a era pós-mídia desenhada nas rádios livres: o pensamento de félix guattari

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  • 7/31/2019 A Era Ps-Mdia Desenhada nas Rdios Livres: o Pensamento de Flix Guattari

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXVIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Uerj 5 a 9 de setembro de 2005

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    A Era Ps-Mdia Desenhada nas Rdios Livres: o Pensamento de Flix Guattari1

    Mgda Rodrigues da Cunha2Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    ResumoFlix Guattari produz uma teoria do rdio a partir de seu pensamento sobre as rdioslivres? O especialista em transversalidade, elementos inconscientes que trabalhamsecretamente especialidades por vezes muito heterogneas vai alm. Fala de umasociedade ps-miditica, conforme aborda este artigo. Os progressos da informticatornariam possvel uma larga difuso de combinaes rizomticas. Guattari pensa asrdios livres como revolues moleculares, criando mutaes na subjetividadeconsciente e inconsciente dos indivduos e dos grupos sociais.

    Palavras-chave

    Rdios-livres; Flix Guattari; sociedade ps-miditica

    Corpo do trabalho

    Milhes e milhes de Alices no ar

    Perigo iminente. Ateno, a menor linha de fuga pode fazer explodir tudo.

    Vigilncia especial aos pequenos grupos perversos propulsando palavras, inventando

    frases, atitudes suscetveis de contaminar populaes inteiras. Neutralizar,prioritariamente, todos aqueles que poderiam ter acesso a uma antena. Guetos por toda

    parte autogeridos, se possvel microgulags por toda parte, at mesmo na famlia, no

    casal e inclusive na cabea, de modo a segurar cada indivduo, dia e noite.

    Eles falam, eles falam, tudo bem, eles falam o tempo todo. Eles lanam sinais,

    palavras, pedaos de sinais, pedaos de palavras para nos obrigar a aceitar nosso

    papel de filho, de mulher, de pai, de operrio, de estudante, para nos ensinar a fazer

    bonito, a ser disciplinado, a obedecer, a trabalhar...O terror se enraza no cotidiano, terror da priso e do asilo, da caserna e do

    desemprego, da famlia e do sexismo. Terror contra os desejos para reduzir o cotidiano

    forma miservel na qual a Igreja, a famlia e o Estado o enclausuraram desde

    sempre. Mas a luta de classes rompe com a dominao na fbrica, o compartilhar

    1Trabalho apresentado ao NP 06 Rdio e Mdia Sonora, do V Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom

    2Jornalista, professora de Radiojornalismo da Famecos/PUCRS, Mestre em Comunicao Social, Doutora emLetras. [email protected]

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    rompe com a dominao pelo isolamento, o desejo transforma o cotidiano. E a escrita

    percorre transversalmente as ordens recompondo-as de maneira criativa.

    preciso partir historicamente da crise da extrema-esquerda italiana aps 72,

    particularmente um dos grupos mais vivos tanto no plano terico quanto no prtico:

    Potere Operaio.

    Toda uma esfera de influncia da extrema-esquerda se dispersou por

    ocasio desta crise, mas para animar movimentos de revolta em diferentes autonomias

    (nome que o vocabulrio italiano d aos setores particulares: mulheres, jovens,

    homossexuais, etc.). Criaram-se ento crculos poltico-culturais como, em Bolonha, o

    Gatto Selvaggio (gato selvagem), do qual partiu, em 1974, a iniciativa de Rdio Alice.

    Aps a fase de disperso esboou-se um processo de recomposio do

    movimento (palavra tambm muito importante no novo vocabulrio italiano: Rdio

    Alice uma rdio no movimento).

    Aps a supresso do Monoplio de Estado, mil rdios independentes se

    desenvolveram da extrema-esquerda extrema-direita ou fazendo-se porta-vozes desse

    ou daquele setor particular.

    Relacionar Flix Guattari e suas manifestaes sobre rdios livres leva,

    antes de tudo, necessidade de localizar o pensamento do autor e o fenmeno das rdios

    livres dentro de um determinado contexto, como ele mesmo aponta no incio do prefcio

    ao livro de Machado, Magri e Masago (1987).

    Guattari pode ser considerado um terico do rdio, conforme a proposta

    desta obra? No exatamente. Segundo seu prprio pensamento, se tivesse que ser

    definido como especialista em alguma coisa, isto seria a transversalidade, os elementos

    inconscientes que trabalham secretamente especialidades por vezes muito

    heterogneas. Mas por que Guattari pensou sobre as rdios livres? Porque elas

    representaram um movimento e Guattari um homem de movimento: o anarquismo, o

    trotskismo, o PC, a Guerra da Arglia, o Vietn, maio de 68, o Solidariedade polons,

    os autnomos italianos e as Rdios Livres. Rdio no Movimento. Rdio Alice rdio

    no / do Movimento.

