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Setenbro de 2009 Ano IV Nº 03 Vozes das Comunidades Um jornal feito pelas comunidades a serviço das comunidades

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Setenbro de 2009 Ano IV Nº 03

Vozes dasComunidades

Um jornal feitopelas comunidades

a serviçodas comunidades

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 20092

Aluna do Curso de Comunicaçãoconta como um grupo de pessoasuniu suas forças e ocupou um terrenodesabitado em Duque de Caxias

Por Eliete da Silva

Tudo começou há 14 anos. Éramos25 famílias dentro de um caminhão e umakombi, em busca de um lugar digno paramorar e de nos livrar definitivamente dosaluguéis caríssimos. Passamos um ano nosreunindo para, através de pesquisa de ter-ras desocupadas, localizar algum terre-no que nos fosse favorável. Dentre as pes-soas que faziam parte destes encontros,estavam alguns moradores de rua e deáreas de risco.

Achamos, enfim, um terreno aban-donado de aproximadamente 20 mil m².Após encontrar essa terra abandonada eimprodutiva, nos reunimos para marcara data de ocupação. A informação nãopodia vazar de forma alguma, pois issoatrapalharia nossos planos. Marcamospara o dia 7 de janeiro de 1995, por vol-ta da meia-noite. Algumas mulheres vie-ram dentro do caminhão junto com asferramentas necessárias para a ocupação.Ao chegarmos, havia muita tensão. O lo-cal estava muito escuro, mato até a cin-tura, muitos e muitos mosquitos. Passa-mos a noite em claro, pois a preocupa-ção era grande com a segurança de todos

De uma ocupação a um bairrochamado novo São Bento

Minha história

e todas.Ao amanhecer, nos deparamos com

um corpo de uma pessoa e animais mor-tos próximo ao local onde estávamos.Apesar do susto e de todos os obstácu-los, tudo correu bem. Estamos aqui, atéhoje, no mesmo local, somando aproxi-madamente 315 Famílias.

Todo o esforço e o trabalho valerammuito, pois hoje moro em um bairro cons-truído por nós, com nossas lutas, cha-mado Novo São Bento, em Duque de Caxi-as. Tenho a convicção de que, sem dúvi-da, faria tudo novamente.

Vozes das ComunidadesJornal do Curso de Comunicação Comunitária do NPC

Rua Alcindo Guanabara, 17, sala 912 - Centro - Rio de Janeiro - RJ- Tel. (21) 2220-5618 // 9923-1093

Jornalista responsável: Claudia Santiago - Diagramação: Daniel CostaAgradecimento: Carmen Lozza - Gustavo Barreto - José Arbex - Hamilton Souza

Mário Camargo - Naldinho Lourenço - Renata Souza - Vito GiannottiApoio: Fundação Rosa Luxemburgo e Sindicato dos Engenheiros (RJ)

Equipe

Artur William - Camila A. Marins A. Theodoro - Carlos Maia - Cynthia RachelDanielle Pinheiro - Danilo George Ribeiro - Derval Silva de Oliveira

Douglas Batista Mendonça - Douglas Pêgo - Eliete Rosa da SilvaFelipe E. Flor dos Santos - Filipe Cabral - Flávia M. de Azevedo

Gabriela C. G. Ferreira - Gilka C. Resende - Gizele O. Martins - Glaucia A. MarinhoJane N. de Oliveira - Jean Oliveira - Jéssica Santos - Joana da Conceição C. Campos

José Jorge S. de Oliveira - Júlia L. S. Bertolini - Katarine Flor da CostaLívia D. Duarte - Márcio José Gomes - Maria Zélia Carneiro - Marília A. Gonçalves

Mirian Mara da Silva - Paulo Roberto de Oliveira Raquel JúniaRita de Cássia S. Lima - Sandra Silva - Sheila R. JacobSilvana Sá - Tatiana Lima - Viviane O. do Nascimento

EXPEDIENTE – Setembro de 2009

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3SETEMBRO DE 2009 | VOZES DAS COMUNIDADES

OCUPAÇÕES URBANAS: Terra de alguem

No Rio, sem-teto se mobilizampor moradia dignaA bandeira do Movimento Nacionalde Luta pela Moradia (MNLM) esticadaem três janelas do prédio número20 da Rua Alcindo Guanabara nãodeixa dúvidas: estamos diantede uma ocupação urbanade ex-moradores sem teto. Situada aolado da Câmara dos Vereadores do Rio,a Ocupação Manoel Congo é um retratoda distância entre o poder legislativoe a necessidade real dos trabalhadores:ter uma casa para morar.

Ocupar prédios públicos abandona-dos tem sido uma das soluções encontra-das por dezenas de famílias da região me-tropolitana do Rio. O Ministério das Ci-dades estima uma demanda de oito mi-lhões de novas casas no Brasil. Somenteno Rio, faltam 450 mil casas. Ao mesmotempo, existem cerca de cinco mil prédi-os abandonados na cidade e em seu en-

torno, segundo o engenheiro MaurícioCampos, da Rede Contra a Violência.

Ocupação Manoel CongoHoje, 42 famílias vivem nos dez an-

dares da ocupação Manoel Congo. Antes deconquistar este espaço, foram expulsas dedois outros prédios, também no Centro.

Além da dificuldade de pagar alu-guel, as famílias viviam em locais que so-friam com a falta de serviços públicos,como escolas e hospitais. “O Centro doRio é uma boa opção. Oferece mais esco-las e é mais fácil de ganhar algum dinhei-ro. Muita gente trabalha como camelô”,conta Lurdinha, moradora da ocupaçãodesde outubro de 2007.

“Não foi fácil. Decidimos que só sai-ríamos desse prédio carregados”, admi-tiu Lurdinha. A ocupação sofreu forte re-pressão da Polícia Militar e da Polícia Fe-deral. O poder judiciário carioca piorou

a situação das famílias. “A suspensão dareintegração de posse já tinha saído emBrasília. Depois de muitas idas e vindas,conseguimos achar o documento e entre-gá-lo a tempo de evitar o despejo. Estavaguardado numa gaveta”, conta indigna-da a moradora.

Qualidade de vida e empregoHoje, o medo do despejo parece estar

longe. A Manoel Congo, em uma negocia-ção histórica, conseguiu que o InstitutoNacional de Seguridade Social (INSS) de-clarasse o prédio ocupado como bem deinteresse social. O INSS é o maior proprie-tário de imóveis abandonados no país. Opróximo passo será a compra do prédioatravés da verba no valor de R$916 mil doFundo Nacional de Habitação. Serão usa-dos mais R$700 mil na recuperação das ins-talações. Hoje existem apenas dois banhei-ros e um tanque coletivo em cada andar.

