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1 2° Seminário de Relações Internacionais: graduação e pós-graduação Os BRICS e as Transformações na Ordem Global João Pessoa, 28 e 29 de agosto de 2014 Governança e Instituições Internacionais GI A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA FÍSICA NA AMÉRICA DO SUL E SUA INFLUÊNCIA NA CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA ESPACIAL: UM ESTUDO SOBRE OS EIXOS MERCOSUL-CHILE E DO AMAZONAS Ricardo Bruno Boff Universidade Federal de Santa Catarina

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Page 1: A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA FÍSICA NA AMÉRICA DO SUL E ... · seguido de uma breve descrição da formação do capitalismo na América do Sul e das decorrentes assimetrias

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2° Seminário de Relações Internacionais: graduação e pós-graduação

Os BRICS e as Transformações na Ordem Global

João Pessoa, 28 e 29 de agosto de 2014

Governança e Instituições Internacionais – GI

A INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA FÍSICA NA AMÉRICA DO SUL E SUA

INFLUÊNCIA NA CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA ESPACIAL: UM ESTUDO SOBRE OS

EIXOS MERCOSUL-CHILE E DO AMAZONAS

Ricardo Bruno Boff

Universidade Federal de Santa Catarina

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Resumo

A América do Sul possui grandes desigualdades na distribuição da produção econômica,

sendo caracterizada pela concentração da produção em algumas regiões, enquanto outras

permanecem com baixo desenvolvimento econômico. Tais características, conforme

teorização de David Harvey, são típicas da expansão do modo de produção capitalista, o

que ajuda a explicar como tal concentração produtiva se desenvolveu na região.

Historicamente, isso ocorre a partir da colonização, quando esse espaço foi inserido nos

circuitos do capitalismo global. O objetivo deste estudo é verificar se os processos de

institucionalização na América do Sul, que promovem a integração da infraestrutura física e

o desenvolvimento de áreas mais atrasadas, afetam a concentração econômica. O ponto de

partida para definir o que constitui esses processos de institucionalização é o lançamento da

IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana, em 2000, pois

a IIRSA é a primeira iniciativa que define a América do Sul como espaço de atuação para a

integração da infraestrutura física. Tal escolha relaciona-se com a própria definição, por

parte da diplomacia brasileira, da América do Sul como sua área de projeção imediata,

ainda sob o contexto de negociações da ALCA. Adicionalmente, serão observadas outras

iniciativas que atuam no desenvolvimento de regiões mais atrasadas, como o Banco do Sul

e FOCEM, as quais compõem, junto com a IIRSA, os processos de institucionalização a ser

investigados. A hipótese, no entanto, é que tais processos mantêm a concentração

produtiva em algumas regiões, tanto devido às características da integração de

infraestrutura física quanto à debilidade das iniciativas que se propõe a combater a

distribuição desigual da produção econômica.

Palavras-chave: Integração Regional; Integração de Infraestrutura; IIRSA; Assimetrias.

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Introdução

O objetivo do presente estudo é observar como o plano IIRSA - Iniciativa para a

Integração Regional de Infraestrutura Sul-americana, que envolve transportes, energia e

telecomunicações, afeta as assimetrias regionais da América do Sul, estas observadas

através da concentração produtiva em algumas regiões.

A IIRSA foi criada em 2000, na 1ª Cúpula de Presidentes da América do Sul. A partir

dela, pela primeira vez, o espaço regional da América do Sul foi pensado em conjunto em

termos de integração da infraestrutura física. A IIRSA insere-se em um dos conselhos da

Unasul, o COSIPLAN – Conselho de Infraestrutura e Planejamento. Fazem parte da sua

gestão, atuando também como fontes de financiamento, o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo de.

Desenvolvimento para a Bacia do Prata (Fonplata). Outras instituições também financiam

obras da IIRSA, como bancos de fomento nacionais – especialmente o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bancos privados e fundos regionais, como

o Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do

Mercosul (FOCEM). Também está em processo de criação, vinculado à própria Unasul, o

Banco do Sul, que poderá servir como fonte alternativa de recursos para obras de

infraestrutura.

O artigo será iniciado com a apresentação do aparato teórico de David Harvey,

seguido de uma breve descrição da formação do capitalismo na América do Sul e das

decorrentes assimetrias regionais. Na sequência, será tratado da formação da IIRSA,

incluindo o papel das instituições que servem como fontes de financiamento, e das

características principais da iniciativa. Finalmente, serão observados dois dos Eixos de

Integração da IIRSA – o Mercosul-Chile e do Amazonas -, buscando-se compreender a

lógica econômica envolvida na sua abrangência geográfica.

1. DAVID HARVEY E A “GEOGRAFIA DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA”

A expressão geografia da acumulação capitalista foi extraída do título de um artigo

publicado por David Harvey (2006), no ano de 1975. No modo capitalista de produção,

segundo Harvey (2006), o crescimento progressivo da acumulação constitui não apenas um

desejo, mas uma necessidade: sem expansão constante, sequer é possível manter o próprio

capital existente. Para que isso aconteça, é preciso uma contínua ampliação da oferta de

força de trabalho, dos meios de produção e dos mercados consumidores.

