a política econômica no inicio de 2015

3
17 temas de economia aplicada fevereiro de 2015 A Política Econômica no Início de 2015 R L T (*) Um fato marcante observado em fevereiro de 2015 é que a consul- toria britânica EIU (Economist Intelligence Unit) retirou o grau de investimento do Brasil. No co- municado, airmou que os ganhos de credibilidade da nova equipe não compensam as perdas com a deterioração dos indicadores ma- croeconômicos. Apesar de não ser uma das três grandes classiicadoras de risco − Moody´s, S&P e Fitch − a ação da EIU é emblemática, pois mostra um problema recorrente da políti- ca econômica brasileira, ou seja, o desequilíbrio iscal. Desde a Independência, a história do Brasil está permeada de crises e recessões, de intensidades e du- rações diversas, que minaram o potencial do País. A maioria tem um padrão comum, com um erro recorrente: uma dinâmica iscal inconsistente. A razão não é nem política e nem ideológica, é aritmética. Quanto maior for o endividamento de um país, maior a parcela de impostos a ser destinada a investidores que exigem juros cada vez mais eleva- dos. É um processo que se autoali- menta, favorecendo o rentismo em detrimento da produção, parali- sando a economia. Também é conhecido como a arma- dilha da dívida. Para eliminar reca- ídas, depois de um longo processo de amadurecimento cívico, foi san- cionada a Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano 2000. A norma coloca um limite ao endi- vidamento do governo e promove a transparência dos gastos públicos. Com isso acabaria com o erro his- tórico recorrente de descontrole dos gastos públicos. Mesmo assim, o atual governo fe- deral conseguiu através do que icou conhecido como “contabili- dade criativa” gastar mais do que o ixado na lei e aumentar a dívida pública, com interpretações imagi- nativas das contas do orçamento. O uso e abuso da prática de mano- bras contábeis é tão grande que já há relatórios de consultorias que divulgam as contas públicas com e sem os “ajustes” do governo. Há quem projete que, mesmo sem pagar nada de juros, apesar do recorde de arrecadação o governo terá um déicit em suas contas. Os sintomas do descontrole dos gastos públicos estão presentes. O Brasil está andando para trás. A maioria das previsões apontam que o PIB caiu em 2014, a inlação está mais forte, acima do teto da banda, e os juros estão numa traje- tória ascendente. Não é uma questão de ortodoxia ou de heterodoxia. Ilustrando o ponto, o Uruguai e a Bolívia vão crescer, respectivamente, 2,8% e 5,0% com inclusão social e com responsabili- dade iscal. Em 2014, as despesas iscais tive- ram um aumento real de 6%, leia- -se um inchaço maior do governo, no qual um funcionário público já ganha, em média, 80% a mais do que um do setor privado. O Brasil teve o primeiro déicit primário deste século e aumentou o nominal de 3,3% para 6,7% do PIB. Em apenas um ano, a dívida pública entrou numa trajetória in- sustentável, aumentando de 56,7% do PIB para 63,4% do PIB, colocan- do em risco a solvência do Estado brasileiro. Agravando o problema, os aumen- tos de gastos continuam. Foram

Upload: lia-girao

Post on 17-Dec-2015

215 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Análise de Roberto Troster sobre a polítcia econômica brasileira no inicio de 2015

TRANSCRIPT

  • 17temas de economia aplicada

    fevereiro de 2015

    A Poltica Econmica no Incio de 2015

    R L T (*)

    Umfatomarcanteobservadoem

    fevereirode2015queaconsul-

    toriabritnicaEIU (Economist

    IntelligenceUnit)retirouograu

    deinvestimentodoBrasil.Noco-

    municado,airmouqueosganhos

    decredibilidadedanovaequipe

    nocompensamasperdascoma

    deterioraodosindicadoresma-

    croeconmicos.

    Apesardenoserumadastrs

    grandesclassiicadorasderisco

    Moodys,S&PeFitchaaoda

    EIUemblemtica,poismostra

    umproblemarecorrentedapolti-

    caeconmicabrasileira,ouseja,o

    desequilbrioiscal.

    DesdeaIndependncia,ahistria

    doBrasilestpermeadadecrises

    erecesses,deintensidadesedu-

    raesdiversas,queminaramo

    potencialdoPas.Amaioriatem

    umpadrocomum,comumerro

    recorrente:umadinmicaiscal

    inconsistente.

