a preservação audiovisual no governo lula - cultura...

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1 A preservação audiovisual no governo Lula Laura Bezerra 1 Resumo: O artigo analisa a política desenvolvida pela Secretaria do Audiovisual-SAv para a preservação audiovisual, tema periférico nos debates sobre cinema & vídeo e praticamente ausente nas discussões sobre políticas culturais. Após um breve histórico sobre as políticas federais para a salvaguarda do acervo de cinema do país, apontamos o foco para as atividades da SAv no primeiro mandato do Presidente Lula, quando a Secretaria dá início a importantes ações e medidas nesta área. Palavras-chave: Políticas culturais; Cinema; Preservação audiovisual; Cinemateca Brasileira; Governo Lula. Uma nova política para audiovisual Em 2003, Gilberto Gil assume o Ministério da Cultura do Governo Lula e propõe mudanças radicais na pasta, entre as quais destacamos a retomada de um papel ativo do Estado na formulação e implementação de políticas para a cultura, a utilização de um conceito ampliado, dito “antropológico”, de cultura, assim como a ideia de uma política pública focada na sociedade como um todo (e não somente nos artistas). O cineasta e professor Orlando Senna assume a Secretaria do Audiovisual 2 , propondo sua reorganização e apostando ao mesmo tempo numa maior amplitude das atividades da SAv e na integração entre suas áreas de atuação. A cadeia produtiva do audiovisual é pensada como um todo e as políticas desta nova SAv começam a articular os elos do processo produtivo do audiovisual: criação, produção, distribuição, fruição, preservação e formação. Neste contexto, são integradas à Secretaria organismos dispersos como a Ancine - Agência Nacional do Cinema, o CTAv – Centro Técnico Audiovisual e a Cinemateca Brasileira, que estavam vinculados respectivamente à Casa Civil, Funarte e ao IPHAN. Em outubro de 2003 é lançado o “Programa Brasileiro de Cinema e Audiovisual: Brasil um país de todas as telas” estruturado em quatro eixos temáticos: produção, difusão, formação e memória, e política externa. Este pensamento que considera os vários elos da 1 Laura Bezerra é professora substituta do Instituto de Humanidades Artes e Ciências Prof Milton Santos/UFBA e coordenadora do projeto Filmografia Baiana. Seu projeto de doutorado no Programa Multidisciplinar de Pós- Graduação em Cultura e Sociedade / UFBA tem como tema as “Políticas de preservação audiovisual no Brasil (1930-2010)”. E-mail: [email protected] 2 No processo de reestruturação do MinC a SAv se destaca por ser a única secretaria finalística entre de secretarias meio.

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A preservação audiovisual no governo Lula

Laura Bezerra1

Resumo: O artigo analisa a política desenvolvida pela Secretaria do Audiovisual-SAv para a preservação audiovisual, tema periférico nos debates sobre cinema & vídeo e praticamente ausente nas discussões sobre políticas culturais. Após um breve histórico sobre as políticas federais para a salvaguarda do acervo de cinema do país, apontamos o foco para as atividades da SAv no primeiro mandato do Presidente Lula, quando a Secretaria dá início a importantes ações e medidas nesta área. Palavras-chave: Políticas culturais; Cinema; Preservação audiovisual; Cinemateca Brasileira; Governo Lula.

Uma nova política para audiovisual

Em 2003, Gilberto Gil assume o Ministério da Cultura do Governo Lula e propõe

mudanças radicais na pasta, entre as quais destacamos a retomada de um papel ativo do Estado

na formulação e implementação de políticas para a cultura, a utilização de um conceito

ampliado, dito “antropológico”, de cultura, assim como a ideia de uma política pública focada

na sociedade como um todo (e não somente nos artistas).

O cineasta e professor Orlando Senna assume a Secretaria do Audiovisual2, propondo

sua reorganização e apostando ao mesmo tempo numa maior amplitude das atividades da SAv

e na integração entre suas áreas de atuação. A cadeia produtiva do audiovisual é pensada

como um todo e as políticas desta nova SAv começam a articular os elos do processo

produtivo do audiovisual: criação, produção, distribuição, fruição, preservação e formação.

Neste contexto, são integradas à Secretaria organismos dispersos como a Ancine - Agência

Nacional do Cinema, o CTAv – Centro Técnico Audiovisual e a Cinemateca Brasileira, que

estavam vinculados respectivamente à Casa Civil, Funarte e ao IPHAN.

Em outubro de 2003 é lançado o “Programa Brasileiro de Cinema e Audiovisual:

Brasil um país de todas as telas” estruturado em quatro eixos temáticos: produção, difusão,

formação e memória, e política externa. Este pensamento que considera os vários elos da

1 Laura Bezerra é professora substituta do Instituto de Humanidades Artes e Ciências Prof Milton Santos/UFBA e coordenadora do projeto Filmografia Baiana. Seu projeto de doutorado no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade / UFBA tem como tema as “Políticas de preservação audiovisual no Brasil (1930-2010)”. E-mail: [email protected] 2 No processo de reestruturação do MinC a SAv se destaca por ser a única secretaria finalística entre de secretarias meio.

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cadeia produtiva do audiovisual, por si só, reflete uma importante mudança de paradigma nas

atividades da Secretaria. Usualmente as políticas para o audiovisual estão limitadas ao

fomento à produção. Isto começa a mudar a partir de 2003 – mesmo que o fomento à produção

continue sendo alvo de uma atenção especial.