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Essa necessidade é decorrente das crises estruturais do capitalismo, que se

manifestam tanto como crises de superprodução quanto de subconsumo. Esses momentos

exigem a correção dos rumos do mercado, o que acontecerá de diversas maneiras: através

do avanço tecnológico dos meios de produção, do desemprego, da diminuição no custo da

mão-de-obra, da migração do excedente para novas linhas de produção e do aumento da

demanda por bens de consumo. Na definição de Harvey (2006, p.44/45), esta última ocorre

de duas maneiras, que na prática sempre aparecem conjugadas: através da intensificação

do espaço existente ou da expansão geográfica do comércio.

A expansão geográfica é chamada por Andreas Novy (2002, p. 65) de regime de

acumulação dominantemente extensivo, o qual “caracteriza-se por uma dinâmica da

expansão social e espacial do capitalismo”. Em outras palavras, novos locais de consumo

são criados para beneficiar os antigos centros produtores onde o capital se concentra. A

expansão do comércio não implica, porém, que a desconcentração produtiva se dará no

mesmo ritmo: “a indústria de bens de consumo e de bens de capital desenvolve-se em parte

sem ligação, sem que houvesse uma integração de todo o processo produtivo”.

Para que a expansão geográfica ocorra, é imprescindível a existência de

infraestrutura de transportes, energia e comunicação. Para Harvey (2006, p.50-52), o

transporte e a comunicação, que consistem em atos contínuos da produção da mercadoria,

devem ser cada vez mais acelerados, fazendo com que a distância espacial se contraia em

relação ao tempo. Com a maior rapidez dos transportes e com a queda dos seus custos,

relativiza-se (mas não desaparece) a importância do local de produção. Disso resulta um

aumento da competição entre lugares, cada qual buscando oferecer maiores vantagens.

Quem se beneficia com isso são as grandes corporações, dotadas de maior capacidade de

movimentação, e os próprios conglomerados urbanos, que oferecem melhor infraestrutura e

concentram os serviços de crédito. A tendência, portanto, é que o sistema capitalista gere

concentração urbana e inserção subordinada da zona agrícola.

Falando sobre o caso brasileiro, Milton Santos (2006, p. 112-116) afirma que a

disputa entre cidades e estados para receber montadoras de automóveis, com a

permissividade do Governo Federal, é emblemática. Essas unidades territoriais não apenas

buscam edificar “densidades técnicas” para a fabricação e o consumo de automóveis, que

consistem na infraestrutura necessária para receber as fábricas, mas também “densidades

normativas”, que consistem em proteções e atrativos legais.

Posteriormente, a expansão que se iniciou de modo extensivo tende a pender para o

que Novy (2002, p.66) denomina regime de acumulação dominantemente intensivo, o qual

“caracteriza-se por taxas de aumento duradouramente elevadas da produtividade do

trabalho, pois as condições tecnológicas e sociais da produção sofrem uma transformação,

sobretudo, em virtude da taylorização e da esteira mecânica”. Para Harvey (2001, p.333),

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essa mudança tende a gerar as novas áreas de produção que poderão suplantar as antigas.

Isso significa que, ao longo do tempo, novos locais de produção tendem a gerar

desvalorização, ou até destruição, daqueles anteriormente rentáveis.

O capitalismo, portanto, necessita de espaços desiguais para expandir-se, pois essa

é única maneira através da qual ele escapa temporariamente das suas próprias

contradições. E para que essa expansão contínua seja bem sucedida, é fundamental que

continuem existindo espaços menos desenvolvidos disponíveis para a próxima rodada de

investimentos. Conforme Harvey (2011, p.133) em O Enigma do Capital:

A diversidade geográfica é uma condição necessária, e não uma barreira,

para a reprodução do capital. Se a diversidade geográfica não existe, então

tem de ser criada. A necessidade de assegurar a continuidade dos fluxos

geográficos do dinheiro, bens e pessoas exige que toda essa diversidade

esteja entrelaçada por meio de transportes eficientes e sistemas de

comunicação.

A ideia desenvolvida no presente artigo é que a IIRSA, como projeto de integração

de infraestrutura física, se enquadra nessa característica expansiva do capitalismo. Embora

no discurso oficial fala-se em reduzir as assimetrias e em promover uma integração política

mais ampla entre os países, o que se observa é que a expansão do capital concentrado em

algumas regiões é o motor da iniciativa. Conforme Milton Santos (2011, p.140):

A economia atual necessita de áreas contíguas, dotadas de infra-estruturas

coletivas, unitárias, realmente indissociáveis quanto ao seu uso produtivo.

Mas esse equipamento chamado coletivo é, na verdade, feito para o serviço

das empresas hegemônicas. Construídas com dinheiro público, essas

infraestruturas aprofundam o uso seletivo do território, deixando excluída ou

depreciada a maior parte da economia e da população.

Isso implica que o padrão de expansão geográfica do capital se dará em benefício

das áreas historicamente melhor inseridas no sistema capitalista de produção. No caso da

América do Sul, são elas as metrópoles dotadas de alto grau de industrialização e as

regiões de produção agrícola para exportação.

2. A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO SUL-AMERICANO

O objetivo dessa seção é lançar um breve olhar sobre como, ao longo da história da

formação do capitalismo na América do Sul, a produção econômica foi se concentrando,

basicamente, de duas formas: 1) em regiões voltadas para a exportação de produtos

primários, tanto agrícolas quanto minerais, caracterizadas pela existência de latifúndios; 2)

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em algumas áreas urbanas, geralmente de grandes metrópoles, onde se concentrou a

produção industrial. A construção da infraestrutura física, consequentemente, sempre se

deu em benefício das localidades onde se encontram essas atividades.

