a abordagem dos gêneros textuais pelo enem
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS PELO ENEM
Sylvia Jussara Silva do Nascimento Fabiani
2013
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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS PELO ENEM
Sylvia Jussara Silva do Nascimento Fabiani
Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Profª Drª Leonor Werneck dos Santos.
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2013.
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Fabiani, Sylvia Jussara Silva do Nascimento. A abordagem dos gêneros textuais pelo ENEM/ Sylvia Jussara Silva do Nascimento Fabiani. - Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2013. xii, 139 f.; 31 cm. Orientadora: Leonor Werneck dos Santos Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), 2013. Referências Bibliográficas: f. 135-139. 1. Introdução. 2. A Linguística de Texto. 3. Gêneros textuais. 4. Matriz de Referência para o ENEM: implicações acerca dos gêneros textuais. I. SANTOS, Leonor Werneck dos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). III. A abordagem dos gêneros textuais pelo ENEM.
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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS PELO ENEM
Sylvia Jussara Silva do Nascimento Fabiani
Orientadora: Profª Drª Leonor Werneck dos Santos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa) da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas/ Língua Portuguesa.
Aprovada por:
__________________________________________________________ Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos (UFRJ) – Orientadora
__________________________________________________________ Professora Doutora Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu (UERJ)
__________________________________________________________ Professora Doutora Claudia de Souza Teixeira (IFRJ)
__________________________________________________________ Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis (UFRJ)
__________________________________________________________ Professora Doutora Regina Souza Gomes (UFRJ)
__________________________________________________________ Professora Doutora Ana Crélia Penha Dias dos Santos (UFRJ) - Suplente
__________________________________________________________ Professora Doutora Eliete Figueira Batista da Silveira (UFRJ) - Suplente
Rio de Janeiro Fevereiro de 2013.
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FABIANI, Sylvia Jussara Silva do Nascimento. A abordagem dos gêneros textuais pelo ENEM. Rio de Janeiro, 2012. 139 fl. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa – UFRJ, Faculdade de Letras.
RESUMO
Este trabalho aborda os gêneros textuais, a partir de sua aplicação
como conteúdo avaliativo no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio),
especificamente na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT),
nas edições de 2009 a 2012. Para tanto, adotamos como principais referências
teóricas desta pesquisa a teoria do Dialogismo (BAKHTIN, (1978; [1979] 2003;
[1929a] 2008; [1929b] 2010) e a Linguística de Texto (MARCUSCHI, 2008,
2009, 2010; KOCH 2002a, 2006). Investigamos o conceito de gênero nas
diretrizes pedagógicas oficiais para o Ensino Médio – PCNEM (1999), PCN+
(2002) e OCN (2006) – e caracterizamos sua abordagem na prova de LCT.
Ainda observando as orientações pedagógicas oficiais, analisamos também a
Matriz de Referência do ENEM (2009), salientando os pontos em que o exame
se inscreve nos objetivos traçados pelas diretrizes oficiais de ensino em
relação aos gêneros textuais. A partir das edições analisadas, adotamos como
corpus 146 questões da prova de LCT que trabalham os gêneros textuais como
conteúdo avaliativo. Em seguida, traçamos um panorama dos principais
domínios discursivos apresentados pelo exame ao longo do período de 2009 a
2012. Buscamos identificar a abordagem dos gêneros textuais como conteúdo
a partir do desenvolvimento de, pelo menos, uma de suas dimensões
constitutivas: temática, composicional e estilística. Concluímos que o perfil
avaliativo do ENEM tende a abordar os gêneros sob seu viés temático,
principalmente por meio da interpretação textual, trabalhando de modo
secundário os aspectos composicionais e estilísticos.
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FABIANI, Sylvia Jussara Silva do Nascimento. A abordagem dos gêneros
textuais pelo ENEM. Rio de Janeiro, 2013. 139 fl. Tese de Doutorado em
Língua Portuguesa – UFRJ, Faculdade de Letras.
RESUMEN
Este trabajo abarca los géneros textuales a partir de su aplicación
como contenido evaluativo en el ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio),
específicamente en la prueba de Lenguaje, Códigos y sus Tecnologías (LCT),
en las ediciones de 2009 a 2012. Para eso, adoptamos como principales
referencias teóricas de esa investigación la teoría del Dialogismo (BAKHTIN,
(1978; [1979] 2003; [1929a] 2008; [1929b] 2010) y la Lingüística Textual
(MARCUSCHI, 2008, 2009, 2010; KOCH 2002a, 2006). Investigamos el
concepto de género en las directrices pedagógicas oficiales para la Enseñanza
Media. – PCNEM (1999), PCN+ (2002) e OCN (2006) – y caracterizamos su
abordaje en la prueba de LCT. Todavía observando las orientaciones
pedagógicas oficiales, analizamos también la Matriz de Referencia del ENEM
(2009), resaltando los puntos en que el examen se inscribe en los objetivos
trazados por las directrices oficiales de enseñanza en relación a los géneros
textuales. A partir de las ediciones analizadas, adoptamos como corpus 146
cuestiones de la prueba de LCT que trabajan los géneros textuales como
contenido evaluativo. Enseguida, trazamos un panorama de los principales
dominios discursivos trabajados por el examen a lo largo de 2009 a 2012.
Buscamos identificar el abordaje de los géneros textuales como contenido a
partir del desarrollo de, por lo menos, una de sus dimensiones constitutivas:
temática, composicional y estilística. Concluimos que el perfil evaluativo del
ENEM propende a abarcar los géneros bajo su característica temática,
principalmente en lo que se refiere a la interpretación textual, trabajando de una
manera secundaria los aspectos composicionales y estilísticos.
6
FABIANI, Sylvia Jussara Silva do Nascimento. A abordagem dos gêneros textuais pelo ENEM. Rio de Janeiro, 2013. 139 fl. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa – UFRJ, Faculdade de Letras.
ABSTRACT
This work approaches the textual genders, as from how they are
applied as an evaluative content for the ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio - National High School Exam), specifically in the language tests, codes
and their technologies, in the 2009 to 2012 editions. Therefore, we adopted as
the main theoretical reference for this research the theory of Dialogic (BAKTIN,
(1978; [1979] 2003; [1929a] 2008; [1929b] 2010) and the Text Linguistics
(MARCUSCHI, 2008, 2009, 2010; KOCH 2002, 2006). We investigated the
concept of gender in the official pedagogical guidelines for High School –
PCNEM (1999), PCN+ (2002) and OCN (2006) - and we characterized its
approach in the language test. Still observing the official pedagogical
orientations, we also analyzed the Referential Matrix for the ENEM (National
High School Exam) (2009), emphasizing the points in which the exam
subscribes in the objectives proposed by the official educational guidelines in
relation to the textual genders. As from the analyzed editions, we adopted as
corpus 146 questions from the language test, which works out the textual
genders as an evaluative content. Right after, we traced a panorama of the
principal discursive domain worked out by the exam along the period of 2009 to
2012. We sought to identify the approach of the textual genders as contents
starting from the development of at least, one of its constructive dimensions:
theme, compositional, and stylistics. We concluded that the evaluative profile of
the ENEM (National High School Exam) tends to approach the genders under
its thematic bias, mainly thru textual interpretation, working in a secondary
manner the compositional and stylistic aspects.
7
À Jacira, à Jurema e ao Jorge.
Pelas histórias bonitas que ouvi sobre eles.
Ao Geraldo Filho.
Por todas as lembranças que me deixou.
À Juçara.
Por ser parte de todas essas coisas.
8
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por todas as bênçãos alcançadas. Humildemente
peço a Ele que continue a olhar pelos meus e por todos nós.
À Juçara Maria da Silva, com todo o meu afeto, por aceitar e cumprir a
missão de ser minha mãe. Verdadeiramente, sem ela, este momento não seria
possível. Agradeço por ela ter sempre acreditado.
Ao Geraldo Albino do Nascimento Filho, que marcou minha vida para
sempre, mesmo eu tendo desfrutado por tão pouco tempo de sua figura
paterna. A ele, toda a minha saudade e toda a minha fé por nosso reencontro.
À Professora Leonor Werneck dos Santos em especial, por toda a sua
dedicação a mim e a todos os seus alunos. A ela minha sincera gratidão por
me acompanhar nesta caminhada.
Aos amigos Valdiney da Costa Lobo e Denise da Conceição Simões
Pereira, que me estenderam a mão e me ajudaram sem vacilar com a tradução
para o espanhol e para o inglês respectivamente.
A todos os professores que me trouxeram até aqui, com apreço ao
Professor Antônio Cícero Reis Barbosa, que despertou meu amor pela língua
portuguesa.
9
Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal.
Mikhail Bakhtin
10
SUMÁRIO
LISTA DE ESQUEMAS E QUADROS ........................................................... 11
LISTA DE TABELAS .......................................................................................
11
LISTA DE FIGURAS .......................................................................................
11
LISTA DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS .......................................................... 12
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 13
2. A LINGUÍSTICA DE TEXTO ...................................................................... 19
3. GÊNEROS TEXTUAIS ............................................................................... 24
3.1. Premissa epistemológica: o Dialogismo .............................................. 25 3.2. Gênero textual: conceito e caracterização ........................................... 33 3.3. Gêneros textuais e ensino de língua materna .................................... 49 3.4. Abordagem dos gêneros nas diretrizes pedagógicas oficiais para o Ensino Médio ..............................................................................................
56
4. MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM – IMPLICAÇÕES ACERCA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ..........................................................................
74
5. METODOLOGIA E ANÁLISE DO CORPUS .............................................. 92
5.1. Metodologia .......................................................................................... 92 5.2. Análise do corpus ................................................................................. 95 5.2.1. Denominação dos gêneros textuais ............................................... 95
5.2.2. Prototipicidade das questões ........................................................ 103
5.2.3. Gêneros e domínios discursivos no ENEM .................................. 105
5.2.4. Dimensões constitutivas dos gêneros textuais no ENEM ............ 115
5.3. Aprofundamento da análise ................................................................. 125
6. CONCLUSÃO ............................................................................................. 130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 132
11
LISTA DE ESQUEMAS E QUADROS
Esquema 1. Dimensões constitutivas dos gêneros ..................................................... 42
Quadro 1. Unidades temáticas, competências e habilidades em Língua Portuguesa para
o Ensino Médio segundo os PCN+ ...........................................................................
61
Quadro 2. Conhecimentos pragmáticos, discursivos, textuais, linguísticos e topográfi-
cos sugeridos para o Ensino Médio, segundo as OCN ...............................................
69
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Quantitativo e distribuição do corpus segundo as edições do ENEM ............ 94
Tabela 2. Mapeamento dos gêneros textuais como conteúdo avaliativo no ENEM
(2009 a 2012) ....................................................................................................
106
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Denominação do gênero segundo senso comum (ENEM 2010-2/ 135) ............ 96
Figura 2. Denominação do gênero sob nomenclatura geral (ENEM 2009-1/ 23) ............
97
Figura 3. Denominações particulares do gênero pelo ENEM (ENEM 2009-1/ 1) .............
98
Figura 4. Denominações particulares dos gêneros no ENEM (ENEM 2009-2/ 126) .........
99
Figura 5. Expressão técnica na denominação do gênero (ENEM 2010-1/ 99) ................
100
Figura 6. Elementos indiciais para a identificação do gênero (ENEM 2009-1/ 31) ...........
101
Figura 7. Informação indicial acerca do gênero textual trabalhado (ENEM 2011/ 98) ......
102
Figura 8. Questão prototípica sobre gênero textual (ENEM 2012/ 128) ........................
104
Figura 9. Abordagem do gênero textual poema – domínio discursivo ficcional (ENEM
2012/ 101) ..........................................................................................................
109
Figura 10. Abordagem do gênero textual reportagem – domínio discursivo jornalístico
(ENEM 2012/ 105) .................................................................................................
110
Figura 11. Abordagem do gênero textual propaganda institucional – domínio discursi-
vo publicitário (ENEM 2009-1/ 96) ............................................................................
111
Figura 12. Abordagem do gênero textual história em quadrinhos – domínio discursivo
lazer (ENEM 2010-2/ 110) .......................................................................................
112
12
Figura 13. Abordagem do gênero textual biografia – domínio discursivo instrucional
(ENEM 2010-1/ 113) ...............................................................................................
113
Figura 14. Abordagem do gênero textual currículo – domínio discursivo comercial
(ENEM 2010-2/ 105) ...............................................................................................
114
Figura 15. Abordagem do gênero em suas três dimensões constitutivas: temática, composicional e estilística (ENEM 2009-1/ 11) ..................................................................
116 Figura 16. Abordagem do gênero a partir da dimensão temática (ENEM 2009-2/ 97) .....
118
Figura 17. Abordagem do gênero a partir das dimensões temática e composicional (ENEM 2010-1/ 124) ................................................................................................................
120
Figura 18. Abordagem do gênero a partir da dimensão estilística (ENEM 2010-2/ 119) ....
121
Figura 19. Abordagem do gênero a partir das dimensões composicional e estilística
(ENEM 2011/ 124) ...........................................................................................................
123
Figura 20. Abordagem do gênero a partir das dimensões temática e estilística (ENEM 2012/ 126) ...............................................................................................................................
124
Figura 21. Abordagem do gênero a partir da dimensão composicional (ENEM 2012/ 99) ...
125
LISTA DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS
Gráfico 1. relação percentual de questões prototípicas e questões não prototípicas so-
bre os gêneros textuais como conteúdo avaliativo no ENEM (2009 a 2012) .................
105
Gráfico 2. Relação percentual dos domínios discursivos no ENEM (2009 a 2012) ...........
Diagrama 1. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-1 .............................................
108
115
Diagrama 2. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-2 .............................................
117
Diagrama 3. Abordagem dos gêneros no ENEM 2010-1 .............................................
119
Diagrama 4. Abordagem dos gêneros no ENEM 2010-2 .............................................
121
Diagrama 5. Abordagem dos gêneros no ENEM 2011 ................................................
122
Diagrama 6. Abordagem dos gêneros no ENEM 2012 ................................................
124
Diagrama 7. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-1 a 2012 ..................................
126
1
1
1
1
1
1
1
13
1. INTRODUÇÃO
O ser humano, ao longo da vida, traça seus pensamentos e ações sob
o plano do significado. Na caminhada da existência, seu desafio é, justamente,
descobrir-se como ser, por meio de seu reflexo e de sua refração sobre o
mundo, ao imprimir sentido à realidade. O homem, assim, passa a
compreender-se tal qual persona, sempre travando a eterna luta entre
submissão e subversão aos signos que se lhe impõem. Para isso, a linguagem
se apresenta como instrumento norteador – processo e produto de significação,
que o conduz ao mundo, ao outro e a si mesmo.
Nessas condições, o discurso revela-se como atividade de linguagem
no dinamismo da interação humana, por se instituir como ação nas práticas
sociais, a delinear as pessoas sob o signo dos valores coletivamente
construídos e vivenciados. A língua, dessa maneira, deixa de ser percebida
como um sistema de formas abstratas e absortas em si mesmas, passando a
ser um arcabouço cultural, construído ao longo do tempo, por meio das
manifestações ideológicas que norteiam as variadas formas de interação.
A Linguística de Texto, nesse quadro, mostra-se como fundamento
teórico e orientação metodológica basilares aos estudos da enunciação – a
realização linguística situada em um tempo e um espaço específicos, como
instrumento de interação entre sujeitos histórica e socialmente construídos.
Assim, sob o enfoque da Linguística de Texto, o uso é compreendido como
ação social pela linguagem.
A partir de tal direcionamento teórico, afirmamos que os significados de
um texto são construídos na dinâmica dialógica entre autor e leitor. É, pois,
pela interação entre enunciador e enunciatário – inscritos na ação linguageira
de leitura – que os sentidos textuais são (re-) constituídos pelos interlocutores,
a partir da utilização de conhecimentos enciclopédicos, estratégias cognitivas e
experiências de integração social.
Nesse contexto, a interação pela linguagem é materializada por meio
dos gêneros textuais, tipos de enunciado sob certa relatividade, inscritos em
uma realidade cultural historicamente constituída. São os gêneros, assim,
14
práticas de linguagem que orientam o agir pelo discurso – em outras palavras,
modelos de ação adaptáveis à situação comunicativa e à intenção enunciativa.
Notamos que, em grande parte do meio acadêmico, os gêneros
textuais são reconhecidos como produtos e processos de interação verbal –
não sendo possível, dessa maneira, observá-los sem considerar a realidade
sociodiscursiva que os sustenta. Entretanto, a abordagem desses modelos
textuais sob viés didático ainda persiste em caracterizá-los como objetos
isolados, isto é, desvinculados de sua natureza integradora entre homem e
discurso.
No que tange o ensino de língua materna, percebemos que os gêneros
textuais nem sempre são tratados como deveriam ao longo da Educação
Básica (SANTOS, 2009a; 2009b; 2011), refletindo seus matizes na principal
avaliação nacional dedicada a essa fase da educação escolar (BRASIL, 1996):
o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Frente ao quadro descrito,
estipulamos como tema de nossa pesquisa os gêneros textuais como conteúdo
avaliativo na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias do ENEM.
Sob tal perspectiva, deparamo-nos com o seguinte problema: os
gêneros textuais são abordados na prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias do ENEM na perspectiva da interação social, observando sua
dimensão composicional, temática e estilística? Nossa hipótese é que os
gêneros textuais são abordados principalmente sob sua dimensão temática,
ficando em segundo plano seus aspectos composicionais e estilísticos bem
como seus aspectos funcionais. Acreditamos que o próprio formato do ENEM
limita a observação dos gêneros como produtos de interação social e tende
direcionar a uma abordagem dos gêneros textuais sob o viés da interpretação
textual.
A partir de tais fatores, traçamos como o objetivo principal do presente
trabalho caracterizar a abordagem dos gêneros textuais como conteúdo
avaliativo nas edições do ENEM de 2009 a 2012. Por meio de um enfoque
discursivo, nossa análise se dedica especificamente aos gêneros textuais
trabalhados pelas questões da prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias ao longo do período mencionado.
15
A presente análise também se desenvolve com o objetivo de traçar um
panorama comparativo entre o ENEM e as de diretrizes pedagógicas oficiais ao
Ensino Médio: os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
(PCNEM), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN+) e as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (OCN). Para tanto, desenvolvemos uma análise cruzada dessas
orientações pedagógicas com o documento que orienta a estruturação
avaliativa do ENEM – a Matriz de Referência para o ENEM 2009.
Criado em 1998 pelo Ministério da Educação, o ENEM surgiu com a
finalidade principal de avaliar a qualidade geral do Ensino Médio (EM). Em
2009, no entanto, uma reconfiguração estrutural transformou a amplitude dessa
avaliação, que passou a ser utilizada como um dos instrumentos de acesso ao
Ensino Superior em universidades e institutos federais, servindo, ainda, como
certificação de conclusão para o EM, agregando-se, assim, ao ENCCEJA
(Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos). O
enfoque desta pesquisa recai, justamente, sob a nova configuração do ENEM,
pois nos dedicamos à abordagem dos gêneros textuais nas edições do exame
em questão referentes ao período de 2009 a 2012.
Nosso trabalho se inicia, no capítulo 2, com a apresentação de um
breve histórico sobre o desenvolvimento da Linguística de Texto (LT). Partimos
da década de 1960, com o surgimento da ideia de texto como unidade de
significação. Nesses passos iniciais de caminhada teórica, a LT investigava as
relações transfrásicas e dedicava-se a traçar uma gramática do texto. Surgiram,
nesse quadro, os primeiros trabalhos dedicados à coesão e à coerência
textuais. Em seguida, comentamos a diretriz pragmática que norteou essa
perspectiva teórica nos anos 70 e a dimensão sociocognitivo-interacionista que
os anos 80 e 90 inscreveram na LT. Fechamos o capítulo relacionando os
principais teóricos que se dedicaram à LT no meio acadêmico brasileiro.
São tratadas no capítulo 3 as referências teóricas que fundamentam
esta pesquisa. Entendemos que o Dialogismo é o ponto inicial para uma
abordagem dos gêneros textuais como práticas de linguagem histórica e
socialmente constituídas (seção 3.1). A linguagem, princípio dialógico, é
16
identificada como elemento estruturador da consciência – elo que entrelaça
homem e realidade. Sob essa ótica, espaço e tempo estão amalgamados pela
linguagem, sob os valores culturais que delineiam a percepção humana sobre o
mundo. Nessas condições, o Dialogismo estabelece como premissa à análise
linguística o comprometimento de observar a língua como um construto social,
permeado pelas significações que a ideologia do cotidiano lhe imprime.
A partir de tais considerações, dedicamo-nos à identificação dos
gêneros textuais, práticas de linguagem relacionadas diretamente à diversidade
de formas de interação em uma determinada sociedade (seção 3.2). Os
gêneros são definidos como elementos que interligam, por meio do discurso, o
ser humano à realidade, por ser tão somente por seu intermédio que a língua
se apresenta como instrumento de interação, permeado de sentidos e valores
socialmente construídos (MARCUSCHI, 2009).
Inicialmente sob a perspectiva teórica bakhtiniana, buscamos
caracterizar os gêneros textuais como tipos de enunciado sob relativa
estabilidade, redimensionados em virtude dos traços peculiares à situação e às
necessidades comunicativas específicas de um enunciador. Em momento
posterior, esboçamos as contribuições de LT, da Análise do Discurso Crítica e
da Análise do Discurso Francesa para a ampliação do conceito de gênero
textual.
Definido o conceito de gênero textual, passa a ser nossa preocupação
o desdobramento do conceito de gênero como ferramenta ao ensino língua
materna (seção 3.3). Afinal, os gêneros – instrumentos linguístico-culturais que
relacionam o homem à dinâmica da língua – revelam-se como ferramentas
ideais ao desenvolvimento de competências e habilidades comunicativas,
passando a ocupar o foco do processo ensino-aprendizagem nas aulas de
língua portuguesa.
O processo de aquisição dessas habilidades e competências é
realizado a partir da reestruturação dos gêneros primários, já então adquiridos
pelos alunos na vida cotidiana, em estruturas genéricas de maior complexidade,
relacionadas diretamente às práticas de linguagem que exigem maior
elaboração por parte do enunciador – os gêneros textuais secundários. Dá-se,
17
dessa maneira, uma transformação profunda do sistema de linguagem verbal,
uma vez que o esquema de gêneros primários recebe novos sentidos e valores,
o que ocasiona sua reelaboração em novos instrumentos sob novas funções:
“outros meios linguísticos que diferenciam ainda mais essa função de mudança
de perspectiva textual” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 30).
Abordamos, ainda, na seção 3.4, o ensino dos gêneros de texto em
três diretrizes pedagógicas oficiais destinadas ao Ensino Médio: os PCNEM
(1999), os PCN+ (2002) e as OCN (2006). De acordo com esses documentos,
a linguagem é “uma herança social, uma ‘realidade primeira’, que, uma vez
assimilada, envolve os indivíduos e faz com que as estruturas mentais,
emocionais e perceptivas sejam reguladas pelo seu simbolismo” (PCNEM,
1999, p. 125). Nessa seção, nosso objetivo é salientar o grau de importância
que tais diretrizes atribuem ao trabalho didático com gêneros textuais,
remarcando as competências e as habilidades que devem ser desenvolvidas
pelos alunos, a fim de que o trabalho em língua materna seja orientado sob
uma perspectiva dialógica de linguagem.
Os referidos documentos confirmam, paulatinamente, a
conscientização pedagógica acerca dos gêneros textuais para o
desenvolvimento dos usos plurais da linguagem, sinalizando sempre a
natureza social que fundamenta a língua. Segundo os PCNEM, os PCN+ e as
OCN, o ensino de língua materna apresentado por meio da abordagem dos
gêneros garante uma visão global e estruturada tanto sobre os fenômenos
linguísticos como em relação ao dinamismo social das práticas comunicativas,
evitando, assim, a formação fragmentária do educando.
Em seguida, no capítulo 4, investigamos a Matriz de Referência para o
ENEM, documento que orienta o perfil avaliativo do exame em foco, desde sua
reformulação em 2009 até a atualidade. Nesse ponto, relacionamos as
competências e habilidades que fundamentam a avaliação na área de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – em específico à disciplina de língua
portuguesa – a conhecimentos que estejam relacionados aos gêneros textuais.
Ainda nesse capítulo, procuramos identificar os pontos em comum da Matriz de
Referência aos objetivos traçados pelas diretrizes pedagógicas para o Ensino
18
Médio – PCNEM, PCN+ e OCN – em relação ao trabalho pedagógico com os
gêneros.
No capítulo 5, será apresentada a análise do corpus de pesquisa: as
questões acerca dos gêneros textuais como conteúdo, apresentadas pelo Novo
ENEM, especificamente nas edições da prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias realizadas nos anos de 2009 a 2012. Em relação aos dois
primeiros anos do referido exame, optou-se incluir no corpus de pesquisa as
duas versões do exame referentes a 2009 (fraudada e validada), assim como
ambas as edições da avaliação referentes ao ano de 2010. Essa decisão é
justificada por entendermos que as edições não validadas do ENEM (2009 e
2010) foram elaboradas sob a mesma diretriz avaliativa que orienta o exame
como um todo, apesar de, por diferentes motivos, não terem apresentado êxito
em suas respectivas realizações.
Do universo de 270 questões apresentadas pela prova de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias, 146 itens foram selecionados para o corpus
dessa pesquisa. Nosso critério baseou-se em elencar para a análise as
questões que abordassem elementos constitutivos dos gêneros textuais como
conteúdo avaliativo em língua portuguesa. Buscamos sinalizar os domínios
discursivos mais recorrentes na prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias nas questões em que o gênero é apresentado como conteúdo a
ser avaliado. Apontamos, também, quais as dimensões constitutivas dos
gêneros (tema, composição e estilo) mais trabalhadas naquela prova, traçando
um perfil avaliativo do exame acerca de tal assunto.
Por fim, o capítulo 6 apresenta as conclusões alcançadas por este
trabalho. Sem a pretensão de mostrar-se conclusiva, apresentamos esta
pesquisa como um esboço acerca do tratamento dos gêneros textuais nos
documentos oficiais e na principal ferramenta de avaliação do Ensino Médio no
sistema educacional brasileiro. Esperamos que este trabalho seja uma
colaboração à melhoria do ensino do português como língua materna, ao
apontar avanços e pontos a serem aperfeiçoados sobre a abordagem
pedagógica em relação aos gêneros textuais.
19
2. A LINGUÍSTICA DE TEXTO
Usar a linguagem é sempre engajar-se em alguma ação em que ela é o próprio lugar onde a ação acontece, necessariamente em coordenação com os outros.
(KOCH, 2006, p. 31).
Nos anos finais da década de 1960, assistimos ao estabelecimento de
uma nova perspectiva para o conceito de linguagem. Deixando de ser
percebida como reflexo do pensamento ou um sistema ideal abstrato, a
linguagem passa a ser entendida como instrumento, processo e produto de
interação entre as pessoas – sujeitos inseridos em um tempo-espaço social e
historicamente delineado. Nesse quadro, não era mais possível desenvolver a
investigação linguística segundo os preceitos impostos pelo Estruturalismo e
pelo Gerativismo, observando a língua até os limites da frase, unidade máxima
de análise de acordo com as teorias em voga na época.
Nesse quadro, surge a Linguística de Texto (LT), linha teórica que
assume o texto como unidade de investigação, identificando e caracterizando
os diferentes aspectos do fenômeno de textualidade (FÁVERO, 1993) como
elementos instituidores do significado. Sob essa nova dimensão teórica, a
gramática da frase não é suficiente para explicar o texto como processo de
construção de sentidos.
Em seu desenvolvimento inicial, a LT percebia o texto como unidade
hierarquicamente superior à frase, o que gerou a necessidade de estudos
dedicados a suas peculiaridades de composição. Assim, de princípio ainda sob
influência do Gerativismo, vimos a LT dedicada ao estudo das relações
transfrásticas. Sugiam, desse modo, as gramáticas de texto e, sob tal aspecto,
segundo Marcuschi ([1983] 2012, p. 16), a LT procurava demonstrar
[...] haver regras gerais que valem para fenômenos ou fatos que ultrapassam o âmbito da frase: regras que dominam extensões de várias ou muitas frases. Um texto pode ultrapassar e até violar regras da gramática de frase, mas isto é sempre feito por alguma motivação interna, sendo assim um nível autônomo de investigação.
