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O leitor tem em mãos um livro demolidor. As políticas econômica e social do governo Lula são analisadas à luz de inovações metodológicas e conceituais concebidas com grande rigor, sem exageros, sem chavões e sem adjetivação. Surge uma imagem desoladora. A eleição de Lula à Presidência da República foi a operação política conservadora mais bem-sucedida da nossa história, pois deu novo fôlego a um modelo que estava esgotado. Seus resultados comprometem o futuro do Brasil. Isso tem sido parcialmente mascarado pelos efeitos de uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável, que não persistirá para sempre. Quando essa conjuntura mudar, todos os nossos problemas estruturais estarão agigantados. Nunca antes neste país houve tanta mistificação. Não é verdade que a vulnerabilidade externa tenha diminuído, quando comparada com o resto do mundo; na verdade, aumentou. Não é verdade que o crescimento das exportações sinalize uma inserção internacional mais virtuosa, pois estamos vivendo mais um episódio de adaptação passiva e regressiva ao sistema econômico internacional. A indústria de transformação perde dinamismo, com fortalecimento dos setores intensivos em recursos naturais e desarticulação de cadeias produtivas. Na pauta de exportações, têm peso crescente os bens de baixo valor agregado. Há perda de eficiência sistêmica. Nossas taxas de crescimento são inferiores à média internacional. Estamos ficando para trás. Quando se consideram, em conjunto, as seis variáveis macroeconômicas mais importantes, Lula obtém o quarto pior índice de desempenho presidencial da nossa história republicana. E sua política social, centrada no Programa Bolsa Família, é uma grosseira mistificação. Ao contrário do que se diz, não está em curso um processo de distribuição de renda, pois os rendimentos do trabalho, vistos como um todo, continuam a cair sistematicamente, como proporção da renda nacional. Com a adesão do Partido dos Trabalhadores ao sistema tradicional de poder, chegou ao fim o impulso transformador que surgiu nas lutas pela redemocratização do país. A política brasileira apequenou-se ainda mais. Sem disputa de projetos, o sistema político faliu. Foi despolitizado, reduzido a doses cavalares de marketing e a um conjunto de pequenos acordos, tudo a serviço da conquista e da preservação de posições de poder. Nunca foi tão grande, na sociedade, o sentimento difuso de desimportância em relação à política institucional. O governo que, na origem, prometia mudanças tornou-se o governo do cinismo e da passividade. Rigor científico e honestidade intelectual exigem, antes de tudo, o compromisso com uma análise crítica desprovida de interesses. O objetivo é compreender a realidade da melhor maneira possível – condição necessária para transformá-la. O debate sobre a realidade nacional está empobrecido. Os intelectuais orgânicos do bloco dominante estão constrangidos, pois o governo Lula está implementando as estratégias e as políticas desse bloco. Os intelectuais de esquerda, na maioria, estão tímidos. (...) Nosso esforço de inovação analítica está associado à introdução de novos conceitos (como vulnerabilidade externa estrutural e modelo liberal periférico), ao aperfeiçoamento de indicadores (índice de vulnerabilidade externa comparada, índice de desempenho presidencial) e à aplicação, ao Brasil, de conceitos já existentes (transformismo, bloco dominante). LUIZ FILGUEIRAS E REINALDO GONÇALVES A ECONOMIA POLÍTICA DO GOVERNO LULA

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Sinopse O leitor tem em mãos um livro demolidor. As políticas econômica e social do governo Lula são analisadas à luz de inovações metodológicas e conceituais concebidas com grande rigor, sem exageros, sem chavões e sem adjetivação. Surge uma imagem desoladora. A eleição de Lula à Presidência da República foi a operação política conservadora mais bem-sucedida da nossa história, pois deu novo fôlego a um modelo que estava esgotado. Seus resultados comprometem o futuro do Brasil. Isso tem sido parcialmente mascarado pelos efeitos de uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável, que não persistirá para sempre. Quando essa conjuntura mudar, todos os nossos problemas estruturais estarão agigantados. Nunca antes neste país houve tanta mistificação. Não é verdade que a vulnerabilidade externa tenha diminuído, quando comparada com o resto do mundo; na verdade, aumentou. Não é verdade que o crescimento das exportações sinalize uma inserção internacional mais virtuosa, pois estamos vivendo mais um episódio de adaptação passiva e regressiva ao sistema econômico internacional. A indústria de transformação perde dinamismo, com fortalecimento dos setores intensivos em recursos naturais e desarticulação de cadeias produtivas. Na pauta de exportações, têm peso crescente os bens de baixo valor agregado. Há perda de eficiência sistêmica. Nossas taxas de crescimento são inferiores à média internacional. Estamos ficando para trás. Quando se consideram, em conjunto, as seis variáveis macroeconômicas mais importantes, Lula obtém o quarto pior índice de desempenho presidencial da nossa história republicana. E sua política social, centrada no Programa Bolsa Família, é uma grosseira mistificação. Ao contrário do que se diz, não está em curso um processo de distribuição de renda, pois os rendimentos do trabalho, vistos como um todo, continuam a cair sistematicamente, como proporção da renda nacional. Com a adesão do Partido dos Trabalhadores ao sistema tradicional de poder, chegou ao fim o impulso transformador que surgiu nas lutas pela redemocratização do país. A política brasileira apequenou-se ainda mais. Sem disputa de projetos, o sistema político faliu. Foi despolitizado, reduzido a doses cavalares de marketing e a um conjunto de pequenos acordos, tudo a serviço da conquista e da preservação de posições de poder. Nunca foi tão grande, na sociedade, o sentimento difuso de desimportância em relação à política institucional. O governo que, na origem, prometia mudanças tornou-se o governo do cinismo e da passividade.

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O leitor tem em mãos um livro demolidor.

As políticas econômica e social do governo

Lula são analisadas à luz de inovações

metodológicas e conceituais concebidas

com grande rigor, sem exageros, sem

chavões e sem adjetivação. Surge uma

imagem desoladora.

A eleição de Lula à Presidência da República

foi a operação política conservadora mais

bem-sucedida da nossa história, pois

deu novo fôlego a um modelo que estava

esgotado. Seus resultados comprometem o

futuro do Brasil. Isso tem sido parcialmente

mascarado pelos efeitos de uma conjuntura

internacional excepcionalmente favorável,

que não persistirá para sempre. Quando

essa conjuntura mudar, todos os nossos

problemas estruturais estarão agigantados.

Nunca antes neste país houve tanta

mistificação. Não é verdade que a

vulnerabilidade externa tenha diminuído,

quando comparada com o resto do mundo;

na verdade, aumentou. Não é verdade que

o crescimento das exportações sinalize

uma inserção internacional mais virtuosa,

pois estamos vivendo mais um episódio de

adaptação passiva e regressiva ao sistema

econômico internacional. A indústria

de transformação perde dinamismo,

com fortalecimento dos setores intensivos

em recursos naturais e desarticulação

de cadeias produtivas. Na pauta de

exportações, têm peso crescente

os bens de baixo valor agregado. Há perda

de eficiência sistêmica. Nossas taxas

de crescimento são inferiores à média

internacional. Estamos ficando para trás.

Quando se consideram, em conjunto,

as seis variáveis macroeconômicas mais

importantes, Lula obtém o quarto pior

índice de desempenho presidencial da

nossa história republicana. E sua política

social, centrada no Programa Bolsa Família,

é uma grosseira mistificação. Ao contrário

do que se diz, não está em curso um

processo de distribuição de renda, pois os

rendimentos do trabalho, vistos como um

todo, continuam a cair sistematicamente,

como proporção da renda nacional.

Com a adesão do Partido dos Trabalhadores

ao sistema tradicional de poder, chegou

ao fim o impulso transformador que surgiu

nas lutas pela redemocratização do país. A

política brasileira apequenou-se ainda mais.

Sem disputa de projetos, o sistema político

faliu. Foi despolitizado, reduzido a doses

cavalares de marketing e a um conjunto

de pequenos acordos, tudo a serviço da

conquista e da preservação de posições de

poder. Nunca foi tão grande, na sociedade,

o sentimento difuso de desimportância em

relação à política institucional.

O governo que, na origem, prometia

mudanças tornou-se o governo do cinismo

e da passividade.

Rigor científico e honestidade intelectual exigem, antes de tudo,

o compromisso com uma análise crítica desprovida de interesses.

O objetivo é compreender a realidade da melhor maneira possível

– condição necessária para transformá-la. O debate sobre

a realidade nacional está empobrecido. Os intelectuais orgânicos

do bloco dominante estão constrangidos, pois o governo Lula

está implementando as estratégias e as políticas desse bloco.

Os intelectuais de esquerda, na maioria, estão tímidos. (...)

Nosso esforço de inovação analítica está associado à introdução

de novos conceitos (como vulnerabilidade externa estrutural

e modelo liberal periférico), ao aperfeiçoamento de indicadores

(índice de vulnerabilidade externa comparada, índice de desempenho

presidencial) e à aplicação, ao Brasil, de conceitos já existentes

(transformismo, bloco dominante).

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A E C O N O M I AP O L Í T I C A D O

GOVERNO

Lula

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Page 3: A economia política do governo lula

© Luiz Filgueiras e Reinaldo GonçalvesDireitos adquiridos pela Contraponto Editora Ltda. para esta edição.Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro sem autorização da editora.

CONTRAPONTO EDITORA LTDA.

Caixa Postal 56066 – Cep 22292-970Rio de Janeiro, RJ – BrasilTel / fax: (21) 2544 0206 / 2215 6148e-mail: [email protected]: www.contrapontoeditora.com.br

Tiragem: 2000 exemplares

Edição e revisão: César BenjaminProjeto gráfico:Traço DesignImpressão: Prol Gráfica

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

F512eFilgueiras, Luiz Antonio MattosA economia política do governo Lula / Luiz Filgueiras, Reinaldo

Gonçalves. - Rio de Janeiro : Contraponto, 2007.

AnexosInclui bibliografiaISBN 978-85-85910-91-4

1. Brasil - Política econômica. 2. Brasil - Política e governo - 2003-. I. Gon-çalves, Reinaldo, 1951-. II.Título.

07-3849. CDD 338.0981CDU 338.1(81)

09.10.07 10.10.07 003861

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L U I Z F I L G U E I R A S I R E I N A L D O G O N Ç A L V E S

A E C O N O M I AP O L Í T I C A D O

GOVERNO

Lula

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Para Graça e Vitor

Para Mariangela e Marcelo

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Page 6: A economia política do governo lula

Sumário

Sobre os autores 11

Lista de gráficos, quadros e tabelas 13

Introdução 17

CAPÍTULO 1

Contexto internacional 33

1. Ciclo internacional favorável 35

1.1 Esfera produtivo-real 36

1.2 Esfera comercial 41

1.3 Esfera monetário-financeira 43

1.4 Esfera tecnológica 46

2. Vulnerabilidade externa 47

2.1 Vulnerabilidade externa comparada 48

2.2 Governo Lula versus Governo Cardoso 54

3. Oportunidade perdida 57

CAPÍTULO 2

Inserção internacional e vulnerabilidade externa 61

1. Vulnerabilidade externa conjuntural e anomalias 64

2. Exportações e dependência externa 73

3. Especialização retrógrada 78

4. Retrocesso industrial 83

5. Vulnerabilidade externa estrutural 88

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Page 7: A economia política do governo lula

3. Política e dinâmica macroeconômica 95

1. Continuidade domodelo 97

2. Desempenhomacroeconômico 101

2.1 Contas externas e inflação 101

2.2 Finanças públicas 105

2.3 Renda, investimento e emprego 108

3. Modelo e ajuste macroeconômico 110

4. Liberalização e retrocesso 113

4. Desempenho em perspectiva histórica 117

1. Crescimento da renda 119

2. Hiato de crescimento 121

3. Acumulação de capital 125

4. Inflação 127

5. Fragilidade financeira 130

6. Vulnerabilidade externa 132

7. Desempenho geral 134

5. Pobreza e política social 141

1. Concepção hegemônica 143

2. Contra-reforma liberal 149

3. Universalização versus focalização 153

4. Ajuste fiscal e política social 157

5. Bolsa Família 162

6. Flexibilização e precarização do trabalho 170

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Page 8: A economia política do governo lula

6. Classes sociais, Estado e bloco de poder 175

1. Bloco de poder dominante 177

2. Transformismo e cooptação 182

3. Patrimonialismo e balcanização 188

7. Crescimento, acumulação e perspectivas 197

1. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 198

2. Distribuição de riqueza e renda 2077

3. Perspectivas para os jovens 215

4. Cenários macroeconômicos 220

5. Perspectivas 223

Anexos

I. Índice de Vulnerabilidade Externa Comparada 233

II. Índice de Desempenho Presidencial 235

III. Análise de Componentes Principais 243

IV. Conceitos e definições 249

Bibliografia 253

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Sobre os autores

Luiz FilgueirasProfessor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Fe-deral da Bahia (UFBA) desde 1980,ministrando as disciplinas de Economia Bra-sileira, Economia doTrabalho e História do Pensamento Econômico, entre ou-tras. Foi diretor dessa Faculdade no período 2000-2004.

Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp (1994);mes-tre em Economia pela UFBA (1983) e bacharel em Economia por essa mesmainstituição (1978).Em 2006, realizou pós-doutorado no Centro de Economia daUniversidade Paris XIII sob a direção do professor Pierre Salama.

Autor do livro História do Plano Real (Boitempo, 2000, 2003 e 2006) e de di-versos capítulos de livros, dezenas de artigos publicados em revistas especializa-das e jornais nas áreas de Economia Brasileira, Política Econômica e EconomiadoTrabalho.

Membro do grupo de trabalho sobre Setores Dominantes na América Latinado Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). Recebeu o Pri-meiro Prêmio Baiano de Economia Rômulo de Almeida – Conselho Regionalde Economia, 5ª Região (1986) e o Prêmio Banco do Estado da Bahia (Baneb)de Apoio aTeses, na categoria de professor pesquisador (1998).

Reinaldo GonçalvesProfessor titular de Economia Internacional do Instituto de Economia da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 1993; diretor da SociedadeBrasileira de Economia Política (1998-2002); diretor daAssociação Nacional dosCursos de Graduação em Economia (2000-2002); conselheiro titular,ConselhoFederal de Economia (2001-2003); vice-presidente do Conselho Regional deEconomia,RJ (1997-1999); e presidente do Instituto de Economistas do Rio deJaneiro (1995-1996).

A economia política do governo Lula 11

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Livre-docente em Economia Internacional (UFRJ, 1991); Ph.D. em Econo-mia pela University of Reading (Inglaterra, 1986); mestre em Economia pelaEPGE-FGV (1976); mestre em Engenharia da Produção pela Coppe-UFRJ(1974); e bacharel em Economia (UFRJ, 1973).

Foi professor visitante (Directeur d'Etudes), da École des Hautes Études enSciences Sociales, Maison des Sciences de l’Homme, Paris, 1996; professor visi-tante da Universidade de Paris XIII, 1990; economista das Nações Unidas (Unc-tad, Genebra, 1983-1987).

Autor de mais de três centenas de trabalhos publicados em 21 países: Europa(Alemanha, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia, Suíça, Portugal e Iugoslá-via); Ásia (Japão, Coréia do Sul e Índia); África (CaboVerde);América do Nor-te (Estados Unidos e México);Caribe (Cuba); eAmérica do Sul (Argentina,Bra-sil, Chile, Uruguai eVenezuela).

Entre os seus principais trabalhos no Brasil destacam-se os livros Empresastransnacionais e internacionalização da produção (Vozes, 1992); Ô abre-alas: a nova in-serção do Brasil na economia mundial (Relume-Dumará, 1994); Globalização e des-nacionalização (Paz e Terra, 1999); O Brasil e o comércio internacional (Contexto,2000), Vagão descarrilhado (Record, 2002); O nó econômico (Record, 2003); A he-rança e a ruptura (Garamond, 2003); Comércio e investimento externo (Fase, 2004); eEconomia política internacional (Elsevier, 2005).

É co-autor de outros livros, como: A nova economia internacional. Uma perspec-tiva brasileira (Campus, 1998); O Brasil endividado (Perseu Abramo, 2000); A ar-madilha da dívida (Perseu Abramo, 2002); e Economia internacional.Teoria e expe-riência brasileira (Elsevier, 2004).

Seus trabalhos receberam os seguintes prêmios: Prêmio Fundação Universi-tária José Bonifácio em 1991; Prêmio Jabuti 2001 (Câmara Brasileira do Livro);Troféu Cultura Econômica em 2004 (Caixa Econômica-Jornal do ComércioRS);Troféu Cultura Econômica em 2005; e Personalidade Econômica do Ano(Conselho Federal de Economia) em 2004.

12 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 12: A economia política do governo lula

Tabelas, quadros e gráficos

TabelasTabela 1.1 Indicadores de vulnerabilidade externa, Brasil e mundo: 1995-2006.

Tabela 1.2 Índices de vulnerabilidade externa comparada, Brasil: 1995-2006.

Tabela 1.3 Vulnerabilidade externa do Brasil, Indicadores: governo Lula versus

governo Cardoso.

Tabela 1.4 Os países com osmaiores spreads nos títulos nomercado internacional:

2002-2007.

Tabela 2.1 Indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural: 1994-2006.

Tabela 2.2 Transações correntes: 1995-2006.

Tabela 2.3 Serviços e rendas, valores acumulados: 1995/2006.

Tabela 2.4 Ingresso de Investimento Externo Direto (IED): 1990-2006.

Tabela 2.5 Fluxos líquidos de capitais: 1995-2006.

Tabela 2.6 Balança comercial: 1995-2006.

Tabela 2.7 Contribuição ao crescimento do PIB (%).

Tabela 2.8 Evolução das exportações por fator agregado: 1999-2006.

Tabela 2.9 Padrão das exportações por fator agregado: 1995-2006 (%).

Tabela 2.10 Padrão das exportações por tipo de produto: 1995-2006 (%).

Tabela 2.11 Padrão das exportações segundo grupos de produtos: 1999-2006.

Tabela 2.12 Padrão das exportações segundo intensidade tecnológica dos produtos:

1999-2006.

Tabela 2.13 Participação dos vinte principais produtos de exportação (%).

Tabela 3.1 Transações correntes do balanço de pagamentos: 2003-2006.

Tabela 3.2 Transações correntes do balanço de pagamentos, valores acumulados:

1995-2006.

Tabela 3.3 Metas e taxas de inflação: 2003-2006.

Tabela 3.4 Dívida líquida do setor público, anos selecionados: 1994-2006.

Tabela 3.5 Finanças públicas, valores acumulados: 1995-2006.

Tabela 3.6 Renda, investimento e emprego: 2003-2006.

Tabela 3.7 Renda, investimento e emprego: governo Lula versus governo Cardoso.

Tabela 3.8 Perda de eficência sistêmica do Brasil: 2003-2007.

A economia política do governo Lula 13

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Tabela 4.1 Variáveis macroeconômicas segundo omandato presidencial: 1890-2006.

Tabela 4.2 Índice de desempenho presidencial.

Tabela 4.3 Índice de desempenho presidencial segundo a ordem de classificação.

Tabela 4.4 Desempenho do governo Lula: síntese das variáveis e dos índices.

Tabela 4.5 Desempenho do governo Lula: síntese das posições segundo

o índice de desempenho presidencial e a análise de componentes principais.

Tabela 5.1 Execução do Orçamento da União, 2000-2006.

Tabela 5.2 Execução do Orçamento (social) da União, 2000-2006.

Tabela 6.1 Financiamento das campanhas eleitorais para a Presidência da República,

segundo o setor econômico: 2002 e 2006.

Tabela 7.1 Investimentos em infra-estrutura no PAC, acumulado: 2007-2010

Tabela 7.2 Indicadoresmacroeconômicos previstos no PAC: 2007-2010

Tabela 7.3 Subestimativa de investimentos em logística e transportes no PAC.

Tabela 7.4 Massa salarial, regiõesmetropolitanas, 2003-2006.

Tabela 7.5 Mais jovens fora da escola.

Tabela 7.6 Mortes e homicídios de jovens: recordesmundiais.

Tabela 7.7 Maior desemprego dos jovens.

Tabela 7.8 Maior consumo de drogas e álcool pelos jovens.

Tabela 7.9 Jovens brasileiros emigram cada vezmais.

Tabela 7.10 Jovens pessimistas com o futuro.

Tabela 7.11 Cenários macroeconômicos: 2007-2010.

QuadrosQuadro 1.1 Vulnerabilidade externa: conceitos.

Quadro 1.2 Principais conclusões: capítulo 1.

Quadro 2.1 Doença holandesa.

Quadro 2.2 Principais conclusões: capítulo 2.

Quadro 3.1 Modelo liberal periférico.

Quadro 3.2 Principais conclusões: capítulo 3.

Quadro 4.1 Lula: melhor do que JK ou quase tão ruim quanto Collor?

Quadro 4.2 Principais conclusões: capítulo 4.

14 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Quadro 5.1 Políticas sociais de Estado.

Quadro 5.2 Importância da aposentadoria rural.

Quadro 5.3 Universalização versus focalização.

Quadro 5.4 Prouni.

Quadro 5.5 Conceitos inapropriados de ricos.

Quadro 5.6 Políticas focalizadas: lógica perversa.

Quadro 5.7 CPMF: desvios da saúde para o pagamento de juros.

Quadro 5.8 Importância do Bolsa Família.

Quadro 5.9 Hegemonia às avessas.

Quadro 5.10 “Não existe reforma agrária no governo Lula”.

Quadro 5.11 Principais conclusões: capítulo 5.

Quadro 6.1 O transformismo segundo Olavo Setúbal.

Quadro 6.2 O transformismo segundo César Benjamin.

Quadro 6.3 Etanol e seus efeitos.

Quadro 6.4 Lula e o lulismo.

Quadro 6.5 Principais conclusões: capítulo 6.

Quadro 7.1 Risco de apagão de energia continua.

Quadro 7.2 Crescente custo ambiental.

Quadro 7.3 Principais conclusões: capítulo 7.

GráficosGráfico 1.1 PIBmundial, var. %, média móvel quatro anos: 1890-2006.

Gráfico 1.2 PIB e investimento na economiamundial: 1999-2006.

Gráfico 1.3 Taxa de investimento e investimento externo direto: 1999-2006.

Gráfico 1.4 Inflaçãomédia mundial, IPC (%): 1999-2006.

Gráfico 1.5 Comércio mundial de bens, var. %: 1999-2006.

Gráfico 1.6 Preços internacionais, var. %: 1999-2006.

Gráfico 1.7 Déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, % do PIB: 1997-2006.

Gráfico 1.8 Reservas internacionais: 1999-2006.

Gráfico 1.9 Países em desenvolvimento, contas externas (US$ bilhões): 1999-2006.

Gráfico 1.10 Países em desenvolvimento, indicadores das contas externas (%): 1999-2006.

Gráfico 1.11 Spreads dos títulos dosmercados emergentes: 1998-2006.

Gráfico 1.12 Indicadores de progresso técnico: 1999-2005.

Gráfico 1.13 PIBmundial, var. % segundo omandato presidencial: 1890-2006.

Gráfico 1.14 Índices de vulnerabilidade externa, Brasil: 1995-2006.

A economia política do governo Lula 15

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Gráfico 2.1 Taxa de câmbio efetiva real, média móvel 12meses: 1995-2006.

Gráfico 2.2 Pagamentos de juros e taxas pelo Brasil ao FMI: 1984-2006.

Gráfico 2.3 Termos de troca e rentabilidade das exportações.

Gráfico 2.4 Exportações e PIB: 1995-2006.

Gráfico 2.5 Exportações de bens e serviços, contribuição % no crescimento do PIB: 1995-2006.

Gráfico 3.1 Dívida líquida do setor público (% do PIB): 2003-2006.

Gráfico 3.2 Índice de Liberalização Econômica: 1995-2007.

Gráfico 3.3 Eficácia do governo e qualidade do aparato regulatório: 1996-2006.

Gráfico 3.4 Respeito à lei e controle da corrupção: 1996-2006.

Gráfico 4.1 PIB Brasil, var. %, média móvel quatro anos: 1890-2006.

Gráfico 4.2 PIB Brasil, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.3 Hiato de crescimento, média móvel quatro anos.

Gráfico 4.4 Hiato de crescimento, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.5 Renda per capita do Brasil como percentual da renda per capita mundial:

1890-2006.

Gráfico 4.6 Renda per capita do Brasil como percentual da renda per capita mundial:

1990-2006.

Gráfico 4.7 Formação bruta de capital fixo, var. %, média móvel quatro anos.

Gráfico 4.8 FBCF, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.9 Inflação %, média móvel quatro anos.

Gráfico 4.10 Inflação, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.11 Fragilidade financeira %, média móvel quatro anos.

Gráfico 4.12 Fragilidade financeira, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.13 Vulnerabilidade externa %, média móvel quatro anos.

Gráfico 4.14 Vulnerabilidade externa, índice de desempenho presidencial.

Gráfico 4.15 Índice de desempenho presidencial, média.

Gráfico 7.1 Salário mínimo real, var. % anual em subperíodos: 1995-2011.

Gráfico 7.2 Coeficiente de Gini: 1995-2005.

Gráfico 7.3 Distribuição primária da renda (%): 2000-2005.

Gráfico 7.4 Diferencial entre a variação do salário médio e a variação do PIB per capita:

1996-2006.

Gráfico 7.5 Diferencial entre a variação do salário médio e a variação do PIB per capita

por subperíodos: 1995-2006.

Gráfico 7.6 Relação juro / salário: 1995-2006.

Gráfico 7.7 Participação dos grandes bancos no PIB (%), por subperíodos: 1995-2006.

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Introdução

Este livro analisa as políticas econômicas e sociais do governo Lula e o desem-penho da economia brasileira a partir de 2003.As principais características dotexto são as seguintes: (i) orientação didática; (ii) perspectiva histórica; (iii) ava-liação crítica; (iv) esforço de inovação analítica; (v) enfoque abrangente; (vi) abor-dagem da Economia Política; (vii) caráter prospectivo.Naturalmente, estes são ospropósitos dos autores.Cabe ao leitor julgar até que ponto o livro atinge seus ob-jetivos.

A orientação didática é necessária, visto que o livro não se destina apenas aeconomistas ou especialistas. Foi escrito para um público mais amplo: estudan-tes, profissionais de áreas diversas e todos os interessados em entender melhor aatual situação do país e suas perspectivas. Para reforçar o caráter didático, no fi-nal de cada capítulo há um quadro com a síntese das principais conclusões.Asquestões ou os conceitos são definidos da forma mais precisa e concisa possível.Os conceitos técnicos são tratados nos anexos e em quadros específicos. NoAnexo IV apresentam-se os principais conceitos usados no livro.

A perspectiva histórica fornece o referencial adequado para a análise da dinâ-mica e do desempenho da economia brasileira.Essa perspectiva exige que a ava-liação da política econômica do governo Lula e seus resultados leve em conta ocontexto internacional.Não há como fazer uma análise robusta sem que se con-sidere o que está acontecendo no resto mundo, já que o grau de inserção dopaís no sistema econômico internacional atingiu níveis elevados. A análise dodesempenho da economia brasileira também deve considerar o seu padrão his-tórico de desenvolvimento. Ou seja, trata-se de comparar o seu atual desem-penho com o das economias do resto do mundo e com o seu próprio desem-penho ao longo da história. Neste último caso, a referência é todo o períodorepublicano.

A avaliação crítica das estratégias e políticas do governo Lula é uma exigên-cia do método científico.Rigor científico e honestidade intelectual exigem, an-

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tes de tudo, o compromisso com uma análise crítica desprovida de interesses.Oobjetivo é compreender a realidade da melhor maneira possível – condição ne-cessária para transformá-la.Essa questão é particularmente relevante no Brasil nomomento atual, pois o debate sobre a realidade nacional está empobrecido.Tra-ta-se, de fato, de uma situação peculiar porque os intelectuais orgânicos do blo-co dominante estão constrangidos. O governo Lula está implementando as es-tratégias e políticas desse bloco, até mesmo com resultados superiores, obser-vando-se os interesses de suas frações hegemônicas.Por outro lado,os intelectuaisde esquerda, em sua maioria, estão tímidos, visto que o governo Lula tem comoprincipal base política no Congresso o Partido dos Trabalhadores e conta como apoio de organizações da sociedade civil (por exemplo, centrais sindicais). En-tretanto, esse governo aprofunda um modelo de economia, sociedade e política(modelo liberal periférico) que consolida e aprofunda os atuais padrões de do-minação no país. Naturalmente, na literatura atual sobre o desempenho do go-verno Lula há alguns trabalhos críticos, que estão referidos no texto, e outrosque estão listados na bibliografia.

O esforço de inovação analítica está associado à introdução de novos concei-tos (como vulnerabilidade externa estrutural e modelo liberal periférico), aoaperfeiçoamento de indicadores (Índice deVulnerabilidade Externa Compara-da, Índice de Desempenho Presidencial) e à aplicação, ao Brasil, de conceitos jáexistentes (transformismo, bloco dominante). Esse esforço busca uma com-preensão mais precisa da realidade brasileira contemporânea.

O enfoque abrangente decorre da preocupação de entender o governo Lulanas suas dimensões econômica, social e política. Freqüentemente, análises parciais,centradas em uma dessas dimensões, deixam de lado fatores relevantes e tendema se concentrar em movimentos mais conjunturais. Esses fatores, principalmen-te os de natureza estrutural, permitem uma visão mais geral e, portanto,mais di-nâmica e orgânica da trajetória recente do Brasil e de suas perspectivas. Para ilus-trar, a maior parte dos observadores tem concentrado suas análises na evoluçãode indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural. Por isso, há uma tendên-cia a se negligenciar a crescente vulnerabilidade externa estrutural, decorrente doavanço do processo de liberalização nas esferas produtivo-real, comercial e mo-netário-financeira das relações econômicas internacionais do país.Outro exem-plo de parcialidade e fragilidade científica é a análise econômica que despreza ainfluência dos interesses do bloco dominante na formulação e execução das es-

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tratégias de governo.Adicionalmente, o fenômeno do “transformismo” políticopromovido por Lula e pelo PT,de forma rápida e ampla, pegou de surpresa mui-tos “companheiros de viagem” e, inclusive, representantes do bloco dominante.

A abordagem da Economia Política reside no uso de um método de análiseem que os fenômenos econômicos estão vinculados diretamente à dinâmica dosinteresses de grupos e classes sociais. Nesse método, a acumulação de riquezadepende das estratégias e políticas de Estado. E o Estado é o espaço privilegia-do da disputa entre grupos e classes sociais. Portanto, a acumulação de riquezaestá associada ao exercício do poder ideológico, político e econômico.

O caráter prospectivo do livro está presente em todos os capítulos, especial-mente no último.A análise das questões econômicas, sociais e políticas duranteo governo Lula tem como referência os elementos de conjuntura e, principal-mente, os eixos estruturantes das estratégias e políticas governamentais. O ob-jetivo é distinguir o que é estrutural e o que é conjuntural, o que é primário eo que é secundário. Esse procedimento permite uma visão mais clara das incer-tezas críticas existentes quanto à trajetória futura do país.A análise das perspec-tivas é apresentada de forma mais direta no último capítulo, que avalia o Pro-grama de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado por Lula no início do seusegundo mandato em 2007, a questão estrutural da distribuição da riqueza e asperspectivas em geral.

O livro está dividido em sete capítulos. Os quatro primeiros concentram-seem temas econômicos: contexto internacional, inserção externa, política e mo-delo econômico, além de desempenho em perspectiva histórica.O quinto capí-tulo trata da política social, enquanto o sexto analisa o governo Lula levando emconsideração a dinâmica das classes sociais, o papel do Estado e a atuação dos gru-pos dominantes. O sétimo capítulo discute as perspectivas.

Os principais argumentos e as principais conclusões do livro são apresentadosa seguir.

No capítulo 1 examinam-se a evolução da economia mundial e a questão davulnerabilidade externa.A análise da situação internacional abarca as quatro es-feras relevantes: produtivo-real, comercial, tecnológica e monetário-financeira.Aevidência apresentada é conclusiva: a conjuntura internacional tem sido ex-traordinariamente favorável desde 2003.Em poucos momentos da histórica eco-nômica mundial podem ser encontrados indicadores tão evidentes de uma faseascendente de um ciclo econômico.

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O contexto internacional favorável é determinante para a evolução da vul-nerabilidade externa, principalmente, dos países em desenvolvimento.A vulne-rabilidade externa é entendida como a capacidade de determinado país resistira pressões, fatores desestabilizadores e choques externos.

A aceleração da economia mundial, a partir de 2003, teve como uma das suasconseqüências mais evidentes a melhora generalizada dos indicadores de vulne-rabilidade externa conjuntural do conjunto dos países em desenvolvimento. OBrasil não fugiu a essa regra.A evidência empírica é conclusiva: os indicadoresde vulnerabilidade externa conjuntural, que tendiam a melhorar desde a crisecambial de 1999, continuam progredindo durante o governo Lula.

Não houve melhora na vulnerabilidade externa da economia brasileira, compa-rativamente ao resto do mundo, durante o governo Lula.Trata-se, aqui, da vulne-rabilidade externa comparada, ou seja, de se analisar a evolução dos indicadoresbrasileiros em relação aos indicadores do resto do mundo.A metodologia de cál-culo do Índice deVulnerabilidade Externa Comparada é apresentada no Anexo I.

Os indicadores de vulnerabilidade externa comparada do Brasil não apresentamavanços significativos quando se confronta o período 2003-2006 com o período1995-2002.No contexto de queda generalizada dos indicadores de vulnerabilida-de externa no conjunto da economia mundial, o governo Lula não mostra de-sempenho superior ao do governo Cardoso.Na realidade, o índice de vulnerabili-dade externa comparada do Brasil durante o governo Lula é menor do que estemesmo índice no segundo mandato de Cardoso e maior do que o índice médiono primeiro mandato.Considerando a média dos dois mandatos de Cardoso, o ín-dice médio de vulnerabilidade externa comparada do governo Lula é maior.

O corolário dos argumentos e da evidência empírica é que a melhora dos in-dicadores de vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira, a par-tir de 2003, decorre de um contexto internacional extraordinariamente favorá-vel. No que diz respeito ao ajuste externo, não há motivos para se atribuirméritos específicos à condução da política econômica do governo Lula.Ao con-trário. Esse governo manteve a mesma política econômica do governo anterior,sendo responsável pela perda da extraordinária oportunidade criada pelo con-texto internacional pós-2003, que permitiria colocar o país em uma trajetóriade desenvolvimento econômico estável e dinâmico.

No capítulo 2 analisam-se em maiores detalhes a inserção do Brasil na econo-mia internacional e seu padrão de vulnerabilidade externa a partir de 2003.Nesse

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capítulo distingue-se a vulnerabilidade externa conjuntural e a vulnerabilidade ex-terna estrutural.O argumento geral é que as políticas do governo Lula reforçam oavanço de estruturas de produção e padrões de inserção internacional retrógrados,que tendem a aumentar a vulnerabilidade externa estrutural do país. Não há dú-vida de que a redução dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural de-corre fundamentalmente do desempenho favorável das exportações.O crescimen-to das exportações de bens primários é a variável fundamental que diferencia o de-sempenho da economia antes e depois de 1999 e,particularmente, a partir de 2003.

No governo Lula configura-se um processo de adaptação passiva e regressivado país ao sistema econômico internacional, em geral, e ao sistema mundial decomércio, em particular. A maior competitividade internacional está centradanos produtos intensivos em recursos naturais e se dá, no essencial, mantendo omesmo padrão de especialização já existente.

Ademais, o governo Lula é responsável por anomalias como a forte aprecia-ção cambial e a exportação de capital produtivo, bem como o pagamento de va-lores extraordinariamente elevados ao FMI em um contexto de melhora evi-dente das contas externas do país.Vale destacar que a manutenção das linhas decrédito junto ao FMI custou ao país US$ 3,65 bilhões na forma de pagamentode juros e taxas de administração no período 2003-2006. Isto representou umenorme desperdício de recursos.

A inserção passiva do país no sistema econômico internacional tem como re-sultado o aumento da dependência do crescimento do PIB em relação à de-manda externa. Isto se deve, principalmente, ao crescimento da participação dasexportações no PIB.O país tornou-se estruturalmente mais vulnerável frente àsoscilações da conjuntura internacional.

O aumento da vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira de-corre também do aprofundamento do padrão de especialização retrógrada queenvolve a reprimarização das exportações, com a crescente participação de pro-dutos primários no valor das exportações.O país tem sido incapaz de promovero upgrade do seu padrão de comércio exterior. Há perda de posição relativa deprodutos de exportação com maior intensidade tecnológica. Os ganhos relati-vos têm ocorrido nos produtos de baixo conteúdo tecnológico e nos produtosintensivos em recursos naturais.

Como determinante da inserção passiva no sistema econômico internacional,cabe destacar a perda de dinamismo da indústria de transformação, com a espe-

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cialização em setores intensivos em recursos naturais e a desarticulação de cadeiasprodutivas. A ausência de progresso na estrutura produtiva implica consolidarum padrão de inserção retrógrada no sistema mundial de comércio, com cres-cente dependência em relação à exportação de commodities.

O desempenho recente do comércio exterior do Brasil não resulta de trans-formações estruturais, mas de circunstâncias conjunturais associadas às elevadastaxas de crescimento do comércio mundial e à melhora nos termos de troca.Amelhora dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural, decorrente docrescimento das exportações de commodities, não tem impedido o aumento davulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira.

No capítulo 3 avaliam-se a política e a dinâmica macroeconômica do paísdurante o governo Lula, bem como os seus determinantes estruturais.A análiseda dinâmica macroeconômica refere-se, em grande medida, ao desempenho daeconomia brasileira em questões específicas, a saber, contas externas, inflação, fi-nanças públicas, renda, investimento e emprego.A discussão dos determinantesestruturais está vinculada às características do modelo liberal periférico que sãoaprofundadas e consolidadas a partir de 2003.

Considerando que o conceito de modelo liberal periférico é central para aanálise desenvolvida no livro, cabe explicitá-lo desde o início. Esse modelotem três conjuntos de características marcantes: liberalização, privatização edesregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominân-cia do capital financeiro. O modelo é liberal porque é estruturado a partir daliberalização das relações econômicas internacionais nas esferas comercial, pro-dutiva, tecnológica e monetário-financeira; da implementação de reformasno âmbito do Estado (em especial na área da Previdência Social) e da priva-tização de empresas estatais, que implica reconfigurar a intervenção estatal naeconomia e na sociedade; e de um processo de desregulação do mercado detrabalho, que reforça a exploração da força de trabalho. O modelo é periféri-co porque é uma forma específica de realização da doutrina neoliberal e dasua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no sistemaeconômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena in-ternacional e se caracteriza por significativa vulnerabilidade externa estrutu-ral nas suas relações econômicas internacionais. Por fim, a dinâmica macroe-conômica do modelo subordina-se à predominância do capital financeiro e dalógica financeira.

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O governo Lula manteve a mesma política econômica do segundo governoCardoso: metas de inflação, ajuste fiscal permanente e câmbio flutuante. Entre-tanto, a redução das restrições externas tem possibilitado menor instabilidademacroeconômica. Essa oportunidade tem sido usada pelo governo Lula para re-forçar o modelo liberal periférico e suas políticas econômicas.Trata-se, pois, dacontinuidade e do aprofundamento do modelo.

A melhora da situação das contas externas é causada pelos crescentes superá-vits comerciais que ultrapassam, a partir de 2003,os déficits estruturais da balançade serviços e rendas. Entre os principais determinantes do desempenho da ba-lança comercial, podem-se mencionar: a desvalorização cambial de 2002,o cres-cimento das economias americana e chinesa, que puxaram o comércio mundial,a recuperação da Argentina e a disparada nos preços das commodities.

As taxas de inflação caíram sistematicamente a partir de 2003. Os principaisfatores determinantes são: a apreciação cambial, decorrente dos elevados saldosna balança comercial e da manutenção de grande diferencial entre as taxas de ju-ros interna e externa; a fraca pressão da demanda interna causada pelas políticasfiscais (mega-superávit primário) e monetária (juros elevados); e a queda dos sa-lários reais durante a maior parte do período.

A mudança do cenário internacional e a acentuada melhora das contas ex-ternas do país também implicam resultados mais favoráveis para a trajetória dadívida pública a partir de 2003.A redução relativa da dívida total se deve à di-minuição sistemática da dívida externa em todos os anos, tanto em valores ab-solutos quanto como proporção do PIB. Por outro lado, a relação dívida inter-na/PIB é crescente, pois tem havido a troca de dívida externa, de maior prazo emenor juro, por dívida interna, de prazo menor e taxas de juros mais elevadas.

Os governos Cardoso e Lula propiciaram ao capital financeiro mais de R$ 1trilhão em juros da dívida pública, o que correspondeu, em média, a 8% do PIBno segundo governo Cardoso e a 8,2% no governo Lula. Neste, as elevadas ta-xas de juros praticadas acarretaram pagamentos de R$ 590 bilhões em juros,montante 61% maior do que o acumulado entre 1999 e 2002.

No governo Lula, a trajetória instável e as baixas taxas de crescimento do PIBestão associadas a taxas de investimento baixas e de desemprego altas.A evolu-ção medíocre do nível do produto, do investimento e do emprego é particular-mente impressionante porque ocorreu em uma conjuntura internacional bas-tante favorável a partir de 2003.

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No governo Lula, a taxa média de crescimento do PIB (3,3%) foi maior doque as taxas crescimento dos dois governos Cardoso, que foram de 2,4% e 2,1%,respectivamente. Por outro lado, a taxa média de investimento do governo Lula(16,1%) é menor que as taxas dos governos Cardoso.No que se refere à taxa dedesemprego, apesar da tendência de queda durante o governo Lula, ela tem semantido em níveis elevados, chegando a ser superior aos níveis observados du-rante o primeiro mandato de Cardoso.

De um ponto de vista estrutural, o governo Lula recolocou na ordem do diaa continuação do modelo liberal ao implementar a reforma da Previdência dosservidores públicos, iniciar o processo de reforma sindical e sinalizar a reformadas leis trabalhistas.

O governo Lula tem implementado uma série de medidas para consolidar omodelo liberal periférico. Elas aumentam a volatilidade da conta de capital e fi-nanceira do balanço de pagamentos. Portanto, consolida-se o modelo marcadopela enorme concentração de riqueza e de renda, as reduzidas taxas de cresci-mento e investimento, a inserção internacional passiva e a grande vulnerabilida-de externa estrutural.

Os efeitos do avanço do processo de liberalização e desregulamentação eco-nômica não se restringem às contas externas e à esfera da distribuição. A evi-dência empírica disponível aponta para uma perda de eficiência sistêmica daeconomia brasileira e um retrocesso institucional durante o governo Lula.

O fato relevante é que o governo Lula reafirmou a política econômica her-dada do governo anterior e, apoiado no melhor desempenho conjuntural do se-tor externo, deu novo fôlego ao modelo, legitimando-o politicamente e soldan-do mais fortemente os interesses das diversas frações de classes participantes dobloco de poder dominante.

No capítulo 4 discute-se o desempenho da economia brasileira durante o go-verno Lula em perspectiva histórica. As variáveis macroeconômicas analisadassão: variação da renda real; hiato de crescimento (diferencial entre a variação darenda no Brasil e no mundo); acumulação de capital (variação da formação bru-ta de capital fixo); inflação (deflator implícito do PIB); fragilidade financeira doEstado (relação dívida interna/PIB); e vulnerabilidade externa (relação dívidaexterna/exportação). O procedimento metodológico básico consiste em anali-sar a evolução temporal de cada uma dessas variáveis ao longo da história daRepública (1890-2006) e avaliar o desempenho econômico segundo os man-

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datos presidenciais.Desde o início da República, o país teve 28 presidentes, comtrinta mandatos, visto que até 2006 somente dois (Getúlio Vargas e FernandoHenrique Cardoso) tiveram mais de um mandato. O segundo mandato de Lu-la inicia-se em 2007 e não está contemplado na análise.

No período 1890-2006, a renda real do Brasil cresce à taxa média anual de4,5%. Durante o governo Lula (2003-2006) a taxa média anual de crescimentoreal do PIB é de 3,3%, ou seja, é inferior a 3/4 da taxa de crescimento de lon-go prazo. No conjunto de trinta mandatos na história da República, o governoLula está na nona pior posição.Assim, pelos padrões históricos brasileiros, o pe-ríodo do primeiro mandato de Lula caracteriza-se pelo pífio desempenho docrescimento da renda.

O hiato de crescimento expressa a diferença entre a taxa de crescimento doPIB brasileiro e a taxa de crescimento do PIB mundial. Ele indica a velocidadecom que o país está encurtando a diferença entre seu nível de renda e o nívelmédio da renda mundial. O hiato secular de crescimento da economia brasilei-ra (média do período 1890-2006) é de 1,2%, que é o diferencial entre a taxamédia anual de crescimento econômico de longo prazo do Brasil (4,5%) e a ta-xa média anual de crescimento de longo prazo da economia mundial (3,2%).No período do governo Lula,o hiato médio anual é negativo (-1,5%),pois a eco-nomia brasileira cresce à taxa média anual de 3,3%, que é menor do que a taxade crescimento da economia mundial (4,9%). Levando em conta os mandatospresidenciais, constata-se que o governo Lula ocupa a 27ª pior posição. Somen-te outros três presidentes (Floriano,Collor e Castelo Branco) tiveram desempe-nhos inferiores.A evidência é conclusiva: o Brasil “anda para trás” durante o go-verno Lula, pois há hiato de crescimento negativo, ou seja, a economia brasilei-ra cresce a taxas significativamente menores do que a economia mundial. Odesempenho de Lula consegue ser pior do que o desempenho dos dois manda-tos de Fernando Henrique Cardoso.

No que se refere à acumulação de capital, a taxa média de crescimento realda formação bruta de capital fixo (FBCF) no Brasil é de 4,2% no período 1890-2006.Durante o governo Lula, a taxa média anual de variação da FBCF é 3,5%,abaixo da taxa média histórica. Comparativamente aos outros presidentes, Lulamostra desempenho insatisfatório: está na décima primeira pior posição.

A taxa média de inflação é de 15,7% no período republicano, se for excluídoo período de alta inflação (1984-1994), e de 138,4% se esse período for consi-

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derado. Durante o governo Lula, a taxa média de inflação (8,7%) é muito infe-rior à taxa média da história da República.Não resta dúvida de que esse gover-no tem sido bem-sucedido no combate à inflação. Somente outros onze presi-dentes lograram manter a inflação em níveis inferiores ao da taxa observada em2003-2006.

Na história da República, a relação média dívida pública interna/PIB é de7,5%. No período 2003-2006 a relação dívida interna/PIB mostra tendênciacrescente e atinge o mais alto nível de endividamento público da história doBrasil (Império e República). A relação chega a 45% em 2006. Pelos padrõeshistóricos brasileiros, o governo Lula é responsável pela mais alta relação dívidainterna/PIB da história do país.

A análise da vulnerabilidade externa concentrou-se na relação dívida exter-na/exportação de bens, tendo em vista as limitações de dados para um perío-do histórico tão longo. A média dessa relação é de 203% no período 1890-2006. Durante o governo Lula essa relação se reduz à metade entre 2002(365%) e 2006 (181%). São números bastante significativos e mostram um de-sempenho muito favorável, permitindo que Lula ocupe a nona melhor posi-ção no conjunto dos presidentes. Como discutido no capítulo 2, o governoLula tem se beneficiado de uma conjuntura internacional extraordinariamen-te favorável.

Os indicadores macroeconômicos mostram que, pelos padrões históricosbrasileiros, o governo Lula tem desempenho medíocre ou desfavorável quan-to ao crescimento econômico, ao hiato de crescimento, à acumulação de capi-tal e às finanças públicas. Por outro lado, tem desempenho favorável no con-trole da inflação e na redução do nível de endividamento externo.A aprecia-ção geral do desempenho do governo Lula é feita com base no Índice deDesempenho Presidencial (IDP).A metodologia de cálculo desse índice é apre-sentada no Anexo II.

O IDP médio de Lula (43,8) é o quarto mais baixo, sendo inferior à média(57,5) e à mediana (58,7) do conjunto de presidentes brasileiros.Ou seja, no quese refere ao desempenho da economia brasileira, Lula é o quarto pior presiden-te da história da República. Somente os governos Sarney, Cardoso (segundomandato) e Collor têm desempenho pior.

No Anexo III há o cálculo dos índices de desempenho dos governos no pe-ríodo republicano com base na técnica de Análise de Componentes Principais

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(ACP).Os resultados obtidos com aACP confirmam os resultados do IDP. Ade-mais, quando se “desconta” o efeito da conjuntura econômica internacional aACP mostra que os dois piores desempenhos da história republicana são o go-verno Cardoso (segundo mandato) e o governo Lula. Ou seja, mesmo modelo,políticas similares, resultados igualmente medíocres.

No capítulo 5 investigam-se a natureza e as principais características da políti-ca social do governo Lula. O principal argumento é que essa política tem estrei-ta relação com a política econômica liberal-ortodoxa, legada pelo governo anteriorcomo uma “herança maldita”,mas mantida e aprofundada pelo novo governo.

A visão dominante sobre políticas sociais restringe o tratamento e a análise dasdesigualdades de riqueza e renda e da pobreza, assim como limita as políticaspúblicas ao âmbito apenas das classes trabalhadoras e de seus rendimentos. Essavisão, adotada pelo governo Lula, deixa de fora as causas estruturais desses fenô-menos, bem como desconsidera os rendimentos do capital, ambos localizados noâmago das relações entre as classes sociais.

O Banco Mundial é a organização que formulou o conceito restrito de po-breza que passou a ser adotado internacionalmente, bem como propôs a adoçãode políticas sociais focalizadas.A síntese do debate sobre políticas sociais univer-sais e políticas sociais focalizadas evidencia a lógica perversa destas últimas.Taispolíticas têm natureza mercantil: concebem a redução da pobreza como um“bom negócio” e transformam o cidadão portador de direitos e deveres sociaisem consumidor tutelado, por meio da transferência direta de renda. E a seleção,para que os indivíduos e famílias participem desses programas, subordina-se acritérios ‘‘técnicos’’ definidos ad hoc, a depender do governo de plantão e do ta-manho do ajuste fiscal – uma operação ideológica que despolitiza o conflito dis-tributivo.

A crítica da política social do governo Lula destaca sua estreita relação e com-patibilidade com a política econômica praticada.A política social é a contrafacedo ajuste fiscal, isto é, dos elevados superávits primários definidos desde o se-gundo governo Cardoso e que o governo Lula manteve, estabelecendo metasainda mais elevadas.Na realidade, o conteúdo da política social do governo Lu-la, no essencial, é o mesmo da política social do governo anterior, apesar dosdiscursos em contrário, que tentam diferenciá-la – apresentando-a como umapolítica (supostamente) articulada a medidas de natureza estrutural de combateà pobreza.

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A política social do governo Lula, tal como a sua política econômica, é tambémde natureza liberal, coerente com o modelo econômico vigente. Serve como po-deroso instrumento de manipulação política de uma parcela significativa da so-ciedade brasileira, ao mesmo tempo em que permite um discurso “politicamentecorreto”.O principal eixo da atual política social é o Bolsa Família, programa queresulta em uma política assistencialista, com grande potencial clientelista.

Essa política social combina perfeitamente a flexibilização e precarização dotrabalho com programas focalizados e flexíveis de combate à pobreza. Ambosregidos pela mesma lógica: o curto prazo, o imediatismo inconseqüente, inter-venções pontuais e precárias, que, para não se contrapor à “ordem econômicaneoliberal”, subordinam-se ao reino da conveniência, sem mudar e sem intervirnas causas estruturais dos problemas da sociedade brasileira.

No capítulo 6 evidenciam-se a natureza e a composição do atual bloco de po-der dominante, bem como a sua relação orgânica com o modelo liberal perifé-rico e com a política macroeconômica implementados pelo governo Lula. Este,no fundamental, tem trilhado o mesmo caminho daquele que o precedeu, dan-do nova legitimidade a um modelo econômico – e à sua política macroeconô-mica – que, do ponto de vista político, parecia estar em estado terminal no finaldo segundo governo Cardoso.

A disputa travada atualmente no Brasil, sobre o nível da taxa de juro e o ta-manho do superávit fiscal primário,não se resume apenas à melhor forma de ma-nipular, conjunturalmente, o instrumento usual da política monetária, ou mes-mo à pertinência ou não de se redefinir o conjunto da política macroeconômi-ca. Além disso, e mais importante, o que está em jogo é a mudança oumanutenção do modelo econômico atual, com as suas correspondentes políti-cas macroeconômicas e sociais.A mudança tem como condição prévia, indubi-tavelmente, a derrota política do atual bloco de poder dominante.

O transformismo do governo Lula se expressa no prosseguimento da políti-ca econômica implementada no segundo governo Cardoso, desde a crise cam-bial de janeiro de 1999, e no reforço do modelo dominante. Lula e a aliança po-lítica que o elegeu adaptaram as suas ações, o seu programa e a sua política aoslimites da disputa das diversas frações do capital. Eles mantêm em primeiro pla-no os interesses e a política econômica do capital financeiro.Na mesma linha dosegundo governo Cardoso,o governo Lula também destaca a importância das ex-portações para a redução da vulnerabilidade externa.

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Durante o governo Lula assiste-se à crise das instituições políticas e de repre-sentação política (dos sindicatos e partidos). Essa crise decorre tanto do proces-so objetivo de redefinição da composição da classe trabalhadora como da coop-tação político-institucional de parcela importante das direções sindicais e parti-dárias.

A crise de representação é fortemente alimentada pelo governo Lula, ao rea-lizar o amálgama entre governo, partido e sindicato, na mais pura tradição stali-nista (“fora de lugar”) de aparelhamento do Estado e transformação das organi-zações de massa em “correias de transmissão” do governo. O comportamentosubserviente da CUT ao governo Lula e a indicação do presidente da entidadepara ocupar o cargo de ministro doTrabalho são exemplos paradigmáticos des-se fenômeno.

No contexto da dominação financeira, o modelo liberal é incapaz de incor-porar, mesmo parcialmente, as demandas mais significativas das classes trabalha-doras, especialmente dos seus segmentos organizados. Portanto, resta ao mode-lo articular de forma precária e marginal a massa pauperizada e desorganizada,por meio de políticas sociais focalizadas de caráter assistencialista.

Daí a necessidade do governo Lula controlar politicamente os movimentos so-ciais e sindical por meio da cooptação – material e ideológica – das suas dire-ções. O objetivo é reduzir as tensões e impedir a sua autonomia, dificultando, as-sim, as ações de mobilização e construção de um projeto democrático-popularalternativo ao do bloco dominante.

Acentua-se a balcanização do Estado brasileiro, que expressa a redução da au-tonomia relativa do Estado frente aos interesses imediatos dos setores dominan-tes. Mais especificamente, as distintas frações do capital se apoderam abertamentede segmentos do aparelho estatal.

Com o governo Lula, o capital financeiro mantém o controle sobre o mi-nistério da Fazenda e o Banco Central, e, entre outros aspectos, exige a inde-pendência legal deste último – pois já a conquistou na prática.A partir dessasduas instituições, o capital financeiro determina a política econômica e con-trola a execução do Orçamento federal, subordinando as ações do Estado nasdemais áreas. No limite, se necessário, ameaça desestabilizar econômica e po-liticamente o país.

O agronegócio e os interesses exportadores, por sua vez, apoderam-se do Mi-nistério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do

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Comércio Exterior.A partir desses órgãos, defendem seus interesses (por exem-plo, conseguiram aprovar a liberação dos transgênicos na agricultura e obtiverammedidas compensatórias para o câmbio valorizado).

O governo Lula renovou o patrimonialismo e o empreguismo na relação dogoverno com as direções dos partidos que compõem a sua base de apoio e comos dirigentes sindicais. Os instrumentos são, principalmente, as diretorias dosfundos de pensão das empresas estatais (Previ,Petrus e Funcef) e os conselhos dosbancos oficiais.Cargos públicos são ocupados por sindicalistas e funcionários doPartido dos Trabalhadores, com poder de decisão sobre o direcionamento devultosos recursos financeiros.

Não obstante as diferenças, o modus operandi do governo Lula e do PT nãoé significativamente distinto daquele do PSDB. No fundamental, a equação écomposta pelas mesmas variáveis: financiamento das campanhas pelo bloco do-minante, nepotismo e ocupação patrimonialista do Estado, relações fisiológi-cas como balizador dos acordos e relações utilitaristas com os grandes gruposeconômicos.O diferencial é o uso funcional das políticas assistencialistas.Ao seagregar o assistencialismo na equação acima, compreende-se o fenômeno do“lulismo”.

O capítulo 7 destaca as perspectivas para o segundo mandato do governo Lu-la. Está dividido em quatro seções.A primeira aborda o Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC) que foi lançado em janeiro de 2007 e inclui diretri-zes gerais para o futuro. O PAC é um documento híbrido e, definitivamente,não é um plano de desenvolvimento.A seção chama atenção para a ausência demudanças significativas nas diretrizes estruturais do processo de acumulação decapital fixo e o reforço da dinâmica do modelo liberal periférico. O PAC reve-la, também, a ausência de mudanças significativas no padrão de gestão macroe-conômica. Não há razões para perspectivas otimistas.

Na segunda seção discute-se o tema fundamental da distribuição de riquezae renda. O argumento central é que a tendência observada a partir de 1998, demelhora na distribuição pessoal da renda, não reflete mudanças estruturais. Ouseja, a distribuição funcional da renda, que contrapõe trabalhadores e capitalis-tas, não se altera.O argumento é verdadeiro tanto para o governo Cardoso quan-to para o governo Lula. Nessa questão também não há perspectivas otimistas.

O Brasil parece experimentar um processo peculiar em que a melhora da dis-tribuição pessoal da renda (que exclui, em grande medida, juros e lucros), vem

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acompanhada de uma piora na distribuição funcional da renda (de um lado, sa-lários; de outro, juros e lucros).Na ausência de sinais evidentes de mudanças nopadrão de acumulação de capital e na gestão macroeconômica, é muito prová-vel que esse processo peculiar continue avançando no futuro próximo.

A terceira seção trata das perspectivas futuras do Brasil a partir da óptica dosjovens.Para os autores do livro, é uma óptica fundamental, visto que também so-mos educadores preocupados com o futuro das novas gerações.A evidência mos-tra que o Brasil tem índices de violência muito elevados, e a violência atinge,principalmente, a população mais jovem.Houve aumento do consumo de taba-co, bebidas alcoólicas, maconha, solventes e cocaína no país no período 2001-2005, afetando principalmente os jovens. Nos últimos anos, tem crescido signi-ficativamente a taxa de desemprego entre eles. Há também nítida tendência deaumento do número de brasileiros que emigram.Durante o governo Lula atin-ge-se o nível recorde de emigrantes brasileiros para os Estados Unidos, princi-palmente jovens. Não surpreende a evidência de que os jovens brasileiros este-jam pessimistas em relação ao futuro.

Na quarta seção chama-se atenção para o fato de que os cenários otimistas pa-ra o segundo governo Lula (2007-2010) têm em comum a manutenção do con-texto internacional favorável e das diretrizes da atual política macroeconômica:metas de inflação; superávit fiscal primário; câmbio flutuante; e liberalização ex-terna. Esses cenários implicam: taxa de inflação constante; redução gradual da ta-xa de juro real; manutenção do nível e do processo de apreciação real do câm-bio; menor grau de restrição dos gastos públicos de investimento; déficits fiscaisdecrescentes; redução gradual do superávit das contas de transações correntes dobalanço de pagamentos; redução dos gargalos setoriais na infra-estrutura física;melhoras marginais na situação social; manutenção da governança e da gover-nabilidade; continuidade e consolidação do bloco dominante; e estabilidade domodelo liberal periférico.

A distinção fundamental entre os cenários econômicos otimistas reflete, fun-damentalmente, diferenças quanto à evolução da economia mundial, da taxa deinvestimento da economia brasileira e das restrições na infra-estrutura. Estas sãoincertezas críticas, cujo comportamento futuro pode não corresponder às hipó-teses dos cenários otimistas.Ademais, há outras incertezas críticas que são des-prezadas pelos otimistas como, por exemplo, governança, governabilidade, ro-bustez institucional e coesão do bloco dominante.

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O capítulo termina mostrando que,no início do segundo governo Lula, pros-segue o processo de desarticulação dos campos político-ideológicos, com a ocor-rência de mais uma série de escândalos envolvendo a base de sustentação do go-verno e o Congresso Nacional.A pequena política predomina cada vez mais.

Do ponto de vista econômico, o país parece viver mais um miniciclo de oti-mismo. Mesmo no interior das correntes críticas, o debate e a ação política ten-dem a se restringir à fiscalização da implementação do PAC, à possibilidade seobter maiores taxas de crescimento e à dinâmica da relação entre a taxa de juroe o câmbio. Portanto, o questionamento do modelo liberal periférico e, conse-qüentemente, do bloco de poder dominante continua, no essencial, ausente doprocesso político em curso. Em que pese os sinais de descontentamento e mo-bilização de alguns segmentos do movimento social, estes estão circunscritos, es-sencialmente, ao plano econômico-corporativo.

A eventual reversão da atual conjuntura internacional terá impactos decisivossobre a dinâmica da economia brasileira. Essa mudança terá um efeito desesta-bilizador tanto maior quanto mais frágil for a inserção internacional de cada país.Se e quando isso ocorrer, qualquer que venha a ser o futuro governante do Bra-sil, as fragilidades do país reaparecerão com toda a força, evidenciando mais umavez os limites estruturais do modelo liberal periférico e da sua política macroe-conômica.

