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1 A RE-AFINAÇÃO NEURAL A QUE INDUZ A PRÁTICA MUSICAL J. Zula de Oliveira e-mail: [email protected] [email protected] 1. Introdução Os estímulos sonoros são captados no córtex auditivo através do sistema auditivo periférico, com papel de destaque para a cóclea onde a energia mecânica do som é convertida em energia elétrica. O papel da audição consiste em analisar e organizar os eventos sonoros recebidos de fontes e localizações diferentes, dispondo-os em grupos separados e estabelecendo (ou não) ligações entre eles. Esse trabalho efetua-se segundo as dimensões dos elementos musicais (freqüência, amplitude, posição temporal, localização espacial, propriedades multidimensionais, como por exemplo, o timbre), um processamento que é função da vida pregressa do indivíduo sedimentada em sua cultura, em sua época, em seu estilo de vida individual, entre outros aspectos. Uma das principais características dos sons musicais é a freqüência para cuja captação existe um grande número de mapas tonotópicos 1 , entre os quais existem múltiplas relações. Durante muito tempo a organização tonotópica foi considerada fixa. Hoje é admitido que esta organização efetua-se de maneira plástica, modificando-se de acordo com características pessoais de quem ouve, geralmente sob as insinuações do meio ambiente. Trata-se de uma habilidade de o sistema nervoso adaptar-se às necessidades exigidas pelo meio ambiente. Vários experimentos realizados por Christo Pantev e seus colegas Bernard Ross, Takako Fujioka, Michael Schulte, Mathias Schultz 2 , Laurel J. Trainor 3 e outros têm demonstrado uma incrível plasticidade de adaptação do cérebro vinculada, sobretudo à prática constante de uma atividade, por exemplo, estudar um instrumento musical. Para quem não tem “presente” na memória o percurso da audição humana vamos acrescentar aqui algumas notas a respeito da neuroanatomia da audição, seguindo de perto 1 A “tonotopia” é uma organização sistemática pela qual freqüências contíguas são processadas por estruturas anatomicamente contíguas, em várias instâncias do percurso auditivo desde a cóclea e até o córtex auditivo primário, fenômeno comparável a um grande piano fixado na cóclea e no córtex auditivo primário, em que a cada freqüência corresponde uma corda . Esse fenômeno evidencia-se em vários níveis do percurso pelos quais passam os estímulos auditivos até o córtex primário no lobo temporal do cérebro. 2 Os cinco do Instituto de Pesquisas de Rotman e Centro de Tratamento Geriátrico de Baycrest em Toronto, Ontário Canadá 3 Este último do departamento de Psicologia, Mc Máster University, Hamilton, Ontário, Canadá.

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A RE-AFINAÇÃO NEURAL A QUE INDUZ A PRÁTICA MUSICAL

J. Zula de Oliveira e-mail: [email protected]

[email protected]

1. Introdução

Os estímulos sonoros são captados no córtex auditivo através do sistema auditivo

periférico, com papel de destaque para a cóclea onde a energia mecânica do som é

convertida em energia elétrica.

O papel da audição consiste em analisar e organizar os eventos sonoros recebidos de

fontes e localizações diferentes, dispondo-os em grupos separados e estabelecendo (ou não)

ligações entre eles. Esse trabalho efetua-se segundo as dimensões dos elementos musicais

(freqüência, amplitude, posição temporal, localização espacial, propriedades

multidimensionais, como por exemplo, o timbre), um processamento que é função da vida

pregressa do indivíduo sedimentada em sua cultura, em sua época, em seu estilo de vida

individual, entre outros aspectos.

Uma das principais características dos sons musicais é a freqüência para cuja

captação existe um grande número de mapas tonotópicos1, entre os quais existem múltiplas

relações.

Durante muito tempo a organização tonotópica foi considerada fixa. Hoje é

admitido que esta organização efetua-se de maneira plástica, modificando-se de acordo com

características pessoais de quem ouve, geralmente sob as insinuações do meio ambiente.

Trata-se de uma habilidade de o sistema nervoso adaptar-se às necessidades exigidas pelo

meio ambiente. Vários experimentos realizados por Christo Pantev e seus colegas Bernard

Ross, Takako Fujioka, Michael Schulte, Mathias Schultz2, Laurel J. Trainor3 e outros têm

demonstrado uma incrível plasticidade de adaptação do cérebro vinculada, sobretudo à

prática constante de uma atividade, por exemplo, estudar um instrumento musical.

