acesso e acolhimento na esf

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440 ARTIGO ORIGINAL O ACESSO POR MEIO DO ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE Márcia Oliveira Coelho a Maria Salete Bessa Jorge b Maria Elidiana Araújo c Resumo O estudo teve como objetivo discutir como os usuários percebem o acesso às unidades básicas de saúde por meio do acolhimento. A metodologia foi descritiva com abordagem qualitativa, tendo como técnicas de coleta de dados a entrevista clínica e a observação assistemática aplicados aos 30 usuários que participaram. Os resultados, organizados em categorias temáticas, evidenciaram aspectos relacionados à ambiência, garantia de atendimento e acesso aos serviços especializados, e a necessidade da escuta nas instituições de saúde. A pesquisa aponta para existência de uma grande demanda de atendimento, como também uma rede informatizada em oposição à fragilidade do sistema de serviços hierarquizados. Finalmente, aborda a necessidade de reflexão sobre o desafio das equipes de saúde da família na construção de novas práticas de saúde, atreladas ao contexto social, à escuta das necessidades reais e simbólicas, ao diálogo e à troca de saberes entre usuário e profissional de saúde. Palavras-chave: Acesso aos serviços de saúde. Acolhimento. Atenção básica. ACCESS THROUGH SHELTERING IN BASIC HEALTH ATTENTION Abstract The main objective of this study was to discuss as users notice the access to basic health unities through sheltering. The study was descriptive with qualitative approach, having, a Enfermeira. Mestra em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará. Servidora da Prefeitura Municipal de Fortaleza. [email protected]. b Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora 1C do CNPq. Coordenadora do Curso de Mestrado em Saúde Pública da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Doutorado em Saúde Coletiva pela UECE, Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente do Mestrado em Cuidados Clínicos e Enfermagem. c Enfermeira. Mestra em Enfermagem em Cuidados Clínicos pela Universidade Estadual do Ceará. Servidora da Prefeitura Municipal de Fortaleza. [email protected] Endereço para correspondência: Rua Dr. José Lourenço, n o . 2835, apto. 301, Aldeota, Fortaleza, CE. CEP: 60 115-282. [email protected]

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    ARTIGO ORIGINAL

    O ACESSO POR MEIO DO ACOLHIMENTO NA ATENO BSICA SADE

    Mrcia Oliveira Coelhoa

    Maria Salete Bessa Jorgeb

    Maria Elidiana Arajoc

    Resumo

    O estudo teve como objetivo discutir como os usurios percebem o acesso

    s unidades bsicas de sade por meio do acolhimento. A metodologia foi descritiva

    com abordagem qualitativa, tendo como tcnicas de coleta de dados a entrevista clnica

    e a observao assistemtica aplicados aos 30 usurios que participaram. Os resultados,

    organizados em categorias temticas, evidenciaram aspectos relacionados ambincia,

    garantia de atendimento e acesso aos servios especializados, e a necessidade da escuta

    nas instituies de sade. A pesquisa aponta para existncia de uma grande demanda de

    atendimento, como tambm uma rede informatizada em oposio fragilidade do sistema

    de servios hierarquizados. Finalmente, aborda a necessidade de reflexo sobre o desafio das

    equipes de sade da famlia na construo de novas prticas de sade, atreladas ao contexto

    social, escuta das necessidades reais e simblicas, ao dilogo e troca de saberes entre

    usurio e profissional de sade.

    Palavras-chave: Acesso aos servios de sade. Acolhimento. Ateno bsica.

    ACCESS THROUGH SHELTERING IN BASIC HEALTH ATTENTION

    Abstract

    The main objective of this study was to discuss as users notice the access to basic

    health unities through sheltering. The study was descriptive with qualitative approach, having,

    a Enfermeira. Mestra em Sade Pblica pela Universidade Estadual do Cear. Servidora da Prefeitura Municipal de Fortaleza. [email protected].

    b Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto (EERP), Universidade de So Paulo (USP). Pesquisadora 1C do CNPq. Coordenadora do Curso de Mestrado em Sade Pblica da Universidade Estadual do Cear (UECE) e Doutorado em Sade Coletiva pela UECE, Universidade Federal do Cear (UFC). Docente do Mestrado em Cuidados Clnicos e Enfermagem.

    c Enfermeira. Mestra em Enfermagem em Cuidados Clnicos pela Universidade Estadual do Cear. Servidora da Prefeitura Municipal de Fortaleza. [email protected]

    Endereo para correspondncia: Rua Dr. Jos Loureno, no. 2835, apto. 301, Aldeota, Fortaleza, CE. CEP: 60 115-282. [email protected]

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    as techniques to collect data, clinic interview and assystematic observation applied to 30 users.

