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16/03/2016 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/47572078b202140580257ed100553985?OpenDocument 1/42 Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 2104/05.4TBPVZ.P.S1 Nº Convencional: 7ª SECÇÃO Relator: MARIA DOS PRAZERES BELEZA Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL LEGES ARTIS EXAME MÉDICO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ÓNUS DA PROVA REPARTIÇÃO DINÂMICA DO ÓLUS DA PROVA ILICITUDE CULPA DEVER ACESSÓRIO PRESUNÇÃO DE CULPA DANOS NÃO PATRIMONIAIS QUESITOS FACTOS CONCLUSIVOS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO Nº do Documento: SJ Data do Acordão: 01102015 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Área Temática: DIREITO BIOMÉDICO RESPONSABILIDADE MÉDICA / LEGIS ARTIS. DIREITO CIVIL RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTOS DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. Doutrina: Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed., Coimbra, 2000, p. 900. Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): ARTIGOS 344.º, N.ºS1 E 2, 496.º, N.º2, 563.º, 762.º, N.º2, 798.º, 799.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: ARTIGOS 665.º, 679.º. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: DE 19 DE JUNHO DE 2001, PROC. Nº 01A1008, WWW.DGSI.PT ; DE 22 DE MAIO DE 2003, PROC. Nº 03P912, WWW.DGSI.PT ; DE 11 DE JULHO DE 2006, PROC. Nº 06A1503, WWW.DGSI.PT ; DE 4 DE MARÇO DE 2008, PROC. Nº 08A183, WWW.DGSI.PT ; DE 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0368, WWW.DGSI.PT ; DE 1 DE JULHO DE 2010, PROC. Nº 623/09.2YFLSB, WWW.DGSI.PT ; DE 7 DE JULHO DE 2010, PROC. 1399/06.OTVPRT.P1.S1, WWW.DGSI.PT ; DE 17 DE JANEIRO DE 2013, PROC. Nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1, WWW.DGSI.PT . Sumário : I Em acção de responsabilidade civil por acto médico, é insusceptível de servir de base à prova um quesito em que indagava se o exame tinha sido efectuado com respeito pelas leges artis, posto que não se identificam os concretos procedimentos e regras que teriam sido observados e dado que a resposta positiva

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 2104/05.4TBPVZ.P.S1Nº Convencional: 7ª SECÇÃORelator: MARIA DOS PRAZERES BELEZADescritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA

RESPONSABILIDADE CONTRATUALLEGES ARTISEXAME MÉDICOCONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOSÓNUS DA PROVAREPARTIÇÃO DINÂMICA DO ÓLUS DA PROVAILICITUDECULPADEVER ACESSÓRIOPRESUNÇÃO DE CULPADANOS NÃO PATRIMONIAISQUESITOSFACTOS CONCLUSIVOSPODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇABAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO

Nº do Documento: SJData do Acordão: 01­10­2015Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTADecisão: CONCEDIDA A REVISTAÁrea Temática:

DIREITO BIOMÉDICO ­ RESPONSABILIDADE MÉDICA / LEGIS ARTIS. DIREITO CIVIL ­ RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DEDIREITOS / PROVAS ­ DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DASOBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DASOBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃOCUMPRIMENTOS DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.DIREITO PROCESSUAL CIVIL ­ PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.

Doutrina:­ Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed., Coimbra, 2000, p. 900.

Legislação Nacional:CÓDIGO CIVIL (CC): ­ ARTIGOS 344.º, N.ºS1 E 2, 496.º, N.º2, 563.º, 762.º, N.º2,798.º, 799.ºCÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: ­ ARTIGOS 665.º, 679.º.

Jurisprudência Nacional:ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:­DE 19 DE JUNHO DE 2001, PROC. Nº 01A1008, WWW.DGSI.PT ;­DE 22 DE MAIO DE 2003, PROC. Nº 03P912, WWW.DGSI.PT ; ­DE 11 DE JULHO DE 2006, PROC. Nº 06A1503, WWW.DGSI.PT ; ­DE 4 DE MARÇO DE 2008, PROC. Nº 08A183, WWW.DGSI.PT ;­DE 24 DE SETEMBRO DE 2009, PROC. Nº 09B0368, WWW.DGSI.PT ; ­DE 1 DE JULHO DE 2010, PROC. Nº 623/09.2YFLSB, WWW.DGSI.PT ; ­DE 7 DE JULHO DE 2010, PROC. 1399/06.OTVPRT.P1.S1, WWW.DGSI.PT ;­DE 17 DE JANEIRO DE 2013, PROC. Nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1, WWW.DGSI.PT .

Sumário :I ­ Em acção de responsabilidade civil por acto médico, éinsusceptível de servir de base à prova um quesito em queindagava se o exame tinha sido efectuado com respeito pelas legesartis, posto que não se identificam os concretos procedimentos eregras que teriam sido observados e dado que a resposta positiva

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ao mesmo implicaria o julgamento de uma questão de direito,sendo, por isso, acertada que se tenha por não escrita a respostanegativa que a ele foi dada, tanto mais que esta não implica que setenha por demonstrada a inobservância dessas regras eprocedimentos

II ­ Pese embora se venha apontando a necessidade de, no domínioda responsabilidade civil por acto médico, se ultrapassar adistinção entre a responsabilidade civil contratual e aresponsabilidade civil extracontratual e as inerentes diferenças deregime, a circunstância de vir provado que, entre as partes, foifirmado um contrato destinado à realização de um exame médico –i.e. um contrato de prestação de serviços médicos – sem finalidadecurativa, simplifica a discussão sobre a qualificação jurídica daresponsabilidade do réu e, no mesmo passo, inutiliza acaracterização da obrigação assumida por este perante a autoracomo obrigação de meios ou de resultado, pois aquele aceitou eexecutou a obrigação de realizar a colonoscopia e dar a conhecer orespectivo resultado.

III ­ Perante a obrigação concretamente assumida pelo réu, aapreciação da licitude da sua conduta não se pode reconduzir àindagação sobre a observância das leges artis e a utilização domelhor saber – como sucederia se estivéssemos, v.g. em face darealização de uma intervenção cirúrgica/execução de umtratamento com finalidades curativas –, o que, todavia, não implicaque se desconsidere o enquadramento contratual da actuaçãodaquele.

IV ­ Tendo a perfuração do intestino da autora ocorrido no decursoda execução do contrato referido em II e em execução deste, nãoestando essa intromissão na integridade física abarcada peloconsentimento por ela prestado para a realização do exame e nãosendo essa lesão exigida pelo cumprimento daquele ajuste, é deconsiderar que estamos em face de um facto ilícito, sendo que aligação intrínseca entre essa lesão e o acordo significa que oregime da responsabilidade contratual é o aplicável àsconsequências da mesma, pois é dificilmente concebível que aprotecção da integridade física do paciente não integre o âmbito deprotecção de um contrato de prestação de serviços médicos.

V ­ Demonstrando­se que os métodos empregues na realização deuma colonoscopia podem, raramente, ocasionar a lesão referida emIV, o profissional que a executa há­de adoptar os procedimentospróprios de tal exame que a visam evitar, o que constitui um deverimposto pela regra de que, no cumprimento dos contratos, cadacontraente deve ter na devida conta os interesses da contraparte (n.º2 do art. 762.º do CC) sob pena de incorrer em responsabilidade

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contratual. Trata­se de um dever com uma função auxiliar emrelação à realização positiva do fim contratual e de protecção àpessoa da outra parte contra os riscos de danos resultantes da sualigação ao contrato e, pese embora, seja controversa a opção peloregime das modalidades de responsabilidade civil, é desadequadoanalisar o dever do médico à luz do dever geral de cuidado da áreadelitual.

VI ­ Face à ligação intrínseca mencionada em IV, é de aplicar oregime da responsabilidade civil contratual, pelo que cabia ao réudemonstrar os procedimentos que empregou e a sua adequação,bem como a actuação que levou a cabo para evitar a ocorrência daperfuração (n.º 1 do art. 344.º e n.º 2 do art. 799.º, ambos do CC);não o tendo feito, prevalece, em caso de dúvida, a presunção deculpa.

VII ­ O exposto em VI não corresponde a um desrespeito dasregras de repartição do ónus da prova nem consubstancia umaexecução dinâmica dessa repartição – sendo certo que a leiportuguesa reserva para si própria essa tarefa, só admitindo amodificação nos termos previstos no n.º 2 do art. 344.º do CC –,representando, ao invés, a aplicação de um bloco normativodefinido para a responsabilidade contratual que é materialmentefundado na manifesta maior dificuldade de a autora provar que aperfuração ocorreu apesar de o réu ter usado da diligência devida eadoptado todos os procedimentos, por comparação com adificuldade que recairá sobre o réu.

VIII ­ Verificando­se a existência de causalidade adequada entre aperfuração e os danos não patrimoniais invocados pela autora – esendo orientação do STJ que estes são ressarcíveis no domínio daresponsabilidade civil contratual – e revestindo estes a gravidadesuficiente a que alude o n.º 2 do art. 496.º do CC, impõe­se que osautos baixem à Relação para que seja fixada a indemnizaçãodevida, pois resulta da conjugação dos arts. 665.º e 679.º (ambosdo NCPC (2013) que a este Tribunal é vedado tomar conhecimentode questões que a 2.ª Instância não conheceu porque teve porprejudicadas.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA propôs uma acção contra BB, CC – Hospitais Portugueses,SA – DD, Hospital EE e Hospital FF, pedindo a sua condenaçãosolidária no pagamento de uma indemnização de € 304.711,55 (€200.000,00 por danos não patrimoniais, o restante por danospatrimoniais), com juros de mora, contados à taxa legal desde acitação até efectivo pagamento; e ainda no “valor relativo a danosfuturos e que se vier a liquidar em execução de sentença”.

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Como fundamento, invocou ter realizado um exame decolonoscopia nas instalações da DD, efectuado pelo médico BB,do qual resultou uma perfuração do intestino com as gravesconsequências que descreve e que a colocaram em perigo de vida,obrigaram a várias intervenções cirúrgicas e a internamentohospitalar prolongado, no Hospital GG, e a tratamentos, cuidados esofrimentos posteriores à alta hospitalar.

Disse ainda que, após o exame, e por causa das dores e mal estaragudo que sentiu, se deslocou aos serviços de urgência do HospitalEE e do Hospital FF, no qual procurou o primeiro réu, sem quetivesse sido detectada a perfuração e realizado o tratamento devido.