20
Naquele momento, a análise em LT tinha como alvo as relações
estabelecidas entre os enunciados que, sob uma sequência, configuravam um
todo significativo. Os fenômenos em foco eram, entre outros, a correferência e
a relação tema versus rema. Surgiram, também nessa época, os primeiros
estudos dedicados à coesão e à coerência e a investigação dos princípios de
constituição e extensão dos textos. Sobre influência gerativista e funcionalista,
buscava-se identificar os fundamentos da constituição e a delimitação dos
textos, bem como os processos responsáveis pelo estabelecimento de
coerência. Havia, também, a preocupação em demonstrar que o falante era
dotado de uma competência linguística que o capacitava a identificar e produzir
textos coerentes.
Sendo o texto, a partir de então, considerado como a unidade
fundamental de investigação, as unidades hierarquicamente menores a ele -
frase, sintagma, palavra, morfema e fonema – passaram a ser caracterizadas
em virtude da função textual por elas desempenhada no todo significativo. Sob
tal diretriz, o texto se tornou, pois, o “signo linguístico primário” (KOCH, 2006, p.
6) e, por conseguinte, todos os seus componentes passaram a ser
considerados signos parciais.
Ainda na década de 1970, o conceito de texto foi redimensionado,
passando a ser entendido como unidade de comunicação, fundamentalmente
relacionado à interação. Um viés pragmático passou, então, a direcionar os
estudos em LT. Nasciam as primeiras pesquisas dedicadas à investigação do
contexto e a Teoria dos Atos de Fala. Alguns tópicos explorados foram a dêixis,
a força ilocucionária e os aspectos relacionados à enunciação.
Sob a égide pragmática, naquele período, a LT reconfigurou a noção
de coerência, conceito que passou a ser situado em função de elementos
situacionais e contextuais que estruturavam os sentidos do texto. Nesse quadro,
a significação textual deixou de ser caracterizada como um produto acabado,
passando a ser vista como um processo relacionado a uma situação
comunicativa real, construído pela interação entre os parceiros da comunicação.
Em resumo, o viés pragmático na LT abriu os horizontes para que a linguagem
21
verbal fosse compreendida como ação, intrinsecamente relacionada às práticas
sociais de um grupo.
A década de 1980, por sua vez, trouxe-nos o viés cognitivo aos
estudos em LT. O conceito de texto foi, então, definido como o produto de um
conjunto de processos mentais realizados a partir de diferentes operações e
modelos cognitivos. A identificação e o modo de realização desses processos
passaram a ser o foco teórico da LT. Assim, sob a diretriz cognitivista,
[...] os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos representados na memória que necessitam ser ativados para que sua atividade seja coroada de sucesso. Assim, eles já trazem para a situação comunicativa determinadas expectativas e ativam dados conhecimentos e experiências quando da motivação e do estabelecimento de metas, em todas as fases preparatórias da construção textual, não apenas na tentativa de traduzir seu projeto em signos verbais (comparando entre si diversas possibilidades de concretização dos objetivos e selecionando aquelas que, na sua opinião, são as mais adequadas), mas certamente também por ocasião da atividade da compreensão de textos (KOCH, 2006, p. 21).
No final dos anos 1980 e início da década de 1990, a diretriz
cognitivista foi acrescida de novos direcionamentos teóricos, passando a
valorizar a importância do meio social e da interação entre os indivíduos na
construção e compreensão de textos. Surgiam, nesse momento, os primeiros
trabalhos sob uma orientação sociocognitivo-interacionista. Assim, reconheceu-
-se a existência de processos cognitivos que se desenvolvem sob cunho
coletivo, social – constatação que abriu espaço para que a cultura passasse a
ser vista como objeto de investigação em LT. Em outras palavras, a cognição
passou a ser compreendida como um fenômeno situado.
O matiz sociocognitivo-interacionista restabeleceu o próprio lugar da
língua, uma vez que as ações verbais não mais eram definidas a partir das
intervenções verbais individuais isoladas, mas se concretizam em função de
ações conjuntas, inscritas sob as condições do processo interativo entre as
pessoas. Nesse aspecto, linguagem e cognição são mutuamente influenciadas,
e a língua é definida como instrumento, processo e produto de interação
humana nesse processo dialógico.
22
A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. Os usuários da língua ou interlocutores interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares de acordo com as formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais. (TRAVAGLIA, 1995, p. 23).
Ao longo de sua consolidação como teoria, podemos identificar
diferentes conceitos de texto adotados pela LT, muito bem resumidos por Koch
(2006). Ao fazermos um panorama do que a LT entendeu como texto ao longo
de sua própria história, encontramos desde a noção de que o texto é a unidade
linguística mais alta na hierarquia do sistema da língua, passando pela ideia de
que o texto é um signo complexo e pelo conceito de texto como mobilização de
processos e operações cognitivos. Atualmente, os principais teóricos dessa
linha de pesquisa percebem o texto “como lugar de interação entre atores
sociais e de construção interacional de sentidos” (concepção de base
sociocognitiva-interacional) (id., p. XII).
A LT, ao se orientar pela diretriz sociocognitiva-interacional, atribui ao
leitor um lugar de destaque na construção dos sentidos do texto, uma vez que
a significação é construída a partir da cooperação entre os participantes do
acontecimento comunicativo. Para tanto, o leitor aciona uma série de
competências (linguística, discursiva, sociocomunicativa, interacional) que lhes
auxilia na escolha de estratégias diversas (antecipações, inferências, seleções,
combinações, remanejamento de informações, entre outras) como
instrumentos necessários para a constituição da teia de significados que
estruturam o texto.
Sob tal direcionamento teórico, a leitura deixa de ser percebida, pois,
como uma simples decodificação linear. O ato de ler passa a ser compreendido
como um processo pluridirecional, que reconstrói o significado do texto,
podendo, assim, apresentar margem de variação entre os indivíduos, ou, até
mesmo, mostrar diferenças consideráveis de significado para a mesma pessoa
em diferentes momentos de sua vida.
No cenário brasileiro, muitos estudiosos se dedicaram à pesquisa e à
divulgação da LT. Entre os pioneiros, não podemos deixar de mencionar os
23
importantes trabalhos de Fávero (1993), Koch (2002a, 2002b, 2004, 2006),
Koch e Fávero (1983), Koch e Elias (2006, 2009). Essas publicações nos
revelam um panorama do desenvolvimento da LT como diretriz teórica,
passando pelos seus pontos iniciais de investigação – desde as primeiras
nuanças dos conceitos de coerência, coesão e articulação textual, até aos
trabalhos aplicados à investigação da linguagem como instrumento de
interação.
São também notórios os estudos de Marcuschi (2001, 2009, [1983]
2012) dedicados à LT aplicada à língua portuguesa. Seus trabalhos percorrem
desde a explanação de seus fundamentos primordiais, passando pelo
desenvolvimento dos conceitos abordados mais recentemente – como
referenciação, tipos e gêneros textuais –, até a aplicação prática da LT ao
ensino em língua materna.
Mencionamos também as pesquisas desenvolvidas por Santos (2003)
a respeito da articulação textual no quadro de pesquisa em LT no Brasil. Seus
estudos mais recentes (2009a, 2009b, 2009c, 2011) são destinados à
investigação da abordagem dos gêneros textuais nos livros didáticos de língua
portuguesa, incluindo, ainda, a análise e produção textuais conforme as
orientações teóricas da LT (SANTOS; RICHE; TEIXEIRA, 2012), enfocando a
importância da utilização de textos como ferramenta ao ensino em língua
portuguesa.
Nosso breve panorama histórico da LT revela que o texto é o ponto de
partida e de chegada dessa linha teórica. Entre os diversos temas abordados
por tal diretriz de pesquisa, consideramos os gêneros textuais como campo
fecundo à investigação. Alicerçados nos conceitos apresentados por Bakhtin
([1979] 2003) revisitados pela LT, os gêneros textuais são, justamente, o ponto
de discussão do capítulo 3 deste trabalho.
24
3. GÊNEROS TEXTUAIS
Abalizado nas diretrizes teóricas da LT – principalmente –, da Análise
do Discurso (AD) e da Análise Crítica do Discurso (ACD) – como fundamentos
suplementares –, o presente capítulo é estruturado sob a premissa da
linguagem como um fenômeno essencialmente organizado sob perspectiva
dialógica (seção 3.1). Dessa maneira, toda e qualquer manifestação pela
linguagem reflete, em si mesma, a pluralidade de vozes que a justificam como
discurso, em uma rede de significações tecida sócio-historicamente. De modo
semelhante, todo discurso traz consigo a potencialidade de motivar inúmeros
novos discursos, a ele interligados sob uma relação responsiva, diretriz que
articula e conduz o fazer humano de significar a realidade.
Seguindo tal direcionamento teórico, apresentamos o conceito de
gênero textual como um conjunto de convenções linguísticas, discursivas e
sociais, necessariamente constituído por uma historicidade e modelado
conforme uma situação de uso (seção 3.2). Os gêneros, tipos de enunciado
relativamente estáveis (BAKHTIN, [1979] 2003), revelam a multiplicidade de
contornos sociais em que a interação se estabelece e, ao mesmo tempo,
prestam-se como parâmetros sociolinguísticos de interação, haja vista ser
apenas sob a forma de um gênero textual que a língua se revela manifestação
discursiva.
Em seguida, na seção 3.3, apresentamos variadas reflexões sobre a
aplicação dos gêneros textuais como ferramentas ao ensino significativo em
língua materna – no caso, em língua portuguesa. Defendemos, pois, que os
gêneros de texto – instrumentos a delinearem a realidade pela dimensão da
linguagem verbal – revelam-se como processo e produto de aprendizagem,
pelo fato de representarem o efetivo funcionamento da linguagem verbal como
reflexo da interação humana.
A seção 3.4, por seu turno, investiga a abordagem dos gêneros em três
documentos oficiais estabelecidos como diretrizes pedagógicas ao Ensino
Médio: os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNEM (1999) –, as
Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
25
Nacionais – PCN+ (2002) – e as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio
– OCN (2006). Nossa análise tem como objetivo delinear a progressiva adoção
dos gêneros textuais como instrumento e conteúdo de ensino, sinalizando as
contribuições teórico-metodológicas desses textos oficiais à divulgação e
orientação do trabalho docente em língua materna.
3.1. Premissa epistemológica: o Dialogismo
O homem não tem um território interior soberano, está todo e sempre na fronteira, olhando para dentro de si, ele olha o outro nos olhos ou com os olhos do outro.
(BAKHTIN, 2003, p. 341)
O princípio dialógico da linguagem se estabelece como a motriz da
teoria desenvolvida por Mikhail Bakhtin ([1975] 1978; [1979] 2003; [1929a]
2008; [1929b] 2010), autor que entremeia epistemologia e análise crítica em
seus estudos. Consideramos que seu construir teórico – muitas vezes
delineado sob um dizer quase poético – revela-nos a importância de
entendermos todo tipo de interação humana como motivação basilar à própria
formação da consciência e, por extensão, a toda e a qualquer manifestação
discursiva. Necessitamos comentar, entretanto, que Bronckart e Bota (2012)
afirmam que o conceito de Dialogismo e a noção de gêneros não são
apresentados originalmente nos textos de Bakhtin, atribuindo o crédito desses
itens a Volóshinov.
De acordo com Bakhtin (2003), nossa atividade psíquica se desenvolve
em função do contato entre nosso organismo humano e o meio exterior,
sempre sendo orientadas sob a assimilação, a (re-) construção e o
processamento de significados. Em outras palavras, somente pela significação
o homem torna-se capaz de perceber-se como indivíduo, situado em uma
realidade.
Dessa maneira, a autoconsciência a respeito do existir humano – a
caracterização de uma identidade, sob a forma de um ser consciente de si
mesmo e do universo que o cerca – realiza-se a partir da necessidade
26
intrínseca de o homem demarcar-se e, assim, perceber-se frente ao outro, por
uma natural “não autossuficiência, a impossibilidade da existência de uma
consciência” (BAKHTIN, 2003, p. 341). Nesses termos, a interação entre um
“eu” – a definir-se e a ser definido como sujeito – e um “tu” – a ser um
referencial contínuo à construção de uma identidade – é apresentada como
diretriz filosófica que delineia a episteme dos estudos bakhtinianos.
Eu tomo consciência de mim e me torno eu mesmo unicamente me revelando para o outro, através do outro e com o auxílio do outro. Os atos mais importantes, que constituem a autoconsciência, são determinados pela relação com outra consciência (com o tu). (...) Todo o interior não se basta a si mesmo, está voltado para fora, dialogado, cada vivência interior está na fronteira, encontra-se com outra, e nesse encontro tenso está toda a sua essência (ibid.).
Para a visão dialógica de linguagem, o ser humano, como persona, sob
uma identidade, desenvolve-se psicologicamente em virtude do contato com os
diferentes mecanismos e produtos de significação inscritos em seu grupo social.
Tal afirmação não estipula, no entanto, uma função passiva ao indivíduo, visto
que, ao mesmo tempo em que os signos, ideologicamente constituídos,
delineiam a consciência, cada sujeito os processa e os reconstrói sob a marca
de uma individualidade – “um outro sistema único, e igualmente possuidor de
suas próprias leis específicas, o sistema do meu psiquismo” (BAKHTIN, 2010,
p. 60). Nesse quadro, é possível afirmar que os processos de significação
acontecem sob o amálgama entre homem e sociedade – sob uma espécie de
continuum dialético entre o psiquismo e a ideologia.
Sob tal recorte teórico, entendemos por ideologia o conjunto de valores
que perpassam a vida cotidiana, as noções historicamente instituídas em uma
determinada realidade social, materializadas, por sua vez, em cada interação
verbal entre os sujeitos. A ideologia do cotidiano delineia, pois, a atividade
mental de cada indivíduo e estrutura os traços axiológicos de um grupo, sob a
identidade grupal do que se denomina cultura. Em outros termos, a ideologia é
a motriz que orienta, de modo concomitante, a ação humana, sob a forma de
uma consciência subjetiva e sob o matiz de coletividade. Citando Bakhtin (2010,
p. 123), “A ideologia do cotidiano constitui o domínio da palavra interior e
27
exterior desordenada e não fixada num sistema, que acompanha cada um dos
nossos atos ou gestos e cada um dos nossos estados de consciência”.
Percebemos, então, a aplicação do conceito de Dialogismo à gênese e
ao funcionamento da linguagem verbalizada: a palavra – “o modo mais puro e
sensível de relação social” (BAKHTIN, 2010, p. 36) – caracteriza-se como o
fenômeno ideológico por excelência, por ocupar um espaço privilegiado em
nossa vida cotidiana e apresentar-se como instrumento semiótico da
consciência – nosso discurso interior.
Em virtude de tais características, conseguimos atribuir à palavra a
singularidade de abordar e reconfigurar todos os outros tipos de linguagem,
mesmo que observadas as devidas limitações que a materialidade do signo
verbal inscreve nesse percurso de transformação do não verbal. Tal
particularidade se justifica pelo fato de que nossa interpretação e compreensão
dos signos – de naturezas diversas – são perfiladas, necessariamente, pelo
fluxo de uma consciência, que é, por sua vez, delineada de modo inevitável por
nosso discurso interior, cuja organização é modelada sempre pelo elemento
verbal.
Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido, permanece isolado: torna-se parte da unidade da consciência verbalmente constituída. A consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente. Assim, ondas crescentes de ecos e ressonâncias verbais, como as ondulações concêntricas à superfície das águas, moldam, por assim, dizer, cada um dos signos ideológicos. Toda refração ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante. A palavra está presente em todos os atos de compreensão e em todos os atos de interpretação (BAKHTIN, 2010, p. 38 – grifo do autor).
Sob tal diretriz, podemos afirmar que a interação verbal se apresenta
como o ponto de partida para toda e qualquer análise linguística. Para Bakhtin
(2003, p. 348), “é igualmente inadmissível a reificação da palavra: sua natureza
também é dialógica”. A interação é, pois, a motriz de toda manifestação
discursiva: é o plano de ação em que a ideologia se fundamenta e se propaga,
28
é o molde e o cenário para todas as configurações possíveis da realidade
linguística.
Devido à sua essência dialógica, a palavra, segundo a orientação
bakhtiniana, carrega consigo a voz do outro. Dessa maneira, toda enunciação é
regida pela imagem de seu interlocutor, a qual funciona como um orientador e
delimitador do discurso, coordenando o processo enunciativo em todo o seu
desenvolvimento. Em outros termos, nenhum discurso traz, em si mesmo, uma
originalidade genuína; muito longe disso, ele é perpassado pelas
multiplicidades de discursos que o justificam tal qual manifestação ideológica.
O discurso não é, portanto, uníssono, mas polifônico, visto que se apresenta
sempre atrelado a outros discursos – seja defendendo-os, seja renegando-os,
mas sempre relacionado a eles.
A manifestação exterior do discurso – a enunciação – orienta-se sob
duas direções: a primeira aponta para a figura de um interlocutor direto, do qual
se espera uma atitude responsiva; a segunda conduz ao universo ideológico,
socialmente constituído – leva às teias de significação que sustentam e
enlaçam a interação. O discurso traz, pois, a voz do outro e, de maneira
simultânea, revela-se arena dos embates e transformações da sociedade,
trazendo sempre consigo, ainda que velado, seu antidiscurso – voz que o
rejeita e, desse modo, acaba por lhe justificar a própria existência como
manifestação semiótica.
Na realidade, todo signo ideológico vivo tem, como Jano, duas faces. Toda crítica viva pode tornar-se elogio, toda verdade viva não pode deixar de parecer para alguns a maior das mentiras. Esta dialética interna do signo não se revela inteiramente a não ser nas épocas de crise social e de comoção revolucionária. Nas condições habituais da vida social, esta contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta porque, na ideologia dominante estabelecida, o signo ideológico é sempre um pouco reacionário e tenta, por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da corrente dialética da evolução social e valorizar a verdade de ontem como sendo válida hoje em dia. Donde o caráter refratário e deformador do signo ideológico nos limites da ideologia dominante (BAKHTIN, 2010, p. 48).
Nesse movimento de retomadas, prolongamento e negação entre os
discursos, não há, pois, os referenciais de primeira ou da última palavra; não se
29
abre espaço à ideia de discurso original, tampouco à de um discurso final,
concluso em sua plenitude de sentidos e acabado à compreensão. Sob a ótica
do Dialogismo, sempre haverá o fio que conecta passado, presente e futuro,
reunidos sob o caráter responsivo que a própria linguagem, como instrumento
de interação, inscreve sobre eles. Assim, todos os significados, ainda que
temporariamente esquecidos, em algum momento, “serão relembrados e
reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada
absolutamente morto: cada sentido terá a sua festa de renovação. Questão do
grande tempo” (BAKHTIN, 2003, p. 410).
[...] Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as. Cada inscrição constitui uma parte inalienável da ciência ou da literatura ou da vida política. Uma inscrição, como toda enunciação monológica, é produzida para ser compreendida, é orientada para uma leitura no contexto da vida científica ou da realidade literária do momento, isto é, no contexto do processo ideológico do qual ele a é parte integrante (BAKHTIN, 2010, p. 101).
A noção de uma norma sincrônica imutável não se verifica segundo a
perspectiva dialógica, pois a figura do locutor, nessa teoria, não constrói seu
discurso orientado por uma referência linguística ideal estável, mas sim pelo
caráter maleável da forma, em consonância à necessidade enunciativa – ao
contexto e à situação comunicativa. Bakhtin nos aponta que a realidade
tangível e prática do discurso – justamente por sua mutabilidade intrínseca, sua
pluralidade de vozes, seus desvios e ambiguidades – estrutura e move a língua
como sistema. Assim, “ao locutor, a forma linguística não tem importância
enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto
signo sempre variável e flexível” (ibid., p. 96).
De maneira semelhante, o destinatário, na perspectiva bakhtiniana, não
recorreria a um padrão linguístico inflexível para reconhecer as formas
empregadas por seu locutor, no momento da interação verbal. Longe disso, no
processo de compreensão, o interlocutor identifica e caracteriza a situação e o
contexto e enunciativos, para, então, aplicar as formas linguísticas sob a
30
configuração do quadro em que se encontra, (re-) construindo, assim, os
sentidos do discurso. Constatamos, mais uma vez, ser a prática que modela o
leque de possibilidades de realização linguística, e não a abstração de um
sistema estanque que orienta a interação pelo discurso.
Assim, na prática viva da língua a consciência linguística do locutor e do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma particular. Para o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática linguística. Para que se passe perceber a palavra como uma forma fixa pertencente ao sistema lexical de uma língua dada – como uma palavra de dicionário –, é preciso que se adote uma orientação particular e específica (BAKHTIN, 2010, p. 98).
O papel de destaque atribuído à interação no enfoque dialógico nos
conduz à adoção do enunciado como “unidade real da comunicação discursiva”
(id., 2003, p. 269 – grifo do autor) e, por conseguinte, como ponto de partida de
toda investigação linguística. Bakhtin nos apresenta o enunciado como unidade
da comunicação, identificada pelo fluxo verbal que um sujeito direciona a um
interlocutor, sob a intenção de que esse compreenda sua manifestação
discursiva, atribuindo-lhe, pois, uma resposta. Podemos afirmar, desse modo,
que a própria ideia de compreensão, para o Dialogismo, é identificada como
atitude responsiva, visto que “compreender a enunciação de outrem significa
orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto
correspondente” (ibid., p. 136).
Os limites de cada enunciado concreto como unidade da comunicação discursiva são definidos pela alternância dos sujeitos do discurso, ou seja, pela alternância dos falantes. Todo enunciado – da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou tratado científico – tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros; depois do seu término, os enunciados responsivos de outros (ou ao menos um compreensão ativamente responsiva silenciosa do outro ou, por último, uma ação responsiva baseada nessa compreensão). O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2003, p. 275 – grifo do autor).
31
O enunciado, ao se realizar em um tempo-espaço determinado por
traços ideológicos – o cronotopo (BAKHTIN, 1978) –, é marcado pelos valores
e avaliações que norteiam as formas de interação de uma comunidade. Nessas
condições, o enunciado se identifica como um fenômeno social. Essa
característica nos evidencia a impossibilidade de o sentido ser um elemento
neutro e comprova sua natureza axiológica.
Por considerar a interação a motriz de todo o processo enunciativo, o
Dialogismo afirma que o centro formador e organizador da consciência não se
situa no interior, mas sim no exterior do sujeito – na ideologia do cotidiano. Sob
tal perspectiva, é definitivamente impossível a atividade mental – nosso
discurso interior – estruturar-se de modo independente e desvinculado à
realidade de nosso entorno social. A própria linguagem, imbuída de ideologia,
direciona a percepção do sujeito acerca da realidade e de si mesmo,
modelando sua consciência sob a forma de uma identidade individual.
Assim, a personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer, do interior, revela-se um produto total da inter-relação social. A atividade mental do sujeito constitui, da mesma forma que a expressão exterior, um território social. Em consequência, todo o itinerário que leva da atividade mental (o “conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa (a “enunciação”) situa-se completamente em território social. [...] Tudo isso lança uma nova luz sobre o problema da consciência da ideologia. Fora de sua objetivação, de sua realização num material determinado (o gesto, a palavra, o grito), a consciência é uma ficção (BAKHTIN, 2010, p. 121-122 – grifo do autor).
Todo discurso, desse modo, é necessariamente realizado a partir da
concretude de um meio social e sob um contexto imediato – capazes de
instituí-lo como enunciação – e está intrinsecamente vinculado a um discurso
anterior, sob um caráter responsivo, delineado por uma ideologia social e
historicamente instituída. Sob essa circunstância, é arbitrário negarmos ao
discurso seu uso prático, tal qual fosse objeto indiferente à sua própria
natureza, violando, assim, sua integridade dialógica. Nas palavras do autor,
“qualquer confronto puramente linguístico ou grupamento de quaisquer textos
abstrai forçosamente todas as relações dialógicas entre eles enquanto
enunciados integrais” (id., 2008, p. 209).
32
Nesse quadro, o discurso perpassa o indivíduo, ao refletir e refratar as
contradições ideológicas da sociedade. O discurso é, pois, um fragmento
material da realidade, visto que todo elemento ideológico apresenta um
significado que, por sua vez, direciona-se a algo localizado fora de si mesmo.
Nessa dinâmica dialógica, pela presença constante do outro no discurso,
entendemos que as manifestações discursivas se engendram e se entrelaçam
em uma rede de significados socialmente pré-concebidos ao evento
comunicativo e, paralelamente, geram uma multiplicidade de sentidos outros,
criadores em potencial, por seu turno, de novos discursos.
Car tout discours concret (énoncé) découvre toujours l'objet de son orientation comme déjà spécifié, contesté, évalué, emmitouflé, si l'on peut dire, d'une brume légère qui l'assombrit, ou, au contraire, éclairé par les paroles étrangères à son propos. Il est entortillé, pénétré par les idées génerales, les vues, les appréciations, les définitions d'autrui. Orienté sur son objet, il pénètre dans ce milieu de mots étrangers agité de dialogues et tendu de mots, de jugements, d'accents étrangers, se faufile dans leurs interactions compliquées, fusionne avec les uns, se détache des autres, se croise avec les troisièmes. Tout cela peut servir énormément à former le discours, à le décanter dans toutes ses couches sémantiques, à compliquer son expression, à refléchir toute son apparence stylistique
1 (BAKHTIN, 1978, p. 100).
Se a palavra é, portanto, saturada pela ideologia cotidiana, a
materialização da linguagem em enunciados, não se apresenta,
consequentemente, livre dessa teia de significação que engendra a linguagem
verbal. Muito longe disso, os enunciados estão tecidos na malha de
significados que norteiam o pensamento e as ações dos sujeitos – desde o
mais velado discurso interior até as mais complexas formas de interação com o
outro. São justamente os tipos de enunciados – os gêneros textuais – o tema
da próxima seção.
1 Porque todo discurso concreto (enunciado) sempre descobre o objeto de sua orientação como já
especificado, contestado, avaliado, envolto, caso assim se possa dizer, em uma leve bruma que o
obscurece, ou, ao contrário, que o esclarece, por meio das vozes alheias sobre o assunto. Ele é retorcido,
penetrado pelas ideias gerais, pelos pontos de vista, pelas apreciações, pelas definições de outrem.
Orientado sobre seu objeto, ele penetra no meio das palavras alheias, agitado por diálogos, pressionado
por palavras, julgamentos, ênfases de outrem, desliza entre essas interações complexas, funde-se a umas,
desprende-se de outras, atravessa as terceiras. Tudo isso pode servir enormemente para formar o discurso,
para decantá-lo em todos os seus estratos semânticos, para tornar sua expressão complexa, para refletir
toda a sua aparência estilística (tradução nossa).
33
3.2. Gênero textual: conceito e caracterização
Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem.
(BAKHTIN, 2003, p. 268)
Nosso propósito, nesta seção, é esboçar os principais matizes teóricos
que identificam o conceito de gênero textual. Partindo da linha bakhtiniana,
tomamos como fontes complementares de pesquisa as noções sobre tal
conceito desenvolvidas a partir da LT – principalmente –, da Análise Crítica do
Discurso de direcionamento norte-americano (ACD) e da Análise do Discurso
de linha francesa (AD).
Pelo traçado teórico escolhido para a elaboração deste trabalho, foi
nossa opção denominar os tipos de enunciado por gêneros textuais. Tomamos
essa decisão por entendermos que, em conformidade às perspectivas atuais
da LT (MARCUSCHI, 2008, 2009, 2010), os conceitos de texto e discurso
confluem para o valor de prática de linguagem. Sob tal viés de pesquisa,
entendemos que a discrepância entre as nomenclaturas de gênero textual e
gênero do discurso, para nosso estudo, mostra-se irrelevante, não obstante
respeitemos o posicionamento de alguns teóricos que defendem a
diferenciação mencionada (ROJO, 2005). Nesses termos, adotamos as
palavras de Marcuschi (2009, p. 154):
Não vamos discutir aqui se é mais pertinente a expressão ‘gênero textual’ ou a expressão ‘gênero discursivo’ ou ‘gênero do discurso’. Vamos adotar a posição de que todas essas expressões podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles momentos em que se pretende, de modo explícito e claro, identificar algum fenômeno específico.
A interação pela linguagem pressupõe a organização do discurso sob a
forma de enunciados, os quais se caracterizam funcional e estruturalmente a
partir de sua relação direta com as práticas sociais correntes em uma realidade.
Nesse sentido, toda nossa manifestação linguística está amalgamada,
34
entrelaçada às relações culturais, determinadas sob a ótica de uma ideologia,
localizada em um tempo e um espaço específicos que nos constituem como
sujeitos.
Assim, esses enunciados – nossas práticas de linguagem – são
marcados pelas relações entre as pessoas, histórica e socialmente constituídas,
e estão emaranhados em uma grande rede dialógica de significação, tecida ao
longo do tempo por uma comunidade. Esses tipos de enunciados recebem a
denominação de gêneros textuais.
