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    Medicina, Ribeiro Preto, Simpsio: CIRURGIA DE URGNCIA E TRAUMA - 2 Parte2007; 40 (4): 518-30, out./dez. Captulo IV

    ABORDAGEM GERAL TRAUMA ABDOMINAL

    MANAGEMENT OF THE ABDOMINAL TRAUMA

    Gerson Alves Pereira Jnior1, Wilson Jos Lovato2, Jlia Batista de Carvalho3, Marcos Flvio Vieira Horta4

    1Mdico Assistente, Unidade de Emergncia (UE), Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto USP (HCFMRP-USP). Docente, Emergncias Mdicas e Habilidades Cirrgicas, Curso de Medicina da Universidade de Ribeiro Preto (UNAERP).2Mdico Assistente, UE - HCFMRP-USP. Docente. Semiologia Geral e do Adulto. Curso de Medicina UNAERP. 3Mdica residente deMedicina Intensiva UNAERP. 4Docente, Cirurgia Plstica, Curso de Medicina UNAERP.CORRESPONDNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Jnior. Rua Bernardino de Campos, 1000. Higienpolis. CEP 14030-150 Ribeiro Preto SPe-mail: [email protected]

    Pereira Jnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV. Abordagem geral trauma abdominal. Medicina (Ribei-ro Preto) 2007; 40 (4): 518-30, out./dez.

    RESUMO: O trauma abdominal freqentemente encontrado em situaes de emergncia. Afalta de histria adequada do mecanismo de trauma e a presena de leses que podem ter dorirradiada para o abdome ou a alterao do estado mental, devido a trauma cranioenceflico ouintoxicao por drogas depressoras do sistema nervoso central, podem dificultar o diagnsticoe o tratamento do trauma abdominal. Os pacientes que so vtimas de trauma, freqentemente,tm leses intra e extra-abdominais associadas.

    Este artigo de reviso ir discutir a abordagem geral do atendimento dos pacientes comtraumas abdominais contusos e penetrantes, incluindo as opes de testes diagnsticos e asconsideraes acerca do tratamento inicial.

    Descritores: Traumatismos Abdominais. Ferimentos Penetrantes. Ferimentos no Pene-trantes. Avaliao. Tratamento.

    1- INTRODUO

    O traumatismo abdominal responsvel por umnmero expressivo de mortes evitveis. A cavidadeintraperitoneal, juntamente com a cavidade torcica,o espao retroperitoneal (sobretudo na presena defraturas de bacia) e as fraturas de ossos longos, soos locais do organismo que comportam sangramentoscapazes de levar morte por choque hemorrgico1.

    O mecanismo de trauma, a localizao da le-so e o estado hemodinmico do paciente determi-nam o momento da avaliao do abdome1.

    Boa parte dos quadros de hemoperitnio de-correntes de uma leso visceral abdominal so oligos-sintomticos1. Alm disso, os sintomas abdominaisrelacionados ao traumatismo, muitas vezes, so obs-curecidos por leses associadas com dor referida ou,

    por alteraes do nvel de conscincia, principalmen-te, decorrentes do trauma craniano, o que dificulta asua avaliao. Portanto, uma avaliao rigorosa doabdome e uma correta orientao iro reduzir os er-ros na interpretao e os impactos desfavorveis naevoluo do paciente1,2.

    2- HISTRIA E MECANISMO DE TRAUMAAs informaes colhidas da vtima, quando pos-

    svel, ou dos socorristas que efetuaram operao deresgate so valiosas. As noes da biomecnica dotrauma, o estado inicial da vtima no local de atendi-mento, diagnsticos realizados, a resposta infusode fluidos no incio e o tempo decorrido desde o trau-ma iro auxiliar na suspeita de leso abdominal2.

    Nos casos de colises automobilsticas, as se-

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    guintes informaes so fundamentais para se anteci-par o padro de leses:1- o tipo de coliso (frontal, lateral, traseira, angular

    e capotamento);2- localizao e intensidade da deformao externa

    do veculo;3- presena de vtimas ejetadas;4- morte de um dos ocupantes do veculo;5- uso de dispositivos de segurana veicular (cinto de

    segurana, air-bag);6- grau de deformao do espao interno do veculo

    ocupado pelas vtimas; e7- o posicionamento das mesmas dentro do veculo1,2.

    Nas colises motociclsticas so importantes asinformaes sobre o uso e tipo de capacete pela vti-ma, a superfcie onde ocorreu o trauma e outros even-tos relacionados ao trauma, como a ejeo e atropela-mento subseqente1,2.

    No caso de quedas, as informaes sobre a al-tura envolvida, superfcie onde ocorreu, possveis an-teparos de trauma antes de atingir o solo e a parte docorpo que primeiramente sofreu o impacto so funda-mentais1,2.

    Nos ferimentos penetrantes por arma branca,o sexo do agressor, nmero de leses, o lado e posi-o do corpo atingido e o tipo de arma (tamanho edimetro) so de extrema valia na avaliao inicial.Nos ferimentos penetrantes por arma de fogo, o tipode arma, calibre, distncia de disparo, nmero de le-ses, locais do corpo atingidos e o exame dos orifciosde entrada e/ou sada dos projteis auxiliam na indivi-dualizao das decises1,2.

    2.1- Trauma contusoNo trauma contuso de abdome, as vsceras so

    submetidas a movimentos de acelerao, desacele-rao, compresso e cisalhamento nas diversas dire-es. As vsceras parenquimatosas, tanto pelo seutamanho, como pelo peso so, particularmente, sus-ceptveis s laceraes, cisalhamentos de pedculosvasculares, esmagamentos e roturas no local de tran-sio e fixao anatmica. O bao o rgo lesadoem cerca de 40 a 55% das laparotomias por traumacontuso e o fgado em 35 a 45%. Menos freqente-mente, as vsceras ocas podem ser lesadas no traumacontuso1,2.

