a educação do negro no brasil

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ABORDAGEMHISTRICADASPOLTICASPBLICASDAEDUCAODA CRIANANEGRA

MariaCristinadaSilvaFaculdadeCatlicadeUberlndiacrisemeiraimundo@yahoo.com.br CeleutaBatistaAlvesUniversidadeFederal [email protected] MarisildaSacaniSanceveroFaculdadeCatlicadeUberlndiamasacani@netsite.com.br

Resumo:Este trabalho tem por objetivo apresentar uma reflexo histrica das polticas pblicas no tocante a educao do negro desde a Proclamao da Repblica at a PromulgaodaLein.10639/03.Nessesentido,foirealizadaumapesquisabibliogrficae documentalprocurandocontextualizaressaproblemticatantoemseusaspectospolticose ideolgicos incluindo a prpria discriminao racial e acima de tudo social.Partiuse do pressupostodequeaomissodaadministraopblicaemcarterdeleiquantocidadania donegrodesencadeoureaesdiscriminatriasmarginalizantesdasociedadecomoumtodo eemparticularnombitoeducacional.Emboranaatualidadetenhaseabaselegal(Lein. 10639/03) para o combate a essa situao identificouse que falta muito para que se efetivemessespropsitos,poisaconcretizaodessapolticatemsedadoapenasemnvel de discurso. Resta a ns educadores procurarmos desencadear aes efetivas que tenham como resultado a busca de um resgate e pagamento dessa dvida social que muito prejudicouaeducaodacriananegranoBrasil.

PALAVRASCHAVE :DiscriminaoRacialEducaoCrianasNegrasIgualdadeSocial

Com o objetivo de apresentar um estudo da educao da criana negra no Brasil elaboramos este artigo buscando primeiramente compreender como se deu a evoluo da concepodecriana no mundoparaposteriormente,com baseempesquisa bibliogrfica deestudiososdarea,abordarasquesteshistricoraciaisqueexcluramodireitodesta minoria freqentarepermanecer nocotidianoescolardificultando sereconheceremcomo participantes conscientes de seu papel na sociedade.Com base nessa configurao

2 analisamosaspolticaspblicasdesdeoperodocolonialatopresentevoltadastantopara excluircomoparaincluiracriananegranocontextoeducacional. Durante muitos sculos na histria da humanidade, a criana no foi reconhecida como um ser que tinha e tem necessidades, interesses, motivos e modos de pensar especficos, e que, portanto, necessitava de cuidados e de uma educao diferenciada a oferecidaaosadultos. Na Idade Mdia, os filhos eram criados pelas famlias, que se destinavam a um determinadopapelnasociedade,nohavendopassagemdainfnciaparaapuberdade.As crianaserammarginalizadas,tratadascomoadultostantonomododesevestirquantono comportamento,integrandoseaomundodosadultoseajudandonastarefascotidianas. Na relao com as crianas, os adultos demonstravam, em geral, sentimentos de desvalorizao e desapego. Segundo Rousseau (apud CERIZARA, 1990:45) s se pensa emconservaracriana,istonosuficiente,devemosensinarlheaconservarsehomem,a suportarosgolpesdodestino. At o sculo XVII, a educao os filhos continuavam exclusivamente de responsabilidadedafamlia,quetinhaumaorganizaounicamentepatriarcal,ezelavapela infncia,poisestaeraatradiobrancaocidental. SANTOS(2005)deixaclarocomoeraessaorganizaoaoafirmar:Patriarcal estruturada sob o domnio masculino patrilinear, em que a figura do pai, do coronel, do estado e do bispo (ou padre) so equivalentes,simblicos,cujascaractersticasbsicasso:aseparaoe distino, o mando, a posse, a vigilncia, o castigo e a impunidade da arbitrariedade (senso de onipotncia) seu atributo bsico a razo.(p. 210).

Gradativamente,passouseaadmitiraidiadequeacrianaeradiferentedoadulto no apenas fisicamente, mas tambm pelos seus aspectos intelectuais, pelo seu prprio mododeagir.Nessecontexto,acrianapassaaserobjetodepesquisaedetesesdegrandes estudiosos, como Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Decroly, Montessori, Vygotsky, Wallon, Skinner, Freud, e, mais tarde, Piaget. Tais estudiosos dedicaram suas vidas a estudar o comportamentoedesenvolvimentodascrianas,comodestacaSANTANA(2006,31):

3Vriosfatorescontriburamparaissoemprimeirolugar,observaseum avano do conhecimento cientfico sobre o desenvolvimento infantil, aliado ao reconhecimento da sociedade acerca do direito da criana educaonosprimeirosanos devida.Emseguindolugar,aparticipao crescente das mulheres na fora de trabalho, notadamente por meio do movimentosindical.