Eeste artigo trata da política da SAv para a preservação audiovisual, tema praticamente

ausente nas discussões sobre políticas culturais e somente periférico nos debates sobre cinema

& vídeo. Nos concentramos no primeiro mandato do Presidente Lula, quando a Secretaria dá

início a importantes ações e medidas, mas estendemos nossas análises, mesmo que de forma

superficial, até os dias atuais. Cremos que uma avaliação mais aprofundada das atividades da

SAv sob o comando de Silvio Da-Rin e de Newton Cannito deveria esperar a conclusão do

segundo Governo Lula; só então teremos condições de fazer uma apreciação mais rigorosa das

semelhanças e diferenças na atuação dos três Secretários do Audiovisual.

A União e a preservação audiovisual

A Constituição Federal de 1934 faz, pela primeira vez na história do Brasil, referência

à cultura. O artigo 148 diz, entre outras coisas que “Cabe à União, aos Estados e aos

Municípios [...] proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País...”. A

proteção do patrimônio será objeto privilegiado das políticas culturais de Getúlio Vargas. É na

área de preservação do patrimônio que se situa a “política cultural mais bem-sucedida na área

pública deste país”3, o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico, criado em 1937,

sendo considerado “a instituição emblemática da política cultural no país”4. Entretanto, o

“patrimônio nacional” é reduzido pelo SPHAN ao patrimônio material; mais ainda: o que é

considerado digno de ser preservado são prédios históricos, de teor monumental,

freqüentemente pertencentes ao barroco.

Percebemos aqui um paradoxo: por um lado, a preservação do patrimônio cultural

nacional é considerada um valor fundamental desde os anos 1930, tornando-se o símbolo

mesmo de políticas culturais bem-sucedidas no país. Por outro lado, já nesta época são

implementadas políticas para a produção e difusão de filmes, mas não para a sua preservação5.

3 MICELI, 2001, p. 359. 4 RUBIM, 2007, p. 17. 5 Nos anos 1930 foram criados arquivos de filmes na Suécia, França, Alemanha, USA e México. A Inglaterra, cujo Imperial War Museum desde os anos 1920 destinava recursos para acervos fílmicos, faz as primeiras

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Fato é que, até muito recentemente, a salvaguarda da memória cinematográfica brasileira foi

tema praticamente ausente nas discussões em torno da preservação do patrimônio nacional.

A atuação do Governo Federal em prol da preservação do acervo cinematográfico do

Brasil só começaria – muito timidamente – quarenta anos depois. A Resolução 34/1970 do

Instituto Nacional de Cinema cria uma Cinemateca Nacional. Este não é um bom começo:

primeiro porque esta Cinemateca nunca saiu do papel6; além disso, ignora a existência da

Fundação Cinemateca Brasileira, que desde os anos 1940 vinha empreendendo esforços em

prol da salvaguarda acervo nacional de imagens em movimento.

Em 1975 a lei 6281, mais conhecida como Lei do Curta7, inclui entre as atividades da

Embrafilme “pesquisas, prospecção, recuperação e conservação de filmes” (Art. 6º, § 1º), mas

isso tampouco terá maiores conseqüências. Pelo menos até 1979, quando Carlos Augusto Calil

assume a Diretoria de Operações Não Comerciais - DONAC. Calil, executivo da Cinemateca

Brasileira e um dos responsáveis pela sua revitalização no início dos anos 1970, vai para a

Embrafilme com o claro objetivo de trabalhar em prol da salvaguarda do acervo fílmico

nacional.8

Calil participara, no ano anterior, do Encontro Internacional de Especialistas em

Preservação de Filmes e Outros Materiais Audiovisuais em Países em Vias de

Desenvolvimento9, organizado pela Unesco e voltou sugerindo “a constituição de uma

comissão de nível nacional para recomendar ao governo uma política de preservação cultural

das imagens em movimento”10. Estando no poder, ele tem a possibilidade de concretizar a

proposta. Em agosto de 1979 acontece o Simpósio sobre o Cinema e a Memória do Brasil, de

onde sairá uma série de sugestões para uma política para salvaguarda da memória

recomendações sistematizadas sobre a preservação de acervos de cinema. A Resolução Final do Congresso Internacional de Cinema em Berlim (1936) refere-se explicitamente à instituição de arquivos de filmes e, em 1938, é criada a Federação Internacional dos Arquivos Filmográficos-FIAF, instituição importantíssima que hoje congrega 140 arquivos de todo o mundo. Nos anos 1940 surgem arquivos de cinema estatais no Uruguai, Argentina e URSS. Roquette-Pinto afirmava que, em 1910, foi iniciada a filmoteca do Museu Nacional, mas não se encontrou nenhum indício que ela realmente tivesse existido. A Filmoteca do MAM de São Paulo, embrião do que mais tarde será a Cinemateca Brasileira foi criada em 1949. Cf. SOUZA, 2009 e o site da FIAF. 6 E foi revogada pela Resolução 185/1989 do Conselho Nacional de Cinema. 7 A Lei nº 6281, de 09 de dezembro de 1975, “Extingue o Instituto Nacional de Cinema (INC), amplia as funções da Empresa Brasileira de Filmes S.A. - EMBRAFILME - e dá outras providências”. 8 Em entrevista a Carlos Roberto de Souza em 2007, Calil diz que “eu achava que podia ajudar onde eu ia. Tive clareza disso. Eu poderia ajudá-la [à Cinemateca Brasileira] mais onde ia do que onde estava. [...] De lá [da Embrafilme] eu trouxe dinheiro, trouxe prestígio, soluções institucionais.” (apud SOUZA, 2009, p. 123). 9 O Encontro aconteceu em Buenos Aires, de 16 a 20 de outubro de 1978. O representante oficial do Brasil foi Cosme Alves Netto, diretor da Cinemateca do MAM-RJ, mas Calil foi enviado como observador indicado pela Divisão de Difusão Cultural do Ministério das Relações Exteriores. 10 Apud SOUZA, 2009, p.125.

