o impacto da renda da mulher trabalhadora do … · reivindicações dos movimentos sociais de...

24
1 O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO CAMPO NA QUALIDADE DE VIDA DA FAMÍLIA EXTENSA RESUMO As transformações econômicas e sociais ocorridas na sociedade brasileira favoreceram e impulsionaram a inserção da mulher do campo no mercado de trabalho, trazendo modificações na composição interna da força de trabalho. Neste contexto, objetiva-se avaliar a aplicação dos recursos oriundos das mulheres trabalhadoras do campo do município de Juazeiro-Bahia na família extensa e o seu impacto na qualidade de vida dos seus membros.A pesquisa foi realizada nos projetos irrigados Mandacaru e Maniçoba e nos distritos Massaroca e Campo dos Cavalos no Vale do Salitre. Trata-se de pesquisa quanti-qualitativa, cuja operacionalidade se deu através de entrevista semi- estruturada, contendo na primeira parte itens referentes à identificação sócio– demográfica dos participantes e na segunda parte questões norteadoras estruturadas de acordo com o referencial teórico adotado. Neste Projeto, a unidade de análise é a família extensa que comporta além da família nuclear, os parentes e agregados que vivem no mesmo domicílio, construindo uma unidade de consumo e de renda que partilham entre si recursos monetários e não monetários. A inserção na atividade econômica (agrícola e não-agrícola) das mulheres dos tipos de famílias do campo foi analisada com base nas seguintes variáveis: setor de atividade e rendimento na ocupação principal.As questões norteadoras tiveram como enfoque principal o significado do trabalho e da renda para a identidade da mulher do campo e a sua contribuição no orçamento familiar.Para registro dos dados, utilizou-se gravação com consentimento dos participantes, transcritas na íntegra. Uma vez recortados os elementos dos conteúdos,os dados foram processados. A partir dos resultados obtidos, as interpretações foram feitas à luz da Teoria das Representações Sociais, que aliados aos dados quntitativos, permitiram uma melhor compreensão dos fenômenos observados. Ao entrarem no mercado de trabalho, as mulheres aprenderam a se ver como trabalhadoras e a lutar por um objetivo comum: o salário, que constitui o fio de união da classe, por elevar a sua consciência crítica. O trabalho remunerado também abriu espaços para que a mulher tenha outra visão de mundo e do trabalho, reconhecendo-se como provedora e podendo decidir de igual com o seu companheiro, sobre os gastos domésticos, desconstruindo a autoridade masculina anteriormente vigente e ganhando independência e respeito da família. Palavras-chave: Mulheres trabalhadoras do campo – Orçamento Familiar – Qualidade de Vida. BIBLIOGRAFIA CARNEIRO, M.J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos, Sociedade e agricultura. Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75, out.,1998.

Upload: hoangmien

Post on 01-Dec-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

1

O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO CAMPO NA QUALIDADE DE VIDA DA FAMÍLIA EXTENSA

RESUMO

As transformações econômicas e sociais ocorridas na sociedade brasileira favoreceram e impulsionaram a inserção da mulher do campo no mercado de trabalho, trazendo modificações na composição interna da força de trabalho. Neste contexto, objetiva-se avaliar a aplicação dos recursos oriundos das mulheres trabalhadoras do campo do município de Juazeiro-Bahia na família extensa e o seu impacto na qualidade de vida dos seus membros.A pesquisa foi realizada nos projetos irrigados Mandacaru e Maniçoba e nos distritos Massaroca e Campo dos Cavalos no Vale do Salitre. Trata-se de pesquisa quanti-qualitativa, cuja operacionalidade se deu através de entrevista semi-estruturada, contendo na primeira parte itens referentes à identificação sócio–demográfica dos participantes e na segunda parte questões norteadoras estruturadas de acordo com o referencial teórico adotado. Neste Projeto, a unidade de análise é a família extensa que comporta além da família nuclear, os parentes e agregados que vivem no mesmo domicílio, construindo uma unidade de consumo e de renda que partilham entre si recursos monetários e não monetários. A inserção na atividade econômica (agrícola e não-agrícola) das mulheres dos tipos de famílias do campo foi analisada com base nas seguintes variáveis: setor de atividade e rendimento na ocupação principal.As questões norteadoras tiveram como enfoque principal o significado do trabalho e da renda para a identidade da mulher do campo e a sua contribuição no orçamento familiar.Para registro dos dados, utilizou-se gravação com consentimento dos participantes, transcritas na íntegra. Uma vez recortados os elementos dos conteúdos,os dados foram processados. A partir dos resultados obtidos, as interpretações foram feitas à luz da Teoria das Representações Sociais, que aliados aos dados quntitativos, permitiram uma melhor compreensão dos fenômenos observados. Ao entrarem no mercado de trabalho, as mulheres aprenderam a se ver como trabalhadoras e a lutar por um objetivo comum: o salário, que constitui o fio de união da classe, por elevar a sua consciência crítica. O trabalho remunerado também abriu espaços para que a mulher tenha outra visão de mundo e do trabalho, reconhecendo-se como provedora e podendo decidir de igual com o seu companheiro, sobre os gastos domésticos, desconstruindo a autoridade masculina anteriormente vigente e ganhando independência e respeito da família.

Palavras-chave : Mulheres trabalhadoras do campo – Orçamento Familiar – Qualidade de Vida.

BIBLIOGRAFIA

CARNEIRO, M.J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos, Sociedade e agricultura. Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75, out.,1998.

Page 2: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

2

DURAN, Maria Angelis. A dona de casa: crítica política da economia doméstica.Rio de Janeiro: Graal , 1983.

FISCHER, Izaura R. A trabalhadora rural : conscientização social e política na empresa agrícola moderna. Recife: Massangana, 2000.

WANDERLEY, M. N. O lugar dos rurais: o meio rural no Brasil moderno. Natal (RN). Resumo dos Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 1997.

JARA, Carlos Júlio. A Sustentabilidade do Desenvolvimento Local.Brasília: IICA: Recife, 1998.

MARTINS, J.S.Reforma Agrária. O impossível diálogo. São Paulo: Record. 2000. MINAYO, Maria C. de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo / Rio de Janeiro: HUCITEC / ABRASCO, 1994.