“Durante cinco meses a rua foi onosso lugar de organização, onde fazía-mos as reuniões. Às vezes chovia, às vezesas pessoas se dispersavam, porque a fomeera grande. Mas nós conseguimos”, contao pedreiro Manoel, morador, desde 2004,da ocupação Chiquinha Gonzaga.

Após anos de negociações, a Chi-quinha, que abriga 70 famílias no Cen-tro do Rio, conseguiu a cessão de usodo prédio do INCRA, que estava aban-donado há décadas.

Agora, os moradores da Chiqui-nha e da Manoel Congo aguardam o co-meço das obras. Lutam para empregar,na reforma, a mão-de-obra disponíveldentro das ocupações. “Aqui tem mui-ta gente que trabalha com construçãocivil. Por que chamar pedreiro defora?”, comenta Manoel.

Mas Maurício Campos adverte: “atéque as famílias tenham um documentoassinado que garanta o seu direito esua permanência, nada está realmente

Chiquinha Gonzaga:70 famílias com casa para morar

Recentemente, poder municipal, es-tadual e federal se uniram em uma ação dedespejo. O prédio da Avenida Gomes Freire510 estava ocupado há quase 30 anos deforma desorganizada. Em 2009, diante doimpacto do interesse imobiliário na regiãoe do “choque de ordem” do prefeito Eduar-do Paes, os moradores decidiram fortale-cer sua organização e se nomearam “OsGuerreiros”. Mutirões para a limpeza atéuma biblioteca foram criados.

Em maio, porém, um incêndio atingiucinco andares do prédio, causando a inter-dição pela Defesa Civil. “Existe a suspeita deque o incêndio tenha sido consequência dealgum tipo de suborno pago pelos donosdo Hotel vizinho à ocupação”, revela ElaineXXXXX, participante do movimento.

Depois do despejo, os moradores se or-ganizaram e, após dormirem 40 dias na rua,ocuparam o prédio nº 234 na Rua Mem deSá. A polícia militar ameaçou entrar à for-ça, sem ordem judicial durante a primeiramadrugada “Segundo informações, a prefei-tura interveio diretamente para manter o

prédio desocupado, para que ele recebesseoutra função a partir do projeto de revitali-zação do centro”, conta Elaine.

As famílias se uniram e ficaram acam-padas na frente do prédio, mas acabaramexpulsas. Guarda municipal, polícia militare conselho tutelar pressionavam diariamen-te as famílias, inclusive com carros para le-var as crianças para abrigos.

Hoje, a Ocupação dos Guerreiros nãoexiste fisicamente, e as famílias se dispersa-ram. Alguns estão em situação de risco, mo-rando nas ruas. Outros moram de favor emcasa de parentes ou amigos. Os governos mu-nicipal e estadual se recusaram a pagar alu-guel social, mesmo com pedido de paga-mento expedido pela justiça.

O crescimento econômico dos centrosmetropolitanos, aliado a uma política de lim-peza urbana, expulsa as classes pobres dasáreas centrais da cidade, e revitaliza locaisantes esquecidos. O projeto de revitalizaçãoda Lapa, a perspectiva de reforma do Cais doPorto e o calendário de eventos da cidade,como Copa e Olimpíadas, são alguns dos mo-tivos para o endurecimento da ação do po-der público frente às ocupações.

Poder público usa violênciacontra as ocupações

conquistado, e elas continuam refénsdas manobras do governo”.

Mesmo assim, ele acredita que asconquistas das duas ocupações mostramque o sonho é possível. “Com as ocupa-ções, as famílias sem-teto garantiram mo-radia, ainda que precária, para milharesde pessoas. Isso é mais do que qualquergoverno fez nos últimos anos”, opina.

Existem hoje cerca de 30 ocupa-ções de Sem Teto no centro do Rio deJaneiro com características diversas. Oobjetivo de algumas é o simples direi-to à moradia. Já outras, se unem à lutados movimentos sociais.

Para Gláucia Marinho, estudante decomunicação e moradora da ChiquinhaGonzaga, a ocupação representa a possi-bilidade de construir uma nova socieda-de. “Tudo é decidido em assembleia e de-liberado em grupo. A construção é cole-tiva e o movimento de ação direta. Osmoradores veem que podem construir,pois o resultado é direto”, ressalta.

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 20094

Cidade de Deus Digital não é tão bom quanto pareceMoradores reclamam da má qualidadedo programa que promete levarinternet sem fio à comunidade

Por Marília Gonçalves

No dia 21 de maio de 2009, o go-vernador do Rio de Janeiro, Sérgio Ca-bral, lançou o projeto Cidade de DeusDigital, que ofereceria internet grátis semfio na comunidade. O dia foi marcado poruma grande festa política na praça prin-cipal do bairro. Acompanhado do secre-tário estadual de Ciência e Tecnologia,Alexandre Cardoso, o governador atraiua imprensa e o projeto se tornou notíciaem diversos jornais. Segundo o siteglobo.com, o secretário afirmou que a Ci-dade de Deus seria a maior experiênciamundial em internet livre sem fio em áreacarente. “Serão atendidas mais de cem milpessoas. E, na verdade, isso aqui será o

embrião de um projeto na Baixada Flu-minense, onde vamos atender 2,5 milhõesde pessoas a partir de 28 de junho”, de-clarou Cardoso.

Mas a mídia não noticiou que osmoradores beneficiados só foram avisa-dos do acontecimento uma semana antesda festa. No dia 20 de maio, o Portal Co-munitário da Cidade de Deus foi convi-dado a participar de uma reunião com osubsecretário Marcos Villaça para “tratarda participação do Portal no lançamen-to”, que aconteceria um dia depois.

Dois dias depois da inauguração, oPortal Comunitário registrou a primeirade muitas reclamações que os moradoresfariam sobre o projeto. “Desde que inau-guraram essa internet aqui não consigome conectar”, afirmou Rogério Souza,morador da comunidade. Na praça ondefoi realizada a festa de lançamento, es-tão disponíveis monitores e computado-

res para auxiliar o acesso e tirar dúvidas.Segundo Rogério, apenas os computado-res da praça funcionam bem.

Nem o governo nem a MIBRA Tele-com, empresa contratada para realizar oprojeto, divulgaram quais seriam os apa-relhos necessários para receber o sinal dainternet. No entanto, a MIBRA chegou aenviar uma nota ao Portal afirmando que“são muitos os equipamentos sem a con-figuração necessária para prover acessoà rede instalada”. Por isso, para a empre-sa, as reclamações dos moradores nãoteriam fundamento.