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cinematográfica brasileira11. Não será ainda desta vez que o patrimônio audiovisual do país

seria contemplado com ações sistemáticas e contínuas, mas serão dados alguns primeiros

passos12.

Em boa hora. A década de 1980 encontra a Fundação Cinemateca Brasileira-FCB,

instituição de direito privado detentor de grande parte do acervo de imagens em movimento do

país, numa séria crise. Em 1983 o acervo da Cinemateca alcança os 50.000 rolos, mas a equipe

não tem sequer condições de revisá-los; a falta de verbas é grave e a dissolução da FCB parece

tão eminente que o Conselho da instituição aceita sua incorporação, em 14 de fevereiro de

1984, a um órgão do governo federal – à Fundação Nacional Pró-Memória do Ministério de

Educação e Cultura13. A Cinemateca Brasileira agora é, de jure, uma cinemateca nacional.

Em 1986, a preservação audiovisual aparece, pela primeira vez, como parte da política

cultural do governo. Entre as “Medidas de emergência no âmbito do Poder Executivo” da

Política Nacional de Cinema previa-se “que o Ministério da Cultura fosse dotado de recursos

para ‘a implantação de um programa de preservação da memória audiovisual’”14. No mesmo

ano a Resolução 38/1986 institui o depósito legal de uma cópia dos filmes realizados no Brasil

na Cinemateca Brasileira15. A imagem de uma situação que se desenvolve positivamente não

corresponde exatamente à verdade, pois, segundo Carlos Roberto de Souza, executivo da

Cinemateca Brasileira e autor de uma tese de doutorado sobre a instituição, a Resolução

38/1986, assim como a Política Nacional de Cinema, serão “letras mortas”.

Como órgão do governo federal, a Cinemateca Brasileira será atingida pelo desmonte

realizado pelo presidente Collor de Mello e por toda a instabilidade que caracterizou a política

11 Mais sobre o simpósio em CALIL, 1981. 12 A Embrafilme inicia um Programa de Apoio às Cinematecas desta instituição; com recursos desta instituição a FCB publica o Guia de Filmes 1981 e será a executora do Programa Nacional de Restauração do Acervo de Filmes Brasileiros Antigos. 13 Não usei a palavra “aceita” levianamente. A autonomia institucional é um dos temas que perpassam a história da Cinemateca. A FCB, inclusive, somente será incorporada ao MEC na medida em que foram “aceitas pela União as salvaguardas de autonomia administrativa e gestão de política cultural” (SOUZA, 2009, p. 142). 14 SOUZA, 2009, p.178. A Cinemateca Brasileira fez parte do Conselho de Assessoramento da Área Cultural da Embrafilme (mais conhecido como “os anões da Embra”), que, segundo Carlos Roberto de Souza, terminará contribuindo com a comissão instituída pela instituição para formular a Política Nacional de Cinema. 15 O depósito de cópias de todos os filmes de produção nacional em um arquivo filmográfico é uma das sugestões presentes na “ Recomendação sobre a salvaguarda e conservação das imagens em movimento” da Unesco (1980). Bem antes disso, nos anos 1950, a cidade de São Paulo estabelece, através da lei 4.854/1955, o depósito legal de cópias de determinados filmes no Serviço Municipal de Cinema.

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cultural brasileira na chamada Nova República16. Apesar da Constituição de 1988 reafirmar,

no Art. 23, a competência comum da União, Estados e Municípios de “proteger os

documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural [... e] impedir [sua] a

evasão, a destruição e a descaracterização”, o presidente Collor de Mello demonstra um

descaso absoluto com a preservação do acervo audiovisual brasileiro, a ponto de, no Art. 1º da

Lei 8401/1992, definir como compromisso do Estado apenas “colaborar para a preservação de

sua memória e da documentação a ela relativa” (grifo meu) – o que está em franca contradição

com as palavras da Constituição vigente, que prevê uma posição ativa do poder público pela

salvaguarda dos seus bens culturais. No mesmo espírito está o Art. 25 da lei citada, que diz

que “A Cinemateca Brasileira ou a entidade credenciada poderá solicitar o depósito de obra

audiovisual brasileira, por ela considerada relevante para a preservação da memória cultural.“

(grifo meu).17 Poderá ou não – parece não ter a menor importância para o poder público.18

Somente no ano seguinte, já no governo de Itamar Franco, será instituído o depósito

obrigatório, algo sugerido na Recomendação da Unesco treze anos antes19. Entretanto isso só

vale para “obra audiovisual que resultar da utilização de recursos incentivados ou que merecer

prêmio em dinheiro concedido pelo Governo Federal.”20

Em 1995 Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente; durante seus dois mandatos

não se perceberá nenhuma mudança substancial em relação à preservação audiovisual21. Em