    2.2- Trauma penetranteOs agentes penetrantes propiciam leses de

    forma direta, em funo de sua trajetria e das estru-turas que atravessam. A trajetria limitada aos r-

    gos anatomicamente adjacentes leso nos ferimen-tos por arma branca, enquanto que os ferimentos porprojteis de arma de fogo podem apresentar traje-trias diversas, alm de provocarem leses teciduaispela fora de cavitao1,2.

    Os ferimentos por arma branca acometem maisfreqentemente o fgado (40%), intestino delgado(30%), diafragma (20%) e clon (15%). Os ferimen-tos por arma de fogo causam mais danos intra-abdo-minais devido extenso da sua trajetria e a maiorenergia cintica dissipada, tendo como principais se-des de leso, o intestino delgado (50%), clon (40%),fgado (30%) e estruturas vasculares abdominais(25%)3,4.

    Os ferimentos de dorso, perneo, ndegas e t-rax podem comprometer estruturas abdominais. As-sim, todos os ferimentos que comprometem essas re-gies devem ser considerados abdominais, at provaem contrrio3,4.

    Os ferimentos do trax inferior podem acome-ter a regio de transio traco-abdominal, que podeser limitada superiormente por uma linha que passapelo 4 espao intercostal, anteriormente (linha inter-mamilar), e pelo 7 espao intercostal, posteriormente(ponta das escpulas) e seu limite inferior dado pelorebordo costal. Nessa regio, o diafragma executa seusmovimentos, o que explica o possvel comprometimen-to torcico e abdominal dos ferimentos desse segmentodo tronco1.

    A possibilidade de leso varia de acordo com otipo de agente penetrante. Nos ferimentos por armabranca da parede anterior do abdome, a incidncia deleso de 30 a 40%. Nos ferimentos do flanco e daregio lombar, o percentual de leses ainda menor,atingindo 18 a 23%. Assim, nos ferimentos abdomi-nais penetrantes por arma branca, justifica-se a ado-o de conduta seletiva para evitar laparotomias des-necessrias2.

    Os ferimentos abdominais por arma de fogo com-portam uma taxa de leso interna de at 97%, sendo opoder destruitivo maior nos ferimentos por armas mili-tares do que por armas civis. Deste modo, salvo emraras excees, a laparotomia exploradora manda-tria neste tipo de mecanismo de trauma, para o con-trole de sangramentos e contaminao intestinal4.

    3- SINAIS E SINTOMAS

    Todo paciente traumatizado deve ser atendidoseguindo-se a sistematizao do exame primrio doAdvanced Trauma Life Support (ATLS)1.

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    Na avaliao do paciente com suspeita de trau-ma abdominal, todos os esforos concentram-se emse fazer o diagnstico da presena de leso abdomi-nal, sendo de menor importncia o diagnstico topo-grfico especfico da leso1.

    O quadro clnico mais freqente a presenade choque hemorrgico sem causa aparente1. Deve-mos excluir outras causas de choque hemorrgico notrax, retroperitnio/bacia e ossos longos. Tambmdeve-se excluir causas de choque no hemorrgico1.

    Na investigao do paciente com suspeita detrauma abdominal, os sinais no exame fsico podemno ser aparentes na admisso. Cerca de 40% dospacientes com hemoperitnio de considervel volumepodem no apresentar manifestaes clnicas na ava-liao inicial4,5.

    O uso de drogas opiides deve ser evitado empacientes com hipovolemia, trauma cranienceflico outrauma abdominal, pois podem agravar a hipotenso,levar a depresso respiratria e impedir a valorizaoclnica dos achados4,5.

    O abdome deve ser completamente inspecio-nado nas suas faces anterior e posterior como tam-bm as ndegas e a regio perineal. A presena deescoriaes, contuses, hematomas localizados e fe-rimentos abertos so sugestivos de trauma e devemser bem caracterizados4,5.

    A ausculta do abdome permite confirmar apresena ou ausncia de rudos hidroareos. A pre-sena de sangue ou contedo gastrintestinal pode pro-duzir leo, resultando em diminuio dos rudos hidro-areos4,5.

    A percusso do abdome pode demonstrar somtimpnico devido dilatao gstrica no quadrantesuperior esquerdo ou macicez difusa quando hemope-ritnio est presente4,5.

    A rigidez abdominal voluntria pode tornar oexame fsico abdominal no confivel. De maneiracontrria, a rigidez involuntria da musculatura abdo-minal um sinal confivel de irritao peritoneal. Ador descompresso brusca, geralmente, indica umaperitonite estabelecida pelo extravasamento de san-gue ou contedo gastrintestinal. A presena de umtero gravdico e a determinao da sua altura podemestimar a idade fetal4,5.

    Os sinais de irritao peritoneal podem indicara necessidade de cirurgia, porm na presena de es-tabilidade hemodinmica, particularmente, em traumascontusos, podemos realizar a tomografia computado-rizada de abdome para estadiamento anatmico das

    leses com a possibilidade de tratamento no opera-trio de traumas de vsceras parenquimatosas6.

    A compresso manual das cristas ilacasnterosuperior pode mostrar movimento anormal oudor ssea que sugere a presena de fratura plvicaem pacientes com trauma contuso do tronco1.

    O toque retal deve ser parte obrigatria do exa-me fsico do paciente politraumatizado, dando infor-maes como a presena de sangue na luz retal, frag-mentos de ossos plvicos que penetram o reto, a cre-pitao da parede posterior do reto (retropneumoperi-tneo), a atonia esfincteriana (leso medular) e a po-sio alta da prstata (leso uretral). Nos pacientescom ferimento abdominal penetrante por arma bran-ca ou de fogo, a identificao da presena de sangueno toque retal mostra que houve perfurao intestinal,cujo tratamento cirrgico, sem a necessidade deoutras investigaes especifcas1.

