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DÉBORA BRITO MORAES A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO COMO CONDIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O PAPEL DO ESTADO NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO MARÍLIA 2008

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DÉBORA BRITO MORAES

A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO COMO CONDIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O PAPEL DO ESTADO NA VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO

MARÍLIA 2008

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DÉBORA BRITO MORAES

A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO COMO CONDIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O PAPEL DO ESTADO NA VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.

MARÍLIA 2008

Autora: Débora Brito Moraes Título: A valorização do trabalho como condição para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana: o papel do Estado na valorização do trabalho. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob orientação do prof. Dr. Lourival José de Oliveira. Aprovada pela banca Examinadora em: _______/_______/_______

__________________________________________ Prof. Dr. Lourival José de Oliveira

Orientador

__________________________________________ Prof. (a) Dr. (a)

__________________________________________ Prof. (a) Dr. (a)

Com muita satisfação, dedico este trabalho a todas as pessoas que me incentivaram na consecução deste objetivo, especialmente aos meus familiares, aos amigos da UNIMAR, e ao Hélio, pelo companheirismo. Também, ao meu Orientador, Professor Dr. Lourival José de Oliveira, por ter me acompanhado nesta caminhada.

Agradeço a Deus, que é o Senhor de todas as coisas.

[...] É triste ver este homem

Guerreiro menino Com a barra de seu tempo

Por sobre seus ombros Eu vejo que ele berra

Eu vejo que ele sangra A dor que traz no peito

Pois ama e ama Um homem se humilha se castram seus sonhos

Seu sonho é sua vida e vida é trabalho

E sem o seu trabalho o homem não tem honra

E sem a sua honra se morre, se mata

Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz...

Luiz Gonzaga Jr. (Gonzaguinha)

A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO COMO CONDIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O PAPEL DO ESTADO NA VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO

Resumo:

O presente estudo apresenta reflexões sobre a necessidade de valorização do trabalho humano, como condição de efetividade da dignidade humana, trazendo à baila a discussão sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas ante o crescimento econômico, bem como a necessidade de conscientização dos detentores deste poder, no sentido de ter a obrigação social em tratar o homem trabalhador como um parceiro necessário ao desenvolvimento empresarial, e não apenas como um fator de produção. Ainda, foi mostrado que a Ordem Econômica tem uma função social a cumprir, no tocante à dignidade humana, de forma que possa assegurar a todos os cidadãos os direitos sociais básicos, o que implica na intervenção do Estado nas relações econômicas, quando necessária, a fim de fazer prevalecer a valorização do trabalho humano, levando sempre em consideração que trabalho e capital foram tratados de forma simétrica pela Constituição Federal. Com isso, os incentivos estatais são importantes instrumentos que podem ser utilizados para que a iniciativa privada participe de programas sociais, atuando também como um parceiro do Estado na valorização do trabalho humano. O Governo Federal instituiu, por meio do Ministério do Trabalho, políticas públicas de emprego, trabalho e renda. Dentre as formas de geração de renda incentivadas está a concessão de diversas modalidades de crédito, com baixas taxas de juros a serem concedidos para os trabalhadores que atendam os requisitos do programa. Foi destacado o programa nacional de qualificação, que possui como objetivo a inserção do trabalhador no mercado de trabalho. Conclui-se que o Estado deve atuar juntamente com a iniciativa privada, incentivando-a, por meio de políticas públicas que contribuam para efetivar a valorização do trabalho humano.

Palavras-chave: dignidade humana – papel do Estado - valorização do trabalho humano

THE APPRECIATION OF THE HUMAN WORK AS A CONDITION FOR THE EFFECTUATION OF THE PRINCIPLE OF THE HUMAN

DIGNITY: THE ROLE OF THE STATE ON THE APPRECIATION OF THE HUMAN WORK

Abstract:

This paper presents thoughts about the necessity of the human work appreciation, as a condition of the effectivity of the human dignity, rising a discussion on the topic the flexibilization of the working rights in face of the economic growing, as well as the necessity of consciousness-raising of the holders of this kind of power, their social obligation on treating the working man as a partner necessary to the market development and not only as a production factor. Yet, it has been shown that the Economic Order has a social function to perform, regarding the human dignity in such a way that it can assure to all the citizens the basic social rights, what implies on the State intervention on the economic relations, when necessary, in order to make prevail the appreciation of the human work, talking into account that work and funds were treated in a symmetric way by the Federal Constitution. Thus, incentives from the State are important tools that can be used for the private initiative to take part on social programs, acting, as well as a State partner on the appreciation of the human work. The Federal Government has established, through the Work Ministry, public policies for employment, work and income. Among the many ways of income generation provided, there is the concession of several credit modalities, with low interests to be granted to the workers that fit the program´s pattern. It has been hightlighted the national qualification program that has as goal the insertion of the worker on the job market. It was concluded that the State must act together with the private sector, encouraging it, through public policies that contribute to the effective exploitation of human labour.

Keywords: human dignity – role of the State - human work appreciation

LISTA DE ABREVIATURAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNC – Confederação Nacional do Comércio

CNI - Confederação Nacional da Indústria

CODEFAT – Conselho Deliberativo do FAT

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

DIEESE – Departamento intersindical de estatísticas e estudos socioeconômicos

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FGTS – Fundo de Garantia e Tempo de Serviço

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMO – Intermediação de mão-de-obra

IMPO - Instituições do Microcrédito Produtivo Orientado

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano

OIT – Organização Internacional do Trabalho

PASEP – Programa para Formação do Patrimônio do Servidor público

PIS – Programa de Integração Social

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNMPO – Programa Nacional de Micro Crédito Produtivo Orientado

PNPE – Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego

PNQ – Programa Nacional de Qualificação

PPA – Plano Plurianual

PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo

SINE - Sistema Nacional de Emprego e Renda

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 1 DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ....................................................... 13 1.1 CONCEITO DE TRABALHO HUMANO........................................................................ 17 1.2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DOS MODOS DE PRODUÇÃO FORDISTA E TOYOTISTA............................................................................................................................ 23 1.2.1 Crítica às propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas com vistas à valorização do trabalho ................................................................................................................................ 28 1.3 DO TRABALHO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL........................................ 36 1.3.1 Dos direitos sociais.......................................................................................................... 41 1.4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ................................................................................................................................ 44 2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ............................................................................................................................... 52 2.1 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO NA PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO ................................................................................................................................ 55 2.2 DA EFETIVIDADE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO...................... 58 2.3 DA IMPORTÂNCIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ......................................................................................................... 60 2.4 RESPONSABILIDADE SOCIAL E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO.... 67 3 O PAPEL CONFERIDO AO ESTADO BRASILEIRO NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO........................................................................................................ 74 3.1 O ESTADO LIBERAL....................................................................................................... 74 3.2 O ESTADO SOCIAL ......................................................................................................... 78 3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA............................... 81 3.3.1 Intermediação de mão-de-obra ........................................................................................ 83 3.3.2 Plano nacional de qualificação ........................................................................................ 86 3.3.3 Programa de geração de emprego e renda ....................................................................... 91 3.3.4 Programa nacional do microcrédito produtivo orientado ................................................ 95 3.3.5 Programa nacional de estímulo ao primeiro emprego ..................................................... 97 3.4 PROPOSTAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO................................................................... 105 CONCLUSÃO....................................................................................................................... 111 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 114

10

INTRODUÇÃO

O trabalho que ora se apresenta foi elaborado com a utilização do método dedutivo, no

qual o raciocínio científico parte do geral para o particular, chegando-se a conclusão por meio

do processo de conhecimento que se originou com a formulação de um problema de pesquisa,

calcado no papel do Estado na valorização do trabalho humano como condição para a

efetivação da dignidade humana.

A investigação científica teve início com o estudo das políticas de Estado instituídas

pela Constituição Federal, que seguindo o exemplo da Constituição anterior, positivou valores

sociais como a dignidade e o trabalho humanos, os quais devem ser efetivados em

consonância com a livre iniciativa, por meio da intervenção estatal.

Assim, a pesquisa recai sobre a necessidade de valorização do trabalho humano

enquanto instrumentalizador da dignidade humana, sob o prisma do desenvolvimento

econômico, especialmente como fundamento da Ordem Econômica constitucional vigente.

A dignidade da pessoa humana figura no Ordenamento Jurídico brasileiro como

fundamento da República Federativa do Brasil, e como fim da ordem econômica. Porém para

se alcançar um mínimo de dignidade é imprescindível a satisfação de necessidades que se

projetam na esfera patrimonial da vida humana, que se traduz em um mínimo de conforto e

lazer, alimentação, moradia, vestuário, bem estar, acesso à saúde e educação de qualidade,

entre outros direitos sociais.

Importante levar em consideração que grande parte dos trabalhadores brasileiros estão

à margem da legislação trabalhista, e, conseqüentemente, de suas garantias, o que os coloca

na iminência de serem submetidos aos desmandos dos agentes econômicos para conseguirem

efetivar os direitos sociais mais básicos, como alimentação e moradia, que representam o

mínimo necessário para a sobrevivência de qualquer ser humano, por isso o trabalho está

intimamente ligado à vida.

Valores que ultrapassam o campo econômico, como a dignidade humana e os valores

sociais do trabalho também precisam ser reconhecidos e efetivados pelos poderes públicos,

11

pois o ser humano precisa e merece ser respeitado como pessoa, que raciocina e tem

sentimentos, o que refletirá no desenvolvimento da sociedade como um todo, minimizando

conflitos.

Com a competição mercadológica, acirrou-se ainda mais a disputa entre os agentes

econômicos, que para não reduzirem os lucros, reduzem os custos da produção, o que reflete

principalmente nas relações trabalhistas, colocando em evidência a falta de emprego, os

baixos salários, os empregos precários, entre outras formas de vilipêndio pelas quais está

passando o trabalho humano.

Destarte, será necessário trazer à baila a questão flexibilizadora dos direitos

trabalhistas, bem como a importância da negociação coletiva, sem amarras, capaz de

realmente cumprir o seu papel em fortalecer as reivindicações da categoria profissional, e

acima de tudo, manter os benefícios trabalhistas já consolidados, o que não impede a

adaptação do contrato de trabalho à realidade da empresa empregadora.

O Estado brasileiro, enquanto Estado Social e Democrático de Direito, que é,

fundamentado na dignidade humana e nos valores sociais do trabalho, deve interferir na

ordem econômica de forma a proporcionar a todos existência digna, sobretudo alcançada por

meio dos valores sociais do trabalho, contribuindo desta forma para a emancipação humana.

Para tanto, é imprescindível a conciliação dos interesses sociais com os econômicos,

tendo sempre em mira que a Constituição Federal tratou de forma equânime capital e trabalho,

com destaque para este.

Com tudo isso, busca-se uma política econômica que incentive a iniciativa privada,

mas que também permita ao trabalhador sobreviver condignamente por meio do seu trabalho.

É preciso então saber quais as políticas estão sendo desenvolvidas pelo Governo Federal, com

a finalidade de preservar os valores constitucionais, bem como saber de que forma eles estão

sendo efetivados.

Questiona-se: as atuais políticas de emprego, trabalho e renda implementadas pelo

Governo Federal atendem as políticas de Estado constantes da Constituição Federal,

12

especialmente o escopo constitucional de valorização do trabalho humano como condição

para a efetivação da dignidade humana?

13

1 DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A valorização do trabalho humano não é construção recente. Há muito tempo, “desde

os Estados Liberais, já havia pessoas interessadas em proteger o trabalhador das insalubres e

indignas condições em que vivia, bem como analisar seu papel importante perante a

sociedade, inclusive no aspecto econômico”. 1 Com o surgimento do Estado Social, algumas

proteções já idealizadas ganharam força jurídica, com a positivação de garantias, tornando-se

usuais na prática trabalhista, pelo amadurecimento da própria sociedade.

Percebe-se que há muito tempo o trabalhador é visto como algo que merece ser

protegido, sobretudo pelo seu papel na sociedade, pois é ele, enquanto consumidor dos bens à

disposição no mercado, e trabalhador, quem realmente produz riqueza e alavanca a Economia,

conseqüentemente a sociedade.

A valorização do trabalho humano, esclareça-se, não somente importa em criar medidas de proteção ao trabalhador, como foi destacado nos Estados Sociais. Conforme se verá a seguir, o grande avanço do significado do conceito que se deu no último século foi no sentido de se admitir o trabalho (e o trabalhador) como principal agente de transformação da economia e meio de inserção social, por isso, não pode ser excluído do debate relativo às mudanças das estruturas de uma sociedade. Assim, o capital deixa de ser o centro dos estudos econômicos, devendo voltar-se para o aspecto, talvez subjetivo, da força produtiva humana. 2

Conforme dito por Leonardo Raupp, o trabalhado passa a ser objeto de estudo,

deixando à margem o capital, haja vista que aquele é o agente transformador de riqueza, ou

melhor, gerador de riqueza.

No entanto, o direito do trabalho está passando por uma fase que imperam propostas

de transformação, onde a pressão do mercado econômico tenta minimizar a sua abrangência,

no sentido de criar instrumentos de intervenção nas relações de trabalho, contrariando as

políticas de valorização do trabalho e da dignidade humanos.

1 BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: SAFE, 2003, p. 41. 2 Idem ibidem, p. 42/43.

14

Nesse sentido, é que alguns estudiosos, como Eduardo Ramalho Rabenhorst, se

manifesta:

[...] a própria idéia de “valor social” do labor humano se reveste de um duplo significado. De fato, ao mesmo tempo em que este princípio funciona como exigência da humanização no plano das relações sociais e econômicas, ele atua, também, como uma ideologia que tende a obscurecer o fato de que, numa sociedade capitalista, qualquer que seja o modelo de organização da produção, o trabalho é incapaz de propiciar ao homem uma autêntica realização. 3

Segundo este entendimento, o valor social do trabalho é uma exigência nas relações

sociais, ou seja, deve servir para humanizar a relação entre as pessoas na sociedade, como

também, serve para ofuscar o fato de que o trabalho dificilmente proporcionará a verdadeira

realização do homem inserido na sociedade capitalista. Discorre Lafayete Petter:

Paradoxalmente, mesmo o mercado, modernamente marcado por ideologias indisfarçadamente liberais – no sentido mais pobre do termo -, em cuja lógica o trabalho humano é apenas um fator de produção, a ser matematicamente equacionado na diagramação dos custos e dos lucros tão-somente, não pode prescindir das conseqüências da valorização do trabalho humano. 4

O trabalho humano não deve ser visto apenas como um fator de produção, um

mecanismo que serve apenas para produzir riqueza, que dificilmente ele terá acesso, diga-se

de passagem. Ele está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, por isso não deve ser

analisado somente sob a ótica material, mas, sobretudo, deve estar em pauta o seu caráter

humanitário. Não é o homem que deve servir à Economia, e sim a Economia que deve servir

ao bem estar do homem em sociedade.

[...] é fácil perceber como a perspectiva material de respeito à dignidade humana, à qual se reporta a idéia democrática, requer uma concepção diferenciada do que seja ‘segurança’, ‘igualdade’, ‘justiça’, ‘liberdade’ etc., na qual o ser humano jamais pode ser tratado como o “objeto” e o “meio” de realização de qualquer desses valores, mas sim como sujeito a que eles se referem e à promoção de quem essa realização tem por finalidade. 5

3 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica: Interpretação Crítica e Possibilidade de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 16. 4 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.153. 5 GUERRA FILHO, Willis Santiago, p. 133 apud GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica. São Paulo: LTr, 2005, p. 27.

15

A valorização do trabalho humano tem a finalidade de proporcionar ao ser humano um

trabalho que lhe dê orgulho em desempenhá-lo, lhe dê prazer, de forma que o trabalhador

realmente se sinta feliz ao iniciar uma longa e extenuante jornada de trabalho. E que, desta

forma, não tenha o trabalho apenas como meio de sobrevivência, porque este retira do ser

humano qualquer resquício de dignidade.

Petter ensina que “Valorizar o trabalho, então, equivale a valorizar a pessoa humana, e

o exercício de uma profissão pode e deve conduzir à realização de uma vocação do homem”, 6

pois será do exercício da sua profissão, que o homem alcançará a sua realização pessoal.

O mercado pode prescindir do trabalhador substituíndo-o por capital, tecnologia, informação e escala, mas não pode sobreviver sem consumidores e sem ideologia. Sem trabalho, os homens perdem o referencial enquanto homens modernos e não sabem o que fazer para o sustento próprio e de suas famílias. O descarte do trabalho enquanto finalidade econômica e até mesmo enquanto fator de produção em setores genéricos da economia, se a curto prazo representa ganho na redução de custos e diminuição de preços, a médio e longo prazo gera o rompimento da precária homeostase do sistema, acirrando a competição entre grupos, nações e etnias. Por outro lado, a redução de pessoas empregadas faz reduzir, na mesma proporção, o potencial de consumo, desestabilizando social e economicamente todo o sistema. 7

O trabalho humano, além de ser dignificante e gerar riqueza, possui outra finalidade

econômica que é introduzir recursos financeiros no mercado de consumo, pois como dito,

quando se retira a oportunidade de trabalho de um indivíduo, a princípio pode até representar

vantagem para o agente econômico, no entanto, com o passar do tempo gerará desequilíbrio

no mercado, em razão da não circulação da riqueza.

O desemprego também é um fator de desvalorização do trabalho humano, pois com a

crescente utilização de insumos tecnológicos no meio de produção, torna menos necessária a

mão-de-obra, chegando em alguns casos a eliminar um determinado seguimento laboral, o

chamado desemprego estrutural.

6 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.153. 7 CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas, p. 69 apud PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado do alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.153.

16

Nesses casos o problema é pior, pois se de um lado, elimina a possibilidade de

trabalho em determinados setores, por outro coloca a mão-de-obra disponível à mercê do

empregador, jogando os salários a níveis de subsistência, nos setores que ainda possuem

demanda dessa mesma mão-de-obra. “Quando se vive num contexto de desemprego

recrudescente o fator trabalho é mais facilmente vilipendiado, ficando cada vez mais sujeito

ao livre arbítrio do empregador”. 8

A flexibilização trabalhista, entendida, superficialmente, como formas de minimizar

direitos trabalhistas por meio de negociações coletivas, acaba sendo uma exigência dos

agentes econômicos que atuam no mercado nacional e internacional, que exigem a menor

intervenção do Estado na atividade econômica, e proporcionalmente, um afrouxamento das

normas de proteção aos trabalhadores, que segundo eles, acarretam o aumento no custo dos

produtos e serviços, com a conseqüente diminuição dos lucros.

Contra esta visão mercadológica Dinaura Godinho Pimentel a seguir expõe:

Acima da globalização, do interesse em aumentar a eficiência produtiva, reduzindo custos, está a dignidade do trabalhador. Destarte, antes de se falar em redução de direitos trabalhistas, ou mesmo da desregulamentação ou flexibilização, urge que a competição mercadológica, com a conseqüente baixa de custo e aumento da produção que realimenta a dinâmica capitalista, procure seus objetivos na própria economia, em custos, taxas e impostos que possam ser reduzidos, sem reflexos diretos no salário e demais direitos do trabalhador. 9

O trabalho humano é um componente essencial para a efetivação da justiça social e

depende para a concretização desta, da intervenção do Estado na relação entre trabalhadores e

agentes econômicos, pois a parte mais fraca, embora em maior número, se vê submetida ao

domínio do capital, o que significa que a liberdade de mercado sem a intervenção do Estado

pode produzir uma situação em que o trabalho passe a ser entendido apenas como um fator de

produção, trazendo por conseqüência a sua desumanização.

8 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 155. 9 GARCIA, Maria (Coord). O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e a Flexibilização da Legislação Trabalhista. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 44, ano 11 julho-setembro de 2003. Revista dos Tribunais, p. 127.

17

1.1 CONCEITO DE TRABALHO HUMANO

O trabalho humano a que se refere no presente estudo é todo e qualquer tipo de

trabalho realizado pelo ser humano, não só o que está adstrito ao vínculo empregatício. É o

trabalho gênero do qual o trabalho assalariado é uma espécie.

O autor lusitano, João Caupers, ao conceituar trabalhador traz à baila a idéia de

trabalho, como sendo “a actividade humana caracterizada pela penosidade e orientada para a

satisfação das necessidades do homem”. 10

Assim, o trabalho pode ser conceituado como a atividade humana, física ou mental,

voltada à satisfação das necessidades do ser humano. Para tanto, implica: uma atividade

humana, manual ou intelectual; sacrifício, ou seja, dispêndio de esforços, e

conseqüentemente, renúncia a atividades mais prazerosas; e, ter por finalidade a satisfação das

necessidades, próprias e/ ou de terceiros.

A idéia de trabalho pressupõe uma atividade econômica desenvolvida pelo ser

humano, orientada para a produção, troca de bens ou serviços.

Ainda assim, vale trazer à baila as várias concepções sobre o trabalho humano, para

que se possa ter um melhor entendimento da sua evolução e importância ao longo da história

do homem.

[...] tema de filosofia do trabalho cujas raízes primeiras estão no pensamento da Antigüidade e da Idade Média – do trabalho como um castigo dos deuses -, no Renascimento – com as idéias de valorização do trabalho como manifestação da cultura -, e, mais recentemente, nos preceitos constitucionais modernos – do trabalho como direito, como dever, direito-dever ou, ainda, como valor fundante das sociedades políticas. 11

Em relação a trabalho humano, surge primeiramente a idéia do trabalho como castigo

de Deus, por Adão e Eva terem comido o fruto proibido, e terem sido condenados a viverem

do suor do próprio rosto, “[...] maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os

10 CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 74. 11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 07.

18

dias da tua vida.” 12 – gênesis 3:17. E mais à frente, “No suor do teu rosto comerás o teu pão,

até que tornes à terra;” - gênesis 3:19”. 13

Nos primórdios da humanidade os filósofos possuíam uma concepção negativa do

trabalho, como Xenofontes, que pensava: “O trabalho é a retribuição da dor mediante a qual

os deuses nos vendem os bens”. 14 No pensamento clássico grego, o trabalho era um castigo

dos deuses, e por ser o mesmo aviltante ao homem, deveria ser evitado.

Aristóteles não se distancia deste pensamento negativista, ao sustentar que a

“escravidão de uns é necessária para que outros possam ser virtuosos, ou seja, o trabalho

impede o homem de ser livre, e, conseqüentemente, de dedicar-se à própria perfeição, que

seria conseguida mediante a vida contemplativa, sendo que a vida laborativa não levaria o

homem à dignidade”. 15 Para ele, alguns deveriam sacrificar-se trabalhando para que outros

tivessem vida farta.

Platão na mesma linha de pensamento, considerando que a ociosidade era o valor, e o

trabalho o desvalor diz: “[...] os trabalhadores da terra e os outros operários conhecem só as

coisas do corpo; se, pois, sabedoria implica conhecimento de si mesmo, nenhum destes é

sábio em função de sua arte”. 16 Por esta linha de pensamento, somente a atividade intelectual

valorizava o homem, sendo que o trabalho corporal o desvalorizava.

Visão diferente do trabalho tinham os sofistas, ao conceberem que “nada do que é bom

e belo concederam os deuses ao homem sem esforço e sem estudo; se queres que a terra

produza frutos abundantes, deves cultivá-la”. 17 Sob esta concepção, as pessoas passaram a

ver o trabalho como retribuição pelo esforço.

As idéias dos sofistas foram disseminadas e consolidadas com o Renascimento, que

finalmente fez espargir a conscientização sobre o valor do trabalho humano.

12 Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. SBTB. São Paulo, 2004, p. 4. 13 Id ibidem, p. 4. 14 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004,p. 182. 15 Idem ibidem, p. 182. 16 Id ibidem, p. 182. 17 Op. cit., p. 183.

19

O valor trabalho passa a ser, daí por diante, o fundamento de todas as concepções. Várias foram as contribuições que se seguiram, todas no mesmo sentido da valorização do trabalho. Smith, aprofundando o conceito de Locke, concebe a riqueza como resultante do trabalho. Palmieri faz consistir a riqueza das nações na soma dos trabalhos nelas executados. Giambatista Vicco põe o trabalho como conhecimento e realização da cultura, dos produtos históricos e morais do homem. Em Hegel, o espírito, como atividade e objetivação, faz do trabalho o próprio meio de o homem encontrar-se. 18 (grifo do autor)

Nesta nova concepção de trabalho como valor, não ficaram de fora os teólogos, ao

tomarem como ponto de partida a criação divina, e o homem como parte fundamental desta

criação. “Deus criou o mundo inacabado para que o homem o complete e domine, o que

pressupõe uma atividade colaboradora de Deus e uma ação do ser humano, feito à sua

imagem e semelhança”. 19

Para os religiosos o trabalho faz o homem se aproximar de Deus, participando assim

da criação.

O homem, criado como um ser dotado de matéria e espírito, tem a matéria regida pelas leis que disciplinam as demais coisas materiais no mundo. Como ser espiritual, participa, com sua inteligência, seu livre-arbítrio, sua atividade criadora, do mundo. No entanto, o homem rebelando-se contra Deus, sofreu um castigo, e a partir desse momento o trabalho, como as demais ações humanas, traz consigo a marca da pena, da dor e do esforço, daí porque “do suor do teu rosto comerás o teu pão” e “com dor parirás o teu filho”. A queda do homem foi redimida por Cristo, filho de Deus, que libera o homem do pecado original na medida em que se unir a Deus. Assim, a partir de Cristo, o trabalho humano adquire novo sentido e valor, participando da obra de construção do mundo e significando a integração do homem na redenção. Mediante o trabalho, o homem modela o mundo à imagem e semelhança de Deus, sustentam os teólogos. Trabalho é, portanto, tudo que concorre para criar o bem comum. 20

A partir de então o trabalho passou a ser associado à dignidade, como fonte de riqueza

e forma do homem agradar a Deus, sendo esta dádiva passada de pais para filhos.

Durante séculos, por necessidade e por sobrevivência, mas também por prazer, inteligência, o ser humano ensinou a seus filhos e gerações que o

18 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 183. 19 Op. cit., p. 183. 20 Id ibidem, p. 183/184.

20

trabalho era fonte de riqueza e da dignidade, modo de agradar a Deus e aos homens e de multiplicar os dons da natureza. 21

Ainda vale mencionar a teoria materialista do trabalho, originada em Feuerbach e

Marx, partindo do fundamento de que o homem é uma simples matéria envolvida num

processo histórico de produção, nos quais se realiza, concentrando a sua atualização no

trabalho. A própria atividade laboral faz com que o homem se atualize no seu contexto

existencial, assim o homem atualiza o processo de produção e é atualizado por ele.

O desenvolvimento da produção e o progresso técnico resultam do trabalho do homem. Os objetos produzidos contêm a objetivação do próprio homem que os faz. Assim, o homem, pelo trabalho, insere-se na própria coisa produzida e que é espoliada pelo capitalismo, daí a necessidade do resgate por meio da socialização da propriedade. 22

A socialização da propriedade é colocada aí, no sentido de que a oportunidade de

utilizar os meios de produção deve ser dada a todos. E não só aos detentores do capital, que já

as detêm, mas aos trabalhadores que não possuem qualquer propriedade para torná-la

produtiva.