Para quem não tem “presente” na memória o percurso da audição humana vamos

acrescentar aqui algumas notas a respeito da neuroanatomia da audição, seguindo de perto

1 A “tonotopia” é uma organização sistemática pela qual freqüências contíguas são processadas por estruturas anatomicamente contíguas, em várias instâncias do percurso auditivo desde a cóclea e até o córtex auditivo primário, fenômeno comparável a um grande piano fixado na cóclea e no córtex auditivo primário, em que a cada freqüência corresponde uma corda . Esse fenômeno evidencia-se em vários níveis do percurso pelos quais passam os estímulos auditivos até o córtex primário no lobo temporal do cérebro. 2 Os cinco do Instituto de Pesquisas de Rotman e Centro de Tratamento Geriátrico de Baycrest em Toronto, Ontário Canadá 3 Este último do departamento de Psicologia, Mc Máster University, Hamilton, Ontário, Canadá.

2

as informações fornecidas por Norman M. Weinberger, ao qual pedimos vênia para usar os

diagramas por nós numerados como 1 e 2.

1. Quando alguém presta atenção a uma música, as respostas cerebrais envolvem

um número de regiões não só do córtex auditivo, mas também de outras regiões do

cérebro, inclusive de áreas normalmente compromissadas com outros tipos de atividades,

Diagrama 1: Percurso da audição de sons segundo as instâncias de transmissão das freqüências.

3

por exemplo, experiências visuais, táteis e emocionais, que por sua vez em conjunto,

também afetam a localização no cérebro onde é processada a música.

2. As ondas sonoras, ondas formadas por oscilações de pressão no ar que são

captadas pelo pavilhão da orelha, são convertidas pelo ouvido externo e ouvido médio em

ondas fluidas no ouvido interno. Um ossículo chamado estribo, as empurra para dentro da

cóclea, criando variações de pressão no líquido que preenche a cóclea.

3. Vibrações sucessivas na membrana basilar da cóclea movimentam as células

ciliadas, os receptores sensoriais, que geram sinais elétricos que são encaminhados, via

nervo auditivo ao cérebro. Inicialmente cada célula é afinada com uma vibração de

determinada freqüência.

4. O cérebro processa música ao mesmo tempo de maneira hierárquica e distribuída.

4.1 De todo o córtex auditivo, o córtex auditivo primário, que é o primeiro a

receber os impulsos transmitidos pelo ouvido e pelo sistema auditivo inferior4 via tálamo, é

que está compromissado com os primeiros estágios da percepção musical, tais como o faz

com a altura (a freqüência do som) e delineamentos melódicos (padrões de mudanças na

altura), que são o fundamento para a melodia.

4.2 Estudos recentes têm demonstrado que o córtex auditivo primário, dada

a sua plasticidade, é re-afinado, a partir da experiência do ouvinte, de tal forma que muitas

células tornam-se responsivas aos mesmos sons e freqüências (sons) musicais importantes

para o ouvinte, afastando-se do princípio da tonotopia.

4.3 Esta re-afinação, induzida pela aprendizagem, afeta, sobretudo o

processamento cortical em áreas como a) os campos corticais secundários da audição e as

b) regiões associativas, que estão envolvidas com o processamento de padrões musicais

mais complexos, por exemplo, de harmonia, de melodia e de ritmo.

4.4 Quando um músico está tocando uma música em um instrumento,

também estão ativas outras áreas como as do córtex motor e do cerebelo que estão

envolvidas com o planejamento e a execução de movimentos específicos e precisos ligados

ao tocar (ou cantar) a respectiva música.

4 Relembrando as instâncias que compõem esta fase da audição: (a) orelha externa, média e interna; b) cóclea com suas membranas e órgão de Corti; c) nervos vestíbulococlear e núcleo colear; d) sistema de fibras auditivas que através de sinapses se comunicam: as primárias com as secundárias e estas com as terciárias; e) complexo olivar superior; f) corpo trapezóide; g) lemnisco lateral; h) colículo inferior; i) corpo geniculado medial e finalmente j) áreas cerebrais da audição: A-I e A-II.

4

Diagrama 2: Re-afinação neural de células receptoras de freqüências.