Contestaram:

– O Hospital EE, sustentando a incompetência do tribunal e acompetência da jurisdição administrativa, por se tratar de uma“acção de responsabilidade civil extracontratual” e de “umestabelecimento público dotado de personalidade jurídica eautonomia administrativa, financeira e patrimonial [com]natureza empresarial (…) integrado no Serviço Nacional deSaúde”. Impugnou matéria de facto e disse que os factos alegadoseram insuficientes para determinar qualquer responsabilidade dasua parte, não existindo nexo de causalidade entre os que lhe sãoatribuídos e os danos invocados;

– O Hospital FF, impugnando diversos factos e dando a sua versãode outros, nomeadamente quanto ao abandono dos seus serviçospela autora, quando já tinha realizado alguns exames e ainda haviaque realizar mais, “impedindo, assim, a conclusão definitiva dodiagnóstico e a terapêutica adequada à sua situação clínica”.Sustentou ainda que, quer o serviço de urgência, quer os médicosque a atenderam, actuaram de acordo com as leges artis “e com ozelo e a diligência que lhe eram exigidos no caso concreto” e que,de qualquer forma, o montante indemnizatório pedido eraexagerado. Disse ainda que as despesas hospitalares foramsuportadas pela ADSE e que nunca poderia ser condenadosolidariamente com os demais réus, “já que a suaresponsabilidade – a existir – sempre seria limitada”;

– CC – Hospitais Portugueses, SA, “sociedade anónima que sededica à prestação de serviços médicos na Clínica que possui eexplora (…) denominada DD”, dizendo que o exame realizado porBB, auxiliado por uma enfermeira, decorreu com toda anormalidade e com respeito escrupuloso “das regras e técnicas daciência e prática médicas”, que a autora nunca mais se dirigiu àssuas instalações, que a perfuração do intestino “é umacomplicação possível à realização de um exame de colonoscopia”,

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que a que ocorreu não resultou de qualquer incúria ou negligência;e impugnando muitos factos alegados pela autora.

Requereu a intervenção provocada da Companhia de Seguros HH,SA, invocando um contrato de seguro;

– BB defendeu­se por impugnação e contrapôs que o exame “foifeito com respeito pelas leges artis do ofício, e com o zelo ecuidado exigíveis por tal procedimento (acto médico)”; que,durante o exame, a autora – a quem tinha sido ministrado umsedativo – reagiu normalmente; que, quando a mesma recorreu àurgência do Hospital FF, actuou de acordo com as regras, “peloque a realização de um diagnóstico completo e definitivo apenasfoi impedida, única e exclusivamente, pela atitude da autora depuro e simples abandono da urgência”; que a perfuração poderesultar de outras causas, que não da colonoscopia; que “é ummédico gastroenterologista com uma vasta experiência, altamenteprestigiado e de grande competência”; que a autora exagera naindemnização pedida e apresenta traços de “mentalidadeobsessiva” e de fragilidade psicológica, em consideração dos quaiso réu optou por “não proceder criminalmente contra aquela”quando o insultou, “nas instalações da DD”.

Disse ainda que a autora tinha apresentado queixa­crime contra ele,o que preclude a possibilidade de pedir uma indemnização emacção civil, devendo a instância ser suspensa “até que o tribunalcompetente (o tribunal criminal) se pronuncie”, citando o nº 1 do(então) artigo 97º do Código de Processo Civil (artigo 71º Códigode Processo Penal); e sustentou a inexistência de solidariedadeentre os réus, devendo qualificar­se a situação dos autos como umcaso de coligação passiva (e não de litisconsórcio).

A autora replicou.

A Companhia de Seguros HH, SA veio contestar (fls. 285).

BB requereu a intervenção da Companhia de Seguros II, o que foideferido a fls. 418; a interveniente contestou, a fls. 428.

Na audiência preliminar, os réus Hospital FF e Hospital EE, de …,foram absolvidos da instância, por incompetência do tribunal (fls.489).

2. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença defls. 1303, nestes termos:

– BB e II – Portugal, Companhia de Seguros, SA foramcondenados a pagar à autora uma indemnização de € 150.000,00

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por danos não patrimoniais, “sendo que, deste valor, o de €85.156,77 será pago pela seguradora e o remanescente pelo réu”,com juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a sentençaaté efectivo pagamento;

– BB e II – Portugal, Companhia de Seguros, SA foramcondenados a pagar à autora uma indemnização de € 4.594,13 pordanos patrimoniais, com juros de mora, vencidos e vincendos,contados à taxa legal de 4% desde a citação até efectivopagamento;

– Quanto ao mais, estes réus foram absolvidos do pedido;

– CC – Hospitais Portugueses, SA – DD e a Companhia deSeguros HH, SA, foram absolvidas do pedido.

Em síntese, o tribunal entendeu que, porque “durante a realizaçãoda colonoscopia veio a autora a sofrer de perfuração dointestino”, se verificou “a violação ilícita de um direito depersonalidade (mais concretamente a integridade física daautora), estranho à realização do contrato”, estando provadosfactos que preenchem os pressupostos da obrigação de indemnizar:o facto ilícito (violação da integridade física da autora), os danos, onexo de causalidade e a culpa. Segundo o tribunal, “perante amatéria em causa, há que concluir que o réu actuou culposamente,não logrando provar que efectuou a colonoscopia cumprindotodas as exigências técnicas e todos os deveres de cuidado queconhecia e que podia observar (…), sendo a sua condutaprofissional tanto mais censurável, quanto é certo que o réu setrata, não apenas de um especialista, mas de umgastroenterologista experiente, reputado e, logo, há que concluir­se, com conhecimentos e capacidades acima da média”.

Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relaçãodo Porto de fls. 1813, que absolveu do pedido os réus BB e II –Portugal, Companhia de Seguros, SA. O Tribunal da Relaçãoconsiderou que o litígio se situava no âmbito da responsabilidadecivil contratual, mas que não estava provada “a ilicitude daconduta” do réu, uma vez que se não demonstrou nenhum erromédico que estivesse na origem da perfuração do intestino.

3. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou conclusões, das quais setranscrevem as seguintes:

«1º ­ O douto acórdão recorrido não terá feito boa aplicação daJustiça pois encerra um conjunto de destacáveis erros de

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interpretação e da aplicação das normas legais, bem como errosde determinação das normas aplicáveis.

2º ­ De tal forma que, não merece outra apreciação que não seja asua revogação, com a consequente procedência do presenterecurso.

3° ­ Foi proferida sentença pelo Douto Tribunal da lª instância,que julgou a acção intentada pela aqui recorrente, parcialmenteprocedente e provada, e consequentemente decidiu:

(…) 4° ­ Os réus BB e a chamada II ­ Portugal ­ Companhia deSeguros S.A. (aqui recorridas) interpuseram recurso da DoutaSentença proferida, e o Douto Tribunal da Relação julgouprocedentes os recursos de apelação e consequentemente, revogoua sentença recorrida, absolvendo os réus apelantes dos pedidosformulados, em suma por não achar demonstrada a ilicitude daactuação do réu.

5° ­ Ora, não pode a aqui recorrente conformar­se com o decidido,desde logo porque está verificado, e resulta da matéria de factodada como provada, que se encontram todos os elementosconstitutivos da obrigação de indemnizar a autora, aquirecorrente, por parte do réu BB.

6º ­ Deve­se conceder provimento ao recurso e revogar o doutoacórdão recorrido, por outro que julgue provada e procedente aacção intentada, mantendo­se a douta sentença proferida na 1ªinstância.

7° ­ Em primeiro lugar, necessário é abordar a questão daresposta ao quesito 180° da base instrutória – "O exame(colonoscopia) foi realizado pelo 1º réu à autora foi feito comrespeito legis artis do ofício", que o Douto Tribunal da Relaçãoentendeu ter formulação conclusiva, razão pela qual não pode serobjecto de resposta nem afirmativa, nem negativa, e assim, alteroua resposta de "não provado" dada pela 1ª Instancia como nãoescrita.

8° ­ Ora, não pode a aqui recorrente concordar com essa decisão,pois entende que a matéria não é conclusiva, e como tal, deveMANTER­SE a resposta de NÃO PROVADO.

9° ­ As chamadas Leges Artis, emergem de um conjunto de regrasfixadas pelos profissionais de medicina, expressas no CódigoDeontológico da Ordem dos Médicos, em declarações deprincípios emanadas de Organizações Internacionais e Nacionaisde Médicos, e das chamadas "guidelines" resultantes de protocolosde actuação e de reuniões de consenso e dos pareceres das

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comissões de Ética.

10° ­ Perguntar se esse conjunto de regras foi verificado, não ématéria conclusiva, mas antes, indaga se esses eventos, se essasocorrências se verificaram.

11º ­ Ou seja, e no caso concreto, se o réu, seguiu esse conjunto deregras.

12° ­ O referido quesito aborda realidades de uma zona empíricaque se inscrevem ainda na área de instrução da causa.

13º ­ Assim, como referiu o Douto Juiz da 1ª Instância, acerca daresposta negativa a esse quesito, entendeu que não foi produzidaqualquer prova inequívoca de confirmar se o réu actuou norespeito das Leges Artis, e assim, a resposta a esse quesito foi deNÃO PROVADO.

14° ­ Pelo que, e como não se trata de matéria conclusiva, deve aresposta a esse quesito MANTER­SE como de NÃO PROVADO.

15° ­ O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação julgou,e bem, manter as respostas aos quesitos decididas pelo DoutoTribunal da 1ª instância, e fixou a seguinte matéria de facto nospresentes autos:

(…)

[Segue­se a reprodução dos 141 pontos da matéria de factoprovada, que não se transcrevem].

16° ­ Perante esta factualidade, o douto acórdão proferidoentendeu, que ao contrário do decido pelo Douto Tribunal de 1ªInstância, não estamos perante uma situação de responsabilidadeextracontratual, mas sim que o presente caso esta situado noâmbito da responsabilidade contratual.

17° ­ E que, nesse caso, ficou por demonstrar a ilicitude daconduta do réu, que se traduziria na desconformidade desta com alex artis.

18° ­ Não pode a aqui recorrente em 1º lugar concordar com esseentendimento, pois estão verificados, e resulta da matéria de factodada como provada, que se encontram todos os elementosconstitutivos da obrigação de indemnizar a autora, aquirecorrente, por parte do réu BB.

19° ­ Desde logo, não pode concordar a aqui recorrente pelo factodo Douto Tribunal da Relação entender que no presente caso estásituado no campo da responsabilidade contratual.

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20° ­ Resulta da matéria de facto dada como provada, supradescrita, que a autora, aqui recorrente, realizou um exame decolonoscopia, efectuado pelo primeiro réu, aqui recorrido, Dr. BB.

21º ­ E o dito exame contratado foi de facto efectuado, e não estásequer em discussão algum erro de diagnóstico que fosse cometido– e só nessa situação é que estaríamos, no âmbito daresponsabilidade contratual.

22º ­ Durante a execução do contrato é que o réu perfurou ointestino da autora, violando ilicitamente a integridade física daautora.

23° ­ Essa violação é completamente estranha, nem se prende como cumprimento deficiente, ou incumprimento do contratado – o réucumpriu com o contratado, o réu efectuou o exame decolonoscopia, e não esta sequer em causa se ele diagnosticou bemou mal com base no exame contratado.

24° ­ Assim, a violação da integridade física da autora pelo réu, égeradora, nos presentes autos de responsabilidadeextracontratual.

25° ­ Imagina­se, e por exemplo, o caso de alguém contratar umpintor para que este proceda a pintura de uma casa.

26° ­ E durante a pintura da casa, esse mesmo pintor, agride comum muno na cara, a pessoa que o contratou para pintar a casa.

27° ­ Ora, a valer o entendimento do Douto Tribunal da Relação,estaríamos também, no caso em exemplo no âmbito daresponsabilidade contratual.

28° ­ É óbvio que não, a pintura da casa não esta de nenhum modorelacionada com o murro na cara.

29° ­ O murro que o pintor mandou na cara da pessoa que ocontratou não se prende com o cumprimento defeituoso, ou nãocumprimento do contratado.

30° ­ É completamente estranho ao que foi contratado entreambos, tal e qual como nos presentes autos.

