globalizaÇÃo, novas ameaÇas e seguranÇa … · i. globalização, novas ameaças e direito...

20
1 Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa MESTRADO EM DIREITO E SEGURANÇA Sofia Santos Email: [email protected] Seminário em Direito e Segurança GLOBALIZAÇÃO, NOVAS AMEAÇAS E SEGURANÇA HUMANA

Upload: trinhnhan

Post on 16-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa MESTRADO EM DIREITO E SEGURANÇA

Sofia Santos Email: [email protected]

Seminário em Direito e Segurança

GLOBALIZAÇÃO, NOVAS AMEAÇAS E

SEGURANÇA HUMANA

Tópicos da sessão:

I. Globalização, Novas Ameaças e Direito Internacional

II. O Conceito de “Segurança Humana” e o quadro jusinternacionalista

III. O papel das Organizações Internacionais: Uma perspetiva jurídica

1. A Organização das Nações Unidas

2. A Organização do Tratado do Atlântico Norte

3. A União Europeia

4. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

IV. Conclusões

2

I. Globalização, Novas Ameaças e Direito Internacional

o mudanças rápidas, acentuadas no sistema internacional consequência da

globalização com intensificação das relações transnacionais

o novas ameaças – exs: conflitos internos, crises económicas, pobreza, riscos ambientais, doenças infeciosas, criminalidade organizada, tráfico de seres humanos, proliferação de ADM, terrorismo transnacional − criam vulnerabilidades mútuas e interligadas para populações a nível global

3

I

“os fluxos globais de bens, serviços, financeiros, pessoas alertam para as

inúmeras interligações entre a segurança das pessoas. Partilhamos um

planeta, uma biosfera, tecnologia e tecido social. A segurança de uma pessoa,

de uma comunidade reside na decisão de muitos outros – por vezes

fortuitamente e por vezes precariamente. A liberalização política nas recentes

décadas alterou as alianças e iniciou movimentos no sentido da democracia.

Estes processos criaram oportunidades para as pessoas mas também novas

linhas de conflito, também instabilidade de natureza política e/ou económica,

em alguns casos envolvendo conflitos com inúmeras vítimas e deslocações

das populações, no interior de Estados. Consequentemente as populações

tanto em Estados em vias de desenvolvimento ou desenvolvidos vivem sob

diferentes condições de insegurança”. (relatório Human Security Now da Comissão de

Segurança Humana, 2003, p. 2)

4

o alterações no sistema internacional decorrentes da globalização - emergência de novas dinâmicas globais e novas ameaças - impacto na evolução do Direito Internacional

o interpretação em sentido estrito de “segurança” no Direito Internacional (dimensão interestatal) substituída por interpretação extensiva desta noção

o delimitação clássica segurança interna/externa não era sustentável (noção de “segurança internacional” passou a englobar múltiplos e novos atores, novas dimensões, como a “segurança humana” e contemplar novas ameaças de caráter transnacional)

5

II. O Conceito de “Segurança Humana” e o quadro jusinternacionalista

o inexistência de definição consensual de “segurança humana” mas parte integrante da “segurança internacional” dada a indivisibilidade da noção de “segurança” e especificidades das ameaças contemporâneas

o centra-se na pessoa humana e não “state-centered”

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - Human

Development Report - importância da “segurança humana” - deveria incluir vertentes económica, alimentar, sanitária, ambiental, pessoal, de género, comunitária e política

6

o dois aspetos principais: proteger os indivíduos das ameaças crónicas como fome, doenças, ameaças económicas - safety - (freedom from want) e proteger das guerras, genocídios e limpezas étnicas - security - (freedom from fear)

o “segurança humana”: “proteção das liberdades vitais de todas as vidas humanas de maneiras que promovam as liberdades e a realização da pessoa humana. Significa proteger as liberdades fundamentais que são a essência da vida. Significa também proteger as pessoas de ameaças e situações graves e a sua propagação. Significa criar sistemas políticos, sociais e ambientais, militares e culturais que conjuntamente proporcionam às pessoas os elementos básicos da sobrevivência, subsistência e dignidade” (relatório Human Security Now da Comissão de Segurança

Humana, 2003, p. 4)

7

o “freedom to act on one’s behalf - and on behalf of others” : “proteção” - respeito pelos direitos e liberdades/criação de normas nacionais e internacionais, processos e instituições e “empowerment” - fortalecer capacidade dos indivíduos e comunidades para agirem: exigir respeito pela sua dignidade, criar novas oportunidades, abordar problemas localmente e mobilizarem-se para a segurança de outros (p.10 e 11)

o segurança estatal e segurança humana são complementares (p. 2)

o Direito Internacional: inexistência de definição; inexistência de normas específicas para a sua regulação - mas regulada através de temáticas e ramos do Direito Internacional: Direito Internacional Ambiental – exs: Convenção/Conferência Quadro das Nações Unidas Para as Alterações Climáticas - Cimeira do Rio de Janeiro, 1992, Protocolo de