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Contexto internacional

A economia brasileira é marcada por forte vulnerabilidade externa nas esferasmonetário-financeira, produtivo-real, tecnológica e comercial.Esta tem sido,his-toricamente, a principal restrição estrutural ao nosso processo de desenvolvi-mento econômico. O país tem baixa capacidade de resistência a pressões, fato-res desestabilizadores e choques externos; ademais, os processos de ajuste a essesfenômenos implicam alto custo para a sociedade.A conseqüência imediata é queas estratégias e políticas econômicas, bem como o desempenho da economia,são determinados, em grande medida, pelo contexto internacional.

Se, por um lado, é verdade que o Brasil tem elevada vulnerabilidade externaestrutural, por outro, também é verdade que há algum grau de liberdade nas es-tratégias e políticas de ajuste. Portanto, conjunturas externas desfavoráveis nãosignificam,necessariamente, um fraco desempenho da economia brasileira.Nes-se caso funciona o mecanismo desafio-resposta: frente a incertezas, riscos e cus-tos impostos pela situação internacional, os grupos dirigentes, por razões diver-sas (inclusive a própria sobrevivência política), adotam políticas de ajuste pró-ati-vas e eficazes.

Há exemplos históricos relevantes. No primeiro governoVargas, para se pro-teger dos efeitos causados pela Grande Depressão de 1929 e que se estenderampela década de 1930, os grupos dirigentes implementaram estratégias e políticasque representaram uma ruptura com o modelo herdado da Primeira Repúbli-ca. No conjunto das medidas mais importantes, vale destacar a renegociação dadívida externa e o impulso à industrialização. Exemplo mais recente é o do go-verno Geisel, que por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento, em 1974,também permitiu melhorar qualitativamente a economia brasileira, a fim de re-duzir sua vulnerabilidade externa, principalmente, nas esferas comercial, produ-tivo-real e tecnológica. No entanto, no caso do governo Geisel houve sério er-ro estratégico: parte do financiamento da acumulação de capital foi baseada noendividamento externo. Isso implicou o aumento da vulnerabilidade externa fi-

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nanceira do país, que ficou evidente quando a crise da dívida externa eclodiu em1982.

O principal objetivo deste capítulo é analisar o contexto internacional no pe-ríodo pós-2002.Trata-se de examinar a situação econômica internacional que,em suas diferentes esferas, define as condições externas que afetam a dinâmica daeconomia brasileira. Esta dinâmica abrange as estratégias, as políticas e o própriodesempenho da economia nacional.

O ponto de partida da análise é que a conjuntura internacional tem sido par-ticularmente favorável desde 2003. Muitos especialistas identificam esse fenô-meno como um“choque externo positivo”.Mas, independentemente das qua-lificações, o fato é que a situação econômica internacional tem sido muito fa-vorável em todas as esferas das relações econômicas internacionais, ou seja, nasesferas comercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-financeira.

O capítulo está dividido em três seções. Na primeira apresenta-se evidênciaempírica conclusiva a respeito da expansão da economia mundial desde 2003.Aevidência abarca as esferas mencionadas acima, com o exame de indicadores es-pecíficos para cada uma delas.

Na segunda seção analisa-se a vulnerabilidade externa da economia brasilei-ra no período 2003-2006, considerando as condições internacionais.O contex-to internacional favorável tem permitido um progresso generalizado nos indi-cadores de vulnerabilidade externa conjuntural dos países, inclusive aqueles comelevada vulnerabilidade externa estrutural da África e daAmérica Latina.O Bra-sil não é exceção. Portanto, cabe analisar em que medida os indicadores de vul-nerabilidade externa conjuntural do Brasil melhoram vis-à-vis os indicadores doresto do mundo. Como houve progresso generalizado, a discussão relevante ésaber se o Brasil tem avanço relativo. O argumento central desta seção é que,durante o governo Lula a melhora foi determinada exogenamente; em termoscomparativos, não se alterou a vulnerabilidade externa do país.

Considerando que o atual processo de expansão da economia mundial deve-rá sofrer reversão em algum momento no futuro, é fundamental identificar osavanços relativos. É estreito e tecnicamente frágil focar a análise exclusivamentena evolução de indicadores brasileiros sem considerar o contexto internacional.Subjacente ao enfoque proposto neste capítulo está a seguinte percepção lógi-ca: os países que não obtêm melhoras relativas na fase ascendente do ciclo in-ternacional são aqueles que, ceteris paribus, têm mais chances de ser afetados por

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fatores desestabilizadores externos na fase descendente do ciclo. Este parece sero caso do Brasil, pois os indicadores de vulnerabilidade externa comparada nãomostram tendência de evolução favorável durante o governo Lula.

A última seção apresenta a síntese da evidência empírica e das principais con-clusões do capítulo.

O Quadro 1.1 resume os distintos conceitos de vulnerabilidade externa usa-dos neste capítulo e nos seguintes.

Quadro 1.1

Vulnerabilidade externa: Conceitos

Vulnerabilidade externa é a capacidade de resistência a pressões, fatores desestabili-zadores e choques externos.

Vulnerabilidade externa conjuntural é determinada pelas opções e custos do processode ajuste externo. A vulnerabilidade externa conjuntural depende positivamente das op-ções disponíveis e negativamente dos custos do ajuste externo. Ela é, essencialmente,um fenômeno de curto prazo.

Vulnerabilidade externa estrutural decorre das mudanças relativas ao padrão de co-mércio, da eficiência do aparelho produtivo, do dinamismo tecnológico e da robustezdo sistema financeiro nacional. A vulnerabilidade externa estrutural é determinada, prin-cipalmente, pelos processos de desregulamentação e liberalização nas esferas comer-cial, produtivo-real, tecnológica emonetário-financeira das relações econômicas inter-nacionais do país. Ela é, fundamentalmente, um fenômeno de longo prazo.

Vulnerabilidade externa comparada é dada pelo desempenho externo relativo de deter-minado país comparativamente ao desempenho externo relativo de outros países. Elaexpressa a comparação entre países do diferencial relativo de indicadores de inserçãoeconômica internacional.

Fonte: Elaboração própria.

1. Ciclo internacional favorávelNesta seção apresenta-se evidência empírica a respeito da evolução da eco-nomia mundial nas esferas produtivo-real, comercial, monetário-financeira etecnológica.

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1.1 Esfera produtivo-realA taxa secular de crescimento real da renda mundial – taxa média no período1890-2006 – é 3,2%, e no mesmo período a mediana das taxas de crescimentoanual é 3,8%.Durante o governo Lula (2003-2006) a taxa média de crescimen-to real da renda mundial foi de 4,9%. Portanto, na esfera produtivo-real, a eco-nomia mundial tem tido, no período 2003-2006, um desempenho muito supe-rior à sua média e mediana desde 1890. Ou seja, o contexto internacional temsido muito favorável: no período 2003-2006, a taxa de crescimento econômicoreal foi 50% maior do que a média histórica. Com a taxa secular, a economiamundial duplicava a renda mundial em 22 anos, enquanto com a taxa média doperíodo 2003-2006 a duplicação ocorre em 14 anos.

Conjuntura econômica tão favorável já ocorreu em outros momentos histó-ricos: segunda metade da década de 1920; segunda metade da década de 1930;Segunda Guerra Mundial; início da década de 1950 até o final da de 1970; e demeados da década de 1990 até o momento atual. O comportamento cíclico daeconomia mundial é mostrado no Gráfico 1.1.

Gráfico 1.1

PIB mundial, var. %, média móvel quadrienal: 1890-2006

Fonte: Maddison (1991, Tabela 4.7) e FMI, World Economic Outlook, Database.

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Quando se considera a ampliação da capacidade produtiva, também fica evi-dente o dinamismo da esfera produtivo-real.O crescimento é robusto na medi-da em que a taxa de investimento na economia mundial cresceu continuamen-te a partir de 2003, como mostra o Gráfico 1.2. Esta taxa aumenta de 20,8% em2002 para 22,8% em 2006.O gráfico mostra, ainda, a forte correlação entre a ta-xa de crescimento do PIB e a taxa de investimento na economia mundial, bemcomo a tendência de elevação dessas taxas a partir, principalmente, de 2003.

Gráfico 1.2

PIB e investimento na economia mundial: 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A expansão da produção e da renda gera volumes crescentes de excedenteeconômico que são usados para expandir a capacidade global de produção.Tra-ta-se, de fato, do avanço do processo de globalização produtivo-real. Portanto, aelevação do volume de investimentos não expressa somente o dinamismo daseconomias domésticas. A evidência apresentada no Gráfico 1.3 aponta para ocrescimento do investimento externo direto a partir de 2003 e sua forte relaçãocom a taxa média de investimento da economia mundial. Portanto, o processode acumulação de capital também ocorre em escala global por meio do avançodo processo de internacionalização da produção via compra de ativos produti-vos no exterior, principalmente, por parte das grandes empresas internacionais(empresas transnacionais).

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Gráfico 1.3

Taxa de investimento e investimento externo direto: 1999-2006

Fonte: UNCTAD-WIR (2006).

Há inúmeras causas do atual ciclo de expansão da economia mundial.A maisimportante refere-se ao dinamismo das “locomotivas”do sistema econômico in-ternacional, a saber, Estados Unidos e China.

Os Estados Unidos têm tido crescimento médio real do PIB de 3,2% no pe-ríodo 2003-2006, próximo da sua taxa média secular (3,3%).No entanto, o efei-to “locomotiva” dos Estados Unidos, que responde por 20% do PIB mundial(conceito paridade do poder de compra, PPP), decorre da natureza das suas po-líticas macroeconômicas e do seu impacto sobre o restante da economia mun-dial. No período em questão, as políticas monetária e fiscal têm sido expansio-nistas, embora a tendência tenha sido reduzir o grau de expansionismo dessas po-líticas. Em 2001-2002, a economia dos Estados Unidos teve fraco desempenho.Havia riscos de profundo ciclo recessivo. O governo, então, por meio de políti-cas expansionistas, decidiu retirar a economia dessa trajetória. Isto significou, naprática, a redução da taxa de juro e o aumento dos gastos públicos.

A taxa de juro básica nos Estados Unidos foi reduzida do nível médio de 6,4%em 2000 e chegou a 1% em 2003. Os gastos públicos cresceram: o saldo fiscaldo governo central (como proporção do PIB) saiu do superávit de 2,0% em2000 para o déficit de 4,8% em 2003.Revertido o ciclo recessivo de 2001-2002,a taxa de juro aumentou continuamente a partir de 2003 até chegar a 5% em

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Investimento (% do PIB) Investimento externo direto, entradas US$ bilhões

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2006.O déficit fiscal do governo central reduziu-se para 2,6% em 2006.Por ou-tro lado, a relação entre a dívida pública líquida (governo central) e o PIB au-mentou de 41,1% em 2003 para 43,4% em 2006.

O “efeito locomotiva” dos Estados Unidos se transmite internacionalmentepor meio do déficit das contas de transações correntes do balanço de pagamen-tos do país. Esse déficit aumentou continuamente, de US$ 472 bilhões em 2002para US$ 857 bilhões em 2006. Como proporção do PIB, o déficit passou de4,5% em 2002 para 6,5% em 2006. Ele tem um efeito multiplicador não des-prezível sobre o conjunto da economia mundial.

Além das políticas macroeconômicas expansionistas, a dinâmica da economiaestadunidense também tem sido determinada, na esfera financeira, pelo “efeitoriqueza”. Esse efeito é provocado pela elevação dos preços das ações e dos ati-vos reais (imóveis). O aumento desse tipo de riqueza induz maiores gastos deconsumo e investimentos na economia estadunidense.

A taxa de investimento nos Estados Unidos mostra nítida tendência de alta noperíodo 2003-2006. Essa taxa aumenta continuamente de 18,4% em 2003 para20,0% em 2006. O aumento do investimento, por seu turno, expressa o dinamis-mo tecnológico estadunidense, principalmente na indústria de computadores. Osavanços nessa indústria têm se disseminado pelo conjunto da economia, e uma dasconseqüências é o aumento de produtividade,que permite o aumento da produçãocom menor intensidade no uso de fatores de produção, especialmente o trabalho.

O “efeito locomotiva” da China decorre, fundamentalmente, da sua “veloci-dade” e do seu crescente peso relativo na economia mundial.Atualmente, a eco-nomia chinesa responde por 15% do PIB (PPP) mundial. No período 2003-2006, a economia chinesa cresceu à taxa média anual de 10,3%.Vale destacarque as taxas anuais são continuamente crescentes no período. Em 2003, a taxafoi de 10,0%; em 2006, chegou a 10,7%.

O principal fator determinante da expansão chinesa é a elevada taxa de in-vestimento, que tem crescido continuamente nos últimos anos.A relação médiaentre a formação bruta de capital fixo e o PIB é de 40%.O dinamismo da eco-nomia chinesa decorre, ainda, da sua enorme competitividade internacional.

No que se refere aos países desenvolvidos da Europa e ao Japão, as políticas fis-cais e monetárias expansionistas também têm provocado melhora no desempe-nho econômico em 2003-2006 comparativamente ao desempenho observado nadécada de 1990.

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A expansão das “locomotivas” também tem se transmitido internacionalmentepor meio do comércio.A exportação tem sido importante fonte de expansão darenda, principalmente, em países da Ásia. Um dos destaques é a Índia, que temtido elevadas taxas de crescimento econômico nos últimos anos.

Na realidade, a expansão do comércio mundial é, ao mesmo tempo, causa econseqüência da expansão da produção. O crescimento da demanda por im-portações, principalmente, dos Estados Unidos e da China, tem sido importan-te fonte de expansão das exportações e, portanto, da renda em escala global.

A economia mundial tem tido elevadas taxas de crescimento com taxas rela-tivamente baixas de inflação, como mostra o Gráfico 1.4.De fato, há importan-tes transformações estruturais que têm tido impacto global (Filgueiras, 2003, cap.1). O aumento da produtividade, o acirramento da concorrência internacional,a liberalização comercial e financeira, a desregulamentação do mercado de tra-balho e os fluxos migratórios têm sido os fatores determinantes da reduzida pres-são inflacionária nos últimos anos.

Gráfico 1.4

Inflação média mundial, IPC (%): 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A taxa média de inflação mundial (preços ao consumidor) se estabilizou emtorno da média de 3,7% no período 2003-2006.No caso dos países desenvolvi-dos, a taxa média de inflação tem sido da ordem de 1,9%, enquanto para os paí-

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Países em desenvolvimento, mediana

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ses em desenvolvimento as médias e as medianas das taxas de inflação têm osci-lado em torno de 5,5%. Essa estabilidade ocorre apesar da significativa elevaçãodos preços das commodities internacionais a partir de 2003.

1.2 Esfera comercialA atual fase ascendente do ciclo da economia mundial caracteriza-se pelo cres-cimento do volume de comércio exterior e pela elevação dos preços interna-cionais, como mostra o Gráfico 1.5.De fato, acelerou-se o processo de interna-cionalização da produção via comércio mundial, pois o crescimento real das ex-portações é superior ao crescimento real do PIB mundial em todos os anos doperíodo em questão.

Gráfico 1.5

Comércio mundial de bens, var. %: 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A pressão dos preços internacionais não é desprezível, especialmente no casodo petróleo e de outras commodities, como mostra o Gráfico 1.6. No período2003-2006 o petróleo acumula elevação de preços superior a 150%, enquantoas outras commodities acumulam aumentos de preços de 80%.A aceleração dospreços internacionais abrange também os manufaturados, que acumularam au-mentos de preços de 35% no período em questão.

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Volume Preços US$ PIB, var. %

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Gráfico 1.6

Preços internacionais, var. %: 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

O determinante mais importante da elevação dos preços internacionais temsido a pressão de demanda decorrente das elevadas taxas de crescimento da ren-da.Ademais, cabe destacar a crescente importância da China na economia mun-dial e sua demanda por matérias-primas e produtos agrícolas. Em 2005, a Chi-na foi responsável por 7,3% do valor das exportações mundiais de bens (tercei-ro lugar, depois da Alemanha e dos Estados Unidos) e 6,1% do valor dasimportações mundiais de bens. Ou seja, ao se tornar um “país grande”, as taxasextraordinariamente elevadas de investimento e crescimento econômico chine-sas exigem volumes crescentes de insumos – principalmente, produtos primários– que são comprados no mercado internacional.

Naturalmente, há fatores específicos que explicam o comportamento dos pre-ços internacionais de cada uma das commodities. Por exemplo, no caso do petróleohá inúmeras incertezas críticas que, de uma forma ou de outra, afetaram ou conti-nuam a influenciar a formação de preços desta commodity.Entre estes fatores podemser destacados: pressão de demanda (Estados Unidos e China); conflito na Rússia;guerra no Iraque; sabotagem naVenezuela e na Nigéria; risco de sabotagem naArá-bia Saudita; apreciação do dólar; especulação; estoques baixos nos países consumi-dores; baixa capacidade ociosa; atuação da OPEP; e catástrofes naturais.

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1.3 Esfera monetário-financeiraO dinamismo da economia mundial gerou aumento do excedente econômico,que se materializou na expansão dos investimentos em escala global.No entan-to, esse excedente também se orienta para aplicações financeiras internacionais.Têm crescido o nível de liquidez internacional (quantidade de ativos monetá-rios) e a quantidade de ativos financeiros negociados internacionalmente.

O fator determinante do aumento da liquidez internacional é, sem dúvida, ochamado “déficit gêmeo” dos Estados Unidos, ou seja, o déficit das contas ex-ternas e o déficit das contas públicas. O resultado é que o restante da economiamundial encontra-se frente a uma situação de “excesso de dólares”. Não é poroutra razão que, por exemplo, o dólar se desvalorizou 30% em relação ao euroentre 2002 e 2006.De fato, a contrapartida do aumento do déficit de transaçõescorrentes dos Estados Unidos é a diminuição deste mesmo déficit no resto domundo, como mostra o Gráfico 1.7.

Gráfico 1.7

Déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, % do PIB: 1997-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A evidência da expansão da liquidez internacional é dada pelo volume de re-servas internacionais mundiais. Essas reservas mais do que duplicam entre 2002e 2006: passam de US$ 2,4 trilhões no final de 2002 para US$ 4,9 trilhões em2006, como mostra o Gráfico 1.8.A relação entre as reservas internacionais e oPIB mundial aumentou continuamente, de 10,9% em 2002 para 14,1% em 2006.

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Média mundial Estados Unidos

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Gráfico 1.8

Reservas internacionais: 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A conjuntura financeira internacional é especialmente favorável para os países emdesenvolvimento que têm problemas estruturais de vulnerabilidade externa.A me-lhora dos indicadores de vulnerabilidade financeira externa é generalizada e con-tínua ao longo do período 2003-2006. O saldo da conta corrente do balanço depagamentos desses países aumenta de US$ 77 bilhões em 2002 para US$ 544 bi-lhões em 2006, como mostra o Gráfico 1.9.A melhora do saldo global das contasexternas permitiu que as reservas internacionais desses países praticamente tripli-cassem, passando de US$ 1.075 bilhões em 2002 para US$ 3.019 bilhões em 2006.

Gráfico 1.9

Países em desenvolvimento, contas externas (US$ bilhões): 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

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Saldo em conta corrente do balanço de pagamentos

Reservas internacionais

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Indicadores relativos também apontam para a redução da vulnerabilidade fi-nanceira conjuntural dos países em desenvolvimento, como mostra o Gráfico1.10.A relação entre as reservas internacionais e as importações de bens e servi-ços aumenta de 55,3% em 2002 para 71,4% em 2006.Ademais, verifica-se sig-nificativo processo de desendividamento externo ao longo do período.A rela-ção entre a dívida externa e a exportação de bens e serviços reduziu-se de 119%em 2002 para 67% em 2006.Vale destacar que essas tendências abarcam movi-mentos contínuos dos indicadores ao longo do período em questão.

Gráfico 1.10

Países em desenvolvimento, indicadores das contas externas (%): 1999-2006

Fonte: FMI, World Economic Outlook, Database.

A melhora dos indicadores tem como conseqüência a redução da percepçãode risco a respeito dos países em desenvolvimento.A queda do risco-país é ge-neralizada. O indicador mais evidente desse processo é o spread dos títulos dospaíses em desenvolvimento negociados no mercado financeiro internacional.Ospread é o diferencial entre a taxas de juros efetivas dos títulos desses países e astaxas dos títulos correspondentes emitidos pelo governo dos Estados Unidos.Apartir de 2003 há queda praticamente contínua dos spreads do conjunto dos cha-mados mercados emergentes, como mostra o Gráfico 1.11. Essa queda tambémocorre nos países daAmérica Latina que, de modo geral, são considerados de al-to risco, inclusive o Brasil.

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Gráfico 1.11

Spreads dos títulos dos mercados emergentes: 1998-2006

Fonte: JP Morgan.

Os indicadores acima mostram,de forma conclusiva, que a situação econômicainternacional na esfera monetário-financeira também tem sido muito favorável,principalmente, para os países em desenvolvimento.

1.4 Esfera tecnológicaO progresso técnico, ancorado nas indústrias de informática e telecomunicações,continua a ser fator determinante na trajetória de crescimento de longo prazo daeconomia mundial.Os indicadores mostrados no Gráfico 1.12 envolvem aplicaçõesde patentes, pagamentos de royalties e licenças, e gastos com pesquisa e desenvolvi-mento tecnológico.Ainda que tais indicadores não sejam tão robustos, a evidênciadisponível aponta para a continuação do dinamismo tecnológico.

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Gráfico 1.12

Indicadores de progresso técnico: 1999-2005

Fonte: Banco Mundial. World Development Indicators Online.

2. Vulnerabilidade externaA análise da seção anterior apresenta evidência conclusiva acerca da conjunturaeconômica internacional extraordinariamente favorável a partir de 2003. Essasituação abarca todas as esferas das relações econômicas internacionais. A evi-dência também assinala a melhora generalizada da situação econômica dos paí-ses em desenvolvimento, especialmente no que diz respeito aos indicadores deinserção no sistema econômico internacional. Mais especificamente, a atual fa-se ascendente do ciclo da economia internacional tem causado a melhora dos in-dicadores conjunturais de vulnerabilidade externa dos países em desenvolvi-mento.

A questão da vulnerabilidade externa é fundamental para se entender a evo-lução da economia brasileira (Carcanholo, 2005). Os temas do padrão de inser-ção internacional e da vulnerabilidade externa estrutural do Brasil são analisa-dos em maiores detalhes no capítulo 2. Nesta seção, avalia-se a vulnerabilidadeexterna do Brasil comparativamente à do resto do mundo. O período de análi-se é 1995-2006,pois se pretende, também, fazer a análise comparativa entre o go-verno Lula e o governo Cardoso. Durante o governo Lula há progresso nos in-dicadores de vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira.Na rea-lidade, vale ressaltar, esse progresso também acontece no conjunto da economiamundial. O argumento central desta seção é que, quando se descontam os efei-tos da conjuntura internacional extraordinariamente favorável, chega-se à con-

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Patentes aplicações, residentes

Royalties e licenças, pagamentos(US$ milhões)

Pesquisa e desenvolvimento, gastos (% PIB)

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clusão que a vulnerabilidade externa da economia brasileira no período 2003-2006 não é menor do que no período 1995-2002.

2.1 Vulnerabilidade externa comparadaA vulnerabilidade externa é a capacidade de resistência a pressões, fatores desesta-bilizadores e choques externos.A vulnerabilidade externa conjuntural é determina-da pelas opções e custos do processo de ajuste externo.A vulnerabilidade externaconjuntural depende positivamente das opções disponíveis e negativamente doscustos do ajuste externo. Ela é, essencialmente, um fenômeno de curto prazo.Avulnerabilidade externa comparada é dada pelo desempenho externo relativo de de-terminado país, comparativamente ao desempenho externo relativo de outrospaíses. Ela expressa a comparação entre países do diferencial relativo de indica-dores de inserção econômica internacional.

Em raros momentos da história republicana a economia brasileira defrontou-se com uma conjuntura internacional tão favorável quanto aquela que se iniciouem 2003. Somente nos mandatos de Café Filho (1955), Castelo Branco (1964-66) e Garrastazu Médici (1970-73) a conjuntura internacional foi mais favorá-vel do que no governo Lula, como mostra o Gráfico 1.13. Nesse gráfico, a taxamédia de crescimento do PIB mundial nos períodos de mandato presidencial éusada como referência para o dinamismo da economia internacional.

Gráfico 1.13

PIB mundial, var. % segundo o mandato presidencial: 1890-2006

Fonte: Elaboração própria. Ver Anexo II.

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A conjuntura econômica internacional foi menos favorável durante o gover-no Cardoso do que durante o governo Lula.A taxa média anual de crescimen-to do PIB mundial foi de 3,7% em 1995-98, 3,5% em 1999-2002 e 4,9% em2003-2006.Nesses três momentos, as taxas foram superiores à taxa secular (1890-2006) de crescimento da economia mundial (3,2%).No que se refere ao perío-do 1995-2002, houve fatores desestabilizadores externos que afetaram negativa-mente o Brasil.No entanto, países em desenvolvimento, que sofreram os efeitosdesses mesmos fatores, apresentaram resultados bem superiores aos do Brasil.Adiferença fundamental é que esses países escolheram e foram capazes de imple-mentar políticas de ajuste distintas das que são recomendadas pelo FMI e pelaortodoxia.

No período 2003-2006 houve dois fatos relevantes: (i) diminuição dos indi-cadores conjunturais de vulnerabilidade externa do Brasil; e (ii) este fenômenoé generalizado para o conjunto da economia mundial.Ou seja, a redução da vul-nerabilidade externa conjuntural é determinada, principalmente, por variáveisexógenas.

A análise comparativa da vulnerabilidade externa da economia brasileira, rea-lizada nesta seção, utiliza três indicadores convencionais.O primeiro é a relaçãoentre o saldo da conta corrente do balanço de pagamentos e o PIB. Este indica-dor é o mais freqüentemente usado para se avaliar as condições das contas ex-ternas de cada país. Alguns analistas apontam limites “críticos” para esse coefi-ciente, que não devem ser ultrapassados (por exemplo, déficit máximo de 3%).Porém, não há qualquer fundamentação científica para tal procedimento.

O segundo é a relação entre as reservas internacionais brutas e o valor mé-dio mensal das importações CIF de bens. Este indicador informa quantos me-ses de importação são garantidos, ceteris paribus, pelas reservas internacionais.Segundo relatório do FMI (2000, p. 6) este indicador é útil para se medir vul-nerabilidade externa, principalmente, no caso de países com acesso limitadoao financiamento internacional. Da mesma forma que no indicador mencio-nado acima, aqui também não há qualquer nível crítico que seja cientifica-mente recomendado.

O terceiro indicador é o grau de abertura comercial, ou seja, a relação entreas exportações de bens FOB e o PIB. Estudo recente do staff do Banco Mun-dial (Loayza e Raddatz, 2006) conclui que o grau de abertura é determinante es-trutural da vulnerabilidade externa na medida em que este grau está significati-

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Page 49: A economia política do governo lula

vamente relacionado com o impacto da deterioração dos termos de troca sobrea renda.Generalizações a respeito de“alto”ou“baixo”grau de abertura tambémtêm pouca fundamentação científica quando se desconsideram variáveis estru-turais relevantes, como o tamanho do país, a disponibilidade de recursos natu-rais e o dinamismo do mercado interno.

Neste capítulo não se usa um dos indicadores mais relevantes de vulnerabili-dade externa (dívida externa/exportação), embora ele seja usado no capítulo 4para se analisar a evolução da vulnerabilidade externa do Brasil ao longo do tem-po.A razão é a falta de dados internacionais para um conjunto representativo depaíses.Assim, a disponibilidade de uma série histórica para o Brasil (1890-2006)permite que esse indicador seja utilizado para analisar a evolução da vulnerabi-lidade externa do país ao longo da sua história. Porém, a falta de dados interna-cionais impede que esse indicador seja usado na análise da vulnerabilidade ex-terna do Brasil comparativamente a outros países.

O procedimento metodológico desta seção consiste na análise da evoluçãodos indicadores mencionados, bem como no cálculo de índices de vulnerabili-dade externa comparada (IVEC) para cada um desses indicadores. Em seguida,calcula-se o IVEC geral, que é a média simples dos índices de vulnerabilidadepara cada uma das variáveis.

O IVEC é uma variável reduzida com intervalo de zero (vulnerabilidade nu-la) a 100 (vulnerabilidade máxima) (Gonçalves, 2005, capítulo 4). Em cada anoo IVEC do Brasil para cada indicador é calculado como a diferença entre o va-lor deste indicador para o Brasil e o valor mínimo do indicador para todos os paí-ses do mundo como proporção da diferença entre o valor máximo e o valor mí-nimo do indicador para todos os países do mundo. No Anexo I encontra-se adescrição do cálculo dessa variável reduzida.

ATabela 1.1 apresenta as médias das variáveis macroeconômicas para o Bra-sil e o conjunto da economia mundial no período 1995-2006.

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Page 50: A economia política do governo lula

Tabela 1.1

Indicadores de vulnerabilidade externa, Brasil e mundo: 1995-2006

Saldo de transações Reservas internacionais /correntes do balanço Importações de bens Exportações de bensde pagamentos (% PIB) CIF, mensal (%) FOB / PIB (%)

Brasil Mundo Brasil Mundo Brasil Mundo

1995 -2,4 -4,2 11,1 4,3 6,0 27,1

1996 -2,8 -4,7 12,4 4,6 5,7 27,2

1997 -3,5 -4,3 9,7 4,7 6,1 27,5

1998 -4,0 -5,7 8,4 4,8 6,1 27,4

1999 -4,3 -3,7 8,1 5,0 8,2 27,9

2000 -3,8 -2,0 6,6 4,9 8,5 31,2

2001 -4,2 -3,1 7,3 5,1 10,5 30,8

2002 -1,5 -2,9 9,1 5,9 11,9 30,9

2003 0,8 -2,2 11,6 6,0 13,2 31,6

2004 1,8 -2,1 9,5 5,8 14,5 33,6

2005 1,6 -2,5 8,3 5,8 13,4 34,3

2006 1,3 -2,1 10,7 5,7 12,9 36,4

Fontes: Banco Mundial. World Development Indicators Online. FMI, World Economic Outlook Database, abril 2007.

O primeiro indicador é a relação entre o saldo da conta corrente do balançode pagamentos e o PIB (doravante chamado de indicador BOP).Para o conjuntoda economia mundial, o BOP mostra tendência de elevação do déficit até 1999e de redução do déficit a partir desse ano. No caso da economia brasileira, oBOP mostra nítida tendência de aumento do déficit ao longo do período 1995-99, que se estabilizou nos três anos seguintes.A partir de 2003 surge uma ten-dência de melhora desse indicador, que passou de déficit (-1,5%) em 2002 parasuperávit (1,3%) em 2006. Portanto, não há dúvida de que no período 2003-2006 houve progresso do BOP tanto para o Brasil como para o conjunto daeconomia mundial.Ou seja, o Brasil acompanha a tendência internacional de re-dução da vulnerabilidade externa informada por esse indicador.

O segundo indicador é a relação entre as reservas internacionais brutas e o va-lor médio mensal das importações CIF de bens (RIM).Para o conjunto da eco-nomia mundial observa-se pequena tendência de aumento do RIM até 2003 ecerta estabilidade a partir de então.No caso do Brasil, há tendência de queda do

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RIM até 2000, inversão dessa tendência em 2001-2003, novo movimento dequeda em 2004-2005 e elevação em 2006.Assim, para o conjunto da economiamundial, há tendência de aumento do nível relativo de reservas internacionais aolongo do tempo (redução da vulnerabilidade externa), enquanto no caso da eco-nomia brasileira o comportamento do RIM é irregular.

O terceiro indicador é o grau de abertura, dado pela relação entre as expor-tações de bens FOB e o PIB (XPI). Para a economia mundial, esse indicadorapresenta tendência de crescimento ao longo de todo o período 1995-2006.Nocaso do Brasil também há tendência de elevação até, pelo menos, 2004. Então,em ambos os casos a tendência é de aumento da vulnerabilidade externa viamaior abertura comercial, ou seja, maior dependência da dinâmica econômicaem relação à evolução do sistema mundial de comércio.

Tabela 1.2

Índices de vulnerabilidade externa comparada, Brasil: 1995-2006

IVE-BOP IVE-RIM IVE-XPI IVEC

1995 34,8 0,0 0,0 11,6

1996 39,8 18,7 0,0 19,5

1997 38,7 27,1 0,0 21,9

1998 37,8 32,9 0,0 23,6

1999 50,3 37,4 2,5 30,1

2000 57,8 54,8 1,8 38,1

2001 48,7 49,5 4,6 34,2

2002 40,7 47,0 7,7 31,8

2003 36,1 42,0 9,5 29,2

2004 42,0 39,3 10,4 30,5

2005 44,3 49,0 7,5 33,6

2006 48,6 21,4 6,8 25,6

Fontes: Elaboração própria. Ver Anexo I. Banco Mundial, World Development Indicators Online. FMI, World Economic Outlook Database,

Abril 2007.

Notas: IVE-BOP: índice correspondente ao indicador saldo de transações correntes do balanço de pagamentos (% PIB). IVE-RIM: índice

correspondente ao indicador reservas internacionais / Importações de bens CIF, mensal (%). IVE-XPI: índice correspondente ao indica-

dor exportações de bens FOB / PIB (%). IVEC: média simples dos outros índices.

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ATabela 1.2, na página anterior,mostra os índices de vulnerabilidade externacomparada do Brasil para os três indicadores no período 1995-2006. A médiasimples dos índices é o Índice deVulnerabilidade Externa Comparada (IVEC).

O índice de vulnerabilidade externa correspondente à relação entre o saldoda conta corrente do balanço de pagamentos e o PIB é o IVE-BOP. Esse índi-ce apresenta tendência de elevação até 2000, reversão dessa tendência até 2003e volta da tendência de elevação em 2004-2006, como mostra o Gráfico 1.14.Nesse período, a relação entre o superávit da conta corrente do balanço de pa-gamentos e o PIB do Brasil tende a se reduzir, enquanto a situação geral de dé-ficit no conjunto da economia mundial praticamente não se altera. Portanto, oIVE-BOP do Brasil durante o governo Lula tende a aumentar, ou seja, piora avulnerabilidade externa comparada do Brasil.

Gráfico 1.14

Índices de vulnerabilidade externa, Brasil: 1995-2006Fontes: Elaboração própria. Banco Mundial, World Development Indicators Online. FMI, World Economic Outlook Database, abril 2007.

O índice de vulnerabilidade externa referente à relação entre as reservas in-ternacionais brutas e o valor médio mensal das importações CIF de (IVE-RIM)cresceu muito até 2000 e apresenta tendência de queda desde então. Portanto,durante o governo Lula o IVE-RIM tende a se reduzir.

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IVE-BOP IVE-RIM IVE-XPI IVEC

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O índice de vulnerabilidade externa, informado pela relação entre as expor-tações de bens FOB e o PIB (IVE-XPI), aumenta de forma praticamente con-tínua e depois se reduz em 2005-2006.O resultado é que, no governo Lula, nãohá tendência nítida de evolução da vulnerabilidade externa do país, quando in-formada pelo IVE-XPI.

Assim, os três índices de vulnerabilidade externa comparada durante o go-verno Lula mostram situações distintas: melhora do IVE-RIM, piora do IVE-BOP e ausência de tendência do IVE-XPI.

O indicador-síntese é a média simples do IVE-BOP,do IVE-RIM e do IVE-XPI, que é aqui denominado Índice de Vulnerabilidade Externa Comparada(IVEC).O IVEC eleva-se significativamente de 1995 a 2000,ou seja, durante to-do o primeiro mandato Cardoso e até a primeira metade do seu segundo man-dato. O índice diminuiu até 2003, aumentou em 2004-2005 e se reduziu em2006.Ou seja, durante o governo Lula, o IVEC não mostra qualquer tendêncianítida de evolução.Assim, não se pode concluir que houve melhora (ou piora)na vulnerabilidade externa da economia brasileira comparativamente ao restodo mundo durante o governo Lula.

2.2 Governo Lula versus governo CardosoResta, então, comparar a vulnerabilidade externa do país no governo Lula coma do governo Cardoso, nos seus dois mandatos.

A Tabela 1.3 mostra que, no caso de dois indicadores conjunturais (BOP eRIM), a situação do governo Lula é melhor do que no governo Cardoso.Con-siderando os dois mandatos de Cardoso, o saldo da conta corrente do balanço depagamentos e o PIB (BOP) foi negativo (-3,3%), enquanto no governo Lula foipositivo (1,4%).A relação entre as reservas internacionais brutas e o valor mé-dio mensal das importações (RIM) foi de 9,1 no governo Cardoso e 10,0 no go-verno Lula. Este último tem, então, desempenho superior ao do governo Car-doso quando se consideram esses indicadores de vulnerabilidade externa con-juntural. Entretanto, quando se considera a relação entre as exportações de bensFOB e o PIB (XPI) a situação se inverte. No governo Cardoso essa relação foide 7,9 e no governo Lula foi de 13,5. Lula tem, então, desempenho inferior aode Cardoso.

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Tabela 1.3

Vulnerabilidade externa do Brasil, Indicadores: governo Lula versus governo FHC

FHC I FHC II FHC I+II Lula

BOP, Brasil -3,2 -3,5 -3,3 1,4

BOP, Média mundial -4,7 -2,9 -3,8 -2,2

IVE-BOP 37,8 49,4 43,6 42,8

Reservas/Imp. Brasil 10,4 7,8 9,1 10,0

Reservas/Imp. Média mundial 4,8 5,6 5,2 6,4

IVE-RIM 19,7 47,2 33,4 37,9

Exp/PIB, Brasil 6,0 9,8 7,9 13,5

Exp/PIB, Média mundial 27,3 30,2 28,7 34,0

IVE-XPI 0,0 4,2 2,1 8,6

IVEC 19,2 33,6 26,4 29,8

Fonte: Elaboração própria.

Agora, cabe considerar os índices de vulnerabilidade externa comparada.Os indicadores conjunturais mencionados acima convergem para os índices devulnerabilidade externa comparada nos casos do BOP e do XPI. Ou seja, oIVE-BOP de Lula é menor do que o de Cardoso, enquanto o IVE-XPI dogoverno Lula é maior do que o do governo Cardoso.Vale destacar que, nocaso do IVE-BOP, a diferença dos índices de Cardoso e de Lula parece pou-co significativa.

Não obstante, há distinção relevante no caso da relação entre as reservas in-ternacionais brutas e o valor médio mensal das importações CIF de bens.O in-dicador RIM do governo Cardoso é menor do que o do governo Lula, ou se-ja, como visto acima, no primeiro as reservas garantiam 9,1 meses de importa-ção e no segundo as reservas garantiam 10 meses de importação. Entretanto, oíndice de vulnerabilidade externa comparada, relativo a esse indicador (IVE-RIM), é maior no caso de Lula do que no de Cardoso.A explicação é que tam-bém houve melhora desse indicador para o conjunto da economia mundial emdecorrência do contexto internacional favorável.A melhora comparativa do go-verno Lula só é mais evidente em 2006.O resultado é que, considerando o queaconteceu nos outros países do mundo, o IVE-RIM do governo Lula é maiordo que o do governo Cardoso nos dois mandados.Portanto, apesar de haver ele-

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vação do nível das reservas internacionais, o índice de vulnerabilidade externacomparada de Lula é mais elevado.

O indicador-síntese é o IVEC.O IVEC no primeiro e segundo mandatos deCardoso é 19,2 e 33,6 respectivamente. No governo Lula, o IVEC médio é de29,8.Assim, a vulnerabilidade externa no governo Lula é menor do que no pri-meiro governo Cardoso e maior do que no segundo governo Cardoso. Consi-derando os dois mandatos de Cardoso,o IVEC médio (26,4) é inferior ao do go-verno Lula. Portanto, considerando o contexto internacional (isto é, quando seleva em conta a situação internacional) não há evidência de melhora da situa-ção de vulnerabilidade externa do país no governo Lula, comparativamente aogoverno FHC. Os dados mostram que a evidência é no sentido oposto.

Para ilustrar o argumento, vale destacar a evolução de importante indicadorda vulnerabilidade externa – o spread médio dos títulos emitidos pelo país e ne-gociados internacionalmente.O spread é o diferencial entre a taxa efetiva de ju-ro dos títulos emitidos pelos governos de cada país e a taxa efetiva de juro de tí-tulos correspondentes do governo dos Estados Unidos. É um indicador da per-cepção do risco-país. Este indicador foi examinado acima, na seção 1.3, onde seevidenciou que a tendência de queda dos spreads é um fenômeno generalizado,que se aplica ao conjunto dos mercados emergentes. O principal determinantedessa tendência é o excesso de liquidez internacional, ou seja, ela é determina-da exogenamente.

O spread médio dos títulos brasileiros também tem nítida tendência de que-da a partir de 2003. Em 2002 o spread médio do país era 1372 e se reduziu con-tinuamente até atingir a média de 235 em 2006. Essa tendência tem sido usadacomo indicador da queda vulnerabilidade externa da economia brasileira duranteo governo Lula.Entretanto, como destacado acima, a variável-chave é o contextointernacional favorável. Não é por outra razão que, quando se examina a posi-ção relativa do Brasil, verifica-se que o país continua no grupo de mais alto ris-co no conjunto dos mercados emergentes. Em 2002 o Brasil ocupava a posiçãode quarto país de mais alto risco, a mesma posição de 2006, como mostra aTa-bela 1.4.

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Tabela 1.4

Ospaíses comosmaiores spreadsdos títulos nomercado internacional: 2002-2006

2002 2003 2004 2005 2006

1 Argentina = 5742 Argentina = 5568 Argentina = 5220 Argentina = 2709 Equador = 553

2 Nigéria = 1972 Equador = 1189 Equador = 791 Equador = 708 Nigéria = 387

3 Equador = 1443 Nigéria = 1131 Nigéria = 680 Nigéria = 622 Argentina = 342

4 Brasil = 1372 Venezuela = 1006 Venezuela = 579 Venezuela = 416 Brasil = 235

5 Venezuela = 1045 Brasil = 838 Brasil = 542 Filipinas = 403 Filipinas = 232

6 Turquia = 763 Turquia = 629 Filipinas = 454 Brasil = 399 Turquia = 222

Fonte: JPMorgan.

Notas: Ordem decrescente de spread. Spreads = pontos-base, ou seja, 1000 pontos = 1%.

Mais um indicador aponta, então, para a conclusão central deste capítulo: a re-dução dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural do país ao longo dogoverno Lula não implica a diminuição da vulnerabilidade externa comparada dopaís, pois, quando se leva em conta o resto do mundo, a posição relativa do paísnão se altera. Ou seja, a melhora conjuntural decorre do contexto internacionalfavorável. Isto é ainda mais verdadeiro, considerando-se que a atual conjuntura in-ternacional não tem sido aproveitada para iniciar um processo de inserção exter-na ativa nas esferas comercial e financeira, como discutido no capítulo 2.

Desse modo, é muito provável que, na reversão do atual ciclo econômico in-ternacional, a percepção de risco a respeito do Brasil continue entre as mais ele-vadas do mundo, o que reflete a vulnerabilidade externa estrutural do país. Por-tanto, os indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural tenderão a se de-teriorar na fase descendente do ciclo internacional.

3. Oportunidade perdidaDesde 2003 a economia mundial tem experimentado dinamismo extraordinário,que se reflete nas esferas comercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-fi-nanceira das relações internacionais.Este ciclo tem permitido o afrouxamento darestrição de balanço de pagamentos, que tem sido um importante fator determi-nante da evolução da economia brasileira ao longo da sua história (Medeiros eSerrano, 2001).

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Nesse contexto internacional extraordinariamente favorável, não há dúvida deque os indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural do país, na sua maiorparte, mostram tendências de evolução favorável durante o governo Lula. Essefenômeno ocorre em praticamente todos os países do mundo, com a exceção re-levante dos Estados Unidos.

Entretanto, não há evidência de que durante o governo Lula tenha havidoprogresso, comparativamente ao resto do mundo.Os índices de vulnerabilidadeexterna comparada para distintos indicadores mostram diferentes padrões decomportamento. E o indicador-síntese de vulnerabilidade externa (IVEC) nãomostra qualquer tendência nítida de evolução.Portanto, não houve melhora (oupiora) na vulnerabilidade externa da economia brasileira, comparativamente aoresto do mundo, durante o governo Lula.

Contrapondo o desempenho do governo Lula ao do governo Cardoso (mé-dia dos dois mandatos), a evidência também mostra que não houve progresso emrelação à situação de vulnerabilidade externa do país.Na realidade, o índice mé-dio de vulnerabilidade externa do governo Lula é maior que o índice médio dogoverno Cardoso. Portanto, na média, a situação de vulnerabilidade externa émaior no governo Lula do que no governo Cardoso, quando se levam em con-ta os indicadores convencionais de vulnerabilidade externa usados neste capítu-lo e o contexto internacional.

Os governos Cardoso e Lula têm em comum a responsabilidade pelo desem-penho medíocre da economia brasileira. O governo Cardoso fracassou, na me-dida em que as políticas de ajuste macroeconômico, frente às turbulências in-ternacionais, restringiram a dinâmica de desenvolvimento do país. O governoLula também fracassou, visto que suas políticas macroeconômicas, frente ao con-texto internacional extraordinariamente favorável, limitaram a dinâmica de de-senvolvimento do país. Ou seja, o governo Lula deve ser responsabilizado pelaperda da extraordinária oportunidade criada pelo contexto internacional pós-2002.Trata-se de rara oportunidade, que permitiria retirar o país da trajetóriade instabilidade e crise que começou em 1980 e colocá-lo em outra trajetória dedesenvolvimento econômico estável e dinâmico.

Como discutido nos capítulos 3 e 6, a principal causa desse fracasso é a con-tinuidade de um modelo econômico (modelo liberal periférico) que envolveestratégias e políticas econômicas específicas que atendem aos interesses dos gru-pos dominantes.Antes, porém, cabe analisar em maiores detalhes a evolução das

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contas externas e o padrão de inserção internacional da economia brasileira nogoverno Lula. Este é o tema do próximo capítulo.

O Quadro 1.2 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

Quadro 1.2

Principais conclusões: Capítulo 1

Seção Capítulo 1

1 A conjuntura internacional temsido extraordinariamente favorável desde2003.

1 Hámelhora generalizada dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntu-ral dos países em desenvolvimento.

2.1 Os indicadores de vulnerabilidade externa da economia brasileira, que estavamcom tendência de melhora desde a crise cambial de 1999, continuam progre-dindo no governo Lula.

2.1 Os indicadores de vulnerabilidade externa comparada do Brasil não apresen-tam tendências firmes de avanços significativos quando se confronta o perío-do 2003-2006 com o período 1995-2002.

2.2 A vulnerabilidade externa comparada do governo Lula é maior do que a médiados dois mandatos de Cardoso.

3 O governo Lula é responsável pela perda da extraordinária oportunidade criadapelo contexto internacional pós-2002, que permitiria colocar o país em trajetó-ria de desenvolvimento econômico estável e dinâmico.

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Inserção internacionale vulnerabilidade externa

A fase ascendente do ciclo da economia mundial se expressa pela expansão daprodução, da liquidez e do comércio internacional a partir de 2003. Esta con-juntura internacional favorável tem permitido a redução de indicadores de vul-nerabilidade externa conjuntural do conjunto dos países em desenvolvimento.Vale relembrar que a vulnerabilidade externa conjuntural é determinada pelasopções e custos do processo de ajuste externo.A vulnerabilidade externa con-juntural depende positivamente das opções disponíveis e negativamente dos cus-tos do ajuste externo. Ela é, essencialmente, um fenômeno de curto prazo.

No caso do Brasil, alguns indicadores de vulnerabilidade externa conjunturaltêm se reduzido desde a mudança do regime cambial e a desvalorização do realque ocorreram no início de 1999 – invertendo-se a tendência prevalecente noperíodo imediatamente anterior. Por outro lado, como mostrado no capítulo 1,a evidência aponta para a ausência de melhora dos indicadores de vulnerabili-dade externa comparada do Brasil durante o governo Lula. A vulnerabilidadeexterna comparada é dada pelo desempenho externo relativo de determinadopaís, comparativamente ao desempenho externo relativo de outros países. Elaexpressa a comparação entre países do diferencial relativo de indicadores de in-serção econômica internacional.

Este capítulo trata da relação entre a inserção internacional do país e o seu pro-cesso de desenvolvimento econômico. Durante o governo Lula, o Brasil passoua apresentar uma nova dinâmica no seu comércio exterior, evidenciada em rei-terados e crescentes superávits na balança comercial. Não há dúvida de que aconjuntura internacional é o principal determinante da tendência de crescentessuperávits comerciais e de melhora dos indicadores de vulnerabilidade externaconjuntural da economia brasileira.A conjuntura internacional tem provocadoo crescimento da demanda de matérias-primas e produtos agrícolas (commodities)e o aumento de suas cotações internacionais, com melhora nos termos de trocado Brasil.

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Após quatro anos sucessivos de déficits elevados na balança comercial (1995-1998), estes se reduziram abruptamente e se transformaram em superávits, quecresceram no período 2003-2006.Além da mudança ocorrida no regime cam-bial e da depreciação cambial, outras determinações endógenas explicam as ten-dências recentes do comércio exterior brasileiro. A primeira é o aumento daprodutividade e da competitividade da economia brasileira e, em particular, dosetor agroindustrial. Este fenômeno decorre do processo de reestruturação pro-dutiva ocorrido, principalmente, ao longo da década de 1990 e que foi impul-sionado pela abertura comercial.O principal resultado é que os produtos inten-sivos no uso de recursos naturais tornaram-se mais competitivos internacional-mente. A segunda explicação refere-se ao baixo crescimento econômico doBrasil, que estimula o setor produtivo a buscar a saída exportadora como alter-nativa ao baixo dinamismo do mercado interno.

O principal objetivo deste capítulo é analisar a natureza da inserção interna-cional do país no período 2003-2006. Mais especificamente, argumenta-se que,nesse período, nem se enfrentam nem se superam as formas históricas de inser-ção passiva. Na realidade, essas formas se atualizam, em sintonia com a nova fa-se do desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Durante o governoLula configura-se um processo de adaptação passiva e regressiva do país ao sis-tema econômico internacional, em geral, e ao sistema mundial de comércio, emparticular.Ou seja, o atual padrão de inserção internacional do Brasil não se di-ferencia em relação à sua forma de inserção pretérita.

Portanto, não há motivos para se esperar mudanças na vulnerabilidade externaestrutural da economia brasileira. Como destacado no capítulo anterior, a vul-nerabilidade externa estrutural decorre de mudanças no padrão de comércio, naeficiência no aparelho produtivo, no dinamismo tecnológico e na robustez dosistema financeiro nacional.A vulnerabilidade externa estrutural é determina-da, principalmente, pelos processos de desregulação e liberalização nas esferascomercial, produtivo-real, tecnológica e monetário-financeira das relações eco-nômicas internacionais do país. Ela é, fundamentalmente, um fenômeno de lon-go prazo.

Neste capítulo destaca-se o fato de que a maior competitividade internacio-nal do Brasil está centrada nos produtos intensivos em recursos naturais e se deu,no essencial, mantendo o mesmo padrão de especialização já existente antes, is-to é, sem alterações significativas da densidade tecnológica da pauta de exporta-

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ção. Não houve mudanças importantes no padrão de comércio exterior pormeio da maior diversificação e densidade tecnológica das exportações.

Este capítulo contém cinco partes. Na primeira discute-se a importânciados superávits comerciais para a dinâmica macroeconômica menos instávelobservada no período 2003-2006. Nessa parte, o comércio exterior e, maisespecificamente, a exportação de bens primários são vistos como as variáveisfundamentais que diferenciam o desempenho da economia antes e depois de1999 e, particularmente, a partir de 2003.Nessa seção evidencia-se a reduçãodos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural do país.A análise in-dica que foram mantidos e reforçados alguns dos problemas mais sérios nas re-lações econômicas internacionais do país, como o déficit elevado na conta derenda de fatores. Surgem, ainda, anomalias como a forte apreciação cambial ea exportação de capital produtivo, bem como o pagamento de valores ex-traordinariamente elevados ao FMI em um contexto de melhora evidente dascontas externas do país.

Na segunda parte analisa-se o desempenho das exportações.A principal con-clusão é que aumenta a dependência do crescimento do PIB em relação à de-manda externa. Nesse sentido, o país torna-se estruturalmente mais vulnerávelàs oscilações da conjuntura internacional.

Na seção 3 discute-se o padrão de especialização do comércio exterior bra-sileiro, com foco nas exportações de bens. No contexto da fase ascendente dociclo da economia mundial, o Brasil está aprofundando o padrão de especializa-ção retrógrada. Esse padrão envolve a reprimarização relativa das exportaçõespor meio da crescente participação de produtos primários no valor das expor-tações. No contexto do baixo dinamismo da economia doméstica, o país tem si-do incapaz de promover o upgrade do seu padrão de comércio exterior.Na rea-lidade, há evidência de que fenômeno oposto ocorre durante o governo Lula,com a perda de posição relativa de produtos de exportação com maior intensi-dade no uso de tecnologia. Os ganhos relativos têm ocorrido nos produtos debaixo conteúdo tecnológico e nos produtos intensivos em recursos naturais.

Na quarta seção discute-se a questão do retrocesso do setor industrial ou dadesindustrialização relativa da economia brasileira, que tem implicações rele-vantes para a inserção do país no sistema mundial de comércio. Esse retrocessomanifesta-se por meio, principalmente, da perda de dinamismo da indústria detransformação, com a especialização em setores intensivos em recursos naturais

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e a desarticulação de cadeias produtivas. A ausência de progresso na estruturaprodutiva implica a consolidação de um padrão de inserção retrógrada no siste-ma mundial de comércio, com crescente dependência em relação às exporta-ções de commodities.

Na quinta e última seção, há a síntese das principais conclusões, evidencian-do-se que o desempenho recente do comércio exterior do Brasil não resulta detransformações estruturais (melhora da estrutura de produção e de padrão decomércio) e, sim, de circunstâncias conjunturais associadas às elevadas taxas decrescimento do comércio mundial e à melhora nos termos de troca. Portanto, ainflexão da atual fase ascendente do ciclo de comércio internacional implicaráa reversão do processo de geração de elevados saldos comerciais.Além disso, aspolíticas do governo Lula reforçam o avanço de estruturas de produção e padrõesde inserção internacional retrógrados que tendem a aumentar a vulnerabilidadeexterna estrutural do país.

1. Vulnerabilidade externa conjuntural e anomaliasA análise da evolução dos indicadores de vulnerabilidade externa conjunturalda economia brasileira mostra, claramente, que o ano de 1999 constitui a linhadivisória que marca a inversão da tendência prevalecente desde a introdução danova moeda (o real) em 1994. Essa situação é particularmente evidente no casodos indicadores diretamente associados ao desempenho das exportações.Dentreesses indicadores podem ser mencionados: serviço da dívida/exportações, dívi-da total/exportações e dívida líquida total/exportações.Os três indicadores apre-sentam trajetória de deterioração sistemática entre 1994 e 1999,mas a partir de2000 e, principalmente, de 2003 há inversão da tendência, como mostra aTabe-la 2.1.

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Tabela 2.1

Indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural, 1994-2006

1994 38,2 26,3 15,3 27,1 3,3 1,9

1995 44,5 21,7 12,2 33,9 3,3 1,9

1996 54,7 22,3 12,1 34,7 3,6 2,0

1997 72,6 23,7 15,2 27,2 3,6 2,3

1998 87,4 28,4 20,9 19,9 4,4 3,2

1999 126,5 42,0 32,5 16,1 4,7 3,6

2000 88,6 36,0 28,4 15,2 3,9 3,1

2001 84,9 37,9 29,4 17,1 3,6 2,8

2002 82,7 41,8 32,7 18,0 3,5 2,7

2003 72,5 38,8 27,3 22,9 2,9 2,1

2004 53,7 30,3 20,4 26,3 2,1 1,4

2005 55,8 19,2 11,5 31,7 1,4 0,9

2006 41,4 16,2 7,0 49,8 1,3 0,5

Fonte: Banco Central do Brasil.

Os outros três indicadores (dívida total/PIB, dívida total líquida/PIB e reser-vas/dívida total), nos quais o desempenho das exportações se expressa, indireta-mente, pela dívida e as reservas, têm trajetórias um pouco diferentes em relaçãoaos indicadores mencionados antes.A reversão da tendência anterior só se evi-dencia, cabalmente, a partir de 2003, em virtude das seguintes circunstâncias:aceleração do crescimento das exportações e surgimento de saldos positivos naconta de transações correntes; compra de dólares para amenizar a valorização doreal, que resulta na elevação das reservas internacionais; e o pagamento de parteda dívida externa pública, com a adoção de uma política de troca de dívida ex-terna por dívida interna. Por sua vez, o desempenho do PIB, que influencia doisdesses indicadores, só teve impacto importante nos anos 2004 e 2000, quandosuas taxas de crescimento foram um pouco maiores do que aquelas verificadasnos últimos doze anos.

Conforme discutido mais detalhadamente no capítulo 3, após a crise cambialde 1999, os mecanismos de funcionamento do modelo e as políticas econômi-

A economia política do governo Lula 65

Serviço dadívida externa/exportação (%)

Dívida externatotal / PIB (%)

Dívida externatotal líquida /PIB (%)

Reservasinternacionais(liquidez) /dívida total (%)

Dívida externatotal /exportação

Dívida externatotal líquida /exportação

Período

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cas, a ele associadas, sofreram um ajuste.Com o fim da“âncora cambial” e a des-valorização do real, a política econômica incorporou três novos elementos: re-gime de câmbio flutuante, sistema de metas de inflação e política de superávitsfiscais primários elevados. O primeiro é particularmente relevante para o ajusteexterno. Em 1999, a mudança do regime cambial constituiu elemento funda-mental para a reversão dos saldos negativos da balança comercial.O câmbio des-valorizado se manteve até meados de 2004, como mostra o Gráfico 2.1. Nesseano começou um novo período de apreciação do real, mas então a conjunturainternacional já era extremamente favorável às exportações.

Gráfico 2.1

Taxa de câmbio efetiva real - média móvel 12 meses: 1995-2006

Fonte: Ipeadata.

A inflexão ocorrida nas contas externas do país, a partir de 1999, pode serobservada, e mais bem compreendida, comparando-se três períodos distintos:1995-1998 (primeiro governo Cardoso), 1999-2002 (segundo governo Cardo-so) e 2003-2006 (governo Lula).A evolução e os saldos acumulados das três con-tas que compõem as transações correntes são apresentados naTabela 2.2.

A causa fundamental da transformação dos déficits da conta de transações cor-rentes em superávits é a inversão dos saldos da balança comercial, que se tornamsuperavitários a partir de 2001. Depois da pequena queda no período imediatoque se seguiu à mudança do regime cambial (1999-2002), os déficits da balan-ça de serviços e rendas só aumentaram, principalmente nos dois últimos anos dasérie. As transferências unilaterais, por sua vez, embora sempre superavitárias,contribuem relativamente pouco, tendo em vista a sua reduzida participação nototal das transações correntes.

66 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

dez 98 = 89

dez 02 = 112

dez 06 = 81

60

70

80

90

100

110

120

130

1995

06

1996

02

1996

10

1997

06

1998

02

1998

10

1999

06

2000

02

2000

10

2001

06

2002

02

2002

10

2003

06

2004

02

2004

10

2005

06

2006

02

2006

10

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Embora o processo que levou à inversão dos saldos das contas externas dopaís tenha se iniciado em 1999, a partir da mudança do regime cambial, os su-perávits da balança comercial só se tornaram mais expressivos a partir de 2002-2003, quando a conjuntura econômica internacional ficou mais favorável. Emconseqüência, os valores da balança comercial no governo Lula são bem supe-riores aos do segundo governo Cardoso. E, como o crescimento dos superávitsna balança comercial foi bem maior, e mais rápido, do que o aumento dos défi-cits na conta de serviços e rendas, a conta de transações correntes passou a ob-ter saldos positivos a partir de 2003.

Tabela 2.2

Transações correntes: 1995-200 (US$ bilhões; valor acumulado para os períodos)

Balança comercial Serviços e rendas Transferências Saldo % do PIB

1995 -3,5 -18,5 3,6 -18,4 nd

1996 -5,6 -20,3 2,4 -23,5 -3,0

1997 -6,7 -25,5 1,8 -30,4 -3,8

1998 -6,6 -28,3 1,5 -33,4 -4,3

1995-1998 -22,4 -92,6 9,3 -105,7

1999 -1,2 -25,8 1,7 -25,3 -4,8

2000 -0,7 -25,0 1,5 -24,2 -4,0

2001 2,7 -27,5 1,6 -23,2 -4,6

2002 13,1 -23,1 2,4 -7,6 -1,7

1999-2002 13,9 -101,4 7,2 -80,3

2003 24,8 -23,5 2,9 4,2 0,8

2004 33,6 -25,2 3,3 11,7 1,9

2005 44,7 -34,1 3,6 14,2 1,8

2006 46,2 -36,8 4,3 13,7 1,4

2003-2006 149,3 -119,6 14,1 43,8

Fonte: Banco Central.

A continuação do crescimento dos déficits da balança de serviço e rendas, nogoverno Lula, com saldo negativo acumulado maior do que nos períodos ante-riores, decorreu, essencialmente, do crescimento do montante total das rendas,como mostra aTabela 2.3. O valor total acumulado dos serviços, depois de cair

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mais de 25% no período 1999-2002 em relação a 1995-1998, praticamente per-maneceu constante no governo Lula, embora se deva destacar que os seus défi-cits, nos dois últimos anos, voltaram a dar um salto importante.