Na origem da atividade laborativa, o homem interagia com a natureza, produzindo

produtos para o consumo imediato, diferente da atividade de produção de objetos, em que o

trabalho humano era voltado para a produção de bens de maior duração.

Toda a ação do homem sobre o mundo natural é uma ação de humanização da natureza, porém, é também uma naturalização do homem, pois ele deve desenvolver suas potencialidades internas para criar tudo a partir do trabalho. É a transformação da natureza e do homem através do trabalho. 23

Por intermédio do trabalho o homem transforma os bens da natureza, com a finalidade

de satisfazer as suas necessidades, com isso, os instrumentos de produção se tornam os meios

de trabalho mais importantes, pois é com eles que ele atua, transformando os objetos da

natureza.

21 CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas, p. 69 apud PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado do alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.153. 22 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 184. 23 OLIVEIRA, Cristina G. machado. O conceito de trabalho: Karl Marx. Disponível em: http://www.filosofiavirtual.pro.br/trabalhomarx.htm. Acesso em 02.05.2007.

21

Para Paulo Henrique Tavares da Silva, “[...] o trabalho que hoje conhecemos é, em

essência, uma atividade finalística e violenta, geradora de valores de uso, que transcendeu os

limites da individualidade e passou a atingir a coletividade (do artesão aos operários)”. 24 O

trabalho era realizado de forma individual, sendo agora realizado em sua grande maioria em

grupos de produção, de bens ou de serviços, não mais para a sobrevivência do homem, mas

para a geração de lucro, e conseqüente acúmulo de capital.

Até então somente o que prendia o homem ao seu trabalho era a tradição, ou a

autoridade. A partir de então, o lucro passa a prender o homem a sua atividade. O trabalho é

transformado pelo Capitalismo, que introduz no homem a ideologia da acumulação de

riqueza, o que o torna escravo do trabalho, e conseqüentemente do capital. O Capitalismo

alastrou por todo o sistema econômico-social, inclusive no jurídico e político.

O trabalho, a princípio voltado para o domínio da natureza (daí sua agressividade, diversa da integração que é vivenciada pelo labor), é deturpado para dominar o próprio homem. Hodiernamente residente na base de nosso sistema econômico, na condição de componente fundamental, foi ele subordinado aos interesses do capital [...]. 25

Com a lição acima, vê-se que o trabalho ao longo da sua História, sofreu uma

deturpação, uma vez que nos primórdios o trabalho era utilizado pelo homem para subjugar a

natureza, dominando-a, para dela extrair a sua sobrevivência. Hoje o próprio trabalho faz com

que o homem seja subjugado, não pela natureza, mas sim pelo capital. Assim, não conseguir

um emprego significa trabalhar sem as garantias mínimas, que somente a venda do trabalho,

em condições dignas, pode proporcionar.

[...] o trabalho, sob a lógica capitalista transformou-se numa atividade assalariada, heterodeterminada, estranha e fetichizada, controlado, de forma obsessiva, pelo tempo, incapaz, pois, de propiciar aquele que se integre na vida laborativa de uma autêntica realização. Lutar por um emprego significa, desesperadamente, ingressar nesse sistema de opressão. 26

Com tudo isso, conclui Amauri Mascaro Nascimento: “o trabalho é qualquer que seja

a cosmovisão do intérprete, uma mediação entre o homem e a natureza” 27 (destaque do

24 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica: Interpretação Crítica e Possibilidade de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 26. 25 Op. cit, p. 26. 26 Id ibidem, p. 26. 27 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 184.

22

autor). Pelo trabalho o homem se acrescenta à natureza, transformando-a das condições em

que se encontrava no início dos tempos, por meio das grandes revoluções tecnológicas, como

a seguir se vê.

A primeira constituiu na utilização do fogo e dos utensílios. A segunda, no cultivo das plantas. A terceira é industrial, com o aparecimento da força a vapor, a racionalização do trabalho e a automação. O homem, nesse processo, virtualiza-se, atualizando as suas potencialidades, o que supõe um mundo criativo. O homem está entre duas realidades, a ideal e a material, interligando-as pelo trabalho, que, assim, é o meio pelo qual o ser humano incorpora-se à natureza. Trabalho é, em conclusão, vida. 28

O homem é o seu trabalho. Neste são colocadas todas as aspirações humanas, seja o

trabalho realizado em grupo ou individualmente, autônomo ou remunerado, com ele, busca-se

a realização pessoal, uma finalidade para a própria vida, que está inserida no fruto do

trabalho.

O Papa João Paulo II, reconhecendo a legitimidade dos esforços do homem

trabalhador para conseguir o total respeito a sua dignidade, trouxe ao mundo do trabalho um

conceito de trabalho humano, veja-se:

Mesmo constituindo uma fadiga e talvez por causa disso o trabalho é um bem do homem. Um bem não apenas ‘útil’, de que se pode desfrutar, mas um bem ‘digno’, ou seja, que exprime e aumenta a dignidade do homem. O trabalho é um bem do homem porque, mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas se realiza a si mesmo como homem e, em certo sentido, ‘se torna mais homem’ (n. 9). 29

Segundo leciona Dinaura Godinho Pimentel, a Doutrina Social da Igreja “tem sido

decisiva para dignificar o trabalho, como expressão direta da pessoa humana, porque o

homem trabalha por ser pessoa – o que não se dá com outros seres vivos”. 30

O Sumo Pontífice, na Encíclica Laborem Exercens, de 14 de setembro de 1981

conceituou o trabalho humano como um bem além de útil, digno, ou seja, um bem capaz de

28 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 184. 29 João Paulo II, 1981 apud GOMES, Dinaura Godinho PIMENMTEL. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no Contexto da Globalização Econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, 38/39. 30 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no Contexto da Globalização Econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, 38/39.

23

dar ao homem a verdadeira dignidade enquanto pessoa. O trabalho proporciona ao homem o

desenvolvimento de sua personalidade, resultando daí a sua valorização como pessoa humana.

Além do mais, o Papa João Paulo II diz na Encíclica que o trabalho é do homem, é inerente ao

ser humano, fortalecendo a idéia de que o trabalho distingue o homem dos demais animais.

A concepção do trabalho humano evoluiu juntamente com a evolução da sociedade, o

que também acarretou alteração na forma como o trabalho humano era extraído em prol da

produção de bens e prestação de serviços, tendo se destacado os modos de produção fordista e

toyotista, dos quais ainda hoje pode-se perceber a influência.

1.2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DOS MODOS DE PRODUÇÃO FORDISTA E TOYOTISTA

Quando no presente estudo foram trazidas as várias concepções do trabalho humano,

em razão da evolução da sociedade e do próprio homem, coube mencionar que ele atualiza e é

atualizado pelos modos de produção, sendo que ao longo da História do trabalho, e

particularmente do homem, vários foram os modos de produção por meio dos quais o trabalho

humano gerou e continua a gerar riqueza.

Com o advento do Capitalismo, o homem passou a buscar outras formas de produção

que melhor aproveitassem o tempo e o trabalho humano, assim, buscou-se a otimização na

prestação dos serviços, surgindo os modos de produção, que dentre eles, merecem especial

atenção os modos de produção taylorista, que deu origem ao modo de produção Fordista e

Toyotista.

Taylor introduziu na indústria o conceito de eficiência no processo econômico. Fazendo uso do cronômetro, eliminou do trabalho os tempos mortos que o retardam. A tarefa de cada trabalhador é dividida nos menores componente operacionais visivelmente identificáveis. Cada componente é medido para apurar o menor tempo atingível sob condições de desempenho ótimas. O trabalho do operário é um trabalho de mera execução. 31

O sistema de produção fordista é caracterizado especialmente pela produção em série,

onde a organização do trabalho é essencial. Henry Ford utilizou-se das idéias desenvolvidas

por Taylor, idealizador do modo de produção taylorista, no tocante ao fracionamento e

31 ROMITA. Arion Sayão. O princípio da igualdade e a reestruturação produtiva. Revista dos Tribunais, ano 31, n. 120, outubro-dezembro de 2005.

24

gerenciamento da produção industrial, colocando-as em prática. “A implantação do modelo

fordista de produção nada mais é do que a dação de um novo formato à extração da mais-valia

do trabalhador, assumindo, doravante, a sua feição relativa”. 32

A mais-valia relativa é uma forma de organização do trabalho, destinada a aumentar a

produção, Tavares leciona:

Consiste essa prática em aumentar a produtividade do trabalho, diminuindo o tempo necessário à reprodução da força de trabalho, o que pode ser obtido através de uma melhor organização da produção, ou pela introdução de técnicas produtivas mais eficientes (cooperação, divisão do trabalho, máquinas mais modernas etc.). 33

Ford acrescentou velocidade à produção, pois até então a mesma não era proporcional

à demanda de veículos. A esteira era utilizada como impulsionadora dos trabalhadores, desta

forma, a demanda dos veículos era quem determinava a velocidade da máquina, e

conseqüentemente da produção. A partir de então, o capital passou a determinar o ritmo da

produção, e não mais o trabalho do homem.

Com o modo de produção fordista o tempo do trabalhador passou a ser melhor

utilizado, pois quem se movimenta é a esteira, e não o homem, de forma que o trabalhador

não mais precisava parar os serviços entre uma tarefa e outra.

Entre as características do fordismo podem ser citadas a produção em série, a

utilização de esteiras rolantes, tecnologia eletro-mecânica e a aceitação de uma margem de

defeitos nos produtos, a não qualificação dos trabalhadores, de modo que quando um

trabalhador necessitava ser substituído não havia perda na eficiência produtiva. Ricardo

Antunes pode esclarecer como funcionava esse modo de produção.

Como funcionava a empresa taylorista e fordista em seu processo produtivo? Tratava-se de uma produção cronometrada, com ritmo controlado, produção homogênea, buscando, como disse Ford, que a opção do consumidor fosse escolher entre um carro Ford preto modelo T ou um carro Ford preto modelo T. A produção, por ser homogênea, produzida em ritmo seriado e em linhas rígidas, geraria uma produção em massa, tendendo a um barateamento dos preços e desse modo ampliando o consumo também

32 SILVA. Paulo Henrique Tavares, Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica: Interpretação Crítica e Possibilidade de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 45. 33 Id ibidem, p. 45.

25

de massa, cujos salários operários também foram incrementados. 34 (grifo do autor)

O modo de produção Fordista massificava a produção e o consumo, já que a produção

em massa, em grande escala, reduz o custo do produto, com conseqüente diminuição do

preço, levando ao seu maior consumo. Tudo isso também gerava o aumento dos salários dos

operários que trabalhavam nas fábricas. “Essa conjuntura econômico-produtiva perdurou até

os inicio dos anos 70 quando ocorreu a crise estrutural do sistema produtivo, que foi chamada

na época de crise do petróleo”. 35

Em resposta à crise do sistema Fordista tornou-se necessária a implementação de

novos mecanismos e formas de acumulação, que passou a ser chamada de acumulação

flexível. “Tratava-se de garantir a acumulação, porém de modo cada vez mais flexível. Daí é

que se gestou (sic) a chamada empresa flexível”. 36 (grifo do autor).

O capital passou a gerar novas formas de regulação do desenvolvimento e de controle

do trabalho, buscando aumentar a produtividade com custos menores, flexibilizando a

produção, adequando-as às necessidades momentâneas do mercado.

A partir de então, a produção passa a ser articulada com os momentos de expansão e

retração do consumo, de acordo com o mercado, entrando em cena o modo de produção

toyotista, que trabalha com estoque zero. O modo de produção toyotista traz em seu bojo a

produção flexível.

A flexibilidade real, flexibilidade de fábrica, flexibilidade produtiva ou

flexibilidade da produção diz respeito à adaptabilidade da organização produtiva. Tratar-se-ia de uma organização da produção adaptada ao atendimento imediato de demandas cambiantes: produção just in time a partir do “estoque zero”. Não seria o caso de se produzir em grandes quantidades para serem armazenadas e em seguida partir para a venda, mas produzir rapidamente o que já foi vendido por meio de catálogos ou protótipos. Assim, o essencial da fábrica flexível consistiria na utilização de equipes flexíveis capazes de atender a uma demanda incerta e flutuante. 37 (grifo do autor)

34 SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006, p. 42. 35 Op. cit, p. 42. 36 Id ibidem, p. 42. 37 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 16.

26

Difundido no Japão após a 2ª Guerra Mundial, na Fábrica da Toyota. Tem como

principais características a manutenção de um grupo de trabalhadores qualificados, ao

contrário do sistema fordista, com capacidade para comandar equipes, planejando e

executando a dinamicidade da produção. Aliados a um grande número de trabalhadores

instáveis ou terceirizados. O núcleo estável da empresa é capacitado e afeto aos seus

objetivos. O núcleo flexível é composto por funcionários terceirizados.

No exemplo da Toyota, que demos acima, um núcleo estável de força de trabalho, dotado de qualificação técnica, era preservado, para poder manter a produção, sendo que se recorria à terceirização sempre que se precisava ampliar a produção Se o mercado necessita, aumenta-se a produção e amplia-se os terceirizados; se o mercado se retrai, reduz-se a produção e os terceirizados são reduzidos. Pode-se compreender, portanto, o porquê da exigência mundial dos capitais pela legislação flexibilizada do trabalho, visando torna-la compatível com a flexibilização produtiva vigente nas empresas. 38

Esse novo modo de produção busca cada vez mais funcionários polivalentes,

multifuncionais, que são capazes de desenvolver suas atividades laborais em setores

diversificados, o que deu origem à desespecialização multifuncional, o que intensifica o ritmo

da produção, tempo e processo de trabalho.

A maioria das empresas de todo o mundo passou a assimilar o modelo de produção da

Toyota, que embora tenha sido difundido após a sua utilização nas Fábricas de automóveis,

teve a sua origem nos supermercados norte-americanos, onde se trabalhavam com estoques

mínimos, como também nas indústrias têxtil, onde os trabalhadores operavam várias

máquinas simultaneamente.

A reestruturação produtiva do capital foi incrementada pela introdução do

neoliberalismo, uma política de mercado que incentiva as privatizações e desregulamentações

da Economia, inclusive no tocante às relações trabalhistas, promovendo cada vez mais o

afastamento do Estado do mercado. Essa reestruturação produtiva traz alcunha da “empresa

enxuta, a empresa moderna, que constrange, restringe, coíbe, limita o trabalho vivo, cada vez

38 SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006, p. 45.

27

mais reduz a força de trabalho humano com a utilização de maquinário tecnocientífico,

ampliando a sua produtividade”. 39

Giovanni Alves leciona que: “A principal característica do novo complexo da

reestruturação produtiva, que surge sob a era neoliberal, é o seu caráter irruptivo sobre o

trabalho, constituindo, a partir daí, um novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil”. 40 O

que se tem em seguida é o desemprego, a precarização do trabalho, o rebaixamento salarial,

perda de direitos, piores condições de trabalho, desigualdade social, uma vez que o trabalho

passou a ser mais intensamente explorado pelo capital, com a proteção da política neoliberal.

O Brasil teve a sua industrialização influenciada pelo Fordismo desde os anos de 1930,

tendo a partir de 1990, no Governo de Fernando Henrique Cardoso, apresentado modificações

no setor produtivo, sobretudo com as privatizações.

Assim, os anos 1980 e principalmente os anos 1990 são apontados como de grandes transformações com alterações profundas no mundo do trabalho, marcado pelo desemprego, pela expansão dos setores de telemarketing, terceirização, incremento do setor de serviços, informalização e precarização do trabalho, rebaixamento salarial, proliferação do “empreendedorismo”, “cooperativismo” e “trabalho voluntário”. 41

Em razão dessa nova ofensiva do capital os problemas sociais se intensificaram, já que

o poder econômico da população foi reduzido, juntamente com os postos de trabalho, houve o

surgimento do desemprego estrutural, o emprego precário, inseguranças sociais, baixos

salários, desencadearam problemas habitacionais, de saúde, educação, alimentação entre

outros direitos básicos.

Além do desenvolvimento do sistema toyotista, a prática empresarial da terceirização

caracteriza a nova reestruturação produtiva do capital, o que também acarreta a degradação

dos direitos trabalhistas e sociais.

39 SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006, p. 45. p. 44. 40 ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2000, p. 247. 41 SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita, Op. cit, p. 14.

28

[...], a fórmula terceirizante pulveriza a classe trabalhadora, criando dificuldades práticas quase intransponíveis para a efetiva aplicação do Direito do Trabalho, em face das inúmeras peculiaridades que passa a criar, em função dos tipos de segmento econômico, de empresa e de trabalhadores envolvidos [...]. Finalmente, o artifício da terceirização, em virtude de todos os fatores citados, dispensa a atuação sindical pelos trabalhadores, dificultando o intercâmbio entre o trabalhador terceirizado e o empregado efetivo da unidade tomadora de serviços. 42

A terceirização ocasiona a precarização dos salários e das condições de trabalho dos

funcionários que são subcontratados, ao contrário dos funcionários que estão inseridos no

núcleo duro da empresa. Além disso proporciona a desagregação sindical da categoria

terceirizada em relação à categoria predominante.

Vê-se que os modos de produção são desenvolvidos em prol do Capitalismo,

conduzindo maliciosamente os rumos da legislação trabalhista às propostas flexibilizadoras.

1.2.1 Crítica às propostas de flexibilização dos direitos trabalhistas com vistas à valorização do trabalho

As tendências atuais do vínculo de emprego integram um processo vasto de

transformação da sociedade e da Economia. A elevada taxa de desemprego, o desemprego

estrutural, a crescente precarização salarial e do trabalho, o trabalho autônomo e o informal,

refletem as dificuldades crescentes de inserção da maior parte da população economicamente

ativa no mercado de trabalho, bem como primam por uma melhor regulação estatal.

É corrediça a indignação dos empregadores em relação aos custos trabalhistas no

Brasil, e a crença de que a desregulamentação e a flexibilização podem baratear o custo da

empresa, aumentando proporcionalmente os lucros, estimularia novos investimentos, o

emprego, elevaria os salários, melhorando assim as condições do trabalhador.

No campo jurídico cresce o número de propostas legislativas, que segundo seus

idealizadores são destinadas a adaptar ou atualizar o direito do trabalho às transformações do

mundo do trabalho. É a flexibilização heterônoma, também chamada de desregulamentação.

42 DELGADO, Maurício Godinho. O fim do trabalho e do emprego no capitalismo atual: realidade ou mito. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo/SP, ano 31, n. 120, outubro a dezembro de 2005.

29

É a flexibilidade imposta unilateralmente pelo Estado, por meio de lei ou decreto que simplesmente derroga ou direito ou benefício trabalhista, diminuindo-o ou substituindo por outro menor. Nesse tipo de flexibilização – do mesmo modo que a imposta unilateralmente pelo empregador – não intervém a vontade do sujeito passivo da flexibilidade. 43

Esse tipo de flexibilização parte de cima para baixo, o Estado impõe a redução dos

direitos trabalhistas por meio de medidas normativas, não há participação dos trabalhadores,

nem contraprestação econômica ou mesmo social. Simplesmente determinado direito

trabalhista que até então era considerado como garantia mínima para o trabalhador, e uma

obrigação para o empregador, deixa de sê-lo.

O direito coletivo entra em cena, em razão da negociação coletiva ser fonte autônoma

de regulação das relações do trabalho, com base na autonomia privada coletiva há a

flexibilização autônoma, que é feita pelas próprias partes.

A flexibilidade autônoma, por outro lado, é a flexibilidade introduzida pela autonomia coletiva. Intervém nela a vontade coletiva do “sujeito passivo” da flexibilização, seja por meio de convenção coletiva, de pacto social ou acordo-padrão. A flexibilidade coletiva, que supõe a já mencionada prescindibilidade coletiva da lei, é a que permitiu, por parte da doutrina italiana, a formulação da tese de uma transição da proteção estatal para um garantismo coletivo. É bom também aqui consignar que a “legislação negociada” tão comum na Europa, é uma mistura de autonomia e heteronomia, na qual a primeira legitima a segunda e fixa seus limites. 44 (Grifo do Autor)

A flexibilização pode ser definida da seguinte forma: “Em termos muito gerais e no

âmbito do direito do trabalho, a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição,

afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica com a finalidade – real ou

pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”. 45

O autor citado ainda distingue a flexibilização incondicionada da condicionada. A

primeira, “[...] na qual os trabalhadores renunciam gratuitamente a determinados direitos ou

os perdem ou o fazem numa simples expectativa, eventualidade ou esperança, por exemplo,

de que o emprego aumente ou se mantenha. Não há nesse caso, uma contraprestação

43 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 11. 44 Id ibidem, p. 11. 45 Idem ibidem, p. 09.

30

determinada e exigível”. 46 O empregado sem receber qualquer benefício abre mão de direitos

trabalhistas que podem ser derrogados pela vontade das partes.

A segunda, que é a condicionada, bilateral ou sinalagmática, “[...] é aquela na qual a

renúncia ou perda dos trabalhadores tem uma compensação da parte do empregador e,

eventualmente, do Estado”. 47 No caso de descumprimento, renasce o direito trabalhista que

havia sido negociado.

Nesse sentido vale comentar o caso da “Bélgica e da Itália onde as negociações de

direitos trabalhistas às vezes são seguidas de subsídios ou incentivos fiscais por parte do

Estado. É exemplo de flexibilização condicionada à redução da remuneração, com a

conseqüente redução da jornada de trabalho, ou aumento de férias anuais”. 48

Também, no Brasil há estudos voltados para o tema, como o realizado por Orlando

Teixeira da Costa, citado por Amauri Mascaro Nascimento, no qual, diante da realidade

brasileira, afirma:

[...] em face dessa situação, não se pode, sem o devido cuidado, promover qualquer reforma trabalhista no sentido de adotar uma postura flexível, pois uma ação irrefletida neste sentido poderia agravar a condição dos hipossuficientes, sem contribuir, de maneira alguma, para o fortalecimento das relações de trabalho. A quebra da rigidez de certas normas tem que vir metodicamente, através de um processo de flexibilização diferenciada, que não cuide apenas do geral, mas prioritariamente do diversificado. E essa diversificação deve considerar não apenas a carência de muitos ou o concentrado poder econômico de poucos, mas a variedade que apresentam empresários e empregados. A regulação das relações laborais, de modo flexível, teria que começar, a nosso ver, por um tratamento jurídico diferenciado entre pequena, médias e grandes empresas, não apenas do ponto de vista fiscal, como já ocorre, mas no que diz respeito aos direitos trabalhistas a serem reconhecidos àqueles que elas empregam. 49

Vale distinguir a flexibilização da desregulamentação, tema que é muito bem

trabalhado por Oscar Ermida Uriarte, utilizando como parâmetro a doutrina européia:

46 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 11. 47 Op. cit, p. 12. 48 Id ibidem, p. 12. 49 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 146.

31

De um lado, sobretudo na doutrina européia, reserva-se a palavra ‘desregulamentação’ para se referir à flexibilização unilateral, imposta pelo Estado ou pelo empregador, diminuindo ou eliminado benefícios trabalhistas, sem real participação da vontade do trabalhador e sem contrapartida ou sem contrapartida determinável e exigível. Por outro lado, essa mesma doutrina reserva o termo ‘flexibilização’ para identificar a adaptação autônoma negociada e condicionada, quer dizer, em troca de determinadas e exigíveis contraprestações e não em troca de uma mera expectativa. 50

A Constituição Federal em vigor permite a flexibilização de alguns direitos

trabalhistas, mediante negociação coletiva, sendo eles:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XVI – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. 51

Deve-se atentar que a negociação coletiva que legitima a flexibilização, não é fruto do

sindicalismo subserviente, que abre mão de direitos trabalhista sem contraprestação, mas sim

do sindicalismo autêntico, que realmente atua na defesa dos interesses da categoria

profissional. É que muitas vezes a desregulamentação surge da fraqueza dos sindicatos. “O

enfraquecimento dos sindicatos os deixa numa posição muito difícil, na qual, às vezes, se

vêem obrigados a legitimar medidas flexibilizadoras que, ao mesmo tempo, contribuem para

aumentar sua fraqueza”. 52

Com isso, pretende-se a ampliar as possibilidades de flexibilização dos direitos

trabalhistas, para além dos permitidos constitucionalmente. Ainda assim é preciso cautela,

pois em nome da representatividade sindical, os mais interessados no assunto, acabam não

participando diretamente das negociações, o que deve ser evitado em homenagem ao princípio

democrático.

50 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 17. 51 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006. 52 URIARTE, Op. cit, p. 22.

32

No tocante a democracia, cabe trazer à colação parte de uma entrevista concedida por

José Saramago, escritor português, onde questiona a ilusão do mundo democrático da seguinte

forma:

O que é o funcionamento das instituições democráticas, isso chega até onde? Chega até a capacidade do Cidadão de eleger um governo. Se não está satisfeito com este governo, nas eleições seguintes pode tirar este e por outro, que isso traz mudanças sim. Mas mudar de governo não significa mudar o poder, e este é o drama da democracia. Para dar um exemplo muito simples, nós sabemos que vivemos hoje voltados para o mercado de trabalho. Mas vivemos hoje em uma situação de emprego precário, misticamente designada de mobilidade social. Minha pergunta é: dá para acreditar, para usar uma expressão mais brasileira, que algum governo no mundo se sentou para deliberar, e algum ministro teve a idéia, de acabar com a idéia do pleno emprego, e passar para o emprego precário? É completamente impossível. Eu não acredito que nenhum governo tomou essa decisão. No entanto, o emprego precário existe no mundo inteiro, ninguém tem segurança no emprego, pode acontecer que hoje uma pessoa tenha o seu. Esta é hoje a realidade do mercado de trabalho. Portanto, da onde veio esta necessidade de transformar a idéia do pleno emprego naquilo que é hoje o emprego precário? Evidentemente, veio de cima, quero dizer, veio do poder econômico, a quem não convém existir segurança no trabalho, a quem não convém continuar com suas fábricas instaladas em países com exigência quanto ao horário de trabalho e a salários altos. Vão colocar suas fábricas nas Filipinas ou na Indonésia, onde essas exigências não existem, onde não há sindicatos, e as pessoas trabalham 10 ou 12 horas por dia. Portanto, se é assim, chegamos a uma situação preocupante. Os governos que elegemos, no fundo, são correias de transmissão das decisões e das necessidades do poder econômico, e os governos não só funcionam como correias de transmissão, mas também como os agentes que preparam as leis, como as que levam ao emprego precário. 53 (grifo nosso)

Segundo o autor acima, as leis que os governos elaboram proporcionam o

aparecimento do emprego precário, em detrimento do pleno emprego, contrariando a política

de Estado da busca pelo pleno emprego. Essa atitude embora não seja desejada a princípio,

acaba sendo necessária, pois o governo cede às exigências dos detentores do capital, buscando

mais a finalidade econômica do que a social. Nesse ínterim, vale trazer a baila as palavras de

Ricardo Antunes:

Os capitais passaram, então, a exigir a flexibilização dos direitos do trabalho, forçando os governos nacionais a ajustarem-se à fase da acumulação flexível. Flexibilizar a legislação social do trabalho significa não ser possível nenhuma ilusão sobre isso, aumentar ainda mais os mecanismos de extração

53 SARAMAGO, José. Que democracia é esta? Disponível em: http//agenciacartamaior.uol.com.br/reportagens. Acesso em: 05/09/04.