Segundo Celso Furtado (2007), mesmo após a independência, os países da América

Latina continuaram com características econômicas semelhantes àquelas do período

colonial. A ausência de uma burguesia nacional e a predominância das exportações de

minérios e produtos agrícolas, complementares à produção inglesa de manufaturados,

determinou o papel dessas nações como exportadores primários na divisão internacional do

trabalho. De modo geral, até os anos 1920, o regime de acumulação foi exclusivamente

extensivo, baseado no emprego de maior quantidade de terra na produção agroexportadora,

o que pouco modificou o caráter estrutural da produção e consolidou a estrutura latifundiária.

Para Milton Santos (2001, p.32), essa função teve ligação direta com o desenvolvimento dos

transportes na região, voltados para integrar as zonas agrícolas e mineradoras com os

portos, e não as regiões entre si, fazendo com que as mesmas se ligassem diretamente com

a Europa, quase sem intermediários, formando um “vasto arquipélago”.

Após a Primeira Guerra Mundial, e mais ainda após a Crise de 1929, a América

Latina sofreu com a redução dos investimentos estrangeiros e das exportações,

aumentando a dívida externa e reduzindo a capacidade de importar. Para Batista de Castro

(2011, p. 25):

A crise de 1929 é talvez o mais importante ponto de inflexão na história das

economias latino-americanas. Representa o fim do equilíbrio baseado na

monocultura de exportação e a percepção do fenômeno que posteriormente

ganhará a adequada expressão de “deterioração dos termos de

intercâmbio”.

Isso forçou, segundo Furtado (2007), a industrialização desses países, o que ocorreu

nos locais onde se acumulavam os capitais das oligarquias, que eram os centros urbanos da

época. De uma maneira ou de outra, Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, Venezuela

e Peru promoveram esforços de industrialização por substituição de importações e se

empenharam na atração de capital produtivo externo. O sucesso dependeria,

principalmente, do capital acumulado através das exportações de produtos primários e do

tamanho do mercado interno, o que ajuda a explicar a vantagem brasileira. Já para os

países capitalistas centrais, a maneira de se adaptar aos esforços de industrialização dos

países da América Latina, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, foi

transferindo parte das unidades produtoras para esta região.

Sobre os processos internos de industrialização, Novy (2002) afirma que algumas

regiões se beneficiavam com essa industrialização dependente, dando origem a cidades

que passaram a funcionar como nódulos industriais e financeiros das cadeias mundiais,

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submetendo as regiões periféricas do próprio país. Isso é mais evidente onde o mercado

interno é mais amplo, como Brasil, México e Argentina. O sistema de transportes, além de

conectar regiões exportadoras aos portos, foi desenvolvido para ligar os novos centros

industriais às regiões interiores desses países, estas exercendo as funções concomitantes

de mercados consumidores e fornecedoras de matéria-prima e de mão-de-obra.

Para Novy (2002), no Brasil, o grande salto paulista ocorreu entre 1919 a 1970, a

partir do capital acumulado com as exportações de café. Embora outras regiões também

recebessem investimentos, o controle do capital concentrava-se em São Paulo. Segundo

Milton Santos (2011, p.45), a partir de 1930 inicia-se a formação da “região concentrada” no

Centro-Sul, sendo que após 1945 os investimentos intencionalmente se concentram na

capital paulista. Segundo ele:

É um momento de consolidação da hegemonia paulista, com aumento

acelerado dos investimentos. Henrique Rattner (1972, p.151) indica que, em

1954, São Paulo concentrava 34,5% dos investimentos do Brasil, enquanto

em 1958 a proporção era de 62,2%. E o mesmo autor chama a atenção

para a forte e constante drenagem que o sistema bancário e financeiro,

situado sobretudo nas áreas metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo,

fazia de zonas pobres e subdesenvolvidas em benefício dessas mesmas

áreas metropolitanas. O novo discurso político e econômico do Nordeste no

fim dos anos 50 era baseado nessas perdas e resultou na criação da

Sudene (Celso Furtado, 1989).

A partir da capital paulista, Novy (p. 222) apresenta três ondas de expansão

geográfica do capital: a primeira, na própria região metropolitana e no ABC paulista; a

segunda, nas cidades do interior do Estado; a terceira, num eixo esticado, que vai de Belo

Horizonte até o Sul do Brasil, encontrando-se com outro centro concentrador de capital, que

é Buenos Aires. Nessa ótica, o Mercosul explica-se a partir dos seus dois grandes centros

de comando – São Paulo e Buenos Aires – interligados por um eixo que estende-se até

Brasília, Belo Horizonte e Salvador; cruza o Sul do Brasil, incluindo as regiões industriais de

Curitiba, do Norte de Santa Catarina e de Porto Alegre; interliga-se com Montevidéu e

Assunção e, na Argentina, com um eixo que inclui Córdoba, Santa Fé e Rosário, que e

finalmente estende-se até Santiago do Chile.

É exatamente essa zona geográfica que forma o Eixo Mercosul-Chile, que será

observado no presente trabalho. Ele envolve as regiões mais industrializadas da América do

Sul, não por acaso também a mais populosa e com as maiores metrópoles, e tem por

objetivo interligá-las e contribuir para a melhoria da produção em escala dessas áreas

industrializadas; além desse, também será analisado o Eixo Amazônico, que liga regiões da

costa de Colômbia, Equador e Peru com o Norte, Centro Oeste e Nordeste do Brasil, o qual

aponta para um objetivo muito mais voltado à exportação de minérios e produtos agrícolas.