As transformaes que ocorreram nesse perodo, em vrios pases do mundo mas principalmentenaEuropa,comoaexpansomartima,adescobertadenovascivilizaes,a crescenteurbanizaocomeaamodificaraestruturafamiliarsignificativamente,asquais levaram ao surgimento de algumas instituies com a finalidade de abrigar as crianas abandonadas pelas mes. Estas instituies ficaram conhecidas pelo nome de Roda dos Expostos. O ndice de crianas que sobreviviam nestas instituies era muito baixo, devidoavriosfatores,comomaustratos,poucaafetividadeepoucaalimentao. CERIZANA(1990:44)destacaqueAsprecriascondiesdehigiene,aliadasaos insipientes conhecimentos acerca de seu desenvolvimento fsico, cognitivo e emocional agravavam sobremaneira esse ndice de mortalidade. Julgavase, portanto, a morte das crianascomoalgonormal. No Brasil, no perodo escravista, estas instituies eram dirigidas por grupos religiosos,ealgumasdascrianasqueviviamnelaseramemsuamaioriapobres,bastardas, negras.Grandepartedasmulheresescravasutilizavadestasinstituiescomoobjetivode proporcionar a seus filhos uma vida mais digna e livrlas da difcil vida de escravos. Outrasvezeseramutilizadaspeloscoronisquepretendiamesconderseusfilhosbastardos, nascidosderelacionamentos,nasuamaioriaforados,comsuasescravas. DeacordocomMott(1979:57)Arodarecebiacrianasdequalquercorepreservavaoanonimatodospais. Apartirdoalvarde31dejaneirode1775ascrianasescravas,colocadas naroda,eramconsideradaslivres.Estealvar,noentanto,foiletramorta,e as crianas escravas eram devolvidas aos seus donos, quando solicitadas, mediante o pagamento das despesas feitas coma criao. Em 1823, saiu umDecretoqueconsideravaascrianasdarodacomorfs,eassim,filhos

4dos escravos seriam criados como cidados, gozando dos privilgios dos homenslivres.

Aps 120 anos do fim da Abolio, notvel o quanto sofre de discriminao a criana negra desta nao exescravista que ainda hoje traz enraizadas as ideologias to bemdifundidasdesdeoinciodaconstruodesuahistria.Diantedisto,esteartigovisa abordarerefletiraquestodacriananegra,umavezquehumainvisibilidadedestetema naprpriahistrianacional. Na sociedade dominada pelos senhores de engenho e por muitos outros donos de escravos, as crianas negras eram maltratadas e no eram vistas como crianas, mas sim como mais um objeto de sua propriedade, podendo ser comercializadas a qualquer momento. Ascrianasnegraseramseparadasdesuamebiolgicalogoapsoparto,ficando as mes livres para amamentarem os filhos dos senhores de engenho, sendo, portanto, relegadasaoscuidadosdeterceiros.Outrascrianascommaissorteeramcarregadasdesde o nascimento pelas mes para o trabalho rduo devido a estes maustratos e ao grande esforofsico,eramuitocomumaaltataxademortalidadeentreascrianasescravizadas. BORGES MEDEIROS DADESKY (2002:2627) ao discutirem racismo,preconceito e intolerncia noBrasil identificamque: A mortalidade infantil, semprealtssima,chegava atingir at 88% em algumas fazendas.[...] Os ndices de mortalidade das crianas negras eramtoaltoquesediziaqueeramaisfcilcriartrsouquatrofilhosdebrancodoqueum denegro.Motivoalegado:amaiorfragilidadedaraanegra. A educao das crianas negras neste perodo se dava principalmente atravs da oralidade,doexemplodacoero,doscastigos,dostrabalhosforadosnaslavourasenas casas grandes, bem como nos centros urbanos, nas diferentes e piores funes destinadas aosnegrosdesdeainfncia. A partir das lutas dos movimentos abolicionistas, o Gabinete chefiado pelo ViscondedoRioBrancoaprovouaLeidoVentreLivre(2040/1871),quedeixavalivre todososfilhosdemulheresescravasnascidosapssuapromulgao,em28desetembrode 1871.Estaleirepresentouumdurogolpe naescravido,eum marco,pois foioinciode umalongalutanahistriadacriananegraexistenteaindahojenasociedademodernaentre