33

do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente pós-1930, quando se toma o exemplo brasileiro. 54

Caso não torne o país mais atrativo para os agentes econômicos, o capital internacional

ou mesmo o nacional, ameaçam mudar seus empreendimentos do país, e o levarem para outro

lugar do mundo.

Ainda, para Oscar Ermida Uriarte, um dos principais fundamentos teóricos da

flexibilização são os postulados da escola neoliberal. “O mandamento neoliberal no que

pertine ao trabalho é muito preciso: individualização das relações de trabalho até o limite do

politicamente possível, para tanto pretende a não intervenção do Estado, com a finalidade de

que cada trabalhador negocie livremente com o empregador a venda de sua força de trabalho,

substituindo assim, o Direito do Trabalho pelo Direito Civil”. 55

Ademais, no equacionamento deste problema não se há de olvidar os efeitos da crescente globalização, onde se vai diluindo a capacidade de o Estado estabelecer unilateralmente normas de Direito do Trabalho, seja pela vigência de tratados internacionais, seja pela mútua influência estabelecida entre as economias de diversos países, cujos desdobramentos econômicos estritos, seja da atividade econômica mundializada, seja da análise da legislação em vigor, estão na ordem do dia das decisões dos agentes, que espontaneamente adotam a lógica econômica e só coercitivamente perfilham condutas que incorporam em maiores custos. 56

Os agentes econômicos sempre buscarão o lucro, não desenvolverão atividades

somente em prol da justiça social, ou mesmo em função da dignidade do trabalhador, o que

lhes move é o interesse individual de lucro.

O próprio desemprego aliado ao enfraquecimento sindical desequilibra ainda mais a

relação entre o capital e o trabalho, pois quanto maior o desemprego, menor o nível salarial, e

maior a receptividade por medidas flexibilizadoras. No entanto, cabe mencionar que “a

flexibilização trabalhista sempre existiu em benefício do trabalhador, mas o que atualmente

54 SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006, p. 49. 55 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 20. 56 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 160.

34

chama-se de flexibilização trabalhista é na verdade a diminuição ou eliminação de direitos ou

benefícios trabalhistas”. 57

A ordem pública trabalhista ou a ordem pública social sempre admitiu sua modificação por normas heterônomas ou autônomas, coletivas ou individuais, mais favoráveis ao trabalhador. Por isso, na verdade, o que se chama flexibilidade é, em geral, a flexibilidade “para baixo”, de desmelhoramento ou in pejus. 58 (grifo do autor)

Para Petter, os novos rumos do direito do trabalho também devem ser levados em

consideração, desde que não importem em mitigação dos princípios de proteção mínima ao

trabalhador, que dão sustentação a este ramo do Direito.

Entretanto, há de se ter presente a ponderação de que a descaracterização do princípio da proteção do trabalhador, que está na base do Direito do Trabalho, levaria, mais cedo ou mais tarde, à falência e ao desaparecimento da própria disciplina. Esta constatação, por outro lado, não é impeditiva das adaptações que se fizerem necessárias, próprias da historicidade que marca o fenômeno jurídico em si. Mas não se há de confundir flexibilização com desregulamentação, esta de caráter mais devastador para a proteção do trabalho. 59 (grifo do autor)

Os que buscam a flexibilização alegam que a longo prazo as medidas protetivas

acabam por afastar o investidor, que ao retirarem de circulação o capital, retiram também os

postos de trabalho, gerando um desemprego em cadeia. Entretanto, a causa do desemprego

não é a rigidez da legislação trabalhista ou o encargo das empresas em manter o empregado.

Se os custos do trabalho são medianamente importantes, como explicar que em países, nos quais a participação do salário na renda nacional é de 60%, 70% ou 80%, sejam mais competitivos que os nossos, nos quais a participação do salário na renda nacional é sempre inferior a 30%? Porque, numa época de tanta manipulação estatística, econométrica, numérica, é tão difícil encontrar medições do porcentual do salário no custo total da produção e no preço da venda do produto? 60

Experiências de flexibilização em partes diferentes do mundo acabam por mostrar que

a solução para a crise trabalhista não é a flexibilização. Como exemplo, cita-se “a Espanha,

que em 1984 tinha uma taxa de desemprego em torno de 10%, e após reformas

57 URIARTE, Oscar Ermida, A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 09. 58 Op. cit, p. 10. 59 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005, p. 160. 60 URIARTE, Op. cit, p. 57.

35

flexibilizadoras, subiu para aproximadamente 22%, com isso aumentou-se o número de

desempregados, e de empregados desprotegidos. Em resposta a tudo isso, no ano de 1997

foram implementadas medidas de proteção, visando a estabilidade no emprego, através da

promoção do contrato de longa duração, sendo conseguida a redução do desemprego para em

torno de 18 ou 19%. Em 2000 já estava em torno dos 14 ou 15%”.61

A OIT já se manifestou abertamente sobre o tema, afirmando que, “em geral, as

reformas flexibilizadoras não têm contribuído para gerar emprego, mas, em compensação,

teriam contribuído para deteriorar a qualidade do emprego restante”. 62

O problema não é o direito do trabalho, nem mesmo as relações do trabalho. Segundo

Uriarte, o problema é do sistema econômico, que destrói mais do que gera postos do trabalho.

A substituição da mão-de-obra por tecnologia, a possibilidade técnica de produzir com menos mão-de-obra, mais a conveniência economicista de manter um desemprego funcional são os reais problemas. E a solução não está no Direito do Trabalho, mas fora, por que o problema em si está fora. A solução não pode ser uma progressiva degradação das condições de trabalho, porque seria suicida e porque, além disso, nenhum empregador contrata trabalhador que não precisa, só porque é mais “barato”, e nenhum empregador deixa de contratar trabalhador de que precisa, porque é um pouco mais “caro”. 63

A flexibilização não solucionará o problema dos altos índices de desemprego. Ela é

utilizada para forçar os trabalhadores a aceitarem salários mais baixos, em piores condições

de trabalho, sucumbindo ao trabalho ilegal, irregular, precário e sem garantias. Ricardo

Antunes cita Vasapollo.

Com o pós-fordismo e a mundialização econômico-produtiva, o trabalho ilegal vem assumindo dimensões gigantescas, também porque os países industrializados deslocaram suas produções para além dos limites nacionais e, sobretudo, vêm investindo em países nos quais as garantias trabalhistas são mínimas e é alta a especialização do trabalho, conseguindo, assim, custos fundamentalmente mais baixos e aumentando a competitividade. 64

61 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 57. 62 Idem ibid, p. 59. 63 Op. cit. p. 59. 64 VASAPOLLO, 2005 apud SILVA, Maria Ozanira da; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2006, p. 48.

36

No entanto, nenhuma forma de flexibilização por mais bem intencionada que esteja,

poderá subtrair do trabalho o seu valor, realçado, e muito, pelo texto constitucional, sendo

difícil, detectar quando uma forma de flexibilização cumpriria o estatuído na Constituição

Federal. De qualquer forma, vale salientar que a flexibilização proporciona uma maior

margem de negociação nos contratos coletivos de trabalho, que não poderão ser contrários ao

Direito do Trabalho.

A flexibilização deve ter em mira não somente os investimentos financeiros, mas

também a mantença dos vínculos de emprego, maiores e melhores condições de trabalho,

enfim respeitando o trabalhador como ser humano, dotado de consciência e razão.

Os adeptos de um modelo intervencionista de relações de trabalho, como o latino-americano, que tem o seu fundamento tradicional na concepção

heterotutelar, refratário às visões economicistas que caracterizam os sistemas anglo-saxônicos, valorizante da presença do Estado nas relações de trabalho, vista como única ou principal forma de proteger o hipossuficiente, base da noção do direito tutelar do trabalho em detrimento do direito contratual, e que acredita na mágica da lei para solucionar todos os problemas sociais, não podem ver com bons olhos a flexibilização do direito do trabalho, que é oposto dessas idéias, bem como os adeptos incondicionais da economia de mercado só vêem na flexibilização a solução para os problemas trabalhistas da empresa. 65 (grifo do autor)

As medidas flexibilizadoras, por mais bem intencionadas que sejam não poderão

subtrair do trabalho o seu valor, realçado, e muito, pelo texto constitucional, deverão proceder

às reais necessidades de adaptação, desde que não desproteja o trabalhador. Sendo difícil,

detectar quando uma forma de flexibilização cumpriria o estatuído na Constituição Federal,

fato este que por si só justifica a participação do Estado na tutela do trabalhador.

1.3 DO TRABALHO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais surgiram como limitação ao poder do Estado em relação ao

indivíduo, representando a autonomia do indivíduo em relação ao próprio Estado. “A questão

consistia em delimitar as áreas em que a vontade individual se poderia livremente projectar,

sem que o Estado aí pudesse interferir”. 66

65 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 144. 66 CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 12.

37

A instituição dos direitos fundamentais veio como reação à criação do próprio Estado.

Depois de superado o estado de natureza, em que se tornou impossível aos seres humanos a

sobrevivência no estado livre, houve a celebração do pacto social, por meio do qual

renunciariam uma parte dos direitos naturais, conservando em contrapartida, direitos ditos

fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade e outros.

Com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, aliada àquela americana de 1776, os direitos fundamentais reduziam-se aos de liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão. Na verdade, esses surgem como reação aos excessos do regime absolutista com a pretensão de se imporem controles e limites à abusiva atuação do Estado. Destarte, o primado da liberdade consistia na não-atuação estatal, e a igualdade cingia-se apenas à concepção formal. 67

Inobstante a necessidade da instituição do Estado, por imprescindível à sobrevivência

humana, era necessário colocar limites, para que ele não adentrasse em áreas de cunho

exclusivamente individual, diminuindo a autonomia de cada cidadão.

Os direitos fundamentais se distinguem dos direitos humanos pelo fato daqueles,

estarem positivados nos Ordenamentos Jurídicos. Os direitos humanos pairam no campo

internacional, enquanto os direitos fundamentais espelham os valores fundamentais da

sociedade, que estão inseridos no texto constitucional de cada país, “porque os direitos

fundamentais constituem hoje o estatuto jurídico dos cidadãos, eles tendem a receber

consagração constitucional, ocupando, como se referiu atrás, títulos ou capítulos da maioria

dos textos constitucionais”. 68

As expressões «direitos do homem» e «direitos fundamentais» são frequentemente utilizadas como sinónimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. 69 (grifo do autor)

67 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no Contexto da Globalização Econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 41. 68 CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 21. 69 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 393.

38

A positivação dos direitos humanos, transformando-os em direitos fundamentais, é

considerada como mais uma garantia de respeito aos direitos humanos, vinculando inclusive

as entidades públicas.

Como ensina João Caupers, “Entre as noções de direitos fundamentais e de direitos do

homem não existem diferenças substanciais. Pode mesmo dizer-se que ambas as noções se

reportam ao reconhecimento da dignidade do ser humano”. 70

Percebe-se, que tanto os direitos humanos como os direitos fundamentais visam o

reconhecimento da dignidade do ser humano, que há de ser reconhecido como um direito que

é base e condição de todos os outros, que é o direito de ser reconhecida e tratada como pessoa

humana e viver como tal, por isso também chamado por Alexandre de Moraes de direitos

humanos fundamentais.

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. 71 (grifo do autor)

As modernas concepções de direitos fundamentais possuem como um de seus traços

essenciais, a necessidade de garantir eficazmente certo número de direitos, como condição

mínima do respeito à dignidade humana. Isso quer dizer que é indispensável a garantia de um

mínimo de direitos, ditos fundamentais, por parte do Estado, diga-se de passagem, para que

haja verdadeiro respeito à dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais constituem a base jurídica da vida do ser humano, no seu

nível mínimo de dignidade.

Com o tempo, passou-se a exigir uma postura positiva por parte do Estado, os direitos

fundamentais se alargaram, repercutindo na área social e econômica. Os indivíduos que em

outros tempos tinham direito à abstenção do Estado nos assuntos de cunho nitidamente

individual, lutaram para que o direito à abstenção se convertesse em direito à atuação estatal,

70 CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 15. 71 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.

39

com a finalidade de proporcionar igualdade entre todos os cidadãos. Até então, a abstenção do

Estado proporcionava a liberdade individual.

As Constituições começaram a trazer os direitos fundamentais civis, políticos,

econômicos, sociais e culturais, sendo estes últimos três exigidos em face do Estado.

“Passaram a pertence a tal categoria dentre outros, os direitos ao trabalho, à saúde, à moradia,

à educação, à cultura e ao lazer”. 72

A partir de então o trabalho passou a fazer parte dos direitos fundamentais, dentre os

que, para serem efetivados necessitavam de uma atuação positiva por parte do Estado, com

isso, primava-se pela igualdade social e econômica entre os homens, que poderiam ser

conseguidas por meio do trabalho. O trabalho passou a ser instrumento de transformação da

sociedade.

O direito fundamental do trabalho encontra duas vertentes, o direito fundamental ao

trabalho e o direito fundamental dos trabalhadores.

Os direitos fundamentais dos trabalhadores são fundamentais na medida em que visam assegurar condições de vida dignas, no sentido de minimamente

compatíveis com o desenvolvimento da personalidade humana, e garantir as

condições materiais indispensáveis ao gozo efectivo dos direitos de

liberdade. 73 (grifo do autor)

Os direitos fundamentais dos trabalhadores estão relacionados tanto com as condições

de trabalho, como com as possibilidades de sobreviver por meio do trabalho. Nas primeiras

enquadram-se o direito ao descanso semanal remunerado, as férias periódicas, o direito à

higiene e segurança do trabalho. Nas segundas enquadram-se o direito à proteção contra o

desemprego involuntário, o direito a que o Estado execute políticas de promoção do pleno

emprego, direito à formação profissional, direito à fixação e atualização do salário mínimo

nacional.

72 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do Trabalho e Dignidade da Pessoa Humana, no Contexto da Globalização Econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 42. 73 Castán Tobeñas, José, 1976, p. 107 apud Caupers, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 108.

40

O direito ao exercício da autonomia privada coletiva também é um direito fundamental

dos trabalhadores, traduzindo-se no direito à participação sindical, direito de greve, de filiação

sindical, e o direito à negociação coletiva, de maior envergadura.

O direito ao trabalho apresenta duas perspectivas: a de quem está desempregado e a de

quem está empregado. Quem está empregado tem direito à estabilidade no emprego, ou

melhor, segurança do emprego que é garantida pela Constituição Federal, ao proteger as

relações de trabalho contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, Art. 7°, I, cabendo à Lei

Complementar prever a indenização compensatória.

Para quem está desempregado, a situação deságua em duas hipóteses distintas, mas

que possuem ponto comum, a participação essencial do Estado, cabendo ao Autor Lusitano

João Caupers lecionar sobre o assunto:

- O Estado dispõe da possibilidade de conseguir postos de trabalho para todos os que deles necessitam – e essa possibilidade decorrerá, por via de regra, da propriedade colectiva dos meios de produção – e então o direito ao trabalho será, para os desempregados, o direito de exigir do Estado um posto de trabalho; - Ou o Estado, porque não detem a generalidade, ou sequer a maioria, dos meios de produção, não pode dar emprego a todos quantos dele necessitam; porque se garante a liberdade de empresa, ou de iniciativa económica, os empresários também não podem ser forçados a admitir os trabalhadores desempregados. O direito ao trabalho destes englobará a liberdade de trabalho, o direito à assistência material enquanto mantiverem involuntariamente desempregados e, eventualmente, uma situação activa usualmente tutelada de forma débil, a pretensão de que o Estado, através da execução de políticas de pleno emprego, promova a criação de novos postos de trabalho. 74

Não há dúvidas de que a participação do Estado é de suma importância para resolver o

problema do desemprego e da desvalorização do trabalho humano, e esta tarefa está esculpida

no texto constitucional.

Desta forma, o trabalho enquanto direito fundamental deve ser garantido pelo Estado,

e no caso do Brasil, em que é garantida a iniciativa privada e a livre iniciativa, ele deve

promover políticas públicas para conseguir inserir no mercado de trabalho os trabalhadores à

74 CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 110/111.

41

disposição. Isso porque as políticas públicas estão diretamente ligadas à efetivação do direito

ao trabalho.

Tem-se então, que a primeira função dos direitos fundamentais foi a defesa da pessoa

humana e da sua dignidade perante o Estado, numa dupla perspectiva, uma proibia a

interferência do Estado na esfera individual, e a outra garantia aos indivíduos de exercerem a

sua liberdade. Na segunda função, os direitos fundamentais primavam pela atuação do Estado

na garantia de direitos econômicos, sociais e culturais. Tem-se então que direitos

fundamentais designam liberdade e dignidade.

Tratando-se de direitos fundamentais, cabe frisar que a Constituição Federal, em seu

título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, entre elas os direitos dos

trabalhadores, traz em seu Art. 5°, § 1°, a seguinte disposição: “as normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, 75 portanto, para serem usufruídos

independem de qualquer regulamentação.

Isso significa que tais normas devem ser imediatamente cumpridas pelos particulares, independentemente da produção de qualquer ato legislativo ou administrativo. Significa, ainda, que o Estado também deve prontamente aplica-las, decidindo pela imposição de seu cumprimento, independentemente da produção de qualquer ato legislativo ou administrativo, e as tornando jurídica ou formalmente efetivas. 76

A Constituição brasileira tem como direitos fundamentais todos aqueles positivados no

Título II, que inclui os Art. 5° ao 17, além de outros direitos fundamentais que estão

espalhados por todo o texto constitucional. Entre os direitos fundamentais, estão os direitos

sociais, previstos no Art. 6°, e entre os direitos sociais, o direito ao trabalho.

1.3.1 Dos Direitos Sociais

No Art. 6° da Constituição Federal estão previstos os seguintes direitos sociais: “a

educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção

à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. 77

75 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006. 76 GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 326. 77 BRASIL, Op. cit.

42

Os direitos sociais possuem várias concepções, e entre elas pode ser citada a de que

“os direitos sociais têm como objecto prestações positivas do Estado, como fundamento a

solidariedade social, como objectivo imediato a correção das injustiças sociais

consubstanciadas em desigualdades de facto e como finalidade última a garantia da

possibilidade de ser livre”. 78 (grifo do autor)

Os direitos sociais podem ser conceituados como sendo: “direitos dos indivíduos e da

coletividade que estão relacionados às prestações positivas do poder público nas áreas

econômica e social, que tenham por objetivo a melhoria das condições de vida e de trabalho

da sociedade”. 79 Esta lição é a de José Afonso da Silva, como a seguir se vê:

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. 80 (grifo do autor)

A defesa dos direitos sociais visa garantir aos cidadãos condições materiais mínimas,

por isso chamados de piso vital mínimo, para que eles possam gozar as liberdades inerentes à

pessoa humana, as quais devem ser garantidas pelo Estado. O indivíduo que não possui

condições mínimas de subsistência não consegue fazer valer a sua liberdade, principalmente

quando não possui um trabalho que proporcione independência econômica perante a

sociedade.

[...] <<todo homem tem direito a sua subsistência>>. Nesse sentido, [...] onde se encontrem homens sem meios de subsistência, existe uma violação aos direitos do homem. [...] o direito a subsistência apresenta dois aspectos: o trabalho, se o homem é apto, ou os auxílios gratuitos, se não tem possibilidade de fazê-lo. 81

78 CAUPERS, João. Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição. Lisboa: Almedina, 1985, p. 30. 79 RIBEIRO, Marcus Vinicius. Direitos humanos e fundamentais. Campinas/SP: Russell, 2007, p. 53. 80 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.289. 81 HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e Direitos Sociais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, Campinas/SP, n. 28, p. 130, janeiro a junho de 2006.

43

Dentre os direitos sociais previstos na Constituição Federal, num país como o Brasil,

no qual o Estado não consegue suprir, diretamente e eficazmente, as necessidades sociais

básicas dos cidadãos, o trabalho humano surge como meio de acesso aos demais direitos

sociais.

O trabalho é um direito social que proporciona o gozo dos demais direitos sociais, por

isso ele deve ser valorizado, tendo uma remuneração que permita ao trabalhador gozar de

direitos como: saúde e educação de qualidade, moradia digna, lazer, segurança, previdência

social, vestuário, transporte, entre outros direitos básicos, que só um trabalho digno pode

proporcionar.

Num sentido material, então, valorizar o trabalho humano é retribuir mais condignamente àquele que se dedicou à empresa (tarefa, empreitada) para a qual foi contratado. Num ambiente onde se verifique a efetividade dos direitos sociais previstos nos arts. (sic) 6º a 11 da Constituição Federal, as chances de que tal situação venha ocorrer são maiores. 82

O trabalho humano é um importante componente da justiça social, haja vista que além

de ser um direito, é um dever jurídico que incube o Estado em face de toda pessoa humana,

capaz, de assegurar a sua própria subsistência, ele, o trabalho, proporciona às pessoas a

possibilidade de viver de forma digna, sobretudo quando devidamente valorizado, pois não

basta a garantia da própria sobrevivência, o ser humano precisa e merece viver

condignamente.

O gozo dos direitos sociais é expressão de cidadania, “E se entendermos cidadania

como o usufruto dos direitos sociais, civis e políticos e o cumprimento simultâneo dos deveres

para com o Estado, ver-se-á que depende, em grande medida, da ação deste”, 83 sobretudo

com a constitucionalização dos direitos sociais, passou-se a exigir do Estado condições iguais

para todos exercitarem estes direitos.

82 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.155. 83 ANDRADE, Sara; MEDEIROS, Ricardo Adriano Brito de. Direito, cidadania e combate à pobreza: a responsabilidade do administrador público na promoção das políticas públicas. Revista da FARN, Natal, v. 4, p. 121-136, jul. 2004/dez. 2005.

44

1.4 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A valorização do trabalho humano consta como um dos sustentáculos da República

Federativa do Brasil, logo no Art. 1º da Constituição Federal. O trabalho também vem

elencado no Art. 6º, como um dos direitos sociais e em seguida, o Art. 7º traz os direitos dos

trabalhadores constitucionalmente previstos, com a finalidade de salvaguardá-los.

Com efeito, ao estabelecer como alicerce da República a dignidade da pessoa humana,

os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, é imperativa a determinação constitucional

de que os instrumentos normativos alusivos às relações de trabalho devem objetivar a

prevalência dos valores sociais do trabalho, impondo freios aos ideais liberais que regem as

relações econômicas.

O Título VIII da Constituição Federal traz em seu Capítulo I a instituição da Ordem

Social: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o

bem-estar e a justiça sociais”. 84

A Ordem Social também serve de apoio normativo para que o Estado brasileiro

continue sustentado pela dignidade da pessoa humana e pelos valores sociais do trabalho,

entre outros fundamentos. Tendo por norte, direção, os princípios constantes do Art. 3º da

Constituição Federal, tendo em vista que possui como base o trabalho, e como objetivo o

bem-estar e a justiça social. Construir a Ordem Social sobre os valores do trabalho nada mais

é que inserir o homem na sociedade por meio do trabalho.

Basear a Ordem Social no Trabalho, nada mais é do que possibilitar ao trabalhador, à parcela mais frágil da sociedade, o direito de viver com dignidade. Nessa vertente, a Ordem Social objetiva fornecer a todos os indivíduos um completo bem-estar, possibilitando-lhes o acesso à seguridade social, à educação, à cultura, ao desporto, à ciência, à tecnologia entre outras formas de integração social. 85

84 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006. 85 PEIXOTO, Marcelo Magalhães, FERNANDES, Edson Carlos. Tributação, Justiça e Liberdade: homenagem da Associação Paulista de Estudos Tributários a Ives Gandra da Silva Martins. Curitiba: Juruá, 2005, p. 676.

45

Como princípios constitucionais ainda podem ser citados: o princípio da não-

discriminação, estabelecido no Art. 7º, inciso XXX, que proíbe diferenciações nos critérios de

admissão, no exercício das funções e do salário por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil,

ou critérios de admissão e diferenciadores do salário em razão de deficiência física (Art. 7º,

inciso XXXI), bem como proibição de distinção na aplicação das normas gerais, entre o

trabalho manual, técnico, e o intelectual, ou entre os profissionais respectivos (Art. 7º, inciso

XXXII). Não fere o princípio em comento tratar os desiguais desigualmente, ou seja, a

aplicação da igualdade material.

O princípio da continuidade da relação de emprego, que embora a Constituição

Federal não tenha consagrado a estabilidade absoluta, ela protege os trabalhadores contra as

dispensas arbitrárias ou sem justa causa utilizando-se do FGTS – Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço, pois “Para o trabalhador, o desemprego acaba sendo uma situação de

injustiça, um mal, que em grau muito elevado causa calamidade social. A continuidade do

contrato de trabalho, ao contrário, implica o desenvolvimento do ser humano”. 86

Na dispensa sem justa causa o empregador é obrigado a pagar em benefício do

empregado uma multa equivalente a 40% do saldo da conta vinculada, bem como o

fornecimento de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo de no mínimo trinta

dias.

Outro princípio constitucional é o princípio da irredutibilidade do salário, salvo

negociação coletiva, “já embutido na regra da inalterabilidade salarial decorrente do princípio

protetor, o qual somente em casos especiais, explicitamente mencionados, pode ser afetado

pelos instrumentos da negociação coletiva – flexibilização sob tutela sindical (Art. 7º, VI)”. 87

Embora se trate de princípios, que possuem um grau de abstração elevado, e possam

ter a sua eficácia questionada, para José Afonso da Silva, “não há norma constitucional

destituída de eficácia. Todas elas irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma inovação

da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da constituição a que aderem e a nova

86 MARTINS, Sérgio Pinto. O atual sistema não traz garantia no emprego ao trabalhador, que pode ser dispensado a qualquer momento. Disponível em: www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=coluna&idcoluna=9&idmateria=952. Acesso em: 18.01.2008. 87 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. Atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. São Paulo: LTr, 2002, p. 148.

46

ordenação instaurada”. 88 Desta forma, todas as normas contidas no texto constitucional são

relevantes para o Ordenamento Jurídico, pelo simples fato de estarem contidas na

Constituição Federal.

Mesmo as normas programáticas, que possuem eficácia limitada, elas informam para

onde deverá ir o Estado, demonstram quais deverão ser os seus interesses, que certamente não

poderão ser outros que os objetivos esculpidos no Art. 3º da Constituição Federal.

É no capítulo destinado aos Princípios gerais da atividade econômica, que o trabalho

humano ganha sua maior ênfase constitucional, justamente no Art. 170, caput, a valorização

do trabalho humano vem emparelhado com a livre iniciativa. A liberdade dos agentes

econômicos para atuarem no mercado deverá ser exercida de forma que valorize o trabalho

humano.

É preciso haver a conciliação entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano. O trabalho tem um dos valores sociais mais relevantes. O valor social do trabalho é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1°, IV). Preservar o respeito e a dignidade do homem é uma forma de alcançar segurança e paz social. 89

A sobrevivência das empresas é importante para a manutenção dos empregos, pois

sem o investimento proveniente do capital não há empregos, deve haver a coexistência

pacífica entre capital e trabalho para que novos postos de trabalho continuem a ser gerados.