Quioto , 1997 e Direito Internacional Económico (ligação à proteção dos direitos humanos de segunda e terceira geração), Direito dos Direitos Humanos, Direito Humanitário, Direito Penal Internacional

8

III. O papel das Organizações Internacionais: Uma perspetiva jurídica 1. A Organização das Nações Unidas o art. 1º nº 1 – obj. principal das Nações Unidas: manutenção da paz e segurança

internacionais

o inexistência de uma determinação concreta e consensual sobre o teor e limites normativos da noção “segurança” no sistema onusiano implica novo consenso (UN Doc. A/59/2005, In larger freedom: towards development, security and human rights for all, Report of the Secretary-General Kofi Annan, 2005 e UN Doc. A/59/565, A more secure world: Our shared responsibility e Report of the Secretary-General’s High-level Panel on Threats, Challenges and Change, 2004)

o vertentes “desenvolvimento”, “paz”, “segurança” e “direitos humanos” reforçam-se mutuamente; nenhum Estado se consegue proteger de forma eficaz atuando isoladamente, todos os Estados necessitam de um sistema de segurança coletiva eficaz (UN Doc. A/Res/60/1, World Summit Outcome, 2005)

9

o “direito das pessoas viverem em liberdade e com dignidade, ao abrigo da pobreza e do desespero e que todos os indivíduos, sobretudo os mais vulneráveis têm o direito de viver sem medo e ao abrigo das necessidades e devem ter a possibilidade de usufruir de todos os seus direitos e de desenvolver plenamente o seu potencial humano” (UN Doc. A/Res/60/1, World Summit Outcome, 2005)

o Kofi Annan: “freedom from want”, “freedom from fear” e “freedom to live in dignity”

(respeito pelo Estado de Direito, direitos humanos e democracia)

o Assembleia- Geral - art. 10º - discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades

da Carta e fazer recomendações aos Estados-Membros ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles em conjunto nessa matéria

- art. 13º alínea b) - promove estudos e efetua recomendações - promoção da cooperação internacional nas vertentes económica, social, cultural, educacional e da saúde e dos direitos humanos e liberdades fundamentais

10

o Conselho Económico e Social

- art. 62º, nº1 : “fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter económico, social, cultural, educacional, de saúde e conexos e (…) fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral, aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas”

- promove respeito e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (art. 62º, nº 2)

- coordena atividades com organizações especializadas (art. 63º)

11

o Conselho de Segurança - responsabilidade principal na manutenção da paz e

segurança internacionais (art. 24º) - várias decisões ao abrigo do Capítulo VII para manutenção ou restabelecimento da paz e segurança internacionais - contributo para redução da insegurança humana:

- novo entendimento do conceito “ameaça à paz” (art. 39º) - graves violações dos direitos humanos

- proteção de civis na res. 1325 sobre Mulheres, Paz e Segurança (2000) e res. 1612 (2005) sobre Crianças e Conflitos Armados

- “smart sanctions” (sanções inteligentes) (art. 41º)

- peacekeeping, peaceenforcement e peacebuilding/criação da Comissão de Consolidação da Paz – res. 1645 (2005) do CS e res. 60/180 (2005) da AG

- res. 1373 (2001) - repressão do terrorismo internacional e proliferação de armas de destruição maciça e estabelecimento do Comité contra o Terrorismo

12

2. A Organização do Tratado do Atlântico Norte

o art. 5º do Tratado do Atlântico Norte: defesa coletiva

o art. 6º: definição do território-NATO - territórios soberanos dos Estados-

membros da Europa Ocidental e América do Norte

o repensou orientação institucional e normativa – funções de gestão de crises

e operações de manutenção e imposição da paz (“non-Article 5 operations” -

Conceito Estratégico de 1999) ex: intervenção humanitária no Kosovo

o art. 2º: cooperação económica entre aliados (Conceito Estratégico de 1999: importância de fatores económicos, políticos, sociais e ambientais)

13

o Conceito Estratégico de Lisboa – obj. primordial inalterado: salvaguarda da

liberdade e da segurança dos Estados-Membros, através de meios políticos e militares, de acordo com o Tratado do Atlântico Norte

- gestão de crises preventiva, durante conflito e pós-conflito

- instabilidade ou conflito para além das fronteiras externas da NATO podem diretamente afetar a segurança, incluindo ao promover o extremismo, terrorismo e atividades ilegais transnacionais como tráfico de armas, narcóticos e pessoas (para. 11)

- restrições ambientais e de recursos, incluindo riscos para a saúde, alterações climáticas e crescentes necessidades energéticas – impacto em áreas importantes para a NATO com potencial para afetar planeamento e suas operações (para. 15)

- “deter and defend against any threat of aggression, emerging security challenges where they threaten the fundamental security of individual allies or the Alliance as a whole” (para. 4 alínea a)

