ação da glutamina na translocação intestinal

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L-Glutamina

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  • Rosana das Graas Carvalho dos Santos

    A AO DA GLUTAMINA NO PROCESSO DE TRANSLOCAO BACTERIANA EM MODELO EXPERIMENTAL DE OBSTRUO INTESTINAL

    EM CAMUNDONGOS

    Faculdade de Farmcia da UFMG Belo Horizonte, MG

    2007

  • 2

    Rosana das Graas Carvalho dos Santos

    A AO DA GLUTAMINA NO PROCESSO DE TRANSLOCAO BACTERIANA EM MODELO EXPERIMENTAL DE OBSTRUO INTESTINAL

    EM CAMUNDONGOS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Cincia de Alimentos da Faculdade de Farmcia da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Cincia de Alimentos.

    Orientador: Prof. Valbert Nascimento Cardoso Co-orientador: Profa. Dra. Maria Isabel Toulson Davisson Correia

    Faculdade de Farmcia da UFMG Belo Horizonte, MG

    2007

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    Dedico este trabalho aos meus pais, Pedro e Maria das Graas, que contriburam

    para que minha vontade se tornasse realidade. E aos meus irmos, Rita e Ricardo, que estiveram

    comigo dividindo os momentos de alegria e dificuldades.

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por mais essa etapa vencida.

    Ao meu orientador, Valbert Nascimento Cardoso, pela confiana, ateno, incentivo e ensinamentos.

    minha co-orientadora, Prof Maria Isabel Toulson Davisson Correia, pela ateno, dedicao ao trabalho, ensinamentos e valiosas sugestes.

    Aos professores Tasso Moraes e Santos e prof Elziria de Aguiar Nunan por disponibilizarem materiais e equipamentos de seus laboratrios.

    prof Simone Odlia Diniz, pela ateno no laboratrio.

    todos os colegas de laboratrio, em especial, Iara, Dani e Luciene por disponibilizar tempo e ateno para ensinar as tcnicas do laboratrio.

    Aos funcionrios do biotrio, Adelaide e Batista, que sempre estiveram disponveis a ajudar.

    s minhas amigas e colegas de trabalho, Mirelle e Simone, que contriburam em todas as etapas deste trabalho.

    Aos meus pais e irmos, que estiveram comigo para a concretizao deste trabalho.

    Ao meu namorado, Bruno, que me apoiou e incentivou em todos os momentos.

    AJINOMOTO do Brasil pelo fornecimento da glutamina.

    CAPES pelo apoio financeiro.

    E a todos que de alguma maneira, contriburam para a realizao e concluso deste trabalho.

  • 6

    Se procurar bem voc acaba encontrando. No a explicao, duvidosa, da vida, Mas a poesia, inexplicvel, da vida.

    (Carlos Drummond de Andrade)

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    SUMRIO

    LISTA DE TABELAS ............................................................................................ 9 LISTA DE FIGURAS ............................................................................................. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .......................................................... 11 RESUMO .................................................................................................................. 13 ABSTRACT ............................................................................................................. 14

    1 INTRODUO ......................................................................................... 15 2 REVISO DA LITERATURA................................................................ 17 2.1 GLUTAMINA ................................................................................................ 17 2.1.1 Consideraes Gerais ............................................................................... 17 2.1.2 Metabolismo ............................................................................................... 18 2.1.3 Funes metablicas da glutamina .......................................................... 21 2.1.4 Ao intestinal e imunolgica da glutamina ........................................... 23 2.2 TRANSLOCAO BACTERIANA .............................................................. 26 2.2.1 Consideraes gerais ................................................................................ 26 2.2.2 Mecanismos de translocao bacteriana ................................................ 27 2.2.2.1 Alterao da microbiota intestinal ................................................................ 27 2.2.2.2 Alterao da resposta imunolgica .............................................................. 29 2.2.2.3 Alterao da barreira intestinal e permeabilidade ........................................ 31 2.2.2.3.1 Mtodos de avaliao da permeabilidade intestinal ..................................... 34 2.2.3 Glutamina e translocao bacteriana ....................................................... 35 2.3 OBSTRUO INTESTINAL ........................................................................ 37 2.3.1 Consideraes gerais .......................................................................... 37 2.3.2 Fisiopatologia ............................................................................................. 37 2.3.3 Conseqncias sistmicas da obstruo ................................................ 39 2.4 BACTRIA MARCADA COM ISTOPO RADIOATIVO ............................. 41

    3 OBJETIVOS ............................................................................................. 42 3.1 Objetivo Geral ........................................................................................ 42 3.2 Objetivos Especficos ......................................................................... 42

    4 MATERIAL E MTODOS ..................................................................... 43 4.1 Animais ....................................................................................................... 43 4.2 Dietas ........................................................................................................... 43 4.2.1 Preparo das dietas ..................................................................................... 43 4.2.1.1 Rao controle com casena ........................................................................ 43 4.2.1.2 Rao especialmente modificada ................................................................ 44 4.2.1.3 Preparo da Glutamina .................................................................................. 45 4.2.2 Composio em macronutrientes e calorias das raes preparadas ... 45 4.3 Preparao da bactria .............................................................................. 45 4.3.1 Procedimento de Marcao da Bactria com 99mTecncio .................... 45 4.3.2 Estabilidade da marcao da 99mTc-E. coli .............................................. 46 4.4 Tratamento dos Animais............................................................................ 46 4.5 Modelo experimental de obstruo intestinal ......................................... 47 4.6 Estudo da translocao bacteriana .......................................................... 48 4.7 Percentual de inibio da translocao ................................................... 48

  • 8

    4.8 Estudo da permeabilidade intestinal ........................................................ 48 4.9 Anlise Estatstica ...................................................................................... 49

    5 RESULTADOS ........................................................................................ 50 5.1 Avaliao da ingesto e ganho de peso .................................................. 50 5.2 Determinao do rendimento de marcao da bactria com

    99mtecncio (99mTc-E. coli) .........................................................................

    51 5.3 Estabilidade de marcao da 99mTc-E. coli .............................................. 51 5.4 Validao do modelo experimental e o efeito da glutamina no

    processo de translocao bacteriana .....................................................

    52 5.5 Inibio da translocao bacteriana pela glutamina .............................. 53 5.6 Validao do modelo experimental e o efeito da glutamina sobre a

    permeabilidade intestinal..........................................................................

    53

    6 DISCUSSO ............................................................................................ 55

    7 CONCLUSES ...................................................................................... 61

    8 PERPECTIVAS FUTURAS .................................................................. 62

    9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................. 63

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    LISTA DE TABELAS

    1 Nveis de radioatividade presente na tireide ..................................................... 52 2 Biodistribuio da 99mTc-E.coli (cpm/g) nos animais dos grupos SHAM, OINT e

    GLUT....................................................................................................................

    52

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    LISTA DE FIGURAS

    1 Estrutura qumica da glutamina .......................................................................... 17 2 Interconverso glutamina glutamato ................................................................ 18 3 Cintica da glutamina corporal obtida por istopos estveis em condies

    fisiolgicas ...........................................................................................................

    19 4 Metabolismo da glutamina e glutamato .............................................................. 21 5 Mecanismos e componentes envolvidos no processo de translocao

    bacteriana ............................................................................................................

    28 6 Fisiopatologia da obstruo intestinal ................................................................. 39 7 Ingesto mdia (g/dia) dos animais dos grupos experimentais .......................... 50 8 Ganho de peso mdio (g/semana) dos animais dos grupos experimentais ....... 51 9 Porcentagem de inibio da translocao bacteriana exercida pela glutamina

    em relao ao grupo OINT ..................................................................................

    53 10 Permeabilidade intestinal dos animais dos grupos SHAM, OINT e GLUT ......... 54

  • 11

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    99mTc - 99mTecncio 99mTc - E.coli - Escherichia coli marcada com tecncio ATP - Adenosina trifosfato BKG - Background ou radiao de fundo cpm - Contagens por minuto DTPA - cido dietileno-triaminopentaactico E.coli - Escherichia coli EROS - Espcies reativas de oxignio GALT - Tecido linfide associado mucosa gastrointestinal GLN - Glutamina GSH - Glutationa reduzida GSSG - Glutationa oxidada H+ - on hidrognio HCO3- - Bicarbonato Ig A - Imunoglobulina A IL - Interleucina L-NAME - NG-nitro-L-arginina metil - ester LPS - lipopolissacardeo MBq - Megabecquerel MHC - Complexo maior de histocompatibilidade NaOH - Hidrxido de sdio NH3 - Amnia NH4+ - on amnio NLM - Ndulo linftico mesentrico NPT - Nutrio parenteral total OINT - Obstruo intestinal PEG - polietilenoglicol PMN - Neutrfilo polimorfonucleares sIgA - Imunoglobulina A secretria

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    SIRS - Sndrome da resposta inflamatria sistmica SOD - Superxido dismutase T CD4+ - Linfcitos T auxiliares T CD8+ - Linfcitos T citotxicos TGF - Fator de crescimento tumoral Th - T helper UFC - Unidade formadora de colnia

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    RESUMO

    A glutamina aminocido essencial em situaes de injria, nas quais a disfuno da barreira intestinal predispe ao aumento da permeabilidade do intestino e promove a translocao bacteriana. O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da glutamina na translocao bacteriana e na permeabilidade intestinal. Para estudo da translocao bacteriana, 21 camundongos machos Swiss foram divididos aleatoriamente em trs grupos: grupo glutamina (GLUT), grupo sham e grupo obstrudo (OINT). O grupo GLUT recebeu soluo de glutamina (500mgkg-1d-1), por gavagem, e rao especial. Os demais grupos receberam rao adicionada de casena a fim de manter as dietas isocalricas e isoproticas. O tratamento foi realizado durante 7 dias antes da operao. No oitavo dia, os animais receberam 108 UFC/mL of E. coli marcada com 99mTecncio (99mTc-E.coli). Aps 90 minutos da administrao, os animais foram anestesiados e submetidos ligadura do leo terminal. O grupo sham sofreu apenas laparotomia mediana. Dezoito horas aps a operao, os animais foram anestesiados para coleta do sangue e os rgos foram removidos para a determinao da radioatividade. A permeabilidade intestinal foi avaliada em outro grupo de 45 animais divididos conforme descrio acima e recebendo o mesmo tipo de tratamento e procedimento cirrgico. Aps 7 dias, os animais receberam 0,1 mL de cido dietilenotriaminopentaactico (DTPA) marcado com 99mTc por gavagem e, decorridos 90 minutos, foram submetidos operao. Nos tempos de 4, 8 e 18 horas, os animais foram anestesiados para a coleta do sangue e determinao da radioatividade. Para cada tempo investigado foram utilizados cinco animais. Para anlise estatstica foram utilizados os testes t, Kruskal-Wallis e ANOVA. Os animais do grupo glutamina apresentaram ingesto e ganho de peso menor que os demais grupos avaliados (p

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    ABSTRACT

    Glutamine is an essential amino acid in injury situations, when an intestinal barrier dysfunction predisposes to increase of the mucosal permeability and promote bacterial translocation. The aim of this study was to evaluate the effect of glutamine on bacterial translocation and intestinal permeability. Swiss male mice (21) were randomly divided into three groups to bacterial translocation studies: glutamine group (GLUT), sham group and intestinal obstruction group (OINT). The glutamine animals received glutamine solution (500mgkg-1d-1) by gavage for seven days before surgery and received a specially prepared chow. The other groups received a chow added of casein to keep it isocaloric and isoproteic. On the 8th day, the animals received 108 CFU/mL of E. coli labeled with 99mTechnetium (99mTc-E.coli). After 90 min of administration the animals were anesthetized and the terminal ileum was isolated and ligated. The sham group underwent laparotomy only. Eighteen hours after, the animals were anesthetized to the blood collect and the organs were removed for radioactivity determination. Intestinal permeability was evaluated in another group of 45 animals, divided into similar groups and receiving the same treatment and surgical procedure described above. After seven days, all mice received by gavage 0.1 mL of diethylenetriamine pentaacetate (DTPA) labeled with 99mTc. After 90 min, the animals were submitted to surgical procedure. 4, 8 and 18h after, the animals were anesthetized and the blood collected for radioactivity determination. Five animals were used for each period investigated. Statistical analyses were performed using the test of Kruskal-Wallis, ANOVA and the t test. The animals in the glutamine group presented with decreased chow intake and weight gain. The level of bacterial translocation and intestinal permeability was higher in the OINT group than in the other goups (p

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    1 INTRODUO

    Dietas especializadas contendo nutrientes imunomoduladores, como a glutamina, tm mostrado efeitos benficos na diminuio da incidncia de complicaes spticas. Esses efeitos so resultantes da possibilidade de modulao de funes metablicas, imunolgicas e inflamatrias (CHIOLERO and BERGER, 2002; MACFIE and McNAUGHT, 2002).