O texto constitucional em vigor, Art. 170, tratou de conciliar duas forças antagônicas,

capital e trabalho, ou seja, proporciona a liberdade aos agentes econômicos, enquanto

determina a valorização do trabalho humano.

Diríamos, então, que incorporar um valor social ao trabalho humano já faz parte da história constitucional brasileira e, nesse passo, a mais eloqüente idéia a surgir quando observamos tal exaltação é que o trabalho não pode, de maneira alguma, ser assumido friamente como mero fator produtivo; é, sim fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador. 90

88 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 81. 89 MARTINS, Sérgio Pinto. O atual sistema não traz garantia no emprego ao trabalhador, que pode ser dispensado a qualquer momento. Disponível em: www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=coluna&idcoluna=9&idmateria=952. Acesso em: 18.01.2008. 90 SILVA NETO, Manoel Jorge. Direito Constitucional e Econômico. São Paulo: LTr, 2001, p. 96.

47

No entanto, o empregador possui livre iniciativa na condução de seu empreendimento,

cabendo a ele escolher os caminhos a percorrer para alcançar seu objetivo fundamental, que é

o lucro, faculdade que também é garantida pela Constituição Federal. A prioridade do

empreendedor não é dar empregos, e fazer com que as pessoas tenham acesso ao mínimo de

cidadania, mas sim a lucratividade e competitividade no mercado, nem que para isso tenham

que manter os empregados presos ao seu livre arbítrio.

Em razão da necessidade de proteger o trabalho, ante a livre iniciativa, o Estado deve

compor a relação entre capital e trabalho proporcionando superioridade jurídica ao

economicamente mais fraco, se fazendo mais presente, “eliminando fatores de inferioridade

na composição dos equilíbrios sociais”. 91

Como estatuído na Constituição Federal, mais precisamente no capítulo destinado aos

princípios da atividade econômica, a Ordem Econômica, mesmo capitalista, prioriza o valor

do trabalho humano em detrimento de qualquer outro princípio que vigore na Economia de

mercado.

Esta assertiva fica mais bem esclarecida, quando tomada em consideração à finalidade da ordem econômica, que deve estar direcionada à potencialização do homem, seja em sua dignidade existencial, seja na substantivação das qualidades que o singularizam – humanidade – mais bem percebida no quadrante solidarista e fraternal da justiça social. 92

A valorização do trabalho humano como inserida no texto constitucional, sobretudo no

Art. 170, possui conseqüências jurídicas, que fazem com que sejam excluídas interpretações

que: “venham a desdenhar do trabalho, por valorizar o não-trabalho; que considerem a

remuneração pelo labor como uma caridade, feita ao bel prazer de quem paga; como também

interpretações que incentivem a desigualdade na sociedade brasileira”. 93

A Ordem Econômica, firmada pelo Art. 170 e seguintes da Constituição Federal, tem

por objetivo a existência digna do homem, e por fundamento, a valorização do trabalho

humano.

91 PETTER, Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 154. 92 Op. cit., 158. 93 Id ibidem, p. 158.

48

Quando a Constituição Federal identifica a Dignidade da pessoa humana como fundamento da República, que se estrutura como um Estado Democrático de Direito, fácil notar que sua importância transcende aos próprios princípios constitucionais, pois a dignidade, sendo o fundamento mais solidamente alicerçado em nossas estruturas, imanta, por assim dizer, todos os aspectos culturais da vida em sociedade e, de um modo muito especial, o Direito. 94 (grifo do autor)

Ainda no Art. 170 da Constituição Federal, inciso VIII, vem estabelecido como

princípio a busca pelo pleno emprego, sendo entendido como a inexistência de

desempregados involuntários. E como política estatal que é, a busca pelo pleno emprego

depende de esforços públicos para a sua concretização.

Na criação e aplicação de medidas de política econômica deverá o Estado preocupar-se em proporcionar o pleno emprego, situação em que seja, na medida do possível, aproveitada pelo mercado a força de trabalho existente na sociedade. É princípio que se harmoniza e caminha no sentido de concretizar um dos fundamentos da ordem econômica, anteriormente mencionado, dirigindo à valorização do trabalho humano, também com a justiça social e com a implementação de uma sociedade livre justa e igual. 95

A introdução no texto constitucional da busca pelo pleno emprego como princípio da

ordem econômica demonstra que faz parte da política de Estado a luta contra o liberalismo,

tendo o Constituinte reconhecido que as estruturas econômicas podem ocasionar situações de

desemprego involuntário, de forma que se impõe a intervenção do Estado.

O Estado brasileiro adotou, a nível constitucional, nuances do modelo de Estado

liberal e social. Enquanto Estado social, reservou um capítulo exclusivamente para tratar de

questões sociais, além de várias disposições ao longo do texto constitucional. Demonstrando

claramente, que possui política social intervencionista. “O Estado social, por sua própria

natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença militante do poder

político nas esferas sociais [...]” 96, que é o caso do Brasil.

Embora o Estado busque o desenvolvimento econômico, a fim de estabelecer-se num

mundo comercialmente globalizado, por meio de medidas que fortaleçam o mercado nacional,

não deve olvidar da promoção da justiça social.

94 PETTER, Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 172. 95 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 209. 96 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 200.

49

O Estado moderno que deve regular a ordem econômica e social de maneira que sejam respeitados os princípios de justiça social conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade humana inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de proteção ao trabalho, sublinhando com essa atitude a preponderância dos preceitos de ordem pública atinentes ao Direito do Trabalho. 97 (grifo nosso)

Os agentes econômicos sempre tentam produzir mais, a um custo cada vez menor, e

com isso, acabam por reduzir não só as despesas excedentes, mas também deixam à margem

do vínculo de emprego, boa parte da população em plena capacidade laboral.

Desta forma, faz-se mister a valorização do trabalho humano, que, se por um lado, traz

as benesses da justiça social, gerando mais e melhores empregos, também fortalece a

Economia, ao passo que reinsere no mercado de consumo os trabalhadores, que são

consumidores em potencial.

Não se descobriu a fórmula mágica para se resolver o drama do desemprego estrutural, mas é certo que a redução da taxa de desemprego depende basicamente do desenvolvimento econômico do país fundamentado na educação e na justa distribuição da riqueza, na diminuição da taxa de juros e uma autêntica reforma fiscal, em consonância com a qualificação da mão-de-obra, conscientização e aperfeiçoamento das lideranças sindicais. 98

Nesse sentido valorizar o trabalho humano engloba duas situações, que embora

próximas, não se confundem. Primeira, deve se entender como o oferecimento de mais

trabalho. Segunda, em melhores condições de trabalho, que repercuta de forma positiva no

trabalhador.

Destarte, como ponto de partida, tome-se a noção de que valorizar o trabalho humano diz respeito a todas as situações em que haja mais trabalho, entenda-se, mais postos de trabalho, mais oferta de trabalho, mas também àquelas situações em que haja melhor trabalho, nesta expressão se acomodando todas as alterações fáticas que repercutam positivamente na própria pessoa do trabalhador (e.g., o trabalho exercido com mais satisfação, com menos risco, com mais criatividade, com mais liberdade etc.) 99 (grifo do autor)

97 SUSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, v. I, 2002, p. 200. 98 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 97. 99 PETTER, Josué. Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 154.

50

O Estado deve buscar meios, para, de uma só vez, tirar o grande contingente de

trabalhadores que ficam à margem do trabalho digno, a fim de que aquele não sirva apenas e

tão somente como mão-de-obra para o mercado econômico.

[...] o aumento do chamado mercado informal, onde a atividade econômica fica mais livre das condicionantes legais, constitui sintomas de desvalorização do trabalho humano, mormente nas garantias asseguradas ao trabalhador com carteira assinada. Mas pode ser indicativa de excessos burocratizantes, falta de liberdade e barreiras desarrazoadas do ponto de vista do particular que encontra dificuldades excessivas para formalizar seu negócio. 100 (grifo do autor)

Os empresários precisam se conscientizar da sua necessidade e obrigação, ainda que

social, de tratar o homem, não mais como mera mercadoria substituível, e sim, de necessário e

real parceiro da atividade econômica.

Em verdade, tudo restaria mais harmônico se capital e trabalho reconhecesse a mútua dependência, fato que se evidência em análise mais abrangentes, aquelas que tomam em consideração atividade em geral e não somente a lógica individualizadora do agente econômico atomizado no mercado. A valorização do trabalho diz mesmo com a necessária intervenção do Estado nesta relação, posto que a parte mais fraca, embora mais numerosa se vê submetida ao domínio imperativo dos capitais. O contexto macroeconômico deve oferecer oportunidades eqüitativas tanto para o capital como para o trabalho. 101

O Estado deve intervir ditando regras que equilibrem as forças, pois como leciona

Sérgio Pinto Martins “na relação empregatícia as partes não são iguais, por isso há

necessidade de proteção ao economicamente mais franco, visando equilibrar a relação entre os

envolvidos e evitar o abuso do poder econômico, de forma que este não imponha sua vontade

ao empregado”. 102

A política econômica a ser seguida pelo Estado deve, também, almejar de forma

incisiva, a diminuição da taxa de desemprego, uma vez que no afã pelo crescimento

econômico, além do aumento do desemprego, há o aproveitamento da mão-de-obra barata,

que coloca o trabalhador em situação desgastante, desprestigiando, assim, a cidadania.

100 PETTER, Josué. Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 157. 101 Idem ibid, p. 161. 102 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 104.

51

O desemprego é uma das facetas mais perversas da negação da cidadania. Se não há trabalho elimina-se a possibilidade de acesso aos bens mais básicos da vida (alimentação, moradia, educação e saúde) e pouca relevância terá para o cidadão o direito de votar e ser votado, o direito de se expressar e se locomover. 103

Para Ferreira Filho, “a oportunidade de trabalho para todos é indispensável para uma

ordem econômica atenta para os ditames da justiça social”, 104 que visa proporcionar ao

trabalhador os direitos mais básicos, como moradia e alimentação.

Tanto a força do trabalho humano, como a força do capital são necessários para o

desenvolvimento econômico, e por esta razão o Estado deve intervir nessa relação valorizando

o trabalho, e dando oportunidade de crescimento aos agentes econômicos, de forma a

equilibrar as forças.

103 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1995, p. 06. 104 Id ibidem, p. 06.

52

2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

O fato de o homem ser criado à imagem e semelhança do Senhor, por si só exalta a sua

dignidade. “O valor da dignidade da pessoa humana – resultante do traço distintivo do ser

humano, dotado de razão e consciência -, [...], vincula-se à tradição bimilenar do pensamento

cristão, ao enfatizar cada Homem relacionado com um Deus que também é pessoa” (grifo do

autor). 105

Dessa verdade teológica, que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador, derivam sua eminente dignidade e grandeza, bem como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da pessoa humana não é, nem nunca foi, uma criação constitucional, mas um dado que preexiste a toda a experiência especulativa, razão por que, no âmbito do Direito, só o ser humano é o centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem jurídica. 106

A Constituição Federal ocupa lugar de destaque no Ordenamento Jurídico Pátrio. É a

Lei Maior, que dá validade a todas as demais leis, podendo-se afirmar que os princípios

constitucionais são os principais elementos daquele corpo normativo. “Os princípios

constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Assim, devem ser estritamente

obedecidos, sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper” 107 (destaque do autor).

Os princípios constitucionais guiam, ou pelo menos deveriam guiar a interpretação de

todas as demais normas que estão na Constituição Federal, e, sobretudo, as que estão abaixo

dela.

Percebe-se, assim, que os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, uma vez que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral. Os princípios, por sua qualidade normativa especial, dão coesão ao sistema jurídico, exercendo excepcional fator aglutinante. 108

105 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 21. 106 Id Ibidem, p. 21. 107 NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37. 108 Op. cit, p. 38.

53

A dignidade da pessoa humana consta no Estado Democrático de Direito como

elemento fundamental e legitimador do Sistema Jurídico Nacional. Sendo assim, a dignidade

da pessoa humana é o principal fundamento de todo o sistema constitucional brasileiro.

O Estado Democrático de Direito tem sua base sustentada pelos fundamentos

apontados pela Constituição Federal, sendo eles: a soberania, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político.

Todos eles são imprescindíveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito,

sendo importante ressaltar que a falta de qualquer deles fará a estrutura democrática que

constitui a República Federativa do Brasil ruir, ou seja, abalará a estrutura democrática do

Estado de Direito consolidada pela norma constitucional em vigor.

No Art. 1º da Constituição Federal a dignidade da pessoa humana está descrita como

Fundamento da República Federativa do Brasil. “E esse fundamento funciona como princípio

maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no texto

Constitucional”. 109

André Ramos Tavares leciona sobre a dignidade humana: “o significado mais forte

desta está na privação de ofensas e humilhações. No campo econômico, pois, impõe-se que a

todos sejam garantidas condições mínimas de subsistência”. 110

Segundo Rizzato Nunes, “[...] a dignidade é um valor supremo, construído pela razão

jurídica, que não pode sofrer arranhões, nem ser vítima de argumentos que a coloquem num

relativismo”. 111 A dignidade humana é inata, e o ser humano tem direito a ela somente pela

sua existência enquanto pessoa, ela é inerente à própria existência humana. “E o respeito à

dignidade do trabalhador constitui um dos direitos supraestatais inerentes ao ser humano, cuja

observância independe da vigência de leis nacionais ou tratados internacionais”. 112

109 NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46. 110 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p.132. 111 NUNES, Op. cit, p. 46. 112 SUSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, v. I, 2002, p. 145.

54

No respeito à dignidade humana, devem ser assegurados o acesso aos direitos sociais

previstos no Art. 6º da Constituição Federal, que são: educação, saúde, trabalho, lazer,

segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, habitação, assistência aos

desamparados.

Esses direitos devem estar aliados ao direito à vida, à liberdade, à cultura, à

intimidade, à vida privada, à honra, posição social, e demais direitos que dignificam o

homem, espalhados por todo o texto constitucional. E nesse contexto, a dignidade do ser

humano, enquanto trabalhador que é, somente é conseguido com a efetividade desses direitos

sociais, que são básicos.

Com efeito, como é que se poderia imaginar que qualquer pessoa teria sua dignidade garantida se não lhe fosse assegurada saúde e educação? Se não lhe fosse garantida sadia qualidade de vida, como é que se poderia afirmar sua dignidade? 113

Sem um trabalho digno, que seja devidamente valorizado, o homem dificilmente

sobreviverá com dignidade, no dizer de Sérgio Pinto Martins: “A dignidade da pessoa humana

é decorrente da valorização do trabalho humano: labor com dignitate vitae” (sic). 114

Este era o entendimento da Constituição da República de 1967, que trazia em seu Art.

160, inciso II, a valorização do trabalho humano como condição da dignidade da pessoa

humana, que foi repetido no texto de 1988, conforme anunciado por José Afonso da Silva.

Assim, no art. 1°, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui que a ordem econômica funda-se ma valorização do trabalho, e o art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1°, III). 115 (grifo do autor)

113 NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 51. 114 MARTINS, Sérgio Pinto. O atual sistema não traz garantia no emprego ao trabalhador, que pode ser dispensado a qualquer momento. Disponível em: www.cartaforense.com.br/v1/index.php?id=coluna&idcoluna=9&idmateria=952. Acesso em: 18.01.2008. 115 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 292/293.

55

A valorização do trabalho humano possui destaque constitucional, e por isso o Estado

não pode prescindir de tutelá-lo, para a garantia de um bem maior, que é a tão almejada

dignidade do ser humano, sob pena de perder o status de Estado Democrático.

2.1 DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO NA PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO

O Direito do Trabalho busca a realização de um valor, o da Justiça Social, por meio de

um conjunto de medidas que envolvem técnicas econômicas para uma melhor distribuição de

riqueza, técnicas políticas de organizar a convivência entre os homens e o Estado, e por fim,

técnicas jurídicas destinadas a garantir a liberdade do ser humano, dimensionando-as num

sentido social, para atingir a justiça social. Para tanto, este ramo do direito conta com

princípios norteadores que lhe são próprios e lhe dão sentido.

Além dos princípios gerais do direito, aos quais alude o Art. 4º da Lei de Introdução

ao Código Civil, que irradia seus efeitos a todos os ramos do direito, cada um desses ramos

possui princípios próprios, sem os quais seria duvidoso afirmar-lhe autonomia. Os princípios

constituem diretrizes que inspiram o sentido das normas, de acordo com critérios distintos de

cada ramo do direito.

No caso do Direito do Trabalho, há princípios próprios que o distingue de outros

ramos do direito, dando sentido às normas laborais. Os princípios trabalhistas têm como

pressuposto a consciência de que as partes não são iguais no momento da formação do

contrato de trabalho, bem como durante o seu desenvolvimento.

O trabalho é o âmbito específico de operatividade desse Direito. Sobre essa energia criadora vital o Direito do Trabalho cunha seus princípios específicos e adquire traços fisionômicos que o distingue dos demais ramos do Direito, [...]. São os princípios específicos que conferem autonomia científica ao Direito do Trabalho e cuja aplicação tem primazia sobre os demais. A norma trabalhista deve ser elaborada sob sua influência ou neles se revigorar quando lacunosa – mecanismo integrativo do Direito regrado, permitindo que a aplicação do Direito se transforme numa arte. 116

116 SILVESTRE, Rita Maria; NASCIMENTO, Amauri Mascaro (coordenadores). Os novos paradigmas do direito do trabalho: homenagem a Valentin Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 109.

56

Para Américo Plá Rodrigues, os princípios são como: “[...] linhas diretrizes que

informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que

podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação

das existentes e resolver casos não previstos”. 117 No caso do Direito do Trabalho, o mesmo

está construído sobre o princípio da proteção do trabalhador, é ele que dá sustentação a este

ramo do direito.

Os princípios do Direito do Trabalho além de afirmar a autonomia deste ramo do

direito servem principalmente para proteger o ser humano enquanto trabalhador subordinado,

das investidas do mercado econômico. Assim, os princípios visam garantir condições mínimas

de sobrevivência do trabalhador, garantindo-lhe proteção estatal, que traduz-se em leis e

justiça especializada, tudo com a finalidade de garantir efetivamente a proteção na

subordinação jurídica.

Para Arnaldo Sussekind “O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas

imperativas, e, portanto de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado

nas relações do trabalho, visando opor obstáculos à autonomia da vontade” (grifo do autor). E

mais adiante continua: a “[...] necessidade de proteção social aos trabalhadores constitui a raiz

sociológica do Direito do Trabalho e é imanente a todo o seu sistema jurídico”. 118

Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, que vem sendo afetado pela tese da flexibilização, mas que não se confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho. 119 (grifo do autor)

Este princípio visa proteger o hipossuficiente da relação empregatícia, proporcionando

uma forma de atenuar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado,

dando-lhe uma superioridade jurídica. Visa garantir a proteção dos direitos trabalhistas

mínimos, que não podem ser afastados pela vontade das partes, tendo em vista que elas não

são iguais.

117 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p. 217. 118 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. Atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. São Paulo: LTr, 2002, p. 146. 119 Id ibidem, p. 146.

57

O princípio da proteção do trabalhador é o princípio de maior relevância no Direito do

Trabalho, e que justifica a própria existência deste ramo do direito o qual, segundo Süssekind

se subdivide em: “princípio in dúbio pro operário, que incentiva o interprete a escolher, entre

várias interpretações possíveis, a que mais se coaduna com os interesses do trabalhador, desde

que não afronte nítida manifestação do legislador; da norma mais favorável, determina que

independentemente da hierarquia das normas jurídicas, deve ser aplicada a mais favorável ao

trabalhador, salientando que a norma mais benéfica deve estar no campo da validade; e, da

condição mais benéfica, prevendo a manutenção da condição de trabalho mais benéfica ao

trabalhador, pois segundo este princípio ela se incorpora ao contrato de trabalho”. 120

Continuando a subdivisão retro, este princípio ainda se desdobra em: princípio da

primazia da realidade, a realidade dos fatos vale mais que documentos, quando estes não

retratam a realidade. Devem ser observadas as condições fáticas que contextualizaram a

relação empregatícia, em obediência ao princípio da verdade real; princípios da integralidade

e da intangibilidade visam proteger o salário do trabalhador, quantos aos descontos abusivos

praticados pelo empregador, preservar a sua impenhorabilidade, bem como assegurar-lhe

posição privilegiada em caso de insolvência do empregador.

O princípio da irrenunciabilidade de direito proíbe a renunciabilidade dos direitos

provenientes da relação empregatícia, determinando que, se tal fato ocorrer, não terá validade,

pois a renúncia é ato unilateral. Nesse sentido é o Art. 9º da CLT, que prevê a nulidade dos

atos praticados com a finalidade de “desvirtuar, impedir ou fraudar” 121 as normas de proteção

do trabalhador.

Em relação à renunciabilidade, cabe mencionar que deve ser analisado o momento em

que se operou a renúncia dos direitos. A nulidade abrange a renúncia no momento da

contratação, durante o pacto laboral, sendo mais maleável após a rescisão do contrato de

trabalho, pela presunção relativa de que o trabalhador não está mais submisso ao empregador.

120 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. Atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. São Paulo: LTr, 2002, p. 147. 121 CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho: legislação complementar e jurisprudência. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 70.

58

Presume-se que o contrato de trabalho será sempre por prazo indeterminado em

obediência ao princípio da continuidade da relação de emprego. O intuito é preservar a

relação empregatícia, tentando evitar uma sucessão de contratos por prazos determinados,

uma vez que esta modalidade é exceção.

O princípio da boa-fé, embora seja inerente aos contratos civis, também tem aplicação

no direito do trabalho, haja vista as partes terem que se tratar com lealdade no decorrer da

relação empregatícia. O empregado deverá executar as suas tarefas com boa-fé e dedicação, e

o empregador deverá cumprir com lealdade e boa-fé as obrigações que lhe cabem.

A construção dos princípios do Direito do Trabalho, com a finalidade de proteger o

trabalhador, em razão da sua dependência econômica e subordinação jurídica, evoluiu com o

passar do tempo, no entanto, os seus efeitos ocasionam conseqüências no desenvolvimento

econômico, colocando em cheque as próprias relações do trabalho.

É de se reconhecer que o Direito do Trabalho não é imutável, sobretudo em

decorrência da dinâmica das estruturas sociais e da faticidade que cerca essas estruturas. No

entanto, essa mutabilidade a que está adstrito o Direito do Trabalho encontra limites, pois

“[...] seria de todo inaceitável pensar que as transformações gerais que se verificam trazem

como resultado o abandono das vigas mestras em que sempre o direito do trabalho se

edificou, postura que não teria o menor sentido”, 122 de outra forma em nome dos imperativos

da ordem econômica, as normas jurídicas trabalhistas poderiam se desviar das funções que

devem cumprir, deixando de efetivar os valores sociais do trabalho.

2.2 DA EFETIVIDADE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A instituição de uma Justiça especializada para julgar os litígios surgidos a partir das

relações de trabalho é uma forma de valorizar o trabalho humano, cuja competência vem

estampada no Art. 114 da Constituição da República: “Compete à Justiça do Trabalho

processar e julgar: I – as ações oriundas das relações de trabalho [...]”. 123 Assim, cabe ao Juiz

Trabalhista fazer valer os princípios constitucionais, “[...] em face dos poderes que lhe foram

122 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151/152. 123 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988, São Paulo: Saraiva, 2006.

59

conferidos pela Carta Magna, independentemente do grau de jurisdição onde atua”. 124

Continua:

A Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada, em face da Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, que deu nova redação ao art. 114 da Carta. Com mais força e determinação deve fazer uso do processo como poderoso instrumento ético para dar efetividade não só ao direito do trabalho, como também para assegurar e reconhecer efetivamente o direito

ao trabalho, assim, propiciar maior inclusão social, no contexto deste sistema sócio-econômico Selvagem. 125 (grifo do autor)

Tribunais vêm demonstrando e efetivando o mandamento constitucional de

valorização do trabalho humano, enquanto fundamento da ordem econômica, bem como

reconhecendo os valores sociais do trabalho como fundamento da República, ao estribar suas

decisões. Exemplo é o julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, cuja ementa

traz a seguinte redação:

A República Federativa do Brasil se funda, dentre outros, nos valores sociais do trabalho (primeira parte do inciso IV do art. 1°). É o trabalho um dos direitos sociais elencados pelo art. 6° da Carta Magna, sendo, ainda, a sua valorização um dos princípios fundantes da ordem econômica e financeira (art. 170, da CF). Note-se que a Constituição Federal refere-se a trabalho e não a relação de emprego, contrato de trabalho e tampouco dos requisitos para a caracterização de empregado e empregador. 126

A dignidade humana juntamente como a valorização do trabalho humano vem sendo

utilizada como fundamentação legal dos julgados de ações trabalhistas, tanto como

fundamento da República, como finalidade da ordem econômica, tendo estes valores

constitucionais sido avocados para estribar decisão judicial que garantiu o piso salarial

mínimo ao trabalhador, na condição de servidor público.

Servidor Público – salário base inferior ao mínimo legal – O piso salarial deve ser o do salário mínimo que se pode deduzir de uma Constituição que se diz democrática e que estabelece no art. 170, o princípio de uma ordem econômica justa, fundada na valorização do trabalho humano, e que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

124 GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005, p. 137. 125 Id ibidem, 137. 126 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho, 15. Região, Recurso Ordinário, Processo n.° 01243-2003-004-15-00-0. Recorrente: Partido dos Trabalhadores. Recorrido: Renata Lucente Moreira. Relator: Luis Carlos Cândido Martins Sotero da Silva. Julgamento 26/10/2004. Disponível em: www.trt15.gov.br. Acesso em: 10.02.2008.

60

social. 127 [Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 15.579-5. São Paulo, 7ª Câmara, Relator Guerrieri Rezende]

Nas ementas acima valores sociais positivados pelo legislador constituinte foram

utilizados como fundamentação em processos judiciais, o que demonstra a eficácia dos

mesmos para fundamentar direitos dos trabalhadores, conforme ensina Carlos Miguel Herrera:

“Embora considerando-os como meros direitos programáticos (sic) numa economia social de

mercado, um tribunal, [...], pôde considerar que um princípio <<gera um direito público

subjetivo de imediata aplicação>>”. 128

Assim, mesmo a dignidade humana e a valorização do trabalho humano sendo

considerados por alguns doutrinadores como programas [posição que não é adotada nesta

pesquisa] a serem cumpridos pelo Estado, pelo fato de estarem insculpidos no texto

constitucional possuem força normativa, o que denota a efetividade de ambos, demonstrando

que para serem exercitados independem de atos normativos ou administrativos.

2.3 DA IMPORTÂNCIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A autonomia da vontade é tida como o poder que o sujeito de direito possui para

regulamentar seus próprios interesses, manifestando-se principalmente no direito contratual.

A autonomia da vontade sofre limitações, que são impostas pelo Estado, devido a

obrigatoriedade de observação das normas de ordem pública, é o chamado dirigismo

contratual.