5 tantoaLeidoVentreLivrefoiumaleiambgua,poisnoteveumefeitomaisprofundona vida da populao negra, ficando apenas na discusso superficial, no contemplando a questo de como se daria esta liberdade, de quem seria a responsabilidade de cuidar, educarepromoveracriananegranocontextosocial.Muitopelocontrrio. Os polticos liberais e conservadores, embora escravistas em sua maioria, procuraram minimizar o impacto da referida lei e seus efeitos o mximo possvel, resguardandoassimseusinteresses,comodestacaFEREIRO(2005:25):Chegadaa estaidade[oito anos] osenhorteriaaopo de continuara utilizar os servios do menor at que esse completasse 21 anos, ou entreglo ao Estado, recebendo uma indenizao [paga] em ttulos de rendacomjuroaoanode6%,osquaisconsideraramextintosnumprazo de 30 anos [...] a lei garantia ainda [...] o direito de o menor eximirse dessa prestao de servios, mediante indenizao pecuniria previamente acertada com o senhor [...] se a escrava obtivesse a liberdade,receberiaos filhos menores de oitoanos,enocaso de venda ou heranas com menos de 12 anos acompanhariam a me, ficando transferidos para o novo senhor os direitos sobre o seu trabalho, e encargodecrilos.

NohcomonegarquedurantetodaahistriadoBrasil,asleisforamfeitascomo intuitodeprotegeremanternopoderaclassedominante. A discriminao racial tornouse algo recorrente em nossa histria e ainda est presente na realidade do pas. Todavia, ela s poder ser vista atravs de um olhar mais profundo a partir de uma reflexo crtica acerca da histria oficial. Os negros os afro descendenteseapopulaobranca, foram levadosaacreditaremdiferentes momentosde sua histria que o negro no era um ser humano possuidor dos mesmos direitos que os demaishomenslivres.Issosedeuaofatodograndeperododeescravido,aoqualforam submetidos,aliadoaestefatortemosanegaoaodireitoeducao,sendoreservadoaos negros uma instruo basicamente crist, que tinha como objetivo resgatar, doutrinar e salvar a vida destes seres inferiores para uma vida plena e abundante aps a morte. A servidoeamansidoterrenaseraomeioparaseatingirasalvao.

6 Nessesentido,eraestritamenteproibidooingressodecrianas negrasnasescolas pblicas,comodeterminavaalein.14de22/12/1837: Artigo3 Soproibidosdefreqentarasescolaspblicas Pargrafo1Todas as pessoas que padecem de molstias contagiosas.Pargrafo2Osescravoseospretosafricanos,ainda queLibertos.(BERNARDO,2006:10)

Estaleideixaclarooquantoacordapeleumfatordeterminantequevemsendo utilizado desde o perodo colonial para definir e marcar quem deveria ter acesso econmico,polticoeeducacional.Sendoassim, aeducaopossuauma funodualista: umaparaosfilhosdossenhores,eoutraparaosescravos. Comobemnosmostra ARUJOSILVA(2005,68):As escolas de primeiras letras, ou primrias eram diferenciadas por gnero e disciplina: aulas de literatura, escrita, clculos, histria do Brasil,princpios demoraledoutrinareligiosaparaos meninos,eaulas deescrita,clculoselementareseprendasdomsticasparaasmeninas.A populao escrava era impedida de freqentar a escola formal [...] (Artigo 6, item 1 da Constituio de 1824) Coibia o ingresso da populaonegraescrava,queeraemlargaescalaafricanadenascimento (...) No sculo XIX, surgiram as primeiras faculdades de medicina, odontologia, engenharia [...] era destinada quase que exclusivamente s classessociaisprivilegiadasparaformaodeprofissionaisdealtonvel queiriamexercerasfunesdocapitaleasfunespolticasdopas.

Os negros so exemplo de resistncia e perseverana na luta e no resgate de sua identidade, embora a histria oficial insista em divulgar o contrrio, mesmo no perodo escravista existem registros de Quilombos que se preocupavam em alfabetizar suas crianas,comonoschamaaatenoCRUZ(apudCUNHA2005,28):Htambmregistro de uma escola criada pelo negro Cosme, no Quilombo da fazenda Lagoa Amarela, em Chapadinha, no estado do Maranho, para o ensino da leitura e escrita para os escravos quilombados.

