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A Atuação da Humanização no ICESP: Os Desfiles das Histórias de Vida dos Pacientes Apesar de toda evolução técnico-científica, o câncer continua a ser uma das doenças mais temíveis do nosso século. Essa ambivalência resulta das representações subjacentes a esta palavra, que se têm construído ao longo dos tempos através da comunicação entre os indivíduos, no decorrer de suas vidas cotidianas. Observa-se, assim, a perpetuação de uma imagem negativa em torno do câncer, geralmente associado à morte. A pessoa ao receber o diagnóstico de uma doença como câncer, vivencia sentimentos como impotência, medo da dor, da morte, ansiedade, desesperança e mesmo depressão, os quais consistem em variáveis sociais e psicológicas que contribuem para o sofrimento da dor no câncer. Para além das alterações ocorridas em nível físico, como a presença de cicatrizes cirúrgicas, efeitos da quimioterapia e radioterapia, ocorre também todo um conjunto de alterações em nível cognitivo, emocional, social, cultural e espiritual. Neste contexto o Centro Integrado de Humanização (CIH) propôs em 2012, dois Desfiles, um deles sendo o Desfile Feminino “Olha que coisa mais linda” e o outro o Desfile Masculino “Agora é que são eles”. O CIH pensou em um espaço, onde pudesse resgatar de forma lúdica e descontraída, a auto-estima dos pacientes neste momento de crise, que é o tratamento oncológico. E também com a estratégia de enfatizar a importância da prevenção precoce do câncer, a adesão ao tratamento e a importância da família e do cuidador no processo de enfrentamento da doença. E para tanto, resgatamos com alguns familiares, detalhes da história de vida destes pacientes, que foi recriadas e narradas por um contador de histórias enquanto os mesmos desfilavam pela passarela. Esse percurso possibilitou a construção do vínculo subjetivo entre todos envolvidos, formando uma tríade entre a equipe de Humanização, parceiros, pacientes e familiares.

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Page 1: A Atuação da Humanização no ICESP: Os Desfiles … pacientes ICESP.pdfatenção para a importância da educação e prevenção do câncer. Em alusão ao Outubro Rosa, algumas

A Atuação da Humanização no ICESP: Os Desfiles das Histórias de Vida

dos Pacientes

Apesar de toda evolução técnico-científica, o câncer continua a ser uma das doenças mais temíveis do nosso

século. Essa ambivalência resulta das representações subjacentes a esta palavra, que se têm construído ao

longo dos tempos através da comunicação entre os indivíduos, no decorrer de suas vidas cotidianas.

Observa-se, assim, a perpetuação de uma imagem negativa em torno do câncer, geralmente associado à

morte.

A pessoa ao receber o diagnóstico de uma doença como câncer, vivencia sentimentos como impotência,

medo da dor, da morte, ansiedade, desesperança e mesmo depressão, os quais consistem em variáveis

sociais e psicológicas que contribuem para o sofrimento da dor no câncer. Para além das alterações

ocorridas em nível físico, como a presença de cicatrizes cirúrgicas, efeitos da quimioterapia e radioterapia,

ocorre também todo um conjunto de alterações em nível cognitivo, emocional, social, cultural e espiritual.

Neste contexto o Centro Integrado de Humanização (CIH) propôs em 2012, dois Desfiles, um deles sendo o

Desfile Feminino “Olha que coisa mais linda” e o outro o Desfile Masculino “Agora é que são eles”. O CIH

pensou em um espaço, onde pudesse resgatar de forma lúdica e descontraída, a auto-estima dos pacientes

neste momento de crise, que é o tratamento oncológico. E também com a estratégia de enfatizar a

importância da prevenção precoce do câncer, a adesão ao tratamento e a importância da família e do

cuidador no processo de enfrentamento da doença.

E para tanto, resgatamos com alguns familiares, detalhes da história de vida destes pacientes, que foi

recriadas e narradas por um contador de histórias enquanto os mesmos desfilavam pela passarela.

Esse percurso possibilitou a construção do vínculo subjetivo entre todos envolvidos, formando uma tríade

entre a equipe de Humanização, parceiros, pacientes e familiares.

