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18/03/2016 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e932fffb25ab867680257e8100375246?OpenDocument 1/34 Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 5105/12.2TBXL.L1.S1 Nº Convencional: 2ª SECÇÃO Relator: TOMÉ GOMES Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL ADVOGADO PRESUNÇÃO DE CULPA ILICITUDE PERDA DE CHANCE DANO EMERGENTE MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Nº do Documento: SJ Data do Acordão: 09072015 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES. DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. Doutrina: Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, p. 591. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pp. 98101. Carneiro da Frada, Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2006, pp. 104/105. Júlio Vieira Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II, pp. 947 (25 a 43). Júlio Vieira Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II (pp. 947). Patrícia Cordeiro da Costa, Dano de perda de chance e a sua perspectiva no direito português, dissertação de Mestrado de Coimbra, 2010. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, 2008, pp. 11031106, nota 3103, nota 3103. Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), Centro de Direito Biomédico (CDB), Coimbra Editora, 2008, pag. 192 a 198, 216; Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e Informações, Coimbra, Almedina, 1987, pp. 221 e ss., 294. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): ARTIGOS 342.º, N.º 1, 483.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.º 1 E 4, 562.º, 563.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.º3, 798.º, 799.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ARTIGOS 635.º, N.º 3 A 5, 639.º, N.ºS 1 E 2, 671.º, N.º3, 672.º, N.º1, AL. C), 674.º, N.º1. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: DE 6/03/2007, PROCESSO N.º 07A138, EM WWW.DGSI.PT DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT DE 28/09/2010, PROCESSO N.º 171/2002.S1, EM WWW.DGSI.PT DE 26/10/2010, PROCESSO N.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . DE 10/03/2011, PROCESSO N.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1. DE 29/05/2012, PROCESSO 8972/06.5TBBRG.G1.S1 (VIDE TAMBÉM PROCESSO N.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, E DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1).

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18/03/2016 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 5105/12.2TBXL.L1.S1Nº Convencional: 2ª SECÇÃORelator: TOMÉ GOMESDescritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

ADVOGADOPRESUNÇÃO DE CULPAILICITUDEPERDA DE CHANCEDANO EMERGENTEMATÉRIA DE FACTOPODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nº do Documento: SJData do Acordão: 09­07­2015Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTAÁrea Temática:

DIREITO CIVIL ­ RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DEDIREITOS / PROVAS ­ DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DASOBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DASOBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃOCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.DIREITO PROCESSUAL CIVIL ­ PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.

Doutrina:­ Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, p. 591. ­ Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Regime da responsabilidade Civil Extracontratualdo Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pp. 98­101. ­ Carneiro da Frada, Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso,Almedina, 2006, pp. 104/105.­ Júlio Vieira Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito eJustiça, Vol. XIX, 2005, tomo II, pp. 9­47 (25 a 43).­ Júlio Vieira Gomes, “Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito eJustiça, Vol. XIX, 2005, tomo II (pp. 9­47).­ Patrícia Cordeiro da Costa, Dano de perda de chance e a sua perspectiva no direitoportuguês, dissertação de Mestrado de Coimbra, 2010. ­ Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol.II, Coimbra Editora, 2008, pp. 1103­1106, nota 3103, nota 3103. ­ Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noçãoda Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra (FDUC), Centro de Direito Biomédico (CDB), CoimbraEditora, 2008, pag. 192 a 198, 216; Responsabilidade por Conselhos, Recomendações eInformações, Coimbra, Almedina, 1987, pp. 221 e ss., 294.

Legislação Nacional:CÓDIGO CIVIL (CC): ­ ARTIGOS 342.º, N.º 1, 483.º, N.º1, 494.º, 496.º, N.º 1 E 4, 562.º,563.º, 564.º, N.º2, 566.º, N.º3, 798.º, 799.º, N.º1.CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ­ ARTIGOS 635.º, N.º 3 A 5, 639.º, N.ºS 1 E2, 671.º, N.º3, 672.º, N.º1, AL. C), 674.º, N.º1.

Jurisprudência Nacional:ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:­DE 6/03/2007, PROCESSO N.º 07A138, EM WWW.DGSI.PT ­DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT ­DE 28/09/2010, PROCESSO N.º 171/2002.S1, EM WWW.DGSI.PT­DE 26/10/2010, PROCESSO N.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EMWWW.DGSI.PT .­DE 10/03/2011, PROCESSO N.º 9195/03.0TVLSB.L1.S1.­DE 29/05/2012, PROCESSO 8972/06.5TBBRG.G1.S1 (VIDE TAMBÉM PROCESSON.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, E DE 29/04/2010, PROCESSO N.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1).

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Sumário :1. Numa causa em que se discuta a responsabilidade do advogadopelo insucesso obtido noutra ação, ao credor lesado incumbeprovar, além da verificação desse insucesso, os factosdemonstrativos de que o advogado não usou dos meios técnico­jurídicos e dos recursos da experiência ao seu alcance, requeridospelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas,de forma a qualificar a ilicitude dessa conduta; provado que sejaesse comportamento ilícito, impenderá então sobre o advogado oónus de provar factos que revelem não lhe ser subjetivamenteexigível ou censurável tal comportamento, de modo a ilidir apresunção de culpa estabelecida no art.º 799.º, n.º 1, do CC.

2. Traduzindo­se a perda de chance em situações ainda incipientesna nossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas nadoutrina nem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são,por exemplo, as situações dos lucros cessantes e dos danos futuros,para mais de ocorrência multifacetada, um método de análise queparta de uma definição dogmática de dano para dela depoissubsumir o caso concreto não será, porventura, o método maisseguro, podendo mesmo mostrar­se redutor. Ao invés, umametodologia que procure seguir uma pista mais casuística, demodo a aferir cada caso à luz das exigências legais sobre aprobabilidade suficiente para o reconhecimento do dano, pode sermais promissora.

3. Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perdade chances processuais, em vez de se partir do princípio de que osucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, mostra­se maisadequado questionar, perante cada hipótese concreta, qual o graude probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bemacontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de umdesenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado comouma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina ejurisprudência então existentes; o ónus de prova de talprobabilidade impende sobre o lesado.

4. Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de umevento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificadacomo um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absolutado resultado tido em vista, reconduzindo­se a um dano autónomoexistente à data da lesão, portanto qualificável como danoemergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente,independente do resultado final frustrado.

5. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras dacausalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a

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conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede nodomínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis.

6. No caso de perda de chances processuais, a primeira questãoestá em saber se o frustrado sucesso da ação assume tal padrão deconsistência e seriedade, nomeadamente para efeitos de danos nãopatrimoniais, para o que releva ponderar, face ao estado dadoutrina e jurisprudência então existente, ou mesmo já emevolução, se seria suficientemente provável o êxito daquela ação,devendo ter­se em linha de conta, fundamentalmente, ajurisprudência então seguida nessa matéria pelo tribunal daquelacausa, impondo­se fazer o chamado “julgamento dentro dojulgamento”, atentando no que poderia ser considerado comoaltamente provável por esse tribunal; tal apreciação traduz­se,enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.

7. Assim sendo, essa apreciação extravasa os fundamentos dorecurso de revista delineados no n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA e marido BB (A.A.) instauraram, em 07/09/2012, junto dosJuízos Cíveis do Seixal, uma ação declarativa especial prevista noDec.­Lei n.º 108/2006, de 08/06, contra CC (R.), advogado, apedir a condenação deste a pagar­lhes, em conjunto, a quantia de €60.000,00, acrescida de juros vincendos, a título de danos nãopatrimoniais, alegando, no essencial, que:

. O R. foi nomeado patrono dos aqui A.A. para deduzir oposição auma execução para entrega de coisa certa (despejo), por falta depagamento de rendas, movida contra estes;

. Embora os A.A. tenham entregue em mão, em 15/05/2010, o rolde testemunhas, este só entrou em juízo em 28/05/2010, quando játinha decorrido o prazo para o efeito, motivo pelo qual não foiadmitido;

. Assim, não tendo os A.A. produzido prova em julgamento, aoposição foi julgada improcedente, mesmo após recurso para oTribunal da Relação de Lisboa, o que levou à execução do despejoem 15/07/2012;

. Com tal despejo, os A.A. ficaram muito abalados e aflitos, o quelhes causou uma profunda depressão, pois habitavam a casa há 12

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anos e aí tinham o centro da sua vida familiar;

. Os A.A. encontram­se ambos desempregados, com dois filhos acargo.

2. O R., na contestação, além de impugnar a quantia peticionada,sustentou, em síntese, que:

. Não é verdade que o rol de testemunhas lhe tenha sido entregueem mão e em tempo, mas sim depositado na sua caixa do correio,sem aviso prévio ou posterior.

. Não existe qualquer nexo entre a intempestividade da indicaçãodas testemunhas e o despejo dos A.A.;

. Os A.A. deduzirem pretensão infundada, injustificadamenteofensiva da honra e bom nome do R..

Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação dosA.A. como litigantes de má­fé, em multa e indemnização,incluindo o valor de € 642,60 pagos a título de taxa de justiça.

3. Saneado o processo e realizada a audiência final, foi proferidasentença final, datada de 23/01/2013, a julgar improcedente a açãocom a consequente absolvição do R. do pedido, denegandotambém a pretendida condenação dos A.A. como litigantes de má­fé.

4. Inconformados com essa decisão, os A.A. apelaram dela para oTribunal da Relação de Lisboa, tendo sido proferido o acórdão defls. 219­234, datado de 10/02/2015, a julgar a apelaçãoimprocedente, confirmando a sentença recorrida, mas com um votode vencimento no sentido da revogação daquela decisão e dacondenação dos A.A. numa indemnização equitativa de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

5. Novamente inconformados, vieram os A.A. interpor o presenterecurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª ­ Caso existam dúvidas quanto ao cariz "essencial" dafundamentação empregue numa e noutra decisão, e se oentendimento que vier a ser adotado pelo Exm.º Juiz Relator for odo recurso de revista excecional, por entender não estar excluída adupla conforme, dá­se aqui como integralmente reproduzido oacórdão ­ fundamento, que contraria o decidido no acórdãorecorrido, porquanto em ambos os Acórdãos à uma similitude daquestão que se discute – omissão de apresentação do requerimentode prova pelo Advogado ­ sem que as decisões sejam uniformes, oque determina a discordância alegada pelos Autores quanto à

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aplicação do direito à luz do domínio da mesma legislação, porcontradição de julgados. Termos em que, decidindo conforme oalegado e conforme o acórdão citado, será feita justiça. Cfr.Acórdão ­ fundamento com nota de trânsito em julgado;

2.ª ­ Contudo, a entender o Exm.º Juiz Relator que se trata de umrecurso de revista normal, por considerar estar excluída a duplaconforme, por a confirmação da decisão da 1.ª Instância assentarnuma fundamentação essencialmente idêntica, por o Acórdãorecorrido conter a existência de voto de vencido, o que assinalauma importante divergência entre o coletivo, e ainda por estaremverificados os restantes pressupostos de admissibilidade da revista,o que justifica o desimpedimento do acesso ao recurso de revistanormal, então os A.A. começam por afirmar que estabilizada quese mostra a matéria de facto, está provado que os recorrentessolicitaram a nomeação de patrono para a condução da oposiçãoà execução para entrega de coisa certa;

3.ª – Estamos, pois, perante uma hipótese de responsabilidadecontratual, visto que entre os A.A. e o R., este na qualidade deadvogado, foi estabelecido um contrato de mandato – artigos1157.º, 1158.º, n.º 1, e 1178.º do CC;

4.ª ­ A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seucliente no âmbito e no exercício do mandato forense é contratual,uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentesdesse contrato;

5.ª ­ No âmbito da responsabilidade contratual, compete aodevedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimentodefeituoso da obrigação não procede de culpa sua;

6.ª – A lei estabelece uma presunção de culpa neste tipo deresponsabilidade (art.º 799.º, n.º 1, do CC);

7.ª ­ Ao credor bastará provar que a obrigação não foi cumpridaou que foi cumprida defeituosamente (facto ilícito contratual), nãotendo, porém, de provar a culpa do devedor, já que é a ele quepertence o ónus de provar que não cumprimento ou cumprimentodefeituoso não procedeu de culpa sua.

8.ª ­ No caso dos autos, estamos perante uma obrigação de meios;

9.ª ­ Nas obrigações de meios, não basta alegar a perda da açãopara se considerar em falta o advogado que patrocinou a causa, énecessário provar que o advogado não realizou os atos em quenormalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo comas normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão;

10.ª ­ Uma vez provado pelo credor que o meio exigível não foi

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empregue pelo devedor ou que a diligência exigível de acordo comas regras da arte foi omitida, competirá ao devedor provar quenão foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu adiligência exigível;

11.ª ­ Neste sentido, é aplicável às obrigações de meios apresunção de culpa do art.º 799.º, n.º 1, do CC;

12.ª – Da factualidade provada resulta que o R. assumiupatrocinar os A.A., na qualidade de patrono nomeado dosoponentes na oposição à execução que correu termos peloTribunal de Família e Menores do Seixal (extinto) – 2.º JuízoCível;

13.ª ­ Como mandatário forense dos AA., o R. estava obrigado apraticar os atos compreendidos no mandato judicial que aceitou;

14.ª ­ No exercício da profissão de advogado, constitui deverprofissional deste estudar com cuidado e tratar com zelo a questãode que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursosda sua experiência, saber e atividade;

15.ª ­ O advogado deve atuar de forma mais conveniente para adefesa dos interesses do cliente, aconselhando­o, defendendo­ocom prontidão, consciência e diligência, assumindoresponsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foiconfiada (cf. artigo 92.º, n.º 1, e 93.º, n.º 2, da Lei n° 15/2005, de26/01);

16.ª – O patrocínio jurídico dos A.A., na dita oposição à execução,que fora confiada ao R., passava, necessariamente, pelaapresentação do requerimento probatório, o que é fundamental, nocaso, visto que, perante a falta do rol de testemunhas e de outrosmeios de prova, inevitavelmente os factos alegados, nuncapoderiam ser dado como provados;

17.ª ­ É de essencial importância a apresentação dos elementos deprova para demonstrar o alegado na peça processual apresentada;

18.ª ­ Da factualidade provada consta que, organizada que foi abase instrutória, o tribunal notificou o R. no dia 4/5/2010 para, em15 dias, apresentar rol de testemunhas, requerer outras provas,bem como a gravação da audiência final ou a intervenção docoletivo, e alterar os requerimentos probatórios que houvessefeito, nos termos e para os efeitos do estipulado pelo artigo 512.º,do CPC;

19.ª ­ O R. apenas deu entrada, no Tribunal, ao requerimento deprova no dia 28 /05/2010;

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20.ª ­ No seguimento, o juiz do processo julgou extemporâneo orequerimento com a indicação dos meios de prova e determinou oseu desentranhamento com fundamento na sua extemporaneidade,não tendo o R. interposto recurso dessa decisão;

21.ª ­ Está, pois, demonstrado nos autos, tal como alegaram osA.A., na ação de responsabilidade civil contra o R., que esteapresentou o requerimento probatório em juízo fora do prazolegal, e não há dúvidas de que essa era uma diligência essencial aque estava obrigado por força do mandato forense que assumiupara com aqueles;

22.ª ­ Assim, está provado que o meio exigível, diligente eadequado, de acordo com as regras estatuárias e deontológicas daprofissão de advogado, não foi cumprido pelo R., quando lhecompetia demonstrar que tal omissão não tinha decorrido de culpasua;

23.ª ­ Contudo tal prova não foi efetuada pelo R. na ação deresponsabilidade civil contra si intentada, nem este alegou ou fezprova do justo impedimento, nem que tivesse interposto recurso dodespacho de desentranhamento do requerimento probatório.

24.ª ­ Era ainda sobre o R. que, na referida ação, impendia alegare fazer a prova que à improcedência da oposição era indiferente ofacto de não ter apresentado o rol de testemunhas, como determinao artigo 342.º, n.º 2, do CC, isto é, que a ação devido àsvicissitudes, sempre seria julgada improcedente e o réu absolvidodo pedido, o que o R. não alegou nem provou;

25.ª – O R., enquanto mandatário dos A.A., não cumpriu omandato ou cumpriu­o defeituosamente, sendo­lhe imputável talincumprimento, face à presunção referida, que não ilidiu, a títulode negligência;

26.ª ­ A omissão, que se traduziu na falta de apresentação do rolde testemunhas em tempo devido, é imputável ao R. a título deculpa;

27.ª ­ Face à lei, esta omissão determinou, que se tivessem comonão provados, os factos alegados pelos A.A. /Oponentes e aoposição à execução fosse julgada improcedente;

28.ª ­ Uma vez chegados à ilicitude contratual, será que o R. nãoincorre em responsabilidade civil para com os A.A., ou seja, separa além dos referidos pressupostos não existe ainda dano e nexode causalidade, entre a conduta omissiva e o dano?