A partir de tal direcionamento, podemos dizer que os gêneros textuais
– unidades “sócio-discursivas-enunciativas” (COSTA, 2012, p. 16) – são
identificados como tipos de enunciado, sob relativa estabilidade – um padrão
de uso da linguagem –, diretamente relacionados aos tipos de atividade
encontrados em um grupo social: o diálogo cotidiano, a notícia, a carta, o
provérbio, o romance, o poema, o artigo acadêmico etc. Em outras palavras, o
gênero é instituído como um acontecimento social pela interação, perpassado
por uma historicidade e adaptado às peculiaridades inscritas na situação
comunicativa.
Assim sendo, todos os nossos enunciados se baseiam em formas-padrão e relativamente estáveis de estruturação de um todo. Tais formas constituem os gêneros, ‘tipos relativamente estáveis de enunciados’, marcados sócio-historicamente, visto que estão diretamente relacionados às diferentes situações sociais. É cada uma dessas situações que determina, pois, um gênero, com características temáticas, composicionais e estilísticas próprias (KOCH, 2002, p. 54).
Dessa maneira, afirmamos que “o conceito de gênero, nesses termos,
pressupõe uma interconexão entre fatores textuais (da linguagem) e fatores
contextuais (das relações sociais envolvidas)” (MOTTA-ROTH, 2002, p. 78). A
recorrência de situações interativas similares em uma comunidade promove a
instauração e confirmação dos gêneros textuais como ações verbais típicas
pelo discurso.
Os gêneros são reflexos das práticas sociais nos mais variados
campos da atividade humana, portanto a diversidade de tipos de interação pela
35
linguagem nos direciona à multiplicidade de realizações apresentadas pelos
gêneros textuais. Essa constatação comprova que os gêneros são orientados
em virtude de seu aspecto funcional, ou seja, o gênero é, antes de tudo, um
instrumento de interação que auxilia a comunicação, ao materializar as práticas
de linguagem de um meio social. Como salienta Marcuschi (2010, p. 31),
“quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística
e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em
situações sociais particulares”.
Segundo a perspectiva bakhtiniana, a apreensão da língua se realiza,
impreterivelmente, por intermédio dos gêneros textuais – são eles que inserem
o homem na rede de sentidos que irão orientar sua percepção acerca da
realidade. Sob tal prisma, os gêneros são apresentados como instrumentos
verbais de socialização, ao permearem as relações entre sujeitos e discurso,
na construção do significado.
[...] A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). [...] Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível (BAKHTIN, 2003, p. 283).
A investigação dos gêneros textuais é, pois, caracterizada como porta
de entrada para o desenvolvimento de qualquer estudo linguístico, uma vez
que a língua, constructo sócio-histórico, realiza-se somente por meio desses
enunciados concretos. Assim, é pelos gêneros que as unidades linguísticas se
concretizam e permeiam os fenômenos da língua. Sob tal parâmetro, as
análises linguísticas despreocupadas com a realidade do enunciado estão
condenadas a inscreverem-se “em formalismo e em uma abstração exagerada,
36
deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com
a vida” (ibid., p. 265).
O conceito de gênero textual nos conduz ao que Bakhtin (2003)
denominou por esferas de atuação humana e Marcuschi (2009) chama de
domínios discursivos. Essas esferas de interação são caracterizadas como
instâncias sociodiscursivas, que estimulam e norteiam a produção e a
circulação de gêneros textuais, em função da similitude contextual entre eles.
Em outros termos, os domínios discursivos são recortes socialmente
delineados no universo das práticas de linguagem, sob os quais os gêneros
textuais são elaborados. Os domínios marcam os gêneros institucionalmente e
revelam, muitas vezes, as relações de poder que norteiam a interação.
Marcuschi (ibid., p. 194-196) nos apresenta um quadro em que cita
uma grande variedade de gêneros textuais, distribuídos entre os seguintes
domínios discursivos: instrucional (que engloba o científico, o acadêmico e
educacional), jornalístico, religioso, saúde, comercial, industrial, jurídico,
publicitário, lazer, interpessoal, militar e ficcional. Esse quadro será um
elemento norteador para sinalizarmos quais os domínios discursivos e gêneros
textuais são mais recorrentes em nosso corpus2.
Assim, a organização discursiva de um gênero textual é influenciada
por seu domínio discursivo e pela situação comunicativa. Essa influência se
apresenta por meio dos fatores constitutivos do gênero, que, entre outros
aspectos, delineiam a materialização do texto em virtude da intenção
enunciativa, da imagem do destinatário, das estratégias de construção
discursiva e da seleção e organização dos elementos constitutivos do gênero: o
tema, a composição e o estilo (BAKHTIN, 2003).
Podemos afirmar que todo gênero se desenvolve a partir de uma
diretriz temática, identificada como o conteúdo, a finalidade discursiva sob a
qual o gênero textual se apresenta. Ressaltamos que, segundo os moldes
bakhtinianos, o tema não é necessariamente o assunto abordado pelo texto;
em verdade, ele engloba diferentes atribuições de sentido sobre um objeto
2 Cf. subseção 5.2.3.
37
transformado em realidade pela enunciação, a partir de uma percepção
ideologicamente constituída sobre o mundo.
O tema se revela, assim, em função de nossa “vontade discursiva”
(BAKHTIN, 2003, p. 282); por isso, ele é o elemento determinante na seleção
do gênero pelo enunciador, uma vez que, pelo tema, conseguimos deixar
pistas ao nosso destinatário a respeito de nossas intenções discursivas. É
justamente em virtude do tema de um gênero textual que podemos mensurar o
valor de “conclusibilidade” do enunciado e direcionarmos a ele nossa
compreensão e resposta. Dessa maneira,
O objeto é objetivamente inexaurível, mas ao se tornar tema do enunciado (por exemplo, de um trabalho científico), ele ganha uma relativa conclusibilidade em determinadas condições, em certa situação do problema, em um dado material, em determinados objetivos colocados pelo autor, isto é, já no âmbito de uma ideia definida de autor (BAKHTIN, 2003, p. 282. Grifo do autor).
O tema é responsável pelo alcance dos sentidos que se inscrevem no
gênero textual; em outros termos, podemos dizer que ele é o elemento pelo
qual o gênero se apresenta como uma tipificação de uma realidade –
construída ideologicamente – por meio da linguagem. O tema refrata, por
conseguinte, uma percepção sobre o mundo, que acaba por caracterizar o
próprio gênero textual.
De forma simplificada, podemos imaginar o tema como o significado
preenchido e atualizado pelos fatores axiológicos que orientam a enunciação:
ele é a comprovação da impossibilidade de o enunciado se mostrar de modo
neutro. O gênero textual, sob as coerções de seu domínio discursivo, acaba
por estabilizar os valores impressos em seu tema, desenvolvendo seu caráter
textual de conclusibilidade e abrindo espaço para a compreensão responsiva
por parte do destinatário.
Os domínios discursivos estabelecem quais são os recortes possíveis
sobre a realidade que o tema deve apresentar, indicando o gênero textual mais
adequado a cada situação comunicativa. Ao mesmo tempo em que o tema é
diretamente relacionado à seleção do gênero, ele está sujeito a ser reorientado
em função das peculiaridades da situação comunicativa – para Bakhtin, o tema
38
também encarna a própria situação que promove o enunciado, o que, de certo
modo, confere a esse componente genérico um caráter único e não reiterável a
cada enunciação. Dessa forma, o tema de um gênero é desenvolvido a partir
da configuração entre elementos verbais e não verbais, esses últimos
interferindo de modo decisivo na significação do texto.
A composição, por sua vez, engloba a forma, a materialidade do
enunciado – os recursos textuais em si. Como o tema, a estrutura
composicional é delineada pelo domínio discursivo em que o gênero textual é
configurado. Assim, ao investigarmos a construção composicional de um
gênero, devemos considerar a esfera discursiva de produção, uma vez que a
composição reflete a dinâmica de interação circunscrita ao domínio discursivo.
Ainda que receba forte influência do respectivo domínio discursivo de
seu gênero textual, devemos ter em mente que a organização composicional é
um elemento maleável, cuja plasticidade pode ser reconfigurada pelo quadro
peculiar de cada situação comunicativa. Nesse ponto, podemos dizer que a
noção de composição passa a ser compreendida como uma instância de
criação e acabamento do discurso – o texto é visto, pois, como uma espécie de
objeto estético (MACHADO, 2008).
É pela composição que conseguimos perceber o gênero em suas
partes (como se inicia, desenvolve-se e se conclui determinado tipo de
enunciado). Ela é a tessitura do discurso, o fio que unifica as sequências do
texto e nos permite identificá-lo como um todo, orientando-nos para o caráter
responsivo da enunciação, uma vez que o acabamento formal nos direciona à
compreensão responsiva.
Ressalta-se que o início e o fim pressupõem o outro, seja a partir dos enunciados precedentes, seja dos enunciados futuros (compreensão ativa). Por isso, a construção composicional, considerando o enunciado como a unidade real de comunicação, é fundamental para se apreender a alternância dos sujeitos do discurso. Por conseguinte, o acabamento somente pode ser compreendido como a formalização da passagem da palavra (enunciado) ao outro, uma vez que organicamente todo enunciado é dialógico, inacabado e inconcluso. Isso porque o enunciado existe na inter-relação com outros enunciados, advindos de diferentes direções, que não permitem uma conclusão definitiva (FLORES et al, 2009, p. 67-68).
39
Entre outros aspectos, a construção composicional de um gênero é
revelada pela divisão do texto em seus segmentos (título, parágrafos, tópicos,
versos, estrofes etc.), pela organização e articulação das informações, pelos
mecanismos de referenciação e pela disposição dos elementos gráficos.
Também são englobados pela composição a escolha e o arranjo das
sequências textuais adequadas para a estruturação do discurso.
Koch e Elias (2006, p. 110) mencionam que o autor, ao selecionar os
elementos composicionais de seu texto, não pode desconsiderar o caráter
estável do gênero textual abordado e negligenciar a influência do domínio
discursivo sobre o enunciado. As autoras ressaltam, porém, que o autor não
está irrevogavelmente submetido a essa regulação, pois a situação enunciativa
abre espaço para a flexibilidade do discurso. Em verdade, podemos dizer que o
gênero nos concede uma espécie de liberdade discursiva vigiada, fazendo com
que a palavra seja arena para o enfrentamento e a confluência entre o “eu” e o
“outro”, entre o individual e o social.
O estilo, por seu turno, engloba os elementos linguísticos stricto sensu
(recursos lexicais e gramaticais) e inscreve a relação entre os parceiros
comunicativos no enunciado. Podemos compreender o estilo como “expressão
individual que se constrói a partir de uma orientação social de caráter
apreciativo” (FLORES et al, 2009, p. 114). O traço estilístico de um gênero
textual traça as nuanças de sentido dos elementos linguísticos sob um
acabamento estético; em outras palavras, o estilo é a “totalidade do gênero que
ecoa na palavra” (BAKHTIN, 2003, p. 293).
Entendemos que o gênero textual traz consigo uma expressividade
típica, influenciada pela esfera de circulação que o difunde (FIORIN, 2006). Por
outro lado, percebemos que as circunstâncias de interação deixam suas
marcas no nível da expressão do discurso, atualizando o gênero frente ao
quadro em que se desenvolve a comunicação. Isso quer dizer que, pelo estilo,
a língua se repete e se reconstrói, pela consolidação e reformulação dos
significados inscritos na dinâmica do discurso. Em resumo, podemos dizer que
o estilo, aliado à composição, manifesta a expressividade de um eu refletido no
outro, ambos os sujeitos circunscritos por um tempo-espaço peculiar.
40
O gênero nos induz, assim, a desenvolver o estilo de uma determinada
maneira, o que não nos impede a adaptá-lo às especificidades de cada
situação comunicativa. Nessas condições, podemos dizer que o estilo revela-
nos sua complexidade pelo fato de ser constituído pela união complexa entre
as marcas do que é coletivo e do que é individual na língua como instrumento
de interação entre sujeitos.
Para Bakhtin (2003, p. 269), “a própria escolha de uma determinada
forma gramatical pelo falante é um ato estilístico”. Se o Dialogismo reflete a
presença do outro na identidade do indivíduo, a noção de estilo assume o
princípio da alteridade como justificativa para o discurso. Desse modo, ao
planejarmos nosso texto, temos sempre em mente seu destinatário, imagem
essa que acaba por se refletir em nosso próprio discurso, pela seleção das
marcas linguísticas.
Como a gênese da linguagem é de cunho social, o estilo de um gênero
não reflete apenas a voz de seu enunciador; ele revela a polifonia do discurso,
pela multiplicidade de vozes que permeiam o ato enunciativo. Sob tal
perspectiva, nossa identidade impressa em nossos textos reflete o outro –
entendido tanto como nosso interlocutor como a pluralidade de discursos
entranhados pela ideologia em cada enunciado. Entendemos, pois, que
O estilo é de natureza social, porque a atividade mental do falante se constitui em território social. A singularidade que se materializa no estilo é, então, decorrente da confluência das inúmeras vozes que participam da constituição da consciência individual. Pode-se dizer que a noção bakhtiniana de estilo contribui para eliminar a falsa dicotomia indivíduo e sociedade (FLORES et al, 2009, p. 115).
A seleção e organização dos elementos linguísticos bem como a
disposição discursiva dos parceiros da comunicação são capazes de revelar a
perspectiva ideológica do texto. Sob tal viés, o estilo nos indica os valores
axiológicos inscritos na enunciação. É importante salientarmos que esses valores,
a cada interação, a cada nova leitura, estão sujeitos a serem remodelados pelo
outro, que carrega consigo suas crenças próprias; como nos alerta Fiorin (2008, p.
96), “o estilo toma forma na interação entre produção e interpretação, ou seja,
41
numa práxis enunciativa”. É, justamente, nesse jogo de desconstrução e
reconstrução do dizer que reside a significação de acordo com o Dialogismo.
Sob as reflexões bakhtinianas, o estilo não se atrela prioritariamente às
marcas individuais ou a vocábulos e expressões valorativas de um sistema
abstrato. Os aspectos estilísticos revelam-se como as figurações linguísticas
que identificam uma pluralidade de textos sob um mesmo gênero textual, sob a
dinâmica dos valores socialmente vivenciados. Nas palavras do autor, “no
gênero, a palavra ganha certa expressão típica”. (BAKHTIN, 2003, p. 293).
Podemos afirmar, dessa maneira, que é na dinamicidade da realidade social
que o estilo encontra sua justificativa.
O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de especial importância – de determinadas unidades composicionais: de determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos da relação do falante com outros participantes da comunicação discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro etc. O estilo integra a unidade de gênero do enunciado com seu elemento (ibid., p. 266).
Brait (2005, p. 89) nos lembra que, para Bakhtin, assim como a
composição, o estilo de um gênero se relaciona de modo intrínseco à sua
respectiva esfera de circulação, isto é, ao domínio discursivo em que o gênero
em foco se realiza como instrumento de interação verbal. Há domínios
discursivos – o ficcional e o publicitário, por exemplo – em que a marca
individual é mais acentuada no estilo. Em outros domínios, por sua vez – como
o religioso e o jurídico – não é comum haver manifestações da subjetividade na
configuração estilística.
As esferas de atuação humana imprimem sua dinâmica no estilo dos
gêneros textuais. Assim, textos sob o domínio discursivo jornalístico
(reportagem, notícia, entrevista etc.), por exemplo, apresentam determinadas
características semelhantes de estilo que nos permitem reuni-los em um
mesmo conjunto. Mais uma vez, percebemos a importância das relações
sociais na materialização da linguagem como processo e produto de interação.
A imagem de um destinatário discursivo é fator importante no
desenvolvimento da composição e do estilo em um gênero textual, isso porque
cada gênero pressupõe traços típicos para a imagem de um interlocutor. Essa
42
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imagem do outro no enunciado delineia o direcionamento, o “endereçamento”
(BAKHTIN, 2003, p. 301) discursivo. O perfil do destinatário, desse modo,
exerce papel ativo no processo de estruturação linguístico-textual de um
gênero, uma vez que, “ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de
maneira ativa; por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável
exerce, por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado” (ibid., p. 302).
Apresentamos, no esquema 1, um resumo das principais
características dessas três dimensões constitutivas do gênero. Nosso objetivo
não é, de modo algum, abordar esses aspectos a partir de uma tricotomia.
Longe disso, buscamos demonstrar como esses elementos se integram na
realização dos gêneros textuais. No esquema, tentamos delinear como esses
três constituintes genéricos são complementares, todos eles sujeitos a duas
forças que interferem na realização discursiva: a cultura (força centrípeta) e a
situação comunicativa (força centrífuga).
TEMA, COMPOSIÇÃO E ESTILO: ASPECTOS GERAIS
Esquema 1. Dimensões constitutivas dos gêneros.
Retomando os gêneros textuais em sua totalidade, como tipos de
enunciado, lembramos que Bakhtin (2003) organiza os gêneros em primários
•Materialidade do enunciado (recursos textuais). •Instância de criação e acabamento do discurso. •Organização do texto em seus segmentos. •Identificação do gênero em sua totalidade material.
•Conteúdo do gênero. •Objeto transformado em realidade pela enunciação. •Vontade discursiva. •Indicador da “conclusibilidade” do enunciado.
•Elementos linguísticos stricto sensu. •Relação comunicativa entre os parceiros do enunciado. •Dimensão axiológica da palavra. •União entre marcas coletivas e individuais na palavra situada.
43
(simples) e secundários (complexos). Devemos esclarecer que, para o autor,
essa diferenciação não se enquadra sob uma polaridade estanque, mas sim
segundo a funcionalidade dos gêneros, isto é, sob a organização e
complexidade das relações sociais que os promove.
Podemos caracterizar os gêneros textuais simples como produtos da
interação imediata, relacionados à nossa vida cotidiana. Ao ser abordado em
situações comunicativas de caráter de maior intelectualidade, um gênero
primário absorve os traços do domínio discursivo que orienta sua
materialização (jornalístico, religioso, ficcional etc.) e é, assim, transformado
em um gênero secundário.
De acordo com Dolz e Schneuwly (2010), podemos delinear os
gêneros simples a partir de três perspectivas. A primeira refere-se à interação
direta e controle mútuo sobre a situação comunicativa entre os interlocutores
no processamento de um gênero primário. Em consequência, surge a segunda
dimensão, que diz respeito à capacidade de um gênero simples funcionar, por
si mesmo, como unidade global de controle do processo interativo. Por fim, o
terceiro matiz caracterizador do gênero primário é a escassez – ou até mesmo
a ausência – de controle metalinguístico sobre a enunciação.
Os gêneros secundários, por sua vez, são menos dependentes de um
contexto de produção imediato, fator que gera a necessidade de outros
mecanismos de controle sobre o enunciado, relacionados diretamente ao
gênero produzido (formatação, suporte, acréscimo de informações etc.). Como
não podem nos levar diretamente à situação imediata, os gêneros complexos
apresentam o contexto linguístico melhor delineado, sob coerência interna mais
explícita e coesão mais trabalhada.
Desenvolvidos principalmente sob a modalidade escrita da língua, os
gêneros complexos são, para Bakhtin (2003), reconfigurações dos gêneros
textuais simples, ao serem esses últimos remodelados em virtude de práticas
culturais de maior elaboração. Identificar os aspectos de transformação por
adaptação nos gêneros secundários relativiza o valor de originalidade
apresentado por um suposto novo gênero. Podemos, então, afirmar que todo
gênero – por mais inovador que se revele – somente pode constituir-se como
44
tal ao ser perpassado por uma historicidade e ao estar fundamentado na
organização discursiva de outros gêneros. Assim, esta inter-relação entre
gêneros simples complexos e o processo de formação histórica desses últimos
“lançam luz sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o complexo
problema da relação entre linguagem e ideologia)" (BAKHTIN, 2003, p. 264).
Seguindo a diretriz bakhtiniana, entendemos os gêneros como
unidades abertas de cultura, por organizarem uma rede discursiva sempre em
expansão, ao serem redimensionados conforme o fluxo ideológico orientador
da interação humana – são, concomitantemente, o elo entre passado e futuro,
o traço conservador e criativo que marca o dinamismo da língua. Nesse sentido,
Os gêneros, assim entendidos, tornam-se unidades estéticas e culturais, sem vinculação mecânica com o tempo presente [...] o gênero vive do presente, mas recorda seu passado, seu começo. [...]. Os gêneros discursivos criam verdadeiras cadeias que, por reportarem-se a um grande tempo, acompanham a variabilidade de usos da língua num determinado tempo (MACHADO, 2008, p. 146-147).
Para a Linguística de Texto, a flexibilidade e a transformação dos
gêneros textuais identificam-se ao que Marcuschi (2009, p. 164) denomina por
intergenericidade – confluência de gêneros diversos para a formação de um
novo gênero. O intergênero realiza-se sob a função social de um gênero base,
apresentando figurações composicionais e estilísticas de outro padrão genérico.
É válido comentar que essa hibridização genérica é, em verdade, relativamente
fecunda. Tal fenômeno é mais recorrente nas esferas de atividade humana em
que a intervenção individual na constituição do gênero é entendida como uma
subversão criativa – por exemplo, na publicidade e na literatura.
A ideia de que os gêneros são determinados por traços recorrentes das
atividades de interação não é, de modo algum, a defesa de serem estruturas
inflexíveis e estagnadas. Ao contrário, os gêneros textuais são modelos de
enunciado que se adaptam às necessidades dos interlocutores frente às
características de cada interação. Em outras palavras, os gêneros são padrões
sociodiscursivos maleáveis, assinalados pela marca da variação, por
consequência das especificidades situacionais e da manifestação individual
45
pela linguagem. Apresentam-se, dessa maneira, “como entidades dinâmicas,
cujos limites e demarcação se tornam fluidos” (MARCUSCHI, 2009, p. 151,
grifo do autor).
A flexibilidade de um gênero pode ser relacionada ao dinamismo de
sua circulação social como padrão enunciativo. Quanto maior a circulação de
um gênero textual, mais ele tende a ser suscetível a mudanças, justamente por
sua relação estrita com as práticas sociais que o sustentam. Investigar a
circulação de um gênero é, de certa forma, delinear a própria organização e as
relações de poder de uma sociedade.
Koch (2002a, p. 53) relaciona a concretização do discurso por meio dos
gêneros textuais à competência sociocomunicativa dos interlocutores.
Resumidamente, podemos dizer que tal competência é identificada como o
elemento responsável pela capacidade de nós – falantes/ autores e ouvintes/
leitores – reconhecermos o que é apropriado ou não a cada situação social,
bem como diferenciarmos as particularidades funcionais dos variados gêneros
textuais com que nos deparamos. A autora, nesse ponto, aproxima a noção de
interlocutor ao que Bronckart (2006, 2008) denomina como agente discursivo,
por atribuir o senso de responsabilidade sobre o discurso aos sujeitos da ação
comunicativa.
Seguindo a perspectiva teórica da Análise Crítica do Discurso, Pinheiro
(2002) relaciona o conceito bakhtiniano de gênero textual à noção hallidayana
de linguagem, pela semelhante relevância da dimensão social nessas duas
abordagens teóricas. Na visão da autora, Halliday identifica a linguagem como
“um sistema sociossemiótico que relaciona vários sistemas de significação
constituintes da cultura humana, na produção de sentidos, materializando-se
no texto” (ibid., p, 262).
O dinamismo social, para Pinheiro, tem o poder de transformar tanto as
formas de relações humanas como as maneiras de representar a realidade –
inclusive a língua. Nessa diretriz, defender que o comportamento humano e as
mudanças sociais interferem de maneira incisiva na percepção do homem
sobre o mundo é justificar, de modo adequado, a maleabilidade estrutural
potencialmente intrínseca aos gêneros textuais.
46
Segundo Swales (apud BIASI-RODRIGUES; HEMAIS; ARAÚJO, 2009),
o conhecimento acerca dos gêneros textuais que circulam em uma comunidade
é fator decisivo para que seus membros alcancem suas finalidades por meio de
ações pela linguagem. Para esse autor, o conceito de gênero textual está
relacionado à noção de classe, categoria. Um gênero é, desse modo, uma
categoria em que se enquadram textos sob certas características semelhantes.
De acordo com Swales, todo texto se realiza sob a força motivadora de
um propósito comunicativo. Aliado a esse propósito, uma razão subjacente
monitora a manifestação discursiva. Nessa dinâmica, o texto é reconhecido
como exemplar de um determinado gênero textual em virtude de seus
elementos prototípicos. Nesses termos,
O propósito comunicativo é o critério privilegiado que faz com que o escopo do gênero se mantenha relacionado estreitamente com uma determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo (ibid., p. 22).
Bazerman (2005) percebe o gênero como uma tipificação de ações
pela linguagem verbal em uma determinada comunidade. Para o autor, um
gênero é definido como um fato social, pois caracteriza uma realidade tida
socialmente como verdadeira, “na medida em que as pessoas o tomam como
real e na medida em que essa realidade sócio-psicológica influi na sua
compreensão e no seu comportamento, dentro da situação como elas a
percebem” (ibid., p. 50).
Os gêneros textuais, fenômenos de reconhecimento psicossocial, são
capazes de orientar os sujeitos a novas ações, uma vez que a tipificação atribui
“uma forma e um significado às circunstâncias e direciona os tipos de ação que
acontecerão” (BAZERMAN, 2005, p. 29). Em outros termos, os gêneros são
identificados como elementos prospectivos do discurso, ao lançarem pistas
sobre a significação textual e trazerem consigo orientações para possíveis
ações pela linguagem verbal. Sob tal característica, podemos delinear o gênero
47
como uma espécie de “macrossigno” (NASCIMENTO, 2008, p. 23), haja vista o
emprego de formas padronizadas de enunciado nos auxiliar na identificação do
sentido global do texto.
Os gêneros textuais, para Bazerman (2005), estão socialmente
distribuídos em agregados de enunciados. Nesse quadro, surgem os conceitos
de conjunto de gêneros e sistema de gêneros. Entende-se por conjunto de
gêneros a série de tipos de enunciado que um sujeito, sob uma determinada
função social, tende a realizar. Denomina-se sistema de gêneros a série de
relações estabelecidas entre padrões de enunciado em um determinado grupo
social que interage diretamente. Como exemplos, podemos mencionar que
está organizado sob a diretriz de um sistema de gêneros o conjunto de textos
produzidos por professor e alunos ao longo de um período letivo, bem como os
textos abordados por esses sujeitos, sob o objetivo global de aperfeiçoamento
da competência comunicativa discente. Assim,
[...] um sistema de gêneros compreende os diversos conjuntos de gêneros utilizados por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada, e também as relações padronizadas que se estabelecem na produção, circulação e uso desses documentos. Um sistema de gêneros captura as sequências regulares com que um gênero segue um outro gênero, dentro de um fluxo comunicativo típico de um grupo de pessoas (ibid., p. 32).
Bronckart (2008), ampliando o viés teórico do interacionismo social de
Vygotsky, também identifica os gêneros como manifestações do agir humano,
centrados na dinâmica social e na historicidade, defendendo que a própria
linguagem é definida como uma atividade. Dessa forma, “a linguagem só existe
em práticas, e essas práticas, ou jogos de linguagem, são heterogêneas,
diversas e estão em permanente transformação” (BRONCKART, 2008, p. 16).
Tal percepção sobre a língua é capaz de nos explicar o caráter flexível dos
gêneros textuais, uma vez que eles se apresentam sob correlação às formas
pelas quais o agir humano se revela, influenciando diretamente o processo de
cognição do indivíduo como ser consciente.
A maleabilidade de um gênero textual, conforme as reflexões de
Bronckart (2006), pode levá-lo a desvincular-se de sua prática social
48
motivadora primeira, tornando-se autônomo e, assim, disponível a outros
modos de interação social. Nesse ponto, o autor adjetiva como problemática a
análise que tende a amalgamar exclusivamente um gênero a uma prática social
específica, bem como a impossibilidade do estabelecimento de uma
classificação estável acerca das formações genéricas (ibid., p. 144).