    A glutamina, tradicionalmente considerada aminocido no essencial, o aminocido mais abundante no plasma e msculo esqueltico de indivduos saudveis. No entanto, em situaes de injria, se torna nutriente condicionalmente essencial (THOMAS et al., 2005). a fonte preferencial de combustvel para entercitos, linfcitos e macrfagos, melhorando a resposta imunolgica e a funo da barreira intestinal, com conseqente reduo da translocao bacteriana. Participa tambm do equilbrio cido-bsico e precursor para a glutationa (MACFIE, 2000; MELIS et al., 2004; GARCIA-DE-LORENZO et al., 2003).

    A ao da glutamina na proteo da barreira intestinal pode ser exercida pelo aumento da glutationa, que age como varredora das espcies reativas de oxignio, diminuindo assim a formao de radicais livres. Alm disso, o balano oxidante-antioxidante leva expresso de genes envolvidos na resposta pr-inflamatria (FILLMANN et al., 2007).

    Diminuio na concentrao de glutamina circulante em estados catablicos contribui para quebra na barreira da mucosa intestinal e possvel translocao bacteriana, com desenvolvimento de sepse e falncia mltipla dos rgos (HWANG et al., 2003; GATT et al., 2007).

    A translocao bacteriana um processo definido como a passagem de bactrias viveis e no viveis, bem como seus produtos, do lmen intestinal para linfonodos mesentricos, corrente sangunea e rgos distantes, como fgado e bao. O trato gastrointestinal potencialmente a fonte mais importante da translocao bacteriana. Geralmente, bactrias Gram-negativas facultativas translocam mais facilmente do que bactrias anaerbicas e gram-positivas. (NAABER et al., 2000; WIEST & RATH, 2003; CHIN et al., 2007).

    A prevalncia da translocao bacteriana em humanos de 15% e os fatores que promovem o processo so o crescimento bacteriano exagerado, imunossupresso, alterao da barreira intestinal, atrofia da mucosa e/ou aumento da permeabilidade. Na

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    clnica, a translocao est associada a traumas diversos, uso de alimentao intravenosa por longo perodo de tempo, obstruo intestinal e isquemia intestinal. Em pacientes operados, a translocao aumenta a incidncia de morbidade por sepse (NAABER et al., 2000; MACFIE, 2000; WOODCOCK et al., 2001; DING and LI, 2003; MACFIE, 2006).

    A obstruo intestinal caracterizada pela parada do trnsito intestinal e tem como distrbios fisiopatolgicos bsicos, a estase do contedo entrico, a distenso do intestino e a isquemia da parede intestinal. Esses fenmenos, em conjunto, resultam no seqestro de gua e eletrlitos, distrbio do equilbrio cido-bsico, proliferao bacteriana e aumento da presso intraluminal, levando a quadro clnico de dor, nuseas, vmitos, obstipao, distenso, desidratao, febre e dispnia (BRESCIA, 2002; MOREIRA et al., 2005).

    CHANG et al. (2001) avaliando o efeito da glutamina em animais com obstruo intestinal, observaram que os animais tratados com este aminocido apresentaram menor taxa de distenso intestinal e reduo de acmulo de lquidos no seguimento obstrudo.

    Nesse contexto, a proposta deste trabalho foi avaliar a suplementao da glutamina (500mg/kg/dia), durante 7 dias antes da promoo da obstruo intestinal, na translocao bacteriana e na permeabilidade intestinal de camundongos.

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    2 REVISO DE LITERATURA

    2.1 GLUTAMINA

    2.1.1 Consideraes Gerais

    Glutamina um L--aminocido neutro, tambm conhecido como cido 2-aminoglutarmico. Este aminocido possui cinco tomos de carbono e dois de nitrognio (Figura 1) constituindo 30% a 35% dos aminocidos no sistema circulatrio, com papel fundamental no transporte de nitrognio entre os rgos (COSTER et al., 2003).

    o aminocido mais abundante no plasma dos mamferos e ativamente transportado e metabolizado em quase todos os tecidos. Sua fonte primria o msculo esqueltico, sendo liberado na corrente sangunea e transportado para uma variedade de tecidos (CURI et al., 2005; XU et al., 2006). Como a glutamina pode ser sintetizada de novo classificada como aminocido no essencial. No entanto, apesar do organismo ter grande reserva de glutamina e poder sintetiz-la em grande quantidade, estados catablicos como trauma e sepse so caracterizados por maior taxa de consumo deste nutriente, o que excede sua produo mxima. Sendo assim, o termo aminocido condicionalmente essencial o mais apropriado para designar a glutamina (LABOW and SOUBA, 2000; ZIEGLER et al., 2003; OGUZ et al., 2007).

    Vrios tecidos e clulas no organismo utilizam a glutamina em alta taxa. Entre eles incluem-se o intestino, os rins, o fgado, os neurnios no sistema nervoso central, as clulas hematopoiticas e do sistema imunolgico e clulas - pancreticas (NEWSHOLME et al., 2003; IWASHITA et al., 2005). Sob condies fisiolgicas e em

    Figura 1: Estrutura qumica da glutamina (TAPIERO et al., 2002).

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    estado ps-operatrio, o intestino delgado o principal rgo consumidor de glutamina. Metabolicamente, a mucosa do intestino delgado caracterizada por alto consumo de glutamina, que serve como fonte metablica para os entercitos e fator principal para a manuteno da funo e da integridade da mucosa intestinal (PLAUTH et al., 1999; POWELL-TUCK, 2007).

    2.1.2 Metabolismo

    A biossntese de glutamina a partir do glutamato e da amnia catalisada pela glutamina sintetase numa reao dependente do trifosfato de adenosina (ATP) (Figura 2) (WATFORD et al., 2002).

    O metabolismo da glutamina pode ser modulado pela atividade de duas principais enzimas, a glutaminase e a glutamina sintetase. O fgado expressa ambas enzimas e tem papel principal na homeostase da glutamina, podendo adicionar ou remover a mesma da circulao. Msculos e pulmes so capazes de produzir quantidades significativas deste aminocido devido alta expresso da glutamina sintetase. Entretanto, rgos que so vidos por este aminocido, como rins e pulmes, tm alta atividade da enzima glutaminase (WATFORD et al., 2002; COSTER et al., 2003).

    A glutamina liberada pelos msculos e pulmes. O tecido muscular o maior stio de sntese de glutamina no organismo e contem mais de 90% do pool de glutamina corporal (Figura 3). A liberao de glutamina a partir dos msculos esquelticos estimulada durante condies de estresse como operaes e queimaduras, o mesmo ocorre nos pulmes (NEWSHOLME et al., 2003). Embora os pulmes no tenham a massa tecidual ou o contedo de protena dos msculos, ainda

    Figura 2: Interconverso glutamina-glutamato (WATFORD et al., 2002)

    Glutamina + H2O Glutamato + NH3

    Glutamato + NH3 + ATP Glutamina + ADP + P + H2O

    glutaminase

    glutamina

    sintetase

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    contm concentraes equivalentes da enzima glutamina sintetase (LABOW and SOUBA, 2000).

    A concentrao de glutamina nas clulas musculares de aproximadamente 25 mmol/L enquanto que os nveis plasmticos alcanam apenas 650mol/L. Esta concentrao est relacionada com a saturao do sdio (Na+) e o mecanismo de co-transporte. Em situaes de estresse metablico, as concentraes no plasma e intramusculares caem para aproximadamente 300 a 500mol/L e 15 mmol/L respectivamente (POWELL-TUCK, 2007).

    Figura 3: Cintica da glutamina corporal obtida por istopos estveis em condies fisiolgicas. GLN: glutamina (BIOLO et al., 2005).

    O glutamato sintetizado pela transaminao de aminocidos de cadeia ramificada como leucina, isoleucina e valina, que so descarboxilados nos msculos esquelticos (Figura 4). Nesta reao, o aminocido de cadeia ramificada reage com -cetoglutarato para produzir -cetocidos e glutamato pela enzima aminotransferase (VARY and LYNCH, 2004; BIOLO et al., 2005).

    O glutamato tambm precursor da sntese de ornitina em macrfagos e moncitos, o que o conecta com o ciclo da uria e resulta na formao de arginina, substrato para a enzima xido ntrico sintase (NEWSHOLME et al., 2003).

  • 20

    Em condies fisiolgicas, os sistemas de transporte mantm extenso gradiente transmembrana, mantendo a concentrao intracelular de glutamina em 25 a 30 vezes superior concentrao extracelular. No h um transportador que seja absolutamente especfico para a glutamina e, em cada caso, este aminocido apenas um dos quais so reconhecidos por um transportador em particular. Geralmente, a especificidade do transportador, em particular, caracterizada pela competio entre a captao de glutamina e outros aminocidos (BODE, 2001; McGIVAN and BUNGARD, 2007).

    O transporte pode ser sdio dependente (sistema ASC ou B0, B0,+ y+L, A e N) ou independente (sistema L, b0,+ e n). No primeiro, o gradiente eletroqumico mantido pela bomba de sdio/potssio ATPase, conduzindo o aminocido contra o gradiente de concentrao por meio dos transportadores sdio dependentes. Dessa forma, mantm-se assim os nveis citoplasmticos de aminocidos acima do equilbrio transmembrana (BODE, 2001; NEWSHOLME et al., 2003; BIOLO et al., 2005).

    O L-glutamato, presente dentro da clula, no pode atravessar a membrana devido sua carga lquida de 1 no pH de 7,4 e baixa disponibilidade de transportadores na membrana plasmtica (NEWSHOLME et al., 2003).