________. O conceito de representação social dentro da sociologia clássica, in GUARESCHI, P. & JOVCHELOVITCH, S. (org). Textos em Representação Social. Petrópolis: Vozes 1995.

MOSCOVICI, S. La psychanalyse son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.

NAVARRO, Zander. O MST e a canonização da ação coletiva. In Boaventura de Souza Santos. Produzir para Viver: os caminhos da produção não-capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. SAFFIOTI, H.I.B. Equidade e paridade para obter igualdade. In: O Social em Questão. Vol.1, nº1, Revista do Programa de Mestrado em Serviço Social – Departamento de Serviço Social/ PUC- Rio, 1997. _______. O Poder do Macho. Editora Moderna, São Paulo, 1987. SCOTT, J. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade. Porto Alegre, 1992.

THOMAZ, Antonio. Desenho Societal dos Sem Terra no Brasil:uma contribuição à leitura geográfica do trabalho. Pegada, Vol.2, No.2,2001.CeGET.UNESP/Presidente Prudente.

Page 3: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

3

3 – OBJETIVOS

3.1- Geral Avaliar a aplicação dos recursos oriundos das mulheres trabalhadoras do

campo do município de Juazeiro-Bahia na família extensa e o seu impacto na

qualidade de vida dos seus membros.

3.2 - Específicos

3.2.1 - Identificar os elementos constitutivos da identidade da mulher rural

assalariada no município de Juazeiro-Bahia.

3.2.2 - Verificar a quantidade de mulheres na região a ser pesquisada que

ocupam a posição de chefes de família em decorrência da renda.

3.2.3 - Mensurar os dependentes da sua renda, bem como as estruturas de

consumo e dos gastos na família.

3.2.4 - Traçar um perfil das condições de vida da mulher rural do município

de Juazeiro-Bahia, a partir da análise do seu rendimento.

3.2.5 – Avaliar o efeito do rendimento das mulheres trabalhadoras rurais no

combate à fome e no incentivo à educação e a saúde dos membros

jovens da sua família.

3.2.6 – Avaliar a efetividade da aplicação dos recursos na qualidade de vida

da família, tomando como referenciais as condições ambientais,

Page 4: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

4

econômicas, sociais, físicas, de saúde e educacionais.

4 - INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o Estado brasileiro tem reconhecido a legitimidade das

reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de

cunho feminista como condição para um projeto nacional de desenvolvimento rural

sustentável e uma sociedade mais democrática.

Nas populações tradicionais do Semi-Árido as mulheres possuem um papel

social importante na organização do trabalho e na economia doméstica. O homem é o

responsável pelas atividades de plantio e colheita do roçado, enquanto que à mulher

cabe os encargos da casa, da capinação da roça, da feitura dos alimentos. No que pese

esta sobrecarga de trabalho e a sua importância para a família e a comunidade, este não

é visto como um trabalho socialmente reconhecido. É considerado um tipo de ajuda ao

companheiro e à renda familiar, porquê a roça é o local privilegiado para o trabalho dos

homens, especialmente do chefe da família,enquanto os demais membros apenas o

ajudam. Ou seja, o lugar que as mulheres ocupam no sistema produtivo revela formas

históricas de desigualdade de gênero. Como afirma Scott (1990):

“o gênero é uma das referências recorrentes pelas

quais o poder político foi concebido, legitimado e

criticado. Ele se refere a oposição homem/mulher e

Page 5: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

5

fundamenta ao mesmo tempo seu sentido.[...]Desta

forma, a oposição binária e o processo social das

relações de gênero tornam-se, ambos, partes do

sentido do próprio poder.Colocar em questão ou

mudar um aspecto ameaça o sistema por inteiro”.

Aqui, gênero está sendo considerado como um fenômeno estrutural com raízes

complexas e instituído social e culturalmente de tal forma que se processa

cotidianamente de maneira quase imperceptível e com isso é disseminado

deliberadamente, ou não, por certas instituições sociais como escola, família, sistema de

saúde, igreja, etc.

Sem dúvida, os sistemas de diferenciação social têm como objetivo o exercício e

manutenção de poder implicando sempre em relações desiguais e de submissão com

conseqüências importantes para a autonomia individual e coletiva, e para o exercício

pleno da cidadania, quando se considera o ser humano como agente protagonista de sua

própria transformação em um contexto bio-psico-social.

Em verdade, mesmo considerando que os indivíduos ou grupos não são meros

depositários de valores, normas e condutas que determinam comportamentos e atitudes

institucionais e portanto normativas, mas que também refletem e reagem, modificam ou

mesmo interpretam essas regras, é importante não esquecer que grupos e indivíduos

inseridos nesse contexto estão sob mecanismos estruturados de coerção como os

contextos sócio-político, econômico e cultural, que não só criam a desigualdade entre

segmentos sociais, como as mantém como processo de garantia dos privilégios dos que

exercem o poder.

A entrada recente e crescente das mulheres no mercado de trabalho, marcada

pela desigualdade das relações sociais entre homens e mulheres, as tem levado a uma

presença concentrada em atividades de baixa, ou nenhuma, remuneração e em setores

com menores níveis de proteção social. Se para elas, a renda do trabalho é um elemento

essencial para construção de sua autonomia econômica, o peso da divisão sexual do

trabalho seja nas relações familiares e domésticas como no trabalho fora, marca suas

oportunidades de acesso, influencia a remuneração, o reconhecimento do trabalho e a

dinâmica de sua permanência no mercado de trabalho.

Page 6: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

6

Sendo assim, a construção da autonomia econômica no mundo do trabalho

demanda um investimento combinado com o fortalecimento da cidadania, com o

reconhecimento e o acesso a direitos e o enfrentamento das desigualdades de gênero.

Por essas razões, é fundamental que as atividades desenvolvidas se constituam

também em um processo educativo e de fortalecimento da consciência da importância

da autonomia pessoal, da alteração das relações de subordinação de gênero existentes no

cotidiano, buscando o estabelecimento de relações sociais iguais entre homens e

mulheres.