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Ficam, assim, contempladas as duas formas mais marcantes da dinâmica espacial do

capitalismo na América do Sul: concentração industrial e áreas metropolitanas e grandes

propriedades produtoras de commodities para exportação.

3. A FORMAÇÃO DA IIRSA E AS MUDANÇAS NO REGIONALISMO SUL-AMERICANO

Na presente seção, inicialmente será descrito o contexto político da formação da

IIRSA, até a sua incorporação pela Unasul e a criação do Cosiplan. Também será feita uma

breve análise das instituições que financiam a iniciativa, o que contribui para compreender

os interesses existentes na sua construção.

A crise da dívida dos anos 1980 representou o fim de um ciclo desenvolvimentista,

exigindo a correção dos rumos do mercado. Esse papel coube às políticas neoliberais dos

anos 1990, que contribuíram para a formação de conglomerados financeiros e trouxeram

grandes dificuldades para a manutenção de empresas de médio porte. Apenas grandes

grupos transnacionais, como as multinacionais automobilísticas, conseguiram melhor

adaptação ao novo cenário de abertura. Segundo Batista de Castro (2011, p.42):

No final da década de 1990, a turbulência financeira mundial impõe aos

países da região, ainda que com diferente “timing”, processos de ajuste

macroeconômico a fim de trazer suas dívidas para níveis sustentáveis. No

Brasil, a progressiva e violenta queda das reservas internas e condições

desfavoráveis de financiamento externo levaram o país a desvalorizar o seu

câmbio, no início de 1999, com efeitos negativos nos fluxos de comércio

intra-Mercosul, em especial com a Argentina, que ainda mantinha

sobrevalorizada sua moeda.

A estagnação do Mercosul de modelo liberal, no final da década de 1990, deixava

mais claros os entraves ao crescimento econômico em toda a América do Sul. Segundo

Sanahuja (2012, p.27), falta de complementariedade econômica, deficiência de

infraestrutura de transportes e integração física, instabilidade macroeconômica, crises

financeiras, barreira comerciais e “reprimarização das economias” eram algumas das

causas. Para Batista de Castro, “o que fica claro no final dos anos 1990 é que a integração

sul-americana, bem como a sobrevivência do Mercosul, dependia de nova estratégia que

não a mera política de preferências tarifárias” (2011, p.42).

Uma das saídas para a crise seria através do investimento em infraestrutura, “uma

via essencial para complementar as outras dimensões da integração regional e

especialmente catalisar o comércio intrarregional” (IIRSA, 2011, tradução nossa). É nesse

contexto que é lançada a IIRSA, em 2000, por iniciativa do Brasil, país onde se concentram

as maiores empresas, as maiores metrópoles e a maior quantidade de capital. O BID foi

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escolhido para ser o principal responsável pelo financiamento das obras e para a instalação

da Secretaria, atuando ao lado do CAF do Fonplata na gestão técnica do projeto.

No ano de 2000 também estavam vigentes as negociações com a ALCA, através da

qual os Estados Unidos oferecem a criação de um bloco de integração comercial, de corte

liberal, para todas as Américas. Para Teixeira (2011, p.189), os Estados Unidos queriam

uma extensão do NAFTA (Área de Livre Comércio do América do Norte) para todo o

continente, vendo no Mercosul um transtorno. A União Europeia, segundo Dominguez

(2011), para não perder espaço na região para os Estados Unidos, também negociava um

acordo. Contudo, de acordo com Vigevani e Mariano (2006), uma vez que o entusiasmo

neoliberal ia diminuindo, a clivagem Sul/Norte embutida na lógica da Alca começa a ficar

mais clara e as diferenças entre Brasil e Estados Unidos se tornam intransponíveis:

Os assuntos que eram de interesse do Brasil em negociar na Alca eram exatamente aqueles que os Estados Unidos não se dispunham a ceder, e vice-versa. De um lado [...] os norte-americanos buscavam incluir, principalmente, serviços, compras governamentais, investimentos e propriedade intelectual, enquanto os interesses brasileiros centravam-se no acesso a mercados e no comércio agrícola (p. 346).

Por isso, a reunião de Presidentes representa um momento de definição mais clara

da América do Sul como área prioritária da Política Externa brasileira, o que, segundo

Teixeira (2011), reforçou a base de negociação para contrapor a proposta estadunidense.

Tanto que, em 2005, na Cúpula de Mar del Plata a proposta da Alca seria engavetada. A

partir de então, a plataforma política sul-americana foi sendo reforçada: em 2004, em

reunião dos Presidentes da América do Sul realizada em Cusco, no Peru, foi criada a CASA

– Comunidade Sul-americana de Nações; em 2008, em encontra da CASA na Ilha de

Margarita, na Venezuela, criou-se a Unasul. Finalmente, em 2009, em reunião da Unasul em

Quito, no Equador, criou-se o Cosiplan – Conselho de Infraestrutura e Planejamento. A

IIRSA foi incluída na sua estrutura institucional, exercendo a função de “foro técnico de

infraestrutura”.