14

3. A União Europeia o “fluxos de comércio e investimento, o desenvolvimento da tecnologia e a expansão da democracia

contribuíram para a liberdade e prosperidade de muitos. Para outros, a globalização foi sentida como uma causa de frustração e injustiça”(Uma Europa Segura num Mundo melhor, Estratégia Europeia em Matéria de Segurança”, 2003, p. 2)

o “A globalização abriu novas oportunidades. Milhões de pessoas foram arrancadas à pobreza graças aos elevados níveis de crescimento registados nos países em desenvolvimento (…) Mas a globalização veio também colocar ameaças mais complexas e com ligações entre si. As grandes artérias da nossa sociedade - como os sistemas de informação e o abastecimento de energia – tornaram-se mais vulneráveis. O aquecimento global e a degradação do ambiente estão a mudar a face do planeta. Além disso, a globalização está a acelerar mudanças nas estruturas de poder e a revelar a existência de diferenças de valores. As economias desenvolvidas foram abaladas pela recente turbulência financeira, como o foram também as economias em desenvolvimento” (Relatório sobre a Execução da Estratégia de Segurança - Garantir a Segurança num Mundo em Mudança, 2008, p.1)

o Relatório de 2008 - União contribui para um mundo mais seguro. Tem contribuído para criar a segurança humana, reduzindo os níveis de pobreza e as desigualdades, promovendo a boa governação e os direitos humanos, prestando ajuda ao desenvolvimento e atacando as causas profundas dos conflitos e da insegurança (p. 2)

15

o “A Human Security Doctrine for Europe”, Barcelona Report of the Study Group on

European Security Capabilities - precisou alcance, organização e intenção de assentar a política de segurança na doutrina da segurança humana (proteger indivíduos através de imposição da paz (com recurso ocasional ao uso da força)

o art. 3º, nº 5 do Tratado da União Europeia (TUE)

“Nas suas relações com o resto do mundo, a União afirma e promove os seus valores e interesses e contribui para a proteção dos seus cidadãos. Contribui para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos do Homem, em especial os da criança, bem como para a rigorosa observância e o desenvolvimento do Direito Internacional, incluindo o respeito dos princípios da Carta das Nações Unidas”

16

Título V – Disposições Gerais relativas à Ação Externa e Disposições específicas relativas à PESC

Art. 21º, nº 1 do TUE

“A ação da União na cena internacional assenta nos princípios que presidiram à sua criação, desenvolvimento e alargamento, e que é seu objetivo promover em todo o mundo: democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional”

“(…) Promove soluções multilaterais para os problemas comuns, particularmente no âmbito das Nações Unidas” (2º para.)

17

Art. 21º, nº 2

“a) Salvaguardar os seus valores, interesses fundamentais, segurança, independência e integridade;

b) Consolidar e apoiar a democracia, o Estado de direito, os direitos do Homem e os princípios do direito internacional;

c) Preservar a paz, prevenir conflitos e reforçar a segurança internacional, em conformidade com os objectivos e os princípios da Carta das Nações Unidas (…)

d) Apoiar o desenvolvimento sustentável nos planos económico, social e ambiental dos países em desenvolvimento, tendo como principal objetivo erradicar a pobreza;

e) Incentivar a integração de todos os países na economia mundial, inclusivamente através da eliminação progressiva dos obstáculos ao comércio internacional;

f) Contribuir para o desenvolvimento de medidas internacionais para preservar e melhorar a qualidade do ambiente e a gestão sustentável dos recursos naturais à escala mundial, a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável;

g) Prestar assistência a populações, países e regiões confrontados com catástrofes naturais ou de origem humana;

h) Promover um sistema internacional baseado numa cooperação multilateral reforçada e uma boa governação ao nível mundial”

18

o art. 42º, nº1 e art. 43º nº1 do TUE: “(…) União pode utilizar meios civis e militares,

incluem as ações conjuntas em matéria de desarmamento, as missões humanitárias e

de evacuação, as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, as

missões de prevenção de conflitos e de manutenção da paz, as missões de forças de

combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as

operações de estabilização no termo dos conflitos. Todas estas missões podem

contribuir para a luta contra o terrorismo, inclusive mediante o apoio prestado a

países terceiros para combater o terrorismo no respetivo território”

o Disposições Gerais da Ação Externa (Parte V) do Tratado sobre o Funcionamento da

União Europeia (TFUE)

- Título III: “A cooperação com países terceiros e ajuda humanitária”: cooperação para

o desenvolvimento, cooperação económica e financeira com países terceiros, ajuda

humanitária (Caps. 1-3)

19

4. Organização para a Segurança e Cooperação na Europa

o Promove proteção dos direitos humanos através do programa “Human Dimension” e Alto Comissário para as Minorias Nacionais

o Acta de Helsínquia - vertentes:

• político-militar: controlo de armamento, gestão de fronteiras,

combate ao terrorismo, prevenção de conflitos, reforma militar, estratégias de policiamento

• económica: promoção do desenvolvimento económico. Mudanças ambientais podem ameaçar a segurança humana

• direitos humanos: segurança não é possível sem respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais (democratização, eleições, liberdade de imprensa, direitos das minorias, Estado de Direito, tolerância, não discriminação, programas educacionais)

20