glu - trabalho no governo lula

47
   Trabalho no governo Lu la: uma reflexão sobre a recente experiência brasileira Paulo Eduardo de Andrade Baltar Anselmo Luís dos Santos José Dari Krein Eugenia Leone Marcelo Weishaupt Proni Amilton Moretto Alexandre Gori Maia Carlos Salas GLOBAL LABOUR UNIVERSITY WORKING PAPERS PAPER NO. 9, May 2010     I     S     S     N      1     8     6     6       0     5     4     1 www.global-labour-university.org

Upload: christian-duarte-caldeira

Post on 01-Nov-2015

219 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Análise das transformações no mercado de trabalho durante o Governo Lula realizada pelos pesquisadores da Global Labour University

TRANSCRIPT

  • Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira Paulo Eduardo de Andrade Baltar Anselmo Lus dos Santos Jos Dari Krein Eugenia Leone Marcelo Weishaupt Proni Amilton Moretto Alexandre Gori Maia Carlos Salas

    GLOBAL LABOUR UNIVERSITY WORKING PAPERS

    PAPER NO. 9, May 2010

    ISSN

    186

    6-05

    41

    www.global-labour-university.org

  • The authors are researchers at the Centre for Labour Economics and Trade Unionism - CESIT in the Institute of Economics of the State University of Campinas UNICAMP Campinas, So Paulo, Brazil Editorial Board Sharit K. Bhowmik (Tata Institute of Social Sciences, India) Hansjrg Herr (Berlin School of Economics and Law, Germany) Frank Hoffer (International Labour Organisation) Mariano Laplane (University of Campinas, Brazil) Seeraj Mohamed (University of the Witwatersrand, South Africa) Helen Schwenken (University of Kassel, Germany) Contact Address Hochschule fr Wirtschaft und Recht Berlin IMB - Prof. Hansjrg Herr Badensche Str. 50-51 D-10825 Berlin Contact: [email protected] Layout: Harald Krck Global Labour University Working Papers ISSN: 1866-0541

    Global Labour University e.V. All rights reserved. The material in this publication may not be reproduced, stored or transmitted without the prior permission of the copyright holder. Short extracts may be quoted, provided the source is fully acknowledged. The views expressed in this publication are not necessarily the ones of the Global Labour University or of the organisation for which the author works.

    First published 05/2010

  • Trabalho no governo Lula:

    uma reflexo sobre a recente

    experincia brasileira

    Paulo Eduardo de Andrade Baltar Anselmo Lus dos Santos Jos Dari Krein Eugenia Leone Marcelo Weishaupt Proni Amilton Moretto Alexandre Gori Maia Carlos Salas

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    II

    INDICE PREFCIO .............................................................................................................................1

    INTRODUO .....................................................................................................................2

    1. A DINMICA MACROECONMICA BRASILEIRA NA DCADA DE

    2000 ........................................................................................................................4

    2. MELHORIAS OCORRIDAS NO MERCADO DE TRABALHO ...................... BRASILEIRO NO PERODO 2004-2008 ...................................................... 10

    3. REGULAO SOCIAL E POLTICAS PBLICAS ....................................... 19

    3.1. A regulao do trabalho e o avano da formalizao ........................... dos empregos ................................................................................................. 19

    3.2. Polticas pblicas e a melhoria na distribuio de renda ................. 26 3.3. Papel dos sindicatos e da negociao coletiva.................................... 32

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 36

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................. 38

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    1

    PREFCIO A primeira dcada do sculo XXI tem sido de conquistas significativas para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. O estabelecimento de uma poltica de valorizao do salrio mnimo; a atualizao da tabela do imposto de renda; a reduo da taxa de juros nos emprstimos com consignao em folha; a ampliao dos investimentos na agricultura familiar; a conquista do Piso Nacional da Educao e a manuteno de uma poltica de previdncia mais inclusiva so alguns resultados das propostas e mobilizaes em que a Central nica dos Trabalhadores CUT foi decisiva. Apesar da grande heterogeneidade existente no mercado de trabalho, o resultado desse incio de sculo mostra que o mercado caminha em direo ampliao da formalizao dos postos de trabalho e da elevao da renda mdia. A insero de maior nmero de trabalhadores em postos formais de emprego contribui para a melhoria de renda de muitas famlias, alm de promover a insero desses trabalhadores no sistema de Previdncia Social, com cobertura de atendimento sade e aposentadoria. Somados a esses fatos, os dados das negociaes coletivas revelam que um nmero significativo de categorias conquistou aumento real de salrio, contribuindo para a elevao da renda do trabalho. O espao temporal da anlise (2004/20008) pode sugerir ser um tempo histrico pouco relevante para a compreenso do impacto sobre os indicadores econmicos e sociais; mas a importncia desse perodo enquanto reflexo da experincia brasileira est na ocorrncia de uma inflexo nas curvas dos principais indicadores sociais. Nesse diapaso podemos citar a queda contnua nas taxas de desemprego nos anos em anlise, revertendo uma trajetria de longo perodo de crescimento. Os indicadores de desigualdade de renda e de pobreza, medido pelo ndice de Gini, como observam os autores, revelam uma clara tendncia de avanos, mesmo considerando que a desigualdade de renda ainda grande no pas. As evidncias estatsticas apresentadas ao longo do trabalho mostram que o pas melhorou nesse incio de sculo e nesse sentido merece ser focalizado num trabalho investigativo, como se propuseram os autores. Esse perodo atpico e mostra que possvel alcanar um outro padro de desenvolvimento que seja sustentvel e inclusivo. A melhoria nos indicadores sociais revela a trajetria de crescimento econmico sustentado por polticas pblicas ativas que concorrem para a diminuio das desigualdades sociais do pas. O reforo e a ampliao dessas polticas so frentes nas quais o movimento sindical pode e deve desempenhar importante papel. O aprofundamento das mudanas rumo extino das desigualdades sociais, a valorizao do trabalho e ampliao de direitos o desafio que est posto para a sociedade brasileira, cuja conquista exige a manuteno do Estado democrtico, com carter pblico e a participao ativa da sociedade, ampliando os espaos para o dilogo social. Artur Henrique Presidente nacional da Central nica dos Trabalhadores (CUT-Brazil)

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    2

    INTRODUO A finalidade do presente texto analisar o conjunto de mudanas observadas no mundo do trabalho no Brasil, especialmente no perodo 2004-2008. Nesse perodo, ocorreu uma significativa elevao do ritmo de crescimento econmico (para cerca de 5% ao ano), que contrasta com o perodo anterior marcado pela introduo das polticas econmicas neoliberais no Brasil. Naquele perodo, cujas reduzidas taxas mdias anuais de crescimento econmico (pouco acima de 2% ao ano), somadas aos impactos das abruptas alteraes estruturais decorrentes, provocaram forte deteriorao em diversos aspectos do mercado de trabalho brasileiro. A maior taxa de crescimento foi, portanto, um dos aspectos mais relevantes na melhoria do mercado de trabalho nacional observada antes da recente crise financeira internacional. Assim, a seo 1 do estudo dedicada anlise da dinmica macroeconmica brasileira, concentrando-se na discusso sobre os principais determinantes e os reflexos do maior dinamismo da economia brasileira.

    A elevao do ritmo de crescimento econmico teve impactos positivos sobre o mercado de trabalho brasileiro: gerao de empregos, reduo da taxa de desemprego, melhoria da estrutura ocupacional e de rendimentos, aumento da proporo de ocupaes sob a proteo da legislao trabalhista, e reduo das enormes desigualdades de rendimentos do trabalho no Pas. As principais caractersticas desse processo, suas relaes com o maior dinamismo econmico, e a avaliao de outros aspectos importantes para compreender a recente evoluo do mercado de trabalho brasileiro so temas contemplados na seo 2.

    Alm do crescimento econmico, o mercado de trabalho brasileiro recebeu impactos positivos da implantao de uma poltica de valorizao do salrio mnimo, da maior fiscalizao do cumprimento da legislao do trabalho, das presses e negociaes sindicais, de polticas governamentais nas reas social e do trabalho, de mudanas institucionais, ou seja, de um conjunto importante de transformaes que no estavam asseguradas como consequncias imediatas do crescimento econmico, mas que foram definidas nas relaes de poder e nas negociaes estabelecidas entre trabalhadores, empresrios e governo. Assim, por exemplo, os importantes avanos nos programas de transferncia de renda seja diretamente por meio do novo programa, Bolsa-Famlia, ou por avanos no piso salarial e na extenso dos protegidos pelo sistema de aposentadoria e de benefcios continuados, garantidos pela Constituio Federal de 1988 no devem ser considerados como polticas diretamente direcionadas superao de problemas do mercado de trabalho; deve-se atentar para o fato de que, juntamente com a poltica de salrio mnimo, esses avanos foram muito importantes indiretamente para a expanso da demanda, para a gerao de empregos, inclusive de melhores empregos protegidos pela legislao trabalhista nas pequenas cidades das regies e municpios mais pobres do pas. Essas questes conformam o objeto de discusso da seo 3.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    3

    Finalmente, na seo 4, busca-se discutir o significado das transformaes destacadas no perodo recente, assim como as perspectivas de estruturao do mercado de trabalho e promoo do trabalho decente no Brasil, considerando os enormes desafios colocados para o futuro de um pas ainda marcado por um conjunto substantivo de problemas sociais e econmicos.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    4

    1. A DINMICA MACROECONMICA BRASILEIRA NA DCADA DE 2000 possvel destacar importantes elementos de continuidade na poltica macroeconmica brasileira, entre o segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula, embora tambm existam diferenas importantes como, por exemplo, a perda de mpeto do processo de privatizao de empresas estatais e o fortalecimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES). Como elemento importante de continuidade, destacam-se as polticas de metas de inflao e de cmbio flexvel adotadas pelo Banco Central aps a desvalorizao do Real em janeiro de 1999 e a de supervit primrio, implementada pelo Ministrio da Fazenda.

    Alis, esta desvalorizao alterou significativamente o quadro de funcionamento da economia brasileira e sua relao com o mercado de trabalho (Baltar, Leone & Borghi, 2009). Destacou-se, nesta mudana, o efeito da elevao do preo do Dlar na forte elevao da dvida pblica, pelo fato de que uma parcela expressiva dessa dvida estava indexada taxa de cmbio e era utilizada como proteo para carteiras de aplicao de capital construdas ao longo da dcada de 1990, a partir de recursos tomados emprestados no mercado financeiro internacional.