Essas transformações na integração sul-americana respondiam a demandas sociais

que iam além da integração comercial, em um contexto onde vários governos de esquerda

subiram ao poder. O termo “regionalismo pós-liberal” é empregado por alguns autores, como

Lima (2013) e Briceño Ruiz (2014), para definir as características de organizações como

Unasul e Alba. Conforme Ruiz, em entrevista à Assessoria de Imprensa do Governo do Rio

Grande do Sul, “colocam-se objetivos políticos, econômicos e sociais que não faziam parte

do modelo de integração regional da década de 1990”. Malamud (2013, p.5) explica o maior

leque de objetivos presentes na Unasul:

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Unasul é um acordo de cooperação regional patrocinado pelo Brasil,

idealizado com o objetivo tácito criar uma esfera de influência brasileira,

cortando a influência dos EUA e compensando a concorrência mexicana

pela liderança. Ele contempla a promoção da integração física através de

redes de transporte, energia e comunicação, mas não prevê qualquer

transferência de soberania. Assim, ele deve ser considerado como uma

ferramenta para o diálogo de alto nível e coordenação política, mas não

uma tentativa de integração (tradução nossa).

Embora tenha nascido com uma “agenda positiva” de integração, e esteja inserido

em uma organização considerada “pós-liberal”, a IIRSA traz no seu DNA algumas

características do liberalismo vigentes nesse momento. No documento onde a própria

iniciativa faz um balanço de seus 10 primeiros anos (2011, p.24), afirma-se que o

“regionalismo aberto” – política então defendida pela Cepal (1994) - é um dos seus

princípios orientadores. Para Gentil Corazza (2006), esse modelo prima por liberalização e

desregulação para aumentar competitividade, onde a integração deixa de ser um objetivo

em si e passa a ser um meio de inserção para fora, rumo a um livre mercado internacional.

A iniciativa, portanto, tenta equilibrar uma agenda liberal - “inserção internacional” e

“comércio intrarregional”, com uma pós-liberal - preocupação com as “disparidades

territoriais” e com o “desenvolvimento sustentável” (IIRSA, 2011, p.21-41). Contudo, a

observação das suas realizações indica que a primeira parte da agenda é a que prevalece.

4. ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL E FONTES DE FINANCIAMENTO

Para explicar o funcionamento da IIRSA, traremos uma breve explicação sobre sua

divisão administrativa e suas fontes de financiamento.

No topo da pirâmide organizacional da iniciativa está um Comitê de Direção

Executiva, composto por Ministros de cada país membro. Esse Comitê exerce comando

sobre as Coordenações Nacionais, as quais gerenciam grupos de trabalho, e o Comitê de

Coordenação Técnica. Junto a este atuam o BID, a CAF e o Fonplata, sendo que a

Secretaria da IIRSA localiza-se na sede do BID-INTAL, em Buenos Aires.

Segundo Batista de Castro (2011, p.114), dentre essas instituições o BID possui de

longe maior capacidade financeira, poder de atração de investimentos e experiência em

financiamento de projetos. Contudo, há algumas condicionantes para a sua atuação. Uma

delas é o peso dos EUA e de seus grupos internos de interesses nos financiamentos; a

outra diz respeito a uma mudança de orientação na agenda de investimentos do Banco nos

anos 90, que passou a priorizar “temas sociais, proteção do meio ambiente,

desenvolvimento institucional”, tendo, por consequência, “reduzido a proporção de

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financiamentos destinados ao setor produtivo e à infraestrutura, o que pode comprometer

sua participação em grandes projetos como a IIRSA, por exemplo.” (p.115)

Já a CAF e o Fonplata, para Batista de Castro (2011), possuem um histórico de

promoção do desenvolvimento de seus países-membros em prol da integração regional.

Contudo, por serem dotados de orçamentos relativamente baixos e de estruturas limitadas,

a atuação dessas instituições acaba sendo complementar a do BID e do BNDES. No caso

da CAF, a IIRSA foi considerada, desde o início, uma prioridade estratégica: “Por sua

experiência no fomento ao desenvolvimento voltado à integração da CAN, por sua

credibilidade nos mercados financeiros internacionais, a CAF teria se habilitado a atuar no

ambiente ampliado da América do Sul” (p.120). Já o Fonplata tem funcionado como uma

espécie de fundo compensatório, uma vez que a imensa maioria dos seus recursos tem sido

empregada nos países de menor desenvolvimento relativo - Bolívia e Paraguai (p. 117). O

Fundo também coopera tecnicamente com os Eixos Mercosul-Chile e Capricórnio (p. 119).

Nos anos 2000, segundo Couto (2010), o BNDES se tornou um grande financiador

de obras de infraestrutura na região, tornando-se o principal vetor da expansão do capital

brasileiro. A mudança, portanto, decorre não somente da necessidade da IIRSA de

aumentar suas fontes de investimento, mas também da estratégia brasileira de inserir seu

Banco de Desenvolvimento no plano, aumentando a sua influência e favorecendo as

empresas brasileiras na execução dos projetos, o que corresponde à exigência do seu

Estatuto, presente no Decreto 4.418/2002:

Art. 9º O BNDES poderá também:

II – financiar investimentos realizados por empresas de capital nacional no

exterior, sempre que contribuam para promover exportações;

III – financiar e fomentar a exportação de produtos e de serviços, inclusive

serviços de instalação, compreendidas as despesas realizadas no exterior,

associadas à exportação;

Está em curso uma iniciativa da própria Unasul, idealizada pela Venezuela, que

poderá ser uma fonte de financiamento: o Banco do Sul. Trata-se, segundo Couto (2010, p.