29.ª ­ O acórdão recorrido responde pela negativa, afirmando quea omissão não foi a causa do dano e que não há lugar a

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indemnização, sendo certo que a decisão do coletivo foidiscordante, foi apenas maioritária, com um voto de vencido;

30.ª ­ A improcedência da oposição à execução decorreudiretamente da falta, em tempo, da entrega do requerimentoprobatório;

31.ª ­ Pelo contrato de mandato forense, o advogado não se obrigaa ganhar a causa, mas apenas a colocar ao serviço do cliente osseus conhecimentos jurídicos, a sua diligência profissional, comvista a obter tal resultado;

32.ª ­ Nos autos, não existem elementos que permitam asseguraraos A.A., caso o requerimento probatório fosse entreguetempestivamente e se tivessem produzido prova, que a oposiçãoprocederia ou improcederia; aliás, devido à omissão, os A.A.nunca o poderiam saber, por ser matéria insuscetível de serprovada;

33.ª – O certo é que, por falta do requerimento probatório, não foiproduzida qualquer prova, porque os factos por si alegados naoposição à execução foram logo tidos por não provados e, assimsendo, não é possível saber­se qual o grau de probabilidade daprocedência ou improcedência da ação, caso o rol fosseapresentado tempestivamente, pois tal dependeria, dos factos que,após audiência, viessem a ser fixados como provados;

34.ª ­ Dúvidas não existe de que a ausência do rol de testemunhase, portanto, a impossibilidade dos A.A. (ali oponentes) produziremprova, determinou a absolvição do oposto;

35.ª ­ Sendo a falta do requerimento probatório daresponsabilidade do R., imputada a título de culpa, o facto deexistir uma impossibilidade de determinar o nexo causal, emtermos de causalidade adequada, não significa que isto deixe deconduzir à responsabilização do profissional que violouilicitamente e com culpa, os seus deveres para com o cliente;

36.ª ­ O processo civil é dominado pelo princípio do contraditório,de modo a garantir a ambos as partes a igualdade de armas ou deoportunidades de apresentar os seus pontos de vista, à suaargumentação e produzir, em sua defesa, os meios de prova quetiverem por conveniente, sendo um princípio e um direito essencialque pertence a todas as partes em qualquer processo;

37.ª ­ Também a lei, como acontece no caso em apreço, exige queas partes sejam patrocinadas por advogados, exatamente paramelhor garantir os seus direitos, designadamente, os direitosprocessuais;

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38.ª – Ora, se o Réu, por negligência sua, não apresentou orequerimento de prova na oposição, é claro que retirou aos A.A. apossibilidade de verem apreciados os seus argumentos, as suasrazões, as provas que as suportariam;

39.ª ­ Essa omissão determinou o desentranhamento dorequerimento probatório, sendo que ficou desde logo afastado apossibilidade de ganho da oposição pelos aqui A.A., o querepresenta um dano autónomo;

40.ª ­ O desentranhamento do requerimento permitiuimediatamente que os factos alegados pelos A.A./Oponentes nãofossem dados como provados e o oposto tivesse sido absolvido, oque, independentemente do sucesso da ação, constitui, por si só,um dano ou prejuízo autónomo independente do seu resultado(perda de chance ou da oportunidade de oferecer os meios deprova);

41.ª ­ Aos A.A. assistia­lhes o direito a fazer a prova, o que égarantido por lei a todas as partes e constitui um bem jurídicotutelado pela lei processual e no caso um bem jurídico protegidopelo contrato;

42.ª ­ Foi exatamente para exercer a defesa dos seus interesses naoposição à execução instaurada contra o oposto, que os aqui A.A.solicitaram a nomeação de um patrono.

43.ª ­ Como observa Carneiro da Frada, referindo­se ao planocontratual “a perda de oportunidade pode desencadearresponsabilidade de acordo com a vontade das partes (quecriaram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato)”;

44.ª ­ Assim, sabendo­se que a obrigação do R. como advogadodos A.A. é uma obrigação de meios, o dano emergente documprimento defeituoso do mandato corresponderá à prestaçãodevida, que o advogado não efetuou, com o que fez perder aos A.A.a oportunidade de evitar um prejuízo, no caso, de evitar aimprocedência da oposição ­ Cf. Jaime Augusto de Gouveia — DaResponsabilidade Contratual;

45.ª ­ O uso do dano conhecido por “perda de chance” cabeclaramente, dentro dos princípios orientadores do nossoordenamento jurídico civil;

46.ª ­ Considerando o direito dos A.A., como um bem tutelado,pela lei processual e pelo contrato de mandato estabelecido entreestes e o R., a impossibilidade de fazer prova por omissão culposadeste, tem de ser visto como um prejuízo ou dano em si mesmoconsiderado (isto é como um dano autónomo); este dano é

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indemnizável;

47.ª ­ Também quanto ao nexo de causalidade adequada existenteentre a conduta omissiva e o dano ou prejuízo sofrido pelos A.A.em consequência da dita omissão, nenhuma dúvida existirá;

48.ª ­ Chegados aqui, na sequência da omissão culposa há quequantificar o dano, o que só pode ser feito com recurso àequidade, que deve ser apreciada em função do que se tiver porprovado ­ Cfr. art.º 566.º, n.º 3, CC;

49.ª ­ Ao contrário do referido pelo Tribunal “a quo”, no caso emapreço é enorme a dificuldade, senão mesmo impossível, apreciaro grau de probabilidade sobre a procedência ou improcedência daoposição por ausência de prova, Cfr. acórdão STJ de 5/2/2013 noproc.º n.º 488/09.4TBESP.PI.S1 Relatado pelo Exm.º JuizConselheiro Hélder Roque);

50.ª ­ Contudo, se tivessem sido oportunamente oferecidos osmeios probatórios, seria feita a essencial produção da prova, queos A.A. não deixariam de apresentar;

51.ª – Se os A.A. tivessem oferecido as suas testemunhas paraserem ouvidas para a procedência da sua pretensão, teriam aoportunidade de ver apreciada pelo tribunal os factos alegados,cumprindo­se o contraditório inerente à discussão e julgamento dacausa;

52.ª ­ Assim, em termos de equidade, tendo em conta o grau depossibilidade de ocorrer uma ou outra situação ­ procedência,improcedência (total ou parcial) ­, não poderá o tribunal deixar defixar uma indemnização correspondente a 50% para cada uma daspartes;

53.ª ­ O Tribunal “a quo”, ao ter decidido que a omissão dorequerimento probatório pelo R., só por si, não é causa de dano ede que não há lugar a indemnização, cometeu um erro dejulgamento de direito ­ art.º 674.º, n.º 1, al. a), do CPC;

54.ª ­ À luz da jurisprudência do STJ, da doutrina e da leisubstantiva acima indicada, a decisão proferida é injusta por severificar erro de julgamento de direito; a decisão é errada porpadecer de "error in iudicando", por terem sido violadas normasde direito substantivo, por se ter procedido a uma interpretação eaplicação incorreta das normas reguladoras do caso ajuizado;

55.ª ­ O acórdão recorrido violou o artigo 483.º; 486.º e 566.º, n.º3, todos do CC e ainda a jurisprudência e doutrina acimaindicada.

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Pedem os Recorrentes que seja revogado o acórdão recorrido ejulgada totalmente procedente a ação nos termos inicialmentepeticionados.

6. Por seu lado, o R. apresentou contra­alegações a sustentar aconfirmação do acórdão recorrido, rematando com a seguintesíntese conclusiva:

1.ª ­ De acordo com a previsão dos artigos 652.º, n.º 1, alínea h), e655.º do CPC, deve julgar­se findo o recurso por não haver queconhecer do seu objeto (in casu dos recursos), não sendo causa deindeferimento do art.º 641.º, n.º 2, do CPC, também não é caso deconvite ao aperfeiçoamento, que a lei prevê para as conclusõesdas alegações nos termos do n.º 3 do art.º 639.º do CPC (cfr. art.º652.º CPC), não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento dorequerimento de interposição do recurso, atento o disposto aindanos artigos 637.º, n.º 1, 653.º e 654.º CPC.

2.ª ­ A lei permite (n.º 5 do art.º 672.º) que, se a formação especial(prevista no n.º 3) entender que, apesar de não se verificarem ospressupostos da revista excecional, que é definitiva quanto àinadmissibilidade da revista excecional, caso constate que nadaobsta ao conhecimento do recurso como revista­regra, podedeterminar a redistribuição do processo, mas não lhe competeverificar os pressupostos da revista­regra, designadamente quantoà inexistência de uma situação de “dupla conforme”;

3.ª ­ Em nenhum caso se prevê na lei a possibilidade de interpor orecurso de revista normal ou regra e se não se entender ser este oadequado, em alternativa apreciar­se a revista como excecional.

7. O recurso foi admitido pelo Exm.º Juiz Relator do Tribunal daRelação com recurso de revista não excecional, por não ocorrerdupla conforme relevante, dada a verificação de voto de vencido,conforme o despacho exarado a fls. 349, de 13/05/2015.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto do recurso

Antes de mais, importa referir que, embora o recurso tenha sidointerposto, em primeira linha, a título excecional, ao abrigo dodisposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, na suaredação atual, o certo é que o mesmo é admissível como revistanormal nos termos do preceituado no n.º 3 do art.º 671.º do mesmo

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diploma, já que o acórdão recorrido confirmou a sentença da 1.ªinstância mas com um voto de vencido, como bem se ponderou nodespacho do Exm.º Relator do Tribunal da Relação exarado a fls.349.