    Aps injria, a oxidao de aminocidos de cadeia ramificada acelerada no msculo esqueltico, ocorrendo aumento na expresso e atividade da enzima glutamina sintetase. No entanto, a taxa de liberao de glutamina excede a de sntese, resultando em depleo do pool intracelular deste aminocido (MOSKOVITZ et al., 1994; TAPIERO et al., 2002).

    O metabolismo de glutamina nos rins essencial para o controle cido-bsico do plasma, e combate acidose pela produo de amnia (NH3) urinria. A amnia obtida pela quebra da glutamina em glutamato. A NH3 exportada do lmen do tubo coletor e combina-se com o H+ para formar o on amnio (NH4+) que perdido na urina. O H+ obtido do cido carbnico que se dissocia e forma bicarbonato (HCO3-) e H+. O HCO3- entra na circulao e mantm o pH sanguneo (NEWSHOLME et al., 2003; McGIVAN and BUNGARD, 2007).

  • 21

    No intestino a glutamina serve como substrato energtico e convertida em amnia e glutamato que so liberados na veia porta e extrados pelo fgado antes de alcanar a circulao sistmica (LABOW and SOUBA, 2000; NOSE et al., 2002).

    2.1.3 Funes metablicas da glutamina

    A glutamina age como carreadora de nitrognio para vrios rgos e clulas. Tem papel fundamental na promoo e na manuteno da funo dos rins, intestino, fgado, corao, neurnios e clulas do sistema imunolgico (CONEJERO et al., 2002; LIMA et al., 2002; KHOGALI et al., 2002; MATES et al., 2002). importante como precursora da sntese de peptdeos, protenas, nucleotdeos e cidos nuclicos, e tambm fonte de carbono para a oxidao em vrias clulas (NEWSHOLME et al., 2003; XU et al., 2006). Atua no transporte de nitrognio, como metablito intermedirio e como fonte de energia, exercendo funo antioxidante por meio da glutationa (LABOW and SOUBA, 2000).

    Figura 4: Metabolismo da glutamina e glutamato. AA: aminocido; GABA: cido gama aminobutrico; 1: glutamina sintetase; 2: glutaminase (BIOLO et al., 2005).

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    Aproximadamente um tero do nitrognio derivado do metabolismo da protena transportado na forma de glutamina, o que prov uma maneira no txica de transportar amnia dos tecidos perifricos para as vsceras. Aps atingir o rgo alvo, a amnia pode ser regenerada para formao de uria. O fgado tem a funo principal de manter a homeostase da amnia no organismo e os rins em manter o equilbrio cido-base (BIOLO et al., 2005; LABOW and SOUBA, 2000).

    A glutamina tem importante papel na gliconeognese, no fgado e nos rins. Embora a gliconeognese a partir da glutamina ocorra principalmente nos rins, a converso da alanina est limitada ao fgado. A gliconeognese renal contribui em 20% a 25% da produo de glicose total do organismo. Em estados ps-absortivos a glutamina importante precursora de glicose e contribui na adio de um novo carbono para formar glicose, sendo, portanto, a ligao entre o metabolismo de carboidratos e de protenas (YONG and AJAMI, 2001; TAPIERO et al., 2002; CURI et al., 2005; CURI et al., 2007).

    A funo antioxidante da glutamina exercida pela glutationa, formada por glutamina, cistena e glicina, podendo se apresentar no estado oxidado (GSSG) ou reduzido (GSH). O contedo de glutationa na mucosa intestinal pode diminuir em casos de doena inflamatria do intestino ou aps perodo de restrio protica, ocasionando depleo da GSH na mucosa e favorecendo o estresse oxidativo (TOWNSEND et al., 2003; MELIS et al., 2004; BELMONTE et al., 2007; POWELL-TUCK, 2007).

    A glutationa capaz de contrabalanar a injria oxidativa causada pelas espcies reativas de oxignio (EROS), que so importantes mediadores da inflamao e responsveis pelo aumento da permeabilidade intestinal, depleo do ATP intracelular e inibio da troca de sdio/potssio. O aumento do estresse oxidativo a maior causa de danos teciduais e pode levar ao desenvolvimento de falncia mltipla dos rgos (FLARING et al., 2005; WESTMAN et al., 2006; POWELL-TUCK, 2007).

    Aps trauma cirrgico, a concentrao fisiolgica de glutationa no msculo esqueltico diminui, o que pode indicar estresse oxidativo com potente injria tecidual. No entanto, FLARING et al. (2003) observaram que pacientes com suplementao de 0,5g/kg/dia de glutamina, sete dias antes de operao abdominal, no apresentaram diminuio significativa na glutationa total e reduzida.

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    2.1.4 Ao intestinal e imunolgica da glutamina

    A mucosa intestinal dos mamferos o tecido corporal de mais rpida replicao. A renovao (turnover) das clulas epiteliais do intestino (proliferao, migrao, diferenciao e apoptose) e dos constituintes da barreira intestinal so processos dinmicos afetados pelo estado nutricional e, pela adequao de nutrientes especficos da dieta (ZIEGLER et al., 2003).

    A glutamina reconhecida como importante componente diettico e atua como agente trfico para entercitos, mantm a integridade da mucosa e, conseqentemente, reduz a possibilidade de quebra da barreira intestinal (MACFIE and McNAUGHT, 2002).

    Em situaes de estresse a utilizao de glutamina pelas clulas intestinais aumenta significativamente, devido ao estresse oxidativo e depresso das defesas imunolgicas (XU et al., 2006; KUMAR et al., 2007).

    A suplementao de glutamina em nutrio enteral e parenteral melhora o crescimento, o reparo, a funo da mucosa intestinal e o balano nitrogenado em casos de atrofia intestinal e injria em animais (ZIEGLER et al., 2000).

    Durante o estado de morbidade o intestino o rgo alvo da injria, que se manifesta pela alterao da funo das clulas intestinais e aumento da permeabilidade, seguido de hipxia, estresse oxidativo e exposio a citocinas (WISCHMEYER, 2006).

    OGUZ et al. (2007) demonstraram em estudo clnico randomizado, que a suplementao parenteral de glutamina diminuiu a incidncia de infeco ps-operatria e de abscesso intra-abdominal.

    Segundo WISCHMEYER (2006), a terapia ideal para prevenir a injria e a subseqente sndrome da resposta inflamatria sistmica (SIRS), deve ser aquela que atenua a elaborao de mediadores pr-inflamatrios pelas clulas do sistema imunolgico associada ao intestino. Sendo assim, a imunonutrio tem papel fundamental na terapia nutricional, por influenciar na resposta imunolgica.

    A glutamina conhecida por modular a funo imunolgica celular e a produo de citocinas. Desta forma, deficincia de glutamina em estados crticos est associada com resposta imunolgica prejudicada e aumento da susceptibilidade infeco. Isso ocorre em funo da utilizao da glutamina, em altas taxas, por clulas isoladas do sistema imunolgico como os macrfagos, os linfcitos e os neutrfilos (ANDREWS and GRIFFITHS, 2002; MACFIE, 2004a; CURI et al., 2007).

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    A ativao dos macrfagos, in vivo ou in vitro leva ao aumento significativo da utilizao de glutamina (NEWSHOLME, 2001; GOEL and GANGOLLY, 2007). O fornecimento de glutamina exgena para animais ou humanos infectados ou estressados pode elevar a concentrao plasmtica ao nvel fisiolgico e melhorar a resposta imunolgica (NEWSHOLME, 2001).

    Fatores inflamatrios, como citocinas, leucotrienos e catecolaminas contribuem para a resposta ao catabolismo (TAPIERO et al., 2002). Clulas estimuladas por molculas pr-inflamatrias amplificam a elaborao de outras citocinas e o efeito combinado resulta em aumento da permeabilidade intestinal (FINK, 2003).

    A permeabilidade intestinal aps injria a causa potencial de mediadores pr-inflamatrios sistmicos, que pode contribuir para a patognese da sndrome da resposta inflamatria sistmica (VELASCO et al., 2001).

    O intestino, alm de ser importante na absoro de nutrientes, age tambm na defesa do organismo. A superfcie do entercito funciona como um sensor do micro ambiente luminal. Secreta quimiocinas e citocinas que alertam e direcionam a resposta imunolgica para o local da infeco (RESCIGNO et al., 2001). Aproximadamente um quarto da mucosa intestinal tecido linfide. O tecido linfide associado ao intestino (GALT) formado por quatro componentes: os linfcitos intra-epiteliais, as clulas linfides da lmina prpria, as placas de Peyer e o linfonodo mesentrico. As funes do GALT esto associadas a caractersticas peculiares, representando em torno de 50% do total da imunidade corporal e produzindo a maior parte das imunoglobulinas na forma de IgA. Esta a principal componente da imunidade especfica contra a invaso de patgenos (MELIS et al., 2004).

    O GALT o principal contribuinte para a proteo imunolgica primria da mucosa. A gnese para a imunidade da mucosa est na placa de Peyer, que processa antgenos intraluminais e estimula as clulas B e T a esses antgenos. As placas de Peyer so agregados linfides especializados. Os linfcitos so sensibilizados dentro das placas de Peyer proliferam no linfonodo mesentrico e migram, via ducto torcico, para a lmina prpria de vrios stios na mucosa onde produzida a IgA secretria. LAI et al., 2004 mostraram que a suplementao de glutamina aumenta a IgA secretria e a proliferao dos linfcitos totais no GALT aps ligao e puno cecal. IKEDA et al. (2003) investigaram a capacidade funcional e a exudao de neutrfilos polimorfonucleares (PMNs) e macrfagos na cavidade peritoneal em resposta ao estmulo inflamatrio, em ratos suplementados com GLN na nutrio parenteral total (NPT). Observaram que a glutamina aumenta a funcionalidade do

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    GALT e atenua a resposta inflamatria na cavidade peritoneal, visto que, em relao ao grupo alimentado com glutamina, o grupo sem suplementao apresentou menor exudao de PMNs e macrfagos. Estes so importantes na eliminao de bactrias no estgio precoce da infeco peritoneal.

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    2.2 TRANSLOCAO BACTERIANA

    2.2.1 Consideraes gerais

    A translocao bacteriana a passagem de bactrias viveis e no viveis, assim como endotoxinas, do lmen intestinal, atravs do epitlio da mucosa, para os ndulos linfticos mesentricos e outros rgos e tecidos normalmente sem bactrias (WIEST & RATH, 2003; MACFIE, 2004b; REDDY et al., 2006).

    O processo de translocao envolve o contato inicial da bactria com a parede intestinal, que pode levar produo de citocinas e, subseqente resposta inflamatria. Uma vez que a bactria penetra na mucosa, ela pode ser transportada a rgos distantes por meio da circulao sistmica (SAMIR et al., 2004).

    A translocao bacteriana est aumentada em pacientes com obstruo intestinal, isquemia/reperfuso, cncer intestinal ou doena inflamatria do intestino. Alm disso, pacientes imunossuprimidos, com desnutrio ou em uso de nutrio parenteral prolongada e alcoolistas com cirrose tambm apresentam risco aumentado de translocao bacteriana (BERG, 2001; De-SOUZA and GREENE, 2005; GATT et al., 2007). A translocao est associada ao risco aumentado de sepse, suportando a hiptese do intestino como o causador da mesma. Esta hiptese prope que a bactria, que normalmente reside dentro do lmen intestinal, possa translocar pela barreira do epitlio intestinal e atuar como propagadora da sepse aos stios distantes (MACFIE et al., 1999; MACFIE, 2000; REDDY et al., 2006).

