a gravura no rio grande do sul

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS CURSO DE ARTES VISUAIS DISCIPLINA DE GRAVURA PROFESSORA LUCIANA ESTIVALETT A gravura no Rio Grande do Sul No século XIX a arte no Rio Grande do Sul se mantinha isolada por muito tempo. Havia, neste período, escassos retratistas e escultores marmoristas, fazendo apenas uma arte funcional. Só em 1903 o Rio Grande do Sul ganha seu primeiro salão de artes, o “Salon”, realizado pelo jornal “Gazeta do Comércio”. Dentre os participantes, poucos se destacaram, tendo em vista que a grande parte dos artistas da época não se dedicava exclusivamente à arte, largando-a em segundo plano. Quem tinha maior oportunidade de entrar no meio artístico eram os que lecionavam sobre arte, como o italiano Romualdo Prati, que ficou no estado por nove anos; Augusto Luiz de Freitas (1868-1962) de Rio Grande, que lecionou na Escola de Arte por um ano; Libindo Ferraz (1877-1954) de Porto Alegre, que foi diretor da Escola de Arte até 1936; Oscar Boeira (1883-1943) também professor e o porto alegrense Pedro Weingärtner (1853-1929), que foi o primeiro artista gaúcho a usar as técnicas da gravura em metal como meio de criação. Apesar disso ele não possui seguidores, produziu a maior parte de sua obra fora do Rio Grande do Sul (Rio de Janeiro e Europa), mas o sentimentalismo gaúcho formou um elo com o seu trabalho. Assim, representou muito bem a temática gaúcha e por isso se torna notável. Só em meados de 1930 que os artistas gaúchos começaram a explorar as possibilidades da xilogravura e da linóleo gravura. Os artistas locais não tinham conhecimento de Goeldi e Lívio Abramo. Vale destacar que, anteriormente, a litografia foi muito difundida no Rio Grande do Sul como meio de reprodução. Mas foi João Fahrion (1898-1970) o primeiro artista a trabalhar a litografia artisticamente. A partir de 1935, o movimento da gravura no Rio Grande do Sul passa a ter mais impulso. A revista “Revista do Globo” e mais tarde a “Novela” começam a publicar xilogravuras de artistas estrangeiros e locais que estavam iniciando as suas produções. E neste ano de 1935 acontece a Exposição Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha, que tinha um pavilhão cultural com uma seção de arte organizada pelo pintor Ângelo Guido (1893-1969) que reuniu 1071 obras em seções de amadores, artistas, arquitetura, escultura, sala Pedro Weingärtner e sala dos colecionadores. Apesar destes eventos a situação artística do estado não é boa. A Escola de Belas Artes não é conhecida entre a população, faz raras exposições que não são freqüentadas. Não há críticos de artes, existem alguns jornalistas que tentam desempenhar este papel, mas não são gabaritados para tanto. Neste cenário surge um grupo de artistas que pretendem unir os artistas de Porto Alegre, que nem se quer se conhecem. Eles também querem lutar contra a apatia e a rotina que envolve a arte. Para isso criam a Associação Francisco Lisboa em 1938. Em 1936 o Instituto de Belas Artes incorpora-se a Universidade do Rio Grande do Sul, criada em 1934. E estas duas instituições começam a disputar salões entre si. No primeiro salão da Associação (1938) aparecem xilogravuras de Edla Silva e Gastão Hofstetter e uma linóleo gravura de Edgar Koetz.

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Page 1: A gravura no rio grande do sul

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIACENTRO DE ARTES E LETRASDEPARTAMENTO DE ARTES VISUAISCURSO DE ARTES VISUAISDISCIPLINA DE GRAVURAPROFESSORA LUCIANA ESTIVALETT

A gravura no Rio Grande do Sul

No século XIX a arte no Rio Grande do Sul se mantinha isolada por muito tempo. Havia, neste período, escassos retratistas e escultores marmoristas, fazendo apenas uma arte funcional.