7 Aps a abolio, surgiu por parte de alguns grupos de movimentos negros a necessidadedereivindicarasuainclusonoprocessodeescolarizaooficial.Entretanto, estasreivindicaesnoforamouvidasacurtoprazo,sendoathojemotivodedebatesna sociedade brasileira. Porm, coube a estes movimentos se organizarem e criarem suas prpriasescolas,comoporexemplo,estacitadaporCRUZ(2005:28)ColgioSoBenedito,criadoemCampinas em1902paraalfabetizaros filhosdos homens decordacidade[...]EscolaPrimrianoClubeNegro FlordeMaiodeSoPaulo,aEscoladeFerrovirios deSantaMaria,no Rio Grande do Sul, e a promoo de cursos de alfabetizao, de curso primrioregularedocursopreparatrioparaoginsio,criadopelaFrente NegraBrasileiraemSoPaulo..

Outro dado importante acerca da vontade do negro estudar, sempre buscando romperasbarreirasimpostaspelasdesigualdadessociaisqueEntreofinaldosculoXIX e incio do sculo XX, conforme nos informa Souza (1999), ao estudaros sete primeiros gruposescolaresinstaladasemCampinasnoperodode1897e1925,identifica,apresena decrianasnegrasemfotografiasdeturmasdealunosdediferentesgruposescolareseem diferentespocas(Cruz,2005:29). Estas informaes vm desmistificar as verdades incontidas na populao negra desde criana que o negro preguioso no gosta de estudar e s serve para os subempregos ou pior ainda para malandragem Mesmo sendo to pouco registro de fatos histricosacercadabravuraeresistnciaopovonegronodeveseesquecerqueonegro tem um passado triste porm, repleto de beleza na sua origem pois nasceram livres e lutaramparaassimpermanecersendoosnegrosguerreirospornatureza. De1925 atasegunda metadedosculoXX,nosetemregistrosna histriade mudanassignificativasacercadaeducaodosnegros.Porm,osnegrosnesteperodono deixaramde buscarrompercomoparadigmada discriminaoe lutarporuma vidacom maisdignidade, mesmoqueestas lutas notenham sidoredigidas naspginasda histria oficial. DeacordocomCOSTA(appudSilva/Arajo(2005:67) (...) reconhece se que tanto os escravos como os libertos (...) e muitas outras categorias sociais oprimidas que foram no passado

8 objeto de anlise de historiadores, antroplogos e socilogos tiveram(etem)umavisodahistriaquelhesprpriaequeno rarotemmuitopoucoavercomahistriaqueseaprendenoslivros emenosaindacomaquiloqueseconvencionouchamardehistria oficial. Isto torna se evidente ao perceber ainda hoje quantas pessoas de ancestralidade africanas e simpatizantes continuam a lutaemproldaconstruodaigualdaderacialedoreconhecimento evalorizaodahistoriadonegro.

Comofimdasegundaguerramundial,diantedohorroredaperplexidadecausado por ela na humanidade ocorre no mundo uma reflexo mais humanista acerca da intolernciaraciale a necessidadedesetentarconstruirum mundopautadonorespeito diversidaderacial.Nestecontextosedaobrigatoriedadedeencontrarsada nosmbitos social, econmico e poltico era muito grande assim se da o (re) surgimento de movimentosemvriospaisesdomundoreivindicandodireitosiguaisaosgruposexcludos socialmente. DiantedestasinquietaessociaiscriadaOrganizaodasNaesUnidas(ONU), em 1945, com o objetivo de preservar a paz e a segurana no mundo, promovendo cooperao internacional na resoluo dos problemas econmicos, sociais, culturais e humanitriosoqueculminaem1948comelaboraoaDeclaraoUniversaldosDireitos Humanosdoqualdestacoalgunsartigosestabelecemprincpiosdeigualdadeevalorizao davida:Artigo1Todosossereshumanosnascemlivreseiguaisemdignidadee emdireitos.Dotadosderazoeconscincia,devemagirunsparacomos outros em esprito de fraternidade.

Artigo 4 Ningum ser mantido em escravatura ou em servido a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, so proibidos. Artigo 26 Toda a pessoa tem direito educao. A educao deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. Oensino elementar obrigatrio.O ensinotcnico e profissional dever

9ser generalizado o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todosemplenaigualdade,emfunodoseumrito.