    A prevalncia de translocao em humanos de 15% em pacientes submetidos a operao eletiva. Apesar da evidncia de que a translocao est associada com o aumento da incidncia de complicaes spticas, essa no se relaciona com a mortalidade (MACFIE, 2000; MACFIE, 2004b; MACFIE, 2006).

    Vrios mtodos, diretos e indiretos, tm sido usados para avaliar a translocao bacteriana. Entre os mtodos diretos, tem-se a contagem de unidades formadoras de colnias (UFC) por cultura dos ndulos linfticos mesentricos (MLNs) e outros rgos e a contagem da radioatividade pelo processo de marcao da bactria. O uso da radioatividade para deteco da translocao bacteriana o mtodo mais sensvel uma vez que a translocao pode ocorrer mesmo se a cultura de MLNs falhar em identificar algum microorganismo. Isto ocorre porque a maioria das bactrias que rompem a barreira epitelial morta pelo GALT e, portanto no identificadas em meios de cultura (WIEST, 2004; BALZAN et al., 2007). Segundo WHITE et al. (2006), menos de 0,1% da

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    Escherichia coli marcada encontrada nos ndulos linfticos mesentricos corresponde bactria vivel.

    As secrees pancreticas, a bile e o cido gstrico impedem a colonizao do estmago e da parte proximal do intestino delgado pela maioria das bactrias. No entanto, a proporo de bactria na poro distal do intestino delgado est aumentada. No intestino grosso de aproximadamente 1011 a 1012 bactrias/ grama de contedo colnico, o que contribui em 60% da massa fecal. A microbiota do intestino grosso a mais densa e complexa. As bactrias viveis so, em sua maior parte (99%), representadas por bactrias anaerbicas e as espcies mais comuns so do gnero das Bacterides, Peptostreptococcus, Bifidobacterium, Clostridium, Lactobacillus, Eubacterium e Fusobacterium (WIEST & RATH, 2003; O`HARA & SHANAHAN, 2006).

    Estudos experimentais tm mostrado que a translocao bacteriana pode ocorrer pela via paracelular ou transcelular (MACFIE, 2000). No entanto, sob condies fisiolgicas, uma srie de mecanismos de proteo, local e sistmica, previne a passagem de bactrias para alm do lmen intestinal (XING et al., 2005).

    2.2.2 Mecanismos de translocao bacteriana

    Os mecanismos relacionados com a translocao bacteriana envolvem: alterao da microbiota gastrointestinal, o que acarreta em crescimento bacteriano exagerado; alterao da resposta imunolgica e rompimento fsico da barreira da mucosa intestinal, pela injria direta aos entercitos ou reduo do fluxo sanguneo ao intestino; (Figura 5) (BERG, 1995; WIEST & RATH, 2003).

    2.2.2.1 Alterao da microbiota intestinal

    O trato gastrointestinal contm grande variedade de bactrias aerbicas e anaerbicas. A parte superior do intestino e o estmago, em geral, contm populao escassa de bactrias no virulentas, devido ao ambiente luminal que hostil e atividade motora propulsiva que dificulta a colonizao estvel. As mais comuns so as bactrias Gram-positivas e aerbicas. No entanto, no leo distal, as bactrias gram-negativas excedem as gram-positivas (MACFIE et al., 1999; BALZAN et al., 2007).

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    Figura 5: Mecanismos e componentes envolvidos no processo de translocao bacteriana (WIEST & RATH, 2003).

    A barreira intestinal possui vasta populao de bactrias nativas, presente na parte inferior do intestino saudvel, no causando dano. Essa microbiota nativa importante na preveno da colonizao por bactrias patognicas exgenas, por influenciar no desenvolvimento de componentes humorais no sistema imunolgico do intestino e modular o perfil de citocinas Th1 ou Th2. O rompimento da microbiota fisiolgica pode predispor quebra na resistncia colonizao (O`HARA & SHANAHAN, 2006; BALZAN et al., 2007). Normalmente, estas bactrias so mortas pelo sistema reticuloendotelial do hospedeiro in situ ou quando esto a caminho dos rgos linfides. Sendo assim, o linfonodo mesentrico e outros stios extra-intestinais permanecem sem bactrias (BERG, 1995).

    As bactrias que translocam prontamente so aquelas resistentes morte por fagocitose. No entanto, as espcies entricas fisiolgicas morrem facilmente aps este processo, sobrevivendo apenas quando as defesas do hospedeiro esto baixas (WIEST & RATH, 2003).

    FATORES LUMINAIS Crescimento bacteriano Fatores de colonizao Virulncia

    ADESO Ig A Bile Mucina Cloretos

    PENETRAO Stress oxidativo Acidose da mucosa Depleo de ATP

    RESPOSTA IMUNOLGICA Local Ativao de linfcitos T Recrutamento de macrfagos e neutrfilos Liberao de citocinas e quimiocinas

    Sistmica Sistema Reticuloendotelial Fgado, bao, pulmes

    Anaerbica Aerbica

    Muco

    Entercito

    Vaso linftico Via linftica

    Via sangunea

    Endotlio

    Vaso sanguneo

    Macrfagos

    Linfcitos

    Junes Tight

    Znula de aderncia

    Desmossomo

    Junes Gap

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    Os tipos de bactrias intestinais capazes de translocar para os MLNs so as bactrias Gram-negativas anaerbicas facultativas, como Escherichia coli, Klebsiela pneumoniae e outras Enterobacteraceae, assim como Pseudomonas aeruginosa, Enterococci e vrias Streptococci. Escherichia coli a bactria mais eficiente em translocar, o que pode ser atribudo sua melhor aderncia e fixao camada mucosa epitelial do que uma bactria no patognica. Bactrias Gram-positivas, tolerantes ao oxignio, como Enterococcus e Lactobacillus brevis translocam num padro intermedirio e bactrias anaerbicas estritas so as menos efetivas em translocar para o linfonodo mesentrico, mesmo se colonizarem o trato gastrointestinal em altas taxas (BERG, 1995; LJUNGDAHL et al., 2000; REDDY et al., 2007).

    Embora as bactrias anaerbicas ultrapassem as aerbicas em quantidade, as primeiras translocam apenas em situaes graves, em que o trato intestinal est danificado estruturalmente. Em condies fisiolgicas agem como um tapete na superfcie da mucosa, limitando a colonizao e o super crescimento de outros microorganismos potencialmente invasivos (WIEST and RATH, 2003). A administrao de antibiticos orais provoca reduo na populao de bactrias nativas anaerbicas estritas, ocasionando o supercrescimento bacteriano e a translocao das Enterobacteriaceae no ceco. Sendo assim, o supercrescimento de bactrias no intestino no ocorre apenas em condies experimentais, mas em uma variedade de situaes, incluindo pacientes que recebem antibioticoterapia, causando desequilbrio da microbiota nativa (BERG, 1995; BERG, 2001).

    Alimentao parenteral, desnutrio, fome, obstruo intestinal, diabetes e choque endotxico tambm induzem ao supercrescimento bacteriano, promovendo subseqente translocao (BERG, 2001).

    2.2.2.2 Alterao da resposta imunolgica

    A defesa imunolgica do hospedeiro componente integral na dinmica da translocao bacteriana, envolvendo a imunidade sistmica (imunoglobulinas sricas), a imunidade da mucosa (IgA secretria) e a imunidade mediada por clulas (clulas T e macrfagos) (BERG, 2001).

    A IgA da mucosa intestinal a primeira linha de defesa da barreira imunolgica intestinal. Pode remover os antgenos do espao subepitelial por se ligar aos antgenos livres enquanto estes esto sendo transportados da superfcie basolateral para

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    superfcie apical da clula epitelial. Ao se ligar aos patgenos, a IgA previne o ataque destes s clulas epiteliais (DING and LI, 2003; ACHESON and LUCCIOLI, 2004).

    A translocao bacteriana ocorre normalmente em animais e humanos saudveis. No entanto, ocorre em pequena proporo, sendo que bactrias mortas tambm podem translocar. Desta forma, a translocao bacteriana um processo fisiolgico e essencial para regular a imunidade sistmica e local (WIEST and RATH, 2003; MACFIE, 2004b; SALZEDAS-NETO, 2006).

    Sob condies fisiolgicas, a bactria translocada pode ser fagocitada antes de alcanar o linfonodo mesentrico ou vasos linfticos. Presume-se que, se o hospedeiro estiver imunossuprimido, h falha dos mecanismos de defesa, permitindo a entrada e sobrevivncia da bactria em stios extra-intestinais distantes. Desta forma, com o aumento da gravidade da doena, a translocao bacteriana ocorre pela inabilidade do hospedeiro em combater adequadamente o nmero de bactrias presentes (MACFIE, 2004b). Sendo assim, a modulao de algumas citocinas antiinflamatrias, como IL-10 e TGF e/ou a interao entre clulas T regulatrias e a expresso de MHC classe II pelas clulas apresentadoras de antgeno parecem favorecer a tolerncia a esse processo (ACHESON and LUCCIOLI, 2004).

    Por outro lado, o intestino tambm pode modular a resposta local e sistmica, mesmo na ausncia de translocao bacteriana detectvel. Desta forma, a manifestao clinica da sepse pode ser conseqncia da liberao de mediadores endgenos pelo hospedeiro, ao invs de conseqncia da bactria ou de seus produtos. A evidncia de que o intestino atue como rgo liberador de citocinas, tem sido reforada em diferentes modelos experimentais, como por exemplo, na injria por isquemia/reperfuso, quando a reperfuso fonte de mediadores pr-inflamatrios que podem amplificar a resposta precoce da SRIS independente da translocao bacteriana (MOORE, 1999).

    A resposta ao estresse induzido pela sepse grave resulta em diminuio na produo de imunoglobulina pelas clulas plasmticas da mucosa, facilitando a aderncia da bactria luminal superfcie do entercito, evento inicial da translocao (WOODCOCK et al., 2001).

    A imunidade mediada por clulas (macrfagos e clulas T) na lmina prpria e rgos linfides, como o linfonodo mesentrico, prov uma segunda linha de defesa do hospedeiro contra a translocao bacteriana. Imunoglobulinas sricas provavelmente agem como opsoninas, para aumentar a efetividade da fagocitose por macrfagos e leuccitos polimorfonucleares, matando a bactria que sofreu translocao. Acredita-se

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    que a resposta das clulas B no GALT seja relacionada produo da IgA protetora. (BERG, 1995; CLAVEL and HALLER, 2007).

    No processo de translocao bacteriana, o papel das espcies reativas de oxignio, derivadas de neutrfilos ativados, por exemplo, suportada pela funo de varredores de radicais livres (como a glutamina) ou inibidores de xantina, que diminuem a injria da mucosa e reduzem a incidncia de translocao bacteriana em vrios modelos animais. (WIEST and RATH, 2003).

