a globalizaÇÃo e as organizaÇÕes internacionais

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1 A GLOBALIZAÇÃO E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS Da rivalidade entre Estados à cooperação As relações entre os Estados caracterizaram-se, durante séculos, por rivalidades e conflitos associados à marcação de fronteiras, à disputa por recursos naturais e às ameaças à soberania. Mas o progresso técnico, o desenvolvimento das atividades económicas e o respetivo crescimento das trocas comerciais entre os países conduziram a uma crescente interdependência entre as economias que se refletiu, necessariamente, numa outra forma de relacionamento entre os Estados: a rivalidade foi dando lugar á cooperação, que se traduziu na celebração de tratados constitutivos de associações entre Estados com vista à realização de objetivos comuns. A União internacional de Pesos e Medidas (1875), a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1919), a Organização das nações Unidas (ONU, 1945), a criação da CEE (1957) e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OCEP, 1960) são exemplos de organizações que foram criadas para defender interesses comuns aos Estados-membros. A globalização e a necessidade de uma atuação global Muitos dos acontecimentos que ocorrem no mundo adquirem uma dimensão global pois, para além de envolverem vários países, produzem efeitos que se fazem sentir muito para lá das fronteiras onde se dão. A dimensão global dos problemas é ainda acentuada pela sua difusão, muitas vezes em tempo real, através da TV, dos jornais e da internet. A guerra do Afeganistão, desde 2002, a catástrofe do Haiti, em 2009, ou a abertura de um evento desportivo como os Jogos Olímpicos são exemplos de acontecimentos que, embora ocorrendo em regiões específicas do mundo, adquirem uma dimensão global em resultado de uma difusão à escala mundial e das repercussões económicas, políticas e sociais que têm noutras regiões do mundo. Sendo os principais problemas globais a guerra, a poluição, a crise financeira, entre outros, a intervenção dos Estados na sua resolução será mais eficaz quando definida e coordenada em conjunto, através das organizações internacionais.

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Page 1: A GLOBALIZAÇÃO E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

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A GLOBALIZAÇÃO E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Da rivalidade entre Estados à cooperação

As relações entre os Estados caracterizaram-se, durante séculos, por rivalidades e conflitos associados à

marcação de fronteiras, à disputa por recursos naturais e às ameaças à soberania. Mas o progresso técnico,

o desenvolvimento das atividades económicas e o respetivo crescimento das trocas comerciais entre os

países conduziram a uma crescente interdependência entre as economias que se refletiu, necessariamente,

numa outra forma de relacionamento entre os Estados: a rivalidade foi dando lugar á cooperação, que se

traduziu na celebração de tratados constitutivos de associações entre Estados com vista à realização de

objetivos comuns. A União internacional de Pesos e Medidas (1875), a Organização Internacional do

Trabalho (OIT, 1919), a Organização das nações Unidas (ONU, 1945), a criação da CEE (1957) e a

Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OCEP, 1960) são exemplos de organizações que foram

criadas para defender interesses comuns aos Estados-membros.

A globalização e a necessidade de uma atuação global

Muitos dos acontecimentos que ocorrem no mundo adquirem uma dimensão global pois, para além de

envolverem vários países, produzem efeitos que se fazem sentir muito para lá das fronteiras onde se dão. A

dimensão global dos problemas é ainda acentuada pela sua difusão, muitas vezes em tempo real, através

da TV, dos jornais e da internet. A guerra do Afeganistão, desde 2002, a catástrofe do Haiti, em 2009, ou a

abertura de um evento desportivo como os Jogos Olímpicos são exemplos de acontecimentos que, embora

ocorrendo em regiões específicas do mundo, adquirem uma dimensão global em resultado de uma difusão

à escala mundial e das repercussões económicas, políticas e sociais que têm noutras regiões do mundo.

Sendo os principais problemas globais a guerra, a poluição, a crise financeira, entre outros, a

intervenção dos Estados na sua resolução será mais eficaz quando definida e coordenada em conjunto,

através das organizações internacionais.

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Definição de organização internacional

Uma organização internacional consiste, assim, numa associação voluntária de países, instituída por

meio de tratados, acordos, pactos ou convenções e dotada de órgãos que atuam com autonomia

relativamente aos Estados-membros, com vista a alcançar objetivos comuns. A ONU, a EU, a NATO, o FMI

ou a OCDE são exemplos de organizações internacionais. Cada uma destas organizações acorda regras e

formas de relacionamento, de modo a atingir os objetivos que estão na base da sua criação.