31 ° ­ E assim, é na responsabilidade delitual, que cumpre, em faceda matéria dada como provada, concluir pela verificação dos seuspressupostos, ou seja, o facto, o dano, a ilicitude do facto danoso,o nexo de causalidade entre o facto e o dano e a culpa do réudesse acto.

32° ­ Ora e esses requisitos estão preenchidos, nomeadamente eentre outros, pela seguinte factualidade dada como assente, supra

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descrita:

[Segue­se a transcrição dos pontos 3 a 8­A, 36­37, 84 a 90 damatéria de facto].

33° ­ Está assente, e nunca foi posta em causa a verificaçãoinequívoca do facto, dos danos amplamente explanados nosartigos 38° a 142 dos factos (…), bem como o nexo de causalidadeestabelecido nos artigos 36°, 37°, 84° e 85° (…).

34° ­ E, é também claro a verificação da culpa do réu e o factoilícito, duvidas não restam que constitui o facto ilícito, violador daintegridade física da autora a perfuração do intestino da autora,efectuada pelo réu aquando da realização da colonoscopia.

(…) 38° ­ Bem como forçosamente tem de se concluir pela condutaculposa do réu, já que não esta provado que ele réu, efectuou acolonoscopia cumprindo todas as regras técnicas e todos osdeveres de cuidado que conhecia e podia observar, sendo a suaconduta profissional ainda mais censurável, pois, tal como o queficou provado, o réu é um especialista experiente.

(…) 41 ° ­ Ora, provada a violação daquele dever objectivo decuidado, presume­se também natural ou judicialmente que essaviolação se deveu a negligência do médico. (…)

42° ­ Se se prova que uma operação provocou lesões que não erasuposto provocar e por isso se conclui que ela foi deficiente, quer­se dizer com isso que o foi enquanto violou as regras com quedevia ter sido feita e enquanto revela que o cirurgião não agiucomo devia e podia, e dúvidas não restam, atenta a factual idadeprovada que foi o réu, ao efectuar a colonoscopia, perfurou ointestino da autora, aqui recorrente.

43° ­ Em suma, estão verificados, e resulta da matéria de factodada como provada, que se encontram todos os elementosconstitutivos da obrigação de indemnizar a autora, nos termos doartigos 562° e ss do Código Civil, aqui recorrente, por parte doréu BB.

44° ­ Pelo que, deve manter­se a Douta Decisão proferida peloTribunal da 1ª Instancia. No entanto e sem prescindir,

45° ­ Ainda que se entenda que o presente caso se enquadra nocampo da responsabilidade contratual, entende a aqui recorrente,que ao contrário do que decidiu o Douto Acórdão da Relação,encontra­se demonstrada a ilicitude da conduta do réu.

46° ­ Desde logo, é necessário esclarecer que ao contrário do que

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alegaram os aqui recorridos, e também citado no Douto Acórdãoda Relação de que se recorre, o caso que se aborda nos presentesautos, não é similar, ao que se decidiu no Douto Acórdão doSupremo Tribunal de Justiça de 22/09/2011 (674/2001.PL.Sl).

47° ­ Nesses autos, estava em causa um dano sofrido que podia tersido devido a uma de três causas, ou seja, anatómica, patológicaou uso de força excessiva, e tudo isto seria necessário para seestabelecer a conexão causal entre a conduta do médico e afractura, em termos naturalísticos (conexão do facto) para daí seaplicar a doutrina da causalidade adequada.

48° ­ Ora, nos presentes autos não restam dúvidas entre o nexo decausalidade entre o facto e o dano.

49° ­ Atenta a factualidade dada como provada, não restamdúvidas que a perfuração do intestino da autora foi efectuada peloréu, aqui recorrido aquando da realização a colonoscopia.

50° ­ Não existem dúvidas, como no Acórdão do Supremo Tribunalde Justiça citado, qual a causa para o dano sofrido pela autora.Foi o réu, aqui recorrido que causou o dano à autora, aquirecorrente.

51 ° ­ Mesmo que entenda que estamos perante um caso deresponsabilidade contratual, entende a aqui recorrente, que estademonstrada a ilicitude da conduta do réu.

52° ­ Isto porque, ao contrario do que decidiu o Douto Acórdão deque se recorre, esta demonstrada a desconformidade da condutado réu, com as "leges artis" a que esta sujeito o profissional demedicina.

53° ­ Em primeiro lugar, e em conformidade com o supra alegado,foi dado como não provado: "O exame (colonoscopia) foirealizado pelo 1º réu à autora foi feito com respeito legis artis doofício".

54° ­ A valer o entendimento do Douto Acórdão recorrido, fica oentendimento que a prática de perfurar o intestino durante umacolonoscopia está de acordo com a lex artis, o que é obviamenteerrado!

55° ­ Está provado que foi o réu que fez um exame, exame esse decarácter diagnóstico.

56° ­ Está provado que no decurso da realização do exame o réuperfurou o intestino da autora.

57° ­ E assim, está provado que o réu manipulou e conduziu maio

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aparelho, por distracção, falta de destreza ou imperícia, pois, casocontrario, o réu nunca teria PERFURADO o intestino da autora.

58° ­ As regras de conduta que se impõe durante a realização dacolonoscopia, obrigam a que não se causa danos ao paciente,nomeadamente no intestino.

59° ­ A factualidade dada como provada supra descrita, permitetambém estabelecer outros elementos constitutivos da obrigaçãode indemnizar a autora, aqui recorrente, por parte do réu BB.

60° ­ Isto porque está assente que o réu fez a colonoscopia aautora, e que esta se queixou de dores logo na realização doexame.

61° ­ Está provado que depois da realização do exame a autoraentrou em contacto com o réu, e voltou a queixar­se de dores e malestar.

62° ­ E está provado, que não obstante a autora se ter dirigido aoHospital FF, onde estava o réu, este descurou os sintomasapresentados pela autora, e o réu não lhe prestou, ou pediu queprestassem a atenção devida.

63° ­ Esta provado que: 87 Não fosse a rápida intervenção dostécnicos do Hospital GG, a autora não teria sobrevivido e teriaperdido a vida naquele dia, ou seja, se a autora, se tivesse mantidono Hospital FF, à espera que o réu, ou alguém a seu mando lheprestasse os urgentes cuidados de saúde que necessitava, estatinha morrido.

64° ­ O réu, tinha a obrigação, por ser o médico da autora, por tersido ele a realizar o exame de colonoscopia, por ter sido ele adizer à autora para se dirigir ao Hospital FF no dia que o réu seencontra lá a prestar serviço a diagnosticar a situação graveclinica que se encontrava a autora.

65° ­ E em conformidade actuar, ou pedir que actuassem de modoa cuidar da autora.

66° ­ O réu tinha forçosamente de saber, que por ter sido ele aefectuar a colonoscopia, que perante os sintomas da autora, haviapelo menos o risco de ter perfurado o intestino da autora, e tomaras devidas providencias.

67° ­ No entanto nada fez, e se autora não se tivesse dirigido aoutro Hospital tinha falecido.

68° ­ E assim, perante esta factualidade, permite tambémestabelecer outros elementos constitutivos da obrigação por parte

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do réu de indemnizar a autora.

69° ­ Termos em que, concedendo­se provimento ao recurso erevogando­se o douto acórdão recorrido, por outro que julgueprovada e procedente a acção intentada conforme o supraalegado, mantendo­se a douta sentença proferida na 1 a instancia.

70° ­ O Douto acórdão agora recorrido, viola entre outros, odisposto nos artigos 483º e ss, 798º e ss, e 562° e ss do CódigoCivil.»

Os réus contra­alegaram, sustentando que o acórdão recorrido deveser confirmado.

A Companhia de Seguros II concluiu as alegações nestes termos:

«1. O douto acórdão ora posto em crise decidiu corretamente aoconcluir que não estavam reunidos todos os pressupostos daresponsabilidade civil, concretamente a ilicitude.

2. Independentemente de estar em causa a responsabilidadecontratual ou delitual, como defende a recorrente, sempre seimpunha que a A demonstrasse algum comportamento do médicoque, objetivamente considerado, se mostrasse contrário ao Direito,com desconformidade entre a conduta devida e o comportamentoobservado.

3. No âmbito da atividade médica predominam as obrigações demeios (ou obrigações gerais de prudência e diligência), ainda queno campo da responsabilidade extracontratual ­ neste sentido videAc. deste STJ, de 24.05.2011 onde se entendeu que «No âmbito daresponsabilidade civil extracontratual, o médico apenas estávinculado a uma obrigação geral de prudência e de diligência,empregando a sua ciência para a obtenção da cura do doente, massem assegurar que esse resultado se produza, esperando­se apenasque assuma um comportamento, particularmente, diligente, quepossibilite o correto diagnóstico, permitindo, com isso, a adoção daterapia mais idónea, mas ficando exonerado de responsabilidade seo cumprimento requerer uma diligência maior, e liberando­se coma impossibilidade objetiva ou subjetiva que lhe não sejamimputáveis».

4. O que significa que, para a responsabilização civil do lesante,não é suficiente a alegação e prova da não obtenção de um dadoresultado. É necessário provar a desconformidade objetiva entreos atos praticados pelo médico e os que lhe são exigíveis,atendendo a situação concreta do paciente.

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5. Na medicina, essa desconformidade objetiva (a ilicitude) afere­se pela violação das leges artis. Significa portanto, que a ilicitudena atuação do médico traduz­se no comportamento que aqueletenha tomado que contrarie as guide lines e standards de atuaçãoclínicos, atendendo à situação concreta.

6. No caso sub judice, nunca se alegou qualquer comportamentoadotado pelo R. nem se provou médico que objetivamente violasseo direito à saúde da recorrente.

7. Não se pode afirmar que a ilicitude é a perfuração do intestino– como resulta do ponto nº. 34 das conclusões da recorrente.

8. A perfuração consubstancia o dano e um risco inerente aoprocedimento médico, mesmo quando realizado com todo orespeito pelas leges artis (vide factos provados nº. 127).

9. O facto ilícito será o comportamento objetivo adotado pelomédico que, por contrariar as boas práticas médicas, atendendoao caso concreto, conduziu à perfuração do intestino.

10. Este comportamento objetivo não foi provado.

11. Se adotarmos a tese da recorrente que propugna pelaresponsabilidade civil extracontratual, ficou ainda um outrorequisito da responsabilidade civil por provar: a culpa.

12. A culpa consubstancia­se no juízo subjetivo de reprovação docomportamento adotado.

13. Quer­se dizer que o comportamento contrário do médico quecontrarie as leges artis deverá ser alvo de um juízo de censura,seja pela sua vontade no resultado (dolo), seja pela falta decompetência manifestada na assunção de tal comportamento(negligência).

14. Perante a inexistência de prova da ilicitude, cujo ónusincumbiria à recorrente, nada mais restaria do que julgarprocedente o recurso então interposto pelos ora recorridos eimprocedente a ação.

15. Pelo que não merece censura o acórdão recorrido,Improcedendo totalmente as conclusões apresentadas pelorecorrente.

16. Sem prescindir, e caso se venha a julgar não assistir razão àrecorrente quanto à pretendida improcedência da presente ação,sempre a douta sentença terá que ser alterada quanto aos valorescomputados para a indemnização.