Na conta de rendas, o elemento definidor do crescimento foram as remessaslíquidas de lucros e dividendos, cujo valor acumulado aumentou 139% no go-verno Lula comparativamente ao segundo governo Cardoso, como mostra aTa-bela 2.3. Como o diferencial de crescimento do produto e da renda nos doisgovernos não é muito significativo, o crescimento das remessas de lucros e divi-dendos decorre do processo de privatização e desnacionalização da década de1990 e da sobrevalorização do real, mais recentemente. Por outro lado, o paga-mento dos juros líquidos acumulados diminuiu no governo Lula, apesar de terse mantido ainda em nível bastante elevado, pois foi 20% maior do que o mon-tante total de lucros e dividendos.A redução do estoque da dívida externa é oprincipal determinante desse fenômeno.

Tabela 2.3

Serviços e rendas, valores acumulados: 1995-2006 (US$ bilhões)

Período Lucros e Dividendos Juros Salários e Ordenados Total das Total dosRendas Serviços

1995-1998 -18,1 -37,6 -0,1 -55,8 -36,9

1999-2002 -17,6 -57,5 0,4 -74,7 -26,9

2002-2006 -42,0 -51,2 0,7 -92,5 -27,1

Fonte: Banco Central.

Durante a década de 1990, o fluxo mundial de investimento externo direto(IED) cresceu sistematicamente, saindo de US$ 159 bilhões em 1991 para US$1.410 bilhões em 2000. Seguindo a tendência, o Brasil também experimentoucrescimento reiterado desses investimentos ao longo de quase toda a década: deUS$ 1,1 bilhão em 1991 para o recorde de US$ 32,8 bilhões em 2000. Entre1995 e 1998, especificamente,o país aumentou a sua participação no fluxo mun-dial, chegando a atingir 4,18%. Entre 1996 e 2000, as privatizações tiveram umpeso importante na atração desses investimentos, como mostra aTabela 2.4.

Entretanto, a partir de 2001 os fluxos mundiais se reduziram drasticamente,atingindo US$ 557,9 bilhões em 2003, portanto, menos de 40% do montantemáximo de 1998.O mesmo ocorreu com os fluxos dirigidos ao Brasil, que de-sabaram, no mesmo período, de US$ 29 bilhões em 1998 para US$ 10 bilhões

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em 2003.A participação do país no fluxo mundial de IED também cai ao lon-go do período. No governo Lula o IED tem comportamento irregular, que se-gue a trajetória de instabilidade (stop and go) da economia brasileira. Ademais,durante o governo Lula parece haver tendência de queda da participação brasi-leira nos fluxos totais de IED.Com exceção de 2004,os outros anos apontam pa-ra essa tendência.

Tabela 2.4

Ingresso de Investimento Externo Direto (IED): 1990-2006 (US$ bilhões e %)

Brasil Brasil, Fluxomundial ParticipaçãoTotal Privatizações do Brasil (%)

1990 1,0 - 208,6 0,47

1991 1,1 - 158,7 0,69

1992 2,1 - 166,4 1,24

1993 1,3 - 225,5 0,57

1994 2,1 - 260,8 0,82

1995 3,4 0,0 335,7 1,31

1996 10,8 2,3 388,5 2,78

1997 19,0 5,2 488,3 3,89

1998 28,9 6,1 690,9 4,18

1999 28,6 8,8 1.086,7 2,63

2000 32,8 7,0 1.409,6 2,33

2001 22,5 1,1 832,2 2,70

2002 16,6 0,3 617,7 2,69

2003 10,1 - 557,9 1,82

2004 18,2 - 710,8 2,56

2005 15,2 - 916,3 1,66

2006 18,8 - 1.230,4 1,48

Fonte: Banco Central do Brasil e Unctad.

Além do incremento dos fluxos de ingresso de IED, na década de 1990 houveaumento da liquidez internacional e a consolidação de mercados financeiros glo-balizados, com impactos profundos na inserção internacional e na dinâmica ma-croeconômica dos países em desenvolvimento.As crises cambiais recorrentes do

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período decorrem diretamente da intensificação do movimento desses capitais.Nesse cenário, houve mudanças na conta de capital e financeira do balanço depagamentos do país.No primeiro governo Cardoso, os grandes montantes dos in-vestimentos em carteira (aplicações em títulos da dívida pública e bolsa de valo-res) e do IED (com destaque para a aquisição de empresas nacionais e estatais) fo-ram determinantes do equilíbrio (instável e precário) do balanço de pagamentos.De fato, os elevados déficits das contas de transações correntes, examinados acima,foram compensados com ingressos líquidos de capitais, como mostra aTabela 2.5.

Tabela 2.5

Fluxos líquidos de capitais: 1995-2006 (US$ bilhões)

Ano Investimento Investimento Derivativos Outros Saldodireto em carteira investimentos

1995 3,3 9,2 0,0 16,2 28,7

1996 11,2 21,6 0,0 0,7 33,5

1997 17,9 12,6 -0,3 -4,8 25,4

1998 26,0 18,1 -0,5 -14,3 29,3

1999 26,9 3,8 -0,1 -13,6 17,0

2000 30,5 7,0 -0,2 -18,2 19,1

2001 24,7 0,1 -0,5 2,8 27,1

2002 14,1 -5,1 -0,4 -1,1 7,5

2003 9,9 5,3 -0,2 -10,4 4,6

2004 8,3 -4,7 -0,7 -10,8 -7,9

2005 12,6 4,9 0,0 -27,5 -10,0

2006 -8,5 8,6 0,4 15,9 16,4

Fonte: Banco Central do Brasil.

Posteriormente,no período 1999-2002,os montantes dos investimentos em car-teira desabaram, com o refluxo momentâneo da liquidez internacional depois desucessivas crises cambiais, inclusive as do Brasil de 1999 e 2002. Contudo, os flu-xos de IED cresceram nos dois primeiros anos e se mantiveram elevados até o fi-nal do período, o que contribuiu para financiar os déficits de transações correntes.

No governo Lula, com o fim das privatizações de empresas estatais, o ingres-so líquido de IED se reduziu significativamente. Em 2006 o fluxo líquido de

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IED foi negativo em virtude do crescimento dos investimentos de empresas bra-sileiras (transnacionalizadas) no exterior. Esses investimentos são impulsionadospela forte apreciação cambial.

Por seu turno, o fluxo líquido de investimentos em carteira é explicado pelastaxas de juros elevadas no Brasil.Como conseqüência desses movimentos de ca-pitais, o saldo da conta financeira do balanço de pagamentos do país tem sidobastante volátil durante o governo Lula. Em 2004 e 2005 houve déficit, o quetransformou o Brasil, irônica e surpreendentemente, em exportador de capitais.Em 2005 expirou o acordo com o FMI, o que implicou pagamento do princi-pal. Por fim, vale destacar que, pela primeira vez na história econômica do país,o fluxo líquido de IED foi negativo em 2006.Mais um fato inusitado que reve-la anomalias da economia brasileira: o país com a mais elevada taxa de juro domundo tornou-se exportador de capital produtivo.

Ainda como anomalia marcante durante o governo Lula há a relação entre oBrasil e o Fundo Monetário Internacional. Em setembro de 2002, Lula, entãocandidato à presidência, apoiou explicitamente o acordo do Brasil, acertado en-tre o governo Cardoso e o FMI em 6 de setembro de 2002 com validade até 31de março de 2005. Lula manteve esse acordo até a sua data de expiração.

A anomalia do acordo do Brasil com o FMI durante o governo Lula decorre doseguinte conjunto de fatores.O primeiro é que o início da fase ascendente do ci-clo da economia mundial em 2003 e a melhora das contas externas do país cria-ram condições suficientes para o rompimento do acordo já em 2003. No lugardesse procedimento, Lula decidiu pela elevação unilateral da meta de superávit fis-cal primário definida na Carta de Intenção que acompanhava o acordo. A meta ori-ginalmente acertada no governo Cardoso foi de 3,75% do PIB.Lula propôs 4,25%na nova carta de intenções de fevereiro de 2003 (FMI, 2003). É um fato inusitadona história de seis décadas das relações entre o FMI e os seus 185 países-membros.O aumento da meta implicou arrocho fiscal adicional, que resultou no desempe-nho medíocre da economia nos anos seguintes.

A segunda anomalia associada ao acordo com o FMI é que, no contexto de me-lhora da conjuntura internacional e das contas externas do país,o governo Lula abriuuma linha de crédito junto ao FMI no valor de US$ 19,2 bilhões em 2003. Isto fezcom que a dívida junto ao FMI chegasse a mais de US$ 29 bilhões naquele ano.

A terceira anomalia é que essa dívida, de recursos não usados, custou ao paísUS$ 3,65 bilhões na forma de pagamento de juros e taxas de administração.Ou

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seja, a simples manutenção de uma linha de crédito junto ao FMI custou maisde R$ 7 bilhões à taxa de câmbio de R$ 2,00/US$. Este recurso representoudesperdício à medida que, já em 2003, a balança comercial apresentou superávitde US$ 25 bilhões e as transações correntes também tiveram superávit equiva-lente a 0,8% do PIB.

Vale destacar que essas despesas corresponderam a 45,5% dos pagamentos doBrasil ao FMI no período 1984-2006. De fato, em nenhum momento da atri-bulada história das relações entre o Brasil e o FMI o país teve despesas tão ele-vadas quanto aquelas observadas durante o governo Lula, como mostra o Grá-fico 2.2. Durante todos os anos, desde o início da década de 1980, o Brasil fezpagamentos ao FMI na forma de juros e taxas.No período 1984-2002 o paga-mento médio anual do Brasil ao FMI foi de US$ 230 milhões, enquanto du-rante o governo Lula a despesa média anual foi de US$ 913 milhões. Ou seja,quase quatro vezes a média anual do período anterior, que inclui o da eclosãoda crise da dívida externa nos anos 1980,o da moratória da segunda metade dosanos 1980 e o da primeira metade dos anos 1990. Na realidade, nunca na his-tória do sistema monetário internacional um governo pagou tanto ao FMIquanto o de Lula.

Gráfico 2.2

Pagamentos de juros e taxas pelo Brasil ao FMI: 1984-2006 (US$ milhões)

Fonte: FMI

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Juros e taxas, despesas Média móvel 4 anos

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2. Exportações e dependência externaO elevado crescimento das exportações é, sem dúvida, uma das característicasmarcantes da economia brasileira no período 2003-2006. Conforme visto nocapítulo 1, isso ocorre no contexto extraordinariamente favorável da economiamundial.A taxa média de crescimento do valor das exportações é de 4,3% em1995-1998, 4,5% em 1999-2002 e 23% ao ano no período 2003-2006, comomostra aTabela 2.6.

Tabela 2.6

Balança comercial: 1995-2006 (variação anual em %, valor em US$ bilhões)

Exportação Importação Saldo

valor variação % valor variação % valor

1995 46,5 6,8 50,0 50,5 -3,5

1996 47,7 2,7 53,3 7,1 -5,6

1997 53,0 11,0 59,5 12,0 -6,8

1998 51,1 -3,5 57,7 -3,4 -6,6

Média 49,6 4,3 55,1 16,6 -5,6

1999 48,0 -6,1 49,2 -14,7 -1,2

2000 55,1 14,7 55,8 13,3 -0,7

2001 58,2 5,7 55,6 -0,4 2,7

2002 60,4 3,7 47,2 -15,0 13,1

Média 55,4 4,5 52,0 -4,2 3,5

2003 73,1 21,1 48,3 2,2 24,8

2004 96,5 32,0 62,8 30,0 33,6

2005 118,3 22,6 73,6 17,2 44,8

2006 137,5 16,2 91,3 24,2 46,2

Média 106,4 23,0 69,0 18,4 37,4

Fonte: Banco Central.

No entanto, o ímpeto exportador brasileiro começa a dar sinais de arrefeci-mento em 2005-2006. Em 2006, além de sofrer uma queda importante (a se-gunda consecutiva), a taxa de crescimento do valor das exportações (16,2%) foi,pela primeira vez desde 1999, menor que a do valor das importações (24,2%).Com o agravante de que o quantum das exportações cresceu apenas 3,3% (2,1%

A economia política do governo Lula 73

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no caso dos manufaturados), enquanto o das importações aumentou 16,2%. Es-timativas da OMC e do FMI apontam para um crescimento real das exportaçõesmundiais totais e de manufaturados da ordem de 8% em 2006 (OMC, 2007).

Portanto, a forte demanda internacional por commodities, a partir de 2003, pas-sou a ser determinante no aumento das exportações brasileiras. Em razão dessademanda,os termos de troca (preços das exportações/preços das importações) doBrasil cresceram, o que favorece a balança comercial do país, como mostra oGráfico 2.3. Isto significa dizer que a reversão da atual conjuntura do comérciointernacional deverá ter forte impacto nas contas externas do país.

Gráfico 2.3

Termos de troca e rentabilidade das exportações: (1994 = 100)

Fonte: Funcex.

A rentabilidade das exportações depende dos preços internacionais dos pro-dutos exportados e da evolução da taxa de câmbio real.A influência do câmbioé decisiva para o desempenho das exportações, em particular para os produtosindustriais com maior conteúdo tecnológico.No período 1995-1998 caiu a ren-tabilidade das exportações, em decorrência da valorização do real.Após a des-valorização de 1999, a rentabilidade cresceu, mas tornou a cair a partir de 2003e, principalmente, de 2004 em razão de forte valorização do real, como mostrao Gráfico 2.3. Essas variações são mais acentuadas quando se observam os índi-ces por setor de atividade: aqueles de maior intensidade tecnológica são os maissensíveis em relação ao câmbio, evidenciando forte queda de rentabilidade nosperíodos de valorização cambial.

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Indice de Rentabilidade das Exportações Termos de troca

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A exportação é um dos determinantes do crescimento da renda, juntamentecom o consumo, o investimento e o gasto público. A importação é um vaza-mento de renda para o exterior. Ou seja, a exportação é uma das fontes de ex-pansão da demanda agregada. O grande crescimento das exportações, associadoao baixo dinamismo do mercado interno, principalmente do investimento, im-plicou maior participação dos seus valores no PIB (grau de abertura externa).Quando se consideram as exportações de bens e serviços, o grau de aberturaatingiu 16% em 2006.

Todavia, conforme pode ser constatado no Gráfico 2.4, há um descolamentoentre o crescimento das exportações e o do PIB, especialmente nos anos mais re-centes, quando ocorreu um grande salto nas exportações e uma inversão nossaldos da balança comercial. Essa limitação associa-se também – de acordo comas evidências apresentadas na próxima seção – à qualidade da pauta de exporta-ção, que possui, relativamente, baixa capacidade de articulação produtiva comoutras atividades internas.

Gráfico 2.4

Exportações e PIB: 1995-2006

Fonte: IPEAdata.

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

PIB - var. real anual

Exportações - bens e serviços - var. real anual Exportações - bens e serviços % do PIB

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Page 75: A economia política do governo lula

Mas, apesar dessa limitação, a partir de 1999 e, principalmente 2003, as ex-portações passaram a contribuir de forma crescente para o desempenho do PIB.Este fato decorre, também, do baixo dinamismo do mercado interno (consumoe formação bruta de capital), como mostra aTabela 2.7.No período 1999-2006,em quase todos os anos as exportações contribuíram de forma determinante pa-ra o crescimento do PIB, sendo que em 2003 elas foram decisivas para anular aqueda do consumo final e da formação bruta de capital, o que impediu que oPIB diminuísse.

Tabela 2.7

Contribuição no crescimento do PIB (%)

Período Consumo final Formação bruta Importações de Exportações de PIB variaçãode capital bens e serviços bens e serviços

1995 5,44 1,79 -2,81 -0,19 4,42

1996 1,64 1,04 -0,49 -0,03 2,15

1997 2,21 1,66 -1,22 0,72 3,38

1998 0,17 -0,48 0,01 0,34 0,04

1999 0,59 -2,08 1,35 0,40 0,25

2000 2,58 1,68 -1,17 1,21 4,31

2001 0,97 -0,48 -0,18 1,00 1,31

2002 2,16 -2,01 1,60 0,90 2,66

2003 -0,24 -0,27 0,20 1,47 1,15

2004 3,16 2,00 -1,74 2,29 5,71

2005 3,20 -0,75 -1,17 1,66 2,94

2006 3,35 1,74 -2,09 0,70 3,70

Fonte: Ipeadata.

Comparando a contribuição das exportações no crescimento do PIB nos sub-períodos 1995-98, 1999-2002 e 2003-2006, verifica-se tendência crescente, co-mo mostra o Gráfico 2.5.Em 2003-2006, a contribuição das exportações no cres-cimento do PIB foi de 1,5%.Ou seja, o crescimento das exportações foi respon-sável por 45,3% do crescimento do PIB, que cresceu à taxa média anual de 3,3%.

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Page 76: A economia política do governo lula

Gráfico 2.5

Exportações de bens e serviços - contribuição % no crescimento do PIB: 1995-2006

Fonte: IPEAdata.

Fica patente o crescimento, nos últimos anos, da dependência da dinâmicamacroeconômica em relação às exportações.Elas foram, em alguns anos, a maiorfonte de expansão da economia. Entretanto, as exportações são insuficientes pa-ra possibilitar taxas expressivas de crescimento do PIB.

O ritmo diferenciado do crescimento das exportações e importações impli-cou redução do superávit na conta de transações correntes em 2006. Houvetambém o crescimento do déficit na conta de serviços e rendas, especialmenteo grande aumento das remessas de lucros e dividendos.A queda do superávit daconta de transações correntes tenderá a continuar no futuro, tendo em vista o ce-nário de queda do saldo comercial, decorrente da tendência de crescimento dovalor das importações.A confirmação dessa previsão implicará, pela primeira vezdesde 2001, redução do superávit da balança comercial.

Levando em conta esses movimentos da balança comercial, bem como o fa-to de que os déficits na balança de serviços e rendas tendem a aumentar, o cres-cimento das exportações é de crucial importância no longo prazo. Por um lado,há crescente pressão para se aumentar as taxas de crescimento do PIB – o lança-mento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) no início de 2007 apon-ta neste sentido. Por outro, há incerteza sobre a duração da atual fase ascendentedo ciclo do comércio mundial.

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Exportações - bens e serviços - contribuição no crescimento do PIB - var.Contribuição relativa (média anual simples)

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A capacidade de manter o modelo liberal periférico e a política econômicaortodoxa depende, em grande medida, da evolução das exportações. O desem-penho futuro das exportações brasileiras é determinado tanto pela conjuntura in-ternacional como pela estrutura das exportações do país, ou seja, pelo padrão deespecialização do país. Este é o tema da próxima seção.

3. Especialização retrógradaAs exportações brasileiras têm refletido as tendências de aumentos de preços ede quantidades a partir de 2003, como mostra aTabela 2.8.Mais especificamen-te, os preços favoreceram,principalmente, os produtos semimanufaturados e bá-sicos, enquanto o quantum foi decisivo para os produtos manufaturados e, prin-cipalmente, os básicos.Nos dois últimos anos do período (2005-2006) identifi-ca-se a maior influência dos preços internacionais do que das quantidades, o quevem compensando (parcialmente) o novo processo de valorização do câmbioiniciado em 2004.

Tabela 2.8

Evolução das exportações por fator agregado: 1999-2006 (Índice 1996 =100)

Período Exportações Produtos Produtos Produtosbásicos semimanufaturados manufaturados

Preços Quantum Preços Quantum Preços Quantum Preços Quantum

1999 81,9 122,8 76,1 130,7 76,6 121,0 86,2 120,1

2000 84,6 136,4 74,5 141,6 87,7 112,6 87,0 141,5

2001 81,6 149,4 68,3 188,9 78,5 122,0 86,9 143,4

2002 77,9 162,3 65,5 217,6 74,9 139,0 82,9 150,8

2003 81,5 187,8 72,3 246,2 83,4 152,5 82,4 182,3

2004 90,3 223,8 85,6 280,1 95,5 163,4 87,2 229,8

2005 101,3 244,7 97,8 298,5 106,8 173,6 96,7 255,1

2006 113,9 252,8 106,9 316,5 126,1 179,7 108,6 260,5

Fonte: IPEAdata.

Como conseqüência dessa evolução de preços e quantidades, o padrão dasexportações brasileiras aponta no sentido da reprimarização, ou seja, da crescen-te participação relativa de produtos primários nas exportações brasileiras.De fa-

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to, a participação dos produtos básicos no valor total exportado aumenta de pou-co mais de 25,3% nos dois governos Cardoso para 29,30% no governo Lula, co-mo mostra aTabela 2.9.As participações relativas dos produtos manufaturados edos semimanufaturados caíram no governo Lula.

Tabela 2.9

Padrão das exportações por fator agregado: 1995-2006 (%)

Período Básicos Semimanufaturados Manufaturados Não classificados Total

1995-1999 25,30 17,40 55,71 1,59 100

1999-2002 25,47 15,27 56,79 2,48 100

1995-2002 25,38 16,33 56,25 2,04 100

2003-2006 29,30 14,15 54,64 1,92 100

Fonte: Funcex.

A reprimarização das exportações brasileiras também é evidenciada pelos da-dos da Organização Mundial de Comércio, como mostra a Tabela 2.10.A par-ticipação dos manufaturados caiu de 53,6% em 1995-2002 para 51,8% em 2003-2006. Esses dados apontam que a reprimarização, com a crescente importânciarelativa dos produtos primários, decorre principalmente da expansão das expor-tações de combustíveis e produtos minerais.

Tabela 2.10

Padrão das Exportações por tipo de produto: 1995-2006 (%)

Produtos Combustíveis Manufaturados Não classificados TotalAgrícolas emineração

1995-98 33,81 10,72 53,05 2,43 100

1999-2002 31,20 12,16 54,06 2,58 100

1995-2002 32,50 11,44 53,55 2,51 100

2003-05 31,57 14,43 51,78 2,21 100

Fonte: OMC.

A classificação das exportações segundo o grupo de produtos também permitea caracterização do processo de reprimarização das exportações. Como se podeobservar na Tabela 2.11, a participação dos produtos primários aumentou de18,7% em 1999-2002 para 21,6% em 2003-2006. Este incremento decorre da

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expansão das exportações de minérios e produtos energéticos.No caso dos ma-nufaturados houve queda da participação de 48,1% em 1999-2002 para 45,5%em 2003-06.Este movimento resulta das reduções das participações relativas dasindústrias intensivas em mão-de-obra e das indústrias intensivas em tecnologia.

Tabela 2.11

Padrão das exportações segundo grupos de produtos: 1999-2006

Grupos de Produtos 1999-2002 2003-06

Primários 18,68 21,63

Agrícolas 11,00 10,53

Minérios 6,52 7,38

Energéticos 1,17 3,72

Semimanufaturados 31,33 31,08

Agrícolas intensivas emmão-de-obra 16,12 15,80

Agrícolas intensivas em capital 6,92 6,51

Minérios 6,59 6,40

Energéticos 1,70 2,37

Manufaturados 48,12 45,52

Indústrias intensivas em trabalho 8,64 6,75

Indústrias intensivas em economia de escala 18,74 20,77

Fornecedores especializados 9,25 10,44

Indústrias intensivas em P&D 11,49 7,56

Não Classificados 1,87 1,77

Total 100,00 100,00

Fonte: Elaborado pela Funcex a partir de dados da SECEX/MDIC e OECD.

O exame dos dados de exportação segundo a intensidade tecnológica dos pro-dutos traz evidência complementar, que caracteriza não somente o processo de re-primarização como também a ausência de upgrade das exportações de produtos in-dustriais. Como mostra aTabela 2.12, a participação relativa dos produtos indus-triais (manufaturados e semimanufaturados) no valor total das exportaçõesexperimentou queda de 79,3% em 1999-2002 para 76,5% em 2003-2006.Nesseconjunto, os produtos de maior intensidade tecnológica (alta e média-alta) foramos que mais perderam em termos relativos.A participação desses produtos redu-

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ziu-se de 28,8% em 1999-2002 para 26,2% em 2003-06.O peso dos produtos in-dustrializados com baixa intensidade tecnológica teve pequena redução, mas aindacontinua elevado (mais de 1/3 do valor total das exportações).

Tabela 2.12

Padrão das exportações segundo intensidade tecnológica dos produtos: 1999-2006

Intensidade 1999-2002 (média %) 2003-06 (média %)

Produtos industriais 79,28 76,47

Alta 9,85 6,50

Média-alta 18,95 19,65

Alta e Média-Alta 28,80 26,15

Média-baixa 12,84 14,12

Baixa 37,64 36,20

Baixa e Média-Baixa 50,48 50,32

Produtos não industriais 18,86 21,76

Não classificada 1,86 1,76

Total 100,00 100,00

Fonte: Funcex.

Não há dúvida de que o padrão dominante das exportações brasileiras é mar-cado pelo baixo conteúdo tecnológico. Os produtos não industrializados e osprodutos industrializados de baixa e média-baixa intensidade tecnológica repre-sentaram 72,1% do valor total das exportações em 2003-2006, enquanto em1999-2002 a participação correspondente foi de 69,3%.Ademais, comparando-se os dois subperíodos (1999-2002 e 2003-2006),observa-se que houve piora re-lativa da pauta exportadora (downgrade), tendo em vista a redução de mais de trêspontos percentuais da participação do valor dos produtos industrializados de al-ta tecnologia.

No conjunto, evidencia-se que o padrão das exportações brasileiras carac-teriza-se pela presença dominante de produtos intensivos em recursos natu-rais e pelo baixo conteúdo tecnológico dos produtos industrializados. Essepadrão não sofreu alterações significativas no governo Lula. Na realidade, aevidência aponta para o avanço da reprimarização das exportações, com pe-so crescente das commodities na evolução das receitas de exportação. No go-

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verno Lula verifica-se, ainda, um processo de menor dinamismo tecnológicodas exportações, tendo em vista a elevação da participação dos produtos nãoindustrializados e a redução da participação dos produtos de alta intensidadetecnológica.Trata-se, de fato, do processo de downgrade ou especialização re-gressiva das exportações.

A identificação dos 20 principais produtos exportados pelo Brasil (que re-presentaram entre 45% a 50% do total das exportações no período 1999-2005)confirma, mais uma vez, a insuficiência da pauta no que concerne ao conteúdotecnológico incorporado, como mostra aTabela 2.13.

Tabela 2.13

Participação dos 20 principais produtos de exportação (%)

Produtos 2005

Minérios de ferro e seus concentrados (b) 6,2

Soja mesmo triturada (b) 4,5

Automóveis de passageiros (m) 3,7

Óleos brutos de petróleo (b) 3,5

Carne de frango congelada,fresca ou refrig.incl.miúdos (b) 2,8

Aviões (a) 2,7

Farelo e resíduos da extração de óleo de soja (b) 2,4

Aparelhos transmissores ou receptores e componentes (a) 2,3

Café cru em grão (b) 2,1

Partes e peças para veículos automóveis e tratores (m) 2,1

Carne de bovino congelada,fresca ou refrigerada (b) 2,0

Produtos laminados planos de ferro ou aços (m) 2,0

Açúcar de cana,em bruto (b) 2,0

Motores para veículos automóveis e suas partes (m) 2,0

Produtos semimanufaturados,de ferro ou aços (s) 1,9

Pastas químicas demadeira 1,7

Calçados,suas partes e componentes (m) 1,7

Ferro fundido bruto e ferro "spiegel" (ex ferro gusa) 1,5

Veículos de carga (m) 1,4

Fumo em folhas e desperdícios (b) 1,4

Total dos produtos 50,0

Fonte : Ministério do Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior.

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No conjunto desses produtos, para o ano de 2005, nove são classificados co-mo básicos (com, aproximadamente, 1/3 do valor acumulado desses principaisprodutos), três como semimanufaturados e oito como manufaturados. Entre es-tes últimos, apenas dois são considerados de alta intensidade tecnológica (aviõese aparelhos transmissores ou receptores e componentes).

Essa lista de 20 produtos é, basicamente, a mesma de 1999: passaram a fazerparte dela, em 2005, dois novos produtos básicos (óleos brutos de petróleo, car-ne de bovino congelada, fresca ou refrigerada), um semimanufaturado (ferro fun-dido bruto) e um manufaturado (veículos de carga) – em substituição a dois ou-tros produtos manufaturados (açúcar refinado e bombas, compressores, ventila-dores etc. e suas partes) e dois semimanufaturados (suco de laranja congelado ealumínio em bruto). Portanto, a maior diversificação da pauta de exportação, ve-rificada por Ribeiro e Markwald (2002) para o período 1997-2001, não alterou,posteriormente, a lista dos principais produtos, a sua composição segundo a den-sidade tecnológica dos produtos ou o seu grau de concentração.

4. Retrocesso industrialNão houve transformação qualitativa do padrão de inserção da economia brasi-leira no sistema mundial de comércio.As exportações continuam centradas, es-sencialmente, em produtos de intensidade tecnológica baixa e média-baixa eprodutos não industriais. Nos produtos de alta intensidade tecnológica a diver-sidade é muito pequena, houve perda de participação relativa no período maisrecente e o crescimento do valor de suas exportações se deve, fundamentalmente,a um produto apenas: o conhecido caso dos aviões – que assume grande desta-que exatamente porque é exceção.

O processo de especialização retrógrada das exportações brasileiras decorre,em grande medida, do retrocesso do setor industrial do país. Esse retrocesso, de-nominado por muitos como desindustrialização, não ocorre somente durante ogoverno Lula.

O retrocesso industrial não significou, em geral, destruição da indústria, massim a perda relativa da importância do setor industrial no produto: redução daparticipação no PIB, de 32,1% em 1986 para 19,7% em 1998, uma queda dedoze pontos percentuais. Houve, ainda, perda de participação relativa do em-prego industrial. O elemento determinante deste retrocesso foram as políticas

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econômicas adotadas a partir da abertura comercial da década de 1990. Duran-te o governo Lula, além da abertura comercial, vale destacar o efeito do câmbiosobrevalorizado em período de fraco crescimento econômico (Feijó e Almeida,2005).

O retrocesso industrial ocorrido no Brasil pode ser observado a partir de trêsaspectos: (i) o país está se atrasando em relação aos paises emergentes de maiordinamismo, pois não está conseguindo acompanhar a evolução da indústria edos serviços industriais modernos, que vêm ocorrendo nesses países; (ii) a in-dústria de transformação deixou de “puxar” a economia e não foi substituídapor nenhum outro setor com o mesmo dinamismo e a mesma capacidade, o quevem acarretando taxas pífias de crescimento do PIB; (iii) ocorreram mudançasna estrutura industrial que evidenciam perda de segmentos industriais impor-tantes (por exemplo, material elétrico e eletrônico), desarticulação de cadeiasprodutivas e especialização mais forte em setores intensivos em recursos naturais.Por causa dessa especialização industrial, o dinamismo do setor depende, nos úl-timos anos, de menor número de atividades industriais (ibid.).

O exame das cadeias produtivas também fornece alguma evidência conver-gente com o diagnóstico acima. Estudo do Ministério do Desenvolvimento In-dustrial e Comércio Exterior (MDIC, 2004) avalia a situação competitiva de 20cadeias industriais, que respondem por 53% do faturamento da indústria brasi-leira, 63% das exportações e 67% das importações do país. O estudo identificaquatro tipos de grupos de indústrias, com situações distintas, tendo em vista apossibilidade de uma maior liberalização do comércio exterior: (i) cadeias commenos ameaças ou mais competitivas (em geral, superavitárias) como café, papele celulose, cítricos, couro e calçados, siderurgia e têxtil e confecções; (ii) cadeiascom sérias deficiências competitivas (cronicamente deficitárias) como bens de ca-pital, química e petroquímica, transformados plásticos, naval e informática; (iii)cadeias com oportunidades e ameaças localizadas e/ou que se anulam (têm pro-dutos pouco transacionáveis no mercado externo, como cosméticos,madeiras emóveis e cerâmica); e (iv) cadeias nas quais predomina o comércio intrafirma(participam intensamente do comércio mundial e são, em geral, deficitárias) co-mo automotiva, farmacêutica, eletrônica de consumo e tele-equipamentos.

Ainda segundo esse estudo, as cadeias superavitárias já eram competitivas des-de a década de 1980, pelas seguintes razões: vantagens naturais de clima, ofertade matérias-primas e custo de energia e mão-de-obra; vantagens construídas de

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escala (siderurgia) e comércio intrafirma.Este último depende das estratégias dasmultinacionais que operam no país.

Essa caracterização da estrutura industrial do país converge com a análise daseção anterior sobre a especialização retrógrada das exportações brasileiras. Asmudanças ocorridas após a liberalização foram marginais, quando se trata da na-tureza do padrão de especialização e da inserção comercial do país.

A ausência de mudanças estruturais no padrão de comércio exterior tambémé apontada em trabalhos que analisam os impactos da liberalização brasileira.Apesar da melhora na eficiência técnica da indústria, com o aumento da produ-tividade do trabalho em todos os setores e redução dos custos unitários, nãohouve, necessariamente, ganhos estruturais de competitividade internacional(Nassif, 2005).Os produtos em que o Brasil possui vantagens comparativas per-tencem, em grande medida, a setores tradicionais da indústria de transformação,que utilizam intensivamente recursos naturais com grande disponibilidade nopaís. Nos setores mais intensivos em tecnologia, o único destaque são as indús-trias de “outros veículos – incluindo peças e acessórios” (aeronaves de médioporte, automóveis, caminhões e ônibus).

Análises mais recentes das exportações brasileiras, que consideram o conteú-do tecnológico dos produtos, levantam preocupações semelhantes em relação àestrutura de comércio exterior (IEDI, 2006; IEDI, 2007). Durante o governoLula, parte do debate tem se concentrado na questão da forte apreciação cam-bial e na chamada “doença holandesa” (ver Quadro 2.1). Nesse debate, chama-se atenção para o papel fundamental do desenvolvimento dos segmentos indus-triais de alta e média-alta tecnologia, que se caracterizam mundialmente por for-te comércio intra-indústria, sendo vários deles sensíveis à escala de produção eàs estratégias de diferenciação de produto. Se a taxa de câmbio for competitiva,ela permite a entrada em novos mercados,mesmo naqueles que já têm a presençade unidades produtivas. Na vigência de taxa de câmbio desfavorável, esses seg-mentos enfrentam grandes dificuldades para preservar sua demanda externa etendem a perder espaço no âmbito interno para os importadores – o que dá aosconcorrentes estrangeiros a possibilidade de se beneficiarem de economias deescala maiores.

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Quadro 2.1

Doença holandesa

Doença holandesa é o termo geral que se aplica às situações de forte apreciação cam-bial decorrentes de grandes saldos na balança comercial, que são causados, principal-mente, pelo crescimento extraordinário da quantidade exportada ou do preço de com-modities de exportação.

A origem do termo deve-se a um fenômeno ocorrido na Holanda na década de 1970,quando foramdescobertas grandes reservas de gás natural noMar doNorte. O aumentodas exportações desse produto causou forte apreciação damoeda holandesa, o que re-tirou a competitividade da indústria, provocando um processo precoce de desindus-trialização relativa, distinto do que ocorre normalmente ao longo do desenvolvimentoeconômico, com a tendência de crescimento do setor de serviços. A doença holandesaimplica taxa de câmbio apreciada, que limita o avanço dos setores com maior intensi-dade tecnológica e valor agregado.

O tratamento para a doença holandesa, em especial nos países em desenvolvimento,exige intervenção do Estado. Isso significa a adoção de políticas industriais e tecnoló-gicas ativas e a intervenção nomercado cambial (câmbio desvalorizado e estável), quefavoreça a produção e exportação de produtos commaior conteúdo tecnológico e valoragregado. Ademais, o governo pode taxar as exportações de commodities e usar essesrecursos para comprar divisas estrangeiras. Essas divisas podem ser usadas para re-duzir o nível de endividamento externo e acumular reservas, sem que haja pressão so-bre as finanças públicas. O controle de capitais tambémpermite o ajuste da conta de ca-pital e financeira do balanço de pagamentos. Assim, via regulação dos fluxos de entra-da e saída de divisas estrangeiras é possível ter umaadministraçãomais eficaz da taxade câmbio e do passivo externo.

As exportações dos produtos industriais de alta intensidade tecnológica cres-ceram, pelo menos, até 2005. Entretanto, o saldo comercial desse tipo de pro-dutos tem se deteriorado desde 2002. Para ilustrar, o déficit desses produtos foide US$ 8,4 bilhões em 2005 e aumentou para quase US$ 12 bilhões em 2006.Os produtos de média-alta intensidade tecnológica (indústria automobilística,material ferroviário e equipamentos de transporte não especificados anterior-mente, maquinaria mecânica, maquinaria elétrica e produtos químicos, inclusi-

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ve farmacêuticos) têm apresentado déficits cada vez menores desde 2001, atéobterem um pequeno superávit em 2005 (US$ 365 milhões). No entanto, vol-taram a ter um déficit de US$ 1 bilhão em 2006.

Em sentido contrário, os bens industriais de baixa intensidade tecnológica(madeira, papel e celulose, produtos não-especificados e reciclados, têxtil, ves-tuário, couro e calçados, alimentos, bebidas e tabaco) têm obtido superávits su-cessivos desde 1999.Os bens de média-baixa intensidade tecnológica (indústrianaval, borracha e plásticos, produtos metálicos – inclusive siderurgia –, outrosprodutos minerais não-metálicos, carvão e refino de petróleo) também apresen-taram superávit nos últimos anos.

Observa-se, assim, mais uma vez, a importância relativa dos bens de baixa emédia-baixa tecnologia para a obtenção dos atuais superávits comerciais, tantopara o conjunto das exportações quanto no que se refere à balança comercial daindústria de transformação. Para ilustrar, esses produtos foram responsáveis pelaquase-totalidade do saldo positivo do comércio exterior brasileiro de produtosmanufaturados em 2005.

A questão da sobrevalorização da taxa de câmbio é,de fato,uma armadilha quepode dificultar ou impedir o avanço das exportações brasileiras.Os elevados sal-dos na balança comercial atual, com a taxa de câmbio existente, não provam queela esteja adequada. Na verdade, a questão fundamental, para o crescimento dasexportações no longo prazo e, principalmente, para seus impactos sobre o cres-cimento econômico sustentado, é a de saber para qual padrão de comércio elaestá sendo adequada.

Os resultados positivos da balança comercial, que têm sido decisivos na redu-ção conjuntural da vulnerabilidade externa – em período de grande crescimen-to do comércio internacional –, encobrem,momentaneamente, a fragilidade es-trutural da pauta das exportações brasileiras. Assim, níveis de taxas de câmbioreal que permitem esses superávits estão aquém daqueles que permitiriam a pro-dução e exportação de produtos com maior densidade tecnológica.

A apreciação cambial inviabiliza o avanço dos setores com maior intensidadetecnológica, mas não impede a obtenção de grandes saldos na balança comer-cial – em razão da vantagem comparativa e da competitividade alcançada pelossetores tradicionais, além da conjuntura internacional favorável. Portanto, a me-lhora da qualidade da estrutura produtiva e comercial do país exige a interven-ção do Estado. Isso significa a adoção de políticas industriais e tecnológicas ati-

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vas, bem como uma política cambial que favoreça a produção e exportação deprodutos com maior conteúdo tecnológico.Mas, para isso, deve-se superar umavisão estática e de curto prazo do comércio exterior que, preocupada com a di-nâmica macroeconômica imediata, só consegue enxergar a redução conjunturalda vulnerabilidade externa do país por meio ampliação do saldo da balança co-mercial. Esta visão estreita implica retrocesso da estrutura produtiva e agrava-mento da vulnerabilidade externa estrutural do país. No longo prazo, o impac-to negativo se fará sentir, principalmente, em uma conjuntura internacional me-nos favorável.

5. Vulnerabilidade externa estruturalImportantes segmentos industriais foram afetados com vendas e fusões de em-presas nacionais (privadas e públicas) para o capital estrangeiro (desnacionaliza-ção) ou com a reconversão de suas atividades para montagem de componentesimportados.O retrocesso industrial é evidente, tendo em vista a redução da par-ticipação da indústria na economia nacional e o movimento de especialização re-gressiva – com menor diversidade e desarticulação de cadeias produtivas nos seg-mentos industriais mais dinâmicos, intensivos em capital e em tecnologia, e am-pliação do peso relativo de ramos industriais de pouco dinamismo, intensivos nouso de recursos naturais e mão-de-obra (Carneiro, 2002; Gonçalves, 2000). Ossetores mais afetados pelas importações e a valorização cambial (Plano Real) fo-ram os mais intensivos em tecnologia e capital, e os menos afetados foram os in-tensivos em mão-de-obra e, principalmente, recursos naturais. Mais recente-mente, com a nova valorização cambial iniciada em 2004 e a agressiva partici-pação da China no comércio mundial, setores com uso intensivo demão-de-obra também têm sido afetados de forma mais intensa.

O capital internacional e os grandes grupos econômico-financeiros nacio-nais, que conseguiram se transnacionalizar, aumentaram sua participação na eco-nomia e seu poder político. O mesmo se pode dizer das frações de capital comfortes vínculos com o comércio exterior, especialmente o chamado agronegó-cio, que passou a se fortalecer politicamente desde 1999, a partir da importân-cia estratégica que as exportações passaram a ter para a dinâmica do modelo li-beral periférico, ao possibilitar-lhe uma menor instabilidade, como discutido noscapítulos 3 e 6.

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A partir da década de 1990, com a constituição e consolidação do modelo li-beral periférico, a estrutura industrial do Brasil sofreu um retrocesso impulsio-nado pela abertura comercial, as privatizações e o processo de desnacionalizaçãoda economia. Diminuiu o dinamismo do setor industrial, e isso afetou, comonão poderia deixar de acontecer, o desempenho do conjunto da economia e docomércio exterior do país.

De um lado, o processo de desindustrialização relativa (e parcial) ocorrido até1998 – redução da participação da indústria no PIB e no emprego total – levouà maior concentração do valor da produção industrial em menor número deatividades e ramos e à perda de participação, no valor da transformação indus-trial, dos segmentos de maior intensidade tecnológica, com exceção dos aviões(considerando-se o refino de petróleo, conforme a metodologia da OCDE, nacategoria de média-baixa intensidade tecnológica). De outro, o acirramento daconcorrência provocou o aumento da produtividade em quase todos os setoresindustriais e agroindustriais.Nos últimos anos constata-se a manutenção, no es-sencial, da mesma estrutura produtiva na indústria de transformação, com algu-mas alterações dos seus pesos relativos e maior eficiência produtiva e, em algunscasos, maior competitividade internacional.

Do ponto de vista do crescimento econômico, a indústria acompanhou o de-sempenho do PIB, registrando taxas reduzidas e voláteis.Quanto às exportações,reduziu-se a participação dos produtos manufaturados e aumentou a dos pro-dutos básicos e não industriais e, no interior da indústria, reduziu-se a partici-pação dos segmentos de baixa e alta intensidade tecnológica. No fundamental,o padrão de inserção comercial continuou o mesmo do final do período de subs-tituição de importações, com alterações pontuais que indicam um processo dereprimarização da estrutura das exportações. Esse processo também foi estimu-lado, mais recentemente, pelo novo ciclo do comércio mundial de commodities.

Desse modo, pode-se constatar que o Brasil, dada a complexidade da sua es-trutura produtiva, caminha em diversas direções. O movimento atual da estru-tura produtiva não se resume exclusivamente à especialização em produtos cen-trados no baixo custo da mão-de-obra e em recursos naturais.Mas, ela tampou-co caminha para exportar, com destaque, produtos de alta tecnologia.Além disso,também não é plataforma de exportação, pois as exportações e o superávit co-mercial representam proporções relativamente pequenas do PIB, (embora as ati-vidades de comércio exterior tenham encadeamentos em um mercado interno

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de concentrado,mas de grandes proporções).O mercado interno continua a sermais relevante que o externo, embora tenha reduzido o seu dinamismo, perdi-do importância relativa na formação do PIB e esteja deixando, gradativamente,de ser relevante para frações significativas do capital, em particular algumas da-quelas voltadas, principalmente ou exclusivamente, para o mercado externo.

A inserção do país na nova divisão internacional do trabalho combina pro-cessos complexos.De um lado,há a reprimarização relativa das exportações – pa-pel protagônico do agronegócio e das indústrias de baixo valor agregado –,masem novas bases tecnológicas. De outro, há o fortalecimento de alguns segmen-tos industriais típicos da Segunda Revolução Industrial,modernizados pelas tec-nologias difundidas pelaTerceira Revolução (automóveis e aviões).Muitos des-ses últimos segmentos estão integrados em redes transnacionais.

Após sucessivas crises cambiais, o processo de ajuste externo se redefiniu, deforma compulsória, a partir da crise cambial ocorrida no início do segundo go-verno Cardoso. Essa redefinição tem como foco a obtenção de elevados superá-vits na balança comercial, condição essencial para o pagamento da dívida exter-na e a remuneração do capital financeiro nacional e internacional. Esta remu-neração, tendo em vista a inconversibilidade da moeda brasileira, não pode sergarantida apenas pela realização, por parte do setor público, de elevados superá-vits fiscais primários; é necessário que esses recursos, denominados em moeda na-cional (real), possam ser trocados por dólares, para que sejam remetidos à circu-lação internacional de capital.

A retomada das exportações é o elemento central da dinâmica macroeconô-mica do modelo liberal periférico, pois, no curto prazo, ela reduz a vulnerabili-dade externa por meio da diminuição, ou mesmo eliminação, do déficit da con-ta de transações correntes do balanço de pagamentos.Ademais, o superávit da ba-lança comercial e a conseqüente apreciação cambial abrem espaço para ocontrole mais eficaz da inflação e a obtenção de taxas de crescimento um pou-co mais elevadas. Entretanto, a geração de superávits comerciais não elimina apossibilidade de novo estrangulamento externo no longo prazo.A vulnerabili-dade estrutural externa do país não se altera, na medida em que não há avançosda estrutura produtiva e o desempenho da economia brasileira permanece es-treitamente atrelado aos ciclos do comércio internacional. Portanto, permanecependente a questão da viabilidade de um novo ciclo de crescimento econômi-co sustentado.

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O agravamento – ou, na melhor das hipóteses, a manutenção – do grau devulnerabilidade estrutural no longo prazo se associa diretamente à fragilidade daestrutura das exportações brasileiras. Esta estrutura é marcada pelo reduzido pe-so dos produtos de maior densidade tecnológica e, principalmente, pela predo-minância dos produtos de baixo conteúdo tecnológico, além de produtos in-tensivos em trabalho e recursos naturais, em especial commodities.Estes últimos sãomais sensíveis às flutuações do comércio internacional.

Não há dúvida de que as exportações produzem efeitos multiplicadores paradentro e estimulam o crescimento da produção, da renda e do emprego e, por-tanto, renovam a importância do mercado interno no processo de acumulação.Entretanto, o impulso primário da acumulação e a dinâmica de crescimento pas-sam a ser dados, principalmente, pelo comportamento da demanda internacio-nal. Isso recoloca em novas bases um tipo de dependência que era próprio da fa-se primário-exportadora e que o modelo de substituição de importações haviasuperado. Desse modo, a dinâmica do mercado interno fica condicionada à ca-pacidade de a economia exportar e obter superávits comerciais, de modo a re-duzir a vulnerabilidade externa conjuntural e, assim, abrir espaço para o cresci-mento sem enfrentar uma ameaça imediata de nova crise cambial. Esse proces-so resulta no aumento da própria vulnerabilidade externa estrutural da economiabrasileira.

A atual inserção comercial brasileira, decorrente de mudanças provocadas pe-la constituição do modelo liberal periférico, não se configurou a partir de polí-ticas industriais, tecnológicas e comerciais ativas, que possibilitassem uma mu-dança no padrão de especialização. O aumento da produtividade, impulsionadopela abertura comercial, aumentou a competitividade das exportações, funda-mentalmente, em produtos em que o país já tinha vantagem comparativa. Noatual ciclo internacional, os preços dos produtos básicos (matérias-primas agrí-colas e minerais) cresceram acima dos preços dos produtos manufaturados, emvirtude do expressivo aumento da demanda internacional impulsionada, princi-palmente, pela China e a Índia. Em conseqüência, os termos de troca do co-mércio internacional passaram a favorecer os países em desenvolvimento, em ge-ral, e o Brasil, em particular.Assim, esse movimento mais recente tem reforçadoo tradicional padrão de especialização do Brasil no comércio internacional. Por-tanto, o desempenho recente do comércio exterior brasileiro decorre, essen-cialmente, de circunstâncias conjunturais e não de alterações estruturais mais

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profundas – estas, quando ocorreram, se restringiram ao aumento da produtivi-dade em setores nos quais o país já era tradicionalmente competitivo.

A partir de 1999 e, principalmente, de 2003, a participação das exportaçõesno PIB cresceu. Elas têm contribuído diretamente, e de forma importante, parao crescimento do PIB, além de reduzir a vulnerabilidade externa conjuntural eabrir espaço para o crescimento do mercado interno. Isso significa dizer que adinâmica macroeconômica passou a ter maior dependência em relação aos ci-clos do comércio internacional. Portanto, a reversão do atual momento favorá-vel implicará, mais uma vez, o crescimento da vulnerabilidade externa conjun-tural.

No governo Lula, essa dependência em relação à exportação, principalmen-te, de commodities, deu origem a uma política industrial e de comércio exteriorcontraditória, que expressa interesses opostos, no que concerne à forma de in-serção comercial do país.

Por um lado,o governo Lula parece aceitar a atual divisão internacional do tra-balho – na qual o país se integra, fundamentalmente, como exportador agríco-la e de produtos industriais, em sua maioria, de baixo conteúdo tecnológico.Ademais, o governo Lula quer levá-la ao limite, com a crítica ao protecionismodos países desenvolvidos e a implementação de ações para a eliminação dos sub-sídios agrícolas.É nessa perspectiva que se pode pensar o esforço do governo bra-sileiro pela conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio,que trata da liberalização do comércio de produtos agrícolas e afetará direta-mente os países desenvolvidos, mas que só deslanchará se os países em desen-volvimento fizerem novas concessões para ampliarem a liberalização no setor deserviços e no comércio de produtos industriais.Daí o apoio, e mesmo a pressão,dos segmentos ligados ao agronegócio e, em sentido contrário, as restrições, res-salvas e preocupações de segmentos industriais – em particular tendo em vista apolítica macroeconômica de juros altos e câmbio valorizado (Folha de S. Paulo,22 de fevereiro de 2007).

Por outro lado, a formulação da nova Política Industrial,Tecnológica e de Co-mércio Exterior (PITCE), em fins de 2003, parece querer redefinir o atual pa-drão de especialização produtiva e inserção internacional do país, voltando-se areconhecer a importância da política industrial para o desenvolvimento econô-mico. Em particular, o foco nas inovações e no desenvolvimento tecnológico,juntamente com os setores escolhidos como prioritários para serem estimulados

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– bens de capital, software e semicondutores –, está nas mudanças das estruturasindustrial e de exportação do país. No entanto, a simples formulação, e mesmoa implementação da PITCE,não garantem que os objetivos sejam atingidos e osproblemas sejam solucionados. Em particular, contra ela conspiram a lógica domodelo liberal periférico e a atual política macroeconômica (juros altos e câm-bio valorizado e instável), bem como a precariedade da infra-estrutura do país eda organização institucional existente para implementá-la (Suzigan e Furtado,2006).

A melhora de algumas variáveis macroeconômicas tem legitimado politica-mente a manutenção do modelo liberal periférico e dado novo fôlego à políti-ca econômica ortodoxa. Esse desempenho se assenta, direta ou indiretamente,na melhora das contas externas do país, em particular os grandes saldos positi-vos na balança comercial, que se tornaram decisivos para a dinâmica do mode-lo, ao dar-lhe o mínimo de estabilidade.No entanto, a consolidação de estrutu-ras de produção e especialização retrógradas, bem como as políticas contraditó-rias do governo Lula, apontam para o aprofundamento da vulnerabilidadeexterna estrutural do país.

O Quadro 2.2 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

Quadro 2.2

Principais conclusões do capítulo 2

Seção Capítulo 2

1 O crescimento da exportação de bens primários é a variável fundamental quediferencia o desempenho da economia antes e depois de 1999 e, particular-mente, a partir de 2003.

1 A redução dos indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural do país de-corre, fundamentalmente, do desempenho favorável das exportações.

1 O governo Lula é responsável por anomalias, como a forte apreciação cambiale a exportação de capital produtivo, bem como o pagamento de valores ex-traordinariamente elevados ao FMI em um contexto de melhora evidente dascontas externas do país.

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(continua)

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2 No governo Lula configura-se a continuação do processo de adaptação passi-va e regressiva do país ao sistemaeconômico internacional, emgeral, e ao sis-temamundial de comércio, em particular.

3 A maior competitividade internacional está centrada em produtos intensivosem recursos naturais e se dá, no essencial, mantendo omesmo padrão de es-pecialização existente antes.

3 O país está aprofundando o padrão de especialização retrógrada, que se ca-racteriza pela reprimarização das exportações por meio da crescente partici-pação de produtos primários no valor das exportações.

3 O país tem sido incapaz de promover o upgrade do seu padrão de comércio ex-terior, visto que há perda de posição relativa de produtos de exportação commaior intensidade no uso de tecnologia e os ganhos relativos têmocorrido nosprodutos debaixo conteúdo tecnológico e nos produtos intensivos em recursosnaturais.

4 Há perda de dinamismo da indústria de transformação, com a especializaçãoemsetores intensivos em recursos naturais e a desarticulação de cadeias pro-dutivas.

4 A ausência de progresso na estrutura produtiva implica a consolidação de umpadrão de inserção retrógrada no sistema mundial de comércio, com a cres-cente dependência em relação às exportações de commodities.

5 Aumenta a dependência do crescimento do PIB em relação à demanda exter-na; nesse sentido, o país torna-se estruturalmentemais vulnerável frente às os-cilações da conjuntura internacional.

5 O desempenho recente do comércio exterior do Brasil não resulta de transfor-mações estruturais, e sim de circunstâncias conjunturais associadas às ele-vadas taxas de crescimento do comércio mundial e à melhora nos termos detroca.

5 As políticas do governo Lula tendem a reforçar estruturas de produção e pa-drões de inserção internacional retrógrados, que tendem a aumentar a vulne-rabilidade externa estrutural do país.

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Política e dinâmicamacroeconômica

O presente capítulo tem escopo mais limitado. Seu principal objetivo é eviden-ciar a linha de continuidade que vai do segundo governo Cardoso ao governoLula, com a manutenção do mesmo modelo econômico, da mesma política ma-croeconômica e, não surpreendentemente, da mesma política social (que é exa-minada no capítulo 5) – em que pese algumas diferenças na política externa e aexplicitação de discursos políticos, em alguns momentos, distintos.O capítulo é constituído de quatro seções.Na primeira analisam-se as carac-

terísticas essenciais do modelo econômico e de sua política macroeconômica –que segue uma linha de continuidade entre o segundo governo Cardoso e o go-verno Lula.Na segunda parte examina-se o desempenho da economia brasilei-ra no governo Lula. Na terceira analisam-se a natureza do ajuste macroeconô-mico em curso e sua relação com o modelo liberal periférico. Na última seçãoapresentam-se evidências empíricas sobre o avanço do processo de liberalizaçãoe desregulamentação econômica, a perda de eficiência sistêmica da economiabrasileira e o retrocesso institucional durante o governo Lula.Em resposta à crise do modelo de substituição de importações, a partir do

início da década de 1990 a economia brasileira experimenta um processo deprofundas transformações estruturais, que leva à configuração de um novo mo-delo econômico que pode ser chamado de modelo liberal periférico.O mode-lo é liberal em virtude da natureza das reformas que o estruturaram e o consti-tuíram: abertura e liberalização da economia, privatização de empresas estatais edesregulação do mercado de trabalho. É periférico por ser uma forma específi-ca de realização da doutrina neoliberal e da sua política econômica em um paísdependente (Filgueiras, 2001; Filgueiras, 2006).O modelo liberal periférico resulta da redefinição das relações capital-trabalho

e das relações intercapitalistas. Ele se diferencia do modelo de substituição de im-portações, sobretudo, por um novo tipo de inserção internacional (principalmen-te, nas esferas comercial e financeira) do país e pela reestruturação do Estado —

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que reorientou suas funções e a forma de sua intervenção na esfera econômica.Aconceituação sintética do modelo liberal periférico é apresentada no Quadro 3.1.

Quadro 3.1

Modelo liberal periférico

O Modelo liberal periférico tem três conjuntos de características marcantes: liberaliza-ção, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; edominância do capital financeiro.

O modelo é liberal porque se estrutura a partir da liberalização das relações econômi-cas internacionais nas esferas comercial, produtiva, tecnológica emonetário-financei-ra; da implementação de reformas no âmbito do Estado (em especial na área da Previ-dência Social) e da privatização de empresas estatais, que implicam a reconfiguraçãoda intervenção estatal na economia e na sociedade; e de umprocesso de desregulaçãodomercado de trabalho, que reforça a exploração da força de trabalho.

O modelo é periférico porque é uma forma específica de realização da doutrina neoli-beral e da sua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no siste-ma econômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena inter-nacional, ao mesmo tempo em que se caracteriza por significativa vulnerabilidade ex-terna estrutural nas suas relações econômicas internacionais.

Por fim, o modelo tem o capital financeiro e a lógica financeira como dominantes emsua dinâmicamacroeconômica.

A implementação do Plano Real, lançado em 1994, cumpriu papel decisivono processo de aprofundamento e consolidação do modelo liberal periférico,que veio a assumir sua forma mais acabada no governo Lula a partir de 2003.Noentanto, a política econômica e a dinâmica macroeconômica – expressões maisaparentes e imediatas do modelo – não se mantiveram exatamente as mesmas aolongo de todo o período.Mais especificamente, a partir do Plano Real, pode-se traçar uma linha divi-

sória que distingue dois momentos na evolução do modelo, tendo por referên-cia um acontecimento bem preciso: a crise cambial deflagrada em janeiro de1999, logo no início do segundo governo Cardoso. Esse fato determinou a mu-

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dança da política econômica e ajustes do modelo, com implicações importantespara a dinâmica macroeconômica do país.Analisar a política econômica do governo Lula, a partir dessa percepção, sig-

nifica distinguir, de um lado, o primeiro governo Cardoso (1995-1998), que é operíodo mais duro de implantação e aprofundamento do novo modelo, no quala dominância do capital financeiro, no interior do bloco de poder dominante,pode ser qualificada como inconteste e estrita. E, de outro, o segundo governoCardoso (1999-2002) e o governo Lula (2003-2006), no qual a hegemonia docapital financeiro persiste, mas com maior acomodação dos interesses de outrasfrações do capital participantes do bloco de poder, especialmente os segmentosexportadores (Boito Jr., 2004).Do ponto vista estrutural, o que assegura e explica essa continuidade é a per-

manência, ao longo de todo o período, do mesmo bloco de poder dominante,construído a partir do início da década de 1990 sob os escombros do modelo desubstituição de importações. Não há dúvida de que o bloco dominante sofreuacomodações no começo do segundo governo Cardoso,mas o capital financei-ro manteve a sua hegemonia e, portanto, continuou a dar a direção política maisgeral.A ausência de mudanças significativas entre os dois governos (segundo go-verno Cardoso e Lula) também é determinada pelo processo de“transformismo”político percorrido por Lula e pelas principais lideranças do Partido dosTraba-lhadores. A natureza do bloco de poder dominante e o transformismo de Lulae do PT são discutidos no capítulo 6.