    Em modelos animais, o jejum e a nutrio parenteral promovem o crescimento bacteriano exagerado, a diminuio na produo de mucina intestinal, a diminuio dos nveis de IgA, a atrofia da mucosa e a atenuao do nmero e da funo dos linfcitos do GALT, alm de acelerar o estresse oxidativo. A falta de alimentao, oral ou enteral, afeta o padro celular e imunolgico desenvolvido para proteger o hospedeiro da translocao bacteriana (NETTELBLADT et al., 1997).

    2.2.2.3 Alterao da barreira intestinal e permeabilidade

    Os entercitos, as clulas M e as clulas dendrticas intestinais so as clulas que respondem aos antgenos e seguem a linha de defesa (O`HARA and SHANAHAN, 2006).

    As clulas M carregam partculas do ambiente luminal para as clulas dendrticas subjacentes e outras clulas apresentadoras de antgenos, como os macrfagos, por exemplo. Apenas bactrias invasivas podem induzir sua prpria fagocitose pelas clulas M e as bactrias no-invasivas tm menor eficincia para entrar no epitlio. As clulas dendrticas, que so a terceira linha de defesa, abrem as junes tight entre as clulas epiteliais e lanam os dendritos para fora do epitlio, capturando partculas estranhas (RESCIGNO et al., 2001).

    As clulas dendrticas so clulas apresentadoras de antgeno, agem como sentinelas, capturando os antgenos e transportando-os para o tecido linfide, onde ativam clulas T imaturas. Dessa forma, atuam na interseo entre a resposta inata e adaptativa, pela habilidade em ativar clulas T imaturas e diferenci-las em clulas Th1 ou Th2 (STAGG et al., 2003).

    A barreira intestinal direcionada contra a invaso de microorganismos influenciada por fatores locais como muco, cido gstrico, enzimas pancreticas, bile, barreira celular epitelial, representada pelas junes, e pela motilidade intestinal (WIEST & RATH, 2003; MACFIE, 2004b). Esses fatores, em conjunto, agem

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    prevenindo o ataque de bactrias ao endotlio. Secrees da mucosa, ricas no anticorpo IgA, atuam por ligao ou agregao bactria, prevenindo a aderncia e a colonizao da mucosa, enquanto que a exposio de bactrias bile, diminui a interiorizao epitelial de bactrias entricas quando as mesmas esto na fase de crescimento. A ausncia de bile no trato gastrointestinal prejudica a distribuio dos linfcitos T no GALT, diminuindo o nmero de linfcitos T CD4+ e CD8+ (SANO et al., 2004; WIEST, 2004).

    O epitlio intestinal intacto permite a absoro de solutos e serve como barreira efetiva que previne a sada, do lmen, de bactrias e toxinas entricas e a conseqente liberao de citocinas inflamatrias (KOZAR et al., 2004a).

    A funo da barreira intestinal alterada quando h modificao da permeabilidade intestinal, em situaes de jejum ou quando o fluxo sanguneo esplnico reduzido. Em situaes fisiolgicas, a tenso de oxignio no topo da vilosidade intestinal menor que no sangue arterial, e assim, qualquer reduo no fluxo sanguneo pode diminuir a oxigenao tecidual levando acidose da mucosa, aumentando a permeabilidade pela produo de radicais livres e, conseqentemente, injria da clula epitelial (MACFIE, 2000; MACFIE, 2004; BALZAN et al., 2007).

    O epitlio uma barreira seletiva entre o ambiente do lmen intestinal e a lmina prpria. constitudo por simples camada de clulas epiteliais, que so especializadas na formao de complexos juncionais, e que sofrem rpida e contnua renovao celular (CLAVEL and HALLER, 2007).

    Embora o intestino seja uma barreira funcional entre as bactrias intestinais e o hospedeiro, o crescimento bacteriano exacerbado, associado com a patogenicidade, constituem fatores importantes que podem induzir a translocao bacteriana superando a funo da barreira intestinal (SALZEDAS-NETO, 2006).

    A falha da barreira intestinal est caracterizada primariamente pela absoro prejudicada de nutrientes, comprometimento da reposta imunolgica intestinal e aumento da permeabilidade do intestino (De-SOUZA and GREENE, 2005).

    Vrios agentes luminais, incluindo os produtos da parede celular da bactria, bactrias aderentes e invasivas e citocinas estimulam as clulas epiteliais intestinais a liberar produtos pr-inflamatrios (quimocinas, citocinas e molculas de adeso) (CLAVEL and HALLER, 2007).

    Clulas especializadas, como o complexo de clulas de juno, permitem permeabilidade seletiva ao epitlio, mantm a adeso entre as clulas (junes

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    intermedirias e desmossomos) e permitem a comunicao intracelular (junes do tipo gap) (WIEST and RATH, 2003; KOZAR et al., 2004a).

    A permeabilidade paracelular um processo fisiolgico e regulado que ocorre em todo o epitlio em diferentes graus. Entre as clulas epiteliais existem as junes tight, que mantm as clulas juntas e permitem a permeabilidade paracelular seletiva, o que exclui, normalmente, o movimento passivo de compostos hidroflicos no carregados, como as bactrias e as macromolculas. O aumento da permeabilidade paracelular envolve a abertura das junes tight dos entercitos e pode induzir a cascata inflamatria (MACFIE, 2000; KOZAR et al., 2004a; BALZAR et al., 2007).

    A migrao transcelular da bactria ou de outras partculas ocorre pela captao inicial pelo pice do entercito seguido de interiorizao da bactria num vacolo citoplasmtico e migrao atravs do citoplasma do entercito. A abertura das junes tight tambm permite a captao da bactria na membrana lateral do entercito, com subseqente migrao transcelular por meio do citoplasma do entercito (MACFIE, 2000).

    Outro fator que contribui para o aumento da permeabilidade a interleucina-6 e a superproduo de xido ntrico. Em quantidades fisiolgicas, o xido ntrico importante para a permeabilidade e a motilidade e, tem propriedades antimicrobianas. No entanto, quantidades aumentadas diminuem a viabilidade endotelial (BALZAN et al., 2007).

    Os oxidantes, como o perxido de hidrognio e radicais superxido, rompem a estrutura do citoesqueleto e aumentam a permeabilidade intestinal (WIEST, 2004). Desta forma, o aumento da permeabilidade da mucosa provocado por uma srie de mudanas como estresse oxidativo, liberao de citocinas pr-inflamatrias, reduo do pH da mucosa e hipxia. O aumento da permeabilidade paracelular (pelas junes tight) observada em pacientes crticos est associado com maior incidncia de translocao bacteriana e de toxinas do lmen intestinal para a circulao sistmica, causando complicaes infecciosas (De-SOUZA and GREENE, 2005).

    No entanto, parece que o aumento da permeabilidade intestinal um fator que predispe translocao bacteriana, uma vez que macromolculas, como endotoxinas, podem alcanar a camada mucosa subepitelial e a corrente sangunea devido ao rompimento das junes tight. No entanto, geralmente, a translocao ocorre via transcelular, atravs dos entercitos morfologicamente intactos (WIEST and RATH, 2003; BALZAN et al., 2007).

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    Existem controvrsias quanto associao entre permeabilidade intestinal e infeco sistmica. Estudos que mostraram associao positiva tm melhor nvel de evidncia que os contrrios a essa premissa (De-SOUZA and GREENE, 2005).

    2.2.2.3.1 Mtodos de avaliao da permeabilidade intestinal

    Normalmente, a mucosa intestinal previne, de forma efetiva e seletiva, o movimento transepitelial de compostos solveis em gua e no carregados. Com o objetivo de se determinar a permeabilidade, tm-se usado substncias com estas caractersticas e que sejam ainda, de pequeno tamanho, no txicas; no metabolizadas ou seqestradas, se absorvidas, eliminadas na urina e resistentes (no destrudas) ao passar pelo trato gastrointestinal (ARRIETA et al., 2006).

    A permeabilidade avaliada por tcnicas no-invasivas, medindo a excreo urinria de substncias administradas oralmente. Dentre essas substncias destacam-se a lactulose, o manitol, os polmeros de polietileno glicol (PEG), o 51Cr- cido etilenodiaminotetraactico (51Cr-EDTA) e o 99mTc-dietilenotriamonopentaactico (99mTc-DTPA) (BJARNASON et al., 1995; MACFIE, 2000; JORGENSEN et al., 2006).

    A permeabilidade avaliada pelo princpio da excreo urinria, uma tcnica comum, no entanto duvidosa quanto ao aspecto do tempo de coleta da urina, uma vez que a taxa de excreo urinria sofre variao entre os indivduos, devido ao tempo de trnsito intestinal e degradao bacteriana (WIEST, 2004).

    usual utilizar o monossacardeo e o dissacardeo (manitol e lactulose) em conjunto para avaliar a permeabilidade, uma vez que so conhecidos por passar pelo epitlio de forma transcelular e paracelular, respectivamente. No entanto, outras tcnicas tambm devem ser utilizadas, visto que no existe padro ouro para esse diagnstico (BJARNASON et al., 1995).

    A estimativa da mudana da permeabilidade calculada pela taxa da dose oferecida de uma molcula grande (que passa entre os entercitos como a lactulose) e a frao de uma pequena quantidade de composto que se presume passar atravs do entercito (como o manitol). Desta forma, o aumento da permeabilidade seria detectado pela excreo urinria de molculas grandes. Quando estas passam pela barreira intestinal, significa que a bactria pode seguir a mesma rota (MACFIE, 2000).

    Acares como lactulose, manitol, rafinose ou celobiose, tradicionalmente empregados para avaliao da permeabilidade no intestino delgado, so degradados

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    pela microbiota bacteriana do intestino grosso e, portanto, no provem informao sobre a permeabilidade colnica (ARRIETA et al., 2006).

    Quanto ao PEG, o mais utilizado o PEG 400, que possui massa molecular entre 194 e 502. composto altamente solvel e a permeabilidade ao PEG-400 em intestino de rato influenciada pelo gradiente osmtico. A recuperao do PEG-400 na urina aps a administrao intravenosa incompleta, o que pode afetar a reprodutibilidade dos resultados (BJARNASON et al., 1995).

    Por todas essas razes, tem-se utilizado via alternativa para a averiguao da permeabilidade intestinal. Elementos radiomarcados, como o 51Cr-EDTA e o 99mTc-DTPA, compartilham as mesmas propriedades fsicas dos oligossacardeos. No entanto, apresentam a vantagem da facilidade na medida. A diferena na utilizao do 99mTc ou do 51Cr est na meia-vida, uma vez que a do 51Cr de 27 dias e a do 99mTc de apenas seis horas, permitindo que maiores doses sejam utilizadas, facilitando a recuperao de pequenas amostras no sangue e urina. Em humanos, a avaliao da excreo desses elementos na urina realizada no tempo de 24 horas devido diferena na excreo dos indivduos sadios e dos pacientes com doena intestinal (BJARNASON et al., 1995; SUN et al., 1998; JORGENSEN et al., 2006).

    2.2.3 Glutamina e Translocao Bacteriana

    A glutamina conhecida como a principal fonte de energia para os entercitos, coloncitos e clulas do sistema imunolgico. Mantm a integridade da mucosa intestinal e atua na permeabilidade intestinal com conseqente reduo das taxas de translocao em estudos envolvendo animais (MACFIE, 2000; SALVALAGGIO and CAMPOS, 2002; MACFIE, 2004).