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Relatos de Vidas

1 - “Tantos anos se passaram, mas ainda me lembro de minha Mãe chamando eu e meus irmãos para

almoçar. Ela nos reunia em volta da mesa, rezávamos agradecendo por aquele alimento, e então ela vinha

com uma bacia, grande e repleta de comida. A bacia era porque não tínhamos dinheiro para comprar pratos

para todos. Eu e meus irmãos sentávamos em volta daquela bacia e comíamos todos juntos.

Ela nos dizia a mesma frase todos os dias na mesa, enquanto nos alimentávamos:

“... Vocês devem permanecer sempre assim, unidos. Que vocês possam se reunir sempre e comerem juntos

da mesma forma que estou fazendo agora.”

Minha Mãe já se foi, mais eu e meus irmãos continuamos nos encontrando todos os finais de semana. E,

então, rezamos agradecendo pelos nossos alimentos e comemos todos juntos, não na mesma bacia, mas

juntos, como a minha Mãe gostava.”

(História de vida de uma paciente do Desfile Feminino “Olha que coisa mais linda”, narrada pelo contador de

Histórias – Giba Pedrosa)

2 - “Willy adora cantar. É um ótimo amigo e um excelente companheiro”.

Irina, sua esposa, conta que eles se conheceram no dia em que ela lançava seu livro. No lançamento estava

presente um Deputado e o Willy foi prestigiar o evento e também encontrar com o Deputado, seu grande

amigo.

Ao final do evento Willy foi conversar com seu amigo Deputado e este, por sua vez, logo apresentou o amigo

à Irina. Naquela noite conversaram sobre muitos assuntos. E depois desta conversa, muitas outras vieram.

E destas simples conversas surgiu um grande amor.

“Adoramos ir ao cinema, ao teatro. Willy sempre se envolve nas minhas pesquisas, nos meus estudos.

Willy e eu nos casamos. E somos tão felizes juntos quanto no primeiro dia em que olhei nos olhos dele. ”

(História de vida de um paciente do Desfile Masculino “Agora é que são eles”, contada pela sua esposa Irina

e narrada pelo contador de Histórias – Giba Pedrosa)

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A Importância dos Lenços

Os lenços marcam uma passagem na vida das pacientes, e também as protegem diante às

mudanças das estações (seja pelo frio e pelo calor). Por isso, são utilizados como instrumento de

adaptação e proteção, pode ser visto como acessório no resgate da auto-estima através de suas

estampas, cores e tecidos.

Podemos desvelar por traz de cada lenço, que a verdadeira beleza não consegue ser vista sob a

ótica estética ditada pelos padrões da moda, mas sim através de um olhar que possa ir além,

refletida na beleza de ser feliz em meio aos desafios da vida.

Desfile Feminino – “Olha que Coisa Mais Linda”

No mês em que comemoramos o dia Internacional da Mulher, o Instituto do Câncer do Estado de

São Paulo – ICESP homenageou todas as mulheres que lutam contra o câncer.

E, como símbolo dessa luta, convidamos algumas pacientes para um desfile de lenços,

representando a diversidade feminina existente na beleza de cada etapa da vida, nas variedades

étnicas e culturais e nas vivências marcadas pelas suas histórias e ensinamentos.

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O objetivo do Desfile Feminino Olha que coisa mais linda vai além de homenagear o dia

internacional da mulher e de mostrar a beleza existente de nossas pacientes, teve como estratégia

trabalhar os exames de rotinas, a prevenção precoce do câncer, assim como também informar

algumas dicas e cuidados, como o uso de lenços, que possam ter durante o tratamento.

A Importância da Prevenção e do Auto Cuidado

Até pouco tempo, acreditava-se que somente pessoas de idade avançada desenvolviam o câncer.

Hoje se sabe que essa já não é mais uma realidade.

O número de casos de câncer em homens jovens tem crescido gradativamente por todo o mundo.

Ainda não é possível identificar apenas uma causa para o aumento dos casos. Atualmente, no

entanto, pode-se falar em cura para estes casos de câncer, quando detectados de maneira precoce.

Para isso, a prevenção e o auto cuidado são essenciais.

O auto-exame deve ser feito em exames de rotina. É importante lembrar que o auto-exame não

substitui o exame clínico, realizado por um médico ou um profissional de saúde treinado.

A verdade é que independente do sexo, as pessoas devem cuidar atentamente da sua saúde, pois

todos estão vulneráveis a qualquer tipo de doença. Além disso, existem doenças específicas, tanto

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para os homens, quanto para as mulheres. Essas doenças específicas costumam manifestar-se com

o passar do tempo e, geralmente, são detectadas quando já estão em um estágio mais avançado.