    Da mesma forma, o exame vaginal na mulherpode caracterizar sinais de violncia sexual, sangra-mentos e a presena de espculas sseas decorrentesde fraturas plvicas1.

    O exame do perneo e do pnis pode demons-trar uretrorragia e hematoma de bolsa escrotal, suge-rindo fortemente a presena de leso uretral, o quecontra-indica a sondagem vesical1.

    Os ferimentos penetrantes da regio gltea as-sociam-se com uma incidncia maior de 50% de le-so abdominal significante7.

    O exame fsico abdominal importante, masno confivel. importante ressaltar que o encon-tro de algum achado positivo no exame fsico do ab-dome deve sugerir a presena de uma leso interna,porm sua ausncia no afasta a possibilidade de le-so. Assim, o seguimento clnico apropriado e a utili-zao de exames complementares, particularmente,os de imagem, so fundamentais5,6.

    Em algumas situaes clnicas relacionadas, oabdome no pode ser avaliado adequadamente peloexame fsico ou os achados no so confiveis1,5,6:1- alterao do nvel de conscincia por traumatismo

    cranioenceflico, etilismo agudo ou abuso de dro-gas depressoras do sistema nervoso central;

    2- pacientes com leses da coluna cervical;3- fratura costal baixa ou plvica que podem confun-

    dir o exame fsico abdominal, devido dor irradia-da ou referida; e

    4- anestesia para a realizao de procedimentos ci-rrgicos extra-abdominais.

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    4- MEDIDAS AUXILIARES DO EXAME AB-DOMINAL

    4.1- Sonda nasogstricaO emprego da sonda gstrica visa a descom-

    primir o estmago, diminuindo o risco de aspirao.Pode, entretanto, detectar a presena de sangue le-vantando a suspeita de leso no trato digestivo superi-or, uma vez afastado o sangramento deglutido das fra-turas nasomaxilofaciais. As contra-indicaes para ainstalao da sonda nasogstrica so as fraturas daface mdia e a suspeita da fratura da base do crnio1.Nestes casos, deve-se utilizar a via orogstrica1.

    4.2- Sonda vesicalA sondagem vesical permite o controle do dbito

    urinrio, que pode ser utilizado para se avaliar a respostaclnica reposio volmica. A cateterizao vesicaltambm importante para se avaliar o aspecto da uri-na. A presena de hematria macroscpica indica apossibilidade de leso do trato urinrio alto ou baixo1.

    O emprego da sonda vesical est contra-indi-cado quando existem sinais sugestivos de leso uretralque so: uretrorragia, o hematoma de bolsa escrotalou de perneo e a prstata em posio elevada no to-que retal em pacientes do sexo masculino. Diante des-ses achados, uma uretrocistografia injetora deve serrealizada antes da tentativa de passagem da sondavesical. Caso no seja detectada leso na uretra, pode-se passar a sonda vesical1.

    5- DIAGNSTICOO avano na tecnologia dos exames de ima-

    gem e a difuso destes exames pelos servios de aten-dimento mdico de emergncia permitiram o diagns-tico mais rpido e preciso das leses abdominais, di-minuindo o risco de leses desapercebidas8.

    5.1- Traumas contusosOs pacientes com instabilidade hemodinmica

    e sinais bvios de trauma abdominal devem ser sub-metidos explorao cirrgica imediata1.

    Os pacientes conscientes, com mecanismo detrauma pouco sugestivo e sem achados suspeitos detrauma abdominal no exame fsico, no necessitamser investigados. Caso no haja outras suspeitas, po-dem receber alta hospitalar ou ser mantidos em ob-servao clnica com exames clnicos repetidos. To-das as informaes devem ser anotadas no pronturiomdico e comparadas com as avaliaes anteriores,

    de preferncia, realizadas pelo mesmo mdico, poisas alteraes observadas no exame fsico podem de-terminar uma investigao diagnstica especfica ouat a indicao cirrgica1,4.

    Em todos os pacientes com rebaixamento donvel de conscincia, com sinais positivos no examefsico ou com mecanismo de trauma que levem a sus-peita de trauma abdominal devem ser submetidos investigao diagnstica para a confirmao ou ex-cluso de leses abdominais. A investigao diagns-tica a ser realizada vai depender do estado hemodin-mico aps a reposio de fluidos e podemos ter duassituaes clnicas:1- nos pacientes que mantm instabilidade hemodin-

    mica mesmo aps agressiva reposio de fluidos, olavado peritoneal diagnstico ou o ultra-som de ab-dome devem ser utilizados, pois so exames muitosensveis, para detectarem a presena de sangue9;

    2- nos pacientes que mantm a estabilidade hemodi-nmica aps a reposio de fluidos, o exame deescolha a tomografia computadorizada de abdo-me, pois sua alta especificidade permite o adequa-do estadiamento anatmico das as leses abdomi-nais, o que pode possibilitar o tratamento no ope-ratrio das leses de vsceras parenquimatosas8.

    5.2- Traumas penetrantesOs pacientes com instabilidade hemodinmica

    e sinais bvios de trauma abdominal, tais como aeviscerao com exposio de alas intestinais ouepplon e a peritonite generalizada devem ser subme-tidos explorao cirrgica imediata1.

    A abordagem diagnstica e de tratamento dotrauma penetrante est lentamente mudando de umaindicao de explorao cirrgica imediata para umaconduta conservadora em casos selecionados, parti-cularmente, nos ferimentos por arma branca. Esta al-terao da conduta tem sido possvel graas a umamaior acurcia do diagnstico clnico, laboratorial e,particularmente, radiolgico na avaliao e estadia-mento de cada caso10.

    A utilizao do exame fsico isoladamente oujunto com diferentes mtodos diagnsticos tm per-mitido a reduo das laparotomias no teraputicas ea eliminao das laparotomias negativas10.