    WISCHMEYER et al. (2001), avaliando o uso da glutamina em pacientes queimados, observaram que a glutamina fornecida como suplemento em dietas enterais padro, diminui a incidncia de bacteremia, atenua as medidas de inflamao global e melhora o estado nutricional desses pacientes.

    Outros autores mostraram o papel da glutamina na translocao bacteriana. DING and LI (2003) trataram os animais, com 1g/kg/dia de glutamina em conjunto com nutrio parenteral total (TPN) e avaliaram a translocao bacteriana para MLN, fgado e sangue portal. Os animais do grupo com lipopolissacardeo (LPS), que sofreram trauma + TPN + endotoxemia, foram os que apresentaram maiores nveis de translocao, seguidos dos animais em TPN apenas. A taxa de translocao bacteriana para os grupos controle, glutamina, TPN e LPS foi de 12,5%, 41,7%, 44,4%

  • 36

    e 75% respectivamente. Os autores observaram ainda que as bactrias encontradas na cultura dos rgos e do sangue, em ordem de freqncia, foram Proteus, E. coli, Enterococcus e outras bactrias Gram negativas.

    No entanto, BELMONTE et al. (2007), avaliando a translocao em animais com restrio protica (desnutridos), no observaram efeito benfico da glutamina, atribuindo essa falha a outros fatores envolvidos na funo da barreira intestinal, como clulas imunolgicas ou secreo de IgA, que pode ter sido prejudicada pela restrio protica grave.

    Diante do exposto, a ao da glutamina na translocao bacteriana necessita de mais estudos para elucidar o papel do nutriente e possvel mecanismo de ao.

  • 37

    2.3 OBSTRUO INTESTINAL

    2.3.1 Caractersticas gerais

    A obstruo intestinal caracterizada pela interrupo do trnsito intestinal e pode ser subdividida quanto natureza da obstruo. Neste sentido, pode ser mecnica quando o distrbio inicial a ocluso orgnica da luz intestinal (aderncias, hrnias, tumores, corpos estranhos) ou funcional, quando o distrbio inicial de motilidade (leo paraltico, doena de Chagas). Outra possibilidade de ocorrer a obstruo intestinal quando de origem vascular, em que primariamente ocorre isquemia da parede intestinal (trombose ou embolia) (BRESCIA, 2002; MOREIRA et al., 2005). Em pases desenvolvidos, dentre as causas, predominam as aderncias devido a laparotomias, representando 50% a 80% dos casos. Em pases em desenvolvimento, hrnias e vlvulos so as principais causas de obstruo (HAYANGA et al., 2005).

    A obstruo intestinal mecnica uma das causas mais comuns de problemas abdominais agudos e pode ser simples ou estrangulada, dependendo do suprimento sanguneo. As principais manifestaes so a distenso intestinal, hipersecreo intraluminal e as alteraes na motilidade, que podem estar relacionadas com o dano mucosa induzido pela inflamao. A taxa de mortalidade da obstruo intestinal permanece em torno de 10%, apesar das novas tcnicas de diagnstico e manejo teraputico (CHANG et al., 2001).

    Ambos os tipos de obstruo, mecnica ou funcional, esto associados com aumento da presso intraluminal, que pode causar isquemia da parede intestinal e conseqente aumento da presso intra-abdominal. A hipertenso intra-abdominal encontrada em mais de 20% dos pacientes crticos e pode levar a uma srie de conseqncias sistmicas (BRESCIA, 2002; MADL and DRUML, 2003).

    Os sintomas clnicos da obstruo mecnica so vmitos, constipao, distenso abdominal e dor. A magnitude de cada um dos sintomas difere de acordo com a causa e stio da obstruo intestinal (MACUKIEWICZ and CARLSON, 2005).

    2.3.2 Fisiopatologia

  • 38

    A obstruo intestinal mecnica acompanhada primeiramente, pelo desenvolvimento de distenso intestinal, que resulta do acmulo de secrees gastrointestinais e de gs acima do seguimento obstrudo (HAYANGA et al., 2005).

    Inicialmente, a distenso estimula a peristalse, abaixo e acima do ponto obstrudo, levando ao esvaziamento completo do intestino distal. A distenso tambm estimula a secreo fisiolgica de fluidos, eletrlitos e suco entrico no lmen intestinal. No entanto, quando o intestino distal est completamente vazio e o lmen intestinal permanece ocludo, h a supresso da peristalse, podendo resultar em aumento da presso luminal e da distenso intestinal (Figura 6) (BROWN and ADAM, 2002; MADL and DRUML, 2003; HAYANGA et al., 2005).

    Em condies fisiolgicas, um quinto do fluido corporal total secretado e reabsorvido pelos intestinos diariamente. Alteraes nesse processo podem causar depleo de fluidos e eletrlitos (MACUKIEWICZ and CARLSON, 2005).

    Quanto mais grave se torna a distenso, alteraes histolgicas tambm podem ocorrer, como aumento da presso hidrosttica intraluminal, comprimindo os vilos linfticos da mucosa intestinal e resultando em obstruo do fluxo linftico e desenvolvimento de linfedema na parede intestinal (HAYANGA et al., 2005).

    A taxa de deslocamento de sais e gua do sangue para o lmen aumenta, enquanto a taxa de deslocamento do lmen para o sangue permanece esttica ou decresce. Com isso, a absoro alterada, assim como a carga de filtrao de fluidos, eletrlitos e protenas atravs dos capilares da parede intestinal. Grande quantidade de fluido isotnico passa pelo lmen intestinal e como no reabsorvido, perdido pelo compartimento extracelular. A perda de fluido extracelular a partir do espao intravascular resulta em desidratao e hipovolemia. A desidratao prolongada pode resultar em oligria, azotemia e hemoconcentrao (HAYANGA et al., 2005; MACUKIEWICZ and CARLSON, 2005).

    Um fator que pode estar envolvido na patognese da dilatao intestinal o xido ntrico (conhecido inibidor do tnus do msculo liso), uma vez que, durante a dilatao ou inflamao, neutrfilos podem invadir a camada muscular e danificar as clulas musculares pela liberao de enzimas proteolticas e citocinas. Essa resposta inflamatria leva liberao do xido ntrico na camada muscular intestinal, que paralisa as clulas musculares e agrava a dilatao intestinal. A quantidade e atividade da enzima xido ntrico sintase tem relao direta com a gravidade da dilatao. A isquemia da parede intestinal, uma conseqncia da dilatao intestinal e do aumento

  • 39

    da presso intraluminal, leva captao sistmica de citocinas e outros mediadores inflamatrios (MOURELLE et al., 1995; MADL and DRUML, 2003).

    Figura 6: Fisiopatologia da obstruo intestinal (MADL & DRUML, 2003).

    2.3.3 Conseqncias sistmicas da obstruo

    A mucosa do trato gastrointestinal age como barreira contra grande nmero de bactrias que residem dentro do lmen intestinal (BROWN and ADAM, 2002; HAYANGA et al., 2005). A obstruo leva estase intestinal, propiciando o supercrescimento bacteriano. Essas bactrias causam fermentao, conduzindo ao aumento da produo de gases e do gradiente de presso osmtica entre o contedo intestinal e os capilares da parede intestinal (BROWN and ADAM, 2002). Por fim, a obstruo conduz inflamao da parede do intestino, que associada com a translocao bacteriana contribuem para eventos secundrios como a ativao de clulas imunocompetentes, liberao de citocinas e aumento da formao de espcies reativas de oxignio, que iro mediar manifestaes extra-intestinais (MADL and DRUML, 2003).

  • 40

    A obstruo, tanto mecnica quanto funcional, est associada ao amplo espectro de complicaes sistmicas, decorrentes do supercrescimento bacteriano, da translocao bacteriana e, conseqentemente, da ativao da resposta inflamatria (MADL & DRUML, 2003).

  • 41

    2.4 BACTRIA MARCADA COM ISTOPO RADIOATIVO

    O 99mtecncio (99mTc) um radionucldeo artificial originado da desintegrao radioativa do 99 Molibdnio, istopo proveniente da fisso nuclear do urnio. Apresenta caractersticas como baixo custo, alta disponibilidade, meia-vida curta (t = 6 horas), emisso de radiao gama () e energia de radiao (140 Kev) (DINIZ, 1998).

    Por ser um metal deficiente em eltrons, o 99mTc reage principalmente com grupos doadores de eltrons como aminas, amidas, tiis, sulfidrilas e isonitrilas. Na marcao de bactrias, o mais provvel que o 99mTc reaja principalmente com estruturas proticas, j que estas possuem grupos doadores de eltrons. Esta reao pode ocorrer com protenas que constituem a parede celular bacteriana e/ou com protenas citoplasmticas. A clula bacteriana permanece preservada aps o procedimento de marcao (DINIZ et al., 1999).

    Investigaes anteriores mostraram que a marcao da Escherichia coli no comprometeu a viabilidade bacteriana, de maneira que estudos de translocao bacteriana em ictercia obstrutiva puderam ser realizados (DINIZ, 1998; WHITE et al., 2006).

    Este mtodo apresenta a vantagem de no necessitar de condies asspticas, de no utilizar cultivo bacteriano e de ser mais eficiente que o mtodo convencional. Assim, todo o estudo de biodistribuio da bactria determinado pela contagem de radioatividade emitida pelo tomo radioativo (99mTecncio) que se encontra ligado bactria. Alm disso, a adio de marcador radioisotpico a bactrias especficas permite que produtos bacterianos e fragmentos sejam detectados em stios extraintestinais sem considerar a sua viabilidade, propiciando maior sensibilidade na identificao da translocao bacteriana (WHITE et al., 2006).

  • 42

    3 OBJETIVOS

    3.1 Objetivo Geral

    Avaliar o papel da glutamina no processo de translocao bacteriana em modelo experimental de obstruo intestinal em camundongos.

    3.2 Objetivos especficos

    Validar o modelo de obstruo intestinal em camundongos com a proposta de estudar a translocao bacteriana;

    Investigar a ao da glutamina no processo de translocao bacteriana; Avaliar a permeabilidade intestinal dos animais tratados e no tratados com

    glutamina.

  • 43

    4. MATERIAL E MTODOS

    4.1 Animais

    Foram utilizados camundongos machos, linhagem Swiss, idade de cinco semanas, pesando entre 25 e 30 gramas, fornecidos pelo biotrio da Faculdade de Farmcia da Universidade Federal de Minas Gerais. Os animais foram mantidos no biotrio da faculdade em ciclo de 12 horas claro/escuro.

    O protocolo de pesquisa (n 108/2007) foi aprovado pelo Comit de tica em Experimentao Animal (CETEA) da Universidade Federal de Minas Gerais.

    4.2 Dietas

    4.2.1 Preparo das dietas

    Foram preparados dois tipos de rao: casena e rao convencional modificada. Os animais foram tratados, durante sete dias, com glutamina administrada via per os (gavagem intragstrica) + rao convencional modificada ad libidum. Todos os grupos receberam dietas isocalricas e isoproticas entre si, que foi alcanado com o acrscimo de casena dieta no suplementada com glutamina. A gua foi oferecida ad libidum.