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definidoem função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termosdos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto deste recurso incide,nuclearmente, sobre a questão de saber se o acórdão recorridopadece de erro de julgamento, por violação de lei:

a) – no respeitante à alegada existência do dano não patrimonialdecorrente da “perda de chance processual”, por sua vez, derivadada apresentação intempestiva do rol de testemunhas, por parte doora R., na qualidade de patrono nomeado aos ora A.A., enquantooponentes na execução em que tal ocorreu;

b) ­ e ainda quanto à pretensa verificação do nexo de causalidadeentre essa conduta e o dano invocado.

III – Fundamentação

1. Factualidade dada como provada pela na 1.ª Instância

Vem dada como provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No ano de 2009, DD intentou ação executiva contra os aquiAA., AA e BB para entrega do imóvel sito na Rua …, Lote …, …,Fernão Ferro, Seixal, e juntou contrato de arrendamento celebradoentre as partes e notificação judicial avulsa a declarar a resoluçãode tal contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas.

1.2. Nessa ação, o R. foi nomeado patrono dos aqui AA.

1.3. Na sequência dessa nomeação, os A.A. e o R. reuniram.

1.4. No dia 13/11/2009, na qualidade de patrono dos executados,aqui A.A, o ora R. deduziu articulado tempestivo de oposição àexecução, onde alegou que o contrato de arrendamento celebradoentre as partes foi simulado e pretendeu esconder um contrato­promessa de compra e venda verbal com tradição da coisa, tanto

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que pagaram parte do preço, contribuição autárquica e fizerambenfeitorias no imóvel, em face do que, concluiu pela sustação daexecução e pela anulação de todo o processado;

1.5. Entre 14/11/2009 e 3/5/2010, o exequente apresentoucontestação e concluiu pela improcedência da oposição.

1.6. No dia 03/05/2010, foi proferido despacho saneador tabelar edispensada a seleção da matéria de facto;

1.7. No dia 04/05/2010, foi expedida notificação registada ao R, naqualidade de patrono dos executados, aqui A.A., a dar­lheconhecimento do despacho saneador e da faculdade de, em quinzedias, apresentar rol de testemunhas e apresentar outras provas;

1.8. Logo que foi notificado, o R. pediu aos A.A. para indicarem astestemunhas a arrolar;

1.9. No dia 28/05/2010, o R apresentou o rol de testemunhas dosexecutados, aqui A.A.;

1.10. No dia 07/06/2010, foi proferido despacho que não admitiu orol de testemunhas por intempestivo;

1.11. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e, no dia15/09/2010, foi proferida sentença, confirmada, após interposiçãode recurso pelos ali oponentes, aqui A.A., por acórdão do Tribunalda Relação de Lisboa, a julgar a oposição à execução improcedentee a determinar o prosseguimento da ação executiva, constando dafundamentação que: primeiro, o título executivo era válido;segundo, os oponentes não tinham cumprido o ónus de provarem oque alegaram, designadamente a simulação do contrato dearrendamento; terceiro, mesmo que tivessem provado a celebraçãoefetiva de contrato­promessa de compra e venda de imóvel, omesmo seria nulo, ou, a assim não se entender, não tinham osoponentes provado o seu incumprimento pelo exequente e arealização de benfeitorias fundadoras de direito de retenção;

1.12. Na reunião, os A.A. expuseram ao R a sua versão,entregaram­lhe documentos e questionaram­no do êxito daoposição à execução;

1.13. O R. respondeu­lhes que a situação era fácil e tinha enormespossibilidades de êxito;

1.14. No dia 15/05/2010, os A.A. entregaram em mão ao R. o rolde testemunhas;

1.15. Porque o rol de testemunhas não foi admitido, os A.A. nãoproduziram prova testemunhal sobre os factos que alegaram na

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oposição;

1.16. No dia 16/07/2012, os A.A. desocuparam e entregaram oimóvel;

1.17. Os A.A. ficaram muito abalados e aflitos por ficarem semcasa;

1.18. Os A.A. estavam desempregados, viviam do subsídio dereinserção social e da ajuda de familiares e tinham dois filhos;

1.19. Os A.A. habitavam aquela casa, pelo menos, desde o ano de2000;

1.20. Aquela casa era o centro da vida familiar e social dos A.A..

2. Do mérito do recurso

2.1. Enquadramento preliminar

Antes de mais convém reter que a presente ação tem por objetouma pretensão indemnizatória, a título de danos não patrimoniais,no valor de € 60.000,00, acrescida de juros vincendos, comfundamento em violação de deveres profissionais do aqui R., noexercício da sua atividade forense, como advogado nomeado aosora A.A. para os representar na posição de executados/opoentes, noâmbito de uma ação executiva para entrega de coisa certa ­ a casade habitação dos A.A. ­ com fundamento em resolução de umcontrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas.

A primeira questão que se suscitou, nas instâncias, foi a de saberqual o título de responsabilidade civil em causa – se contratual ouextracontratual ­, uma vez que se trata de advogado que foranomeado aos executados/opoentes, ora A.A., no âmbito do regimede apoio judiciário.

Ora, independentemente das correntes doutrinárias sobre talqualificação, maioritariamente no sentido de uma natureza mista,conforme as circunstâncias, o que poderia relevar, nomeadamente,em sede de repartição do ónus de prova quanto à culpa do agente, ocerto é que, estando aqui em causa apenas as questões relativas àocorrência do dano e ao respetivo nexo de causalidade, serãoaplicáveis as mesmas disposições legais, quer se trata deresponsabilidade contratual ou extracontratual.

Todavia, no caso presente, embora o ora R. tenha sido nomeado

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aos A.A. por via do regime do apoio judiciário, no exercício do seupatrocínio, mormente no quadro da sua relação com ospatrocinados, não poderá de estar sujeito às respetivas normasestatutárias e, subsidiariamente, ao regi­me do contrato de mandatoforense. De resto, a violação que vem imputada ao R., deapresentação intempestiva do rol de testemunhas, inscreve­seperfeitamente no quadro das obrigações do contrato de mandatoforense, a que se reconduzia a posição do ora R. comorepresentante dos executados/ opoentes, ainda que por via denomeação oficiosa.

Sucede que em ambas as instâncias se concluiu que o R., ao terapresentado intempestivamente o rol de testemunhas, noprocedimento de oposição à execução em referência, praticou umato ilícito e culposo, questão esta que não está em discussão nopresente recurso e que, por isso, se tem por arrumada.

Assim, o que resta agora apreciar é se a decisão recorrida enfermade erro de direito, ao ter concluído, face à factualidade provada,pela inexistência do dano não patrimonial invocado, na modalidadede perda de chance, e pela inexistência do respetivo nexo decausalidade.

2.2. Quanto à caracterização do dano por perda de chanceprocessual

Além da ocorrência de facto ilícito e culposo, os outrospressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente contratual,são a verificação de um dano e a sua imputação objetiva à condutailícita, imputação esta a fazer mediante o estabelecimento de umnexo de causalidade entre o evento lesivo e o dano.

Assim, no que respeita à responsabilidade contratual, o artigo 798.ºdo CC prescreve que:

O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigaçãotorna­se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Essa responsabilidade traduz­se, pois, na emergência de umaobrigação de reparar o dano causado, genericamente designada porobrigação de indemnização, cujo princípio geral se encontraenunciado no artigo 562.º do mesmo Código, ao consagrar que:

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir asituação que existira, se não se tivesse verificado o evento que

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obriga à reparação.

Por sua vez, o artigo 563.º daquele diploma, sob a epígrafe nexo decausalidade, a que está subjacente a chamada teoria da causalidadeadequada, estabelece que:

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos queo lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse lesado.

Nas palavras do Prof. Almeida e Costa, “na perspectiva daresponsabilidade civil (…), dano ou prejuízo é toda a ofensa debens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”[1].

Os danos podem classificar­se em diversas espécies: danospatrimoniais, quando sejam suscetíveis de avaliação pecuniária,porque incidentes sobre interesses de natureza material oueconómica, que se refletem, portanto, no património do lesado;danos não patrimoniais, quando não são suscetíveis de avaliaçãopatrimonial por respeitarem a interesses ou valores de ordemespiritual, ideal ou moral.

No caso dos autos, a questão cinge­se apenas ao alegado dano nãopatrimonial dos A.A., que consistiria na lesão de interessesinsucetíveis de avaliação pecuniária derivada do insucesso damencionada oposição à execução e da consequente execução dodespejo por “perda de chance” em virtude da apresentaçãointempestiva do rol de testemunhas.

E, como é sabido, a doutrina e jurisprudência hoje dominantes,admitem a compensação de danos não patrimoniais decorrentes dalesão patrimonial no quadro da responsabilidade contratual, desdeque, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito (art.º 496.º, n.º1, do CC), para o que relevam, nomeadamente, o grau de culpa dolesante e demais circunstâncias que o caso justifique (art.º 494.º e496.º, n.º 4, do CC).