Diante da multiplicidade de gêneros textuais encontrados em uma
determinada comunidade, é possível, ainda, delinearmos uma espécie de
continuum comparativo acerca das possibilidades de variação formal. Essa
linha se inicia nos gêneros textuais cujas estruturas se apresentam
notadamente sob maior estabilidade estrutural e alcança aqueles cuja
funcionalidade permite uma maior interferência em sua organização textual
(LAURINDO, 2007). Como exemplos de gêneros situados nos extremos
desse continuum, poderíamos mencionar os formulários burocráticos e os
anúncios publicitários. No entanto, como nos lembra Nascimento (2008, p. 24):
Essa recriação da estrutura discursiva do gênero, todavia, não acontece de forma desobediente, de todo o modo, à formação genérica primeira, pois é necessária a manutenção de uma regularidade estrutural mínima, para que seja possível identificar o modelo discursivo original e, assim, realizar-se a intencionalidade da ação comunicativa. A liberdade de variação estrutural dos gêneros textuais parece estar relacionada à utilização em sociedade e à orientação persuasiva desses padrões de ação verbal.
A defesa de que os gêneros textuais são modelos flexíveis, por se
fundamentarem na interação entre sujeitos sócio e historicamente identificados,
não é, de modo algum, preterir a afirmação de que o gênero apresente uma
forma, uma corporeidade discursivo-linguística recorrente que o caracterize.
Em verdade, a estrutura linguística, muitas vezes, está associada de tal modo a
um determinado gênero textual, que acaba por lhe conferir uma plasticidade
própria, de tal forma arraigada ao padrão genérico, que essa relação passa a
ser apreendida como intrínseca, espontânea e indissolúvel pelos interlocutores.
Como exemplos, citam-se as bulas de remédio e as receitas culinárias,
notadamente marcadas por sequências descritivas e instrucionais.
Último aspecto a ser comentado é o fato de os gêneros serem
atividades sociais submetidas a critérios de êxito. Entre os critérios necessários
49
para a realização de um texto, por meio de um gênero, estão uma finalidade
discursiva a ser legitimada, um contrato entre os interlocutores que os
reconheça como capacitados a participar da ação linguageira, um suporte
material que corporifique o texto em objeto sensível e uma organização textual
que estruture o sistema linguístico conforme as peculiaridades comunicativas
da situação linguageira (BARROS, 2002, p. 203).
Os gêneros textuais, “formas de legitimação discursiva” (MARCUSCHI,
2009, 154), orientam realização comunicativa individual, ao delinearem o
universo de estratégias comunicativas à nossa disposição para construir um
texto. Nesse aspecto, podemos afirmar que os gêneros se mostram sob a
dupla característica de orientação e coerção social.
A faceta coercitiva dos gêneros revela-os, segundo Marcuschi (2009, p.
151-153), como um sistema de controle social e exercício de poder. Nesse
sentido, os gêneros textuais podem ser interpretados como construtos sociais,
estabelecidos em um tempo-espaço que os legitima: “os gêneros são rotinas
sociais de nosso dia-a-dia” (MARCUSCHI, 2008, p. 16). Em outras palavras, os
gêneros são ações que relacionam homem, língua e discurso, de acordo com
as verdades de um grupo social, na rede simbólica que dimensiona e ampara
crenças e valores.
3.3. Gêneros textuais e ensino de língua materna
[...] a aprendizagem que conduz à interiorização das significações de uma prática social implica levar em conta as características dessa prática e as aptidões e as capacidades iniciais do aprendiz.
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p. 62).
A relevância do gênero textual como prática de linguagem despertou
interesse por esse conceito sob um enfoque educativo, especificamente a partir
de sua caracterização como instrumento de ensino em língua materna. Nessas
condições, passamos a perceber os gêneros como ferramentas do e pelo
discurso, capazes de aprimorar a competência comunicativa dos alunos, uma
vez que o estudo sistematizado dessas unidades comunicativas promove a
50
reflexão acerca dos fatos da língua sob um matiz social, sempre de modo
atrelado à dinâmica das atividades de interação em uma cultura.
Em outros termos, os gêneros textuais funcionam como evidências,
como sinalizadores da intenção enunciativa e auxiliam na contextualização do
discurso; sob tal característica, eles podem ser compreendidos como
referências e restrições sociocomunicativas, a orientar a prática pedagógica,
isto é, como elementos intermediários ao processo de aprendizagem em língua
materna, seja na aquisição e desenvolvimento da leitura, seja na produção
textual oral e escrita.
Essa percepção faz com que nossa prática didática transcenda a aula
de gramática ou a inserção do texto em sala de aula de modo
descontextualizado. Nosso trabalho pedagógico com os gêneros textuais
confirma a integração entre sujeito, língua e realidade, promovendo a
construção da cidadania, justamente por possibilitar ao educando expandir o
leque de instrumentos de interação que lhe garantam uma participação
realmente ativa em sociedade.
Para Marcuschi (2008, p. 17), ensinar a instrumentalização de um
gênero textual é conduzir o aluno à percepção de que o gênero extrapola a
produção ou decodificação do texto e se identifica como uma forma de atuação
sociodiscursiva em uma dada cultura. Frente a isso, defendemos que o ensino
dos gêneros deve, principalmente, englobar seu alcance como práticas de
interação (função social e circulação) e, em consequência, sua dimensão
linguístico-textual.
Com efeito, quando nos indagamos a respeito dos limites da aula de língua, ou da inserção da aula de língua na vida diária, estamos nos indagando sobre o papel da linguagem e da cultura. Nessa visão, é possível dizer que a aula de língua materna é um tipo de ação que transcende o aspecto meramente interno ao sistema da língua e vai além da atividade comunicativa e informacional. O meio em que o ser humano vive e no qual ele se acha imerso é muito maior que seu ambiente físico e seu contorno imediato, já que está envolto também por sua história, sua sociedade e seus discursos. A vivência cultural humana está sempre envolta em linguagem e todos os textos situam-se nessas vivências estabilizadas simbolicamente. Isto é um convite claro para o ensino situado em contextos reais da vida cotidiana. (MARCUSCHI, 2009, p. 173 – grifo do autor).
51
Frente à multiplicidade de gêneros textuais que se apresenta, um dos
questionamentos dos professores de língua materna refere-se aos critérios que
devem guiar a seleção dos gêneros textuais a serem trabalhados em sala de
aula. A resposta mais adequada nos parece extrapolar a indagação de quais
devem ser os gêneros abordados e se encaminha, justamente, para a seguinte
questão: de que maneira devemos desenvolver a abordagem dos gêneros
textuais sob uma percepção didática? Em outros termos, nossa maior
preocupação como docentes, no trabalho com gêneros, deve ser que o
processo de ensino tenha o compromisso de desenvolver capacidades de
linguagem que se estendam a outras práticas de interação verbal, fazendo com
que nossos alunos tenham autonomia e flexibilidade em variadas situações
comunicativas.
Marcuschi (2009, p. 207) ressalta que não há uma lista ideal de
gêneros a ser abordada pelo ensino, mas comenta ser possível estabelecer
uma gradação de dificuldades a serem trabalhadas, passando, por exemplo,
pelo registro menos formal ao mais formal, dos gêneros privados aos públicos.
Nesse ponto, o linguista aponta os estudos desenvolvidos por Dolz e
Schneuwly como um caminho possível para o ensino de língua materna por
meio dos gêneros textuais.
Dolz e Schneuwly (2010) defendem a ideia de que o gênero textual se
apresenta como um megainstrumento mediador entre homem e cultura, como
um objeto simbólico por meio do qual os sujeitos interferem na realidade,
inscrito social e historicamente em uma determinada situação interativa. Os
gêneros são, pois, elementos mediadores plurifuncionais, uma vez que são
apropriados pelo indivíduo que os emprega e, ao mesmo tempo, inscrevem as
ações possíveis em um contexto de comunicação, controlando e orientando a
performance enunciativa.
Para Dolz e Schneuwly, a inserção da criança na educação escolar
desencadeia importante transformação no sistema de produção de linguagem.
Segundo os autores, é a partir desse momento que todo o sistema de gêneros
textuais primários é reconfigurado, ao receber novas dimensões simbólicas e,
assim, passando a estruturar o sistema de gêneros secundários,
52
concomitantemente através de ruptura e continuidade dos antigos esquemas
de prática de linguagem. Assim,
[...] o antigo instrumento, pelo seu novo uso, reveste-se de novas significações, ao mesmo tempo em que se constroem outros instrumentos para essa nova função, outros meios linguísticos que diferenciam ainda mais essa função de mudança de perspectiva textual. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 30).
Frente à constatação do papel crucial da escola na aquisição desses
instrumentos complexos de interação verbal, deparamo-nos com a
necessidade de estabelecer as diretrizes para o desenvolvimento satisfatório
do processo de apropriação desse novo sistema de práticas de linguagem.
Dolz e Schneuwly sugerem que o currículo escolar para o ensino dos gêneros
textuais em língua materna seja estruturado “em espiral”, de modo a garantir
que a realização de tal processo aconteça de maneira progressiva, ao longo de
todo o período de escolarização.
A fim de que o processo de ensino-aprendizagem tenha êxito,
precisamos traçar a progressão curricular sob três fatores. Primeiramente,
devemos observar as peculiaridades de cada prática de linguagem abordada
como objeto de ensino. O segundo fator a considerarmos é a adequação dos
conteúdos a serem trabalhados à capacidade sociodiscursiva de linguagem de
nossos alunos. Por fim, é necessário, ainda, que desenvolvamos estratégias de
trabalho que promovam a apropriação dos gêneros textuais abordados
realmente como práticas de linguagem.
Observadas tais condições, Dolz e Schneuwly sugerem que a
diversidade de gêneros a ser trabalhada pela escola seja organizada sob a
forma de agrupamentos. Tal organização é realizada a partir da observação de
três critérios estruturadores para o desenvolvimento do ensino sob a forma de
apropriação progressiva de conhecimentos. Em primeiro lugar, é necessário
que os gêneros sob um mesmo agrupamento remetam às expectativas da
sociedade acerca do ensino, no que se refere ao aprimoramento da expressão
oral e aquisição da escrita pelos alunos. O segundo aspecto a ser considerado
é que os padrões genéricos agrupados apresentem certas semelhanças
53
tipológicas – ainda que essas sejam abordadas de modo flexível. O terceiro
critério a ser observado é que os gêneros constituintes de um agrupamento
devem apresentar relativa homogeneidade em relação às capacidades de
linguagem predominantes. Nas palavras dos autores,
Os agrupamentos assim definidos não são estanques uns com relação aos outros; não é possível classificar cada gênero de maneira absoluta em um dos agrupamentos propostos; no máximo, seria possível determinar certos gêneros que seriam os protótipos para cada agrupamento e, assim, talvez particularmente indicados para um trabalho didático. Trata-se, mais prosaicamente, de dispor de um instrumento suficientemente fundado teoricamente para resolver provisoriamente problemas práticos [...]. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 50).
Os agrupamentos de gêneros textuais não são conjuntos estanques.
Muito longe disso, eles devem ser entendidos como uma estratégia maleável
de ensino, desenvolvida sob a preocupação de proporcionarmos ao aluno
variadas vivências práticas de registro pela linguagem verbal. A maleabilidade
dos agrupamentos é constatada pelo fato de esses grandes conjuntos poderem
ser reorganizados em função das prioridades a serem trabalhadas pelo
professor, o que Dolz e Schneuwly denominam por “transagrupamentos” (ibid.,
p. 53). Sempre ressaltando a importância da adaptação docente a cada
realidade de ensino, os autores sugerem cinco agrupamentos de gêneros
textuais, a serem trabalhados ao longo do processo de escolarização: narrar,
relatar, argumentar, expor e instruir.
Para os autores, o primeiro agrupamento, narrar, se organiza sob o
domínio social da cultura literária ficcional e seus gêneros textuais se
apresentam pela capacidade de linguagem dominante de mimese da ação sob
a perspectiva do verossímil. Encontramos nesse grupo, por exemplo, a piada, o
conto, o romance, a narrativa de ficção, a fábula e a lenda.
O segundo agrupamento, relatar, é caracterizado pelo domínio social
da documentação e memorização das ações humanas. São exemplares desse
conjunto a autobiografia, o curriculum vitae, a notícia, a reportagem e a crônica
– gêneros que têm como capacidade de linguagem predominante a
representação de experiências vividas.
54
Encontram-se no terceiro agrupamento, argumentar, os gêneros
textuais sob o domínio da discussão e problemas sociais controversos.
Caracterizados pela forte nuança argumentativa e atrelados à sustentação,
refutação ou negociação de uma tese junto ao destinatário, são exemplos sob
tal conjunto os textos de opinião, o diálogo argumentativo, o editorial, a carta do
leitor, e a resenha crítica.
O quarto agrupamento, expor, é identificado pelo domínio social da
transmissão e da construção de saberes. Os gêneros desse grupo costumam
se desenvolver em função do objetivo de apresentar um saber por meio de um
texto: o relatório, o texto explicativo, o verbete, a palestra, o artigo
enciclopédico etc.
Por fim, estão no quinto agrupamento os gêneros textuais que se
prestam a instruir ou prescrever algo. Sua tipologia é principalmente
caracterizada pela descrição de ações a serem realizadas por um destinatário
(injunção), a partir da capacidade de regulação de comportamentos: o manual
de instruções, as regras de jogo, as receitas culinárias, os regulamentos, as
leis, por exemplo.
Segundo Dolz e Schneuwly (2010), a vantagem do trabalho com
agrupamento em progressão espiral é a pluralidade de gêneros textuais
oferecida ao educando ao longo de sua escolarização. Essa metodologia, ao
promover a comparação entre diferentes textos sob sua real função
comunicativa, otimiza a apropriação de diferentes competências de linguagem
e inscreve a aprendizagem sob a perspectiva de ser a língua elemento
diretamente vinculado às diversas formas de interação social.
A abordagem dos gêneros textuais pela escola merece, contudo, que
façamos algumas considerações. Sua didatização, como observam Dolz e
Schneuwly (2010, p. 65), deve sempre fugir da investigação simplória, como se
o gênero fosse uma forma em si mesma, desvinculada de uma situação
comunicativa real. Outro ponto equivocado típico do enfoque didático é a
distorção do gênero em prática de linguagem restrita ao universo escolar, sem
apresentar uma relação direta com uma situação comunicativa externa àquele
ambiente.
55
Há, ainda, a abordagem didática que privilegia os gêneros como uma
continuidade dos processos de interação praticados em sociedade, por meio da
recriação dos elementos situacionais que configuram as atividades de
linguagem. Segundo os autores, essa última metodologia pode inviabilizar uma
progressão no processo de ensino, haja vista seu foco ser exclusivamente o
domínio da situação comunicativa em si, e não as estratégias de linguagem
como elementos cuja extensão atinja outras situações de interação
semelhantes.
Frente ao exposto, percebemos que a metodologia ideal para o ensino
dos gêneros é aquela que se preocupa em criar situações reais, procurando
explorar os componentes linguístico-textuais dos diferentes tipos de enunciado,
a fim de que, através de sua didatização, eles sejam apropriados com
autonomia e adaptados a outras diversas práticas de linguagem pelos alunos –
abordando-os, desse modo, como objetos de ensino e de aprendizagem. Em
outros termos,
[...] trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela; e, em segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes (DOLZ; SCHNEUWLY, 2010, p. 69).
Uma possibilidade para a realização desse enquadramento do gênero
sob uma abordagem voltada ao ensino de seus constituintes linguístico-textuais
é a criação de modelos didáticos. Um modelo didático consiste na explicitação
sistemática dos elementos de um determinado gênero textual, atendendo tanto
às suas peculiaridades como modelo de enunciado quanto ao desenvolvimento
em linguagem já alcançado pelos educandos. Um modelo didático deve, pois,
apresentar-se como síntese e orientação para a intervenção docente na
aprendizagem e, concomitantemente, sinalizar as dimensões ensináveis do
gênero textual em questão, sempre abrindo margem para as variações formais
que ele possa apresentar.
Três princípios devem, assim, nortear, de maneira integrada, a
elaboração de um modelo didático. O primeiro é a legitimidade referente aos
56
conhecimentos teóricos sobre o gênero enfocado; o segundo é a pertinência
que diz respeito à adaptação do modelo às capacidades dos alunos e aos
objetivos do processo de aprendizagem; por fim, a solidarização, característica
que remete à adequação do modelo didático aos objetivos traçados para o
ensino em língua materna.
É sempre válido que tenhamos a clareza de que o objetivo da
construção de um modelo didático não constitui, de nenhuma forma,
desenvolver uma estrutura segmentada e estanque a ser reproduzida
meticulosamente pelo aluno. O desenvolvimento de um modelo didático
possibilita ao educando, sobretudo, a conscientização e apropriação dos
mecanismos linguísticos, discursivos e sociais que fundamentam um gênero
textual como prática de linguagem.
3.4. Abordagem dos gêneros nas diretrizes pedagógicas oficiais para o
Ensino Médio
Feitas as considerações acerca do trabalho com gêneros na escola,
passamos à análise da abordagem dos gêneros textuais nos documentos
oficiais de referência para o Ensino Médio: os Parâmetros Curriculares
Nacionais, as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais e as Orientações Curriculares Nacionais. Nosso objetivo
de investigação é localizar nesses três documentos a diretrizes metodológicas
traçadas para o ensino de língua materna por meio do trabalho com os gêneros
como instrumentos de interação e, consequentemente, como objetos de
aprendizagem.
Antes de iniciarmos a análise dos gêneros nos documentos oficiais
destinados ao Ensino Médio, é necessário esclarecer que, em virtude do objeto
de estudo desta Tese, nosso direcionamento de pesquisa privilegiou enfocar as
orientações acerca dos gêneros textuais escritos, naqueles documentos. Por
conseguinte, os gêneros orais não receberão destaque nos comentários que se
seguem.
57
Publicados em 1999 pelo Ministério da Educação, os Parâmetros
Curriculares Nacionais destinados ao Ensino Médio (PCNEM) apresentam-se
como o documento oficial norteador mais conhecido para o estabelecimento de
objetivos, conteúdos e instrumentos para o último período da Educação Básica.
Apesar de todo o papel de referência que passaram a cumprir no cenário da
educação brasileira, os PCNEM, em si, ressaltam constantemente sua
natureza indicativa como diretriz de ensino.
Nesse documento, a partir de um enfoque transdisciplinar, a disciplina
de Língua Portuguesa passa a ser tratada como componente curricular sob a
área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – que é também composta
por Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte e Informática. Tal
redimensionamento é justificado, segundo os PCNEM, pela inerente
complexidade que envolve a linguagem – lato sensu – como fenômeno que
perpassa toda ação humana, carregando de simbolismo a própria percepção
do sujeito sobre si mesmo.
A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Ela é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo (PCNEM, 1999, p. 125).
Os PCNEM tentam se desprender da visão pedagógica tradicional,
ressaltando sempre o caráter dialógico que orienta as diferentes formas de
linguagem e lançando as bases para um processo de ensino cujo enfoque seja
o desenvolvimento global dos alunos. Para tanto, os PCNEM (p. 126-134)
estabelecem uma série de competências3 a serem desenvolvidas ao longo do
Ensino Médio, entre as quais mencionamos, a seguir, aquelas que
consideramos de maior relevância para o enfoque de nossa pesquisa:
3 As noções de competência e habilidade serão detalhadas no capítulo 4.
58
compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação;
analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção;
confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas;
utilizar-se das linguagens como meio de expressão, informação e comunicação em situações intersubjetivas, que exijam graus de distanciamento e reflexão sobre os contextos e estatutos de interlocutores; e saber colocar-se como protagonista no processo de produção/ recepção (PCNEM, 1999, p. 126-130).
Quanto aos conhecimentos de Língua Portuguesa especificamente,
podemos dizer que os PCNEM conseguem transcender a visão clássica de
ensino, centrada na preocupação do domínio da nomenclatura gramatical, pelo
fato de apresentar o texto como unidade básica da comunicação verbal,
produto de estratégias discursivas e cerne de todo o trabalho a ser
desenvolvido em língua materna. Aliados a tal direcionamento teórico,
assumem-se, sob uma perspectiva sociointeracionista de ensino, os
conhecimentos prévios do aluno como ponto de partida para a intervenção
docente, orientada sempre para contextualizar a língua em função das formas
de interação que apresenta a sociedade.
Em relação aos objetivos específicos para o ensino de Língua
Portuguesa, os PCNEM (1999, p. 142-144) traçam as seguintes competências
e habilidades a serem desenvolvidas ao longo do Ensino Médio:
considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social;
analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando textos/ contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura, de acordo com as condições de produção/ recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e escolhas);
confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal;
compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade (PCNEM, 1999, p. 137-144).
59
Não obstante os pilares teóricos dos PCNEM nos revelarem um
embasamento sob a perspectiva da linguagem como instrumento de interação,
no que se referem à abordagem dos gêneros textuais, os parâmetros do
Ensino Médio mostram uma visão superficial e fragmentária sobre o assunto. A
noção de gênero nos é apresentada como prática de linguagem, mas sem a
preocupação de arrolar um plano de trabalho sistemático para seu o ensino em
função das competências e habilidades a serem desenvolvidas naquele
período da Educação Básica.
Percebemos que nos PCNEM a abordagem foi direcionada muito mais
para a observação e análise gêneros textuais como produtos acabados de
práticas de linguagem do que como processos de interação, por isso, nesse
documento, os gêneros raramente são sinalizados como atividades sociais cuja
vivência perpassa essencialmente a aprendizagem.
Em comparação aos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino
Fundamental, o material destinado ao Ensino Médio (EM) limita-se à sugestão
vaga de conteúdos; as indicações dos PCNEM acabam por ficar muito aquém
da promessa de sua apresentação como parâmetros ao ensino de língua
materna no EM. Faltaram-lhes clareza e explanação de conceitos fundamentais
para um trabalho didático em língua materna preocupado em abordar a
linguagem verbal em sua realidade ideológica. Também sentimos falta da
indicação de um plano de trabalho sistemático para o desenvolvimento da
competência comunicativa dos alunos.
Apesar de tais pontos negativos, devemos reconhecer que as
indicações apresentadas nesse documento marcaram um importante passo –
ainda que tímido – para o trabalho escolar com linguagem. Seu mérito
encontra-se no fato de descentralizar o domínio da análise gramatical nas
aulas de português e sinalizar a perspectiva dialógica como caminho para o
ensino em língua materna.
Nesse ponto, lembramos que Santos (2009c) já nos sinalizara a
relevância histórica dos PECNEM para a adoção do texto como unidade de
ensino no universo escolar e a inserção do conceito de gênero textual no
cotidiano das aulas de língua portuguesa. Em seu estudo a respeito dos livros
60
didáticos, a autora destaca a importância das pesquisas em LT no Brasil para a
fundamentação teórica daquele documento, ressaltando a mudança de
paradigma que os PCNEM trouxeram para o trabalho em língua materna no
EM.
Com o objetivo de dinamizar e tornar mais próximas as diretrizes
traçadas pelos PCNEM à realidade pedagógica, em 2002 foram lançadas as
Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais, mais conhecidas como PCN+. Apresentando a mesma organização
dos conhecimentos em áreas que o documento de 1999, os PCN+ buscaram
traçar meios práticos que favorecessem a interdisciplinaridade no ambiente
escolar e, assim, promovessem a formação global do educando.
Os PCN+ afirmam que as disciplinas englobadas pela área de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Língua
Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte e Informática) estão relacionadas
pela característica de se prestarem à representação e expressão cultural,
favorecendo a criação de instrumentos práticos à atuação social crítica e à
transformação da realidade. Segundo os novos parâmetros, o ensino nessa
área deve ser desenvolvido de modo articulado às demais áreas de
conhecimento abordadas no EM (Ciências Humanas e suas Tecnologias e
Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias), de modo a promover a
integração de saberes.
A articulação entre as áreas do conhecimento é exemplificada por meio
do ensino com os gêneros textuais, ao ser sugerido que o trabalho com
gêneros narrativos e descritivos – área de Linguagem, Códigos e suas
Tecnologias – sirva, por exemplo, como instrumento à abordagem de
conhecimentos de Ciências Humanas e suas Tecnologias, ou, ainda, Ciências
da Natureza, Matemática e suas Tecnologias:
Uma aula da disciplina Língua Portuguesa, que integra a área de Linguagens e Códigos, ao tratar dos gêneros narrativos ou descritivos, pode fazer uso de relatos de fatos históricos, processos sociais ou descrições de experimentos científicos. Na realidade, textos dessa natureza são hoje encontráveis em jornais diários e em publicações semanais, lado a lado com a crônica política ou policial. [...]
61
Da mesma forma, ao tratar dos gêneros literários, pode trazer a discussão de modelos explicativos, de análises críticas e de hipóteses de relações causais, do contexto das Ciências Humanas ou das Ciências Naturais, encontrados com facilidade no material didático das disciplinas das referidas áreas (PCN+, 2002, p. 18).
Quanto ao trabalho em Língua Portuguesa, os PCN+ traçam para o EM
objetivos mais detalhados do que seu documento precursor, na tentativa de
atualizar suas propostas à realidade do fazer pedagógico. Sob tal matiz, os
PCN+ estabelecem três dimensões que devem orientar o ensino de Língua
Portuguesa: a interativa, a textual e a gramatical. Citamos, a seguir, as
principais competências e habilidades a serem apropriadas pelos alunos em
relação ao ensino de língua materna, a partir desses três aspectos:
•utilizar linguagens nos três níveis de competência: interativa, gramatical e textual; •ler e interpretar; •colocar-se como protagonista na produção e recepção de textos; •aplicar tecnologias da comunicação e da informação em situações relevantes (PCN+, 2002, p. 39).
Delineadas as competências e habilidades a serem desenvolvidas ao
longo do EM, os PCN+ sugerem a organização dialética dos conhecimentos a
serem trabalhados nesse período escolar em quatro grandes temas
estruturadores: usos da língua; diálogo entre textos: um exercício de leitura;
ensino de gramática: algumas reflexões; texto como representação do
imaginário e a construção do patrimônio cultural.
Por fim, o documento sugere que essa estruturação didática seja
desdobrada em unidades temáticas, que adaptamos no quadro 1, cada uma
delas caracterizada por suas respectivas competências e habilidades:
TEMAS ESTRUTURADORES PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
COMPETÊNCIAS GERAIS
Representação e
Comunicação
Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua
materna, geradora de significação e integradora da
organização do mundo e da própria identidade.
Investigação e
Compreensão
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
relacionando textos e contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de
produção e recepção (intenção, época, local, interlocutores
62
participantes da criação e da propagação de idéias e escolhas,
tecnologias disponíveis).
Contextualização
Sociocultural
Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como representação simbólica de
experiências humanas, manifestas nas formas de sentir,
pensar e agir na vida social.
USOS DA LÍNGUA
Competências específicas
Unidades temáticas Competências e habilidades
Língua falada e língua
escrita; gramática natural;
automatização e
estranhamento
Conceituar; identificar intenções e situações de uso.
Linguagem; tipologia
textual
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
relacionando texto e contexto de uso.
Tipologia textual;
interlocução
Distinguir contextos, adequar a linguagem ao contexto.
Gíria e contexto
Relacionar língua e contexto; escolher uma variante entre
algumas que estão disponíveis na língua.
Língua e contexto Identificar níveis de linguagem; analisar julgamentos; opinar.
DIÁLOGO ENTRE TEXTOS: UM EXERCÍCIO DE LEITURA
Competências específicas
Unidades temáticas Competências e habilidades
Função e natureza da
intertextualidade
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
relacionando texto e contexto.
Protagonista do discurso;
intertextualidade
Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes
manifestações da linguagem verbal.
ENSINO DE GRAMÁTICA: ALGUMAS REFLEXÕES
Competências específicas
Unidades temáticas Competências e habilidades
Gramática; linguística;
gramaticalidade
Distinguir gramática descritiva e normativa, a partir da
adequação ou não a situações de uso.
Gramática normativa; erro Considerar as diferenças entre língua oral e escrita.
Gramática normativa;
ciência versus achismo
Conceber a gramática como uma disciplina viva, em revisão e
elaboração constante.
O TEXTO COMO REPRESENTAÇÃO DO IMAGINÁRIO E
A CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Competências específicas
Unidades temáticas Competências e habilidades
O funcionamento
discursivo do clichê
Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas
de construção do imaginário coletivo.
Preconceito; paródia Analisar diferentes abordagens de um mesmo tema.
Identidade nacional Resgatar usos literários das tradições populares.
Quadro 1. Unidades temáticas, competências e habilidades em Língua Portuguesa para o Ensino Médio segundo os PCN+ (2002, p. 72-74 – adaptação).
63
A observação do quadro 1 nos revela a preocupação dos parâmetros
de 2002 em centrar o processo de ensino-aprendizagem na percepção da
língua materna como construto cultural e traço de identidade. Nos PCN+,
percebemos que a linguagem verbal é inscrita sob a realidade de uso e
delineada por uma série de convenções sociais. Com isso, o documento abre-
se para a investigação da língua portuguesa sob suas múltiplas variantes –
desde a fala coloquial até a escrita orientada sob a norma culta.