    Arazononempolticaenem

    ideolgica,aritmtica.Quanto

    maiorforoendividamentodeum

    pas,maioraparceladeimpostos

    aserdestinadaainvestidoresque

    exigemjuroscadavezmaiseleva-

    dos.umprocessoqueseautoali-

    menta,favorecendoorentismoem

    detrimentodaproduo,parali-

    sandoaeconomia.

    Tambmconhecidocomoaarma-

    dilhadadvida.Paraeliminarreca-

    das,depoisdeumlongoprocesso

    deamadurecimentocvico,foisan-

    cionadaaLeideResponsabilidade

    Fiscal,noano2000.

    Anormacolocaumlimiteaoendi-

    vidamentodogovernoepromovea

    transparnciadosgastospblicos.

    Comissoacabariacomoerrohis-

    tricorecorrentededescontrole

    dosgastospblicos.

    Mesmoassim,oatualgovernofe-

    deralconseguiuatravsdoque

    icouconhecidocomocontabili-

    dadecriativagastarmaisdoque

    oixadonaleieaumentaradvida

    pblica,cominterpretaesimagi-

    nativasdascontasdooramento.

    Ousoeabusodaprticademano-

    brascontbeistograndequej

    hrelatriosdeconsultoriasque

    divulgamascontaspblicascom

    esemosajustesdogoverno.H

    quemprojete que,mesmo sem

    pagarnadade juros,apesardo

    recordedearrecadaoogoverno

    terumdicitemsuascontas.

    Ossintomasdodescontroledos

    gastospblicosestopresentes.

    OBrasilestandandoparatrs.

    Amaioriadasprevisesapontam

    queoPIBcaiuem2014,ainlao

    estmaisforte,acimadotetoda

    banda,eosjurosestonumatraje-

    triaascendente.

    Noumaquestodeortodoxiaou

    deheterodoxia.Ilustrandooponto,

    oUruguaieaBolviavocrescer,

    respectivamente,2,8%e5,0%com

    inclusosocialecomresponsabili-

    dadeiscal.

    Em2014,asdespesasiscaistive-

    ramumaumentorealde6%,leia-

    -seuminchaomaiordogoverno,

    noqualumfuncionriopblicoj

    ganha,emmdia,80%amaisdo

    queumdosetorprivado.

    OBrasil teveoprimeirodicit

    primriodestesculoeaumentou

    onominalde3,3%para6,7%do

    PIB.Emapenasumano,advida

    pblicaentrounumatrajetriain-

    sustentvel,aumentandode56,7%

    doPIBpara63,4%doPIB,colocan-

    doemriscoasolvnciadoEstado

    brasileiro.

    Agravandooproblema,osaumen-

    tosdegastoscontinuam.Foram

  • 18 temas de economia aplicada

    fevereiro de 2015

    elevadosossalriosdecongres-

    sistaseministros,e, emconse-

    quncia,otetodofuncionalismo

    comefeitocascatanosescales

    inferiores.

    Anunciam-seapertoseprometem-

    -sesupervits,mas,narealidade,

    sefazocontrrio,seaceleramos

    gastos.

    OCongressoNacionalaprovouuma

    emendaquepermitenoregistrar

    comodespesasovalordeinvesti-

    mentosnoPACeasdesoneraes

    concedidasadiversossetoresem-

    presariais.

    Ogastofoinogasto. Istoum

    atentadolgicaeumanegaodo

    processocvicoquelevousano

    daLeideResponsabilidadeFiscal.

    Aprimeiraconsequnciadesse

    descontroleorebaixamentoda

    EIU.fundamentalquesejaol-

    timo.

    Outroaspectodedescontrolede

    gastosousodosbancosestatais

    comoinstrumentodepolticaeco-

    nmica.Dopontodevistamacro-

    econmico,privilegiarosestatais

    foiumaescolhapobre.

    Ocoeicientedecorrelaoentre

    aexpansodocrditodosistema

    bancrionacionaleocrescimento

    doPIB0,52,sendode0,61paraos

    privadosnacionais,de0,41paraos

    estrangeirosedeapenas0,16para

    osestatais.

    Apotnciadosprivadosconsi-

    deravelmentemaior.Aprescrio

    deveriatersido(eainda):ogo-

    vernobrasileirocorrigirasfalhas

    existentesnaintermediaoban-

    criabrasileira,emvezdeusarum

    instrumentoconsideradoobsoleto

    emoutrasregiesdoplaneta.