O pesquisador Celso Alvear, respon-sável pela criação e suporte do Portal CDD,questiona a justificativa. “Eu gostaria desaber se a MIBRA faria essa afirmação, sequem estivesse pagando diretamente paraeles colocarem a internet digital fossemos próprios moradores da CDD. Mas indi-retamente são eles que pagam com seus

impostos”, observa. A MIBRA alega que o projeto está

em “fase de testes” e que apenas as “áreaspacificadas” estão recebendo a cobertura,a pedido da Prefeitura. Em entrevista parao RJTV, Cardoso afirmou que o sistema “étão bom que todo mundo quer”, e esseseria o motivo das queixas. Já Alvear afir-ma que “nenhum morador estava debaten-do no Portal se queria ou não a internetsem fio. O que estavam afirmando é quequeriam um serviço de qualidade”.

A Secretaria de Ciência e Tecnolo-gia não assume como erro o lançamentoprecoce, nem a MIBRA assume erros téc-nicos. Mas é bom considerarmos que, jáem agosto, nenhuma das 2,5 milhões depessoas na Baixada Fluminense estão sen-do beneficiadas com o sinal de internetsem fio, como foi prometido pelo secre-tário Alexandre Cardoso no dia do lança-mento do projeto.

RIO DE JANEIRO: CDD

VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 20094

Uma iniciativa que começou emBotafogo, no Morro Dona Marta, foiimplementada da mesma forma na Ci-dade de Deus. O prefeito do Rio,Eduardo Paes, aproveitando a ocupa-ção da Polícia Militar e do Bope (Ba-talhão de Operações Especiais), em-preendeu na comunidade o chamado“choque de ordem”. Essa intervençãoaconteceu em vários pontos da cida-de. Na Cidade de Deus, além das medi-das que estão ocorrendo em outroslugares, fiscais da prefeitura ainda re-colheram carcaças de carros abando-nados. A PM também apreendeu mo-tos com documentação irregular.

A polícia dita “pacificadora” está nacomunidade há nove messes. Entre osmoradores da Cidade de Deus, as opiniõesdivergem sobre esta ocupação. Samuel Si-queira, de 18 anos, é a favor. “Acho bompara a comunidade, porque organiza. Sónão deveriam tirar tudo sem dar um abri-go a essas pessoas”, comenta. Uma das pre-ocupações de Samuel é com os comerci-antes locais. Seu cunhado, por exemplo,gastou quase dois mil reais para montarsua loja, e não teve respaldo algum dogoverno quando ela foi derrubada.

Luciano Gomes, de 33 anos, acredi-ta que o BOPE traz mais segurança. As-sim como Samuel, ele reconhece que não

deram recursos para essas famílias e co-merciantes. “A iniciativa, apesar de inte-ressante, é mascarada pelo governo. Im-plantaram um sistema sem dar suportepara o povo. Trouxeram segurança, masem troca os moradores perderam casa elojas”, analisa Luciano.

Passado este tempo, muitas promes-sas foram feitas e poucas cumpridas, comoa reforma do conjunto habitacional co-nhecido como AP e a internet digital.Esta última não funciona como deveria.

Um agravante é que o tráfico aindacontinua nas barbas da polícia. Torturase abusos também fazem parte da rotinade quem deveria dar segurança.

Nada foi feito em relação a sane-amento básico e pavimentação. A cre-che prometida ainda está em constru-ção. O entulho das casas derrubadasainda está dentro do rio, e a luz é sópara alguns, ao invés de para todos.

Um indício de que poderia sermelhor é que, no lugar onde a políciaestá usando como um posto de polici-amento comunitário, crianças brincame têm aulas de artes marciais. Contudoas pessoas andam com receio de que acriminalidade possa voltar já que nãohá uma segurança quanto à permanên-cia da polícia e nem quanto a melho-rias propostas pelos governantes.

População se divide sobre Choque de Ordem

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5SETEMBRO DE 2009 | VOZES DAS COMUNIDADES

PARAÍSO OU INFERNO: para as comunidades mortes e violência

Política de Segurança Pública do Rioé boa só para a classe A “Que Estado é esse que desrespeitao direito mais fundamental,que é o direito à vida?Que política de segurança é essa,que extermina as camadas maispobres da sociedade?”

Por Gizele Martins e Katarine Flor

“Que polícia é essa, que exterminanossas crianças e fala para a imprensa quea criança morreu por bala perdida emconfronto de facções rivais? Que confron-to? Onde estão as cápsulas de bala nochão, os barulhos dos tiros, as paredesperfuradas? Apenas um tiro de fuzil foidisparado... tiro este que encontrou seudestino na cabeça de uma criança ino-cente que saía para comprar o pão”. Esterelato foi assinado e divulgado pela jor-nalista e moradora da Maré, Silvana Sá.

Foi escrito quando Matheus Rodrigues,de apenas 8 anos, foi morto no ano passa-do com um tiro dado pela Polícia Militar,que fazia ronda na Baixa do Sapateiro, Com-plexo da Maré, onde a criança morava. Essetexto reafirma a ação violenta que a polí-cia tem dentro das favelas cariocas. Provatambém como a mídia e os órgãos públicoscriminalizam essa população.

Polícia mata maisque gripe suínaA mãe de Matheus, Gracilene dos San-

tos, até hoje luta por justiça. Infelizmentenão foi e nem é a única mãe que chora ouchorou pela covarde morte de seu filho. Sóem 2006, em menos de 15 dias, quatro ou-tras mães choraram em diferentes favelas doRio. Em nome da “ordem” e da “segurança”,operações policiais promovem nas favelascaos, medo e violência. Esta é a constataçãoda socióloga Vera Malaguti, do Instituto Ca-rioca de Criminologia, que fica provada pe-los fatos que ocorreram no dia 19 de agostodeste ano. O que se viu foram helicópterosdando rasantes, tiros e explosões no horá-rio em que as pessoas saiam para o trabalhoe as crianças iam para a escola.

Como resultado, só no Morro dosMacacos foi divulgado que uma mulher de33 anos, uma criança de 12 anos e um ado-lescente de 14 anos ficaram feridos. Nasoperações nos morros do Centro, dois ho-mens foram feridos. No Morro do Pavão-

Pavãozinho, Coroa, Minera, Maré, e em ou-tras favelas do Rio de Janeiro, o confrontodireto entre policiais e traficantes deixaseu rastro de sangue. “O que fica bem claroé o sentido aterrorizador e a mensagem deque a vida daquelas pessoas não vale muitacoisa”, afirma Malaguti. “Toda essa guerraserve apenas para alimentar a ‘indústria docontrole do crime’ e brutalizar os pobresda cidade”, observa.