No Brasil, as mulheres do campo estão entre os grupos mais pobres e mais

vulneráveis.As famílias chefiadas por mulheres representam 27% dos pobres rurais.

Quando seus companheiros emigram para outras partes do país em busca de trabalho

sazonal, as mulheres ficam com a responsabilidade de cuidar da plantação e da família,

agravando o seu estado de pobreza, sem considerar que no nordeste mesmo com os

programas sociais do Governo Federal, quase 40% de todas as crianças de 10 a 14 anos

trabalham para complementar a renda familiar.Os agricultores sem terra e os pequenos

proprietários na zona semi-árida são criticamente afetados pela pobreza rural.

Nessa região, condições climáticas adversas e acesso limitado aos serviços

públicos provocaram a migração de um grande número de pessoas para áreas urbanas,

principalmente para as grandes cidades no sudeste do Brasil.Um enorme número de

pequenos agricultores e sem-terra mal conseguem sobreviver trabalhando como

diaristas agrícolas. Nas últimas décadas, a mecanização agrícola, mudança tecnológica e

diversificação da produção contribuíram para a perda de empregos rurais e provocaram

migração.

A falta de acesso à educação formal e capacitação é outra causa importante da

pobreza rural. Os pobres rurais têm acesso limitado à infra-estrutura básica e social,

bem como a tecnologias apropriadas e mercados; como resultado, carecem de

oportunidades para aproveitar a produção agrícola ou outras atividades geradoras de

renda.

A partir dos anos 80, passaram a ser questionados alguns conceitos e paradigmas

que permeavam a discussão sobre o meio rural e o meio urbano, que eram tratados

como antagônicos, tanto no que se refere à construção social como o desenvolvimento

político e econômico. O rural passa a ser percebido e identificado como um novo espaço

de interação social, levando em conta os diversos campos onde se dão estas ações e não

mais apenas como lugar da produção.

Page 7: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

7

“É óbvio que não se quer negar com isso o peso do

agrário no meio rural brasileiro, especialmente no

que diz respeito às regiões Norte e Nordeste.O que é

fundamental entender é que além do arroz, feijão,

carne e dos “bóias-frias” e fazendeiros o mundo

rural está criando um outro tipo de riqueza,

baseada em bens e serviços não materiais e não

Suscetíveis de desenvolvimento”(CARNEIRO, 1998).

A autora alerta para a discussão sobre o que seja o rural, como espaço de

identidade, ou de reconhecimento social, com suas representações simbólicas dos

grupos rurais. Assim, não se pode dizer que rural é o que se tem determinado como

espaço físico, mas como se sente, como se vive, o que se vive no meio rural.Assim, a

ruralidade passa a ser percebida também no universo simbólico das representações

culturais. Existe um processo de absorção, reabsorção, aparecimento e desaparecimento,

como uma agonística interminável da imagem do rural, do seu significado simbólico, no

universo do coletivo social (CARNEIRO, 1998).

Nessa perspectiva, o simbólico é concebido como uma prática realizada por

indivíduos que, através dele, se constituem sujeitos, agindo sobre si e sobre aqueles com

quem interagem, construindo a sua realidade social, que se materializa em espaços e

relações políticas e econômicas. Pesquisar a auto-organização de grupos de mulheres no

trabalho produtivo, rompendo com a esfera privada do trabalho feminino no meio rural

e conseqüentemente o impacto desse processo libertatório para a qualidade de vida das

suas famílias é a proposta deste projeto.

“A libertação da mulher exige, como primeira

condição, a reincorporarão de todo o sexo feminino

na indústria social, que por sua vez, requer a

supressão da família individual enquanto unidade

econômica da sociedade [...] Quando os meios de

produção passarem a ser propriedade comum, a

família individual deixará de ser a unidade

econômica da sociedade. A economia doméstica

Page 8: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

8

converter-se-á em indústria social. O trato e a

educação das crianças tornar-se-ão serviço

público” (ENGELS,1981).

O processo de consolidação das trabalhadoras do campo como sujeito político,

deve vir acompanhando de transformações das relações que estas têm com a família,

catalisadas pela sua inserção no mundo do trabalho produtivo e alicerçadas por

discussões políticas que as façam compreender a complexidade das construções sociais

como determinantes de sua condição de mulher, mãe, dona de casa, agricultora, artesã

que construa, com suas mãos, o caminho da transformação social que culmine na sua

autonomia.

Não participar, ou participar de forma apenas secundária, é perder a

oportunidade de aprender com o jogo político a construir as suas demandas e projetos, a

dar visibilidade para as suas reivindicações, a disputar recursos entre o conjunto de

questões que serão definidas como prioritárias para a comunidade. Elas, que

representam quase metade da população rural brasileira, cada vez mais assumem a

responsabilidade pelo grupo familiar que integram.

Aqui, no município de Juazeiro-Bahia, o assalariamento foi possibilitado às

trabalhadoras pela via da modernização agrícola implantada na região, que proporciona

mudanças econômicas, sociais e políticas na área. Essa modernização agrícola muda,

sobretudo, os meios de produção em que o trabalho é baseado na força física,

possibilitando a entrada da mulher rural no mundo assalariado. Em conjunto com outras

trabalhadoras e trabalhadores, as mulheres aprendem a superar valores culturais

originados no patriarcado, que, segundo Duran (1980), as manteve na solidão política,

no isolamento do lar, na posição desvantajosa de participação e no negar-se como

trabalhadoras, principalmente na pequena produção familiar. Ao entrarem no mercado

de trabalho, aprendem a se ver como trabalhadoras e a lutar por um objetivo comum: o

salário, que constitui o fio de união da classe. Ademais, as trabalhadoras entram em

processo de aprendizagem para lidar com os obstáculos inerentes ao contrato de

trabalho. Por sua vez, o salário, que embute direitos e deveres, contribui para que a

mulher eleve a consciência de sua importância na empresa, na família e na sociedade.

O trabalho remunerado também abre espaços para que a mulher tenha outra visão de

solidariedade que não seja a da caridade e do favor, aprendendo a entende-la na

perspectiva de Martin (1978), ou seja, como instrumento de união para auxiliar na luta

Page 9: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

9

política. Ela passa a ver a solidariedade, sobretudo, com o significado de participação,

união e instrumento político. Esse apreender é possibilitado pela relação que envolve os

direitos e deveres.