    The results were organized into thematic categories, highlighting aspects related to ambience,

    certainty of attendance and access to specialized services, and the need of being heard in health

    institutions. The research points out to existence of great demand of attendance, as well as

    computer network in opposition to fragility of hierarchical services system. Finally, it approaches

    the need to reflect on the challenge family health staff face in the construction of new health

    practices, connected to social context, to hearing of real and symbolic needs, to dialogue and to

    users and health professionals knowledge exchange.

    Key words: Access to health services. Sheltering. Basic Attention.

    INTRODUO

    Nos paradigmas atualmente propostos pela Sade da Famlia, os trabalhadores

    de sade so convidados para o constante desafio de repensar suas prticas, valores e para

    uma reestruturao do servio que seja voltado para as necessidades do contexto social em

    que a equipe est inserida. Assim, os trabalhadores de sade, gestores, usurios e comunidade

    que estejam vinculados ao servio, passam a ter corresponsabilidade pelo reconhecimento

    e adequao da oferta s reais necessidades, bem como a conquista de um sistema

    hierarquizado de assistncia ateno bsica e de construo de novos saberes.

    Dessa forma, para a conquista de um servio voltado para as necessidades

    da populao, preciso a colaborao de todos os envolvidos nesse processo de trabalho,

    para que a diviso de saberes, responsabilidades e compromisso possam estabelecer uma

    nova prtica. Tal prtica convida o repensar tico-politico do cotidiano, fortalecendo o uso

    do dilogo como forma de apoiar e estimular a criatividade e a singularidade presentes no

    cotidiano.

    Portanto o processo de trabalho passa a ser constitudo por tecnologias. Este

    termo foi discutido por Gonalves1 como um saber que se utiliza de recursos materiais e no-

    -materiais na produo dos servios de sade. Tais recursos se desenvolvem durante as prticas

    de trabalho na ateno bsica, e devem incluir diversas tecnologias de maneira adequada,

    conforme as necessidades de sade. Nessa perspectiva, as tecnologias so caracterizadas

    como aes e servios de sade necessrios para promover melhores condies de vida aos

    usurios, sem reduzir o atendimento s tecnologias materiais. O autor tambm tece uma

    anlise crtica ao pensamento contemporneo, que reduz o significado do termo ao conjunto

    de instrumentos materiais utilizados no trabalho.

    Para Merhy,2 as tecnologias so analisadas como leve, leve-dura e dura. As

    tecnologias leves so aquelas que envolvem relaes como o vnculo, a tomada de decises,

    o acolhimento e a organizao do processo de trabalho. As tecnologias leve-duras so os

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    saberes bem estruturados no processo de trabalho em sade. As tecnologias duras so

    equipamentos tecnolgicos (mquinas), normas, estruturas organizacionais.

    Portanto a tecnologia um recurso do processo de produo da sade, que

    ocorre continuamente, perpassando saberes, equipamentos e mquinas, constituindo-se no

    produto final dos servios de sade para o usurio e a comunidade.

    De acordo com Merhy e Onocko,3 inserido na tecnologia leve, o acolhimento

    direciona para o estabelecimento de estratgias de atendimento, envolvendo os trabalhadores,

    gestores e usurios. Dessa forma, as necessidades sentidas pelos usurios podero ser

    trabalhadas pelas equipes do Programa Sade da Famlia (PSF) no intuito de proporcionar a

    resolubilidade para as reais exigncias de sade.

    Nesse sentido vlido enfatizar que, ao se trabalhar com a tecnologia das

    relaes durante o atendimento, o acolhimento constitui-se como uma das primeiras aes a

    ser desenvolvida por toda a equipe no momento de receber o usurio na unidade de sade.

    Nesse aspecto, Sucupira4 enfatiza que os trabalhadores da sade deveriam acolher os usurios,

    reconhecendo-os pelo nome, e depois interessando-se pelos aspectos subjetivos apresentados

    por eles, na vinda unidade de sade.