A autonomia privada coletiva é o poder social dos grupos representados autoregularem (sic) seus interesses gerais e abstratos, reconhecendo o Estado a eficácia plena dessa avença em relação a cada integrante dessa coletividade, a par ou apesar do regramento estatal – desde que não afronte norma típica de ordem pública. 129 (grifo do autor)

Se por um lado a autonomia da vontade no Direito do Trabalho manifestada

individualmente encontra óbice na intervenção estatal, não acontece o mesmo quando ela é

manifestada de forma coletiva, em acordos e convenções, por meio dos sindicatos, federações

127 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003, p. 114. 128 HERRERA, Carlos Miguel. Estado, Constituição e Direitos Sociais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, Campinas/SP, n. 28, p. 142, janeiro a junho de 2006. 129 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 1162.

61

e confederações representativos da categoria. A negociação coletiva é efeito, e manifestação

concreta da autonomia privada coletiva, ou seja, da autonomia da vontade manifestada de

forma coletiva, por meio da negociação coletiva.

A negociação coletiva é uma série sucessiva de atos, de tratos seguidos entre os protagonistas de uma disputa coletiva, para a discussão das reivindicações formuladas por uma das partes à outra, desde a preparação, o desenvolvimento e a conclusão, com a formalização de um instrumento de acordo ou o impasse, superável pela mediação, arbitragem ou decisão judicial. 130

O Estado reconhece às partes o poder de regularem seus próprios interesses por meio

do exercício da negociação coletiva, que é conseguida por força da autonomia privada

coletiva, que a capacidade de estabelecer de forma livre os próprios interesses. Esta

autorização está estampada no Art. 7°, inciso XXVI: “reconhecimento das convenções e

acordos coletivos de trabalho”. 131

O Direito do Trabalho tem por finalidade precípua a proteção do trabalhador como ser

humano. É constituído de preceitos de ordem pública, o que acarreta a limitação da autonomia

da vontade das partes pela intervenção estatal, haja vista que os direitos mínimos não poderão

ser afastados por força do contrato de trabalho, principalmente se forem pactuados

individualmente.

Os preceitos de ordem pública não tutelam somente interesses dos particulares, mas

sim o interesse de toda a coletividade, por serem de observância obrigatória, tais normas não

poderão ser derrogadas pela vontade das partes.

A necessidade de impor limites à autonomia da vontade das partes contratantes determinou a intervenção do Estado, colimando equilibrar a desigualdade econômica do trabalhador com maior amparo jurídico, promovido por legislação protetiva. Essa interferência foi, na época do individualismo liberal da Revolução Industrial, e continua a ser, em distinto grau de intensidade, a característica fundamental do Direito do Trabalho, mesmo na era da coletivização dos interesses de grupo, vocalizados por um intérprete independente e livremente eleito pelos interessados – o sindicato. 132

130 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 3. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 331. 131 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006. 132 SILVESTRE, Rita Maria; Nascimento, Amauri Mascaro (coordenadores). Os novos Paradigmas do Direito do Trabalho: homenagem a Valentin Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 109.

62

Aos sindicatos foi deferida a autonomia privada coletiva, que é a manifestação de

vontade de toda uma categoria profissional, cabendo a eles a “[...] defesa dos direitos e

interesses coletivos ou individuais da categoria profissional [...]”, 133 tanto administrativa

como judicialmente. Vale trazer à colação a seguinte explanação:

Para responder à indagação, indispensável, antes de mais nada, compreender o alcance do texto inscrito o inciso III, do art. 8º da CF: “Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Trata-se de prerrogativa/dever que dá efetividade à vontade coletiva privada, manifestada na assembléia dos interessados. Deste modo, o comando que dele emana obriga a direção sindical a defender, nas negociações, antes de mais nada, o direito que tem seus representados – todos, filiados ou não. 134

Os conflitos coletivos podem ser dirimidos pelos sindicatos por meio da negociação

coletiva, ou seja, da transação, a qual exige renúncias recíprocas para a consecução de um

ponto comum. Porém há direitos que não podem ser negociados, nem de forma individual,

nem de forma coletiva, como a licença gestante, o seguro-desemprego, o registro do contrato

de trabalho na CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social, o aviso prévio, razão pela

qual os direitos mínimos não podem ser restringidos por meio da ação coletiva.

É, por isso, nos países democráticos, por meio do diálogo, da discussão e da negociação coletiva, que se vem buscando, com menos dificuldades, manter as conquistas dos trabalhadores compatíveis com sua dignidade, diante dos efeitos nefastos da globalização econômica. 135

A negociação coletiva em tempos de globalização econômica ganha destaque e deverá

ter por mira atenuar a frieza da lei, e aproximar as normas aos casos concretos,

contextualizando a realidade econômica das empresas com os interesses dos empregados, sem

perder de vista as proteções mínimas.

O Estado por si não é capaz de prever todas as situações laborais, além do mais, o

trâmite legislativo não permite uma solução imediata para conflitos não previstos pela norma,

ante a dinâmica dos fatos e da realidade social, o que favorece a participação do sindicato

como mediador.

133 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988, São Paulo: Saraiva, 2006. 134 AROUCA, José Carlos. Flexibilização dos Direitos Fundamentais. Síntese Trabalhista, n. 145, julho 2001, CD-ROM n.º 7, v. 60 a 168. 135 POR TRABALHO DECENTE: Modelo econômico tem de buscar também a inclusão social. Disponível em: <http://www.conjur.estadao.com.br>.Acesso em 16/11/2005.

63

Importante trazer à baila os princípios que regem a negociação coletiva, segundo João

de Lima Teixeira Filho, sendo eles: “princípio da inescusabilidade negocial; princípio da boa-

fé; direito de informação; princípio da razoabilidade; princípio da paz social”. 136

Entende-se por inescusabilidade negocial, a necessidade das partes discutirem e

debaterem os reais interesses da categoria representada, objetivando sempre alcançar

melhores condições de trabalho, pondo fim ao conflito de forma consensual, por isso a

negociação coletiva tem que ser exercitada como forma democrática de entendimento

harmônico e comprometida com o fim a que se propõe.

Até porque, antes de ser instaurado dissídio coletivo junto a Justiça do Trabalho é

imprescindível a tentativa de composição por meio da negociação coletiva, pois caso contrário

“Faltaria preencher umas das condições específicas da ação coletiva: tentativas reais de

negociação coletiva”. 137

O princípio da boa-fé consagra a exigência da lealdade nas relações jurídicas, por

inerente aos negócios jurídicos a sua existência é presumida, ou seja, presume-se que não há

dolo de nenhuma das partes.

Devem as partes agir com clareza na exposição de suas pretensões, cada uma expondo

com sinceridade o que pretende com o avençado e qual será a contraprestação, cumprindo

com fidelidade o que lhes cabe, para que não existam dúvidas que ensejem insegurança social

e jurídica. As partes devem, portanto, cumprir fielmente o acordado, não praticando atos que

desvirtuem a real finalidade da negociação coletiva.

A boa-fé não se limita ao momento da negociação para elaboração da convenção ou

acordo coletivo, ela também deve ser utilizada na interpretação dos mesmos, para que

prevaleça a vontade das partes no momento da propositura.

O princípio da boa-fé não se revela apenas na disposição da parte para negociar, analisar propostas adequadamente formuladas e contrapropor. Está contido, com muita freqüência, no modo pelo qual o acordo e a convenção coletiva de trabalho são redigidos e também é aferível na fase de fiel

136 SILVESTRE, Rita Maria; Nascimento, Amauri Mascaro (coordenadores). Os novos paradigmas do Direito do Trabalho: homenagem a Valentin Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 123. 137 Id ibidem, p. 124.

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execução do pactuado. O instrumento normativo que recolhe e enuncia as condições de trabalho negociadas não pode transformar-se em fonte de dissidência devido a uma redação premeditadamente ambígua ou contraditória. 138

O Princípio da boa-fé não deve eximir as partes dos cuidados essenciais, exigíveis para

o homem de conhecimento padrão, pois mesmo ela sendo presumível deve as partes agirem

com cautela.

O direito de informação como princípio está relacionado com o processo de

entendimento, pois as condições a serem estabelecidas devem estar claras para as partes, de

forma a permitir a compreensão das razões que justificam os anseios dos trabalhadores, bem

como a possibilidade financeira para os empregadores atenderem às reivindicações.

O que não pode é o empregador adotar posturas escusas para se furtar ao compromisso

de submeter as relações de trabalho das quais é parte à negociação coletiva, com base em

informações secretas, ou alegações falsas, no dizer de Teixeira Filho:

Não é crível o empregador adotar atitude de recusa às reivindicações escudando-se em informações pretensamente secretas. Também não é possível que informações estratégicas possam colocar a empresa em risco a pretexto de terem que ver com o processo negocial. Essa questão é, sem dúvida delicada. Por isso, todos os cuidados devem ser tomados para que o direito de informação não sirva de instrumento que, de alguma maneira, frustre o entendimento direto. 139

Nem os empregados podem ser prejudicados na negociação coletiva pela falta de

informação, nem empregadores podem sê-lo no desenvolvimento de seus empreendimentos

com a divulgação de informação estratégica, neste momento, deve haver bom senso, e,

sobretudo boa-fé.

No momento da negociação as partes devem agir de maneira sensata, de acordo com a

razão, a fim de evitar arbitrariedades, como por exemplo: exigências que não têm a mínima

condição de serem atendidas; bem como a concessão de benefícios bem abaixo dos que foram

reivindicados.

138 SILVESTRE, Rita Maria; Nascimento, Amauri Mascaro (coordenadores). Os novos paradigmas do Direito do Trabalho: homenagem a Valentin Carrion. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 124. 139 Id ibidem, p. 126.

65

Assim, haverá discussão de propostas com moderação e fundamentação legítima em

observância ao princípio da razoabilidade.

Encerrando os princípios vem a paz social, que representa a trégua no momento da

conclusão e assinatura do instrumento normativo, demonstrando que a negociação coletiva foi

um sucesso, tendo encontrado mais uma vez a simetria entre capital e trabalho, e o que é

melhor, de forma autônoma. Destarte, a paz vigorará acerca das questões que foram objeto da

negociação.

Necessário também, elencar as funções da negociação coletiva, podendo ser citadas: a

garantia no cumprimento das normas vigentes; o aumento no nível de proteção, por meio de

normas autônomas ou heterônomas; a superação de divergência e aproximação entre capital e

trabalho.

Possui ainda função econômica, que é a distribuição de riqueza, contribuir para a

harmonia e interação no ambiente de trabalho, cooperação entre as partes para resolverem os

problemas da empresa, o que poderá garantir o nível de emprego, no tocante a estabilidade, o

que proporcionará o planejamento da vida em família.

Também, pela negociação coletiva, podem ser introduzidas forma autônomas de

flexibilização que visem salvaguardar postos de trabalho, ao mesmo tempo em que

possibilitem às empresas a sobrevivência no mercado cada vez mais competitivo.

Todas as funções mencionadas têm por finalidade precípua a valorização do trabalho

humano e a dignidade da pessoa humana, pois todas as medidas que visem a longo ou em

médio prazo, a melhoria das condições de trabalho do ser humano, elas estarão realizando a

dignidade do trabalhador.

A negociação coletiva deverá servir para fortalecer os direitos dos trabalhadores junto

aos empregadores, e demais Instituições, inclusive contra as investidas do Governo em alterar

ou mesmo suprimir direitos laborais. Deve servir para melhorar as condições de trabalho,

deixando-as mais humanas, o que pode ser obtido por meio do contato e do debate entre as

partes representadas coletivamente.

66

Hoje a maior ou menor intervenção do Estado nas relações de trabalho depende não apenas do sistema econômico adotado pelo respectivo regime jurídico-político, mas também da possibilidade real de os sindicatos, por meio dos instrumentos da negociação coletiva, conseguirem a estipulação de condições adequadas de trabalho ou complementação da base mínima fixada por lei. Poder-se-ia afirmar que, nos países de economia de mercado, o intervencionismo estatal nas relações de trabalho reduz-se na razão inversa do fortalecimento da organização sindical. 140

Quanto mais preparados os sindicatos para negociarem melhores condições de

trabalho, menor será a intervenção estatal, por meio da atividade legislativa. À proporção que

os sindicatos melhor desempenharem suas funções, de forma a atender as necessidades dos

trabalhadores, a lei passará a desempenhar um papel secundário. Quando o Estado não

intervém diretamente, ele cria meios para que o sindicato o faça.

O Estado Democrático de Direito deve promover e garantir a liberdade sindical,

proporcionando aos sindicatos a efetiva capacidade de articular políticas de emprego e de

proteção dos trabalhadores. Só assim, será possível à negociação coletiva fazer uso dos

instrumentos de que dispõe para conseguir a concreta valorização do trabalho humano.

As tendências atuais voltam-se para a prevalência do direito estatal de garantias mínimas e de defesa dos direitos fundamentais do trabalhador, protetores de valores básicos que não podem ser entregues à economia de mercado, como a proteção da vida, saúde, integridade física, dignidade e outros semelhantes, permitindo ao direito profissional como expressão do pluralismo, um espaço de atuação que encontra limites específicos, mas não absolutos. 141

Ao Estado sempre caberá assegurar as garantias mínimas dos trabalhadores,

assegurando-lhes meios de viabilizá-las, inclusive quanto à liberdade sindical, proporcionando

aos sindicatos o desenvolvimento de suas atividades sem empecilhos políticos.

As demais normas, contudo, devem ser de sustento e de respaldo à negociação coletiva, estimulando-a, viabilizando-a, além das normas dispositivas, um segundo estágio anelar de proteção ao trabalhador. Estatuindo a regulamentação necessária para dar executoriedade a um instituto jurídico, sem timbre de ordem pública, as normas dispositivas admitem disciplinamento autônomo distinto, preferencial, através da negociação coletiva, e só se tornam operantes quando o acordo ou a

140 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 146. 141 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 3. ed. São Paulo, LTr, 2003, p. 355.

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convenção coletiva de trabalho forem silentes a respeito ou inexistentes para determinada categoria. 142 (grifo do autor)

Assim, a lei atuará quando não houver convergência de interesses das partes, quando

estas forem silentes, como forma de garantir a proteção mínima para o trabalhador, ante a

ausência de norma coletiva. As partes elaborarão as normas primárias no âmbito trabalhista,

deixando para o Estado a atuação secundária, conforme ensinou acima João Lima Teixeira.

A inexistência de um sistema democrático de relações de trabalho, com base na contratação coletiva, na liberdade sindical e na presença de organização operária no local de trabalho, possibilita a permanência de formas autoritárias de gestão de trabalho, descompromissadas, muitas vezes, com a quantidade e a qualidade dos empregos criados. Por isso, quanto mais fragmentado e descentralizado o sistema de negociações coletivas, maior a possibilidade de os frutos do crescimento econômico serem inadequadamente distribuídos. 143

A negociação coletiva é instrumento de expressão democrática, por meio do qual as

partes buscam uma composição para reger a relação de trabalho da qual fazem parte, se auto-

organizando, autoconduzindo, com a finalidade de solverem os seus conflitos sem a

participação direta do Estado, criando nas mesmas o senso de responsabilidade por seu

próprio destino, sendo o resultado lei entre as partes, desde que não haja afronta a norma de

ordem pública.

Contudo, a solução autônoma dos conflitos trabalhistas, por meio da negociação

coletiva pressupõe um sindicalismo forte, livre dos interesses nitidamente da Economia de

mercado, que busque sempre a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, e nunca os

interesses particulares dos representantes sindicais.

2.4 RESPONSABILIDADE SOCIAL E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

Não existem dúvidas de que o Estado pode e deve intervir na Economia por meio de

políticas públicas objetivando um fim social.

142 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002, p. 1157. 143 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 125/126.

68

O que legitima a instituição das políticas públicas é o bem comum, a finalidade social,

sendo certo que a Constituição Federal indica quais os valores sociais deverão ser perseguidos

pelas políticas públicas, como por exemplo a dignidade da pessoa humana, saúde, educação,

desenvolvimento social, igualdade de oportunidades, acesso à renda, os valores sociais do

trabalho, além dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que deverão ser

implementados por meio da intervenção estatal.

Embora se use o termo intervenção, na verdade quando o Estado atua em atividade

tipicamente pública, fala-se em atuação estatal. Diferente da intervenção, que é quando ele

atua em área tipicamente privada, porém de interesse público. Quem faz esta distinção

brilhantemente é Eros Roberto Grau.

A intervenção, pois, na medida em que o vocábulo expressa, na sua conotação mais vigorosa, precisamente atuação em área de outrem.

Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto mais correto do que a atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do poder público. 144 (grifo do autor)

O Estado intervém na Economia de formas direta e indireta. Diretamente, quando

exerce atividade tipicamente do particular, explorando atividade econômica conforme Art.

173 da Constituição Federal: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração

direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em

lei”. 145

Indiretamente, intervém na Economia como agente normativo e regulador da atividade

econômica, nas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, conforme Art. 174 da

Constituição Federal: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado

exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este

144 GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 93/94. 145 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006.

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determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. 146 Quando intervém na

atividade econômica incentivando o particular, o Estado age por direção e por indução.

Por direção “[...] o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo

mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade

econômica em sentido estrito”. 147 (grifo do autor)

É o caso das normas trabalhista de ordem pública, bem como, por exemplo, as

situações em que o particular é obrigado a contratar determinado número de jovens no

Programa de Estímulo ao Primeiro Emprego, desenvolvido pelo Governo Federal, ou mesmo

a contratação de Portadores de Necessidades Especiais, inclusive como forma de inclusão

social.

Ao garantir o direito à inclusão social, a Constituição Federal cuidou de garantir o necessário direito ao trabalho. Não se concebe o direito à integração social, sem a garantia do direito ao trabalho. Tal proteção que colocou os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1°, inciso IV, da Constituição Federal) como princípios fundamentais, não pode ser afastada da idéia de inclusão social. Quando se garante o direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência, há de se garantir, conjuntamente, o direito ao acesso a este, ou seja, a acessibilidade como direito indispensável e instrumental para o exercício da atividade laboral. 148

Os preceitos de ordem pública, como o próprio nome diz, não tutelam interesses dos

particulares, mas sim o interesse da coletividade. Por serem de índole cogente, ou seja,

observância obrigatória, tais normas são inderrogáveis pela vontade das partes. Entende-se

por ordem pública, o aglomerado de disposições fundamentais da vida social, instituídas em

uma sociedade, as quais, por afetarem a sua organização, não podem ser alteradas pela

vontade dos indivíduos.

No que tange ao Direito do trabalho, as normas cogentes ou imperativas, são: a) de

índole proibitiva ou impositiva, as quais devem ser observadas da maneira que foram

estatuídas; b) de índole complementar, que estabelecem limites para o ajuste das partes,

146 BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2006. 147 GRAU. Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 148. 148 ARAUJO, Luiz Alberto David; RAGAZI, José Luiz. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Revista do Advogado, São Paulo/SP, ano 27, n. 95, p. 47, dezembro 2007.

70

limites estes, que se não forem obedecidos, fazem com que a norma jurídica pertinente se una

ao contrato de trabalho, aplicando-se automaticamente.

A título de argumentação, vale frisar que serão de índole impositiva a obrigatoriedade

de anotação do contrato de trabalho na CTPS, a filiação do trabalhador ao INSS, a proibição

do trabalho do menor de 18 anos em indústrias insalubres. Serão de índole complementar a

estipulação do salário a patamares superiores ao mínimo, observadas as normas coletivas, a

duração da jornada de trabalho, respeitada o máximo diário, a remuneração das horas extras,

observado o adicional mínimo.

Por indução o Estado, cria técnicas regulatórias de estímulo, e, ou desestímulo, que

induz o particular a praticar ou deixar de praticar determinado ato desejado ou indesejado.

Sendo o ato indesejado, a atividade é repelida de diversas formas, como por exemplo a maior

incidência tributária.

Tratando-se de atividade desejada pelo Poder Público, ela é incentivada, inclusive por

meios fiscais. Assim, o Estado convida o particular a participar de determinada atividade, ou

desenvolver determinado comportamento que é de interesse geral. Em outras palavras

incentiva a responsabilidade social no particular.

A Responsabilidade social está em voga nos últimos tempos, e geralmente é

confundida com função social. Esta representa a obediência aos dispositivos legais na prática

de atividades que são de interesse geral.

Por responsabilidade social entende-se a preocupação do particular com o

desenvolvimento sustentável, com a valorização do trabalho humano, com o meio ambiente,

com a ética, com a exclusão social, com o consumo consciente, enfim com atitudes de

sustentabilidade social. No tocante a responsabilidade social, Gilson Karkotli ensina que:

A responsabilidade social é ser, sempre em qualquer situação da organização ou pessoa física no seu dia-a-dia da mesma. Em todo momento se preocupar com o desenvolvimento sustentável, com o meio ambiente, em ser ético, com a exclusão social, com o consumo consciente e com uma política social transparente de maneira contínua a planejada. 149

149 KARKOTLI, Gilson. Responsabilidade Social Empresarial. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 14.

71

A idéia de responsabilidade social no Brasil brotou por volta dos anos 90, sendo que a

partir daquela década as empresas passaram a realizar balanços sociais, publicando-os na

mídia enaltecendo a preocupação com a sociedade.

No decorrer dos anos 90, a idéia de “responsabilidade social corporativa” ganhou consistência no meio empresarial, sendo traduzida como o conjunto de atividades que a empresa realiza para atender, internamente, às necessidades dos seus empregados e dependentes e, externamente, às demandas das comunidades, em termos de assistência social, alimentação, saúde, educação, preservação do meio ambiente e desenvolvimento comunitário, dentre outras. 150

A empresa responsável social, embora persiga o lucro, também deve estar

comprometida com o desenvolvimento da sociedade na qual está inserida, preocupar-se com a

remuneração de seus funcionários, ter postura ética na atividade empresarial, incluir valor

social aos seus produtos e serviços, enfim, desenvolver a atividade privada também almejando

fins públicos.

Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é preponderantemente de vantagem individual própria (lucro). [...] Porém, não é a soma das vontades individuais que forma a vontade coletiva. São necessários instrumentos que resguardem e promovam uma atitude social. E o direito econômico deve, como uma norma social, que é a norma jurídica, garantir tais interesses. A natureza pública das suas normas e os poderes privados a que se dirigem formam os dois pólos do direito econômico. 151

As políticas públicas devem estimular o particular a praticar a responsabilidade social,

concedendo inclusive benefícios, como por exemplo, selo para as empresas participantes de

programas sociais, como é o caso das empresas que “contratarem preferencialmente jovens

com o perfil do PNPE, terão direito a receber o ‘Selo Empresa parceira do programa Primeiro

Emprego’” [Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego]. 152 A inserção da

empresa na comunidade passou a ser objeto de premiação e certificação, conforme explicado

abaixo:

Tal inserção tornou-se objeto de inúmeras modalidades de premiação e certificação, que buscam valorizar e divulgar as atividades sociais do

150 CASTRO, Alba Tereza Barroso de; FREIRE, Lúcia M. B.; FREIRE, Silene de Moraes (orgs.). Serviço social, política social e trabalho: desafios e perspectivas para o século XXI. São Paulo: Cortez; 2006, p. 184. 151 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 64. 152 Termo Referência de Aprendizagem. Disponível em: www.mte.gov.br/aprendizagem/termodereferencia.pdf. Acesso em 11.02.2008.

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empresariado. Por sua vez, as empresas que aderem às campanhas criadas por diversas entidades, utilizam os respectivos selos sociais, ecológicos e de qualidade em seus produtos e logos. Com isso, buscam ser revestidas de uma áurea de “responsabilidade” que, por si só, parece propiciar um diferencial frente à concorrência no mercado. 153

Estas políticas públicas não se restringem ao governo federal, elas são constantemente

elaboradas por estados e municípios, como no caso do município do Estado do Rio Grande do

Sul, Sapucaia do Sul, que por meio da Lei municipal n.° 2.820, de 30 de dezembro de 2005,

dispôs sobre a política de desenvolvimento econômico e social do município.

Referida lei concede isenção de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, além de

taxas, às indústrias que se instalarem ou ampliarem as suas atividades no município, de

acordo com o número de postos de trabalho criados.

Art. 4° - Os benefícios previstos nesta Lei serão concedidos com observância dos seguintes princípios e condições: § 1° - [...]; § 2° - A isenção do IPTU e taxas terá sua duração determinada com base na criação de empregos diretos, em função das quais a empresa poderá gozar do benefício: a) por 5 (cinco) anos, se contar com mais de 04 (quatro) e até 10 (dez) empregados; b) por 6 (seis) anos, se contar com mais de 10 (dez) e até 20 (vinte) empregados; c) por 7 (sete) anos, se contar com mais de 20 ( vinte) e até 30 (trinta) empregados; d) por 8 (oito) anos, se contar com mais de 30 (trinta) e até 60 (sessenta) empregados; e) por 9 (nove) anos, se contar com mais de 60 (sessenta) e até 100 (cem) empregaos; f) por 10 (dez) dez anos, se contar com mais de 100 (cem) empregados. 154

Eis aqui um exemplo de postura a ser adota pelos demais entes públicos, com a

finalidade de estimular o comportamento social na iniciativa privada, em busca pelo pleno

emprego, por meio da extrafiscalidade tributária.

Por outro lado, a responsabilidade social também pode ser conseguida pela integração

entre capital e trabalho, despontando-se pela participação dos empregados na gerência da

153 CASTRO, Alba Tereza Barroso de; FREIRE, Lúcia M. B.; FREIRE, Silene de Moraes (orgs.). Serviço social, política social e trabalho: desafios e perspectivas para o século XXI. São Paulo: Cortez; 2006, p. 184. 154 SAPUCAIA DO SUL. Lei Municipal n. 2.820, de 30 de dezembro de 2005. Disponível em: http://www.sapucaisdosul.rs.gov.br/smicaa/leis/impressao/2820.htm. Acesso em: 27.06.2007.

73

empresa. “A empresa moderna é dotada de responsabilidade social, constituindo-se em uma

nova estância de poder, passando a agir na sociedade e receber os anseios sociais”. 155

A sociedade vem buscando seus próprios caminhos para enfrentar o problema da

exclusão social, ante a impossibilidade financeira e gerencial do Estado, com isso, o espaço

para desenvolvimento de atividades com fins sociais não é mais exclusividade dele, o que

contribuirá para incluir outros atores na responsabilidade pelo resgate dos problemas sociais,

atenuando questões de desigualdades e exclusão social.

O Estado já demonstrou que não é capaz de prover as necessidades da população sem

a participação do particular. Portanto, deve haver a atuação em conjunto, iniciativa pública e

privada, de forma que esta participe do desenvolvimento social e econômico da sociedade,

proporcionando a melhoria nas condições de vida das pessoas. “[...] é recorrente a idéia de

que, diante da incompetência do Estado na busca de soluções inovadoras para os problemas

sociais, os empresários, mais confiantes em suas capacidades de decisão e ação, chamaram

para si o exercício da responsabilidade social”. 156

Entretanto, o Estado não pode abandonar estas tarefas nas mãos dos particulares, as

políticas governamentais devem guiar a iniciativa privada à consecução do bem comum.