Na mesma perspectiva,em 20 de novembro de 1959 foi criada a Declarao UniversaldosDireitosdaCrianacomointitodeprotegerainfnciaemtodosospases queassinaramodocumento.HnestaDeclaraoacontnuapreocupaocomquestoda discriminaoracialdaqualdestacamosalgunsprincpios:PrincpioVIIAcrianatemdireitoarecebereducaoescolar,aqualser gratutaeobrigatria,aomenos nasetapaselementares.Darsecriana umaeducaoquefavoreasuaculturageralelhepermitaemcondies de igualdade,de oportunidades desenvolver suas aptides e sua individualidade,seusensoderesponsabilidadesocialemoral.Chegandoa serummembrotilsociedade.(1999,p.300) PrincpioX A crianadeveserprotegidacontraasprticas quepossam fomentar a discriminao racial,religiosa,ou de qualquer outra ndole.Deve ser educada dentro de um esprito de

compreenso,tolerncia,amizade entre os povos,paz e fraternidade universaisecomplenaconscinciadequedeveconsagrarsuasenergiase aptidesaserviodeseussemelhantes.(1999,p.301)

HumarepercussopositivadessesdireitosnoBrasil,poisosonhonacionaldese construir um pas mais justo incorporado por parte de grupos da sociedade civil organizada:alguns intelectuais e lideres religiosos de movimentos de diferente natureza entre os quais estavam tambm os movimentos negros que passam a reivindicar direitos iguaisatodosejuntosparticiparamaconvenon.111daOrganizaoInternacionaldo Trabalho em 1958, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos em 1966,edaConvenoInternacionalsobreaEliminaodeTodasasFormasDescriminao Racialem1968. Emmeioefervescnciadestesmovimentossociaisconstavaoapeloliberdadee aosdireitosbsicosparaumavidamaisjuntascomsaneamentobsico,transportecoletivo, habitao,salriosmaisdignoseeducaoparatodos.

10 Apartirde1970humamaiordemocratizaodasescolaspblicascomoingresso de um nmero considervel de alunos provenientes das camadas mais populares do pas, entre os quais muitos so negros ou afrodescendentes uma vez que estatisticamente o maiornmerodapopulaocarenteformadapelosnegroseseusdescendentesemvirtude de uma abolio excludente sem polticas pblicas de afirmao do negro neste pas que pormaisdequatrocentosanosutilizouseda modeobraescravasendooltimopasda Amricalatinaalibertaroscativosempurrandoosparaumavidaamargemdasociedade brasileira. Com a ampliao da educao muitas crianas negras tiveram a oportunidade de freqentarassalasdeaulas,Assimcomoalgunsadultostiveramodireitoaestudaremsalas de aulas noturna.Com o passar do tempo percebese, no entanto, que s o ingresso da populaonegra noambienteescolarnoerasuficiente,uma vezqueocorriaumagrande evaso erepetnciaentreos mesmos.Istosedavapormeio vrios fatores,entreosquais podemosdestacarpormaisqueasescolasabrissemsuasportasaestasnovasclientelasas suasestruturasaindacontinuavamcomaprticaelitistaeexcludentedesempre. Segundo Santana (apudd Melo & Coelho,2006:33.): Destacase nesse perodo o movimentonegrocriticandoomodelodeescolaquedesconsideravaopatrimniohistrico cultural da populao negra, alm de denunciar o racismo existente nas escolas, o que contribuaparaaevasoeofracassoescolardascrianasnegras. Neste contexto, notase que a escola ainda no est aberta para assumir a sua funosocialdesercoresponsvelpelaformaodeumanovasociedade,desconstruindo os valores herdados da sociedade de escravocrata, pois independente do grupo social ou tnicoracial a que atendam, importante que no se prendam a valores da classe dominante. Entendemos que um dos papis da escola possibilitar a mobilidade social.Nesse sentidoMUNANGA(2006,p.8)afirma: A educao tem fator de multiplicao.Um jovem que foi para a escola,passou por uma boa Universidade,tem conscincia dos problemas da sociedade,no deixar seus filhos passarem pelo mesmo caminho.O acesso que ele tem a uma certa mobilidade social e ascenso econmica faz com que seus filhos possam

11 estudar em uma boa escola.E ele pode tambm se tornar aquele referencialqueonegronotem.