Ao dar esses passos na direção de sua própria identidade, a mulher desperta para

a importância do seu salário no orçamento doméstico. E um desses passos - talvez o

primeiro - é o reconhecimento do seu papel de provedora, função que, ao longo dos

séculos, serviu para justificar a condição de chefe da família, que também traz em si o

significado de decisão, mando e poder. Ao contribuir nas despesas do lar, a mulher

reflete sobre as atribuições do chefe da família e, na prática, segundo Fischer (2000), se

vê desempenhando a obrigação de provedora juntamente com o companheiro. Ao

mesmo tempo em que se vê no posto de chefe, não se mostra totalmente livre dos

valores patriarcais que concederam o domínio ao masculino, demonstrando, por vezes,

vergonha de se posicionar como cabeça da família, temendo que a sociedade considere

seu pai ou companheiro como um ser inútil, dispensável.. Essa contradição se exacerba,

na medida em que a mulher assume despesas com alimentação, o que, para o homem,

significa reconhecer o desmoronamento de sua autoridade perante a sociedade.

Ao ingressar no mercado de trabalho, a mulher do campo antes de buscar a

igualdade ou tentar fugir da rotina cotidiana das tarefas domésticas, tem em mente

conseguir um salário para contribuir no orçamento familiar. Á medida que se firmam,

encontram outra motivação que supera à do próprio salário, como a independência e o

respeito do seu companheiro.

Page 10: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

10

5 - JUSTIFICATIVA

A imagem da mulher do campo se constrói a partir do privilegiamento de sua

inserção econômica como condição de sua transformação em categoria política,

moldada a partir de uma mobilização coletiva. A categoria de “trabalhadora rural” se

confunde, assim, com a de mulher rural.Sendo assim, pode-se dizer que no estado atual

da reflexão/ação sobre a mulher do campo, a designação “trabalhadora rural” responde

ao esforço de tornar visível participação na produção ao mesmo tempo em que reforça o

conteúdo político atribuído a essa participação.

A agricultura familiar, de modo geral, é grande responsável pela produção de

alimentos no Brasil. Apesar disso, ela “sempre ocupou um lugar secundário e

subalterno na sociedade brasileira. Quando comparada à de outros países, apresenta-

se como um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades como

forma social específica de produção” (WANDERLEY,1997). As dificuldades

enfrentadas pelos agricultores familiares, principalmente aqueles que cultivam para

subsistência, em se estabelecerem economicamente são, dentre outras, o acesso à terra,

às técnicas agrícolas modernas e ao crédito bancário, fatores que se não impedem,

restringem a sua integração ao mercado e, consequentemente, à prosperidade.

A partir de meados da década de 60 a intensificação do processo de

modernização agrícola deflagrou um conjunto de mudanças sociais que repercutiram no

Page 11: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

11

crescimento da população que reside no campo e no ritmo do êxodo rural-urbano. A

redução na magnitude absoluta da população residente no meio rural continuou nos

anos 80 levando os analistas econômicos e demográficos a falar em "esvaziamento" da

população rural.

Nos anos 90 observa-se, entretanto, uma mudança brusca de cenário ao deixar de

diminuir a população que reside no campo concomitante com uma diminuição

significativa do emprego rural agrícola. O aparente paradoxo é explicado pelo

crescimento do emprego rural não-agrícola e o aumento do desemprego e da inatividade

nos centros urbanos.

O crescimento de atividades não-agrícolas nas áreas rurais teve um papel

importante no estabelecimento de novas agroindústrias bem como a expansão das

tradicionais, a ampliação dos serviços públicos para as áreas rurais, especialmente a

educação, o surgimento de novas atividades como o lazer e o aumento da prestação de

serviços vinculado à um aumento de moradias no campo, de modo particular no

município de Juazeiro-Bahia. São estas atividades as principais responsáveis pelo

crescimento do que denomina-se pluriatividade, ou seja, o surgimento de trabalhos

múltiplos e fontes de renda diversificadas para as famílias que tinham na agricultura sua

principal fonte de renda.

Um outro fenômeno importante é a significativa participação das mulheres

nessas ocupações rurais não-agrícolas, que encontraram nessas novas atividades uma

forma de inserção remunerada de forma regular, diversamente do que ocorre com

aquelas que atuam nas atividades destinadas ao consumo próprio e das que permanecem

no trabalho familiar sem remuneração, segmentos em que as mulheres também se

constituem maioria.

Nos trabalhos da Constituinte, as trabalhadoras do campo articuladas com o

movimento sindical rural e com o movimento de mulheres participaram ativamente das

mobilizações para a inclusão de suas reivindicações na nova Constituição. Dentre as

conquistas alcançadas que atingiram diretamente as mulheres rurais destacam-se o

direito à terra, a extensão dos direitos trabalhistas para homens e mulheres

trabalhadores/as rurais e o acesso aos benefícios da Previdência Social. A partir do final

da década de 1980 as lutas das mulheres foram pela regulamentação dos direitos

conquistados e pela implementação de políticas públicas voltadas para a promoção da

igualdade de gênero.

Page 12: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

12

No espaço privado, a divisão social do trabalho construído na agricultura

familiar tem sido rompida ou fortemente alterada com a renda proveniente da ocupação

das mulheres, que na grande maioria se destina a toda a família, reduzindo o seu risco

social, daí a importância desta pesquisa, cujos resultados subsidiarão novos estudos,

podendo contribuir com a definição de temas transversais nos currículos escolares do

município, bem como com a execução de projetos de extensão e desenvolvimento,

envolvendo mulheres do campo.

6- Procedimentos Metodológicos

Neste Projeto, a unidade de análise é a família extensa que comporta além da

família nuclear, os parentes e agregados que vivem no mesmo domicílio, construindo

uma unidade de consumo e de renda que partilham entre si recursos monetários e não

monetários. A inserção na atividade econômica (agrícola e não-agrícola) das mulheres

dos tipos de famílias do campo será analisada com base nas seguintes variáveis: setor de

atividade e rendimento na ocupação principal.