    Rdios livres, rdios piratas, rdios perifricas formam trs frentes diversas

    de corroso do monoplio estatal das telecomunicaes, vigente na Inglaterra, na Itlia e

    na Frana, at meados do sculo XX. O que leva o conceito de pirataria um fenmeno

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    tipicamente ingls. J as perifricas emitem do exterior, no estando subordinadas lei

    do monoplio.

    O movimento das rdios livres comea na Itlia, em 1975, visando perfurar

    o monoplio estatal das telecomunicaes, atravs de emisses de rdio ilegais ou noautorizadas. Nascem no bojo de movimentos polticos contestatrios e estimulam as

    pessoas a passar da condio passiva de ouvintes para a de agentes ativos de seus

    discursos e a colocar no ar as suas idias, os seus prazeres, as suas msicas preferidas,

    sem precisar de autorizao para isso. As faixas de onda so consideradas propriedade

    coletiva e cabe coletividade usufruir delas.

    A mais importante rdio do movimento a Alice, de Bolonha, que comea a

    emitir em janeiro de 1986, como uma das derivaes de um grupo diretamente

    mergulhado na ao poltica, o A/Traverso, responsvel por reunies pblicas,

    atividades comunitrias, festas, uma revista peridica e encontros dirios e informais na

    Piazza Maggiore. Alice se caracteriza pela recusa de assumir uma postura poltico-

    partidria definida nos termos convencionais e por trazer discusso pblica temas

    considerados malditos como o corpo, o desejo, o prazer e a preguia. Com muita

    freqncia, conforme Machado, Magri e Masago (1987), mescla valores estticos com

    aes polticas.

    Sua primeira emisso comea com as seguintes palavras:

    Rdio Alice emite: msica, notcias, jardins amplos,conversaes, invenes, descobrimentos, receitas, horscopos, filtrosmgicos, amor, partes de guerra, fotografias, mensagens, massagens ementiras (Fadul, 1984:161).

    A rdio uma combinao de citaes literrias, de msica clssica,dilogos sem estrutura, linguagem desenfreada e reportagens dentro de acontecimentos

    diversos, tais como greves, ocupao de lugares, manifestaes e festas. O sentido o

    de Alice no pas das maravilhas, no qual cultivado o absurdo.

    A originalidade de Alice era a de ultrapassar o carter puramente sociolgico ,

    digamos assim, das rdios independentes, e de se assumir como projeto.

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    Rdio Alice entrou no olho do furaco cultural subverso da linguagem,

    surgimento de um jornal A/traverso. Mas ela tambm estava diretamente mergulhada

    na ao poltica que quis transversalizar.

    Alice, A/traverso, Rivista per lAutonomia, Potere Operaio, Rosso, Giornale nel

    Movimento agenciamento coletivo de enunciao. Teoria tcnica, poesia devaneio

    palavra de ordem grupos sexo solido alegria desespero histria sentido

    sem sentido.

    Em maro de 1977, Bolonha palco de uma crise sem precedentes no

    mbito das universidades, cujo resultado um confronto violento com os policiais

    enviados pelo prefeito comunista, com saldo de um morto e vrios feridos. A rdio

    Alice desempenha papel estratgico no conflito transmitindo notcias ao vivo enviadas

    por telefone diretamente pelos estudantes envolvidos. A emissora incita as pessoas a

    aderirem s manifestaes e alerta sobre os deslocamentos da polcia e os focos de

    represso. O poder de Estado considera intolervel a interveno da rdio e ela

    invadida por tropas policiais e seus articuladores presos e processados. A invaso

    transmitida ao vivo at o ltimo momento.

    Mas, h um fator que deve ser considerado sobre o estgio anterior ao

    fenmeno das rdios livres, conforme palavras do prprio Guattari (1986:105). Tanto nombito da TV quanto no do rdio h uma inchao burocrtica incrvel dos rgos de

    emisso. Trata-se de uma mquina que um verdadeiro monstro burocrtico. Na fase

    inicial, segundo ele, o fenmeno reunia apenas uma minoria. O pessoal das rdios

    livres era um bando de loucos, um pouco como D. Quixote atacando o grande

    monoplio. O fenmeno ganhou fora rapidamente, produzindo impacto sobre a

    grande mdia. Depois esse pequeno grupo de camaradas, diretamente inspirados pelos

    italianos, viu sua iniciativa estende-se por toda a Frana.

