a educaÇÃo social enquanto estratÉgia de … · do trabalho infantil einserÇÃo na escola ......

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178 A EDUCAÇÃO SOCIAL ENQUANTO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO DO TRABALHO INFANTIL E INSERÇÃO NA ESCOLA SOCIAL EOUCATlON AS A STRATEGY TO F/GHT CH/LO LABOR ANO SCHOOL /NTEGRAT/ON Rosilene Marques Sobrinho de França Graduada em Direito. Especialista em Direito e Processo Civil pela Univer- sidade Católica Dom Bosco/MG e em Gestão de Cidades pela Fundação Getúlio Vargas/R]. Mestranda do Programa de Políticas Públicas da Univer- sidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected] Fones: (086) 3213-7497 e 8838-4097 Maria O'Alv» Macedo Ferreira Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUe. Prof'. adjunta nível IV do Curso de Serviço Social e do Mestrado em Políticas Públicas na Universidade Federal do Piauí; membro pesquisa- dora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Infância, Adolescência e Juventude e do Núcleo de Pesquisa sobre Questão Social e o Serviço Social. E-mail: [email protected] Fones: (086) 3233-6482 e 9927-0709 Resumo o artigo trabalha aspectos da educação social a crianças e adolescentes inseridos em trabalho precoce enquanto estratégia de ingresso, permanên- cia e sucesso na escola, tendo como referência aspectos da realidade de Teresina. Nesse sentido, analisa como estes segmentos sociais são identifi- cados e como são trabalhados no âmbito da educação social no sentido do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e inserção na escola, procurando-se perceber os elementos que estão presentes no trabalho só- cio-educativo que é desenvolvido nas unidades de educação complemen- tar e como ele se relaciona com as ações públicas que visam romper com o ciclo de pobreza e exploração vivenciado pela família e seus membros no contexto do sistema capitalista. Palavras-chave: Educação social e Trabalho Infantil. v. 1, nO 61, ano 33·2011

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Page 1: A EDUCAÇÃO SOCIAL ENQUANTO ESTRATÉGIA DE … · DO TRABALHO INFANTIL EINSERÇÃO NA ESCOLA ... Educação social e Trabalho Infantil. ... participação social e protagonismo,

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A EDUCAÇÃO SOCIAL ENQUANTO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTODO TRABALHO INFANTIL E INSERÇÃO NA ESCOLA

SOCIAL EOUCATlON AS A STRATEGY TO F/GHT CH/LOLABOR ANO SCHOOL /NTEGRAT/ON

Rosilene Marques Sobrinho de FrançaGraduada em Direito. Especialista em Direito e Processo Civil pela Univer-sidade Católica Dom Bosco/MG e em Gestão de Cidades pela FundaçãoGetúlio Vargas/R]. Mestranda do Programa de Políticas Públicas da Univer-sidade Federal do Piauí (UFPI).

E-mail: [email protected]: (086) 3213-7497 e 8838-4097

Maria O'Alv» Macedo FerreiraDoutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo - PUe. Prof'. adjunta nível IV do Curso de Serviço Social e do Mestradoem Políticas Públicas na Universidade Federal do Piauí; membro pesquisa-dora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Infância, Adolescência eJuventude e do Núcleo de Pesquisa sobre Questão Social e o Serviço Social.

E-mail: [email protected]: (086) 3233-6482 e 9927-0709

Resumoo artigo trabalha aspectos da educação social a crianças e adolescentesinseridos em trabalho precoce enquanto estratégia de ingresso, permanên-cia e sucesso na escola, tendo como referência aspectos da realidade deTeresina. Nesse sentido, analisa como estes segmentos sociais são identifi-cados e como são trabalhados no âmbito da educação social no sentido dofortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e inserção na escola,procurando-se perceber os elementos que estão presentes no trabalho só-cio-educativo que é desenvolvido nas unidades de educação complemen-tar e como ele se relaciona com as ações públicas que visam romper com ociclo de pobreza e exploração vivenciado pela família e seus membros nocontexto do sistema capitalista.Palavras-chave: Educação social e Trabalho Infantil.

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AbstractThe article deals with aspectsof social education for children and adolescentsplaced in early work as a strategy for entry, stay and succeed in school, withreference to aspects of reality in Teresina. In this sense, looks at how thesesocial groups are identified and how they are worked in education in societyas to the strengthening of family and community ties and involvement inschool, seeking to understand the elements that are present in social-educational work that is developed and how it relatesto public actions aimedat breaking the cycle of poverty and exploitation asexperienced by familiesin the context of the capitalist system.Key-words: Social Education and Child Labour.