    Para Puccini e Ceclio,5 a subjetividade e dignidade dos usurios, como tambm

    dos trabalhadores da sade devem ser colocadas como um direito inalienvel. No se pode

    admitir que a sade seja compreendida como um pacote de oferta pelo mercado, na qual se

    trabalha a doena em detrimento das reais necessidades de sade, bem como de promoo

    da sade.

    Nessa perspectiva, Inojosa6:27 refere que [...] acolher ter uma rede de

    confiana e solidariedade entre cidados, usurios, profissionais e equipes de sade, tornando

    a produo da sade um encontro de paz. Quando o usurio acolhido pela unidade de

    sade, tendo seu atendimento garantido, conquista-se uma importante etapa na adeso do

    tratamento e resoluo dos problemas de sade. Dessa forma, favorece a construo de uma

    relao de confiana e respeito para com o usurio que busca o atendimento.

    Na opinio de Teixeira,7:592 o acolhimento deveria ser dialogado, [...] como uma

    tcnica de conversa passvel de ser operada por qualquer profissional, em qualquer momento

    de atendimento, isto , em qualquer dos encontros, que so enfim, os ns dessa imensa rede

    de conversaes que so os servios. Concorda-se com esse ponto de vista, por entender-se

    que o acolhimento dialogado aquele em que o profissional se disponibiliza escuta e ao

    dilogo com o usurio, na tentativa de conhec-lo e, assim, de buscar solues que satisfaam

    suas necessidades.

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    No estabelecimento do dilogo entre trabalhador da sade e usurios, as

    solues para os problemas de sade so encontradas nessa parceria, pois, s vezes, o

    desabafo presente numa relao de respeito pode proporcionar a aquisio de solues para

    dificuldades presentes. Dessa forma, percebe-se que existe a possibilidade de o conhecimento

    tcnico ser acrescido ao conhecimento popular e que, esse ltimo, integra-se cultura do

    usurio, no devendo ser rejeitado.

    Nessa perspectiva, a troca de conhecimentos poder ocorrer desde que o

    trabalhador de sade apresente sensibilidade para a escuta, compreenda as necessidades de

    sade e, assim, integre-as ao conhecimento acadmico, proporcionando uma melhor acolhida

    ao usurio na unidade de sade.

    Os vrios aspectos que repercutem na acolhida ao usurio, quando este chega

    s unidades de sade, envolvem desde os meios que se utilizam para chegar ao servio at o

    percurso desenvolvido dentro da instituio para conseguir um atendimento. Nesse percurso,

    observam-se fatores como: transportes utilizados, prioridade para as consultas, bem como o

    acesso ao atendimento sem, necessariamente, estar agendado, o tempo e a forma de espera.

    Tais fatores podem facilitar ou dificultar o ingresso do usurio ao servio de sade.

    Autores como Ramos e Lima8 referem que o acesso do usurio unidade de

    sade acompanhado por dificuldades que abrangem problemas do percurso da residncia

    at a unidade de sade, o xito em conseguir a consulta e a garantia do retorno mediante

    o agendamento. Dessa forma, seria evitado que o usurio se submetesse a situaes

    constrangedoras, como dormir em filas organizadas na entrada da unidade de sade sem,

    necessariamente, ter a garantia do atendimento.

    Esta pesquisa tem por objetivo discutir como os usurios do municpio de

    Fortaleza (CE) percebem o acesso s unidades bsicas de sade por meio do acolhimento.

    Desta forma, pretende-se possibilitar a reflexo sobre a promoo de estratgias

    direcionadas s aes de acolhimento como uma das alternativas de acesso do usurio s

    unidades bsicas de sade. Tal reflexo foi proporcionada pelo discurso dos usurios associado

    ao conhecimento tcnico trazido pela pesquisa.

    TRAJETRIA METODOLGICA

    A pesquisa de natureza descritiva, com enfoque de anlise qualitativa, que, de

    acordo com Minayo,9:22-23 [...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspiraes,

    crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes [...].

    Quanto ao carter descritivo, valoriza-se a descrio do fenmeno social. O recorte espacial

  • 444

    ocorreu em seis Unidades Bsicas de Sade da Famlia (UBASF), em que atuam equipes do

    Programa Sade da Famlia (PSF) da Secretaria Municipal de Sade de Fortaleza (CE).