    A desvalorizao do Real, alm de aumentar a dvida pblica em relao ao PIB, recolocou o problema da inflao. O aumento do preo do Dlar, resultante da fuga de capitais para o exterior, elevou expressivamente os custos da produo domstica, porque a abertura comercial ampliou a parcela de produtos comercializveis e com preos fixados no plano internacional. Alm disso, a privatizao dos servios de utilidade pblica levou indexao dos preos (em moeda nacional) desses servios ao ndice Geral de Preos que muito sensvel aos preos internacionais de commodities (Carneiro 2006). Assim, a inflao aumentaria como resultado de uma ampla elevao de custos, o que poderia transformar-se numa nova e generalizada espiral preos-salrios, caso os trabalhadores para no perder poder de compra conseguissem reajustes nominais de salrios anlogos aos aumentos de preos, e se as empresas tivessem condies para repassar a elevao de custos para os preos.

    O apoio do FMI viabilizou a reeleio do Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998, o que contribuiu para que fosse definida uma poltica que, ao mesmo tempo, evitasse a acelerao inflacionria e preservasse a recente abertura comercial e financeira. Adotou-se, ento, uma poltica macroeconmica que combinou metas de inflao, supervit primrio nas contas do governo e taxa de cmbio flutuante. A poltica de taxa de cmbio flutuante expressou a continuidade da poltica cambial: o pas continuou renunciando ao poder de usar a taxa de cmbio como instrumento para orientar o desenvolvimento e para exportar mais produtos manufaturados e depender menos de importaes desses produtos.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    5

    A fim de suavizar a fuga de capital, a taxa de juros tinha sido colocada num nvel muito elevado antes da desvalorizao do Real. Aps a desvalorizao e com a poltica de metas de inflao, a taxa de juros foi mantida num patamar muito elevado. A desvalorizao do Real tendia a ter um impacto positivo na atividade da economia brasileira, ao viabilizar uma maior exportao e ao permitir melhores condies para que os produtores nacionais pudessem competir com os produtos importados. No obstante, a conteno do gasto pblico e a elevao das altas taxas de juros visaram, precisamente, a manuteno de um reduzido nvel de atividade econmica, como forma de impedir a acelerao inflacionria.

    As altas taxas de juros conduziram a uma tendncia de crescimento da dvida pblica maior do que a do crescimento do PIB. O supervit primrio nas contas pblicas tinha como objetivo evitar o aumento desproporcional da dvida pblica. Para isso, houve um aumento expressivo da carga tributria, especialmente das contribuies sociais. Esse aumento da carga tributria vinha ocorrendo na dcada de 1990, em consequncia da implementao do esquema de contribuies sociais, previsto pela Constituio Federal brasileira de 1988, que criou um amplo sistema de seguridade social no pas. O total de impostos e contribuies sociais aumentou de 25% para 35% do PIB. Alm disso, por meio de medidas aprovadas pelo congresso Nacional, o governo federal desvinculou uma parcela expressiva de sua receita (20%) e implementou a Lei de Responsabilidade Fiscal, facilitando a ao do Tesouro no sentido de conter as despesas de custeio (e mesmo de investimento) e tornar-se capaz de pagar uma parte dos juros. O governo brasileiro tambm usou os Fundos e os Bancos Pblicos para absorver uma parte da dvida pblica e a prpria poltica de conteno monetria significou a continuidade do uso do sistema bancrio para manter a enorme dvida pblica em detrimento dos emprstimos demandados pelo financiamento da economia.

    De 1999 a 2003, a poltica macroeconmica adotada conseguiu, quando muito, conter o aumento da inflao, provocando um modesto crescimento do PIB, alcanado, principalmente, pelos impactos positivos do comrcio com outros pases. A moeda permaneceu desvalorizada ao longo desses cinco anos e o desempenho da economia mundial piorou em 2001, mas foi possvel compensar o fraco desempenho do mercado domstico com um aumento das exportaes e da reduo das importaes, de tal modo que houve a reverso do saldo comercial deficitrio da dcada de 90, logrando-se um expressivo supervit no ano 2002. Em todo caso, desde 2003, a situao da economia mundial melhorou para os pases emergentes e, ento, a continuidade das linhas bsicas da poltica macroeconmica, implementadas desde 1999, levou a uma inflao menor e a um crescimento mais intenso do PIB, desde 2004 at a crise internacional em setembro de 2008 (Baltar, Santos, Garrido & Proni, 2009).

    A retomada do crescimento do PIB comeou com as exportaes e se consolidou com a ampliao do consumo e do investimento, num contexto em que ocorreu tambm um intenso aumento das importaes. A economia brasileira foi

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    6

    beneficiada pela conjuntura favorvel do mercado internacional, j que uma importante exportadora de commodities e, juntamente, exportadora de produtos manufaturados, principalmente para pases exportadores de commodities e para os EUA (Hiratuka, Baltar e Almeida 2007).

    Essa recente experincia de desvalorizao brusca do Real, entretanto, induziu amortizao de parte no desprezvel da dvida externa (pblica e privada) e os emprstimos externos se concentraram no financiamento dos exportadores. A ampliao do mercado financeiro domstico, favorecida pela aplicao de capital estrangeiro e elevao dos emprstimos internacionais, abriu espao para as maiores empresas articularem a colocao de ttulos de dvida e de propriedade, obtendo financiamento em moeda nacional, como alternativa tomada de recursos no mercado financeiro internacional e em moeda estrangeira.

    A entrada de capitais (investimentos diretos, aplicaes no mercado financeiro e emprstimos externos) compensou o declnio do saldo da conta corrente e, com isso, foi possvel manter a acumulao de reservas internacionais. A ampliao das reservas, entretanto, no impediu a valorizao do Real, processo que se intensificou a partir de 2004 e que somente foi interrompido pelos efeitos da recente crise internacional. Com a valorizao do Real, a inflao finalmente diminuiu e o crescimento do PIB acelerou-se, com impactos positivos tanto em termos da ampliao do consumo como do investimento.

    Esse crescimento foi favorecido pelo expressivo aumento da ocupao, do emprego formal, dos rendimentos do trabalho, das transferncias de renda, do aumento Real do salrio mnimo que, em conjunto, resultaram em expressiva elevao da renda das famlias, principalmente daquelas situadas nos estratos intermedirios e menores de renda familiar. Esse processo de expanso do consumo e do investimento tambm foi favorecido pela articulao desse crescimento da renda familiar com a ampliao do crdito ao consumo impulsionada pela elevao dos prazos, queda dos juros nominais e com as mudanas institucionais que passaram a permitir o crdito com desconto direto na folha de pagamento dos empregados assalariados (crdito consignado). Em relao ao PIB, os emprstimos do sistema bancrio que diminuram continuamente de 33,7% em 1995 para 24,2% em 2002 , vm aumentando desde ento, tendo alcanado 41,8% do PIB em 2008. Num quadro marcado por maior crescimento do PIB, menor taxa de inflao, disponibilidade de expressivas reservas internacionais, menor estoque de divida externa (pblica e privada), as empresas e os bancos assumiram expectativas de continuidade do crescimento das vendas, da produo, do emprego e da renda. De fato, antes que a crise internacional atingisse o pas, o crescimento do PIB acelerou-se, alcanando o ritmo anual de 6,5% em meados de 2008, num processo em que o volume de investimento vinha aumentando a taxas significativamente elevadas (Baltar, Leone & Borghi, 2009). Com isso, ampliou-se o consumo de bens durveis de consumo, as empresas aumentaram o investimento na ampliao da capacidade de produo, o Estado retomou o investimento em infra-estrutura. Assim, apesar de a atuao do Banco Central do Brasil, visando conter a inflao com seus

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    7

    impactos negativos sobre o ritmo de crescimento econmico , ter dificultado a concesso de emprstimos em moeda nacional e mantido elevado o nvel das taxas de juros, a taxa mdia de crescimento da economia brasileira elevou-se expressivamente.

    No cerne das dificuldades que o pas atualmente enfrenta, para voltar a ter um ritmo mais intenso e continuado de crescimento do PIB, esto os problemas para restaurar o motor deste crescimento, ou seja, para impulsionar a expanso da indstria de transformao. Ao longo de seu processo de industrializao, o pas montou um setor industrial diversificado e integrado, voltado preferencialmente para o atendimento da demanda domstica por seus produtos. Desde 1980, o produto industrial tem crescido muito pouco, reduzindo sua participao na gerao do PIB, de 34% para 16%, num contexto de cerca de um quarto de sculo (1980-2005) de semi-estagnao da economia brasileira, em que o produto per capita quase no aumentou. Esta perda de dinamismo do setor industrial tem relao com a queda da taxa de investimento do pas, com a Formao Bruta de Capital Fixo atualmente oscilando entre 14% e 18% do PIB, sendo que no ltimo perodo de industrializao e crescimento sustentado final dos anos 60 e na dcada de 70 do sculo passado alcanava patamar bem mais elevado (entre 20% e 25%).

    A abertura comercial e financeira dos anos 1990 no modificou substantivamente este quadro de pouco dinamismo da indstria e do crescimento do PIB com taxas mdias de expanso ainda menores do que nos anos 80. Os coeficientes de exportao e de importao do setor industrial aumentaram, e este setor certamente tornou-se mais eficiente, porm tambm ocorreram expressivas perdas de densidade nas cadeias de produo de manufaturados, que reduziram as possibilidades de ampliao do valor agregado e, portanto, do poder de arrastar outros setores de atividade.

    A retomada mais firme e continuada do crescimento da indstria, assim como do PIB, requer atualmente a ampliao da taxa de investimento com a construo de infra-estrutura e a rearticulao (adensamento) das cadeias de produo de manufaturados. Isto aumentaria a capacidade de gerao de valor agregado na indstria e o seu poder de induzir outras atividades, alm de contribuir para aumentar a participao do setor industrial nas exportaes e reduzindo a dependncia do pas da importao de manufaturados. O aumento da taxa de investimento, entretanto, requer ir alm do montante de investimento que induzido pelo crescimento das vendas, exigindo uma postura mais ativa do poder pblico, na sua articulao com a iniciativa privada e na ampliao da infra-estrutura econmica e social.

    A partir do segundo mandato do Presidente Lula, reeleito em 2006, nota-se mais claramente uma diferente posio de governo em relao ao crescimento econmico, apesar da continuidade da poltica macroeconmica assentada nas metas de inflao, no supervit primrio e na poltica de cmbio flutuante (Barbosa & Pereira de Souza, 2010). Um sintoma desta mudana foi a recusa em aprofundar o ajuste fiscal, ou seja, em recusar a implementao de uma poltica

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    8

    sugerida por (alguns) economistas e segmentos conservadores da sociedade brasileira. A implementao dessa poltica fiscal ainda mais restritiva, que tinha como objetivo gerar um supervit nominal nas contas pblicas, era sugerida como forma de aproveitar a possibilidade de ampliar o supervit primrio dada pelo maior ritmo de crescimento do PIB e da arrecadao tributria. Nessa perspectiva, o supervit nominal contribuiria para cobrir a totalidade do pagamento do servio da dvida pblica, acelerando a queda na relao entre esta dvida e o PIB, uma prioridade absoluta para os segmentos interessados no desenvolvimento e crescente sofisticao do setor financeiro, ainda que isso dificultasse o desenvolvimento mais robusto da produo realizada no pas.