17. São sobejamente conhecidas as dificuldades em quantificar os

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danos não patrimoniais e em traduzi­los numa quantia em dinheiroque, de alguma forma, compense o sofrimento, o desgosto e a dor.

18. Resta o recurso à equidade e, enfim, ao que vai sendo ajurisprudência dos nossos tribunais neste domínio.

19. Para que se salvaguarde o valor da segurança jurídica énecessário que os tribunais fixem uma compensação para os danosnão patrimoniais passível de ser alcançada por qualquer decisãojudicial.

20. Ponderado o princípio da igualdade e analisandocomparativamente os valores arbitrados para a indemnização dodano perda do direito à vida, valor supremo, dano biológico eperda de ganho em diversos arestos (…) conclui­se que o valorfixado pela douta sentença – € 150.000,00 – é exagerado paracompensar o dano sofrido pela autora.

21. Atentemos de um modo particular na jurisprudência e nasdecisões do Supremo Tribunal de Justiça (...)

22. Neste contexto, ponderando comparativamente os valoresapontados nos citados arestas e as circunstâncias acimaenunciadas, entendemos que o valor atribuído a título deindemnização pelos dano morais, pelo Juiz do tribunal a quo, nasituação concreta, mostra­se desajustado, não estando conformecom um juízo de equidade, para compensar os danos sofridos epor esse motivo, não se justifica a atribuição de um valor de €150.000,00 para compensar o sofrimento e a dor sentida pelarecorrida com fundamento nos danos descritos nos presentesautos.

23. Crê a recorrente que, tendo em conta o quadro lesivo edoloroso sofrido pela recorrida, bem como as sequelas de queficou a padecer, a indemnização fixada terá que ser alterada,atribuindo­se um valor que não exceda os € 50.000,00.

24. A sentença em apreciação condenou o R e a interveniente nopagamento da quantia de € 4.594,13, valor que não se alcançapela análise dos factos provados.

25. Crê a recorrente que a menção àquele montante apenaspoderá traduzir um lapso aritmético.

26. Na verdade, e conforme resulta da própria fundamentação dadouta sentença, apenas está demonstrado ter a autora despendido€ 618.00 em consultas médicas, € 2.000,00 na compra demedicamentos, € 147,90 em exames e tratamentos e € 199.00 naaquisição de uma cadeira de rodas.

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27. Pelo que o dano emergente teria que ser computado em €2.964,90 e nunca nos € 4.594,13 que se fixou na douta sentença.»

Quanto a BB, apresentou as seguintes conclusões:

«1. A Recorrente pretende que esse Venerando Tribunal altere aresposta dada pela Veneranda Relação ao quesito 180 (queentendeu como não escrita a resposta dada a tal quesito pela 1ªInstância, dado o carácter conclusivo do mesmo), para "nãoprovado".

2. O Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria dedireito, à excepção dos casos expressamente previstos na lei, que omesmo é dizer nas duas hipóteses contempladas na 2a parte do n°3 do aludido art. 674 do CPC:

• Quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado um factosem que se tenha produzido a prova que segundo a Lei éindispensável para provar a sua existência;

• Quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam aforça probatória dos diversos meios de prova admitidos no nossosistema jurídico.

3. Do que resulta por si só e sem necessidade de maioresconsiderandos, que o STJ não pode apreciar a matéria formuladapela Recorrente sobre a decisão proferida pela Relação sobre amatéria de facto.

4. Aliás, basta atentar nas conclusões do recurso que versam sobreesta matéria (conclusões 7 a 14) para se concluir que a Recorrentenão invoca nenhuma ofensa a disposição expressa da Lei que exijacerta espécie de prova para a existência do facto. ou que fixe aforça de determinado meio de prova.

5. Mas mais, a pretensão manifestada pela Recorrente é(igualmente) e em absoluto irrelevante.

De facto, o Quesito 180 encontrava­se assim formulado:

"O exame (colonoscopia) foi realizado pelo 10 Réu à Autora comrespeito pelas tegis artis do Oficio?"

6. A Recorrente pugna por que lhe seja dada resposta negativa(Não provado).

Ora, mesmo que tal ocorra, o facto de tal matéria não ser dadapor provada não significa que houve violação da legis artis (ou

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seja que o Recorrido ora Contra alegante infringiu as regrasinerentes à nobre prática da medicina).

7. A sentença recorrida, na parte aqui em apreço, não enferma dequalquer vício e não viola qualquer disposição legal, pelo que nãomerece qualquer censura.

Termos em que, improcedem as conclusões 7 a 14 das doutasalegações aqui em causa.

Por outro lado,

8. A Recorrente pugna para que a responsabilidade a imputar aoRecorrido seja a extracontratual (delitual) e não a contratual.

Sucede que neste segmento concreto (e também aqui...), o doutoAcórdão recorrido não merece qualquer censura.

9. Aliás, o paralelismo invocado pela Recorrente com o "pugilistapintor" é absolutamente "estapafúrdio" e despropositado(bastando para assim concluir atentar no ponto 127 dos factosassentes)

10. Nem se diga que, se o diagnóstico do exame foi correcto,nunca se poderia alegar responsabilidade contratual, desde logopor a obrigação principal assumida pelo médico ser a detratamento.

11. Nada havendo, assim, a apontar à douta sentença recorrida noque respeita a essa decisão em concreto.

Termos em que improcedem as conclusões 19 a 31 das doutasalegações aqui em causa.

De todo modo,

12. Mas a bizarria é ainda mais patente pelo facto daresponsabilidade contratual ser mais vantajosa para a lesada doque a responsabilidade extracontratual, que o mesmo é dizer que oregime aplicado pelo douto aresto recorrido é mais vantajoso paraa Recorrente do que o propugnado pela mesma…!!

13. De facto e sem margem para dúvidas, a responsabilidade maisvantajosa para a Recorrente sempre seria a responsabilidadecontratual.

14. Termos em que e de qualquer forma, sempre improcederiam asconclusões 19 a 31 das doutas alegações aqui em causa.

15. A Recorrente invoca ainda que (Conclusões 18 e 32), no casodos autos, se encontram reunidos todos os requisitos e elementosconstitutivos da obrigação de indemnizar.

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Não se descortina como pode a Recorrente assim concluir.

16. O douto aresto recorrido fundamentou devida ejustificadamente a decisão neste preciso segmento:

• A Relação salientou a manifesta inexistência de elementos noprocesso, através dos quais se pudesse concluir pela existência deum acto ilícito pelo Médico (ou em violação às normas impostaspelas leges artis);

• Como muito bem questiona o douto aresto recorrido, o que terásido feito pelo Réu (que não deveria ter feito), ou o que não terásido feito, que deveria ter feito?

• O processo é absolutamente omisso quanto a esta matéria e amesma sempre seria indispensável à qualificação e verificação dequalquer eventual ilicitude do comportamento do Réu Médico.

17. Aliás, a matéria constante (para além do mais) dos pontos 3, 4,11, 14, 15, 16, 19 a 26, 34, 127, 129, 130, 132, 133, 137, 138, 139e 140 dos factos dados por provados, é relevante para aapreciação da matéria aqui em causa:

• Analisados os factos dados por provados inexiste qualquerindicação relativa à prática concreta de um acto que não deveriater sido praticado, ou a omissão de qualquer acto que deveria tersido praticado pelo Réu Médico;

• Em nenhum lugar do processo consta o que deveria ter sido feitoe não foi (ou vice versa);

• Objectivamente inexiste no processo qualquer indicação do quetenha sido mal feito (ou contra as normas impostas pelas LegesArtis), seja por acção, seja por omissão;

• Nem se diga que a ilicitude traduz­se na própria perfuração dointestino, desde logo por esta consubstanciar (apenas) o resultadodanoso e um risco inerente ao exame médico a que a Recorrente sesujeitou (ainda que realizado com todo o respeito pelas leges artis– facto 127).

• Ou seja, tal perfuração não é suficiente para a responsabilizaçãodo Réu Médico (havendo sempre necessidade de, objectivamente,se fazer prova dos comportamentos ou omissões contrárias àsleges artis aplicáveis).

• Tal é o bastante e suficiente para impossibilitar a conclusão deter ocorrido, no caso "sub judicie", qualquer comportamentoilícito.

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• A única factualidade que poderia indiciar em sentido contrário,foram as dores sentidas pela Recorrente aquando da realização doexame (factos 6 a 8)

• Todavia e como muito bem salientou o aresto recorrido talsintomatologia é normal (dores), sendo perfeitamente usual ecorrente neste tipo de exame (facto notório e do conhecimentogeneralizado que dispensa até prova – art. 412 do CPC).

Mas não só.

18. Dos factos apurados conclui­se que:

• O exame foi realizado em 22.06 e a sintomatologia mais forte sóocorreu em 25.06.

• A Recorrente foi observada no Hospital de Valongo a 25.06,tendo­lhe sido diagnosticado uma mera infecção urinária (factos14 e 19);

• Deu entrada na Urgência do Hospital FF tendo sido submetida adiversos exames de diagnóstico, que acabou por inviabilizar porter abandonado tal Urgência pelas 22 horas [desconhecendo­se,aliás, o que a Autora fez entre as 22 horas e as 22,49 (factos 35 e132) quando tal trajecto se percorre em não mais do que 10minutos... !!);

19. Ou seja, não se vislumbra como é que o Réu Médico pode seracusado de determinados consequências e danos, quando, depermeio, existe a intervenção de inúmeros profissionais damedicina que fizeram análises e diagnósticos à Recorrente, semqualquer intervenção do Réu Médico.

20. E se é verdade que a Recorrente esteve cerca de 11 horas naUrgência do FF, também o é que as práticas e rotinas hospitalaressão como são, não sendo da responsabilidade do Réu Médico (nemeste as podendo alterar... !!).

21. Bem assim como as rotinas (e diagnóstico) do Hospital deValongo que na véspera tinham examinado a Recorrente econcluído por uma mera infecção urinária, são em absolutoalheias ao Réu Médico.

22. Isto é,

A situação em análise não era de fácil diagnóstico, sendo queexistem inúmeras patologias com idêntica sintomatologia, havendonecessidade de despistar todas elas:

• Por isso é que o Hospital FF teve o cuidado de realizar todos osexames que se mostravam adequados, sendo certo que ficou

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impossibilitado de realizar qualquer diagnóstico final, face àdecisão da Autora (Recorrente) de abandonar a referida Urgência(facto 133).

23. Perante isto:

• Como é que se pode imputar ao Réu Médico a responsabilidadepelo quadro clínico que posteriormente veio a ser verificado noHospital GG?

• Como é que se pode imputar ao Réu Médico a responsabilidadeda necessidade de repetição de comportamentos médicos (factos40 a 43)?

• A que se ficou a dever tal necessidade?

• Que responsabilidade tem o Réu Médico sobre tal matéria?

24. Ou seja,

No concreto e específico enquadramento factual em causa nosautos, nunca se verificaria igualmente o nexo de causalidade(indispensável e necessário) à alegada ofensa (colonoscopia) edano verificado.

Do que sempre resultaria a inexistência dos pressupostos a umaeventual procedência do recurso.

Termos em que a Recorrente não tem razão quando alegamostrarem­se reunidos todos os requisitos e pressupostos inerentesà obrigação de indemnização em decorrência da responsabilidadeextra contratual.