A idéia de desenvolvimento sócio-econômico necessariamente levará em conta o

processo quanti-qualitativo dos papeis de gênero no trabalho e nas famílias,

principalmente na agricultura familiar em que a renda tem um fundo em comum.Várias

atividades que inicialmente são complementares passam a ter um papel relevante na

renda da família como a agroindústria familiar rural, a produção de leite, de pequenos

animais, de ovos, de doces e biscoitos caseiros,o artesanato, etc., que em muitos casos

são inicialmente as mulheres as responsáveis, ressaltando-se do ponto de vista do

desenvolvimento a predominância do sistema patriarcal no meio rural que pode afetar a

supressão das liberdades individuais.

Na perspectiva proposta, a pesquisa analisará detalhadamente o ambiente e a

família das mulheres a serem estudados. Para o trabalho de campo, a amostra será

constituída por 20% das mulheres do universo tomado para estudo: os projetos irrigados

Mandacaru e Maniçoba e os distritos de Massaroca e Campo dos Cavalos no Vale do

Page 13: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

13

Salitre.Além das entrevistas, serão feitas observações “in loco” e anotações no caderno

de campo, para registrar as idéias, a recorrência de padrões, bem como o processo de

transformação contínua da cultura (ZALUAR:1986).

Pela abordagem qualitativa o enfoque teórico-metodológico nas entrevistas terá

como referencial as representações sociais, entendendo aqui por pesquisa qualitativa

“aquela que é capaz de incorporar a questão do Significado e da Intencionalidade

como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas

tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções

humanas significativas” (MINAYO,1994).

Na interpretação da vida social das mulheres rurais, procurar-se-á desenvolver

um processo de interação pesquisador/pesquisado, com valorização do encontro, do

diálogo e da representação, considerando que o objeto do estudo tem também o seu

sujeito. A análise adotará, portanto, a subjetividade como instrumento de conhecimento

e as representações sociais como eixo condutor. Assim este estudo procurará elaborar as

Representações Sociais como um processo dinâmico, considerando a inserção das

mulheres num contexto sociocultural definido e também a sua história pessoal e social,

visando apreender a representação social sobre a temática do estudo, e entender as

formas como elas elaboram esse conhecimento e convivem com essa problemática no

seu cotidiano.

Para isso, buscar-se-á o limite entre o psicológico e o social onde se inserem as

representações sociais e a estrutura de cada representação desdobrada em suas faces

figurativa e simbólica, que contêm dois processos intrinsecamente associados:

objetivação e ancoragem. O processo de objetivação é aquele que transforma algo

abstrato em algo concreto. PADILHA (2001), descreve a objetivação como “.o processo

que dá materialidade às idéias, tornando-as objetivas, concretas,palpáveis...”.

Para realizar-se a objetivação são necessárias três etapas:

a) Construção seletiva da realidade, que corresponde à forma específica utilizada

pelos indivíduos e grupos sociais para apropriar-se dos conhecimentos acerca de

determinado objeto. Esse conhecimento sofre um processo de descontextualização,

originando uma nova estrutura capaz de explicá-lo, analisá-lo e avaliá - lo.

b) Esquematização flutuante à formação de um núcleo figurativo,com a

formação de uma estrutura de imagem que reproduz uma estrutura figurativa ou

conceitual. (COUTINHO, 2001). O núcleo figurativo facilita a expressão sobre o que

ele representa.

Page 14: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

14

c) Naturalização, que é a formação do abstrato em concreto,onde os

pensamentos convertidos em figuras são transportados para dentro da realidade.

A ancoragem é o processo que “permite compreender a forma como os

elementos contribuem para exprimir e constituir as relações sociais” (MOSCOVICI,

1961), ou seja, a ancoragem contribui para dar sentido aos acontecimentos, pessoas,

grupos e fatos sociais a partir da rede de significados oferecidos pelas representações

sociais. Dessa forma, transforma o objeto estranho em algo familiar. Fundamentada

nesse referencial teórico e considerando a recomendação de JODELET (1988), ao

afirmar que “as representações sociais devem ser estruturadas articulando elementos

afetivos, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação, as relações

sociais que afetam as Representações Sociais e a realidade social e ideativa sobre a

qual elas intervêm”, percorremos a seguinte orientação metodológica:

a) Entrevista semi-estruturada, contendo na primeira parte itens

referentes à identificação sócio–demográfica dos participantes e na segunda

parte questões norteadoras estruturadas de acordo com o referencial teórico

adotado. As questões norteadoras terão como enfoque principal o significado do

trabalho e da renda para a identidade da mulher rural e a sua contribuição no

orçamento familiar.

b) Para registro dos dados, utilizar-se-á gravação em fitas K7, com

consentimento dos participantes, a serem transcritas na íntegra.

c) Os dados serão analisados à luz do referencial teórico adotado,

seguindo os passos metodológicos sugeridos por PADILHA (2001):

1º Momento: Objetivação, com a formação dos núcleos figurativos que

expressem a concretude da idéia.

2º Momento: Ancoragem, com a interpretação dos participantes sobre o

material por eles produzido.

Do ponto de vista quantitativo, os dados serão submetidos ao softwear SAS –

Statistical Analysis System, com o emprego do Teste do Qui-Quadrado, considerando-

se o nível de significância (p < 0,05).

Page 15: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

15

7 - REFERENCIAL TEÓRICO

As transformações e mudanças ocorridas no contexto brasileiro, especificamente

na agricultura vêm, nos últimos anos, desde a década de 1960, contribuindo para o

surgimento de uma nova estrutura do trabalho rural. Do ponto de vista tecnológico,

Navarro (2002),identifica uma relação entre produção agrícola e o crescimento

demográfico, atrelado a um “(...) padrão de distribuição de renda que, por sua vez, não

parece ser passível de alterações expressivas em prazo relativamente curto”.Como

conseqüência, o autor afirma que as crescentes dificuldades dos agricultores em relação

à garantia da manutenção de suas atividades, tem como causas:

“(...) o barateamento geral dos preços dos produtos

agrícolas,que reduz a renda rural, generalizando

uma situação crítica nos ambientes produtivos do

país,o que afeta a dinâmica econômica local”.