    Muitas vezes, duas ou trs pessoas colocavam os equipamentos em uma

    cozinha e comeavam a emitir(Guattari, 1986:105). Em 11 de maro de 1977, durante

    uma emisso da Rdio Alice, um ouvinte interrompe o programa para descrever, de seu

    apartamento, o combate entre a polcia e manifestantes (estudantes). O relato desse

    ouvinte, um caricaturista chamado Bonvi, sem vnculo partidrio algum, conforme

    descrevem Machado, Magri e Masago (1987:92), lembra o calor do radialista de

    futebol quando seu time est em campo.

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    Aqui Bonvi, do Sturmtruppen (histria em quadrinhoscujo titulo significa em alemo: Tropas de Assalto). Escutemento. A situao a seguinte: o admirvel, o fantstico, queos camaradas eram comunistas autnticos e que os no-filiadoss federaes se sentavam e combatiam de verdade... Agora, apolicia acaba de disparar gases lacrimogneos que se espalham

    por toda Via Rizzoli...Escutem: a situao confusa, porm magnfico que a cidade reaja muito bem contra a provocao.Devolvo o telefone ao Gabriele...

    Havia grupos folclricos e insignificantes e outros, desde o incio, muito

    importantes. Logo apareceram grupos militantes, no profissionais, depois os militantes

    de bairro, aspectos que desencadearam uma represso e, ao mesmo tempo, uma reao

    contra a represso, uma intensa mobilizao por parte de juristas e intelectuais. E,

    quanto mais as rdios livres eram reprimidas, mais elas se desenvolviam. O fenmeno

    que, no incio era insignificante, fez florescer uma srie de contradies entre o aparelho

    esclerosado das rdios estatais e as outras rdios. Por outro lado, no nvel que eu

    classificaria como molecular, entre um modelo de escuta previsvel e essa coisa que se

    comea a ouvir e que era mutante. (Guattari, 1986: 106)

    Guattari (1986) entende que a rdio livre uma utilizao inteiramente

    diferente da mdia rdio. E neste sentido traa uma teoria no para o rdio, mas para

    aquele Rdio no/do Movimento. O autor reflete que no se trata de fazer como a rdiodominante, nem melhor, nem na mesma direo. Trata-se de encontrar um outro uso,

    uma outra relao de escuta, uma forma de feedback e de fazer falar lnguas menores.

    a promoo de um certo tipo de criao que no poderia acontecer em nenhum outro

    lugar.

    O pensador, analista e homem de movimentos Flix Guattari polmico e

    inovador. Como analista, no incio da dcada de 60, ainda marcado pelo pensamento

    lacaniano, inventa a anlise institucional, uma critica progressiva ao lacanismo, que se

    radicaliza aps o encontro com Gilles Deleuze levando-o esquizoanlise. Mas seu

    trnsito entre os movimentos, a anlise e o pensamento que chega ao que ele batiza de

    micropoltica. (Guattari, 1987: 127)

    A questo micropoltica ou seja, a questo de umaanaltica das formaes do desejo no campo social dizrespeito ao modo como se cruza o nvel das diferenas sociaismais amplas (que chamei de molar), com aquele de chamei

    de molecular. Entre esses dois nveis no h uma oposiodistintiva, que dependa de um princpio lgico de contradio.

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    Embora possa parecer difcil, como afirma Guattari, preciso simplesmente

    mudar de lgica. O autor cita o exemplo da fsica quntica, onde foi necessrio que um

    dia os fsicos admitissem que a matria corpuscular e ondulatria, ao mesmo tempo.

    Da mesma forma, as lutas sociais so, ao mesmo tempo, molares e moleculares...

    As rdios livres, no pensamento do autor, a contestao do sistema de

    representao poltica, o questionamento da vida cotidiana, as reaes de recusa ao

    trabalho em sua forma atual so vrus contaminando o corpo social em sua relao com

    o consumo, com a produo, com o lazer, com os meios de comunicao e com a

    cultura. So o que Guattari considera revolues moleculares criando mutaes na

    subjetividade consciente e inconsciente dos indivduos e dos grupos sociais. Segundo

    ele, a possibilidade de reapropriao da mdia atravs das rdios livres pode subverter a

    modelizao da subjetividade.

    A verdadeira obra de arte o corpo infinito do homem que se move atravs das

    incrveis mutaes da existncia particular.

    Acabar com a chantagem da misria. Valor de desejo valor de uso valor trabalho.

    A aristocracia operria, o lmpen...Que misria? Que trabalho? Reapropriao do

    tempo. O direito de esquecer da hora.- Eu estava deitado na minha cama.