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Rosilene Morques Sobrinho de Franço / Moria O'Alva Macedo Ferreiro

Introdução

A educação se constitui em direito humano garantido na Consti-tuição Federal de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e naLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/97), que,em seu artigo 1º dispõe sobre a educação enquanto processo formativodesenvolvido na vida familiar, na convivência humana, nas organizaçõesda sociedade civil e nas manifestações culturais, no contexto da qual aeducação social apresenta-se com um caráter de complementaridade nosentido do desenvolvimento de habilidades e competências voltadas, so-bretudo, para a participação social.

O papel social da escola é muito importante para a garantia dodireito à educação. Entretanto, ela sozinha não é capaz de promover oenfrentamento das situações geradas pela inserção de crianças e adoles-centes no trabalho precoce. A educação social tem ganhado relevânciano que se refere ao enfrentamento das vulnerabilidades e riscos sociaisque fragilizam ou rompem o vínculo de crianças e adolescentes com aescola, assumindo um papel importante no enfrentamento das violênci-as, exclusões e discriminações que afetam a infância e a adolescência,por meio do desenvolvimento de atividades sócio-educativas centradasna valorização humana, participação social e protagonismo, procurandopromover os saberes necessários a formação desses segmentos sociaisvu Inerabi Iizados.

O presente artigo está divido em duas partes. Na primeira "A iden-tificação das situações de trabalho infantil" traça um breve panorama so-bre o trabalho infantil no Brasil, apresentando uma análise da identifica-ção dessassituações em Teresina, mostrando como são realizados os pro-cedimentos para a inclusão de crianças e adolescentes na escola e emunidades de educação social. A segunda parte "A educação social en-quanto estratégia de enfrentamento do trabalho infantil e inserção de cri-anças e adolescentes na escola", apresenta uma análise do trabalho só-cio-educativo no âmbito da educação social desenvolvida na EscolaAbertaem Teresina, procurando perceber quais os aspectos trabalhados e comoestes favorecem o ingresso, permanência e sucesso na escola.

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A educaçãa social enquanto estratégia de enfrentamento do trobolho infantil e inserção na escola

A identificação das situações de trabalho infantil

o Art. 2º da Lei nº 9394/97 de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional dispõe que a educação, inspirada nos princípios de liberdadee nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno de-senvolvimento do educando, bem como seu preparo para o exercícioda cidadania. Entretanto, nas situações em que as crianças e adolescen-tes encontram-se em trabalho infantil a inserção, permanência e suces-so na escola apresenta-se como algo distante e dependente de um con-junto de ações não somente da política de educação, mas de outraspolíticas públicas.

Ao refletir sobre as múltiplas dimensões que envolvem o trabalhoinfantil, percebe-se que ele existe desde as épocas mais remotas, entre-tanto, foi com a revolução industrial e a evolução do sistema capitalistaque a exploração de crianças e adolescentes no trabalho ganhou maiorcomplexidade (CARVALHO, 1998).

Na Idade Média, Aries (1981) relata que as crianças desenvolviamatividades e participavam da vida social do mundo adulto e o trabalho 181faz parte do processo de educação dos filhos; no meio rural trabalhavamna terra e, no meio urbano as crianças eram inseridas nas corporações deofício. Com a revolução industrial crianças e adolescentes inseridos notrabalho das indústrias em condições desumanas e insalubres, passarama competir com o trabalho adulto, no sentido de gerar uma renda a maispara a família, especialmente nos momentos de crise econômica, de modoque o avanço do capitalismo no século XVIII gerou problemas sociaispreocupantes, como analfabetismo, doenças, deformidades e pobreza.

O trabalho infantil esteve presente no Brasil desde a colonização,período em que as crianças filhas de escravos trabalhavam a partir detenra idade, e permaneceu sem qualquer regulação até o Código de Me-nores de 1927, que dispôs sobre ações públicas interventivas no sentidode proibição/repressão às crianças e adolescentes que perambulavam erealizavam trabalhos no espaço da rua, trazendo para a infância e adoles-cência pobre um tratamento excludente e marginalizado, cujos elemen-tos culturais tem permanecido até os dias atuais, apesar dos avanços le-gais (DEL PRIORE, 1999).

A Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXXIII) admite o trabalho,em geral, a partir dos 16 anos, exceto nos casos de trabalho noturno,perigoso ou insalubre, nos quais a idade mínima é de 18 anos, sendo que

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para os adolescentes de 14 a 16 anos, o trabalho é admitido somente nacondição de aprendiz (art. 227, § 3º, I, art. 7º, XXXIII). A OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) define como trabalho infantil, as ativida-des econômicas e/ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro,remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idadeinferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir de 14 anos,independentemente da sua condição ocupacional (MINHARRO, 2003).

Com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Comba-te à Fome (MDS) e a incorporação do Programa Bolsa Família (PBF) àpolítica de assistência social em 2004 agregando um conjunto de progra-mas sociais já existentes, o trabalho infantil passou a ser enfrentado numaperspectiva de geração de renda para a família. Assim, ao mesmo tempoem que estabelece uma gestão mais racional dos programas da área soci-al, o governo fortalece a rede de assistência às populações em situaçãode vulnerabilidade social e econômica, visando contribuir para a inclu-são social e, com isso, para a redução de uma das variáveis condicionantesdo trabalho infantil que é a pobreza e a extrema pobreza.

Apesar de o Brasil ter acatado as diretrizes internacionais de prote-182 ção aos direitos humanos de erradicação do trabalho infantil e organiza-

do um arcabouço institucional para o seu enfrentamento, os dados daPNAD (2007) mostram a existência de cerca de 2,49 milhões de criançase adolescentes de 5 a 15 anos em situação de trabalho infantil. O Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (lPEA) identificou que em 2008, crian-ças de 7 a 15 anos trabalham em média 20,1 horas por semana quandoestudam e 35,3 horas quando não frequentam a escola. Contudo, cercade 55% das crianças e adolescentes que não vão à escola trabalham pormais de 40 horas por semana, e 11% das que vão à escola conseguemainda dedicar essa quantidade de tempo ao trabalho.

Em 1996 foi criado na esfera federal o Programa de Erradicação doTrabalho Infantil (PETI) destinado a famílias que tiverem filhos com idadeentre 07 e 14 anos que trabalham em atividades perigosas, penosas, insa-lubres e degradantes e possuir uma renda per capita de até salário míni-mo, ou seja, aqueles que vivem em situação de extrema pobreza, visandoretirar crianças e adolescentes do trabalho considerado perigoso, penoso,insalubre ou degradante, ou seja, aquele trabalho que coloca em risco asua saúde e segurança, visando, sobretudo, possibilitar o acesso, a per-manência e sucesso na escola. A família inserida no PETI recebe umabolsa mensal por cada filho com idade entre 07 e 14 anos retirado dotrabalho infanto-juvenil. Para isso, as crianças e adolescentes devem fre-

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quentar a escola e atividades sócio-educativas em jornadas de educaçãocomplementar, com a participação em acompanhamento escolar, ativi-dades esportivas, culturais, artísticas e de lazer (BRASIL, 2000).

Em Teresina, os Centros de Referência Especializados da Assistên-cia Social (CREAS)l atuam na identificação do trabalho infantil e fazemencaminhamento de crianças e adolescentes para inclusão na escola eem unidades de educação complementar, sendo estas incluídas no Servi-ço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos de 6 a 15 com ativida-des de convivência, socioculturais, esportivas e pedagógicas. Essetraba-lho de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, objetivandopromover o acesso a informação, incentivo ao protagonismo e à partici-pação social é realizado em Teresina em 11 Núcleos de AtendimentoInter-geracional (NAI's), 08 Jornadas Ampliadas/PETI, na Escola Aberta,no Programa de Atenção Integral (PAI) e no Projeto Cidadania, que em2010 atenderam a 4.500 crianças/adolescentes oriundos do trabalho in-fantil (TERESINA, 201 Oa).

Os dados do atendimento do Centro de Referência Especializadoda Assistência Social em Teresina (CREAS 1),demonstram que dos 290casos atendidos em 2010, 32 (11,03%), são de trabalho infanto-juvenil! 183mendicância, sendo 7 crianças (21,87%) e 25 adolescentes (78,1%),mostrando que a retirada das crianças e adolescentes do trabalho preco-ce, a permanência na escola e a participação em atividades sócio-

Gráfico 01: Situações de trabalho infanto-juvenil atendidas pelo CREASI- Ano 2010

Trabalho infanto-juvenil emendicância - 32 atendimentos

(11,3% do total de 290atendimentos à criança

jadolescente com direitos

violados realizados pelo CREASIem 2010)

Adolescente- 25 casos(78,1%)

252015105O • Criança- 7 casos (21,87%)

Fonte: dados do Relatório do CREAS, 2010.