    5.2.1- Ferimentos por arma branca da parede an-terior do abdome

    A maior parte destes pacientes apresentam es-tabilidade hemodinmica e queixam-se apenas de dorno local do ferimento. Nestes casos, est indicada a

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    explorao local do ferimento. realizada aps antis-sepsia e anestesia local, podendo-se necessitar ou node ampliao do ferimento com bisturi. Tal procedi-mento realizado na sala de trauma e o objetivo saber se houve ou no a violao da cavidade perito-neal (Figura 1). Em caso de dvida, o paciente podeser mantido em observao clnica com exames fsi-cos repetidos, realizao do lavado peritoneal diag-nstico ou submetido laparotomia exploradora3,11.

    Dependendo do tipo de arma branca, como es-tiletes, por exemplo, pode ser mais difcil reconhecero trajeto e a violao peritoneal e, nestes casos, a la-parotomia exploradora a melhor opo11.

    Os pacientes obesos ou pouco colaborativospodem ser submetidos a anestesia geral para a reali-zao de laparoscopia. Se houver penetrao fascialna explorao local do ferimento ou penetrao peri-toneal na laparoscopia, est indicada a laparotomiaexploradora12.

    Esta conduta seletiva do ferimento abdominalpor arma branca tem permitido a reduo do nmerode laparotomias negativas ou no teraputicas12.

    5.2.2- Ferimentos por arma branca dos flancosou do dorso

    Devido espessa musculatura nesta regio, aexplorao digital torna-se ineficiente e os estudoscontrastados do trajeto dos ferimentos (trajetografia)mostraram-se desanimadores e inconsistentes. Assim,a melhor opo para os pacientes com suspeita deleso abdominal nestes casos a realizao de tomo-grafia computadorizada do abdome com triplo con-traste (via oral, endovenosa e por enema retal). Estetipo de tomografia computadorizada um exame tra-balhoso e deve ter a completa contrastao do clon,tendo acurcia comparvel ao exame fsico seriado,porm permite o diagnstico mais precoce da leso13,14.

    Um achado positivo na tomografia ocorre quan-do h evidncia de violao peritoneal ou leso deestruturas retroperitoneais como o clon, vasos cali-brosos e o trato urinrio14.

    Os pacientes com achado positivo na tomogra-fia, exceto aqueles com leses isoladas do fgado oulquido livre intraperitoneal, devem ser submetidos laparotomia exploradora14.

    5.2.3- Ferimentos por arma de fogoA grande maioria dos pacientes com ferimen-

    tos por arma de fogo no abdome requer laparotomiaimediata para controle do sangramento e da contami-nao intestinal4,15.

    O tratamento no operatrio de pacientes comferimentos por arma de fogo est ganhando aceitaonum subgrupo de pacientes altamente selecionados queapresentam estabilidade hemodinmica e sem sinaisde peritonite15.

    Embora o exame fsico permanea essencial naavaliao destes pacientes, outras tcnicas diagnsti-cas, tais como a tomografia computadorizada, lavadoperitoneal diagnstico e a laparoscopia permitemacurada determinao de leses intra-abdominais15.

    A habilidade de excluir a presena de leses dergos internos que necessitem de tratamento cirrgi-co evita as complicaes potenciais das laparotomiasdesnecessrias15.

    5.2.4- Ferimentos penetrantes da transiotoracoabdominal

    Em pacientes assintomticos, as opes diag-nsticas so o exame fsico seriado, radiografia sim-ples seriada de trax, toracoscopia, laparoscopia outomografia computadorizada (para ferimentos toraco-abdominais do lado direito). Mesmo com todas estasopes diagnsticas, as hrnias diafragmticas ps-

    Figura 1. Explorao digital de ferimento por arma branca naparede abdominal anterior

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    traumticas do lado esquerdo continuam a ocorrer empacientes com ferimentos toracoabdominais por armabranca. Em casos de ferimentos toracoabdominais dolado esquerdo por arma de fogo, a conduta mais segu-ra a laparotomia.16,17

    6- EXAMES COMPLEMENTARES

    6.1- Exames laboratoriais

    Alm da tipagem sangnea e das provas cru-zadas, amostras de sangue podem ser utilizadas paramedidas de hematcrito/hemoglobina, leucometria,amilasemia, a dosagem de lcool ou outras drogas etestes de gravidez nas mulheres traumatizadas em ida-de frtil1.

    Os valores iniciais de hematcrito e hemoglobi-na no refletem a quantidade de sangramento intra-abdominal. Necessitam-se vrias horas para que ocor-ra hemodiluio e para que haja reflexo nos valoresdo hematcrito. Assim, seu valor inicial pode servircomo base de comparao1.

    Exames laboratoriais seriados, caracterizandomudanas como a queda da hematimetria, o apareci-mento de leucocitose e o aumento da amilase podemser indcios de leso abdominal oculta.

    O exame de urina pode, eventualmente, au-xiliar na constatao da presena de micro-hematria,sugerindo a presena de leso no sistema urinrio empacientes que estejam hemodinamicamente instveisna admisso.

    6.2- Exames radiolgicos

    6.2.1- Radiografias simplesA radiografia simples de abdome de pouca

    contribuio diagnstica no trauma abdominal.No trauma contuso de abdome, somente quan-

    do se deseja identificar a presena de ar livre na cavi-dade peritoneal (pneumoperitneo Figura 2) e a in-tegridade das cpulas diafragmticas, a radiografia sim-ples de torax com cpulas poder caracterizar umaprovvel rotura de vscera oca ou hrnia diafragmti-ca. Se o paciente no puder ficar sentado ou de ppara a realizao da radiografia devido dor ou sus-peita de fratura vertebral, a radiografia de abdome deveser realizada com o paciente em decbito lateral es-querdo8.