    - Tudo bem, camarada, voc estava cansado e tem o direito de descansar...

    - Nada disso, eu estava lendo!

    - Voc tem razo, camarada, voc estava lendo para elevar seu nvel terico e para se

    preparar para novos combates...

    - No sei. Talvez! Eu estava lendo Diabolik...

    Acabar com a chantagem da misria, a disciplina do trabalho, a ordem hierrquica, o

    sacrifcio, a ptria, os interesses gerais. Tudo isto calou a voz do corpo. Todo o nosso

    tempo sempre foi consagrado ao trabalho, 8 horas por dia, duas horas de transporte,

    e depois descanso, televiso, refeio em famlia. Tudo que no encaixa no interior

    desta ordem obsceno para a polcia e os magistrados.

    Alice. Rdio linha de fuga. Agenciamento teoria vida prtica grupo sexo solido mquina ternura carinho. Acabar com a chantagem da cientificidade dos

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    conceitos. Os intelectuais orgnicos so os burocratas da teoria. Voc entende,

    cara, tudo bem com a batalha semiolgica, mas esse troo um pouco como em

    Nanterre, com a sociologia em 68, ou em Ulm, com a epistemologia, ou em Sainte-

    Anne com a psicanlise... Reler Marx, Freud, Lnin, Gramsci...Talvez...mas tem

    tambm os enunciados, os gestos, o esboo de um mundo que ns mesmos

    agenciamos, os desvios maiores que operamos a partir de nossas lnguas menores.

    A prtica da felicidade torna-se subversiva quando ela coletiva.

    Flix Guattari participou da Rdio Tomate criada por um ncleo de

    intelectuais e juristas logo aps a tomada do poder pelos socialistas, que reagrupou

    elementos das vrias rdios livres que existiam desde 1977. O grupo incorporou

    elementos do movimento autnomo e ocupou ilegalmente um local no centro de Paris.

    Diferente das rdios oficiais, eram convidados grupos inteiros de teatro para conversar e

    no apenas o lder. Se interessasse conversavam duas horas ou mais com eles. Numa

    rdio nos moldes comerciais no h como suportar entrevistas de duas horas, porque

    elas dependem de um ndice de audincia, de uma certa suposio de como os ouvintes

    vo receber a mensagem. Nas rdios oficiais, as pessoas falam como acham que devem

    falar para serem ouvidas. Trata-se realmente de um outro modelo no qual as pessoas nos

    bairros, os malandros, pequenos bandidos comeam a vir para o local, numa mistura de

    gente do bairro, com intelectuais, militantes e, em alguns momentos, at mendigos.

    Se o modelo de programao j era diferente, esteticamente, conforme o

    pensamento de Guattari (1986: 109), as rdios livres tambm causaram impacto. A

    coisa consiste em varrer as redundncias dominantes. Um fato ainda merece destaque,

    segundo ele: dezenas de lnguas comearam a ser faladas na rdio francesa. Algumas

    programaes so exclusivamente em idiomas como o espanhol, italiano, alemo,polons, basco ou breto. Outras so bilnges. Outra coisa a maneira de falar essas

    lnguas: as formas de sintaxe, de retrica e de argumentao. Nada disso feito dentro

    dos moldes dominantes (o que no quer dizer que as rdios livres no criem seus

    prprios moldes). Tanto que, quando as rdios livres na Frana sofreram os efeitos das

    intervenes do poder de Estado, liberando-as, mas submetendo-as a um estatuto,

    algumas poucas, inclusive a rdio Tomate, manifestaram-se contrrias a fim de manter

    sua proposta original.

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    O que estamos a fim no de fazer grandes rdios livres, masde fazer nossas rdios livres. O que estamos a fim no dedifundir com meios sofisticados, nem de ampliar nosso alcance,mas simplesmente de que parem de encher nosso saco emnossa freqncia de onda. Tambm no estamos preocupadosnem com reconhecimento nem com eventuais julgamentos de

    valor; estamos pouco ligando para o ndice de audincia, poisquem quiser que nos escute; se no, basta virar oboto.Queremos ser os nicos a garantir aquilo que nos agrada,aquilo que a nossa produo, sem nos referirmos aos novostipos de julgamento da mdia que se instauraram h mais oumenos um ano. (Guattari, 1987: 115)

    Em Bolonha, no comeo, no ramos mais do que uma centena, estvamos um

    pouco num crculo vicioso e a Rdio Alice veio catalisar um processo, alguma coisa

    que no um trao comum, mas como diz-lo de outra forma, sim, um processo

    atravessou as diversas autonomias secundaristas, feministas, homossexuais,

    trabalhadores emigrantes do sul... Ento comearam a se ampliar bastante os

    movimentos de auto-reduo e de apropriao, a recusa ao trabalho, o absentesmo,

    etc. Em 1976, Bifo, um dos principais animadores da Rdio Alice, foi detido por

    incitao revolta.