    O municpio de Fortaleza encontra-se dividido poltica e administrativamente

    em seis Secretarias Executivas Regionais (SER), todas responsveis pela gesto dos servios

    de sade em sua respectiva rea de abrangncia.10 Ressalta-se que h equipes de PSF

    implantadas em todas as SER, contudo foram selecionadas para este estudo somente os

    usurios pertencentes rea de cobertura das equipes completas de PSF.

    Os participantes do estudo foram selecionados por amostragem intencional.

    O nmero de participantes foi delimitado pelo processo de saturao terica. Iniciou-se a

    pesquisa com dez usurios, os quais foram includos de acordo com os critrios estabelecidos,

    perfazendo, ao final da pesquisa, 30 entrevistas clnicas no perodo de fevereiro a junho de

    2006.

    A tcnica de coleta de dados foi entrevista clnica, observao sistemtica

    da prtica e as fontes documentais. Utilizou-se a tcnica de entrevista clnica, no intuito de

    compreender-se o sentido do acesso com acolhimento. De acordo com Chizzotti,11 o mtodo

    de entrevistas clnicas se constri gradativamente e, medida que avana, constitui-se em

    formas de colher informaes baseadas no discurso livre do entrevistado.

    As entrevistas foram agendadas previamente em data, horrio e local favorveis

    ao participante. Utilizou-se um dirio de campo para registrar as impresses e fitas cassete

    para a gravao.

    As entrevistas com os pesquisados foram orientadas pelo tema Acesso com

    acolhimento nas UBSFs. J as observaes foram orientadas por um roteiro, no qual

    constavam informaes acerca dos participantes do estudo e dos dispositivos de anlise,

    conforme o tema referido.

    O projeto de pesquisa desta investigao foi submetido ao Comit de tica em

    Pesquisa da Universidade Estadual do Cear, tendo sido aprovado para fins de sua realizao,

    de acordo as normas do mencionado comit (N. 05077953-2 e FR-8419).

    Os depoimentos obtidos por meio de entrevistas e observaes foram descritos

    utilizando-se o mtodo de anlise de contedo. Para a descrio do contedo das respostas,

    adotou-se a tcnica de anlise de contedo proposta por Bardin,12 do tipo categorial temtica.

    Ela foi organizada em torno de quatro temas, mediante os quais se procurou apreender o

    objeto da pesquisa: A ambincia nas UBASF; Garantia de Atendimento nas UBASF; Garantia

    de Acesso aos Servios Especializados; e Ser Ouvido em Suas Necessidades.

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    RESULTADOS E DISCUSSES

    Durante o estudo nas UBASF, evidenciaram-se aspectos referentes idade, sexo,

    escolaridade, renda e cor autodeclarada. Os participantes, conforme as entrevistas, foram

    identificados neste texto como entrevistados E1, E2, ..., E30.

    Os usurios que participaram da pesquisa j haviam frequentado a unidade

    bsica de sade, por mais de trs vezes, devido a diversos motivos, tais como: vacinao,

    consultas, encaminhamentos, curativos, entre outras necessidades de sade. Quanto idade,

    43% dos pesquisados esto na faixa etria entre 17 e 27 anos; 97% pertencem ao sexo

    feminino; 37% possuem o primeiro grau incompleto; 30%, o segundo grau completo; e 20%,

    o primeiro grau completo. Quanto renda familiar, 53% dos entrevistados possuem entre um

    a dois salrios mnimos; tambm 53% dos pesquisados referem ter a cor parda.

    A ambincia nas UBASF

    Para anlise de como os usurios percebem as aes desenvolvidas pelos

    trabalhadores da sade, fez-se necessrio compreender a ambincia em que esses

    trabalhadores esto atuando em seu dia a dia.

    Segundo o Ministrio da Sade,13 a ambincia o tratamento ofertado ao

    espao fsico entendido como espao social, profissional e de relaes interpessoais que deve

    proporcionar ateno acolhedora, resolutiva e humana. Consta tambm que a organizao

    e a esttica das UBASF precisam ser compatveis com a necessidade de equilbrio entre

    funcionalidade, estrutura e esttica.

    Diante dessas consideraes sobre ambincia como importante fator no acesso

    com acolhimento, os usurios assim a caracterizaram:

    [...] o posto deveria ter boa estrutura fsica. (E4).