    4.2.1.1 Rao controle com casena

    Para o preparo da rao controle com casena foram utilizados os seguintes ingredientes nas suas respectivas propores:

    Rao em p Labina - 84,7% Gelatina em p incolor 3% Casena 0,58% leo 0,68% Amido 7,8% gua q.s.p.

  • 44

    A rao na forma de p foi fornecida pelo Biotrio da Faculdade de Farmcia da Universidade Federal de Minas Gerais. Inicialmente, foram homogeneizadas a rao em p, a casena e o amido. Em seguida, acrescentada gelatina em p incolor, dissolvida em gua destilada previamente aquecida. Por ltimo, foi acrescentada gua destilada (q.s.p.) temperatura ambiente. Todos os ingredientes foram homogeneizados at formao de massa uniforme, que foi subdividida em pequenos cilindros similares forma da rao tradicional. As raes foram secas em estufa a 45oC, por oito horas (Srie D, Nova tica, SP, BR). Aps secagem, a rao obtida foi pesada para clculo da quantidade diria a ser oferecida aos animais (QUIRINO et al., 2007). O clculo foi realizado da seguinte forma:

    Quantidade calculada de rao (g) ------------------ cilindro de rao de (x) g Quantidade obtida de rao (g) ------------------ cilindro rao de (y) g

    Sendo x a quantidade desejada (em gramas) para o cilindro e y o valor real do cilindro de rao a ser oferecido.

    As raes foram preparadas no Laboratrio Nutrio Experimental da Faculdade de Farmcia, sob coordenao do professor Tasso Moraes e Santos.

    4.2.1.2 Rao especialmente modificada

    O grupo da glutamina administrada por gavagem teve a rao preparada especialmente (rao convencional modificada), de forma que o contedo calrico e protico da rao fosse equivalente ao das demais raes. Isto se fez necessrio uma vez que a glutamina dada por gavagem representa fonte protica e a administrao da rao convencional Labina isoladamente no permitiria que as raes dos grupos fossem isocalricas e isoproticas entre si. Foram utilizados os seguintes ingredientes nas suas respectivas propores:

    Rao em p Labina 86,22% Gelatina em p incolor 3% leo 0,5% Amido 7,0% gua q.p.s.

    O preparo da rao para os animais do grupo que receberam glutamina por gavagem seguiu o protocolo descrito no item 4.2.1, porm, sem adio de casena.

  • 45

    4.2.1.3 Preparo da Glutamina

    A glutamina livre, administrada por gavagem, foi dissolvida em tampo HEPES na concentrao de 500mg/kg/dia. O tampo HEPES foi preparado utilizando-se concentrao de 10 mmoles/L de HEPES (N-2-hidroxietil piperazina), 145 mmoles de NaCl e 5mmoles de EDTA em gua destilada. O pH foi ajustado entre 7,4 e 7,6 com NaOH ou HCl conforme necessidade (OLIVEIRA, 2004).

    Aps o preparo da soluo de glutamina em tampo, a mesma foi submetida temperatura de banho maria (37C), por cinco minutos, para total solubilizao. Em seguida, foi administrada aos camundongos com o auxlio de agulha para gavagem.

    4.2.2 Composio em macronutrientes e calorias das raes preparadas

    As raes preparadas foram isocalricas e isoproticas entre si e foram calculadas tendo por base a composio de macronutrientes da rao Labina convencional. A composio final calculada foi de 51g/100g de carboidrato (204 kcal), 23g/100g de protena (92 kcal) e 4g/100g de lipdeo (36 kcal), totalizando 332 kcal/100g.

    4.3 Preparao da Bactria

    A bactria utilizada foi a Escherichia coli (ATCC-10536), no patognica, fornecida pelo Laboratrio de Controle de Qualidade Biolgico da Faculdade de Farmcia da Universidade Federal de Minas Gerais.

    De uma cultura-me de E. coli foi feito o repique em agar tripticasena (Merk). Aps 18 a 20 horas de crescimento a 37oC, a bactria foi transferida, com auxilio de ala de platina, para soluo salina esterilizada. A concentrao bacteriana foi ajustada espectrofotometricamente em 31% de transmitncia a 580nm (espectrofotmetro COLEMAN JUNIOR II) correspondente a 108 unidades formadoras de colnia por mL (UFC/mL) (DINIZ, 1998).

    4.3.1 Procedimento de Marcao da Bactria com 99mTecncio

    Alquotas de 2,0 mL da suspenso bacteriana descrita no item 4.3 foram incubadas a 37 C na concentrao de cloreto estanoso de 580 M (1,3 mg/mL), pH

  • 46

    7,0, por 10 minutos. Aps este perodo, 37,0 a 55,5 MBq de 99mtecncio foram adicionados a cada preparao e mantidos a 37 C por mais 10 minutos. Os tubos foram centrifugados a 3.000 rpm durante 25 minutos. Aps este perodo o sobrenadante foi retirado para a contagem da radioatividade. O precipitado foi novamente suspenso em 3,0 mL de soluo de salina esterilizada e procedeu-se a contagem da sua radioatividade. Este procedimento foi repetido por trs vezes (DINIZ, 1998). A porcentagem de 99mTc incorporado nas clulas bacterianas (% marcao) foi determinado do seguinte modo:

    MBq (precipitado) % marcao = ____________________________ X 100

    MBq (precipitado + sobrenadante) Aps o procedimento de marcao da bactria, os animais de todos os grupos receberam, por gavagem intragstrica, 0,1mL de soluo contendo 107/UFC de E. coli marcada com 99m Tecncio.

    4.3.2 Estabilidade de marcao da 99mTc-E. coli

    Com a finalidade de se investigar a estabilidade da ligao dos tomos de 99mTecncio com a bactria E.coli, utilizou-se a contagem da radioatividade presente na tireide dos animais, uma vez que o tecncio livre (99mTcO4-) na circulao rapidamente captado pela glndula da tireide. Para avaliao da estabilidade, comparam-se os valores da tireide com a radiao ambiental ou background (BKG).

    4.4 Tratamento dos Animais

    Os animais foram divididos em trs grupos.

    GRUPO SHAM: Sham operados + 3g de rao controle casena + Rao convencional Labina ad libidum.

    GRUPO OINT: Obstruo intestinal + 3g de rao controle casena + Rao convencional Labina ad libidum.

    GRUPO GLUT: Obstruo intestinal + glutamina administrada por gavagem (500 mg/kg/dia) + Rao preparada ad libidum.

  • 47

    Durante sete dias consecutivos, anteriores operao para induo da obstruo intestinal, os animais foram divididos nos grupos citados anteriormente e mantidos em gaiolas individuais no biotrio da Faculdade de Farmcia.

    Durante os dias de tratamento, os grupos sham e OINT receberam, no mesmo horrio, 3g da rao controle casena e aps o consumo desta, rao Labina ad libidum. Como esses animais tm maior consumo alimentar durante o perodo noturno, a rao controle casena foi oferecida entre as 17 e 18h de cada dia, representando 3/5 da quantidade total consumida pelo camundongo/dia. No dia seguinte pela manh, o camundongo foi observado at o consumo total da rao preparada e, s ento foi oferecida a rao convencional Labina, no perodo restante.

    O grupo GLUT recebeu, por gavagem, 0,3mL de soluo contendo 500mg/kg/dia de glutamina e rao especialmente modificada ad libidum durante sete dias . A gavagem e a rao foram oferecidas no mesmo horrio dos demais grupos (entre 17 e 18h) e a rao foi pesada 24 horas aps para avaliar o consumo/dia.

    Os camundongos foram pesados no incio e no fim do perodo de tratamento, enquanto que as raes foram pesadas diariamente. Estes procedimentos foram adotados a fim de se determinar o ganho de peso e o consumo/dia dos camundongos. Para determinao do coeficiente de eficincia alimentar, foi determinada a razo entre o ganho de peso e o consumo dia.

    4.5 Modelo experimental de obstruo intestinal

    No oitavo dia, decorridos 90 minutos da inoculao do material radiomarcado com 99mtecncio (bactria ou cido dietilenotriaminopentaactico - DTPA), os animais foram anestesiados intraperitonealmente com soluo de cloridrato de 2-(2,6-xilidino)-5,6-dihidro-4H-1,3-tiazina (Dopazen) e cloridrato de ketamina (Dopalen) nas concentraes de 8mg/Kg e 60mg/kg respectivamente. Foi realizada laparotomia mediana de aproximadamente 3 cm, com exposio do ceco. Em seguida, o leo terminal sofreu ligadura com n simples utilizando-se fio de nylon 5.0. Foi realizada posterior sutura da parede abdominal. Todos os grupos passaram pelo mesmo procedimento, exceto o grupo Sham, que sofreu apenas a laparotomia mediana, simulando uma operao, com posterior sutura da parede abdominal.

  • 48

    4.6 Estudo da translocao bacteriana Para estudo da translocao bacteriana, 21 animais foram divididos em trs

    grupos, como descrito no item 4.4. Cada grupo foi representado por sete animais. Aps o procedimento cirrgico supracitado, os animais foram mantidos em

    gaiolas por 18 horas com rao convencional Labina e gua ad libidum. Aps este perodo, os animais foram anestesiados e o sangue coletado por puno venosa axilar, com auxlio de uma pipeta de Pasteur, para a determinao da radiao. Aps este perodo, os animais foram sacrificados por deslocamento cervical e os ndulos linfticos mesentricos (NLM), fgado, bao, pulmes e tireide foram removidos e pesados para a determinao imediata da radioatividade em cintilador de poo (ANSR, Abbot, EUA).

    Para anlise dos dados, a contagem obtida em cpm foi dividida por grama do tecido avaliado e apresentada em cpm/g.

    4.7 Percentual de inibio da translocao

    Para avaliao da porcentagem de inibio da glutamina no processo de translocao bacteriana, fez-se a relao entre a mediana (cpm/g) do grupo GLUT e a mediana (cpm/g) do grupo OINT. Essa relao foi chamada de E/C e a partir dela foi calculada a porcentagem de inibio do nutriente em promover a translocao bacteriana, sendo a mesma representada por (1-E/C) x 100.

    4.8 Estudo da permeabilidade intestinal

    Para avaliao da permeabilidade intestinal, os animais foram divididos em trs grupos, como descrito no item 4.4. Cada grupo foi representado por 15 animais.

    Aps sete dias de tratamento, os animais receberam por gavagem 0,1mL de soluo de DTPA marcado com 18,5 MBq de 99mTc. O padro de dose, que corresponde a uma alquota de igual volume de 99mTc-DTPA oferecido aos animais foi utilizado para a determinao da radioatividade no mesmo tempo dos demais tubos.

    Decorridos 90 minutos, os camundongos foram anestesiados e submetidos operao de obstruo intestinal (como descrito no item 4.5), com exceo daqueles do grupo sham, que sofreram apenas laparotomia mediada.

  • 49

    Aps 4, 8 e 18 horas da promoo da obstruo, os animais foram novamente anestesiados para a retirada de 500L de sangue, a partir do plexo axilar, e foi submetido contagem da radioatividade.

    Os resultados obtidos foram comparados com o padro da dose e calculados em porcentual da dose de acordo com a seguinte frmula:

    % dose = [(CPM do sangue*100)/CPM do padro de dose].