1998 a Cinemateca Brasileira está, mais uma vez, perto da insolvência; as grandes mudanças

que acontecem na instituição nestes anos22, pouco têm a ver com o governo federal. Os

16 Com a extinção do MinC em 1990, a Cinemateca é vinculada ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC. Quando da recriação do Ministério no governo Itamar Franco passa a ser um órgão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. 17 A Lei 8401 de 8/01/1992 foi regulamentada, em junho, pelo Decreto 567/92. 18 Os esforços empreendidos pelo presidente no sentido de reduzir ao máximo a presença do Estado no campo da cultura está, por um lado, relacionado com questões políticas internas; o desmonte na cultura é uma forma de revanche contra os artistas que, em sua maioria havia apoiado Lula . Por outro lado estão alinhados com a perspectiva neo-liberal que, em grande parte do mundo, se traduz na busca de um “”Estado mínimo”. 19 Cf. a Recommendation for the Safeguarding and Preservation of Moving Images. 20 Art. 8º da Lei 8685 de 20/07/1993, regulamentada pelo Decreto 974/93. 21 Cf. Relatório de Atividades da Secretaria do Audiovisual (1995-2002). No âmbito legal tampouco houve algo relevante para a preservação audiovisual: as portarias 184/1996 e 63/1997 fazem apenas pequenas modificações relativas o depósito obrigatório. A Medida Provisória 2228/2001 – que “estabelece princípios gerais da Política Nacional do Cinema, cria o Conselho Superior do Cinema e a Agência Nacional do Cinema-ANCINE” – entre outras coisas, determina que as cópias de filmes para preservação sejam entregues diretamente à Cinemateca Brasileira (e não à SAv como determinava a portaria 63/1997). 22 A mudança para o antigo Matadouro Municipal na Vila Mariana e sua reforma; a reunião de todos os departamentos da Cinemateca em um único espaço; a construção de um arquivo de matrizes climatizado; a abertura da sala Cinemateca-Petrobras etc. foram realizadas ou com recursos dos governos municipais e estaduais ou de diferentes instituições da esfera pública e privada (Petrobrás, Rhodia etc).

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recursos investidos pelo MinC na Cinemateca são para atividades isoladas e/ou relacionadas

com a difusão e não para a preservação23.

As coisas começam a mudar a partir de maio de 2000, quando a SAv convoca as

Cinematecas do Rio e de São Paulo, além de alguns interessados, para uma reunião. O motivo

do encontro foi o fato da SAv estar recebendo inúmeros pedidos de liberação de verbas para

restauro de filmes diversos. Segundo o representante da Cinemateca do MAM-RJ:

A Secretaria queria uma avaliação da situação e sugestões para sua pronta

resolução. O relato ouvido de diversas partes, indicou um problema complexo,

com diferentes facetas e graus de manifestação e sobretudo com perspectivas de

solução apenas a médio e longo prazos. (HEFFNER, in: Contracampo, 2001).24

Como resultado da reunião é constituído o Grupo Gestor do Plano Nacional de

Conservação de Filmes, formado por representantes das duas maiores cinematecas do país,

que deveria apresentar uma proposta para a área. O representante da Cinemateca Brasileira

comemora:

Pela primeira vez, no Brasil, o Estado se dispunha a ouvir depoimentos de

alguns especialistas e encarar a idéia de preservação do patrimônio

cinematográfico em seu conjunto e não sob a ótica de clientela para a

restauração deste ou daquele ‘filme notável’ de algum ‘cineasta de renome

internacional’. (SOUZA, 2009, p. 248).

O “Grupo Gestor” entregará à SAv uma “Proposta para o encaminhamento de um

estudo acerca da dimensão, natureza, condições de guarda e estado de conservação do acervo

fílmico brasileiro” e os esforços conjuntos das Cinematecas dão frutos: no início de 2001, a

SAv investirá R$ 1 milhão no “Diagnóstico do Acervo Cinematográfico Brasileiro – Fase

Emergencial”. Numa confluência feliz, a BR Distribuidora (Petrobrás), que foi um dos

financiadores do Arquivo de Matrizes da Cinemateca Brasileira, resolve (por sugestão de

Gilberto Gil, membro do conselho de assessoramento cultural da BR Distribuidora), patrocinar 23 P.ex. o restauro de filmes para a programação da TV Cultura e Arte. Em 2001, entretanto, a SAv investirá 1 milhão para o Diagnóstico do Cinema Brasileiro. 24 In: Contracampo, nº 34, 2001, s.r.

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um “Censo Cinematográfico Brasileiro”. Estas duas iniciativas poderiam vir a formar a base

para uma política para nacional de preservação audiovisual.

Mas o caminho é longo. O artigo “Preservação”25 de Hernani Heffner encerra com um

quase manifesto, que começa assim:

O Estado brasileiro continua distante do universo de preservação de filmes.

Há falta de vontade política e suporte financeiro por parte da sociedade, da classe

cinematográfica, dos poderes públicos.

Não há legislação específica de proteção ao bem cinematográfico brasileiro.

As cópias de exibição, brasileiras e estrangeiras, são sistematicamente destruídas

em sua maior parte após a exploração comercial.

A lei de depósito legal de títulos brasileiros raramente é cumprida por parte dos

produtores. [...]