    PasescomoBlgica,Canad,Di-

    namarca,FranaeJaponopos-

    suembancosestataisetmuma

    intermediao inanceiramais

    adequadasnecessidadesdesuas

    economias.

    Opapeldosestataisemcobrar

    menosdestacadocomfrequncia

    comojustiicativaparaseuuso.

    fatoqueasinstituiesinanceiras

    dogovernotmtaxasmdiasme-

    noresqueasprivadas;todavia,h

    distoresnapreciicaodesuas

    operaes.

    Enquanto algunsemprstimos

    paragrandesempresastmcustos

    deumdgito,inferioresSelic,as

    taxasparaochequeespecialda

    CaixaedoBancodoBrasil,emde-

    zembro,foramdetrsdgitos,de

    117%e164%aoano,respectiva-

    mente.Obviamente,nocumprem

    umpapelsocialrelevantenesse

    quesito.

    Outradistorodousodocr-

    ditodirecionadoquediminui

    aeicinciadosmecanismosde

    transmissodapolticamonetria,

    elevandoataxaneutradejuros.Ou

    seja,exigeumaSelicmaisaltapara

    reduzirainlao.

    Omotivoqueporcausadarigi-

    dezdastaxasdosinanciamentos

    tabelados,acadaapertodapoltica

    monetriahumaelevaodade-

    mandadessesrecursos,emvezde

    diminuio.

    Outracriticaafaltadetranspa-

    rnciasobreaqualidadedacar-

    teiradecrditodosbancosdogo-

    verno.

    FoinoticiadoqueaEmgea-Empre-

    saGestoradeAtivos(umaestatal

    quetemdezbilhesdereaisem

    prejuzosacumuladosporcontade

    emprstimosrepassadosdebancos

    estatais)comproumaiscrditosda

    Caixanoanoquepassou,semde-

    talhessobreascaractersticasdas

    operaes.

    Ousopolticodosbancosestatais

    tambmobjetoderessalvas.

    Note-sequehanecessidadepara

    abancadefomento,queaatua-

    oemsegmentosondeoretorno

    socialmaiorqueo inanceiro.

    Programasespec icoscomoo

    MinhaCasaMinhaVidaeosdei-

    nanciamentoagriculturafamiliar

    eindstriasoimportantespara

    odesenvolvimentodoPas.

    Osbancosestataistmalgunspri-

    vilgiosnogerenciamentodeal-

    gumaslinhasdeinanciamentoe

    acessoafundosdogoverno.Ha

    necessidadedeumaanlisecusto-

    -beneciodessasvantagenseda

    oportunidadedeseremalocadosao

    setorinanceiroprivado.

  • 19temas de economia aplicada

    fevereiro de 2015

    Deveprevaleceroqueformelhor

    paraoPas,nonecessariamente

    osbancosestatais.

    Atualmente,oTesouroNacional

    tem10,9%doPIBaplicadosemins-

    tituiesinanceirasoiciais(em

    especialoBNDES),eistosecombi-

    nacomodicitiscalde6,7%do

    PIBeumadvidabrutade63,4%

    doPIBeseusefeitosnaeconomia.

    Estasituaopedeumtratamento

    dechoque.

    Houveumapertoanunciadopara

    gerarumsupervitprimriode

    1,2%doPIBem2015,comcortede

    algunsgastos,ocontingenciamen-

    todooramentoeoaumentode

    algunstributos.

    Considerando,queodicitapre-

    sentadomaiordoqueoquefoi

    originalmenteestimado,razo-

    velanteciparanecessidadedeum

    segundoapertonocurtoprazo,

    leia-semaisimpostoseeconomia

    dedespesas.Aquesto:ondee

    quanto?

    Maisdoqueodicit iscal,pre-

    ocupaafaltadevisoporparte

    doCongressoNacional.Emvezde

    propostasdereformasedecortes,

    parlamentaresapresentaram600

    emendasparagastarmaisum

    despautrio.

    Agrandequestoseorebaixa-

    mentodaEIUapenasumsinalde

    alertaclamandopormaisrespon-

    sabilidadeiscalouannciodo

    comeodeumadcadamaisper-

    didaainda;aprimeiraalternativa

    agrandefavorita.

    (*)FIPE.(E-mail:[email protected]).