    Assim, o governo optou por lanar um Plano de Acelerao do Crescimento (PAC), por restaurar o quadro de pessoal e o nvel dos salrios dos funcionrios pblicos ambos muito sacrificados pelo esforo anterior de conteno da despesa pblica , por manter o ritmo de aumento do salrio mnimo legal e assumir a elevao das despesas da seguridade social cujos benefcios mnimos so atrelados ao salrio mnimo, e tentou recuperar o investimento pblico, especialmente em infra-estrutura. Outro sintoma dessa mudana da posio do governo brasileiro foi a capitalizao do BNDES pelo Tesouro Nacional e a intensificao de sua atuao na articulao da formao de grupos empresarias nacionais e no apoio ao investimento das empresas estatais.

    Finalmente, a maneira como o governo reagiu diante da crise internacional no final de 2008, tambm expressou essa mudana de posio. Embora com atraso, devido ao temor da desvalorizao do Real repercutir no aumento da taxa de inflao, o Banco Central diminuiu a taxa bsica de juros brasileira (Selic); relaxou o depsito compulsrio dos bancos; usou as reservas internacionais para garantir o financiamento das exportaes; reduziu temporariamente o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos bens durveis de consumo (automveis, eletrodomsticos, materiais de construo, mveis e outros produtos); lanou um programa de construo de habitaes populares (Minha Casa, Minha Vida); reduziu o Imposto de Renda da classe mdia; usou os bancos pblicos para garantir o atendimento da demanda de crdito e incorporar instituies financeiras fragilizadas pela crise; garantiu crdito dos bancos ao segmento constitudo pelas micro e pequenas empresas.

    Essas mudanas, que expressaram a nova postura do governo brasileiro em relao conduo da poltica econmica e gesto dos impactos da crise internacional, juntamente com as novas descobertas de petrleo na camada pr-sal do litoral brasileiro, conformaram um novo quadro marcado por otimismo ou pelo menos esperana de que o pas poder alcanar um processo sustentado de desenvolvimento econmico, a partir do qual poder construir uma base material que viabilize a elevao progressiva do bem-estar do conjunto da populao. A nova postura do governo brasileiro, especialmente a maneira como reagiu s ameaas colocadas pela crise internacional, mas tambm a forma como tem conduzido o debate sobre a construo institucional necessria para o pas tirar mais proveito das possibilidades de extrao dessas novas reservas de

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    9

    petrleo, tem levado a uma reaproximao entre o Estado nacional e a iniciativa privada. Isso tem contribudo para que sejam pensadas, de forma mais concreta, as possibilidades de reconstruir os instrumentos de ao do poder pblico, necessrios para a realizao de projetos estratgicos de investimento, os quais so fundamentais para um desenvolvimento substantivo da economia brasileira.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    10

    2. MELHORIAS OCORRIDAS NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO NO PERODO 2004-2008 Nesse perodo marcado pela elevao das taxas mdias de crescimento da economia brasileira, o mercado de trabalho apresentou mudanas significativas que, no conjunto, resultaram em importantes melhorias: reduo das taxas mdias de desemprego; expanso do emprego assalariado formal (protegido pela legislao trabalhista, social e previdenciria brasileira); crescimento do emprego nos setores mais organizados da economia (inclusive na grande empresa e no setor pblico); reduo do peso do trabalho assalariado sem registro em carteira (ilegal) e do trabalho por conta prpria na estrutura ocupacional; elevao substantiva do valor real do salrio mnimo; recuperao do valor real dos salrios negociados em convenes e acordos coletivos; importante reduo do trabalho no remunerado; intensificao do combate ao trabalho forado e reduo expressiva do trabalho infantil1. Porm, antes de analisar as principais mudanas observadas na estrutura ocupacional e de rendimentos, nesse perodo, importante apontar as principais mudanas verificadas na evoluo da populao economicamente ativa (PEA) e as mudanas recentes em sua composio por sexo e idade.

    No Brasil, a taxa de participao na atividade econmica dos jovens situados na faixa etria entre 15 e 19 anos diminuiu ao longo da dcada de 90, mas ainda bastante elevada se comparada com pases com nvel similar de desenvolvimento, como Chile, Argentina e Mxico. As diferenas entre esses pases so expressivas; assim, por exemplo, em 2005 a taxa de atividade dos jovens (15 a 19 anos) foi de 52% no Brasil, 36% no Mxico, 25% na Argentina urbana e 17% no Chile (OIT, 2007 apud Welters, 2009). Atualmente, no Brasil, metade dos adolescentes procura trabalho, sendo que 20 anos atrs essa proporo alcanava 75%. Nessa poca, as primeiras tentativas de entrar no mercado de trabalho ocorriam antes dos 15 anos de idade, de tal modo que o jovem de 15 a 19 anos j estava plenamente inserido no mercado de trabalho. Este fato era, entre outros, um dos sintomas da desestruturao do mercado de trabalho no Brasil e tem se modificado, mas hoje ainda metade desses jovens participa plenamente da atividade econmica, embora crescentemente essa populao esteja, tambm, frequentando a escola2.

    1 Apesar do esforo de erradicao do trabalho infantil (de menores de 16 anos de idade), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD/IBGE), realizada anualmente, estimou que 1,5 milho de adolescentes com idades entre 10 e 14 anos participava de alguma atividade econmica em 2008, correspondendo a 8,4% de todas as pessoas com essa idade. Alm disso, 10,5% desses menores que participavam da PEA no realizaram nenhum trabalho na semana de referncia da pesquisa, mas tomaram alguma iniciativa para encontrar um emprego. Dentre aqueles menores que tinham uma ocupao na semana de referncia, dois teros trabalhavam sem remunerao, na maioria dos casos, para algum membro da famlia, e quase todos os demais eram empregados sem carteira de trabalho. 2 Nesta anlise da PEA brasileira, vamos concentrar-nos na populao com 15 anos ou mais, dividida em trs grandes grupos de idade: 15 a 24 anos (jovens), 25 a 54 (adultos) e 55 anos ou mais (idosos).

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    11

    As mudanas observadas no contingente da populao maior de 15 anos, conforme os grupos de idade, expressam alteraes que vm ocorrendo nas taxas de natalidade e mortalidade e no ritmo de crescimento da populao brasileira, desde o final da dcada de 60: o nmero de pessoas situadas na faixa etria de 15 a 24 anos de idade era, em 2008, menor do que o de 2004; nas idades mais avanadas, observa-se que o nmero de pessoas com idades compreendidas entre 25 e 54 anos e com 55 anos e mais cresceram no ritmo de 2,3 e 4,7% ao ano, respectivamente (Tabela 1). A intensa diminuio da populao com 15 anos e mais de idade conseqncia do crescimento da populao adulta e idosa. O crescimento da populao adulta, entre 2004 e 2008, reflete o expressivo crescimento da populao brasileira na dcada de 70, enquanto o crescimento da populao idosa reflete no apenas o crescimento ainda mais intenso da populao brasileira antes da dcada de 70, mas tambm o aumento da esperana de vida que vem ocorrendo no Brasil desde ento, o que tem provocado tanto um aumento no contingente de pessoas a alcanar a terceira idade quanto o prolongamento dessa fase da vida das pessoas.

    Ao longo do perodo 2004-2008, ocorreu um aumento da taxa de participao das pessoas em idade ativa, explicado principalmente pelo aumento da taxa de participao das mulheres adultas3 Tabela 1: Populao total em idade ativa e populao economicamente ativa (PEA) - Brasil: 2004 e 2008

    Apesar da retomada do crescimento da economia, o desemprego ainda alcanava 7,1% em 2008. Alm disso, do total da populao economicamente ativa, 31,2% ainda estavam ocupados como trabalhadores por conta-prpria, empregadores, trabalhadores no-remunerados, trabalhadores na produo agrcola para o consumo prprio e na construo da casa prpria. Assim, o

    3 A taxa de participao dos homens caiu de 81,2% para 80,5% e a das mulheres aumentou de 57% para 57,6%. Para as pessoas com idades entre 15 e 24 anos constatou-se queda na taxa de participao dos homens, enquanto a taxa de participao das mulheres permaneceu constante. Para os adultos (25 a 54 anos) e idosos (55 e mais) a taxa de participao permaneceu constante no caso dos homens e aumentou no caso das mulheres. Para o conjunto de todas as pessoas de 15 anos e mais, a taxa de participao manteve-se constante (68% em 2004 e 2008).

    Populao total idade ativa (15 anos ou mais )

    PEA Grupos de Idade

    2004 2008 Taxa anual

    crescimento

    2004 2008 Taxa anual

    crescimento

    15 a 24 26.3 23.4 -0.9 24.5 21.6 -1.2 25 a 54 55.3 56.1 2.3 65.1 66.5 2.5 55 ou mais 18.4 20.5 4.7 10.4 11.9 5.4 15 ou mais 100.0 100.0 1.9 100.0 100.0 1.9 Fonte: IBGE-PNAD, 2004 e 2008.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    12

    emprego assalariado no abrangia mais do que 61,7% da populao economicamente ativa, sendo que desse contingente, 33,7% eram empregados sem registro (forma ilegal de utilizao da fora de trabalho assalariada no Brasil) e 10,9% eram empregados no trabalho domstico remunerado. Por esse motivo, na avaliao das repercusses do crescimento da economia brasileira sobre a absoro da populao economicamente ativa muito importante separar o mercado de trabalho assalariado (empregados de estabelecimento com e sem carteira de trabalho e trabalhadores domsticos remunerados com e sem carteira) do resto das posies na ocupao (trabalhadores por conta-prpria, empregadores, trabalhadores na produo agrcola para o prprio consumo e na autoconstruo e os que trabalham sem remunerao). Tambm os limites entre trabalho assalariado e no-assalariado, no Brasil, so difceis de estabelecer, pois a flexibilizao do trabalho assalariado tem provocado o aumento da freqncia do trabalho por conta-prpria que apenas um trabalho assalariado disfarado. Ou seja, uma parte importante do que registrado nas estatsticas como trabalho por conta-prpria de fato emprego assalariado disfarado, o que tende a provocar subestimao do tamanho do mercado de trabalho assalariado na absoro da PEA (Leone e Baltar, 2008).