202-203), da criação de um órgão de financiamento autônomo para os países da América

do Sul. Formalmente criado em 2007 e tornado uma instituição jurídica internacional em

2011, com a ratificação feita pelo Uruguai (o 5º país a fazê-lo), funciona com capital

constituído por vários países. O Banco poderá servir para aglutinar fontes de financiamento

e oferecer créditos de longo prazo, com menos condicionantes do que instituições como

Banco Mundial, BID e FMI.

Ainda no tocante às fontes de financiamento, cabe uma menção ao FOCEM - Fundo

para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul. Embora se

restrinja aos países membros daquela organização e possua um orçamento muito pequeno,

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há duas razões para levá-lo em consideração: a primeira é porque se trata do único órgão

sulamericano direta e formalmente constituído para enfrentar as assimetrias regionais; a

segunda, como informa o sitio eletrônico da IIRSA (2014), é porque o FOCEM já participou

do financiamento de obras da Carteira IIRSA, como a “Adequação do Corredor Rio Branco -

Montevideo - Colônia - Nueva Palmira”, e está cotado para participar da construção do Porto

de Águas Profundas de Rocha, ambos no Uruguai. Além disso, como informa a página do

Ministério do Planejamento do Brasil (2014), o FOCEM possui caráter não-reembolsável, o

que significa uma doação aos países com menor capacidade de investimentos. Isso

aumenta a sua atratividade.

Finalmente, como se pode observar na Base de Dados da Carteira de Projetos do

Cosiplan (2014), outras fontes também participam, com montantes menores, dos projetos

IIRSA: tesouros nacionais, estaduais e municipais; bancos privados, Banco Mundial, União

Europeia e o Banco Japonês para a Cooperação Internacional. Na maioria dos projetos, há

envolvimento de mais de uma fonte.

Percebe-se, assim, que há quatro fontes principais de financiamento à IIRSA: as três

instituições que fazem parte do quadro gerencial e, mais recentemente, o BNDES, que vem

aumentando sua participação. Cada qual, no entanto, apresenta algumas condicionantes: o

BID, maior e mais importante, é muito vinculado aos interesses dos Estados Unidos; a CAF

e o Fonplata, mais autenticamente voltados à integração da infraestrutura, possuem

orçamentos e estruturas institucionais limitados; o BNDES, que embora venha aumentando

o seu aporte, prioriza o fomento às empresas de capital brasileiro. As demais iniciativas, das

quais destacamos o FOCEM e o futuro Banco do Sul, apresentam participação menor. O

fato de que BID e BNDES vêm se tornando os principais financiadores da IIRSA, indica que

interesses de capitais de empresas multinacionais, mais ligadas ao Estado Unidos, e das

empresas brasileiras, tendem a ser mais atendidos pelo projeto.

5. O PLANEJAMENTO GEOGRÁFICO DA IIRSA

A seguir, passaremos a descrever seus Eixos de Integração e Desenvolvimento e

seus Processos Setoriais de Integração, que compõem as dimensões geográfica e

normativa que ordenam a disposição das obras de infraestrutura.

No tocante ao planejamento geográfico, a IIRSA baseou-se em Eixos de Integração

e Desenvolvimento (EID), no qual estão contidas e dispostas geograficamente as obras

propriamente ditas. Segundo publicação do BID/INTAL (2011, p. 64), cada eixo consiste em:

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Una franja multinacional de territorio que incluye una cierta dotación de

recursos naturales, asentamientos humanos, áreas productivas y de

servicios logísticos. Esta franja es articulada por la infraestructura de

transporte, energía y comunicaciones que facilita el flujo de bienes y

servicios, de personas y de información tanto dentro de su propio territorio

como hacia y desde el resto del mundo.

Ou seja, são identificadas áreas geográficas que contém semelhanças de recursos

naturais, produtivos e humanos, buscando articulá-las entre si e potencializar sua inserção

no comércio mundial. Atualmente, existem 10 EIDs, cada qual contendo uma série de

Grupos de Projetos organizados ao redor de um ou mais “projetos âncora”. A evolução do

número de projetos, de 2004 a 2013, bem como do montante a ser investido (em bilhões),

está presente no seguinte quadro:

Tabela 1 – Número de projetos e valor correspondente, ano a ano.

Fonte: http://www.iirsa.org

Ainda em 2004, foi definida uma série de projetos prioritários denominada Agenda de

Implementação Consensuada (AIC). Em 2012, o Cosiplan modificou a denominação e refez

a lista de projetos, que passou a ser chamada, como consta na página da IIRSA (2014), de

Agenda de Projetos Prioritários de Integração (API), que “consiste en un conjunto de 31

proyectos estructurados por un monto de inversión estimado en US$16.713,8 millones, de

carácter estratégico y de alto impacto para la integración física y el desarrollo socio-

económico regional”. Os 31 projetos estruturados da API - projetos principais - são

acompanhados por outros 101 projetos individuais que complementam os principais.

Paralela à construção da infraestrutura física está a regulação e harmonização

normativa, com vistas a promover a circulação. Na IIRSA esse papel foi reservado aos

Processos Setoriais de Integração (PSI), que têm por objetivo (BID/INTAL, 2011, p.64):

Identificar los obstáculos de tipo normativo e institucional que impiden el desarrollo y la operación de la infraestructura básica en la región y proponer acciones que permitan superarlos. Cada uno de ellos abarca servicios clave en el proceso de integración, que a veces pueden ser comunes a varios Ejes de Integración y Desarrollo.