25. Aliás, as doutas considerações de direito avocadas pelaRecorrente (designadamente nas conclusões 35 a 42) são emabsoluto irrelevantes, até por a factualidade subjacente não seenquadrar nos respectivos pressupostos.

No caso concreto a Recorrente não logrou provar a ilicitude(elemento fundamental da obrigação de indemnizar), não semostrando (pois) necessário apreciar os demais pressupostos.

26. Assim,

Por tudo o que foi dito supra, nesta parte a sentença recorrida nãoenferma de qualquer vício ou decisão censurável, não tendoviolado qualquer preceito legal aplicável in casu.

Termos em que improcedem as conclusões 18 a 44 das doutasalegações aqui em causa.

Acresce que,

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27. Também a questão formulada sobre verificarem­se osrequisitos para a obrigação de indemnizar decorrente daresponsabilidade contratual não merece provimento.

28. Salvo o devido respeito a matéria versada nas conclusões aquiem apreço é a mesma da anterior, desde logo por os requisitos epressupostos indispensáveis à Responsabilidade extracontratualserem exactamente os mesmos da Responsabilidade Contratual.

29. Para haver responsabilidade (e obrigação de indemnizar) temde ocorrer a prática de um facto ilícito.

Se tal ilicitude não se encontra demonstrada (como não está noprocesso... ), necessariamente que toda a construção inerente àresponsabilização (seja contratual, seja extracontratual) ficaprejudicada.

30. Só no caso de se demonstrar a existência de um facto ilícito éque importa conhecer os restantes requisitos (culpa, dano e nexode causalidade).

31. É certo que, na responsabilidade contratual o lesado estádispensado de provar a culpa (cujo ónus de ilidir compete aolesante), enquanto na responsabilidade extracontratual tal provapertence ao lesado.

32. Todavia,

Não se mostrando provado o "requisito charneira" (existência daprática de facto ilícito) indispensável a qualquer tipo deresponsabilidade (extracontratual ou contratual) não se mostrasequer necessário apurar a existência (ou não) de culpa do RéuMédico (Ac. STJ, de 22­11­2007 ­ Revista n. o 3800/07 ­ 2. aSecção).

33. No caso dos autos, o Réu Médico não necessita de provar ainexistência de culpa (desde logo, face à inexistência de qualquerilicitude).

Termos em que só se pode concluir que também nesta sede nãoassiste qualquer razão à Recorrente.

34. De todo o modo sempre se dirá que as "extrapolações"realizadas pela Recorrente nas conclusões 54 a 68 são"destemperadas", conclusivas e muitas delas sem qualquerfundamento factual.

Na verdade:

• Os silogismos constantes das conclusões 54 a 58, são erradas econtrárias a factos dados por assentes (desde logo facto 127);

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• Os silogismos constantes das conclusões 59 a 68 são igualmenteerrados, não levando em consideração factos dados por provados[tais como o decurso de pelo menos dois dias entre o exame e asintomatologia; a existência de diversos diagnósticos de outrosmédicos; as rotinas e comportamentos inerentes a cada urgênciaque impedia o Réu Médico de "mandar na Urgência"; o abandonoda Recorrente da Urgência impossibilitando o diagnóstico e atomada de medidas adequadas ao mesmo (factos 132 e 133); etc.,etc.].

35. Nada havendo, assim, a apontar à douta sentença recorrida,por a mesma fazer um correcto enquadramento e não violarqualquer preceito legal aplicável ao caso concreto.

36. Termos em que improcedem as conclusões 45 a 70 das doutasalegações aqui em causa.

37. Concluindo:

• A douta sentença recorrida não incorreu em qualquer nulidade,nem violou, por erro de interpretação e ou aplicação, qualquerpreceito legal, não merecendo, assim, qualquer censura ou reparo;

• Improcedem, portanto, todas as conclusões formuladas nasdoutas alegações aqui em apreço;

• Termos em que o recurso só pode improceder;

• O que se alega e muito respeitosamente se requer sejasuperiormente decidido.

Sem prescindir,

Subsidiariamente por dever de patrocínio e admitindo a hipótese(que não se concede) de o recurso vir a ser consideradoprocedente.

38. O douto Acórdão recorrido omitiu o conhecimento de algumasquestões formuladas em sede de recurso formulado pelo agoraRecorrido (então Recorrente) da decisão proferida em 1ª.Instância, fazendo­o de forma fundamentada:

"…

Face à solução jurídica adoptada ficam naturalmente prejudicadasas questões suscitadas no tocante ao "quantum" indemnizatóriofixado pela 1ª instância (cfr. arte 608°, nº. 2 do Novo Cód. DoProc. Civil).

39. Sucede que, na hipótese aqui configurada por mera cautela, deprocedência do recurso, tais questões relativas ao "quantum" da

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indemnização ganham relevância para a boa decisão da causa.

40. Ora e como superiormente já foi decidido por este altoTribunal [Ac. STJ, de 27­05­2010 – Incidente n.º 544/09.9YFLSB –7ª Secção ­ Pires da Rosa (Relator), Custódio Montes, AlbertoSobrinho, Maria dos Prazeres Beleza e Lopes do Rego – sendo queo aludido art. 731 do CPC (tem correspondência no art. 684 doCPC em vigor], na hipótese aqui configurada, deverá sempre oTribunal de recurso apreciar a questão formulada (relativa ao"quantum" indemnizatório) no recurso apresentado da decisão de1ª Instância, ou, caso assim seja superiormente entendido, ordenarque o processo baixe para ser apreciada tal questão em sede daRelação.

41. Face ao exposto e como superiormente decidido, na hipóteseaqui configurada, deverá sempre o Tribunal de recurso apreciar aquestão formulada (relativa ao "quantum" indemnizatório) norecurso apresentado da decisão de 1ª Instância, ou, caso assimseja superiormente entendido, ordenar que o processo baixe paraser apreciada tal questão em sede da Relação.

42. O que, embora a titulo subsidiário,

Expressamente se requer seja superiormente decidido,conhecendo­se sobre tal matéria recursiva, na hipótese aqui emcausa [para tanto, por razões sistemáticas e no sentido deenquadrar as questões concretas formuladas, procedeu­se supra àtranscrição das alegações e conclusões do recurso formulado dadecisão de 1 a Instância relativas ao "quantum" indemnizatório(não conhecidas pela Relação), que aqui se consideram integradase reproduzidas), julgando­se que num Juízo de equidade adequadaa indemnização a ser fixada a título de danos morais não poderáultrapassar a quantia de 50.000,00 euros, e a relativa a danosemergentes à quantia de 2.965,88 euros.

43. Matéria que cumpre conhecer nesta sede subsidiária.

44. Ainda subsidiariamente e prevenindo a hipótese de o Tribunalsuperiormente entender que a via para se conhecer o recursorelativo ao "quantum" indemnizatório é a ampliação do âmbito dorecurso, nos termos do disposto no art. 636, n° 1 do CPC, nestasede amplia­se o âmbito do recurso nos termos da matériaconcreta antes transcrita (aqui dada por integrada ereproduzida).»

O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

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4. Vem provado o seguinte (transcreve­se do acórdão recorrido):­

1. A Ré e a Companhia de Seguros HH, no dia 27 de Fevereiro de2002, celebraram entre si um contrato de Responsabilidade Civil –Clínica Médica e Lar de Idosos, titulado pela Apólice n.º …, peloqual aquela transferiu para esta a responsabilidade civilextracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniaiscausados a terceiros, incluindo clientes, em consequência delesões corporais e ou materiais, que ocorram durante o período devigência da apólice, decorrente da actividade Clínica Médica eLar de Idosos, utilizando para o efeito instalações, equipamentos epessoas.

2. A Interveniente II Portugal ­ Companhia de Seguros, SAcelebrou, em 19­02­1990, com o Réu BB um acordo de seguro doramo responsabilidade civil garantindo os riscos inerentes aoexercício da profissão – Gastrenterologia – acordo esse tituladopela apólice nº … que à data dos factos em causa nos autos,vigorava com o capital máximo por anuidade e por sinistro de85.156,77 € em danos corporais e de 17.654,45 €, em danosmateriais, estando sujeito a uma franquia a cargo do segurado de49,88 € em danos materiais.

3. No dia 22 de Junho de 2002, a autora foi submetida a um examede colonoscopia, nas instalações da segunda ré, DD, sita nestacidade da Póvoa de Varzim.

4. Tal exame foi efectuado pelo primeiro réu, Dr. BB, que aliexercia, e exerce actualmente, a sua actividade profissional degastroenterologista.

5. Sendo que, tal exame, foi realizado a requisição do mesmo réu,Dr. BB.

6. No decurso do exame e aquando da passagem do aparelho pelosintestinos, a autora sentiu dores.

7. Facto que, de imediato, comunicou ao primeiro réu.

8. A autora soltou gritos, demonstrando, desta forma, ao primeiroréu as dores que sentia.

9. Concluído o exame, o primeiro réu, Dr. BB, comunicou à autoraque estava tudo bem.

10. Segundo referiu, a autora não apresentava quaisquer lesõesnos intestinos.

11. Durante os dois dias que se seguiram à realização daquele

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exame, colonoscopia, a autora foi acometida de obstipaçãointestinal.

12. Em face dessa situação, no dia 24 de Junho, a autora ingeriudois comprimidos Dulcolax.

13. Não obstante a ingestão dos mesmos, a situação manteve­seinalterada.

14. No dia 25 de Junho, da parte da manhã, a autora sentiuintensas dores abdominais, concretamente no fundo da barriga, evómitos alimentares.

15. Tendo, de imediato, sido chamada uma ambulância que atransportou ao Hospital EE, aqui terceira ré.

16. Onde deu entrada no Serviço de Urgência, cerca das 10h13m.

17. Nesse Estabelecimento de Saúde esteve a autora emobservações por um período de cerca de 3h.

18. Durante o qual lhe foi efectuado um teste sumário de urina querevelou corpos cetónicos e leucócitos.

19. Diagnosticada uma infecção urinária, tendo sido medicadapara o efeito.

20. Cerca das 13h foi­lhe concedida alta médica tendo a autoraregressado a casa.

21. Nesse mesmo dia, dado o mau estar que persistia em nãoterminar, e o agravar das dores, que cada vez eram mais fortes einsuportáveis, a autora telefonou ao réu, Dr. BB, a quem pôs aocorrente do seu estado.

22. E referiu que sentia muitas dores no abdómen e um mau estargeral.

23. Bem como, referiu que havia recorrido à Urgência do Hospitalde Valongo.

24. Tendo­lhe sido diagnosticada uma infecção urinária eministrada medicação para o efeito.

25. Em face desse telefonema, o réu, Dr. BB, disse à autora para,caso a situação agravasse, comparecer no dia seguinte, noHospital FF, altura em que o mesmo estava de serviço naurgência.

26. De acordo com as indicações do primeiro réu, e tambémporque o estado de saúde da autora apresentava­se cada vez maisgrave, no dia 26 de Junho, cerca das 11h08m a autora deu entrada

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no Serviço de Urgência do Hospital FF.

27. De imediato, o marido da autora tentou contactar o primeiroréu, Dr. BB, o que conseguiu, no serviço de gastrenterologia.

28. O réu referiu que iria ao serviço de urgência consultar aautora.

29. Decorridas que foram cerca de cinco horas, depois dedisponíveis os exames complementares é que o réu se deslocou aoserviço de urgência para analisar a autora.