    No Brasil, existem diferenas importantes no que concerne taxa de participao, por idade e sexo, no mercado de trabalho. Quanto maior a idade, menor a participao na populao economicamente ativa dos segmentos assalariados (empregados de estabelecimento com e sem carteira de trabalho e trabalhadores domsticos remunerados com e sem carteira), ou seja, maior a proporo da populao adulta e, principalmente, idosa ocupada como trabalhador por conta prpria e empregador (geralmente de pequenos negcios)4.

    Apesar da expressiva queda do contingente em idade ativa e economicamente ativa na faixa etria de 15 a 24 anos, a importante reduo da taxa de desemprego observada no perodo 2004-2008 5 , no foi capaz de alterar significativamente a situao de desemprego entre os jovens que em grande medida estavam procurando trabalho assalariado , ainda em 2008 marcada por uma taxa de desemprego muito elevada (Tabela 2). Ao contrrio, entre os adultos e principalmente entre os idosos, alm da reduo do desemprego, em 2008 a situao refletia o fato de que no somente as taxas de desemprego eram mais reduzidas como parcela mais expressiva declarava-se trabalhador por conta prpria ou empregador isto , nem sempre estavam buscando uma ocupao como empregado assalariado6. O desemprego entre as mulheres manteve-se

    4 Dentre os jovens, o conjunto de desempregados, empregados e trabalhadores domsticos remunerados alcanava 79% da populao voltada para a atividade econmica em 2004, proporo que aumentou para 88% em 2008. 5 Ainda assim, para o segmento dos jovens, as principais melhorias do mercado de trabalho brasileiro nesse perodo foram a queda do desemprego e o aumento do emprego formalizado. Alm disso, foi reduzido o peso do trabalho domstico na absoro dos jovens e tambm diminuiu o trabalho no-remunerado. 6 No caso do trabalho por conta prpria, combinam-se pequenos negcios com trabalho assalariado disfarado. J a expressiva freqncia de empregadores na absoro da populao ativa adulta e idosa reflete o estreitamento do mercado de trabalho, provocado por 25 anos de estagnao da economia, junto com a importncia relativa da realizao de pequenos negcios pela populao

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    13

    bem maior do que entre os homens, principalmente entre jovens e adultos. Relativamente aos homens, as mulheres tambm continuaram apresentando um maior peso nas formas de ocupaes mais precrias: emprego assalariado no formalizado; trabalho no remunerado; emprego domstico remunerado; produo agrcola de auto-subsistncia (Tabela 3).

    .

    Tabela 2: Absoro da PEA conforme idade. Brasil: 2004 e 2008

    A elevao da taxa mdia de crescimento do PIB no perodo 2004-2008 resultou em importantes impactos positivos sobre o mercado de trabalho brasileiro: no somente elevou-se o peso do mercado de trabalho na absoro das pessoas ativas e reduziu-se o desemprego. Ocorreram tambm melhorias e importantes mudanas qualitativas na estrutura ocupacional: foi reduzido o peso do emprego sem carteira, do trabalho por conta prpria e do trabalho no remunerado na estrutura ocupacional 7 . Com isso, as mudanas na composio setorial da ocupao, refletindo a retomada do crescimento da economia e seus impactos positivos sobre a expanso do emprego formal, reduziu o peso, na ocupao total, de setores que apresentavam maiores facilidades de entrada para os trabalhadores que geralmente buscam estratgias de sobrevivncia sem outras alternativas nos momentos de desemprego elevado , ou seja, de setores marcados por ocupaes precrias, no assalariadas, no protegidas pela legislao trabalhista e associadas a baixssimos rendimentos do trabalho. Dessa forma, ocorreu uma reduo no ritmo de crescimento da parcela de trabalhadores no assalariados (trabalhadores por conta-prpria ou empregadores) e de assalariados sem carteira de trabalho, que cresceram bem

    adulta e idosa, num pas em que muito dbil a regulamentao da atividade econmica. Tambm foi importante entre adultos e idosos a diminuio do peso do trabalho por conta prpria na absoro da PEA. 7 Apesar disto, a agricultura, o servio domstico e os outros servios ainda respondiam, em 2007, por 24% da ocupao total.

    15 a 24 25 a 54 55 e mais 15 e mais Posio na Ocupao 2004 2008 2004 2008 2004 2008 2004 2008

    Desemprego 18.0 15.5 6.4 5.2 2.7 2.1 8.9 7.1 Emprego formal 29.1 35.2 39.0 43.7 17.1 20.2 34.3 39.1 Emprego sem carteira 25.6 26.6 14.3 13.5 10.7 10.3 16.7 15.9 Domsticos com carteira 0.8 0.6 2.3 2.3 1.1 1.4 1.8 1.8 Domsticos sem carteira 5.4 4.3 5.3 5.2 3.6 4.3 5.2 4.9 Empregador 0.6 0.7 4.5 4.8 7.0 7.1 3.8 4.2 Conta prpria 7.9 7.4 22.1 19.7 38.7 36.2 20.3 19.0 No remunerado 10.4 7.1 3.6 2.9 4.8 4.3 5.4 4.0 Autoconsumo 2.1 2.5 2.4 2.6 14.0 13.8 3.5 3.9 Autoconstruo 0.1 0.1 0.1 0.1 0.3 0.3 0.1 0.1

    PEA 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 Fonte: IBGE-PNAD, 2004 e 2008.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    14

    menos que o emprego formal. A partir de 2007, observa-se at mesmo a reduo absoluta no nmero de trabalhadores nessas duas posies na ocupao, com o maior crescimento do PIB e do emprego formal (Baltar et al., 2009). A participao do emprego sem registro na estrutura ocupacional reduziu-se de 27%, em 2004, para 25,4% em 2007, enquanto que a dos trabalhadores no assalariados reduziu-se de 29% para 27,6%, no mesmo perodo.

    Tabela 3: Absoro da PEA conforme idade e sexo. Brasil: 2008

    15 a 24 25 a 54 55 e mais 15 e mais Posio na Ocupao

    Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Desemprego 11.9 20.5 3.5 7.4 1.9 2.4 5.2 9.6 Emprego formal 37.0 32.6 47.8 38.7 21.5 18.1 42.1 35.2 Emprego sem cart. 30.9 20.8 15.6 10.8 13.0 6.1 18.7 12.4 Domsticos c/cart. 0.1 1.2 0.4 4.6 0.3 2.9 0.3 3.7 Domsticos s/cart. 0.4 9.6 0.4 11.0 0.9 9.6 0.4 10.6 Empregador 0.9 0.4 6.3 3.1 9.2 3.9 5.4 2.7 Conta prpria 8.3 6.3 23.6 14.9 42.0 27.4 22.5 14.4 No remunerado 8.1 5.7 1.0 5.2 1.3 9.0 2.6 5.7 Autoconsumo 2.2 2.9 1.3 4.3 9.5 20.5 2.6 5.7 Autoconstruo 0.2 0.0 0.1 0.0 0.4 0.1 0.2 0.0 PEA 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 Fonte: IBGE-PNAD, 2008.

    Por outro lado, observa-se que mesmo assim, pouco mais da metade das pessoas ocupadas ainda continuam atualmente no Brasil no tendo um emprego assalariado e/ou em conformidade com as leis do trabalho do Pas. Em paralelo reduo do emprego assalariado sem carteira e do trabalho por conta prpria na estrutura ocupacional, observou-se um expressivo ritmo de aumento do emprego assalariado formalizado e do crescimento do peso desse segmento na estrutura ocupacional. Essa forte expanso do emprego formal iniciada aps a desvalorizao da moeda brasileira e intensificada com o maior ritmo de crescimento econmico do perodo 2004-2008 resultou de dois efeitos diferentes: de um lado, tendncia formalizao das empresas e dos contratos de trabalho; de outro, aumento na quantidade de empregos formais gerados para cada ponto percentual de crescimento do produto. Assim, foi muito forte o processo de aumento do emprego formal, decorrente das modificaes e ampliao da estrutura produtiva brasileira, mas tambm pela formalizao de contratos por meio da fiscalizao realizada pelo Ministrio do Trabalho e Emprego.

    Em especial, aumentaram num ritmo expressivo as boas ocupaes e associadas a maiores rendimentos (dirigentes, profissionais de nvel superior, tcnicos de nvel mdio). As piores ocupaes, presentes em maior medida nas atividades agrcolas e na prestao de servios, tambm apresentaram progressiva formalizao dos contratos, que foi acompanhada por outras melhorias qualitativas no que diz respeito posio na ocupao, e por um processo de

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    15

    elevao do rendimento mdio e de reduo das desigualdades dos rendimentos do trabalho. Alm disso, o segmento marcado pelas piores ocupaes expandiu-se num menor ritmo de crescimento do que o observado para as melhores ocupaes (Baltar et al., 2009). Portanto, no conjunto, esse processo significou uma importante reverso de vrias tendncias negativas, em curso desde o incio dos anos 90, que avanaram ao longo da implementao das polticas econmicas neoliberais e de medidas correlatas que buscavam flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho.

    Determinada pelo maior ritmo e pelas caractersticas do crescimento econmico, num contexto de elevada elasticidade do emprego em relao ao produto (mdia de 0,4 e similar elasticidade observada na dcada de 1970), o crescimento do nmero de empregados contratados respeitando a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT) ou o Estatuto do Servidor Pblico o chamado emprego assalariado formal passou de 44%, em 2004, para 47% em 2007, do total de pessoas ocupadas e com rendimentos (Baltar et al., 2009). Por outro lado, pelas informaes da Tabela 2, pode-se observar que a participao do emprego formal no total da populao economicamente ativa de 15 ou mais anos de idade (universo que inclui tambm os desempregados) passou de 36,1%, em 2004, para 40,9% em 2008.

    Esse aumento do emprego formal ocorreu em todos os grupos etrios, destacando-se o acentuado aumento da formalizao do emprego dos jovens8. Essa expanso do emprego formal tambm ocorreu de modo generalizado em todos os setores de atividade da economia, com taxas anuais de crescimento maiores do que 3%, salvo em outros servios e na administrao pblica, em que o crescimento do emprego formal foi um pouco menor que 2% ao ano9.