A preservação audiovisual no Governo Lula

O fato de o Censo Cinematográfico Brasileiro ter partido de uma sugestão de Gilberto

Gil, é auspicioso, na medida em que demonstra sensibilidade com a memória audiovisual do

país. Quase três anos depois, quando Ministro da Cultura, Gil agirá de forma condizente. Com

a integração da Cinemateca Brasileira, então vinculada ao IPHAN, à Secretaria do

Audiovisual-SAv, dá-se um enorme passo pelo reconhecimento da importância do trabalho

realizado por esta instituição em prol pela preservação do acervo audiovisual brasileiro. Com a

palavra o Ministro:

A Cinemateca Brasileira, com seu trabalho, presta uma contribuição fundamental

na construção deste projeto [o projeto do Governo Lula para o audiovisual]. Aqui

se encontra parte da alma brasileira. Aqui se guarda imagens, sons, filmes,

programas de televisão - é um lugar onde a identidade/pluralidade brasileira pode

se reconhecer.” (Discurso de Gil por ocasião da comemoração dos 60 Anos da

Cinemateca Brasileira)

25 In: Contracampo, nº 34, 2001, s.r.

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Entretanto, o Relatório de Atividades da SAv (2003-2006) provoca um enorme

estranhamento quando afirma, que o Centro Técnico Audiovisual-CTAv compartilha com a

Cinemateca Brasileira a missão da “guarda e a preservação do acervo audiovisual

brasileiro”26. Efetivamente o CTAv, apesar de ter herdado um pequeno acervo27, nunca teve

esta missão, nem as condições necessárias para a preservação de imagens em movimento.

Além disso, essa colocação da SAv está também em franca contradição com o espírito da

reforma do MinC, que apostou numa estrutura enxuta e sem superposições. Em prol da

verdade há que se dizer que, se alguma instituição divide com a Cinemateca Brasileira a

salvaguarda do acervo nacional de imagens em movimento, esta seria sem dúvida a

Cinemateca do MAM-RJ.

Mas, voltemos à Cinemateca Brasileira. A vinculação à SAv não é um processo

simples. Somente depois de uma dura negociação acerca da “aceitação dos princípios e

autonomia da Cinemateca, interlocução efetiva e recursos orçamentários”28, o Conselho da

Cinemateca aprova sua incorporação à Secretaria. A vinculação à SAv proporciona um

enorme crescimento dos seus recursos financeiros, que passam “de R$ 747 mil em 2002 [...

para] R$ 3.178 mil em 2005”29, um aumento substancial. Segundo a Secretaria, foram

investidos, entre recursos orçamentários e extra-orçamentários, mais de R$ 18.480.000 no

projeto de revitalização da Cinemateca, que “exigiu investimento em infraestrutura e

equipamentos, além de programas permanentes de recuperação de acervo e formação de mão-

de-obra.”30

Infraestrutura, equipamentos, formação profissional e ações sistemáticas e continuadas

para o acervo são pontos fundamentais. O trabalho de um arquivo de cinema é complexo e

envolve operações muito distintas como a constituição de uma coleção, bem como a guarda do

acervo em depósitos climatizados, sua catalogação, documentação, revisão periódica,

conservação e restauro; a pesquisa e elaboração de filmografias; além de atividades que

26 Relatório de Gestão da Secretaria do Audiovisual (2003-2006), p. 36. 27 Que em 2001 compreendia aprox. 4.000 rolos de matrizes (segundo Mário Domingues no “Painel de entrevistas” apresentado em Contracampo, nº 34, 2001) herdadas de diferentes instituições como p.ex, o “Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), Instituto Nacional de Cinema (INC), Departamento de Ações Culturais do Ministério da Educação (DAC/MEC) e pela Diretoria de Operações Não Comerciais da Embrafilme (DONAC/Embrafilme) - obras cujos direitos patrimoniais pertencem ao CTAv”, segundo o site do CTAV (acesso em dezembro de 2009). 28 Discurso do Conselheiro Gustavo Dahl (29/3/2003), apud SOUZA, 2009, p. 279. 29 SOUZA, 2009, p. 296. 30 Relatório de Gestão (2003-2006), p.34.

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tangem o acesso ao acervo31. A manutenção de um acervo audiovisual exige o uso de

equipamentos específicos, a presença de técnicos especializados, um trabalho cotidiano

intenso – e continuidade. Normalmente os (parcos) recursos investidos nos arquivos de cinema

são para ações pontuais relacionadas com eventos específicos, festivais e mostras. Esta é uma

das grandes queixas das cinematecas em geral e é um dos motivos que tornam a questão da

autonomia um tema recorrente na história da Cinemateca Brasileira. Paulo Emílio Salles

Gomes escreveu em 1958:

Chega, porém, o momento em que o vulto e a extrema complexidade das tarefas

das cinematecas perturbam a estrutura das instituições que as englobam. Torna-se

necessário [...] que as cinematecas teçam as estruturas próprias adequadas ao seu

funcionamento. [...] Os museus e outras entidades interessam-se pelos filmes

projetados na tela e tendem a não tomar conhecimento do resto. É, porém, esse

resto que constitui a preocupação fundamental das cinematecas.” (Suplemento

Literário do jornal O Estado de São Paulo, 8/11/1958).