    Tudo isto desembocou nos motins de maro de 1977. A se deu o racha: toda a

    vitrine do comunismo new look em pedaos! Trinta anos de boa conduta e de leaisservios, perdidos, desconsiderados aos olhos da burguesia.

    Acreditava-se at ento que o PCI e os sindicatos saberiam controlar o povo

    melhor do que ningum! Dizia-se por exemplo: in Cile i carri armati, in Italia i

    sindicati. Mas Zangheri, o prefeito comunista de Bolonha, apelou para as foras

    repressivas em suas formas mais violentas. Invadir a cidade com carros blindados.

    Exortou pessoalmente a poltica ao combate com o lema: Avante, a guerra, essas

    pessoas tm de ser eliminadas, elas mesmas se excluram da comunidade... ramos 15mil na rua. Nunca se tinha visto isto em Bolonha! Alice nos informava a cada instante

    sobre tudo que estava acontecendo, por intermdio dos companheiros que telefonavam

    e que iam diretamente ao ar. Todos os processos e as prises que se seguiram foram

    justificadas por este papel militar de Alice.

    Conspirar quer dizer respirar junto, e disso que somos acusados; eles querem

    nos impedir de respirar porque ns nos recusamos violentamente a respirar em seuslocais de trabalho asfixiantes, em suas relaes individuais, familiares, em suas casas

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    atomizantes. H um atentado que confesso ter cometido, o atentado contra a

    separao da vida e do desejo, contra o sexismo nas relaes interindividuais, contra a

    reduo da vida a uma prestao de salrio.

    Alice, figli di puttana. Todos estes pequeno-burgueses safados, nojentos,

    todos esses drogados, essas bichas, esses depravados, esses vagabundos, pirados, que

    querem sujar o corao de nossa bela Emlia. Mas eles no conseguiro, porque, aqui,

    h trinta anos que todo mundo adquiriu altas conscincias de classe. At os pequenos

    patres tm sua carteirinha do partidoE nossa juventude trabalhadora no se deixa

    levar por essas maquinaes diablicas. o prprio povo que recusar esta aventura.

    E no me venham acusar o PCI de prticas antidemocrticas! Por toda parte nas

    fbricas, nos bairros, nas escolas, ns favorecemos a implantao de comisses

    populares, de conselhos de delegados. E so eles, hoje em dia, que tendem a tornar-se

    os melhores guardies da ordem.

    Por toda parte nossas necessidades devem ser representadas pelos porta-vozes

    delegados em troca de promessa de falar amanh. Miniparlamentos e conselhos de

    colgio, conselhos de bairro, descentralizao cultural, mil lugares delegados, nos

    quais as relaes reais no mudam, que no nos do poder algum; os patres enviam

    para a um socilogo, um psiclogo, um antroplogo, um reformador, no final das

    contas um policial com seu cassetete.

    O erro histrico. Fomos a eles com a mo estendida, queramos explicar-lhes a

    linha justa de nosso partido. Na Universidade de Roma, Lama veio dar-lhes o ponto de

    vista dos trabalhadores. Expulsaram-no a pedradas. Eles no respeitam nada. I Lama

    stanno nel Tibet. Imaginem se o Partido Comunista Italiano, o partido dos

    trabalhadores e de todo o povo, se deixar intimidar muito tempo por um punhado de

    excitados, de agitadores irresponsveis que se intitulam, a si prprios, os ndios

    metropolitanos?!Nossa nica fraqueza ter sido nossa pacincia demasiado longa. Alegitimidade do poder de Estado hoje em dia repousa sobre ns. E, em ltima instncia,

    cabe a nosso partido apreciar aquilo que bom para as massas, aquilo que no .

    Em Bolonha e em Roma acenderam-se focos de uma revoluo sem relao alguma

    com aquelas que haviam sacudido a histria at hoje. Focos de uma revoluo que

    varrer no somente os regimes capitalistas, mas tambm os baluartes do socialismo

    burocrtico quer eles se digam do eurocomunismo, de Moscou ou de Pequim. Seus

    fronts imprevisveis incendiaro talvez os continentes, mas algumas vezes seconcentraro tambm num bairro, numa rua, numa fbrica, numa escolaSuas

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    implicaes tero a ver tanto com as grandes opes econmicas, ou tecnolgicas,

    quanto com atitudes, relaes com mundo, singularidades de desejo. Por mais que os

    patres, os policiais, os polticos, os burocratas, os professores, os psicanalistas

    conjuguem seus esforos para paralisar, canalizar, recuperar isso. Por mais que eles

    sofistiquem, diversifiquem, miniaturizem suas armas ao infinito, eles no conseguiro

    mais recuperar a tremenda virada, o imenso movimento de fuga, a pluralidade de

    mutaes de desejo que j se desencadeou. A ordem econmica, poltica e moral do sc.