O sentido etimológico da palavra governo, como todos sabem, é o de piloto (kuberneies, em grego). O que se espera de um piloto é que ele saiba conduzir a nave, em quaisquer condições rumo ao porto de destino. Esse porto de destino, no Estado Democrático e Social é o estabelecimento de condições de vida dignas para todos, sem preferências ou discriminações. 157

Inobstante a necessidade da participação do particular na consecução de finalidades

sociais, sobretudo tratando-se de busca pelo pleno emprego e valorização do trabalho

humano, os governantes não podem olvidar que este papel foi primeiramente conferido ao

Poder Público, por determinação constitucional.

155 OLIVEIRA. Lourival José de. A função social da empresa privada e a desagregação causada pelo novo modo de produção, p. 13. 156 CASTRO, Alba Tereza Barroso de; FREIRE, Lúcia M. B.; FREIRE, Silene de Moraes (orgs.). Serviço social, política social e trabalho: desafios e perspectivas para o século XXI. São Paulo: Cortez; 2006, p. 188. 157 COMPARATO, Fábio Conder. Estado, empresa e função social. Revista dos Tribunais, ano 85, v. 732, outubro 1996, p. 46.

74

3 O PAPEL CONFERIDO AO ESTADO BRASILEIRO NA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A Constituição da República Federativa do Brasil ao longo do seu texto, bem como

em seu preâmbulo, demonstra claramente quais os valores que a sociedade brasileira busca

preservar. São demonstrações expressas de sua vontade, e quando não vêm com força

normativa, indica quais os valores deverão ser efetivados pelas políticas públicas de caráter

governamental.

Nesse ínterim, faz-se necessário estampar as similitudes existentes entre as políticas

insculpidas no texto constitucional, políticas de Estado já mencionadas anteriormente, com os

modelos de Estado mais influentes hodiernamente em todo o mundo, para posteriormente ser

possível trazer à baila explanações sobre as políticas governamentais que estão sendo

desenvolvidas, sobretudo em nível federal, acerca do trabalho humano, por conta que ficou

evidenciado, até este ponto do trabalho, a importância do Estado na valorização do trabalho

humano.

3.1 O ESTADO LIBERAL

Para os que defendem o Contrato Social como origem do Estado, ele teve como

fundamento a composição dos indivíduos na vontade deliberada de torná-lo o instrumento que

o homem se serviria para alcançar seus objetivos na sociedade. “O Estado manifesta-se, pois,

como criação deliberada e consciente da vontade dos indivíduos que o compõe, consoante as

doutrinas do contratualismo social”. 158

O Estado monopoliza o poder, a soberania, sendo inclusive quem detém a legitimidade

da coação, receando que o Estado interferisse na vida dos indivíduos, os homens passaram a

idealizar medidas legais para manter a liberdade individual de cada um. “Daí o zelo

doutrinário da filosofia jusnaturalista em criar uma técnica da liberdade, traduzida em

limitação do poder e formulação de meios que possibilitem deter o seu extravasamento na

irresponsabilidade do grande devorador, o implacável Leviatã”. 159

158 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 41. 159 Id ibidem, p. 41.

75

A proposta de liberalismo estatal surgiu como um movimento revolucionário, contra

as monarquias absolutistas, objetivando a destruição dos privilégios gozados pelos Senhores

Feudais. Os liberais utilizaram-se do direito natural inerente à pessoa humana, em detrimento

da monarquia divina.

O liberalismo pode ser definido como sendo “o movimento destinado a afirmar a

personalidade humana em todas as suas manifestações e a liberá-la dos vínculos do passado e

do império opressivo da tradição”. 160 O liberalismo era baseado na intervenção mínima do

Estado na Economia, devendo ela seguir suas próprias leis, como por exemplo a lei da oferta e

da procura.

Na idade Moderna, os indivíduos com ideais libertários se opuseram bravamente

contra o poder absolutista do monarca, buscando o afastamento do Estado da vida privada.

Justificavam que os direitos individuais eram inerentes ao homem, não podendo ser

menoscabados pelo poder estatal, nascendo assim, a primeira noção de Estado de Direito.

O Estado foi criado com a finalidade de garantir a preservação dos direitos naturais do

homem, não tendo a prerrogativa de minimizar o gozo dos mesmos. A defesa da liberdade e

dos direitos dos cidadãos é papel fundamental do Estado.

A burguesia que havia conscientizado o povo dos direitos políticos, e tão logo

alcançou a ascensão desejada, abandonou os seus anseios mais populares.

Começa daí a obra de dinamitação da primeira fase do constitucionalismo burguês. O curso das idéias pede um novo leito. Da liberdade do homem perante o Estado, a saber, da idade do liberalismo, avança-se para a idéia mais democrática da participação total e indiscriminada desse mesmo homem na formação da vontade estatal. 161

O povo buscava a sua participação nas decisões estatais, ou seja, o exercício dos

direitos políticos, mesmo que na forma representativa, liberdade religiosa, intelectual,

econômica, a propriedade da terra livre, inclusive desembaraçada de qualquer vínculo que

tendesse a limitar a sua disponibilidade.

160 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.24. 161 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 43.

76

A Revolução Francesa foi a revolução da burguesia, não tinha cunhos democráticos,

somente triunfava o liberalismo exacerbado, pois as condições sociais e econômicas vividas

pela maioria da população não a permitia superar as restrições do voto.

A Revolução Francesa, por seu caráter preciso de revolução da burguesia, levara à consumação de uma ordem social, onde pontificava, nos textos constitucionais, o triunfo total do liberalismo. Do liberalismo, apenas, e não da democracia, nem sequer da democracia política. 162

Inobstante o cenário antidemocrático em que se encontrava a sociedade da época, a

representação e a soberania popular avançaram, sendo inserido nas Cartas Constitucionais

conteúdo destinado a efetivar as verdadeiras liberdades capazes de dignificar a pessoa humana

dando ensejo ao liberalismo.

Não somente as liberdades individuais e sociais eram ansiadas, mas também a

liberdade econômica e política, sobretudo a econômica, quando a burguesia se livra das

amarras da Monarquia Absolutista, e consegue superar o feudalismo, nascendo o gérmen do

Capitalismo.

No curso do século XIX, houve a consolidação do capitalismo industrial, sufocando a antiga estrutura agrária prevalecente e desviando, por conseguinte, o centro de atenção para as cidades e as fábricas ali existentes. Nisso, dúvidas não pairam, a ideologia liberal foi extremamente eficiente. Todavia, a derrocada do liberalismo teve como vetor fundamental a incapacidade por ele apresentada para superar as crises de superprodução e subconsumo causadas justamente na sua essência, pelo seu perverso sistema de acumulação baseado na exploração do trabalho, grande parte, à época, com a utilização de mão-de-obra de mulheres e crianças, juntamente com a submissão de operários a jornadas abusivas. 163

O Estado capitalista estruturou-se sob o manto da liberdade, no sentido de cada um

somente fazer ou deixar de fazer em virtude de lei, igualdade jurídica, igual oportunidade de

enriquecimento, não intervenção do Poder Público, trabalho sujeito à lei da oferta e da

procura, respeito à propriedade privada. “Portanto, nessa fase do pensamento humano

predomina a idéia do individual, da plena expressão da personalidade, na libertação das

faculdades de cada um para um desenvolvimento que ao Estado competiria assistir”. 164

162 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 43. 163 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica: Interpretação Crítica e Possibilidade de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 43. 164 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 23.

77

Os liberais tinham a crença de que o mercado tudo regularia, sendo dispensável a

intervenção do Estado nas questões econômicas, uma vez que, segundo eles, existia uma

ordem econômica natural e espontânea, que agiria independentemente da atuação do Estado,

devendo este se omitir.

É humanista o intervencionismo para a proteção jurídica e econômica do trabalhador por meio de leis destinadas a estabelecer um regulamento mínimo sobre as suas condições de trabalho, a serem respeitadas pelo patrão, e de medidas econômicas voltada para a melhoria da sua condição social. 165

O individualismo teve conseqüências marcadamente negativas para o trabalhador, haja

vista que durante a fase liberalista admitia-se a exploração e a opressão econômicas. Assim, o

liberalismo não conseguiu resolver o problema das classes menos abastadas da sociedade.

Na constância do liberalismo o Estado intervinha timidamente no mercado como

forma de preservar a livre concorrência, isso por volta do século XIX, também no campo do

direito do trabalho, vários direitos trabalhistas foram reconhecidos por lei ou pela

jurisprudência. “Mas, nem por isso, perderam as características daquele modelo produtivo,

calcado na liberdade de mercado e na crença da sua auto-regulação, dispensando-se a

participação do Estado como agente econômico”. 166

Essa mudança na postura estatal foi fruto do auge dos movimentos operários e inspirou os primeiros tratados, que indicavam a necessidade de institucionalização de um direito destinado à proteção do trabalhador, contrapondo-se ao fracassado modelo do contratualismo civil (baseado na falsa premissa da liberdade de vontades e igualdade das partes), decorrendo na formação das primeiras Constituições Sociais. 167

Com o enfraquecimento do Capitalismo, tornou-se necessário a participação do

Estado, deixando ele de ser apenas um mero espectador, protetor das regras do mercado e

fiscal das entidades sindicais, assim, deu espaço para o surgimento de um Estado

participativo, cumpridor do seu papel na viabilização dos direitos sociais.

165 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.30. 166 SILVA, Paulo Henrique Tavares da. Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica: Interpretação Crítica e Possibilidade de Efetivação. Curitiba: Juruá, 2003, p. 42. 167 Op. cit, p. 42.

78

O Estado passou a intervir na Economia, inclusive nas relações sociais, por meio do

planejamento, dirigismo econômico, interferência nos contratos, de forma extremada como na

ditadura, no Socialismo no Leste Europeu e no corporativismo na Itália. “A partir dessa

verificação, forma-se uma teoria crítica, reunida, sobretudo, na doutrina socialista (do Estado

interventor e prestador de benefícios), que se estabeleceu por meio de revolução na União

Soviética e na China, basicamente”. 168

De toda sorte, este novo modelo tentava manter as forças do mercado, ao mesmo

tempo em que pretendia instituir direitos aos trabalhadores.

O intervencionismo manifestou-se primeiramente na garantia dos direitos sociais,

numa tentativa de minimizar as distorções causadas pelo liberalismo econômico. A partir de

então, o Estado passou, por meio de medidas políticas a interferir na Economia, embora não

tivesse a intenção de planificá-la, de forma que interferia na vida econômica, sem suprimir a

iniciativa privada.

3.2 O ESTADO SOCIAL

Com a decadência do liberalismo, especialmente após a 1ª Guerra Mundial, quando foi

duramente criticado e combatido, o Estado passou a intervir em áreas que anteriormente eram

destinadas exclusivamente ao setor privado, assim como a assumir a responsabilidade social.

Surge o denominado “Estado social” para atender aos reclamos de índole assistencial da sociedade, que clamava por uma intervenção estatal que assegurasse condições mínimas àqueles incapazes de prover o seu próprio sustento. Efetivamente, ao se transformar em Estado prestador, automaticamente passa à condição de equalizador de um patamar social mínimo, realocando (ou pretendendo fazê-lo) aqueles que se encontrassem em situação inferior a esse mínimo para os patamares desejáveis. 169

Movimentos sociais fizeram com que o Estado saísse de sua neutralidade e assumisse

uma postura protecionista em relação aos interesses sociais, sobretudo após os efeitos nefastos

da Revolução Industrial, o que fez surgir em todo o mundo a necessidade de defesa da classe

trabalhadora, do sindicalismo, e da própria sociedade.

168 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 57. 169 Idem ibidem, p. 58.

79

O individualismo, a liberdade e a igualdade absoluta do Estado Liberal geraram muitas injustiças, que foram questionadas pelos movimentos sociais do século XIX e permitiram a tomada de consciência da necessidade da justiça social, pela flagrante insuficiência das liberdades burguesas. Essa liberdade na realidade se configurava pela possibilidade do mais forte oprimir o mais fraco. A liberdade burguesa é a liberdade de morrer de fome. Esse abstencionismo foi questionado, verificando-se a necessidade da ação concreta do Estado. 170

O Estado passou a proporcionar à população carente, que não conseguia manter o

próprio sustento, o mínimo existencial, desenvolvendo políticas nitidamente assistencialistas,

sendo o seu traço característico. É então chamado de Estado do bem-estar social (welfare

state).

O ente estatal passa a ser o responsável pelo progresso social, implantando uma generalização dos métodos de trabalho, com vistas à obtenção de uma maior produtividade, de uma melhor redistribuição de ingressos e de um aumento no poder de compra dos trabalhadores. 171

A Constituição Mexicana foi a primeira a incorporar em seu texto disposições sobre a

ordem econômica, isso em 1917, o que posteriormente veio a ocorre na Alemanha, em 1919,

ampliando também o papel do Estado na Economia, admitindo-o com maiores aberturas,

pretendendo-se “[...] assegurar a prevalência do interesse público sobre os egoísticos

interesses privados e individuais decorrentes do liberalismo exacerbado e seu individualismo

correlato”. 172

A Constituição de Weimar trouxe em seu bojo seções dedicadas ao indivíduo, à vida

social, à religião e à sociedade religiosa, à instrução e estabelecimento de ensino e à vida

econômica. Toda esta reestruturação política pela qual passou a Alemanha após a 1ª Guerra

Mundial, tornou–a republicana.

São seções marcadas por uma nova forma de se entender o papel do Estado, são normas sobre a obrigatoriedade da instrução escolar, função social da propriedade, a possibilidade de socialização das empresas, reforma agrária, proteção ao trabalho, direito de sindicalização e previdência social. 173

170 SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton; OLIVEIRA, Miguel Augusto Machado de. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 125/126. 171 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003, p. 36. 172 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p.59. 173 SIQUEIRA JÚNIOR, Op. cit, p. 94/95.

80

Além de assumir a responsabilidade pela previdência, habitação, assistência social,

inclusive saúde, saneamento e educação, o Estado passou a atuar como prestador dos serviços

públicos essenciais, aprimorando-se como agente econômico, especialmente em setores

estratégicos, como energético, minerário e siderúrgico.

A intervenção do Estado foi considerada ineficaz pela sua incapacidade em atuar em

regime de concorrência, bem como pela dificuldade de seu gerenciamento, situações estas que

acarretaram a ineficiência do modelo social. A bem da verdade, é que “o Estado do bem-estar

fora implementado com os excedentes da produção do Estado capitalista, dando lugar a uma

crescente ineficácia nas estruturas até então existentes”. 174

A reprodução do modelo Welfare State foi em grande parte responsável pela crise financeira que, desde a década de 80, vem abalando as estruturas de inúmeros Estados, vale dizer, daqueles que assumiram atividades acima de sua capacidade, gerando a explosão do déficit público, por conta dessa prestação de serviços e atuação maciça. 175

Com isso, passou-se a “redefinir o papel do Estado, no sentido de reduzir a sua

atuação direta, tanto no provimento dos direitos sociais, como na intervenção econômica”, 176

conforme leciona Bucci:

As novas funções estatais, para os governos de corte conservador ou neoliberal, seriam apenas de gestão e regulação, indo além da mera ordenação do laissez-faire ideal, mas aquém de um Estado promocional que atuava como parceiro ativo de empreendimentos econômicos, fosse como sócios, fosse como suporte. Para os demais governos, restava a questão de como financiar uma atuação mais significativa do Estado na realização de políticas nacionais, num panorama de globalização, indutor da abertura de fronteiras comerciais, cambiais em, por conseqüência, políticas e também culturais. 177 (grifo do autor)

O Estado deixou de intervir diretamente na Economia, passando de agente interventor,

para agente regulador e objetivava-se com esta reforma estatal, “[…] aumentar a eficiência e a

efetividade dos órgãos estatais, melhorar a qualidade das decisões estratégicas do governo e

voltar a administração para o cidadão-usuário (ou cidadão cliente)”. 178

174 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p.1. 175 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 61. 176 BUCCI, Op. cit, p. 2. 177 Idem ibidem, p. 2. 178 BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 83.

81

A partir da vigência do Estado Democrático e Social de Direito, o Estado teve que

assumir os objetivos traçados pelo texto constitucional, tornando-se obrigatória a execução de

políticas públicas, com os meios mais apropriados para a consecução do bem comum. Ele

passa a ser responsável por ações positivas, o que significa ir além da sua condição de mero

regulador.

Assim, as ações estatais como as que visam a valorização do trabalho humano

passaram a ser um dos requisitos da própria existência do Estado Democrático de Direito,

justificando a sua obrigação de realizar políticas com tal finalidade.

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA

O valor social do trabalho está elencado como um dos fundamentos da República

Federativa do Brasil, e também como fundamento da Ordem Econômica, sendo a busca do

pleno emprego um dos princípios que a orienta, conforme estampado no Art. 170, inciso VIII,

da Constituição Federal. “Cuida-se, portanto, de buscar uma formulação jurídica mais

adequada para impor ao Estado, na gestão dos negócios internos, a efetivação das disposições

constitucionais”. 179

À pessoa humana deve ser proporcionada a existência digna, finalidade da Ordem

Econômica, de maneira que possa alcançar o pleno desenvolvimento de suas capacidades e

personalidade, “cabendo especial responsabilidade ao poder público na realização e

concretização deste desenvolvimento, e neste ínterim é de fundamental importância, o

princípio constitucional econômico da busca do pleno emprego”. 180

Por conta disso, o Estado, por meio de seus Governantes deverão elaborar políticas

públicas de intervenção na Ordem Econômica. A existência do princípio da busca do pleno

emprego no texto constitucional é uma garantia para o trabalhador, pois ele está intimamente

ligado à valorização do trabalho humano, e juntos devem caminhar para a efetivação da

dignidade da pessoa humana.

179 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37. 180 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 259.

82

Como dito alhures, cabe ao Estado garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, e

considerando que ele não detém os meios de produção, faz-se necessário a implementação de

políticas públicas direcionadas para a valorização do trabalho humano, com a finalidade de

cumprir os objetivos traçados pelo texto constitucional, inclusive no que tange a busca pelo

pleno emprego. Para Lafayete Petter “a busca do pleno emprego significa um movimento no

sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em condições de exercer uma atividade

produtiva”. 181

No Brasil quase “metade da força de trabalho encontra-se no mercado informal, sem

cobertura previdenciária, falta de segurança no trabalho e baixa renda. A população sem

carteira assinada cresceu 8,1% em dez anos, sendo que em janeiro de 1991, era de 20%, e em

janeiro e 2001 era de 28,1%”. 182 Segue abaixo alguns dados do IBGE – Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística.

As taxas de desemprego entre 1998 e 2002 mantêm-se na faixa de 7%, em média, [...]. Dados do IBGE demonstram que no ano de 2004 havia um universo de 92.860.128 pessoas economicamente ativas no Brasil, entretanto, desse total apenas 84.596.294 encontravam-se ocupadas, resultando num número de 8.263.834 pessoas sem ocupação [...]. Com base nessas informações, pode-se afirmar que no Brasil o desemprego atingia o índice de 9,6% em dezembro de 2004. 183

Situação mais preocupante é a dos jovens, já que o maior índice de desemprego

concentra-se no grupo de pessoas entre os 16 e 24 anos, segundo pesquisas do IBGE no ano

de 2003.

As taxas de desemprego juvenil registradas no Brasil têm se mantido em patamares equivalentes ao dobro das taxas encontradas entre a população adulta. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE de 2003, enquanto a taxa de desemprego da população total variou em torno de 9% (nove por cento), o desemprego juvenil chegou a 18% (dezoito por cento), para os jovens entre 16 e 24 anos. Resultados similares são encontrados na Pesquisa Mensal de Emprego (IBGE) e também na Pesquisa de Emprego e Desemprego (Dieese/SEADE), ambas realizadas em regiões metropolitanas. 184

181 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 261. 182 RECH, Daniel (Coord.). Direitos humanos no Brasil: diagnósticos e perspectivas. Coletânea Ceris, ano 2, n. 2. Rio de Janeiro: Misereor, 2007, p. 144. 183 Id ibidem, p. 144. 184 Programa nacional de estímulo ao primeiro emprego. Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 11.09.2007.

83

O problema da desvalorização do trabalho no Brasil, causado pelo aumento do

desemprego, pela precarização das relações de trabalho, pela flexibilização trabalhista, pelo

crescimento da informalidade e pelos baixos salários, fazem com que setores da sociedade

civil cobrem do governo a implementação de políticas que ressaltem os valores

constitucionalmente protegidos.

O comportamento do mercado de trabalho, afetado pela globalização econômica tem sido ditado por fenômenos cuja presença torna-se cada vez mais intensa no mundo do trabalho: o aumento do desemprego, a precarização das relações de trabalho, a flexibilização dos direitos trabalhistas e o crescimento do setor informal. A estes fenômenos somam-se o colapso das políticas sociais e o aprofundamento da crise social. Frente a esse quadro, cada vez mais ganham destaque nos discursos governamentais e nas reivindicações de entidades da sociedade civil, com destaque para a sindical, a temática geração de emprego e renda. 185

Tentando cumprir as finalidades do texto constitucional, no que pertine ao trabalho

humano, o Governo Federal instituiu o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda,

desenvolvendo suas atividades por meio do Ministério do Trabalho e Emprego.

O Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda é composto por ações voltadas para

o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego – PNPE, o Programa de Geração de

Emprego e Renda – PROGER, Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado –

PNMPO, Qualificação Profissional, Intermediação de Mão-de-Obra – IMO (SINE). Além de

benefícios como: abono salarial; carteira de trabalho e previdência social; salário mínimo e

seguro-desemprego.

3.3.1 Intermediação de mão-de-obra

A intermediação de mão-de-obra a que se faz referência neste trabalho, trata-se da

política de governo que tem por finalidade facilitar a inserção do trabalhador no posto de

trabalho, por meio de órgão estatal, diferente da intermediação de mão-de-obra ilícita que

ocorre nos contratos de terceirização em que o intermediador faz a contratação do trabalhador

para prestar serviços para um terceiro, que é o dono do empreendimento, numa clara tentativa

de burlar a legislação trabalhista.

185 RECH, Daniel (Coord.). Direitos humanos no Brasil: diagnósticos e perspectivas. Coletânea Ceris, ano 2, n. 2. Rio de Janeiro: Misereor, 2007, p. 143/144.

84

A intermediação de mão-de-obra tem por objetivo tanto colocar, como recolocar o

trabalhador no mercado de trabalho, por meio do SINE – Sistema Nacional de Emprego,

postos de atendimento em que as ações do programa são executadas, prestando informações

sobre o mercado de trabalho tanto para o trabalhador, como para o empregador.

Objetivo da intermediação de mão-de-obra – reduzir o desemprego friccional, contribuindo para que os postos de trabalho vagos não sejam extintos ou que não venham a ocorrer agregação de ocupação por dificuldades no preenchimento da vaga. 186 (grifo no original)

Os candidatos aos postos de trabalho são encaminhados e selecionados conforme as

vagas existentes no mercado de trabalho, ou seja, os candidatos à procura de trabalho vão aos

postos do SINE e se inscrevem de acordo com sua qualificação e experiência, em

contrapartida, o empregador procura o SINE para oferecer suas vagas.

O SINE foi criado pelo Decreto n. 76.403, de 08.10.1975, tendo como coordenador e

supervisor o Ministério do Trabalho e Emprego. A sua criação teve por finalidade a promoção

da intermediação de mão-de-obra, prestar serviços de informação e agências de colocação de

trabalhadores em todo o País.

Além disso, previa o desenvolvimento de uma série de ações relacionadas a essa finalidade principal: organizar um sistema de informações sobre o mercado de trabalho, identificar o trabalhador por meio da Carteira de Trabalho e Previdência Social e fornecer subsídios ao sistema educacional e de formação de mão-de-obra para a elaboração de suas programações. 187

O Art. 239 da Constituição Federal criou o seguro-desemprego, fazendo com que os

recursos para custeio e investimento do SINE passassem a ser provenientes do FAT, por

intermédio do Programa do Seguro-Desemprego. A partir de então, as normas e diretrizes do

SINE passaram a ser definidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Conselho

Deliberativo do FAT – CODEFAT.

O Fundo de Amparo ao Trabalho – FAT é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono

186 Intermediação da mão-de-obra. Disponível em: http://www.mte.gov.br/imo/default.asp. Acesso em: 18/03/08. 187 O que é o SINE? Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/sine/oquee.asp. Acesso em: 04.09.2007.

85

Salarial e ao financiamento de programas de Desenvolvimento Econômico. 188

Os recursos do FAT são provenientes das contribuições para o Programa de Integração

Social – PIS, criado por meio da Lei Complementar n° 07, de 07 de setembro de 1970, e para

o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP, instituído pela Lei

Complementar n° 08, de 03 de dezembro de 1970, também por força do Art. 239, da

Constituição Federal.

Dentre as ações financiadas pelo FAT, tem-se que as principais giram em torno de

dois programas voltados para o emprego, que são: o programa do seguro-desemprego

(pagamento do benefício, qualificação e requalificação profissional, orientação e

intermediação do emprego) e os programas de geração de emprego e renda, e o programa

nacional de fortalecimento da agricultura familiar.

O Programa do Seguro-Desemprego é responsável pelo tripé básico das políticas de emprego: Benefício do seguro-desemprego – promover a assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado, em virtude de dispensa sem justa causa; Intermediação de mão-de-obra – busca recolocar o trabalhador no mercado de trabalho, de forma ágil e não onerosa, reduzindo os custos e o tempo de espera de trabalhadores e empregadores; Qualificação social e profissional – (por meio do Plano Nacional de Qualificação – PNQ) – visa a qualificação social e profissional de trabalhadores/as, certificação do/a trabalhador/a brasileiro/a, com prioridade para as pessoas discriminadas no mercado de trabalho por questões de gênero, raça/etnia, faixa etária e/ou escolaridade. 189 (grifo no original)

Para cumprir a finalidade Constitucional, “o Programa do Seguro-Desemprego

contempla as ações de pagamento de benefício, por prazo determinado, apoio operacional

para a efetivação do pagamento, com exceção do próprio pagamento, que é feito pela Caixa

Econômica Federal, de intermediação de mão-de-obra, qualificação profissional, geração de

informações sobre o mercado de trabalho e apoio operacional ao Programa de Geração de

Emprego e Renda”. 190

188 Fundo de Amparo ao Trabalhador. Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/fat/histórico.asp. Acesso em: 26.09.2007. 189 Id ibidem. 190 Id ibidem.

86

Os Estados e Municípios participam dos Programas de Emprego e Renda, tanto que a

lei 8.019, de 11.04.1990 estabelece em seu Art. 13, que as ações do programa do seguro-

desemprego serão executadas, prioritariamente, em articulação com os Estados e Municípios,

por intermédio do SINE, sendo certo que “parte dos recursos para o custeio do SINE,

especialmente os relativos ao pagamento de seus funcionários são provenientes de

contrapartida das Unidades da Federação”, 191 de forma que todos os entes federativos

participam do programa.

3.3.2 Plano Nacional de Qualificação

O plano nacional de qualificação do Trabalhador constitui-se num mecanismo de

política pública de emprego, trabalho e renda, tendo o FAT como fonte de custeio.

A qualificação para afirmar-se como fator de inclusão social e de desenvolvimento

econômico, passível de gerar trabalho e proporcionar a justa distribuição de renda, deve

pautar-se numa forma de construção social do conhecimento, em detrimento dos

conhecimentos de cunho estritamente individual. Traduzindo-se em garantia de trabalho

decente para homens e mulheres.