Assim, no domínio dos danos não patrimoniais, como não se visauma reconstituição patrimonial, mas apenas uma compensaçãopecuniária pela ofensa grave a valores espirituais ou moraismerecedores de tutela jurídica, a indemnização será arbitrada pelotribunal, também segundo juízos de equidade, tendo em conta aculpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado eas demais circunstâncias justificativas (art.º 496.º, n.º 4, comreferência ao art.º 494.º do CC).

Desde logo, a questão da ressarcibilidade do chamado dano porperda de chance é uma questão cuja problemática repousa nadificuldade em saber se estamos perante um dano tutelado pelanossa ordem jurídica e, em caso afirmativo, qual o critério a adotar.

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Assim, as sub­questões que se colocam consistem em saber:

a) – se o dano por perda de chance constitui um dano autónomoque mereça tutela na nossa ordem jurídica;

b) – em caso afirmativo, que pressupostos deve reunir para assimser considerado;

c) – depois, como estabelecer o respetivo nexo de causalidade como facto ilícito em causa;

d) – face ao quadro traçado, se o caso dos autos suporta um talenquadramento;

e) ­ qual o critério a adotar na determinação do montanteindemnizatório.

A doutrina jurídica sobre a indemnização pela designada perda dechance, também conhecida por perda de oportunidades de realizarum ganho ou evitar um prejuízo, sem que se possa apurar a suaverificação efetiva, terá despontado, implicitamente, em França, noâmbito de um acórdão proferido pela Cour de Cassation, em17/07/1889, no qual foi dado provimento a uma pretensãoindemnizatória fundada numa gerada impossibilidade deprosseguir um processo judicial[2]. A partir de então, ajurisprudência dos tribunais franceses veio a acolher e alargar,gradualmente, aquela doutrina a outros tipos de casos, a pontogranjear, hoje, aceitação unânime naquele país, tanto no domíniodo direito privado como do direito público, com o enfoquepolémico centrado agora nos requisitos de ressarcibilidade dessetipo de dano e nos critérios de determinação do montantereparatório[3].

Também em Itália, a perda de chance tem sido admitida pelostribunais em campos diversos, com especial relevo no direito detrabalho, exigindo­se, para a sua própria existência, um grau deprobabilidade da vantagem pertinente[4]. Por sua vez, nosordenamentos de matriz anglo­saxónica, a jurisprudência temvindo a reconhecer a ressarcibilidade da perda de chance numamultiplicidade de casos, estabelecendo, para tanto, patamaresprobabilísticos[5]; na mesma linha, a doutrina austríaca, holandesae alemã tem propendido para a chamada “causalidadeprobabilística”, sendo que a solução predominante na doutrinaalemão vai no sentido de admitir a inversão do ónus da prova ouuma facilitação da prova da causalidade.

A par desse desenvolvimento jurisprudencial, a perda de chanceencontra­se consagrada nos princípios relativos aos contratos

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comerciais internacionais da UNIDROIT[6], segundo os quais:

“1 – Só há dever de reparar o prejuízo, ainda que futuro, que possaser determinado com razoável grau de certeza;

2 – A perda de uma expectativa pode ser reparada na medida daprobabilidade da sua realização;

3 – O prejuízo cujo valor não possa ser determinado comsuficiente certeza será avaliado discricionariamente pelotribunal.”

Em Portugal, a doutrina da perda de chance não teve, até hápoucos anos, um tratamento alargado, para além de afloramentosgenéricos ou muito marginais, nomeadamente no domínio daresponsabilidade médica e dos concursos públicos, masrecentemente têm sido produzidos estudos e monografias deaprofundamento dessa temática[7].

De um lado, situam­se os Autores que, face ao direito positivoportuguês, recusam a ressarcibilidade da perda de chance, comodano autónomo, na medida em que o regime legal daresponsabilidade civil exige certeza na identificação do dano e dorespetivo nexo de causalidade com o evento lesivo, comofundamento ou pressuposto da obrigação de indemnizar, o quenunca seria possível aferir em sede de perda de chance.

Nesse sentido, para Júlio Vieira Gomes[8], o reconhecimento dodano de perda de chance inscreve­se numa “tendência para aampliação gradual do dano ressarcível”, levantando um “semnúmero de problemas”, tanto ao nível conceitual como ao nívelprático, não sendo claro que tal dano deva “ser concebido como“uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante”,considerando mesmo que a chamada “perda de chance” encobrequestões que se colocam em dois planos distintos, ainda queinterferentes, como são o plano do dano e o da causalidade. Depoisde observar que a doutrina firmada nos ordenamentos jurídicosestrangeiros implica uma ruptura com a conceção da causalidadeadequada, o mesmo Autor conclui que: “a mera perda de umachance não terá, em geral, entre nós, virtualidades parafundamentar uma pretensão indemnizatória” e que “na medida emque a doutrina da perda de chance seja invocada para introduziruma noção da causalidade probabilística, (…) a mesma deverá serrejeitada entre nós, ao menos de jure condito”.

Na mesma linha, Paulo Mota Pinto[9] sustenta que, “no plano dejure condito, não parece que exista já hoje entre nós base jurídico­positiva para apoiar a indemnização da perda de chance, sendo

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claro que o legislador do Código Civil não fornece qualquer apoionesse sentido, e, pelo contrário, parte da prova da existência de umdano certo (só admitindo a fixação pela equidade do seu valorexacto)”. E mesmo, no plano de jure condendo, observa que aindeterminabilidade do dano por perda de chance pode ofender osprincípios balizadores da obrigação de indemnizar com primordialfunção compensatória, como são os da reparação total e daproibição do enriquecimento do lesado.

De outro lado se posicionam os Autores que aceitam aressarcibilidade do dano por perda de chance, no quadro do nossoordenamento jurídico, procurando, no entanto, delimitar os seuscontornos e requisitos.

Assim, Carneiro da Frada[10] considera “a perda de oportunidadeum dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante emrelação ao dano final (apenas hipotético …), para cuja ocorrênciase não pode asseverar um nexo causal suficiente”. E, tomandocomo exemplo a chance erigida pelas partes no âmbito de umcontrato, ou seja, como bem jurídico contratualmente protegido,sustenta que a perda daquela oportunidade pode desencadearresponsabilidade contratual, embora reconheça que, em sede deresponsabilidade delitual, a primeira alternativa do n.º 1 do artigo483.º do CC não dê espaço para tal e que, fora desse contexto, tudodependerá da possibilidade de individualizar a violação de umanorma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da chance.Além disso, entende que, para a quantificação do dano, éindispensável um juízo de probabilidade, mas que, não sendopossível averiguar o seu valor exato, o tribunal julgaráequitativamente dentro dos limites que tiver por provados, nostermos do n.º 3 do artigo 566.º do CC.

Propõe ainda o mesmo Autor a via alternativa de considerar, “emnome da função preventiva da responsabilidade civil coligada aopensamento da imputação do dano àquele que aumentou o perigoda sua ocorrência”, a inversão “do ónus da prova da causalidade eexigir a quem violou o dever a demonstração de que o prejuízo nãoradicou nela ou de que, no caso concreto, o dano se teria produzidoapesar dessa violação”. Também Sinde Monteiro[11] aponta paraum eventual alargamento do limiar da relevância da causalidadepor via da mera “elevação do risco”.

Por sua vez, Rute Teixeira Pedro[12] qualifica a perda de chancecomo categoria de dano autónomo, “substancialmente diverso dodano decorrente da perda do resultado por ela proporcionado”, queidentifica como dano atual, emergente e certo, por ter “… porobjecto a perda da possibilidade actual de conseguir um resultado

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determinado”, já existente no momento da lesão, a qual tem de serprovada com o grau de verosimilhança exigido em termos deconsistência ou seriedade.

Para esse efeito, destaca três fatores indispensáveis:

1.º ­ a existência de um determinado resultado positivo futuro quepudesse vir a verificar­se, mas cuja verificação não se apresentacerta;

2.º ­ a verificação de que, apesar daquela incerteza, a pessoa lesadareúne as condições de poder vir a alcançar tal resultado;

3.º ­ a verificação de um comportamento de terceiro (o agente doato lesivo) suscetível de gerar a sua responsabilidade, em termosde eliminar de forma definitiva as (ou algumas das) possibilidadesexistentes de o resultado se vir a produzir.

Nessa base, aquela Autora distingue a certeza respeitante àinviabilização definitiva do resultado possível, pela qual se afere odano certo, da verificação efetiva desse resultado, que é, pornatureza, incerta.

E adianta que, demonstrada a existência de uma chance consistentee séria e provada a sua perda como decorrência de um facto ilícito,se coloca então o problema da determinação do quantumreparatório, para o que propõe uma dupla avaliação baseada nautilidade económica que seria alcançada com a verificação doresultado final e na probabilidade de o alcançar, compreendendotrês operações de liquidação:

“1.º – A avaliação da utilidade que a eventual convolação dachance em resultado final traria ao sujeito, ou seja, a avaliação doprejuízo decorrente da perda da vantagem ou da consumação dadesvantagem;

2.º ­ Apreciação da consistência da chance, que se traduzirá numvalor percentual significativo das probabilidades de êxito;

3.º Por fim, aplicação desta percentagem ao valor encontrado na 1.ªoperação”.