1. Continuidade do modeloO Plano Real, assim como seu antecessor (Plano Collor), e diferentemente detodos os outros planos econômicos (heterodoxos) implementados na segundametade da década de 1980 (planos Cruzado, Bresser eVerão), não foi simples-mente um plano de estabilização monetária (Filgueiras, 2000). Mais do que is-so, ele representou uma estratégia de combate à inflação cuja concepção e im-plementação teve como componente fundamental as “reformas” estruturais decaráter liberal, além da mudança do padrão monetário do país e de uma políti-ca macroeconômica de câmbio (quase) fixo.O conjunto de reformas, iniciadas ainda no governo Collor e aprofundadas no

primeiro governo Cardoso, conformou um novo modelo econômico, a partir de

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profundas transformações em pelo menos cinco dimensões inter-relacionadas(Filgueiras, 2006):(i) As relações capital-trabalho sofreram uma inflexão radical que, ao mudar a

correlação de forças a favor do primeiro, implicou a desestruturação do mercadode trabalho e o processo generalizado de precarização do trabalho.A face mais vi-sível dessa transformação é o crescimento do desemprego aberto, de caráter es-trutural, o aumento da informalidade e o enfraquecimento dos sindicatos.(ii) A relação entre as distintas frações do capital foi reconfigurada, com o ca-

pital industrial stricto sensu perdendo a hegemonia política e a liderança do pro-cesso de desenvolvimento e da dinâmica macroeconômica. Em seu lugar assu-miu o capital financeiro – nacional e internacional – e uma fração do capital in-dustrial que se financeirizou organicamente.(iii) A inserção internacional, feita de forma passiva, a partir da abertura co-

mercial e financeira da economia e tendo por objetivo imediato o combate à in-flação, agravou a vulnerabilidade externa do país, tornando a sua dinâmica ma-croeconômica mais dependente dos ciclos do comércio internacional e dos mo-vimentos de curto prazo do capital financeiro.(iv) A estrutura e o funcionamento do Estado se redefiniram, por meio da

privatização de suas empresas e de várias reformas de caráter liberal, como a daPrevidência Social.Além disso, em virtude da lógica macroeconômica intrínse-ca ao Plano Real, o Estado foi fragilizado financeiramente, com a diminuição doseu poder de fazer política econômica soberana e a redução da sua capacidadede investimento.(v) O sistema financeiro passou por um processo de concentração enorme e

acentuou a sua natureza parasitária, operando, essencialmente, no financiamen-to da dívida pública. O crédito de longo prazo ao setor produtivo continuousendo feito pelo próprio setor e por instituições financeiras estatais comoBNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.Além disso, o montantetotal de crédito concedido por este sistema ainda representava, ao final de 2006,apenas 34,3% do PIB (Bacen, Indicadores Econômicos Consolidados), em que peseter crescido durante o governo Lula, principalmente com o crédito consignadoem folha de pagamento, concedido às pessoas físicas.O resultado mais geral de todas essas mudanças foi o de atualizar, radicalizan-

do, a dependência tecnológica e financeira do país, agravando a vulnerabilidadeexterna da economia brasileira e a fragilidade financeira do Estado (Salama, 2006;

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Gonçalves, 2006; Carneiro, 2002; Fiori, 1997; Batista, 1995).As evidências indi-cam que é própria da natureza do modelo liberal periférico a reiteração dessavulnerabilidade e fragilidade, como condição de reprodução do capital finan-ceiro e, portanto, de sua própria reprodução.Assim, a dinâmica macroeconômi-ca do modelo é intrinsecamente instável; isso é verdadeiro mesmo quando há su-perávits comerciais no balanço de pagamentos.Essa instabilidade se apresentou de forma radical durante todo o primeiro go-

verno Cardoso (1994-1998), quando a vulnerabilidade externa crescente levouà crise cambial de 1999.A partir daí (segundo governo Cardoso), apesar da re-versão dos saldos negativos da balança comercial, com a conseqüente reduçãoconjuntural da vulnerabilidade externa, a instabilidade permaneceu, como ficouevidenciado pelos efeitos provocados pela crise da Argentina em 2001 e pelanova crise cambial brasileira de 2002.Mais recentemente, durante o primeiro governo Lula (2003-2006), a vulne-

rabilidade externa conjuntural continuou se reduzindo, agora acompanhada poruma menor instabilidade macroeconômica, em virtude de um conjunto de cir-cunstâncias no qual se destaca, sobretudo, um ambiente econômico internacio-nal favorável, como vimos no capítulo 1. O crescimento dos fluxos comerciaistem possibilitado, aos países em desenvolvimento em geral, e ao Brasil em par-ticular, expandir suas exportações e obter elevados superávits nas suas respecti-vas balanças comerciais.Ocorre um fenômeno generalizado de redução dos dé-ficits ou mesmo obtenção de superávits nas contas de transações correntes.Assim, a melhora na situação das contas externas permitiu que a mesma po-

lítica ortodoxa, que vinha sendo adotada desde 1999, tivesse resultados macroe-conômicos melhores a partir de 2003,usando-se como referência sua própria ló-gica e seus objetivos anunciados e, de fato, perseguidos. Sem dúvida, a evoluçãodas contas externas do país evidencia que o período mais recente (2003-2006)tem se caracterizado por melhora dos indicadores de vulnerabilidade externaconjuntural da economia brasileira e, por conseqüência,menor instabilidade ma-croeconômica. A distinção entre vulnerabilidade externa estrutural e vulnerabi-lidade externa conjuntural é tratada no capítulo 2, que avalia a inserção inter-nacional do país e seus impactos sobre o crescimento econômico.A redução da vulnerabilidade externa conjuntural tem sido atribuída (inde-

vidamente) pelo governo Lula e por economistas oficiais a uma diferença (su-posta) de política econômica, tal como foi implementada a partir de 2003. No

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entanto, como se verá a seguir, o processo de reversão dos resultados das contasexternas começou em 1999 e, como é notório, as características básicas da polí-tica macroeconômica não se alteraram qualitativamente desde então.Além dis-so, como também é amplamente conhecido, a conjuntura econômica interna-cional favorável, a partir de 2003, tem tido impacto positivo no comércio exte-rior de todos os países emergentes ou em desenvolvimento – apesar de haverpolíticas econômicas bastante diferentes entre eles.Mas, independentemente dos discursos políticos feitos acerca desse processo,

o fato é que a redução das restrições externas, numa conjuntura de crescimen-to da economia mundial e ausência de crises cambiais sistêmicas, tem possibili-tado menor instabilidade macroeconômica e, ainda dentro das premissas do mo-delo em vigor, alargado o espaço de manobra da política econômica. Entretan-to, essa oportunidade só está sendo aproveitada pelas autoridades econômicas dopaís para reforçar o modelo liberal periférico e suas políticas econômicas.Desde o Plano Real, a taxa de juros constitui uma espécie de variável-sínte-

se para compreensão do país. Ela é, ao mesmo tempo, a expressão mais aparen-te – “a ponta do iceberg” – da natureza financista do atual bloco de poder domi-nante e o elemento central mais imediato de explicação dos principais proble-mas macroeconômicos. Dentre estes problemas, vale destacar: as baixas taxas decrescimento do PIB e sua elevada volatilidade; a grande concentração de rique-za e renda; o elevado grau de pobreza da população; a enorme dívida pública (decurto prazo) comparada ao PIB e a reduzidíssima capacidade de investimento doEstado;o tipo precário de inserção internacional do país e, por decorrência, a suagrande vulnerabilidade externa estrutural.Esses problemas, estreitamente relacionados entre si – alimentando-se reci-

procamente –, têm em suas respectivas origens, como uma espécie de denomi-nador comum, o modelo econômico que vem sendo consolidado há doze anose,mais particularmente, a política macroeconômica adotada a partir de 1999.Talpolítica envolve a combinação de três elementos:metas de inflação como o úni-co objetivo da política monetária; ajuste fiscal permanente como elemento cen-tral da política fiscal; e regime de câmbio flutuante, definido essencialmente pe-lo mercado, que tem resultado em forte apreciação cambial.Nesse contexto, a alta taxa de juros constitui o principal instrumento da po-

lítica macroeconômica, condicionando decisivamente as políticas fiscal e cambial,bem como os seus resultados. Expressão da abertura econômico-financeira pas-

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siva e desregulada, a política monetária restritiva sobrecarrega a dívida pública eimpõe a necessidade de um ajuste fiscal permanente.Ademais, a restrição mo-netária dificulta a inserção comercial internacional mais ativa do país, pois de-sestimula o investimento e a inovação.

2. DesempenhomacroeconômicoO governo Lula manteve a mesma política econômica do segundo governo Car-doso – metas de inflação, ajuste fiscal permanente e câmbio flutuante. Com oagravante de que Lula aumentou os superávits fiscais primários para mais de4,25% do PIB (4,3% em 2003, 4,6% em 2004, 4,8% em 2005 e 4,3% em 2006)– tendo por referência a série do PIB anterior à mudança recente de metodo-logia do seu cálculo.

2.1 Contas externas e inflaçãoNo entanto, houve mudanças em termos de desempenho, com melhora da si-tuação das contas externas, causada pelos crescentes superávits comerciais que ul-trapassam, a partir de 2003, os déficits estruturais da balança de serviços e ren-das. Assim, a conta de transações correntes tornou-se superavitária, o que redu-ziu a vulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira.Nos quatro anos do governo Lula os superávits da balança comercial cresce-

ram contínua e rapidamente, dando saltos impressionantes (US$ 24,8 bilhões em2003, US$ 33,6 bilhões em 2004, US$ 44,8 bilhões em 2005 e US$ 46,2 em2006), como mostra aTabela 3.1.

Tabela 3.1

Transações correntes do balanço de pagamentos: 2003-2006 (US$ bilhões)

Período Balança comercial Serviços e rendas Transferências Saldo % do PIB

2003 24,8 -23,5 2,9 4,2 0,8

2004 33,6 -25,2 3,3 11,7 1,9

2005 44,7 -34,1 3,6 14,2 1,8

2006 46,2 -36,8 4,3 13,7 1,4

2003/2006 149,3 -119,6 14,1 43,8 1,5

Fonte: Banco Central.

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Dentre os principais determinantes do desempenho da balança comercial po-de-se mencionar: a desvalorização cambial de 2002, o crescimento das econo-mias americana e chinesa, que puxaram o comércio mundial, a recuperação daArgentina e a disparada dos preços das commodities. Com isso, o déficit em tran-sações correntes, que chegou a atingir US$ 33,4 bilhões (4,3% do PIB) em 1998e que já vinha se reduzindo durante o segundo governo Cardoso, transformou-se em sucessivos superávits: US$ 4,2 bilhões em 2003, US$ 11,7 bilhões em2004,US$ 14,2 bilhões em 2005 e US$ 13,7 em 2006. Esses superávits corres-pondem a 0,8%, 1,9% , 1,8% e 1,4% do PIB, respectivamente.Não resta dúvida que o desempenho do setor externo brasileiro durante o go-

verno Lula foi superior aos desempenhos observados nos dois governos Cardo-so. No período 2003-2006 o superávit comercial acumulado foi de US$ 149,3bilhões e o superávit acumulado na conta de transações correntes foi de US$41,8 bilhões, como mostra a Tabela 3.2. Os déficits acumulados de transaçõescorrentes nos dois governos Cardoso foram de US$ 105,7 bilhões e US$ 80,3bilhões, respectivamente.

Tabela 3.2

Transações correntes do balanço de pagamentos,valores acumulados: 1995-2006 (US$ bilhões)

Período Balança comercial Serviços e rendas Transferências Saldo

1995/1998 -22,4 -92,8 9,3 -105,7

1999/2002 13,9 -101,4 7,2 -80,3

2003/2006 149,3 -119,6 14,1 41,8

Fonte: Banco Central.

No entanto, a conta de serviços e rendas – estruturalmente deficitária –, apóster tido uma diminuta redução dos seus déficits no segundo governo Cardoso,estabilizando-se em torno de US$ 25 bilhões ao ano, voltou a se deteriorar nogoverno Lula, atingindo US$ 34,1 bilhões em 2005 e US$ 36,8 bilhões em 2006.Essa evolução implicou déficit acumulado de US$ 119,6 bilhões no período2003-2006 e se deveu, fundamentalmente, ao crescimento da remessa de lucrose dividendos. Isso significa que o equilíbrio da conta de transações correntes e,por extensão, do balanço de pagamentos depende, cada vez mais, de crescentessuperávits na balança comercial.

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Em contraste com a situação de crises cambiais recorrentes nos dois governosCardoso, o que se observa no governo Lula é o processo de forte apreciaçãocambial. Essa apreciação é impulsionada pela taxa de juros básica, que chegou aser de 26,5% ao ano no início do governo e que, no final de 2006, ainda conti-nuava muito elevada (13,25 % ao ano).Altas taxas de juros estimulam a especu-lação financeira e atraem grande fluxo de capitais de curto prazo. Portanto, aoestimular o ingresso de capitais, a taxa de juro reforça o processo de apreciaçãocambial causado pelo superávit comercial. O fato é que taxa de juros elevadatem sido o principal instrumento de combate à inflação, por causa da contraçãodos gastos domésticos.A partir de 2003, com a aceleração e consolidação de elevados saldos na ba-

lança comercial – juntamente com a radicalização da política econômica orto-doxa, com novo período de taxas de juros mais elevadas e o aumento dos supe-rávits fiscais primários –, as taxas de inflação caíram sistematicamente, como mos-tra aTabela 3.3.

Tabela 3.3

MMeettaass ee ttaaxxaass ddee iinnffllaaççããoo:: 22000033--22000066 ((%%))

PPeerrííooddoo MMeettaass ddee IInnffllaaççããoo ((%%)) IIPPCCAA

22000033 88,,55 99,,33

22000044 55,,55 77,,66

22000055 44,,55 55,,77

22000066 44,,55 33,,11

Fonte: Banco Central e IBGE.

As taxas de inflação ficaram no interior dos intervalos estabelecidos para asmetas, ou então muito próximas ao limite superior do intervalo. Em 2006, a in-flação foi menor do que a meta. Essa trajetória de redução das taxas de inflação,de forma semelhante ao período inicial pós-Plano Real (1995-1998), foi forte-mente influenciada por uma nova tendência de apreciação do real – com a taxade câmbio real efetiva, em 2006, fixando-se próxima aos seus níveis mais baixosatingidos anteriormente, no final de 1994, no auge do uso da âncora cambial.O governo Lula, com a mesma política econômica do governo anterior e sem

mudar a natureza passiva da inserção internacional do país, mas com uma con-

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juntura internacional muito favorável, tem se beneficiado de resultados expres-sivos na balança comercial – apesar de haver forte apreciação cambial. Esta cir-cunstância, em que pese o desempenho interno medíocre, tem lhe possibilita-do manter intocável o modelo econômico, nas suas características fundamentais.Além disso, lhe permite, também, administrar mais facilmente eventuais contra-dições no interior do bloco de poder e defender, agora abertamente, a políticaeconômica que estava desacreditada no final do segundo governo Cardoso.Essa política econômica é determinada pela dominância da lógica financeira

nos âmbitos político, econômico e social. Ela implica a quase estagnação da ren-da per capita e do mercado interno. Ademais, a política econômica de Lula mon-ta a armadilha da vulnerabilidade externa estrutural e do atraso no médio e lon-go prazos: a perpetuação da inserção internacional do país, apoiada, essencial-mente, em commodities e produtos industriais com baixo e médio-baixo conteúdotecnológico, intensivos em trabalho e recursos naturais. Esse processo mantém opaís em situação de grande vulnerabilidade em relação aos ciclos do comérciointernacional. No curto prazo, a apreciação do real decorre da manutenção de grande dife-

rencial entre as taxas de juros interna e externa. No entanto, a apreciação cam-bial tem servido como instrumento de combate à inflação, ao mesmo tempo emque tem como contrapartida a elevação das importações e a redução da com-petitividade das exportações. Essa perda de competitividade internacional aindanão se explicitou claramente nas contas do balanço de pagamentos por causa daconjuntura favorável do comércio internacional. A elevada taxa de juros, além de impulsionar o círculo vicioso que justifica o

permanente ajuste fiscal e provocar a quase-estagnação do mercado interno, tor-na extremamente difícil, senão impossível, a transição para um outro tipo de in-serção internacional – apoiada em produtos de maior conteúdo tecnológico ecom demanda em expansão no mercado mundial. Em sentido contrário, a pau-ta de importações concentrada em produtos de média e alta tecnologia, além daausência de uma política industrial ativa, agrava ainda mais a situação.Apesar de haver uma melhora conjuntural no balanço de pagamentos e, con-

seqüentemente, nos indicadores de vulnerabilidade financeira externa, a políti-ca econômica, observada do ponto de vista estrutural, reforça o padrão de espe-cialização produtiva que tende a distanciar o Brasil, ainda mais, dos países de-senvolvidos e mesmo de outros países periféricos, como China, Coréia do Sul e

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Índia. Também significa que a vulnerabilidade externa, do ponto de vista estru-tural, está se aprofundando. O fosso tecnológico tende a se alargar cada vez mais.

2.2 Finanças públicasA mudança do cenário internacional e a acentuada melhora das contas externasdo país, a partir de 2003, também implicaram resultados mais favoráveis para atrajetória da dívida pública. Isso decorre da manutenção e, mesmo, aprofunda-mento da política econômica que vinha do período anterior. No período 2003-2006, os superávits da balança comercial e a política de obtenção de superávitsfiscais primários, agora acima de 4,25% do PIB, reduziram em 5,6 pontos per-centuais (de 50,5% para 44,9%) a dívida líquida total do setor público comoproporção do PIB, como mostra o Gráfico 3.1 seguinte.

Gráfico 3.1

Dívida líquida do setor público (% do PIB): 2003-06

Fonte: Banco Central.

Entretanto, aqui é preciso chamar atenção para três aspectos importantes. Pri-meiro, a redução só começou a ocorrer a partir de 2004, pois a manutenção dastaxas de juros em níveis elevados, juntamente com a estagnação do PIB, impli-cou aumento da dívida em 2003 (52,4% do PIB). Entretanto, a partir de 2004,a redução da taxa de juros, o crescimento da economia e, principalmente, a con-tinuação da apreciação cambial foram decisivos para a trajetória descendente. O segundo aspecto relevante é que, no período 2003-2006, a redução relati-

va da dívida total se deve à redução sistemática da dívida externa em todos os

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41,7 40,244,1

47,6

10,76,8

2,3

52,447 46,9 44,9

-2,7

-10

0

10

20

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40

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60

2003 2004 2005 2006

Dívida interna Dívida externa Total

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anos, tanto em valores absolutos quanto como proporção do PIB, como mostraa Tabela 3.4. Isto ocorre porque a dívida interna, depois de uma pequena redu-ção como proporção do PIB em 2004, continuou crescendo aceleradamente, noseu montante absoluto (aumento de R$ 476,6 bilhões) e também como pro-porção do PIB (aumento de mais de 10 pontos percentuais), alcançando ao fi-nal do período 47,6% do PIB.

Tabela 3.4

Dívida líquida do setor público, anos selecionados: 1994-2006 (R$ bilhões e % do PIB)

Ano Dívida Total Dívida Interna Dívida Externa

R$ bilhões % do PIB R$ bilhões % do PIB R$ bilhões % do PIB

1994 153,2 30,0 108,8 21,3 44,4 8,7

1998 385,9 38,9 328,7 33,2 57,2 5,8

2002 881,1 50,5 654,3 37,5 226,8 13,0

2006 1.067,4 44,9 1.130,9 47,6 -63,5 -2,7

Fonte: Banco Central.

O terceiro aspecto é que a trajetória descendente da dívida líquida externa sedeve diretamente aos grandes saldos da balança comercial. Estes saldos têm pos-sibilitado ao governo aumentar suas reservas em dólares (US$ 85,8 bilhões no fi-nal de 2006) e pagar parte do principal da dívida externa. Em ambos os casos, acontrapartida é o aumento da dívida interna. Portanto, há a troca de dívida ex-terna, de prazo maior e juro menor, por dívida interna, de prazo menor e taxasde juros mais elevadas. Adicionalmente, a apreciação do real, impulsionada pelossaldos do comércio exterior e pela entrada de capitais em busca de taxas juros maiselevadas, também tem colaborado para a redução da dívida pública externa.O quarto aspecto é que, mesmo com a obtenção de superávits primários enor-

mes (R$ 330,9 bilhões acumulados entre 2003 e 2006, contra R$ 165,3 bilhões dogoverno anterior), a dívida pública cresceu de R$ 881,1 bilhões para mais de R$ 1trilhão – embora tenha se reduzido, como proporção do PIB, de 50,5% para 44,9%. Essa redução relativa, de 5,6 pontos percentuais como proporção do PIB, co-

loca em questão, claramente, o benefício dessa política fiscal. A questão centralé que a redução foi produto apenas da diminuição da dívida externa líquida dosetor público, propiciada por grandes superávits na balança comercial e pelocrescimento das reservas cambiais (de US$ 37,8 bilhões ao final de 2002 para

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US$ 84,6 bilhões em dezembro de 2006). Portanto, qualquer reversão na si-tuação internacional, que piore o balanço de pagamentos do país, poderá au-mentar rapidamente o total da dívida pública como proporção do PIB – como seu montante absoluto dando um grande salto.De qualquer forma, a melhora das contas externas a partir de 2003 afetou de

forma positiva, direta e indiretamente, a trajetória da dívida pública total. Aopropiciar oferta excedente de dólares, a apreciação cambial permitiu que o go-verno aumentasse suas reservas – de forma similar aos demais países em desen-volvimento – e implementasse uma política de troca de dívida externa por dí-vida interna. Por ambos os caminhos, os superávits comerciais foram responsá-veis pela redução da divida externa, tanto em termos absolutos quanto relativos(como proporção do PIB). Assim, a relação dívida total/PIB se reduziu, apesarde a relação dívida interna/PIB ter aumentado.O governo Lula não moveu um milímetro para alterar a essência do modelo de

desenvolvimento, caracterizado, sobretudo, pela dominação da lógica financeira epela vulnerabilidade externa estrutural. O custo da política econômica, condicio-nada (e articulada) fortemente pela (e com a) abertura comercial-financeira, resultaem um dos mais pífios desempenhos em termos de taxas de crescimento do PIBentre os países em desenvolvimento, além da manutenção de taxas de desempre-go ainda muito elevadas e do crescimento da dívida publica interna.

Os governos Cardoso e Lula propiciaram ao capital financeiro o montantede mais de R$ 1 trilhão em juros da dívida pública, o que correspondeu, em mé-dia, a 8% e 8,2% do PIB no segundo governo Cardoso e no governo Lula, res-pectivamente. No período 1995-2006, os superávits primários acumulados fo-ram de R$ 489,8 bilhões e a dívida pública total aumentou em mais de R$ 900bilhões, como mostra a Tabela 3.5.

Tabela 3.5

Finanças públicas, valores acumulados: 1995-2006 (R$ bilhões)

Período Juros Superávit fiscal primário Aumento da dívida pública

1995-1998 211,4 -6,5 232,7

1999-2002 365,8 165,4 495,1

2003-2006 590,6 330,9 185,9

Total 1167,8 489,8 913,7

Fonte: Banco Central.

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A partir de 1999, o enorme esforço fiscal (grandes superávits primários), fei-to para pagar os crescentes juros da dívida pública, não impediu o crescimentoabsoluto do total da dívida. Mais recentemente (2003-2006), a sua pequena re-dução como proporção do PIB implicou aumento de mais de 100% no mon-tante de renda transferido, com o uso de recursos fiscais, para o segmento ren-tista da economia brasileira: R$ 330,9 bilhões acumulados, contra R$ 165,4 bi-lhões do período anterior. Apesar de toda essa transferência de recursos, a dívidaaumentou mais R$ 186 bilhões nesse último período. As elevadas taxas de jurospraticadas, associadas ao estoque de dívida já bastante elevado – herdado do pe-ríodo anterior –, acarretaram montante acumulado de juros de mais de R$ 590bilhões, aproximadamente 61% maior do que aquele acumulado entre 1999 e2002. Considerando-se os valores acumulados ao longo do período 1995-2006,a dívida pública total cresceu R$ 913,7 bilhões, apesar de haver superávit fiscalprimário acumulado, no mesmo período, de R$ 489,8, que serviu como partedo pagamento de juros acumulados de R$ 1.167,8 bilhões.

2.3 Renda, investimento e empregoDurante o governo Lula, a evolução medíocre do nível do produto, do investi-mento e do emprego é particularmente impressionante porque ela ocorreu ape-sar de uma conjuntura internacional bastante favorável a partir de 2003. Isso sig-nifica que o desempenho macroeconômico teria sido ainda pior caso não hou-vesse o impulso proveniente do mercado externo. Esse fato não é surpreendente,tendo em vista os juros elevados e o arrocho fiscal (aumento de carga tributáriae mega-superávit primário) que comprimem os gastos de consumo das famíliase o investimento. De fato, a trajetória instável e de baixas taxas de crescimentodo PIB está associada a taxas de investimento baixas e de desemprego altas, co-mo mostra a Tabela 3.6.

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Tabela 3.6

Renda, investimento e emprego: 2003-06

2003 2004 2005 2006 Média

PIB, var. real % 1,1 5,7 2,9 3,7 3,3

PIB per capita, var. real % -0,3 4,2 1,6 2,3 1,9

Taxa de investimento % 15,3 16,1 16,3 16,8 16,1

Investimento, var. real % -4,6 0,1 3,6 6,3 3,5

Taxa de desemprego, RMSP % 19,9 18,8 17,0 15,9 17,8

Taxa de desemprego, RMs % 7,0 6,6 5,6 5,7 6,2

Fonte: IBGE e IPEAdata.

Ao relaxar a restrição externa, o excepcional desempenho das exportações,com seus efeitos multiplicadores para o mercado interno, permitiu taxas de cres-cimento do PIB um pouco maiores que as do período anterior, mas ainda mui-to reduzidas, como mostra a Tabela 3.7. No governo Lula, a taxa média de cres-cimento do PIB (3,3%) é maior do que as taxas crescimento dos dois governosCardoso, que foram de 2,4% e 2,1%, respectivamente. Por outro lado, a taxa mé-dia de investimento do governo Lula (16,1%) é menor que as taxas dos gover-nos Cardoso. No que se refere à taxa de desemprego, apesar de haver tendênciade queda durante o governo Lula, ela tem se mantido em níveis elevados, che-gando a ser superiores aos níveis observados durante o primeiro mandato deCardoso.

Tabela 3.7

Renda, investimento e emprego: governo Lula versus governo Cardoso (%)

1995-98 1999-2002 2003-06

PIB, var. real 2,4 2,1 3,3

PIB per capita, var. real 1,0 1,7 2,9

Taxa de investimento 17,4 16,5 16,1

Investimento, var. real 4,3 -2,0 3,5

Taxa de desemprego, RMSP 15,5 18,4 17,8

Fonte: IBGE e IPEAdata.

Mais recentemente, o consumo foi impulsionado pelo crédito consignadodisponível para as pessoas físicas – trabalhadores e, mais especificamente, funcio-

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nários públicos, aposentados e pensionistas da Previdência Social. Nessa moda-lidade de crédito, o montante referente à amortização e ao pagamento dos juros(com taxas de 40% ao ano, apesar de o risco ser praticamente nulo para os ban-cos) é retirado diretamente dos salários dos trabalhadores, pelo débito automá-tico nas folhas de pagamento das empresas e do governo. O crescimento medíocre torna-se mais evidente quando se considera que, no

período 2003-2006, a taxa média de crescimento do PIB do Brasil foi significa-tivamente menor do que as taxas de crescimento da renda no conjunto da eco-nomia mundial, conforme a análise do capítulo 2. Cabe aqui um paralelo do Brasil com os outros países da América Latina. É

importante destacar o movimento de transformação de déficits em superávitsnas balanças comerciais dos países latino-americanos e, mais recentemente, a ob-tenção de taxas de crescimento um pouco maiores. Na realidade, este é um fe-nômeno geral dos chamados “países emergentes” – que se beneficiam da faseascendente do ciclo do comércio internacional. Entretanto, em todos os anosdo período 2003-2006, a taxa média anual de crescimento do PIB da AméricaLatina é superior à taxa de crescimento do PIB do Brasil. Finalmente, o crescimento um pouco mais elevado do PIB permitiu, a partir

de 2004, uma redução na taxa de desemprego. Esta, depois de se elevar em 2003(19,9%) na Região Metropolitana de São Paulo, caiu nos anos seguintes, che-gando a 15,9% da população economicamente ativa em 2006. O crescimento dasexportações e do saldo comercial influenciou essa queda de duas maneiras: di-retamente, pelo crescimento do setor exportador e seus efeitos multiplicadoresinternos, e, principalmente, de forma indireta, ao relaxar a restrição externa e,desse modo, permitir um maior espaço para a expansão do mercado interno.

3. Modelo e ajuste macroeconômicoO relaxamento das restrições externas serve, fundamentalmente, para garantir osobjetivos essenciais da política econômica de Lula: redução gradual da dívida lí-quida do setor público, como proporção do PIB, por meio da obtenção de ele-vados superávits primários; e taxas de inflação cada vez menores, de acordo como regime de metas de inflação, por meio de taxas de juros elevadas. Esses resul-tados, associados à redução da vulnerabilidade externa conjuntural, contribuírampara a redução do risco-país, tal como avaliado pelo mercado financeiro inter-

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nacional, por motivos óbvios: o país se mostrou, potencialmente, mais capaz desaldar suas obrigações com os credores.De um ponto de vista mais estrutural, o governo Lula recolocou na ordem do

dia a continuação do modelo liberal ao implementar a reforma da Previdênciados servidores públicos (Filgueiras e Lobo, 2003), iniciar o processo de reformasindical e sinalizar em direção às reforma das leis trabalhistas. Além disso, logo noinício do governo, Lula alterou a Constituição, para facilitar, posteriormente, oencaminhamento da proposta de independência do Banco Central – esse pon-to foi retirado do artigo 192 da Constituição, que trata do conjunto do sistemafinanceiro, podendo, portanto, ser regulamentado separadamente. Além disso,aprovou a lei de falências e a lei das chamadas parcerias público-privado (PPP),com o intuito de desencadear nova fase das privatizações, agora abarcando a in-fra-estrutura do país – uma vez que a política de superávits primários reduz dras-ticamente a capacidade de investimento do Estado.Ainda na direção da consolidação do modelo liberal periférico a partir de

2005, a abertura financeira foi aprofundada e ampliada, com a dilatação do pra-zo para cobertura cambial nas exportações. Essa medida foi adotada pelo gover-no por pressão do setor agroexportador. Ela aumenta a volatilidade da conta decapital e financeira do balanço de pagamentos à medida que permite ao expor-tador escolher o momento de internalizar suas receitas. Portanto, os fluxos de in-gresso de divisas das exportações passam a depender também do diferencial dastaxas de juros interna e externa e das expectativas cambiais – de forma similaraos fluxos financeiros internacionais (Sicsú, 2006). Essa medida pretende frear a valorização recente do real e reduzir os custos

de operações cambiais das exportações e das importações. Ela aponta para oaprofundamento do processo de financeirização da economia (e da lógica deatuação dos diversos agentes econômicos), ao mesmo tempo em que faz con-vergir, e solda mais fortemente, os interesses dos setores financeiro e exportador.O fato é que o exportador agora também funciona como especulador financei-ro, pois a livre oferta (pelos exportadores) e demanda (pelos agentes financeiros)de dólares unifica os interesses do capital financeiro em geral. Vale destacar, também, a liberalização proporcionada pela unificação dos mer-

cados de câmbio em 2005. Essa medida permite operações cambiais relativas àcompra e venda de ativos no exterior sem limitação de valor e sem necessidadede comprovação. Em 2005 também foi aprovada a isenção de imposto de renda

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para investidores estrangeiros com aplicações em títulos públicos e fundos de ca-pital de risco (Prates, 2006, p. 138). Em abril de 2007 o governo autorizou osfundos de investimento a aplicar parte dos seus recursos no sistema financeiro in-ternacional. Por exemplo, os fundos multimercados podem agora aplicar 20% dosseus recursos no exterior (O Globo, 27 de abril de 2007, p. 21).Enfim, Lula consolida o modelo marcado pelo padrão de distribuição de ren-

da de enorme desigualdade, reduzidas taxas de crescimento e investimento, in-serção internacional passiva e grande vulnerabilidade externa estrutural. O go-verno Lula reafirmou a política econômica herdada do governo anterior e, apoia-do no melhor desempenho conjuntural do setor externo, deu novo fôlego aomodelo, legitimando-o politicamente e soldando mais fortemente os interessesdas diversas frações de classes participantes do bloco de poder dominante.A linha de continuidade entre os governos Cardoso e Lula, como seria de se

esperar, também se expressou na área social. Nos dois casos, a política social foiestruturada a partir de programas focalizados de combate à pobreza – tal comopreconizados pelo Banco Mundial –, tema tratado no capítulo 5 deste livro. No entanto, pode-se adiantar que esse tipo de política social tem limites da-

dos, necessariamente, pelo modelo de desenvolvimento vigente e se articula fun-cionalmente a ele como uma espécie de contraface da política macroeconômi-ca ortodoxa. Como visto, os pilares da política econômica são ajustes fiscais ba-seados em enormes superávits primários e o estabelecimento de metas deinflação cada vez mais reduzidas. Daí o caráter seletivo e restrito da política so-cial, expresso em programas focalizados de transferência de renda, de caráter as-sistencialista, apesar dos discursos em contrário, e tendo por objeto os segmen-tos sociais mais miseráveis entre os pobres.Na verdade, as políticas sociais compensatórias, com a implementação de

programas assistencialistas de transferência de renda – cimento de um novo ti-po de populismo, regressivo –, estão possibilitando a construção de uma no-va base social de apoio ao governo Lula. Isto ocorre paralelamente ao desco-lamento desse governo em relação às suas bases sociais tradicionais (os seg-mentos de trabalhadores mais organizados e politizados), bem como adificuldade em controlar politicamente esses trabalhadores (Marques e Men-des, 2006). Essa nova base, conforme as evidências apresentadas no capítulo 5,está assentada no segmento da população de mais baixa renda do país – “osmais pobres entre os pobres”.

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4. Liberalização e retrocessoA evidência empírica disponível indica que o modelo liberal periférico tem avan-çado no Brasil durante o governo Lula. A Heritage Foundation calcula um índi-ce, chamado de Índice de Liberdade Econômica. Na realidade, o índice expressao grau de liberalização de cada uma das 164 economias que compõem o painel.O Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation varia de zero a cem;quanto mais elevado for este índice maior é o grau de liberalização da economia. As principais variáveis analisadas são: o contexto macroeconômico nas suas di-

mensões doméstica e internacional; os marcos legal e regulatório aplicáveis ao ca-pital nacional e, principalmente, o capital estrangeiro; a robustez institucional e,mais especificamente, a segurança jurídica e os direitos de propriedade, que afe-tam o quadro de incerteza e os graus de riscos e, portanto, custos de transação;e o grau de regulação do mercado de trabalho e do mercado de capitais.No caso do Brasil, a evidência é de que esse índice apresenta nítida tendên-

cia de elevação a partir de 1996, como mostra o Gráfico 3.2. Esta tendência semantém no governo Lula.

Gráfico 3.2

Índice de Liberalização Econômica: 1995-2007

Fonte: Heritage Foundation. Index of Economic Freedom. Relatório Anual. http://www.heritage.org. Os anos no gráfico referem-se à da-ta de publicação do relatório. Painel composto de 164 países.

No governo Lula, o avanço do processo de liberalização tem tido efeitos ne-gativos sobre a eficiência sistêmica do país. Segundo o relatório do Instituto In-ternacional para o Desenvolvimento Gerencial (IMD) localizado na Suíça, oBrasil tem perdido posições no ranking mundial, como mostra a Tabela 3.8. En-

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

ILE Linear (ILE)

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tre 2003 e 2007, o Brasil perdeu cinco posições no ranking mundial. Nesse pe-ríodo, o desempenho econômico e a eficência do governo perdem oito posições.

Tabela 3.8

Brasil - Perda de eficiência sistêmica: 2003-07 (posição no ranking mundial)

2003 2004 2005 2006 2007

Eficiência dos negócios 28 28 28 35 40

Desempenho econômico 39 44 31 38 47

Infra-estrutura 44 45 44 46 49

Eficiência do governo 46 48 48 51 54

Geral 44 44 42 44 49

Fonte: IMD (2007). Painel composto por 55 países.

O avanço do modelo liberal periférico no Brasil tem tido conseqüências ne-gativas que transcendem os limites dos indicadores econômicos. Para ilustrar esseargumento pode-se utilizar os dados do trabalho do Banco Mundial sobre gover-nança em 221 países (The Worldwide Governance Indicators). Nesse trabalho, há qua-tro indicadores que refletem diretamente a qualidade das instituições: eficácia dogoverno, qualidade do aparato regulatório, respeito à lei e controle da corrupção. No caso do Brasil, a evidência disponível aponta no sentido de deterioração

no que se refere ao respeito à lei e ao controle da corrupção já desde o segun-do governo Cardoso, como mostra o Gráfico 3.3.

Gráfico 3.3

Respeito à lei e controle da corrupção: 1996-2006

Fonte: Banco Mundial (2007). http://info.worldbank.org/governance/wgi2007/

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Respeito à lei Controle da corrupção

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No que se refere à eficácia do governo e à qualidade do aparato regulatório,a tendência de deterioração só aparece no governo Lula, como apresentado noGráfico 3.4. Portanto, para os quatro indicadores há nítidas tendências de dete-rioração institucional durante o governo Lula; inclusive, aumento de corrupção.

Gráfico 3.4

Eficácia do governo e qualidade do aparato regulatório: 1996-2006

Fonte: Banco Mundial (2007). Ver http://info.worldbank.org/governance/wgi2007/

O Quadro 3.2 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

Quadro 3.2

Principais conclusões: capítulo 3

Seção Capítulo 3

1 O governo Lula manteve a mesma política econômica do segundo governo Car-doso – metas de inflação, ajuste fiscal permanente e câmbio flutuante.

2.1 A melhora das contas externas é causada pelos crescentes superávits comerciais.

2.1 Os principais determinantes do desempenho da balança comercial são a des-valorização cambial de 2002, o crescimento das economias americana e chi-nesa, a recuperação da Argentina e a elevação dos preços das commodities.

2.1 As taxas de inflação caíram sistematicamente a partir de 2003.

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1996 1998 2000 2002 2003 2004 2005 2006

Eficácia do governo Qualidade do aparato regulatório

(continua)

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2.1 As principais fatores determinantes do relativo controle da inflação são: a apre-ciação cambial decorrente dos elevados saldos na balança comercial e da ma-nutenção de grande diferencial entre as taxas de juros interna e externa; a fra-ca pressão da demanda interna causada pelas políticas fiscais (mega-superá-vit primário) e monetária (juros elevados); e a queda dos salários reais.

2.2 A trajetória descendente da dívida líquida externa se deve diretamente aos gran-des saldos da balança comercial.

2.2 A relação dívida interna/PIB é crescente em decorrência da troca de dívida ex-terna, de maior prazo e menor juro, por dívida interna, de prazo menor e taxasde juros mais elevadas.

2.2 No governo Lula, as elevadas taxas de juros praticadas acarretaram pagamen-tos de juros de R$ 590 bilhões, montante aproximadamente 61% maior do queaquele acumulado entre 1999 e 2002.

2.3 No governo Lula, a trajetória instável e de baixas taxas de crescimento do PIBestá associada a taxas de investimento baixas e de desemprego altas.

2.3 Apesar da tendência de queda durante o governo Lula, a taxa de desempregotem se mantido em níveis elevados, inclusive superiores aos níveis observadosdurante o primeiro mandato de Cardoso.

2.3 O governo Lula tem implementado uma série de medidas para consolidar o mo-delo liberal periférico, caracterizado por enorme desigualdade, reduzidas taxasde crescimento e investimento, inserção internacional passiva e grande vul-nerabilidade externa estrutural.

2.4 O avanço do processo de liberalização econômica está associado à perda deeficiência sistêmica da economia brasileira.

2.4 No governo Lula verifica-se uma deterioração institucional, decorrente de re-trocessos na eficácia do governo, na qualidade do aparato regulatório, no res-peito à lei e no controle da corrupção.

116 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 116: A economia política do governo lula

A economia política do governo Lula 117

Desempenho em perspectiva histórica

O objetivo central deste capítulo é analisar, em perspectiva histórica, o desem-penho da economia brasileira durante o governo Lula (2003-06). O foco é umconjunto de seis principais variáveis macroeconômicas: variação da renda real;hiato de crescimento (diferencial entre a variação da renda no Brasil e no mun-do); acumulação de capital (variação da formação bruta de capital fixo); inflação(deflator implícito do PIB); fragilidade financeira do Estado (relação dívida in-terna / PIB); e vulnerabilidade externa (relação dívida externa / exportação).O procedimento metodológico básico consiste em duas linhas complemen-

tares de análise.A primeira trata da análise da evolução temporal de cada umadessas variáveis ao longo da história da República (1890-2006).A segunda fo-caliza a análise no desempenho econômico conforme os mandatos presidenciais.Desde o início da República, o país teve 28 presidentes com 30 mandatos, vis-to que até 2006 somente dois (GetúlioVargas e Fernando Henrique Cardoso)tiveram mais de um mandato.O segundo mandato de Lula inicia-se em 2007 enão está contemplado na análise.O estudo conclui com a avaliação do desempenho geral do governo Lula. Essa

avaliação toma como base o Índice de Desempenho Presidencial (IDP).O IDP é oindicador-síntese do desempenho macroeconômico do país. Ele é calculado comoa média aritmética dos índices para as seis variáveis macroeconômicas mencionadas.O IDP é a variável reduzida com intervalo de zero (pior desempenho) a cem

(melhor desempenho). O IDP foi usado, inicialmente, por Gonçalves (2003a). OIDP de cada variável (por exemplo, variação do PIB) em determinado ano é calcu-lado como a diferença entre essa variável nesse ano e o valor mínimo da variável emtoda a série como proporção da diferença entre o valor máximo e o valor mínimoda variável em toda a série.NoAnexo II encontram-se a descrição da metodologiade cálculo do IDP, as fontes de dados e os procedimentos usados nos cálculos.A Tabela 4.1 apresenta as médias das variáveis macroeconômicas segundo o

mandato presidencial.

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Page 117: A economia política do governo lula

118 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

Tabela 4.1Variáveis macroeconômicas segundo o mandato presidencial: 1890-2006(valores médios, %)

PIB Brasil PIB mundial Hiato FBCF Inflação Fragilidade Vulnerabilidadefinanceira externa

Afonso Pena -1,2 -0,3 -0,9 9,3 -1,5 11,2 194,3

Artur Bernardes 3,7 4,6 -0,9 8,3 8,8 10,9 203,2

Café Filho 8,8 6,1 2,5 -3,0 11,5 1,3 90,8

Campos Sales 3,1 3,1 0,0 -3,3 -10,4 13,3 144,5

Castelo Branco 4,1 5,9 -1,8 8,4 60,6 0,8 215,8

Collor -1,4 2,3 -3,6 -7,5 1060,7 5,1 297,9

Costa e Silva 7,8 4,6 2,9 11,9 24,3 3,4 190,5

Deodoro 10,1 2,1 7,9 -20,2 17,4 21,6 115,0

Dutra 7,6 1,3 6,2 17,6 9,3 4,8 53,8

Epitácio Pessoa 7,4 1,0 6,4 46,0 4,6 11,8 186,3

Cardoso I 2,4 3,7 -1,2 4,3 24,0 18,8 303,1

Cardoso II 2,1 3,5 -1,3 -2,0 7,9 39,6 362,0

Figueiredo 2,2 2,6 -0,6 -3,7 108,6 6,0 297,0

Floriano -7,5 1,3 -8,7 9,3 14,0 14,7 102,2

Geisel 6,7 3,8 2,8 6,6 38,6 6,6 231,2

Goulart 3,6 4,8 -1,2 11,5 63,7 0,4 252,0

Hermes da Fonseca 3,5 1,3 2,3 -9,3 0,1 12,9 220,3

Itamar 5,4 3,1 2,2 10,2 2114,8 9,6 280,0

Jânio 8,6 4,4 4,0 -14,2 34,6 0,3 235,1

Juscelino 8,1 3,6 4,3 9,6 21,5 0,7 192,0

Lula 3,3 4,9 -1,5 3,5 8,6 41,3 170,2

Médici 11,9 5,4 6,2 14,9 21,2 5,0 188,5

Nilo Peçanha 6,4 3,9 2,4 11,9 1,2 11,7 183,9

Prudente de Morais 4,5 3,6 0,8 -9,4 11,0 13,1 140,8

Rodrigues Alves 4,7 3,9 0,8 26,5 4,2 13,6 167,4

Sarney 4,4 4,0 0,4 4,8 386,3 11,5 357,8

Vargas I 4,3 2,8 1,4 4,0 6,4 9,0 324,4

Vargas II 6,2 4,7 1,4 8,3 17,0 2,2 48,9

Venceslau Brás 2,1 2,7 -0,6 -24,3 12,7 12,7 268,6

Washington Luís 5,2 1,0 4,1 -1,2 -2,0 10,0 285,2

Média 4,5 3,2 1,2 4,2 15,7 7,5 203,2

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Page 118: A economia política do governo lula

Fontes e notas: Elaboração própria. Ver Anexo II. Médias geométricas. Amédia da inflação exclui o período de hiperinflação (1984-1994).

Com esse período a inflaçãomédia anual é de 138,4%. A fragilidade financeira refere-se à relação divida interna/PIB e a vulnerabilidade

externa à relação dívida externa/exportação.

1. Crescimento da rendaNo período republicano (1890-2006), a renda real cresce à taxa média anual de4,5%.Entretanto,há duas distintas trajetórias de evolução de longo prazo da eco-nomia brasileira, conforme mostra o Gráfico 4.1. Na primeira, após o períodode instabilidade econômica na década que se seguiu à Proclamação da República,verifica-se a tendência de elevação da taxa de crescimento da renda real, que vaido início do século XX até 1980.No período 1890-1980, a taxa média anual decrescimento real do PIB brasileiro é de 5,1%, e no período 1900-1980 esta taxaé de 5,5%.O dinamismo econômico também foi marcado por instabilidade, ten-do em vista os ciclos importantes de recessão ou de queda significativa da taxade crescimento. Isto ocorreu nos anos imediatamente posteriores à Proclamaçãoda República, no período da Primeira Guerra Mundial, no início da década de1930, marcado pelo Grande Recessão mundial, e durante a Segunda GuerraMundial.

Gráfico 4.1

PIB Brasil, var. %, média móvel 4 anos: 1890-2006

Fonte: Elaboração própria.

A economia política do governo Lula 119

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120 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

Como fator determinante do dinamismo econômico do país no período1890-1980 cabe destacar o processo de industrialização. Nesse período ocorreuma grande transformação: da economia primário-exportadora, baseada princi-palmente na produção do café, para a economia com base industrial relativa-mente sofisticada.A segunda tendência é de perda de dinamismo da economia a partir de 1980.

No período 1980-2006, a taxa média anual de crescimento real do PIB é de2,5%, ou seja, menos da metade da taxa verificada no período 1890-1980. Noperíodo 1980-2006 também se verifica forte instabilidade, com ciclos recessivosno início das décadas de 1980 e 1990, e crescimento praticamente nulo da ren-da per capita na virada do século XX para o XXI.De modo geral, as taxas de va-riação do PIB no após-1980 encontram-se abaixo da taxa secular de crescimentoeconômico do país.Inúmeros fatores econômicos e políticos explicam o fraco desempenho da

economia brasileira desde 1980. O marco histórico definitivo desse processo é,sem dúvida, a crise da dívida externa do início da década de 1980.Ao longo dequase três décadas a economia brasileira também tem sofrido os efeitos de cho-ques e fatores desestabilizadores externos.Ademais, não há como minimizar oserros de estratégia e de política econômica cometidos pelos grupos dirigentesbrasileiros.Se focalizarmos a análise no período 2003-2006, a evidência é conclusiva: bai-

xo dinamismo econômico.A taxa média anual de crescimento real do PIB é de3,3% no período. Essa taxa é inferior a 3/4 da taxa secular de crescimento eco-nômico (4,5%) do país, ou seja, da taxa média da história da República.Os dados sobre o crescimento econômico segundo os mandatos presidenciais

mostram que os melhores desempenhos foram nos governos de Garrastazu Mé-dici (1970-1973) e Deodoro da Fonseca (1890-1891).Comparativamente a ou-tros mandatos presidenciais, o período do primeiro governo Lula (2003-2006)se caracteriza por fraco desempenho. No conjunto de 30 mandatos na históriada República, o IDP de Lula está na nona pior posição, como mostra o Gráfico4.2. Então, pelos padrões históricos brasileiros, o período do primeiro mandatode Lula caracteriza-se pelo pífio desempenho da economia brasileira.

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Page 120: A economia política do governo lula

Gráfico 4.2

PIB Brasil - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

2. Hiato de crescimentoO hiato de crescimento expressa a diferença entre a taxa de crescimento do PIBbrasileiro e a taxa de crescimento do PIB mundial. Quanto maior essa diferen-ça, mais rapidamente o país se desenvolve economicamente e se aproxima dospaíses de maior renda. O hiato indica a velocidade com que o país está encur-tando a diferença entre seu nível de renda e o nível médio da renda mundial.O hiato secular de crescimento da economia brasileira (média do período

1890-2006) é de 1,2%, que é o diferencial entre a taxa média de crescimentoeconômico de longo prazo do Brasil (4,5%) e a taxa média anual de crescimen-to da economia mundial (3,2%).Entre o início da Primeira Guerra Mundial e 1980, a economia brasileira ex-

perimentou, de modo geral, hiatos positivos de crescimento, como mostra oGráfico 4.3. Portanto, o país logrou melhorar seu nível de desenvolvimentoeconômico. Em alguns momentos esse processo não ocorreu: Primeira Guer-

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122 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

ra Mundial, segunda metade da década de 1920, período da Segunda GuerraMundial e meados da década de 1960. A partir de 1980 a situação se invertee verifica-se tendência de queda no hiato de crescimento.De 1998 em dianteo hiato é negativo.Ou seja, a partir desse ano o país entra em trajetória de sub-desenvolvimento.

Gráfico 4.3

Hiato de crescimento, média móvel 4 anos

Fonte: Elaboração própria.

Considerando os mandatos presidenciais, o melhor desempenho ocorre nosgovernos de Deodoro da Fonseca (1890-1891) e de Epitácio Pessoa (1919-1922).Em ambos os casos, de um lado, há um forte crescimento econômico brasileiroe, de outro, um fraco desempenho da economia mundial.No governo Lula, o hiato médio anual é de -1,5%, pois a economia brasilei-

ra cresce à taxa média anual de 3,3% e a economia mundial à taxa de 4,9%. So-mente em alguns momentos especiais (como as guerras mundiais) o hiato foi tãoelevado, negativamente, quanto o observado durante o governo Lula.Levando em conta os mandatos presidenciais, constata-se que o IDP de Lula

ocupa a 27ª pior posição, como mostra o Gráfico 4.4. Somente outros três pre-sidentes (Floriano,Collor e Castelo Branco) tiveram desempenhos inferiores aode Lula.

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Gráfico 4.4

Hiato de crescimento - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

Cabe, ainda, a comparação entre a evolução da renda per capita do Brasil e arenda per capita mundial. Em 1890, as proporções entre a renda per capita do Bra-sil e as rendas per capita da Argentina, Estados Unidos e Reino Unido eram de35,9%, 22,7% e 18,8%, respectivamente. Em 1980 essas proporções eram de63,6%, 28,7% e 41,1%, respectivamente (Maddison, 1995, p. 196 e p. 202). Co-mo mostra o Gráfico 4.5, a proporção entre a renda per capita do Brasil e a ren-da per capita mundial eleva-se de aproximadamente 55% em 1900-1913 para115% em 1980.Esses resultados indicam processo acelerado de crescimento eco-nômico.

A economia política do governo Lula 123

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124 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

Gráfico 4.5

Renda per capita doBrasil comopercentual da renda per capitamundial: 1890-2006

Fonte: Elaboração própria. Nota: Série não-contínua, dados somente para os anos de referência.

O fraco desempenho da economia brasileira é evidente quando se compara aevolução da renda per capita do país com a renda per capita mundial a partir de1980.A proporção entre a renda per capita do Brasil e a renda per capita mundialreduz-se, de forma praticamente contínua, de 115,7% em 1980 para 81,0% em2000 e 74,8% em 2006.A proporção média entre a renda per capita do Brasil e a renda per capita mun-

dial é de 77% no período 2003-2006, sendo idêntica à que se verifica em todoo período 1890-2006. Como mostra o Gráfico 4.6, há tendência de queda des-sa proporção durante o governo Lula, e que chega ao nível de 74,8% em 2006.Esse nível é idêntico àqueles existentes na década de 1940.Vale notar, ainda, a aceleração desse movimento de atraso relativo do Brasil no

período 2003-2006, comparativamente ao período 1995-2002.A renda per capi-ta do Brasil como proporção da renda per capita mundial reduz-se de 88,3% em1994 para 79,6% em 2002 e para 74,8% em 2006.Há, então, perda média anualde 1,1% no período 1995-2002 e de 1,2% no período 2003-06.

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Page 124: A economia política do governo lula

Gráfico 4.6

Renda per capita doBrasil comopercentual da renda per capitamundial: 1990-2006

Fonte: Elaboração própria.

No período 2003-2006 a renda per capita mundial cresce à taxa média real de3,7%, enquanto a taxa correspondente do Brasil é de 2,1%. Mantidas essas taxas,a economia mundial duplica sua renda per capita em 19 anos enquanto o Brasil pre-cisa de 34 anos.Portanto, durante o governo Lula o Brasil “anda para trás”, pois há hiato de

crescimento negativo, ou seja, a economia brasileira cresce a taxas significativa-mente menores do que a economia mundial. Esse fenômeno ocorreu em qua-se todos os governos a partir 1980, com exceção dos períodos de Sarney e Ita-mar. Neste período, o desempenho de Lula (-1,5%) só não é pior do que o deCollor (-3,6%), mas é pior do que o desempenho de Fernando Henrique Car-doso nos seus dois mandatos.

3. Acumulação de capitalA questão da formação bruta de capital fixo (FBCF) é determinante no desem-penho econômico.A taxa média de crescimento real da FBCF no Brasil é de4,2% no período 1890-2006. Essa taxa é ligeiramente menor do que a taxa se-cular de crescimento do PIB.

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Page 125: A economia política do governo lula

126 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

A taxa de crescimento da FBCF apresenta significativa volatilidade, comomostra o Gráfico 4.7. No entanto, taxas negativas são observadas, principal-mente, nos anos seguintes à proclamação da República, na Primeira GuerraMundial, no início da década de 1930 (impacto da Grande Recessão), na Se-gunda Guerra Mundial e no início da década de 1980 (eclosão da crise da dí-vida externa).

Gráfico 4.7

Formação bruta de capital fixo, var. %, média móvel 4 anos

Fonte: Elaboração própria.

A partir de 1999 a taxa de variação da FBCF tem sido baixa ou negativa.Durante o governo Lula, a taxa média anual de variação da FBCF é de 3,5%,abaixo da taxa média histórica (4,2%). O maior dinamismo do processo deacumulação de capital ocorre nos governos de Rodrigues Alves (1903-1906)e Epitácio Pessoa (1919-1922).Comparativamente aos outros presidentes, Lula mostra desempenho insa-

tisfatório. O IDP de Lula está na 11ª pior posição, como mostra o Gráfico4.8.Assim, a taxa de acumulação de capital durante o governo Lula está abai-xo da média e da mediana. Ou seja, pelos padrões históricos do país, a acu-mulação de capital durante o governo Lula tem sido fraca.

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Page 126: A economia política do governo lula

Gráfico 4.8

FBCF - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

4. InflaçãoNo período republicano a taxa média de inflação é de 15,7%, se for excluídoo período de alta inflação (1984-1994), e de 138,4%, se esse período for con-siderado. A economia brasileira experimenta raros momentos de deflação, noinício do século XX e no início da década de 1930.No restante do período apressão inflacionária tem comportamentos distintos. No período que vai doinício do século até 1960 as taxas anuais de inflação raramente ultrapassam20%.Na década de 1960 surgem fortes pressões inflacionárias que são contro-ladas por meio, principalmente, de medidas de contração da demanda agrega-da. Mas,o processo inflacionário retorna na década de 1970 a partir do impactodo primeiro choque do petróleo sobre a economia brasileira, em 1973.

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128 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

Nas décadas de 1980 e 1990, as maxidesvalorizações cambiais, os mecanis-mos de indexação e a concentração do poder econômico estão entre os prin-cipais determinantes da inflação. Inicia-se, então, a trajetória de aceleração dainflação que resulta no processo de hiperinflação da primeira metade da déca-da de 1990.A partir de 1994 o controle da inflação assenta-se, fundamental-mente, em medidas de liberalização comercial, freqüentemente auxiliadas porapreciação cambial (1995-1998 e 2003-2006) e por políticas de contração dademanda agregada.No período 2003-2006 a taxa média anual de inflação (deflator implícito do

PIB) é de 8,7%. Essa média, entretanto, é fortemente influenciada pela taxa deinflação de 2003, que sofreu o impacto da maxidesvalorização cambial e dadeterioração das expectativas em 2002.A partir de então, o processo inflacio-nário encontra-se relativamente sob controle, em decorrência da liberalizaçãocomercial, da forte apreciação cambial e do fraco dinamismo da absorção in-terna. O deflator implícito do PIB reduz-se de 15,0% em 2003 para 4,3% em2006 e mostra queda contínua ao longo do período.Durante o governo Lula, a taxa média de inflação (8,7%) é muito inferior à

taxa média da história da República, como mostra o Gráfico 4.9.Como men-cionado, quando se exclui o período de inflação alta (1984-1994), a inflaçãomédia é de 15,7%, e com esse período a inflação média anual é de 138,4%.

Gráfico 4.9

Inflação %, média móvel 4 anos

Fonte: Elaboração própria.

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Page 128: A economia política do governo lula

Não resta dúvida de que o governo Lula tem sido bem-sucedido no comba-te à inflação.Em 2006,por exemplo, a inflação brasileira de 4,2% (preços ao con-sumidor) estava muito próxima da inflação média mundial (3,8%), como discu-tido no capítulo 1. No conjunto de 180 países que informam dados ao FMI, oBrasil tinha a 82ª taxa mais baixa.Comparativamente aos outros presidentes, Lula tem desempenho favorável

em relação ao controle da inflação.Como mostra o Gráfico 4.10, o IDP de Lu-la é o 12ª mais elevado, ou seja, somente outros onze presidentes lograram man-ter a inflação em níveis inferiores ao da taxa observada em 2003-2006.Os pre-sidentes em melhor posição do que Lula exerceram mandatos durante a Pri-meira República (antes de 1930). As exceções são Getúlio Vargas (primeiromandato) e Fernando Henrique Cardoso (segundo mandato).

Gráfico 4.10

Inflação - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

A economia política do governo Lula 129

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Page 129: A economia política do governo lula

130 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

5. Fragilidade financeiraA evolução das finanças públicas é fator determinante do desempenho econô-mico. Nessa área, desequilíbrios de fluxos e estoques afetam o lado real da eco-nomia e as expectativas dos agentes econômicos. Portanto, o controle da fragi-lidade financeira do Estado influencia o desempenho do conjunto da economia.O indicador convencional da fragilidade financeira é a relação entre a dívida in-terna (dívida mobiliária federal) e o PIB:quanto mais baixo esse indicador,maioré o controle sobre a fragilidade financeira (melhor desempenho).No período re-publicano, a média dessa relação é de 7,5%.A proclamação da República interrompeu a tendência de crescimento da dí-

vida interna iniciada com a Guerra do Paraguai (1865-1870).Apesar de havergrande oscilação, verifica-se tendência de queda de longo prazo na relação dí-vida pública interna / PIB de 1890 até o final da Segunda Guerra Mundial, co-mo mostra o Gráfico 4.11.Nos dez anos seguintes a tendência é de forte redu-ção (Gonçalves e Pomar, 2002, tabela 27). Nova forte tendência de crescimen-to aparece a partir do início da década de 1970 e, principalmente, de meados dadécada de 1990, com os desequilíbrios fiscais de fluxo e estoque.

Gráfico 4.11

Fragilidade financeira %, média móvel 4 anos

Fonte: Elaboração própria.

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Page 130: A economia política do governo lula

Na história da República, a relação média dívida pública interna / PIB é de7,5%.No período 1995-1998, a relação é de 20%, e no período 1999-2002 eladuplica (39,8%).A política monetária restritiva (juros altos) e o mecanismo deindexação da dívida pública ao câmbio são determinantes desse processo (Fil-gueiras, 2003, p. 174-184 e p. 204-207). No período 2003-2006 a relação dívi-da interna / PIB mostra tendência crescente, como discutido no capítulo 3.Nogoverno Lula atinge-se o mais alto nível de endividamento público da históriado Brasil (Império e República).A análise da dívida pública segundo o mandato presidencial mostra que os

melhores desempenhos ocorreram no período 1956-1964, ou seja, durante osmandatos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, como mostrao Gráfico 4.12.

Gráfico 4.12

Fragilidade financeira - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

A economia política do governo Lula 131

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132 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

Os piores desempenhos na gestão das finanças públicas ocorrem nos gover-nos de Fernando Henrique e Lula.A diferença é que, no segundo, a relação dí-vida interna / PIB situa-se em patamar médio mais elevado. Ou seja, pelos pa-drões históricos brasileiros Lula é responsável pela mais alta relação dívida interna/ PIB da história do país.

6. Vulnerabilidade externaA dívida externa tem sido, historicamente, um dos mais importantes determi-nantes da evolução da economia brasileira. No período republicano a relaçãomédia dívida externa / exportação de bens é de 203,2%.Contrariamente à dívida interna, a dívida externa apresenta tendência de cres-

cimento após a proclamação da República.A tendência é interrompida com a cri-se internacional da década de 1930, a Grande Depressão.Durante o primeiro go-vernoVargas inicia-se o processo de renegociação da dívida externa brasileira emvárias etapas e que perdura até 1943 (Gonçalves, 2003b).A relação dívida exter-na / exportação reduz-se de 503% em 1934 para 172% em 1945.A queda conti-nua nos dez anos seguintes.Ainda que haja comportamento cíclico, há tendênciade crescimento da dívida externa até a virada do século, como mostra o Gráfico4.13. Entretanto, apesar de o endividamento ser muito elevado, o nível é menordo que os picos observados em meados da década de 1930.

Gráfico 4.13

Vulnerabilidade externa %, média móvel 4 anos

Fonte: Elaboração própria.

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Page 132: A economia política do governo lula

Considerando os mandatos presidenciais, não há dúvida de que a mais signi-ficativa ruptura histórica ocorre no primeiro governoVargas, com a auditoria,moratória e renegociação da dívida externa. Isto faz com que os governantesque vieram em seguida se beneficiassem do afrouxamento da restrição de balançode pagamentos, associada ao endividamento externo. Como mostra o Gráfico4.14, os melhores desempenhos em termos de dívida externa ocorrem no go-verno Dutra (1946-1950), no segundo governoVargas (1951-1954) e no man-dato de Café Filho (1954-1955).Por outro lado, os piores desempenhos são observados no segundo governo

Fernando Henrique (1999-2002) e no governo Sarney (1985-1989). Neste úl-timo ocorre o auge da crise da dívida externa que eclodiu em 1982.

Gráfico 4.14

Vulnerabilidade externa - Índice de Desempenho Presidencial

Fonte: Elaboração própria.

A economia política do governo Lula 133

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Page 133: A economia política do governo lula

134 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

O governo Lula beneficia-se do crescimento extraordinário do comérciomundial e das condições excepcionais de liquidez internacional. E, no contex-to de um regime cambial marcado por flexibilidade, verifica-se a forte aprecia-ção da moeda nacional, que causa o processo de desendividamento externo dosetor privado. Esses fatores são determinantes para a queda da relação dívida ex-terna / exportação no governo Lula. Tal relação se reduz à metade entre 2002(365%) e 2006 (181%). Esses números são bastante significativos e mostram de-sempenho muito favorável; permitem que Lula ocupe a nona melhor posição noconjunto dos presidentes.

