliança Bolivariana para os povos da nossa América -, pro-posta durante a III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Associa-

ção de Estados do Caribe, realizada em 2001, e firmada em dezembrode2004,comoobjetivoprincipaldeintegrar política, social e economi-camenteasregiõesdaAméricaLati-naedoCaribe.Ainciativa,lideradapela Venezuela e por Cuba represen-ta um confronto direto com a ALCA -ÁreadeLivreComérciodasAméri-cas - proposta pelos Estados Unidos jánadécadade90. Ademais, Chávez buscou am-pliar sua aproximação com a China e com a Rússia. A China e a Venezuela ampliaram os acordos comerciais, com o aumento dos investimentosno setor petrolífero, batendo de frente com o principal comprador do recursonatural venezuelano:osEstadosUnidos.JácomaRússia,osacordos entre os dois países foram para cooperação nuclear e de exer-cíciomilitar.Comisso,ficaevidentea atuação do governo em ampliar os laçoscompolíticascontráriasao“americanismo”, visto a aproxima-ção com países como a Rússia, e a crescentepolíticaexternadopaísdeintegrarapenasosEstadosdaAmé-ricaLatinaedoCaribe. Recentemente, com a evolu-ção dos casos de violência no inte-rior do país e denúncias de violação de direitos humanos da população, a crise interna da Venezuela toma repercussões além das fronteiras epreocupa a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual exige do go-verno venezuelano esclarecimentos dos atos de violências durante as manifestações. Por outro lado o Mi-nistério das Relações Exteriores daVenezuela acusa as declarações da ONU de insubsistentes, tendo como finalidadeapenasodesejodepreju-dicar o governo de Nicolás Maduro eeliminardefinitivamenteapolíticabolivariana iniciada pelo ex-presi-dente Hugo Chávez e seguida pela atual Presidente Maduro.

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