Por isso, a prevenção é sempre o melhor remédio. E a maneira mais eficaz de prevenir todo e

qualquer tipo de doença é fazer com que o contato médico seja cada vez mais freqüente, tornando-

se parte essencial do dia-dia.

Desfile Masculino – “Agora é Que São Eles”

O calendário da saúde destaca em novembro o Dia Mundial da Luta Contra o Câncer, chamando a

atenção para a importância da educação e prevenção do câncer.

Em alusão ao Outubro Rosa, algumas Secretarias enfatizaram o Novembro Azul que vem com a

proposta de trabalhar para a conscientização e a disseminação de informações como estratégias

para controle e prevenção do câncer, além de sensibilizar a população masculina para o cuidado

com saúde, a atenção para os sinais de alerta da doença e a importância do diagnóstico precoce.

Embora, a saúde do homem venha ganhando repercussão no que se refere o acesso dos homens

aos serviços de Saúde, inclusive com a proposição de uma Política Nacional de Atenção Integral à

Saúde do Homem (PNAISH), observa-se que este ainda é um processo complexo e que envolve

questões sociais, culturais e de gênero.

Diante deste cenário, o Centro Integrado de Humanização (CIH) idealizou e organizou um Desfile

como forma de trabalhar a conscientização dos homens sobre o autocuidado e importância de

realizar exames preventivos.

O objetivo do Desfile Masculino Agora é que são eles é abordar de forma lúdica e descontraída, a

atenção para saúde do homem, a adesão ao tratamento contra o câncer e a importância de exames

de prevenção na detecção de doenças na população masculina.

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A Importância das Narrativas

Durante o desfile foram narradas, em forma de poesia pelo contador de histórias Giba Pedrosa, a

história de vida dos pacientes ressaltando momentos significativos, o apoio da família e a

superação deste momento de crise. A equipe de Humanização foi responsável por levantar estas

histórias com os familiares e enquanto desfilavam com seus acompanhantes, os pacientes ouviam

suas narrativas de vida.

A narrativa é uma abordagem que permite evidenciar as ligações entre a identidade da pessoa, as

suas experiências e os contextos cultural e social ao qual está inserida. No processo saúde e doença

a narrativa constitui um recurso importante, por meio da qual o paciente pode comunicar a sua

experiência e o significado atribuído a esta experiência. É por meio da contação e da escuta da sua

narrativa pessoal que o paciente pode organizar os eventos e situações significativas, tanto de

forma subjetiva quanto cronológica, e reavaliar e atribuir novos significados a essas vivências,

podendo reeditar a sua história.

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Desta forma, a narrativa, em seu enredo, possibilita entender o paciente, a sua história e como

personagem de seu próprio adoecer a forma como interage com a doença e como cria ou constrói

os significados para esta experiência, como defende seus argumentos, negocia suas

responsabilidades, enfim, como define sua (s) identidade (s) e como constrói a sua história.

Referências Bibliográficas

GOMES, Skaba MM, Vieira R. Reinventando a vida: proposta para uma abordagem sócio-antropológica do câncer de mama feminina. Cad Saúde Pública. 2002, 18(1):197-204. HERZLICH, C. (2005) A problemática da representação social e sua utilidade no campo da doença; Physis: Rev. Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 15 (suplemento): 57 – 70. INCA

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Br). Instituto Nacional de Câncer. O que é o Câncer. [citado em: 15 junho 2006].

Disponível em: http://www.inca.gov.br/conteudo_ view.asp?id=322. MOSCOVICI, S. Representações Sociais. Investigações em Psicologia Social. 2 edição. Petrópolis RJ. Editora Vozes, 2004. NUNES SILVA, C. Como o Câncer (Des)estrutura a Família. São Paulo: Annablume, 2000. SCHULZE, N. O Núcleo Figurativo das Representações de Saúde e Doença. Temas em Psicologia. n. 2, 1994.

SIMONTON, O. C.; SIMONTON, S. M. & CREIGHTON, J. L. Com a Vida de Novo. São Paulo: Summus, 1978.

Por: Bruna Penariol Morante

Assistente de Diretoria, Centro Integrado de Humanização Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP

E-mail: [email protected]