Analisando o quadro 1, podemos relacionar as unidades temáticas à
abordagem dos gêneros pelos PCN+. Nesse documento, percebemos que as
competências gerais e específicas são estipuladas a partir da consideração da
língua como reflexo cultural, estruturada em função das práticas de uso,
conforme a situação comunicativa, a imagem dos interlocutores e a
materialização do discurso por meio do texto.
Os PCN+ adotam o texto como unidade de ensino, salientando que a
materialização textual é um produto diretamente relacionado às características
do gênero que o delineia. Nesse ponto, notamos a preocupação dos
parâmetros em caracterizar o gênero por seus constituintes discursivos: a
abordagem temática, a estrutura composicional e os traços estilísticos (PCN+,
2002, p. 60). Notamos, todavia, que o gênero textual é apresentado sob uma
perspectiva fragmentária, que não sinaliza sua abrangência como prática de
linguagem culturalmente instituída.
Como na primeira edição dos parâmetros (1999), em muitas passagens
dos PCN+ (2002), os gêneros textuais são mencionados como algo a ser
identificado e desmembrado em unidades menores, em vez de serem
realmente vivenciados pelos alunos como atividades sociais pela interação
verbal. O documento de 2002 remarca, contudo, a necessidade de a escola
dedicar-se ao estudo dos gêneros textuais, em virtude do objetivo de formar
“leitores múltiplos” (PCN+, 2002, p. 78). Desse modo, os novos parâmetros
acabam por estipular ao enfoque didático uma série de domínios discursivos e
seus respectivos gêneros que o professor do Ensino Médio deve explorar em
sala de aula (ibid., p. 77):
a literatura: o poema, o conto, o romance, o texto dramático, entre outros;
64
o jornalismo: a nota, a notícia, a reportagem, o artigo de opinião, o editorial, a carta do leitor;
as ciências: o texto expositivo, o verbete, o ensaio;
a publicidade: a propaganda institucional, o anúncio;
o direito: as leis, os estatutos, as declarações de direitos, entre outros.
Notamos um avanço considerável no documento de 2002, ao nos
depararmos com a defesa de que o trabalho com gêneros textuais deve ser
desenvolvido de maneira que promova aos alunos refletirem sobre a temática,
a composição e o estilo dos gêneros que circulam em sociedade, ao invés de
um “tradicional esquema das estruturas textuais (narração, descrição,
dissertação)” (PCN+, 2002, p. 77). A preocupação de abranger os gêneros
como práticas sociais de linguagem, situadas em um tempo-espaço que lhes
imprime as peculiaridades discursivas, também começa a aparecer como ponto
de discussão, já que os PCN+ – ainda que de modo breve – tratam dos
aspectos sociodiscursivos que atinge os gêneros: sua intenção enunciativa, as
marcas temáticas e estilísticas que a ideologia delineia nesses modelos
textuais.
Por fim, convém ressaltar a importância do reconhecimento, pelo aluno, do texto como objeto sócio-historicamente construído, com o auxílio de alguns procedimentos: • distinguir texto literário de texto não literário, em função da forma, finalidade e convencionalidade; • comparar dois textos literários, percebendo semelhanças ou diferenças decorrentes do momento histórico da produção de cada um deles; • diferenciar, em textos, marcas de valores e intenções de agentes produtores, em função de seus comprometimentos e interesses políticos, ideológicos e econômicos; • identificar, na leitura de um texto literário, as implicações do tratamento temático e do estilo relativas ao contexto histórico de produção e recepção do texto; • relacionar o universo narrativo com estilo de época, bem como com estereótipos e clichês sociais (PCN+, 2002, p. 79-80 – grifo do autor).
Podemos também identificar, em determinados trechos do PCN+, a
mistura de alguns conceitos e terminologias. Na passagem a seguir, esse
documento afirma a importância de levar o aluno a reconhecer as tipologias
textuais, para identificar as diferenças, por exemplo, entre um poema, uma
crônica e um conto. Confunde-se, dessa maneira, a noção de tipologia textual
65
com o conceito de gênero, atrelando-se ao reconhecimento dos desse último o
enfoque sobre a estrutura textual, e não acerca de sua funcionalidade
sociodiscursiva.
O ensino e a aprendizagem de uma língua não podem abrir mão dos textos, pois estes, ao revelarem usos da língua e levarem a reflexões, contribuem para a criação de competências e habilidades específicas. Entre elas [...] incluir determinado texto em uma tipologia com base na percepção dos estatutos sobre os quais foi construído e que o estudante aprendeu a reconhecer (saber que se trata de um poema, de uma crônica, de um conto) (PCN+, 2002, p. 58).
Essa passagem nos conduz novamente a Santos (2009c), que aponta
para a inconstância de nomenclaturas entre gênero e tipo textual encontrada
em livros didáticos do EM publicados de 1995 a 2006. Segundo a autora, “há
casos em que tipologia e gênero são tomados indistintamente, seguidos de
exemplos que não só misturam esses dois conceitos, como também
acrescentam outros” (ibid., p. 60). Consideramos que essa oscilação entre
terminologias nos PCN+ se relaciona à paulatina aplicação do conceito de
gênero textual ao ensino, no período de elaboração daquele documento,
indicando as diversas perspectivas de abordagem do texto como foco do
processo pedagógico.
Precisamos reconhecer, todavia, que, nos PCN+ (2002), o aluno é visto
de forma notadamente menos passiva do que no documento de 1999. Em sua
seção “Protagonismo” (ibid., p. 61), ressalta-se a relevância de o docente
promover ao aluno sua autopercepção de enunciador, conscientizando-o sob a
produção de seu próprio discurso. Assim, em relação à abordagem dos
gêneros textuais, fica sugerido que o professor, no trabalho com textos
argumentativos, auxilie o aluno na reflexão acerca dos argumentos defendidos.
No que se refere em específico ao desenvolvimento de gêneros narrativos, por
exemplo, menciona-se que o ponto de partida seja o relato das próprias
vivências dos educandos, para então serem sinalizados os demais
desdobramentos da figura do narrador. Assim, os PCN+ apresentam uma série
de competências a serem desenvolvidas por meio do trabalho didático com os
gêneros textuais.
66
Os novos parâmetros também dedicam algumas passagens à
indicação do trabalho com gêneros sob uma perspectiva multimodal, ao sugerir
que o professor conduza os alunos a compararem gêneros textuais distintos
que apresentem organizações e estratégias discursivas semelhantes. Essa
sugestão, por vezes, busca ultrapassar o domínio da língua, ressaltando a
similaridade entre gêneros em aspectos verbais e não verbais. É o que
percebemos, por exemplo, no trecho em que são sinalizadas as semelhanças
temáticas entre o romance Vidas secas, de Graciliano Ramos, a tela Os
retirantes, de Cândido Portinari, e as fotografias que compõem o livro Os
trabalhadores, de Sebastião Salgado (PCN+, 2002, p. 59).
A abordagem dos gêneros textuais por meio da intergenericidade
(MARCUSCHI, 2009) é outra sugestão presente nos PCN+. Comparando
variados modelos de textos, os novos parâmetros orientam ao docente
promover o trabalho didático de maneira a conduzir os alunos à reflexão de que
os gêneros textuais são práticas sociais dinâmicas de linguagem, as quais têm
suas origens diretamente vinculadas ao redimensionamento socioestrutural de
outros gêneros, em função das marcas históricas que as permeiam (PCN+,
2002, p. 63).
A respeito da produção textual, os novos parâmetros apresentam
significativo avanço em relação a seu documento percussor, pois defendem
que as competências e habilidades adquiridas por meio da exploração da
leitura contribuem para o aprimoramento da criação de textos. Aliado a tal
posicionamento, os parâmetros de 2002 indicam que, no trabalho com a escrita,
sempre seja sinalizada para o aluno a importância de definir a intencionalidade
de seu texto, a instância social em que a enunciação se desenvolve, a imagem
do destinatário textual e a seleção do gênero que materializará o discurso.
Em 2006, o Ministério da Educação publicou as Orientações
Curriculares Para o Ensino Médio, mais conhecidas como OCN (Orientações
Curriculares Nacionais), com o objetivo de complementar as diretrizes
educacionais do EM e dinamizar o currículo dessa etapa da Educação Básica.
Segundo essa diretriz pedagógica, o EM é um período de consolidação e
aprofundamento da aprendizagem. As OCN esclarecem ainda que seus
67
apontamentos não constituem uma normatização, lembrando ao professor a
necessária adaptação das indicações do documento às características
peculiares de cada realidade de ensino.
Em relação ao ensino de Língua Portuguesa, as OCN (2006, p. 18)
afirmam que a ação docente deve estar comprometida em conduzir os alunos
ao aprimoramento das habilidades de leitura, escrita, fala e escuta, por meio do
enfoque do texto como instrumento de interação social. Define-se, pois, que a
função da disciplina é “possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o
desenvolvimento das ações de produção de linguagem em diferentes situações
de interação” (ibid., p. 27).
Ressaltamos que, nas OCN, pela primeira vez em uma diretriz
pedagógica oficial destinada ao Ensino Médio, afirma-se que o conhecimento
dos gêneros textuais envolve uma série de competências sociopragmáticas,
relacionadas diretamente à intencionalidade discursiva e aos sentidos inscritos
no texto. Os gêneros, de acordo com esse documento, são identificados como
práticas de linguagem, diretamente vinculadas a uma visão ideologicamente
constituída acerca da realidade. Pelos apontamentos das OCN, os gêneros
textuais são instrumentos que temos à nossa disposição nos diferentes
processos de inserção e atuação sociais, a partir do uso da linguagem como
ferramenta mediadora da interação, sempre vinculado há um tempo-espaço
delineado por fatores culturais. Sob esse direcionamento, o ensino de
português como língua materna ultrapassa a análise de elementos gramaticais
e se inscreve, definitivamente, em um projeto de letramento para a prática
social.
A lógica de uma proposta de ensino e de aprendizagem que busque promover letramentos múltiplos pressupõe conceber a leitura e a escrita como ferramentas de empoderamento e inclusão social. Some-se a isso que as práticas de linguagem a serem tomadas no espaço da escola não se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas aos padrões socioculturais hegemônicos. [...] defende-se que a abordagem do letramento deve, portanto, considerar as práticas de linguagem que envolvem a palavra escrita e/ou diferentes sistemas semióticos – seja em contextos escolares seja em contextos não escolares –, prevendo, assim, diferentes níveis e tipos de habilidades, bem como diferentes formas de interação e, consequentemente, pressupondo as implicações ideológicas daí decorrentes (OCN, 2006, p. 28).
68
Outro ponto que comentamos do texto de 2006 é o apontamento da
comparação entre variados exemplares de um mesmo gênero textual como
metodologia de trabalho que conduz o aluno a refletir acerca das marcas
regulares e das possibilidades de variação do gênero sob enfoque. Desse
modo, cabe ao professor apontar as motivações intencionais que conduzem à
flexibilidade daquela prática de linguagem (OCN, 2006, p. 31). Mais uma vez, a
funcionalidade dos gêneros textuais – “eventos de interação” (ibid., p. 36) – é
apontada como a diretriz que delineia a materialidade do discurso,
prevalecendo, assim, o traço essencial de serem os gêneros práticas de
linguagem.
As OCN nos propõem que o ensino de língua portuguesa seja
estruturado a partir do agrupamento de textos sob recortes variados, a partir da
consideração de gêneros textuais cujas peculiaridades estejam relacionadas
tanto à demanda local quanto à inserção e atuação do educando em um
quadro social mais amplo. Esse trabalho deve ser vinculado à prática da
cidadania, a partir da abordagem equilibrada entre os gêneros do domínio
privado e do público.
O traço caracterizador dos agrupamentos didáticos propostos pelas
OCN é variável: o tema, as esferas e os suportes de circulação, ou, ainda, as
sequências textuais predominantes nos gêneros abordados. Ressalta-se nas
orientações, contudo, que a especulação acerca dos gêneros textuais a partir
de agrupamentos deve acontecer sempre por meio de observação da
configuração, funcionamento e circulação desses textos em função do grau de
complexidade do nível de desenvolvimento exigido pelos conteúdos a serem
abordados.
Frente às considerações expostas, as OCN sugerem que o ensino de
Língua Portuguesa se processe em função de o texto ser considerado como
atividade de linguagem, a fim de alcançar o aperfeiçoamento da competência
comunicativa discente, a partir dos seguintes tipos de atividades pedagógicas:
atividades de escrita e de leitura de textos gerados nas diferentes esferas de atividades sociais – públicas e privadas;
69
atividades de produção de textos (palestras, debates, seminários, teatro etc.) em eventos da oralidade;
atividades de escuta de textos (palestras, debates, seminários etc.) em situação de leitura em voz alta;
atividades de retextualização: produção escrita de textos (resumos, resenhas, bibliografias etc.) a partir de outros textos, orais ou escritos, tomados como base ou fonte;
atividades de reflexão sobre textos, orais e escritos, produzidos pelo próprio aluno ou não (OCN, 2006, p. 37-38).
As orientações curriculares de 2006 são desenvolvidas com a
preocupação de situar o aluno a respeito dos elementos textuais em foco. Para
isso, exemplos de variados gêneros textuais – diálogo, manchete de jornal,
anúncio publicitário, piada e notícia – são analisados ao longo do documento,
apontando os aspetos pragmáticos, discursivos e textuais que traçam as
peculiaridades desses textos como práticas sociais de linguagem. Essas
considerações devem nortear nossa prática docente, sob a diretriz de a língua
configurar-se sob uma realidade de uso.
A disposição das atividades e exemplos de gêneros textuais nos
demonstra a preocupação das OCN em centrar o texto como a motriz de todo o
processo de ensino-aprendizagem, a partir de situações práticas de leitura,
escrita e escuta, diferentemente das propostas apresentadas pelos parâmetros
curriculares de 1999 e 2002. As OCN (2006, p. 38-39) sinalizam, ainda, os
componentes pragmáticos, discursivos, textuais, linguísticos e tipográficos a
serem explorados por tais tipos de atividades, itens que apresentamos no
quadro 2.
EIXOS ORGANIZADORES DAS ATIVIDADES
DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO
FOCO DAS ATIVIDADES DE ANÁLISE
Elementos
pragmáticos
Papéis sociais e comunicativos dos interlocutores;
relações entre interlocutores;
propósito enunciativo;
funcionalidade do gênero textual;
aspectos da dimensão espaço-temporal de produção textual.
70
Estratégias
textualizadoras
Contextualização (referenciação, registro linguístico, grau de
formalidade, seleção lexical, tempos e modos verbais);
coesão textual;
modos de organização e sequências textuais (tipos textuais narrativo,
descritivo, argumentativo, injuntivo, dialogal);
organização das relações lógico-semânticas;
organização e progressão temática.
Mecanismos
enunciativos
Posicionamento enunciativo;
modalização.
Intertextualidade Estudo de diferentes relações intertextuais (por exemplo, entre textos
que mantenham configuração formal similar, que circulem num mesmo
domínio ou em domínios diferentes, que assumam um mesmo ponto de
vista no tratamento do tema ou não).
Ações
de escrita
Ortografia e acentuação;
construção e reformulação (substituição, deslocamento, apagamento e
acréscimo de segmentos textuais de diferentes extensões e naturezas –
orações, períodos, parágrafos, sequências ou tipos textuais);
função e uso da topografia do texto (envolvendo a disposição do texto
na página, sua paragrafação, sua subdivisão em sequências, a eventual
divisão em colunas, os marcadores de enumeração, etc.) e de
elementos tipográficos essenciais à produção de sentidos (o que diz
respeito à pontuação, com especial atenção para o uso de aspas,
parênteses e travessões).
Quadro 2. Conhecimentos pragmáticos, discursivos, textuais, linguísticos e topográficos sugeridos para o Ensino Médio, segundo as OCN (206, p. 38-39 – adaptação).
A partir das informações dispostas no quadro 2, fica demonstrado o
comprometimento das OCN em desenvolver o ensino de português sob a
apreensão de que a análise do texto – considerado como atividade de
linguagem materializada por um gênero textual – é, concomitantemente, o
ponto de partida e o de chegada à ação docente em relação ao ensino de
língua materna. Tal norteamento não é, porém, a negação de que as práticas
de linguagem devem seguir convenções relativamente rígidas – principalmente
acerca da escrita, como as regras ortográficas – ou, ainda, o desprezo pela
compreensão dos mecanismos estruturais stricto sensu – como a análise dos
componentes sintáticos.
A perspectiva de ensino é, realmente, reconfigurada: os conhecimentos
tradicionais em Língua Portuguesa são redimensionados, perdendo seu
aspecto estritamente normativo. A aula de Português, assim, adquire as
características de instrumento para o domínio adequado das práticas de
71
linguagem, enfocando os efeitos de sentido que delineiam a singularidade de
cada texto.
A partir das observações desta seção (3.4) de nossa Tese,
percebemos que a análise dos três documentos oficiais que orientam as
diretrizes pedagógicas do Ensino Médio – PCNEM (1999), PCN+ (2002) e OCN
(2006) – foi capaz de nos revelar a efetiva assunção do texto como objeto
pedagógico. Acreditamos que a adoção do texto como centro do processo de
ensino-aprendizagem pode ser considerada o fator determinante à paulatina
consolidação dos gêneros textuais como conhecimento de suma importância a
ser abordado ao longo do Ensino Médio.
Resumindo, entendemos que os PCNEM (1999) revelam sua
importância como diretriz pedagógica para o ensino de Língua Portuguesa ao
deslocarem os estudos em gramática tradicional do centro da ação docente e
ao adotarem o texto definitivamente como unidade de ensino. Em relação à
abordagem dos gêneros textuais, os parâmetros de 1999 apresentam,
entretanto, precariedade em suas explanações teóricas e restringem seus
encaminhamentos didáticos a sugestões vagas e superficiais.
Nesse primeiro documento (PCNEM, 1999), os gêneros textuais são
abordados sob enquadramento impreciso, ressaltando seus aspectos
estruturais em detrimento aos traços que os caracterizam como práticas de
linguagem. Em verdade, consideramos que a organização fragmentária dos
PCNEM perde-se sob a preocupação de transformar a visão tradicional de
ensino em língua materna, deixando, desse modo, uma lacuna acerca das
indicações de como construir efetivamente uma nova diretriz para o trabalho
docente acerca dos gêneros textuais.
Os PCN+ (2002), por seu turno, traçam suas indicações sob um
enfoque mais prático, já apresentando uma descrição de habilidades e
conhecimentos cujo domínio se mostra indispensável ao aprimoramento da
competência comunicativa discente. No documento de 2002, percebemos que
o papel do texto como unidade de ensino é ratificado, mas ainda não há uma
caracterização satisfatória dos elementos pragmáticos e discursivos que o
72
identificam como atividade de interação entre sujeitos e como a materialização
de um gênero.
A inadequação de conceitos ainda aparece na segunda versão dos
parâmetros. Juntamos a essa constatação o fato de a abordagem dos gêneros
textuais ainda seguir uma linha de tendência estrutural, não obstante em menor
grau que no documento de 1999.
Já nas OCN (2006), compreendemos que a importância do trabalho
com os gêneros textuais pela escola é defendida de modo incisivo. Nesse
último documento, os gêneros são realmente enfocados como práticas de
linguagem, a partir de suas peculiaridades sociais, e seus componentes são
observados em função de um matiz discursivo.
As OCN nos apresentam exemplos concretos de textos como
caminhos possíveis à análise dos gêneros textuais, a serem redirecionados
pelo professor consoante as necessidades específicas de seus alunos. Ainda
que os apontamentos feitos pelas orientações de 2006 sejam, de certo modo,
incipientes, reconhecemos seu avanço acerca do enfoque dos gêneros em
relação às diretrizes pedagógicas oficiais traçadas pelos documentos
antecessores – PCNEM (1999) e PCN+ (2002).
As considerações sinalizadas pelos três documentos oficiais analisados
nesta seção nos mostram um progressivo aprofundamento teórico-
metodológico a respeito da abordagem dos gêneros textuais no Ensino Médio,
uma vez que essas diretrizes apontam para a importância do trabalho com os
gêneros, ao considerarem as formações genéricas, em um continuum
crescente desde 1999 a 2006, como integrantes de um construto sociocultural
e histórico.
Esse movimento de adoção do gênero textual como objeto e
instrumento didático, passo a passo, dessacraliza oficialmente o espaço dos
estudos de gramática tradicional (GT) no ensino de língua materna,
transformando-os de foco principal em uma ferramenta de aprimoramento da
escrita e leitura. Não pregamos aqui que houve um abandono em relação à GT;
afirmamos que seu enfoque pedagógico foi reformulado, girando em função do
73
desenvolvimento de competências e habilidades referentes à produção e
interpretação textuais.
Nosso propósito em analisar os PCNEM (1999), os PCN+ (2002) e as
OCN (2006) foi investigar os fundamentos que sustentam o ensino dos gêneros
textuais em português como língua materna. Objetivamos, com isso,
correlacionar essas informações à abordagem dos gêneros como conteúdo
avaliativo pelo ENEM. Para tanto, dedicamos o capítulo 4 à análise das
competências e habilidades da Matriz de Referência para o ENEM (2009a) que
dizem respeito a aspectos que atingem o conhecimento dos gêneros textuais.
Acreditamos que, pela observação desse documento, poderemos identificar a
influência das diretrizes oficiais de ensino na elaboração do exame em foco,
para, enfim, caracterizar o tratamento dos gêneros como conteúdo avaliativo.
74
4. MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM – IMPLICAÇÕES ACERCA
DOS GÊNEROS TEXTUAIS
A investigação acerca dos gêneros nas orientações curriculares oficiais
para o EM conduz nosso enfoque para a caracterização da diretriz avaliativa
que norteia a abordagem dos gêneros textuais pelo Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Para isso, traçaremos um panorama sobre o desenvolvimento
de tal conceito no principal documento que pauta a elaboração de questões
para aquele exame: a Matriz de Referência para o ENEM (BRASIL, 2009a)4.
Esclarecemos que, nesse ponto, nosso objetivo é associar as competências e
habilidades desse documento a saberes relacionados aos gêneros textuais em
suas três dimensões constitutivas – o tema, a composição e o estilo –
apontados nos PCNEM, nos PCN+ e nas OCN, a fim de traçarmos um
panorama da abordagem dos gêneros no ENEM.
A Matriz de Referência para o ENEM 2009 (MR) – adotada a partir da
reformulação do exame naquele mesmo ano e sempre inserida nos editais nas
edições posteriores (BRASIL, 2010, 2011, 2012) – foi elaborada para atender o
novo perfil da avaliação; ela é a orientação oficial para a criação das questões
apresentadas nas provas das diferentes áreas de conhecimento mensuradas
pelo ENEM. A MR também é um instrumento norteador para aqueles que se
preparam para o exame, uma vez que ela descreve as aptidões, sob a forma
de competências e habilidades, que são avaliadas.
A MR é estruturada a partir da consideração de eixos cognitivos,
comuns às áreas de conhecimento trabalhadas no Ensino Médio. Esses eixos,
por sua vez, são desdobrados em uma série de competências e habilidades,
cada uma delas buscando atender às especificidades das quatro áreas de
conhecimento avaliadas no ENEM: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,
Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias,
Ciências Humanas e suas Tecnologias.
4
Antes de sua reformulação em 2009, o ENEM apresentava um esboço de matriz, indicando
competências e habilidades a serem mensuradas pelo exame – documento que foi um dos norteadores
para a Matriz de Referência atual (cf. BRASIL, 2000). Esclarecemos, contudo, que não abordaremos o
primeiro documento nesta pesquisa, em virtude de ele não ser atingido pelos objetivos de nosso trabalho.
75
Partindo da análise dos eixos cognitivos, nosso enfoque se direciona
às considerações apresentadas pela MR especificamente para as
competências e habilidades de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT)
relacionadas à abordagem dos gêneros textuais como objeto de ensino.
Seguindo essas considerações, buscamos, então, identificar como a MR se
inscreve no que diz respeito aos gêneros nas diretrizes oficiais destinadas ao
Ensino Médio – PCNEM (1999), PCN+ (2002) e OCN (2006).
Realizado desde 1998, o ENEM surgiu como uma ferramenta do
Ministério da Educação (MEC) para delinear e aferir aspectos qualitativos do
Ensino Médio. Em 2009, o exame passou por reformulações – tanto em sua
função quanto em sua estrutura –, englobando-se, assim, em um plano mais
amplo do MEC para a “reestruturação do Ensino Médio” (BRASIL, 2009b) 5.
Acreditamos que essas mudanças reorientaram profundamente o ENEM, o que
nos guiou a considerar suas edições a partir de 2009 para este trabalho.
Acumulada à função de elemento indicador qualitativo para o Ensino
Médio, o ENEM tornou-se, paulatinamente, instrumento seletivo para ingresso
nas universidades públicas federais – por meio do SISU (Sistema de Seleção
Unificada) – e passou a ser considerado como ferramenta avaliativa para a
distribuição de bolsas de estudo em universidades particulares, por meio do
PROUNI (Programa Universidade para Todos). Somada a isso, a aprovação no
exame também foi adotada como critério para a certificação de conclusão do
Ensino Médio, agregando-se ao Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
O redimensionamento institucional da prova acabou por lhe conferir
novos estatuto e amplitude sociais no quadro da educação brasileira – fato que
justifica ainda mais nosso enfoque de pesquisa sobre seus últimos quatro anos
do ENEM. Essa constatação é ratificada pelo crescimento do número de
avaliandos a cada nova edição: partindo do número tímido de 157.221 inscritos
em 1998, o exame apresentou 4.576.126 participantes em 2009, chegando a
6.497.466 inscrições em 2012.
5 Sinalizando as mudanças ocorridas, o Ministério da Educação passa também a chamar o ENEM por
Novo ENEM. Contudo ressaltamos que, em nosso trabalho, adotamos apenas a primeira nomenclatura
oficial, por ser a denominação mais recorrente em nossas fontes de pesquisa.
76
De acordo com critérios estabelecidos pelo MEC, o ENEM é
estruturado a partir de eixos cognitivos – capacidades gerais que se prestam
como ferramentas à solução de determinadas situações-problema. Um eixo
cognitivo é, pois, um conjunto de conhecimentos adquiridos, organizados por
operações mentais e utilizados pelo sujeito como competências e habilidades
em seu cotidiano. A MR apresenta cinco eixos cognitivos, todos eles comuns
às quatro áreas de conhecimento trabalhadas pelo Ensino Médio e avaliadas
pelo exame:
I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa. II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas. III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar, relaci-onar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema. IV. Construir argumentação (CA): relacionar informações, representa-das em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente. V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvi-dos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural (BRASIL, 2009a, p. 1).
O primeiro eixo cognitivo refere-se à ação de dominar linguagens (DL):
“domínio da norma culta da língua portuguesa e uso das linguagens
matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa” (ibid., p. 1).
Ressaltamos a relação desse eixo à aquisição e ao desenvolvimento dos
gêneros secundários ao longo do processo de escolarização. Como
comentamos na seção 3.3 deste trabalho, cabe à escola promover os usos
formais da linguagem, por meio da reestruturação do sistema de gêneros
simples – utilizados no cotidiano pelo educando – no sistema de gêneros
complexos, redimensionando, dessa maneira, a própria significação da
linguagem verbal.
Entendemos, também, que o primeiro eixo dialoga com as diretrizes
pedagógicas oficiais, pois é possível relacioná-lo à competência de
compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como
77
meios de organização cognitiva da realidade (seção 3.4, p. 56), traçada pelos
PCNEM (1999) para o Ensino Médio. A apreensão dos gêneros perpassa,
desse modo, o domínio das linguagens, por meio da construção do simbólico,
impregnada no texto pelos processos de interação.
Podemos, ainda, relacionar o primeiro eixo cognitivo ao que
denominamos por competência comunicativa (KOCH, 2002), englobando, pois,
o conhecimento dos gêneros textuais como instrumentos de interação. O
primeiro eixo instaura o domínio das linguagens – inclusive da linguagem
verbal – como elemento imprescindível ao processo de aprendizagem.
Compreendemos que dominar linguagens abrange, entre outros fatores, o
reconhecimento da situação comunicativa e a seleção do gênero textual em
consonância à força ilocucionária e à imagem de um destinatário por parte do
enunciador.
Compreender fenômeno (CF) é o segundo eixo cognitivo apresentado
pela MR, definido como “construção e aplicação das áreas do conhecimento na
compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos, da
produção tecnológica e das manifestações artísticas” (BRASIL, 2009a, p. 1).