[...] entende-se a Qualificação Social e Profissional como direito e condição indispensável para a garantia do trabalho decente para homens e mulheres. Define-se Qualificação Social e Profissional como aquela que permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e trabalho das pessoas. Portanto, as políticas públicas de Qualificação devem contribuir para promover a integração das políticas e para a articulação das ações de qualificação social e profissional no Brasil e, em conjunto com outras políticas e ações vinculadas ao emprego, ao trabalho, à renda e à educação, deve promover gradativamente a universalização do direito dos trabalhadores à qualificação. 192

Com o advento da reestruturação produtiva, entenda-se a inserção de novas técnicas de

produção e técnicas gerenciais, bem como o crescimento do desemprego e heterogeneização

das formas de trabalho, a qualificação profissional ganhou novos significados e importância,

tendo como “marco decisivo a promulgação da Constituição Federal, que impulsionou a nova

191 O que é o SINE? Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/sine/oquee.asp. Acesso em: 04.09.2007. 192 Plano Nacional de Qualificação. Conheça o Plano Nacional de Qualificação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/pnq/conheca.asp. Acesso em: 07.08.2007.

87

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a reforma do ensino técnico-profissional,

constituindo-se numa política pública de trabalho, renda e qualificação profissional”. 193

O PNQ – Plano Nacional de Qualificação está voltado prioritariamente para o público

de trabalhadores que tenham sido alvo de processos de exclusão e discriminação social,

centrando sua atuação em trabalhadores sem ocupação cadastrados no SINE, que sejam, ou

não, beneficiários das demais políticas públicas de trabalho e renda.

Também são beneficiários os trabalhadores rurais, inclusive os que lavram a terra

juntamente com a família, em assentamentos, que trabalham assalariados, bem como os que

não são assalariados, os que vivem de atividades sazonais, em razão de fatores que tornem

instável a ocupação e o fluxo de renda.

O Art. 8° da Resolução n.° 333, do CODEFAT estabelece quem é a população

prioritária para fins de aplicação dos recursos do FAT, que além dos supra mencionados,

podem ser citadas: pessoas que trabalham por conta própria; trabalhadores domésticos;

trabalhadores em empresas que estão passando por alguma forma de reestruturação produtiva;

beneficiários de políticas de inclusão social, ações de combate à discriminação, envolvendo

políticas de integração e desenvolvimento regional e local; egressos dos sistemas prisionais,

ou socioeducativas, resgatados do trabalho análogo ao de escravo e infantil.

Assim como:

VIII – trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Único de Saúde, Educação, Meio Ambiente e Segurança e Administração Pública; IX – trabalhadores/as de empresas incluídas em arranjos produtivos locais, de setores exportadores, setores considerados estratégicos da economia, segundo a perspectiva do desenvolvimento sustentável e da geração de emprego e renda e de setores econômicos beneficiados por investimentos estatais; X – gestores em Políticas Públicas e representantes em fóruns, comissões e conselhos de formulação e implementação de Políticas Públicas e Sociais. 194

193 Plano Nacional de Qualificação. Conheça o Plano Nacional de Qualificação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/pnq/conheca.asp. Acesso em: 07.08.2007. 194 Loc. cit,. Aceso em: 07.08.2007.

88

É preciso ter em conta que sempre terão prioridade no acesso ao programa de

qualificação as pessoas mais vulneráveis econômica e socialmente, especialmente os

trabalhadores, homens ou mulheres, com baixa renda e pouca escolaridade, pessoas mais

sujeitas às diversas formas de discriminação social, o que acarreta maiores dificuldades no

acesso ao mercado de trabalho, podendo ser citados os desempregados de longa duração, os

negros e afro-descendentes, índio-descendentes, mulheres, jovens, portadores de necessidades

especiais, particularmente os deficientes físicos, pessoas acima dos 40 anos, e outros a serem

definidos pelos Órgãos competentes.

A política de qualificação profissional além de integrar-se às políticas públicas de

emprego, trabalho e renda, está integrada à política educacional e a de desenvolvimento.

Desta forma adota uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, que tem como cerne

objetivos sociais voltados para a geração de trabalho, a distribuição de renda, bem como para

a redução das desigualdades regionais, visando inclusive a inserção dos trabalhadores no

mercado de consumo.

Quando integrada às políticas públicas de trabalho “[...] visa reconhecer a qualificação

profissional como uma construção social, como algo que vai além da dimensão pedagógica, e

de favorecer efetivamente a construção de um sistema público de trabalho, emprego e renda

no País”. 195

Integrada às políticas públicas de educação, propõe-se a disseminar a união entre

educação básica, que engloba a fundamental, média e de jovens e adultos, com a educação

voltada para a formação profissional.

Sua integração às políticas públicas de desenvolvimento, tem como objetivo contribuir

para a superação de sua condição política de caráter compensatória. “Os Planos Territoriais e

os Projetos Especiais devem ser capazes de, sob o novo PPA, ajustar-se às diretrizes

respectivamente, das políticas nacional, regional, estadual, mesorregional e local de

desenvolvimento, ao mesmo tempo atuando como um fator de impulsionamento dessas” 196

[Plano Plurianual].

195 Conheça o Plano Nacional de Qualificação: bases de uma nova política pública de qualificação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=pnq/conheca.asp. Aceso em: 07.08.2007. 196 Id ibidem.

89

A ligação entre estas três políticas públicas, de trabalho, educação e desenvolvimento,

proporciona a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida da população,

possuindo caráter eminentemente emancipatório, por meio de atividades educativas,

proporcionando o pleno desenvolvimento das capacidades do homem e da mulher, enquanto

trabalhadores.

O nexo entre trabalho, educação e desenvolvimento, no âmbito das Políticas Públicas de Qualificação, pressupõe a promoção de atividades político-pedagógicas baseadas em metodologias inovadoras dentro de um pensamento emancipatório de inclusão, tendo o trabalho como princípio educativo; o direito ao trabalho como um valor estruturante da cidadania; a qualificação como uma política de inclusão social e um suporte indispensável do desenvolvimento sustentável; a associação entre a participação social e a pesquisa como elementos articulados na construção desta política e na melhoria da base de informação sobre a relação trabalho-

educação-desenvolvimento. Possibilita com tudo isso a melhoria das condições de trabalho e da qualidade social de vida da população. 197 (grifo do autor)

O PNQ deve fornecer ao trabalhador qualificação técnico-profissional, de forma que

favoreça a consecução de um posto de trabalho, ou mesmo do auto-emprego, garantindo a ele

uma forma de conseguir a subsistência própria por meio do trabalho digno e honesto. Por

outro lado, a qualificação profissional emancipa o homem, abrindo novos horizontes

profissionais e sociais.

A qualificação profissional conforme concebida, tem por objetivo, contribuir para: a

formação dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros; aumentar as chances de obtenção de

emprego e trabalho digno, reduzindo com isso os níveis de desemprego e subemprego; elevar

a escolaridade dos trabalhadores; proporcionar a inclusão social, reduzir a pobreza; combater

a discriminação; favorecer a fixação do trabalhador à sua fonte de renda; proporcionar a

melhora na produtividade, nos serviços prestados, possibilitando com isso, o aumento dos

salários; e, por fim, efetivar a integração do Sistema Público de Emprego ao Sistema Nacional

de Educação.

197 Conheça o Plano Nacional de Qualificação: bases de uma nova política pública de qualificação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=pnq/conheca.asp. Aceso em: 07.08.2007.

90

Assim, prima pela integração das políticas de educação, qualificação social, trabalho,

emprego, renda, de forma promover a universalização dos direitos dos trabalhadores à

qualificação profissional.

Ainda, vale mencionar, que existe no Ministério do Trabalho e Emprego o projeto de

qualificação dos trabalhadores rurais que são libertados do trabalho escravo pelo Grupo

Móvel de Combate ao Trabalho Escravo, conforme audiência pública para avaliação do Plano

Nacional de Erradicação de Trabalho Escravo, que ocorreu em 09 de agosto de 2007, o então

Ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, “manifestou-se no sentido de garantir a

qualificação dos trabalhadores libertados pelo grupo de combate ao trabalho escravo,

associando o pagamento do seguro-desemprego à participação em cursos de capacitação”. 198

Ao contrário de outras nações, o Brasil tem a coragem e ousadia de realizar o combate aos focos de trabalho escravo. Mas temos de ter cuidado para que esta ação não seja usada de forma desleal por países que querem desmoralizar nosso grande potencial na área de biocombustíveis associando de forma incorreta este setor ao problema 199 – [Obviamente que o Ministro se refere aos cortadores de cana-de-açúcar no setor sucroalcooleiro, sobretudo em razão do etanol encontrar-se em evidência em vários países do mundo] – (grifo nosso).

Outro projeto que “está em estudo no Ministério do Trabalho e Emprego é a

vinculação do pagamento do Seguro-Desemprego à qualificação, para que os trabalhadores

além de conseguirem se sustentar pelo período em que recebem o benefício, possam se

qualificar e encontram maiores facilidade ao voltarem para o mercado de trabalho”. 200

O PNQ persegue propósitos inerentes às políticas do estado brasileiro, insculpidos no

texto constitucional, como o desenvolvimento econômico e social, a geração de trabalho, a

melhor distribuição de renda, erradicação da pobreza, inclusão social, e finalmente a

emancipação por meio da educação profissional.

198 Qualificação para trabalhadores libertados: em audiência pública no Senado, Lupi adiantou que a proposta está em estudo e tem por objetivo dar cidadania às pessoas resgatadas pelo grupo móvel. Disponível em: www.mte.gov.br/funcoes/imprimir.asp?URL=/sgcnoticia.asp. Acesso em 13.08.07. 199 Loc cit. Acesso em 13.08.07. 200 Ministro que vincular seguro-desemprego e qualificação do trabalhador. Agência Brasil. Disponível em: www.aasp.org.br/aasp/noticias/visualizar_noticia_print.asp?ID=20028. Acesso em: 13.08.2007.

91

3.3.3 Programa de Geração de Emprego e Renda

O PROGER, programa de geração de emprego e renda, é um programa do Governo

Federal que tem suas ações voltadas para o financiamento do auto-emprego, ou seja, por meio

de linhas de crédito, auxilia o pequeno empreendedor a garantir a própria subsistência, com o

desempenho de atividades econômicas. “O PROGER é um conjunto de linhas especiais de

crédito para financiar quem quer investir no crescimento de seu próprio negócio, tendo por

objetivo gerar e manter emprego e renda”. 201

Os recursos do programa são oriundos do FAT, dos “depósitos especiais criados pela

Lei n° 8.352, de 28 de dezembro de 1991 (incorporando, entre outros, o próprio PROGER,

nas modalidades Urbano e Rural e o Programa Nacional de Fomento da Agricultura Familiar

– PRONAF)”. 202 Os créditos são destinados a atividades de ramos diversos da Economia,

podendo ser citados a área rural, o empreendedorismo popular, a exportação, a habitação,

investimento produtivo, PROGER urbano, turismo.

Os recursos do PROGER destinam-se:

1. às pessoa que hoje estão trabalhando de maneira informal, em pequenos negócios familiares, como por exemplo as que fazem serviços de marcenaria, fabricam roupas, comidas, doces caseiros, artesanato etc., aos profissionais recém-formados, aos mini e pequenos produtores rurais, aos pescadores artesanais (com fins comerciais), aos seringueiros que se dediquem à exploração extrativista da seringueira na Região da Amazônia, dentre outros. 2. às pequenas e microempresas; 3. às cooperativas e associações de produção, formadas por micro ou pequenos empreendedores, urbanos e rurais; 4. aos professores da rede pública e privada de ensino, para aquisição de equipamentos de informática; 5. às pessoas físicas, para aquisição de material para construção ou para aquisição de unidade habitacional. 203

O PROGER Rural tem por objetivo fornecer apoio financeiro aos pequenos produtores

rurais, visando mantê-los no campo, utilizando-se da manutenção e geração de postos de

trabalho. Os beneficiários são os proprietários rurais, posseiros, arrendatários ou parceiros que

201 Programa de Geração de Emprego e Renda. Disponível em: www.mte.gov.br/geral. Acesso em: 11/09/2007. 202 Fundo de Amparo ao Trabalhador. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/fat/historico.asp. Acesso em: 26.09.2007. 203 Programa de Geração de Emprego e Renda. Disponível em: www.mte.gov.br/geral. Acesso em: 30/05/2007.

92

aplicam na atividade a mão-de-obra predominantemente familiar, desde que “não tenha área

de terra superior a 15 módulos fiscais, que, no mínimo, 80% de sua renda seja oriunda da

atividade agropecuária, ou extrativa vegetal, que residam na propriedade ou em local

próximo, e por fim, que a renda bruta anual não seja superior a R$80.000,00 (oitenta mil

reais)”. 204

Os financiamentos são disponibilizados por intermédio do Banco do Brasil S/A e

Banco do Nordeste S/A, no percentual de até 100% do valor do empreendimento, tendo prazo

de até 8 anos, com até 36 meses de carência.

Os recursos extra-orçamentários do FAT que ficam depositados junto às instituições

oficiais federais, Banco do Brasil S/A, Banco do Nordeste S/A, Caixa Econômica Federal,

Banco da Amazônia S/A, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social– BNDES

e Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, servem também para financiar este programa.

Voltado para a área rural, ainda existe a rede de crédito destinada a conceder apoio

financeiro às atividades agropecuárias, exploradas diretamente pela força de trabalho do

produtor e de sua família, é o PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar.

Trata-se de concessão de linha especial de crédito associada a ações de apoio de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário, tais como a verticalização e descentralização da produção e melhoria na infra-estrutura de suporte à expansão do desenvolvimento socioeconômico da zona rural. 205

Esta linha de crédito é financiada por meio do Banco do Brasil S/A, Banco do

Nordeste S/A e agentes financeiros credenciados ao BNDES.

O empreendedor popular também pode contar com crédito do PROGER, que é

destinado aos micro-empreendedores de baixa renda, busca favorecer o auto-emprego, e tem

por primordial o combate ao desemprego, à pobreza e a exclusão social. Esta linha de crédito

tem como agentes financeiros o Banco do Brasil S/A, o Banco do Nordeste S/A e a Caixa

204 PROGER Rural. Disponível em: http://www.mte.gov.br/proger/rural.asp. Acesso em: 30.05.2007. 205 Loc. cit. Acesso em: 18/03/2008.

93

Econômica Federal. O máximo de valor a ser financiado é R$10.000,00 (dez mil reais), com

prazos de até 60 meses e 12 meses de carência.

O PROGER exportação tem por objetivo o estímulo a exportação por parte das micro

e pequenas empresas, e possui como agentes financeiros a Caixa Econômica Federal e o

Banco do Brasil S/A.

Seu objetivo é estimular a exportação das micro e pequenas empresas, inclusive através de financiamento à produção nacional de bens na fase pré-embarque e em condições compatíveis com o mercado internacional, visando o incremento das exportações brasileiras. Seus beneficiários são as micro e pequenas empresas exportadoras com faturamento bruto anual de até R$ 5 milhões, constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no país, excluídas trading companies (sic) e empresas comerciais exportadoras. 206

Disposição semelhante é a contida no Art. 170, inciso IX da Constituição Federal,

sendo o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis

brasileiras e que tenham sua sede e administração no País”. 207 Veja que esta política de

geração de emprego e renda observa mais um dos princípios da Ordem Econômica, além de

fomentar o emprego, já que a empresa que recebe crédito de forma menos onerosa, consegue

se manter de forma mais duradoura no mercado.

Outra linha de crédito voltada para a exportação é o FAT – EXPORTAR, que é

destinada às micro, pequenas, médias e grandes empresas, financiando a exportação na fase

pré-embarque de bens que apresentem índice de nacionalização igual ou superior a 60%.

Possui como agente financeiro o BNDES.

O PROGER habitação é operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, e tem como

beneficiários pessoas de baixa renda, que tenham interesse em construir seu imóvel

residencial, adquiri-lo, novo ou usado.

Destinado ao financiamento de unidades habitacionais a ser operado pelas instituições financeiras oficiais federais objetivando a geração imediata de emprego e renda, a descentralização regional, a compatibilização com as

206 PROGER Exportação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral. Acesso em: 30/05/2007. 207 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

94

políticas governamentais para geração de emprego e renda e a redução do déficit habitacional. 208

Além da concessão de crédito para a aquisição da moradia pela Caixa Econômica

Federal, existe o FAT – habitação, que financia a aquisição de materiais para construção, por

meio do Banco do Brasil S/A juntamente com a Caixa Econômica Federal, que atuam como

agentes financeiros, visando tanto a geração como a manutenção de emprego e renda no setor

da construção civil.

O programa fixa o limite financiável, o valor máximo a ser financiado, o prazo de

amortização, bem como os encargos financeiros.

Como visto, este ramo do PROGER une a política de geração de emprego e renda com

a política habitacional, pois de um lado financia a aquisição e construção da casa própria, e de

outro abre postos de trabalho para pessoas que se habilitarem a trabalhar nas construções.

O Programa de Geração de Emprego e Renda também é encontrado no fomento ao

Turismo, constituindo-se como linha de crédito destinada a concessão de financiamentos a

empresas do setor da prestação de serviços turísticos. Tem por objetivo gerar e otimizar o

potencial de geração de emprego e renda neste setor.

Os agentes financeiros são o Banco da Amazônia S/A e a Caixa Econômica Federal, e

é destinado às micro e pequenas empresas que se dedicam a este setor produtivo, desde que

seu faturamento bruto anual não ultrapasse R$ 5.000.000,00 (cinco milhões). O crédito

destina-se a implementação do capital de giro destas empresas, com financiamento de até

10% do faturamento bruto anual de até R$ 3.000.000,00 (três milhões), e até 8% quando o

faturamento estiver entre R$ 3.000.000,00 (três milhões) e R$ 5.000.000,00 (cinco milhões).

Tratando-se de crédito para investimento poderá ser financiado até 100% do projeto.

Quanto ao capital de giro associado, este percentual cai para até 40% do valor do projeto.

208 PROGER Habitação. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir?URL=/proger/habitacao.asp. Acesso em: 30.05.07

95

O teto financiável será de até R$300.000,00 (trezentos mil reais) para as empresas com

faturamento de até 3 milhões, e até R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) para empresas com

faturamento acima de 3 milhões e inferior a 5 milhões. Esta modalidade requer garantias.

O PROGER Urbano consiste na concessão de créditos destinados aos micro e

pequenos produtores urbanos, voltado para o crescimento do negócio, ou mesmo para a

obtenção de recursos para o custeio da atividade, tem como agentes financeiros o Banco do

Brasil S/A, o Banco do Nordeste S/A, o Banco da Amazônia S/A e a Caixa Econômica

Federal.

Atende a demandas de financiamento visando a manutenção de postos de trabalho, redução da mortalidade das micro e pequenas empresas e, consequentemente, a diminuição da rotatividade da mão de obra. Seus beneficiários são as pessoas jurídicas de direito privado, classificadas como micro ou pequenas empresas com faturamento bruto anual de até R$ 5 milhões. Seus recursos estão disponíveis para aplicação em investimento e capital de giro. 209

As linhas de crédito como visto acima, tanto podem ser para capital de giro e

investimento, como somente para capital de giro isolado.

Este programa também presta atendimento aos profissionais liberais, por meio da

abertura de crédito, visando o aumento da produtividade, a manutenção e geração de emprego

e renda, bem como a fixação em suas regiões de origem. “Seus beneficiários são os

profissionais liberais de nível médio e superior, inclusive recém-formados”. 210

As cooperativas e associações de produção, com exceção das de crédito, que visem a

geração de emprego e renda também são beneficiárias do PROGER Urbano. Elas recebem

apoio a investimento fixo e capital de giro, dos agentes financeiros mencionados acima.

3.3.4 Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado

O PNMPO, programa nacional do microcrédito produtivo orientado, foi instituído pela

Lei 11.110, de 25 de abril de 2005, e está voltado para os microempreendedores populares,

209 PROGER Urbano. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes/imprimir.asp?URL=/proger/proger.asp. Acesso em: 07.06.2007. 210 Loc. cit. Acesso em: 07.06.2007.

96

pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, que

possuam renda bruta anual de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

Consiste o microcrédito produtivo orientado no crédito concedido para atendimento

das necessidades financeiras do público indicado acima, “mediante a utilização de

metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é

executada a atividade econômica”. 211

O Comitê Interministerial do PNMPO é o órgão que subsidia a coordenação e

implementação do programa. É composto por representantes dos Ministérios do Trabalho e

Emprego, da Fazenda, e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, “possuem as funções

de: subsidiar a coordenação e a implementação das diretrizes do PNMPO; definir prioridades,

condições técnicas e operacionais do PNMPO; receber, analisar e elaborar proposições a

serem submetidas aos Ministérios”. 212

O PNMPO persegue os seguintes objetivos:

• Incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares; • Disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo orientado; • Oferecer apoio técnico às instituições de microcrédito produtivo orientado, com vistas ao fortalecimento institucional destas para a prestação de serviços aos empreendedores populares. 213

Os recursos do PNMPO são provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador e de

parcela dos recursos dos depósitos à vista destinados ao microcrédito, de que trata o Art. 1°,

da Lei 10.735, de 11 de setembro de 2003.

Assim, com recursos do FAT, o Banco do Brasil S/A, a Caixa Econômica Federal, o

Banco do Nordeste S/A, o Banco da Amazônia S/A, o Banco Nacional do Desenvolvimento

Social – BNDES (instituições financeiras oficiais de que trata a Lei n.° 8.019, de 11 de abril

de 1990), juntamente com parcela dos recursos dos depósitos à vista, provenientes dos bancos

comerciais, dos bancos múltiplos com carteira comercial e da Caixa Econômica Federal,

211 PNMPO. Disponível em: www.mte.gov.br/pnmpo/default.asp. Acesso em: 21.11.2007. 212 Loc. cit. Acesso em: 21.11.2007. 213 PNMPO. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes//imprimir/asp?URL =/pnmpo/pnmpo_conheca.asp. Acesso em: 10.06.2007.

97

financiam a atividade dos microempreendedores, de forma a manter a fonte de renda destes,

bem como gerar postos de trabalho a outras pessoas que laborem na atividade financiada.

Podem participar do PNMPO instituições do microcrédito produtivo orientado –

IMPO, que deverão se cadastrar, firmando termo de compromisso para posteriormente obter

termo de habilitação junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, sendo elas:

• As cooperativas de crédito singulares; • As agências de fomento, de que trata a medida provisória n.° 2.192-70, de 24 de agosto de 2001; • As sociedades de crédito ao microeempreendedor, de que trata a lei n.° 10.194, de 14 de fevereiro de 2001; • As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, de que trata a Lei n.° 9.790, de 23 de março de 1999. 214

Os beneficiários receberão atendimento prestado por pessoas treinadas para efetuar o

levantamento sócioeconômico, orientar de forma educativa sobre o planejamento do negócio,

como a fim de definir as prioridades do negócio.

Os pontos cruciais do PNMPO são a concessões do crédito e a orientação prestada por

pessoas habilitadas aos microeempreendedores, que é feito na fase do contrato, visando o

melhor aproveitamento dos recursos concedidos, bem como o desenvolvimento e

sustentabilidade da atividade econômica.

3.3.5 Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego

Entre as políticas públicas voltadas para a valorização do trabalho humano, está o

programa nacional de estímulo ao primeiro emprego – PNPE aparece como forma de

combater a pobreza e a exclusão social, integrando as políticas públicas de emprego e renda,

com a finalidade de aumentar e melhorar as condições de vida da população, a começar pelo

jovem.

214 PNMPO. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes//imprimir/asp?URL =/pnmpo/pnmpo_conheca.asp. Acesso em: 10.06.2007.

98

A finalidade da Política de Primeiro Emprego é contribuir para a geração de

oportunidade de trabalho decente para a juventude brasileira, mobilizando o governo e a

sociedade para a construção conjunta de uma Política Nacional de Trabalho.

Em razão da situação de vulnerabilidade dos jovens ante o mercado de trabalho,

sobretudo em razão dos índices de desemprego, foi concebido o Programa Nacional de

Estímulo ao primeiro Emprego para jovens, implementado pelo Governo Federal por meio da

lei 10.748, de 22 de outubro de 2003.

A Política de Aprendizagem é uma forma de por em prática o PNPE, pela

transformação das expectativas dos jovens em oportunidades concretas de um futuro decente,

por meio de acesso e permanência no mercado de trabalho. O programa foi aprimorado com a

aprovação da Lei 10.940 de 2004, que concedeu aumento nos incentivos pagos às empresas

que participem do PNPE.

A concessão de incentivos é efetivada mediante a celebração de convênios com

entidades empresariais, “assegurando aproximadamente 50 mil vagas em dois anos para o

público do Programa Primeiro Emprego, tanto na linha de subvenção econômica como na de

responsabilidade social”. 215 Para viabilizar estes projetos faz-se necessário estabelecer

parcerias entre o Ministério do Trabalho e Emprego, os governos estaduais, municipais, além

de outros órgãos federais, entidades da sociedade civil, empresas públicas e privadas.

O número de jovens que poderão ser contratados pelos participantes do PNPE

dependerá do número de funcionários já existentes na empresa, da seguinte forma: “um

jovem, no caso de contarem com até quatro empregados; dois jovens, no caso de contarem

com cinco a dez empregados; até vinte por cento do respectivo quadro de pessoal, nos demais

casos”. 216

O problema da exclusão dos jovens do emprego “é mais acentuado quando são

provenientes de famílias de baixa renda, e possuem um grau reduzido de escolaridade. A falta

de experiência profissional, aliada aos dois fatores anteriores, reflete-se negativamente no

215 PNPE. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 11/09/2007. 216 BRASIL. Lei 10.748, de 22 de outubro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 15.09.2007.

99

desenvolvimento intelectual, cognitivo e psíquico dos jovens, sendo inclusive mais um

empecilho para a obtenção de postos de trabalho mais dignos”. 217

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, “Os jovens de 16 a 24 anos

representam grande parte dos desempregados do país. O índice de desemprego entre os jovens

nessa faixa etária é quase o dobro da taxa de desemprego em geral. Os homens e as mulheres

jovens desempregados somam cerca de 3,5 milhões, ou 45% do total de 7,7 milhões de

desempregados em todo o país”, 218 por isso a política de primeiro emprego visa facilitar o

acesso da população ao mercado de trabalho, a começar pelo jovem.

Duas linhas de ações são desenvolvidas pelo PNPE: a qualificação social e

profissional e a inserção imediata do jovem no mercado de trabalho. A qualificação social e

profissional engloba os projetos de Consórcios Sociais da Juventude, Empreendedorismo

Juvenil, Juventude Cidadã e Soldado Cidadão.

A inserção imediata no mercado de trabalho abrange as ações que visam a captação de

vagas no mercado formal de trabalho, com contratações que podem ou não ser subsidiadas

pelo governo, e ações de geração de renda, como empreendedorismo, cooperativismo e

associativismo, ou ainda, os contratos especiais de trabalho, no caso da aprendizagem e do

estágio.