7. Desempenho geralOs indicadores macroeconômicos analisados mostram que, pelos padrões his-tóricos brasileiros, o governo Lula tem desempenho medíocre ou desfavorávelquanto ao crescimento econômico, hiato de crescimento, acumulação de ca-pital e finanças públicas. Por outro lado, tem desempenho favorável no con-trole da inflação e na redução do nível de endividamento externo.As princi-pais causas e conseqüências desses fatos são discutidas em detalhes nos capítu-los 2 e 3.Aqui, cabe fazer uma apreciação geral a respeito do desempenho do gover-

no Lula. Para isso, calculam-se índices para cada uma das variáveis macroeco-nômicas analisadas. Estes índices são mostrados na Tabela 4.2. Lula tem os se-guintes índices: PIB = 43,2; hiato de crescimento = 29,5; acumulação de ca-pital = 54,3; inflação = 68,0; fragilidade financeira = 0; e vulnerabilidadeexterna = 67,5.Como resultado final, o seu Índice de Desempenho Presiden-cial (IDP), que é a média aritmética dos índices para as variáveis macroeconô-micas, é de 43,8 em escala de zero a cem.

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Page 134: A economia política do governo lula

A economia política do governo Lula 135

Tabela 4.2

Índice de desempenho presidencial (índices, pior = zero, melhor = cem)

PIB Hiato FBCF Inflação Fragilidade Vulnerabilidade IDP,financeira externa média

Afonso Pena 13,7 32,6 63,4 93,5 72,6 63,2 56,5

Artur Bernardes 46,1 33,0 61,6 66,2 73,4 61,1 56,9

Café Filho 78,6 51,0 44,6 62,1 98,0 90,7 70,8

Campos Sales 39,0 38,2 47,1 100,0 67,2 76,5 61,4

Castelo Branco 48,5 28,2 62,0 36,9 98,8 58,3 55,4

Collor 15,3 18,8 38,2 2,1 86,6 36,9 33,0

Costa e Silva 72,3 53,4 67,0 50,5 92,5 64,7 66,7

Deodoro 87,3 79,5 38,7 58,3 45,3 84,5 65,6

Dutra 71,0 58,2 75,6 66,0 88,8 99,3 76,5

Epitácio Pessoa 69,6 71,0 83,3 71,6 70,7 63,5 71,6

FHC I 37,4 31,1 55,4 57,7 50,3 35,0 44,5

FHC II 35,4 30,3 46,3 68,2 3,8 19,7 34,0

Figueiredo 38,7 35,8 44,6 27,7 85,8 36,5 44,9

Floriano 12,1 13,1 59,0 70,6 63,8 87,7 51,1

Geisel 64,9 52,6 58,9 43,4 84,3 53,7 59,6

Goulart 44,8 31,1 65,9 35,7 100,0 48,8 54,4

Hermes da Fonseca 44,8 49,6 58,1 84,8 68,0 55,5 60,1

Itamar 56,4 49,3 64,1 0,0 75,6 41,6 47,8

Jânio 77,3 58,9 28,3 45,0 100,0 53,3 60,5

Juscelino 74,2 60,7 63,3 53,5 99,4 63,2 69,0

Lula 43,2 29,5 54,3 68,0 0,0 67,5 43,8

Médici 95,8 70,5 71,0 52,9 88,4 65,3 74,0

Nilo Peçanha 63,5 50,5 67,2 88,7 71,4 66,6 68,0

Prudente de Morais 45,3 40,2 46,7 69,1 67,8 77,4 57,7

Rodrigues Alves 51,9 42,1 88,2 78,6 66,6 70,8 66,4

Sarney 50,0 39,6 56,7 10,8 71,5 20,5 41,5

Vargas I 50,1 47,4 59,0 75,2 77,8 27,2 56,1

Vargas II 61,5 45,1 62,0 57,0 95,4 98,6 69,9

Venceslau Brás 35,5 35,2 23,1 61,5 68,8 44,5 44,8

Washington Luís 56,0 60,0 50,9 90,5 75,6 38,9 62,0

Média 52,7 44,6 56,8 58,2 73,6 59,0 57,5Fontes e notas: Elaboração própria. Ver Anexo II.

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Page 135: A economia política do governo lula

136 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

No conjunto de trinta mandatos presidenciais, os IDPs mais elevados são deEurico Dutra, Garrastazu Médici e Epitácio Pessoa.Os piores IDPs são de Fer-nando Collor, Fernando Henrique Cardoso (segundo mandato) e José Sarney.Lula vem logo em seguida.O seu IDP, de 43,8, é o quarto mais baixo na histó-ria da República, como mostram aTabela 4.3 e o Gráfico 4.15.

Tabela 4.3

Índice de Desempenho Presidencial segundo a ordem de classificação

IDPmédia Ordem Ordem

domelhor para o pior do pior para omelhor

Dutra 76,5 1 30

Médici 74,0 2 29

Epitácio Pessoa 71,6 3 28

Café Filho 70,8 4 27

Vargas II 69,9 5 26

Juscelino 69,0 6 25

Nilo Peçanha 68,0 7 24

Costa e Silva 66,7 8 23

Rodrigues Alves 66,4 9 22

Deodoro 65,6 10 21

Washington Luís 62,0 11 20

Campos Sales 61,4 12 19

Jânio 60,5 13 18

Hermes da Fonseca 60,1 14 17

Geisel 59,6 15 16

Prudente de Morais 57,7 16 15

Artur Bernardes 56,9 17 14

Afonso Pena 56,5 18 13

Vargas I 56,1 19 12

Castelo Branco 55,4 20 11

Goulart 54,4 21 10

Floriano 51,1 22 9

Itamar 47,8 23 8

Figueiredo 44,9 24 7

Venceslau Brás 44,8 25 6

FHC I 44,5 26 5

Lula 43,8 27 4

Sarney 41,5 28 3

FHC II 34,0 29 2

Collor 33,0 30 1

Fontes e notas: Elaboração própria. Ver Anexo II.

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Page 136: A economia política do governo lula

A economia política do governo Lula 137

Gráfico 4.15

Índice de Desempenho Presidencial, média

Fonte: Elaboração própria.

Comparativamente à média e à mediana dos valores das variáveis em todos osanos do período 1890-2006, Lula tem desempenho superior às médias e me-dianas das variáveis relativas ao controle da inflação e da vulnerabilidade exter-na, como mostra aTabela 4.4. Por outro lado, Lula tem desempenho inferior àsmédias e às medianas da história da República nos casos do crescimento do PIB,hiato de crescimento, acumulação de capital e fragilidade financeira.

Tabela 4.4

Desempenho do governo Lula:síntese das variáveis e dos índices (valores em %; ordem: pior = 1; melhor = 30)

Lula Variáveis e índices Desempenhoem relação à média

Variável Ordem Média Mediana e à mediana

PIB, var. 3,3 9ª menor 4,5 4,6 desfavorável

Hiato -1,5 4ª menor 1,2 0,8 desfavorável

FBCF, var. 3,5 12ª menor 4,2 8,2 desfavorável

Inflação 8,7 21ª maior 15,7 12,7 favorável

Fragilidade financeira 41,3 1ª maior 7,5 10,1 desfavorável

Vulnerabilidade externa 170,2 22ª maior 203,2 222,3 favorável

Fontes e notas: Elaboração própria. Ver Anexo II.

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Page 137: A economia política do governo lula

138 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

A análise comparativa do desempenho mostra que Lula é o pior presidentequanto às finanças públicas. Ele ocupa a quarta pior posição no hiato de cresci-mento, a nona pior posição no crescimento da renda e a décima segunda piorna acumulação de capital. São resultados medíocres ou pífios. Por outro lado, noque se refere à inflação e à vulnerabilidade externa, o governo Lula ocupa a 21ªe a 22ª posições, respectivamente.Ou seja, Lula tem a décima menor taxa de in-flação e a nona menor relação dívida externa / exportação.Nesses dois casos, asposições relativas de Lula são favoráveis comparativamente às médias e media-nas dos valores das variáveis.O IDP médio de Lula (43,8) está abaixo da média (57,5) e da mediana (58,7) do

conjunto de presidentes brasileiros. De fato, o desempenho do governo Lula estámuito abaixo da média e, principalmente, do desempenho dos chamados “desen-volvimentistas” (por exemplo, Juscelino Kubitschek), como mostra o Quadro 4.1.O IDP de Lula é o quarto mais baixo, ou seja, no que se refere ao desempenho daeconomia brasileira, Lula é o quarto pior presidente da história da República.

Quadro 4.1

Lula: melhor do que JK ou quase tão ruim quanto Collor?

Oministro da FazendaGuidoMantega afirmouquenogoverno Lula a situação econômicado país“ está melhor do que no governo JK”.

Segundo oministro “o país já entrou em um ciclo virtuoso de crescimento, com indica-dores positivos nunca vistos”.

Para oministro, “o país vive uma combinação inédita de indicadores positivos, como nãose viu nem emmomentos de grande otimismo, como o Plano de Metas do governo Jus-celino Kubitschek ou o período domilagre econômico, entre as décadas de 1960 e1970”.

“Durante o Plano deMetas, havia inflação, déficit público, endividamento externo. No tem-po do milagre, também havia a dívida externa e uma inflação potencial muito elevada. Enão havia como compensar com importações, não havia estrutura. Hoje, amáquina estátoda azeitada e se complementa. É mais virtuosa do que em outros períodos.”

Entretanto, o cálculo do Índice de Desempenho Presidencial aponta em outra direção.Vale ressaltar que o IDP contempla amaioria das variáveis mencionadas pelo ministro.

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Page 138: A economia política do governo lula

A economia política do governo Lula 139

Os dados abaixomostram que o IDP de Lula é o quartomais baixo da história republica-na e que está distante do IDPmédio e do IDP de Juscelino Kubitschek, situando-semaispróximo dos IDPs do segundo governo Cardoso e de Collor. Commais dez pontos de per-centagem, o IDP de Lula ainda continuaria abaixo damédia. E, commenos dez pontos depercentagem, praticamente, o IDP de Lula se igualaria ao IDP de Collor (o pior índice doperíodo republicano).

Juscelino Média Lula Sarney FHC II Collor

69,0 57,5 43,8 41,5 34,0 33,0

Fonte: O Estado de S. Paulo, 20 demaio de 2007.

No Anexo III há o cálculo de índices de desempenho dos governos no pe-ríodo republicano com base na técnica de Análise de Componentes Principais(ACP).Os resultados obtidos com aACP confirmam os resultados do IDP ana-lisados acima. Estes resultados são resumidos naTabela 4.5.

Tabela 4.5

Desempenho do governo Lula: síntese das posições segundo o Índice de Desempe-nho Presidencial e a Análise de Componentes Principais (pior = 1; melhor = 30)

6 variáveis 5 variáveis 4 variáveis(exclusive hiato (exclusive hiatode crescimento) de crescimento e

vulnerabilidade externa)

Índice de Desempenho Presidencial 4 4 3

Análise de Componentes Principais 4 7 2

Fontes e notas: Elaboração própria. Ver Anexo III.

Como destaque, vale mencionar que na análise das seis variáveis, tanto no IDPquanto na ACP, o governo Lula tem o quatro pior desempenho.A exclusão dosindicadores de hiato de crescimento e vulnerabilidade externa, que expressam di-retamente a conjuntura internacional, coloca o governo Lula em piores posi-ções – a terceira pior posição no IDP e a segunda pior posição naACP.Esses re-sultados indicam, então, que a conjuntura internacional influencia o desempe-nho relativo do governo Lula.Ou seja, o desempenho do governo Lula é aindapior quando se “desconta” o efeito da conjuntura econômica internacional ex-traordinariamente favorável no período 2003-2006.

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O Quadro 4.2 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

Quadro 4.2

Principais conclusões: capítulo 4

Seção Capítulo 4

1 A renda real doBrasil cresce à taxamédia anual de 4,5% no período1890-2006.No governo Lula (2003-2006), a taxa média anual de crescimento real do PIBé de 3,3%.

1 Pelos padrões históricos brasileiros, o governo Lula caracteriza-se pelo pífio de-sempenhodo crescimento da renda, pois no conjunto de trintamandatos nahis-tória da República, o governo Lula está na nona pior posição.

2 O Brasil “anda para trás” durante o governo Lula, pois há hiato de crescimentonegativo, ou seja, a economia brasileira cresce a taxas significativamente me-nores do que a economiamundial.

3 Durante o governo Lula, a taxamédia anual de variação da FBCF é de3,5%, abai-xo da taxamédia histórica. Comparativamente aos outros presidentes, Lulamos-tra desempenho insatisfatório: está na 11ª pior posição.

4 Lula tem desempenho favorável em relação ao controle da inflação, pois so-mente outros onze presidentes lograrammanter a inflação emníveis inferioresao da taxa observada em 2003-2006.

5 A relação dívida interna / PIBmostra tendência crescente e atinge omais alto ní-vel de endividamento público da história do Brasil (Império e República).

6 A relação dívida externa / exportação se reduz à metade entre 2002 e 2006, oque mostra o desempenho muito favorável do governo Lula, que tem se bene-ficiado de uma conjuntura internacional extraordinariamente favorável.

7 O governo Lula tem o quarto mais baixo Índice de Desempenho Presidencial,que considera o conjunto de seis variáveis macroeconômicas. Somente os go-vernos Sarney, Cardoso (segundo mandato) e Collor têm desempenho pior doque o governo Lula.

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Pobreza e política social

Este capítulo analisa a natureza e as principais características da política social dogoverno Lula, evidenciando sua estreita relação com a política econômica libe-ral-ortodoxa legada pelo governo anterior como uma “herança maldita”, masmantida e aprofundada pelo novo governo. Mais do que esmiuçar todos os de-talhes e dimensões dessa política social, o objetivo é apreender seu conteúdo eseu significado político-econômico maior, a partir daquilo que lhe é central eque a define politicamente, inclusive em termos simbólicos: o programa focali-zado de combate à pobreza, denominado Bolsa Família.

É importante distinguir, desde logo, entre política social de governo, que de-corre de decisões das forças político-partidárias que ocupam momentaneamen-te o aparelho de Estado, e política social de Estado, aquela que está associada aosdireitos sociais inscritos, definidos e garantidos na Constituição do país, que setornam direitos de cidadania, como ilustra o Quadro 5.1.A primeira está sujei-ta a cortes orçamentários conjunturais, com alterações, criação e/ou extinçãode programas específicos; a segunda, por definição, não depende das eventuaismudanças de governos e de suas respectivas orientações políticas.Extinção, cria-ção ou modificações de direitos sociais implicam mudanças na Constituição, oque demanda uma operação política bem mais complexa e difícil, com propo-sição e aprovação de emendas constitucionais.

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Quadro 5.1

Política sociais de Estado

Entre as políticas sociais de Estado existentes noBrasil, destacam-se as seguintes: “Re-gime Geral da Previdência Social (RGPS), Sistema Único de Saúde (SUS), seguro-de-semprego, ensino fundamental, Benefícios de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgâ-nica da Assistência Social (LOAS) etc. – que gozamda proteção e da segurança jurídicacontra cortes orçamentários. Essas políticas contam com recursos vinculados de im-postos e das contribuições sociais e têm no princípio do saláriomínimo como piso dosbenefícios umabarreira protetora contra a tesoura dos cortes de gastos, para gerar o su-perávit fiscal acertado com o FMI.”

Fonte: IPEA, 2007, p. 32.

Para situar claramente o conteúdo da política social do governo Lula, discu-te-se, inicialmente, a natureza e as principais características dos pontos de vistadominantes no debate sobre as desigualdades e a pobreza estruturais que mar-cam a sociedade brasileira. Fundamentam as políticas sociais focalizadas, e a par-tir deles são elaborados os programas de combate à pobreza do tipo Bolsa Família.

A seção 1 mostra a escolha teórico-metodológica feita por essa visão, desta-cando-se o que não é explicitamente assumido: ela restringe o tratamento e aanálise das desigualdades de renda e da pobreza, assim como as políticas públi-cas recomendadas para enfrentar esses problemas, ao âmbito das classes trabalha-doras e de seus rendimentos. Assim, desconsidera os rendimentos do capital edeixa de fora as causas estruturais dos fenômenos, ambos localizados no âmagodas relações entre as classes sociais.

A seção 2 aponta o Banco Mundial como a instituição que criou e difundiuo conceito restrito de pobreza, atualmente adotado em nível internacional, bemcomo as propostas de adoção de políticas sociais focalizadas; discute-se, em par-ticular, um documento recentemente elaborado por técnicos dessa instituiçãoque defendem a existência de uma relação de causalidade biunívoca entre cres-cimento econômico e pobreza.

A seção 3 propõe uma síntese do debate sobre políticas sociais universais e po-líticas sociais focalizadas, de modo a evidenciar a lógica perversa das políticas fo-calizadas.

A seção 4 apresenta e discute a política social do governo Lula, destacando-se sua estreita relação e compatibilidade com a política econômica. Ela aparece

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como a contraface do ajuste fiscal, isto é, dos elevados superávits primários de-finidos desde o segundo governo Cardoso e mantidos no governo Lula, commetas ainda mais elevadas.

A seção 5 examina criticamente o programa Bolsa Família, eixo principal dapolítica social do governo Lula. É uma política assistencialista, com grande po-tencial clientelista.

Finalmente, a última seção apresenta a síntese das principais conclusões e des-taca o caráter flexível e volátil da política social do governo Lula. Fica clara a suaarticulação com o processo de precarização do trabalho e a sua adaptação à “viaúnica” do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

1. Concepção hegemônicaA concepção hegemônica no atual debate sobre as desigualdades econômico-sociais presentes na sociedade brasileira – que tem por objeto, entre outros, adistribuição (pessoal/familiar) de renda, a pobreza, os pobres e as políticas so-ciais (focalizadas) de combate à pobreza – embute inúmeras armadilhas teó-ricas, conceituais e políticas. O problema das desigualdades sai do âmbito darelação entre o capital e o trabalho – característica essencial da sociedade ca-pitalista – para o âmbito exclusivo (interno) da classe trabalhadora e suas di-ferenças. Essa escolha teórico-metodológica não é explicitada de forma clarae transparente.

As principais características e a lógica dessa concepção hegemônica podem seridentificadas nos seguintes pontos e aspectos do problema,ou que estão a ele re-lacionados:

1. Desconsidera as razões e os mecanismos estruturais, mais profundos, que(re)produzem as desigualdades – associados à estrutura de propriedade e de po-der, característicos da sociedade brasileira, bem como à estrutura e dinâmica domodelo de desenvolvimento capitalista em vigor e à política econômica a ele as-sociado. Assim, transforma a pobreza em uma variável exógena aos mecanismoseconômico-sociais que moldam as relações entre as classes sociais. Remete suaexplicação para o âmbito das famílias e dos indivíduos – procurando identificaros eventuais atributos que diferenciam as famílias (e os indivíduos) pobres das fa-mílias (e dos indivíduos) não-pobres.

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2. Essa concepção apresenta razões explicativas mais aparentes e imediatas. En-tre indivíduos e famílias, é desigual a distribuição do estoque de “capital huma-no” existente: educação, saúde, instrução, escolaridade, qualificação.Também édesigual a capacidade dos indivíduos e famílias em adquiri-lo. Em suma, a desi-gualdade e a pobreza decorrem, fundamentalmente, do maior ou menor acessoà educação e à saúde.No limite, chega-se ao seguinte argumento tautológico: asfamílias e indivíduos pobres estão na situação de pobreza porque não têm “ca-pital humano”; nessa situação, não têm capacidade ou estímulo em investir paraobter esse capital; logo, permanecerão na pobreza.Além da operação político-ideológica contida no conceito (antigo) de “capital humano”, essa perspectivateórica transforma uma correlação estatística (baixa escolaridade versus pobreza)numa relação de causalidade,na qual, num primeiro momento, a escolaridade as-sume a condição de variável independente (explicativa) e a pobreza a de variá-vel dependente (explicada). Em seguida, a causalidade se inverte, constituindo-se uma espécie de círculo vicioso da pobreza. Ele só poderá ser rompido com aspolíticas focalizadas de transferência de renda, condicionadas a ações e iniciati-vas, por parte das famílias, relacionadas à educação dos filhos e aos cuidados coma saúde, entre outras.

3.A identificação das desigualdades, da pobreza absoluta e dos pobres se faz a par-tir de informações sobre os indivíduos e as famílias. Elas são fornecidas por pes-quisas domiciliares que obtêm, fundamentalmente, dados sobre os rendimentosdo trabalho e as transferências da Previdência e da assistência social. Portanto,deixam de fora os rendimentos do capital, principalmente os obtidos no âmbi-to financeiro. Com isso, as análises da distribuição pessoal/familiar da renda di-zem respeito, essencialmente, às desigualdades existentes entre os trabalhadores,que passam a ser classificados como muito pobres, pobres, não pobres e ricos (ouprivilegiados), segundo os seus níveis de renda pessoal ou familiar.

4. Ao se restringir as desigualdades ao âmbito dos rendimentos do trabalho, abusca de menor desigualdade (pelas políticas públicas) se restringe à redução dasdisparidades salariais e de outros rendimentos do trabalho,deixando de fora qual-quer reforma que afete a distribuição da propriedade fundiária (rural e urbana),bem como a estrutura e o funcionamento do sistema financeiro.Ainda mais gra-ve: a redução das desigualdades é sempre pensada a partir de um “nivelamento

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por baixo”, pois os segmentos da chamada classe média são identificados comoricos e privilegiados. Daí a crítica e a desqualificação do ensino superior públi-co, das aposentadorias – em especial dos trabalhadores do setor público, mastambém, até mesmo,das aposentadorias dos trabalhadores rurais –, do seguro-de-semprego (que só oferece cobertura aos trabalhadores assalariados com carteiraassinada) e, mesmo, dos benefícios sociais dirigidos aos idosos – que, segundoessa perspectiva, estariam tirando recursos das crianças! A importância da apo-sentadoria rural é destacada no Quadro 5.2.

Quadro 5.2

Importância da aposentadoria rural

A crítica à aposentadoria rural ignora a sua dupla importância:

1. Como fonte de renda, sustento e sobrevivência de milhares de famílias no sentidoamplo desse conceito, isto é, considerando-se laços de parentescomais amplos do queos estabelecidos entre pais e filhos – o que implica, em geral, um grande número demembros (sem ocupação produtiva regular) e a presença significativa de crianças nasua composição.

2. Como principal fonte de renda de centenas de municípios, principalmente na regiãoNordeste do país, propiciando estímulos e efeitos multiplicadores para as frágeis ativi-dades econômicas desses municípios – evitando, assim, o aumento da migração paraos grandes centros urbanos, nos quais a oferta dos serviços públicos é, reconhecida-mente, insuficiente.

5.As políticas públicas mais adequadas, eficientes e equânimes – as que têm por al-vo as famílias e os indivíduos mais necessitados – seriam os programas sociais fo-calizados, dirigidos aos mais pobres entre os pobres. Estes, por sua vez, são identi-ficados por linhas de pobreza que subestimam as necessidades mínimas de sobre-vivência de uma família – reduzindo,dessa forma,o número real de famílias pobrese, conseqüentemente, o montante total dos valores a serem transferidos a cada fa-mília e ao conjunto delas.No Brasil, em 2005, segundo a PNAD,101,7 milhões depessoas tinham renda domiciliar mensal per capita inferior a um salário mínimo(57,3% do total da população do país), formando um enorme contingente em si-

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tuação de vulnerabilidade social.No entanto, o número total de pobres (incluindoos indigentes), identificados a partir da linha de pobreza utilizada (1/2 salário mí-nimo), se situava em 53,9 milhões de indivíduos (30,1% da população).

Com a extinção de direitos, as políticas sociais universais, que exigem volumemaior de recursos, são substituídas por políticas sociais focalizadas, que exigem re-cursos relativamente pequenos. O objetivo dessa operação é liberar mais recur-sos financeiros para obter superávits fiscais primários e pagar juros da dívida pú-blica. Sobre o debate universalização versus focalização, ver o Quadro 5.3.

Quadro 5.3

Universalização versus focalização

Segundo estudo recente do IPEA (2007) : “O conjunto das políticas sociais vive há anossob forte embate entre duas correntes, que envolvem orientações teórico-metodológi-cas e ideológicas distintas. De um lado, reconhece-se o aumento da cobertura e do per-fil redistributivo da política social, desde que os dispositivos infraconstitucionais da Car-ta de1988começaramaser implementados; de outro, são atribuídas às políticas sociaise ao gasto público ali comprometido as causas de inúmeros males da economia brasi-leira, desde a pífia performance econômica da última década até o aumento da cargatributária e do custo-Brasil.” (p. 7)

O curioso é que essa tensão entre duas visões sobre a política social no Brasil – uni-versalização versus focalização – também pode ser detectada no interior das própriasanálises e avaliações feitas nesse estudo. Não obstante, o estudo conclui: “Em termosgerais, para o enfrentamento dos desafios sociais brasileiros reconhece-se que a uni-versalização das políticas sociais é a estratégia mais indicada, uma vez que, num con-texto de desigualdades extremas, a universalização possui a virtude de combinar osmaiores impactos redistributivos do gasto com os menores efeitos estigmatizadoresque advêmde práticas focalizadas de ação social. Alémdisso, a universalização é a es-tratégia condizente com os chamados direitos amplos e irrestritos de cidadania social,uma idéia que estámuito alémdodiscurso reducionista e conservador sobre a pobreza”(p. 23-24).

Fonte: IPEA, 2007. Políticas Sociais – acompanhamento e análise, n. 13, edição especial.

6.A desqualificação da universidade pública se faz pela afirmação de que os ri-cos estudam nela, enquanto os pobres vão para as universidades privadas, que

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são de pior qualidade e cobram mensalidades.Aqui, como se pode ver, o con-ceito de pobre se alarga – por conveniência ou oportunismo –, pois é óbvio queos indivíduos qualificados como pobres e que são objeto das políticas focaliza-das de transferência de renda não conseguem, em geral, nem mesmo concluir oprimeiro grau.Portanto,nunca serão encontrados em qualquer universidade, pú-blica ou privada. Em contrapartida, identifica-se aqui uma fração da classe mé-dia como integrante do grupo dos “ricos”, pois é ela que se encontra,majorita-riamente, na universidade – pública ou privada.Assim, o número de indivíduose famílias pobres é, ao mesmo tempo, grosseiramente subestimado, quando setrata de transferir renda de forma focalizada, e grosseiramente superestimado,quando o objetivo é desqualificar a universidade pública.

7. Com relação a esse último ponto, cabe um esclarecimento crucial:mesmo quese admitissem como adequados esses conceitos de rico e pobre, todas as pesqui-sas mostram que a distinção de nível de renda entre os estudantes universitáriosse expressa, sobretudo, não no corte público/privado,mas sim no que distingueos cursos entre os de maior e menor prestígio: de um lado,medicina, odontolo-gia, arquitetura e direito, mais caros; de outro, por exemplo, licenciaturas emciência, filosofia e história,mais baratos.A principal razão disso é a qualidade di-ferenciada das escolas de segundo grau: as melhores particulares, com muito maisrecursos e qualidade, quando comparadas às escolas públicas e às particulares maisprecárias, possibilitam o acesso aos cursos de maior prestígio.

8.Dessa concepção decorre a proposta de cobrança de mensalidades para os es-tudantes das universidades públicas, de modo a, teoricamente, redirecionar osrecursos públicos para o primeiro e o segundo graus.Ao mesmo tempo,propõe-se o financiamento às universidades privadas, tal como foi adotado pelo gover-no Lula com o Prouni.Os governos Cardoso estimularam o surgimento e a pro-liferação de faculdades e universidades privadas, que se expandiram sem consi-derar adequadamente a demanda pelas vagas que estavam sendo criadas. Issoresultou numa super-oferta de vagas, com elevada capacidade ociosa nesses es-tabelecimentos. Como resposta a esse problema das instituições privadas, o go-verno Lula passou a financiar o preenchimento das vagas ociosas por estudantescom menor renda, com renúncia fiscal dos tributos devidos por essas instituições,como mostra o Quadro 5.4.

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Quadro 5.4

Prouni

“Enquanto o número de concluintes no ensino médio passou de 1,54 milhão (1998)para 1,86 milhão (2005), as vagas oferecidas no ensino superior, no mesmo período,evoluíram de 0,78 milhão para 2,44 milhões – a maior parte criada no ensino privado.Portanto, um excedente de quase 600 mil vagas; por isso, atualmente, nem que oProuni seja estendido a todos os concluintes se resolverá o problema do capital priva-do, isto é, a grande capacidade ociosa existente. Adicionalmente, das 108,6 mil bolsasoferecidas pelo Prouni, no primeiro semestre de 2007, 10,6% não foram utilizadas – emsuamaioria, bolsas parciais, que cobrem apenas uma parte damensalidade.”

Fonte: Folha de São Paulo. « Prouni tem sobra de 10,6% das vagas ». Caderno Cotidiano, 10 demaio de 2007.

Em suma, o debate sobre as desigualdades, circunscrito a esse paradigma, ca-mufla as causas reais (estruturais) da pobreza; ignora a existência (e o conceito)de classes sociais e suas expressões na realidade brasileira; esconde a responsabi-lidade da estrutura de propriedade e do sistema financeiro na (re)produção des-sas desigualdades; desconsidera a distribuição funcional da renda, que remete àsclasses sociais, e cunha conceitos inapropriados e irreais de ricos (relativos) e po-bres, como mostra o Quadro 5.5; confunde a classe média (visível, física e esta-tisticamente) com os ricos e esconde os ricos verdadeiros (invisíveis, física eestatisticamente); de forma esdrúxula, divide os trabalhadores em ricos (privile-giados) e pobres; considera a distribuição de renda apenas no âmbito dos rendi-mentos do trabalho; ataca os direitos sociais e as políticas universais; e legitima atransferência de recursos do Orçamento, em montante crescente, para o paga-mento dos juros e do serviço da dívida pública ao capital financeiro.

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Quadro 5.5

Conceitos inapropriados de ricos

Por exemplo, os ricos são identificados a partir de uma “linha de riqueza” definida por umarenda mensal familiar per capita de R$ 2.170,00 (Medeiros, 2004) e os pobres (e indi-gentes) a partir de uma “linha de pobreza” (indigência) determinada pela renda mensalfamiliar per capita de 1/2 ou 1/4 saláriomínimo, ou alguma outra referência semelhante.Como fica claro adiante, ainda neste capítulo, a definição de linhas de pobreza com valo-res bastante reduzidos decorre do próprio objetivo (principal) das políticas sociais foca-lizadas, isto é, reduzir os valores dessa modalidade de gasto público. Daí a necessidadede reduzir o seu público-alvo. Sobre os “verdadeiros ricos”, ver Campos et al (2003).

2. Contra-reforma liberalA origem da concepção hegemônica no debate sobre as desigualdades e a po-breza no Brasil pode ser encontrada em documentos e relatórios do Banco Mun-dial, nos quais se propõe a adoção de políticas sociais focalizadas.

Mais recentemente, um estudo do Banco Mundial (2006) sintetiza e atualiza anatureza e o conteúdo dessa política social que se articula, de forma complemen-tar, às contra-reformas liberais.As desigualdades sociais e a pobreza são cuidado-samente desvinculadas do modelo de desenvolvimento econômico implementa-do, sistematicamente, a partir da década de 1980 em toda a América Latina.Aomesmo tempo, a pobreza torna-se uma das causas fundamentais do baixo cresci-mento econômico – que dificulta e, no limite, impede a redução da pobreza.

A lógica dessa bizarra construção teórico-empírica usa como ponto de par-tida uma constatação factual: o baixo crescimento das economias da AméricaLatina – tendo como corte temporal a segunda metade do século XX – e o seuefeito deletério sobre as desigualdades sociais e a pobreza na região. Compara-tivamente aos países asiáticos, que têm obtido elevadas taxas de crescimento, a po-breza tem se reduzido de forma muito lenta em nosso continente. Portanto, osucesso maior ou menor dos paises, na redução da pobreza, dependeria, em pri-meira instância, do tamanho e da estabilidade das taxas de crescimento.

Esse ponto de partida empírico apresenta dois problemas. Em primeiro lugar,o corte temporal utilizado (e não justificado) para toda a América Latina – se-gunda metade do século XX – não é ingênuo ou casual.Ao misturar períodos

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históricos claramente distintos do ponto de vista do desenvolvimento capitalis-ta, tanto no plano mundial (a Era Fordista versus a Era Liberal) quanto na Amé-rica Latina, e englobar todos os paises da região numa mesma situação, apagam-se os desempenhos marcadamente diferentes de dois modelos de desenvolvi-mento. De um lado, o modelo de substituição de importações vigente entre1930 e 1980 nos principais paises da região (Brasil,México eArgentina) e, de ou-tro, o modelo liberal periférico implementado e consolidado nos últimos 25anos.O que é uma característica do segundo modelo – taxas de crescimento di-minutas e voláteis –, aparece, errada e desonestamente, como característica tam-bém do modelo de substituição de importações, que produziu taxas de cresci-mento muito elevadas (da ordem de 7% ao ano entre 1940 e 1980) e relativa-mente estáveis até o final da década de 1970. Essa operação, para blindar dascriticas o modelo liberal periférico, se completa quando a pobreza se torna res-ponsável pelo baixo crescimento econômico.

Essa mesma operação também esconde as diferenças fundamentais existentesentre o modelo liberal periférico e o modelo de desenvolvimento dos paisesasiáticos, que lhes têm permitido obter taxas de crescimento muito elevadas e es-táveis e, por conseqüência, reduzir a pobreza. É como se os países asiáticos tam-bém tivessem seguido as políticas liberais e as recomendações das instituiçõesmultilaterais, só que com maior competência e presteza – o que, como se sabe,não ocorreu.Ao contrário, esses países adotaram, sistematicamente, políticas in-dustriais, tecnológicas e comerciais que, em geral, são condenadas pelas institui-ções internacionais (Palma, 2006).

A partir da identificação de taxas de crescimento diferentes na Ásia e na Amé-rica Latina – e sem se perguntar ou argumentar sobre as possíveis razões desse fa-to –, o estudo do Banco Mundial afirma a tese de que existiria também uma se-gunda causalidade (inversa) entre crescimento e pobreza, tão ou mais importanteque a primeira: a pobreza seria um elemento determinante do baixo crescimen-to das economias latino-americanas. Haveria, pois, um círculo vicioso: o baixocrescimento impediria a redução da pobreza e esta, por sua vez, seria um obstá-culo a um crescimento sustentado e mais elevado.Além disso, como as políticas (li-berais) de crescimento tenderiam a apresentar resultados satisfatórios apenas nolongo prazo – podendo até mesmo ter impacto negativo sobre a pobreza no cur-to prazo –, os governos deveriam se voltar para o combate à pobreza como estra-tégia complementar para obter maiores taxas de crescimento econômico.

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Ao transformar a pobreza numa variável exógena à estrutura e à dinâmica doprocesso de acumulação capitalista específico da região, omitindo as responsabi-lidades das reformas e das políticas econômicas liberais na (re)produção da po-breza e no diminuto crescimento econômico, esse relatório recente do BancoMundial elege a redução da pobreza como condição para se obter taxas de cres-cimento mais elevadas – juntamente com a ampliação do “livre comércio” e oaprofundamento permanente das reformas liberais, em especial a continuaçãodo processo de desregulação das várias instâncias da sociedade e da economia.

Além de um mal em si mesma, a pobreza seria responsável pela sua própriaperpetuação por causa do seu efeito negativo sobre as taxas de crescimento; nolimite, é um argumento tautológico, pois a pobreza se autodetermina. Essa no-va formulação consegue vincular, explicitamente e de forma orgânica, o mode-lo liberal periférico (e suas políticas econômicas) e as políticas (focalizadas) decombate à pobreza: o crescimento econômico e a redução das desigualdades eda pobreza resultariam da implementação e do aprofundamento de ambos.

Prosseguindo na argumentação,o estudo afirma que a razão mais geral que fa-ria da pobreza um obstáculo para os países alcançarem um crescimento econô-mico mais vigoroso é o fato de os pobres não conseguirem (ou não poderem)participar adequadamente do mercado – seja como empregados (por causa dabaixa qualificação, que implica desemprego e reduzidas remunerações), seja co-mo empreendedores no mercado de bens e serviços (em virtude da inacessibi-lidade aos mecanismos de crédito e da baixa produtividade), ou mesmo comoconsumidores (por falta de renda). Em todas essas dimensões, a pobreza desesti-mularia e reduziria o potencial de investimento da economia, impedindo maio-res taxas maiores de crescimento.

Para além da constatação acaciana (os pobres não participam, ou participammuito limitadamente, do mercado), o que salta à vista é uma completa inversãoda cadeia de causalidades.O baixo nível de demanda efetiva, em virtude de bai-xas taxas de investimento produtivo e reduzidos gastos públicos – que limitamas taxas de crescimento do produto, do emprego e da renda e dificultam a re-dução da pobreza –, seria explicado pela parcela da população que está (quase)excluída do mercado.Desse modo, a pobreza – que, na verdade, é (re)produzidapelo “livre” funcionamento do mercado e a estrutura de propriedade existente– passaria a ser a responsável pelo baixo dinamismo do mercado e a existênciade baixas taxas de crescimento.

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Segundo o relatório, o motivo essencial que impediria os pobres de partici-parem do mercado é o mesmo que os coloca na condição de pobres: a baixa es-colaridade ou a escolaridade de péssima qualidade. Uma baixa acumulação de“capital humano” (educação e saúde, principalmente) torna o indivíduo pobre,impedindo-o de participar do mercado.A pobreza, por sua vez, tende a se per-petuar, pois as famílias pobres não conseguem investir em educação e elevar oseu “capital humano”.A natureza regressiva dos sistemas fiscais de transferênciade renda naAmérica Latina constituiria um segundo fator fundamental para ex-plicar a desigualdade e a pobreza na região.

Embora esse estudo inove em relação aos anteriores – pois responsabiliza a po-breza pelas reduzidas taxas de crescimento econômico dos paises daAmérica La-tina, reduzindo ou escamoteando a responsabilidade do modelo liberal perifé-rico –, ele mantém o mesmo enfoque para explicar a origem, a reprodução e aperpetuação da pobreza. Esta decorreria, fundamentalmente, do reduzido acú-mulo de “capital humano” por parte dos pobres, especialmente pelo seu baixonível de escolaridade. Estamos diante de um círculo vicioso: a baixa escolarida-de produz os pobres e a pobreza; esta, por sua vez, impede um maior nível de es-colaridade. Por meio desse raciocínio circular, que transforma uma correlaçãoempiricamente observável – baixa escolaridade versus pobreza – em uma relaçãode causalidade, a estrutura de propriedade e a natureza do modelo econômicoexistentes não têm importância para explicar a criação e reprodução das desi-gualdades sociais e da pobreza.

Segundo o estudo, para reduzir a pobreza e permitir maiores taxas de cres-cimento, seria preciso aumentar o investimento nos pobres, direcionando osescassos recursos fiscais existentes para programas de transferência de rendafocalizados e condicionados: a família beneficiada é obrigada a manter os fi-lhos na escola e a ter/buscar os cuidados básicos com a saúde. Isso aumenta-ria a renda das regiões pobres, compensaria a limitação de acesso dos pobresao crédito e estimularia a formação de “capital humano” nas famílias pobres.Para mobilizar os recursos públicos necessários, seria fundamental enfrentar osegundo motivo de perpetuação e reprodução da pobreza: nos diversos paísesda América Latina, em geral, existiriam cargas tributárias reduzidas, além deum gasto publico ineficiente e mal focalizado, direcionado para parcelas dapopulação não necessitadas, em detrimento dos segmentos mais pobres da po-pulação.

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Essa segunda explicação para a existência da pobreza, bem como a soluçãoproposta para reduzi-la – fundamentalmente, programas focalizados de transfe-rência de renda – não deixa margem a dúvidas: estamos diante de uma políticasocial que nega radicalmente aquela concebida e implementada a partir da dé-cada de 1930 com a formação do Estado de Bem-Estar Social nos principaispaíses desenvolvidos. O objetivo principal das políticas sociais focalizadas, inde-pendentemente do discurso político utilizado, não é complementar as políticassociais universais, e sim substituí-las – economizando recursos para pagar a dí-vida pública.

3. Universalização versus focalizaçãoNesta seção ressalta-se a historicidade das políticas sociais, distinguindo-se as po-líticas universais, estabelecidas pelos Estados de Bem-Estar Social, das políticas fo-calizadas de combate à pobreza, associadas às reformas liberais e recomendadaspelo Banco Mundial.

A origem e a motivação das políticas sociais datam do século XIX, quando ahegemonia do capitalismo industrial e as revoluções burguesas criaram uma acir-rada disputa entre o campo dos direitos políticos (cidadãos livres e iguais) e ocampo do mercado e da economia liberal (sustentado no direito de proprieda-de e na relação de exploração ilimitada do trabalho assalariado).Do ponto de vis-ta da ideologia liberal, a sociedade é produto de escolhas e responsabilidades in-dividuais, a partir das quais se estabelecem acordos e contratos.No entanto, des-de os primórdios do capitalismo, as lutas operárias expuseram as condiçõesprecárias de trabalho, resultantes da relação desigual entre os indivíduos e de-correntes da subordinação e da intensa exploração dos trabalhadores, que aospoucos foram conquistando algum tipo de amparo legal e estatal com a legisla-ção fabril, ainda que esta tenha sido sistematicamente desrespeitada, na prática,pelos empresários.

A “invenção do social” (Donzelot, 1994) ou a (metamorfose da) “questão so-cial” (Castel, 1995) demonstram a realidade e a necessidade históricas do“social”,no sentido de criar uma política ou uma ação para definir limites, regular e es-tabelecer direitos sociais, a fim de reduzir a voracidade do capitalismo e da“mãolivre do mercado”.O reconhecimento de que existe a questão social é necessá-rio para preservar a sociedade.Torna-se necessário constituir uma “autoridade

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pública”, no âmbito do Estado, que garanta a sobrevivência da sociedade e deseus cidadãos, a começar pelo direito ao trabalho e ao emprego, assim como àsdemais necessidades para se viver socialmente. Nessa ameaça iminente de esfa-celamento da sociedade está a origem dos serviços públicos e das instituiçõescapazes de desempenhar o papel de mediadoras, limitando a dominação do ca-pital sobre o trabalho e, conseqüentemente, reduzindo a assimetria dessas forçasno mercado (Offe e Heinrich, 1989).

A partir da década de 1930, e principalmente depois da Segunda GuerraMundial, os países mais desenvolvidos da Europa viveram uma experiência quese tornou referência para todo o mundo. Constituiu-se o Estado de Bem-EstarSocial, resultado de um pacto entre as organizações políticas e sindicais dos tra-balhadores (a socialdemocracia) e os capitalistas.Tal pacto se sustentou, de um la-do, na melhor distribuição da renda e dos ganhos de produtividade e, de outro,na aceitação da ordem do capital.Demonstrou-se a possibilidade de implemen-tar políticas sociais como instrumento de regulação do mercado, estabelecendo-se um conjunto de direitos sociais universais (emprego, moradia, educação, saú-de, transporte etc.) reivindicados pelos trabalhadores e garantidos pelo Estado, demodo a tornar o capitalismo menos devastador.

Contra essa experiência das políticas sociais universais, garantidas pelo Estadode Bem-Estar Social, surgem as primeiras iniciativas de cunho neoliberal, em1947, na reunião de Mont Pèlerin (Anderson, 1995) – que negam o “social” re-conhecido e regulado pelo Estado e propõem a sociedade livremente regulada pe-lo mercado e pelas escolhas e iniciativas dos indivíduos. Durante quase quarentaanos essa proposta não teve forças para se contrapor às políticas de bem-estar so-cial. Mesmo nos países da periferia, em especial naAmérica Latina, as políticas so-ciais universais inspiraram os modelos adotados, como no caso brasileiro, com opopulismo getulista e do Estado corporativo, resultando no que alguns autores de-nominam de “fordismo periférico ou incompleto” (Lipietz, 1988).

A partir da década de 1980, nos países desenvolvidos, e da de 1990, no casodo Brasil, o neoliberalismo se impõe e consegue tornar-se hegemônico em âm-bito mundial. Embora com diferentes fisionomias e configurações em cada re-gião ou país, as políticas têm em comum alguns valores centrais retomados doliberalismo, em especial a ação dirigida para a “destituição do social” (Ivo, 2001),ou seja, a política de destruição dos direitos sociais conquistados pelas lutas dostrabalhadores, incluindo aquele mais elementar, o direito ao emprego.As políti-

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cas sociais perdem apoio.A universalidade do acesso aos serviços públicos dimi-nui nos países centrais, levando ao enfraquecimento dos Estados de Bem-EstarSocial na Europa.

Nos países da América Latina, nos quais não se estabeleceram plenamente aspolíticas sociais universais e nem mesmo a“cidadania do fordismo” (Mota, 1991),as diretrizes do Banco Mundial passaram a ser respeitadas, defendidas e aplica-das, colocando as “políticas de combate à pobreza” no lugar dos poucos direitossociais conquistados.Nesse contexto implementam-se as chamadas políticas fo-calizadas, cuja lógica perversa é sintetizada no Quadro 5.6.

Quadro 5.6

Políticas focalizadas: a lógica perversa

“No âmbito do tratamento da ‘questão social’, retira-se o caráter universalista dos di-reitos, especialmente aqueles securitários, para uma política que se orienta gradativa-mente para umaavaliação dos atributos pessoais (osmais aptos, os realmente pobres,os mais pobres entre os pobres) e morais (aqueles que “devem” receber a assistên-cia). Por outro lado, o caráter fragmentado da incorporação de diferentes segmentosdas classes trabalhadoras ao sistema (baseado num sistema de direitos, restrito à ca-mada assalariada) gerou uma reconversão perversa de benefícios-obrigações em pri-vilégios. Hoje, o que é dever de proteção do Estado (para todos) converte-se, suposta-mente e de forma perversa, em indivíduos perversos, imorais diante do sistema, res-ponsáveis pela miséria dos outros. Os limites dessa política fundamentam-se no níveldo desenvolvimento de cada comunidade e país (reconhecendo-se a desigualdade notratamento e segmentando-se a política) e a noção de responsabilidademoral e ética deerradicação da pobreza converte-se na adequação e ajuste da distribuição dos benefí-cios às contas e gastos públicos nacionais. Assim, tecnifica-se a questão social, quepassa a se constituir emprogramas subordinados aos gastos públicos e sociais, ou se-ja, à solução da crise fiscal, dependente, portanto, dos fluxos de capital para pagamen-to da dívida, num quadro de redução dos gastos sociais (se comparados ao patamardas décadas anteriores).”

Fonte: Ivo (2001), p. 67-68.

A política social focalizada de combate à pobreza nasce e se articula intima-mente com as reformas liberais e tem por função compensar, de forma parcial e

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muito limitada, os estragos socioeconômicos promovidos pelo modelo liberalperiférico e suas políticas econômicas – baixo crescimento, pobreza, elevadas ta-xas de desemprego,baixos rendimentos, enfim,um processo generalizado de pre-carização do trabalho.Trata-se de uma política social apoiada num conceito depobreza restrito, que reduz o número real de pobres, suas necessidades e o mon-tante de recursos públicos a serem gastos. Ela procura se adequar ao permanen-te ajuste fiscal a que se submetem os paises periféricos, por exigência do FMI edo capital financeiro (os “mercados”), para garantir o pagamento das dívidas pú-blicas. Essa política social é a contraface dos superávits fiscais primários.

A política focalizada é de natureza mercantil. Concebe a redução da pobrezacomo um “bom negócio” e transforma o cidadão portador de direitos e deve-res sociais em um consumidor tutelado, por meio da transferência direta de ren-da. A escolha dos participantes desses programas subordina-se a critérios “técni-cos” definidos ad hoc, a depender do governo de plantão e do tamanho do ajus-te fiscal, numa operação ideológica de despolitização do conflito distributivo.

Formula-se uma política social que, por sua origem e natureza, nega os direi-tos e as políticas sociais universais. Ela se baseia em um discurso que ataca dire-tamente a seguridade e a assistência social públicas – aposentadorias, pensões, se-guro desemprego etc. –, bem como a universidade pública e as políticas de sub-sídios ao consumo de bens básicos, como no caso da energia elétrica.

A política focalizada divide os trabalhadores em categorias: miseráveis, maispobres, pobres, não pobres e privilegiados – estes últimos identificados como osque têm acesso à seguridade social incompleta e limitada, própria dos paises daperiferia do capitalismo, em particular da América Latina. É uma política socialque limita o conflito distributivo à base da pirâmide social e é compatível como empobrecimento e a redução das chamadas classes médias, bem como com oprocesso de polarização das desigualdades na distribuição de renda (Salama,2006)– produtos do período de vigência do modelo liberal periférico.

Enfim, trata-se de uma política social que desloca a disputa entre capital e tra-balho, própria das sociedades capitalistas, para o âmbito interno da classe traba-lhadora, transformando-a num conflito distributivo que opõe os seus vários es-tratos: assalariados com rendimentos mais elevados versus assalariados com ren-dimentos mais reduzidos, trabalhadores qualificados versus não-qualificados,trabalhadores formais versus informais, participantes versus não participantes da se-guridade social, trabalhadores do setor público versus do setor privado etc. São cli-

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vagens, reais ou imaginárias, explicitadas ou criadas pelo capital, que fragmentama classe trabalhadora e estimulam a disputa entre os seus diversos segmentos.

4. Ajuste fiscal e política socialNesta seção analisam-se a natureza, o alcance e a limitação da política social dogoverno Lula, ressaltando-se a sua articulação com a política econômica liberal,em especial com a estratégia de ajuste fiscal permanente, realizado com a ob-tenção de crescentes e elevados superávits fiscais primários.

A grande desigualdade patrimonial e de renda e o elevado grau de pobrezaremetem, em sua origem mais longínqua, à formação econômico-social do Bra-sil, baseada na escravidão e no latifúndio. Permanentemente atualizada após aimplantação do trabalho assalariado, essa realidade sobreviveu a vários períodosda nossa história econômica e política. Chegou aos dias atuais sendo determi-nada, cada vez mais, pelo binômio propriedade fundiária-capital financeiro.

Nesse processo, a questão social, transformada em questão política a partir dadécada de 1930 pelo varguismo, se explicitou e se estruturou com as políticas tra-balhistas, tendo alcance limitado, pois permaneceu restrita a alguns segmentos detrabalhadores do setor urbano.Os trabalhadores rurais não foram sujeitos do pac-to populista e só vieram a se incorporar à seguridade social muitos anos depois.

Com o fim do regime militar e a elaboração da nova Constituição, numa dé-cada de vigor dos movimentos sociais e sindical – com a criação do Partido dosTrabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movi-mento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) –, reivindicações históricas dessesmovimentos foram colocados na Lei maior do país. Criou-se um estatuto legalpara instauração de uma seguridade social, de fato, universal.

Tal como concebida pela Constituição de 1988, a seguridade social passou a serconstituída por três sistemas: a Previdência Social (de natureza contributiva), a As-sistência Social (gratuita e direcionada à população sem capacidade de contribuir)e o Sistema Único de Saúde (gratuito) – além do seguro-desemprego, sob a res-ponsabilidade do Ministério do Trabalho e do Emprego.Adicionalmente, a Car-ta de 1988 previa a possibilidade de se criar um ministério único para toda a área,financiado por um orçamento próprio, independente do orçamento fiscal.

No entanto, não houve tempo para se avançar nessa direção. Com a vitória,implementação e consolidação do neoliberalismo a partir da década de 1990, a

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ampliação dos direitos inseridos na nova Constituição e, em seguida, todos os di-reitos passaram a ser questionados – sempre em nome de ajustes fiscais (déficitpúblico) e monetários (combate à inflação). Isso explica o ataque político-ideo-lógico sistemático à Constituição de 1988, levado adiante pelas classes domi-nantes, desqualificando-a como“populista”,“irresponsável” e“desfocada da rea-lidade econômico-financeira do Estado e do país” – com o patrocínio, nos últi-mos dezesseis anos, de inúmeras emendas que a desfiguraram paulatinamente.

Como vimos no capítulo 3, as reformas que moldaram o modelo liberal pe-riférico implicaram profundas transformações em algumas dimensões (inter-re-lacionadas) da estrutura econômico-social do país. Essas transformações tiveramimpacto decisivo na forma de compreender e tratar politicamente a questão so-cial nos seguintes aspectos fundamentais, entre outros:

1.A mudança na correlação de forças nas relações capital/trabalho, a favor do pri-meiro, passou a colocar em questão todos os direitos sociais e trabalhistas con-quistados pela classe trabalhadora desde a década de 1930 – em particular peloataque sistemático à Consolidação das Leis doTrabalho (CLT) e à Constituiçãode 1988.

2. A reconfiguração da relação entre as distintas frações do capital, que transfe-riu para o capital financeiro a liderança do processo de desenvolvimento e da di-nâmica macroeconômica, implicou um processo acelerado de concentração dosistema financeiro, cuja natureza parasitária, associada ao financiamento da divi-da pública, se acentuou. Essa nova hegemonia, ao determinar a natureza da po-lítica macroeconômica – em especial, a vigência de taxas de juros elevadas e a ob-tenção de elevados superávits fiscais primários – e pressionar o orçamento pú-blico, provoca questionamentos sobre a legitimidade dos gastos sociais, emespecial aqueles vinculados à seguridade social.

3.A redefinição da estrutura e do funcionamento do Estado, decorrente do pro-cesso de privatização e implementação de reformas liberais, junto com a lógicamacroeconômica do Plano Real, levou ao aprofundamento de sua fragilizaçãofinanceira.O crescimento vertiginoso da dívida pública implicou a perda da ca-pacidade de investimento e restringiu decisivamente as possibilidades de umaefetiva difusão das políticas sociais universais.

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4. O crescimento do desemprego estrutural e o aumento da precarização do tra-balho afetaram negativamente a capacidade de financiamento das políticas sociais,restringindo o montante arrecadado pela Previdência Social para o pagamentode aposentadorias, pensões e outros benefícios.

A partir da implementação do Plano Real, e ainda em sua fase preliminar nofinal de 1993, as políticas universais inscritas na Constituição sofreram um violentogolpe, com a criação de um mecanismo de desvinculação entre receitas e despe-sas, que passou a vigorar a partir de 1994.A partir daí, os sucessivos governos pas-saram a usar 20% do total de impostos e contribuições federais conforme as suasconveniências políticas.Os recursos originalmente previstos para a área social fo-ram reduzidos. Esse mecanismo, na época chamado de Fundo Social de Emer-gência (FSE),mais tarde foi rebatizado como Fundo de Estabilização Fiscal (FEF)e hoje é conhecido como Desvinculação de Receitas da União (DRU).Com su-cessivas medidas provisórias, todos os governos, inclusive o de Lula, renovaram avalidade desse mecanismo perverso. Segundo levantamento recente, 18% do totalda arrecadação da CPMF no período 1997-2006 foram desviados da saúde parao pagamento de juros da dívida pública, como mostra o Quadro 5.7.

Quadro 5.7

CPMF: Desvios da saúde para o pagamento de juros

“Criada para ajudar a financiar a saúde no país, a CPMF acabou se tornando mais umafonte de recursos do governo para o pagamento de juros da dívida pública. Nos últimosdez anos, nadamenos queR$33,5 bilhões da arrecadação da contribuição deixaramdeser aplicados em políticas sociais e ficaram no caixa do Tesouro para, entre outras coi-sas, fazer superávit primário, ou seja, economia para pagar juros.”

Segundo o estudo do SindicatoNacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), osrecursos desviados, via mecanismo da DRU, corresponderam a 18% do total da arreca-dação da CPMF no período 1997-2006.

Vale destacar que o desvio médio durante o governo Lula (19,0%) émaior que o desviomédio no período 1997-2002 (governo Cardoso), que foi de 16,5%.

Fontes: O Globo, 13 de junho de 2007, p. 23. http://www.unafisco.org.br

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Nesse contexto de ajuste fiscal permanente, colocado em prática a partir dosegundo governo Cardoso e mantido durante o governo Lula, a política socialtransformou-se em sinônimo de política social focalizada, voltada para os maispobres e miseráveis, com a criação de inúmeros programas de complementaçãode renda. Implementada de forma tímida nos governos Cardoso, essa orientaçãofoi ampliada e aprofundada pelo governo Lula, que lhe deu continuidade, sobaplausos do Banco Mundial.

De fato, essa política tem limites dados pelo modelo de desenvolvimento vi-gente. Articula-se funcionalmente a ele, como uma espécie de contraface da po-lítica macroeconômica ortodoxa baseada em enormes superávits fiscais primá-rios. A Tabela 5.1, referente à execução orçamentária do período 2000-2006,discrimina o total de gastos do governo federal e os agrupa, segundo a finalida-de, em três rubricas: encargos especiais (juros e serviços da dívida pública, trans-ferências, principalmente a estados e municípios, e outras despesas financeiras);gastos sociais totais (previdência e assistência social, educação, saúde, trabalho,cultura, desporto e lazer, habitação e saneamento); e outros (administração e pla-nejamento, desenvolvimento regional, defesa nacional e segurança pública, agri-cultura, transporte, energia recursos minerais, judiciário, legislativo etc.).

Tabela 5.1

Execução do Orçamento da União – 2000-2006

Orçamento realizado 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2000-06

Encargos especiais 42,4 45,5 45,3 46,8 43,8 42,5 49,8 45,2

Gastos sociais totais 43,8 41,2 40,7 41,9 44,4 45,3 39,4 42,4

Outros 13,8 13,3 13,9 11,3 11,8 12,3 10,8 12,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal. www.stn.fazenda.gov.br.

É evidente o constrangimento dos gastos sociais e de outros gastos, em virtu-de do enorme serviço e amortização da dívida pública e de outros encargos fi-nanceiros (encargos especiais): embora com variações ano a ano, a proporção degastos no Orçamento da União com encargos especiais ficou sempre acima de42% nesse período – dando-lhe uma característica única e garantindo, tambémna área dos gastos públicos, a unidade essencial entre os governos Cardoso e Lu-la. Em média, atingiu 45,2% ao ano, entre 2000 e 2006, sendo que no último ano

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do primeiro governo Lula chegou a quase 50%.A participação do montante dosserviços e da amortização da dívida pública – que constitui a maior parte dos en-cargos especiais – no total dos gastos da União cresceu de 26,23% em 2000 pa-ra 33,72% em 2006. Em sentido contrário, a participação dos gastos sociais caiu,no mesmo período, de 43,8% para 39,4%.

O casamento entre políticas econômicas ortodoxas e políticas focalizadas decombate à pobreza foi acompanhado pela redução relativa das já limitadas políti-cas universais.A Desvinculação de Receitas da União, que garante os elevados su-perávits fiscais primários, é o instrumento fundamental que assegura essa redução.

A lógica e o discurso são de que o Estado deve dirigir suas ações para os maispobres e miseráveis, estabelecendo-se uma linha de pobreza minimalista e em-purrando os demais para a contratação de serviços no mercado (saúde, educaçãoe previdência, principalmente). Na verdade, a classe média (inclusive parte dachamada classe média baixa) há tempos supre suas necessidades no mercado (emparticular com escolas e planos de saúde privados), sem usar os precários servi-ços ofertados pelo Estado.

Desse modo, liberam-se recursos financeiros para serem direcionados para opagamento da dívida pública, com a criação de elevados superávits fiscais primá-rios. Esses superávits, obtidos sistematicamente durante o segundo governo Car-doso e o governo Lula (conforme visto no capítulo 3), foram acompanhados deuma elevação da carga tributária em 8 pontos percentuais (de 29% para 37% doPIB). Em suma, há uma brutal transferência de renda do conjunto da sociedadepara o capital financeiro e os rentistas, em particular dos rendimentos do trabalhopara o capital em geral e dos rendimentos do“capital estritamente produtivo” (pe-quenos e médios) para os grandes grupos econômicos financeirizados.

Como vimos, a política focalizada implica maior fragmentação da classe traba-lhadora. Os que ainda têm emprego e acesso à seguridade social são consideradosprivilegiados e responsáveis pelo elevado grau de desigualdade existente no país.

Do ponto de vista social, essa política se articula com os processos de flexibi-lização e precarização do trabalho, com a ameaça e a retirada de direitos sociaise trabalhistas, em particular na saúde, educação e previdência social. Embora es-sas formas de combate à pobreza reduzam momentaneamente as carências daspopulações mais miseráveis, elas se inserem em uma lógica liberal e em um pro-grama político conservador e socialmente regressivo,próprios da nova fase do ca-pitalismo sob hegemonia do capital financeiro. Eventualmente, programas se-

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melhantes podem ser implementados em outro contexto, no interior de outromodelo econômico e com outro bloco de poder – com uma perspectiva clara-mente emergencial e complementar, junto com programas articulados com po-líticas estruturais. Nesse caso, embora dirigidos a uma parcela específica da so-ciedade, eles perderiam o caráter focalizado estrito, tal como concebidos em suaorigem liberal. Outra possibilidade é transformá-los em direito universal da ci-dadania, inscrito na Constituição, como uma modalidade de renda mínima semcondicionalidades e tendo como referência o salário mínimo; mas aí, evidente-mente, eles perderiam o caráter focalizado.

5. Bolsa FamíliaTambém na política social, o governo Lula aprofundou o modelo herdado dogoverno anterior, levando-o às últimas conseqüências.Tanto do ponto de vistados montantes transferidos quanto do número de famílias beneficiadas, os pro-gramas sociais focalizados assumiram uma dimensão nunca antes vista.