É relevante acrescentar, ainda, que para o autor, entre a adoção do Plano Real e

o final de 2000, por exemplo, enquanto a elevação inflacionária atingiu 94%, em todo o

período, os preços agrícolas subiram apenas 45%, o que justifica a queda da renda rural

ao longo desses anos. Informa ele, que:

“(...) o meio rural brasileiro deixou de ser

principalmente agrícola e nem o comportamento

do mercado de trabalho rural está exclusivamente

associado ao calendário das atividades agrícolas,

Page 16: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

16

pois se desenvolve crescentemente um conjunto de

atividades não-agrícolas que parece determinar,

cada vez mais, a dinâmica das ocupações em áreas

rurais do país”.

Outra causa é que, pela primeira vez na história do país o mundo rural passou a

ser visto de forma segmentada, com os agentes sociais rurais não mais universalizados

na genérica categoria de produtores. A introdução da noção de agricultura familiar, vem

abrindo novas e promissoras possibilidades de ação política e de intervenção no campo

brasileiro, inclusive novos espaços de demanda social e de estruturação de inovadoras

formas de organização.

O crescimento de atividades não-agrícolas nas áreas rurais teve um papel

importante no estabelecimento de novas demandas,bem como a expansão das

tradicionais, a ampliação dos serviços públicos, especialmente a educação, e o aumento

da prestação de serviços vinculado a um aumento de moradias no campo. São estas

atividades as principais responsáveis pelo crescimento do que denomina-se

pluriatividade, ou seja, o surgimento de trabalhos múltiplos e fontes de renda

diversificadas para as famílias que tinham na agricultura sua principal fonte de renda.

Um outro fenômeno importante é a significativa participação das mulheres

nessas ocupações rurais não-agrícolas, que encontraram nessas novas atividades uma

forma de inserção remunerada de forma regular, diversamente do que ocorre com

aquelas que atuam nas atividades destinadas ao consumo próprio e das que permanecem

no trabalho familiar sem remuneração, segmentos em que as mulheres também se

constituem maioria.

Apesar da unidade de produção familiar contribuir para a produção capitalista

esta não tem recebido, por parte do Estado, um reconhecimento jurídico de uma relação

de trabalho legal capaz de proporcionar aos seus membros a cidadania plena. Participam

na definição do orçamento familiar, se responsabilizam com maior dedicação e

profissionalismo, não só da produção, mas também da gestão, da administração, da

comercialização. Para preservar sua integridade física e sua identidade elas organizam

privadamente seu cotidiano. A quase total ausência de serviços coletivos que possam

substituí-las durante o tempo de trabalho na roça, ou até que possam socorrê-las em

caso de acidentes ou de doença, torna o cotidiano muito cansativo e desgastante, já que

não lhes permite pausas.

Page 17: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

17

Porém, muitas vezes a mulher do campo não percebe o fator da não remuneração

pela atividade por ela exercida como uma desigualdade de gênero, e ainda, muitas não

se reconhecem enquanto parte integrante do processo produtivo, já que a noção de

trabalho está diretamente ligado à remuneração.Segundo Marx (2000), “trabalho é tudo

aquilo que o homem através de esforço físico e/ou psíquico transforma a matéria-prima

em um novo objeto e não, aquele que não se transforma em um novo objeto pago, que

tenha um retorno financeiro”, embora seja este o conceito incorporado na consciência

de significativa parcela da sociedade no modo de produção vigente.

Hoje, no Brasil, às desigualdades sociais do campo, fruto da concentração

fundiária e da modernização seletiva da agricultura, somam-se segmentos sociais que

nas cidades sofrem as redefinições tecnológicas e gerenciais do mundo do trabalho e

que vivem a desqualificação, precarização e informalização, assim como a despossessão

ou o desemprego em massa. (THOMAZ, 2001).

No campo brasileiro as diferentes frentes articuladas sob a bandeira da Luta pela

Terra e a Reforma Agrária, agrupam uma parcela significativa de trabalhadores e

trabalhadoras que lutam contra um destino social de exclusão (MARTINS, 2000). A

situação no Brasil parece indicar que a consolidação da democracia não

necessariamente significou a ampliação e a aplicação concreta do conjunto dos direitos

que compõem a cidadania. Caldeira (1998) considera o Brasil um exemplo de país com

uma democracia "partida", onde somente parte dos direitos é garantida, enquanto a outra

parte não é respeitada. Amplos setores da população têm agora acesso aos direitos

sociais, o que ajuda as pessoas na sua sobrevivência; contudo, esses direitos não têm

sido considerados como parte comum da cidadania.

Em relação às mulheres, embora uma grande proporção trabalhe e muitas delas

sejam a principal fonte para o sustento da família, isto não tem significado um maior

desenvolvimento e reconhecimento de sua cidadania. Raras são as que assumem cargos

de direção e liderança, isto porquê, no processo de socialização que determina o

trabalho reprodutivo para a mulher, fica ela marginalizada do espaço público,

assumindo o homem o trabalho produtivo e as decisões da sociedade.

O processo de consolidação das trabalhadoras do campo como sujeito político,

deve vir acompanhando de transformações das relações que estas têm com a família,

catalisadas pela sua inserção no mundo do trabalho produtivo e alicerçadas por

discussões políticas que as façam compreender a complexidade das construções sociais

como determinantes de sua condição de mulher, mãe, dona de casa, agricultora, artesã

Page 18: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

18

que construa, com suas mãos, o caminho da transformação social que culmine na sua

autonomia.

A região Nordeste do país continua com um quarto da população total e mais de

um terço da população rural analfabeta.No que diz respeito à educação, as

desigualdades entre rural e urbano e entre as regiões sobrepõem-se às diferenças de

gênero. No entanto, diferentemente do que acontece com as mulheres urbanas, a

expansão da escolaridade no campo não necessariamente se reflete em melhores

condições de trabalho para as mulheres.