Diversidade de organizações internacionais

As relações internacionais, reguladas pelas normas de Direito Internacional, processam-se em vários

domínios da vida social (económico, político, militar, cultural ou técnico) podendo ter como sujeitos os

Estados propriamente ditos e as organizações internacionais resultantes da associação dos países. A análise

das relações internacionais permite observar a atuação de vários tipos de organizações internacionais que

se diferenciam em função de vários critérios: composição dos Estados-membros, amplitude das

competências e natureza dos seus poderes.

Composição dos Estados-membros

As organizações constituídas por países de vários continentes designam-se por universais, casos da

ONU ou da OCDE. Outras organizações cujos Estados-membros pertencem a uma determinada região,

como a União Europeia (EU) e a Organização da Unidade Africana (OUA), são designadas como

organizações regionais.

Amplitude das competências

Há organizações com competências no domínio político, económico, cultural, social e humanitário,

tendo, portanto, uma grande amplitude de atuação, enquanto outras atuam em determinadas áreas muito

específicas, como no campo militar. No primeiro caso, a organização mais relevante é a ONU, e nas

organizações de atuação especializada podem ser citadas a NATO (Tratado do Atlântico Norte) o Fundo

Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial de Saúde (OMS), entre outros.

Natureza dos poderes

Existem organizações cujos poderes se limitam à coordenação de atividades dos seus membros, caso

da OUA. Outras têm órgãos com poderes que vinculam os seus Estados-membros, como é o caso das

organizações de integração em que as decisões tomadas pelos órgãos supranacionais se aplicam a todos os

Estados-membros. O exemplo mais característico deste tipo de organizações é a EU. Existe outro tipo de

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organização onde coexistem os poderes de coordenação com os poderes de supranacionalidade que

vinculam os Estados-membros ás decisões tomadas pelos seus órgãos, caso da ONU.

Os tratados, o funcionamento e a atividade das organizações internacionais

A criação das organizações internacionais de caráter intergovernamental deve-se à vontade dos

Estados em se associarem para a defesa dos interesses comuns e para uma atuação conjunta com vista á

resolução dos problemas que afetam a comunidade internacional.

A existência destas organizações inicia-se com a elaboração de tratados (acordos, cartas e convenções)

que estabelecem as formas de relacionamento entre os seus membros, definem as instituições ou órgãos

de funcionamento e respetivas competências e fixam o âmbito da sua ação.

As atividades a desenvolver pelas organizações são de âmbito diverso, desde a defesa dos direitos

humanos à ajuda ao desenvolvimento, à manutenção de paz, à segurança e à ajuda humanitária.

A defesa dos direitos do Homem

Os crimes ocorridos durante a II Guerra Mundial colocaram a defesa dos direitos, garantias e liberdades

dos cidadãos no centro da ordem internacional, o que levou à proclamação da declaração Universal dos

Direitos do Homem, no seio da ONU, em 1948. Para além desta organização existem diversas organizações

internacionais não-governamentais, cuja atividade tem por finalidade defender os direitos humanos.

Ajuda ao desenvolvimento

Várias organizações internacionais, como a ONU, a EU e o banco Mundial, desenvolvem ações que se

destinam a apoiar financeira e tecnicamente os países em vias de desenvolvimento, com vista a reduzir a

pobreza. O apoio ao investimento, à educação e ao desenvolvimento de programas na área do saneamento

básico e da saúde são algumas das suas áreas de intervenção.

A segurança e a manutenção da paz

O objetivo da segurança levou a criação, em 1949, da Organização da Tratado do Atlântico Norte

(NATO), organização militar cuja finalidade é a defesa dos países da Aliança face a qualquer ameaça à sua

integridade territorial, à sua soberania e à sua segurança. Inicialmente a ameaça era protagonizada pela

URSS, mas com o seu desmantelamento a NATO alargou a sua atividade a outras missões relacionadas com

a manutenção da paz.

Ajuda humanitária

A assistência às populações vítimas de guerras, catástrofes, fomes e epidemias é assegurada por

diversas organizações, como a Cruz Vermelha, a AMI e a ONU.

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A ONU – SUA ORIGEM E FUNCIONAMENTO

A criação da ONU

A ONU foi criada em 1945, no final da II Guerra Mundial, através da Carta das Nações Unidas, onde

ficou expresso o principal objetivo da organização garantir a paz e a segurança no mundo. Constitui-se com

51 países, tendo-se alargado ao longo dos anos a cerca de 192 Estados, o que perfaz a quase totalidade dos

países que existem atualmente no mundo (cerca de 195).