    A radiografia simples do abdome, em posioortosttica e supina, pode identificar a presena de ar

    Figura 2. Presena de pneumoperitnio em radiografia simples detrax com cpulas.

    retroperitoneal (retropneumoperitnio), geralmente,pela melhor definio dos rins ou da sombra do ms-culo psoas. A presena de apagamento da sombra domsculo psoas sugere leso retroperitoneal com he-matoma. Outros sinais como velamentos ou distensesgasosas so inespecficos. No entanto, o achado defraturas das costelas inferiores, da coluna lombar, dosprocessos transversos de vtebras lombares e da pelvepode sugerir a concomitncia de leses dos rgosadjacentes, principalmente, bao, fgado e dos rins8.

    Nos casos de trauma abdominal penetrante porarma de fogo, os pacientes que esto instveis hemo-dinamicamente devem ser levados imediatamente paraexplorao cirrgica. Se o estado hemodinmico esti-ver normal, os orifcios de entrada e sada devem sermarcados com clips ou qualquer outro materialradiopaco para se ter uma idia da trajetria presumi-da8 (Figura 3).

    Outra utilidade da radiografia simples de abdo-me para detectar a presena de corpos estranhosradiopacos.

    A radiografia simples da pelve faz parte da in-vestigao radiolgica de rotina do paciente politrau-

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    matizado, particularmente naqueles pacientes cujoexame clnico pouco confivel, como nos pacientescom escore de coma de Glasgow menor que 12 oucom falta de resposta ao estmulo doloroso. Nos de-mais pacientes, com exame clnico confivel, pode noser necessria a sua utilizao1.

    6.2.2- Radiografias contrastadasOs estudos radiolgicos contrastados podero

    ser empregados em pacientes que apresentam estabi-lidade hemodinmica, cuja indicao traga uma realcontribuio diagnstica.

    A uretrocistografia injetora (Figura 4) estindicada nos casos de suspeita de leso uretral (ure-trorragia, hematoma de perneo e prstata em posioelevada ou no palpvel no toque retal), antes da in-troduo de sonda vesical8.

    Em pacientes com sonda vesical e com suspei-ta de leso de bexiga, a cistografia, conseguida pelarepleo vesical com 250 a 300 ml de contrastehidrossolvel, seguida de trs incidncias (ntero-pos-terior, perfil e aps esvaziamento vesical), especial-mente utilizada nos pacientes com traumas plvicosapresentando hematria macroscpica8.

    A urografia excretora pode ser utilizada emcasos com suspeita de trauma renal, porm a tomo-grafia computadorizada permite melhor caracteriza-o do tipo e extenso das leses, bem como a pre-sena de leses associadas.

    A seriografia de esfago, estmago eduodeno e o enema baritado do clon somenos freqentemente realizados em casosparticulares de suspeita de leses de duode-no e clon retroperitonial, que no apresen-tam manifestaes clnicas precoces8.

    6.2.3- Ultrassonografia abdominalA maioria dos estudos de ultrassono-

    grafia abdominal em pacientespolitraumatizados recomenda a sua utiliza-o como exame diagnstico inicial, teste descreening (Focused Assessment forSonography in Trauma - FAST) ou estudoadjuvante complementar tomografia com-putadorizada ou ao lavado peritoneal diag-nstico, devendo ser realizado na prpria salade admisso por mdico capacitado18,19.

    O objetivo do exame a deteco equantificao do hemoperitnio para identi-ficar os pacientes com leso e no o diag-nstico do rgo lesado. Sua sensibilidade

    est entre 80 e 99% na deteco de hemorragia intra-abdominal18,19.

    Figura 3. Presena de clips metlicos indicando os orifcios de entrada e sadado projtil de arma de fogo em radiografia simples de pelve para definir atrajetria.

    Figura 4. Uretrocistografia injetora mostrando leso de uretra eruptura intraperitoneal de bexiga.

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    Na sistematizao da ul-trassonografia abdominal (FAST)para trauma so examinadas qua-tro regies procura de lquido li-vre: saco pericrdio, fossa hepa-torrenal (Espao de Morrison),fossa esplenorenal e a pelve. Apso exame inicial, o mesmo pode serrepetido para detectar hemoperi-tnio progressivo18,19.

    A ultrassonografia temsubstitudo o lavado peritoneal di-agnstico em funo das suas van-tagens18: de fcil utilizao,pode ser porttil, de rpida exe-cuo, pode ser repetido, e notem risco dos efeitos da radiao19(Figura 5).

    Alguns fatores comprome-tem a utilizao da ultrassonogra-fia abdominal tais como a obesi-dade, a presena de enfisema sub-cutneo, presena de distenso abdominal por gasese cirurgias abdominais prvias19.

    6.2.4- Tomografia computadorizadaA tomografia computadorizada no deve ser

    realizada em pacientes hemodinamicamente instveise naqueles com sinais bvios de peritonite que requeremexplorao cirrgica imediata. Requer o transporte dopaciente para o setor de radiologia e devem-se tomartodos os cuidados neste transporte e na monitorizaodo paciente durante a realizao do exame8,20.

    Contrastes hidrossolveis administrados por viaoral e venosa proporcionam melhores resultados nainterpretao das imagens e, portanto, devem ser uti-lizados. O contraste oral permite avaliar o tratogastrintestinal superior e o uso endovenoso permiteavaliar a integridade do rgo e avaliar o fluxo vascu-lar. Os cortes tomogrficos de 1 a 2 centmetros de-vem abranger o trax inferior e toda a pelve. Em trau-mas penetrantes do dorso e flanco, a utilizao adicio-nal do contraste por enema, melhora a sensibilidadepara leses retroperitoneais do clon8.

    A tomografia computadorizada no apresentauma boa sensibilidade e especificidade nas lesesgastrointestinais, diafragmticas e pancreticas. Naausncia de leses heptica e esplnica, a presenade lquido livre na cavidade peritoneal sugere uma le-so do trato gastrointestinal e/ou de seu mesentrio8,20.