Combate ao tráficoé pretexto para extermínioO combate ao tráfico de drogas é nor-

malmente usado pelos representantes go-vernamentais como justificativa para ta-

manha brutalidade dentro das favelas ca-riocas. José Beltrame, secretário estadualde segurança pública do Rio, por exem-plo, afirma que o cenário atual é de guer-ra, e que, por isso, a polícia deve agir comtanta severidade. A morte de muitos mo-radores de favelas seria apenas uma con-seqüência disso, já que, para Beltrame, énestes locais que se encontra o crime or-ganizado. “O Rio chegou a um ponto queinfelizmente exige sacrifícios. Sei que issoé difícil de aceitar, mas, para acabarmoscom o poder de fogo dos bandidos, vidasvão ser dizimadas. (...) É uma guerra, enuma guerra há feridos e mortos”.

“Quem é o bandido?”, questiona Ma-

laguti. Ela afirma que a figura do bandidoé uma construção, e os de hoje são os de-serdados da economia neoliberal, como ostrabalhadores informais, camelôs, sem-te-tos, sem-terra, e todos os moradores defavelas, por exemplo. O argumento utiliza-do pelo governador do Rio de Janeiro, Sér-gio Cabral Filho, em abril do ano passado,deixa ainda mais evidente as afirmações fei-tas pela socióloga. Em entrevista, ao de-fender o aborto, Cabral disse que a mulherde favela é “fábrica de produzir marginal”.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXDe acordo com o Deputado Esta-

dual Marcelo Freixo, uma das promessasde campanha de Sérgio Cabral era a mu-dança na política pública de segurançaadotada pelas autoridades anteriores.“Isto não aconteceu apenas na seguran-ça. Na saúde, a única coisa que se fez atéagora foram as fundações públicas de di-reito privado. Na educação, é um gover-no que investe em laptop, em ar condici-onado, e o salário dos professores conti-nua baixíssimo. Na segurança, é um go-verno que comprou caveirões”, disse.

A mídia comercial também temgrande responsabilidade nisso. Ao cobrira morte de Matheus Rodrigues, na Maré,ela afirmou em um primeiro momento queo menino tinha envolvimento com o trá-fico. Ao invés de ouvir os mais de 200moradores que estavam no local, ela ape-nas deu ouvido ao que a polícia disse.Como se o envolvimento com o tráficojustificasse a crueldade que a Política deSegurança Pública do Rio de Janeiro faznas localidades mais pobres.

A solução para tudo isso é o ouvir,o analisar, o questionar, o cobrar destasautoridades tudo o que eles prometeramdurante suas campanhas eleitorais. Afi-nal, quem põe eles nos poder, quem é amaioria, é o povo, e são estes que podemmudar esta crua realidade que atormentatodos os dias cada morador de favela etodos os que pertencem a classe mais po-bre. É preciso que cada cidadão exija seusdireitos. As pessoas, os movimentos so-ciais e as diferentes instituições preci-sam se organizar e defender seus interes-ses. Interesse este que parece ser único,que é garantia dos direitos de cada cida-dão, o que se resume ao direito de viver.

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 20096

Por Lívia Duarte

É comum ouvir uma mulher dizerque ninguém vê o serviço da casa. Lavar,passar, cozinhar. Nada disso é valoriza-do. As profissionais que desempenham es-tas atividades são tão invisíveis quantoseu trabalho.

O Brasil tem quase 7 milhões de em-pregados domésticos. Apenas 400 mil ho-mens. A enorme maioria é, portanto, demulheres. E negras. A diretora do Sindica-to dos Trabalhadores Domésticos do Rio deJaneiro, Carli Maria dos Santos, não sabedizer quantas há na cidade. Há pouco maisde dois mil sindicalizados, e este númeronão mostra nem de longe a realidade: édifícil dizer o número exato, inclusive pelainformalidade. E porque a cada dia um pro-fissional a mais se refugia na faxina.

Carli tem 55 anos, e é domésticadesde os 10. Ela conversou com o Vozesdas Comunidades apenas pelo telefone,já que não sobra tempo por se dividirentre o sindicato e o trabalho de diaris-ta. Segundo ela, a principal reivindica-

ção é o Fundo de Garantia obrigatório.Os patrões podem pagar ou não o FGTS.Por isso muitas domésticas ficam despro-tegidas quando são demitidas. “A filia-ção sindical é importante para fortalecera categoria e o sindicato para buscarmosnossos direitos. Hoje existe inclusive fe-deração nacional e internacional dos do-mésticos.”, explica a sindicalista.

Carli contou que não faltam relatosde injustiça. Os grandes problemas enfren-tados por essas trabalhadoras são discri-minação por ser negra e por morar em co-munidades, e o assédio moral e sexual.

As histórias deAleluia e MarineteA trabalhadora Aleluia Marques Lopes

tem 40 anos e sorri ao dizer que se orgulhado que faz. A diarista atende várias famílias,o que garante renda de mais de mil reaispor mês. É assim que sustenta a casa e trêsfilhos. Com 12 anos já estava no batente.Veio do Ceará com a mãe e uma irmã com“aquela ilusão” do Rio de Janeiro. Logo deinício a família alugou um quarto para mo-

rar. E era para a dona do quarto que Aleluiatrabalhava em troco de “uma miséria”. Foimuito explorada e humilhada também.

“Até secar gelo em uma festa meupatrão me mandou. Só para todo mundorir de mim, menina inocente, vinda donorte. Isso nunca saiu da minha cabeça”,relembra. “Meu patrão chegava bêbado equeria passar a mão em mim. Até que eujoguei um balde em cima dele e dei umbasta, nunca mais voltei”, conta. Nessaépoca Aleluia ainda era analfabeta. Foina casa da segunda patroa que conseguiuestudar à noite. Depois, largou a escolapelo marido, mudou de emprego, come-çaram a chegar os filhos. Trabalhar le-vando seu filho para a casa dos patrõesera muito difícil. Foi quando passou a dei-xá-lo na creche para cuidar da casa e davida dos outros. E assim foi levando.

Sobre a falta de direitos, Aleluia dizque fez uma opção. Trabalhou por dez anoscuidando de dois idosos com carteira as-sinada. Mas ao sair não teve direito a nadaporque não pagavam seu fundo de garan-tia. Foi depois dessa “desilusão” que re-

As mulheres no mundo do trabalho

Maioria das brasileiras está no trabalho doméstico

solveu pagar pela autonomia. “Como dia-rista chego, limpo e vou embora. Quandose trabalha na casa da família todos osdias você ouve muito desaforo. Dizem quea gente não faz nada e ganha muito bem,quando pagam o mínimo. Mas eu acho tra-balho doméstico dos mais pesados. A gentenão pára nem para comer. Sem contar queé difícil patroa aceitar empregada que temfilhos, porque precisa faltar se um delesfica doente”, pontua Aleluia.