Só em 1903 o Rio Grande do Sul ganha seu primeiro salão de artes, o “Salon”, realizado pelo jornal “Gazeta do Comércio”. Dentre os participantes, poucos se destacaram, tendo em vista que a grande parte dos artistas da época não se dedicava exclusivamente à arte, largando-a em segundo plano. Quem tinha maior oportunidade de entrar no meio artístico eram os que lecionavam sobre arte, como o italiano Romualdo Prati, que ficou no estado por nove anos; Augusto Luiz de Freitas (1868-1962) de Rio Grande, que lecionou na Escola de Arte por um ano; Libindo Ferraz (1877-1954) de Porto Alegre, que foi diretor da Escola de Arte até 1936; Oscar Boeira (1883-1943) também professor e o porto alegrense Pedro Weingärtner (1853-1929), que foi o primeiro artista gaúcho a usar as técnicas da gravura em metal como meio de criação. Apesar disso ele não possui seguidores, produziu a maior parte de sua obra fora do Rio Grande do Sul (Rio de Janeiro e Europa), mas o sentimentalismo gaúcho formou um elo com o seu trabalho. Assim, representou muito bem a temática gaúcha e por isso se torna notável.

Só em meados de 1930 que os artistas gaúchos começaram a explorar as possibilidades da xilogravura e da linóleo gravura. Os artistas locais não tinham conhecimento de Goeldi e Lívio Abramo. Vale destacar que, anteriormente, a litografia foi muito difundida no Rio Grande do Sul como meio de reprodução. Mas foi João Fahrion (1898-1970) o primeiro artista a trabalhar a litografia artisticamente.

A partir de 1935, o movimento da gravura no Rio Grande do Sul passa a ter mais impulso. A revista “Revista do Globo” e mais tarde a “Novela” começam a publicar xilogravuras de artistas estrangeiros e locais que estavam iniciando as suas produções. E neste ano de 1935 acontece a Exposição Comemorativa do Centenário da Revolução Farroupilha, que tinha um pavilhão cultural com uma seção de arte organizada pelo pintor Ângelo Guido (1893-1969) que reuniu 1071 obras em seções de amadores, artistas, arquitetura, escultura, sala Pedro Weingärtner e sala dos colecionadores.

Apesar destes eventos a situação artística do estado não é boa. A Escola de Belas Artes não é conhecida entre a população, faz raras exposições que não são freqüentadas. Não há críticos de artes, existem alguns jornalistas que tentam desempenhar este papel, mas não são gabaritados para tanto. Neste cenário surge um grupo de artistas que pretendem unir os artistas de Porto Alegre, que nem se quer se conhecem. Eles também querem lutar contra a apatia e a rotina que envolve a arte. Para isso criam a Associação Francisco Lisboa em 1938. Em 1936 o Instituto de Belas Artes incorpora-se a Universidade do Rio Grande do Sul, criada em 1934. E estas duas instituições começam a disputar salões entre si. No primeiro salão da Associação (1938) aparecem xilogravuras de Edla Silva e Gastão Hofstetter e uma linóleo gravura de Edgar Koetz.

Em 1940 a prefeitura municipal organiza dois salões (um para cada instituição) a fim de comemorar o bicentenário da fundação de Porto Alegre. Como Carlos Scliar (1920-2001) já morava em São Paulo, ele organizou uma participação dos Modernistas no salão da Instituição de Belas Artes. Instituição esta que se torna bem mais ativa a partir de 1940, com freqüentes exposições e salões. Assim os gaúchos romperam o isolamento cultural e conheceram, enfim, as obras modernistas. Apesar de a Semana de Arte Moderna ter ocorrido em 1922, suas proporções só se alastram em 1942, quando Mário de Andrade faz um balanço do que foi proposto e o que isso representa.

Carlos Scliar nasceu em Santa Maria, e com apenas dez anos publicava contos, poesias e desenhos nos suplementos infantis dos jornais de Porto Alegre. Autodidata, freqüentou o ateliê do austríaco Gustavo Epstein por alguns meses apenas. Em 1935 apareceu na Exposição Farroupilha na seção de amadores. Decidido modernista, seus desenhos também possuíam ênfase expressionista. Foi o primeiro secretário na Associação Francisco Lisboa e numa visita a São Paulo conheceu vários artistas modernistas e passou a manter correspondência com Clóvis Graciano (1907-1988). Isso é um fato importante, pois mostra uma ligação das artes plásticas gaúchas com o modernismo. Em 1940 vai a São Paulo e faz sua primeira mostra individual. Participa da Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes, conquistando medalha de prata em pintura.

Já Iberê Camargo (1914-1994) de Restinga Seca, faz sua primeira mostra individual em 1943. Neste período as artes plásticas não sofreram a mesma repressão que os outros meios de expressão sofreram. A ditadura subvencionou o desenvolvimento da arte moderna em todo o país. Assim ele vai para o Rio de Janeiro com uma bolsa do estado. Rebela-se contra o jugo acadêmico e alia-se à Guignard.