    XX est com rachaduras por todos os lados. E hoje os homens do poder no sabem

    mais o que fazer primeiro. O inimigo se faz s vezes imperceptvel, alguma coisa

    arrebenta bem do seu lado, seu filho, sua mulher, seu prprio desejo que trai sua

    misso de guardio da ordem estabelecida! A polcia liquidou Alice seu animadores

    tm sido perseguidos, aprisionados, condenados, suas sedes foram saqueadas -, mas

    seu trabalho de desterritorializao revolucionria continua incansavelmente at

    mesmo nas fibras nervosas de seus perseguidores. Nada de construtivo em tudo isto!

    Talvez nem seja esse o problema! O ponto de vista dos alicianos sobre a questo o

    seguinte: o movimento que conseguir destruir a gigantesca mquina capitalista-

    burocrtica ser a fortiori capaz de construir um outro mundo a competncia coletiva

    no assunto vai sendo adquirida no caminho, sem que seja necessrio, na etapa atual,

    arquitetar projetos de sociedade sobressalentes.

    O texto Milhes e milhes de Alices no ar pode ser considerado representativo

    sobre o pensamento e a participao de Flix Guattari no movimento das rdios livres

    na Europa. Na forma de textos apresentados pelas rdios, o autor tambm revela suas

    teorias sobre revoluo molar e molecular. Outro texto de Guattari, no entanto, faz

    uma reflexo sobre o contexto de existncia das rdios livres. Ao mesmo tempo, traa

    uma perspectiva que o autor entende como em direo a uma era ps-mdia, tendo as

    rdios livres como embrio. O texto, prefcio da obra Rdios livres, a reforma agrriano ar (Machado, Magri, Masago, 1987) fala das revolues mdiaticas preparadas pelas

    novas tecnologias da informtica, o que representa uma viso de futuro sobre o que, em

    parte, comea a ocorrer quase 20 anos depois da publicao do texto, cujas condies

    merecem uma reflexo mais profunda.

    As rdios livres em direo a uma era ps-mdia

    O fenmeno das rdios livres s toma seu sentido verdadeiro se orecolocamos no contexto das lutas de emancipao materiais e subjetivas. Na Itlia e

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    na Frana, ele foi um dos ltimos flores das revolues moleculares que se sucederam

    aos movimentos de contestao dos anos 60. Nos ltimos anos, a situao europia foi

    submetida a um congelamento social, poltico e cultural, para no dizer a uma onda de

    glaciao. Isso tem a ver com o esforo desse continente em manter seu lugar entre as

    grandes potncias econmicas e militares que dele se distanciam cada vez mais. As

    diferentes categorias sociais que o compem se apertam friorentamente umas nas

    outras, agarrando-se s suas conquistas e s suas iluses. S uma minoria de

    marginais consegue se manter fora do consenso reacionrio. Nessas condies, a

    maior parte dos grandes movimentos de emancipao de encontram abatidos ou

    jogados para escanteio.

    A situao muito diferente no continente latino-americano e em particular no

    Brasil, onde centenas de milhes de pessoas se encontram marginalizadas em relao

    economia dominante. E como nada autoriza esperar que elas possam vir a se integrar

    docemente em uma sociedade de tipo norte-americano, europeu ou japons, possvel

    supor que elas s podero afirmar seu direito existncia atravs da reinveno de

    novas formas de luta e de expresso. Novas: porque manifestamente no se pode mais

    dar credibilidade aos mtodos polticos obtusos e corporativos dos velhos partidos e

    sindicatos de esquerda. Sem dvida, as lutas clssicas no campo do trabalho e na arena

    poltica tradicional continuaro a desempenhar um papel importante para o

    estabelecimento de relaes de fora globais com as classes conservadoras, mas elas

    no podero mais dar um contedo verdadeiramente emancipador a essas lutas se as

    diferentes composies da esquerda permanecerem impregnadas de valores

    conservadores. A interveno de uma inteligncia alternativa, de prticas sociais

    inovadoras, como o caso das rdios livres, parece portanto indispensvel sade de

    centenas de milhes de explorados desse continente. Essa recusa parcial das prticas

    da esquerda tradicional no impede de maneira nenhuma que se estabelea com elaalianas por exemplo, nessa questo das rdios livres. No implica, portanto, um

    fechamento sectrio sobre os grupsculos de extrema-esquerda que, de maneira mais

    velada, so tambm incapazes, na maioria das vezes, de entender as profundas

    mutaes que se operam na sociedade contempornea. Novas e mais amplas alianas

    podem ser criadas para reinventar novas formas de vida talvez de sobrevivncia e

    de luta. Penso, por exemplo, em certos setores da Igreja ligados teologia da

    libertao.