    Assim, os pacientes com trauma abdominal con-tuso que apresentam lquido livre isolado na tomogra-fia computadorizada e sem leses de vsceras paren-quimatosas no precisam necessariamente serem sub-metidos laparotomia exploradora. Os pacientes aler-tas podem ser seguidos com exames fsicos repetidose aqueles com alterao do nvel de conscincia de-vem ser submetidos ao lavado peritoneal diagnstico21.

    Na tentativa de padronizar o conhecimento parafacilitar a pesquisa clnica, a American Associationfor the Surgery of Trauma props a classificao daOrgan Injury Scaling (OIS). Tal classificao uti-lizada para o estadiamento das leses abdominais pormeio da realizao dos exames radiolgicos ou peloachado intra-operatrio22.

    A grande vantagem da tomografia computado-rizada de abdome permitir o estadiamento anatmicodas leses dos diferentes rgos abdominais. As le-ses de grau 1 a 3 so consideradas minor e as lesesde grau 4 e 5 so classificadas como major. Esta gra-duao das leses auxilia o cirurgio na tomada dedeciso em relao indicao cirrgica22.

    6.3- Lavado peritoneal diagnstico (LPD)O lavado peritoneal muito sensvel para a

    deteco de hemorragia (98%), rpido e simples deser realizado e no requer equipamento sofisticado1.Entretanto, o lavado peritoneal no diferencia entre

    Figura 5. Exame de ultrassom (FAST) realizado beira do leito na sala de trauma.

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    sangramento de pequenas leses daqueles significan-tes, resultando em laparotomias desnecessrias em 6a 25% dos casos. Tambm no mostra a localizaoou extenso das leses, nem mostra leses do retro-peritnio e, assim, no tem sensibilidade para as le-ses traumticas do pncreas, rins e poro retroperi-toneal do duodeno. Em ferimentos por arma de fogono confivel, tendo altos valores de falso negativo9.

    Assim, o lavado peritoneal diagnstico est in-dicado nos pacientes politraumatizados que apresen-tam1,9: exame fsico abdominal de interpretao duvidosa,

    por apresentar dor abdominal que pode ser atribu-da s fraturas de costelas inferiores, fratura plvicaou lombar,

    exame fsico abdominal no confivel, como nospacientes com alterao da conscincia devido aotrauma de crnio e/ou intoxicao por droga de-pressora do sistema nervoso central ou, por traumaraquimedular,

    impossibilidade de seguimento clnico do abdome empacientes anestesiados para cirurgias em outrosseguimentos corpreos extra-abdominais ou subme-tidos a exames complementares prolongados.

    Por se tratar de procedimento cirrgico, noinsento de risco, o LPD deve ser feito, preferencial-mente, por um cirurgio. Como o mtodo altera o exa-me fsico subsequente do abdome, o cirurgio que irtratar, receber e conduzir o doente, o profissionalmais indicado para realizar o procedimento. Tal pro-cedimento no deve ser realizado num servio de sadesem possibilidade de oferecer o tratamento definitivoao paciente traumatizado1.

    A nica contra-indicao absoluta do LPD alaparotomia exploradora j indicada. As demais con-tra-indicaes so todas relativas: obesidade mrbita,gravidez, cirurgias abdominais prvias, coagulopatiapr-existente e a cirrose avanada. Pode ser feito portcnica de Seldinger e pela tcnica aberta, que maissegura e rpida9. A tcnica aberta apresentada naTabela I.

    Os critrios de positividade do LPD so:1- sada de mais de 10 ml de sangue na aspirao

    inicial aps abertura do peritnio;2- sada de sangue drenagem do lquido infundido;3- mais de 100.000 hemcias por campo ou 500

    leuccitos no exame do lquido de retorno; e4- sada de restos alimentares, bile e material fecal.

    Quando se utiliza o LPD em ferimentos penetran-tes por arma branca da regio toracoabdominal,

    Tabela I: Tcnica do lavado peritoneal diagnstico1. Passagem de sonda gstrica e vesical.2. Assepsia e antisepsia.3. Anestesia local com xilocana.4. Inciso longitudinal de 2 cm inferior cicatriz

    umbilical. Se houver suspeita de fratura debacia, a inciso deve ser supraumbilical e, nagestante, a inciso deve ser realizada acima dofundo do tero.

    5. Disseco at o encontro da aponeurose.Hemostasia rigorosa.

    6. Inciso da aponeurose longitudinalmente nalinha mdia.

    7. Disseco com pina hemosttica - tipo Kellyat o encontro do peritnio. Hemostasia rigo-rosa.

    8. Pinamento do peritnio com Kelly. Realizaode sutura em bolsa no peritnio.

    9. Abertura do peritnio e introduo de cateterde dilise peritoneal na cavidade abdominal di-rigido para baixo e para a esquerda.

    10. Tentativa de aspirao de sangue com seringaconectada ao cateter. Se aspirar mais de 10 mlde sangue, considera-se o exame positivo e estindicada a lapatoromia exploradora.

    11. Se no houve a aspirao de sangue, infundir1000 ml de soro fisiolgico aquecido no adultoou 10 ml por quilo na criana.

    12. Drenagem do lquido infundido, por mecanis-mo de sifonagem, no prprio frasco de soro(Importante: no furar o frasco de soro a serinfundido com agulha).

    13. Enviar material ao laboratrio para anlise(Quando necessrio).

    pelo risco de leso diafragmtica, considera-se po-sitivo qualquer valor acima de 5.000 hemcias/mm3.

    O aumento de glbulos brancos ocorre em res-posta inflamatria do peritnio a material estranho, es-pecialmente em ferimentos de vsceras ocas, porm necessrio um lapso de 3 a 5 horas para que este va-lor tenha utilidade, pois antes desse perodo a sua sen-sibilidade baixa1,9.

    Caso o exame seja negativo, retira-se o catetere sutura-se a aponeurose e a pele. Caso o exame sejapositivo, apenas retira-se o cateter, faz-se um curati-vo e encaminha o paciente ao centro cirrgico.