Passando agora ao panorama da jurisprudência nacional,começaremos por reconhecer que a orientação dominante doSupremo Tribunal de Justiça tem sido restritiva, em particular, nodomínio da perda de chances processuais fundada em violação dosdeveres profissionais do advogado, ancorando­se na ideia de que“a mera perda de chance não tem, em geral, virtualidade jurídico­positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória, porcontrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da

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causalidade adequada”, só podendo ser atendida em situaçõespontuais e residuais, como aquelas em que ocorra a perda de umbilhete de lotaria, ou em que se seja ilicitamente afastado de umconcurso, ou no caso de atraso de um diagnóstico médico quetenha diminuído substancialmente as possibilidades de cura de umdoente[13].

Assim, o douto acórdão do STJ, de 29/04/2010, relatado peloExm.º Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, no processo n.º2622/07.0TBPNF.P1.S1[14], versa precisamente sobre um caso deresponsabilidade de advogado por deserção de um recursointerposto de uma sentença proferida em 1.ª instância, destacacomo jurisprudência seguida por aquele Tribunal a dos seguintesarestos:

­ um de 9/02/2006 (06B016), a considerar a exigência de alegaçãoe a demonstração de que “há uma forte probabilidade de aoportunidade se não voltar a repetir ou mesmo se perdeudefinitivamente”;

­ dois, de 6/03/2007 (07­A138) e de 16/06/2009(1623/03.1TCLRS. S1), a afastarem, na prática, a perda de chancepor, tratando­se de casos de concursos públicos, dependeram dejuízos de discricionariedade e de manifesta álea, tornandoimprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexoscausal;

­ e outro de 22/10/2009 (409/09.4YFLSB), a concluir que a perdade chance não releva na vertente jurídica, “por contrariar oprincípio da certeza dos danos e da causalidade adequada.

No citado aresto, considera­se que “a perda de chance mais não édo que uma oportunidade de obter uma futura vantagempatrimonial que se gorou”, tratando­se portanto de “imaginar ouprever a situação que ocorreria não fora o ilícito”, o que não setraduz num dano presente, “no sentido de se achar concretizado nomomento da fixação da indemnização”, nem também, em rigor,num dano futuro “por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo564.º do CC, já que este tipo de dano tem de ser previsível, tendo­se como certa ou suficientemente provada a sua verificação,afastando­se os prejuízos eventuais, incertos ou hipotéticos”. Daíextrai­se que “a perda de oportunidade, não sendo um danopresente – imediato ou mediato ­, só pode ser qualificado de danofuturo mas eventual e hipotético, salvo se a prova permitir comelevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que olesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”.

Nessa linha de entendimento, ali se considera que não sendo o

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Direito “de todo, uma ciência exacta, de que são frequentementereflexo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, tendoqualquer recurso uma álea dependente das opções (ouperspectivas) dos julgadores”, não se mostra que o seu resultadofinal seja previsível. E acrescenta­se que o dano patrimonialatravés da figura de perda de chance só poderia ser ficcionado, oque “implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, quenão meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de umdano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou emconcreto, tornando assim o lesante responsável por todos osprejuízos que necessariamente resultem do não cumprimento docontrato”, como se refere no acórdão do STJ, de 6/03/2007 (07A138).

Por sua vez, o acórdão do STJ, de 28/09/2010, relatado pelo Exm.ºJuiz Conselheiro Moreira Alves, no processo n.º 171/2002.S1[15],incidindo também sobre um caso de perda de chance processual,imputável a advogado, por falta de apresentação de contestação,reconheceu o direito de indemnização ao litigante, bastando­secom o facto de o advogado demandado ter privado o seu cliente deum direito processual essencial, levando, desse modo, à imediataconfissão dos factos alegados pelo impetrante, istoindependentemente da sorte da ação, caso tivesse o seu percursonormal, o que se traduz no reconhecimento daquela perda dechance como um dano autónomo.

Também o acórdão do STJ, de 10/03/2011, relatado pelo Exm.ºJuiz Conselheiro Távora Victor, no processo9195/03.0TVLSB.L1.S1, em que se discutia a responsabilidade deadvogado por falta de pagamento de taxas de justiça devidas numincidente de falsidade de letra e assinatura, que impossibilitou emdefinitivo a apreciação judicial da questão, considerou que “achance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendoa respetiva perda passível de indemnização, desde logo quanto àfrustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram parao expectante”.

Ainda o acórdão do STJ, de 29­05­2012, relatado pelo Exm.º JuizConselheiro João Camilo[16], no processo8972/06.5TBBRG.G1.S1, em que estava em causa a perda dechances processuais imputáveis a advogado, seguindo na linha dodoutrinado nos acórdãos daquele Tribunal, de 26/10/ 2010,(processo n.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1) e de 29­04­2010 (processon.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1), concluiu que “a perda de chance nãotem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dosdanos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entreeles e a conduta do lesante” e que “apenas quando se prove que o

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lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chanceperdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivosdanos”.

Em suma, deste espectro de orientações pode concluir­se que aorientação dominante da jurisprudência do STJ vai no sentido deque a perda de chances processuais não constitui um danoautónomo, na medida em que ofende os princípios de certeza dodano e da causalidade adequada, com ressalva das hipóteses emque a prova permita com elevado grau de probabilidade ouverosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício nãofora a chance perdida.

Já no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado edemais entidades públicas, a jurisprudência do Supremo TribunalAdministrativo parece algo mais permissiva na admissibilidade daressarcibilidade do dano por perda de chance, ao considerar essavantagem perdida “como um valor autónomo e actual, distinto dautilidade final que potencia e que, por isso, a respectiva perda deoportunidade de ganho não é uma mera expectativa, mas um danocerto e causalmente ligado à conduta da Administração,determinando­se o montante indemnizatório com referência àvantagem económica final que poderia ter sido obtida e àprobabilidade que o lesado teria de a alcançar”.[17]

Sobre tal problemática, o Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Cadilhaescreve o seguinte[18]:

“Segundo é geralmente aceite, a indemnização por perda dechance traduz­se na probabilidade de obter uma vantagem ouevitar um prejuízo, representando, por conseguinte, odesaparecimento de uma posição favorável preexistente queintegrava a esfera jurídica do lesado, Com esse conteúdo, a perdade chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade dedano emergente, na medida em que não equivale à perda de umresultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de oobter. Quando essa consequência negativa é imputável a um factolesivo de outrem coloca­se a questão da sua possívelindemnizabilidade.

Nesse sentido, a perda de chance não corresponde a um merodano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e actual,visto que se trata da perda da possibilidade concreta – e já existenteno património do interessado – de obter um resultado favorável. Adificuldade coloca­se na avaliação do dano, uma vez que, emboraexista uma expectativa, a obtenção do resultado vantajoso é

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meramente hipotética. A perda de chance não se confunde, nesteplano, com o lucro cessante: o lucro cessante pressupõe que olesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídicaque lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude dofacto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não incidepropriamente sobre os ganhos que se deixaram de obter, mas sobrea titularidade da situação jurídica que permitiria obtê­los, podendoconjecturar­se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrênciado dano. No caso da perda de chance, os indícios probatóriosoperam sobre a expectativa de obter um ganho e não sobre aprópria verificação desse ganho.

O direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chancedepende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade daobtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançadose essa probabilidade se tivesse realizado. A questão não está, pois,na demonstração do nexo de causalidade, visto que é semprepossível determinar se existe ou não uma ligação causal entre ofacto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antesna existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeitolesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessaprobabilidade, traduzindo­se numa mera expectativa jurídica.

O juiz irá considerar a existência de um prejuízo ressarcível emfunção do grau de consistência da probabilidade, e, porconseguinte, apenas quando se depara com uma chance real eséria.

Não existindo qualquer indicação legal quanto aos termos emque a perda de chance poderá ser aceite no direito português, esendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, afigura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nassituações em que a privação da probabilidade de obtenção de umavantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como umdano autónomo. E, especialmente, no domínio dos concursos deprovimento para cargos públicos ou de adjudicação de contratos,em que a indevida exclusão de um candidato que tivesse umaefectiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegida senão tiver em consideração o dano que provém da própriaexpectativa de obter a indigitação.

Em qualquer caso, o dano por perda de chance não abrange asdespesas feitas em vista da obtenção da situação de vantagem, quetenham ficado desaproveitadas em virtude do acto ilícito (despesasde elaboração de projectos ou propostas ou com a aquisição debens ou direitos que eram condição de apresentação a umconcurso). Trata­se aqui, com mais propriedade, de um danoemergente, isto é, de um prejuízo já existente na esfera patrimonial

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do lesado no momento em que ocorreu a lesão e que a doutrina temvindo a caracterizar como um dano pelo interesse contratualnegativo ou de confiança.