Entendemos que os gêneros textuais podem ser explorados, sob a orientação
desse eixo, como elementos sócio-históricos, caracterizados sob a dinâmica
das diferentes formas de interação em um determinado tempo-espaço
(BAKHTIN, 2003). Por serem construídos sob uma perspectiva artística,
acreditamos que os gêneros textuais literários podem ser especificamente
relacionados ao segundo eixo cognitivo.
Temos como terceiro eixo cognitivo enfrentar situações-problema (SP).
Com ele, o aluno deve realizar “seleção, organização, relação e interpretação
de dados e informações sob diferentes representações, na tomada de decisões
e resolução de situações-problema” (BRASIL, 2009a, p. 1). Também
encontramos aqui uma relação direta com o domínio dos gêneros textuais, uma
vez que a seleção de um gênero responde ao quadro delineado pela situação-
problema escrita pela própria situação comunicativa (cf. seção 3.2).
O quarto eixo cognitivo implica o gênero de forma mais restrita, pois se
dedica a “construir argumentação (CA): relação de informações, representadas
78
em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas,
para o desenvolvimento de argumentação consistente” (BRASIL, 2009a, p. 1).
Abordando a argumentação stricto sensu, o quarto eixo nos guia aos textos
cuja natureza se filia aos domínios sociais de comunicação da discussão de
problemas sociais controversos (Dolz & Schneuwly, 2010, p. 51, 52),
apresentando a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição
como marcas tipológicas predominantes (cf. seção 3.3).
Entendemos que, para proposta do ENEM, esse eixo se dirige
principalmente à averiguação da produção escrita dos avaliandos, abarcando a
prova de Redação. Defendemos, entretanto, que o quarto eixo atinge também
o processo interpretativo para a resposta de questões que são desenvolvidas a
partir de gêneros argumentativos, pois acreditamos que os diferentes
componentes do texto argumentativos são reconstruídos pelo leitor no
processo de interpretação.
Por fim, o quinto eixo cognitivo considera a capacidade de elaborar
propostas (EP): “emprego dos conhecimentos construídos ao longo da
escolarização no desenvolvimento de propostas de intervenção solidária na
realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural” (BRASIL, 2009a, p. 1). Esse eixo também está intimamente
relacionado à proposta de redação, em que o aluno deve construir propostas
de melhoria para a sociedade brasileira, a partir de saberes acumulados ao
longo de sua vida escolar.
Compreendemos, ainda pelo quinto eixo, que a noção de gênero
textual está abarcada nesse conjunto de saberes, por ser tão somente por meio
dos gêneros que o conhecimento – entendido aqui como construção de valores,
ciência e cultura através da interação humana ao longo da história – realiza-se
e se torna acessível aos avaliandos, que, então, são capazes de mobilizar seus
saberes sob a forma de propostas para o desenvolvimento social.
Após a apresentação dos cinco eixos cognitivos, a MR é subdivida
conforme as áreas de conhecimento a serem avaliadas, cada seção
apresentando as respectivas competências e habilidades aferidas pelo ENEM.
Consideramos interessante mencionarmos que as competências e habilidades
79
apresentadas pela matriz são pressupostas como aptidões básicas, tidas como
“desenvolvidas, transformadas e fortalecidas com a mediação da escola”
(BRASIL, 2005, p. 8). Nesse quadro, o ENEM orienta que toda a ação escolar
seja mobilizada para a construção de tais aptidões, visando ao
desenvolvimento pleno do aluno e promovendo-lhe, assim, a autonomia por
meio de aprendizagem significativa.
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), o desenvolvimento de competências e habilidades está
vinculado à preparação do indivíduo para o mundo do trabalho e exercício da
cidadania (BRASIL, 2000). No Documento Básico para o ENEM, está descrito
que as competências são as modalidades estruturais da inteligência – “ações e
operações empregadas pelo indivíduo no estabelecimento de relações com e
entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer” (ibid.,
p. 5). As habilidades, por sua vez, estão ligadas diretamente a um “saber fazer”
(ibid.), um potencial que se expressa por meio de um desempenho concreto.
Uma avaliação cujo objetivo é verificar competências e habilidades
pode se mostrar, por vezes, sob um matiz mecanicista, alheio ao
desenvolvimento prático do processo de aprendizagem. Cruz (2005, p. 27)
esclarece-nos, entretanto, que, sob a ótica educacional, os conceitos de
competência e habilidade abrangem noções que se relacionam tanto a um
“saber fazer” como a um “saber ser”. Para o autor, competências e habilidades
perfilam a própria identidade do ser, situando sua psique e coordenando suas
vivências por meio do constante intercâmbio entre subjetividade e prática social.
Não entraremos no mérito da discussão se a mensuração de aptidões,
como propõe o ENEM, sinaliza, de fato, o aprendizado, ou se tal tipo de
avaliação é, em verdade, reflexo de uma visão mecanicista sobre o processo
educativo, tal qual nos apontam Lopes e López (2010). Percebemos, todavia,
que competências e habilidades são dimensões do saber humano
intrinsecamente relacionadas. Ambos os conceitos trabalham com a
mobilização de saberes perante situações-problema: são instrumentos que
fomentam diferentes saberes para um determinado fim.
80
Competências e habilidades – noções hierarquizadas, mas
interdependentes – são manifestadas pela capacidade de o sujeito articular
diferentes conhecimentos para a construção de um potencial cognitivo, por
meio de operações mentais, para, em fim, aplicá-los em suas experiências
práticas. Competências – entendidas como “estruturas do conhecimento”
(BRASIL, 2008, p. 39) – são construídas a partir do desenvolvimento de
habilidades capazes de instaurar um sistema cognitivo relevante, que sinalize a
aprendizagem. Habilidades, por seu turno, são “capacidades operativas” (ibid.,
p. 41), aperfeiçoadas ou retificadas, conforme o esquema estruturador das
competências é enraizado pelo intelecto.
Competência, como sistema de esquemas de ação, refere-se à forma de organização de nossos conhecimentos ou saberes como totalidade estrutura, dinâmica e interdependente. Essa forma qualifica o nível de nossa competência, define seus limites estruturais e anuncia suas possibilidades de aperfeiçoamento ou extensão. Por ser dinâmica, a competência seria definida por um funcionamento, ou seja, por algo além de um conjunto de estruturas ou funções. Por ser interdependente, a competência se expressa por uma relação entre as partes em um todo, relação que exprime qualidades de ser complementar, irredutível e indissociável ao contexto, objeto ou tarefa com o qual se relaciona ou interage (BRASIL, 2008, p. 50).
A área de conhecimento de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
(LCT) é organizada a partir de nove competências, cada qual com suas
respectivas habilidades. Comentamos, a seguir, as competências e habilidades
que consideramos se referirem de modo mais relevante ao tema desta
pesquisa – abordagem dos gêneros textuais pelo ENEM. Justificamos nossa
decisão, por entendermos que a matriz de referência de LCT extrapola as
competências e habilidades destinadas ao ensino de português como língua
materna, já que a área de conhecimento em questão engloba outras disciplinas
(Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte e Informática) que não
são o foco de nosso trabalho. Nessas condições, compreendemos que as
competências de área 1, 2, 3, 4 e 9 – assim como suas respectivas habilidades
– não atingem o objetivo de nosso estudo. Dessa maneira, selecionamos, entre
as competências de área 5, 6, 7 e 8, somente as habilidades com que
conseguimos perceber alguma vinculação à abordagem dos gêneros textuais
81
como conteúdo, a partir da exploração de suas dimensões constitutivas:
temática, composicional e estilística.
Nesta passagem, ressaltamos que, a nosso ver, a competência de área
9 e suas respectivas habilidades (H28, H29 e H30) apresentam como alvo
principal a área curricular de Informática, ainda que reconheçamos que é
possível, de certo modo, relacioná-las aos gêneros textuais digitais.
Justificamos, assim, nossa opção em não analisar a referida competência
nesta tese, deixando espaço para encaminhamentos futuros.
A MR para LCT apresenta-nos como competência de área 5 “analisar,
interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos
com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das
manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção” (BRASIL,
2009a, p. 3). Para nós, essa competência envolve o conhecimento dos gêneros
textuais em seus três aspectos constitutivos.
As condições de produção e recepção propostas pela competência 5
abarcam a finalidade e a função do texto que, por sua vez, remetem ao tema,
orientado por um enunciador e por uma imagem de seu destinatário, inscritos,
por sua vez, em um tempo-espaço peculiar. A competência 5 envolve, também,
a organização e a estrutura composicionais dos gêneros, abrangendo a
disposição das informações textuais e a relação das partes com o contexto
global. Compreendemos que o estilo, nesse caso, é atingido pela competência
em foco na exploração dos recursos expressivos da linguagem.
Precisamos mencionar que, em verdade, a competência de área 5 é a
reprodução de uma competência geral para a área de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias e específica para a disciplina de Língua Portuguesa lançada
pelos PCNEM (1999, p. 127, 142)6, que sugere, justamente naquela passagem,
o trabalho com gêneros para a exploração e aplicação da linguagem em sua
multiplicidade expressiva. A MR, nesse ponto, segue também as orientações
dos PCN+ (2002, p. 72), obra em que é apresenta novamente a mesma
competência a ser trabalhada – subscrevendo-a sob a unidade temática
intitulada “Investigação e compreensão”, ressaltando a importância da análise
6 Cf. seção 3.4.
82
dos recursos expressivos da linguagem (cf. 3.4, p. 59). As OCN (2006, p. 21-
22), ainda que não apresentem a competência de área 5 ipsis litteris, também
mencionam a necessidade de entrelaçar os elementos textuais e
sociopragmáticos na exploração dos recursos expressivos da língua.
Ao nos debruçarmos sobre as três habilidades que compõem a
competência de área 5 de LCT (H15, H16 e H17), percebemos que os gêneros
textuais literários são seu objetivo principal. Comentamos, mais uma vez, que
as aptidões abarcadas por tal competência são abordadas de modo global nas
diretrizes oficiais de ensino analisadas, atingindo o texto como fenômeno
comunicativo, e não apenas de modo restrito às manifestações literárias.
A primeira habilidade da competência de área 5 é H15: “estabelecer
relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando
aspectos do contexto histórico, social e político” (BRASIL, 2009a, p.3).
Entendemos que a MR, segundo a habilidade 15, encaminha-nos a uma
percepção dialógica dos gêneros textuais literários, explorando-os como
processos e produtos de interação sob condições específicas, a serem
resgatadas então pelo avaliando.
Os textos literários são abordados, dessa maneira, de forma ampla,
uma vez que a MR consegue orientar para além da interpretação textual
restrita e propõe a especulação do processo de criação e circulação desses
gêneros, inscrevendo-os sob suas condições peculiares de produção, conforme
nos orientam os PCNEM (1999, p. 127) e os PCN+ (2002, p. 35). A percepção
didática sobre os gêneros textuais literários é estruturada sob a compreensão
da estética como recurso a favor de seu valor enunciativo – o texto é entendido
como processo e produto da interação humana. Consideramos que, nesse
aspecto, a MR dialoga com a noção de “letramento literário”, apresentada pelas
OCN (2006, p. 55): “estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler
poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência
estética, fruindo-o”.
Retomando a competência de área 5 de LCT, deparamo-nos com sua
segunda habilidade – H16: “relacionar informações sobre concepções artísticas
83
e procedimentos de construção do texto literário” (BRASIL, 2009a, p. 3). Nesse
ponto, a MR recupera a essência artística dos gêneros textuais literários.
A investigação do tema, da composição e do estilo também se
enquadra em H16. A observação do viés temático dos gêneros literários
envolve o próprio valor artístico intrínseco à obra, a finalidade do texto literário
como elemento estético. A composição e o estilo, por seu turno, estão
relacionados aos procedimentos de construção textual, como, por exemplo,
seleção lexical, emprego de figuras de linguagem e posicionamento enunciativo
das pessoas discursivas – elementos que colaboram na criação do limiar entre
o literário e o não literário.
Percebemos que H16 dialoga com os PCNEM (1999, p. 139), por
direcionar o trabalho didático do texto literário para a leitura e a interpretação e
explorar a sua condição de “simbólico verbalizado” (ibid., p. 142), quebrando,
assim, a separação tradicional entre ensino de literatura e ensino de língua
portuguesa. A MR conduz-nos à percepção de que os gêneros literários são
uma das facetas da linguagem verbal, devendo ser observados como
processos discursivos de interação. Os PCN+ (2002, p. 58) e as OCN (2006, p.
33) também inscrevem a abordagem didática da literatura sob essa perspectiva
ampla, ao lembrar a necessidade de relacionar as temáticas desenvolvidas no
texto literário à própria noção de estética do artista e à realidade histórica da
época. Desse modo, o ensino de literatura é integrado ao trabalho de língua
materna a partir de um viés dialógico.
A leitura da obra literária poderá assim fazer muito mais sentido para os estudantes, pois passa a ser entendida não como mero exercício de erudição e estilo, mas como caminho para se alcançar, por meio da fruição, a representação simbólica das experiências humanas. (PCN+, 2002, p. 58).
A última habilidade desenvolvida na competência de área 5 de LCT é
H17, que se refere à aptidão de o candidato “reconhecer a presença de valores
sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional”
(BRASIL, 2009a, p. 3). Nesse ponto, a MR atinge os gêneros literários em seu
viés cultural, como práticas de linguagem perpetuadas pela sociedade
conforme seu posicionamento axiológico frente a esses textos. Há, aqui, a
84
relação dialógica entre o individual e o coletivo (cf. seção 3.1) na construção da
identidade nacional, por meio do patrimônio literário. Mais uma vez, a MR
segue as diretrizes oficiais de ensino, visto que os PCNEM (1999) e os PCN+
(2002) remarcam a importância dos gêneros literários como representação
cultural do imaginário coletivo, apontando para a necessidade da literatura na
construção da identidade nacional. As OCN (2006, p. 54) apresentam essa
mesma percepção, defendendo que os gêneros textuais literários atingem
diretamente a própria humanização do indivíduo.
Prosseguindo nossa análise da MR, passamos agora para a
competência de área 6 de LCT, referente à capacidade de “compreender e
usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de
organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão,
comunicação e informação” (BRASIL, 2009a, p. 3). Entendemos que a
competência de área 6 atinge a noção de gênero textual em sua característica
primordial de elemento ideologicamente constituído, inscrito sob valores
culturais em um tempo-espaço peculiar. É nesse ponto que as práticas sociais
ganham seu espaço máximo na exploração dos sentidos inscritos nos gêneros
(cf. seção 3.2).
A competência de área 6 é outro recorte ipsis litteris de mais uma
competência traçada pelos PCNEM (1999, p. 126) para a área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias. Segundo essa diretriz pedagógica oficial, a
dimensão do simbólico na linguagem nos mostra o elo entre o passado e o
presente, unidos pela identidade cultural que recebemos da língua. Essa
identidade cultural se revela na interação direta com o outro, a partir do “caráter
intrassubjetivo, intersubjetivo e social da linguagem” (PCNEM, 1999, p. 127).
A competência de área 6 também se filia à competência específica
apresentada pelos PCNEM (ibid., p. 144) e pelos PCN+ (2002, p. 72):
“compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de
significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade” –
também reproduzida na competência de área 8 da MR, como veremos adiante.
Nesse último caso, também está destacada a importância da significação para
85
o estudo da língua portuguesa e a valorização do aspecto social para a
dinâmica que impulsiona o sistema linguístico.
As OCN (2006) também dialogam com a MR por meio da competência
de área 6, ao defender a necessidade de a dimensão social da língua ser
abordada em paralelo aos aspectos formais do sistema linguístico.
Levado a efeito esse raciocínio, cria-se um terreno de trabalho com a língua no qual não cabem atitudes e avaliações que a concebam como algo completamente exterior ao sujeito que a usa, com uma configuração formal estável e fechada, e apartada dele ou de quaisquer outros fatores de ordem sócio-histórica. Ao contrário, espera-se que o estudante, ao compreender determinadas normas gerais do funcionamento da língua (-gem), seja capaz de se ver incluído nos processos de produção e compreensão textual que implementa na escola ou fora dela, exatamente porque por meio deles se vai constituindo como ser de ação social. (BRASIL, 2006, p. 30).
A primeira habilidade apresentada pela competência de área 6 é H18:
“identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a
organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos” (BRASIL,
2009a, p. 3). Notamos que o caráter global da competência 6 ganha contornos
específicos em H18, indicando o texto como item principal de investigação.
Compreendemos que a dimensão formal dos gêneros textuais ganha destaque
e a esfera composicional é o principal viés a ser avaliado por esse item.
Podemos relacionar à H18, por exemplo, a interdependência
apresentada por Dolz e Schneuwly (2010) entre aspectos tipológicos e os
gêneros textuais, conforme demonstramos na seção 3.3 desta pesquisa.
Também faz sentido buscarmos desdobrar o que é chamado por progressão
temática por H18 em componentes textuais específicos a serem explorados,
tais como elementos de referência pessoal, temporal e espacial, tempos e
modos verbais, seleção lexical e a articulação de informações que colaboram
para a estruturação e progressão do texto.
Como mencionamos em 3.4, os PCNEM (1999) não evidenciam os
itens formais a serem trabalhados didaticamente para a aprendizagem prática
acerca da estrutura e organização dos gêneros. Os PCN+ (2002, p. 78), por
sua vez, já indicam alguns elementos possíveis de serem abarcados por H18
86
para a abordagem formal dos gêneros, sinalizando, por exemplo, a importância
em o educando saber organizar as idéias que permeiam o texto, por meio de
mecanismos estruturais, em um todo coerente, promovendo, assim, a
progressão temática. Os PCN+ também estão relacionados à H18, por fazerem
menção a elementos que contribuem para a estruturação textual como um
todo: mecanismos de coesão referencial, mecanismos de articulação frasal,
recursos do sistema verbal, recursos próprios do padrão escrito na organização
textual (paragrafação, periodização, pontuação sintagmática e expressiva, e
outros sinais gráficos).
Retomando a MR, temos, em seguida, H19: “analisar a função da
linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução”
(BRASIL, 2009a, p. 19). A partir de H19, podemos afirmar que a própria
dimensão temática dos gêneros textuais os relaciona às funções da linguagem,
uma vez que o tema permeia a finalidade textual e, por conseguinte, a função
que justifica o texto como evento comunicativo.
Os PCNEM (1999, p. 7) afirmam que a exploração das funções da
linguagem é um aspecto que conecta o estudo da língua materna à sua
realidade de instrumento de interação – do que conseguimos pressupor sua
relação com os gêneros textuais. Os PCN+ (2002, p. 109) já são mais
explícitos quanto à relação entre função de linguagem (a finalidade discursiva)
e gêneros, ao comentar a importância de o educando ser capaz de identificar e
empregar o gênero adequado à função do discurso requerida pela situação
comunicativa, tais como, por exemplo, relatar eventos ocorridos, fazer
sugestões e opinar sobre fatos, desculpar-se e agradecer etc. Também as
OCN (2006, p. 36) circunscrevem o trabalho didático das funções da linguagem
ao contato efetivo com diferentes gêneros, sempre os relacionando ao viés
prático que permeia o quadro comunicativo.
A competência de área 6 para LCT nos traz, ainda, H20, habilidade de
“reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da
memória e da identidade nacional” (BRASIL, 2009a, p. 3). Entendemos que
essa habilidade atinge os gêneros como produtos de cultura, que refletem, por
meio da língua, a identidade de uma coletividade. Consideramos, assim, que a
87
análise que fizéramos sobre a própria competência de área 6, no início deste
capítulo, aplica-se diretamente à H20.
Retomando a MR, passamos para a competência de área 7, que trata
da aptidão em “confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes
linguagens e suas manifestações específicas” (ibid., p. 3). Acreditamos que a
competência de área 7 atinge de modo mais direto os gêneros textuais
argumentativos, que, conforme apontam Dolz e Shneuwly (2010), desenvolvem,
justamente, as capacidades de linguagem de tomadas de posição, refutação,
negociação e sustentação.
Novamente a MR nos traz uma reprodução literal de uma competência
lançada para o Ensino Médio pelos PCNEM (1999, p. 129) para a área de LCT,
documento esse que assume a capacidade de argumentar como um dos
principais objetivos traçados para aquela etapa da Educação Básica (ibid., p.
125). A mesma competência é adaptada às especificidades de Língua
Portuguesa, tendo restringido seu enfoque à linguagem verbal (ibid., p. 143).
Nesse campo dos gêneros argumentativos, os PCNEM veem no diálogo, no
debate e na pesquisa os principais caminhos para o processo de aprender a
argumentar. Encontramos aí a ideia de que o aluno deve apropriar-se dos
discursos, construindo um posicionamento coerente frente a uma situação
dada. Assim,
Compreender a língua é saber avaliar e interpretar o ato interlocutivo, julgar, tomar uma posição consciente e responsável pelo que se fala/ escreve. [...] A experiência escolar é necessária e, mais, deve ser uma necessidade sentida pelo próprio aluno. Não enxergamos outra saída, senão o diálogo, para que o aluno aprenda a confrontar, defender, explicar suas ideias de forma organizada, em diferentes esferas de prática da palavra pública, compreendendo e refletindo sobre as marcas de atualização da linguagem (a posição dos interlocutores, o contexto extraverbal, suas normas, de acordo com as expectativas em jogo, a escolha dos gêneros e recursos) (ibid., p. 143-144).
Os PCN+ (2002, p. 73) também nos alertam sobre a importância do
desenvolvimento da argumentação para o próprio aprimoramento da linguagem
verbal, relacionando-o à capacidade de o educando perceber-se como
protagonista do discurso, tanto na interpretação como na produção de textos.
88
As OCN (2006, p. 38), por seu turno, inscrevem a argumentação aos “modos
de organização da composição textual”, enfatizando a intrínseca relação entre
a intenção do enunciador e o processo de criação do texto.
A competência de área 7 tem como um de seus desdobramentos H21,
que se refere à capacidade de “reconhecer em textos de diferentes gêneros
recursos verbais e não verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar
comportamentos e hábitos” (BRASIL, 2009a, p. 4). Essa habilidade novamente
inclui os gêneros textuais de modo explícito, ressaltando a importância de
reconhecer a intencionalidade enunciativa. Entendemos que H21 se relaciona à
aptidão de analisar os recursos expressivos (PCNEM, 1999, p. 137-144),
estendida, pela MR, tanto à linguagem verbal quanto à não verbal. Os PCN+
(2002, p. 72) e as OCN (2006, p. 38) também podem ser aqui mencionados,
pois sinalizam a relevância da identificação e finalidade dos diferentes recursos
expressivos do texto como instrumento à identificação da intencionalidade
discursiva.
H22 é a segunda habilidade apresentada pela competência de área 7:
“relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos
linguísticos” (BRASIL, 2009a, p. 4). Reconhecemos os gêneros nessa
habilidade tanto em sua dimensão temática quanto em seus aspectos
composicionais e estilísticos. H22 remete à necessidade de o professor
promover a leitura de gêneros variados, buscando proporcionar ao aluno a
capacidade de refletir “sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal”
(PCNEM, 1999, p. 21). Nesse processo, é importante salientar a participação
do leitor como “protagonista” (PCN+, 2002, p. 39) na construção dos sentidos
do texto.
Prosseguindo nossa análise, H23 nos remete à habilidade de “Inferir
em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo,
pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados” (BRASIL, 2009a, p.
4). Entendemos que, como marca nos gêneros textuais, a argumentação
ganha destaque em H23, desde sua influência na orientação temática até a
organização linguístico-discursiva. Nesse caso, podemos relacionar H23 às
estratégias textualizadoras indicadas pelas OCN (2006, p. 38), tais como os
89
modos de organização do discurso e as sequências textuais, as relações
lógico-semânticas e a própria progressão temática.
Os desdobramentos de H23 podem ser estendidos também à última
habilidade da competência de área 7, H24 – “reconhecer no texto estratégias
argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a
intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras” (BRASIL, 2009a, p.
4). Nessa habilidade, ganham ênfase os aspectos da dimensão composicional
que remetem à argumentação em sentido amplo, atingindo os gêneros a partir
de sua funcionalidade – principalmente no referente à adesão do destinatário
ao discurso. Percebemos, nesse ponto, os mecanismos enunciativos,
apresentados pelas OCN (2006, p. 38), como formas de agenciamento do
enunciatário pelo texto.
Chegamos, enfim, à competência de área 8, que se refere à
capacidade de “compreender e usar a língua portuguesa como língua materna,
geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria
identidade” (BRASIL, 2009a, p. 4). Mais uma vez, encontramos a reprodução
específica dos PCNEM (199, p. 131; 135), dos PCN+ (2002, p. 72; 73).
Podemos relacionar a competência de área 8 aos gêneros se o percebermos
como produtos culturalmente constituídos, reflexos da interação entre sujeito
social e historicamente localizado (cf. seção 3.2). As OCN (2006, p. 23) podem
ser vinculadas a essa competência por ressaltarem o vínculo de identidade que
une o indivíduo a sua língua materna.
Especificamente em relação a H25 – “identificar, em textos de
diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades
linguísticas sociais, regionais e de registro” (BRASIL, 2009a, p. 4) –,
entendemos que os gêneros textuais como conteúdo aparecem subordinados
ao tópico variação linguística. Nesse caso, não dedicaremos nossos
comentários a essa habilidade.
A próxima habilidade descrita na MR é H26: “relacionar as variedades
linguísticas a situações específicas de uso social” (BRASIL, 2009a, p. 4).
Nessa habilidade, compreendemos que a variação linguística aparece
subordinada à situação comunicativa, podendo ser, assim, diretamente
90
relacionada aos gêneros textuais. Aqui, ao se buscar a adequação linguística
ao gênero requerido pelo contexto de comunicação, percebemos que o estilo é
a principal dimensão do gênero a ser abordada. Podemos relacionar H26 às
competências relacionadas à contextualização sociocultural pelos PCN+ (2002,
p. 72), assim como às recomendações dadas pelas OCN (2006, p. 21) para o
desenvolvimento da percepção acerca do contexto em torno da manifestação
do discurso.
A última habilidade a ser comentada é H27, que diz respeito à
capacidade de “reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas
diferentes situações de comunicação” (BRASIL, 2009a, p. 4). Percebemos
também em H27 uma relação estreita entre a dimensão estilística dos gêneros
textuais e o quadro de interação verbal, valorizando, no caso da habilidade em
foco, o registro padrão da língua. Entram aqui os gêneros do domínio público,
sob registro mais formal, assumindo-se que a norma padrão é um ajuste
estilístico do gênero à situação comunicativa. Relacionamos, por fim, H27 aos
PCN+ (2002, p. 82), que ressaltam a importância da norma padrão como mais
um instrumento a favor da abordagem didática dos gêneros, visando ao
aprimoramento da competência comunicativa dos educandos.
Por meio desta análise, constatamos a forte influência das diretrizes
oficiais de ensino na elaboração MR no que tange os gêneros textuais. Os
pontos confluentes vão desde as citações diretas até correlação teórica,
mostrando a relevância da noção de gênero – na sua consideração a partir de
suas três dimensões constitutivas – para orientar tanto na elaboração das
questões da prova de LCT quanto na preparação do avaliando que prestará o
ENEM.
Pela observação da MR, podemos delinear os primeiros traços para um
perfil do tratamento dos gêneros pelo ENEM. Percebemos que diferentes
competências e habilidades avaliadas pelo exame podem ser aplicadas a
aspectos variados dos gêneros textuais. Notamos que há, de certa forma, um
equilíbrio na exploração dos constituintes genéricos ao longo da MR, ao
demonstrarmos que aquele documento leva em consideração fatores
relacionados ao tema, à composição e ao estilo. No capítulo 5, investigamos
91
como essa abordagem se realiza na prática, por meio da análise de nosso
corpus: as questões da prova de LCT que trabalham os gêneros textuais como
conteúdo avaliativo, ao longo das edições do ENEM de 2009 a 2012.
92
5. METODOLOGIA E ANÁLISE DO CORPUS
O presente capítulo se organiza em três seções. Primeiramente,
descrevemos a metodologia que guiou a seleção e organização do corpus de
nossa pesquisa (item 5.1). Em seguida, passamos para a análise do tratamento
dos gêneros textuais como conteúdo avaliativo nas questões da prova de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LCT) do ENEM (5.2). Por fim,
cruzamos esses dados com as diretrizes oficiais de ensino7 e com a Matriz de
Referência para o ENEM8, fazendo, assim, um aprofundamento da análise (5.3).