Porm,muitocomumaescolaprojetarnosalunosassuasfalhas,alegandoqueos alunos negros so mais problemticos que os alunos brancos. Devido a este fator no aprendem como os demais, sem conhecerem ou levarem em conta toda questo histrica que foram submetidos desde que o primeiro navio negreiro desembarcou em terras brasileirasem1554. Diantedestasntesehistricapodeseperceberetentarfazerumaanlisecriticada situaodapopulaonegranocontextosocialhojebuscandocompreenderporqueonegro emsuamaioriacontinuasemacessoaosdireitosbsicodavida. Nessesentido,entendemosqueosnegrossovitoriososporsis,umavezqueso agentesderesistnciaetransformaodesuaprpriacondiodepovoexcludoeliberto no intuito de serem extintos no decorrer dos anos ou de passarem por um embranqueci mento gradativamente at no existir mais negro neste pas. A esse respeito Borges (2002:27)afirmaquea: Alta incidncia entre a populao negra foi constante at mesmo apsaaboliodaescravatura,em13demaiode1888chegavase a dizer que era desnecessrio por fim a escravido j que doenas como febre amarela clera, varola, e malria eram to comuns entreosnegrosqueelesbrevementedesapareceriam.

Souza(2008:34)apresentaumaanlisecontundentedessasituao: Aolongodahistriabrasileira,negrosenegras,resistiramelutaram contra aopresso e a discriminao atravs de uma multiplicidade de formas de resistncia [...] a resistncia abarca as vrias estratgias empreendidas pelos povos negros para se manterem vivos e perpetuarem sua memria, valores, histria e cultura. So estratgias presente nos costumes. No corpo, no falar, nas vestimentas, nas expresses, nas organizaes socais, polticas e religiosas.

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Tomandoseporbaseahistoricidadevivenciadaataquisepercebequeasituao da criana negra no mbito educacional tem melhorado bastante, entretanto ainda se faz necessrioumareflexomaiscrticaeaprofundadanoquedizrespeitoinclusoefetivae qualitativa da criana negra como cidado possuidor de um passado histrico que queiramosounoteminfluenciadoasrelaesqueseestabelecemnocotidianoescolar. CAVALLEIRO(200:12)reforaessaidiaaoafirmarque: No h como negar que o preconceito e as discriminaes raciais constituem um problema de grande monta para a criana negra, vistoqueessasofrediretaecotidianamentemaustratos,agressese injustias, os quais afetam sua infncia e comprometem todo seu desenvolvimento intelectual. A escola e seus agentes os profissionais da educao em geral, tem demonstrado omisso quantoaodeverderespeitaradiversidaderacialereconhecercom dignidadeascrianaseajuventudenegra.

O momento atual no Brasil marcado positivamente pela aprovao de uma lei voltadaparaainclusosocial,aLei n.10639/03cujoobjetivocombatertodaasortede preconceitos ou discriminao em funo de etnia,raa e/ou cor,pela qual se torna obrigatrio o ensino de Histria e Cultura Afrobrasileira em todos os nveis de ensino,sendoelaboradaasDiretrizesCurricularesNacionaisparaaEducaodasRelaes tnicoRaciaiseparaoEnsinodeHistriaeCulturaAfroBrasileiraeAfricana. ALein.10.639,de9dejaneirode2003alteraaLein.9.394,de20dedezembro de1996,queestabeleceasDiretrizeseBasesdaEducaoNacionalLDB,paraincluirno currculooficialdaRededeEnsinoaobrigatoriedadedatemtica"HistriaeCulturaAfro Brasileira",reivindicaesdosmovimentosnegrosdesde1930. Destacamosaseguirasalteraespropostas:Art. 1 A Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigoraracrescidadosseguintesarts.26A,79Ae79 B: Art.26A.Nosestabelecimentosdeensinofundamentalemdio, oficiais e particulares, tornase obrigatrio o ensino sobre Histria e CulturaAfroBrasileira.

131Ocontedoprogramticoaqueserefereocaputdesteartigo incluiroestudodaHistriadafricaedosAfricanos,alutadosnegros no Brasil,aculturanegrabrasileirae o negro naformao dasociedade nacional, resgatando a contribuio do povo negro nas reas social, econmicaepolticapertinente HistriadoBrasil. 2Oscontedos referentes Histria eCulturaAfroBrasileira seroministrados nombitodetodoocurrculoescolar,emespecialnas reasdeEducaoArtstica,LiteraturaeHistriaBrasileira. 3(VETADO) "Art.79 A.(VETADO)" "Art. 79 B. O calendrio escolar incluir o dia 20 de novembro como'DiaNacionaldaConscinciaNegra'."