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Os PSI, portanto, não estão circunscritos em uma área geográfica específica. Eles

buscam identificar e superar obstáculos normativos e institucionais que travam a circulação

como um todo, o que pode ocorrer tanto em pontos específicos (como passos de fronteira),

quanto gerais (como desarmonia regulatória entre os países, principalmente no campo

energético). Sua abrangência alcança as seguintes áreas: Instrumentos de Financiamento;

Integração Energética; Facilitação de Passos de Fronteira; Tecnologia da Informação e das

Telecomunicações; Sistemas Operativos de Transporte Aéreo; Sistemas Operativos de

Transporte Marítimo; e Sistemas Operativos de Transporte Multimodal.

Observa-se que o enfoque da IIRSA, organizada através dos EIDs e dos PSIs,

consiste tanto em construir e integrar a infraestrutura de transportes, energia e

telecomunicações, quanto reduzir os entraves burocráticos que afetam a circulação

possibilitada pela infraestrutura. A ênfase, portanto, está na promoção da livre-circulação de

mercadorias, conforme preconizada pelo regionalismo aberto. Em termos teóricos, a

construção de infraestrutura e a derrubada de entraves normativos representam exatamente

requisitos ao movimento de expansão do capital, conforme descrito por David Harvey. Para

melhor observar essa dinâmica, faremos uma rápida análise de dois dos dez EIDs:

Mercosul-Chile e do Amazonas.

6. OS EIXOS MERCOSUL-CHILE E DO AMAZONAS

A escolha desses dois Eixos para serem analisados no presente trabalho se deu por

duas razões: 1) porque ambos cobrem boa parte do território brasileiro, país idealizador da

iniciativa, maior potência regional e com crescente capacidade de financiamento; 2) porque,

respectivamente, os Eixos Mercosul-Chile e do Amazonas envolvem a região mais

industrializada da América do Sul, no Cone-Sul, e uma importante zona de exportação

riquezas agrícolas e minerais, no Norte do continente.

O Eixo Mercosul-Chile consiste no mais desenvolvido economicamente da América

do Sul. Ele tem por objetivo ligar as principais regiões produtoras dos países do Mercosul

com o Chile. Sua lógica consiste, conforme Nery Costa (2011, p.91), em melhorar a conexão

do eixo São Paulo-Buenos Aires-Santiago, com braços que se estendem para Rio de

Janeiro e Belo Horizonte, no Sudeste brasileiro, Curitiba-Florianópolis-Porto Alegre, no Sul,

inclui Montevidéu e Assunção e, na Argentina, se estende para Bahia Blanca, Rosário e

Córdoba, as quais se conectam com Santiago e La Serena, no Chile. O Eixo é subdividido

em seis Grupos de Projetos que se interligam, cada qual contendo ao menos um “Projeto

Âncora”, que serve como referência à disposição dos demais projetos dentro do grupo.

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Figura 1 - área de influencia do Eixo. Figura 2 - Grupos de Projetos.

Fonte: http://www.iirsa.org/

Dentre esses grupos, dois deles envolvem o território brasileiro: o Grupo 1 - “Belo

Horizonte - Fronteira Argentina / Brasil - Buenos Aires”, e o Grupo 2 - “Porto Alegre - Limite

Argentina / Uruguai - Buenos Aires”:

Figura 3 – Grupo 1. Figura 4 – Grupo 2.

Fonte: http://www.iirsa.org/

Há um projeto âncora em cada um deles, sendo que ambos se localizam fora do

Brasil: respectivamente, a “Duplicação Da Rota Nacional N° 14 entre Paso De Los Libres e

Gualeguaychú”, que liga a fronteira Brasil/Argentina (Uruguaiana-RS/Paso de los Libres) aos

arredores de Buenos Aires; e a “Adequação do Corredor Rio Branco - Montevideo - Colônia

- Nueva Palmira: Rotas N° 1, 11, 8, 17, 18 Y 26, Rotas 23 Y 12”, que liga as fronteiras de

Brasil, Uruguai e Argentina (Jaguarão-RS/Río Branco/Nueva Palmira), conectando-se com

Montevidéu. Note-se que ambas as obras ligam os modais brasileiros, que partem de São

Paulo e se distribuem para outras capitais, com as respectivas capitais da Argentina e do

Uruguai.

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Segundo Costa (2011, p.91), a aproximação desses mercados metropolitanos trará

ganhos de escala na produção, o que permitirá ganhos de produtividade e maior uso da

capacidade instalada. Espera-se também, conforme Simas (2012, p.68), “um importante

crescimento de suas cidades secundárias, as quais servirão de pontos de apoio para a

formação de cadeias de produção e comercialização regionais”.

O segundo Eixo a ser observado é o Eixo do Amazonas. Inicialmente projetado para

criar um corredor bioceânico através do Rio Amazonas, em 2013 foi ampliado para

incorporar os nove Estados do Nordeste brasileiro, até então ausentes do projeto IIRSA. Os

Grupos de Projeto desse Eixo priorizam a ligação entre zonas interioranas, produtoras

agrícolas, minerais e de riquezas provenientes da floresta Amazônica, com os portos de

ambos os oceanos. Segundo Costa (2011, p.101-103), no Brasil, áreas da expansão

agrícola de Estados como Acre, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Bahia ligam-se aos

oceanos, assim como a produção de minérios de Pará a Amapá. Já nos países Andinos, o

eixo contribui para o escoamento de petróleo e outros produtos de Colômbia, Equador e

Peru. É importante destacar ainda a melhora da distribuição dos produtos industriais da

Zona Franca de Manaus, principalmente para outras regiões do Brasil.