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educativas como critério para a inserção das famílias no PETI, tem funci-onado como um importante elemento de garantia do direito à educaçãodessas crianças e adolescentes oriundas do trabalho precoce (TERESINA,2010b).

Os dados mostram que as 32 crianças e adolescentes em trabalhoinfantil identificadas pelo Centro de Referência Especializado da Assis-tência Social possuem fragilidades ou rompimento de vínculos com aescola. Ao inseri-Ias em unidades de educação complementar/social, es-tas funcionam como estratégia de reconstrução, fortalecimento eestreitamento de vínculos escolares, familiares e comunitários.

A educação social enquanto estratégia de enfrentamento do trabalho infantile inserção de crianças e adolescentes na escola

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A educação é um dos requisitos fundamentais para que os indivídu-os tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na socieda-de, sendo direito de todo ser humano e condição necessária para que elepossa usufruir de outros direitos constituídos numa sociedade democráti-ca (GADOTTI, 2005).

Gonh (2006) conceitua a educação não formal no campo da peda-gogia social como uma atuação junto a processos de construção de apren-dizagens e saberes coletivos. A educação social pautada na pedagogiasocial apresenta-se para Díaz (2006) como uma importante estratégia denatureza educativa e social da pessoa humana, adequando-se àcategorização de educação não formal na medida em que não obedeceaos ditames das diretrizes curriculares da escola.

Surgida no contexto de necessidades do pós-guerra na Alemanha,de atendimento a órfãos e desabrigados, inicialmente dirigida a criançase, posteriormente, à juventude e a adultos, a pedagogia social apresentana contemporaneidade uma concepção voltada para o atendimento dasnecessidades sociais, que extrapola a visão tradicional da educação escó-lar por se propor a intervir na sociedade (TORRES, 1992).

Analisando os diversos contextos de atuação da educação socialpode-se verificar que esta atua numa sociedade que está em contínuoaprendizado e aperfeiçoamento, sendo, na perspectiva trabalhada porAssmann (1998) caracterizada como "sociedade aprendente". Para Gonh(2006) a educação não formal pode atingir metas por meio da atuação da

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pedagogia social voltadas para o aprendizado do convívio com as dife-renças, a socialização e respeito mútuo, a adaptação do grupo a diferen-tes culturas, a construção da identidade coletiva de um grupo e a constru-ção de regras éticas relativas às condutas aceitáveis socialmente. Ao de-fender a complementaridade entre o sistema formal e a grande variedadede ofertas de educação não-formal, Gadotti (2005) também reforça essaconcepção de que o indivíduo socializa-se dentro e fora da instituiçãoescolar.

A defesa da autonomia defendida por Freire (1993) constitui-se numaspecto importante da educação social desenvolvida em espaços de edu-cação complementar à escola e evidencia um aspecto importante para odesenvolvimento das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidadeou risco social em decorrência de trabalho infantil. A educação social nes-sa perspectiva possui um caráter educativo e social, atuando num espaçode intervenção prática que se relaciona com o desenvolvimento de habili-dades e competências voltadas para a participação social, protagonismo eelaboração de projetos de vida, visando favorecer o fortalecimento das re-lações com a escola, a família e a comunidade.

A pobreza e a necessidade de complementação da renda familiar 185não são os únicos motivos que levam as famílias a introduzirem seusfilhos precocemente no mundo do trabalho. A posição central do traba-lho na sociedade e na vida dos indivíduos faz com que se atribua a elepoderes formadores, dificultando observar os efeitos negativos que elepossa causar às crianças e adolescentes, em face da histórica e arraigadaconcepção de trabalho disciplinador que o coloca na condição de pre-venção da delinqüência (CARVALHO, 1998).

A educação não formal caracteriza-se como uma educação paracidadania que favorece o desenvolvimento e respeito à justiça social, di-reitos (humanos, sociais, políticos, culturais), liberdade, igualdade, de-mocracia e respeito às diferenças culturais, assumindo um papel de de-senvolvimento de valores essenciais para a formação humana, que vaialém do processo ensino aprendizagem e dos conteúdos previstos nocurrículo escolar, pois pauta-se, sobretudo, pelo desenvolvimento de açõesque visam a participação no meio social (GONH, 2004).