5. Re-afinando o cérebro:

5.1 a) O princípio fundamental para a

captação das freqüências é que cada célula do

cérebro individualmente responde melhor a

uma determinada freqüência;

b) Todavia este princípio pode

mudar, e de fato mudam, de modo que a

afinação original das células se ajustam à

captação de outras freqüências. Isto se dá

quando um animal ou o ser humano aprende

que um determinado som é importante para

ele, seja por que razão for;

c) Trata-se de um ajustamento celular que

modifica o mapa de freqüências (fato

evidenciado em experimentos em cérebros de

ratos), de tal forma que a área do córtex

auditivo responsável pela audição de um

determinado som se torna maior, sendo capaz

de processar os "sons importantes" de forma

mais intensa, chegando este ajustamento (re-

afinação) a expandir o mapa, aumentando a intensidade da audição em até 8 kiloHertz

quando se trata de uma freqüência importante para o ouvinte;

d) em humanos foram encontradas alterações semelhantes no córtex auditivo que,

ao mesmo tempo em que amplia seus mapas de audição, especializa e refina as respostas a

determinados estímulos musicais. Possivelmente seja isto que diferencia, por exemplo, um

bom instrumentista de um que não é tanto. Por exemplo, em um violinista a posição e a

pressão dos dedos no braço do violino, o tempo absolutamente preciso para a efetivação do

ataque (onset) e sua retirada (offset) para a nota seguinte, fazem a diferença, e tudo isto,

constitui a sensibilidade que se espelha na musicalidade do instrumentista. O que se insinua

5

aqui é que um “mapa maior” de neurônios pode captar e efetuar respostas mais precisas de

forma a atender a todas as exigências que se faz de um bom instrumentista.

2. Os experimentos

Pesquisas têm sido feitas tanto em cérebros de animais (a exemplo das de Frances H

Rauscher, K.D. Robinson,. & J.J Jens5), como em cérebros humanos. Christo Pantev, um

dos pesquisadores mais conceituados na área de cognição musical e especializado em

magnetoencefalografia, juntamente com outros pesquisadores, em vários experimentos

neurológicos estudaram o impacto da música e do treino musical na organização funcional

e na representação auditiva e sensoriomotora em músicos. Como técnica para a realização

de seus estudos usaram a magnetoencefalografia (MEG)6, uma técnica não invasiva, que

com precisão e confiabilidade registra as mudanças que ocorrem no córtex humano quando

uma habilidade está em ação, por exemplo, aprender a tocar um instrumento musical.

Christo Pantev e seus colegas A. Engelien, V. Candia e T. Elbert7 estudaram em músicos

profissionais a representação cortical de sons musicais comparados com a representação de

sons puros. Para os sons puros, ou seja: aqueles nos quais estava presente apenas uma

freqüência, foram encontrados efeitos transitórios (de curta duração) nas respostas neurais

no córtex auditivo, ao passo que para sons musicais, de timbre complexo, com múltiplas

freqüências simultaneamente presentes, foi encontrado um aumento significativo de

atividade cortical. O aumento estava relacionado com o tempo e a idade em que os músicos

efetuaram seus estudos, apresentando-se maior quando o estudo havia sido iniciado na

infância. A plasticidade, ou seja, a re-organização do tecido nervoso, foi observada

especificamente no córtex sensoriomotor, e no estudo com violinistas, principalmente na

área que controla os dedos usados com freqüência na prática musical. A mudança não foi

verificada nas áreas que controlam os dedos e mão direita que são pouco usados na

atividade musical por estes instrumentistas Estudo referente à plasticidade de curta

duração, para sons puros também foi efetuado por Christo Pantev, Andréas Wollbrink,

5 do Departamento de Psicologia da Universidade de Wisconsin, Oshkosh 6 A magnetoencefalografia é feita medindo-se nas imediações do crânio do paciente o campo magnético gerado pelas correntes elétricas circulantes no cérebro. Um craque desta técnica para estudos relacionados com a percepção musical e Christo Pantev. 7 (na época, os dois primeiros do Instituto de Audiologia Experimental da Universidade de Münster na Alemanaha, e os dois últimos do Departamento de Psicologia da Universidade de Konstanz, Konstanz, Alemanha)

6

Larry E. Roberts, Almut Engelien e Bernd Lütkenhöner8 em “Short-term Plasticity of the

Human Auditory Cortex”. Neste experimento os autores encontraram que mudanças

rápidas podem ocorrer na afinação neural no córtex auditivo de humanos adultos. Alguma

forma de dinâmica poderia estar subjacente ao que foi observado no experimento em

questão, sobre a qual não se tem ainda claro sua origem.