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    Devemos lembrar que durante a realizao doLPD, pequenas quantidades de ar penetram na cavi-dade peritoneal e isto pode ser interpretado como umresultado falso positivo de perfurao de vscera ocanuma radiografia simples subseqente. Por outro lado,a recuperao incompleta do lquido infundido poderesultar em falsa interpretao de hemoperitnio numatomografia computadorizada ou ultrassom realizadoposteriormente9.

    6.4- LaparoscopiaSua utilizao no diagnstico do trauma abdo-

    minal permanece limitada por vrias razes:1- necessidade de equipamento especial e pessoal trei-

    nado;2- necessidade de sala cirrgica e anestesia geral;3- risco de embolia gasosa e pneumotrax hipertensivo

    pelo pneumoperitnio;4- no pode ser realizada em pacientes instveis; e5- pelo alto custo17,23.

    Algumas destas limitaes esto diminuindocom a maior familiaridade com a tcnica e com a ex-perincia acumulada. Por exemplo: sua sensibilidadepode ser comparada LPD e ao ultrassom, segurae rpida, especfica e pode ser realizada em salas deemergncia, com anestesia local, com pouco incmo-do ao paciente23.

    O papel da laparoscopia no trauma permanececontroverso. Os estudos mais recentes mostram quea laparoscopia tem mais valor no trauma penetrante,evitando laparotomia em mais de dois teros dos paci-entes com suspeita de leso intra-abdominal. No trau-ma contuso, a laparoscopia pode servir como adjuvanteda avaliao17,23.

    o melhor exame para o diagnstico de lesesdiafragmticas, mas implica no risco de pneumotraxhipertensivo23.

    6.5- Toracoscopia

    Tem indicaes especficas nos casos de trau-ma:

    1- tratamento do hemotrax retido;2- tratamento do pneumotrax persistente;3- avaliao do diafragma nas leses toraco-abdomi-

    nais penetrantes;4- tratamento de colees infectadas do espao

    pleural; e5- diagnstico e tratamento do sangramento contnuo

    em paciente hemodinamicamente estvel24.

    7- TRATAMENTO

    7.1- Tratamento no operatrio

    O paciente deve permanecer em observaoclnica e, dependendo do potencial para instabilidadehemodinmica, dever ficar em ambiente de terapiaintensiva com monitorizao contnua dos sinais vi-tais. No deve receber analgsicos e nem antibiticose estar em jejum por, pelo menos, 12 horas. Nesteperodo, o paciente deve estar em repouso absolutono leito, o exame fsico deve ser repetido, de prefe-rncia, pelo mesmo observador e devem ser realiza-das dosagens hematimtricas seriadas. Deve-se es-tar atentos ao desenvolvimento de hipotenso arterial,taquicardia, febre ou dor palpao abdominal25.

    7.1.1- Trauma contusoO uso da tomografia computadorizada nos pa-

    cientes com trauma abdominal contuso propicia o tra-tamento no operatrio das leses de rgos paren-quimatosos, diminuindo a necessidade de cirurgia ex-ploradora e reduzindo a freqncia de laparotomiasno teraputicas. A tendncia atual em direo ao tra-tamento no operatrio de muitas leses do fgado,bao e rins devido, em parte, capacidade da tomo-grafia computadorizada no apenas de definir a pre-sena da leso e a sua extenso, mas tambm de ex-cluir outras leses significantes, evitando cirurgiasdesnecessrias25,26.

    A deciso final a respeito da indicao de ex-plorao cirrgica deve ser tomada com base nos acha-dos tomogrficos, em conjuno com o quadro clnicocompleto, principalmente, a estabilidade hemodinmi-ca e a necessidade de reposio de fluidos com solu-es cristalides e hemoderivados, alm da avaliaopessoal de um cirurgio experiente25,26.

    7.1.2- Trauma penetranteNos traumas abdominais penetrantes, apesar do

    forte consenso em favor da cirurgia mandatria, inde-pendentemente dos sinais clnicos apresentados, osferimentos por arma branca comearam a ter umaabordagem mais seletiva, quando o paciente est re-lativamente assintomtico (podendo referir dor no lo-cal do ferimento), permitindo a realizao de examesfsicos seriados, a explorao local do ferimento naparede abdominal anterior, o lavado peritoneal diag-nstico e a tomografia computadorizada com triplocontraste em ferimentos do flanco ou dorso12,14.

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    O sucesso da orientao para tratamento nooperatrio para leses de rgos parenquimatosos emcasos de trauma abdominal contuso e para casos se-lecionados de ferimentos por arma branca aceitos namaioria dos grandes centros de trauma, encorajarama conduta conservadora no operatria em pacientescom ferimentos penetrantes por arma de fogo. Ape-sar do risco de leso associada em mais de 95% doscasos, tal conduta passou a ser adotada no subgrupode pacientes sem penetrao da cavidade peritoneal,que algumas vezes pode ser clinicamente bvia e, ou-tras vezes, requer a confirmao atravs de examesde imagem, particularmente, a tomografia computa-dorizada14,15,20.

    Dois argumentos utilizados para justificar o tra-tamento no operatrio para ferimentos penetrantesabdominais, tanto por arma branca, quanto por armade fogo, tem sido a significante reduo da morbida-de, os custos associados laparotomia no teraputi-ca e o potencial para cicatrizao de rgos parenqui-matosos (fgado, bao e rins) traumatizados, como ob-servado no tratamento de leses graves desses r-gos no trauma contuso15,27.

    O objetivo da adoo de uma conduta no ope-ratria minimizar a incidncia de explorao negati-va sem aumentar a morbidade de uma leso desaper-cebida28.

    Nos casos de ferimentos por arma branca, atu-almente, prevalece a conduta seletiva, visto que 50%das laparotomias so negativas, se a cirurgia formandatria29.