    O aumento do emprego formal tambm ocorreu em quase todos os grupos de ocupao, em particular em cargos de direo, ocupaes de venda, profisses de nvel superior e cargos tcnicos de nvel mdio. Porm, mesmo nas ocupaes manuais da agricultura, por exemplo, o emprego formal cresceu ao ritmo de 3,5% ao ano (Baltar et al., 2009). Enquanto o emprego formal no conjunto dos cinco tipos de ocupao de renda mdia relativamente alta (dirigentes, profissionais de nvel superior, tcnicos de nvel mdio, servios de apoio administrativo e pessoal das foras armadas) elevou sua participao no total de pessoas ocupadas, as ocupaes de menor renda mdia continuaram apresentando menor participao; mas os quatros tipos de ocupao de menor renda mdia (prestao de servios, vendas, trabalho manual agrcola e no agrcola) reduziram sua participao no total do emprego formal. Alm disso, nesse

    8 Ainda assim, o maior nvel de formalizao do emprego assalariado encontra-se entre as pessoas situadas na faixa etria de 25 a 54 anos de idade (71,1% em 2008, comparado com 53,7% entre os jovens e 59,7% entre os idosos). 9 O grau de formalizao continuou expressando uma elevada heterogeneidade setorial e por tipo de ocupao. Nos cinco setores de atividade de baixa renda mdia (agricultura, construo, alojamento e alimentao, servios domsticos e servios pessoais) foi muito reduzida a participao do emprego formal na gerao de oportunidades ocupacionais. J em comrcio e reparao e em transporte e comunicao, a renda mdia no to baixa, mas tambm foi relativamente reduzida a participao do emprego formal na ocupao total desses setores.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    16

    perodo, o emprego formal tambm apresentou elevadas taxas de expanso nas grandes empresas, aspecto particularmente importante considerando sua reduo nos anos 90 (Santos, 2006).

    Esse aumento generalizado (por grupos de idade, setor de atividade, tipo de ocupao, porte de empresa) da importncia relativa do emprego formal ocorreu, a partir de 2004, em simultneo a um aumento da populao ocupada com rendimentos, de expressiva recuperao da renda mdia do trabalho, de forte elevao da massa total de rendas do trabalho, e de leve recuperao da parcela da renda nacional apropriada pelo trabalho. A renda mdia do trabalho, no Brasil, vinha sendo reduzida no perodo 1997-2003, prejudicada pelo aumento da inflao e pela conteno da atividade econmica, principalmente aps a desvalorizao cambial de 1999. A partir de 2004, a queda da inflao conjugada com a reativao da economia deu ensejo a uma recuperao no poder de compra do rendimento mdio dos trabalhadores, tendncia que foi reforada pelos reajustes do salrio mnimo e das categorias profissionais melhores organizadas. No final do perodo, entretanto, o rendimento mdio dos trabalhadores encontrava-se num patamar muito prximo ao de 1998. A retomada do crescimento a partir de 2004 apenas comeou a alterar este quadro, permitindo que a renda mdia do trabalho e a participao dos trabalhadores na apropriao da renda nacional recuperassem perdas verificadas desde a desvalorizao do Real, em 1999.

    No aumento da massa total de rendimentos do trabalho (entre 2004 e 2007) teve maior participao a recuperao da renda mdia do que a ampliao da ocupao. Alm disso, o aumento da recuperao da renda mdia foi, em geral, maior nos setores de atividade cuja renda mdia do trabalho menor do que a mdia geral da economia, expressando a importncia da poltica de aumento do valor do salrio mnimo para a recuperao da renda mdia do trabalho. Para o aumento da massa total de renda do trabalho no setor formal, ao contrrio, o crescimento do emprego formal pesou mais que o da renda mdia.

    Assim, como a retomada do crescimento econmico no perodo 2004-2008 ocorreu em meio a uma maior estabilidade monetria com reduo do patamar inflacionrio, uma das novidades que tal crescimento no s contribuiu para um processo marcado por significativa formalizao dos contratos de trabalho, como colaborou para que se intensificasse o aumento do valor real do salrio mnimo e para a elevao dos salrios reais por meio de conquistas dos trabalhadores mais organizados e de seus sindicatos nas negociaes salariais. Tudo isso conduziu para uma significativa recuperao da renda mdia do trabalho, com indicao de uma tendncia de reduo na desigualdade das remuneraes do trabalho.

    Apesar do aumento do peso da participao das ocupaes de rendimentos mais elevados, o aumento do rendimento mdio do trabalho apresentou impactos ainda mais expressivos nas piores ocupaes, contribuindo para a reduo das desigualdades dos rendimentos. Alm disso, o contnuo aumento da participao dos empregos formais na estrutura ocupacional foi decisivo para que as mudanas na composio da massa de renda total do trabalho, por posio na

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    17

    ocupao, refletisse mais a evoluo positiva do emprego do que da renda mdia. E nesse sentido, o maior aumento relativo da renda mdia do emprego sem carteira e do trabalho no-assalariado apenas impediu um maior declnio de suas respectivas participaes na massa total de rendimentos do trabalho (Baltar et al., 2009)10. A reduo nas diferenas relativas de renda das pessoas ocupadas se expressou tambm na diminuio das diferenas de renda mdia por tipo de ocupao, que ocorreu tanto para o emprego formal quanto para o conjunto das posies na ocupao. Entretanto, as diferenas de rendimentos na ocupao total continuaram muito grandes por setor de atividade e, principalmente, por tipo de ocupao. O efeito da poltica de aumento do valor do salrio mnimo, elevando mais as baixas remuneraes dos setores de menor renda, no foi suficiente para fazer diminuir a disperso de rendas mdias setoriais, sequer para o emprego formalizado. Os setores e tipos de ocupao com menor renda so tambm os que tm menores participaes do emprego formal na ocupao total, o que agrava enormemente as diferenas de situao socioeconmica entre os trabalhadores, j que o cumprimento das leis do trabalho significa garantir diversas vantagens para os empregados formais, como descanso semanal remunerado, frias (com mais 1/3 do salrio), FGTS, auxlios transporte e alimentao, aposentadoria e penso, entre outros direitos trabalhistas.

    No entanto, o aumento do assalariamento, a formalizao dos contratos de trabalho, o aumento dos rendimentos particularmente os menores, influenciados pelos impactos da elevao do poder de compra do salrio mnimo , as lutas sindicais e as conquistas de acordos e convenes coletivas com elevao real dos salrios e a reduo do desemprego contriburam para a elevao das rendas das famlias, especialmente daquelas de menor nvel de renda. As categorias mais organizadas e com maior rendimento mdio tambm apresentaram elevao dos rendimentos, mas deve-se ressaltar a maior importncia da poltica de progressivo aumento do valor real do salrio mnimo, num contexto de crescimento econmico e da arrecadao pblica, na elevao dos rendimentos do trabalho, especialmente favorecendo os segmentos de trabalhadores de menor renda, contribuindo, no somente, para a reduo da elevada desigualdade existentes na estrutura de rendimentos do trabalho, mas tambm na estrutura de renda familiar (Baltar et al., 2009).

    Assim, a evoluo positiva do emprego e a recuperao mencionada da renda do trabalho repercutiram na renda das famlias e junto com a ampliao do crdito afetaram positivamente o nvel e a estrutura do consumo das famlias, contribuindo para a expressiva ampliao da Classe C (padro de consumo intermedirio), ou baixa classe mdia, que progressivamente passou a ter maior importncia como base do enorme prestgio e popularidade do Presidente Lula no segundo mandato.

    10 Ainda assim, em 2007, o emprego formal respondia por apenas 47% do nmero de pessoas ocupadas com rendimento e 53,5% da massa total de rendimentos do trabalho. Os empregados sem carteira eram 25,4% das pessoas ocupadas e respondiam por 13,5% da renda do trabalho, enquanto os no assalariados representavam 27,6% dos ocupados remunerados e respondiam por 33% da massa de renda do trabalho.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    18

    No entanto, preciso contextualizar esse processo de significativos avanos na estrutura ocupacional e de rendimentos numa perspectiva histrica e estrutural da economia e do mercado de trabalho brasileiros. E nesse sentido muito importante ressaltar que, mesmo numa conjuntura mundial especialmente favorvel, o crescimento da economia brasileira nesse perodo relativamente curto no chegou a ser extraordinrio, e seus impactos positivos sobre o mercado de trabalho podem ser vistos como o incio de um processo, mais amplo e demorado, requerido para (i) reverter as modificaes negativas sobre o mercado de trabalho e a estrutura de rendimentos resultantes das polticas econmicas e trabalhistas neoliberais, implementadas desde o incio da dcada de 1990, e da consequente reestruturao produtiva, baixo dinamismo econmico e precarizao do mercado e das relaes de trabalho; (ii) reduzir os efeitos perversos provocados por 25 anos de estagnao do PIB per capita sobre o mercado de trabalho de um pas subdesenvolvido; (iii) amenizar os problemas resultantes de uma estrutura ocupacional histrica e estruturalmente marcada pela informalidade, precariedade e baixos salrios.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    19

    3. REGULAO SOCIAL E POLTICAS PBLICAS Como foi explicado, a evoluo positiva de alguns indicadores do mercado de trabalho brasileiro (em especial, o crescimento da formalizao dos vnculos de emprego e a elevao da renda mdia e dos que esto na base da estrutura de remunerao) est relacionada fundamentalmente com a dinmica econmica e a mudana no ambiente poltico. Porm, tambm necessrio destacar a contribuio das polticas pblicas, da regulao social do trabalho, do papel das instituies pblicas e da atuao sindical. Certamente, o crescimento econmico colaborou para que estes fatores institucionais apresentassem um carter virtuoso, no sentido de uma maior estruturao do mercado de trabalho. Em paralelo, a necessidade de responder a demandas sociais no campo do emprego e dos rendimentos, num contexto de forte tenso poltica, levou o Governo a adotar polticas que indicassem uma preocupao com os setores mais pobres da populao. Ou seja, a explicao para a recuperao do emprego formal e dos salrios, ao longo da dcada, tambm compreende a importncia do arcabouo legal, das polticas pblicas e do movimento sindical, como ser analisado a seguir.

    3.1. A regulao do trabalho e o avano da formalizao dos empregos

    No Brasil, considerado emprego formal (ou protegido) aquele que tem carteira de trabalho assinada. O empregado com contrato formalizado tem acesso ao sistema de seguridade social e aos direitos trabalhistas inscritos no arcabouo legal. O emprego sem registro em carteira considerado ilegal, mas muito frequente no mercado de trabalho brasileiro. Portanto, o crescimento da formalizao significa que um contingente maior de trabalhadores est teoricamente protegido, sendo-lhe assegurada a previdncia social e a proteo em caso de doena, acidente, desemprego. Alm disso, h na legislao uma srie de direitos trabalhistas entre os quais podem ser citados o dcimo terceiro salrio, as frias, a licena maternidade e paternidade, o descanso semanal remunerado, o salrio mnimo que s esto garantidos para os que tm registro em carteira.