Já Marinete Faria Machado, de 59anos, preferiu largar o trabalho domés-tico. A trocadora de ônibus foi diaristapor cinco anos. Mas as garantias erammuito poucas: “Eu sei que uma boa dia-rista ganha mais do que eu como troca-dora. Mas e os direitos trabalhistas, car-teira, férias, FGTS? Preferi trabalhar noônibus”, declara a profissional que há 28anos cruza as ruas da cidade dando trocoe enfrentando o trânsito. “O trabalho dadoméstica é mais pesado. A única coisaque é ruim são os assaltos. Ainda maisporque temos que pagar o prejuízo donosso bolso!”, conta com indignação.

O número de empregadas domés-ticas no Brasil também aponta desi-gualdades sociais. Entre 1999 e 2001,o salário médio dos domésticos erade pouco mais do que o salário míni-mo estabelecido pelo governo. E ain-da podemos fazer a conta: o Brasil tempouco mais de 56 milhões de domicí-lios. E 7 milhões de domésticos. Se

Direitos adquiridosApenas na década de 70 as empre-

gadas conseguiram que suas carteiras fos-sem assinadas. Hoje já foram conquista-dos outros direitos como vale transporte,aviso prévio e licença maternidade. Aprincipal demanda é o Fundo de Garantia.Mas muitas empregadas continuam semnenhum destes direitos. Uma das políti-cas públicas para mudar essa situação é a

recente possibilidade de desconto doserviço doméstico no Imposto de Rendado patrão. A ideia é que, com isso, oregistro em carteira seja estimulado. Paramelhorar a situação, é preciso se unircom a categoria e lutar. Ainda falta muitopara que as domésticas sejam incluídasno conjunto das leis do trabalho e daprevidência. A luta é necessária e deveestar próxima de todo o movimento fe-minino por reconhecimento do traba-lho da mulher.

Desigualdade econômicacada doméstico trabalhasse em umaresidência, apenas 15% das casasteriam empregados domésticos. Éclaro que este percentual não é exa-to já que há domésticas que aten-dem a mais de uma casa. E há casascom vários domésticos. Mas o fato éque apenas uma minoria mais ricapode pagar pelos serviços.

Nonononononononononononono Nonononononononononononono

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7SETEMBRO DE 2009 | VOZES DAS COMUNIDADES

Por Filipe Cabral

O número de mulheres no mercadode trabalho tem aumentado muito nosúltimos anos. No entanto, o fato aindanão pode ser considerado uma vitória. Asmulheres são responsáveis por grandeparte da força de trabalho no Estado, masa maioria ocupa funções de baixos salá-rios. E poucas alcançam cargos de che-fia.

Além do trabalho doméstico, umoutro exemplo é o setor de teleatendi-

mento, que emprega no Rio cerca de 100mil operadores. Desse número, 70% sãomulheres, com idade entre 18 e 24 anos.Estes dados são do Sindicato dos Traba-lhadores em Telecomunicações (Sinttel)e da Comissão Especial da Alerj designa-da para fiscalizar as condições de traba-lho neste setor.

Amanda Silveira, de 20 anos, fazfaculdade de Letras e é uma típica traba-lhadora do teleatendimento. “Estou nomeu segundo emprego no telemarketing.Infelizmente o salário não é bom, e as

condições de trabalho muito menos. Masé onde sempre tem vaga”, analisou. Aman-da falou ainda sobre o desrespeito de seuschefes com os horários. “Pelo certo, te-ríamos alguns minutos para lanche e paraum descanso. Ninguém aguenta ficar seishoras sentado em frente a um computa-dor falando no telefone. Quando meu che-fe dá esse tempo, costuma descontar nacarga horária”, conta Amanda.

O piso salarial regional dos opera-dores de telemarketing é de R$ 586,13,mas o Sinttel garante que existem traba-

Mulheres do telemarketing sofrem comprecariedade de trabalho

A professora de Economia da Uni-versidade Federal Fluminense (UFF), Hil-dete Pereira de Melo, lembra que o tra-balho doméstico é a maior profissão dasmulheres no Brasil. Este número podeestar diminuindo pelo aumento dos pos-tos de trabalho em outras áreas. Ter maisou menos domésticas é uma questão eco-nômica e também cultural. Mas Hildeteafirma que este trabalho nunca vai aca-bar.

Para entender o por quê das domés-ticas serem pouco reconhecidas, é preci-so voltar ao passado. Antes da industria-lização, há mais de 200 anos, a famíliatinha outro papel. Não era separada daprodução de bens. Com as fábricas, osobjetos passaram a ser produzidos forada casa, e passaram a ser consideradosriqueza. Como as mulheres geram os fi-lhos, parecia natural que ficassem no lar.A mulher deveria trabalhar para que ooperário pudesse comer, vestir-se e teruma casa limpa. Por isso ela não precisa-ria ganhar nada. E surge assim uma dife-rença de valor entre estes trabalhos. Hápouco tempo passou a ser bem visto as

mulheres sairem para trabalhar também.Este é mais um motivo para hoje se con-tratar domésticas. A empregada faz o tra-balho da casa que a outra mulher não temmais tempo de fazer.

A professora mostra que a socieda-de não vê o emprego doméstico como umtrabalho comum. Em 1943, por exemplo,quando passou a existir a Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT) para os traba-lhadores, a empregada doméstica ficoude fora.

“Só a luta das trabalhadoras fez comque aparecessem mudanças na década de1970. A primeira foi assinar a carteira.Trabalho doméstico é desvalorizado por-que o que se faz em relação à reproduçãoda vida não é visto como atividade im-portante. É melhor produzir um carro doque produzir uma pessoa. Se não fosseassim, a empregada doméstica seria tra-tada com pão-de-ló”, sublinha Hildete.

EXPLICAÇÕES SOCIAIS: Empregadadoméstica deveria ser tratada a pão de ló?

lhadoras que recebem menos que o salá-rio mínimo. Quanto a essa questão, o de-putado estadual Gilberto Palmares (PT),responsável pela Comissão Especial daAlerj, considera: “Por falta de uma legis-lação específica, o que se constata é queesses jovens terminam por ser submeti-dos a condições de trabalho, no mínimo,precárias. É inaceitável que isso conti-nue a ocorrer. É importante criar postosde trabalho, mas é preciso assegurar quesejam qualificados e que respeitem osdireitos dos trabalhadores”, afirma.

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 20098

Por Tatiana Lima e Viviane Oliveira

Professores e alunos do Rio de Ja-neiro foram pegos de surpresa no dia 25de maio de 2009. Após sete anos de im-plantação do sistema de cotas nas uni-versidades públicas estaduais, o Tribunalde Justiça do Rio suspendeu a Lei 5.346,que estabelecia a reserva de vagas. A li-minar foi concedida ao deputado FlávioBolsonaro (PP). Seu principal argumentoé que a Lei de Cotas provoca o acirra-mento da discriminação.