Além da educação, outro aspecto importante a ser considerado no que se refere à

qualidade de vida das mulheres no campo é o acesso a recursos básicos de infra-

estrutura, como água, energia elétrica, esgoto, coleta de lixo e telefone. Nesses casos

também se notam melhorias generalizadas, mantendo-se, no entanto, grandes

desigualdades entre urbano e rural e entre as regiões do país. Ainda hoje observa-se uma

porcentagem significativa de domicílios rurais sem acesso a esses itens, especialmente

nas regiões mais pobres. Embora afete todos os moradores do campo, a carência de

infra-estrutura atinge especialmente as mulheres.

A falta de abastecimento de água e de sua canalização interna no domicílio é

talvez o elemento da infra-estrutura que mais conseqüências traz para o trabalho das

mulheres no campo. Em geral, cabe a elas a busca de água para o abastecimento da

casa. Além disso, a falta de canalização interna dificulta todas as atividades domésticas.

A precariedade de infra-estrutura do campo, especialmente de energia elétrica e

água encanada, traz adicionalmente a privação de uma série de facilidades já acessíveis

aos meios urbanos.

Em geral, as condições do trabalho doméstico das mulheres do campo são

marcadamente piores que as das mulheres urbanas. A esse conjunto de desigualdades,

principalmente regionais e entre rural e urbano, somam-se as desigualdades específicas

de gênero. Diversas autoras estudaram e assinalaram a sua existência, apontando as

diversas formas que elas assumem, especialmente o chamado trabalho invisível,

identificado, em geral, com as tarefas do lar.

A estratégia do desenvolvimento sustentável está focada principalmente no

paradigma do desenvolvimento humano, cujos princípios são: equidade,

sustentabilidade e empoderamento. De acordo com esses princípios, busca-se reverter

a situação histórica de desigualdade e discriminação a que foram, e ainda estão,

submetidos as mulheres.

Page 19: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

19

Diante de tais constatações sobre o papel da mulher na sociedade

contemporânea, a categoria empoderamento cria espaços para novas abordagens e

perspectivas, correspondendo um viés de análises que problematizam as heranças

arraigadas e construídas sob bases e práticas patriarcais.O empoderamento estabelece

um diálogo com as formas de aquisição de poder e como estas agem sobre os recursos

necessários ao desenvolvimento de uma região ou qualquer outro tipo de espaço. Dessa

forma, percebe-se que as mulheres vêm assumindo um papel de provedoras e de chefas

de família, sobretudo por deterem em suas mãos o poder aquisitivo e contribuir

efetivamente para o orçamento doméstico. Numa perspectiva mais ampla, o

empoderamento das mulheres pode transpor o âmbito doméstico e se consolidar em

esferas públicas, na medida em que a participação das mulheres torna-se fundamentais

ao processo de desenvolvimento de uma determinada região.

Sabe-se que o conceito de empoderamento possui sua origem nos movimentos

de direitos civis nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e o mesmo pode ser definido,

segundo Costa (s/d), “como um mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações, as

comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu

destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir e criar e

gerir”.

Ainda de acordo com a mesma autora, o empoderamento das mulheres deve ser

entendido como um processo, que coloca a questão do poder em outra perspectiva. A

partir da força que o processo angariou, passa a assumir formas mais democráticas e

constrói novos mecanismos de articulação e responsabilidade coletivas e compartidas,

interferindo nas tomadas de decisões. Sendo assim, o empoderamento como processo e

resultado, pode ser concebido como emergindo de um processo de ação social, no qual

os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos,

gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da

capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de

poder (FREIRE, 1986).

A realidade das mulheres trabalhadoras do campo também se insere nesse

panorama de desigualdades, porém mesmo em contexto adverso, elas empreendem uma

luta sócio-política por autonomia e igualdade de direitos. Há décadas que o movimento

de mulheres trabalhadoras do campo vem lutando pela auto-afirmação de suas

participantes sujeitos políticos e de direitos, pela reforma agrária no país, pelo

Page 20: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

20

reconhecimento e valorização do trabalho feminino e por políticas públicas de saúde,

educação, infra-estrutura, transporte, e crédito.

Nas quatro últimas décadas o debate em torno do desenvolvimento sustentável

tem se ampliado e permeado o discurso das diferentes áreas de conhecimento, dos

formuladores e executores de políticas públicas bem como da sociedade civil

organizada em geral. Esse debate aparece para se contrapor ao modelo vigente de

desenvolvimento econômico, apontado como responsável pela deterioração do meio

ambiente, concentração de riquezas, pobreza, desemprego e exclusão social, visto que

sua lógica baseia-se apenas no crescimento econômico, cujos processos produtivos

utilizam intensivamente os recursos naturais, exercendo uma considerável pressão sobre

o meio ambiente. (ESCOBAR,1998; JARÁ,1998; VIOLA,2000).

Nesse sentido, é imprescindível que nos processos de promoção do desenvolvimento

rural sustentável se leve em conta a autonomia econômica e financeira das mulheres, políticas de

ações afirmativas que reafirmem a sua condição como sujeitos sociais e políticos e a sua

inclusão no sistema produtivo.

Não participar,ou participar de forma apenas secundária, é perder a oportunidade de

aprender com o jogo político a construir as suas demandas e projetos, a dar visibilidade para as

suas reivindicações, a disputar recursos entre o conjunto de questões que serão definidas como

prioritárias para a comunidade.

8. INFRA-ESTRUTURA

Os recursos para viabilização do projeto são:

a) Transporte para viagem aos projetos e distritos onde a investigação será realizada. b) Computadores e impressora. c) Papel ofício. d) Gravadores.

9. PRODUÇÃO CIENTÍFICA E CONTRIBUIÇÕES ESPERADAS

Os resultados da pesquisa serão divulgados através de seminários internos do PIBIC,

bem como, através de eventos externos junto às Associações de Trabalhadores Rurais das

populações envolvidas na investigação. Pelo menos dois artigos científicos serão encaminhados

para publicações em revistas especializadas

Como contribuições para uma melhor compreensão sobre o papel exercido pelas

Page 21: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

21

mulheres trabalhadoras do campo na vida das suas famílias, os seus resultados serão

encaminhados à Secretaria de Educação do município, a fim de que a temática “gênero”, seja

trabalhada no currículo escolar via transversalidade. Pretende-se, ainda, que os seus resultados

possam dar origem a outros estudos na Universidade, bem como, outros projetos de extensão e

desenvolvimento, na perspectiva do empoderamento das mulheres trabalhadoras do campo, com

vistas ao fortalecimento da sua identidade.

9. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO

Calendário ano: 2009/2010

Indicar as Etapas Ago. Set. Out. Nov. Dez. Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul.

Revisão de literatura, considerando os referenciais teóricos selecionados.

X X X X X X X X

Reuniões semanais com a orientadora para discussão sobre as leituras feitas e novas orientações metodológicas.

X X X X X X X X X X X X

Elaboração dos instrumentos diagnósticos.

X

Reuniões com as mulheres dos espaços sociais selecionados, para informação sobre a pesquisa e solicitação de autorização para a sua realização.

X X X

Pré-testagem dos instrumentos

X X X

Entrevistas nos projetos Mandacaru e Maniçoba e nos distritos Massaroca e Campos dos Cavalos.

X X X X X

Transcrição das gravações. X X X X X

Tratamento dos dados coletados.

X X

Page 22: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

22

Socialização dos dados da pesquisa em seminário interno da UNIVASF

X X

Socialização dos dados da pesquisa em eventos científicos externos.

X X X

Elaboração de relatório final das atividades de pesquisa para o órgão de fomento.

X

Participação na produção de artigos para publicação em revistas especializadas.

X X

Socialização dos resultados da pesquisa entre as populações nela envolvidas.

X

BIBLIOGRAFIA

CALDEIRA, T. P. R. Justice and Individual rights: challenges for women's movements

and democratization in Brazil. In: Jaquette J. S.; Wolchik S. L. (Ed.). Women and

democracy: Latin America and Central and Eastern Europe. Baltimore: The John

Hopkins University Press, 1998, p. 75-103.

CARNEIRO, M.J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos, Sociedade

e agricultura. Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75, out.,1998.

CHOWDHURY, N.; NELSON, B.; CARVER, K. Redefining politics: patterns of

women's political engagement from a global perspective. In: Nelson, B.; Chowdhury,

N. (Ed.). Women and politics worldwide. New Haven: Yale University Press, 1994, p.

3-24

COUTINHO, Maria da Penha de L.Depressão Infantil: uma abordagem psicossocial.

João Pessoa: Ed. Universitária: UFPB, 2001.

DURAN, Maria Angelis. A dona de casa: crítica política da economia doméstica.Rio

de Janeiro: Graal , 1983.

Page 23: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

23

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado.São

Paulo: Global, 1984.

FREIRE, Paulo. SHOR, I. Medo e ousadia – o cotidiano do professor. Rio de Janeiro,

Paz e Terra, 1986.

FISCHER, Izaura R. A trabalhadora rural : conscientização social e política na

empresa agrícola moderna. Recife: Massangana, 2000.

WANDERLEY, M. N. O lugar dos rurais: o meio rural no Brasil moderno. Natal

(RN). Resumo dos Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia

Rural, 1997.

JARA, Carlos Júlio. A Sustentabilidade do Desenvolvimento Local.Brasília: IICA:

Recife, 1998.

JODELET,D. Representación social: Fenómenos, concepto y teoría. In: Psicologia

Social. (S. Moscovici, org.), pp. 469-494, Barcelona: Paídos, 1985.

_______ Représentations sociales: un domain en expansion. In: Les Représentations

Sociales. (D. Jodelet, org.), pp. 31-61, Paris: Presses Universitaires de France,1988.

______ Folies et Représentation Sociales. Paris: Presses Universitaires deFrance,1989.

MARX, K. & ENGELS, F. Ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1984.

MARTIN BARBERO, Jesus. Cultura popular y comunicación de masas. Material

para el debate 3. Bogotá: 1978, p. 3-19.

MARTINS, J.S.Reforma Agrária. O impossível diálogo. São Paulo: Record. 2000.

MARX, Karl. El Capital. Buenos Aires: Claridad, 1966.

MINAYO, Maria C. de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em

saúde. São Paulo / Rio de Janeiro: HUCITEC / ABRASCO, 1994.

________. O conceito de representação social dentro da sociologia clássica, in

GUARESCHI, P. & JOVCHELOVITCH, S. (org). Textos em Representação Social.

Petrópolis: Vozes 1995.

MOSCOVICI, S. La psychanalyse son image et son public. Paris: Presses

Universitaires de France, 1961.

NAVARRO, Zander. O MST e a canonização da ação coletiva. In Boaventura de Souza

Page 24: O IMPACTO DA RENDA DA MULHER TRABALHADORA DO … · reivindicações dos movimentos sociais de mulheres, da valorização de uma agenda de cunho feminista como condição para um

24

Santos. Produzir para Viver: os caminhos da produção não-capitalista. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

PADILHA, M.I.C.S. Representações sociais: aspectos teórico – metodológicos. Passo

Fundo – RS: Universidade Passo Fundo, 2001.

PRESVELOU, Clio; ALMEIDA, F.Rodrigues; ALMEIDA, J.Anécio (Orgs). Mulher,

Família e Desenvolvimento Rural. Santa Maria: Ed. Da UFSM, 1996.

SAFFIOTI, H.I.B. Equidade e paridade para obter igualdade. In: O Social em Questão.

Vol.1, nº1, Revista do Programa de Mestrado em Serviço Social – Departamento de

Serviço Social/ PUC- Rio, 1997.

_______. O Poder do Macho. Editora Moderna, São Paulo, 1987.

SCOTT, J. Gênero, uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e Realidade.

Porto Alegre, 1992.

THOMAZ, Antonio. Desenho Societal dos Sem Terra no Brasil:uma contribuição à

leitura geográfica do trabalho. Pegada, Vol.2, No.2,2001.CeGET.UNESP/Presidente

Prudente.

VIOLA, Andreu. Antropolgia Del Desarrollo: teorías y estudios etnográficos en

América latina. Barcelona y Editorial Paidós, SCICF, 2000.

ZALUAR, Alba. “Teoria e método do trabalho de campo: alguns problemas. In:

CARDOSO, Ruth (Org.). A Aventura antropológica: teoria e pesquisa. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1986.