Com o Governo Lula há realmente um avanço e em “maio de 2004, Leopoldo Nunes,

representando a SAv [...] afirmara a intenção da Secretaria de transformar a Cinemateca

Brasileira numa das melhores do mundo.”32 O Relatório de Atividades da Secretaria referente

ao ano de 2008 fala em um “esforço contínuo de reformulação, ampliação e melhoria de suas

áreas de trabalho e de abrigo de acervo”33. Criou-se um Plano Geral de Modernização da

Cinemateca e, além de investimentos em infraestrutura e equipamentos34, foi instituído um

programa que pretende ser permanente, o “Programa de restauro e preservação do cinema

brasileiro”, que, logo de início, numa ação emergencial, duplicou 30 longas e seis curtas,

metade dos filmes da Cinemateca que estavam em risco de desaparecimento.35 No âmbito da

31 Atendimento a público, definição de uma política de empréstimo, publicações, exibição de filmes etc. 32 SOUZA, 2009, p. 285. 33 Relatório de Gestão (2008-2009), p. 34. 34 Por exemplo: melhorias no centro de documentação/biblioteca e a inauguração de uma segunda sala de exibição a Sala Cinemateca-BNDES. Foram realizadas obras para os depósitos que irão abrigar os acervos de vídeo, fotográfico e de documentos; houve a implantação de um novo sistema de climatização; o Arquivo de Matrizes e o Depósito 1 passam a operar com o sistema de água gelada; inicia-se a construção de um segundo depósito para o arquivo de matrizes. O Laboratório de Restauro teve uma ampliação de seus espaços e compra de equipamentos. 35 Em 2007 foi lançado o Programa de Restauro Cinemateca Brasileira-Petrobras, recebido inicialmente com grande alegria pela classe, visto que são escassas as verbas para restauração de filmes no Brasil e que o programa

10

criação de um Banco de Conteúdos Audiovisuais Brasileiros36 iniciou-se também uma

ampliação e reforma do Laboratório de Restauro, além de compra de equipamentos, para

permitir a digitalização de conteúdos. O Relatório de Atividades 2008-2009 (p. 22) afirma

inclusive que num futuro próximo “a Cinemateca Brasileira introduzirá importantes

inovações, como o monitoramento das áreas climatizadas com uso de software com controle

remoto.” Ou seja, pretende-se dar continuidade ao processo de melhoria da infra-estrutura da

instituição.

Um marco histórico foi a realização do 62º Congresso da Federação Internacional de

Arquivos de Filmes, organizado pela Cinemateca Brasileira em 2006. A SAv, muito

interessada na repercussão internacional do evento37, apoiou a Cinemateca inclusive com o

argumento que o congresso seria “uma tremenda oportunidade de fazer uma grande

reformulação e modernização da Cinemateca Brasileira ...”. Foi mesmo. O Congresso teve

enorme sucesso e a Fiaf reconheceu que os trabalhos foram muito inspirados pela “ambient

energy” encontrada.38

A instituição se mobilizou inteira para receber calorosamente mais de duzentas e

cinqüenta pessoas vindas de todo o mundo e realizou, na opinião quase unânime

dos participantes, o primeiro grande congresso da Fiaf do início do século XXI,

pela organização, pelo nível das discussões e pela total dedicação do arquivo,

funcionários e colaborados em criar o melhor clima de trabalho [...] possível.

(SOUZA, 2009, p. 286).

Entre as recomendações do relatório final do Censo Cinematográfico Brasileiro de

2001 havia duas de grande importância: primeiro, a realização de estágios de treinamento na

Cinemateca, e segundo, o esboço de uma política de preservação do acervo audiovisual do

pretendia ter continuidade (o que realmente aconteceu). Entretanto o edital termina por decepcionar pois traz duas questões bastante polêmicas: a Cinemateca não somente se torna proprietária dos materiais de preservação (o que é realmente inusual) como também fica com os direitos de difusão não-comercial de todos os filmes restaurados. Cf. o blog da Associação Brasileira para Preservação Audiovisual-ABPA, postagem de 29/12/2009. 36 Um programa do MinC com Ministério da Ciência e Tecnologia, definido pela Portaria Interministerial Nº 796 (29/10/2008) e com o patrocínio do BNDES. 37 Não podemos esquecer que o audiovisual foi um dos caminhos definidos pelo Governo Lula “para construir processos de inserção do Brasil na arena internacional...” (Relatório de Gestão da SAv - 2003-2006, p. 5). 38 Journal of film preservation, nº 71 (julho de 2006).

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país. Os estágios começaram a ser oferecidos no segundo semestre de 200339, mas a definição

de uma política para o setor ainda se faz esperar. Em 2005 a Cinemateca foi encarregada pela

SAv de implantar o Sistema Brasileiro de Informações audiovisual (SiBIA), que tinha como

objetivo coletar informações sobre os acervos de cinema e vídeo dispersos em todo o país (ou

seja: sobre todos os filmes brasileiros existentes), reuni-las em um banco de dados e

disponibiliza-las na internet. Segundo Orlando Senna, “através do SIBIA, a Secretaria do

Audiovisual acredita poder constituir uma base sólida para o estabelecimento de um Plano

Nacional de Preservação do Patrimônio Audiovisual Brasileiro... ”40. A ideia é excelente, mas

não funciona como deveria. Somente em 2008 acontece o I Encontro Nacional do SiBIA,

reunindo 33 instituições de todo o país; o banco de dados não está disponível até hoje (janeiro

de 2010) e tampouco se caminhou na construção de um Plano Nacional de Preservação

Audiovisual.