    Deveria ser um trabalho que tenha condies da pessoa trabalhar, aqui falta

    at papel para receita [...], deveria ter mais espao no posto; muito pequeno.

    (E10).

    Nos discursos apresentados pelos usurios, foram identificados aspectos

    que deveriam estar dentro do projeto arquitetnico, valorizando instrumentos que sejam

    vinculados ao funcionamento do servio. Na observao, durante a pesquisa da estrutura

    fsica, percebeu-se que todas as UBASF possuem caractersticas semelhantes: consultrios em

    pequena quantidade para o nmero de profissionais; equipamentos no condizentes com

    uma estrutura ergonmica; possuem sala de espera com televiso e jardim; os assentos so de

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    concreto. Contudo foi observado que a UBASF D era uma exceo, pois sua estrutura fsica

    confortvel, contm salas bem equipadas e identificadas. Esta UBASF possui sala de reunio,

    de estudo, auditrio com quadro de avisos, recepo com brinquedos, cadeiras anatmicas

    de espera para os usurios da unidade e jardins com arquitetura rica em detalhes.

    Fatores relacionados ao ambiente e ao contedo do trabalho favorecem a

    satisfao de trabalhadores de sade e, consequentemente, propiciam melhor atendimento

    para os usurios que buscam a unidade de sade.14

    Vale ressaltar que um ambiente agradvel pode interferir na sade do usurio,

    que muitas vezes procura a unidade de sade em busca de reduzir o estresse presente em seu

    ambiente familiar ou meio social.

    Garantia de Atendimento na UBASF

    A garantia de atendimento no servio de sade, para os usurios, representa a

    responsabilidade por servio perante as necessidades de sade da comunidade. por meio

    do acolhimento que o servio garante o atendimento s prioridades de ateno sade, como

    os atendimentos de urgncia e de doenas crnicas. Relacionado a esse fato, os usurios

    comentam que o acesso por meio do acolhimento deveria ser:

    Ter atendimento sem desmarcar e ser bem atendida. (E1).

    Quem marca a consulta deve ser atendida no dia marcado e no dois meses

    depois. (E10).

    Deveria ser mais bem atendida, mais gente para atender, mais computadores.

    (E23).

    Ter prioridade quando se chega com febre, tiver mais recursos no atendimento,

    mais gente trabalhando. (E15).

    Para Franco e Merhy,15 o acesso por meio do acolhimento se d com base nos

    princpios que norteiam o atendimento a todos os usurios que procuram os servios de

    sade, garantindo a acessibilidade universal. preciso, portanto, reorganizar o processo de

    trabalho, para que seja desenvolvido por uma equipe multiprofissional, e qualificar a relao

    entre trabalhador de sade e usurios, a qual deve basear-se por parmetros humanitrios, de

    solidariedade e cidadania.

    De acordo com as percepes dos usurios, que fazem referncia importncia

    do acesso por meio do acolhimento como garantia do atendimento, outros aspectos

    tambm foram referidos como escuta s queixas, presena de instrumentos que favoream

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    o atendimento e classificao com grau de risco. Estes, no entanto, no foram priorizados

    pelos usurios, demonstrando que desejam, ao menos, a garantia de serem atendidos na data

    prevista.

    Garantia de acesso aos servios especializados

    Os participantes da investigao reclamaram da dificuldade de acesso ao

    atendimento especializado, pois esse tipo de atendimento realizado em outras instituies

    que possuem nvel secundrio e tercirio, cujo acesso se d por uma fila de espera. Tal

    sistema operacional visa ordenao automtica dos usurios, com base em sua inscrio no

    sistema informatizado do municpio. Nessa ordem operacional, o usurio pode permanecer

    numa fila de espera at por um ano ou mais tempo.

    A pesquisa evidenciou que as camadas sociais mais carentes da populao

    chegam s UBASF e encontram dificuldade referente ao acesso a outros nveis de ateno do

    sistema de sade. Tal situao foi demonstrada em alguns relatos:

    [...] conseguir encaminhamento e no ter que esperar anos para ter

    atendimento especializado. (E23).