Esclarecemos que não é nossa intenção traçar um quadro avaliativo
acerca do ENEM como instrumento oficial de avaliação. Reiteramos que a
proposta de nossa Tese é identificar o tratamento dos gêneros textuais como
conteúdo em língua portuguesa. Desse modo, nossa análise se abstém da
pretensão de lançar qualquer tipo de crítica àquele exame. Nosso propósito se
limita, pois, a caracterizar a abordagem dos gêneros textuais a partir de suas
três dimensões constitutivas (temática, composicional e estilística) nas
questões objetivas da prova de LCT do ENEM.
5.1. Metodologia
Como primeiro passo da metodologia, delimitamos precisamente nosso
objeto de estudo: os gêneros textuais como conteúdo avaliativo nas questões
da prova de (LCT) do ENEM de 2009 a 2012. Esclarecemos, com isso, que não
incluímos em nosso corpus questões cujo direcionamento empregasse gêneros
textuais como instrumento para avaliar conteúdos diversos, como pretexto para
mensurar conhecimentos que não fossem relacionados ao gênero em foco.
Dito isso, passamos à composição do corpus.
Para a seleção do corpus de pesquisa, tomamos como base as provas
LCT do ENEM, aplicadas a partir da reformulação desse exame, ou seja, as
avaliações referentes aos anos de 2009 a 2012. Em virtude da reorganização
pela qual passou o ENEM – fato que alterou sua função e estrutura –,
decidimos não incluir neste trabalho as avaliações realizadas de 1998 a 2008. 7 Cf. seção 3.4.
8 Cf. capítulo 4.
93
Justificamos tal procedimento, por entendermos que o ENEM passou a
responder a uma nova orientação pedagógica, ao ter agregada a seu caráter
inicial de avaliação diagnóstica a função de exame seletivo para ingresso nas
universidades federais brasileiras.
É necessário esclarecer que decidimos incluir no corpus de pesquisa
as duas versões do ENEM realizadas em 2009, assim como também
analisamos as duas edições do ano de 2010. A primeira versão de 2009
(doravante 2009-1), cuja realização era prevista para outubro daquele ano, foi
cancelada pelo Ministério da Educação (MEC), em virtude da ocorrência fraude
(vazamento da avaliação). Devido ao incidente, o MEC organizou uma nova
aplicação das provas, que aconteceu, por fim, em dezembro de 2009 (2009-2).
Optamos por adotar ambas as edições do ENEM 2009, porque a eventualidade
que atingiu a primeira versão do exame não interferiu em sua elaboração como
instrumento avaliativo oficial.
No que tange às duas edições do ENEM 2010, uma série de problemas
na primeira realização do exame (2010-1) – vazamento da prova de redação,
erros de impressão nos cadernos de questões e nos cartões-resposta – obrigou o
MEC à reaplicação da prova (2010-2) em algumas localidades específicas, sem a
necessidade de anulação total da primeira avaliação. Nesse quadro, também
optamos por analisar as duas versões do exame em 2010, considerando seu
caráter avaliativo, como fizéramos em relação às edições do ano de 2009.
Adotamos dois procedimentos de seleção e organização das questões.
Primeiramente, restringimos o enfoque de investigação à prova de LCT, área
curricular do Ensino Médio que engloba a disciplina de Língua Portuguesa. A
segunda etapa consistiu em selecionar, entre as quarenta e cinco questões de
cada edição da prova de LCT, aquelas que avaliavam, de maneira direta ou
sob um viés implícito, competências e habilidades que envolvessem
conhecimentos relacionados à noção de gênero textual como objeto de ensino
em língua materna.
Esses expedientes delinearam os seguintes dados quantitativos para o
corpus: das 270 questões apresentadas nas seis edições analisadas da prova
de LCT, eliminaram-se, primeiramente, 20 questões destinadas à área de
94
Língua Estrangeira Moderna. Entre as 250 questões restantes, 146 foram
selecionadas como objeto de nosso estudo, justamente por abordarem os
gêneros textuais como conteúdo avaliativo. A tabela 1 mostra detalhadamente
a distribuição das questões selecionadas conforme as edições do exame.
QUANTITATIVO DO CORPUS DE PESQUISA
Edição do ENEM 2009-1 2009-2 2010-1 2010-2 2011 2012
Total de questões 45 45 45 45 45 45
Questões analisadas 26 27 21 24 21 27
Percentual9 58% 60% 47% 53% 47% 60%
Total de questões analisadas: 146 (54%)
Tabela 1. Quantitativo e distribuição do corpus segundo as edições do ENEM.
A tabela 1 confirma a relevância da investigação dos gêneros textuais
como conteúdo no ENEM, ao ilustrar a recorrência das questões destinadas à
abordagem dos gêneros na prova de LCT: do total de 270 questões
apresentadas nas seis edições pesquisadas (2009 a 2012), 146 (cerca de 54%)
destinavam-se a avaliar pelo menos um conhecimento relacionado aos gêneros
textuais. Defendemos que o alto índice de questões que trabalham os gêneros
se justifica pelas próprias características inerentes aos gêneros em sua tripla
dimensão constitutiva (temática, composicional e estilística), propriedade que
amplia significativamente as possibilidades de exploração de tal assunto sob o
prisma avaliativo.
A terceira etapa da metodologia consistiu no reconhecimento das
denominações que os gêneros textuais recebiam na prova de LCT.
Justificamos tal procedimento por entendermos que o nome do gênero textual
trabalhado como conteúdo auxilia o candidato na mobilização de
conhecimentos para a resolução da questão – embora entendamos que o
nome do gênero textual não é condição necessária ou mesmo suficiente para
atingi-lo em sua funcionalidade textual.
Devemos comentar que esse procedimento foi realizado sob uma
perspectiva qualitativa. Assim, traçamos um esboço sobre tal aspecto sem a
pretensão de quantificar os dados, ilustrando-os, quando necessário, por meio
9 Taxa percentual aproximada.
95
de questões da prova de LCT. Os dados obtidos nessa etapa são descritos no
item 5.2.1 da análise do corpus – Denominação dos gêneros textuais.
A quarta fase metodológica foi a organização das questões analisadas
em dois grupos: prototípicas e não prototípicas. Nesse ponto, nosso propósito
foi quantificar a relação entre a abordagem direta e o tratamento sob um matiz
mais implícito a respeito dos gêneros textuais na prova de LCT. Detalhamos
essas informações em 5.2.2 – Prototipicidade das questões (p. 103).
O quinto passo da metodologia constituiu o mapeamento dos gêneros
textuais e seus respectivos domínios discursivos na prova de LCT, de 2009 a
2012. Nosso objetivo foi identificar a recorrência desses elementos ao longo
das edições analisadas, mostrando, dessa forma, a tendência do exame acerca
da seleção dos gêneros a serem trabalhados como conteúdo. Em seguida,
exemplificamos cada um dos domínios discursivos com uma questão do corpus.
Tal expediente é desenvolvido na subseção 5.2.3 – Gêneros e domínios
discursivos no ENEM (p. 105).
A última etapa da metodologia baseou-se na caracterização da
abordagem dos gêneros textuais a partir de suas três dimensões constitutivas
(tema, composição e estilo). Por meio da elaboração de diagramas, esboçamos
a distribuição das questões em cada edição do exame, em função dos
aspectos constitutivos trabalhados. Por meio de tal estratégia, pretendemos
indicar as principais características dos gêneros exploradas pelo ENEM.
Lembramos ainda que, a cada edição analisada, apresentamos uma questão
da prova de LCT, para ilustrar a abordagem dos gêneros como conteúdo
avaliativo. Esse procedimento é encontrado em 5.2.4 – Dimensões
constitutivas dos gêneros textuais no ENEM (p. 115).
5.2. Análise do corpus
5.2.1. Denominação dos gêneros textuais
Concluída a seleção do corpus, tivemos a preocupação de observar,
sob enfoque qualitativo, se os gêneros textuais avaliados pelo ENEM eram
identificados por meio de alguma denominação ao longo da questão. Essa
96
primeira observação nos revelou informações que merecem ser comentadas.
Nesta passagem, aproveitamos para esclarecer, de pronto, que não nos
prendemos a informações quantitativas nesta etapa, tendo apenas a
preocupação de salientar as tendências de nomenclatura para os gêneros
textuais no ENEM, a partir da edição 2009-1.
Percebemos que a denominação dos gêneros textuais na prova de
LCT pode acontecer de diferentes maneiras. Por vezes, encontramos o nome
do gênero sob o senso comum, de uso cotidiano. Apresentamos alguns
exemplos: tirinha (questão 2/ ENEM 2009-1); novela (questão 132/ 2009-2);
notícia (questão 112/ ENEM 2010-1); currículo (questão 105/ ENEM 2010-2);
romance (questão 118/ ENEM 2011); poema (questão 121/ ENEM 2012). A
seguir, a figura 1 ilustra uma dessas ocorrências, pela denominação explícita
do gênero textual apresentado – notícia (questão 135/ ENEM 2010-2).
Figura 1. Denominação do gênero segundo senso comum (ENEM 2010-2/ 135, p. 18).
Em outras questões de nosso corpus, notamos que os gêneros
textuais aparecem denominados por uma nomenclatura global, que
97
identifica o domínio discursivo, porém não especifica necessariamente o
gênero apresentado. É o que encontramos, por exemplo, em “texto
jornalístico” (questão 124/ ENEM 2010-1), para uma notícia, e em “texto
publicitário” (questão 23/ ENEM 2009-1), para um anúncio (figura 2).
Figura 2. Denominação do gênero sob nomenclatura geral (ENEM 2009-1/ 23, p. 8).
Especificamente em duas questões do ENEM, percebemos a dificuldade
e, ao mesmo tempo, a necessidade de nomear o gênero para a elaboração dos
itens – daí a criação de denominações particulares que, em verdade, acabam por
indicar o caráter particular do gênero textual sob enfoque: “conversa por meio de
um programa de computador que permite comunicação direta pela Internet em
98
tempo real” (questão 1/ ENEM 2009-1 – figura 3), “gênero textual híbrido entre
carta e publicidade oficial” (questão 126/ ENEM 2009-2 – figura 4, p. 99). No
primeiro caso (figura 3), percebemos que a própria dinâmica de produção do
gênero e o canal utilizado para a interação acabam por especificar o gênero. Já
em 126/ ENEM 2009-2, o gênero textual propaganda institucional é denominado
como “gênero textual híbrido entre carta e publicidade oficial” (figura 4, p. 99).
Figura 3. Denominações particulares do gênero pelo ENEM (ENEM 2009-1/ 1, p. 2).
MESSENGER
99
Figura 4. Denominações particulares dos gêneros no ENEM (ENEM 2009-2/ 126, p. 15).
Devemos comentar que, em determinados casos, deparamo-nos com
expressões técnicas para a denominação dos gêneros textuais. Entre as questões
100
analisadas, essa nomenclatura especializada pode aparecer tanto sozinha como
acompanhada de uma das denominações que sinalizamos anteriormente10. Assim,
encontramos, por exemplo, expressões como “gênero textual” (questões 16, 30/
ENEM 2009-1; 105, 126/ ENEM 2009-2; 106/ ENEM 2010-2), “gêneros” (15/
ENEM 2009-1; 99/ ENEM 2010-2), “práticas de linguagem” (100/ ENEM 2010-1),
“tipo de texto” (questão 99/ ENEM 2010-1 – figura 5).
Figura 5. Expressão técnica na denominação do gênero (ENEM 2010-1/ 99, p. 6).
Consideramos válido mencionar, ainda, que, em algumas questões que
não apresentam nenhuma espécie de denominação dos gêneros textuais
trabalhados, é possível resgatar indícios do gênero em foco. Essas pistas são
geralmente encontradas nas referências do texto abordado ou no próprio
10
Cf. p. 92-94.
101
enunciado da questão. Um dos textos abordados na questão 31/ ENEM 2009-1,
por exemplo, é uma narrativa que, apenas pelos dados de sua referência
(“Contos sem propósito” – figura 6), podemos inferir que se trata de um
trecho de um conto.
Figura 6. Elementos indiciais para a identificação do gênero (ENEM 2009-1/ 31, p. 11).
Sob esse último aspecto, ressaltamos que a compreensão desses
indícios por parte do leitor é, em verdade, pouco mensurável, uma vez que a
percepção dos elementos indiciais se relaciona sensivelmente ao
conhecimento de mundo ou enciclopédico individual (Koch, 2006, p. 22). Para
102
exemplificação, mostramos a questão 98/ ENEM 2011 (figura 7), que traz um
trecho de narrativa para análise e apresenta na referência desse texto os
nomes do autor e da obra – “Rosa, J.G. Grande Sertão: veredas”.
Figura 7. Informação indicial acerca do gênero textual trabalhado (ENEM 2011/ 98, p. 7).
Entendemos que a apresentação desses dados, contudo, não garante
o reconhecimento do gênero em foco, visto que a citação dos nomes de autor e
obra não é suficiente para que o avaliando reconheça Grande Sertão: veredas
103
como um romance. Frente a tal problemática, optamos por considerar essa
nomeação indireta do gênero apenas quando as informações adicionais (sejam
nas referências do próprio texto, sejam no enunciado da questão)
apresentassem o nome do gênero textual abordado.
Esclarecemos que não tivemos a preocupação de abordar a
denominação dos gêneros textuais pelo ENEM sob parâmetros quantitativos.
Não obstante entendamos que a apresentação do gênero por um nome é um
auxílio para situar o foco sobre os conteúdos competências e habilidades a
serem avaliados pela questão, sabemos que o nome do gênero não se
apresenta como requisito necessário para a elaboração de um item a respeito
do gênero textual como conteúdo avaliativo. Assim, a denominação dos
gêneros pelo ENEM é aqui apresentada sob a forma de breve comentário, sem
a pretensão de descrever essas informações de modo incisivo.
5.2.2. Prototipicidade das questões
Em seguida, passamos a averiguar quais itens da prova de LCT
poderiam ser identificados como questões prototípicas acerca dos gêneros
textuais abordados como conteúdo em língua portuguesa. Para ser
considerada sob tal perspectiva, a questão deveria apresentar claramente
em seu enunciado uma referência ao gênero textual em foco –, tendo como
objetivo avaliar o conhecimento do candidato sob uma ou mais dimensões
que o caracterizam: seu tema, sua composição ou seu estilo. Essa
referência poderia ser o próprio nome do gênero abordado ou, ainda, uma
denominação abrangente que englobasse o tipo de enunciado abordado –
como, por exemplo, a própria expressão gênero textual.
A figura 8 (p. 104) ilustra um caso de questão prototípica (128/
ENEM 2012), em que o gênero textual trabalhado (entrevista) é explorado
em sua dimensão estilística.
104
Figura 8. Questão prototípica sobre gênero textual (ENEM 2012/ 128, p. 16).
O gráfico 1(p. 105) ilustra os dados que encontramos nesta etapa de
nossa investigação. Por ele, descrevemos o quantitativo de questões
prototípicas e não prototípicas a cada edição do ENEM analisada nesta
pesquisa.
QUESTÃO 128
105
48%
62%
46%48%48%
62%
38%
54%52%52%
38%
52%
0
10
20
30
40
50
60
70
2009-1 2009-2 2010-1 2010-2 2011 2012
Prototípicas
Não Prototípicas
Gráfico 1. Relação percentual de questões prototípicas e questões não prototípicas
sobre os gêneros textuais como conteúdo avaliativo no ENEM (2009 a 2012).
A partir do gráfico 1, percebemos um relativo equilíbrio entre questões
prototípicas e não prototípicas de 2009-1 a 2012, levando em conta as
pequenas oscilações apresentadas ao longo das provas analisadas. A média
percentual para questões prototípicas (75 itens) é de 51% no somatório para as
últimas seis edições, em contraponto a 49% (71 itens) para questões não
prototípicas.
Como os dados variam ao longo dos anos, não podemos definir
assertivamente que seja uma tendência do exame a abordagem dos gêneros
textuais sob um viés mais implícito ou a partir de um enfoque mais evidente.
Sentimos maior segurança em afirmar que o exame tende a equilibrar a relação
entre questões consideradas por nós como prototípicas e questões não
prototípicas.
5.2.3. Gêneros e domínios discursivos no ENEM
Nessa etapa da pesquisa, fizemos o reconhecimento dos gêneros
textuais apresentados como conteúdo a ser avaliado e seus respectivos
domínios discursivos. Para essa tarefa, baseamo-nos no quadro acerca dos
domínios discursivos e gêneros textuais elaborado por Marcuschi (2009, p.
GÊNEROS TEXTUAIS: QUESTÕES DE 2009 A 2012
Quantitativo Geral (2009 a 2012):
Prototípicas: 75 (51%)
Não Prototípicas: 71 (50%)
106
194-196), que atendeu satisfatoriamente as necessidades de análise impostas
por nosso corpus.
Sob tais circunstâncias, buscamos organizar os gêneros textuais
apresentados pelas 146 questões analisadas conforme o quadro apresentado por
Marcuschi (2009), indicando, ao mesmo tempo, o quantitativo dos gêneros
textuais abordados ao longo das seis edições do ENEM que investigamos. Esses
procedimentos nos conduziram à elaboração da tabela 2, a partir da tentativa de
enquadrar os gêneros textuais sob seus respectivos domínios discursivos.
Bem sabemos que muitos dos gêneros abordados na prova de LCT
pertencem a diferentes domínios discursivos; por isso mesmo, insistimos em
dizer que a tabela 2 é uma tentativa de ilustrar a seleção dos gêneros textuais
como conteúdo avaliativo pelo ENEM, na prova de LCT.
GÊNEROS TEXTUAIS NO ENEME DOMÍNIOS DISCURSIVOS – DE 2009 A 2012
Domínio Discursivo
Gênero Textual
2009-1 2009-2 2010-1 2010-2 2011 2012 Total por
gênero
Instrucional (Científico, acadêmico e educacional)
(11)
Artigo científico 1 2 3
Debate 1 1
Verbete 1 1 2
Biografia 1 1 2
Ensaio 1 1 2
Orientação curricular
1 1
Jornalístico (34)
Notícia 2 1 2 1 6
Resenha 1 1 1 3
Reportagem 1 1 3 2 1 1 9
Charge 1 1 1 3
Artigo 1 1 3 1 2 8
Editorial 1 1
Carta do leitor 2 1 3
Entrevista 1 1
Comercial (2)
Carta de solicitação de emprego
1 1
Currículo 1 1
Publicitário (20)
Anúncio 2 2 1 2 1 8
Propaganda Institucional
2 3 4 2 1 12
Lazer (12)
Quadrinho 2 3 2 2 9
Teste 1 1
Horóscopo 1 1
Anedota 1 1
Interpessoal Conversa11
1 1 2
11
Representação escrita do gênero oral, imposta pelo próprio formato material do exame.
107
(3) Carta 1 1
Ficcional (71)
Poema 11 4 1 5 4 8 33
Conto 2 1 2 3 8
Letra de música 2 1 1 1 3 1 9
Romance 2 3 2 2 1 10
Canção folclórica
1 1
Crônica 1 1 1 3 6
Novela 1 1 2
Memórias 1 1 2
Total por edição do
ENEM
35
21
21
26
23
27
TOTAL:
153
Tabela 2. Mapeamento dos gêneros textuais como conteúdo avaliativo no ENEM (2009 a 2012).
Esclarecemos, primeiramente, que o número de gêneros textuais
apresentado pela tabela 2 ultrapassa a quantidade de questões analisadas
pelo fato de alguns dos itens da prova de LCT apresentarem mais de um
gênero textual para a apreciação do candidato. Ressaltamos, também, que a
tabela 2 descreve apenas a ocorrência dos gêneros textuais como conteúdos a
serem avaliados. Salientamos, por isso, que muitos gêneros mencionados na
tabela apresentaram maior ocorrência do que as por ela registradas.
A tabela 2 nos revela que o ENEM busca inscrever-se sob a proposta
curricular de língua portuguesa traçada pelas diretrizes pedagógicas oficiais12, ao
propor uma abordagem diversificada dos gêneros. Ao longo das seis edições
analisadas, identificamos 23 gêneros textuais distintos, distribuídos entre 7
domínios discursivos, com um total de 153 ocorrências. Nesse ponto,
entendemos que o ENEM busca oferecer os gêneros como práticas
diversificadas de linguagem, explorando o potencial desses enunciados
conforme as atividades sociais que os sustentam como instrumento de interação.
Ressaltamos, contudo, que a tabela 2 aponta a supremacia dos
gêneros textuais complexos em relação aos gêneros simples13 na composição
da prova de LCT. Acreditamos que a própria natureza do exame – pautada
estritamente sob a modalidade escrita da língua – tende a direcionar à
avaliação de competências e habilidades relacionadas aos gêneros complexos.
12
Cf. seção 3.4. 13
Cf. seção 3.2.
108
Precisamos questionar, porém, a disparidade entre as ocorrências de
gêneros primários e o quantitativo de gêneros textuais secundários:
respectivamente 3 (anedota (1) e conversa (2) – esta última só podendo ser
assim considerada, caso entendamos a representação escrita do gênero
conversa como um gênero textual primário) contra 150 gêneros complexos.
Nesse aspecto, entendemos que o ENEM se mostra divergente aos objetivos
traçados pelas diretrizes pedagógicas oficiais – PCNEM (1999), PCN+ e OCN
(2006) –, documentos esses que defendem o equilíbrio entre esses dois grupos.
O gráfico 3, a seguir, complementa a tabela 2, ao indicar a taxa
percentual da ocorrência de cada domínio discursivo encontrado no ENEM, ao
longo das seis edições analisadas neste trabalho.
Gráfico 2. Relação percentual dos domínios discursivos no ENEM (2009 a 2012)14
.
Prosseguindo nossa análise, também identificamos, por meio da tabela 2
e do gráfico 2, quais os domínios discursivos mais recorrentes e quais os
gêneros textuais mais abordados como conteúdo avaliativo na prova de LCT de
2009 a 2012. O domínio ficcional aparece em primeiro lugar, com 71 ocorrências
do corpus (aproximadamente 48%). Acreditamos que o reconhecimento que a
linguagem literária recebe pela Matriz de Referência para o ENEM (2009)
influencie diretamente o alto índice de gêneros textuais sob o domínio ficcional
14
Taxas percentuais aproximadas.
109
na prova de LCT. Como vimos no capítulo 4 de nossa pesquisa, a Matriz de
Referência de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias destina três habilidades
exclusivamente para a abordagem do texto literário no ENEM.
Nesse ponto, é válido comentar a recorrência dos gêneros poema (33
dados) e romance (10 ocorrências) entre os demais gêneros ficcionais. A
predileção pelos dois gêneros mencionados, tipicamente literários, atinge cerca
de 28% do total dos dados totais e pode ser interpretada como uma tendência
do exame em abordar o conceito de gênero ainda relacionado de modo muito
interligado ao discurso literário.
Exemplificamos, a seguir, o domínio discursivo ficcional com o gênero
textual poema, apresentado pela questão 101 do ENEM 2012 (figura 9).
Figura 9. Abordagem do gênero textual poema – domínio discursivo ficcional (ENEM 2012/ 101, p. 8).
QUESTÃO 101
110
O segundo domínio discursivo mais recorrente, de acordo com a tabela
2 (p. 106-107) e o gráfico 2 (p. 108), é o jornalístico, com aproximadamente
23% dos dados no corpus. Sob a esfera jornalística, os gêneros textuais mais
abordados foram a reportagem e o artigo (respectivamente 9 e 8 ocorrências).
Os gêneros jornalísticos nos chamam a atenção não necessariamente por seu
quantitativo, mas sim por sua diversidade. Embora com o número de
ocorrência menor do que o domínio discursivo ficcional, o domínio jornalístico
mostra-se páreo ao primeiro em relação à variedade: foram encontrados 8
gêneros jornalísticos diferentes, constituindo um total de 34 ocorrências em
nosso corpus. Ilustramos, pelo gênero textual reportagem (figura 10), o domínio
discursivo jornalístico – questão 105/ ENEM 2012.
Figura 10. Abordagem do gênero textual reportagem – domínio discursivo jornalístico
(ENEM 2012/ 105, p. 9).
Retomando a tabela 2 (p. 106-107) e o gráfico 2 (p. 108), comentamos
o terceiro domínio discursivo mais recorrente: o publicitário (20 dados –
aproximadamente 12%). Nesse domínio, a constância do gênero textual
QUESTÃO 105
111
propaganda institucional chama nossa atenção (12 ocorrências). As
propagandas institucionais destinam-se à promoção de temáticas educativas,
geralmente relacionadas à saúde – campanhas contra as drogas (questão 119/
ENEM 2010-2) e o tabagismo (questão 30/ ENEM 2009-1), por exemplo – ou,
ainda, à sensibilização a problemas sociais – tais como solidariedade a
crianças abandonadas (questão 102/ ENEM 2010-2) e conscientização acerca
do desmatamento de florestas (questão 5/ ENEM 2009-1). São textos
assinados, na maior parte dos casos, por instituições públicas ou organizações
não governamentais.
Apresentamos, a seguir, a figura 11 como exemplo de questão
dedicada ao gênero textual propaganda institucional – domínio discursivo
publicitário (questão 96/ ENEM 2009-1).
Figura 11. Abordagem do gênero textual propaganda institucional – domínio discursivo
publicitário (ENEM 2009-1/ 96, p. 9).
112
Prosseguindo nossa análise, o lazer aparece, na tabela 2 (106-107) e
no gráfico 2 (p. 108), como quarto domínio discursivo de maior ocorrência (12 –
aproximadamente 8%); essa posição deve-se principalmente ao gênero textual
história em quadrinhos (9 dados). A abordagem dos quadrinhos tende a se
orientar para os efeitos de sentido criados pela conjugação entre estrutura
composicional e elementos estilísticos peculiares a esse gênero, tal como
acontece na questão 110/ ENEM 2010-2 (figura 12).
Figura 12. Abordagem do gênero textual história em quadrinhos – domínio discursivo
lazer (ENEM 2010-2/ 110, p. 10).
Com o total de 11 ocorrências (cerca de 7%), o domínio discursivo
instrucional aparece na quinta colocação na tabela 2 (p. 106-107) e no gráfico 2
(p. 108). Nas provas analisadas do ENEM, esse domínio não apresenta um
gênero que se sobressalte em relação ao conjunto como um todo, mostrando-
se a diversidade como fator relevante ao longo das edições averiguadas. A
113
biografia apresentada pela questão 113/ ENEM 2010-1 (figura 13) é um
exemplo dos gêneros sob o domínio discursivo instrucional.
Figura 13. Abordagem do gênero textual biografia – domínio discursivo instrucional
(ENEM 2010-1/ 113, p. 12).
Finalmente, na tabela 2 (p. 106-107) e no gráfico 2 (p. 108),
constatamos que os domínios comercial e interpessoal não apresentam
dados suficientes para os identificarmos como esferas discursivas
recorrentes no exame em foco (respectivamente 2 e 3 dados, que
somados atingem pouco mais de 3% do corpus). Apesar dessa
114
constatação, consideramos válido exemplificar o domínio discursivo
comercial com a questão 105/ 2010-2, na figura 14.
Figura 14. Abordagem do gênero textual currículo – domínio discursivo comercial (ENEM 2010-2/ 105, p. 8).
Os domínios discursivos apresentados pelo ENEM podem ser
colocados em um continuum, abarcando os gêneros textuais públicos e
privados. É notória, porém, a predileção da prova de LCT pelo segundo grupo,
orientando à conclusão de que o ensino em língua materna, na concepção do
exame, pauta-se principalmente na modalidade escrita, com enfoque na norma
culta.
É válido também comentar que a variedade de domínios discursivos e
gêneros encontrada reflete a perspectiva pedagógica defendida nas diretrizes
115
oficiais (PCNEM, PCN+ e OCN15), o que deixa clara a necessidade de a escola
desenvolver uma proposta diversificada de ensino da língua portuguesa,
assumindo o texto como objeto de trabalho para a ação didática.
5.2.4. Dimensões constitutivas dos gêneros textuais no ENEM
Passamos, nesse ponto, a identificar os elementos constitutivos dos
gêneros textuais – tema, composição e estilo – nas questões da prova de LCT.
Na análise do corpus, tivemos a preocupação de apontar a distribuição dos
gêneros textuais de acordo com a dimensão abordada em cada questão.
Tivemos o cuidado e averiguar a distribuição desses dados em cada uma das
edições analisadas por meio de diagramas, para, então, fazermos um
apanhado geral que caracterize a tendência do exame de modo amplo16.
O diagrama 1ilustra a distribuição das questões segundo a dimensão
constitutiva do gênero na edição 2009-1 do ENEM. Sua leitura nos mostra a
dinâmica da distribuição das questões conforme o aspecto explorado na
verificação das competências e habilidades em língua portuguesa.