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Mostra-se defensor da liberdade e independência do artista. Em 1947 aprende gravura em metal com o mestre italiano Carlo Alberto Petrucci. Em 1955 ministra um curso de gravura em metal no Clube de Gravura em Porto Alegre. Ele recusa-se a participar de qualquer tendência artística que não partisse dele mesmo.

Surpreendentemente, o cenário artístico de Bagé começa a ganhar novos rumos em 1945. José Morais, neste ano, vai a Bagé e junto com Clóvis Chagas, Glauco Rodrigues (1929-2004), e Glênio Bianchetti (1928), formam um grupo bageense. Em 1948, já sem José Morais, Danúbio Villamil Gonçalves (1925) junta-se ao grupo e fundam os “Novos de Bagé” também conhecidos por “Grupo de Bagé”.

Danúbio Gonçalves é bageense e em 1943 foi estudar no RJ. Em 1945 estudou desenho com Portinari e xilogravura com Axl Leskoschek (1889-1975); metal com Carlos Oswald e desenho com Tomas Santa Rosa. Em 1948 volta para Bagé, mas em 1950 viaja para Europa. Em Paris conhece Carlos Scliar e é conduzido ao novo realismo socialista. Em 1951 volta à Bagé e funda com Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues o Clube da Gravura. Em 1952 ele faz a série de topo “xarqueadas” e conquista prêmio de viagem pelo país no II Salão Nacional de Arte Moderna, em 1953. Neste ano de 53 viaja a vários países socialistas. Quando retorna passa um mês pintando e desenhando com Scliar e Glauco na estância bageense de Ismael Collares. Em 1954 viaja pelo país usufruindo do prêmio ganho. Em 1955 vai para Porto Alegre e incorpora-se ao Clube de Gravura de lá e o de Bagé deixa de existir. Em 1956 faz série de gravuras sobre os mineiros de carvão do município de Butiá, praticamente a última expressão artística do Clube da Gravura.

O Clube de Gravura de Porto Alegre surgiu a partir da idéia de Vasco Prado (1914-1998), Carlos Scliar e Leopoldo Mendez. Eles atuavam pela campanha da paz, banimento da bomba atômica e divulgação de temas políticos. Também trabalham com a difusão de temas culturais utilizando o folclore, regionalismo, temas populares e cotidianos, e a questão econômica. Em 1955 pregavam “lutar por uma arte nacional”, mas no lugar instauraram um gauchismo ao invés de uma luta de classes – como manda o socialismo que eles acreditavam. Mesmo assim o Clube de Gravura deu uma contribuição irrecusável à arte por pela primeira vez propor e tentar resolver a questão de uma arte nacional e popular. Com suas exposições eles também contribuíram com a valorização dos artistas gaúchos e modestamente formaram um mercado de arte do Rio Grande do Sul. Também quebraram o isolamento riograndense estabelecendo contato com outros centros no Brasil. Em 1956 o Clube ainda é ativo, mas vai esmorecendo gradativamente com o afastamento de Vasco Prado e da ida para o Rio de Janeiro de Carlos Scliar.

1960 é uma década de renovações plásticas no Rio Grande do Sul com a criação do Ateliê Livre. Os artistas recusam as limitações acadêmicas. Produzem obras que visam o existencialismo e alguns poucos partem para o abstracionismo, anteriormente tão repudiado. Em 1962 Marcelo Grassmann dá um curso de litografia em Porto Alegre, e isso é importante, já que a prática da litografia já não é mais usada no RS. Em 1965 Iberê ministra um curso no MARGS, ensina pintura e rebeldia.

Destaca-se neste período a artista Vera Chaves Barcellos (1938). Com o curso de Marcelo ela partira para trabalhar com gravura. Em 1962, por influência de Johan van Reed, de Rotterdan, abandonou a figuração partindo para o abstracionismo. Explora a gravura amplamente. Atua vividamente por toda a década de 1970. Experimenta a gravura como objeto, desenvolve uma criação própria que chama de “testart” onde junta a obra e o público. Parte para uma busca conceitual e funda o grupo Nervo Óptico.

Referência bibliográfica:

SCARINCI, Carlos. A gravura no Rio Grande do Sul 1900-1980. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.