ATabela 5.2 apresenta as diversas áreas dos gastos sociais (despesas por função)no período 2000-2006, segundo as respectivas participações relativas na partesocial do Orçamento da União – excluindo-se os gastos com a Previdência So-cial, 45% dos quais são financiados por receitas provenientes do recolhimento detrabalhadores e empresas.

Tabela 5.2

Execução do orçamento (social) da União – 2000-2006

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Saúde 45,2 46,8 45,6 44,3 43,5 42,3 38,6

Educação 23,7 23,0 23,7 23,2 19,2 18,8 18,7

Assistência Social 9,9 10,5 11,7 13,7 18,3 18,3 20,5

Trabalho 13,9 14,7 15,2 15,5 14,1 14,7 15,8

Organização Agrária 2,4 2,6 2,5 2,3 3,5 4,2 4,0

Cultura 0,5 0,6 0,4 0,4 0,4 0,6 0,6

Desporto e Lazer 0,4 0,6 0,5 0,3 0,4 0,5 0,7

Habitação e Saneamento 3,9 1,2 0,4 0,3 0,8 0,8 1,2

Gastos sociais totais* 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal. www.stn.fazenda.gov.br.Nota: * Com exclusão da Previdência Social.

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Ao longo do período, saúde e educação perdem participação relativa no orça-mento social.O montante total dos gastos do Ministério da Educação (MEC) em2005 foi praticamente o mesmo de 1995: R$ 20,4 bilhões. No entanto, comoproporção do PIB, esse total declinou de 1,44% para 1,03%; nos dois primeirosanos do governo Lula, ele atingiu, respectivamente, 1,16% (2003) e 1,04% (2004)do PIB.Trajetória similar ocorreu com os gastos do Ministério da Saúde: de R$41,8 bilhões em 1995, reduziram-se para R$ 40,2 bilhões em 2005.Ao longo dogoverno Lula, esses gastos sofreram redução no primeiro ano (2003) e voltaram acrescer nos dois anos seguintes,mas sem ultrapassar os níveis de 1995, 1997 e 2001– todos acima de R$ 41 bilhões (IPEA, 2007, p. 141-149 e p. 185-187).

A partir de 2003 e 2004, a participação de habitação e saneamento e de or-ganização agrária aumentou no total de gastos sociais, mas todas ainda repre-sentam uma proporção muito diminuta do total. Em contrapartida, a participa-ção dos gastos com a Assistência Social, nos quais o programa Bolsa Família temparticipação importante,mais do que dobrou no período (de 9,9% para 20,5%).Além de expressar o aumento do valor dos benefícios obrigatórios – por causados aumentos do salário mínimo – e a redução da idade mínima de acesso paraos idosos a partir de 2004 (de 67 para 65 anos), essa evolução também eviden-cia a preocupação maior do governo Lula com a política social focalizada.Os re-cursos gastos com os programas que foram reunidos sob a denominação de Bol-sa Família cresceram mais de 150% no período:R$ 3,3 bilhões em 2003,R$ 5,9bilhões em 2004, R$ 6,6 bilhões em 2005 e R$ 8,2 bilhões em 2006.

Mais do que o governo Cardoso, que deu início a esse tipo de política, Lulalevou a sério a importância política e social dessas despesas, compreendendo suafunção amortecedora de tensões sociais no interior do projeto liberal. Este é oobjetivo essencial de um programa que não tem capacidade de desarmar os me-canismos estruturais de reprodução da pobreza.Apenas maneja a pobreza, poismantém em permanente estado de insegurança, indigência e dependência o seupúblico alvo, permitindo, assim, a sua manipulação política.

Estabelece-se uma relação política direta entre o presidente e o eleitor, semmediação de partidos ou outras instituições da democracia formal, uma carac-terística dos diversos tipos de populismo (Boito Jr, 2004; Marques e Mendes,2006). Não por acaso, as maiores votações em Lula nas eleições de 2006 foramnos estados em que há maior contingente, absoluto ou relativo, de beneficiadospelo programa Bolsa Família.

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Tal programa é o eixo principal da política social do governo Lula, como mos-tra o Quadro 5.8.Ele unificou os programas sociais focalizados já existentes no go-verno Cardoso (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio Gás) e o Cartão Ali-mentação (do Fome Zero) e tem como público potencial (já alcançado em 2006)11,2 milhões de famílias (53 milhões de pessoas) com renda per capita mensal deaté R$ 120,00 (no início, esse limite era de R$ 100,00).Aquelas consideradas ex-tremamente pobres, com renda mensal de até R$ 60,00 (anteriormente,R$ 50,00),podem participar do programa independentemente de sua composição. Por suavez, as famílias consideradas pobres, com renda mensal per capita entre R$ 60,01 eR$ 120,00 (anteriormente, entre R$ 50,01 e R$ 100,00), podem participar doprograma desde que tenham gestantes, nutrizes e dependentes entre zero e quin-ze anos.As do primeiro grupo, independentemente do número de filhos, recebemuma complementação de renda no valor de R$ 50,00 e as do segundo grupo novalor de R$ 15,00 por filho, até o máximo de R$ 45,00 (três filhos). Como as doprimeiro grupo podem acumular os dois tipos de benefício, os valores pagos pe-lo Bolsa Família variam de R$ 15,00 a R$ 95,00 (BRASIL, 2006a).

Quadro 5.8

Importância do Bolsa Família

A identificação do Programa Bolsa Família como o aspecto central da política social dogoverno Lula se deve a duas razões. Primeira: a preocupação aqui é com a política so-cial de governo – no caso, com as políticas que dependem de decisões do governo Lula–, e não comapolítica social de Estado. Esta última, apesar dos ataques e reformas im-plementadas a partir da década de 1990, vem conseguindo sobreviver a todos os go-vernos, inclusive ao de Lula, e ainda constitui a dimensãomais importante das políticassociais brasileiras, tanto em termos de abrangência e impactos quanto do volume derecursos mobilizados. Segunda razão: o Programa Bolsa Família, no conjunto das polí-ticas sociais de governo, vemassumindo importância cada vezmaior, tanto no que con-cerne à abrangência do público ao qual é destinado quanto aomontante de gastos rea-lizados. Além disso, o que émais importante, esse programa transformou-se numa ar-mapolítico-eleitoral e ideológica importantíssima, dando umaparente viés progressista(social) ao governo Lula, que serve para “compensar” a política econômica liberal-orto-doxa adotada e reforça o discurso conservador doBancoMundial sobre a pobreza, os po-bres e as políticas sociais focalizadas.

Para detalhes sobre o Bolsa Família, ver: http://www.mds.gov.br/programas/transferencia-de-renda/programa-bolsa-familia

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Em suma, cada família participante do programa recebe complementação derenda de acordo com a sua renda per capita e com o número de crianças quetem. Como se pode constatar, define-se a linha de pobreza a partir de um nívelde renda extremamente baixo, condição para que os recursos transferidos sejammuito limitados. Em 2006, o valor total destinado ao programa Bolsa Famíliafoi de, aproximadamente,R$ 8,2 bilhões de reais, enquanto a Previdência Socialrural (de forma constitucional e permanente) destinou mais de R$ 24 bilhõesaos trabalhadores rurais aposentados (BRASIL, 2006b) – tendo contribuído ounão, quando em atividade –, e os juros pagos ao capital financeiro atingiram maisde R$ 160 bilhões (BRASIL, 2006c).

O programa não pode ser considerado como de renda mínima, pois, além denão ser universal, também não é constitucional e nem seu valor guarda relaçãocom as necessidades mínimas reais de sobrevivência da família e das pessoas.Va-le notar que o salário mínimo necessário, calculado pelo Departamento Inter-sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) conforme definidoconstitucionalmente, deveria ser, em dezembro de 2006, de R$ 1.564,00 parauma família de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças), o que daria uma ren-da mínima per capita de R$ 391,00,mais que o triplo do valor definido como li-nha de pobreza pelo programa Bolsa Família (Dieese, 2006).

Em 2006, o benefício médio pago era de R$ 65,00 por família. Esse valor,mesmo dentro da própria lógica dos programas focalizados (com linhas de po-breza e indigência que subestimam as necessidades mínimas de sobrevivência),“retirava”da pobreza uma parcela muito pequena de famílias. Segundo a PNADde 2004, considerando todos os programas de transferência de renda do gover-no (em todos os níveis), 7 milhões de pessoas (14% do total de pobres) “cruza-ram” a linha de pobreza, mas retornariam à condição anterior, imediatamente,caso os programas fossem suspensos (Lavinas, 2006). O valor transferido é mui-to baixo, dentro da própria estratégia de focalização.

Por outro lado, as estatísticas sobre a distribuição de renda e a pobreza evi-denciam, a partir do Plano Real, uma (pequena) melhora na primeira e umaredução da segunda. Para ilustrar, entre 2001 e 2005, as proporções de indi-gentes e pobres na população caíram, respectivamente, de 16,5% para 11,3% ede 36,5% para 30,1% (IPEA, 2007, p. 81). No entanto, é necessário qualificaressa informação:

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1.Como veremos no capítulo 7, a distribuição de renda, nesse caso, se refere àdistribuição pessoal ou familiar da renda, informada por pesquisas como a PNAD,que coleta fundamentalmente os rendimentos do trabalho e os rendimentosoriundos da Seguridade Social (96% do total de rendimentos captados por essapesquisa); os rendimentos do capital (principalmente os financeiros) não são cap-tados. O conceito de renda familiar da PNAD correspondia em 2003 a, aproxi-madamente, 31% da renda interna pelo conceito da Contabilidade Nacional.Portanto, a “melhora” observada na distribuição de renda se deu entre os pró-prios trabalhadores; no mesmo período, a distribuição funcional da renda (ren-dimentos do trabalho versus rendimentos do capital), captada pela Contabilida-de Nacional,mostra exatamente o contrário: os rendimentos do trabalho, comoproporção da renda interna, caíram sistematicamente (Delgado, 2006).

2. Embora o programa Bolsa Família contribua para uma pequena melhora nadistribuição de renda entre os trabalhadores e uma redução da pobreza – tal co-mo definida e (sub)estimada pelos programas focalizados –, a responsabilidademaior por esses resultados se deve, fundamentalmente, aos direitos sociais bási-cos da Previdência e da Seguridade Social, que têm como piso o salário mínimo(Delgado, 2006; Lavinas, 2006).O mesmo estudo do IPEA (2007, p. 106) faz a se-guinte constatação:“Com base na PNAD 2004, observa-se que 11,3% das pessoastinham uma renda familiar per capita inferior a 1/4 de salário mínimo mensal, si-tuando-se, assim, abaixo da linha de indigência, enquanto 30,1% tinham rendainferior a 1/2 salário mínimo per capita mensal, estando abaixo da linha de pobre-za. Retirando-se deste conjunto de rendas aquelas originárias dos programas detransferência de renda, esses números crescem um pouco, passando, respectiva-mente, para 13,2% e 31,1%. Contudo, se forem retiradas também as rendas doBenefício de Prestação Continuada e das aposentadorias e pensões, os índices deindigência e de pobreza no país sofreriam um aumento significativo, dobrando nocaso da indigência e aumentando para 41,7% no caso da pobreza.”

O programa Bolsa Família constitui, de fato, uma política assistencialista ecom grande potencial clientelista; portanto,manipulatória do ponto de vista po-lítico, em particular quando se leva em conta o seu público-alvo: uma massa demiseráveis desorganizada e sem experiência associativa e de luta por seus direi-tos. A renda transferida às famílias não constitui um direito social, podendo serreduzida e/ou retirada a qualquer momento, ao sabor dos interesses de cada go-

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verno – bem ao gosto da política fiscal liberal-ortodoxa, que não concorda comnenhuma vinculação orçamentária entre receita e despesa, com exceção, natu-ralmente, do pagamento dos juros da divida pública (a chamada Lei de Res-ponsabilidade Fiscal tem esse objetivo). O Bolsa Família transforma-se, então,em poderoso instrumento do que tem sido denominado de“hegemonia às aves-sas”, como definido no Quadro 5.9.

Quadro 5.9

Hegemonia às avessas

Oliveira (2007), inspirado na leitura de Gramsci, vê no programa Bolsa Família a basedo que ele denomina de “hegemonia às avessas”, construída durante o governo Lula:“Os dominantes aceitamser conduzidos politicamente pelos dominados. Desde quenãosejam contestados.” Essa hegemonia é exercida num contexto no qual Lula se trans-formou num mito, que se coloca acima das classes e dos conflitos, legitimando, no li-mite, a desigualdade – coma renúncia de se combater as causas estruturais dessa de-sigualdade: “Você derrota a poderosa discriminação social brasileira, derrota o precon-ceito de classe... para quê? Para governar para os ricos.”

Por outro lado, o investimento em políticas sociais universais, que atingem oconjunto da população, tem se reduzido em termos relativos, afetando dramati-camente um enorme contingente que é pobre e tem todo tipo de carências,masnão se beneficia dos programas focalizados, pois tem uma renda acima da linhade pobreza. Esse segmento enfrenta, cotidianamente, a deterioração e a insufi-ciência dos serviços públicos universais.

Outra vertente (secundária) da política social, também ao gosto do BancoMundial, são os programas de microcrédito dirigidos a determinados segmen-tos sociais pobres (mas não miseráveis), com o objetivo de integrá-los ao mer-cado. No entanto, como é praxe no Brasil, esses programas são extremamente li-mitados e não têm maior relevância; na verdade, são dirigidos para atividadestradicionais (precárias) que acabam não conseguindo se auto-sustentar na com-petição intercapitalista.

Além do programa Bolsa Família, do Prouni e do apoio ao microcrédito, háinúmeros outros programas e ações mais ou menos focalizados,mas com menosvisibilidade e menor aporte de recursos.O balanço desses programas e ações, na

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área da assistência social, aparece no estudo do IPEA (2007, p. 95-107).Eles tam-bém não conseguem incluir de forma permanente e estrutural.

Em resumo, a política social do governo Lula, tal como a política econômi-ca, é de natureza liberal e coerente com o modelo econômico. Serve de pode-roso instrumento de manipulação política de uma parcela significativa da socie-dade brasileira, ao mesmo tempo que permite um discurso “politicamente cor-reto”. A própria atuação do governo Lula na questão agrária assume papelassistencialista, como ilustrado no Quadro 5.10.

Quadro 5.10

“Não existe reforma agrária no governo Lula”

A prioridade do governo Lula é o agronegócio, segundo a avaliação de Marina dos Santos,umadasprincipais liderançasnacionais doMovimentodos Trabalhadores SemTerra (MST).Segundo Marina dos Santos, “no governo Lula a reforma agrária continua sendo umapolítica de compensação social. Não há uma intervenção do Estado no sentido de de-mocratizar a terra, de desapropriar e garantir as funções sociais de que se precisa pa-ra o desenvolvimento dos assentamentos. Desse ponto de vista, não há reforma agrá-ria no governo Lula.”

Como você avalia a participação do MST na reeleição do presidente Lula?É verdade. Nós nos empenhamos para que o Lula fosse reeleito. Na nossa avaliação,mesmo que fosse esse governo de continuidade, se entrasse o Alckmin a classe traba-lhadora perderia muito mais, porque seria um retrocesso para a sociedade brasileira.Nós nos empenhamos de fato, principalmente no segundo turno. E ficamos muito mo-tivados, principalmente pelas falas do presidente no sentido de que se apresentava umainflexãomais à esquerda e de compromissomaior com as áreas sociais.

E você acha que isso ficou só no discurso?Nós temos plena clareza que já ficou no discurso. Acabou no último dia da eleição. É sópegar o início deste governo: no PAC, não tem nada para a área social, e para a reformaagrária, muito menos. Ao contrário. Toda a prioridade é para o agronegócio. Pela fala dopresidente sobre os usineiros como heróis, a transposição do Rio São Francisco, a libe-ração dos transgênicos e a diminuição dos integrantes da CNTbio. É tudo orquestrado.Quem está levando são osmesmos de sempre.

Fonte: www.congressoemfoco.com.br. Acesso: 13 de junho de 2007.

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(continua)

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Emmaio de 2007, Gercino José da Silva, depois de oito anos no cargo de ouvidor agrá-rio nacional do Incra, pediu demissão. Segundo Gercino: “Infelizmente, não podemosavançar coma reforma agrária no país. Ela está no isolamento, ninguémadiscute, nin-guém fala no projeto para o Brasil.”

Fonte: O Globo, 12 demaio de 2007, p. 10.

Apesar das intenções e dos discursos governamentais, a política social no Bra-sil tem componentes mais permanentes, que não dependem, direta e imediata-mente, de cada governo específico e têm impactos sociais de curto e longo pra-zo muito maiores que o Bolsa Família.Trata-se de um núcleo (direitos sociais bá-sicos) associado à política de Estado,que faz parte das despesas obrigatórias e, porisso, ainda está protegido de cortes orçamentários conjunturais: Previdência (apo-sentadoria e pensões dos trabalhadores) e Assistência Social (abono e seguro de-semprego, o Benefício de Prestação Continuada e a Renda Mensal Vitalícia).Vale destacar que o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a Renda Men-salVitalícia (RMV) – esta última incorporada à primeira a partir de 1996 – fa-zem parte Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) promulgada em 1993.Apartir dela, redefiniu-se o caráter da Assistência Social no Brasil, que foi esten-dida para o conjunto da população sem recursos suficientes para sobreviver.

Também existem outras políticas sociais básicas, de caráter setorial, em parti-cular as de saúde e de educação.Embora sejam obrigação constitucional dos go-vernos, inclusive com recursos vinculados no orçamento e regras específicas, elasnão estão imunes a cortes orçamentários, conforme evidencia a DRU.

Na verdade, a política social institucional, de Estado, inscrita na Constituiçãoé um empecilho para o avanço dos programas focalizados e o aumento do su-perávit fiscal. Por isso, está sempre na mira dos defensores das políticas focaliza-das e das iniciativas de reformar a Constituição e aprofundar o ajuste fiscal – co-mo é o caso da proposta do ex-ministro Delfim Neto, de “zerar” o déficit no-minal, incluída formalmente nos objetivos do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC). Em particular, atacam-se, sistematicamente, as aposentado-rias, os benefícios da LOAS, o seguro-desemprego e a universidade pública, ta-xando-os de “privilégios”, gastos mal-focalizados e dirigidos aos menos neces-sitados. O enfoque da focalização é tão perverso que chega a opor idosos e crian-ças – dois segmentos em situação de vulnerabilidade e risco sociais – na disputapelos recursos públicos.

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6. Flexibilização e precarização do trabalhoEste capítulo analisou as principais características da política social do governoLula, em particular o programa focalizado de combate à pobreza denominadoBolsa Família.As principais conclusões são as seguintes:

1.A natureza e o conteúdo desse tipo de política social só podem ser desvenda-dos quando são articulados com o modelo econômico vigente, em particular apolítica econômica e seus impactos sociais. Para além de seus efeitos (reais) ame-nizadores da miséria e do sofrimento dos mais pobres, considerar essa políticaapenas em si mesma, fora dessa articulação, implica reificá-la – tendo como re-sultado final a despolitização do debate sobre a questão social e a legitimação daestratégia política liberal.

2.As comparações pontuais e/ou descontextualizadas entre o governo Lula e ogoverno Cardoso, que procuram identificar “avanços”quantitativos positivos, emgeral milimétricos, na política social do primeiro são o caminho mais curto pa-ra a despolitização do debate e o acobertamento dos laços que ligam esses doisgovernos – inclusive com o rebaixamento programático do que deve ser uma po-lítica social de esquerda.

3. O conteúdo da política social do governo Lula, no essencial, é o mesmo dapolítica social do governo anterior, apesar dos discursos em contrário, que ten-tam dignificá-la e diferenciá-la, apresentando-a como se estivesse articulada amedidas de natureza estrutural de combate à pobreza.

4.Esse tipo de política social teve origem, como vimos, na preocupação das ins-tituições multilaterais, em particular o FMI e o Banco Mundial, com a instabi-lidade política dos países da periferia do capitalismo, instabilidade agravada coma implementação das políticas e reformas econômicas liberais. Essas instituiçõespassaram a recomendar enfaticamente tais políticas, principalmente a partir dofinal da década de 1990, após a ocorrência de sucessivas crises econômicas.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, em2002, representou a possibilidade de uma redefinição ou, até mesmo, uma rup-tura com as políticas neoliberais. No centro da “esperança” estava a perspectiva

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de superar a crise do emprego e do mercado de trabalho no país, com um no-vo modelo econômico no qual a implementação de políticas de emprego e ren-da ocuparia um lugar central.

No entanto,o governo Lula, contrariando a origem e a história do Partido dosTrabalhadores, renunciou a realizar essa ruptura, negando as principais lutas ereivindicações dos trabalhadores brasileiros. Incorporou plenamente, no discur-so e nas ações, a defesa da “via única” para a sociedade brasileira, que vinha sen-do desenvolvida pelo governo anterior. Passou a justificar a necessária e inexo-rável adaptação à “ordem econômica mundial”, ou seja, à ordem do capital fi-nanceiro internacional.

É a partir dessa adesão que se pode compreender a subordinação das políti-cas econômicas e sociais do governo Lula à lógica do capital financeiro, que, pa-ra além do campo estritamente econômico, se propaga para todas as dimensõesda vida social. Essa lógica sustenta-se nas idéias-força de volatilidade e de flexibi-lidade, como valores e como ideologia, que passam a reger a atuação do Estadoem todos os campos da sociedade.

Do ponto de vista político, é como se houvesse uma espécie de aliança (trá-gica) informal, ou identidade de interesses, entre o grande capital, os miseráveisatendidos pelas políticas focalizadas (e pelo crédito consignado em folha de pa-gamento) e um novo tipo de classe média ainda em formação no Brasil, assen-tada na informalidade de alta renda (certas camadas de trabalhadores autôno-mos). A conseqüência é o esvaziamento do trabalho assalariado garantido que,junto com a existência de uma concorrência feroz no âmbito dos pequenos emédios empresários, tem reduzido a dimensão e a importância econômica de an-tigas camadas da classe média formada por assalariados e pequenos proprietários(Quadros, 2007).

Nesse contexto, combinam-se perfeitamente a flexibilização e precarizaçãodo trabalho e as políticas focalizadas e flexíveis de combate à pobreza.Ambasregidas pela mesma lógica de curto prazo, do imediatismo inconseqüente, deintervenções pontuais e precárias, que, para não se contrapor à “ordem econô-mica neoliberal” e às determinações do Banco Mundial, subordinam-se ao rei-no da volatilidade, sem intervir nas causas estruturais dos problemas da socie-dade brasileira.

No âmbito das pesquisas da economia e da sociologia do trabalho, a imensamaioria dos resultados têm demonstrado que a flexibilização, em suas diferentes

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dimensões (desregulamentação,mudanças na legislação trabalhista, diferentes for-mas de contrato, subcontratação e terceirização, jornadas móveis de trabalho,salários flexíveis, multifuncionalidade ou polivalência, formas de gestão e or-ganização inspiradas no toyotismo), invariavelmente implica desemprego eprecarização do trabalho. Uma sistematização da literatura científica especia-lizada está no portal do projeto “Trabalho, Flexibilização e Precarização”,coordenado pela professora Graça Druck da Universidade Federal da Bahia,que apresenta um levantamento bibliográfico sobre o tema (www.flexibiliza-cao.ufba.br).

Os dados sobre o mercado de trabalho no Brasil no governo Lula, emboratenham melhorado conjunturalmente, confirmam a continuidade de uma cri-se estrutural, com a manutenção de altas taxas de desemprego. Segundo aPED-Dieese, essas taxas atingiram 15,8% na Região Metropolitana de SãoPaulo na média de 2006. Nesse ano, a taxa de desemprego entre os jovens de16 a 24 anos atingiu 45% nas seis regiões metropolitanas do país onde a pes-quisa é realizada (Dieese, 2006). Da mesma forma, mantiveram-se o alto graude informalidade, os baixos salários e a criação de ocupações precárias.O cres-cimento do emprego com carteira assinada nos últimos anos, processo quevem ocorrendo desde o ano 2000 (ainda sob o governo Cardoso), resulta, so-bretudo, de um quadro econômico internacional favorável às exportações bra-sileiras, e não de uma política de emprego ou de uma redefinição do mode-lo liberal periférico. Não há garantia de que esse processo se mantenha. Elepoderá ser invertido quando a atual fase ascendente do ciclo do comércio inter-nacional se esgotar.

Observou-se uma melhora na distribuição dos rendimentos do trabalho,pois o Índice Gini passou de 0,584 em 1995 para 0,539 em 2005. Mas a par-ticipação do conjunto dos rendimentos do trabalho na renda nacional caiu de52% em 1990 para 40% em 2003 (IPEA, 2007, p. 199). Portanto, são fortes osindícios de que a melhora do índice de Gini ocorreu por meio de um nive-lamento por baixo.

No âmbito político, a flexibilização do trabalho e a política social focalizadarevelam-se uma estratégia eficiente para enfraquecer as lutas e a organização dostrabalhadores, já que os divide entre privilegiados, pobres e muito pobres. Doponto de vista social, o impacto do programa Bolsa Família sobre a diminuiçãoda pobreza e das desigualdades, conforme se viu, não é suficientemente esclare-

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cido, pois acoberta o fato de que essa diminuição das desigualdades se deu comuma redistribuição da pobreza entre os próprios trabalhadores e não com umaefetiva distribuição de renda.

Assim, conforme afirmam Theodoro e Delgado (2003):“A eleição dos gru-pos mais pobres em detrimento de outros um pouco menos pobres pode enco-brir uma perversa troca de posições entre segmentos sociais menos protegidos.Destituir de direitos os ‘quase-pobres’ pode levá-los, num segundo momento, àcondição de pobres. O risco é tanto mais grave se não se considera que muitasvezes é o acesso a direitos sociais que garante uma posição de não-pobres a ex-pressivos segmentos da população.A opção por acirrar um embate distributivona base, contrapondo pobres desprotegidos aos um pouco menos pobres, pare-ce bastante perversa” (Theodoro e Delgado, 2003, p. 124).

A permanecer o modelo liberal periférico e suas políticas sociais, a precariza-ção do trabalho e, conseqüentemente, os problemas sociais tendem a se apro-fundar no futuro.A pressão para implementar a reforma trabalhista, bem comopor uma nova reforma da Previdência tenderá a aumentar, sob o signo da flexi-bilização, ambas justificadas como inexoráveis.

As alianças políticas efetivadas durante a campanha eleitoral de 2006, que le-varam à vitória de Lula e lhe deram o segundo mandato, expressaram o com-promisso de continuidade do modelo. Nessa campanha, predominou um dis-curso menos conservador, particularmente no segundo turno.As políticas foca-lizadas, que garantiram ao presidente reeleito o apoio e a aprovação de seugoverno pelos segmentos mais pobres da sociedade, se legitimaram politicamente.Resta saber se os movimentos sociais e os segmentos mais organizados da so-ciedade brasileira aceitarão essas políticas e seus resultados perversos ou se bus-carão romper com esse quadro, reafirmando a sua autonomia na busca de um ou-tro caminho, distinto da “via única” defendida pelo governo Lula e sua base po-lítico-parlamentar.

O Quadro 5.11 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

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Quadro 5.11

Principais conclusões: capítulo 5

Seção Capítulo 5

1 O principal argumento é que a política social do governo Lula tem estreita rela-ção coma política econômica liberal-ortodoxa legada pelo governo anterior co-mo uma “herançamaldita”, masmantida e aprofundada pelo novo governo.

2 A visão dominante sobre políticas sociais, adotada pelo governo Lula, deixa defora as causas estruturais da desigualdade e da pobreza e desconsidera as re-lações entre as classes sociais.

3 A síntese do debate sobre políticas sociais universais e políticas sociais focali-zadas evidencia a lógica perversa das políticas focalizadas.

4 O conteúdo da política social do governo Lula, no essencial, é omesmo da polí-tica social do governo anterior, apesar dos discursos em contrário, que tentamdignificá-la e diferenciá-la, apresentando-a como uma política (supostamen-te) articulada amedidas de natureza estrutural de combate à pobreza.

5 A política social do governo Lula é de natureza liberal, coerente com o modeloeconômico vigente, e serve de poderoso instrumento demanipulação políticade parcela significativa da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que permiteum discurso « politicamente correto ».

6 A política social do governo Lula combina perfeitamente a flexibilização e pre-carização do trabalho com políticas focalizadas e flexíveis de combate à po-breza.

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Classes sociais, Estado e bloco de poder

O objetivo deste capítulo é analisar a natureza e a composição do atual bloco depoder dominante, evidenciando sua relação orgânica com o modelo liberal pe-riférico e a política macroeconômica implementados pelo governo Lula.A ques-tão central é discutir os fatores que explicam por que esse governo, no funda-mental, trilhou o mesmo caminho daquele que o precedeu, dando nova legiti-midade a um modelo econômico – e à sua política macroeconômica – que, doponto de vista político, no final do segundo governo Cardoso, parecia em esta-do terminal.Este capítulo está dividido em três seções.Na seção 1, examinam-se a origem

do atual bloco dominante de poder e sua composição.O destaque é o papel pro-tagônico desempenhado pelo capital financeiro e seus interesses no avanço doprocesso de desregulação e liberalização financeira, bem como na manutenção daspolíticas macroeconômicas de juros altos e elevados superávits fiscais primários.Na seção 2, analisa-se o transformismo do governo Lula, que se expressa na

manutenção das linhas gerais da política macroeconômica do segundo governoCardoso. Durante o governo Lula, o modelo dominante é reforçado.Mantêm-se em primeiro plano os interesses e a política econômica do capital financeiro.A similaridade com o segundo governo Cardoso também está no fato de, nogoverno Lula, as exportações continuarem a ser a variável fundamental de ajus-te das contas externas.Na seção 3, discute-se o argumento de que a lógica financeira e a natureza

concentradora e excludente do modelo liberal periférico impõem sérios limitesà sua hegemonia. Esse modelo é incapaz de incorporar, mesmo parcialmente, asdemandas mais significativas das classes trabalhadoras. Frente aos riscos de sériacrise de governabilidade, o governo Lula tenta controlar politicamente os movi-mentos sociais e o sindical por meio da cooptação – material e ideológica – dasdireções.Também influencia o comportamento da massa pauperizada e desorga-nizada, por meio das políticas sociais focalizadas e de caráter assistencialista.

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No entanto, antes da análise desses argumentos, cabe destacar os principaisconceitos usados neste capítulo.Os conceitos-chave são: bloco de poder, capitalfinanceiro, grupos econômicos e transformismo.O bloco de poder dominante na sociedade é composto, em cada conjuntura,

por distintas classes e/ou frações de classes, assumindo uma delas a posição de li-derança e hegemonia.A liderança decorre da capacidade de unificar e dirigir, po-lítica e ideologicamente, as demais classes e/ou frações de classes a partir de seusinteresses específicos, reconhecidos como parte dos interesses gerais do conjun-to do bloco.Na formulação gramsciana, a classe ou fração de classe hegemônica é aquela

que exerce a função mais estratégica e decisiva no modo de acumulação em de-terminado período histórico.A partir de seus interesses específicos – econômi-cos e políticos –, consegue soldar organicamente (compatibilizar) os interesses dasdemais frações do capital, de forma que sua dominação é aceita (consentida) porestas últimas (Filgueiras, 2006, p. 181). Quando a fração de classe hegemônicaconsegue também expressar e articular os interesses das frações de classes subal-ternas, a hegemonia se estabelece sobre o conjunto da sociedade, obtendo-seum consenso. Segundo Gramsci, quando isso ocorre, o grupo social hegemôni-co afirma sua capacidade de liderança e de direção política, intelectual e moral.Como veremos adiante, uma das dificuldades do projeto neoliberal, sob o co-mando do capital financeiro, reside, justamente, na incapacidade de transformarsua dominação em hegemonia, isto é, de construir o consenso para além do blo-co dominante, incorporando os grupos sociais subalternos da sociedade.O segundo conceito é o de capital financeiro, que possui duas versões clássi-

cas (Filgueiras, 2006: 183-184). A primeira é de Rudolph Hilferding (FinanceCapital), formulada em 1910 a partir da realidade alemã e situada no campo mar-xista. Segundo ela, o capital financeiro resulta da fusão ou integração (aliançaorgânica) entre o capital bancário e o capital industrial, com a dominação do pri-meiro. O capital financeiro é a expressão maior da fase monopolista e imperia-lista do capitalismo, que começou no último quarto do século XIX.A outra concepção de capital financeiro, de John Atkinson Hobson (Imperia-

lism. A Study) tem como referência a realidade inglesa e foi publicada em 1902.Nessa concepção, o capital financeiro surge a partir da solidariedade de interes-ses financeiros da comunidade de negócios, que articula o capital industrial e ocapital bancário, sem haver, necessariamente, uma fusão ou integração orgânica.

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Essa teorização, embora mais ampla que a anterior, também especifica a domi-nação geral (não orgânica) do capital bancário.Neste capítulo, usa-se uma concepção mais geral do que as duas menciona-

das. O capital financeiro refere-se à fração do capital que se reproduz, funda-mentalmente, ou principalmente, na esfera financeira, no âmbito da acumulaçãofictícia, podendo assumir várias formas institucionais.Portanto,não exclui as duaspossibilidades anteriores.O terceiro conceito é o de grandes grupos econômico-financeiros nacionais

(Filgueiras, 2006: 184). O grupo econômico é o principal locus de acumulaçãode capital e de poder. Ele abarca um conjunto de empresas que,mesmo quandojuridicamente independentes entre si, estão interligadas, seja por relações con-tratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principal-mente, capital) pertence a indivíduos ou instituições que exercem o controleefetivo sobre este conjunto de empresas. O grupo econômico nacional é aque-le cujo controle efetivo é exercido por residentes do país.Os grandes grupos econômico-financeiros nacionais, além de atuarem dire-

tamente na esfera financeira, também estão presentes em outras esferas, ou ati-vidades econômicas, da acumulação: agricultura, indústria, comércio e serviços.O grupo econômico pode estar mais focado em alguma dessas atividades, masisso depende muito da origem inicial das atividades do grupo, de suas estratégiasde expansão e do seu poder de diversificação. Nas operações no mercado do-méstico, quando necessário, o grupo econômico se internacionaliza, associando-se e fundindo-se com capitais estrangeiros, em uma ou mais atividades. O gru-po também se transnacionaliza ao expandir suas atividades para outros países.Oslucros são realizados tanto no mercado interno quanto no externo. Neste últi-mo, os grupos têm três formas básicas de internacionalização da produção: ex-portação, investimento externo direto e relações contratuais que transferem ati-vos intangíveis.

1. Bloco de poder dominanteO Brasil foi o último país na América Latina a implementar as políticas liberais.Isto se deveu, de um lado, à dificuldade de soldar os interesses das diversas fra-ções do capital até então presentes no moribundo modelo de substituição deimportações e, de outro, à intensa atividade política desenvolvida pelas classes

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trabalhadoras na década de 1980. Esse ativismo se expressou, entre outros even-tos, na criação da Central Única dosTrabalhadores (CUT), do Partido dosTra-balhadores (PT) e do Movimento dosTrabalhadores SemTerra (MST).Durante a crise da década de 1980, pelo menos até a implementação e o fra-

casso do Plano Cruzado (1986-1987), as distintas frações de classes do bloco do-minante tentavam,preferencialmente, redefinir, atualizar e reformar o modelo desubstituição de importações. Ainda se concebia um papel fundamental para oEstado no processo de acumulação e desenvolvimento – apesar das críticas à es-tatização, que haviam surgido já na década anterior. Havia, então, um eixo uni-ficador entre os empresários e os economistas acadêmicos de oposição (hetero-doxos), críticos da política econômica ortodoxa recessiva do início da década de1980: era a defesa de um projeto neodesenvolvimentista como resposta à crisedo modelo de substituição de importações, que ainda reservava ao Estado as fun-ções de planejamento e implementação de investimentos estratégicos (Bianchi,2004).Com o fracasso do Plano Cruzado, bem como dos demais planos que se se-

guiram na segunda metade da década de 1980, e ao longo dos embates travadosna Assembléia Constituinte (1986-1988), o projeto neoliberal se fortaleceu.Ul-trapassou o campo meramente doutrinário e constituiu um programa político.As diversas frações do capital perceberam que a crise tinha um caráter estrutu-ral: o modelo de substituição de importações estava esgotado.O projeto neode-senvolvimentista seria incapaz de responder aos problemas colocados.O momento de consolidação político-ideológica do projeto neoliberal no

interior das diversas frações das classes dominantes foi a eleição de Collor em1990.A mobilização política dos trabalhadores, ultrapassando, então,os limites doeconomicismo – com a construção de um partido político de massa e a defesade um projeto nacional, democrático e popular –, atemorizou as classes domi-nantes. As diversas frações do capital unificaram-se em torno do projeto neoli-beral – apesar de idas e vindas, contradições e disputas internas –, diante da amea-ça de perderem o controle do processo político.Desse modo, no Brasil, a formação do atual bloco de poder resultou de um

longo processo, que se iniciou com a crise do modelo de substituição de im-portações no começo da década de 1980 e prosseguiu com a implementaçãoinicial das reformas liberais no governo Collor, nos primórdios da década de1990.O bloco se fortaleceu com a consolidação dessas reformas durante os dois

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governos Cardoso e, enfim, a partir de 2003, chegou ao estágio mais avançado.O governo Lula permitiu maior coesão política a esse bloco de poder, pois re-duziu significativamente seus opositores e enfraqueceu sensivelmente a capaci-dade de mobilização dos movimentos sociais e sindical.O processo de consolidação do bloco dominante, que culminou com a afir-

mação do projeto político liberal e a consolidação do novo modelo econômico,redefiniu as relações políticas entre as classes e frações de classes que constituema sociedade brasileira.A vitória desse projeto expressa, ao mesmo tempo em queestimula, o movimento de transnacionalização dos grandes grupos econômicosnacionais (produtivos e financeiros), fortalecendo-os no interior do bloco do-minante. No governo Lula, o avanço do modelo liberal periférico também ex-pressa a fragilidade financeira do Estado e a subordinação crescente da econo-mia brasileira aos fluxos internacionais de capitais.Nessa nova configuração, a fração hegemônica do bloco dominante é com-

posta da seguinte forma: o capital financeiro internacional, cuja expressão maisevidente são os fundos de pensão, os fundos mútuos de investimentos e os gran-des bancos dos países desenvolvidos; os grandes grupos econômico-financeirosnacionais, que conseguiram sobreviver, até aqui, ao processo de globalização, emfunção de sua capacidade competitiva ou por meio da associação (na maior par-te dos casos, subordinada) com capitais estrangeiros; e o capital produtivo mul-tinacional (associado ou não ao capital nacional).Todos eles têm aumentado suainfluência no bloco dominante.As demais frações do bloco dominante, situadas numa posição subordinada, são

os grandes grupos econômicos não financeirizados organicamente, e os grandese médios capitais.No processo de acumulação, esses grupos são mais “especiali-zados” nas atividades de agronegócio, indústria, comércio ou serviços, e algunsestão voltados para o mercado externo.É importante distinguir a lógica financeira e as formas institucionais assumi-

das pelo capital financeiro.A lógica financeira é a lógica mais geral do capital, des-de sempre, que caracteriza a atual fase do desenvolvimento capitalista em escalanacional e internacional. Essa lógica imprime, de forma dominante, a dinâmicado modo de produção e influencia as mais diversas esferas das sociedades e di-mensões da vida social.As formas institucionais referem-se aos sujeitos que co-mandam de fato esse processo de dominação, pois articulam os mais diversos in-teresses a partir do domínio, controle e propriedade de instituições financeiras.

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Embora todos os grupos econômicos e as frações do capital estejam finan-ceirizados – no sentido de estarem subordinados à lógica financeira e aplicaremseus excedentes no mercado financeiro, em particular nos títulos da dívida pú-blica –, apenas aqueles que se articulam organicamente com a esfera financeira,pelo controle e a propriedade de uma ou mais instituições financeiras, são os su-jeitos fundamentais dessa lógica, que subordina inclusive o Estado, a política eco-nômica e social, e a ação política em geral.Apesar de a maioria dos grandes gru-pos econômicos não estar ligada organicamente ao capital financeiro – pela pro-priedade de um banco ou outro tipo de instituição financeira –, esses grupostambém se beneficiam da especulação e do financiamento da dívida pública, ga-nhando com as elevadas taxas de juros.Adicionalmente, o projeto liberal e sua política têm como importante aliado

a classe média alta:“novos ricos” que participam ativamente da atividade rentis-ta e da especulação financeira e, portanto, rejeitam qualquer coisa parecida como projeto de Estado de Bem-Estar Social. Esses grupos sociais não se beneficia-riam de um projeto desse tipo, pois teriam que contribuir para financiá-lo comimpostos, sem fazer uso de seus serviços. Esse segmento é formado por execu-tivos de empresas, segmentos de profissionais liberais, a alta burocracia governa-mental, a nova intelectualidade identificada com os valores e hábitos estrangei-ros, e o pequeno grupo de consultores e trabalhadores autônomos altamentequalificados, ocupados em atividades econômicas recém-surgidas e típicas dosnovos paradigmas tecnológicos.Trata-se, aqui, dos grupos sociais que se benefi-ciaram da abertura comercial e também das altas taxas de juros.Ao descobriremos padrões de consumo dos países desenvolvidos, e ao terem acesso a ele, se des-lumbraram e se sentiram incluídos no Primeiro Mundo.O domínio da lógica financeira na dinâmica das relações econômico-sociais

é o elemento que dá coesão a esse bloco dominante, soldando os interesses dosseus distintos participantes e apoiadores. Portanto, a taxa de juros no Brasil nãoé, apenas, o instrumento clássico de política monetária; ela é muito mais do queisso.Além de ser uma “ferramenta” utilizada conforme cada conjuntura econô-mica específica, constitui o elemento fundamental que estrutura e, ao mesmotempo, expressa as relações de classe e de poder que estão representadas no po-deroso bloco político dominante.Isso significa que a disputa política travada hoje no Brasil em torno do nível

da taxa de juros e do tamanho do superávit fiscal primário não se resume à me-

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lhor forma de manipular, conjunturalmente,o instrumento usual da política mo-netária, ou mesmo à necessidade ou não de se redefinir o conjunto da políticamacroeconômica.O mais importante é que está em jogo a mudança ou manu-tenção do modelo econômico atual, com suas correspondentes políticas ma-croeconômicas e sociais.A mudança tem como condição prévia a derrota polí-tica do atual bloco de poder.Após a crise cambial de 1999, no início do segundo governo Cardoso, o blo-

co dominante sofreu nova acomodação, envolvendo as forças políticas que oconstituem (Boito Jr, 2004). Os segmentos exportadores do grande capital ga-nharam mais relevo, por causa da importância dessas atividades para o equilíbriodas contas externas e, por conseqüência, para o pagamento, em dólar, dos rendi-mentos do capital financeiro.Essa acomodação ficou mais clara a partir do governo Lula, quando repre-

sentantes desses segmentos ocuparam dois ministérios importantes, o daAgri-cultura e o do Desenvolvimento.A fase ascendente do ciclo do comercial in-ternacional facilitou a nova situação, pois garantiu a rentabilidade dos expor-tadores (em particular, do agronegócio) mesmo com a apreciação cambial quevem ocorrendo desde setembro de 2004.Vale relembrar que essa apreciaçãoresulta tanto dos superávits comerciais quanto da manutenção de elevadas ta-xas de juros, o que garante também a rentabilidade do capital financeiro. Noentanto, é importante destacar que o conflito (latente) entre essas duas fraçõesdo capital (rentistas e exportadores) se expressa, exatamente, no manejo das ta-xas de juros e de câmbio.A atual conjuntura internacional favorável amenizao conflito.Em suma, as distintas frações do capital que compõem o atual bloco de po-

der estão de acordo sobre a necessidade de desregulamentar o mercado de tra-balho e as relações trabalhistas; o mesmo se pode dizer a respeito da política deelevados superávits fiscais primários e da política de privatizações, apesar desta be-neficiar apenas os grandes capitais financeiros e os grandes grupos econômicos,nacionais e estrangeiros.As privatizações e a desregulamentação do mercado detrabalho funcionaram, e ainda funcionam, como uma espécie de compensaçãopara os setores mais atingidos pela abertura comercial e financeira, pelo câmbiovalorizado e pela taxa de juros elevada (Boito Jr, 2004; Bianchi, 2004).Já a abertura comercial e financeira, acompanhada por taxas de juros eleva-

das – em momentos de crises cambiais, a taxa básica chegou a atingir quase 50%

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– e pelo câmbio valorizado, foi e continua sendo, em menor grau, motivo deatritos.Ela atinge de forma diferenciada os diversos segmentos produtivos, acar-retando concentração, fusões e centralização de capitais, desnacionalização edesestruturação de cadeias produtivas (Gonçalves, 1999;Carneiro, 2003); enfim,gera ganhadores e perdedores. Daí a reiterada presença, nas diversas conjuntu-ras, de pressões por medidas de proteção e defesa de determinados setores in-dustriais.

2. Transformismo e cooptaçãoTransformismo é o conceito utilizado por Gramsci em sua análise do período dahistória italiana conhecido como o Risorgimento, durante o qual ocorreram osprocessos que levaram à formação do Estado moderno na Itália. O termo de-nomina o fenômeno de assimilação e implementação, por parte de indivíduos(transformismo molecular) e/ou agrupamentos políticos inteiros (transformismode grupos), do ideário político-ideológico dos seus adversários ou inimigos po-líticos. Sinteticamente, trata-se de um processo de adesão (individual ou coleti-va) ao bloco histórico dominante, por parte de lideranças e/ou organizações po-líticas dos setores subalternos da sociedade, com o abandono de suas antigas con-cepções e posições políticas.O governo Lula tem sido uma grande surpresa para a maioria das pessoas que

acompanham o processo político brasileiro. Esse espanto se expressa nas esferaseconômica, social, política e ética.Para a grande maioria, a nova realidade era ini-maginável. De fato, as trajetórias históricas do candidato e do PT estão organi-camente ligadas aos movimentos sociais, ao movimento sindical, à fração pro-gressista da Igreja Católica e à esquerda socialista-marxista que sobreviveu à di-tadura militar.Há registros da firme oposição político-institucional, comandadapelo PT ao projeto e às políticas liberais. Esses dados fáticos não pareciam apon-tar para um“transformismo” político tão rápido e amplo promovido por Lula epelo PT, que também pegou de surpresa representantes do bloco dominante,como mostra o Quadro 6.1.

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Quadro 6.1

O transformismo segundo Olavo Setúbal

“Havia uma grande dúvida se o PT era um partido de esquerda, e o governo Lula acabousendo um governo extremamente conservador... A visão era que o Lula iria levar o paíspara uma linha socialista. O sistema financeiro estava tensionado,mas, como ele [Lula]ficou conservador, agora está para ganhar novamente a eleição e o mercado está tran-qüilo. Não tem diferença do ponto de vista domodelo econômico. Eu acho que a eleiçãodo Lula ou do Alckmin é igual. Os dois são conservadores. Cada presidente temsuas prio-ridades,mas dentro domesmo leque de premissas econômicas. Acho que o Lula vai con-servar a premissa de superávit primário, demetas de inflação e tudo omais. São evolu-ções que estão consolidadas no Brasil e serãomantidas por qualquer presidente.”

Olavo Setúbal, fundador do Banco Itaú e presidente do Conselho Administrativo do Itaúsa, holding que controla o

banco. Entrevista, jornal Folha de S. Paulo, 13 de agosto de 2006.

Mesmo durante o processo eleitoral de 2002, a composição político-partidá-ria, que foi bastante ampliada e deu a vitória a Lula, trabalhou as contradiçõesde dentro do bloco dominante com duras críticas ao capital financeiro e vigo-rosa defesa do capital produtivo. Este último ganhou expressão política e visibi-lidade, com a presença de um industrial de grande porte na posição de candi-dato a vice-presidente.Vale notar que a ênfase no capital produtivo também foia estratégia adotada pelo candidato do PSDB, não havendo aí nenhuma dife-rença entre as diversas candidaturas, tanto no primeiro quanto no segundo tur-no das eleições.Isso ocorreu apesar da famosa Carta aos Brasileiros, assinada pelo candidato,

que assegurava ao capital financeiro o respeito aos contratos estabelecidos pelogoverno anterior.Na Carta não se explicita que as diretrizes gerais da crítica aomodelo dominante seriam abandonadas na prática política e na execução da po-lítica econômica.Uma vez constituído, o governo Lula prosseguiu a política econômica im-

plementada no segundo governo Cardoso, desde a crise cambial de janeiro de1999, e reforçou o modelo dominante. Lula e a aliança política que o elegeuadaptaram as suas ações, o seu programa e a sua política aos limites da disputa en-tre as diversas frações do capital. Eles mantiveram em primeiro plano os interes-ses e a política econômica do capital financeiro. Na mesma linha do segundo

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governo Cardoso, o governo Lula acenou também para a importância das ex-portações para reduzir a vulnerabilidade externa e, por conseqüência, diminuira instabilidade da dinâmica macroeconômica.À esquerda do espectro político, os críticos mais contundentes desse transfor-

mismo não têm dúvida em identificar nesse processo, corretamente, uma traiçãopolítica jamais vista em toda história do Brasil – de grande dimensão e longa re-percussão. Entretanto, em lugar de servir de explicação, a traição (ou qualqueroutra qualificação que se queira dar) é que carece ser explicada, como um doselementos de um processo muito maior e mais complexo, que culminou emgrande derrota para as forças populares do país.Para se entender o que ocorreu com o PT e o governo Lula deve-se perce-

ber que o que parece ser uma mudança repentina e inesperada é, na verdade,produto do mesmo processo que levou à vitória político-ideológica do neoli-beralismo no Brasil.Assim como essa vitória não foi resultado de um big bang (ogoverno Collor), o transformismo do PT e de lideranças partidárias e sindicaistambém não é um fenômeno repentino e inesperado.Alguns observadores nocampo da esquerda já tinham uma visão clara sobre isso, como mostra o Qua-dro 6.2.

Quadro 6.2

O transformismo segundo César Benjamin

“Desde então [1989], ele [Lula] e o núcleo do PT lançaram-se no projeto de chegar aopoder com a chancela da classe dominante. Obtiveram êxito. Esse êxito, a meu ver, re-presenta aomesmo tempo um auge e uma crise. Nos últimos dez anos, nossa esquer-da teve uma vanguarda, a Articulação do PT”.

“A chegada da Articulação ao governo federal é, ao mesmo tempo, um êxito e a trans-formação dessa vanguarda em uma outra coisa. Hoje, a Articulação é essencialmenteumgrupo que negocia por dentro do aparato do Estado comumespectro de forçasmui-to mais amplo: com a direita, com o grande empresariado, com os Estados Unidos etc.Negocia cargos, acesso a dinheiro público, projetos regionais de poder. Isso, aomesmotempoemquea tornamais forte, retira dela o caráter de vanguarda da esquerda. Tornou-se um grupo abertamente conservador, voltado para um projeto de poder, não um pro-jeto de sociedade. Agora vivemos a crise desse processo.”

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(continua)

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“Do ponto de vista da esquerda, a herança que Lula e a Articulação vão deixar é umano-va geração composta por milhares de quadros formados dentro do pragmatismo, dooportunismo e do carreirismopolítico. Esse lixo vai ficar aí, no campoda esquerda,mui-to tempo depois de o governo Lula ir embora. É uma nova geração cujo ethos ... é o dapequenapolítica. Umageração que abandonouqualquer vinculação coma idéia de trans-formação social profunda e, a meu ver, não tem sequer estatura para ser reformista. Éuma esquerda liberal, muito fraca.”

César Benjamin, um dos fundadores do PT em 1980 e dirigente do Partido até 1995. Entrevista, Felipe Demier

(coord.) As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil. São Paulo: Editora Bom Texto, 2003, p. 12-13.

Para compreender a situação atual, o primeiro passo é reconhecer que a rees-truturação produtiva e as políticas liberais mudaram o perfil e a composição dasclasses trabalhadoras no Brasil (Oliveira, 2003; Oliveira, 2005). Diminuiu o pe-so relativo dos assalariados e dos trabalhadores industriais e cresceu a informali-dade, com maior fragmentação da classe trabalhadora, que ficou mais frágil emais heterogênea, com menor identidade entre os seus diversos segmentos, commenor capacidade política de pressão e negociação. Isso tudo ocorreu por cau-sa da desestruturação do mercado de trabalho, acompanhada de um processo dedesregulamentação das relações trabalhistas, que levou ao crescimento do de-semprego e ao aprofundamento da precarização do trabalho e das formas decontratação (cooperativas, terceirização etc.).Adicionalmente, com o desemprego e a queda do rendimento do trabalho,

segmentos da classe média se empobreceram e se enfraqueceram. Esse fenôme-no é mais evidente no caso dos trabalhadores com maiores rendimentos, atingi-dos pelo processo de reestruturação das empresas, e dos assalariados de carreirado setor público, atingidos pelas reformas administrativa e previdenciária, alémdo arrocho salarial decorrente da política fiscal voltada para obter elevados su-perávits primários.Todas essas transformações atingiram também a esquerda e as organizações

representativas dos trabalhadores, em especial os sindicatos e o Partido dosTra-balhadores. O ponto de inflexão foi a vitória de Collor nas eleições de 1989 –mesmo ano da derrocada do socialismo real –, que empurrou os movimentos so-ciais e trabalhistas, a partir de então, para a defensiva. Esse processo foi responsá-vel por um lento,mas permanente,movimento de transformação político-ideo-

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lógica da maior parte de suas direções, no sentido de restringir a sua atuação po-lítica aos limites dos espaços que a nova ordem lhes reservava (Boito Jr, 2004).Gradativamente, o movimento sindical combativo, cuja maior expressão era a

CUT, encolheu-se e passou a adotar uma estratégia defensiva, economicista efragmentada corporativamente.Trata-se da estratégia de adaptação à nova or-dem, que passa a ser denominada, de forma eufemística, de propositiva ou “deresultados”.Concomitantemente, a institucionalização do PT prosseguiu, com vitórias

eleitorais em municípios e estados importantes, configurando-se uma escaladaprogressiva que o transformaria em mais um partido da ordem. Para isso, o PTteve que passar por transformações internas fundamentais, com enorme centra-lização das decisões e o enquadramento das suas tendências mais à esquerda pe-la tendência majoritária (Articulação). Esse processo político interno reduziu oespaço de debates, formulações e questionamentos, cuja expressão maior foi adestruição dos núcleos de base que formavam o partido.De eleição em eleição (1989, 1994, 1998 e 2002), o PT se transformou poli-

ticamente, tornando-se um enorme aparelho burocrático. Este aparelho se tor-nou um eficiente instrumento de ascensão econômico-social, gerando, para seusintegrantes, emprego, prestígio e proximidade com o poder econômico. Isto serefletiu diretamente no financiamento das campanhas eleitorais, nos programasde governo,nos discursos, nas alianças político-eleitorais e,mesmo,nas formas derecrutamento e de fazer as campanhas – com a gradativa substituição de mili-tantes por cabos eleitorais remunerados.Para ilustrar o argumento acima, vale mencionar a evidência empírica relati-

va ao financiamento de campanhas à Presidência da República em 2002 e 2006.Nos dois anos, entre os principais financiadores das campanhas destacam-se asempresas do setor de construção e imobiliário e do setor financeiro, ou seja, asempreiteiras e os bancos, como mostra aTabela 6.1. Esses dois setores responde-ram por 15,4% do gasto total de Lula e 24,2% do gasto total de Serra em 2002.A distinção marcante é que, em 2002, no caso de Lula, os principais financiado-res foram as empreiteiras e, no caso de Serra, foram os bancos, de longe.

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Tabela 6.1

Financiamento das campanhas eleitorais para a Presidência da República,segundoosetor econômico: 2002e2006 (valoresemR$milhõeseparticipaçãoemporcentagem)

2002 Lula SerraValor Participação Valor Participação

Financeiro 6.080 10,9 12.750 22,9

Construção e imobiliário 2.490 4,5 750 1,3

Primário-exportador 1.610 2,9 4.440 8,0

Subtotal 10.180 18,3 17.940 32,2

Valor total 55.808 100,0 55.711 100,0

2006 Lula AlckminValor Participação Valor Participação

Financeiro 12.705 10,5 13.461 11,1

Construção e imobiliário 18.028 14,9 5.051 4,2

Primário-exportador 12.511 10,4 9.666 8,0

Subtotal 43.244 35,8 28.178 23,3

Valor total 120.812 100,0 120.797 100,0

Fonte : Rodrigo de Almeida. Dos interesses. Revista Insight Inteligência, Ano IX, No. 36, 1º trimestre 2007, p. 56-70.www.insightnet.com.br/inteligencia. Notas: As percentagens referem-se aos dados totais dos setores identificados. O setor primário-ex-portador inclui açúcar e álcool, papel e celulose, mineração e agropecuária.

Em 2006, empreiteiras e bancos foram responsáveis por 25,4% do gasto totalda campanha de Lula. Entretanto, vale destacar o aumento da contribuição re-lativa das empreiteiras para o gasto total de Lula, que praticamente triplica entre2002 (4,5%) e 2006 (14,9%), enquanto a participação dos bancos mantém-se re-lativamente estável, em torno de 11%. Em 2006, os bancos continuam como oprincipal financiador do candidato do PSDB,Geraldo Alkmin.No caso da campanha de Lula, aumenta a contribuição relativa de empresas

vinculadas ao setor primário-exportador, que na classificação da tabela inclui asatividades produtoras de açúcar e álcool, papel e celulose, mineração e agrope-cuária. A participação desse setor no financiamento da campanha de Lula au-menta de 2,9% em 2002 para 10,4% 2006.O valor total das contribuições de bancos, das empreiteiras e do setor primá-

rio-exportador para a campanha eleitoral de Lula foi de R$ 43,2 milhões em

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2006, ou seja, 35,8% dos gastos totais declarados.A evidência empírica mostra,pois, que segmentos do bloco dominante operam diretamente no processo po-lítico por meio do financiamento de campanhas eleitorais.Os principais financiadores da campanha de Lula exercem papel protagônico

não somente na política, mas também na economia: os bancos são os principaisbeneficiários da política macroeconômica, via política monetária e cambial; asempresas do setor primário-exportador comandam o padrão de inserção do paísno sistema mundial de comércio via mercados de commodities, inclusive com a re-vitalização do segmento do etanol; e as empreiteiras são os atores principais doPrograma de Aceleração do Crescimento, cujos investimentos concentram-se,principalmente, em infra-estrutura.

3. Patrimonialismo e balcanizaçãoNesse quadro de dominância da ideologia neoliberal, mas incapacidade hege-mônica do projeto a ela associado, assiste-se à crise das instituições e da repre-sentação política (sindicatos e partidos). Essa crise decorre tanto da redefiniçãoda composição da classe trabalhadora, como também de cooptação político-ins-titucional de parcela importante das direções sindicais e partidárias. O processode cooptação agrava-se com a chegada do PT ao governo.A cooptação serve deanteparo para o governo na sua relação com os movimentos sociais e o movi-mento sindical. Basta observar no que se transformaram as manifestações do dia1º de maio organizadas pela CUT e as demais centrais sindicais.A crise de representação é fortemente alimentada pelo governo Lula, ao rea-

lizar o amálgama entre governo, partido e sindicato, na mais pura tradição stali-nista (“fora de lugar”) de aparelhamento do Estado e transformação das organi-zações de massa em “correias de transmissão” do governo. O comportamentosubserviente da CUT ao governo e a indicação do presidente da entidade paraocupar o cargo de ministro doTrabalho são exemplos paradigmáticos desse fe-nômeno.Os partidos em geral, e o PT em particular, se “estatizam”, acentuando o pro-

cesso de profissionalização que já vinha ocorrendo muito antes da eleição deLula.A profissionalização se manifesta no sentido de seus quadros “viverem” dapolítica, ocupando cargos e funções no aparelho de Estado e no próprio parti-do. O militante ideológico tradicional perde espaço. Reproduzem-se e reno-

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vam-se os traços fundamentais característicos da relação dos setores dominantescom o Estado: o patrimonialismo, o clientelismo e o empreguismo.O resultadoé a cooptação político-ideológica e o crescimento da importância de um seg-mento social específico, que se constituiu e se consolidou durante a década de1990.A característica maior dos integrantes desse segmento é o fato de serem ad-ministradores de fundos públicos e de fundos de pensão de empresas estatais, aomesmo tempo em que têm forte influência na CUT e no PT, confundindo-secom a burocracia e o corpo de funcionários dessas organizações (Oliveira 2003).A reforma sindical proposta pelo governo Lula, com a concentração do po-

der nas centrais sindicais, fortalece a burocracia sindical e facilita a cooptaçãodos dirigentes sindicais e os acordos de cúpula, bem como o controle do movi-mento sindical, com enfraquecimento dos sindicatos de base; além disso, difi-culta a greve como instrumento de luta (Druck, 2004).A natureza do governo Lula, o transformismo do PT e de seus principais qua-

dros dirigentes também são influenciados pela crise da democracia representa-tiva formal, produto da incapacidade histórica da burguesia se tornar hegemô-nica. O transformismo resulta, ainda, da imposição da “via única” (modelo libe-ral periférico) para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Entretanto, nãohá como minimizar o fato de que o PT não conseguiu se constituir como par-tido claramente socialista; sua dubiedade político-ideológica foi uma constante.Ademais, as sucessivas vitórias eleitorais do PT para prefeituras de municípios egovernos de estados, em um momento de fragmentação e enfraquecimento po-lítico das classes trabalhadoras, transformaram-no, aos poucos, em mais um par-tido da nova ordem liberal.A vitória para a Presidência da República apenas ex-plicitou, de forma clara e, para muitos, dolorosa, a conclusão desse processo.Com o abandono do programa histórico do PT, de caráter socialdemocrata,

nacional e popular, e com a manutenção das políticas liberais, o governo Lula evi-tou enfrentamentos com o bloco dominante, governando com ele e para ele.Nem de longe estamos vivendo uma fase de transição pós-neoliberal,mas sim oprocesso de ajustamento e consolidação do mesmo modelo liberal. Por um la-do, o governo Lula tem possibilitado maior unidade política do bloco domi-nante, isto é, tem reduzido o atrito no seu interior. Por outro, tem aprofundadoas divergências políticas no interior das classes trabalhadoras, em especial no queconcerne ao comportamento das direções sindicais e dos movimentos sociaisfrente à avaliação do governo e de suas políticas econômico-sociais.