Figura 5 - Área de influência do Eixo. Figura 6 - Grupos de Projetos.

Fonte: http://www.iirsa.org/

Para observar as características dos projetos desse Eixo, escolhemos os dois grupos

que incluem o Nordeste na IIRSA: o Grupo 6, denominado “Conexão Ferroviária Porto Velho

- Nordeste Meridional do Brasil”, e o Grupo 8, denominado “Conexão Entre a Bacia

Amazônica e o Nordeste Setentrional do Brasil”. Cada um deles têm como projetos âncoras

duas ferrovias, que são, respectivamente, Ferrovia Nova Transnordestina Fase I (Suape -

Salgueiro/Pecém – Eliseu Martins) e Ferrovia Nova Transnordestina Fase II (Eliseu Martins-

Porto Franco), e Ferrovia de Integração Oeste - Leste Fase II (Barreiras - Figueirópolis) e

Ferrovia De Integração Oeste - Leste Fase I (Ilhéus – Barreiras). Esse conjunto de linhas

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férreas liga as zonas interiores do Norte/Nordeste, produtoras agrícolas e de minérios, com

portos localizados nos Estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia.

Figura 7 – Grupo 6. Figura 8 – Grupo 8.

Fonte: http://www.iirsa.org/

Devido ao desenho do Eixo voltado aos corredores de exportação, Costa (2011,

p.101) afirma que o objetivo de interligar dois Oceanos através do Rio Amazonas não é o

mais importante, pois o Canal do Panamá o atende com vantagens de custo. O Eixo do

Amazonas funciona efetivamente como “uma veia aberta para o escoamento da produção

regional para seus respectivos mercados extra-continentais e pela integração local dos

fluxos regionais de padrão costa-cordilheira-selva”. Ou seja, as zonas interiores fornecem

commodities para a indústria da região e do mundo, recebendo em troca serviços e produtos

originados das áreas industrializadas, predominantemente localizadas na costa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A IIRSA é a primeira e única iniciativa a pensar a integração da infraestrutura no

espaço da América do Sul. Ela foi criada e desenvolvida principalmente por interesse da

política externa brasileira, em um contexto de resposta à crise do neoliberalismo e de

negociação da ALCA, onde vários governos de esquerda retomaram alguns fundamentos da

agenda desenvolvimentista (Couto, 2012), avançara na chamada agenda “pós-liberal” (Lima,

2013) e reforçam a base sul-americana, sob liderança brasileira, para resistir à Alca e

oferecer alternativas (VIGEVANI e MARIANO, 2006). A iniciativa contém uma ambiciosa

carteira de projetos que, pouco a pouco, começam a dar frutos, contribuindo para a

retomada dos investimentos em infraestrutura e ajudando a consolidar a Unasul.

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No entanto, a integração da infraestrutura da América do Sul, a partir do projeto

IIRSA, atende primordialmente os interesses comerciais da indústria e dos setores de

exportação agrícola e mineral. Dessa maneira, o plano privilegia, como observado nos Eixos

Mercosul-Chile e Amazônico, a interligação das áreas mais industrializadas do continente,

primordialmente algumas áreas metropolitanas do Cone Sul, e a criação de novos

corredores de exportação, reforçando a concentração fundiária de zonas interioranas,

especialmente da porção centro/norte do continente. Conforme Nery Costa (2011, p.120):

[...] a IIRSA se coloca com duas diretrizes principais: por um lado facilitar o acesso a recursos naturais, principalmente do norte do continente e, por outro, secundário, criar escalas de mercado através de um aumento das conexões de transporte, energia e harmonização regulatória, principalmente no Cone-Sul.

O que ocorre é que quase não existem políticas compensatórias para os países e

regiões que não obtêm ganhos diretos com a integração. Apenas o FOCEM, com a dupla

limitação de baixo orçamento e alcance restrito, e o Banco do Sul, que sequer entrou em

funcionamento, se propõem ao combate efetivo às assimetrias. Ao mesmo tempo,

instituições como BID e BNDES, comprometidas com interesses empresariais e de grupos

econômicos, respectivamente, multinacionais e brasileiros, possuem mais peso na iniciativa.

Para Batista de Castro (2011, p.73), “Na ausência de políticas compensatórias, tenderia a

ser beneficiado, neste processo de integração, o país que apresentasse o maior grau de

industrialização”. Neste caso, a IIRSA pode gerar temores relativos à expansão do capital

brasileiro e multinacional: “Desse modo, é explicável o temor de economias menores diante

da possibilidade de que o espaço regional não apenas não forneça proteção frente às

assimetrias do cenário internacional, mas acabe as reproduzindo, em escala menor”.

Entendemos que a IIRSA tem um papel relevante na construção de infraestrutura

sul-americana e na consolidação da Unasul. Contudo, sua lógica corresponde à força

propulsora da expansão geográfica do capital, que se dá em benefícios dos locais onde ele

se concentra; resta, assim, insuficiente atenção às necessidades das regiões menos

desenvolvidas da América do Sul – que correspondem à maioria.

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