O fundamento para o julgamento através da percepção musical da importância de

um som para a vida do ouvinte foi estudado através do condicionamento clássico, por

Jonathan S. Bakin, David A. South e Norman Weinberger9 em um estudo com pombos,

sugerindo que, mesmo estímulos aversivos (p. ex. choques elétricos) não conseguem inibir

a plasticidade no campo responsivo aos estímulos.

Ao lado de outros experimentos neurológicos, Christo Pantev, juntamente com seus

colegas E. Larry Roberts, Matthias Schulz, Almut Engelien e Bernard Ross, desenvolveram

um experimento em que estudaram representações corticais para a percepção de timbres

diferentes, por exemplo os timbres de violino e de trompete. Foi encontrado que a

representação era aumentada de acordo com a habilidade dos instrumentistas: nos

violinistas para a nota com o timbre de violino e para os trompetistas para a nota com

timbre de trompete. Problemas como se os atributos cerebrais relacionados com a música

são atributos incentivadores para a prática musical ou se a hereditariedade influencia a

decisão de dedicação de uma pessoa à música, ainda são objeto de controvérsias, tidos

como pertencentes mais à área pedagógica. De qualquer forma as solicitações do ambiente

podem interferir na inclinação de um determinado indivíduo, como é o caso de pessoas que

ficaram cegas precocemente. As bases neurais para a freqüente musicalidade em cegos têm

sido pouco estudadas. Um destes estudos é o de David A. Ross10, Ingrid R. Olson11 e John

C. Gore12, que estudam a plasticidade cortical em uma musicista cega desde a infância. Os

testes preliminares revelaram que ela tinha ouvido absoluto, da mesma forma que algumas

pessoas com visão normal. Os estudos com a paciente demonstraram que áreas semelhantes

às encontradas em estudos com literatura, estavam ativadas e que isto poderia ser estendido

8 os dois primeiros e o último do Centro de Biomagnetismo do Instituto de Audiologia Experimental da Universidade de Münster, Alemanha, o terceiro do Departamento de Psicologia da Universidade de McMaster, Hamilton, Ontário, Canadá e o quarto, Almut Engelien, Laboratório de Neuroimagem Funcional do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cornell, New York, USA 9 da Universidade da Califórnia, Irvine, USA 10 Do departamento de Radiologia Diagnóstica, da Escola de Medicina doYale, New Haven, C, USA. 11 Departamento de Psicologia da Universidade da Pensilvânia, Philadelphia, PA, USA. 12 Departamento de Radiologia e Ciências Radiológicas, Venderbilt, escola da Universidade de medicina, Nashville,Tn, USA.

7

como a demonstração da plasticidade cortical subjacente à prática musical e musicalidade

como por exemplo, a demonstrada por Ray Charles, Stevie Wonder, Andrea Bocelli e

outros músicos cegos de menor significância para a literatura. Josef P. Rauschecker13 em

seu trabalho “Cortical Plasticity and Music” também se refere a esta musicalidade em

cegos e a atribui ao aumento de áreas compromissadas com a audição. Segundo este autor,

da mesma maneira que em animais, o córtex auditivo de pessoas cegas é afetado por

dramática reorganização: por exemplo, o córtex occipital, normalmente compromissado

com a visão em pessoas normais, inicia-se no recebimento de estímulos auditivos, o mesmo

acontecendo com o córtex parietal, geralmente compromissado com o processo da audição

espacial. Processo semelhante, porém em menor intensidade, acontece com pessoas que se

tornaram cegas depois de adultas. Franco Lepore14 mostrou que cegos são melhores na

localização dos sons do que as pessoas normais e que isto poderia ser reflexo da atuação do

córtex occipital exercendo função de córtex auditivo. Robert Zatorre15 sugeriu que o

contrário acontece com os surdos precocemente, em que o córtex auditivo assume funções

de córtex visual. Do exposto dá para expressar a hipótese de que com um “cérebro auditivo

expandido” ter-se-ia uma audição mais intensa e refinada que parece ser a chave para a

musicalidade.