Alei10.639/03em11/03/2008foisubstitudapelalei11.465/08queincluioestudo sobre o povo indgena em sala de aula alterando mais uma vez o artigo 1 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB)Lei n. 9394/1996, com o objetivo de fortalecer e estimular o estudo sobre o povo indgena na rede oficial de ensino do pas, tanto pblica como privada.Percebesequenointuitodevalorizarasduasetniascriaramumanicaleipoder ocorrer a mesma superficialidade existente no meio educacional quanto a esses contedos.Dessa forma,nosso receio que no se dedique o tempo necessrio para a abordagem da especificidade de cada um dos dois temas,permanecendo assim uma educao elitista e fragmentada dos grupos minoritrios onde as crianas das duas etnias nosesentemincludas. Ao ser aprovada essa lei ADILTON DE PAULA (2008) membro da CONEN Coordenao Nacional de Entidades Negras, faz uma anlise na qual deixa clara a fragilidadedestanovalei aoproporaunidadedadiversidade: claro que o preconceito as discriminaes e o racismo incidem sobreosnegrosesobreosindgenas,masaproporoeoformato so diferentes. A vantagem da Lei 10639 era exatamente a evidenciaodaquestoracial negra,constituindoum marco,uma conquistahistricadomovimentonegrobrasileiro.Alei10.639/03 foi um avano, pois ao estabelecer a obrigatoriedade do ensino da

14 histria da Cultura Africana e do povo negro no ensino mdio e fundamental,pblicoeprivado,retiravanossopovodoocultamento histricoaquefomossubmetidos,obrigandoasociedadebrasileira, composta de um pensamento social racial, a aceitar, estudar e entendernossashistrias,costumes,culturasetradies.

Apesar de reconhecermos a necessidade da valorizao da cultura indgena e seu aprendizado pelas crianas brasileiras, percebemos que ao juntar as diversidades no mesmo decreto, a questo etnoracial dos povos negros e indgenas,h um equvoco ao ignorar ou a reconhecer as histrias, os acmulos, as dinmicas e os pesos sociais diferenciadosdessasduastemticasnasociedadebrasileira. Dessa forma,o poder pblico ao juntar as demandas seculares dos povos negros e indgenas, empurra adiante a concretizao das solues cobradas pelos movimentos sociais continua sem cumprir a lei 10.639/03, com a efetiva aplicao do ensino sobre histria e cultura afrobrasileira na rede oficial de ensino e agora inclui mais uma obrigao passando para a escola uma nova responsabilidade para qual no est ainda preparadatendoemvistaanfasedadaculturaeurocentroduranteumlongoperodode nossa histria ,deixando margem as culturas dos grupos minoritrios,porm definidores denossagente.NessaperspectivaADILTONDEPAULA(2008)conclui: Aspolticasraciaisnestepasenomundo,nosoenopodemser tratadas como questes de minorias, so questes de maioria, so questes estratgicas do conjunto de nossas sociedades e principalmentedasociedadebrasileira,oBrasilosegundomaior pas negro do mundo.Sem os negros e negras no h avanos sociais,nohdemocracia,nohefetivamentedesenvolvimentoe harmoniasocial.

CONSIDERAESFINAIS

15 Todosestesfragmentosexistentesnahistriaservemparadesconstruirargumentos eideologiasdifundidas,quepropagamidiasdequeonegroinferioraosnonegros,de queascrianasnegrassomaisproblemticasemenosinteligentesqueasdemais. A pesquisa realizada para a elaborao deste artigo evidenciou que historicamente vivenciamos no Brasil a falta de polticas pblicas que superem o mbito do discurso demaggicodealgunspolticosemcampanhaseleitoraisedasfolhasdepapelamarelase engavetadasemformadeleis.Sendoassim,almdasleisexistentesqueforamconseguidas atravsdemuitaluta,suorelgrimas,importantequeexistaumaconscientizaocoletiva dequenenhumaculturaouraasuperioraoutra. Fazse necessrio para formao da identidade consciente da criana negra a valorizao de suas razes e dos valores dos seus ancestrais, pois estes tm requisitos to importantesparaaconstruodestanaoquantoidentidadedosdemaispovos.

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