    No Brasil, assim como outros pases, prevaleceu uma agenda de flexibilizao11 das relaes de emprego a partir dos anos 90, com duas particularidades: (1) ela ocorre de forma tardia e (2) o sistema nacional historicamente flexvel. Tardia em relao aos pases centrais, pois ela aparece em um contexto de crise econmica, abertura comercial e financeira com valorizao cambial e redefinio do papel do Estado na economia. Singular, pois as especificidades do capitalismo

    11 A preferncia pelo conceito de flexibilidade justifica-se por ficar mais ajustado realidade brasileira, que no conheceu, com exceo da previdncia e dos servidores pblicos, uma desregulamentao de direitos, mas assistiu introduo de novas regulamentaes que ampliaram a flexibilidade nos elementos centrais da relao de emprego.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    20

    brasileiro mostram que o pas sempre teve um mercado de trabalho flexvel, especialmente depois da ditadura militar, permitindo ao empregador ajustar o volume e o preo da fora de trabalho s diferentes conjunturas econmicas. Portanto, diferentemente dos pases centrais, aqui a regulao social do trabalho no alcanou o mesmo grau de proteo.

    Apesar da crnica fragilidade da regulao social do trabalho, a agenda da flexibilizao ganhou espao no Brasil nos anos 90, proporcionando um conjunto de medidas pontuais que ampliaram o grau de flexibilidade, especialmente nas formas de contratao, nas condies de uso e remunerao do trabalho. Entre as reformas, destacam-se as introduzidas sob a justificativa de incentivar a manuteno ou criao de emprego e diminuir a informalidade. As principais mudanas introduzidas foram: contratao por tempo determinado, contratao em tempo parcial12, suspenso dos contratados por um perodo de at 5 meses13, modulao da jornada anual, primeiro emprego e contratao temporria no setor pblico 14 . Alm das introduzidas recentemente, no arcabouo legal brasileiro h outras formas de contratao temporria e para grupos mais vulnerveis de trabalhadores.

    Em comparao com a experincia de outros pases desenvolvidos 15 , as modalidades de contratao atpicas so pouco expressivas no Brasil, prevalecendo no mercado formal a contratao por tempo indeterminado. Como pode ser visto na Tabela 4, chama ateno que o emprego formal ficou estacionado durante os anos de 90 e cresceu fortemente na primeira dcada do sculo XXI. No setor privado, em 1999, havia um nmero de trabalhadores com contratos por tempo indeterminado menor do que em 1989. No setor pblico, verificou-se no perodo crescimento do emprego em regime estatutrio, devido efetivao das polticas socais definidas na Constituio de 1988. No perodo entre 1999 e 2008, o emprego protegido cresceu 57,8%, pulando de 25 para 39,4 milhes de pessoas contratadas. O crescimento do emprego deu-se fundamentalmente pela modalidade de contratao por prazo indeterminado, mas o emprego temporrio cresceu 60% nos ltimos 10 anos.

    12 Admite uma jornada de at 25 horas semanais. Os direitos trabalhistas ficam em conformidade com a durao da jornada semanal trabalhada. 13 As principais medidas que acompanham a suspenso do contrato de trabalho so: a) o trabalhador ter uma bolsa qualificao, que segue praticamente as mesmas regras do seguro desemprego, durante o perodo de suspenso do contrato; b) o empregador pode conceder uma ajuda compensatria mensal, sem natureza salarial, no perodo de suspenso do contrato; c) a empresa fica comprometida a oferecer ao trabalhador um curso de qualificao nesse perodo; d) o trabalhador continuar recebendo o ticket alimentao, atravs do Programa de Alimentao do Trabalhador; e) o trabalhador, caso seja despedido aps o trmino da suspenso do contrato, tem o direito de receber as verbas rescisrias e uma multa de um salrio; f) no caso de despedida, o trabalhador pode se inscrever no seguro-desemprego e receber, pelo menos, mais um ms desse provento; g) o empregado deve ser requalificado no perodo em que est suspenso, mas, se retornar ao emprego, volta para a mesma funo e com o mesmo salrio. 14 No h estatstica disponvel para todas as novidades introduzidas. 15 Freyssinet (2006) mostra que, em 2004, a mdia na Unio Europia dos contratos por prazo determinado era de 13,6%. No seu clculo est excludo o trabalho por tempo parcial. Conferir tambm CESIT/MTE (2006).

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    21

    Tabela 4: Evoluo dos vnculos de emprego. Brasil: 1989-2008

    1989 1995 1999 2003 2008 Contrato por prazo indeterminado

    20,729,491 18,284,300 19,182,600 22,361,112 30,547,223

    Estatutrio 2,638,781 4,545,992 4,537,091 5,439,922 6,818,849 Estatutrio no efetivo - 446,226 719,761 1,124,094 1,146,023 Avulso 109,577 90,549 124,636 115,731 90,767 Temporrio/prazo determinado

    84,656 307,198 409,307 461,050 684,177

    Menor Aprendiz - - 7,429 27,643 133,973 Outros/ignorado 924,063 81,471 12,441 15,375 20,554 Total dos empregos protegidos

    24,486,568 23,755,736 24,993,265 29,544,927 39,441,566

    Fonte: MTE-RAIS.

    Apesar das formas de contratao verificveis na RAIS terem sido ampliadas de 1 em 1989 para 9 modalidades em 2008, os contratos temporrios, a termo, apresentam baixa incidncia, representando somente 1,4% do total de empregados no setor privado. No setor pblico, especialmente na esfera municipal, houve um incremento das contrataes temporrias especialmente entre 1995 e 2003. No entanto depois de 2003, em termos relativos, h uma diminuio das contrataes de funcionrios demissveis e temporrios, especialmente na esfera federal, devido ao Termo de Ajuste de Conduta entre o Ministrio Pblico do Trabalho e o Governo Central para a substituio desses servidores (incluindo terceirizados) por concursados.

    Com exceo do setor pblico, no houve avano das contrataes atpicas no Brasil. No contexto de um melhor desempenho da economia, as instituies pblicas e os sindicatos contriburam para inibir a fraude e pressionar para as empresas contratarem conforme a legislao vigente. No entanto, apesar da crescente formalizao, importante ressaltar que o mercado de trabalho apresenta caractersticas ainda bastantes desfavorveis ao trabalhador, tais como o excedente estrutural de fora de trabalho, a informalidade, o trabalho por conta prpria e autoconsumo. Ao lado da ampliao da contratao com proteo social e por tempo indeterminado, h a liberdade do empregador de romper o vnculo de emprego sem necessidade de justificar. Por exemplo, em 2009, no meio da crise, o saldo foi a criao de 995 mil formais, sendo que foram desligados 15,2 milhes de trabalhadores e contratados 16,2 milhes, em um total de 33 milhes de empregados registrados pela RAIS. Portanto, o fluxo de despedidos e contratados continuou extremamente elevado em todo o perodo analisado. Essa liberdade do empregador para romper o contrato de forma unilateral e injustificada foi reafirmada com a denncia da Conveno 158 da OIT, que ficou em vigor somente por 10 meses, em 1996. Atualmente est sob apreciao do Supremo Tribunal Federal, que analisa a constitucionalidade da denncia. O no crescimento da contratao temporria no eliminou a possibilidade de ampliao de outras formas de contratao que no so

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    22

    captadas pela RAIS, a terceirizao, a contratao como pessoa jurdica, o trabalho estgio, as cooperativas de mo-de-obra.

    A questo fundamental que a evoluo do emprego recente, na sua grande maioria, foi dada por meio da ampliao da contratao por prazo indeterminado, constituindo 95% do total dos empregados formais.

    Para alm da explicao advinda da dinmica econmica, j discutida anteriormente, h outros fatores que so importantes para compreender o processo recente de ampliao expressiva dos empregos protegidos (formalizados), entre os quais devem ser destacados: a) a necessidade de melhorar a mquina de arrecadao do Estado para fazer frente ao crescente endividamento pblico (como foi explicado, para produzir supervit fiscal como forma de garantir condies de honrar o pagamento da dvida); b) o papel das instituies pblicas, especialmente as incumbidas de fiscalizar e garantir cumprimento da legislao social e trabalhista; c) a formalizao de micro e pequenas empresas (onde se concentra grande parte do trabalho sem proteo) para acesso ao crdito e aos programas de incentivos fiscais; e d) a atuao sindical, canalizando uma aspirao social para acesso seguridade social.

    O papel das instituies pblicas

    As instituies pblicas no campo da proteo ao trabalho desempenharam funes de resistncia ao processo de flexibilizao por meio do desrespeito legislao trabalhista. Trs merecem destaque: o sistema pblico de inspeo e vigilncia inclui o Ministrio do Trabalho e Emprego (no exerccio de seu poder fiscalizador) e o Ministrio Pblico do Trabalho (no manejo das aes civis pblicas para defesa de interesses coletivos), ao passo que a Justia do Trabalho a instncia onde so garantidos os direitos trabalhistas.

    A inspeo do trabalho tem como funo zelar pelo cumprimento das disposies legais relativas s condies de trabalho e proteo dos trabalhadores no exerccio de suas atividades. A Constituio de 1988 estabelece como competncia da Unio: organizar, manter e executar a inspeo do trabalho. Essa inspeo realizada pelo Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) por meio dos Auditores Fiscais do Trabalho (Nobre Jr, Krein e Biavaschi, 2008).

    Nos anos 1990, a tendncia foi fortalecer os mecanismos de negociao direta e viabilizar a soluo privada dos conflitos trabalhistas. Nesse sentido, foi editada Portaria que desestimulava a fiscalizao dos convnios coletivos sob a justificativa de valorizao da negociao direta. Em paralelo, verificou-se um processo de sucateamento do sistema de fiscalizao do trabalho.

    Mas, a partir de 1999, com a exigncia de melhorar a mquina arrecadatria, comearam a ser constitudas formas de incrementar o sistema de fiscalizao, especialmente por incentivos monetrios vinculados ao pagamento de encargos

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    23

    e arrecadao do FGTS16, e houve uma lenta recomposio do quadro de auditores fiscais, ainda que insuficiente tanto do ponto de vista nmero como das condies de trabalho. Mas, houve avano na perspectiva de reafirmar os preceitos da OIT sobre fiscalizao, inclusive aumentando a autonomia do auditor fiscal no exerccio da funo pblica.

    A contribuio do sistema de fiscalizao pode ser identificada pela expressiva elevao dos formalizados a cada ano, passando de 250 mil em 1999 para 746 mil em 2007. Considerando o tamanho do mercado de trabalho, o nmero no to elevado, mas h tambm o chamado efeito demonstrao, ou seja, a partir do momento em que h sinais de incremento da fiscalizao, as empresas se antecipam para no serem autuadas.

    Alm disso, outros dois fatores necessitam ser destacados: 1) a criao da Super Receita, unificando o sistema de fiscalizao previdenciria e tributria, possibilitando um cruzamento de informaes, que aprimoraram todo o sistema de fiscalizao, a partir de 2004; 2) A criao de grupos mveis de fiscalizao para viabilizar o Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI) e o Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo17, em convnio com a OIT como parte da Agenda Nacional de Trabalho Decente.