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Na verdade, o governo Lula expressa, num sentido político abrangente e nãoimediato, a tentativa de constituir a hegemonia burguesa em sentido mais am-plo. Além de procurar soldar ainda mais as diversas frações do capital, busca ob-ter o consentimento das classes trabalhadoras para um projeto (ou discurso) “so-cial-liberal-desenvolvimentista”. Mas essa tentativa tem fôlego curto, pois o mo-do de acumulação vigente não permite crescimento sustentável, tendo em vista,principalmente, a demanda interna reprimida, a forte concentração da renda, ocrédito caro e os reduzidos investimentos públicos e privados.O alcance limita-do do projeto decorre, também, da sua incapacidade de contemplar os interes-ses dos distintos segmentos de trabalhadores. Entretanto, o discurso e algumaspolíticas pontuais dificultam a rearticulação e a retomada dos movimentos sociaise do movimento sindical, de forma independente e combativa, no sentido deconstruir outro projeto.A lógica financeira e a natureza concentradora e excludente do modo de acu-

mulação implicam a incapacidade e, mesmo, a impossibilidade estrutural de omodelo liberal tornar-se hegemônico.Esse modelo é incapaz de incorporar,mes-mo parcialmente, as demandas mais significativas das classes trabalhadoras, espe-cialmente dos seus segmentos organizados. Resta ao modelo articular de formaprecária e marginal a massa pauperizada e desorganizada, por meio de políticassociais focalizadas e de caráter assistencialista.Daí a necessidade de o governo Lula tentar controlar politicamente os movi-

mentos sociais e sindical por meio da cooptação – material e ideológica – dassuas direções. O objetivo é reduzir as tensões e impedir a autonomia do movi-mento social, dificultando as ações de mobilização e a construção de um proje-to democrático-popular alternativo ao do bloco dominante.Como conseqüência desse processo, desde o governo Collor, vem se acen-

tuando a balcanização do Estado, que expressa a redução da autonomia relativado Estado frente aos interesses imediatos dos setores dominantes. Distintas fra-ções do capital se apoderam abertamente de segmentos do aparelho estatal.Com o governo Lula, o capital financeiro mantém o controle sobre o Minis-

tério da Fazenda e o Banco Central, e, entre outros aspectos, exige a indepen-dência legal deste último – pois já a conquistou na prática.A partir dessas duas ins-tituições, o capital financeiro determina a política econômica e controla a execu-ção do Orçamento federal, subordinando as ações do Estado nas demais áreas.Nolimite, se necessário, ameaça desestabilizar econômica e politicamente o país.

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O agronegócio e os interesses exportadores, por sua vez, apoderaram-se doMinistério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria edo Comércio Exterior. A partir desses órgãos, defendem seus interesses – porexemplo, quando conseguiram aprovar a liberação dos transgênicos na agricul-tura e obtiveram medidas compensatórias para o câmbio valorizado. O papelprotagônico do agronegócio afeta, inclusive, o foco da política externa, princi-palmente as negociações comerciais multilaterais no âmbito da OrganizaçãoMundial do Comércio.Nesse sentido, vale notar a crescente prioridade atribuí-da à exportação de etanol, como mostra o Quadro 6.3.

Quadro 6.3

Etanol e seus efeitos

“É preocupante que a aposta do Brasil como liderança de uma novamatriz energética apartir da agroenergia – algo positivo, em tese – seja por um caminho que deve apro-fundar a concentração fundiária, a produção em monoculturas voltadas para a expor-tação e o esvaziamento da produção de alimentos.”

“A conclusão da Rodada Doha na OrganizaçãoMundial do Comércio, através de promes-sas de expansão das exportações da agricultura comercial em troca de perdas no setorindustrial, apresenta contradições agudas como objetivo de uma aceleração do cresci-mento econômico. O governo deve dizer claramente: crescer de formamais acelerada éefetivamente um objetivo, ou o que vale é o poder dos poucos que ganham com a ex-pansão do comércio internacional do país, em troca dos efeitos perversos sobre a ren-da, o emprego e omercado interno?”Fonte: Fátima Mello e Adhemar S. Mineiro. “Uma aposta preocupante”. O Globo, 13 de abril de 2007, p. 7.

Documento da Agência de Energia das Nações Unidas alerta sobre os efeitos dos bio-combustíveis.

“Entre os possíveis problemas, estão o agravamento do desmatamento, os conflitos pe-la posse da terra e o aumento do preço dos alimentos. Nos Estados Unidos, a expecta-tiva de um aumento da produção de biocombustíveis já fez subir o preço domilho, queé amatéria-prima para o etanol naquele país.”

“O Brasil lidera a produçãomundial de etanol obtido a partir da cana-de-açúcar.”

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(continua)

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“Os usineiros são acusados de desrespeitar as leis trabalhistas e submeter os cortado-res de cana-de-açúcar a condições desumanas de trabalho.”Fonte: “Biocombustíveis na berlinda”. O Globo, 1º demaio de 2007, p. 36.

A produção de etanol e as relações de trabalho arcaicas.

“A indústria de cana-de-açúcar continua reproduzindo ummodelo de relação trabalhis-ta do século XVII. Os cortadores de cana vivem àmargemda lei e trabalhamno limite daexaustão (jámorreramdezoito trabalhadores emSãoPaulo, comsuspeita de exaustão),enquanto os usineirosmantêmaprática antiga de se fecharememoligarquias pós-mo-dernas, mantendo a concentração de renda namão de poucos”.Fonte: Liana Melo e Cássia Almeida. “A desigualdade do etanol”. O Globo, 29 de abril de 2007, p. 29.

O governo Lula renovou o patrimonialismo e o empreguismo na relação dogoverno com as direções dos partidos que compõem sua base de apoio e comos dirigentes sindicais. Os instrumentos são, principalmente, as diretorias dosfundos de pensão das empresas estatais (Previ,Petrus e Funcef) e os conselhos dosbancos oficiais, com destaque para o Fundo deAmparo aoTrabalhador (FAT) doBNDES. Cargos públicos são ocupados por sindicalistas e funcionários do Par-tido dos Trabalhadores, com poder de decisão sobre o direcionamento de vul-tosos montantes financeiros.As sucessivas crises do governo Lula, de caráter ético-moral, são a ponta de um

iceberg.De fato, o centro dessas crises é sempre político e se refere à fragilidade eirrelevância da democracia representativa no contexto liberal, no sentido de nãoconseguir encaminhar os interesses das classes trabalhadoras.Essa realidade se ex-plicita de modo mais visível na balcanização do Estado, no crescimento da au-tonomia relativa do sistema político – descolando-se das suas bases de represen-tação – e na profissionalização explícita da atividade política.Do ponto de vista do bloco dominante, a disputa entre o PT e o PSDB ex-

pressa uma competição política para saber quem conduz, articula e sintetizamelhor os interesses das diversas frações da burguesia, para soldá-los e torná-los mais compatíveis entre si.Aqui cabe uma forte distinção das respectivas ba-ses sociais: o PSDB é, claramente, um partido de segmentos sociais de rendasmais elevadas, sem militância de base orgânica; o PT, apesar das transformaçõespor que passou, ainda tem base popular e militância articulada, embora em

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processo de redução, que estão associadas ao movimento sindical e aos movi-mentos sociais.Do ponto de vista político mais imediato, e além de divergências menores e

interesses particulares conjunturais, esses partidos se diferenciam pelo grau e aforma como defendem o modelo liberal periférico. O PSDB representa o fun-damentalismo liberal mais orgânico e ideológico.Entretanto, também nesse par-tido se encontra uma ala menos financista, que procura mitigar a hegemonia docapital financeiro com o discurso a favor da produção.O PT, por seu turno, tematuação mais pragmática, pois mantém um discurso de esquerda desenvolvi-mentista, cada vez mais difícil de ser sustentado, e descamba para uma defesa ge-nérica dos pobres, procurando associar-se aos programas de transferência rendado governo federal.Não obstante as diferenças, o modus operandi do governo Lula e do PT não é

significativamente distinto daquele do PSDB.No fundamental, a equação é com-posta pelas mesmas variáveis: financiamento das campanhas pelos grupos eco-nômicos dominantes, nepotismo e ocupação patrimonialista do Estado, relaçõesfisiológicas para balizar os acordos e relações utilitaristas com os grandes gruposeconômicos.O diferencial é o uso funcional das políticas assistencialistas.Agre-gando-se o assistencialismo na equação acima, temos o fenômeno do lulismoque, na síntese de Ricardo Antunes mostrada no Quadro 6.4, é “o governo quefala para os pobres, vivencia as benesses do poder e garante mesmo a boa vidaaos grandes capitais”.

Quadro 6.4

Lula e o lulismo

Ricardo Antunes, professor titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Hu-manas da Universidade de Campinas, escreveu artigo sobre o chamado lulismo, que re-sume, com concisão e precisão, a percepção demuitos analistas.

“Lula era uma expressão típica dos ‘peões’ do ABC, como osmetalúrgicos se autodeno-minavam. Mas a década seguinte, a dos anos 1990, trouxe mutações profundas, ini-cialmente com Fernando Collor de Mello e depois com Fernando Henrique Cardoso. Opaís estancou, os assalariados se informalizaram e o desemprego estrutural explodiu.O país se desertificou.

A economia política do governo Lula 193

(continua)

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OPT e a CUT sofreramna carne esse processo. Lula, o ex-metalúrgico, pouco a pouco sedistanciou de sua categoria (e classe) de origem, assumindo um modus vivendi maispróximo das classesmédias, como transparece no depoimento que deu a JoãoMoreiraSalles em Entreatos.

Seu crescente papel de tertius dentro do PT, com um séquito de lulistas sempre dandosuporte, ampliava sua tendência, que oscilava entre a liderança e o mandonismo, ain-da que nublada pela (aparência de) simplicidade em suas ações.

Como seus seguidores fiéis jamais faziam nenhum reparo, Lula, acentuando seu traçobonapartista, consolidava a imagem de um farol sempre iluminado que mostrou suaplenitude no poder, depois das eleições de 2002.

Distanciado da origemoperária, submerso no novo ethos de classemédia, galgando de-graus aindamais altos na escala social, tudo isso foi convertendo Lula em uma varian-te de homemduplicado que passou a admirar cada vezmais os exemplos daqueles quevêm ‘de baixo’ e vencem dentro da ordem. Daí sua admiração por personagens comoZezé di Camargo e Luciano, para ficar nesses exemplos.

Sua nova forma de ser gerou uma consciência invertida de seu passado e um deslum-bramento em relação ao presente.

Preservada a empatia ‘direta’ com asmassas, tendo semoldado celeremente pelo con-vívio com freqüentadores dos palácios, o lulismo, com seus dotes arbitrais – num mo-mento em que as frações dominantes não puderam garantir em 2002 a sucessão pre-sidencial – se tornou expressão de umgoverno que fala para os pobres, vivencia as be-nesses do poder e garantemesmo a boa vida aos grandes capitais.

Uma espécie de semibonapartismo, recatado frente à hegemonia financeira e hábil no ma-nuseio de sua base social, que vemmigrando dos trabalhadores organizados para os estra-tosmais penalizadosque recebemoBolsa Família. E para oqual o PT se tornoudispensável.

O que nos recorda o personagem Felix Krul, de Thomas Mann, que, após experimentaruma vida dúplice, confessou: ‘Percebi que a troca de existências não produziu apenasuma deliciosa renovaçãomas também certa obliteração nomeu interior, no sentido deque todas as recordações deminha vida anterior haviam sido exiladas deminha alma.’

O que ajuda a entender, então, por que Lula agora é só elogios para os usineiros."

Fonte: Ricardo Antunes, “O migrante e os usineiros”, Folha de São Paulo, 12 de abril de 2007.

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O Quadro 6.5 apresenta a síntese das principais conclusões deste capítulo.

Quadro 6.5

Principais conclusões: capítulo 6

Seção Capítulo 6

1 O governo Lula, no fundamental, tem trilhado o mesmo caminho do governoCardoso, dando nova legitimidade ao modelo liberal periférico e à sua políticamacroeconômica.

1 O que está em jogo é a mudança ou manutenção do modelo econômico atual,com suas correspondentes políticas macroeconômicas e sociais.

1 Mudanças efetivas na sociedade brasileira têm como condição prévia a derro-ta política do atual bloco de poder.

2 O transformismo do governo Lula se expressa no prosseguimento da políticaeconômica implementada no segundo governo Cardoso, desde a crise cambialde janeiro de 1999, e no reforço aomodelo dominante.

2 O governo Lula mantém em primeiro plano os interesses e a política econô-mica do capital financeiro, ao mesmo tempo que valoriza o agronegócio ex-portador.

2 Durante o governo Lula assiste-se à crise das instituições políticas e de repre-sentação política (dos sindicatos e partidos), que decorre tanto do processoobjetivo de redefinição da composição da classe trabalhadora, como tambémde cooptação político-institucional de parcela importante das direções sindi-cais e partidárias.

2 A crise de representação é fortemente alimentada pelo governo Lula, ao reali-zar o amálgama entre governo, partido e sindicato, na mais pura tradição sta-linista (“fora de lugar”) de aparelhamento do Estado e transformação das or-ganizações demassa em “correias de transmissão” do governo.

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(continua)

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2 O governo Lula tenta controlar politicamente osmovimentos sociais e sindicalpor meio da cooptação –material e ideológica – das suas direções com o obje-tivo de reduzir as tensões e impedir a sua autonomia, de modo a dificultar asações de mobilização e a construção de um projeto democrático-popular al-ternativo ao do bloco dominante.

3 A balcanização do Estado brasileiro expressa a redução da autonomia relativado Estado frente aos interesses imediatos dos setores dominantes, que se apo-deram abertamente de segmentos do aparelho estatal.

3 O governo Lula renovou o patrimonialismo e o empreguismo na relação do go-verno com as direções dos partidos que compõema sua base de apoio e os di-rigentes sindicais.

3 O modus operandi do governo Lula e do PT não é significativamente distintodaquele do PSDB e, no fundamental, a equação é composta pelas mesmas va-riáveis: financiamento das campanhas pelos grandes grupos econômicos, ne-potismo e ocupação patrimonialista do Estado, relações fisiológicas para bali-zar os acordos e relações utilitaristas com o poder econômico.

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Crescimento, acumulação e perspectivas

Este capítulo examina as perspectivas da economia brasileira. Está dividido emcinco seções. A primeira analisa o Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) lançado pelo governo Lula em janeiro de 2007. O PAC é tido como oreferencial estratégico que deve balizar as ações estruturantes e a gestão macroe-conômica no segundo mandato de Lula. O objetivo específico é verificar emque medida essa iniciativa traz maiores possibilidades de alterar a pífia trajetóriade desempenho da economia brasileira nos últimos anos.A seção 2 trata do tema da distribuição da riqueza e da renda. O argumento

central é que a tendência observada a partir de 1998, de melhora na distribui-ção pessoal da renda, não reflete mudanças estruturais.A distribuição funcionalda renda, que contrapõe trabalhadores e capitalistas, não se altera.Esse argumentoé verdadeiro tanto para o governo Cardoso quanto para o governo Lula.O Brasil parece experimentar um processo peculiar: a melhora da distribui-

ção pessoal da renda (que exclui, em grande medida, juros e lucros) acompanhaa piora da concentração da distribuição funcional da renda (de um lado, salários;de outro, juros e lucros). Na ausência de sinais de mudanças no padrão de acu-mulação de capital e na gestão macroeconômica, é muito provável que esse pro-cesso peculiar continue avançando em futuro próximo.A seção 3 trata das perspectivas futuras, com foco na situação dos jovens.A evi-

dência mostra problemas e incertezas crescentes em relação a escolarização, em-prego, renda, consumo de drogas, violência e migração.Durante o governo Lu-la, a evolução dessas questões tem afetado negativamente a percepção dos jovensbrasileiros a respeito das perspectivas futuras do país.A seção 4 analisa as principais hipóteses e variáveis que afetam os macroce-

nários econômicos para o Brasil no horizonte 2007-2010. O objetivo é desta-car o que há de comum e de diferente entre o cenário otimista do governo, oscenários marcados pelo otimismo qualificado e os cenários que destacam as in-certezas críticas.

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A quinta e última seção resume o quadro político-econômico presente noinício do segundo governo Lula e considera um cenário futuro possível, de-corrente de uma eventual reversão da atual conjuntura econômica interna-cional.

1. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)O PAC foi lançado em janeiro de 2007 e contém medidas orientadas para a ex-pansão da economia brasileira por meio da elevação dos investimentos em in-fra-estrutura no período 2007-2010.No caso dos investimentos do setor públi-co, há o compromisso com projetos específicos. No que se refere aos investi-mentos do setor privado, há medidas de expansão do crédito e de desoneraçãofiscal. O PAC contempla, ainda, medidas que pretendem melhorar o ambientede negócios, bem como diretrizes e parâmetros macroeconômicos.O investimento médio anual programado é de R$ 126 bilhões, que corres-

pondem, na média anual, a 4,3% do PIB no período 2007-2010, como mostraaTabela 7.1.A União deverá realizar investimentos totais de R$ 67,8 bilhões noperíodo, o que corresponde à média anual de R$ 17 bilhões. Em termos relati-vos, os investimentos da União representam 0,6% do PIB e correspondem a11,6% do total dos investimentos programados.A maior parte dos investimen-tos (88,4%) será financiada por empresas estatais e outras fontes.Vale ressaltar queesses investimentos já estavam previstos nos orçamentos e nos planos de negó-cios dessas empresas antes do lançamento do PAC. Portanto, o volume de re-cursos novos é pouco expressivo.

Tabela 7.1

PAC - Investimentos em infra-estrutura, acumulado: 2007-2010

Transporte Energia Habitação e TotalValores R$ bilhões saneamento

União 33,0 - 34,8 67,8

Estatais federais e demais fontes 25,3 274,8 136,0 436,1

Total 58,3 274,8 170,8 503,9

Média anual 14,6 68,7 42,7 126,0

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Participação no PIB %

União 0,3 - 0,3 0,6

Estatais federais e demais fontes 0,2 2,4 1,2 3,7

Total 0,5 2,4 1,5 4,3

Fonte: Ministério da Fazenda.

Os dados indicam que os investimentos da União são relativamente baixos.Ataxa média anual de investimento da economia brasileira foi de aproximada-mente 16% no período 2003-2006.Essa taxa esteve associada à taxa média anualde crescimento do PIB de 3,3%. Para que o país possa atingir taxas de cresci-mento de longo prazo da ordem de 5%, como previsto no PAC, a taxa de in-vestimento terá que subir para patamares superiores a 20%.É pouco provável queo multiplicador de renda gerado pelos investimentos da União, da ordem de0,6% do PIB, seja significativo.Exercícios de simulação mostram que as taxas de crescimento previstas no

PAC só têm consistência macroeconômica se a taxa média de investimento forde 24,6% no período 2007-2010 (Licha e Santichio, 2007, p. 4).Ou seja, o PACsupõe que a taxa média de investimento cresça 50% entre 2003-2006 e 2007-2010. Esse crescimento é pouco provável se considerarmos que não estão pre-vistas mudanças significativas nos eixos estruturantes da política macroeconô-mica. Como vimos no capítulo 3, esses eixos são:metas de inflação e juros altos;mega-superávit fiscal primário; câmbio flutuante e apreciação cambial; e libera-lização externa.No que se refere ao volume de investimentos das empresas estatais federais e

demais fontes, cerca de 2/3 estão concentrados no setor energético (petróleo,gás e eletricidade).Ainda que bem mais significativos que os gastos da União, es-ses investimentos expressam estratégias de investimentos em projetos específicosdessas empresas. Eles ocorreriam independentemente do PAC.Além de contemplar projetos já incorporados nos planos de negócios das em-

presas estatais (com destaque para a Petrobrás e a Eletrobrás), o PAC contemplaprojetos que já existiam antes.Alguns são antigos e vêm da época de programasimilar lançado no início do primeiro governo Cardoso, o Brasil em Ação, quefracassou.Vale lembrar também as experiências fracassadas do governo Lula, co-mo o Plano Plurianual 2004-2007, lançado em 2003, e a iniciativa de ParceriasPúblico-Privadas (PPP), de 2004.Também concebidas para estimular o investi-

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Page 199: A economia política do governo lula

mento em infra-estrutura, as PPPs são, na verdade, mais uma forma de privati-zação de serviços tradicionalmente oferecidos pelo Estado.Além de o PAC ser pouco ambicioso, visto o volume relativamente pe-

queno de recursos, também deve ser questionada a natureza de grande númerode projetos listados no programa, especialmente no setor de logística, comdestaque para os transportes.Da mesma forma que na iniciativa das PPPs, a ên-fase é na infra-estrutura de apoio às atividades de exportação, principalmen-te, de produtos primários.Assim, a mobilização de escassos recursos públicosé para consolidar a especialização em produção e exportação de produtos pri-mários. Trata-se de reforçar um dos pilares do modelo liberal periférico, for-talecendo o bloco dominante, no qual os produtores e exportadores têm pa-pel protagônico.Esse foco de investimentos na especialização retrógrada não se limita exclu-

sivamente ao PAC e ao setor de infra-estrutura.No horizonte 2007-2010, a po-lítica governamental de financiamento do setor industrial (principalmente, viaBNDES) está concentrada nos setores extrativistas e de insumos básicos.Os se-tores de hidrocarbonetos, extrativo mineral, siderurgia, papel e celulose e su-croalcooleiro repondem por 83% dos investimentos programados para o perío-do 2007-2010.Para ilustrar, o financiamento total do BNDES para o setor de pa-pel e celulose deverá ser de R$ 18 bilhões nesse período. O próprio BNDESreconhece que “a maior parte desses investimentos ... [é] de caráter autônomoem relação ao mercado interno [e] responde a movimentos da expansão e des-locamento da economia mundial” (Bandin, 2007, p. 11).O montante pequeno dos recursos comprometidos no PAC que estão dire-

tamente sob a responsabilidade da União fica evidente quando se consideram asdespesas anuais com os juros da dívida pública. Segundo as estimativas do go-verno, a previsão é que o pagamento líquido de juros da dívida pública corres-ponda a 5,6% do PIB em 2007, ou seja, aproximadamente R$ 140 bilhões, co-mo mostra aTabela 7.2.

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Tabela 7.2

Indicadores macroeconômicos previstos no PAC: 2007-2010

2007 2008 2009 2010 Média

PIB, var. real (%) 4,5 5,0 5,0 5,0 4,9

Inflação (%) 4,1 4,5 4,5 4,5 4,4

Taxa de juro Selic nominal 12,2 11,4 10,5 10,1 11,1

Superávit fiscal primário (% PIB) 4,25 4,25 4,25 4,25 4,25

Juros líquidos pagos (% PIB) 5,6 5,0 4,4 3,9 4,7

Resultado nominal (% PIB) -1,9 -1,2 -0,6 -0,2 -1,0

Dívida líq. setor público (% PIB) 48,3 45,8 42,9 39,7 44,2

Despesas com benefícios 8,2 8,1 8,1 8,2 8,2da Previdência (% PIB)

Despesa da União com 5,3 5,2 5,0 4,7 5,1pessoal (% PIB)

Memorando

PIB nominal R$ bilhões 2.527,1 2.772,9 3.042,6 3.338,5 2.920,2

Fonte: Ministério da Fazenda.

Os investimentos do PAC previstos para 2007 com recursos dos orçamentosfiscal e da seguridade social são de R$ 15,8 bilhões.Ainda sob a responsabilida-de da União estão programados mais R$ 8,7 bilhões de investimentos. O valortotal de investimentos programados é de R$ 24,4 bilhões e representa 17% dopagamento líquido de juros da dívida pública em 2007. Essa proporção cai para12,8% quando se considera a média do período 2007-2010.Ou seja, os investi-mentos federais em infra-estrutura representarão, em média, 0,6% do PIB, en-quanto os pagamentos de juros absorverão 4,7% do PIB no segundo mandatode Lula.Aprofunda-se, então, outra grave distorção do modelo liberal periféri-co, que é o desvio extraordinário de recursos públicos escassos para o bloco do-minante, que tem hegemonia do setor financeiro (Ávila, 2007).A fragilidade do PAC também é evidente quando se considera que ele está

aquém das necessidades do país.Menos de seis meses depois do lançamento doPAC, foram divulgadas as linhas gerais do Plano Nacional de Logística eTrans-portes (PNLT).O confronto dos dados sobre investimentos previstos no PAC ea necessidade de investimentos indicada pelo PNLT mostra claramente a insu-ficiência dos recursos do PAC, como mostra a Tabela 7.3. Em todos os setores

A economia política do governo Lula 201

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analisados há insuficiência de recursos, que varia de 19,5% no caso de aeropor-tos a 77,6% no caso de hidrovias. Para toda a área de logística e transporte, o in-vestimento médio anual previsto no PAC é de R$ 12,0 bilhões para o período2007-2010, enquanto no PNLT o investimento médio anual necessário paraevitar problemas ainda mais graves nessa área é de R$ 18,2 bilhões no período2007-2011. Ou seja, os recursos do PAC representam um déficit de 33,9% emrelação às necessidades de investimento na área de logística e transporte.

Tabela 7.3

PAC: Subestimativa de investimentosem logística e transportes (Investimentomédio anual em R$ bilhões)

PAC (investimentos PNLT (necessidade Déficit do PAC (%)previstos) de investimentos)

Rodoviário 8,43 10,57 20,2

Ferroviário 2,07 4,25 51,3

Hidrovias 0,15 0,67 77,6

Portos 0,67 1,82 63,2

Aeroportos 0,70 0,87 19,5

Total 12,02 18,18 33,9

Fonte: O Globo, 16 de julho de 2007, p. 17. Nota: PNLT = Plano Nacional de Logística e Transportes.

Os estímulos ao investimento privado, contemplados no PAC, envolvem fi-nanciamento, incentivos fiscais e mudanças no marco regulatório.No que se re-fere ao financiamento, o PAC sinaliza para: aumento dos recursos de emprésti-mo da Caixa Econômica Federal nas áreas de saneamento e habitação; melho-res condições nas linhas de crédito do BNDES, com redução do custo definanciamento; e criação do Fundo de Investimento em Infra-estrutura, com re-cursos do FGTS, no valor de R$ 5 bilhões.Os incentivos fiscais referem-se, principalmente, à isenção de pagamentos de

impostos (IRPJ,PIS e Cofins) nos novos projetos e maior prazo de recolhimentode impostos.Além da infra-estrutura, esses incentivos abrangem setores comoTVdigital, microcomputadores, aço, semicondutores e construção.As medidas regulatórias envolvem, principalmente, a recriação da Sudam e da

Sudene e a proposição de novas legislações sobre proteção ambiental, competên-cia das agências reguladoras, defesa da concorrência, saneamento e resseguros.Ao

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Page 202: A economia política do governo lula

mesmo tempo, não são contempladas no PAC mudanças efetivamente estrutu-rantes, como a redução do abuso de poder econômico por parte de empresas pri-vadas concessionárias de serviços de utilidade pública. O próprio Ministério Pú-blico e oTribunal de Contas da União têm apresentado críticas severas ao processode concessão de rodovias (O Globo, 12 de janeiro de 2007, p. 26). E, como ficouamplamente demonstrado no caso do caos aéreo e das tragédias de 2006-2007, aagência reguladora da aviação civil mostrou-se incapaz de controlar as práticas co-merciais restritivas e o abuso de poder das companhias aéreas.Particularmente preocupante é a situação do setor de energia.A privatização,

a desregulamentação e a falta de investimento mantêm o setor como incertezacrítica no desenvolvimento do país.A distorções ocorridas no governo Cardo-so, que causaram o “apagão” de 2001, foram agravadas no governo Lula, comoaponta o Quadro 7.1. Para ilustrar, vale notar que o custo da energia para o se-tor industrial cresceu 21% ao ano no período 2003-2007 (O Globo, 12 de janeirode 2007, p. 26), enquanto a variação média anual do índice de preços por ataca-do foi de 5,9% no mesmo período.

Quadro 7.1

Risco de apagão de energia continua

“Os riscos reais de faltar energia antes do término do segundo mandato de Lula sãomaiores do que os técnicos do Ministério de Minas e Energia têm admitido.” (p. 23)

“Não houve grandes investimentos emampliação da oferta de energia nos últimos qua-tro anos. Não fossem as chuvas abundantes, que enchem os reservatórios das hidre-létricas, teríamos um cenário semelhante ao que levou ao racionamento de 2001. Masbastaria não chovermuito daqui para frente e os riscos de uma crise em2009 ou 2010seriam consideráveis”, segundo Luiz Pinguelli, ex-presidente da Eletrobrás. (p. 25)

“Os riscos existemmesmo se o crescimento da economia não for tão vigoroso quantoanseia Lula”. (p. 25)

Ademais, “os grandes empresários andam apreensivos com o que definem como bura-cos negros no sistema. Os dois principais pontos de preocupação dizem respeito ao for-necimento de gás e ao perfil dos contratos no chamadomercado livre.” (p. 26)

“As regrascausaramprejuízosàsgeradorase inibiramnovos investimentos. Estima-seumatransferência de quase R$ 10 bilhões das empresas públicas para as privadas.” (p. 30)

A economia política do governo Lula 203

(continua)

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Page 203: A economia política do governo lula

Segundo outro especialista, Antonio Dias Leite, “o desarranjo do setor resulta de duasgrandes reformas feitas emmenos de uma década, uma na era FHC e outra no primei-romandato de Lula”, visto que “elas desorganizaramas relações entre os participantese isso leva um tempo para se acertar. Além disso, o atual governo optou por ummode-lo muito complicado.”

Fonte: CartaCapital, As travas do crescimento, 10 de janeiro de 2007, p. 21-31.

A ineficácia dos serviços de utilidade pública manifestou-se de forma ex-traordinária no chamado“apagão aéreo”.A crise da aviação civil começou coma quebra daVarig em junho de 2006, na qual o governo tomou a decisão denão intervir.O acidente com o avião da Gol, em setembro, causou a morte de154 pessoas. Nos meses seguintes ficaram evidentes a necessidade de investi-mentos em aeroportos e no sistema de controle aéreo, as práticas de abuso depoder econômico por parte das companhias aéreas, a fragilidade da agência re-guladora (Anac) e a inoperância do governo federal. Em julho de 2007 acon-teceu outro acidente, dessa vez com avião daTAM,no qual morreram cerca deduzentas pessoas.No contexto do PAC, a mudança do marco regulatório aponta no sentido de

aumentar riscos e incertezas no caso específico do meio ambiente.A percepçãoe a evidência disponível sinalizam que o governo Lula está acelerando os pro-cessos de licenciamento ambiental para os empreendimentos energéticos.Comodestaca o documento do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro(Corecon-RJ, 2007, p. 4), “investir no uso sustentável dos recursos naturais étambém uma forma de garantir crescimento econômico, mas essa possibilidadenão foi explorada no PAC, que adota a forma simplista de subsidiar a produção,desconsiderando os custos ambientais”.A crítica refere-se não somente à maiorpermissividade em relação aos custos ambientais dos grandes projetos de infra-estrutura (por exemplo, hidrelétricas como a do Rio Madeira),mas também da-queles decorrentes das atividades orientadas para a exportação de produtos pri-mários (mineração, pecuária e produtos agrícolas). Os especialistas têm destaca-do os elevados e crescentes custos ambientais decorrentes do avanço do modeloliberal periférico, que tem como um dos seus pilares a expansão das exportaçõesde produtos primários, como mostra o Quadro 7.2.

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Page 204: A economia política do governo lula

Quadro 7.2

Crescente custo ambiental

Segundo Carlos Eduardo Frickmann Young, professor do Instituto de Economia da UFRJe especialista em economia do meio ambiente, “quando se percebe espacialmente adistribuição de projetos do PAC em relação à Amazônia, que é 50% do território brasilei-ro, o que ele faz, basicamente, é criar sistemas de barateamento do custo de transpor-te das atividades agroexportadoras, tanto do ponto de vista ambiental quanto social,sem nenhuma perspectiva de ganho de longo prazo”.Jornal dos Economistas, Corecon-RJ, abril 2007, p. 10.

Os dados de pesquisa recente do IBGE chamama atenção para o fato de o “arco do des-matamento começa a avançar sobre a mata fechada em pelo menos quatro frentes. Amaior delas concentra-se no eixo da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém (PA), passan-do por uma dasmais ricas regiões amazônicas em recursos naturais”.

“O processo de desmatamento, como indicam os mapas, começa com a extração damadeira. Em seguida, os focos de incêndio abrem caminho para a pecuária. Só depoisé a vez das lavouras. A potencialidade para o cultivo de grãos se dá principalmente nasáreas de cerrado do Mato Grosso, Tocantins e sul do Maranhão, mas as frentes identifi-cadas nosmapasmostram avanços em Santarém,Marabá e Redenção, todas no Pará”.Fonte: O Globo, 26 de janeiro de 2007, p. 10.

O PAC contempla, também, algumas diretrizes que pretendem dar sustenta-bilidade macroeconômica ao programa. Entretanto, as medidas de política ma-croeconômica implicam séria contradição, pois têm viés restritivo em relação àexpansão da renda e, portanto, da demanda por serviços de infra-estrutura. OPAC reafirma limitações estritas dos gastos públicos, principalmente, dos gastossociais.Os principais destaques são as medidas específicas focadas na redução das des-

pesas. A primeira delas é a regulamentação do Regime de Previdência Com-plementar do Servidor Público, que envolve despesas com aposentadorias e pen-sões. É a continuação da reforma previdenciária feita em 2003.A segunda medida é a criação do Fórum Nacional da Previdência, que está

direcionado para o corte de direitos sociais (por exemplo, idade mínima de apo-sentadoria). O objetivo explícito é manter constante (em 8,2% do PIB) as des-

A economia política do governo Lula 205

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Page 205: A economia política do governo lula

pesas com benefícios da Previdência. Essas medidas têm impacto desfavorável àdistribuição de renda do país.Ademais, retiram poder aquisitivo, principalmen-te, de grupos de baixas rendas.A terceira medida específica trata da limitação ao crescimento da folha de sa-

lários da União, com a criação de um parâmetro composto pela agregação de1,5% à variação do IPCA.O objetivo é reduzir continuamente a despesa de pes-soal da União, como proporção do PIB, de 5,3% em 2007 para 4,7% em 2010.Além de eliminar a possibilidade de recuperação de perdas salariais ocorridas nopassado, a medida implica, na prática, o congelamento da despesa real per capitacom o funcionalismo público. Isso deverá ter como conseqüência a maior fra-gilidade do aparelho de Estado, afetando a eficácia da administração pública.O PAC também conserva a natureza geral restritiva da política fiscal. O me-

ga-superávit de 4,25% deverá ser mantido, ainda que flexibilizado com o deslo-camento de recursos equivalentes a 0,5% do PIB para o chamado Projeto Pilo-to de Investimentos (PPI).O viés restritivo não se limita à esfera fiscal.A diretriz básica de política mo-

netária, ainda que na aparência sugira mudança, na prática mantém o mesmoviés.Trata-se, aqui, da conhecida restrição ao desenvolvimento do país, criadapela política de juros altos. Como vimos naTabela 7.2, as previsões do PAC sãode taxa Selic nominal média de 11,1% e de taxa de inflação média de 4,4% noperíodo 2007-2010. Isso implica taxa de juros real média de 6,4%.Ainda que elarepresente uma queda em relação ao passado recente, não há dúvida que é rela-tivamente alta (Passarinho, 2007).Tomemos como comparação os atuais padrõesinternacionais. Para ilustrar, a taxa média de juro nominal dos países do Sudesteda Ásia e dos países da América Latina foi de aproximadamente 3% e 5%, res-pectivamente, em 2005-2006 (FMI-WEO, 2007).A manutenção do viés restritivo das políticas monetária e fiscal fortalece o

bloco dominante, no qual desempenham papel de destaque os bancos e os ren-tistas. No caso da política macroeconômica, o PAC,mais uma vez, reforça os pi-lares do modelo liberal periférico e mantém as travas macroeconômicas aos pro-cessos de acumulação de capital fixo, de distribuição de riqueza e renda e de de-senvolvimento econômico.Ainda como medida macroeconômica de grande impacto, o PAC define uma

regra de ajuste do salário mínimo no horizonte 2008-2011. O salário mínimodeve ser reajustado pela variação do INPC, acrescida da taxa de crescimento real

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Page 206: A economia política do governo lula

do PIB com dois anos de defasagem.O objetivo dessa medida é conter os gas-tos da previdência do setor privado (INSS). Essa medida implica retrocesso emrelação à experiência do passado recente, como se pode ver no Gráfico 7.1.Nosdois mandatos do governo Cardoso (1995-2002), o salário mínimo real cresceuà taxa média anual de 4,8%, enquanto no governo Lula (2003-06) essa taxa foide 6,1%.Considerando todo o período 1995-2006, a taxa média anual de cres-cimento real do salário mínimo foi de 4,9%.No contexto do PAC, a taxa deve-rá cair para 4,7%.

Gráfico 7.1

Salário mínimo real, var. % anual em subperíodos: 1995-2011

Fonte: Elaboração própria. IPEAdata e Ministério da Fazenda.

A política de salário mínimo estabelecida pelo PAC é um passo atrás. Ele pre-tende conter a expansão da massa salarial, bem como reduzir o“poder de fogo”des-se importante instrumento de redução da desigualdade no país. Isso não contribuipara acelerar o crescimento e,menos ainda, para o desenvolvimento econômico esocial do país via redução da desigualdade. Este é o tema da próxima seção.

2. Distribuição da riqueza e da rendaO Brasil tem níveis muito elevados de desigualdade na distribuição da riquezae da renda, quando comparados com o resto do mundo. Para ilustrar, em 1997a renda recebida pelo 1% mais rico correspondia a 13,8% da renda total (Hoff-

A economia política do governo Lula 207

5.5

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1995-98 1999-2002 1995-2002 2003-06 1995-2006 2007-10 2008-11 (PAC)

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Page 207: A economia política do governo lula

mann, 2000, p. 88). No que se refere à distribuição da riqueza, estimativas indi-cam que a riqueza apropriada pelo 1% mais rico representava 53,5% do estoquede riqueza total em Campinas em 1996 (Pinto, 2007, p. 89). Estimativas para oBrasil chegaram ao mesmo resultado em 1989:o contingente equivalente ao 1%mais rico se apropriava de 53% da riqueza total do país (Gonçalves, 2003a, p.133). Estimativas feitas em 1999 chegaram a 56,5% (Carcanholo, 2005, p. 188).Há evidências de que o grau de desigualdade na distribuição pessoal da ren-

da tem diminuído desde 1998. O indicador usado é o coeficiente de Gini, quevaria de zero a um, calculado sobre a distribuição da renda domiciliar per capita.Quanto mais elevado esse coeficiente, maior é a desigualdade.A queda do coeficiente de Gini aparece no Gráfico 7.2.Dentre os principais

fatores explicativos dessa tendência, podem ser destacados: as taxas de inflação re-lativamente baixas; os incrementos reais do salário mínimo;os benefícios da Pre-vidência Social; e as transferências de renda. No último caso, há diversos pro-gramas de governo, principalmente da União, como o Bolsa Família, como vi-mos no capítulo 5.

Gráfico 7.2

Coeficiente de Gini: 1995-2005

Fonte: IPEAdata.

Mas há um problema: os dados usados para o cálculo do coeficiente de Ginibaseiam-se na Pesquisa porAmostra de Domicílios (PNAD) do IBGE.Essa pes-quisa subestima a renda do capital (juros, lucros e aluguéis) e mostra, principal-

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0.601 0.602 0.6020.600

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

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Page 208: A economia política do governo lula

mente, a distribuição dos rendimentos recebidos por trabalhadores assalariadose autônomos.Portanto, o coeficiente de Gini expressa, em grande medida, a dis-tribuição intra-salarial da renda.No âmbito da Economia Política, a questão de maior relevância é a chamada

distribuição funcional da renda, que revela o padrão de desigualdade entre as di-ferentes classes sociais.Nesse sentido, o fundamental é verificar a distribuição darenda entre, de um lado,os trabalhadores e, de outro, os capitalistas (que recebemlucros e aluguéis) e rentistas (que recebem juros).A análise criteriosa da distribuição funcional da renda exige o uso de dife-

rentes indicadores, tendo em vista as deficiências dos dados disponíveis.Os dados sobre as Contas Nacionais apresentam informações relevantes sobre

a distribuição funcional da renda.A revisão realizada pelo IBGE em 2007 temdados para o período 2000-2004, apresentados no Gráfico 7.3.

Gráfico 7.3

Distribuição funcional da renda (%): 2000-05

Fonte: IBGE. Contas Nacionais.

Os indicadores usados são: (i) a relação entre os salários e o excedente opera-cional bruto (EOB); e (ii) a relação entre os salários e o PIB.O EOB usado pa-ra o cálculo é o seu valor líquido, que exclui o rendimento misto bruto (rendi-mento de autônomos) (Feijó et al, 2003, p. 62).A evidência é conclusiva: além de já terem peso relativamente baixo na ren-

da no Brasil, os salários tendem a perder participação relativa.Tem havido maior

A economia política do governo Lula 209

94,395,2

89,9

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32.5

Salários/EOB Salários/PIB

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Page 209: A economia política do governo lula

concentração funcional da renda, em prejuízo do trabalho e a favor do capital.A tendência vem desde meados da década de 1990 (primeiro governo Cardo-so) e continua no governo Lula (Gonçalves, 2006).A participação dos salários noPIB caiu de 32% em 2000-2001 para 31% em 2003-2004.Outro indicador sobre a evolução da distribuição funcional da renda é o di-

ferencial entre a variação do salário médio e o PIB per capita.O salário médio realtem queda contínua no período 1998-2004, enquanto o PIB real per capita temquedas em quatro anos (1998, 1999, 2001 e 2003). O diferencial entre a varia-ção do salário médio nominal e a variação do PIB nominal per capita é negativono período 1999-2005, como mostra o Gráfico 7.4. Esse movimento sinaliza aperda de participação relativa dos trabalhadores na renda, nesse período. Só em2006 o aumento do salário médio nominal voltou a ser maior que o crescimentodo PIB nominal per capita.

Gráfico 7.4

Diferencial entre a variaçãodosaláriomédio ea variaçãodoPIBper capita:1996-2006

Fonte: IBGE. Nota: saláriomédio refere-se ao rendimentomédio do trabalho principal nas regiõesmetropolitanasque fazemparte daPME-IBGE.

Quando confrontado com o desempenho do governo Cardoso nos seus doismandatos, o governo Lula não apresenta desempenho superior no que diz res-peito à distribuição da renda em favor da classe trabalhadora.Ao contrário. Noprimeiro mandato de Cardoso (1995-1998), no contexto do Plano Real, os tra-balhadores obtiveram ganhos reais de salário em 1995-1997.Ou seja, a variaçãodo salário médio real foi maior que a variação do PIB real per capita, como mos-

210 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

-12

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1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Salário nomimal / PIB nominal Salário real / PIB real

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Page 210: A economia política do governo lula

tra o Gráfico 7.5.Entretanto, houve aumento da concentração funcional da ren-da, tendo em vista a baixa geração de emprego e a elevação significativa da ta-xa de desemprego. No período 1999-2002, o desempenho da economia é ain-da pior e está associado não só à elevação da taxa de desemprego como à que-da dos salários reais. O diferencial acumulado entre a variação do salário médioreal e a variação do PIB real per capita é negativo (-4,2%).Agrava-se ainda maisa desigualdade na distribuição funcional da renda, com grandes perdas para os tra-balhadores.

Gráfico 7.5

Diferencial entre variação do salário médio e a variação do PIB per capitapor subperíodos: 1995-2006

Fonte: IBGE. Nota: Saláriomédio refere-se ao rendimentomédio do trabalhoprincipal nas regiõesmetropolitanasque fazemparte daPME-IBGE.

No período 2003-2006, a variação média anual do salário real foi de -2,1% edo PIB real per capita foi de 1,9%. Portanto, o diferencial entre a variação do sa-lário médio real e a variação do PIB real per capita foi negativa (-3,9%).Ainda queinferior à perda (-4,2%) observada no período 1999-2002, esse resultado indicaque, durante o governo Lula, a distribuição funcional da renda piorou, em de-trimento do trabalhador.A elevação do emprego no período 2003-2006 não compensa a queda do sa-

lário real. O resultado é a redução da massa salarial real. Para ilustrar, tomemosos dados sobre o número de pessoas ocupadas e o salário médio real nas regiõesmetropolitanas computados na Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE.Em 2006,

A economia política do governo Lula 211

4,8

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Salário médio real PIB real per capita Salário / PIB real

1995-1998 1999-2002 2003-2006

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Page 211: A economia política do governo lula

comparativamente a 2002, o emprego cresceu 17,6%, o salário real caiu 14,7%e a massa salarial manteve-se relativamente estável, como mostra a Tabela 7.4.Nesse período, o PIB teve crescimento acumulado de 14,1%. Portanto, a parti-cipação relativa dos salários no PIB se reduziu ao longo do período 2003-2006.

Tabela 7.4

Massa salarial, regiões metropolitanas, 2003-2006 (índice 2002 = 100)

Emprego Salário médio real Massa salarial PIB real

2003 108,3 88,5 97,9 101,1

2004 111,7 83,9 96,8 106,9

2005 115,0 83,9 98,2 110,0

2006 117,6 85,3 100,2 114,1

Fonte: IBGE. PesquisaMensal de Emprego. Notas: Emprego=população ocupadanas regiõesmetropolitanas (RMs): Recife, Salvador, Be-loHorizonte, Rio de Janeiro, SãoPaulo e Porto Alegre. Saláriomédio=Rendimentomédio real do trabalho principal, habitualmente recebidopor mês, pelas pessoas de 10 anos oumais de idade, ocupadas no trabalho principal da semana de referência.

Como vimos principalmente no capítulo 3, a gestão macroeconômica do go-verno Lula tem se caracterizado por políticas fiscal e monetária altamente res-tritivas.A política fiscal restritiva envolve os mega-superávits primários, superiores a

4% do PIB, ao mesmo tempo em que há déficit nominal.Tomando como refe-rência os dados do PAC discutidos na seção 7.1, a previsão é de superávit pri-mário de 4,25% do PIB e pagamento de juros líquidos de 5,6% do PIB em 2007.Isso significa a transferência de renda do conjunto da sociedade, que tem eleva-da propensão a consumir, para os rentistas (aqueles que vivem de juros), que têmbaixa propensão a consumir.A situação se agrava quando se considera que a es-trutura tributária brasileira é marcada pela regressividade.Portanto, a política fis-cal, além de restringir a expansão da demanda efetiva, também tem viés con-centrador de renda a favor dos rentistas e em prejuízo dos trabalhadores.A política monetária de juros altos também funciona no sentido de piorar a

distribuição funcional da renda.A transferência de valores vultosos na forma depagamento de juros é particularmente grave no caso da economia brasileira, poisos salários têm participação relativamente pequena na renda.Ainda no que se refere ao efeito distributivo da política monetária, cabe ana-

lisar a relação entre o preço do capital (taxa de juro) e o preço do trabalho (salá-rio). A relação juro/salário expressa a taxa de juro real em que o deflator é a va-

212 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 212: A economia política do governo lula

riação do salário médio nominal. Portanto, na óptica do trabalhador, essa relaçãoé um indicador relevante do grau de restrição da política monetária e da distri-buição funcional da renda.A política monetária foi especialmente restritiva em1998-1999,2001 e 2003 e, em conseqüência, houve forte elevação da relação ju-ro/salário, como mostra o Gráfico 7.6.Com exceção de 2003,os outros anos fo-ram marcados por crises cambiais que provocaram a elevação da taxa de juro,umdos instrumentos de ajuste externo.

Gráfico 7.6

Relação juro / salário: 1995-2006 (%)

Fonte: BACEN e IBGE. Notas: Relação juro/salário = taxa de juro nominal deflacionada pela variação do salário médio nominal. Juro no-minal = Taxa de juro Over / Selic. Salário nominal = rendimentomédio nominal do trabalho principal.

A relação média juro/salário foi de 16,2% em 1995-1998, 17,0% em 1999-2002 e 12,1% em 2003-2006. Portanto, o viés concentrador de renda da políti-ca monetária foi maior no governo Cardoso do que no governo Lula.Porém,de-ve-se destacar que em ambos os casos a relação é muito elevada.O forte viés concentrador da política monetária resulta na participação cres-

cente dos bancos no PIB, conforme mostra o Gráfico 7.7.Essa participação mos-tra tendência de crescimento desde 1995. Para ilustrar, a relação entre os ativostotais dos grandes bancos privados (Bradesco, Itaú e Unibanco) e o PIB au-mentou de 17,2% em 1999-2002 para 19,3% em 2003-2006. Em 2006, essestrês grandes bancos privados brasileiros responderam por 26% do ativo total e32% do patrimônio líquido total das 1.876 instituições que compõem o sistemafinanceiro nacional (BACEN, 2007).A dominação financeira evidencia-se tan-

A economia política do governo Lula 213

12,311,4

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26,4 25,7

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

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to no governo Cardoso como no governo Lula, sendo ainda mais evidente nes-te último. Esse indicador sugere que os rentistas estão se apropriando de parce-las crescentes da riqueza e da renda do país.

Gráfico 7.7

Participação dos grandes bancos no PIB (%), subperíodos: 1995-2006

Fonte: BACEN. Nota: “Grandes bancos” inclui Bradesco, Unibanco e Itaú.

Os indicadores analisados nesta seção mostram a redução da concentraçãopessoal da renda que inclui, principalmente, salários, benefícios previdenciáriose transferências.A tendência observada desde 1998 reflete, entre outros fatores,a redução dos salários mais elevados, a elevação do salário mínimo, os gastos daPrevidência e as transferências sociais.Entretanto, não há evidência de melhora na distribuição funcional da renda,

que confronta a remuneração dos trabalhadores com os ganhos dos capitalistas.Ao contrário.Até 2004 houve tendência de queda na participação dos saláriosna renda.As políticas monetárias e fiscais restritivas continuam funcionando co-mo mecanismos concentradores de renda e riqueza, principalmente, nas mãosdos rentistas que se beneficiam dos juros elevados.Percebe-se que não há distinção significativa entre os desempenhos dos go-

vernos Lula e Cardoso no que se refere à concentração da riqueza e à distribui-ção da renda.Ambos têm,em comum,o avanço da dominação financeira, um dostraços marcantes do modelo liberal periférico.Em termos de perspectivas, chama a atenção a ausência de mudanças signifi-

cativas nas diretrizes estruturais do processo de acumulação de capital fixo.

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11,6

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Ativo / PIB Patrimônio líquido / PIB

1995-1998 1999-2002 2003-2006

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O PAC revela, também, a ausência de mudanças significativas no padrão de ges-tão macroeconômica. Portanto, é muito provável que avanços marginais conti-nuem ocorrendo na distribuição pessoal da renda, simultaneamente com o re-trocesso na distribuição funcional da renda e da distribuição da riqueza.

3. Perspectivas para os jovensAlém de economistas, os autores deste livro são educadores preocupados com aformação das novas gerações.Portanto, é fundamental avaliar a evolução de ques-tões que são particularmente relevantes para os jovens brasileiros.Também cabeverificar como os jovens estão avaliando as perspectivas do Brasil.Esta seção apresenta resultados de pesquisas recentes que tratam diretamente

do passado, do presente e do futuro desses jovens. Esses resultados apontam pa-ra o fracasso dos governos Cardoso e Lula no enfrentamento das questões eco-nômicas, sociais, políticas e institucionais do país.Como corolário, sinalizam a fal-ta de perspectivas favoráveis para o futuro.A questão da escolarização é fundamental para o desenvolvimento social, po-

lítico e econômico.Os dados disponíveis naTabela 7.5 mostram que aumentoua proporção de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola em 2004-2005 compa-rativamente a 2003.

Tabela 7.5

Mais jovens fora da escola

Percentual dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola

2001 18,9

2002 18,5

2003 17,6

2004 17,8

2005 18,0

Fonte: IBGE-PNAD.

O Brasil tem índices de violência muito elevados.A violência atinge, princi-palmente, a população mais jovem.Considerando as mortes de jovens por armasde fogo, o Brasil tem o mais elevado índice em um painel de 65 países, comomostra a Tabela 7.6. No que se refere à taxa de homicídios de jovens, o Brasil

A economia política do governo Lula 215

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Page 215: A economia política do governo lula

ocupa a terceira posição.Vale notar que o número de homicídios cresce mais nointerior do país do que nas capitais e nas regiões metropolitanas.As maiores ta-xas de homicídios na população jovem ocorrem nos estados do Rio de Janeiro,Pernambuco, Espírito Santo, Distrito Federal e Amapá.

Tabela 7.6

Mortes e homicídios de jovens: recordes mundiais

Ranking Taxa demortes de jovens por armas de fogo Taxa de homicídios de jovens,(homicídios, acidentes, suicídios e causas por 100mil – 84 paísesindeterminadas), por 100mil – 65 países

País Taxa País Taxa

1 Brasil 43,1 Colômbia 95,6

2 Venezuela 38,3 Venezuela 65,3

3 Belize 17,6 Brasil 51,7

4 Uruguai 15,2 Porto Rico 50,1

5 Guiana 11,0 Santa Lúcia 29,4

Fonte: Organização Mundial de Saúde e “Mapa da Violência 2006. Os jovens do Brasil”. Nota: Os dados do Brasil referem-se a 2004.

Nos últimos anos tem crescido significativamente a taxa de desemprego en-tre jovens, como mostra aTabela 7.7.Na faixa etária de 16 a 17 anos, a propor-ção de jovens que só estudam é de 54,4%; na faixa de 18 a 19 anos, a proporçãocai para 27,6%.O desemprego afeta 5,1 milhões de jovens. Somente 12,5% dosjovens empregados têm rendimento mensal superior a dois salários mínimos.

Tabela 7.7

Maior desemprego dos jovens

Taxa de desemprego (%)

10 a 17 anos 18 a 24 anos

1995 11,5 10,7

1998 17,6 16,0

2001 17,5 17,0

2003 19,0 18,0

2004 19,6 17,1

2005 21,5 18,0

Fonte: IBGE. Síntese de Indicadores Sociais. Nota: Exclui o Norte rural.

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No período 2001-2005 houve aumento do consumo de tabaco, bebidas al-coólicas, maconha, solventes e cocaína, como apresentado naTabela 7.8.Esse fe-nômeno é particularmente evidente no caso dos jovens.Na faixa etária de 12 a17 anos, a proporção de jovens que consomem bebidas alcoólicas aumentou de48,3% em 2001 para 54,3% em 2005. No conjunto da população, a proporçãode usuários de cocaína aumentou de 2,3% em 2001 para 2,9% em 2005. Poroutro lado, diminuiu a proporção de pessoas, principalmente jovens, que rece-beram algum tratamento para o uso de álcool ou drogas.

Tabela 7.8

Maior consumo de drogas e álcool pelos jovens

Consumo de drogas – 2001 2005uso na vida (% da população)

Bebidas alcoólicas

12 a 17 anos 48,3 54,3

18 a 24 anos 73,2 78,6

Total 68,7 74,6

Tabaco

Homens 46,2 50,5

Mulheres 36,3 39,2

Total 41,1 44,0

Maconha 6,9 8,8

Solventes 5,8 6,1

Cocaína 2,3 2,9

População que já recebeu algum tratamento para uso de álcool ou drogas (%)

12 a 17 anos 2,8 1,0

18 a 24 anos 4,9 2,3

Total 4,0 2,9

Fonte: Secretaria Nacional Antidrogas.

Os problemas na educação, as dificuldades crescentes para obter emprego ebons salários, o esgarçamento do tecido social com o aumento da violência e doconsumo de drogas e a falta de perspectivas estão entre os inúmeros fatores que

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Page 217: A economia política do governo lula

levam os jovens brasileiros a migrar para o exterior à procura de melhores opor-tunidades. Os dados sobre imigrantes legais nos Estados Unidos mostram clara-mente a tendência de aumento do número de brasileiros que migram para essepaís: 4.574 em 1997, 9.439 em 2002 e 17.910 em 2006, como mostra a Tabela7.9.Durante o governo Lula atinge-se o nível recorde de emigrantes brasileirospara os Estados Unidos.

Tabela 7.9

Jovens brasileiros emigram cada vez mais

Imigrantes legais brasileiros nos Estados Unidos

Número Brasil / Total (%)

1997 4.574 0,57

1998 4.380 0,67

1999 3.887 0,60

2000 6.943 0,83

2001 9.448 0,89

2002 9.439 0,89

2003 6.331 0,90

2004 10.556 1,10

2005 16.664 1,48

2006 17.910 1,41

Fonte: US Government. Department of Homeland Security. Yearbook of Immigration Statistics. 2006.Disponível: http://www.dhs.gov/xlibrary/assets/statistics/yearbook/2006/table03d.xls.

A tendência de emigração é ainda mais evidente quando se considera a par-ticipação no fluxo total de imigração nos Estados Unidos.Essa participação ten-de a crescer desde 1997, mas a tendência torna-se ainda mais forte a partir de2004.As estatísticas do governo dos Estados Unidos mostram, ainda, que mais de1/4 do fluxo de imigrantes é de brasileiros com menos de 25 anos e aproxima-damente 2/3 têm menos de 35 anos.Frente à situação descrita, não é surpreendente que os jovens brasileiros este-

jam pessimistas em relação ao futuro. Segundo Edgar Flexa Ribeiro, presidentedo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio (Sinepe-Rio),“o jovem es-tá vendo muito pouca perspectiva à sua frente.Vivemos uma crise geral de va-lores que se reflete diretamente no comportamento deles. Se queremos resgatar

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a esperança, precisamos de uma mudança estrutural.O problema não está só nospais, na escola.Está no país em que vivemos, que não oferece alternativa aos ado-lescentes” (O Globo, 16 de setembro de 2006, p. 17).Como mostra aTabela 7.10, aproximadamente a metade dos jovens pensa que a

situação do país estará pior no futuro e 1/3 acredita que a situação estará melhor.

Tabela 7.10

Jovens pessimistas com o futuro (Distribuição percentual)

Como será o futuro?

Pior Melhor Igual Sem opinião

No bairro ondemora 41 38 20 1

No Rio de Janeiro 48 32 18 2

No Brasil 46 32 20 2

Nomundo 48 24 24 4

Como o Brasil é visto

Existe Não existe

Exploração dosmais fracos 7026

Amor à pátria 45 48

Respeito ao trabalho 33 61

Boas possibilidades para a realização de projetos pessoais 32 55

Reconhecimento e valorização domérito pessoal 25 61

Segurança para planejar a vida 23 63

Bons governos 17 76

Boas práticas políticas 13 80

Fonte: Ibope e Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio (Sinepe-Rio). Nota: Totais não somam 100 porque parcela dos entre-vistados não tem opinião sobre a questão.

Os jovens avaliam que os problemas mais graves do país são a violência e o de-semprego. E 85% deles afirmam que os políticos são aqueles em quem menosconfiam.Os jovens também expressam grande pessimismo em relação ao Brasil.Destacam

a inexistência de boas práticas políticas e de bons governos.Chamam a atenção, tam-bém, para a exploração dos mais fracos e a falta de segurança para planejar a vida.

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Page 219: A economia política do governo lula

4. Cenários macroeconômicosOs macrocenários nacionais envolvem um conjunto de incertezas críticas rela-tivas à situação econômica internacional e à evolução de variáveis endógenas.Noplano externo, a questão central é a evolução da atual fase ascendente do cicloda economia mundial.As variáveis determinantes são: o crescimento da renda,principalmente, nas economias-locomotivas (Estados Unidos e China); o de-sempenho do comércio mundial no que diz respeito a quantidade e preços, prin-cipalmente das commodities, e à natureza das políticas comerciais (mais liberaliza-ção ou protecionismo); e a volatilidade dos fluxos internacionais de capitais.No plano doméstico, as incertezas críticas são: condições econômicas; natu-

reza das políticas macroeconômicas; infra-estrutura; situação social; governan-ça; evolução institucional; e coesão política do bloco dominante.No início do segundo governo Lula, os macrocenários dominantes envol-

vem um viés otimista em relação ao futuro da economia mundial e da bra-sileira. O otimismo está expresso nas diretrizes e parâmetros do Programade Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro de 2007. Em outros exer-cícios de simulação, o afrouxamento de determinadas hipóteses gera um cer-to otimismo qualificado, como é o caso do cenário elaborado pela revistaThe Economist em junho de 2007.As previsões desses dois cenários são apre-sentadas na Tabela 7.11.