    Quando a gente precisa de encaminhamento para especialista ou exames,

    demora muito. (E5).

    possvel que entre as diversas causas dessa dificuldade esteja falta de

    articulao entre o nvel de ateno primria de sade e os demais nveis do sistema. Diante

    do impasse, a despeito das limitaes econmicas, os usurios que necessitam de um

    atendimento especializado, como neurolgico, psicolgico, fonoaldiolgico, dentre outros e,

    em alguns casos, pagam por esses servios particulares, embora com muito sacrifcio.

    Para enfatizar esse fato, vlido lembrar que as usurias gestantes, que

    necessitam de ultrassonografia, muitas vezes, precisam pagar por tal procedimento em clnicas

    privadas, pois, apesar de estarem fazendo o pr-natal em servio pblico, as vagas para

    realizao dos servios complementares de rotina no so garantidas. O depoimento de uma

    usuria gestante ilustrativo:

    Estou grvida e fao tudo particular (E3).

    Em outras situaes, a nica soluo esperar, conforme o relato:

    [...] minha filha (gestante) precisa de um encaminhamento e at agora no

    consegui. (E19).

  • 448

    A respeito das conquistas relacionadas com os princpios norteadores do SUS,

    referente ao atendimento do usurio em todas as suas necessidades de sade, ainda persiste a

    dificuldade na articulao com setores de maior nvel de complexidade, associada carncia

    de profissionais e equipamentos especficos de algumas reas.

    Dessa forma, o acesso aos servios de sade, que devem ser garantidos para

    toda a populao em condies de igualdade, sem qualquer discriminao, bem como a

    possibilidade de atendimento em todos os nveis de complexidade do sistema de sade,

    conforme o princpio da equidade, ainda no se configuram uma realidade social.

    Ser ouvido em suas necessidades

    Os usurios demonstraram, em seus discursos, a necessidade de serem ouvidos.

    No entanto, somente na UBASF D, foi utilizada uma estratgia de escuta ao usurio referente

    satisfao do servio. Tal estratgia se deu com a confeco de uma caixa para sugestes,

    elogios e crticas, e esses so lidos e discutidos pela coordenao em conjunto com as equipes

    de sade da unidade.

    Nas outras UBASF, observou-se que a falta de informaes para os usurios sobre

    o funcionamento dos servios de sade ofertados promovem um dficit de conhecimento

    e causam, algumas vezes, a procura de informaes nos consultrios de atendimento dos

    profissionais de sade. Com isso, ocorre a falta de privacidade durante as consultas, pois

    os usurios entram nos consultrios, sem solicitar licena, apenas para adquirir informao.

    Essa situao gera desconforto no s para o profissional de sade como tambm para o

    usurio que est em atendimento clnico. A esse respeito, os usurios reclamam da falta de

    informao:

    Deveria ter um bom tratamento por parte do pessoal do posto, responder

    direito, olhar para a cara da pessoa, saber quem . (E7).

    Deveria ter profissionais qualificados para atender, ser simptico. (E6).

    O responder direito e atender com simpatia constituem-se em aes que

    perpassam pela escuta do usurio em suas necessidades, compondo uma etapa primordial do

    acesso por meio do acolhimento. Nesse sentido, como afirma Morin:16::95 [...] compreender

    inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificao e de projeo. Sempre

    intersubjetiva, a compreenso pede abertura, simpatia e generosidade. Desta forma, o

    trabalhador de sade passa a ser um investigador dos significados das aes e das relaes

    ocultas nas estruturas sociais.

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    O acolhimento, no entanto, no deve ser restrito recepo do usurio, mas

    deve ser expandido a todos os profissionais de sade, para que possa favorecer o acesso e o

    vnculo com a comunidade. Por estarem em contato integral com os usurios, os trabalhadores

    de sade deveriam criar e fortalecer o vnculo com a clientela pertencente a sua rea de

    atuao, alm de conhecer as caractersticas, necessidades e problemas relacionados sade

    dessa comunidade. A respeito desse aspecto, tem-se o seguinte comentrio:

    as doutoras ter um bom acompanhamento, dar ateno, agente poder

    desabafar. (E11).

    dar ateno que eu preciso para resolverem os meus problemas de sade.

    (E18, E19).

    uma ateno especfica de pessoa a pessoa, colocar o estetoscpio, procurar

    conversar com o paciente, perguntar sobre o tipo de vida que voc leva para

    passar o remdio certo de acordo com as condies, dar importncia, dar

    atendimento de qualidade. (E26).