Traçada esta panorâmica doutrinária e jurisprudencial sobre acomplexa problemática da ressarcibilidade civil da perda dechance, que posição a assumir no presente caso?

A primeira questão é saber se o chamado dano por perda dechance, nomeadamente processual, pode ser qualificado, à luz dodireito português, como um dano autónomo e em que condições.

Com é sabido, no quadro da responsabilidade civil, a nossa lei nãocontempla, nem teria de contemplar, uma definição de dano, masrefere­o como um dos pressupostos ou fundamentos da obrigaçãode indemnizar, nos artigos 483.º, n.º 1, e 798.º do CC.

Todavia, não deixa de fornecer parâmetros para que se possaformular uma tal definição (artigos 562.º a 566.º do mesmodiploma).

Desde logo, o artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral daobrigação de indemnizar, consigna que:

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir asituação que existiria, se não se tivesse verificado o evento queobriga à reparação.

E o artigo 563.º, sob a epigrafe Nexo de causalidade, prescreveque:

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos queo lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Também importa reconhecer que a responsabilidade civil no nossodireito tem como primordial a função compensatória, ou seja, areparação do dano, condição essencial e limite da obrigação deindemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenhamfinalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias, comodecorre da possibilidade de limitação da indemnização aquém domontante do dano causado, nos termos do art.º 494.º do CC. Nessalinha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar temcomo balizas, por um lado, o princípio da reparação integral dodano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa dolesado à custa da indemnização.

Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob

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formulações variadas, como sendo “a lesão ou prejuízo real, sob aforma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem,lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ounão, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que éjuridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito”.

Daí que o dano não se traduza numa entidade puramente empírica,nem numa mera categoria normativa. Assume­se, antes, como umconceito empírico­normativo, que convoca um dado naturalísticomas requer um referencial normativo, o que se torna deflui dasdisposições anteriormente citadas.

Ali se exige, pois, uma equação entre a situação real económica emque o lesado se encontra na data mais recente que possa seratendida e a situação hipotética que existiria se não tivesseocorrido o evento lesivo.

Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pelarealidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável atravésde um juízo de probabilidade a formular dentro dos limitesnormativos estabelecidos.

Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menorgrau, uma dimensão recortada com apelo a um juízo deprobabilidade, que não uma certeza de absoluta verificabilidade, oque se torna bem patente nos casos de lucros cessantes ­ enquantobenefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão,ou seja, que obteria se não fosse essa lesão ­, ou ainda nos casos dedanos futuros previsíveis, certos ou suficientemente prováveis.Quando, por exemplo, se arbitra uma indemnização, a título deresponsabilidade civil emergente de acidente de viação, porfrustração de uma promoção profissional que se alcançaria se nãotivesse ocorrido o evento lesivo, o que se opera aqui é um juízo deprobabilidade sobre uma hipotética promoção profissional, aindaque apoiado em indícios factuais que a fazem presumir à luz daexperiência comum. Mas nem por isso a frustração daquelaprovável promoção deixará de assumir a natureza de danojuridicamente relevante.

Na mesma linha de raciocínio, não vemos que exista obstáculo aque a perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagemou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por umato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, postoque sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente emfunção dos indícios factualmente provados.

Com efeito, desde que se prove, desse modo indiciário, aconsistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição

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hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer queela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado,cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo dopróprio evento lesivo.

Nem valerá, a nosso ver, argumentar que uma tal definição dessaespécie de dano ofende os princípios da certeza a ele inerente ou asregras da causalidade, de modo a extravasar do âmbito daresponsabilidade com função primordial compensatória paraterrenos de uma responsabilidade punitiva. A garantia de taisprincípios e limites ficará precisamente assegurada pelo grau deconsistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal comosucede, por exemplo, no domínio dos lucros cessantes ou dosdanos futuros previsíveis.

É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos,estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano doestabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que adefinição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspectivado resultado final para que tende.

Ora, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perdade chance com consistência suficiente, em função do resultadofinal hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada comodano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputaressa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidadeadequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível,se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição daconsistência necessária à identificação do dano, já oestabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícitase revela facilitado, como se colhe do comentário do Exm.º JuizConselheiro Carlos Cadilha acima transcrito.

Assim, da jurisprudência deste STJ acima citada parece resultarque a orientação dominante centra tal análise no plano do nexo decausalidade, enquanto que a orientação que admita a autonomia dodano por perda de chance a situa na própria caracterização dodano.

Seja como for, conforme salienta Carlos Cadilha, o juízo deprobabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “serencarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que aprivação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possacaracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo”.

Problemático será então saber quais os índices de probabilidadepara o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo,ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser

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reconhecida como juridicamente relevante, não obstante aimpossibilidade de demonstração do respectivo resultado final.

Vimos que, a jurisprudência predominante do STJ, partindo dopostulado de que a perda de chance, em regra, contraria a certezado dano e do nexo de causalidade e portanto não é base segura paraa sua relevância jurídica, já alguma jurisprudência daqueleTribunal e a do STA admitem que possa ser demonstrada umaprobabilidade suficiente para concluir por tal relevância.

Salvo o devido respeito por posição diferente, afigura­se que,traduzindo­se a perda de chance em situações ainda incipientes nanossa ordem jurídica, não perfeitamente sedimentadas na doutrinanem enraízadas na prática jurisprudencial, como o são as situaçõesdos lucros cessantes e dos danos futuros, para mais de ocorrênciamultifacetada, um método de análise que parta de uma definiçãodogmática de dano para a ela depois subsumir o caso concreto, nãoserá, porventura, o método mais seguro, podendo mesmo mostrar­se redutor. Ao invés, uma metodologia que procure seguir umapista mais casuística de modo a aferir cada caso à luz dasexigências legais sobre a probabilidade suficiente para oreconhecimento da ressarcibilidade do dano pode ser maispromissora.

Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda dechances processuais, em vez de se partir do princípio de que osucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, talvez valha apena questionar, perante cada hipótese concreta, qual o grau deprobabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bemacontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de umdesenvolvimento normal e típico, possa ser perspectivado comouma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina ejurisprudência então existentes.

Nessa linha, será de aceitar que uma vantagem perdida pordecorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ouseja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificadacomo um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absolutado resultado tido em vista.

De resto, mesmo a jurisprudência do STJ admite a relevância desituações muito pontuais, desde que a prova permita, com elevadograu de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesadoobteria certo benefício não fora a chance perdida. Esta ressalvamais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chancena base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá seraferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deveser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso,

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como propendemos a admitir.

Posto isto, afigura­se equilibrada a posição doutrinária de CarlosCadilha acima exposta, aceitando que a perda de chance se podetraduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portantoqualificável como dano emergente, desde que ofereça consistênciae seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente,independente do resultado final frustrado.

Assim demonstrada essa espécie de dano, questão diferente será jáa avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critérioda teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2,do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançarmão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sedede determinação da própria consistência da perda de chance.

No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nospresentes atos, a primeira questão está em saber se o frustradosucesso, por parte da ora A., do desfecho processual, decorrente daapresentação intempestiva do rol de testemunhas, assume um talpadrão de consistência e seriedade, para o que releva ponderar,face ao estado da doutrina e jurisprudência então existente, oumesmo já em evolução, se seria suficientemente provável o êxitoda defesa, devendo­se ter­se em linha de conta, fundamentalmente,a jurisprudência então seguida nessa matéria.

Haverá, pois, que fazer o chamado “julgamento dentro dojulgamento”, não no sentido da solução jurídica que pudesse seradotada pelo tribunal da presente ação sobre a matéria da causa emque ocorreu a falta, mas sim pelo que possa ser considerado comoaltamente provável que o tribunal da ação em que a defesa ficouprejudicada viesse a decidir. Mas tal apreciação inscrever­se­á,enquanto tal, numa questão de facto, que não de direito.

O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado,como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º342.º, n.º 1, do CC).

2.3. Quanto ao caso presente

Em sede de análise fáctico­jurídica sobre a probabilidade deexistência do dano invocado e do respetivo nexo de causalidade, oacórdão recorrido considerou que:

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«Assim, no caso em apreço, apurado que está o facto de o apelado,ao não apresentar o rol de testemunhas na oposição à execução, tercometido um acto ilícito e culposo, há que formular um juízo(julgamento) hipotético sobre as consequências da falta deapresentação daquele rol, o que passa pela aferição do grau derisco, ou probabilidade de verificação do resultado danoso.

Acontece que, no processo em causa, alegaram os apelantes que ocontrato de arrendamento celebrado entre eles e o exequente, e queserviu de base à execução, foi simulado e pretendeu esconder umcontrato promessa de compra e venda verbal com tradição dacoisa.

Porém, não resultou ali demonstrada a celebração de qualquercontrato promessa de compra e venda.