Ao que parece o SiBIA não conseguiu envolver, efetivamente os vários arquivos

dispersos, pois, em 2008, será criada a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual

(ABPA) que, na sua ata de fundação expressa “... o desejo de trabalhar mais conjuntamente

para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da atividade de preservação audiovisual no

Brasil” e “colaborar na construção e no aprimoramento de políticas públicas nacionais para o

setor”41.

Comentamos, no início deste capítulo, o estranhamento provocado pelas colocações

encontradas no Relatório da SAv (2003-2006) em relação ao CTAv. A situação se agrava

quando da leitura do relatório parcial referente ao ano de 2008: nele, sob a rubrica

“Preservação”, não somente aparece muito pouco sobre... preservação, como o foco está mais

no CTAv do que na Cinemateca – um despautério se se pensa na história das instituições e no

tamanho dos seus acervos42. Além disso, o Relatório Anual da Cinemateca para 2008 dá a

impressão de um aumento do desequilíbrio entre as atividades de difusão e de preservação43.

39 Os estágios, que têm uma grande procura, duram duas semanas e estão abertos para representantes de arquivos de todos os estados brasileiros. 40 Carta do Secretário Orlando Senna em 13/03/2006. 41 Cf. o blog da ABPA (<abpablog.wordpress.com>). 42 A Cinemateca Brasileira é a maior da América Latina e possui aproximadamente 200.000 rolos de filmes e um enorme acervo não fílmico. O CTAv não somente tem um acervo pequeno, mas sua missão é de apoio à produção – o que fica claro quando se visita o site da instituição, que oferece serviços como empréstimo de equipamentos, cessão de ilha de edição etc. No acordo entre a Embrafilme e a National Film Board do Canadá, que criou o CTAV em 1985, aparece como seus objetivos: “Apoiar o desenvolvimento da produção cinematográfica nacional, dando prioridade ao realizador independente de filmes de curta, média e, eventualmente, longa-metragem; estimular o aprimoramento da produção de filmes de animação e curta

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No final da sua tese de doutorado “A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no

Brasil”,

Carlos Roberto de Souza, apesar de referir-se às atuais “circunstâncias favoráveis”, fala

também de uma “profissionalização, até hoje incompleta”. Ele apresenta uma lista de

problemas e demandas por resolver, e destaca a

crescente diminuição de funcionários estáveis [e o aumento do] número de

colaboradores por prestação de serviços [...]. Colaboradores formados e treinados

pela Cinemateca são, a maior parte das vezes, afastados ao fim de cada projeto.

Continua repetindo-se a perda de tempo e dinheiro investidos na formação de

pessoal. [... O que faz com que] várias metas desenhadas em alguns projetos,

previstas para desenvolvimento ‘na próxima etapa’ sejam abortadas e não tenham

continuidade. (SOUZA, 2009, p. 296-297).

Para além desta questão Souza aponta a falta de “diplomas legais que a [à Cinemateca

Brasileira] dotariam de direito de tutela jurisdicional” sobre o patrimônio audiovisual

brasileiro.44

1. Considerações finais ou: “É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de

ar”45

Enquanto parte de um campo de estudos ainda em formação, as pesquisas sobre políticas

culturais sofrem um pouco com a escassez de textos que abordem questões teórico-conceituais

e metodológicas. Como analisar as políticas culturais? Que parâmetros podem ser levantados

para avaliar, por exemplo, a política cultural de um determinado momento (algo que nos metragem; (…) promover a implantação de medidas voltadas à formação, capacitação e aperfeiçoamento de pessoal técnico necessário à atividade cinematográfica; (…) atuar como órgão difusor de tecnologia cinematográfica para núcleos regionais de produção e apoiar o surgimento deles.” A citação está no site do CTAv (grifos meus). 43 Questão muito discutida, a difusão é parte das atribuições de um arquivo de filmes, mas ela tem que estar subordinada à preservação, missão essencial dos arquivos de cinema (cf. p.ex, EDMONSEN, 2004; CORREA, 2007 e SOUZA, 2009). O Código de Ética da Fiaf diz que seus afiliados “are committed to maintaining the highest standards for acquiring, preserving, restoring, and exhibiting the motion pictures and related promotional and historical materials in their collections.” As cinematecas nunca se furtaram às atividades de difusão, pelo contrário. 44 SOUZA, 2009, p. 302. 45 Trecho da canção “Copo Vazio” de Gilberto Gil.

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propomos neste artigo)? Tomamos como base o modelo analítico proposto por Albino

Rubim46 que nomeia dez “tópicos e questões [que possibilitam] observar as políticas culturais

em toda sua envergadura”; dentre eles gostaria de destacar os itens III, IV e VII,

respectivamente “o conjunto de formulações e ações desenvolvidas ou a serem

implementadas”, os objetivos e metas e “os instrumentos, meios e recursos acionados, sejam

eles: humanos, legais, materiais [...], financeiros etc.”