    Corrobora esse discurso, o fato de o pesquisador, durante a pesquisa, algumas

    vezes ter desejado ser acolhido. Diante dessa experincia, questionou-se como se desenvolve

    e conclui a situao do usurio que busca a unidade de sade e no consegue ser acolhido,

    nem mesmo em relao ao atendimento de suas necessidades de sade.

    Nesse contexto, Franco e Merhy15 comentam que a busca do usurio ao servio

    de sade realizada pela percepo que ele tem do servio ofertado. Nesse sentido, segundo

    esses autores, [...] a idia do cuidado que se produz no servio de sade formada por um

    conjunto de representaes que do significado assistncia prestada.15:182 As necessidades

    sentidas pelo usurio devem ser atendidas para que ele se sinta valorizado, evitando

    posteriores conflitos e tenses que prejudiquem a relao do cuidado em sade.

    Observar as necessidades de sade sentidas tratar de resgatar a dignidade

    de outros tipos de sabedoria na construo da sade, ou seja, um resgate que perpassa

    pelos saberes cientficos, sociais e culturais, construindo uma teia de conhecimentos exatos,

    empricos, histricos, filosficos e sociais que se tornam prticas transmitidas secularmente

    pelas diferentes culturas.17, 18

    O acesso por meio do acolhimento deve ser sentido, vivido e integrado ao

    cotidiano das unidades de sade. Portanto, preciso apreender, consentir e intuir que esse

    atendimento inerente a cada profissional de sade, que se tornam integrante do processo de

    construo da sade.

  • 450

    CONSIDERAES FINAIS

    O estudo possibilitou perceber que existe uma grande demanda de atendimento

    clnico nos servios de sade e que reduzido o nmero de profissionais da sade para

    prestar esse atendimento. Foi ressaltado que a falta de mdicos prejudica o desenvolvimento

    das aes de carter preventivo, curativo e reabilitador. Observou-se que o profissional

    mdico ainda permanece circunscrito s aes curativas, fortalecendo o antigo modelo de

    queixa/conduta.

    Dessa forma, o PSF, como estratgia de reorganizao da ateno primria,

    enfrenta um duplo desafio, ou seja, ao mesmo tempo em que tenta inverter o foco do

    atendimento para a vigilncia sade, enfrenta o nmero reduzido de alguns profissionais em

    reas com intensa demanda de problemas de sade.

    Nesse contexto, o PSF tambm encontra dificuldade no tocante ao suporte

    necessrio da rede hierarquizada de servios, pois, nas unidades de sade em que foi realizada

    a pesquisa, evidenciou-se a dificuldade de acesso para os usurios. Vale ressaltar a oposio

    dos instrumentos existentes no PSF, que vai do pronturio eletrnico dos usurios, acessado

    pela rede computadorizada, escassez de instrumentos essenciais a uma unidade de sade.

    No entanto, os usurios que buscam os servios de sade relatam suas

    percepes relacionadas ao acesso por meio do acolhimento, com a elaborao subjetiva

    do atendimento a suas necessidades reais e simblicas, apresentando aspectos de carter

    emocional atrelados ao sofrimento fsico.

    Para trabalhar os paradigmas propostos pela Sade da Famlia, os trabalhadores

    de sade so convidados para o constante desafio de repensar suas prticas, valores

    e reestruturao do servio voltado para as necessidades do contexto social em que a

    equipe est inserida. Consequentemente, os trabalhadores de sade, gestores, usurios

    e comunidade, que esto vinculados ao servio, passam a ter corresponsabilidade pelo

    reconhecimento e adequao da oferta s reais necessidades, bem como pela conquista de

    um sistema hierarquizado de assistncia ateno bsica e de construo de novos saberes

    com a intercesso dos participantes.

    Desta forma, para a conquista de um servio voltado para as necessidades

    da populao, preciso a colaborao de todos os envolvidos nesse processo, para que,

    juntos, dividindo saberes, responsabilidades e compromisso, possam estabelecer uma nova

    prtica que convida o repensar tico-politico do cotidiano e fortalece a prtica do dilogo

    como forma de apoiar e estimular a criatividade e a singularidade presentes no cotidiano das

    unidades de sade.

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    Revista Baiana

    de Sade Pblica

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    Recebido em 12.12.2008 e aprovado em 11.11.2009.