Além disso, entendemos ser correcta a decisão sob recurso (nãonos merecendo, por isso, qualquer reparo) quando afirma:

“Por fim e no que se reporta dos danos decorrentes da perda dacasa, sempre se dirá que tal perda sempre ocorreria, desde logo,pela própria actuação dos Autores que deixaram de pagar asrendas. Depois, porque ainda que se demonstrasse a nulidade docontrato, tal conduziria a que tivessem que restituir a casa, contra opagamento das rendas e valores já entregues ao senhorio. Pois queo direito de retenção, que virtualmente poderia ser considerado,mas que da própria oposição dificilmente resultaria atendendo aque não se mostram descritas quais a benfeitorias efectuadas e emque valor, apenas duraria até à entrega do dinheiro por parte dosenhorio. O que, virtualmente, também poderia acontecer logo deimediato".

Assim, fosse ou não apresentado um rol de testemunhas pelosapelantes, não se vê que a sorte da acção fosse diversa, pois que osmesmos, por via do despejo (falta de pagamento de rendas) ou porvia da declaração de nulidade do contrato de arrendamento, sempreteriam de entregar a casa ao exequente.

Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados napresente acção não permitem concluir que, caso o rol detestemunhas dos recorrentes tivesse sido apresentado, existisse ummínimo grau de probabilidade de êxito por parte dos aquiapelantes.

É certo que ocorreu incumprimento do mandato por parte dorecorrido, mas o mesmo, atento o exposto, é insusceptível de gerara obrigação de indemnizar.

Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação do rol de

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testemunhas foi causa (real, efectiva) adequada da perda de umaoportunidade de pôr termo à execução.

Improcede, por isso, o pedido de condenação do apelado numaindemnização por danos não patrimoniais e, consequentemente,improcede a apelação.

Por seu lado, o voto de vencido baseou­se nas seguintesconsiderações:

«Vencida porquanto revogaria a decisão e condenaria o réu nopagamento aos autores de uma indemnização de 10.000,00 (dezmil euros) a título de danos não patrimoniais e com base numcritério de equidade, ponderando a conduta culposa do réu e oconceito do dano correspondente à perda de chance, enunciado noacórdão e que partilhamos. Efectivamente, a não apresentação dorol de testemunhas, atempadamente, impossibilitou por completoos ora autores de, nessa acção, fazerem valer a versão factual quecarrearam para o processo ­ sendo que não podemos considerarlinearmente que, em termos jurídicos, a defesa apresentada nessaacção não tinha qualquer viabilidade, estando irremediavelmentevotada ao fracasso ­, o que é particularmente evidente em face daleitura do acórdão desta Relação proferido nesse processo, em quese refere, a propósito da análise da prova produzida:

"Procedemos à audição da gravação da prova produzida emaudiência de julgamento (uma única testemunha ouvida, EE), peloque passaremos a analisar as questões suscitadas".

"Ora, a testemunha inquirida é filha do exequente e acompanhou oprocesso negocial havido entre as partes".

"É certo que a mesma admitiu que a ideia inicial dos seus pais foi ade vender o imóvel em causa, e que "a expectativa foi sempre a devender a casa". E disse ainda que os oponentes "foram ver avivenda queriam comprar a vivenda e encetaram diligências juntode instituições bancárias para arranjarem financiamento paracomprar a vivenda"".

"Explicou, então, que "não fizemos o contrato promessa de comprae venda na altura porque os senhores não tinham dinheiro''''.

"Então, o imóvel foi entregue aos opoentes por força do contratode arrendamento e na altura da sua assinatura "os senhorespagaram, como é normal nos contratos de arrendamento, um mês(de renda) mais um mês de caução". Acrescentou que "era mesmoum contrato de arrendamento" e que o mesmo foi redigido pela suamãe".

"Esclareceu que foram os recorrentes que "solicitaram fazermos o

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contrato de arrendamento"".

"De qualquer modo, os oponentes mantiveram sempre a ideia de,mais tarde, virem a adquirir a vivenda, tendo­a arrendado paraassegurarem que mais tarde a comprariam, mas a verdade é que"começaram a viver na nossa habitação como arrendatários”.

"Mais referiu que a renda, por vezes, foi reduzida no seu montante,tendo em conta algumas entregas que os opoentes efectuaram porconta da eventual e futura compra e venda". "Explicou, ainda, aquestão relacionada com o pagamento da Contribuição Autárquicafeito pelos apelantes, referindo que os seus pais residiam emLisboa, entregavam o dinheiro a estes que se deslocavam àRepartição de Finanças mais perto da sua residência para pagaremaquele imposto".

''Este depoimento vai de encontro aos documentos juntos aosautos, não só o próprio contrato de arrendamento assinado pelaspartes, como também os recibos que se referem expressamente aopagamento de rendas (sendo certo que existem outros que sereportam ao pagamento do preço do imóvel, o que vem deencontro às declarações da testemunha que referiu a vontade dosapelantes comprarem no futuro o imóvel)".

"Aliás, os recorrentes não produziram qualquer provaminimamente verosímil do que alegaram, sendo pouco crível queas partes tenham reduzido a escrito um contrato de arrendamento,mantendo a intenção de mais tarde celebrarem uma compra evenda, sem reduzirem a escrito esta última intenção".

"Ou seja: O que se provou foi a existência de um contrato dearrendamento e a simples intenção dos recorrentes virem, maistarde, a adquirirem o imóvel em causa. Não se demonstrou aexistência de um contrato promessa de compra e venda do imóvel,ainda que meramente verbal".

Ou seja, entendo que não pode afirmar­se que, independentementeda apresentação do rol de testemunhas pelos apelantes, ainda assima sorte da acção não seria diferente.

Do confronto de tais considerações, o que se constata é que adivergência se circunscreveu ao plano da ponderação dos dados defacto em presença com vista a identificar a existência daprobabilidade de dano por “perda de chance processual” e dorespetivo nexo de causalidade, o que constitui, como foi dito, umaapreciação em sede de questão de facto.

Assim sendo, não cabe a este tribunal de revista sindicar aquela

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apreciação, confinado como está ao conhecimento de violação delei substantiva ou processual, nos termos definidos nos artigos639.º, n.º 2, e 674.º, n.º 1, do CPC.

E, na linha do quadro normativo acima exposto e perfilhado, nãose divisa que, nessa apreciação, tenha ocorrido erro de direito nadeterminação, interpretação e aplicação das normas jurídicasconvocáveis para a qualificação daquele dano e do respetivo nexode causalidade, mormente as invocadas pelos recorrentes.

Termos em que improcedem as razões dos Recorrentes

IV ­ Decisão

Pelo exposto, nega­se a revista, confirmando­se o acórdãorecorrido.

As custas do recurso ficam a cargo dos Recorrentes.

Lisboa, 9 de Julho de 2015

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria

João Luís Marques Bernardo

____________________[1] Direito das Obrigações, Almedina, 11.ª Edição, 2008, pag. 591. [2] Para uma panorâmica sobre a emergência e evolução da doutrina da “perda de chance”,em sede de direito comparado, vide, entre outros, Rute Teixeira Pedro, A ResponsabilidadeCivil do Médico – Refle­xões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do DoenteLesado, Faculdade de Direito da Univer­sidade de Coimbra (FDUC), Centro de DireitoBiomédico (CDB), Coimbra Editora, 2008, pag. 192 a 198. [3] Vide, neste particular, Rute Teixeira Pedro, obra citada, pag. 193. [4] Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 193­194. [5] Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 195­196 e 216. [6] Vide Rute Teixeira Pedro, ob. cit. pag. 197. [7] Entre outros estudos específicos, destacam­se: o estudo de Júlio Vieira Gomes, Sobre odano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomo II (pp. 9­47);a monografia de Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobrea Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado, FDUC/CDB, Coimbra Editora,2008, a dissertação de Mestrado de Patrícia Cordeiro da Costa, Dano de perda de chance e asua perspectiva no direito português, Coimbra, 2010. [8] Sobre o dano da perda de chance”, publicado in Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, tomoII, pp. 9­47 (25 a 43)[9] Na obra Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, CoimbraEditora, 2008, pag. 1103­1106, nota 3103, nota 3103. [10] In Direito Civil/Responsabilidade Civil – O Método do Caso, Almedina, 2006, pag.104/105.

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[11] In Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e Informações, Coimbra,Almedina, 1987, pag. 294 [12] Obra cit. pag. 221 e seguintes. [13] Vide acórdão do STJ, de 26/10/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro AzevedoRamos, no recurso de revista n.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1, disponível na Internet –http://www.dgsi.pt/jstj.[14] Disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

[15] Disponível na Internet ­ http://www.dgsi.pt/jstj. [16] Disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.

[17] Vide o comentário do Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, inRegime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Rntidades Públicas,Anotado, Coimbra Editora, 2011, pag. 98­99. [18] Ob. cit. pp. 99­101.