Tabela 7.11

Cenários macroeconômicos: 2007-10

2007 2008 2009 2010 Média 2007-10

Governo federal – PAC

PIB, var. real 4,5 5,0 5,0 5,0 4,9

Inflação, IPC 4,1 4,5 4,5 4,5 4,4

Saldo contas públicas total -1,9 -1,2 -0,6 -0,2 -1,0

Saldo transações correntes (% do PIB) 1,0 0,5 0,3 0,1 0,5

Taxa de juro básica, Selic (média) 12,2 11,4 10,5 10,1 11,1

Taxa de juro real (%) 7,8 6,6 5,7 5,4 6,4

Taxa de câmbio R/US$ (média) 2,0 2,1 2,2 2,3 2,2

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Page 220: A economia política do governo lula

2007 2008 2009 2010 Média 2007-10

The Economist

PIB, var. real 3,9 3,7 3,6 3,7 3,7

Inflação, IPC 3,3 3,7 4,0 3,8 3,7

Saldo contas públicas total -2,4 -2,1 -1,6 -1,2 -1,8

Saldo transações correntes (% do PIB) 1,0 0,5 0,3 0,4 0,6

Taxa de juro básica, Selic (média) 11,9 10,0 9,8 9,5 10,3

Taxa de juro real (%) 8,3 6,1 5,6 5,5 6,4

Taxa de câmbio R/US$ (média) 2,0 1,9 1,9 2,0 1,9

Fontes: Ministério da Fazenda. PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. The Economist. Country Briefings. Brazil.http://www.economist.com/countries/Brazil/PrinterFriendly.cfm?Story_ID=9396089.

Estes cenários têm, em comum, o fato de que pressupõem a manutençãode um contexto internacional favorável e das diretrizes da atual política ma-croeconômica: metas de inflação e estabilidade da inflação; superávit fiscal pri-mário; câmbio flutuante; e liberalização externa. Os cenários implicam: taxade inflação constante; redução gradual da taxa de juro real;manutenção do ní-vel e do processo de apreciação real do câmbio; menor grau de restrição aosgastos públicos de investimento; déficits fiscais decrescentes; redução gradualdo superávit das contas de transações correntes do balanço de pagamentos;redução dos gargalos setoriais na infra-estrutura física; melhoras marginais nasituação social; manutenção da governança e da governabilidade; continuida-de e consolidação do bloco dominante; e estabilidade do modelo liberal pe-riférico.Por outro lado, a principal distinção entre os cenários econômicos otimistas

reflete, fundamentalmente, diferenças quanto às hipóteses de comportamentodas seguintes variáveis: contexto internacional; taxa de investimento da econo-mia brasileira; e restrições na infra-estrutura. No que se refere ao contexto in-ternacional, os otimistas supõem a manutenção da atual fase ascendente do ci-clo da economia mundial, enquanto os adeptos do otimismo qualificado supõemuma desaceleração moderada da economia mundial. Desaceleração forte, rever-são ou choques externos são descartados pelos otimistas.Ou seja, a demanda porprodutos brasileiros no mercado mundial continuará elevada, os preços das com-modities continuarão altos, a liquidez internacional permanecerá “empoçada” eos investimentos externos tenderão a crescer no futuro.

A economia política do governo Lula 221

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No plano interno, os otimistas acreditam que o PAC elevará de forma signi-ficativa a taxa de investimento da economia brasileira, da média de 16% em2003-06 para algo próximo de 25% em 2007-2010. Os adeptos do otimismoqualificado não acreditam que os recursos do PAC para investimentos públicosem infra-estrutura e os estímulos para o investimento privado sejam capazes decausar tamanha elevação na taxa de investimento.Os otimistas também supõemque os investimentos do PAC reduzirão significativamente as sérias restrições deinfra-estrutura que dificultam o processo de crescimento da produção.No en-tanto, há analistas que afirmam que a redução de gargalos não será tão signifi-cativa e que riscos persistem em áreas como energia, logística e transportes.Co-mo resultado, naturalmente, aparecem diferenças a respeito das taxas de cresci-mento da renda nos exercícios de previsão.Assim, enquanto o PAC prevê umataxa média anual de crescimento real do PIB de 4,9% no período 2007-2010,as projeções de The Economist implicam taxa média de 3,7%. Essa diferença de1,2% é significativa, visto que o crescimento populacional do país deve ser de1,3% ao ano.Exercícios de macrocenários são importantes nem tanto pela manutenção e

projeção de tendências, mas principalmente pela avaliação dos riscos e incerte-zas que implicam reversão de tendências. No caso do Brasil, a trajetória futurade médio e longo prazo do país estará condicionada, em grande medida, pelocontexto internacional. Forte desaceleração da economia mundial, reversão dociclo atual e choques externos recolocarão o país em uma trajetória de instabi-lidade e crise, pois, como vimos, a economia brasileira continua a apresentar ele-vado grau de vulnerabilidade externa estrutural.No que se refere à infra-estrutura, é evidente que os investimentos têm re-

sultados de mais longo prazo. Em muitos casos – por exemplo, de hidroelétricas–, a entrada em operação das unidades de produção pode demorar mais de cin-co anos. Ou seja, é muito provável que as já sérias restrições na infra-estruturacontinuem como obstáculos ao crescimento da produção, reduzam a eficiênciaeconômica e gerem inflação de custos em futuro próximo.A governança (capacidade gerencial e organizacional do governo) é outra in-

certeza crítica.No governo Lula, a governança é reconhecidamente baixa, comoindicam os riscos crescentes de problemas energéticos e os recentes acidentes aé-reos. Como vimos no capítulo 3, há evidência sobre um retrocesso da gover-nança durante o governo Lula. É pouco provável que haja alterações importan-

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Page 222: A economia política do governo lula

tes em futuro próximo.As avaliações de riscos crescentes na área de energia e oagravamento da crise do transporte aéreo ilustram claramente o problema.A questão da governabilidade refere-se à capacidade do governo formular e

implementar políticas (eficazes ou não) e depende da sua base de sustentaçãopolítica.Os mecanismos de cooptação política atualmente usados pelo governoLula podem ter retorno decrescente, principalmente nos dois últimos anos do se-gundo mandato.A síndrome do “pato manco” (perda de credibilidade dos diri-gentes) que afeta governantes em final de governo, principalmente no segundomandato, pode atingir o processo de governabilidade.A ausência de resultadosna área social, que transcendam as medidas assistencialistas, pode revitalizar osmovimentos de resistência ao modelo liberal periférico.A governabilidade também pode ser afetada negativamente pela deterioração

institucional do país.Trata-se, aqui, não só da crescente fragilidade do Estado pa-ra enfrentar o grave problema da violência,mas também o avanço dos casos e es-cândalos de corrupção que podem atingir diretamente representantes do poderpúblico nos mais altos escalões da República.Como determinante fundamental dos macrocenários futuros, não há como

negligenciar a questão da coesão do bloco dominante. Com a aproximação daseleições de 2010 e as turbulências econômicas, sociais, políticas e institucionais, éprovável que a continuidade e consolidação desse bloco corra sérios riscos. Nocontexto de acirramento da concorrência em relação ao excedente econômico,em geral, e aos recursos do Estado, em particular, é provável que surjam confli-tos e desarticulação do bloco dominante.As disputas intrabloco podem nascer, in-clusive, da dificuldade de o Estado desempenhar seu papel de mediador de con-flitos entre as frações do capital. Esta é uma hipótese que não deve ser descarta-da para o segundo governo Lula.

5. PerspectivasEste livro faz um balanço da natureza das políticas econômicas e sociais do pri-meiro governo Lula e seus impactos sobre a dinâmica da economia brasileira noperíodo. Em particular, demonstra como e por que o governo deu continuidadeàs mesmas políticas postas em prática pelo segundo governo Cardoso, eviden-ciando a consolidação do mesmo bloco de poder e o processo de transformismopolítico que atingiu o Partido dosTrabalhadores e suas principais lideranças.

A economia política do governo Lula 223

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Page 223: A economia política do governo lula

O livro demonstra também que, apesar da manutenção do modelo liberal pe-riférico e da mesma política econômico-social, naquilo que esta tem de essen-cial, os resultados alcançados, expressos nas diversas variáveis macroeconômicasrelevantes, apontam para um melhor desempenho do governo Lula quando com-parado ao segundo governo Cardoso (1999-2002).A evidência empírica apre-sentada não deixa dúvidas quanto à circunstância fundamental que permitiu dis-tintos resultados macroeconômicos: a conjuntura econômica internacional, alta-mente favorável, a partir de 2003.Os resultados macroeconômicos alcançados nos primeiros seis meses do se-

gundo governo Lula reiteram as tendências de maior taxa de crescimento e es-tabilização das taxas de desemprego, redução da taxa de inflação, elevados supe-rávits na balança comercial, redução da dívida externa, aumento das reservas in-ternacionais e da dívida líquida total do setor público, além de diminuição davulnerabilidade externa conjuntural da economia brasileira.Estamos em um momento de menor instabilidade macroeconômica e de

legitimação do modelo liberal periférico e da política econômica ortodoxa– com a manutenção da hegemonia do capital financeiro e do setor expor-tador no interior do bloco de poder. Entretanto, persistem as altas taxas de ju-ros e a valorização do câmbio, elevadas taxas de desemprego, o alto grau deconcentração de riqueza e renda, a precarização do trabalho e a ausência deuma política industrial efetiva.O quadro se completa com as políticas sociais focalizadas, que passam ao lar-

go do enfrentamento estrutural da pobreza e da péssima distribuição de rique-za e renda.Há uma ampla frente política pelo crescimento econômico, que des-loca para segundo plano todos os temas e problemas que não se relacionam – di-reta e imediatamente – com maiores taxas de crescimento do PIB. Daí aproeminência do PAC como carro-chefe da política e do marketing lulista.Ape-sar de trazer o Estado para um lugar de maior destaque na esfera econômica, ogoverno Lula reforça as características fundamentais do modelo liberal periféri-co e atende a sua dinâmica: consolidação da inserção internacional passiva (co-mercial, produtiva, tecnológica e financeira), privatização de segmentos da infra-estrutura e manutenção de elevados superávits fiscais primários.Em suma, o governo Lula não aproveita as circunstâncias internacionais

favoráveis para reduzir estruturalmente a vulnerabilidade externa do país.Aocontrário, embalado por elevados superávits comerciais, o modelo liberal pe-

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Page 224: A economia política do governo lula

riférico tem se mantido intacto, abrindo ainda mais a conta financeira do ba-lanço de pagamentos.A eventual reversão da atual conjuntura – caracterizada por grande liquidez

internacional e por uma fase ascendente do comércio –, que favorece enorme-mente as exportações de todos os países da periferia, inclusive o Brasil, terá im-pactos decisivos sobre a dinâmica da economia brasileira.Essa mudança, que po-derá ocorrer a partir da desaceleração das economias americana e chinesa, cadavez mais articuladas comercial e financeiramente, terá um efeito desestabilizadortanto maior quanto mais frágil for a inserção internacional de cada país. Se equando isso ocorrer, qualquer que venha a ser o futuro governante do Brasil, asfragilidades do país reaparecerão com toda a força, evidenciando mais uma vezos limites estruturais do modelo liberal periférico e da sua política macroeco-nômica.Os efeitos sobre a economia brasileira e a resposta das autoridades econômi-

cas são conhecidos.A desaceleração do comércio mundial terá um impacto ime-diato sobre o valor das exportações, com a redução das quantidades exportadase a queda dos preços das commodities agrícolas e industriais.A redução dos saldosda balança comercial e, em conseqüência, da conta de transações correntes do ba-lanço de pagamentos, implicará aumento da dependência em relação aos fluxosde capitais internacionais necessários para o equilíbrio do balanço de pagamen-tos. Como essa situação será a regra dos países periféricos, as taxas de juros exi-gidas pelos capitais de curto prazo – com tendência a buscar proteção nos títu-los do governo americano – tenderão a se elevar, provocando, em cadeia, a ele-vação das taxas de juros domésticas. Em resumo: reaparecerá a vulnerabilidadeexterna estrutural da economia brasileira – mascarada até aqui pelos grandes sal-dos obtidos no comércio exterior –, agora também explicitada pelo seu lado co-mercial e reforçada pelo lado financeiro.O crescimento da vulnerabilidade externa, num quadro de redução dos sal-

dos da balança comercial e de elevadas taxas de juros, será acompanhado de umaaceleração no crescimento das dívidas externa e interna, o que tornará aindamais débeis os efeitos da política de elevados superávits primários – evidencian-do-se, mais uma vez, que o problema fundamental da fragilidade financeira doEstado está na vulnerabilidade externa e na política monetária.O fraco desempenho da economia brasileira, provocado pela elevação da ta-

xa de juros, dificultará mais ainda a obtenção dos superávits primários – pela re-

A economia política do governo Lula 225

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dução das receitas tributárias do Estado e o crescimento dos gastos obrigatórioscom a Seguridade Social.A face mais perversa do processo será o crescimentodo desemprego e da pobreza, bem como a maior transferência de recursos pú-blicos para os rentistas via pagamento de juros.Como das outras vezes, a saída da crise será buscada em nova elevação da ta-

xa de juros para níveis estratosféricos, o que implicará maior fragilidade do se-tor público e mais ajuste fiscal. Como a carga tributária já está muito elevada eo investimento público está em níveis muito baixos, restará, dentro do modelo,o corte de despesas correntes, com a maior desvinculação entre receita e despe-sa (um maior percentual para o mecanismo da desvinculação da receita da União)e novas reformas liberais: trabalhista e outra da Previdência Social, com reduçãode direitos sociais e trabalhistas. Ou seja, o caminho de saída da crise será sem-pre no sentido de aprofundar o modelo liberal periférico, numa eterna fuga pa-ra frente. Não há alternativa, até que venha uma nova crise.Do ponto de vista político, a desarticulação dos campos político-ideológi-

cos é cada vez maior. O transformismo do PT e de Lula, ao ocupar o espaçotradicionalmente mantido pelas forças políticas conservadoras, deu um xeque-mate na oposição de direita, que perdeu o rumo e o prumo.Ao mesmo tem-po, também conseguiu desarticular e reduzir significativamente a capacidadepolítica da frente de esquerda que tradicionalmente confronta as forças políti-co-sociais que sustentam o modelo liberal periférico.A“grande política” (pro-jetos, programas, transformações estruturais e utopias) cedeu espaço para a“pe-quena política” (divisão de cargos, prestígio, fisiologismo, negócios e acordoscorporativistas).A continuação de escândalos ético-morais no segundo governo Lula, tendo

por epicentro a sua base política – mas que, o mais das vezes, englobam tam-bém políticos e grupos da oposição de direita –, é a ponta do iceberg que de-nuncia a atual irrelevância da política institucional como instrumento de mu-danças econômico-sociais significativas a favor dos setores subalternos da so-ciedade brasileira.O canto do cisne da mudança da política econômica ortodoxa e das alianças

políticas características do primeiro governo Lula, ouvido durante o segundoturno da campanha eleitoral para Presidência da República no final de 2006,não durou muito tempo.A formação do ministério do segundo governo Lula,no primeiro semestre de 2007, reflete a continuidade.

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A base política do segundo governo Lula, em razão da completa desfiguraçãodo Partido dosTrabalhadores, foi constituída de forma ainda mais precária e fi-siológica do que foi no primeiro. Pautado em acordos pontuais pragmáticos –com partidos e personagens tradicionalmente parasitas do Estado –, o governotenderá a ter uma trajetória errática. Em resumo: a partir de 2007, o crescimen-to do lulismo gerará uma grande instabilidade política – maior do que no pe-ríodo 2003-2006 –, com o posicionamento do governo flutuando entre o cen-tro e a direita do espectro político, ao sabor da conjuntura mais imediata.A tragédia maior de todo o processo, até aqui, é a desarticulação, divisão e

incapacidade da oposição de esquerda ao modelo econômico e às políticas or-todoxas. Essa oposição não consegue constituir uma alternativa política rele-vante. Isso engloba tanto a esquerda que está dentro do PT (extremamenteminoritária e irrelevante na condução e nos rumos do governo) quanto aque-la que está fora do partido e do governo Lula. Essa situação tem reflexos ime-diatos nos movimentos social e sindical, que também são atingidos pela divi-são e a fragmentação.No campo da oposição de esquerda, a capacidade de reação – com a consti-

tuição de um sujeito político coletivo relevante – está condicionada à formaçãode um consenso mínimo sobre a natureza e os limites do governo Lula, bemcomo os objetivos que devam ser perseguidos pelas forças políticas que com-põem esse campo.Adicionalmente, a reconstituição de uma oposição de esquerdamais vigorosa e aguerrida passa também pela revitalização dos movimentos so-ciais e o surgimento de novas lideranças, em substituição às atuais lideranças vin-culadas ao lulismo – que conseguiram, até aqui,“blindar” o governo Lula e se-gurar a insatisfação política em nome da governabilidade e de futuras mudanças,indefinidamente adiadas.Em suma, a construção de uma alternativa ao modelo liberal periférico e às

suas políticas econômicas é uma tarefa que depende muito menos de propostasformuladas pelos economistas e outros analistas críticos do que da capacidade dereconstrução dos movimentos sociais, do sindicalismo e da unidade da esquer-da que não se deixou transformar e cooptar pelo neoliberalismo.O Quadro 7.3 apresenta a síntese das principais conclusões do capítulo.

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Quadro 7.3

Principais conclusões: capítulo 7

Seção Capítulo 7

1 No contexto do PAC é pouco provável que omultiplicador de renda gerado pelosinvestimentos da União, da ordem de 0,6% do PIB, seja significativo.

1 Da mesma forma que na iniciativa das PPPs, a ênfase do PAC é na infra-estru-tura de apoio às atividades de exportação, principalmente, de produtos primá-rios.

1 OPAC implica amobilizaçãodeescassos recursospúblicos para consolidar a es-pecialização da produção e exportação de produtos primários. Portanto, ele for-talece um dos pilares domodelo liberal periférico e da posição do agronegóciono bloco dominante.

1 No PAC, os investimentos da União em infra-estrutura representarão em mé-dia 0,6%, enquanto os pagamentos de juros absorverão 4,7% do PIB no segun-domandato de Lula.

1 O PAC aprofunda outra grave distorção domodelo liberal periférico, que é o des-vio de recursos públicos escassos, em grande escala, para o bloco dominantecom hegemonia do setor financeiro.

1 NoPAC, a questão damudançadomarco regulatório apresenta-se no sentido deaumentar riscos e incertezas no caso específico domeio ambiente.

1 O PAC sinaliza para limitações estritas dos gastos públicos, principalmente dosgastos sociais, pois os principais destaques são as medidas específicas foca-das na redução das despesas.

1 A regulamentação do Regime de Previdência Complementar do Servidor Públi-co, prevista no PAC, que envolve despesas com aposentadorias e pensões, é acontinuação da reforma previdenciária feita em 2003.

1 O objetivo explícito do PAC, de manter constante em 8,2% do PIB as despesascom benefícios da Previdência, tem impacto desfavorável sobre a distribuiçãode renda no país.

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(continua)

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1 O objetivo de reduzir continuamente a despesa da União com pessoal, comoproporção do PIB, de 5,3% em2007para 4,7% em2010, elimina a possibilidadede recuperar perdas salariais ocorridas no passado e deverá gerar maior fragi-lidade da administração pública.

1 O PACmantém, também, a natureza geral restritiva da política fiscal, visto queomega-superávit de 4,25%deverá sermantido,mesmosendo flexibilizado comodeslocamento de recursos equivalentes a 0,5% do PIB no chamadoProjeto Pi-loto de Investimentos (PPI).

1 A manutenção do viés restritivo das políticas monetária e fiscal reforça o blo-co dominante, no qual desempenham papel de destaque os bancos e os ren-tistas. Portanto, o PAC reforça os pilares domodelo liberal periférico emantémas travas macroeconômicas aos processos de acumulação de capital fixo, dedistribuição de riqueza e renda, e de desenvolvimento econômico.

1 No PAC, o salário mínimo deve ser reajustado pela variação do INPC acrescidoda taxa de crescimento real do PIB com dois anos de defasagem, com o objeti-vo de contenção dos gastos da previdência do setor privado (INSS).

1 A política de salário mínimo do PAC implica retrocesso em relação à experiên-cia do passado recente.

2 Quando confrontado com o desempenho do governo Cardoso nos seus doismandatos, o governo Lula não apresenta desempenho superior no que diz res-peito à distribuição da renda em favor da classe trabalhadora.

2 A variaçãomédia anual do salário real foi -2,1% e a do PIB real per capita foi 1,9%no período 2003-2006. Portanto, a relação salário / PIB per capita caiu 3,9%.

2 Em2006, comparativamente a 2002, amassa salarialmanteve-se relativamen-te estável enquanto o PIB teve crescimento acumulado de14,1%; portanto, a par-ticipação relativa dos salários no PIB se reduz ao longo do período 2003-2006.

2 A política fiscal restritiva significa a continuação do processo de transferência derenda do conjunto da sociedade, que tem elevada propensão a consumir, para osrentistas (aqueles que vivem de juros), que têm baixa propensão a consumir.

A economia política do governo Lula 229

(continua)

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2 A política monetária de juros altos, mantida no PAC, também funciona no sen-tido piorar a distribuição funcional da renda pormeio da transferência de valo-res vultosos sob a forma de pagamento de juros.

2 A redução da concentração pessoal da renda, que inclui, principalmente, salá-rios, benefícios previdenciários e transferências, é uma tendência observadadesde 1998.

2 A redução da concentração pessoal da renda reflete a redução dos saláriosmais elevados, a elevação do salário mínimo, os gastos da previdência e astransferências sociais.

2 Durante o governo Lula não há evidência demelhora na distribuição funcionalda renda, que confronta a remuneração dos trabalhadores com os ganhos doscapitalistas.

2 No que se refere à concentração da riqueza e à distribuição da renda, o de-sempenho do governo Lula não parece ser significativamente distinto daque-le observado no governo Cardoso. O traço comum é o avanço da dominação fi-nanceira.

2 Até 2004 houve tendência de queda de participação dos salários na renda. Aspolíticas monetárias e fiscais restritivas continuam funcionando como meca-nismos concentradores de riqueza e renda, principalmente, nasmãos dos ren-tistas que se beneficiam dos juros elevados.

2 A relaçãomédia juro/salário foi de 16,2% em1995-98, de 17,0% em1999-2002e de 12,1% em 2003-2006. Portanto, o viés concentrador de renda da políticamonetária foi maior no governo Cardoso do que no governo Lula. Em ambos oscasos, essa relação émuito elevada.

2 A participação dos ativos totais dos grandes bancos privados no PIB aumentade 17,2% em1999-2002 para 19,3% em2003-2006, caracterizando a crescen-te dominação financeira.

2 As perspectivas de crescimento econômico são pouco favoráveis quando seconsidera que o PAC não promove mudanças significativas nas diretrizes es-truturais do processo de acumulação de capital fixo.

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(continua)

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2 As perspectivas de crescimento econômico são pouco favoráveis. O PAC nãoaponta para mudanças significativas no padrão de gestãomacroeconômica.

2 Émuito provável que avançosmarginais continuemocorrendo na distribuiçãopessoal da renda, simultaneamente com retrocesso na distribuição funcionalda renda e na distribuição da riqueza.

3 O Brasil tem índices de violênciamuito elevados e a violência atinge, principal-mente, a populaçãomais jovem.

3 Tem crescido significativamente a taxa de desemprego entre jovens.

3 Houve aumento do consumode tabaco, bebidas alcoólicas,maconha, solventese cocaína no país no período 2001-2005, afetando principalmente os jovens.

3 Há tendência de aumento do número de brasileiros que emigram.

3 Durante o governo Lula atinge-se o nível recorde de emigrantes brasileiros pa-ra os Estados Unidos, principalmente jovens.

3 Os jovens brasileiros estão pessimistas em relação ao futuro.

4 A distinção fundamental entre os cenários econômicos otimistas reflete, fun-damentalmente, diferenças na evolução da economia mundial, da taxa de in-vestimento da economia brasileira e das restrições na infra-estrutura.

4 Os macrocenários nacionais têm incertezas críticas relativas a conjuntura in-ternacional, infra-estrutura, condições econômicas domésticas, governança,governabilidade, robustez institucional e coesão do bloco dominante.

5 A oposição não consegue constituir alternativa política relevante.

5 Há desarticulação, divisão e incapacidade da oposição de esquerda em relaçãoaomodelo econômico e às políticas ortodoxas.

5 A construção de uma alternativa ao modelo liberal periférico e às suas políti-cas econômicas depende da capacidade de reconstrução dosmovimentos so-ciais, do sindicalismo e da unidade da esquerda que não se deixou transformare cooptar pelo neoliberalismo.

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Índice de Vulnerabilidade Externa Comparada

AVulnerabilidade Externa Comparada é dada pelo desempenho externo relati-vo de determinado país comparativamente ao desempenho externo relativo deoutros países. Ela expressa a comparação, entre países, do diferencial relativo deindicadores de inserção econômica internacional.

A metodologia básica usada no cálculo do Índice deVulnerabilidade ExternaComparada (IVEC) é similar à utilizada no cálculo do índice de desenvolvi-mento humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD). A primeira versão do IVEC foi apresentada em Gonçalves (2005).Nessa versão foram utilizados dezesseis indicadores para calcular os índices devulnerabilidade externa de 113 países para o ano base de 2002.

A versão apresentada neste livro, tendo em vista a disponibilidade de dados pa-ra um período longo (1995-2006), concentra-se em três indicadores.O IVEC éa média simples de três índices que expressam o desempenho de três variáveisrelacionadas à inserção econômica internacional: relação entre o saldo da contacorrente do balanço de pagamentos e o PIB (indicador BOP); relação entre asreservas internacionais brutas e o valor médio mensal das importações CIF debens (RIM); e o grau de abertura, dado pela relação entre as exportações de bensFOB e o PIB (XPI).

Assim, o IVE-BOP é índice correspondente ao indicador do saldo de transa-ções correntes do balanço de pagamentos (% PIB).O IVE-RIM é o índice cor-respondente ao indicador das reservas internacionais / importações de bens CIF,mensal (%).O IVE-XPI é o índice correspondente ao indicador das exportaçõesde bens FOB / PIB (%). O IVEC é a média simples desses três índices.

O índice de vulnerabilidade externa comparada IVE-XP é calculado da se-guinte forma:

Índice = [(X – X mínimo)/(X máximo – X mínimo)] x 100

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Os índices de vulnerabilidade externa comparada IVE-BOP e IVE-RIM sãocalculados com base na seguinte fórmula:

Índice = [(X máximo – X)/(X máximo – X mínimo)] x 100

Sendo X o valor da variável para cada ano, X máximo o maior valor da va-riável e X mínimo o menor valor da variável.

Esta diferença nas fórmulas decorre do fato de que, quanto mais elevado foro indicador XP,maior é a vulnerabilidade externa.No caso dos indicadores BOPe RIM, quanto maior for cada um deles, menor é a vulnerabilidade externa.

Para evitar o efeito dos outliers (valores extraordinariamente altos ou baixos),a seleção dos valores máximos e mínimos baseia-se na exclusão dos cinco maio-res e dos cinco menores valores. Em cada ano, as variáveis são ordenadas em or-dem crescente. O valor mínimo é o sexto menor valor da série e o valor máxi-mo é o sexto maior valor.

Fontes dos dadosAs fontes de dados são o Banco Mundial (World Development Indicators Online) eo Fundo Monetário Internacional (World Economic Outlook Database, abril 2007).A base de dados do FMI tem informações para os 185 países-membros do Fun-do. A base de dados do Banco Mundial requer subscrição paga, enquanto a doFMI é de livre acesso.

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Índice de Desempenho Presidencial

1. MetodologiaA primeira versão do Índice de Desempenho Presidencial (IDP) foi apresenta-da por Gonçalves (2003a).Nesta segunda versão, o IDP é a média simples de seisíndices que expressam o desempenho de variáveis ou indicadores macroeconô-micos: crescimento, hiato de crescimento, acumulação de capital, inflação, fragi-lidade financeira e vulnerabilidade externa.

O índice de crescimento refere-se ao crescimento real do Produto InternoBruto brasileiro.

O índice de hiato de crescimento é a diferença entre a taxa de crescimentoreal do PIB brasileiro e a taxa de crescimento real do PIB mundial.Visto que de-senvolvimento é um conceito relativo, o hiato de crescimento expressa o en-curtamento da distância entre a economia brasileira e a economia mundial, istoé, a velocidade com que o Brasil se torna mais desenvolvido.

O índice de acumulação de capital refere-se à taxa de crescimento real da for-mação bruta de capital fixo (FBCF).

Os índices de desempenho do crescimento econômico, hiato e acumulaçãode capital são calculados com base na seguinte fórmula:

Índice = [(X – X mínimo)/(X máximo – X mínimo)] x 100,

sendo X o valor da variável para cada ano, X máximo o maior valor da variávele X mínimo o menor valor da variável.

Para evitar o efeito dos outliers (valores extraordinariamente altos ou baixos),a seleção dos valores máximos e mínimos baseia-se na exclusão dos cinco maio-res e dos cinco menores valores. Portanto, quando as séries temporais são colo-cadas em ordem crescente, o valor mínimo é o sexto valor da série e o valormáximo é o 112º valor, tendo em vista que as séries temporais para o período1890-2006 têm 117 observações.

Por exemplo,no caso do índice de crescimento econômico do presidente Lu-la em 2006, o cálculo é o seguinte:

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Índice (Lula2006) = {[3,7 - (-3,3)]/[12,1-(-3,3)]} x 100

Índice (Lula2006) = (7,0/15,4) x 100 = 45,5

A taxa média anual de crescimento real do PIB em 2006 é de 3,7% (segundoa revisão do IBGE de março de 2007); o valor máximo usado para a taxa de cres-cimento do PIB brasileiro (12,1%) é o sexto maior da série e ocorreu em 1936;o valor mínimo usado (-3,3%) é o sexto menor da série e ocorreu em 1931.

O IDP de Lula correspondente ao crescimento econômico é a média simplesdos índices anuais no período do seu mandato (2003-2006).

Valores crescentes dos índices de crescimento, hiato e acumulação de capitalsignificam um desempenho superior.

O mesmo acontece com os índices para controle da inflação, fragilidade fi-nanceira do Estado e vulnerabilidade externa. Eles são calculados com a seguin-te fórmula:

Índice = [(X máximo – X)/(X máximo – X mínimo)] x 100

Assim, quanto menores são as variáveis (taxa de inflação, dívida interna/PIB,dívida externa/exportação), maior o índice. E, quanto maior for o índice, me-lhor é o desempenho presidencial no que se refere ao controle da inflação, dascontas públicas e das contas externas.

O índice de controle da inflação é calculado com base na hipótese de “retor-nos decrescentes”.Na medida em que aumenta a taxa de inflação, criam-se me-canismos de proteção. Mecanismos de correção monetária ou indexação ten-dem a acelerar com o avanço do processo inflacionário. Isso quer dizer que in-flação de 100% ao ano não significa, para a sociedade, um desconfortoequivalente a dez vezes o desconforto provocado por inflação de 10%. O mes-mo ocorre com inflação de 1000%,que não tende a provocar desconforto equi-valente a dez vezes o desconforto correspondente à inflação de 100%. Para cap-turar esse fenômeno utilizou-se o logaritmo natural da taxa de inflação (defla-tor implícito do PIB). No caso de deflação, o valor usado nos cálculos foi zero.

O índice de controle da fragilidade financeira do Estado (União) reflete a si-tuação das finanças públicas. O indicador usado é a relação entre a dívida públi-ca interna federal e o PIB, que expressa o nível de endividamento do governofederal. O pressuposto central é que crescentes níveis de endividamento impli-cam desempenho cada vez mais negativo das contas públicas e, portanto, tendem

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a se tornar uma restrição crescente ao crescimento econômico tanto no curtocomo no longo prazo.

O índice de controle da vulnerabilidade externa é medido pela relação entre adívida externa registrada e a exportação de bens (FOB). O pressuposto é o mes-mo: um crescente endividamento externo tende a se tornar uma restrição cada vezmaior ao crescimento econômico em decorrência de uma série de fatores: com-prometimento do uso das divisas estrangeiras; pressão sobre as políticas monetá-ria, fiscal e cambial; e expectativas negativas dos investidores internacionais.

O objetivo é calcular o Índice de Desempenho Presidencial (IDP) em cadaano no período 1890-2006. O IDP em cada ano é a média aritmética simplesdos seis índices anuais: crescimento econômico, hiato de crescimento, acumula-ção de capital, inflação, fragilidade financeira e vulnerabilidade externa. O IDPem cada mandato é a média aritmética dos IDPs nos anos de mandato.Por exem-plo, no caso do governo Lula (2003-2006) os índices são os seguintes:

Exemplo: Variáveis e índices de desempenho presidencial: Lula (2003-2006)

Variáveis PIB Hiato FBCF Inflação Fragilidade Vulnerabilidadefinanceira externa

2003 1,1 -2,8 -4,6 15,0 39,7 270,7

2004 5,7 0,4 9,1 8,2 39,7 199,6

2005 2,9 -1,9 3,6 7,2 41,5 142,7

2006 3,7 -1,6 6,3 4,3 44,6 108,9

Máximo 12,1 11,7 34,9 628,0 39,7 440,9

(6,4425)

Mínimo -3,3 -7,0 -33,6 1,0 (0) 0,5 55,0

Máx-Mín 15,4 18,7 68,5 6,4425 39,2 385,9

Índices PIB Hiato FBCF Inflação Fragilidade Vulnerabilidade IDPfinanceira externa médio

2003 28,6 22,5 42,3 58,0 0,0 44,1 32,6

2004 58,4 39,5 62,3 67,3 0,1 62,5 48,4

2005 40,3 27,2 54,3 69,4 0,0 77,3 44,8

2006 45,5 28,8 58,2 77,4 0,0 86,0 49,3

Média 43,2 29,5 54,3 68,0 0,0 67,5 43,8

Notas: Elaboração própria. As médias são aritméticas simples. O índice de desempenho varia de zero a cem. Quanto maior for o índicemelhor é o desempenho. Na inflação os valores entre parênteses referem-se aos logaritmos naturais.

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2. Fontes dos dadosTaxa de crescimento do PIB do Brasil, variação %

1890-1900: Goldsmith, (1986), tab. III.1, p. 82.1901-1995: Ipea (www.ipeadata.gov.br). Diversas fontes.1996-2006: IBGE, séries revisadas em março de 2007.

Taxa de crescimento do PIB da economia mundial, variação %

1890-1969:Maddison (1991),média para dezesseis países desenvolvidos,Tabela 4.7.1970-2006: 1962-2006, FMI, World Economic Outlook, Database.

Formação bruta de capital fixo, variação %

1890-1901:Estimativa.Calculado com base na FBCF do governo federal e nas im-portações de maquinaria industrial.Fontes:Villela e Suzigan (1973) e Suzigan (2000).1902-2000: IBGE, Estatísticas Século XX, contas nacionais, tabela II.1a.2001-2005: IBGE, Contas Nacionais, Revisão março 2007.2006: IBGE, Contas Nacionais trimestrais.

Inflação (%)

1890-2005: Ipea (www.ipeadata.gov.br). Diversas fontes.2006: IBGE, contas trimestrais.

Dívida interna / PIB (%)

Dívida interna:

1890-1908: Goldsmith, (1986), tab. III.1, p. 82 e p. 121-122.1909-1946:Abreu et al (1990), anexo estatístico, coluna 36.1947-1992:Andima (1994), p. 153-154.1993-2006: BACEN, Boletim Mensal.

PIB:

Ver as fontes mencionadas acima.

Dívida externa registrada / Exportação de bens (%)

Dívida externa registrada:1890-2005: Ipea (www.ipeadata.gov.br). Diversas fontes.2006: BACEN, Boletim Mensal.

Exportação de bens:

1890-1900:Abreu et al (1990), col. 7.1901-1939: IBGE, Estatísticas do Século XX (2003), setor externo, tabela 2.1940-2006: BACEN, Boletim Mensal.

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A dívida externa de cada ano é a média geométrica da dívida no início e nofinal do ano.

3. Dados anuais e período de mandatoOs dados disponíveis para todas as variáveis são anuais.As médias para os subperío-dos são geométricas para a variação do PIB, o hiato de crescimento e a variação daformação bruta de capital fixo. Para as outras variáveis, as médias são aritméticas.

Os mandatos presidenciais, de modo geral, iniciam-se no primeiro trimestree terminam no último trimestre. Há exceções.

A morte de Afonso Pena, em junho de 1909, fez com que o vice-presidenteNilo Peçanha assumisse o cargo. Os mandatos foram os seguintes:Afonso Pena,de 11/1906 a 6/1909; e Nilo Peçanha, de 6/1909 a 11/1910. Para fins de nos-sa análise estatística, consideramos para Afonso Pena o período 1907-1908 e pa-ra Nilo Peçanha consideramos o período 1909-1910.

O segundo caso é o de Epitácio Pessoa, que iniciou o mandato em julho de1919 e o concluiu em novembro de 1922. Consideramos para Epitácio Pessoatodo o período 1919-1922.

O terceiro caso envolveu o suicídio de GetúlioVargas e a posse de Café Fi-lho em agosto de 1954. Na nossa análise estatística com dados anuais, conside-ramos para o segundo mandato de GetúlioVargas o período 1951-1954.Portanto,os dados para a presidência Café Filho restringem-se ao ano de 1955.

O último caso refere-se à renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961.Consideramos para Jânio Quadros o ano de 1961.Quanto a João Goulart, os da-dos referem-se ao período 1962-1963, tendo em vista o golpe militar de marçode 1964.

As presidências com períodos inferiores a três meses foram excluídas: José Li-nhares (de 29/10/1945 a 31/1/1946);Nereu de Oliveira Ramos (de 11/11/1955a 31/1/1956); e Pascoal Ranieri Mazzilli (de 1/4/1964 a 15/4/1964). Com isso,a análise abrange o conjunto de 28 presidentes e 30 mandatos, visto que GetúlioVargas e Fernando Henrique Cardoso tiveram dois mandatos nesse intervalo.

Os períodos de mandato são mostrados naTabela A.1.

A economia política do governo Lula 239

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Tabela A.1

Presidentes da República: mandatosPresidente Mandato

1 Manuel Deodoro da Fonseca 11/1889 a 11/1891

2 Floriano Vieira Peixoto 11/1891 a 11/1894

3 Prudente José de Morais e Barros 11/1894 a 11/1898

4 Manuel Ferraz de Campos Sales 11/1898 a 11/1902

5 Francisco de Paula Rodrigues Alves 11/1902 a 11/1906

6 Afonso Augusto Moreira Pena 11/1906 a 6/1909

7 Nilo Procópio Peçanha 6/1909 a 11/1910

8 Hermes Rodrigues da Fonseca 11/1910 a 11/1914

9 Venceslau Brás Pereira Gomes 11/1914 a 11/1918

10 Epitácio da Silva Pessoa 7/1919 a 11/1922

11 Artur da Silva Bernardes 11/1922 a 11/1926

12 Washington Luís Pereira de Souza 11/1926 a 10/1930

13 Getúlio Dornelles Vargas 11/1930 a 10/1945

14 Eurico Gaspar Dutra 1/1946 a 1/1951

15 Getúlio Dornelles Vargas 1/1951 a 8/1954

16 João Café Filho 8/1954 a 11/1955

17 Juscelino Kubitschek de Oliveira 1/1956 a 1/1961

18 Jânio da Silva Quadros 1/1961 a 8/1961

19 João Belchior Goulart 9/1961 a 4/1964

20 Humberto de Alencar Castello Branco 4/1964 a 3/1967

21 Arthur da Costa e Silva 3/1967 a 8/1969

22 Emílio Garrastazu Médici 10/1969 a 3/1974

23 Ernesto Geisel 3/1974 a 3/1979

24 João Baptista de Oliveira Figueiredo 3/1979 a 3/1985

25 José Sarney 3/1985 a 3/1990

26 Fernando Collor de Mello 3/1990 a 9/1992

27 Itamar Cautiero Franco 10/1992 a 12/1994

28 Fernando Henrique Cardoso 1/1995 a 12/1998

29 Fernando Henrique Cardoso 1/1999 a 12/2002

30 Luis Inácio Lula da Silva 1/2003 a 12/2006

Fonte: Elaboração própria.

4. OrdenaçãoNas Tabelas A.2 e A.3 as variáveis macroeconômicas são ordenadas em ordemcrescente segundo o mandato presidencial.

240 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 239: A economia política do governo lula

Tabela A.2

Ordenação das variáveis macroeconômicas segundo o mandato presidencial:PIB, hiato e FBCF, 1890-2006 (ordem crescente)

PIB Brasil PIB mundial Hiato FBCF

1 Floriano -7,5 Afonso Pena -0,3 Floriano -8,7 Venceslau Brás -24,3

2 Collor -1,4 Epitácio Pessoa 1,0 Collor -3,6 Deodoro -20,2

3 Afonso Pena -1,2 Washington Luís 1,0 Castelo Branco -1,8 Jânio -14,2

4 FHC II 2,1 Dutra 1,3 Lula -1,5 Prudente de Morais -9,4

5 Venceslau Brás 2,1 Floriano 1,3 FHC II -1,3 Hermes da Fonseca -9,3

6 Figueiredo 2,2 Hermes da Fonseca 1,3 FHC I -1,2 Collor -7,5

7 FHC I 2,4 Deodoro 2,1 Goulart -1,2 Figueiredo -3,7

8 Campos Sales 3,1 Collor 2,3 Afonso Pena -0,9 Campos Sales -3,3

9 Lula 3,3 Figueiredo 2,6 Artur Bernardes -0,9 Café Filho -3,0

10 Hermes da Fonseca 3,5 Venceslau Brás 2,7 Figueiredo -0,6 FHC II -2,0

11 Goulart 3,6 Vargas I 2,8 Venceslau Brás -0,6 Washington Luís -1,2

12 Artur Bernardes 3,7 Campos Sales 3,1 Campos Sales 0 Lula 3,5

13 Castelo Branco 4,1 Itamar 3,1 Sarney 0,4 Vargas I 4,0

14 Vargas I 4,3 FHC II 3,5 Prudente de Morais 0,8 FHC I 4,3

15 Sarney 4,4 Juscelino 3,6 Rodrigues Alves 0,8 Sarney 4,8

16 Prudente de Morais 4,5 Prudente de Morais 3,6 Vargas I 1,4 Geisel 6,6

17 Rodrigues Alves 4,7 FHC I 3,7 Vargas II 1,4 Artur Bernardes 8,3

18 Washington Luís 5,2 Geisel 3,8 Itamar 2,2 Vargas II 8,3

19 Itamar 5,4 Nilo Peçanha 3,9 Hermes da Fonseca 2,3 Castelo Branco 8,4

20 Vargas II 6,2 Rodrigues Alves 3,9 Nilo Peçanha 2,4 Afonso Pena 9,3

21 Nilo Peçanha 6,4 Sarney 4,0 Café Filho 2,5 Floriano 9,3

22 Geisel 6,7 Jânio 4,4 Geisel 2,8 Juscelino 9,6

23 Epitácio Pessoa 7,4 Artur Bernardes 4,6 Costa e Silva 2,9 Itamar 10,2

24 Dutra 7,6 Costa e Silva 4,6 Jânio 4 Goulart 11,5

25 Costa e Silva 7,8 Vargas II 4,7 Washington Luís 4,1 Costa e Silva 11,9

26 Juscelino 8,1 Goulart 4,8 Juscelino 4,3 Nilo Peçanha 11,9

27 Jânio 8,6 Lula 4,9 Dutra 6,2 Médici 14,9

28 Café Filho 8,8 Médici 5,4 Médici 6,2 Dutra 17,6

29 Deodoro 10,1 Castelo Branco 5,9 Epitácio Pessoa 6,4 Rodrigues Alves 26,5

30 Médici 11,9 Café Filho 6,1 Deodoro 7,9 Epitácio Pessoa 46,0

Fonte: Elaboração própria.

A economia política do governo Lula 241

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Page 240: A economia política do governo lula

Tabela A.3

Ordenação das variáveis macroeconômicas segundo o mandato presidencial: in-flação, fragilidade financeira e vulnerabilidade externa, 1890-2006 (ordemcrescente)

Inflação Fragilidade Vulnerabilidadefinanceira externa

1 Campos Sales -10,4 Jânio 0,3 Vargas II 48,9

2 Washington Luís -2,0 Goulart 0,4 Dutra 53,8

3 Afonso Pena -1,5 Juscelino 0,7 Café Filho 90,8

4 Hermes da Fonseca 0,1 Castelo Branco 0,8 Floriano 102,2

5 Nilo Peçanha 1,2 Café Filho 1,3 Deodoro 115,0

6 Rodrigues Alves 4,2 Vargas II 2,2 Prudente de Morais 140,8

7 Epitácio Pessoa 4,6 Costa e Silva 3,4 Campos Sales 144,5

8 Vargas I 6,4 Dutra 4,8 Rodrigues Alves 167,4

9 FHC II 7,9 Médici 5,0 Lula 170,2

10 Lula 8,6 Collor 5,1 Nilo Peçanha 183,9

11 Artur Bernardes 8,8 Figueiredo 6,0 Epitácio Pessoa 186,3

12 Dutra 9,3 Geisel 6,6 Médici 188,5

13 Prudente de Morais 11,0 Vargas I 9,0 Costa e Silva 190,5

14 Café Filho 11,5 Itamar 9,6 Juscelino 192,0

15 Venceslau Brás 12,7 Washington Luís 10,0 Afonso Pena 194,3

16 Floriano 14,0 Artur Bernardes 10,9 Artur Bernardes 203,2

17 Vargas II 17,0 Afonso Pena 11,2 Castelo Branco 215,8

18 Deodoro 17,4 Sarney 11,5 Hermes da Fonseca 220,3

19 Médici 21,2 Nilo Peçanha 11,7 Geisel 231,2

20 Juscelino 21,5 Epitácio Pessoa 11,8 Jânio 235,1

21 FHC I 24,0 Venceslau Brás 12,7 Goulart 252,0

22 Costa e Silva 24,3 Hermes da Fonseca 12,9 Venceslau Brás 268,6

23 Jânio 34,6 Prudente de Morais 13,1 Itamar 280,0

24 Geisel 38,6 Campos Sales 13,3 Washington Luís 285,2

25 Castelo Branco 60,6 Rodrigues Alves 13,6 Figueiredo 297,0

26 Goulart 63,7 Floriano 14,7 Collor 297,9

27 Figueiredo 108,6 FHC I 18,8 FHC I 303,1

28 Sarney 386,3 Deodoro 21,6 Vargas I 324,4

29 Collor 1060,7 FHC II 39,6 Sarney 357,8

30 Itamar 2114,8 Lula 41,3 FHC II 362,0

Fonte: Elaboração própria.

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Page 241: A economia política do governo lula

Análise de Componentes Principais

No capítulo 4 utiliza-se o Índice de Desempenho Presidencial (IDP), que é amédia simples de seis índices correspondentes às variáveis macroeconômicas re-levantes. Estas variáveis são: variação da renda real; hiato de crescimento (dife-rencial entre a variação da renda no Brasil e no mundo); acumulação de capital(variação da formação bruta de capital fixo); inflação (deflator implícito do PIB);fragilidade financeira do Estado (relação dívida interna/PIB); e vulnerabilidadeexterna (relação dívida externa/exportação).

A técnica de análise de componentes principais (ACP) define índices que sãouma combinação linear das variáveis, de tal forma que haja maximização da va-riância do conjunto de dados.As variáveis são padronizadas de forma a ter mé-dia zero e desvio-padrão unitário.A técnica consiste, então, em encontrar os pe-sos específicos de cada uma das variáveis que compõem o índice (Kubrusly,2002).

No caso das seis variáveis, as ponderações encontradas pela ACP são as se-guintes: taxa de crescimento do PIB brasileiro (+0,411); hiato de crescimento(+0,406); acumulação de capital (+0,139); inflação (-0,103); dívida interna/PIB(-0,204); e dívida externa/exportação (-0,219).

A comparação das ordens do IDP e dos índices calculados pela ACP, com asseis variáveis,mostra correlação positiva (0,888).Ademais, a posição do governoLula não se altera. Em ambas as técnicas, o seu índice de desempenho é o quar-to pior, como mostra aTabela III.1.

No que se refere ao melhor desempenho, há troca de posições entre os go-vernos Dutra e Médici. O destaque fica por conta do rebaixamento do gover-no Floriano para a pior posição. Os governos Cardoso (segundo mandato) eCollor estão no grupo dos três piores governos da história da República.

A economia política do governo Lula 243

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Page 242: A economia política do governo lula

Tabela III.1

Índice de Desempenho Presidencial e Análise de Componentes Principais (seis variáveis)

Presidentes IDP (6) Presidentes ACP (6)

Dutra 76,5 Médici 1,706

Médici 74,0 Dutra 1,628

Epitácio Pessoa 71,6 Epitácio Pessoa 1,425

Café Filho 70,8 Deodoro 1,206

Vargas II 69,9 Juscelino 1,091

Juscelino 69,0 Café Filho 1,079

Nilo Peçanha 68,0 Vargas II 0,869

Costa e Silva 66,7 Costa e Silva 0,860

Rodrigues Alves 66,4 Jânio 0,758

Deodoro 65,6 Nilo Peçanha 0,498

Washington Luís 62,0 Geisel 0,497

Campos Sales 61,4 Rodrigues Alves 0,272

Jânio 60,5 Washington Luís 0,207

Hermes da Fonseca 60,1 Prudente de Morais -0,037

Geisel 59,6 Castelo Branco -0,165

Prudente de Morais 57,7 Hermes da Fonseca -0,167

Artur Bernardes 56,9 Goulart -0,203

Afonso Pena 56,5 Campos Sales -0,232

Vargas I 56,1 Vargas I -0,247

Castelo Branco 55,4 Artur Bernardes -0,266

Goulart 54,4 Itamar -0,377

Floriano 51,1 Sarney -0,581

Itamar 47,8 Figueiredo -0,685

Figueiredo 44,9 Afonso Pena -0,769

Venceslau Brás 44,8 FHC I -0,916

FHC I 44,5 Venceslau Brás -0,947

Lula 43,8 Lula -0,977

Sarney 41,5 FHC II -1,610

FHC II 34,0 Collor -1,691

Collor 33,0 Floriano -2,226

Fonte: Elaboração própria. Nota: as seis variáveis são usadas no IDP e na ACP.

244 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 243: A economia política do governo lula

No entanto, a análise das correlações entre as variáveis mostra a forte corre-lação positiva (0,905) entre a variação da renda real do Brasil e o hiato de cres-cimento. Esta correlação é evidente, visto que a primeira é o numerador do coe-ficiente que expressa o hiato de crescimento. Isto cria um viés no sentido da ge-ração de pesos relativamente elevados para as variáveis. Portanto, é necessárioeliminar uma das variáveis.A escolha foi pela exclusão da variável hiato de cres-cimento.

Em conseqüência, as novas ponderações para as cinco variáveis da ACP são asseguintes: taxa de crescimento do PIB brasileiro (+0,408); acumulação de capi-tal (+0,288); inflação (-0,245); dívida interna/PIB (-0,339); e, dívida externa/ex-portação (-0,449).

A Tabela III.2 mostra os resultados dos dois índices, ou seja, o IDP e a ACPcom as cinco variáveis, exclusive o hiato de crescimento. Os resultados obtidoscom aACP mostram uma altíssima correlação positiva com os resultados do IDP(0,946), mas os resultados mostram algumas alterações significativas nas classifi-cações dos presidentes.

No caso do Governo Lula há melhora no desempenho relativo visto que pas-sa da 4ª pior posição no IDP para a 7ª pior posição na ACP. Este resultado é es-perado tendo em vista o fraco desempenho do Governo Lula em termos hiatode crescimento. Em ambos os índices as melhores posições são ocupadas pelosGovernos Dutra e Vargas (segundo mandato). No IDP e na ACP os governosCollor e Cardoso (segundo mandato) continuam firmes nas piores posições.

Tabela III.2

Índice de Desempenho Presidencial e Análise de Componentes Principais(exclusive o hiato de crescimento)

Presidentes IDP (5) Presidentes ACP (5)

Dutra 80,1 Dutra 1,732

Vargas II 74,9 Vargas II 1,496

Café Filho 74,8 Médici 1,395

Médici 74,7 Epitácio Pessoa 1,353

Epitácio Pessoa 71,7 Café Filho 1,345

A economia política do governo Lula 245

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Page 244: A economia política do governo lula

Presidentes IDP (5) Presidentes ACP (5)

Nilo Peçanha 71,5 Juscelino 1,003

Rodrigues Alves 71,2 Costa e Silva 0,932

Juscelino 70,7 Rodrigues Alves 0,690

Costa e Silva 69,4 Nilo Peçanha 0,543

Campos Sales 66,0 Castelo Branco 0,392

Deodoro 62,8 Geisel 0,362

Washington Luís 62,4 Jânio 0,327

Hermes da Fonseca 62,2 Deodoro 0,283

Artur Bernardes 61,7 Goulart 0,220

Afonso Pena 61,3 Artur Bernardes 0,094

Prudente de Morais 61,3 Prudente de Morais 0,067

Geisel 61,0 Campos Sales 0,030

Castelo Branco 60,9 Washington Luís -0,351

Jânio 60,8 Afonso Pena -0,369

Goulart 59,0 Hermes da Fonseca -0,456

Floriano 58,6 Vargas I -0,521

Vargas I 57,9 Floriano -0,680

Itamar 47,5 Figueiredo -0,716

FHC I 47,2 Lula -0,926

Venceslau Brás 46,7 FHC I -0,954

Figueiredo 46,7 Sarney -0,980

Lula 46,6 Venceslau Brás -1,186

Sarney 41,9 Itamar -1,267

Collor 35,8 Collor -1,707

FHC II 34,7 FHC II -2,151

Fonte: Elaboração própria. Nota: As cinco variáveis (exclusive o hiato de crescimento) são usadas no cálculo do IDP e na ACP.

Outro exercício consiste em excluir, além do hiato de crescimento, o indica-dor de vulnerabilidade externa.A idéia central é verificar até que ponto este in-dicador, que é afetado pela conjuntura internacional, afeta por sua vez o de-sempenho macroeconômico.

Os resultados obtidos com a ACP mostram alta correlação positiva com os re-sultados do IDP (0,816). No rank do IDP, Lula ocupa a terceira pior posição,que passa para a segunda pior na ACP, como mostra aTabela III.3.

246 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 245: A economia política do governo lula

Tabela III.3

Índice de Desempenho Presidencial e Análise de Componentes Principais(exclusive 2 variáveis: hiato de crescimento e vulnerabilidade externa)

Presidentes IDP (4) Presidentes ACP (4)

Médici 77,0 Médici 1,672

Dutra 75,4 Epitácio Pessoa 1,510

Epitácio Pessoa 73,8 Juscelino 1,220

Nilo Peçanha 72,7 Dutra 1,142

Juscelino 72,6 Costa e Silva 1,090

Rodrigues Alves 71,3 Café Filho 0,937

Café Filho 70,8 Vargas II 0,828

Costa e Silva 70,6 Jânio 0,652

Vargas II 69,0 Goulart 0,642

Washington Luís 68,3 Castelo Branco 0,606

Vargas I 65,5 Geisel 0,605

Hermes da Fonseca 63,9 Rodrigues Alves 0,480

Campos Sales 63,3 Nilo Peçanha 0,425

Geisel 62,9 Itamar 0,249

Jânio 62,7 Vargas I 0,055

Artur Bernardes 61,8 Washington Luís -0,016

Goulart 61,6 Artur Bernardes -0,018

Castelo Branco 61,6 Sarney -0,067

Afonso Pena 60,8 Figueiredo -0,297

Deodoro 57,4 Deodoro -0,492

Prudente de Morais 57,2 Prudente de Morais -0,518

Floriano 51,4 Campos Sales -0,560

FHC I 50,2 Hermes da Fonseca -0,647

Figueiredo 49,2 Afonso Pena -0,709

Itamar 49,0 FHC I -0,759

Sarney 47,3 Collor -0,915

Venceslau Brás 47,2 Venceslau Brás -1,254

Lula 41,4 Floriano -1,809

FHC II 38,4 Lula -1,911

Collor 35,6 FHC II -2,141

Fonte: Elaboração própria. Nota: Quatro variáveis são usadas no cálculo do IDP e da ACP. Exclusão do hiato de crescimento e da vulnera-bilidade externa.

A economia política do governo Lula 247

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Page 246: A economia política do governo lula

Vale relembrar que na análise das seis variáveis, tanto no IDP quanto na ACP,o governo Lula tem o quarto pior desempenho.A exclusão dos indicadores dehiato de crescimento e vulnerabilidade externa, que expressam diretamente aconjuntura internacional, coloca o governo Lula em piores posições. Esses re-sultados indicam, então, que a conjuntura internacional influencia o desempe-nho relativo do governo Lula. Ou seja, seu desempenho é ainda pior quando se“desconta”o efeito da conjuntura econômica internacional extraordinariamen-te favorável no período 2003-2006.O resultado básico daACP é que os dois pio-res desempenhos da história republicana são o segundo governo Cardoso e ogoverno Lula, como mostra a última coluna daTabela III.3.

Por fim, cabe notar que os governos Cardoso (segundo mandato), Lula e Col-lor estão sempre presentes nas piores posições, independentemente do conjun-to de indicadores e da técnica utilizados.

248 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

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Page 247: A economia política do governo lula

Conceitos e definições

Écomposto por distintas classes e/ou frações de classes, assumindouma delas a posição de liderança e hegemonia no seu interior. A lide-rança decorre da capacidade de unificar e dirigir, política e ideologica-mente, as demais classes e/ou frações de classes a partir de seus in-teresses específicos, transformados e reconhecidos como parte dosinteresses gerais do conjunto do bloco.

Refere-se à fração do capital que se reproduz principalmente na esfe-ra financeira, no âmbito da acumulação fictícia, podendo assumir vá-rias formas institucionais. Portanto, não exclui as duas concepçõesde Hobson e Hilferding.

Resulta da fusão ou integração (aliança orgânica) entre o capital ban-cário e o capital industrial, com a dominação do primeiro. O capital fi-nanceiro é a expressão maior da fase monopolista e imperialista docapitalismo, que se iniciou no último quarto do século XIX.

Surge a partir da constituição da solidariedade de interesses financei-ros da comunidade de negócios, que articula o capital industrial e o ca-pital bancário, sem haver, necessariamente, uma fusão ou integraçãoorgânica. Essa teorização, emboramais ampla que a deHilferding, tam-bém especifica a dominação geral (não orgânica) do capital bancário.

É aquela que exerce a função mais estratégica e decisiva no modo deacumulação em determinado período histórico. A partir de seus inte-resses específicos – econômicos e políticos – consegue soldar organi-camente (compatibilizar) os interesses das demais frações do capital,de forma que a sua dominação é aceita (consentida) por estas últimas.

A economia política do governo Lula 249

bloco de poderdominante

capitalfinanceiro(geral)

capitalfinanceiro(Hilferding)

capitalfinanceiro(Hobson)

classe / fraçãode classehegemônica

(continua)

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Page 248: A economia política do governo lula

Éum termogeral que se aplica às situações de forte apreciação cam-bial decorrentes de grandes saldos na balança comercial que sãocausados, principalmente, pelo crescimento extraordinário da quan-tidade exportada ou do preço de commodities de exportação.

São o principal locus de acumulação de capital e de poder, que abar-ca um conjunto de empresas que, mesmo quando juridicamente in-dependentes entre si, estão interligadas por relações contratuais oupelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principal-mente, capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercemocontrole efetivo sobre esse conjunto de empresas.

É a diferença entre a variação da renda no Brasil e nomundo.

É o indicador-síntese do desempenhomacroeconômico do país. Eleé calculado comoamédia aritmética dos índices para seis variáveismacroeconômicas: variação da renda real; hiato de crescimento (di-ferencial entre a variação da renda no Brasil e nomundo); acumula-ção de capital (variação da formação bruta de capital fixo); inflação(deflator implícito do PIB); fragilidade financeira do Estado (relaçãodívida interna/PIB); e vulnerabilidade externa (relação dívida exter-na/exportação).

Tem três conjuntos de características marcantes: liberalização, pri-vatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externaestrutural; e dominância do capital financeiro.

Está associada aos direitos sociais (da cidadania) inscritos, definidose garantidos na Constituição do país.

Decorre das decisões das forças político-partidárias que ocupammomentaneamente o aparelho de Estado.

Refere-se ao processo de adesão (individual ou coletiva) ao blocohistórico dominante, por parte de lideranças e/ou organizações po-líticas dos setores subalternos da sociedade, com o abandono desuas antigas concepções/posições políticas.

250 Luiz Filgueiras | Reinaldo Gonçalves

doençaholandesa

gruposeconômicos

hiato decrescimento

Índice deDesempenhoPresidencial(IDP)

Modelo LiberalPeriférico(MLP)

política socialde Estado

política socialde governo

transformismo

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Page 249: A economia política do governo lula

É a probabilidade de resistência a pressões, fatores desestabilizado-res e choques externos.

É dada pelo desempenho externo relativo de determinado país com-parativamente ao desempenho externo relativo de outros países. Ex-pressa a comparação entre países do diferencial relativo de indicado-res de inserção econômica internacional.

É determinada pelas opções e custos do processo de ajuste externo.Ela depende positivamente das opções disponíveis e negativamentedos custos do ajuste externo. É, essencialmente, um fenômenode cur-to prazo.

Decorre dasmudanças relativas ao padrão de comércio, da eficiênciado aparelho produtivo, do dinamismo tecnológico e da robustez dosistema financeiro nacional. É determinada, principalmente, pelos pro-cessos de desregulação e liberalização nas esferas comercial, produ-tivo-real, tecnológica e monetário-financeira das relações econômi-cas internacionais do país. Ela é, fundamentalmente, um fenômenode longo prazo.

A economia política do governo Lula 251

vulnerabilidadeexterna

vulnerabilidadeexternacomparada

vulnerabilidadeexternaconjuntural

vulnerabilidadeexternaestrutural

g_LULA_Anexos rev:Layout 1 29/10/07 11:46 AM Page 251

Page 250: A economia política do governo lula

h_LULA_bibliog rev:Layout 1 25/10/07 6:59 PM Page 252

Page 251: A economia política do governo lula

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Este livro foi composto nas tipografias Bembo e Conduit.

Impresso em outubro de 2007.

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