a educação em os maias

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A Educação em Os Maias. No romance Os Maias, Eça de Queirós, no propósito de elaborar um retrato da sociedade, que se percebe no subtítulo Episódios da Vida Romântica, e dentro do espírito naturalista, procura encontrar razões para a crise social, política e cultural a partir da formação do indivíduo. Factor de humanização, de socialização e de autonomia, a educação produz ou reproduz modelos sociais e políticos que propõem um sistema de valores e princípios que são a base de uma sociedade. O tema da educação é frequentemente tratado por Eça de Queirós e surge n'Os Maias como um dos principais factores comportamentais e da mentalidade do Portugal romântico por oposição ao Portugal novo, voltado para o futuro. Não só deparamos com dois sistemas educativos opostos, como é frequente ver as concepções de educação afloradas ao longo da obra através de opiniões das personagens ou das mentalidades e cultura que revelam. Pedro da Maia e Eusebiozinho protagonizam a educação tradicionalista e conservadora, enquanto Carlos recebe a educação inglesa. A incapacidade para enfrentar as contrariedades ou a capacidade para se tornar interveniente na sociedade são as consequências imediatas dos processos educativos opostos. A educação tradicionalista e conservadora caracteriza-se pelo recurso à memorização; ao primado da cartilha apenas com os saberes e os valores aí insertos; à "moral do catecismo" e da devoção religiosa com a concepção punitiva do pecado; ao estudo do latim como língua morta; à fuga ao ar livre e ao receio do contacto com a Natureza. A educação inglesa caracteriza-se pelo desenvolvimento da inteligência graças ao conhecimento experimental; pelo desprezo da cartilha, embora com a defesa do "amor da virtude" e "da honra" como convém a "um cavalheiro" e a "um homem de bem"; pela ginástica e pela vida ao ar livre; pelo contacto directo com a Natureza, pelo gosto das línguas vivas. A educação tradicionalista e conservadora desvalorizou a criatividade e o juízo crítico, deformou a vontade própria, arrastou os indivíduos

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Page 1: A Educação em Os Maias

A Educação em Os Maias.

No romance Os Maias, Eça de Queirós, no propósito de elaborar um retrato

da sociedade, que se percebe no subtítulo Episódios da Vida Romântica, e

dentro do espírito naturalista, procura encontrar razões para a crise

social, política e cultural a partir da formação do indivíduo. Factor de

humanização, de socialização e de autonomia, a educação produz ou

reproduz modelos sociais e políticos que propõem um sistema de valores e

princípios que são a base de uma sociedade.

O tema da educação é frequentemente tratado por Eça de Queirós e surge

n'Os Maias como um dos principais factores comportamentais e da

mentalidade do Portugal romântico por oposição ao Portugal novo,

voltado para o futuro. Não só deparamos com dois sistemas educativos

opostos, como é frequente ver as concepções de educação afloradas ao

longo da obra através de opiniões das personagens ou das mentalidades e

cultura que revelam.

Pedro da Maia e Eusebiozinho protagonizam a educação tradicionalista e

conservadora, enquanto Carlos recebe a educação inglesa. A incapacidade

para enfrentar as contrariedades ou a capacidade para se tornar

interveniente na sociedade são as consequências imediatas dos processos

educativos opostos.

A educação tradicionalista e conservadora caracteriza-se pelo recurso à

memorização; ao primado da cartilha apenas com os saberes e os valores

aí insertos; à "moral do catecismo" e da devoção religiosa com a

concepção punitiva do pecado; ao estudo do latim como língua morta; à

fuga ao ar livre e ao receio do contacto com a Natureza.

A educação inglesa caracteriza-se pelo desenvolvimento da inteligência

graças ao conhecimento experimental; pelo desprezo da cartilha, embora

com a defesa do "amor da virtude" e "da honra" como convém a "um

cavalheiro" e a "um homem de bem"; pela ginástica e pela vida ao ar livre;

pelo contacto directo com a Natureza, pelo gosto das línguas vivas.

A educação tradicionalista e conservadora desvalorizou a criatividade e o

juízo crítico, deformou a vontade própria, arrastou os indivíduos para a

decadência física e moral. Em Pedro da Maia, por exemplo, levou-o a uma

devoção histérica pela mãe e tornou-o incapaz de encontrar uma solução

para a sua vida, quando Maria Monforte o abandonou; em relação à

personagem Eusebiozinho, tornou-o "molengão e tristonho", arrastou-o

para uma vida de corrupção, para um casamento infeliz e para a

debilidade física.

A educação inglesa procurou "criar a saúde, a força e os seus hábitos",

Page 2: A Educação em Os Maias

fortalecendo o corpo e o espírito. Graças a ela, Carlos da Maia adquiriu

valores do trabalho e do conhecimento experimental que o levaram a

abraçar um curso de medicina e a projectos de investigação, de

empenhamento na vida literária, cultural e cívica.

A vida de ociosidade de Carlos e o sequente fracasso dos seus projectos

de trabalho útil e produtivo não resultaram da educação, mas da

sociedade em que se viu inserido. A ausência de motivações no meio em

que se movimentou, o próprio estatuto económico que não lhe exigia

qualquer esforço e a paixão romântica que o seduziu foram causas

suficientes para, apesar de culturalmente bem formado, desistir, sentir o

desencanto e afastar-se das actividades produtivas. Mas ao contrário do

seu pai, Pedro da Maia, que, perante o fracasso amoroso, se suicidou,

Carlos procura um novo caminho, elaborando uma filosofia de vida, a que

chama "fatalismo muçulmano": "Nada desejar e nada recear... Não se

abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o

que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as

naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves."

Educação em Os Maias. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011.