A estudante Miriam Ferreira, de 21anos, não concorda com a visão do TJ.Ela foi aprovada para o curso de Biologiana Uerj pelo sistema de reserva de vagas.“Eu não acho que as cotas acirram o pre-conceito. Fui aprovada por cotas raciaise não me sinto inferior. O problema estánas pessoas que são preconceituosas”.

Após estudar três anos em um pré-vesti-bular comunitário da Maré, Miriam é aprimeira de oito irmãos a ingressar emuma Universidade.

Para Alberto Mendes, professor desociologia do Pré-vestibular Comunitá-rio do Sindicato dos Trabalhadores dasUniversidades Públicas Estaduais do Riode Janeiro (Sintuperj), o grande proble-ma está na falta de informação. “A popu-lação não sabe que a primeira condiçãodas cotas é ser carente. Não basta ser ne-gro. Fiz uma pesquisa com cerca de 800pessoas. 95% diziam ser contra, mas de-pois que li para elas, todas sem exceçãomudavam de opinião”, revela.

O artigo 1º da lei de cotas garante oingresso ao ensino superior para pessoascarentes. A carência deve ser provada comentrevista e apresentação de documentoscomprobatórios de renda. Caso não seja

confirmada, o candidato não pode concor-rer pela reserva de vagas. Na UniversidadeEstadual do Rio de Janeiro (Uerj), por exem-plo, a renda familiar não deve ultrapassaro valor máximo de R$630 por pessoa. So-mente após essa consulta é que o estudan-te opta por uma das cotas previstas em lei.

De acordo com o artigo 2º, 20% dasvagas oferecidas são destinadas a negros eindígenas, 20% para estudantes oriundosda rede pública de ensino, 5% para pesso-as portadoras de deficiência e filhos depoliciais, bombeiros e agentes penitenci-ários mortos em serviço. Somados, o per-centual chega a 45% do total de vagas.Sendo assim, a maior parte continua a serdestinada ao ingresso de não-cotistas.

Outras universidades brasileiras tam-bém enfrentam ações judiciais. Na Univer-sidade de Brasília (UNB), o pedido de sus-pensão do sistema de reservas de vagas veiodo Partido Democratas (DEM). Até o mo-mento nenhuma liminar foi concedida emfavor do partido pelo Supremo Tribunal Fe-deral (STF). Na Uerj, a decisão do TJ só en-trar em vigor a partir do vestibular de 2010.

NoinononononononFoi feito um estudo sobre a vida so-

cial no Brasil, intitulado “Retrato das De-sigualdades”. A pesquisa foi elaborada

pelo Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (IPEA) e por

diversas institui-

ções. Os dados mostram que o acesso àeducação é diferenciado entre grupossociais. “Esse discurso de que os cotistastiram a vaga dos outros alunos muitasvezes é elitista, daqueles que não estãocontentes com o processo de inclusão so-cial”, opina Alberto Mendes.

Quem concorda é Deise Pimenta,empregada doméstica e aluna do 1º perí-odo de serviço social da UFRJ. Para ela,o sistema de cotas é necessário para tor-nar mais justa a disputa por uma vaga nauniversidade pública. “Sem desmerecerquem tem dinheiro para pagar uma esco-la particular, mas a situação de um estu-dante pobre é bem diferente. Ele está emdesigualdade. Então as cotas são umamaneira de repor essa igualdade”.

Já para Elaine Rodrigues, de 21anos, que cursa o 1º período de DesignIndustrial na Uerj, o sistema de cotas nãogarante apenas o ingresso, mas a perma-nência do estudante na faculdade. “Meucurso é integral, por isso decidi prestarvestibular pelo sistema de cota. Quem temcota tem o direito de receber uma bolsaauxilio, que ajuda muito. A suspensão dascotas vai acabar com isso”, ressalta.

Atualmente, na Uerj, a bolsa auxí-lio de R$250 é destinada aos cotistasdesde o início até o final do curso. Alémdisso, a lei é uma boa oportunidade paraempregar esses alunos, pois garante re-servas de vagas para estágio na adminis-tração direta e indireta do Estado.

Educação

Justiça do Rio suspende reservade vagas em universidades públicas

Apesar de Constituição garantir igualdadepela lei, ela não existe na prática

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9SETEMBRO DE 2009 | VOZES DAS COMUNIDADES

Caçados quase no laço, miseráveis,desajustados e doentes são amontoadosem abrigos e até forçadosa freqüentar religiões.

No início de 2009, a Prefeitura doRio de Janeiro deu início à operação Cho-que de Ordem, que, segundo as autorida-des responsáveis, serve para “organizar”a cidade. O ato passou a retirar ambulan-tes, carros das ruas, derrubar prédios sema documentação ou com construção irre-gular ou tudo que considerarem que es-teja sujando a imagem da cidade. Um dosprincipais alvos da Prefeitura é a popu-lação de rua, que é expulsa e enviada paraabrigos.

A população de rua não está satis-feita com as investidas da Prefeitura. Es-ses moradores costumam fugir quandopercebem a chegada da equipe porquetemem os locais para onde são enviados.Muitos reclamam que os abrigos são su-jos, ocorrem muitas brigas e são humi-lhados por seguranças e funcionários daPrefeitura. Outra reclamação é em rela-ção às instituições onde são obrigados aparticipar de atos religiosos.

Rezar na marra não dáA moradora de rua que diz se cha-

mar Maria, com idade entre 35 a 40 anos,de Santa Catarina, que costuma ficar naAv. Rio Branco em frente ao número 277,visivelmente tem problemas de obesida-de. Deve pesar aproximadamente 200quilos ou mais. Ela diz: “eu tenho quesubir e descer uma escada enorme prapoder ir ouvir uma missa”. Eu não posso,eu sou muito gorda. Por isso que eu fugi”.Perguntada como fugiu, ela diz que apro-veitou que todos estavam lanchando esaiu apenas com a roupa do corpo.

Outra reclamação é que eles sãoobrigados a irem com a equipe, caso ocontrário são presos por desacato. João,26 anos, baiano que costuma ficar nosArcos da Lapa, reclama da truculência daequipe da prefeitura. “Eles pegam à for-ça e prendem”. Por isso tem polícia jun-to. João conta que no abrigo convivemcom pessoas que precisam estar em hos-pitais por estarem com algum tipo dedoenças, como tuberculose, doenças ve-néreas e o vírus HIV. Danielle, 45 anos,

que acabou de chegar de São Paulo, dizque nos abrigos do Rio ela não fica. “Emelhor ficar na rua. Aqui no Rio, muitosestão doentes lá. O melhor abrigo é oCuritiba”, opina.

Para a prefeitura tudo OKA visão da prefeitura é muito oti-

mista, bem diferente da dos moradoresde rua. Segundo a administração munici-pal do Rio, a ação é feita por uma equipecomposta por psicólogos, assistentes so-ciais, agentes sociais e guardas munici-pais com o apoio da Polícia Militar. Ointuito, diz a prefeitura, é dar a estaspessoas cidadania.