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    As primeiras rdios livres do Brasil foram acolhidas com uma certa reserva.

    Alguns recearam que sua apario pudesse servir de pretexto para uma represso

    violenta; outros s conseguiram ver nelas um replay dos movimentos dos anos 60.

    bom que esteja claro, antes de mais nada, que o movimento das rdios livres pertence

    justamente queles e eles so uma legio que sabem que no podero jamais se

    exprimir de maneira convincente nas mdias oficiais. No se trata, portanto, de um

    movimento esquerdista, mesmo se so os esquerdistas os primeiros a se engajar

    corajosamente nessa perspectiva. Isso quer dizer, no meu modo de ver, que os seus

    atuais representantes deveriam evitar todo sectarismo e toda rigidez. Parece-me

    evidente que em uma etapa ou outra do processo atual devero ser estabelecidas

    negociaes com as autoridades. Parece-me absurdo e irresponsvel proclamar que as

    negociaes sobre as condies de exerccio das novas mdias sero recusadas por

    princpio. A questo toda est em fazer essas negociaes nas melhores relaes de

    fora possveis para os movimentos de emancipao dos jovens, das mulheres, dos

    negros, dos trabalhadores, das minorias sexuais, dos ecologistas, dos pacifistas, etc.

    As rdios livres no nasceram de um fantasma da belle poque dos meia-oitos,

    como escreveu um jornalista da Folha de So Paulo. Trata-se, pelo contrrio, de um

    movimento que se instaurou, nos anos 70, como reao a uma certa utopia abstrata dos

    anos 60. As rdios livres representam, antes de qualquer outra coisa, uma utopia

    concreta, suscetvel de ajudar os movimentos de emancipao desses pases a se

    reinventarem. Trata-se de um instrumento de experimentao de novas modalidades de

    democracia, uma democracia que seja capaz no apenas de tolerar a expresso das

    singularidades sociais e individuais, mas tambm de encorajar sua expresso, de lhes

    dar a devida importncia no campo social global. Isso quer dizer que as rdios livres

    no so nada em si mesmas. Elas s tomam seu sentido como componentes de

    agenciamentos coletivos de expresso de amplitude mais ou menos grande. Elasdevero se contentar em cobrir pequenos territrios; podero igualmente pretender

    entrar em concorrncia atravs de redes, com as grandes mdias: a questo fica aberta.

    O que, no meu modo de ver, a resolver a evoluo as novas tecnologias. As rdios

    livres, e amanh as televises livres, so apenas uma pequena parte do iceberg das

    revolues miditicas que as novas tecnologias da informtica nos preparam. Amanh,

    os bancos de dados e a ciberntica colocaro em nossas mos meios de expresso e

    concertao por enquanto inimaginveis. Basta que esses meios no sejamsistematicamente recuperados pelos produtores de subjetividade capitalista, ou seja, as

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    mdias globais, os manipuladores de opinio, os detentores dos star system poltico.

    Trata-se, em suma, de preparar a entrada dos movimentos de emancipao numa era

    ps-mdia, que acelerar a reapropriao coletiva no apenas dos meios de trabalho,

    mas tambm dos meios de produo subjetivos.

    Berardi (2002) escreve que enquanto o sistema miditico tornava-se o agente

    central da colonizao mental e do autoritarismo poltico, Guattari falava da sociedade

    ps-miditica. Os progressos da informtica tornariam possvel uma larga difuso de

    combinaes rizomticas. Segundo ele, relaes bidimencionais e multidirecionais

    entre coletivos de enunciao ps-miditica". Estas combinaes, assim como seus

    modelos relacionais, iriam infectar o sistema televisivo centralizado, para depois

    perturbar e desestruturar todas as formas hierrquicas estatais e econmicas.

    Guattari descreve a utopia da rede, rizoma proliferante de crebros e de mquinas.