30. Nesse Hospital, e no período de tempo em referência, a autorafoi submetida a diversas análises clínicas, efectuou raio­x e umaecografia abdominal.

31. Para além de que, durante várias horas, foi injectada com sorofisiológico.

32. Sem que lhe fosse diagnosticada qual a origem das doresabdominais que sentia.

33. Cuja intensidade não diminuía.

34. Não obstante ter sido submetida aos exames referidos, aautora permaneceu neste Serviço de Urgência cerca de 11h semque tenha sido elaborado um diagnóstico da situação ou definida aterapêutica a seguir.

35. A sua situação clínica piorava de minuto a minuto, e uma vezque a situação não se resolvia, a autora deslocou­se para oHospital GG, no Porto, onde deu entrada no Serviço de Urgência,cerca das 22h49m.

36. Nesse Hospital foi­lhe diagnosticado quadro de abdómenagudo que se verificou estar relacionado com peritonite fecalsecundária a perfuração com cerca de 2 cms de diâmetro, no cólonsigmóide distal e peritonite generalizada.

37. Durante a realização da colonoscopia a que a autora foisubmetida em 22 de Junho de 2002, realizado pelo primeiro réu, aautora sofreu perfuração do intestino, junto ao colo sigmóide, oque veio a determinar o que consta do n.º anterior.

38. Em face do diagnóstico, e nessa mesma noite, foi a autorasubmetida a uma intervenção cirúrgica de urgência, designada por"operação de Hartmann".

39. O estado pré­operatório era o de sépsis com disfunçãomultiorgânica dominada pela falência respiratória, cardio­circulatória, digestiva, hematológica e renal.

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40. Cerca de vinte e quatro horas do pós­operatório a autora foirelaparotomizada por isquemia segmentar do territóriodependente da artéria mesentérica inferior.

41. É sujeita a colectomia segmentar esquerda.

42. A persistência do quadro séptico intra­abdominal determinouque fosse necessária relaparotomização.

43. Nos dias 3, 12 e 16 de Julho de 2002, a autora foirelaparotomizada de novo.

44. A evolução do quadro clínico foi lenta e difícil, complicando­secom sucessivas bacteriemias, e agravamento da sépsis no contextoda peritonite e infecção da ferida operatória.

45. No dia 24 de Julho de 2002, a autora foi traqueostomizadapara protecção da via aérea.

46. No dia 4 de Agosto passou a ventilação espontânea, suficientedo ponto de vista respiratório e hemodinâmico.

47. Com função renal e hematológica recuperadas.

48. Sendo que, nessa data, a autora já era capaz de se alimentarpor via oral.

49. A autora esteve internada na Unidade de Cuidados Intensivosdo Hospital GG cerca de 43 dias, por referência à data de entradana urgência daquele Hospital.

50. No dia 8 de Agosto de 2002, a autora foi transferida para oUCPO, tendo em 21 de Agosto de 2002 sido transferida para osServiços de Cirurgia I do mesmo Hospital, até ao dia 29 de Agostode 2002, data em que lhe foi concedida alta hospitalar.

51. Durante o período de tempo que esteve nos cuidados intensivosdo Hospital GG, a autora esteve em permanente perigo de perdera vida.

52. Esteve ligada a um ventilador durante vários dias,completamente inanimada.

53. Sem reconhecer os próprios familiares mais próximos.

54. A sobreviver à custa de máquinas artificiais, que lhemantinham os órgãos essenciais e vitais em funcionamento.

55. Após a alta Hospitalar, a autora regressou a sua casa, emsituação de total dependência de terceiras pessoas.

56. Foi transportada numa ambulância, deitada numa maca, uma

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vez que apenas mexia a cabeça e as mãos.

57. Na data da alta hospitalar, a autora regressou para casa comcolostomia (saco que armazena as fezes, dado que o recto estavafechado em consequência das cincos intervenções cirúrgicas a quefoi submetida).

58. Durante os cerca de dois meses e meio que estevecompletamente imobilizada na cama do Hospital, a autora perdeumassa muscular.

59. O que originou a situação de tetraparésia em que se mantevepor cerca de três meses.

0. E determinou que, durante cerca de três meses após a altahospitalar, a autora se visse na necessidade de se deslocar numacadeira de rodas, pois não se conseguia deslocar pelos seuspróprios meios.

61. Nesse período de tempo, e dado o facto de não se podermovimentar, a autora necessitava permanentemente que lheefectuassem os cuidados diários de higiene.

62. Que providenciassem pela sua alimentação.

63. E a acompanhassem, à casa de banho, para urinar.

64. O que, nos primeiros dias se revelava necessário sensivelmentede duas em duas horas.

65. A autora esteve algaliada bastante tempo.

66. Durante esse período de tempo em que esteve em casa sem sepoder movimentar, a autora precisou da ajuda permanente de umaterceira pessoa, para lhe dar a medicação prescrita, proceder àdesinfecção diária da pequena incisão resultante da traqueostomiae proceder ao tratamento diário da sutura.

67. A sutura tinha cerca de 25 cm de cumprimento e não seencontrava cicatrizada.

68. A colostomia encontrava­se muito próximo da incisão.

69. Era frequente o saco da colostomia deslocar­se este deslocar­se, e verificar­se o resvalamento das fezes para a zona da sutura.

70. O que determinava a necessidade de lavagem cuidadosa dazona da ferida para evitar perigo de infecção.

71. Após a alta hospitalar a autora continuou a ser acompanhadapelo Hospital GG em regime de consulta externa.

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72. Por indicação do mesmo Hospital, a autora recorreu ao Centrode Saúde de … para lhe prestar assistência, designadamente, notratamento diário da incisão no abdómen, resultante dasintervenções cirúrgicas a que foi sujeita, bem como, no tratamentodiário da colostomia.

73. Recebeu diariamente em sua casa, e durante cerca de quatromeses, a assistência de uma enfermeira que efectuava a limpeza daferida e procedia à mudança do saco de que era portadora.

74. Como a sutura não cicatrizava, no dia 22 de Janeiro de 2003,a autora foi internada no Hospital GG, onde foi observada por umcirurgião.

75. No dia 4 de Fevereiro de 2003, foi a autora submetida a novaintervenção cirúrgica, para reconstrução do trânsito intestinalcom coloproctostomia termino terminal e correcção de eventração.

76. No dia 10 de Fevereiro de 2003, em face de seroma da feridaoperatória, foi efectuada drenagem da mesma com aberturaparcial da ferida.

77. Em face de supuração da ferida operatória foi efectuadoabertura da mesma em quase toda a sua extensão.

78. No dia 3 de Novembro de 2003 foi concedida à autora altamédica.

79. Depois do internamento referido em 74. a autora regressou acasa.

80. Após o que, continuou a receber assistência da enfermeira doCentro de Saúde e dos seus familiares.

81. E a ser consultada no Hospital GG em regime ambulatório.

82. Onde efectuou tratamentos de medicina física de reabilitação(fisioterapia).

83. Após ter recuperado a consciência a autora apercebeu­se dagravidade da situação, tendo plena consciência de que correraperigo de vida.

84. Como consequência directa e necessária dos factos supradescritos e do que consta de 37., a autora apresenta, comosequelas com carácter permanente:

­ cicatriz no abdómen, com 34 cm de cumprimento e com 1centímetro de largura, máxima, estendendo­se ao hipogastro,facilmente visível;

­ cansaço frequente;

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­ diminuição de auto­estima;

­ mal­estar no abdómen.

85. Como consequência dos mesmos factos, e do que consta de 37.,a autora sofreu muitas dores.

86. Sofreu de grande angústia, ansiedade e revolta, que ainda hojesente.

87. Não fosse a rápida intervenção dos técnicos do Hospital GG, aautora não teria sobrevivido e teria perdido a vida naquele dia.

88. A autora ainda hoje sofre com as sequelas resultantes da lesãode que foi vítima.

89. Sequelas estas que jamais desaparecerão e a acompanharãoaté ao resto da sua vida.

90. Após a ocorrência dos factos supra descritos, a autorapadeceu de angústias e sofrimentos múltiplos e receou pelaprópria vida.

91. Toda a evolução das lesões sofridas foi para a autora umtormento, na medida em que durante cerca de um ano, não viumuitas melhoras do seu estado de saúde.

92. A sutura permaneceu cerca de 13 meses até à cicatrizaçãocompleta.

93. Ao longo desse tempo teve muitas complicações de saúderelacionadas com as lesões de que foi vítima, e que originaram asvárias intervenções cirúrgicas a que foi submetida.

94. Foram imensas as noites em que não dormiu, devido às doresque sentia.

95. Foram imensos os dias em que chorou.

96. Durante um período de vários meses após a alta hospitalar, aautora foi portadora de colostomia (portadora de saco quearmazena as fezes).

97. O que a envergonhava bastante.

98. Sempre que saía à rua, a autora passava imensos tormentos,tendo sempre a sensação de que exalava um mau cheiro e que asoutras pessoas se apercebiam do mesmo, sofrendo muito com isso.

99. Achava sempre que as pessoas se afastavam dela, devido aomau cheiro que exalava.

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100. A autora sentia­se pois envergonhada e humilhada pelasituação em que se encontrava e para a qual em nada contribuiu.

101. Toda esta situação gerou na autora um sentimento de tristezaprofundo.

102. Como consequência dos factos descritos, a autora apresentaactualmente um agravamento de doença depressiva.

103. O que acarreta uma limitação da sua autonomia pessoal.

104. À data do incidente, a autora era uma mulher completamenteindependente.

105. Exercia a profissão de enfermeira e estava profissionalmenteactiva.

106. Era uma mulher habitualmente alegre e bem­disposta.

107. Após a lesão de que foi vítima, a autora não mais voltou atrabalhar.

108. A autora é actualmente uma mulher triste.

109. Como consequência dos factos descritos a autora apresentauma incapacidade permanente geral de 16 pontos.

110. A execução das tarefas diária implica, para a autora, esforçossuplementares.

111. A autora jamais esquecerá todo o sofrimento, dor e tormentospor que passou.

112. Como consequência directa e necessária das lesões sofridas,a autora é actualmente portadora de cicatrizes que resultaram nasequência das intervenções cirúrgicas a que foi sujeita.

112. A autora é portadora de uma cicatriz na base da face anteriordo pescoço resultante da traqueostomia a que foi sujeita, com 5 cmde comprimento e 3 mesmo de largura.

113. As referidas cicatrizes são facilmente visíveis.

114. O que suscita na autora um sentimento de vergonha edesgosto.

115. Que é determinante no tipo de roupas que veste.

116. Após a ocorrência dos factos descritos nos presentes autos, aautora nunca mais foi à praia.

117. Sente imensa vergonha e desconforto em expor a todos osolhares, as referidas cicatrizes que lhe cobrem o corpo.

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118. Em data anterior, a autora não era portadora de qualquercicatriz.

119. Em consultas médicas realizadas na sequência da lesãosofrida, a autora despendeu, pelo menos, a quantia de € 618,98.

120. Na sequência da lesão sofrida, na compra de medicamentos,despendeu a autora quantia não concretamente apurada, mas queascendeu, pelo menos, a quantia de € 2.000,00.

121. Em exames e tratamentos efectuados na sequência e por viada lesão sofrida, despendeu a autora, pelo menos, a quantia de €147,90.