Quanto estão nas ruas?Segundo pesquisa do Ministério do

Desenvolvimento Social, realizada em2007, existem no Brasil, aproximadamen-te 32 mil pessoas morando nas ruas. Omaior número é de homens. A grandemaioria não é coberta pelos programassociais (88%). Os que recebem algum be-nefício estão incluídos na aposentadoria(3%), no Programa Bolsa Família (2,3%)e no BPC (Benefício de Prestação Conti-nuada), 1,3%. Os indivíduos com apenasum tipo de documentação de identifica-ção ou sem documento algum, chegam a24,8% do total da população pesquisa-da. No Rio de Janeiro, a Secretaria Muni-cipal de Assistência Social, em pesquisarealizada em 2007, contou 1.932 pesso-as morando nas ruas. A pesquisa foi feitaem 16 áreas da cidade.

Por que estão nas ruas?A população de rua é formada por

pessoas que se encontram nas ruas porestarem desempregadas e não terem maiscondições de prover suas respectivas fa-mílias, o que por muitas vezes acaba oca-sionando conflitos familiares, além da-queles que têm problemas com drogaslícitas e ilícitas e os que sofrem discri-minação por sua opção sexual. É umapopulação desprovida de direitos e deinformações, sem políticas sociais que osampare diretamente. Trata-se de pessoasque vivem em um processo progressivode empobrecimento. Sua situação é tãoprecária que são considerados indivídu-os invisíveis pela sociedade. Fato real, que

na dinâmica de trabalho do IBGE (Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatísti-ca), a população de rua não faz parte dorecenseamento realizado pela instituição,uma vez que a referência básica para olevantamento do censo é de pessoas quepossuem uma residência fixa.

Fonte: Trabalho de Conclusão de Curso em Servi-ço Social de Rita de Cassia da Silva Lima: Indivídu-os Invisíveis: Um breve estudo da população emsituação de rua do Projeto Revivendo. As falasforam extraídas de entrevistas realizadas no mêsde maio para construção do Pré-Projeto - Estudosobre as mulheres em situação de rua na regiãoda Lapa no Centro do Rio de Janeiro.

IBGE NÃO CADASTRA: no Brasil mais de 32 mil moram nas ruas

“Choque de Ordem” torna maisinvisível quem já é invisível

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 200910

Saúde

Moradores de comunidades exigemsaúde pública de qualidadeA ausência do Estado e o seu descasocom a população carente acentuamas desigualdades sociais. As precáriascondições econômicas e sociais dascomunidades têm contribuído paraa revolta dos moradores.

Por Joana, Jane,Danielle, Mirian e Zélia

A situação da saúde pública na co-munidade Vila Autódromo é alarmante,assim como em todo o território brasi-leiro. O senhor Altair Guimarães, presi-dente da Associação de Moradores da VilaAutódromo, diz que a precária situaçãodo Sistema Único de Saúde (SUS) causaconstrangimento devido à falta de res-peito dos governantes com a saúde pú-blica.

O atendimento é péssimo, e comodiz Altair, a impotência do sistema causainsegurança inclusive nos bons profissi-onais. “Vi isto no Hospital Municipal Lou-renço Jorge. Quase sempre é um médicopara cem pacientes. O salário é vergonho-so, e muitas vezes o profissional precisatrabalhar em dois, três ou mais hospi-tais, ou então montar um consultório par-ticular”, observa Altair.

Para ele, o governo deveria dar mai-or atenção à classe médica, aos professo-res e aos policiais, pois a saúde, a educa-ção e a segurança são indispensáveis aopaís.

Uma saída seria evitar gastar verbasem empreendimentos que não são priori-tários ou em obras super faturadas, como,por exemplo, a construção da Cidade daMúsica, que fica bem em frente ao Hospi-tal Lourenço Jorge, onde falta tudo.

Outro exemplo dado por Altair é oautódromo de Jacarepaguá, construídocom o dinheiro da população. “Essa gran-de obra hoje está ameaçada de ser des-truída para se construir algum empreen-dimento por conta das Olimpíadas de

2016. Por que gastar verbas públicas paraquebrar obras históricas, ao invés de in-vestir dinheiro na área de saúde que se-ria o mais necessário?”, questiona.

Altair lembra ainda a possibilidadede a fórmula Indy de 2010 ocorrer noAterro do Flamengo. Será gasto mais di-nheiro com a construção de cercas, ar-quibancadas, licitações de empresas enovas despesas na recuperação dos gra-mados. E conclui: “Faltam recursos parao SUS porque não temos políticas públi-cas de verdade neste país”.

A saúde é um direito fundamentalpara o ser humano. O Estado deve proveras condições indispensáveis do seu plenoexercício. A revolta é nítida nos usuári-os, as filas imensas e descaso são cons-tantes. É preciso ter saúde com dignida-de para todos e todas.

Estado também é omisso emrelação à saúde na Cidade de DeusA Comunidade da Cidade de Deus

també não anda satisfeita com há aten-dimento por parte do SUS. “A saúde pú-blica não funciona de acordo com as nos-sas necessidades”, afirma a moradora D.Lizete. De acordo com ela, para um bomatendimento faltam “recursos humanos,informações suficientes para os usuári-os, Programas de Saúde da Família, e pre-venção educativa para detectar as doen-ças”.

Quando questionada sobre as doen-ças que mais atingem a comunidade, Li-zete respondeu prontamente: “tubercu-lose, hipertensão e Aids”. Mas foi a gripesuína que ocupou que ocupou a páginaprincipal dos jornais que gerou pânicona população.

O Estado é omisso na questão da saú-de. Os programas assistenciais não supremas necessidades dos moradores quandoatingidos por uma grave doença. Porexemplo, faltam medicamentos, e é pre-ciso recorrer ao Ministério Público.

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11SETEMBRO DE 2009 | VOZES DAS COMUNIDADES

O hip-hop é um dos movimentosmusicais que ajudam a entender a ação da música como resistência.Esse movimento se desenvolveu nosEstados Unidos na década de 1970,para enfrentar o preconceito racialcontra a juventude negra.

Por Danilo George

O hip-hop nasceu marcado pelo di-álogo com outros movimentos que já sepreocupavam com o preconceito racial etambém ofereciam resistência, como osPanteras Negras, e líderes como MalconX e Martin Luther King. Nos anos 1980, aatuação do Hip-hop se expandiu para osgrandes centros urbanos de quase todo omundo. Foi um movimento que nasceunos guetos, bairros afastados do centroda cidade assim como as favelas, onde adiferença social é evidente.