    4.9 Anlise Estatstica

    Os dados paramtricos de ingesto alimentar e ganho de peso foram analisados por ANOVA fator nico seguido do teste de Tukey para comparao das mdias, enquanto que os resultados referentes translocao bacteriana foram analisados pelo teste no paramtrico de Kruskall-Wallis, seguido do post hoc de Dunn. Os dados referentes permeabilidade intestinal foram analisados pelo teste t para amostras independentes.

    Os testes foram realizados utilizando o programa para computador BioEstat verso 3.0 (Sociedade Civil Mamirau / MCT CNPq). As diferenas foram consideradas estatisticamente significativas para valores de p < 0,05.

  • 50

    5. RESULTADOS

    5.1 Avaliao da ingesto e ganho de peso

    O consumo mdio dirio das raes para os grupos SHAM, OINT e GLUT foi de 4,82 0,26; 4,84 0,35 e 3,86 0,25 gramas, respectivamente. A ingesto alimentar do grupo que recebeu glutamina na gavagem foi estatisticamente menor do que os demais grupos (p

  • 51

    0.0

    1.0

    2.0

    3.0

    4.0

    5.0

    6.0

    SHAM IO GLN

    Gan

    ho de

    pe

    so

    (g/

    7 di

    as)

    Figura 8.: Ganho de peso mdio (g/semana) dos animais dos grupos experimentais. n = 7. * NS. p < 0,05.

    5.2 Determinao do rendimento de marcao da bactria com o 99mtecncio (99mTC-E.coli)

    O rendimento mdio (%) de marcao da Escherichia coli com o 99mtecncio foi da ordem de 98,5 1,6 (n = 10).

    5.3 Estabilidade de marcao da 99mTc-E. coli

    Observa-se pela Tabela 1 que os valores de radioatividade (cpm) encontrados na tireide dos animais de todos os grupos investigados foram inferiores aos valores de radiao ambiental ou background (BKG)

    * *

  • 52

    Tabela 1.: Nveis de radioatividade presente na tireide

    GRUPOS Radioatividade da tireide cpm

    BKG cpm

    SHAM 42,3 537 OINT 79,9 726 GLUT 38,6 512

    Valores mdios (n = 7) cpm = Contagem por minuto BKG= radiao ambiental

    5.4 Validao do modelo experimental e o efeito da glutamina no processo de translocao bacteriana

    Observa-se (Tab. 2) aumento na captao de 99mTc-E.coli, para todos os rgos dos animais do grupo OINT, quando comparado com os animais do grupo SHAM. A glutamina na concentrao de 500mg/kg/dia reduziu os nveis de translocao bacteriana para todos os rgos investigados. Observa-se tambm que, estes nveis foram estatisticamente iguais aos valores encontrados para os animais do grupo Sham (Tab. 2).

    Tabela 2: Biodistribuio da 99mTc-E.coli (cpm/g) nos animais dos grupos SHAM, OINT e GLUT

    rgos/Sangue Sham (cpm/g) OINT (cpm/g) GLUT 500mg/kg/dia

    Sangue 66,0* 336,3 122.5* Fgado 362,50* 1602,2 746,2* Bao 60,0* 900,0 163,3*

    Pulmo 210,0* 627,7 144,4* NLM 100,0* 1250,0 287,5*

    Valores expressos em mediana (n=7). Cpm/g = contagens por minuto/grama. * NS p < 0,05.

  • 53

    5.5 Inibio da translocao bacteriana pela glutamina

    O percentual de inibio da translocao bacteriana observado para os animais que receberam a glutamina 500mg/kg/dia foi de 90,4; 85,4; 84,1; 71,7 e 69,6 para bao, linfonodo, sangue, pulmo e fgado, respectivamente (Figura 9). Esses valores foram obtidos quando os resultados dos animais dos grupos OINT e GLUT foram comparados.

    0.020.040.060.080.0

    100.0

    Sangue Fgado Bao Pulmo Linfonodo

    % in

    ibi

    o

    Figura 9: Porcentagem de inibio da translocao bacteriana exercida pela glutamina em relao ao grupo OINT. n = 7. Dados expressos em mediana. No houve diferena significativa entre os rgos (p 0,05).

    5.6 Validao do modelo experimental e o efeito da glutamina sobre a permeabilidade intestinal

    Observa-se pela figura 10 que os animais do grupo OINT apresentaram nveis (% dose) de 99mTc-DTPA, no sangue, estatisticamente maiores do que aqueles observados para os animais do grupo Sham, em todos os tempos investigados. Este resultado sugere aumento da permeabilidade intestinal nos animais do grupo OINT. Observa-se ainda que, no tempo de 18 h a permeabilidade intestinal dos animais do grupo OINT foi estatisticamente maior do que aquela observada para os tempos de 4 e 8 h. Por outro lado, no se observou diferena significativa na permeabilidade intestinal no grupo sham durante todo o perodo de investigao. Os animais tratados com glutamina (500mg/kg/dia) apresentaram reduo estatisticamente significativa da permeabilidade intestinal quando comparados com os animais do grupo OINT (Figura 10). Observa-se tambm que, a permeabilidade

  • 54

    intestinal dos animais dos grupos Sham e GLUT foi estatisticamente igual para todos os tempos investigados.

    0.0

    0.1

    0.1

    0.2

    0.2

    4 8 18Tempo (h)

    % do

    se

    SHAM OINT Glutamina

    Figura 10: Permeabilidade intestinal dos animais dos grupos SHAM, OINT e GLUT. Valores expressos em mdia (n=5). % dose= [(CPM do sangue*100)/CPM da dose administrada] (*) significa diferena estatstica entre os grupos avaliados (p

  • 55

    6. DISCUSSO

    A suplementao de glutamina em casos de aumento da demanda pelo nutriente, como no pr-operatrio (DING & LI., 2003; BELMONTE et al., 2007) e ps-operatrio (CONEJERO et al., 2002), conhecida como imunonutrio. Essa conduta teraputica visa manter ou restaurar o pool de glutamina intracelular e assim, facilitar o metabolismo fisiolgico e a funo imunolgica (OGUZ et al., 2007).

    A glutamina na forma livre muitas vezes no includa nas solues nutricionais devido sua instabilidade durante o calor de esterilizao e a estocagem (COSTER et al., 2003). No entanto, a preparao da glutamina para a utilizao por gavagem foi rpida, demandando pouco tempo entre a fase de preparao e a sua utilizao. Outro fator tambm a ser considerado foi a temperatura no preparo dessas formulaes. No caso especfico a preparao foi submetida a 37C por apenas cinco minutos. Desta forma, pode-se pensar que as condies ideais para a manuteno da integridade do produto foram asseguradas, o que ficou comprovado com o decorrer dos experimentos.

    A ingesto alimentar dos animais que receberam glutamina foi estatisticamente menor do que aquela observada para os demais grupos. Isto pode acontecer devido distenso gstrica que ocorre com a suplementao de aminocido, e que aumenta com o volume da administrao do mesmo, resultando em reduo da ingesto alimentar (SALVALAGGIO et al., 2002). O ganho de peso do grupo glutamina tambm foi menor do que o observado para os demais grupos. No entanto, estudos prvios em nosso laboratrio mostraram que a gavagem no altera a ingesto alimentar nem o ganho de peso em camundongos (dados ainda no publicados). OBEID et al (2005), avaliando o efeito da suplementao com glutamina mostraram que a mesma aumenta a sntese de glicognio em ratos, o que est associado com reduo do ganho de peso, embora a ingesto alimentar no tenha sido alterada significativamente. Os resultados obtidos para o coeficiente de eficincia alimentar mostraram reduo estatisticamente significativa deste valor para os animais que receberam a suplementao de glutamina (p < 0,05). Portanto, este dado corrobora para a reduo do ganho de peso e ingesto alimentar observados nos animais tratados com glutamina. No presente estudo, esses resultados no interferiram nos parmetros avaliados, mostrando, ainda assim, resultados benficos da glutamina na translocao bacteriana e permeabilidade intestinal.

    O presente estudo tem como diferencial a forma da administrao da E.coli no modelo de obstruo intestinal. Anteriormente, trabalhos realizados com ratos a

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    bactria foi inoculada diretamente no lmen intestinal dos animais aps obstruo intestinal (SALVALAGGIO et al., 2002; OLIVEIRA et al., 2006; QUIRINO et al., 2007). Neste trabalho, a bactria foi administrada por gavagem, 90 minutos antes da operao, de forma a alcanar o trato gastrointestinal baixo at o momento da obstruo. A administrao por gavagem apresenta como vantagem, em relao inoculao direta, a preservao da mucosa intestinal contra rupturas que, eventualmente, podem acontecer no momento da inoculao, uma vez que a mucosa intestinal do camundongo muito delgada e pode facilmente ser rompida. Experimentos realizados pelo nosso grupo mostraram que, em camundongos, a inoculao direta da bactria promoveu a ruptura da ala intestinal, inviabilizando a continuao dos estudos.

    Os resultados da biodistribuio da 99mTc-E.coli nos animais do grupo OINT mostraram aumento estatisticamente significativo na captao da 99mTc-E.coli pelo sangue e por todos os rgos investigados, quando comparado com os animais do grupo SHAM. Estes dados confirmam a eficcia do modelo de obstruo intestinal em promover a translocao da 99mTc-E.coli. Estudos anteriores, realizados pelo mesmo grupo de pesquisadores deste trabalho, mostraram que o modelo de obstruo intestinal, em ratos, promoveu a translocao bacteriana (OLIVEIRA et al., 2006; QUIRINO et al., 2007). Sabe-se tambm, pela literatura, que a obstruo, tanto mecnica quanto funcional, est associada a amplo espectro de complicaes sistmicas que so decorrentes do supercrescimento bacteriano, da translocao bacteriana e, conseqentemente, da ativao da resposta inflamatria (MADL & DRUML, 2003). O`BOYLE et al (1998), avaliando pacientes que passaram por laparotomia, mostraram que a translocao bacteriana um fenmeno presente na obstruo intestinal distal, apresentando prevalncia de 15%. SAMEL et al. (2002) atriburam obstruo intestinal e isquemia as condies clnicas mais comuns para o desenvolvimento da translocao bacteriana e sepse. Assim, os resultados obtidos, evidenciando a translocao bacteriana em modelo de obstruo intestinal esto em sintonia com trabalhos descritos na literatura.

    Por outro lado, tambm foi observado nvel reduzido de translocao da 99mTc-E.coli nos animais do grupo sham. Alguns pesquisadores tm relatado que a translocao de bactrias, em quantidades pequenas, um fenmeno fisiolgico e espontneo, de fundamental importncia como estmulo para o sistema reticuloendotelial, especialmente para as clulas de Kupffer no fgado (CHIN et al., 2007; BALZAN et al., 2007). Assim, pode-se considerar, como fisiolgico, o reduzido

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    nvel de translocao observado para os animais do grupo SHAM, uma vez que estes animais sofreram apenas uma simulao da operao.

    A glutamina, administrada por gavagem, foi capaz de reduzir estatisticamente os nveis de translocao da 99mTc-E.coli para o sangue e todos os rgos investigados, quando comparado com os animais do grupo OINT. SALVALAGGIO et al. (2002), em estudo experimental com ratos, mostraram que 1,5g/kg/dia de glutamina no impedi