Os consórcios sociais da juventude constituem-se instrumento para a consolidação da

parceria entre a sociedade civil e o governo, por meio do fomento à geração de postos de

trabalho formais e preparação para o primeiro emprego, integrando, assim, as Políticas

Públicas de Emprego.

Este programa é destinado aos jovens com maior risco social, devendo ser cumpridos

os requisitos da Lei 10.748/2003, que são: “ser o primeiro vínculo empregatício; ser membro

de família com renda mensal per capita de até ½ (meio) salário mínimo; estejam matriculados

e freqüentando estabelecimento de ensino fundamental ou médio, ou cursos de educação de

217 PNPE. Disponível em: www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 11.09.2007. 218 Loc. cit. Acesso em: 11.09.2007.

100

jovens e adultos, ou que tenham concluído o ensino médio; estejam cadastrados nas unidades

executoras do programa”. 219

O público alvo são os jovens que em razão da menor condição sócio-econômica,

encontram maiores dificuldades no acesso ao mercado de trabalho, especialmente os

quilombolas e afro-descendentes, indígenas, egressos de unidades sócioeducativas, em

conflito com a lei, portadores de necessidades especiais, jovens mães e trabalhadores rurais.

O Ministério do Trabalho e Emprego elenca como objetivos: a criação de

oportunidades de trabalho, inclusive o auto-emprego, e o serviço voluntário; a qualificação

dos jovens; melhoria na auto-estima e participação na vida social e econômica do país;

proporcionar experiências bem sucedidas na sociedade; constituir um ponto de encontro entre

os parceiros.

Neste programa os jovens freqüentam aulas de ética, cidadania e meio ambiente,

inclusão digital, noções de empreendedorismo e apoio à elevação da escolaridade, freqüentam

oficina de capacitação profissional, “além de receberem uma bolsa de R$150,00 (cento e

cinqüenta reais por mês)” 220, e prestarem serviços comunitários como contrapartida.

O projeto juventude cidadã prioriza o atendimento aos jovens com idade entre 16 e 24

anos, em sua maioria com escolaridade inferior ao ensino médio completo, que sejam

egressos de medidas sócioeducativas. A qualificação social e profissional faz parte deste

projeto, bem como a exigência de inserção do jovem no mercado de trabalho, de no mínimo

30% dos beneficiários do programa.

O empreendedorismo juvenil tem por meta criar oportunidade de trabalho e renda para

jovens de baixa renda, por meio do estímulo ao desenvolvimento de pequenos negócios.

Como estratégia, o projeto alia a capacitação à concessão de crédito, oriundo do Fundo de

Amparo ao Trabalhador (Resolução do Codefat/339, de 10/07/2004).

219 BRASIL. Lei 10.748, de 22 de outubro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 15.09.2007. 220 Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego. Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 12.09.2007.

101

Auto-emprego – financiamento de até R$10 mil, com prazo de 60 meses para pagamento e 12 meses de carência; Micros e pequenas empresas – limite de crédito de até R$ 50 mil reais, com 84 meses para pagamento e 18 meses de carência; Cooperativas ou associações – teto para empréstimo de R$ 5 mil por beneficiário de R$ 100 mil por cooperativa. Prazo de 84 meses para o pagamento com carência de 18 meses. 221 (grifo nosso)

O projeto jovem empreendedor é realizado em parceria com Serviço Brasileiro de

Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Este projeto tem por objetivo proporcionar à

parcela da população jovem brasileira, que possui perfil sócioeconômico carente, cursos de

capacitação profissional que possam possibilitar melhores perspectivas de ingresso no

mercado de trabalho e que complementem a formação cívica.

O Governo federal ao criar o programa Soldado Cidadão, determinou a incorporação

de um número maior de jovens para a prestação do Serviço Militar Obrigatório, com isso

“cerca de 30 mil soldados por ano, têm acesso a cursos de capacitação e formação

profissional”. 222

Participam do projeto o Ministério da Defesa e do Trabalho e Emprego, o Exército, a

Fundação Cultural Exército Brasileiro (FUNCEB), por intermédio do SENAI e SENAC

participam a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Confederação Nacional da

Indústria (CNI).

Durante a participação no programa, os jovens recebem um salário mínimo mensal. A

capacitação envolve cursos de telecomunicações, automobilística, alimentícia, construção

civil e artes gráficas, levando sempre em consideração a demanda nas regiões dos jovens.

A Constituição Federal determina que a idade mínima para trabalhar é 16 anos, salvo

na condição de menor aprendiz, a partir dos 14 anos de idade. Até os 18 anos o menor

necessita de autorização do responsável legal para celebrar contrato de trabalho.

221 Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego. Disponível em: http://www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 12.09.2007. 222 Loc. cit. Acesso em: 20.09.2007.

102

A Política de Aprendizagem é de caráter permanente, que reúne a qualificação e a

inserção do jovem no mercado formal de trabalho. A qualificação por meio de cursos de

aprendizagem, e a inserção por meio da prática integrada na empresas parceiras.

A aprendizagem profissional consiste em formação técnico-profissional metódica que permite ao jovem aprender uma profissão e obter sua primeira experiência como trabalhador. Trata-se de instituto firmado na Consolidação das leis do Trabalho e modificado, por intermédio da Lei 10.097, de 19/12/2000, para compatibilizar-se às exigências da Doutrina da Proteção Integral incorporada à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 223

Esta política foi instituída pela lei n. 10.097/2000, e regulamentada pelo Decreto

5.598/2005. Entre outras disposições, o Decreto estabelece a obrigatoriedade das empresas de

médio e grande porte contratar jovens entre 14 e 24 anos como aprendizes.

O Governo valoriza e incentiva as ações de responsabilidade social das empresas ou

instituições privadas, estatais e de economia mista destinadas ao público do Programa

Primeiro Emprego.

Na prática, a carga horária dos jovens é distribuída entre a atividade prática na

empresa participante, onde terá a oportunidade de conhecer o funcionamento do ramo de

atividade econômica, interagir com os demais funcionários, e especialmente ter a

possibilidade de ser aproveitado no quadro funcional, após ultrapassar o período de

aprendizagem, que possui duração máxima de 02 anos.

A outra parte da carga horária será destinada à freqüência dos cursos teóricos de

qualificação. Com isso, prima por cumprir o objetivo de qualificação sócioprofissional e

inserção desses jovens no mercado formal de trabalho.

O Contrato de aprendizagem é uma forma especial do contrato de trabalho subordinado, em que o empregador assume a obrigação não apenas, de pagar uma contraprestação pelo serviço prestado, mas, principalmente, de submeter o empregado (aprendiz) à formação metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício foi contratado, obrigando-se, por sua vez, o

223 Aprendizagem no PNPE. Disponível em: //www.mte.gov.br/geral/funcoes. Acesso em: 11.09.2007.

103

empregado a seguir o respectivo regime de aprendizagem (art. 1° do Decreto n. 31.546, de 6.10.52). 224

O Decreto 5.598, de 1º de dezembro de 2005, que regulamenta a contratação de

aprendizes, fixa os princípios que deverão ser obedecidos na formação técnico-profissional:

Art. 7º A formação técnico-profissional do aprendiz obedecerá aos seguintes princípios: I- garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino fundamental; II- horário especial para o exercício das atividades; e III- capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Parágrafo único. Ao aprendiz com idade inferior a dezoito anos é assegurado o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 225

A orientação técnico-profissional metódica poderá ser prestada pelos Serviços

Nacionais de Aprendizagem, assim identificados: Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial (SENAI); Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); Serviço

Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR); Serviço Nacional de Aprendizagem do

Transporte (SENAT); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP).

Além de escolas técnicas, entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivos a

assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente também podem ministrar cursos de formação.

De acordo com o Art. 9°, do Decreto n.° 5.598/2005, os estabelecimentos são

obrigados a empregar e matricular nos cursos oferecidos pelos Serviços Nacionais de

Aprendizagem “número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por

cento, no máximo dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções

demandem formação profissional”. 226 As micro e pequenas empresas, bem como as entidades

sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional são dispensadas da

contratação de aprendizes, segundo o decreto referido acima.

224 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20. ed. Atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. São Paulo: LTr, 2002, p. 263. 225 BRASIL. Decreto n.º 5.598, de 1º de dezembro de 2005. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 20.09.2007. 226 Id ibidem. Acesso em: 20.09.2007.

104

Quando a prática da aprendizagem tiver que ocorrer em ambientes insalubres ou

perigosos, sem que haja a possibilidade de neutralizar estes riscos, ou quando a lei exigir para

o desempenho das atividades práticas, licença ou autorização vedada para menores de dezoito

anos, ou ainda quando a natureza da atividade for incompatível com o desenvolvimento físico,

psicológico e moral dos adolescentes aprendizes não será possível a contratação de

adolescentes entre 14 e 18 anos, ficando esta atividades reservadas aos jovens com idade entre

18 e 24 anos.

O estágio foi conceituado pelo Decreto 87.497, de 18 de fevereiro de 1982, em seu

Art. 2º, como sendo:

Considera-se estágio curricular, para efeito deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da Instituição de Ensino. 227

A importância do estágio para a formação profissional decorre, entre outras coisas, da

conscientização da sociedade da importância de aperfeiçoamento da formação profissional,

como forma de combate ao desemprego, por meio de política pública, o que acaba

proporcionando a integração entre a escola e a empresa. O estágio complementa a formação

teórica recebida nas instituições de ensino, que faz com que a educação efetivamente

contribua para a vida profissional do estudante.

Participam do estágio a instituição de ensino, o estudante e a entidade concedente. O

estágio é formalizado mediante termo de compromisso, sendo que somente podem aceitar

estagiários as instituições de ensino, as pessoas jurídicas de direito privado, órgãos da

administração pública, devendo estar matriculados e freqüentando os cursos de formação a

que se refere a prática.

227 BRASIL. Decreto n.° 87.497, de 18 de fevereiro de 19825. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D87497.htm. Acesso em: 21/11/2007.

105

3.4 PROPOSTAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

Quando se fala em trabalho humano deve-se ter em mente que o trabalho humano não

está restrito ao trabalho prestado mediante vínculo empregatício, mas todo e qualquer trabalho

desenvolvido pelo homem. O trabalho a que se faz referência é o trabalho gênero, do qual o

trabalho assalariado é espécie.

O Trabalho sob vínculo empregatício está sendo colocado em cheque, sobretudo

porque as atuais políticas de valorização e incentivo ao trabalho humano não estão

conseguindo cumprir o seu papel, que é aumentar o número de postos de trabalho, reduzindo

na mesma proporção o desemprego, nem por fim ao trabalho precário, proporcionar melhores

salários e condições de trabalho. Por outro lado, o trabalho autônomo nem sempre consegue

viabilizar a inserção do trabalhador num padrão de vida condizente com a personalidade

humana.

A grave crise do emprego no Brasil não se deve apenas ao problema da escassez de postos de trabalho. Deve-se também ao problema da falta de renda, que faz com que segmentos sociais adicionais sejam remetidos para o mercado de trabalho, quando deveriam estar fora dele, [...]. 228

Segundo o autor acima, um dos problemas do desemprego é que muitos dos

trabalhadores que poderiam estar desenvolvendo um negócio próprio, como autônomos, não

têm acesso à renda, em conseqüência, engrossam a fila dos desempregados. Com isso,

percebe-se que para melhorar a condição do trabalho, é preciso que as pessoas possam

encontrar outro meio de subsistência que não o trabalho prestado mediante subordinação.

Existe em nível de Governo Federal linhas de crédito, por meio do Programa de

Geração de Emprego e Renda e PNMPO, sendo que tanto um quanto outro facilitam o acesso

dos trabalhadores ao crédito para criarem ou manterem um empreendimento. O PROGER

fornece crédito para a formação do investimento ou para o capital de giro em diversos setores

da Economia, sendo que a proporção que gera renda para o investidor, cria postos de trabalho

para outras pessoas.

228 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 123.

106

O PNMPO além de fornecer o crédito necessário à implementação do

empreendimento, presta orientação técnica para a condução do empreendimento, voltada para

o público alvo.

No caso do trabalho assalariado, segundo o Doutrinador Márcio Porchmann, deve ser

levado em consideração que “até agora no Brasil não se conseguiu construir uma política

pública do trabalho capaz de enfrentar de forma eficaz as novas bases do problema do

desemprego”. 229 E continua, “O país possui algumas instituições e programas voltadas ao

mercado de trabalho, porém sem capacidade de atuação de maneira articulada e integrada no

acolhimento do desempregado, o que limita a sua efetividade e eficácia”. 230

Como uma perspectiva de solução, o jurista propõe “a implantação de um serviço

público de atendimento ao desempregado, abrindo-se espaços para ações integradas na seara

da assistência social, por meio de centros voltados especificamente atendimento humano, que

deveria contar com restaurantes, dormitórios, banheiros e postos de saúde públicos”. 231 A

disponibilização desses itens de necessidades básicas, poderia diminuir a taxa de delinqüência

na sociedade.

Parece ser necessário lembrar que o desemprego constitui uma das mais difíceis situações sociais e que a inexistência de atendimento social adequado ao desempregado reflete não apenas o estágio de atraso, conservadorismo e individualismo de uma sociedade, mas também o fato de o desempregado conduzir-se mais facilmente ao desespero social, à violência, às drogas; enfim, ao quadro de desamparo e de regressão numa sociedade que já tem muito desgastado o tecido social. 232

É necessária a criação de um vínculo entre empregado e empregador, que não

desestimule a alta rotatividade ocupacional, ou seja, que incentive as empresas a manterem o

mesmo empregado no emprego por um período mais longo, o que é prejudicado pela

fragilidade do vínculo empregatício.

Ao mesmo tempo, a incomparável facilidade empresarial em demitir e contratar mão-de-obra no Brasil possibilita constantemente o sensível e imediato ajuste na quantidade de emprego e no custo do trabalho (emprego

229 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 124. 230 Op. cit, p. 124. 231 Idem ibidem, p. 124. 232 Id ibidem, p. 124.

107

mais rendimento) à dinâmica econômica. Dessa forma, o funcionamento do mercado de trabalho brasileiro mostra-se extremamente desfavorável aos trabalhadores, principalmente com a existência de trabalhos flexíveis, proporcionados pelo FGTS, que permitem o registro de taxas de demissão superior a 1/3 dos empregados no setor formal. 233

A continuidade no emprego favorece o investimento na capacitação do empregado,

pois o empregador não terá estímulos para oferecer cursos se brevemente o trabalhador não

estará mais nos quadros funcionais, sendo que o raciocínio inverso também é verdadeiro, haja

vista que o empregado também não se preocupará com os problemas da empresa se sente-se

inseguro no emprego.

Da mesma forma, a capacitação favorece ao trabalhador não só a continuidade no

emprego em que se encontra, mas possibilidade do indivíduo se enquadrar em uma situação

laboral melhor, entretanto para o empregador investir na qualificação profissional do

funcionário é necessário envolvimento pessoal entre ambos, o que só se consegue com a

continuidade no emprego, comprometimento. “Fecha-se assim um “círculo virtuoso”, de

interesse mútuo, de continuidade, capacitação, plurivalência e envolvimento”. 234

Algumas medidas podem ser tomadas para amenizar o problema do trabalhador

desempregado, como a mudança do sistema do seguro-desemprego, utilizando critérios de

diferenciação para o recebimento do benefício, de acordo com o perfil do desempregado,

alterando o patamar em razão do mesmo ser chefe de família, idoso, sem qualificação,

enfermo, e outros fatores que denotem o grau de necessidade de cada um.

Importante também seria a implantação de um programa de integração salarial para os

trabalhadores que sofrem com o problema da reestruturação produtiva, e de treinamentos para

o empregado que corre o risco de ser dispensado sem justa causa.

Complementando o serviço público de atendimento ao desempregado, propõe o autor: “a existência de uma agência com a finalidade de fortalecer e unificar os seguintes serviços voltados ao desempregado: (i) definição vocacional e intermediação de mão-de-obra; (ii) atendimento dos benefícios sociais; (iii) formação e qualificação dos trabalhadores; e (iv) operacionalização de linhas de crédito popular. Além de tudo isso, faz-se necessário destacar a urgência de um plano nacional de compromisso com a

233 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 126. 234 URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p. 61.

108

produção e o emprego, por meio do desenvolvimento econômico e social sustentado”. 235

Já existe em andamento políticas públicas que abordam os temas mencionados acima,

como agência de unificação há o SINE – Sistema Nacional de Emprego e Renda que opera a

intermediação de mão-de-obra, cadastrando os trabalhadores, para posteriormente cruzar as

suas disponibilidades com as vagas que são oferecidas nos postos de atendimento, que

inclusive presta apoio operacional ao pagamento do seguro-desemprego.

No que pertine à formação profissional dos trabalhadores, há em sede de Governo

Federal, o Plano Nacional de Qualificação, que une as políticas públicas de emprego, trabalho

e renda às políticas educacionais, como forma de emancipação econômica e social do

trabalhador.

Cabe ao Estado a implementação de políticas públicas para salvaguardar o pleno

emprego, sobretudo tendo em vista que a Constituição lhe delegou, entre outras coisas a

função de proteção do trabalhador desempregado involuntariamente.

[...] não se pode olvidar que a Constituição fez do Poder Público, em certa medida, um tutor do desempregado, responsabilizando o Estado, em parte, pela permanência na situação indesejada (que é o desemprego), já que assegurou, entre outras posições constitucionais, o direito ao salário-desemprego. 236

O Estado deve proporcionar uma situação de harmonia, e ao elaborar seu plano

econômico ter em mira a valorização do trabalho humano como fundamento e a busca pelo

pleno emprego como princípios da ordem econômica, com a finalidade de efetivar os direitos

fundamentais, com o que concorda Alexandre de Moraes: “[...] a atuação do Poder Público

deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos, com

mecanismos coercivos para tanto, uma vez que a Constituição Federal não se satisfaz com

simples reconhecimento abstrato”. 237

235 POCHMANN, Márcio. O Emprego na Globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 124. 236 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p. 211. 237 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 23.

109

A título de ilustração, cabe mencionar que uma forma que a Constituição Federal

encontrou de valorizar o trabalho humano foi a instituição do usucapião “pro labore”

[destaque nosso]. Essa modalidade de usucapião beneficia as famílias, ou trabalhadores, que

tornaram a terra produtiva, por meio do trabalho, ganhando a propriedade da mesma, após a

posse ininterrupta por cinco anos. É o que diz o Art. 191, da CF/88.

Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, áreas de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho, ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. 238

Essa mesma disposição está expressa no Art. 1.239 do Novo Código Civil,

demonstrando claramente que o Estado tem interesse de que “terras produtivas permaneçam

em mãos de trabalhadores e não com proprietário improdutivo. Daí a razão desse usucapião

rural denominar-se de pro labore (sic)”. 239 Desta terra o trabalhador tira o seu sustento e de

sua família, devendo se entender por sustento, não só o pão de cada dia, como também a sua

dignidade enquanto ser humano, cumpridor das obrigações morais, que lhe confortam o

espírito.

O fato do homem individualmente considerado, ou juntamente com sua família tornar

a terra produtiva por obra do trabalho é a causa justificadora do título aquisitivo e “[...]

constitui indisfarçável adesão à idéia de que o trabalho é merecedor de toda a proteção e todo

o reconhecimento jurídico que se lhe puder outorgar, sobrepujando, no particular, o direito do

anterior proprietário”, 240 que motivos alheios não tornou a terra produtiva.

O Estado regulador e intervencionista deve sempre salvaguardar a personalidade, a

saúde, a segurança do trabalhador em seu meio ambiente de trabalho, “valores que a lei deve

prestigiar e que não podem ser entregues à lei do mercado, sendo indispensável a atuação do

Estado pelos seus mecanismos de administração pública do trabalho”. 241

238 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 239 VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito Civil: direitos reais. Edição atualizada. 2002, p. 202. 240 PETTER, Josué Lafayete. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 159. 241 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 3. ed. São Paulo, LTr, 2003, p. 345.

110

Em relação às políticas públicas de emprego, trabalho e renda instituídas pelo Governo

Federal, cabe salientar que as elas voltam-se em sua grande maioria para o trabalho autônomo

na linha de fornecimento de crédito, para a instituição de empreendimentos como fonte de

renda, não atingindo assim, o âmago da política de pleno emprego, no sentido de fornecer

mais postos de trabalho com vínculo empregatício, redução da taxa de desemprego, melhores

condições de trabalho para as pessoas empregadas, uma vez que a busca pelo pleno emprego

consta como um dos princípios da Ordem Econômica, a qual também é fundada na

valorização do trabalho humano.

Destarte, a Ordem Econômica como concebida pela Constituição Federal está

assentada sobre a livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, e tem por princípio a

busca pelo pleno emprego, assim inobstante o compromisso de valorização do trabalho

humano, entendido como toda e qualquer atividade física ou intelectual do ser humano, com

ou sem subordinação, para prover as suas necessidades ou de terceiros, o pleno emprego deve

ser buscado pelas políticas públicas, e não é isso que se vê em nível de Governo Federal.

O trabalho com vínculo de emprego constitui-se numa melhor condição de trabalho

para o homem, já que o mesmo como empregado não necessita correr os riscos do

empreendimento econômico, laborando por conta e risco de outrem, mediante subordinação,

salário, garantia contra a dispensa sem justa causa, férias e gratificação natalina, o que de

qualquer sorte já justifica a Constituição Federal ter optado por elencar a pela busca pelo

pleno emprego como princípio da Ordem Econômica.

Em relação à valorização do trabalho humano como requisito indispensável à

dignidade da pessoa humana, cabe mencionar que não foi encontrada qualquer política

pública que tentasse diretamente preservar estes valores, e acaso consigam atingir este

mandamento constitucional somente será por vias transversas, caso o trabalhador empregado

se depare com um empregador que cumpre a sua função social e reconheça nele um parceiro.

Até porque, as políticas de emprego, trabalho e renda não são divulgadas como deveriam, o

que dificulta o acesso ao público mais carente.

Por outro lado, ainda há esperanças no empreendedorismo do trabalhador autônomo,

caso ele consiga se engajar num empreendimento que lhe dê retorno financeiro suficiente para

satisfazer suas necessidades básicas.

111

CONCLUSÃO

O trabalho humano deve ser valorizado, enquanto condição necessária para

proporcionar ao ser humano existência digna, sendo esta a finalidade da Ordem Econômica e

fundamento da República Federativa do Brasil, traduzindo-se em valor fonte de todo o

ordenamento jurídico pátrio, preexistindo-o.

A Ordem Econômica tem uma função social a cumprir, no tocante à dignidade da

pessoa humana, de forma que possa assegurar a todas as pessoas os direitos sociais básicos, o

que implica na necessária intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas, quando

necessária, a fim de fazer prevalecer a valorização do trabalho humano, e conseqüentemente

da dignidade humana, favorecendo o gozo dos direitos sociais básicos.

Desta forma, os Administradores Públicos ao elaborarem as políticas de governo

deverão ter em mira que a Constituição Federal já traçou a política do Estado brasileiro, a qual

deverá ser efetivada, tendo demonstrado claramente quais os valores pretende proteger, sendo

certo que dentre eles está o trabalho e a dignidade humanos, sendo o primeiro condição para

efetivação do segundo, inclusive por meio do pleno emprego.

Não se exerce o direito de cidadania se o indivíduo não goza dos direitos sociais

básicos, como saúde, educação, moradia, alimentação que se traduzem no mínimo existencial,

ressaltando que somente o trabalho digno pode proporcionar às pessoas o gozo destes e dos

demais direitos sociais, o que também acarretará a emancipação humana.

Apesar da dignidade humana e a valorização do trabalho humano serem considerados

princípios vetores, eles possuem força normativa suficiente para embasar as decisões judiciais

que reconheçam os valores sociais do trabalho, de forma que independem de qualquer

regulamentação, o que demonstra a efetividade jurídica de ambos.

Por outro lado, a iniciativa privada deve ser incentivada pelo Estado, sobretudo

concedendo benefícios que os conduzam a práticas que são de interesse social, tendo em vista

que o Estado tem demonstrado que sozinho não é capaz de prover todas as necessidades da

população mais carente.

112

Ainda vale mencionar que o mercado de trabalho, influenciado pelo modo de

produção toyotista busca trabalhadores cada vez mais versáteis, que podem desenvolver

variados tipos de serviços, não havendo mais a necessidade de especialização em um único

segmento laboral, como na época fordista.

Ademais, a produção flexível deu ensejo aos contratos de terceirização, e as empresas

que optam por este modelo de produção mantêm um núcleo de empregados estáveis e outro

flexível, que são os terceirizados, podendo-se afirmar que por conta deste tipo de contratação

os empregados subcontratados são colocados em situação de precariedade laboral.

No tocante às tentativas de flexibilização das leis trabalhistas, cabe mencionar, que

qualquer alteração legislativa que se pretenda realizar não poderá minimizar os valores sociais

do trabalho, devendo se limitar às adaptações que se fizerem necessárias à melhoria das

condições de trabalho, caso contrário, as medidas flexibilizadoras contrariarão os preceitos

constitucionais.

Daí, pode-se vislumbrar a necessidade de participação do Estado na composição dos

conflitos de interesses existentes entre empregados e empregadores, não podendo perder de

vista a importância da negociação coletiva nesse ínterim, sobretudo para dar coesão aos

movimentos trabalhistas.

Além do mais, considerando que a livre iniciativa também está contida nos valores a

serem protegidos pelo Estado, este não pode interferir diretamente na conduta dos agentes

econômicos, somente podendo fazê-lo por meio de políticas públicas reguladoras e

incentivadoras.

Dentre as políticas públicas de emprego, trabalho e renda coordenadas pelo Ministério

do Trabalho, tiveram grande expressão as políticas para concessão de crédito para o pequeno

empreendedor, inclusive com o fornecimento de informações técnicas referentes à instalação

e operação do pequeno negócio.

O programa de qualificação profissional, também voltado para a educação, visa o

aperfeiçoamento profissional e educacional do trabalhador. Nesse sentido também são

113

desenvolvidas políticas de aprendizagem para jovens no Programa Nacional de Estímulo ao

Primeiro Emprego, que inclui a aprendizagem e o estágio.

Pelo programa primeiro emprego os jovens são afastados de situações de risco social,

aprendem noções básicas de cidadania, recebem instrução profissional e são inseridos no

mercado de trabalho, de forma que recebem conhecimento teórico sobre diversas áreas de

atuação profissional, bem como exercem na prática atos inerentes a este seguimento

profissional. Para os trabalhadores que laboram sob vínculo empregatício, ainda há a

intermediação da mão-de-obra, o que é feito por meio do Sistema Nacional de Emprego.

Pôde-se concluir que as políticas públicas existentes, por si só, não conseguem efetivar

a valorização do trabalho humano, o que torna necessário a participação da iniciativa privada,

consciente da necessidade de reconhecer os valores sociais do trabalho, de forma a

proporcionar ao trabalhador condições adequadas de trabalho, salários justos, não

discriminação, garantia de emprego.

O Estado em contrapartida deve incentivar a participação da iniciativa privada nos

interesses públicos, mesmo que por meio de benefícios, fazendo com que a atividade

econômica seja desenvolvida com responsabilidade social.

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REFERÊNCIAS

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