Diagrama 1. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-1.
O diagrama 1 revela que, na edição do ENEM 2009-1, em um total de 26
questões que abordavam os gêneros textuais como conteúdo avaliativo, 20
dedicaram-se às dimensões constitutivas do gênero de modo isolado: 9 questões 15
Cf. seção 3.4. 16
Cf. 5.3.
Tema
9
3 2
1
Composição 0 Estilo
6 5
Total: 26 questões
1
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2009-1)
116
trabalharam o tema, 6 a composição e 5 o estilo. Observamos também que
algumas questões são desenvolvidas a partir da combinação entre dois ou mais
aspectos constitutivos: 3 exploravam o tema e a composição, 2 o tema e o estilo e
1 conjugava as três dimensões constitutivas. Não encontramos nenhuma questão
que explorasse tanto a composição quanto o estilo. Assim, embora o diagrama 1
aponte para a tentativa de uma abordagem a partir da tripla constituição dos
gêneros, a exploração desses aspectos tende a acontecer de modo isolado.
Para cada edição analisada, apresentamos uma questão que ilustra a
abordagem das dimensões constitutivas dos gêneros na prova de LCT. A figura
15 apresenta a questão 11/ ENEM 2009-1, em que as três dimensões do gênero
devem ser identificadas pelo candidato para o reconhecimento da alternativa
correta – transformação do texto literário em texto jornalístico. Na passagem do
conto em notícia, é necessário que o avaliando disponha de diferentes estratégias
para adaptar o assunto à nova finalidade discursiva, bem como para reorganizar o
enunciado em sua nova disposição textual – desde sua macroestrutura até seu
arranjo léxico-gramatical.
Figura 15. Abordagem do gênero em rês dimensões constitutivas: temática, composicional e estilística (ENEM 2009-1/ 11, p. 4).
117
Retomando a análise das dimensões constitutivas, apresentamos, na
sequência, o diagrama 2, que diz respeito à edição do ENEM 2009-2. Por ele,
notamos que a tendência em abordar as dimensões constitutivas isoladamente
se confirma (17 questões) na segunda edição do exame em 2009. Dessa vez,
porém, o número de questões que abordam mais de um aspecto constitutivo
aumenta (10) em relação a 2009-1.
Diagrama 2. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-2.
Assim, sob a perspectiva de abordagem dos gêneros em suas
dimensões constitutivas isoladas, temos 7 questões que trabalham apenas o
tema dos gêneros textuais, 5 dedicadas à composição e 5 ao estilo. Já as
questões que buscam uma abordagem múltipla estão dispostas da seguinte
maneira: 3 voltadas ao tema à composição, 3 para tema e estilo, 2 para
composição e estilo e 2 contemplando as três dimensões. Como aconteceu na
edição anterior, em 2009-1 o tema recebe destaque na abordagem dos
gêneros textuais como conteúdo na prova de LCT.
Na maioria das vezes, o tema é abordado sob viés da interpretação
textual. De forma mais escassa, encontramos questões que tratam essa
dimensão a partir da finalidade discursiva do gênero textual. A questão 97/
ENEM 2009-2 (figura 16), por exemplo, aborda o gênero campanha
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2009-2)
Total: 27 questões
Tema
7
3 3
2
Composição 2 Estilo
5 5
1
118
institucional a partir da finalidade do texto. A questão conduz o avaliando a
refletir sobre o propósito da propaganda institucional – a vontade discursiva
que orienta o texto17.
Figura 16. Abordagem do gênero a partir da dimensão temática (ENEM 2009-2/ 97, p. 4).
Passando para o diagrama 3, que diz respeito ao ENEM 2010-1,
percebemos que, novamente, o tema é a dimensão constitutiva mais
trabalhada (7 questões). A abordagem da composição isolada, por sua vez, foi
representada por 2 questões, ao passo que o estilo apresentou 3 ocorrências.
Para questões que abordam os gêneros a partir de mais de um aspecto
17
Cf. 3.2.
119
constitutivo, encontramos 9 itens (7 para tema e composição; 2 para tema,
composição e estilo).
Neste diagrama, chama nossa o número de questões que abordam
simultaneamente elementos temáticos e composicionais. É o maior número de
ocorrências (7) nessa interseção entre as edições avaliadas, ultrapassando, até
mesmo, dois conjuntos que trabalham as dimensões isoladamente –
composição (2) e estilo (3). Interpretamos esses dados como uma tentativa de
explorar os gêneros de um modo mais amplo, a partir do tratamento do gênero
sob um enfoque múltiplo.
Diagrama 3. Abordagem dos gêneros no ENEM 2010-1.
Para exemplificar o ENEM 2010-1, selecionamos a questão 124 (figura
17, p. 120). Neste item, o gênero textual reportagem é abordado a partir de
aspectos temáticos (opinião do autor a respeito do assunto tratado pelo texto) e
composicionais (identificação das marcas argumentativas no texto que
sinalizam esse posicionamento):
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2010-1)
Tema
7
7 2 0
Composição 0 Estilo
2 3
Total: 21 questões
1
120
Figura 17. Abordagem do gênero a partir das dimensões temática e composicional (ENEM 2010-1/ 124, p. 15).
A edição do ENEM 2010-2, por sua vez, é representada em nossa
análise pelo diagrama 4 (p. 121). Verificamos, mais uma vez, que o tema é a
principal dimensão constitutiva dos gêneros trabalhada pelas questões de
modo isolado (7 ocorrências). Seguem-se a composição e o estilo, abordados
com exclusividade respectivamente em 6 e 4 questões. Em 2010-2
encontramos o maior número de itens dedicados aos três aspectos
constitutivos simultaneamente (3 ocorrências). Comentamos, ainda, a presença
de 4 questões dedicadas tanto ao tema quanto à composição – única área de
interseção marcada em todas as edições analisadas.
121
Diagrama 4. Abordagem dos gêneros no ENEM 2010-2.
Para ilustrar o ENEM 2010-2, apresentamos a questão 119 (figura 18).
Nesse caso, identificamos a exploração da dimensão estilística na abordagem
do gênero textual propaganda institucional. Nesse item, a significação global é
diretamente influenciada pelos elementos linguísticos stricto sensu do texto: o
emprego do artigo definido feminino singular ao invés da crase entre artigo e
preposição.
Figura 18. Abordagem do gênero a partir da dimensão estilística (ENEM 2010-2/ 119, p. 13).
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2010-2)
Tema
7
4 3 0
Composição 0 Estilo
6 4
Total: 24 questões
1
122
Continuando nossa análise, apresentamos o diagrama 5, que descreve
a distribuição das questões referentes aos gêneros textuais como conteúdo
avaliativo encontrados no ENEM 2011:
Diagrama 5. Abordagem dos gêneros no ENEM 2011.
O diagrama 5 ratifica o papel de destaque ocupado pelas questões
dedicadas exclusivamente à dimensão temática dos gêneros textuais (8
ocorrências), seguidas de 2 itens para a composição e 2 também para o
estilo. Como em 2009-2 (diagrama 2, p. 117), todas as áreas de interseção
foram preenchidas, indicando uma apreciação dos gêneros a partir de uma
perspectiva múltipla. Encontramos, assim, 5 questões dedicadas ao tema e
à composição, 1 que trabalha o tema e o estilo, 1 que atinge tanto a
composição e quanto o estilo e 2 que exploram a três dimensões
constitutivas do gênero.
A questão 124 do ENEM 2011 (figura 19, p. 123) foi selecionada para
representar essa edição do exame. Neste item, composição e estilo são
explorados concomitantemente, uma vez que o candidato deve relacionar os
elementos lexicais aos aspectos estruturais (conjugação de dados visuais ao
elemento verbal) para reconstruir os sentidos no gênero textual anúncio:
1
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2011)
Tema
8
5 1
2
Composição 1 Estilo
2 2
Total: 21 questões
123
Figura 19. Abordagem do gênero a partir das dimensões composicional e estilística (ENEM 2011/ 124, p. 15).
Chegamos, enfim, ao diagrama 6 (p. 124), referente à distribuição das
questões sobre os gêneros textuais no ENEM 2012. A dimensão temática (12
ocorrências), mais uma vez, é ressaltada entre os outros fatores constitutivos e
suas combinações. Também sob enfoque isolado, temos 2 itens dedicados à
composição e 5 ao estilo. Percebemos, porém, a tentativa de explorar os
gêneros textuais em seus diferentes aspectos, nessa edição da prova de LCT,
pelo preenchimento de todas as interseções deste diagrama. Assim, a partir da
combinação entre as dimensões constitutivas, encontramos 4 questões
voltadas ao tema e ao estilo, 1 ao tema e à composição, 2 ao estilo e à
composição e 1 direcionada aos três aspectos.
124
QUESTÃO 123 Logia e mitologia Meu coração de mil e novecentos e setenta e dois Já não palpita fagueiro sabe qyue há morcegos de pesadas olheiras que há cabras malignas que há cardumes de hienas infiltradas no vão da unha da alma um porco belicoso de radar e que sangra e ri e que sangra e ri a vida anoitece provisória centuriões sentinelas do Oiapoque ao Chui. CACASO. Lero-lero. Rio de Janeiro:7letrAs; São Paulo: Cosac &Naify,2002.
Diagrama 6. Abordagem dos gêneros no ENEM 2012.
Elegemos duas questões para ilustrar o ENEM 2012, para dar maior
destaque à edição mais recente do exame. Primeiramente, a questão 126
(figura 20), que explora o gênero textual poema em função das dimensões
temática e estilística. Para solucionar o item, o avaliando deve perceber que a
seleção lexical do texto cria uma série de alegorias que se relacionam
estreitamente à temática genérica – crítica contra a ditadura militar.
.
Figura 20. Abordagem do gênero a partir das dimensões temática e estilística (ENEM 2012/ 126, p. 16).
1
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2012)
Tema
12
1 4
1
Composição Estilo
2 2 5
Total: 27 questões
O título do poema explora a
expressividade de termos que representam o
conflito do momento histórico vivido pelo
poeta na década de 1970.Nesse contexto, é
correto afirmar que
A) o poeta utiliza uma série de metáforas
zoológicas com significado impreciso .
B) “morcegos”, “cabras”, e “hienas”
metaforizam as vítimas do regime militar
vigente.
C) O “porco” , animal difícil de domesticar,
representa os movimentos de resistência.
D) O poeta caracteriza o momento de
opressão através de alegorias de forte poder
de impacto.
E) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os
agentes que garantem a paz social
experimentada.
125
Na sequência, apresentamos, ainda, a questão 99/ ENEM 2012
(figura 21), a fim exemplificar a abordagem do gênero textual (história em
quadrinhos) a partir de seus aspectos composicionais. Neste caso, para
identificar a alternativa correta, o candidato deve perceber que as
estratégias argumentativas se apresentam conjugadas à disposição típica
da organização textual do gênero história em quadrinhos.
Figura 21. Abordagem do gênero a partir da dimensão composicional (ENEM 2012/ 99, p. 7).
Fizemos um panorama acerca dos gêneros textuais nas seis edições
do ENEM analisadas. Essas considerações nos levam ao item seguinte, em
que apresentamos ainda algumas observações a respeito dos gêneros textuais
na prova de LCT.
5.3. Aprofundamento da análise
Apresentamos, por fim, o diagrama 7, cuja função é ilustrar a síntese
da distribuição dos gêneros textuais em virtude das dimensões constitutivas
abordadas, na prova de LCT, ao longo das seis edições do ENEM analisadas
neste trabalho. Por ele, percebemos quais as dimensões dos gêneros são mais
QUESTÃO 99
126
trabalhadas e identificamos qual a visão da prova de LCT acerca dos gêneros
textuais como conteúdo avaliativo.
Diagrama 7. Abordagem dos gêneros no ENEM 2009-1 a 2012.
O diagrama 7 confirma o tema como a principal dimensão constitutiva
abordada de modo isolado pelo ENEM. Com 50 ocorrências (cerca de 34% do
corpus), os aspectos temáticos costumam ser trabalhados fundamentalmente a
partir da interpretação textual, podendo, também, ser desenvolvidos em virtude
da finalidade discursiva do gênero.
A dimensão temática atinge sua maior relevância ao somarmos as
questões que trabalham o tema de modo conjugado a outros aspectos
constitutivos dos gêneros textuais. Nessas circunstâncias, o elemento temático
atinge 94 itens do total de ocorrências, das quais 23 estão atreladas à
composição, 10 ao estilo e 11 a essas duas dimensões simultaneamente.
A composição, por sua vez, foi trabalhada em 23 questões (cerca de
16%) de modo isodado, atingindo a marca de 62 dos dados, quando
consideramos as questões em que a dimensão composicional aparece
vinculada ao tema ou ao estilo. Na prova de LCT, a composição geralmente é
abordada em função da influência da estruturação do gênero e suas partes
sobre o significado global do texto.
1
DIMENSÕES CONSTITUTIVAS DO GÊNERO (ENEM 2009-1 a 2012)
Tema
50
23 10
11
Composição 5 Estilo
23 24
Total:146 questões
127
Em relação ao estilo, ainda que isoladamente os dados lhe indiquem
como segundo elemento constitutivo mais trabalhado (24 itens – pouco mais de
16%), essa dimensão apresenta o menor número de ocorrências no corpus, ao
agregarmos a esses itens os dados compartilhados com o tema ou com a
composição (50 dados – aproximadamente 34%).
Mencionamos, também, a diferença entre o quantitativo de questões
destinadas a abordagem das dimensões genéricas de modo isolado ao número
de questões que trabalham pelo menos dois aspectos constitutivos dos
gêneros textuais. Nesse caso, o primeiro conjunto apresenta 97 ocorrências
(cerca de 66% do corpus), em contraponto ao segundo grupo, com 49 itens
(aproximadamente 34% das questões).
Compreendemos esses dados como uma evidência de que o ENEM,
de 2009 a 2012, apresente a tendência de abordar os gêneros textuais a partir
de características isoladas nas questões da prova de LCT. Embora os dados
nos conduzam a essa constatação, reconhecemos que as diferentes
ocorrências dedicadas aos gêneros a partir de mais de uma dimensão
constitutiva sinalizam uma preocupação de explorar os gêneros textuais a
partir de uma perspectiva múltipla – ainda que não seja o principal
direcionamento.
Consideramos que o ENEM, no tocante aos gêneros textuais, segue as
orientações das diretrizes oficiais de ensino18, pelo destaque que os gêneros
recebem na prova de LCT, bem como pelo enfoque plural atribuído ao assunto
ao longo dessa avaliação. Embora fique reconhecido o mérito do ENEM nesse
aspecto, sinalizamos que os gêneros, na maioria dos casos, são trabalhados
sob seu viés temático, a partir da interpretação textual, ficando as dimensões
composicionais e estilísticas em segundo plano.
Também aproveitamos essa subseção para fazemos uma observação
específica a respeito do gênero textual propaganda institucional – segundo
gênero mais encontrado em nosso corpus (12 ocorrências). Além de cumprir
seu papel de gêneros avaliados como conteúdo na prova de LCT, a
18
Cf. seção 3.4.
128
propaganda institucional parece responder a certo valor educativo apresentado
por alguns textos selecionados para aquela avaliação.
Nesse ponto, entendemos que o ENEM se caracteriza não só como um
instrumento voltado à mensuração de saberes construídos ao longo da
Educação Básica, mas se apresenta como extensão das próprias diretrizes
pedagógicas oficiais, pelo fato de apresentar textos cujas temáticas acabam
revelando uma dimensão didática e, assim, promovem conhecimentos e
valores vinculados àqueles documentos oficiais. Desse modo, compreendemos
que, ao transpassar seu papel de instrumento avaliativo e inscrever-se em um
discurso de cunho pedagógico, o exame tende a adotar uma imagem (ethos)
educativa, divulgando informações voltadas à construção de conhecimentos e
à mudança de hábitos e valores. Não nos aprofundaremos nessa discussão,
por não ser tal assunto o foco desta Tese. Sentimos a necessidade, porém, de
deixar esse pequeno comentário para possíveis encaminhamentos sobre esse
aspecto.
Passando para um enfoque global sobre a prova de LCT do ENEM,
podemos afirmar que o exame, ao assumir os gêneros textuais como um dos
principais conteúdos a serem avaliados, consolida a adoção do texto como item
fundamental para o ensino de língua portuguesa pela educação escolar. Nesse
aspecto, entendemos que o ENEM responde às expectativas pedagógicas
lançadas pelos PCNEM (1999), PCN+ (2002) e OCN (2006).
Respondendo à competência de área 5 da Matriz de Referência para o
ENEM (que é um recorte literal dos PCNEM por sua vez)19, as questões da
prova de LCT trabalham os textos a partir de sua função, organização e
estrutura, bem como promovem a exploração de diferentes recursos
expressivos. Dessa maneira, é necessário que o avaliando mobilize diferentes
estratégias linguístico-discursivas para identificar a alternativa adequada para a
solução de cada questão.
A diversidade de gêneros na prova de LCT é mais um aspecto que filia
o ENEM às diretrizes pedagógicas oficiais para o Ensino Médio. A pluralidade
de textos, de variados domínios discursivos, demanda do candidato a vivência
19
Cf. capítulo 4, p. 81.
129
desses gêneros, em diferentes situações de interação que os sustentam como
práticas sociais, exigência essa que remete à responsabilidade da escola em
promover o trabalho com os gêneros.
Essa multiplicidade de gêneros na prova também retoma a
competência de área 6 da MR (outra citação direta dos PCNEM20), que sinaliza
a importância da compreensão e uso da linguagem como instrumento das
diferentes formas de interação para a organização cognitiva da realidade.
É preciso lembrar, porém, que o próprio formato do ENEM conduz à
didatização dos gêneros – não podemos nos esquecer de que todos os textos
escolhidos para o exame tem seu papel de instrumentos de interação
transpostos para um enfoque avaliativo. Nesse sentido, compreendemos que é
inevitável uma transfiguração da função dos gêneros textuais, visto que há uma
adaptação de conhecimentos práticos – o emprego dos gêneros textuais em
situações reais de comunicação – em estratégias de reconhecimento
informações e seleção de itens nas questões.
Entendemos, por fim, que o ENEM reconhece a importância do viés
discursivo para o ensino de língua portuguesa. Em seu perfil de instrumento
avaliativo, notamos a relevância que o texto – como elemento cultural e produto
de interação – recebe no desenvolvimento de cada uma das questões. Nessa
perspectiva, afirmamos que o exame se apresenta como uma tentativa da
concretização das orientações dos PCNEM, aos PCN+ e às OCN a respeito
dos gêneros textuais.
20
Cf. capítulo 4, p. 84.
130
6. CONCLUSÃO
Os gêneros textuais, como objeto de pesquisa, conquistaram seu
espaço no meio acadêmico; as diferentes perspectivas de abordagem
convergem para um ponto comum: a interação como motivação principal a
orientar a comunicação humana. Os gêneros, ao refletirem os processos
interativos, carregam consigo as marcas culturais impressas na língua – a
pluralidade de vozes que sustentam a tessitura do discurso como realidade.
Buscamos, nesta pesquisa, dimensionar a noção de gênero textual a
partir do viés dialógico e ampliar tal conceito por meio de diferentes matizes
teóricos. Percebemos que os gêneros devem ser compreendidos como
entidades discursivo-pragmáticas, orientadas por elementos culturalmente
determinados e (re-) modeladas pela língua em seu uso, em suas diferentes
manifestações cotidianas. Apontamos, também, que os gêneros mantêm sua
integridade não necessariamente por seus aspectos estruturais, mas em
virtude de sua funcionalidade.
Também sondamos os gêneros como instrumentos mediadores ao
ensino de língua materna, a partir do trabalho didático dedicado a suas
características discursivas. A inclusão dos gêneros no processo de
aprendizagem auxilia o aprimoramento da competência comunicativa, levando
o aluno a refletir sobre a linguagem verbal como prática social. Para tanto, a
inserção do gênero em sala de aula deve ser motivada a partir de situações
práticas de interação, sinalizando sempre a funcionalidade social que norteia a
dinâmica discursiva.
Nossa investigação observou os gêneros textuais como conteúdo
avaliativo na prova de LCT no ENEM, nas seis edições realizadas de 2009 a
2012. Nessa tarefa, tivemos a preocupação de delinear a abordagem dos
gêneros a partir das diretrizes pedagógicas oficiais para o Ensino Médio.
Notamos que é possível estabelecer um paulatino aprofundamento teórico-
metodológico acerca dos gêneros nesses documentos. Partimos dos PCNEM
(1999), que assumem o texto como objeto de investigação didática e sinaliza a
importância do trabalho com os gêneros textuais para o ensino de português
131
como língua materna. Passamos, em seguida, pelos PCN+ (2002), diretriz que
amplia o documento anterior, ao sinalizar a importância da conjugação entre a
observação da dinâmica social dos gêneros aos seus elementos formais.
Chegamos, por fim, às OCN (2006), que enfatizam o trabalho didático a partir
dos gêneros como um caminho real ao aprimoramento da competência
comunicativa dos educandos, apresentando conteúdos práticos a serem
trabalhados para o desenvolvimento das competências e habilidades
estabelecidas para o ensino de língua portuguesa.
Feitas as considerações necessárias a respeito das diretrizes oficiais
de ensino, investigamos a Matriz de Referência para o ENEM (MR).
Demonstramos que esse documento busca apresentar os gêneros textuais
de modo amplo, explorando suas dimensões constitutivas de modo
equilibrado.
A observação da MR nos levou a concluir, também que, o ENEM
responde às expectativas traçadas pelas diretrizes pedagógicas oficiais (PCN,
PCN+ e OCN) no que se refere aos gêneros. Como vimos, além de muitas das
competências e habilidades traçadas serem citações diretas daqueles
documentos, notamos a congruência de perspectivas teóricas entre MR e
diretrizes, mostrando sempre o papel dos gêneros textuais como produtos
culturais e instrumentos de interação. As competências e habilidades
analisadas nos auxiliaram a compreender que as questões do corpus
respondem ao plano avaliativo traçado pela MR, observando os gêneros a
partir de sua materialidade como enunciados, ao considerar desde suas
estruturas linguístico-discursivas, até sua finalidade como produto de interação.
Passamos, em seguida, para a análise de nosso corpus. Verificamos
146 questões que trabalhavam os gêneros textuais como conteúdo avaliativo
na prova de LCT, selecionadas nas seis edições do ENEM realizadas a partir
da reformulação do exame em 2009.
Em nossa primeira etapa de análise, sinalizamos as denominações
usadas pelo ENEM para os gêneros trabalhados. Sem a preocupação de
apresentar dados quantitativos sobre esse aspecto, demonstramos que não há
um padrão para a nomenclatura dos gêneros textuais no ENEM, aparecendo
132
desde a denominação comum dos tipos de enunciado (poema, editorial,
currículo, carta, por exemplo) a expressões de cunho especializado – seja pela
indicação do domínio discursivo ao qual o gênero se inscreve (como texto
publicitário para anúncio e texto jornalístico para notícia), seja pela designação
teórico-conceitual do enunciado (gênero textual, práticas de linguagem, tipo de
texto).
Na segunda fase da pesquisa, caracterizamos as questões prototípicas
e não prototípicas acerca dos gêneros textuais. Demonstramos que o ENEM
desenvolveu esses dois grupos de modo equilibrado ao longo das seis edições
analisadas, abordando os gêneros textuais tanto de forma direta quanto sob
um enfoque mais implícito.
O terceiro procedimento de nossa análise foi identificar os domínios
discursivos dos gêneros textuais trabalhados como objeto de avaliação na
prova de LCT. Verificamos que o domínio ficcional é o mais priorizado sob tal
condição, aparecendo o poema como o gênero mais recorrente em nosso
corpus. A recorrência de gêneros ficcionais no ENEM pode ser entendida como
um reflexo de a cultura escolar tradicional dedicar-se mais aos gêneros
literários do que a gêneros de outros domínios discursivos, ainda reproduzindo
a visão de que a literatura deve ser mais difundida pela escola do que os
gêneros não literários.
Também ganharam destaque, entre os itens analisados, os domínios
jornalístico, publicitário e de lazer. Há, em contraponto, domínios discursivos
abordados esporadicamente que, pelo baixo número de dados, não podem ser
caracterizados como ocorrências típicas no ENEM. É o caso dos domínios
discursivos interpessoal e comercial. Essas informações podem auxiliar os
professores de língua portuguesa a selecionar os gêneros textuais escritos a
serem desenvolvidos em sala de aula, bem como orientar os estudantes que
pretendem prestar o exame. Deixamos claro que, a nosso ver, o trabalho
escolar com gêneros extrapola o próprio ENEM, uma vez que deve atender as
necessidades comunicativas dos próprios alunos e sempre ser desenvolvido a
partir de práticas reais de interação. As informações apresentadas nesta
pesquisa prestam-se a complementar, nesse aspecto, o trabalho docente.
133
O objetivo central de nosso trabalho foi descrever a abordagem dos
gêneros textuais como conteúdo pelo ENEM a partir da consideração das três
dimensões constitutivas genéricas: o tema, a composição e o estilo. Nossa
análise demonstrou que esses três aspectos, por vezes, eram trabalhados de
forma associada. Por meio da análise do corpus, demonstramos que as três
perspectivas integradoras dos gêneros textuais foram trabalhadas
simultaneamente em 11 questões (cerca de 8% dos itens).
Ao buscarmos a conjugação de pelo menos dois aspectos constitutivos,
o número de ocorrências sobe 49 (aproximadamente 34%). Os dados nos
mostram que a prova de LCT busca, em diferentes momentos, abordar o
gênero em sua integridade, buscando associar tema, composição e estilo na
averiguação de conhecimentos dos candidatos acerca de tal assunto. Essa
integração nos parece refletir o surgimento de uma consciência ampla a
respeito da natureza dos gêneros textuais, por apresentá-los sob sua
multiplicidade de perspectivas, aliando finalidade e organização discursiva à
dimensão linguística dos textos.
A leitura que fizemos do corpus nos revela, porém, que a prova de LCT
trabalha as dimensões constitutivas dos gêneros de forma isolada em 97
questões (cerca de 66% dos dados). O viés temático, sob o prisma da
interpretação textual, é o principal aspecto abordado (50 itens), seguido pelo
estilo (24) e, logo em seguida, pela composição (23). Concluímos que o ENEM
tende a explorar os gêneros textuais em suas dimensões de modo isolado,
resgatando os elementos constitutivos dos gêneros sob a forma de recortes de
um todo. Confirmamos, neste ponto, a hipótese de que os gêneros textuais são
apresentados no ENEM principalmente sob o viés temático, tendo como foco
principal o texto sob a ótica da interpretação. Acreditamos que a própria
formatação do exame induza a essa característica do trabalho com os gêneros
pelo ENEM, uma vez que os textos a serem explorados são, em grande parte,
apresentados sob a forma de segmentos textuais (trechos) – fator que interfere
na percepção dos gêneros como um todo significativo.
Os objetivos dessa pesquisa nos guiaram à descoberta da relevância
dos gêneros textuais como conteúdo no ENEM. A dimensão do assunto nos
134
indicou a importância deste trabalho na caracterização da prova de LCT já a
partir da constituição de nosso corpus – lembramos que, do total de 270
questões encontradas nas seis edições selecionadas, 146 (54%) eram
dedicadas aos gêneros. Nesse aspecto, entendemos que é confirmada a
assunção do texto como unidade comunicativa pelo ENEM. Notamos a
mudança de paradigma – iniciada com os PCNEM em 1999 – para o ensino de
língua portuguesa refletida no ENEM, ao percebemos que a análise gramatical
deixa de ser o foco do processo avaliativo, buscando abordar os fenômenos
linguísticos sob a ótica do uso, da vivência prática da língua como instrumento,
processo e produto da interação entre sujeitos social e historicamente
constituídos.
Nossa pesquisa não se apresentou, em nenhum momento, sob a
pretensão de ser conclusiva, muito menos se impôs como única leitura possível
sobre o assunto abordado. Ao contrário, somos conscientes de que nosso
trabalho é um dos vários caminhos possíveis que a dinâmica dos gêneros
textuais no ensino de língua portuguesa nos convida a trilhar.
Desejamos que nossas reflexões colaborem para o desenvolvimento
da educação em nosso país, ao se revelarem como ponte entre o
conhecimento acadêmico e a visão docente sobre a aprendizagem. Esperamos,
também, que esta Tese seja uma contribuição aos esforços dos professores de
língua portuguesa em conduzir nossos alunos à conquista de sua cidadania
plena.
135
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