Em Teresina, a Escola Aberta executa serviços sócio-assistenciais ede educação complementar a 80 crianças e adolescentes em situação devulnerabilidade/risco social oriundos do trabalho infantil, promovendouma educação social pautada pelos valores da convivência humana, vi-sando, sobretudo, inserir crianças e adolescentes na escola .

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A educação social a crianças e adolescentes oriundos do trabalhoprecoce desenvolvida na Escola Aberta em Teresina, é promovida junta-mente com atendimento psicossocial, visita a escolas, profissionalizaçãode adolescentes, acompanhamento aos usuários e suas famílias, acesso aserviços de saúde e aquisição de documentos civis básicos, enquantoações públicas necessárias ao enfrentamento das violações de direitosque afetam a família e seus membros no contexto das contradições dosistema capitalista.

Gráfico 02 - Educação social a crianças e adolescentes oriundos de traba-lho infantil - Escola Aberta de Teresina - Ano 2008

Atendimentos da Escola Aberta a crianças/adolescentes oriundosde trabalho infantil em Teresina

Fonte: dados do Relatório CREAS, 2008.

o gráfico mostra um trabalho de educação social desenvolvido emunidade de educação não formal, com foco, sobretudo, nas atividadessócio-educativas com caráter educativo e socializador, sendo esse traba-lho complementado pelo atendimento psicossocial, visando trabalhar asmarcas deixadas pelo trabalho precoce; visitas à escola, no sentido depromover a inserção, permanência e sucesso educacional; e acompa-nhamento sócio-familiar, objetivando favorecer o estreitamento dos vín-culos familiares e comunitários.

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Os dados supracitados reafirmam os argumentos de Díaz (2006),de que a pedagogia social e a educação social estão situadas num pontoonde confluem o educativo e o social, de modo que, articular a educaçãoem seu sentido mais amplo aos processos de formação dos indivíduoscomo cidadãos no campo da educação social desenvolvida nos espaçosde educação não formal, constitui-se numa demanda urgente conside-rando as situações de risco materializadas pelo trabalho infantil e porvárias outras negações de direitos de crianças e adolescentes resultantesdas contradições do sistema capitalista.

Considerações finais

O trabalho sócio-educativo constitui-se em foco norteador da edu-cação social enquanto estratégia de enfrentamento do trabalho infantil,sendo que a inclusão das crianças e adolescentes na escola é proporcio-nada a partir do desenvolvimento de habilidades e competências volta-das para a participação e integração no grupo social, apresentando-se,assim, como uma estratégia importante para o fortalecimento das rela- 187ções familiares e comunitárias, necessárias ao ingresso, permanência esucesso na escola.

A educação social apresenta-se como uma estratégia criativa e ino-vadora de proteção do direito à educação das crianças oriundas do traba-lho precoce. Entretanto, sua importância não está circunscrita a uma atu-ação não formal, pois os reflexos das atividades sócio-educativas reper-cutem ao longo de toda a vida, possuindo características formadoras quefavorecem o desenvolvimento infante-juvenil.

Enquanto estratégia de enfrentamento do trabalho infantil está paraalém do subsidiário e do assistencial, pois apresenta uma dimensão só-cio-educativa voltada para a sensibilização e tomada de consciência daimportância da escola. Aliada a outras atividades e ações públicas, a edu-cação social contribui para a inclusão de crianças e adolescentes na es-cola e para o rompimento do ciclo de violências, discriminações e exclu-sões vivenciado pela família e seus membros, geradas pelas contradiçõesdo sistema capitalista.

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Referências bibliográficos

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A educaçõa social enquanto estratégia de enfrentamento do trabalho infantil e inserçõa no escola

MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente nodireito do trabalho. São Paulo: LTr,2003.__ o Prefeitura Municipal, Secretaria Municipal do Trabalho, Cidada-nia e de Assistência Social - SEMTCAS. Relatório das Ações/201 O,2010a.__ o Prefeitura Municipal, Secretaria Municipal do Trabalho, Cidada-nia e de Assistência Social - SEMTCAS. Relatório das Ações do Centrode Referência Especializado da Assistência Social!201 0,201 Ob.TORRES, C. A. A política da educação não formal na América Lati-na. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Nota

1 O Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS)éum equipamento público da política de assistência social responsávelpela identificação das situações de trabalho infantil, realização dosprocedimentos para a inserção destas no PETI, inclusão na escola eem Jornadas Ampliadas (educação complementar). 189

Enviado para publicação: 05.10.2010Aceito para publicoção: 29.01.2011

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