    Certos fatores devem ser considerados na se-leo dos pacientes para tratamento no ope-ratrio, sendo que o primeiro deles a estabi-lidade hemodinmica29.

    Um paciente com instabilidade hemo-dinmica, que no responde reposio defluidos, requer explorao cirrgica imediata.Num paciente com estabilidade hemodinmi-ca, definido como uma presso sistlica mai-or que 90 mmHg, a avaliao clnica, labora-torial e o estadiamento radiolgico deve serrealizado para quantificar adequadamente ograu de leso e a presena de leses associa-das. O exame fsico deve incluir a exploraolocal do ferimento, embora a avaliao da in-tegridade fascial possa ser difcil e poucoacurada no paciente jovem e com musculatu-ra abdominal desenvolvida12,13,28,29.

    Alguns trabalhos mostram a presena

    de leses orgnicas significantes em apenas 21,4%dos ferimentos por arma branca dos flancos e 7% dosferimentos por arma branca do dorso12,13,14.

    A baixa incidncia de leses por ferimentos nodorso atribuda espessura da musculatura e asbarreiras esquelticas14.

    A tomografia computadorizada com triplo con-traste (via oral, endovenosa e por enema) deve serutilizada como exame primrio para traumas pene-trantes do flanco e do dorso, em pacientes com esta-bilidade hemodinmica e sem sinais bvios de perito-nismo14,23,24.

    Um risco potencial do tratamento no operat-rio de ferimentos por arma branca a leso diafrag-mtica desapercebida. Os achados radiolgicos na to-mografia computadorizada no so especficos. Amortalidade aps herniao transdiafragmtica decor-rente de ferimentos por arma branca pode chegar a36%. A herniao ocorre atravs da leso diafrag-mtica esquerda, uma vez que direita tamponadapelo fgado23,24.

    7.2- Tratamento cirrgicoOs pacientes com sinais de irritao peritoneal,

    instabilidade hemodinmica ou sangramento retal apsferimentos penetrantes, por arma branca ou arma defogo do tronco devem ser encaminhados para explo-rao cirrgica imediata29.

    Os pacientes com instrumentos empalados noabdome devem ser submetidos laparotomia explo-radora para a retirada do mesmo sob viso direta (Fi-gura 6).

    Figura 6. Paciente com arma branca empalada no abdome.

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    Medicina (Ribeiro Preto) 2007; 40 (4): 518-30, out./dez. Abordagem geral trauma abdominalhttp://www.fmrp.usp.br/revista Pereira Jnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV

    Um conceito importante que precisa ser incor-porado a abordagem cirrgica com controle de da-nos (Damage control) ou laparotomia abreviada.Trata-se da manuteno de um ambiente anatmicoestvel para impedir a progresso das alteraes fisi-olgicas para um estado metablico irreversvel, umavez que os pacientes morrem mais freqentementede dficits funcionais (hipotermia, acidose metablicaintratvel e estado de incoagulabilidade sangunea) doque do reparo anatmico completo dos rgos30.

    A opo por esta abordagem cirrgica deve sertomada to logo se constate os dficits metablicosdo paciente e faa os controles dos sangramentos edas contaminaes intestinais mais grosseiras. feitaa compresso da cavidade peritoneal, com os rgosmantidos na sua posio anatmica utilizando-se com-pressas cirrgicas (packing abdominal) e, realiza-da a sntese temporria da parede abdominal. O paci-ente internado em ambiente de terapia intensiva paracontrole dos dficits fisiolgicos e, em 24 a 48 horas,aps o controle da temperatura corprea, da coagula-o sangnea e da acidose metablica, ser levadonovamente ao centro cirrgico para a correo ana-tmica definitiva das leses30.

    Outra abordagem cirrgica que pode ser utili-zada em situaes especiais so as relaparotomiasprogramadas (second look), principalmente, no casode dvidas sobre a viabilidade de alas intestinais,anastomoses com risco de deiscncia, necrosectomiase infeces peritoneais graves30.

    7.3- Indicaes de laparotomia exploradora

    Alguns achados clnicos e de exames comple-mentares determinam a indicao operatria, como1: Evidncia de ferimento penetrante abdominal em

    paciente com instabilidade hemodinmica. LPD francamente positivo em vtima de trauma fe-

    chado abdominal com hipotenso. Sinais evidentes de irritao peritoneal na admisso

    ou na evoluo em pacientes com ferimentos pene-trantes.

    Empalamento no abdome. Sangramento do estmago e reto em ferimentos

    penetrantes. Sinais de trauma abdominal com hipotenso recor-

    rente apesar da reposio de fluidos. Pneumoperitneo na radiografia simples de torax

    com cpulas ou de abdome. Sinais radiolgicos de leso diafragmtica. Leso de alguma vscera oca revelada pela tomo-

    grafia computadorizada. Evidncia de leso nos exames radiolgicos contra-

    tados:- extravasamento intraperitoneal em leses de

    bexiga;- extravasamento de contraste em leses de

    uretra;- extravasamento de contraste em leses esof-

    gicas, gstricas ou duodenais.

    Pereira Jnior GA, Lovato WJ, Carvalho JB, Horta MFV. Management of the abdominal trauma. Medicina(Ribeiro Preto) 2007; 40 (4): 518-30, oct./dec.

    ABSTRACTS: Abdominal trauma is regularly encountered in the emergency department. Thelack of historical data and the presence of distracting injuries or altered mental status, from headinjury or intoxication, can make these injuries difficult to diagnose and manage. Victims of traumaoften have both abdominal and extraabdominal injuries, further complicating care.

    This topic review will discuss a basic approach to the management of patients with blunt andpenetrating abdominal trauma, including diagnostic tests and initial treatment considerations.

    Keywords: Evaluation. Abdominal Injuries. Wounds, Penetrating. Wounds, Nonpenetrating.Treatment.

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    Recebido em 29/06/2007

    Aprovado em 31/01/2008