Atividades musicais como tocar um instrumento demanda procedimentos

prolongados e aprendizagem motora de tal forma que disto resulta uma reorganização do

cérebro da pessoa. Trata-se de mudanças plásticas que parecem envolver um rápido

desmascaramento de conecções existentes e o estabelecimento de novas. Álvaro Pascual-

Leone em um experimento, intitulado “o cérebro que toca música, se modifica com isto”,

afirma que as mudanças, tanto funcionais como estruturais têm lugar no cérebro de

instrumentistas como subsídio para as exigências de sua atividade. Isto tem sido

demonstrado através de técnicas de neuroimagem. Mas determinadas mudanças podem

constituir um risco para o desenvolvimento de disfunções do controle motor, constituindo

síndromes de distonia focal de mãos e dedos para tarefas específicas, decorrentes de prática

musical geralmente mal orientada.

Também se faz necessário para o estudo de um instrumento a repetição e a

memória. A repetição que emoldura a experiência influencia as funções de sensibilidade e

13 da Universidade de Georgetown, USA 14 (da Universidade de Montreal, Canadá) 15 na época da Universidade de McGill, Canadá

8

da emoção e de modo especial as funções cognitivas, particularmente a memória. A partir

deste fato pode ser especulado a respeito do aprendizado em recém-nascidos. Será que a

ausência de experiência facilitaria a prontidão para entradas decisivas no sistema nervoso

que eventualmente “vazio”, poderia estar pronto para memorizar e relembrar informações,

cuja memória perduraria por toda a vida? Mesmo admitindo que aprendizagem e memória

são fundamentais em termos adaptativos em nossa espécie, tais potenciais do sistema

nervoso que permitem a codificação e retenção de nova informação, são marcadamente

maleáveis e sujeitos à extinção, a exemplo do que ocorre em traumas. Esta flexibilidade

para receber e ao mesmo tempo para esquecer, é retida por muitos anos, tanto quanto for

solicitado do sistema nervoso, um assunto pertinente ao estudo da duração dos sistemas de

memória.

Os estudos neuropsicológicos cada vez mais sugerem que a música não é função de

apenas um hemisfério cerebral. Estudos através de tomografia por emissão de pósitrons

(PET), ressonância magnética (RM) e outros recursos indicaram que a percepção musical

não é dependente apenas do hemisfério direito, mas de uma rede neural distribuída por

várias instâncias do cérebro em ambos os hemisférios, aparelhada para a percepção dos

diferentes componentes da música e provocação de seus efeitos. E. Baeck em um trabalho

sobre redes neurais em música, referenda que músicos têm características neurais,

anatômicas e funcionais, que estão relacionadas com a idade em que começaram seus

estudos musicais. Isto poderia explicar uma organização típica e especificação como

resultado dos estudos musicais. Se apenas características decorrentes da idade podem

explicar a plasticidade ou se propriedades estruturais inatas, ou se ambas, é ainda uma

questão em aberto. No mesmo estudo E. Baeck refere-se a aberrações cromossômicas,

anormalidade bioquímicas e artefatos morfológicos decorrentes de doenças cerebrais

congênitas e degenerativas que poderiam impulsionar entradas especiais da musicalidade

em substratos neurais.

O capítulo da plasticidade neural ou re-organização neural é um assunto em

crescimento nas pesquisas, que no presente tem demonstrado, sobretudo três

encaminhamentos:

Primeiro: mostrando-nos a confiabilidade do uso da MEG para medir, em

laboratórios os efeitos do treino relativo a curto e longo prazo e que o segredo para a

percepção da altura se manifesta na amplitude da “banda neural” que percebe a freqüência.

9

Segundo: a plasticidade do córtex auditivo estende-se a outros territórios

corticais (occipital, frontal, p. ex.) e podem ativar outras áreas como é demonstrado isto no

exemplo do comportamento dos lábios dos trompetistas que são estimulados da mesma

forma como ao executar na realidade o som em um trompete, ativando com este

comportamento o córtex somatosensório, de forma mais acentuada do que acontece no

estado em que os lábios permanecem inativos16

Terceiro: mostrou-se que a codificação automática e a discriminação de

contornos de altura e a informação dos intervalos no contexto melódico são

especificamente mais aumentados nos músicos do que em não-músicos e que os músicos

mostram bem mais respostas coerentes com o sentido musical em contornos melódicos ou

de intervalos, mas que os dois grupos exibem respostas similares a mudanças de

freqüências de sons puros.

Referências Bibliográfica

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16 Os trompetistas demonstram, à audição de música executada ao trompete, uma ativação de áreas corticais ligadas aos lábios como se estivessem tocando de fato o instrumento.

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