122. Na compra de uma cadeira de rodas despendeu a autora aquantia de € 199,00.

123. O exame em apreço nestes autos foi realizado nas instalaçõesda segunda ré, com aparelhos médicos pertencentes à mesma.

124. E com o seu acordo e autorização.

125. À data dos factos, o primeiro réu prestava serviços à segundaré, sendo remunerado por esta, tendo efectuado o exame emquestão no âmbito dos serviços que lhe estava a prestar na altura.

126. A autora pagou o valor em que orçou o dito exame, àsegunda ré.

127. A perfuração do intestino é uma complicação rara que podeocorrer na realização de um exame de colonoscopia, mesmocumprindo­se com as regras de boa prática da medicina.

128. O resultado da ecografia abdominal a que a ré foi submetida,revelou a existência de uma pequena quantidade de líquidointraperitonal.

129. A Autora, depois de aberta a respectiva ficha de urgência, foiobservada pelas 12.15 horas por um dos médicos que seencontrava nos serviços de urgência do Hospital FF do Porto, oqual trocou impressões, depois, com o Réu BB sobre os examesque haviam de ser realizados à Autora.

130. Tais exames, análises ao sangue, raio x abdominal simples eecografia abdominal foram realizados cerca das 14 horas.

131. À Autora foram administrados analgésicos.

132. A autora abandonou, cerca das 22 horas, os serviços deurgência do Hospital FF.

133. Tal facto impediu os respectivos serviços médicos de

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realizarem o respectivo diagnóstico e de adoptarem as medidasadequadas ao mesmo.

134. A Autora quando contactou o primeiro réu apresentava já umquadro abdominal de dor e obstipação.

135. Daí a marcação de consulta com o 1º Réu.

136. E daí também a realização do exame de diagnóstico emanálise (colonoscopia) concretamente realizado.

136. Antes da realização do exame em causa à Autora foiadministrado à mesma sedativo (sedação consciente).

137. O exame em questão (colonoscopia) não constitui um examerotineiro, nem tem, na situação em causa, qualquer funçãocurativa.

138. O 1.º réu não teve qualquer participação no serviço deurgência dos hospitais de Valongo e de Santo António.

139. Desconhecendo todo o procedimento e actuação médicas.

140. O 1.º réu é um gastrenterologista com uma vasta experiência,altamente prestigiado e de grande competência, aliás por todosreconhecida.

141. A autora já vinha tendo acompanhamento psiquiátrico antesdos factos a que se refere na sua petição inicial.»

5. A recorrente coloca as seguintes questões (nº 4 do artigo 635º doCódigo de Processo Civil):

– Eliminação do quesito 180º da base instrutória e da respectivaresposta;

– Qualificação da responsabilidade civil em causa no presenteprocesso;

– Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil econsequente dever de indemnizar.

O recorrido requer subsidiariamente a ampliação do objecto dorecurso, no que toca à determinação do montante indemnizatório,apreciando “a questão formulada (relativamente ao ‘quantumindemnizatório’) no recurso apresentado da decisão de 1ªinstância”, ou remetendo o processo à Relação para que a aprecie.

II – Portugal, Companhia de Seguros, SA também questiona o

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montante da indemnização fixada em 1º Instância.

6. O quesito 180º tinha a seguinte redacção (fls. 512): “O exame(colonoscopia) foi feito com respeito LEGIS ARTIS do ofício?”

No julgamento da matéria de facto, de fls.1282 e segs., respondeu­se a este quesito “Não provado” (fls. 1292), com a seguintejustificação (fls. 1299): “Quanto aos factos constantes do quesito180º, julgados não provados, cumprirá ainda mencionar que denenhum dos meios de prova produzidos poderá concluir­se comsegurança pela sua realidade, inexistindo qualquer meio de provacontundente e inequívoco susceptível de os confirmar, nãopermitindo assim a formação de uma convicção positiva quanto aeles”.

No recurso de apelação, este julgamento foi impugnado. Mas otribunal da Relação entendeu que tal quesito tinha uma“manifesta formulação conclusiva”, correspondendo no fundo ao«“thema decidendum” da acção», sendo insusceptível de resposta;por esta razão, considerou não escrita a resposta que lhe foi dada.

É incontestável que, tendo em conta o regime processual entãovigente, com as regras que se conhecem no que respeita àconstrução da base instrutória e ao formalismo relativo à produçãoda prova, não podia servir de base a essa prova um quesito assimredigido, sem identificação das concretas regras ou procedimentoscuja observância estava em causa; e é igualmente incontestávelque, a ser aceitável e admissível, uma resposta positiva equivaleriaao julgamento de uma questão de direito da maior relevância naacção.

No entanto, a verdade é que a resposta negativa torna irrelevante omodo como o quesito foi formulado, pois nada acrescenta à prova.

Como é evidente, o julgamento de não provado que determinadasregras foram cumpridas não equivale a um julgamento de queessas mesmas regras não foram cumpridas; regras essas, aliás,cujo conteúdo também carecia de ser provado. Apenas significaque não há prova, havendo então que aplicar, para decidir dedireito, as regras que repartem o ónus da prova entre as partes daacção, quanto aos factos que ficaram por provar.

Mas, seja como for, trata­se de um quesito construído de umaforma que o inutiliza; razão pela se não altera a decisão daRelação, quanto a este ponto; para além do mais, o que orecorrente pretende é inútil, como se disse.

7. A recorrente discorda da qualificação como contratual daresponsabilidade civil em que baseia o pedido de indemnização,

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pugnando pela recuperação da qualificação escolhida em 1ªInstância, de responsabilidade extra­contratual. Subsidiariamente,sustenta que o seu pedido também seria procedente à luz das regrasda responsabilidade contratual.

Como todos sabemos, no tratamento jurisprudencial e doutrinal daresponsabilidade civil por acto médico tem sido repetidamenteapontada a necessidade de ultrapassar essa distinção e asdiferenças de regime que, pelo menos num ponto central – o ónusda prova da culpa do lesante –, se encontram na regulamentaçãogenérica de uma e outra modalidades de responsabilidade civil(cfr., a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 19de Junho de 2001, www.dgsi.pt, proc. nº 01A1008).

O caso concreto, porém, tendo em conta a prova feita, reveste­sede uma relativa simplicidade, quer do ponto de vista dos factos,quer na perspectiva do direito.

Com efeito, vem provado que, por acordo entre a autora e o réuBB, foi celebrado um contrato, destinado à realização de umexame médico – colonoscopia –, que efectivamente foi efectuado;e não se questiona na acção o resultado do exame (cfr. em especialos pontos 3, 4, 5, 135 e 136, 9 e 10, dos factos provados).

Sabe­se que se trata de um exame que não é rotineiro e que nãoteve, no caso concreto, “qualquer função curativa” (ponto 137).

Vem provado que, no decurso do exame – na execução do examecontratado – ocorreu uma perfuração do intestino da autora e que acausa dessa perfuração foi a execução da colonoscopia (pontos 36e 37); e ainda que se trata de uma “complicação rara que podeocorrer na realização de um exame de colonoscopia, mesmocumprindo­se com as regras de boa prática da medicina” (127).

Finalmente, sabe­se ainda que o réu BB é um médicogastroenterologista reconhecidamente de “vasta experiência,altamente prestigiado e de grande competência” (140).

A prova não revela – não interessando agora apurar se a alegaçãodas partes permitira ou não saber –, nomeadamente, queprocedimentos foram efectivamente seguidos por BB na execuçãoda colonoscopia, de forma a formar um juízo sobre secorrespondem (ou não) às boas práticas da medicina, ou sobre seBB usou (ou não) da diligência exigível no caso, no plano dosfactos e do direito.

Finalmente, sabe­se que, em consequência da perfuração intestinal,a ré sofreu diversos danos, com relevância para os danos nãopatrimoniais, como consta de inúmeros pontos da matéria de facto

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provada; e sabe­se também que, depois da realização dacolonoscopia, houve intervenção de terceiras entidades (HospitalEE, Hospital FF e Hospital GG) no diagnóstico e tratamento daperfuração. Desconhece­se, todavia, em que medida essasintervenções (aqui incluindo eventuais omissões) poderão tercontribuído para o agravamento dos danos. Sabe­se que não forama causa dos danos – a causa foi a perfuração –; mas ignora­se seou em que medida poderão tê­los agravado.

8. Trata­se de um contrato destinado à realização de um examemédico – um contrato de prestação de serviços médicos (cfr.acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2008,www.dgsi.pt, proc. nº 08A183) –, sem função curativa; e não sequestiona a correcção do resultado do exame (diferentemente docaso que se apreciou no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 deJaneiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 9434/06.6TBMTS.P1.S1).Não tem pois utilidade procurar determinar, no caso concreto, se aobrigação que o médico assumiu perante a autora deve ser havidacomo uma obrigação de meios ou de resultado, para o efeito dedefinir o conteúdo da obrigação contraída e, assim, apurar o seucumprimento ou incumprimento (cfr. o citado acórdão de 4 deMarço de 2008). Vem assente que o réu BB assumiu e executou aobrigação de realizar a colonoscopia e deu a conhecer à autora ocorrespondente resultado.

Na execução da obrigação contratualmente assumida, BB perfurouo intestino da autora.

Ora, poder­se­á questionar se essa perfuração deve ser consideradacomo que desligada do contrato em execução (estranha à execuçãodo contrato, escreve­se na sentença), e tratá­la como uma agressãoà integridade física da autora e, por esse facto, como geradora deresponsabilidade civil extra­contratual. Foi a via seguida em 1ªInstância, que considerou assim preenchido o pressuposto do actoilícito, deu como verificados o nexo de causalidade e o dano e,quanto à culpa, baseou­a, no fundo, numa presunção natural,retirada dos factos provados, concluindo que incumbiria ao médicoo “ónus de alegação e prova de que as lesões provocadas nãotiveram nada a ver com uma actuação deficiente” da sua parte:“perante a matéria em causa, há que conclui que o réu actuouculposamente, não logrando provar que efectuou a colonoscopiacumprindo todas as exigência técnicas e todos os deveres decuidado que conhecia e que podia observar (como, aliás, alegou),sendo a sua conduta profissional tanto mais censurável quanto écerto que o réu se trata, não apenas de um especialista, mas de umgastroenterologista experiente, reputado e, logo, há que concluir­se, com conhecimentos e capacidades acima da média”.

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Mas a Relação deslocou a questão para o cumprimento imperfeitodo contrato de serviços médicos e veio a concluir que, no caso, nãoestava preenchido o pressuposto da ilicitude (“não se apurou queno decurso do exame tivesse havido por parte do réu qualquerafastamento das boas práticas da medicina”), não cabendo curardos demais. Referiu, no entanto, que, a ter­se provado a ilicitude, aautora beneficiaria de uma presunção de culpa do réu.

No entanto, a justificação da Relação, no que toca à nãoverificação da ilicitude, não se afigura adequada à obrigaçãoconcretamente assumida no caso dos autos, que se não podeanalisar como se de uma obrigação de meios se tratasse; numasituação dessas – como ocorrerá, por exemplo, com a realização deuma intervenção cirúrgica ou com a definição de um tratamento,em ambos os casos com função curativa (não vem agora ao casoanalisar a especificidade das intervenções ou tratamentos comfinalidade estética) – é que se poderia ponderar se o médico estariaapenas vinculado a actuar segundo as regras da arte, utilizando oseu melhor saber, e não a obter a cura, ou a melhoria pretendida.