A política iniciada por Orlando Senna rompe com a concentração (quase que) exclusiva no

fomento à produção e engloba diferentes momentos da cadeia do audiovisual47 – é isso que vai

abrir espaço para a SAv pense em implementar uma política de preservação audiovisual. A

incorporação da Cinemateca Brasileira à SAv é um primeiro – importante! – passo. Mesmo

reconhecendo as “circunstâncias favoráveis” e valorizando o quanto foi feito pela instituição,

entendo que os “os instrumentos, meios e recursos” aplicados não foram suficientes ou

adequados. Houve um aumento substancial de recursos financeiros e investimentos em infra-

estrutura e equipamentos, mas é precária a situação do corpo fixo de funcionários e ela

permanece sem solução. Isso é relevante porque a salvaguarda do acervo cinematográfico

nacional exige, como disse anteriormente, a presença de um corpo técnico especializado e

continuidade nos trabalhos.

A implementação de um “Plano Nacional de Preservação do Patrimônio Audiovisual

Brasileiro”, que iria além da Cinemateca Brasileira e incluiria, em torno de ações sistemáticas

e continuadas, os acervos de cinema e vídeo dispersos pelo país, foi uma meta apresentada

pela própria SAv. Este teria sido um passo necessário, que garantiria a institucionalização de

uma política setorial, com uma base legal estável e um mínimo de recursos fixos. Entretanto a

meta não foi alcançada. Com isso a tão fundamental continuidade na preservação audiovisual

no Brasil está ameaçada, pois como bem disse Carlos Roberto Souza “As circunstâncias

favoráveis de um governo não são garantia de que continuarão no próximo.”48

Os esforços empreendidos durante o Governo Lula em prol a preservação do acervo

audiovisual brasileiro representam um avanço significativo, principalmente se comparado com

os períodos anteriores. A definição e implementação de uma política claramente delineada – e

dotada de vigência legal –, passo essencial para garantir a salvaguarda da memória

46 No artigo “Políticas culturais: entre o possível e o impossível”, in: NUSSBAUMER, 2007, p.139-158. As citações seguintes são retiradas desta fonte. 47 Este um outro item do modelo analítico proposto por Albino Rubim (RUBIM, 2007). 48 SOUZA, 2009, p. 295.

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cinematográfica do Brasil, foi uma meta definida pela própria SAv. Infelizmente, neste ponto,

pouco se caminhou e a preservação de imagens em movimento no país continua à mercê das

instabilidades do governo federal.

José Márcio Barros definiu políticas culturais como um “conjunto articulado entre

conceito, estratégia e ação”, que deveria ter também uma amplitude territorial e setorial

mínimas – e permanência49. Sob este aspecto poderíamos dizer que, pela primeira vez no

Brasil, começa a se delinear uma política para a preservação de imagens em movimento

durante o Governo Lula. Este é um avanço fundamental, mas é somente um início. A

implementação de uma política para área permanece um desafio.

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49 Material distribuído no Curso Políticas e Gestão Culturais, realizado em Salvador de 21 a 25 de setembro de 2009.

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GOMES, Paulo Emilio Salles. Crítica de cinema no Suplemento Literário. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Embrafilme, 1981. MINISTÉRIO DA CULTURA. Relatório de Gestão da Secretaria do Audiovisual (Balanço de 2008 e perspectivas para 2009). Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2009/06/09/relatorio-de-gestao/>. Acesso em agosto/2009. ______. Relatório anual 2008 da Cinemateca Brasileira. Disponível em <http://www.cinemateca.gov.br/content/docs/relatorioanual2008_CB.pdf>. Acesso em 11/10/2009. ______. Discurso do ministro Gilberto Gil por ocasião da comemoração dos 60 Anos da Cinemateca Brasileira, (São Paulo, 29/8/2006). Disponível em <http://www.cultura.gov.br/site/2006/08/29/discurso-do-ministro-gilberto-gil-por-ocasiao-da-comemoracao-dos-60-anos-da-cinemateca-brasileira/>. Acesso em 12/11/2009. ______. Relatório de Gestão da Secretaria do Audiovisual (2003-2006). Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2008/12/05/relatorio-de-gestao-2003-2006/>. Acesso em março/2009. ______. Relatório de Atividades da Secretaria do Audiovisual (1995-2002). Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2008/11/25/relatorio-de-gestao-sav-1995-2002/>. Acesso em março/2009. NUSSBAUMER, Gisele Marchiori (Org.). Teorias & políticas da cultura – visões multidisciplinares. Salvador: Edufba, 2007. RUBIM, Antonio. A. C.; BARBALHO, Alexandre (Orgs.). Políticas Culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007. ______. Políticas Culturais do Governo Lula / Gil. Desafios e enfrentamentos. In: RUBIM, Antonio A.C.; BAYARDO, Rubens (orgs.) Políticas Culturais na Ibero-América. Salvador: Edufba, 2008, p. 51-74. RUBIM, Lindinalva S. O. Políticas Culturais de Cinema: Argentina e Brasil recentes. In: Actas del VII Congreso Internacional ULEPICC, Espanha, 2009, vol 3, p.1113-1228. SOUZA, Carlos Roberto de. A Cinemateca Brasileira e a preservação de filmes no Brasil. São Paulo: 2009 (Tese de doutorado, Escola de Comunicações e Artes/USP). ______. A história da Cinemateca Brasileira. Cinemateca Brasileira 60 anos em movimento, catálogo de exposição. São Paulo, 2006. ______. Cinema brasileiro: por uma consciência de preservação. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 20, p.59-63, 1984. SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emilio no Paraíso. Rio de Janeiro: Record, 2002.

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