    Aquela utopia se encarnou na tecnologia, na cultura, inclusive na imprensa. Mas como

    todas as utopias, naturalmente, no pacfica, afirma Berardi (2002). Trava-se uma

    guerra interminvel entre o domnio e a liberdade. No transcorrer dos anos 90, o rizoma

    desenvolveu-se, mas foi contaminado por vrus semiotizantes de natureza centralizadora

    e hierarquizadora. A penetrao da publicidade, do business, da televiso na rede

    telemtica foi um dos aspectos dessa infiltrao. A profecia pos-miditica de Flix

    Guattari segue sendo desmentida e confirmada a cada dia pela dinmica incessante do

    domnio e da liberdade.

    Mas o ponto filosoficamente mais importante da profecia pos-miditica de Flix

    Guattari, conforme pensa Berardi, refletir sobre o que quer dizer midiatizao, e em

    que medida isto envolve, incomoda, reprime, apaga a singularidade corprea. Os

    indivduos esto presos no emaranhado miditico porque isto torna possvel uma

    expanso da experincia, mas este emaranhado corre o risco de continuamente paralisar,

    imbecilizar, destruir a sua singular sensibilidade.Se Guattari, como terico do movimento das rdios livres e de tantos outros, foi

    capaz de antever a sociedade em rede, estes conceitos encontram-se hoje no centro de

    um grande debate, onde convivem liberdade e domnio, possibilidade de existncia

    global e aprisionamento da expresso. Os rizomas se ramificam e se reticulam, num

    intenso processo de desterritorializao e reterritorializao das relaes sociais,

    conforme pensam Guattari e Deleuze(1997). Nesse sentido h muitas correntes de

    pensamento.

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    Lvy (2001:12), com otimismo, entende que o mundo que se edifica hoje no

    perfeito, tranqilizador ou protetor. Est incessantemente entre o caos e a

    desorganizao. Mas nessa borda da ordem e do caos, segundo o autor, que se situam

    a inveno e a energia espiritual mxima. Na grande roda da vida, os dois movimentos,

    nascimento e morte, so complementares. A comunicao virtual, em que todos esto

    interessados nas mesmas coisas, como afirma Lvy (2001), num mundo pela primeira

    vez mundial, pode representar, segundo Virilio (1993) um desequilbrio freqente entre

    a informao direta e a informao indireta, fruto do desenvolvimento de diversos

    meios de comunicao. Isto tende, pensa ele, a privilegiar indiscriminadamente toda

    informao mediatizada em detrimento da informao dos sentidos, fazendo com que o

    efeito real parea suplantar a realidade imediata. Virilio (1993) afirma ainda que a

    abolio das distncias de tempo leva perda de significado de vrias referncias

    simblicas e histricas.

    Estas so apenas algumas reflexes entre tantas sobre a era pos-miditica.

    Evidenciam, antes de qualquer coisa, o perfil provocador do pensamento de Flix

    Guattari, enxergando possibilidades futuras ainda no fenmeno das rdios livres.

    Perspectivas que permitem hoje, pelo espao virtual, a produo de todos para todos,

    sem uma emisso centralizada para uma recepo dispersa. Boa parte da produo na

    internet, especialmente blogs que se expandem a cada momento, obedece ao desejo

    embrionrio das rdios livres de fazer o seu espao e no de difundir por meios

    sofisticados, sem pensar na ampliao do alcance j existente na rede. Em alguns casos,

    renem uma combinao de citaes literrias, de msica clssica, dilogos sem

    estrutura, linguagem desenfreada e reportagens dentro de acontecimentos diversos. So

    dirios ntimos e pblicos. No h preocupao com ndices de audincia ou eventuais

    julgamentos de valor. Querem garantir aquilo que os agrada. Quem quiser acessar que

    acesse, seno, basta clicar em outro espao.

    Referncias bibliogrficas

    BERARDI, Franco. "Postmedia" in MEDIA ACTIVISM; Strategie e pratiche dellacomunicazione indipendente; mappa internazionale e manuale duso; Matteo Pasquinelli (org).Roma, DeriveApprodi, 2002.DELEUZE, Gilles e GUATTARI. Mil Plats. vol. 1. So Paulo: Ed. 34, 1997.

    GUATTARI, Flix. Revoluo molecular: pulsaes polticas do desejo. So Paulo: Brasiliense,

    1987._______________ e ROLNIK, Suely. Micropoltica, cartografias do desejo. Petrpolis: Vozes,

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    1986.

    LVY, Pierre. A conexo planetria. O mercado, o ciberespao, a conscincia. So Paulo:Ed.34, 2001.

    MACHADO, Arlindo; MAGRI, Celso; MASAGO, Marcelo (Orgs.). Rdios livres. A reforma

    agrria no ar. So Paulo: Brasiliense, 1987.

    VIRILIO, Paul. O espao critico. Rio de Janeiro: Ed.34,1993.