    Em sntese, aps 1999 houve uma melhoria, ainda que insuficiente, no sistema de fiscalizao, contribuindo para explicar o avano do emprego protegido, o combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, assim como a elevao do depsito pelas empresas das contribuies sociais vinculadas folha de pagamento (Nobre Jr, Krein e Biavaschi, 2008).

    A segunda instituio pblica cuja atuao deve ser mencionada o Ministrio Pblico do Trabalho (MPT), que pode ser considerado como uma novidade relativamente recente, pois as suas atribuies foram redefinidas na Constituio Federal de 1988 e seu processo de estruturao ocorreu a partir dos anos 90. Trata-se de instituio essencial funo jurisdicional do Estado com carter permanente, autnomo e independente que tem como finalidade defender a ordem jurdica, o regime democrtico e os interesses coletivos e individuais indisponveis, e que se tornou agente fundamental na defesa dos interesses sociais. Por no ser subordinado a qualquer outro poder ou instituio da Repblica, tem grande autonomia para exercer a incumbncia de fiscalizar o cumprimento das leis, com ampla competncia para ser, ao mesmo tempo, um rgo interveniente e agente, imbudo do papel de defensor da sociedade na proteo dos interesses difusos, coletivos e individuais homogneos. Alm disso, tambm pode atuar como rbitro ou mediador na soluo de conflitos coletivos de trabalho (Nobre Jr; Krein e Biavaschi, 2008).

    16 O Fundo de Garantia por Tempo de Servio prev o recolhimento de 8% do salrio com a finalidade de viabilizar uma indenizao ao trabalhador, caso seja despedido sem justa causa. um fundo que financia a habitao e obras de saneamento bsico. 17 So dois programas que apresentam grande nvel de atividade, contribuindo para exposio sociedade de duas mazelas ainda presentes no mercado de trabalho brasileiro. Os programas esto sendo bem sucedidos na perspectiva de reduzir o nmero de crianas trabalhando e para libertar trabalhadores em situao anloga ao trabalho escravo.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    24

    A atuao do MPT concentra-se basicamente nas questes que envolvem coletivos de trabalhadores com reflexos nas relaes sociais (tais como: erradicao do trabalho infantil e do trabalho forado, combate s formas de discriminao, fiscalizao de cooperativas fraudulentas e garantia dos direitos fundamentais do trabalho, especialmente a formalizao). Seus membros (os procuradores) tm a liberdade de tomar iniciativa de investigao para apurar denncias e de dar encaminhamento judicial para qualquer questo que importe descumprimento da legislao social e que afete um coletivo de trabalhadores ou a sociedade.

    O trabalho de muitos procuradores (articulado, muitas vezes, com o Judicirio e com sindicatos) tem apresentado resultados positivos na inibio de prticas fraudulentas. Por exemplo, no Estado de So Paulo, a ao do Ministrio Pblico do Trabalho foi fundamental para combater as cooperativas de trabalho fraudulentas, exigindo que os falsos associados fossem contratados diretamente, isto , com registro na carteira de trabalho.

    Em suma, o MPT exerce um importante papel na vigilncia do cumprimento da legislao social, contribuindo em vrias regies para o combate fraude e para o avano do respeito da legislao trabalhista.

    A terceira instituio estatal a Justia do Trabalho ramo especializado do poder judicirio composto por mais de trs mil magistrados , que est estruturada e presente em todo o territrio nacional. A cada ano, recebe mais de dois milhes de reclamatrias trabalhistas. A sua funo ao examinar os processos assegurar os direitos adquiridos aplicando a legislao do trabalho. Ao proferir sentenas contribui para o entendimento de certas questes inerentes ao direito do trabalho; por meio da jurisprudncia, tem tambm a incumbncia de produzir normas.

    A sua contribuio na formalizao pode ser identificada, particularmente, em dois movimentos que se consolidaram nos anos recentes, influenciados pelo debate vigente na sociedade e pela dinmica do mercado de trabalho. Em primeiro lugar, o reconhecimento da condio de empregados (vnculo de emprego com proteo) a trabalhadores informais, estagirios, cooperativados, pessoas jurdicas, autnomos assalariados, quando so preenchidos os requisitos da relao de emprego: a existncia de trabalho humano, pessoal, por conta alheia, no eventual, subordinado e remunerado. Portanto, a jurisprudncia predominante assumiu a perspectiva de condenar qualquer indcio de fraude na relao de emprego. Assim, por ao individual, do Ministrio Pblico ou de sindicatos prevaleceu a viso de reparar os direitos de uma relao de emprego simulada. Ainda que no seja possvel dimensionar seu efeito, esta postura estimulou o crescimento do emprego formal, pois prevaleceu a condenao da fraude (Nobre Jr, Krein e Biavaschi, 2008).

    Em segundo lugar, a responsabilizao da empresa tomadora de servios terceirizados quando a subcontratada descumpre a legislao trabalhista. O reconhecimento da responsabilidade, pelo menos subsidiria, induziu muitas

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    25

    empresas a adotarem medidas preventivas para no acumularem passivos trabalhistas futuros. Ou seja, as terceirizadas passaram a ser objeto de fiscalizao da empresa contratante. Por exemplo, a formalizao em setores altamente terceirizveis, tais como servios de segurana privada e servios de limpeza e conservao, ficou acima da mdia do mercado de trabalho.

    Os dois movimentos citados foram bem ntidos na dcada atual, pois as concepes de flexibilizao e desregulamentao de direitos foram perdendo fora no Brasil. Portanto, apesar de insuficiente para fazer frente s demandas, o fortalecimento da capacidade de ao do judicirio trabalhista em um contexto de melhora dos indicadores do mercado de trabalho e de recuperao do poder dos sindicatos contribuiu para viabilizar a ampliao dos contratos de trabalho protegidos.

    Regularizao das empresas, ao sindical e reestruturao do Estado

    No se verificou apenas um processo de formalizao dos empregos, mas tambm das empresas. Algumas iniciativas nesse sentido, mesmo no sendo possvel mensurar com preciso seus efeitos, contriburam para o avano da formalizao dos contratos de trabalho. Elas so basicamente de dois tipos: 1) legislao de incentivos fiscais para a formalizao dos pequenos empreendimentos (em particular o Super Simples, que reduziu a tributao e simplificou os procedimentos burocrticos); 2) exigncia da regularizao fiscal e previdenciria das empresas para o acesso ao crdito e participao em licitaes pblicas.

    Como no perodo recente houve uma forte ampliao da oferta de crdito e a ampliao do gasto pblico, houve um estmulo adicional para a regularizao de micro e pequenas empresas, que j tinham obtido incentivo fiscal. Certamente, isto tambm contribuiu para formalizao dos empregados contratados por pequenas empresas.

    Outro aspecto a ser considerado, ainda que pouco expressivo, foi a realizao, especialmente no mbito do governo central, de acordos com o Ministrio Pblico do Trabalho para substituir trabalhadores terceirizados por servidores concursados. Os servidores concursados tm assegurado uma proteo social mais expressiva.

    Por fim, importante lembrar que o tipo de emprego gerado no setor pblico desempenha um papel relevante na difuso de um padro de emprego que serve de referncia na economia.

    Apesar do crescimento do emprego pblico na dcada de 90 (devido efetivao das decises da Constituio de 1988, que ampliou de forma expressiva as polticas sociais), prevaleceu no perodo uma tendncia de enxugamento da mquina pblica da Unio e de privatizao de empresas pblicas. Por outro lado, aumentou o emprego pblico nos municpios (por exemplo, em escolas pblicas e em postos de sade municipais), mas o emprego gerado nesses casos apresentou um padro inferior ao predominante no Governo Federal.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    26

    Nos anos recentes, houve uma inflexo na estratgia do Governo Federal, na direo de recomposio de algumas carreiras pblicas por meio da realizao de concursos pblicos. Nesse sentido, apesar de insuficiente e de apresentar problemas de eficincia e de qualidade, houve um incremento das contrataes. Segundo a RAIS, o nmero de estatutrios (servidores pblicos efetivos) cresceu 25% entre 2003 e 2008; ou seja, a administrao pblica, nos trs nveis da federao, foi responsvel pela contratao de 1,4 milho de pessoas.

    3.2. Polticas pblicas e a melhoria na distribuio de renda

    Um aspecto fundamental para examinar o carter das polticas adotadas por um governo est relacionado com as mudanas provocadas na distribuio da renda. Nos ltimos anos, em paralelo melhor estruturao do mercado de trabalho nacional, diminuiu um pouco a desigualdade de renda, mensurada pelo ndice de Gini (de 0,58 em 2003 para 0,55 em 2008). Certamente, continua sendo muito grande a desigualdade de renda prevalecente na sociedade brasileira, mas h uma clara tendncia de avanos nesse campo, o que tambm pode ser mensurado pela razo entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres (Tabela 5). De forma mais pronunciada, a melhoria na configurao do mercado de trabalho teve impacto muito positivo sobre a diminuio da populao em situao de pobreza: de 61,4 milhes de pessoas em 2003 para 41,5 milhes em 2008 (em termos relativos, de 34,3% para 21,9% da populao total); e sobre a diminuio da populao em situao de misria absoluta: de 26,1 milhes de pessoas em 2003 para 13,9 milhes em 2008 (de 14,6% para 7,3% da populao total). Tabela 5: Indicadores de desigualdade de renda e de pobreza. Brasil: 1999-2008

    Ano Desigualdade de renda:

    ndice de Gini

    Razo entre a renda dos 10% mais

    ricos e 40% mais pobres

    Pessoas em domiclios miserveis

    (mil)

    Pessoas em domiclios

    pobres (mil)

    Renda domiciliar per capita (R$ 2008)

    1999 0.59 22.95 23,955 56,183 540.21 2001 0.60 23.34 25,406 58,489 547.70 2003 0.58 21.42 26,069 61,386 515.97 2004 0.57 19.91 23,326 59,542 528.08 2008 0.55 17.13 13,889 41,461 661.11

    Fonte: IBGE-PNAD. Indicadores elaborados pelo IPEADATA.

    A melhoria na distribuio de renda, a reduo da pobreza e a elevao da renda mdia das famlias foram possibilitadas pela retomada do dinamismo econmico e pelo impacto que este teve sobre a elevao do nvel do emprego assalariado, como explicitado anteriormente. Mas, se a elevao do emprego foi importante para incorporar um maior nmero de trabalhadores em uma ocupao remunerada o que significou, em muitos casos, a renda necessria para que a famlia sasse da situao de pobreza absoluta (ou mesmo para alcanar a Classe

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    27

    C), no podem ser desconsiderados os efeitos decorrentes de outras polticas pblicas. Nesse sentido, preciso destacar a importncia da poltica de valorizao do salrio mnimo, da poltica de seguridade social, das polticas de transferncia de renda condicionada e das polticas de mercado de trabalho.

    Poltica de valorizao do salrio mnimo

    A adoo de uma poltica destinada a garantir aumentos reais recorrentes do salrio mnimo um fator central para se compreender a reduo da desigualdade entre os rendimentos do trabalho no perodo recente. O salrio mnimo legal, desde a implantao do Plano Real, em 1994, vinha registrando recuperao de seu poder de compra. Contudo, a valorizao em termos reais ganhou impulso a partir de 2005, quando o Governo Federal assumiu um compromisso explcito de promover o crescimento do valor real do salrio mnimo. A valorizao verificada entre 2003 e 2008 excedeu em muito a taxa de inflao, propiciando ganhos reais expressivos (38,3%) aos trabalhadores que esto na base da pirmide. O governo estabeleceu como poltica um sistema de reajuste anual que incorpora a inflao passada e adiciona a variao mdia do PIB nos dois anos anteriores, garantindo que o salrio mnimo seja elevado medida que a economia segue crescendo.

    importante observar que, no perodo anterior a 2004, a estagnao do PIB e o aumento da inflao provocaram intensa queda (estimada em cerca de 17%) do nvel mdio das rendas do trabalho, entre 1998 e 2003 (Lopes, 2009; Brito, 2008). O valor do salrio mnimo de 2003 9,7% maior do que o de 1998, mas a renda mdia dos 50% dos trabalhadores de menor renda diminuiu 8,5% entre esses anos. A defesa do poder de compra das menores rendas do trabalho atravs de reajustes do salrio mnimo maiores do que a inflao no impediu que a massa de rendimentos do trabalho diminusse depois da desvalorizao do Real, apesar do aumento observado na elasticidade-emprego do crescimento do PIB e do aumento na propenso formalizao dos contratos de trabalho.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    28

    Grfico 1

    Fonte: IPEADATA

    Este cenrio mudou significativamente desde 2005. Deve-se ressaltar que, em paralelo elevao mais pronunciada do salrio mnimo, verificou-se um aumento significativo no valor mediano dos salrios18. A inflao diminuiu depois de 2003 e o crescimento do PIB e a gerao de empregos ajudaram as categorias profissionais, desde 2004, a obterem reajustes maiores do que a inflao. Porm, o valor do salrio mnimo aumentou mais do que a mediana dos salrios, fazendo a relao entre ambos passar de 0,50 em 2004 para 0,55 em 2008. O poder de compra do salrio mnimo aumentou 31,4% e o da mediana dos salrios 23,5%, mas o valor da mediana estava muito baixo em 2004, de maneira que o aumento verificado entre os dois anos apenas fez o poder de compra da mediana dos salrios dos empregados formais retornar ao nvel de 1998. Acrescente-se que os aumentos da renda mdia, do nvel de ocupao e da massa salarial fizeram a participao do trabalho na renda nacional comear a se recuperar, no perodo recente.

    oportuno frisar que, na literatura econmica de corte ortodoxo, comum o argumento de que o aumento do salrio mnimo sempre conduz a alguma perda de empregos e alguma presso inflacionria (Neumark et al., 2006; Firpo & Cortez, 2006). Em adio, o texto de Neumark assinala que os efeitos do aumento do salrio mnimo so adversos para as famlias mais pobres. Sem dvida, a experincia brasileira recente contradiz esse postulado e indica uma trajetria bem distinta, ressaltando a importncia da regulao pblica sobre o mercado de trabalho nacional19.

    18 Salrios referentes aos empregados de estabelecimento, excluindo as empregadas domsticas e considerando apenas os contratos de trabalho formalizados em conformidade com a lei. 19 Alm do aumento do salrio mnimo num contexto de crescimento econmico, o aumento da remunerao mediana tambm teve o efeito de impulsionar a queda na desigualdade de renda.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    29

    A importncia do salrio mnimo no caso brasileiro deve-se grande proporo de trabalhadores que recebem salrios prximos desse patamar. Os empregados formalmente contratados no podem receber menos que esse valor legal. Ademais, a maioria dos assalariados que esto na informalidade sem registro em carteira e parcela dos trabalhadores por conta prpria tm no valor do salrio mnimo uma referncia para sua remunerao. Assim, o salrio mnimo um instrumento legal importante, que permite ao Estado contribuir para uma melhor estruturao do mercado de trabalho brasileiro.

    Provavelmente, o impacto positivo da poltica de valorizao do salrio mnimo maior para o grupo de trabalhadores cuja organizao sindical fraca ou pouco atuante. Nas categorias de trabalhadores em que o piso salarial igual ou muito prximo ao salrio mnimo, a elevao do valor de referncia significou um aumento que no seria alcanado pela negociao coletiva. Por isso, contribuiu para a reduo da disperso salarial, ou pelo menos para a diminuio das diferenas de remunerao entre os assalariados. Como o salrio mnimo funciona como um farol ou um balizador para as remuneraes do mercado de trabalho, o seu aumento em termos reais apresentou uma influncia positiva nas negociaes salariais, especialmente nos pisos normativos das categorias profissionais (Dieese, 2008).

    Como mencionado, alm de elevar o rendimento mdio dos ocupados de menor remunerao, ajudando a melhorar a distribuio de renda, essa poltica contribuiu para reduzir a pobreza e expandir o consumo das famlias. Note-se que a elevao do salrio mnimo teve ainda um efeito indireto sobre as condies de vida das famlias pobres, especialmente aquelas compostas por idosos e crianas, em razo da existncia de polticas de previdncia social e de programas de transferncia de renda, cujos benefcios esto atrelados ao valor do salrio mnimo.

    Previdncia social

    A Constituio Federal (CF), promulgada em 1988, instituiu um sistema nacional de seguridade social, que funciona com base em mecanismos de redistribuio de renda. Em particular, a CF resgatou uma dvida histrica ao equiparar os trabalhadores urbanos e rurais. Estes ltimos tinham uma condio inferior no momento da aposentadoria. Foi implementado, ento, um sistema de previdncia especial para os trabalhadores rurais por idade, com uma contribuio baseada sobre a renda bruta da comercializao dos produtos. Em 2008, mais de 7,5 milhes pessoas eram beneficiadas, trazendo uma importante contribuio no combate pobreza e na dinamizao do mercado interno. Da mesma forma, previu-se um benefcio assistencial para pessoas com idade superior a 65 anos e com renda familiar per capita inferior ao do salrio mnimo, cuja atividade tivesse se concentrado no mercado informal e que no tivessem como comprovar o tempo de trabalho. Para esses e para os miserveis portadores

    Estudos prvios (Soares et al., 2007) mostraram que as transferncias monetrias (Bolsa Famlia e outras) ajudaram na queda da desigualdade, mas o efeito da renda do trabalho foi maior.

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    30

    de deficincia incapacitante para a vida independente foi criado o Benefcio de Prestao Continuada (BPC). Em ambos os casos, o valor do benefcio no pode ser inferior ao valor do salrio mnimo (seguem a diretriz geral da Previdncia Social sobre o benefcio de aposentadoria ou penso).

    A poltica explcita de valorizao do salrio mnimo implementada desde 2005 no agravou o dficit da Previdncia Social (a maior parte dos beneficirios recebe o piso), uma vez que o bom desempenho econmico e a elevao do emprego com registro em carteira beneficiaram a arrecadao da instituio, fazendo cair o dficit corrente. Por outro lado, o aumento do poder aquisitivo dos aposentados rurais e de outros beneficirios pobres, alm de melhorar as condies dessas famlias, resultou em elevao da renda disponvel em pequenas comunidades, especialmente na regio nordeste do Brasil, impulsionando o comrcio e acarretando maior dinamismo econmico nessas localidades.

    Acrescente-se que a maior efetividade da seguridade social tem contribudo, ainda que indiretamente, para melhorar o mercado de trabalho, na medida em que a garantia de uma renda para o idoso permite que ele deixe de buscar uma ocupao e, em alguns casos, possibilita que menores de idade (dependentes) evitem uma insero precoce no mercado de trabalho.

    Polticas de transferncia de renda

    As polticas de transferncia de renda condicionada foram outro fator importante para melhorar as condies de vida do conjunto da populao mais carente. Implementadas ainda na dcada de 90 sob a responsabilidade de vrios ministrios, no Governo Lula foram expandidas e agrupadas num nico programa, o Programa Bolsa Famlia (PBF), sob a coordenao do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome, que incorporou toda a rea de assistncia social, que anteriormente estava na Previdncia Social. Se o rearranjo institucional e a nova gesto foram relevantes para a operacionalizao do programa, o impacto mais importante foi a ampliao da cobertura, incorporando atualmente mais de 11 milhes de famlias beneficiadas.

    O PBF repassa s famlias com renda per capita insuficiente uma complementao para evitar situaes de privao extrema. Em contrapartida, as famlias se comprometem a manter a frequncia das crianas e adolescentes na escola, a procurar acompanhamento mdico para a gestante e o recm-nascido e a retirar as crianas do trabalho infantil.

    Deve-se destacar que o esprito dessa poltica que o benefcio seja temporrio, ou seja, o auxlio financeiro deveria permitir que os membros da famlia tivessem um tempo para buscar uma insero melhor no mercado de trabalho e, uma vez superada a insuficincia de renda, a famlia deveria sair do programa. Algumas aes foram tentadas para que as famlias tenham condies de tornarem-se independentes do programa por meio de ampliao da renda familiar. Por exemplo, nas famlias onde os responsveis estejam desempregados, estes so encaminhados para o Servio Pblico de Emprego para que sejam assistidos e

  • GLU | Trabalho no governo Lula: uma reflexo sobre a recente experincia brasileira

    31

    possam se inserir em uma ocupao remunerada. Nos casos em que a renda dos que trabalham insuficiente para a manuteno da famlia, estimula-se os que esto em idade ativa a ingressarem no mercado de trabalho, inclusive em trabalho por conta prpria. Contudo, mesmo no contexto favorvel de crescimento econmico e expanso do emprego, no perodo 2004-2008, a grande maioria das famlias no conseguiu reunir condies para deixar o programa.

    O PBF, alm de ser um programa assistencial para amenizar as condies de privao das famlias mais pobres, tem trazido alguma contribuio para reduzir a misria e tem funcionado como um mecanismo de redistribuio de renda. Ainda, ao retirar crianas e adolescentes do trabalho infantil e exigir a frequncia escolar, pode ajudar a preparar um futuro melhor para essa gerao de jovens, uma insero ocupacional mais qualificada. Porm, isto requer que a economia brasileira mantenha um dinamismo expressivo durante a prxima dcada e o mercado de trabalho siga se estruturando em novas bases.

    Polticas de mercado de trabalho

    As polticas destinadas a aprimorar o