No Brasil, o hip-hop começou a atin-gir proporções maiores na cidade de SãoPaulo no início da década de 1990. Pos-sui várias influências musicais no terri-tório brasileiro, desde sambistas antigos,como Cartola e Jovelina, a artistas maisatuais, como Tim Maia e Jorge Ben.

O grupo brasileiro que mais se des-tacou no hip-hop foi o Racionais Mc‘s, quepautou temas que logo se tornariam pre-sentes no movimento como um todo,como violência, crime, racismo, desem-prego e desestruturação familiar.

Embora na atualidade seja muito co-mum associar a origem do movimento à

presença marcante dos Racionais Mc’s eseu forte teor na crítica social, é impor-tante ressaltar que dentro e fora de SãoPaulo surgiam, nesse mesmo período,outros grupos artístico-musicais que tam-bém se dedicavam à leitura e à interpre-tação do cotidiano das periferias. Ape-nas a título de exemplo, podem ser cita-dos o rap do GOG, de Brasília; o MangueBeat de Chico Science, de Recife; o funkoriundo dos morros cariocas, entre ou-tros.

Um exemplo dessa atuação da mú-sica como movimento de denúncia e re-sistência é o Funk Tá tudo errado, da du-pla de Mc´s Junior e Leonardo:

“Comunidade que vive a vontadecom mais liberdade tem mais para colher/ pois alguns caminhos para a felicidadesão paz, cultura e lazer/comunidade quevive acuada tomando porrada de todos oslados / fica mais longe da tal esperança,os menor vão crescendo tudo revoltado /Não se combate crime organizado mandan-do blindado para beco e viela / pois sógera mais ira, para os que moram dentroda favela / Sou favelado e exijo respeito,são meus direitos que peço aqui / pé naporta sem mandado, tem que ser conde-nado não pode existir...”

Esse trecho mostra uma preocupa-ção com certos direitos negados e rei-vindicados pela população da periferia.Prova ainda que a música pode ter umimportante e forte cunho político: o deprotestar e resistir, para se construir umanova ordem social.

BRASIL TERRA DE MIL MÚSICAS: a periferia pede passagem e vai entrando

Hip hop e funk: músicasde denúncia e resistência

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VOZES DAS COMUNIDADES | SETEMBRO DE 200912

Oligarquias hondurenhas,com o apoio do Exército, depuseramo presidente Manuel Zelaya que lutapara restabelecer a democraciaem seu país

Camila Marins

Efeito dominó. Esta é a avaliação daconsulesa-geral de Honduras no Rio deJaneiro, Gioconda Perla, sobre o golpede estado em seu país. “Essa ação abreprecedentes enormes na América Latina”,declarou. Deposto pelas forças oligárqui-cas hondurenhas em 28 de junho, o pre-sidente Manuel Zelaya foi preso em suaresidência e enviado a Costa Rica. Hoje,Zelaya continua fora de Honduras, en-quanto manifestações ocorrem por todoo país pedindo a volta de seu presidente.

A principal justificativa para estegolpe, que fere a democracia, foi a tenta-tiva de uma consulta popular sobre a ree-leição de Zelaya. De acordo com a consu-lesa, esta seria a primeira vez que o povohondurenho manifestaria a sua vontade porconsulta popular. “Aplicam um golpe de

Estado como se Honduras não tivesse umsistema democrático”, pontua Gioconda.

Honduras está localizada em um lo-cal estratégico da América Latina e suapolítica sempre esteve alinhada aos inte-resses imperialistas norte-americanos. Noentanto, Zelaya começou a demonstrar ali-nhamento político à Alternativa Boliva-riana para as Américas (ALBA), inaugu-rada por Hugo Chávez e inspirada no pen-samento de Simon Bolívar.

Modesto da Silveira, advogado,militante de direitos humanos e dire-tor da Casa da América Latina, remontaa História e aponta a ALBA como focode resistência latinoamericana. “SimonBolívar previu e chegou a propor a Con-federação Americana com base nos la-tinos. E esse sonho renasce com a ALBA,como forma de resistir aos saqueadorese ao grande império”, explicou.

Ainda segundo Modesto, a AméricaLatina representa uma região estratégicaque começa a incomodar os países imperi-alistas. “A proposta bolivariana, como novapolítica de enquadramento, incomoda, por-que mostra que os países da América Lati-

América Latina

na estão tomando consciência de sua reali-dade social”, afirmou o advogado.

Roberto Micheletti, membro do Par-tido Liberal de Zelaya, foi eleito, duvi-dosamente, pelo Congresso Nacional, natarde de 28 de junho, para presidir a na-ção até as eleições de 29 de novembro.

O papel da imprensa alternativana denúncia do golpeDesde o golpe criminoso, dado pela

elite e com o apoio dos militares, a po-pulação hondurenha vive dias de tensão,entre a repressão da polícia e um gover-no não reconhecido. A imprensa latinoa-mericana se uniu com o objetivo de re-gistrar e denunciar este golpe. E, comoresposta, jornalistas venezuelanos foramdetidos. Muitos profissionais da comuni-cação foram agredidos, e tiveram seumaterial apreendido.

“Não temos o apoio da mídia e apopulação deve se apoiar nos meios decomunicação alternativos. A América La-tina precisa de uma imprensa livre, comdonos descomprometidos com o capital”,alertou Gioconda Perla, que foi destitu-ída do cargo por Micheletti.

Golpe de Estado em Honduras podeser o estopim de uma série

Solidariedadebrasileira ao povohondurenho que querZelaya de volta

No dia 11 de agosto, milha-res de pessoas foram às ruas ma-nifestar repúdio ao golpe de Es-tado. A Casa da América Latinaorganizou uma delegação de bra-sileiros para demonstrar solida-riedade ao povo hondurenho. Elafoi representada pelo deputadoestadual, Amauri Soares (SC);pelo secretário-geral do PCB (Par-tido Comunista Brasileiro) e di-retor da Casa da América Latina,Ivan Pinheiro; e pelo dirigentenacional do MST (Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra),Marcelo Buzetto. De acordo comIvan Pinheiro, as manifestaçõespopulares contavam com 20% demulheres, e a categoria mais mo-bilizada é a de professores. “Pre-senciamos muita repressão comdemonstrações de violência e to-ques de recolher, mas o povo hon-durenho resiste bravamente aosataques. É preciso uma unidadelatinoamericana, porque a cadadia o golpe se consolida mais”,avaliou. A delegação representoudiversas instituições políticas esociais do Brasil, solidárias à lutae à resistência hondurenha. “Re-afirmamos nosso compromissoem dar continuidade à luta con-tra uma nova escalada golpistaem nosso continente. Também lu-tamos para que se reforce a uni-dade dos povos da América Lati-na na luta antiimperialista, e porum mundo justo, livre e fraterno”,concluiu Ivan Pinheiro.