Os órgãos e o funcionamento da ONU

Esta organização é composta por seis órgãos principais, aos quais cabem funções deliberativas,

executivas e judiciais, por órgãos subsidiários, que levam à prática as decisões e os programas dos órgãos

principais, e por organizações especializadas criadas pelos Estados que têm acordos especiais com a ONU.

Órgãos principais

Assembleia Geral;

Conselho de Segurança;

Secretariado;

Tribunal de Justiça;

Conselho Económico e Social;

Conselho da Tutela.

A atividade da ONU

O caráter universal da ONU, dado o número elevado de Estados-membros que a constituem, é

complementado com a amplitude da sua ação que pode ser agrupada em quatro grandes áreas de

intervenção.

Manutenção da paz e segurança internacional

A ONU atua por meio de forças de manutenção da paz, de missões de observação, de fiscalização de

processos eleitorais e do envio de mediadores e de representantes especiais. Através destes meios, a ONU

verifica o cumprimento de um cessar-fogo, a correção dos procedimentos eleitorais, negoceias com as

partes em conflito, com vista ao estabelecimento da paz, e protege as populações civis. As forças militares

da ONU, fornecidas pelos Estados-membros, só podem atuar com o consentimento das partes envolvidas e

usar armas em legítima defesa.

Desenvolvimento económico e social

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Elaboração e aplicação de:

- programas de cooperação multilateral que visam o progresso económico e social dos países em

desenvolvimento, através da assistência técnica e apoio ao investimento, de que o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é o maior exemplo;

- ações de cooperação com países de forma a proteger as crianças e assegurar o seu pleno

desenvolvimento, através do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF);

- projetos de desenvolvimento e assistência técnica e financeira que visam elevar os níveis de nutrição,

melhorar os níveis de produção agrícola e defender o mundo de fomes. Estes projetos são o centro da ação

da FAO que, através do seu Programa Mundial de Alimentos, canaliza recursos materiais e humanos para os

países mais pobres, prestando-lhes ajudas alimentares de emergência.

Proteção dos refugiados e dos direitos humanos

Relativamente aos refugiados, a ONU garante a sua instalação num país de asilo e encontra soluções

para o seu repatriamento, tarefas atribuídas ao Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR ou UNHCR). Quanto à proteção dos direitos humanos, a ONU estabelece acordos internacionais

com vista à proteção dos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais.

AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: A AÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A SUA EFICÁCIA

As relações internacionais processam-se segundo as normas de direito internacional que resultam

da vontade dos Estados, expressa em tratados, e que produzem apenas efeitos para os seus signatários

(Estados e organizações internacionais). Não ficando os Estados não aderentes obrigados ao cumprimento

das normas acordadas, a eficácia do Direito Internacional é relativa. No entanto, alguns progressos têm

sido realizados no âmbito da ONU.

Desarmamento

A redução dos arsenais bélicos, meio essencial para assegurar a paz, tem-se traduzido na assinatura de

vários tratados multilaterais, entre os quais o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares. Este

estabeleceu que os Estados com armas nucleares (EUA, Rússia, França, Reino Unido, e China) não poderiam

facultar estes meios a outros Estados, nem estes poderiam desenvolver tecnologias que lhes permitissem

obter este tipo de armamento. No entanto, alguns Estados com armas nucleares ficaram fora do Tratado

(Israel, Índia e Paquistão). A proibição de posse e utilização de armas químicas foi também objeto de

protocolos internacionais, envolvendo mais de 140 países. Para garantir o cumprimento destes tratados

foram previstas inspeções internacionais em caso de suspeita de violação, o que aumenta a eficácia das

normas.

Direitos Humanos

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi sendo complementada com a assinatura de

convenções relativas a direitos específicos, como a convenção contra o genocídio, a convenção contra a

discriminação das mulheres e a convenção sobre os direitos das crianças. Apesar destes avanços, a ação

dos Estados e das organizações internacionais, em matéria de proteção destes direitos, estava muito

limitada pelo princípio do respeito pela soberania dos Estados. Para ultrapassar este problema, o Conselho

de Segurança da ONU aprovou, no final dos anos 80, o direito de ingerência humanitária, o que permite à

organização intervir pela força em países onde se verifique uma violação grave dos direitos humanos. A

criação do Tribunal Penal Internacional para julgar crimes contra a humanidade constituiu mais um passo

na defesa dos direitos humanos, dotando o direito internacional de uma maior eficácia.