Mas a inadequação da conclusão de que não se demonstrou aprática de um acto ilícito não significa que se deva desconsiderar oenquadramento contratual da actuação do réu e dos danos delaresultantes.

Na verdade, a perfuração do intestino ocorreu durante e por causada execução do contrato destinado à realização de um examemédico; independentemente de encontrar a construçãojuridicamente mais correcta, a verdade é que objectivamenteocorreu uma lesão da integridade física da autora, não exigida pelocumprimento do contrato; a ilicitude está verificada.

Com esta afirmação quer­se dizer que, em si mesmo, o exame foiuma intromissão na integridade física, natural e necessariamenteconsentida e pretendida pela autora; assim sucederá, em regra, comos exames médicos. Mas esse consentimento ou pretensão daautora não abrange a lesão em discussão neste processo.

Poder­se­á sustentar que se não se tratará (ou não se tratará apenas)de um cumprimento defeituoso do contrato de prestação deserviços médicos, mas da lesão do direito à integridade física daautora, ocorrido no âmbito e por causa da execução do contrato; noentanto, esta ligação intrínseca significa que o regime aplicável àsconsequências dessa execução deve ser o regime daresponsabilidade contratual. Aliás, dificilmente se poderásustentar que a protecção da integridade física do paciente nãointegra o âmbito de protecção de um contrato de prestação deserviços médicos.

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9. Sabe­se que a realização da colonoscopia implica a utilização demétodos dos quais pode resultar a perfuração do intestino, aindaque raramente (cfr. ponto 127 da matéria de facto); o que significaque o profissional que a executa há­de adoptar os procedimentospróprios do exame com a específica preocupação de tentar evitarque haja perfuração.

Pode assim entender­se que está em causa um “dever imposto pelaregra de que, no cumprimento dos contratos, cada contraente deveter na devida conta os interesses da contraparte (nº 2 do artigo762º do Código Civil); e que, sendo violado”, acarreta aresponsabilidade do médico, nos termos próprios daresponsabilidade contratual (artigo 798º do Código Civil). A fraseque se transcreveu consta do acórdão deste Supremo Tribunal de 1de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 623/09.2YFLSB, que nãoversou sobre um caso de responsabilidade médica, como agorasucede, mas no qual também se tratava da lesão de um direitoabsoluto (então o direito de propriedade) ocorrida na execução deum contrato, no caso, de empreitada.

O apelo a este acórdão destina­se a mostrar o ponto comum às duassituações em apreciação. Também está em causa no caso presente a“violação” de “deveres de protecção, de conduta ou laterais (parareferir algumas das designações que têm sido utilizadas)caracterizados “por uma função auxiliar da realização positiva dofim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra partecontra os riscos de danos concomitantes”, resultantes da sua“conexão com o contrato” (Mota Pinto, Cessão da PosiçãoContratual, reimp, Coimbra, 1982, pág.337 e segs.)”.

Como ali se dá nota e todos sabemos, há divergências quanto aoenquadramento da violação de tais deveres no âmbito daresponsabilidade contratual ou extra­contratual. E “sabe­seigualmente que, embora unificados pela função desempenhada,têm conteúdos muito diversos, englobando deveres tão distintoscomo “deveres de informação e conselho, de cooperação, desegredo e não concorrência, de custódia e de vigilância, delealdade, etc” (a exemplificação é de Manuel Carneiro da Frada,Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, 1994, pág. 40), queMenezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, I, Coimbra, 1984,pág. 604) agrupa em “deveres de protecção, de esclarecimento ede lealdade”.

Aqui como ali, no entanto, entende­se que não vem ao caso “optar,em tese geral, pela aplicação do regime da responsabilidadecontratual (por exemplo, Mota Pinto, op. cit, pág. 342) ou extra­contratual (por exemplo, Pedro Romano Martínez, CumprimentoDefeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada,

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Coimbra, 2001, pág. 253) a todas as situações (realmentediversificadas) que podem reconduzir­se à sua violação”; mas que,também aqui, a apontada ligação entre a realização da prestaçãoprincipal e o risco de perfuração do intestino torna especialmentedesadequado analisar o dever do médico «à luz do “dever geral decuidado da área delitual” (expressão de Manuel Carneiro daFrada, op.cit., pág. 275)».

10. Como resulta da prova (o mesmo ponto 127), em abstracto, aperfuração do intestino pode ocorrer ainda que sejam adoptados osprocedimentos devidos na realização de uma colonoscopia.

Não vem provado, nem que esses procedimentos tenham sido (ounão) seguidos, nem que tenha ocorrido qualquer facto que, apesarde o réu ter actuado em conformidade com as boas práticas e comtoda a diligência e cuidado a o exame exigiam, possa justificar aperfuração – força maior, facto do lesado, qualquer outro factoexplicativo.

Na dúvida, e porque aquela ligação intrínseca atrás referida ojustifica, deve aplicar­se o regime globalmente definido para aresponsabilidade contratual (nº 2 do artigo 799º do Código Civil),presumindo­se a culpa do réu. Caberia ao réu ilidir essa presunção(nº 1 do artigo 344º do Código Civil), demonstrando queprocedimentos adoptou, a adequação desses procedimentos e osactos que concretamente praticou para evitar a perfuração.

Na dúvida, presume­se a culpa; e, estando provados os demaispressupostos da responsabilidade civil, como estão, o pedido deindemnização tem de proceder. Recordem­se os danos que constamda lista de factos provados e a prova do nexo naturalístico decausalidade entre a colonoscopia e a perfuração, e entre esta eaqueles danos, o que preenche o pressuposto da causalidadeadequada, tal como definida no artigo 563º do Código Civil.

Como se sabe, no âmbito da responsabilidade civil (contratual ouextracontratual), a lei portuguesa consagra a teoria da causalidadeadequada, neste artigo 563º do Código Civil. Significa isto que,para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se umadeterminada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cfr.acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010,www.dgsi.pt, proc. 1399/06.OTVPRT.P1.S1), cumpre aindaaveriguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou nãoprovável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ouseja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízoverificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão)tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causaadequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed.,

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Coimbra, 2000, pág. 900). O que, no caso presente,manifestamente ocorre.

Finalmente, recorde­se que o Supremo Tribunal de Justiça temadoptado a orientação de que os danos não patrimoniais podem serindemnizados, no âmbito da responsabilidade contratual. Como seescreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Setembro de2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09B0368, «o Código Civil português,embora trate em conjunto da obrigação de indemnizar (artigos562º e segs.), regula separadamente a responsabilidade extra­contratual (artigo 483º e segs.) e a responsabilidade contratual(artigo 798º e segs.); e inclui naquela o regime da indemnizaçãopor “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam atutela do direito”. É no entanto igualmente certo que não exclui doâmbito possível da responsabilidade contratual a responsabilidadepor danos desta natureza; como se observa por exemplo noacórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Abril de 2003(www.dgsi.pt, proc. nº 03B809), “as mencionadas normas dosartº798º, e segs., não o prevendo, também o não excluem”».

Não se levanta, no caso, nenhuma dúvida de que estão provadosdanos com gravidade suficiente para serem indemnizáveis (nº 2 doartigo 496º do Código Civil).

11. A conclusão a que se chegou quanto ao ónus da prova da culpa,no caso concreto, não significa, nem o desrespeito das regras legaisde repartição do ónus da prova, nem a adopção de um métodosemelhante ao que é defendido pelos defensores de uma repartiçãodinâmica do ónus da prova, que o direito português não consente.A lei portuguesa reserva a si própria essa repartição e apenaspermite que o juiz a modifique nos termos apertados do nº 2 doartigo 344º do Código Civil (“quando a parte contrária tiverculposamente tornado impossível a prova ao onerado”)

Significa, apenas, a aplicação de um bloco de normas definidaspara a responsabilidade contratual, formalmente justificada pelaconexão descrita, e materialmente fundada na manifesta maiordificuldade que a autora tem em provar, pela positiva, que aperfuração do intestino ocorreu apesar de o réu ter adoptado todosos procedimentos devidos e agido com a diligência e o cuidadoexigíveis, em comparação com a dificuldade que recairá sobre oréu; afinal de contas, estão em causa actos que o réu praticou,próprios da sua profissão, a que especificamente se obrigou porcontrato com a autora (cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de22 de Maio de 2003, www.dgsi.pt, proc. nº 03P912)..

12. O recorrido BB alega que “não se vislumbra como é que o Réu

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16/03/2016 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Médico pode ser acusado de determinados consequências e danos,quando, de permeio, existe a intervenção de inúmeros profissionaisda medicina que fizeram análises e diagnósticos à Recorrente, semqualquer intervenção do Réu Médico”, concluindo que não podeser responsabilizado pelos danos alegados, já que “no concreto eespecífico enquadramento factual em causa nos autos, nunca severificaria igualmente o nexo de causalidade (indispensável enecessário) à alegada ofensa (colonoscopia) e dano verificado”.

Mas não tem manifestamente razão. Como se deixou já dito, estáprovado que a causa da perfuração foi a realização dacolonoscopia; e não quaisquer actos ou omissões dessesintervenientes, que não são manifestamente causa adequada daperfuração. Admite­se, todavia, que possam ter concorrido comocausa causas complementares, provocando o agravamento dosdanos subsequentes.

Sucede, no entanto, que os réus Hospital FF e Hospital EE, deValongo, foram absolvidos da instância; e que o Hospital GG nemsequer foi demandado nesta acção.

Não há, pois, nem alegação, nem prova que possibilite, nestaacção, apurar eventuais responsabilidades de tais entidades. Asituação é, assim, diferente da que foi objecto de apreciação noacórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Julho de 2006,www.dgsi.pt, proc. nº 06A1503, na qual se excluiu qualquerresponsabilidade do médico por complicações posteriores àintervenção que realizou: “III ­ O médico cirurgião e o hospitalnão respondem civilmente se os danos morais cuja reparação adoente exige se traduzirem na angústia originada por umacomplicação pós­operatória para cujo surgimento não concorreuqualquer erro cometido no decurso da operação”

13. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre o montanteindemnizatório a atribuir à autora. Tendo concluído pela nãoverificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, ficounaturalmente prejudicada a apreciação dessa questão.

Contrariamente ao que ocorria no domínio do Código de ProcessoCivil anterior, o Código de 2013 não permite que o SupremoTribunal de Justiça aprecie questões das quais a Relação nãoconheceu, designadamente por as considerar prejudicadas;compare­se o resultado da conjugação entre os actuais artigos 679ºe 665º, com aquele que decorria da conjugação entre os anterioresartigos 726º e 715º, preceito do qual apenas se excluía a aplicaçãodo respectivo nº 1.

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Assim sendo, há que julgar procedente o recurso, quanto aopreenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar; masque remeter o processo ao Tribunal da Relação do Porto para quese pronuncie sobre o montante da indemnização, como, aliás,requereu, subsidiariamente, o réu BB.

14. Nestes termos, determina­se o envio do processo ao Tribunalda Relação do Porto para que aprecie o montante indemnizatório aatribuir à autora, pelos mesmos juízes que proferiram o acórdãorecorrido, se for possível.

Custas de acordo com o vencimento que se apurar a final.

Lisboa, 01 de Outubro de 2015

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego