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Educação Educação Educação Educação Educação Porto Alegre/RS, ano XXX, n. 2 (62), p. 337-363, maio/ago. 2007 –––––––––––––––––––––––––––– –––––––––––––––––––––––––––– Visão de homem na educação e o Visão de homem na educação e o Visão de homem na educação e o Visão de homem na educação e o Visão de homem na educação e o problema da humanização problema da humanização problema da humanização problema da humanização problema da humanização The concept of man in education and the humanization problem PERGENTINO STEFANO PIVATTO* RESUMO – A reflexão surge da suspeita de que a educação, incluída a pedagogia, não tem visão nem própria e nem clara de ser humano, serve-se de arranjos tomados de ciências coadjuvantes, o que pode ser válido, mas não elabora sua própria síntese, ficando seus objetivos específicos dispersivos e erráticos, dando ensejo a reducionismos antropológicos que vão desaguar em teorias educacionais que perdem de vista a sua maior aposta que consiste na humanização daqueles que são chamados a se tornarem humanos. Inquietudes e desafios presentes na sociedade educativa mostram a insufi- ciência da moldura atual de compreensão antropológica na qual atuam educadores, o que leva a urgir a elaboração de uma subjetividade que colha no seu âmago a visada educacional. Descritores – Educação; antropologia; reducionismo; humanização; ética. ABSTRACT – The reflection arises from the suspicion that education, including pedagogy, has no proper or clear concept about the human being. It takes arrangements from coexisting sciences,what can be worth doing but does not elaborate its own synthesis.The procedure leads to dispersive and erratic specific objectives, that may assume anthropological reductionisms. Finally, these educational theories originated overlook their aim to humanize those called to become human. Anxieties and challenges, present in the educative society, indicate the current anthropological comprehension insufficience in which our educators act. The situation urges the elaboration of a subjectivity aimed at an educational review. Key words – Education; anthropology; reductionism; humanization; ethics. ––––––––––––––––––––– ––––––––––––––––––––– * Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS, Porto Alegre - RS. E-mail: [email protected] Artigo recebido em: março/2007. Aprovado em: maio/2007.

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Visão de homem na educação e oVisão de homem na educação e oVisão de homem na educação e oVisão de homem na educação e oVisão de homem na educação e oproblema da humanizaçãoproblema da humanizaçãoproblema da humanizaçãoproblema da humanizaçãoproblema da humanização

The concept of man in education and thehumanization problem

PERGENTINO STEFANO PIVATTO*

RESUMO – A reflexão surge da suspeita de que a educação, incluída a pedagogia, nãotem visão nem própria e nem clara de ser humano, serve-se de arranjos tomados deciências coadjuvantes, o que pode ser válido, mas não elabora sua própria síntese, ficandoseus objetivos específicos dispersivos e erráticos, dando ensejo a reducionismosantropológicos que vão desaguar em teorias educacionais que perdem de vista a suamaior aposta que consiste na humanização daqueles que são chamados a se tornaremhumanos. Inquietudes e desafios presentes na sociedade educativa mostram a insufi-ciência da moldura atual de compreensão antropológica na qual atuam educadores, oque leva a urgir a elaboração de uma subjetividade que colha no seu âmago a visadaeducacional.Descritores – Educação; antropologia; reducionismo; humanização; ética.

ABSTRACT – The reflection arises from the suspicion that education, includingpedagogy, has no proper or clear concept about the human being. It takes arrangementsfrom coexisting sciences,what can be worth doing but does not elaborate its ownsynthesis.The procedure leads to dispersive and erratic specific objectives, that mayassume anthropological reductionisms. Finally, these educational theories originatedoverlook their aim to humanize those called to become human. Anxieties and challenges,present in the educative society, indicate the current anthropological comprehensioninsufficience in which our educators act. The situation urges the elaboration of asubjectivity aimed at an educational review.Key words – Education; anthropology; reductionism; humanization; ethics.

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* Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Pós-Graduação em Filosofia daPUCRS, Porto Alegre - RS. E-mail: [email protected] recebido em: março/2007. Aprovado em: maio/2007.

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“... Mais c’est de l’homme qu’il s’agit!Et de l’homme lui-même quand donc sera-t-il question?– Quelqu’un au monde élèvera-t-il la voix?Car c’est de l’homme qu’il s’agit, dans sa presence humaine;et d’un agrandissement de l’oeil aux plus hautes mersintérieures.”1

(S. J. PERSE. Vents, 79)

1. I1. I1. I1. I1. INTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

A partir de textos e práticas educacionais existentes hoje, a educaçãorevela uma identidade incerta e variável. Não apresenta uma concepçãoclara e firme do que entende por ser humano e por humanização. Variam asconcepções de ser humano e, conseqüentemente, percebe-se um mosaicode visões de educação e alguma tímida idéia de humanização. Além disso,as teorias educacionais sucedem-se com velocidade, deixando rastrosfugazes inexpressivos, e contrastam-se por enfoques modais. Pedagogose educadores movem-se em seu campo profissional norteados porconhecimentos adquiridos nas academias, por idéias derivadas do contextocultural sincrético e, talvez, mesmo por experiências, registros e convicçõespróprias. A partir destas fontes de conhecimento e da experiência acu-mulada no tirocínio da prática formam eles sua visão do que entender porhomem e por sua humanização, mediante a educação, conhecimentos eidéias que espelham não só concepções atuais de mundo, de sociedade, devida, mas também, como mostra Gadamer (2002), “preconceitos” que nãodeixam de se fazer presentes na moldura cultural e individual da trajetóriahistórica de cada um, subliminarmente atuantes na ação pedagógica geral eespecífica.

As duas dimensões fundamentais estão reciprocamente imbricadas.Como ciência que pretende ser, a educação é um pensamento produzidopelo ser humano, para ser aplicado aos seus semelhantes, o que implicauma visão de si mesmo e de ser humano em geral, visão tanto maiscondicionada quanto menor for a amplitude e profundidade da consciência,dos conhecimentos de que dispõe, dos registros da experiência e convicçãopessoais. Como sistema de saberes organizados em torno do pedagógicopara o fazer educativo, requer uma reflexão sistemática sobre os objetivose modalidades da educação, para se alcançar a humanização. As duasdimensões vão requerer, por sua vez, uma análise reflexiva jamais sufi-ciente e sempre renovada sobre o que entender por processos educativos ehumanizatórios, qual o seu horizonte de sentido na complexidade do

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contexto, e quais as sombras e luzes epocais que contextuam os valorese o nível espirituais em que são compreendidos e que modulam o agirindividual e social de uma época, indicadores da mobilidade socioculturalhumana, o que, por sua vez, implica a busca de uma compreensão sempremais aprofundada e segura do que entender por ser homem e sua hu-manização.

Dois são, portanto, os focos essenciais que estão a merecer atenção:a discussão sobre a idéia de homem presente na educação, no contextosobretudo brasileiro, nas últimas décadas do século XX e sua implicaçãocom educação e humanização e, no final, uma reflexão sobre desafios einquietudes relativos ao processo humanizador.

2. V2. V2. V2. V2. VISÕESISÕESISÕESISÕESISÕES SOBRESOBRESOBRESOBRESOBRE OOOOO SERSERSERSERSER HUMANOHUMANOHUMANOHUMANOHUMANO

Um rápido e superficial retrospecto da segunda metade do século XX,sobre as concepções antropológicas presentes nas ciências da educação,mostra a influência de algumas correntes que, sem pretender esgotar oelenco e o assunto, convém ressaltar.

Após a última grande guerra, surge e vigora na França e se estendepela Europa o movimento filosófico-educacional inovador do Persona-lismo, tendo a frente Emmanuel Mounier (1976). No Brasil, Paulo Freire(2001) é diretamente influenciado pelo ideário deste movimento, reper-cutindo notadamente na sua visão de homem e de sociedade, ressaltando asdimensões de liberdade-libertação, relação-encontro, consicência-encar-nação, afrontamento-realidade, submissão-dignidade, palavra-comunica-ção, valor-ética e situação-devenir, entre outros, que contextualizam emodulam concretamente, na situação pós-guerra de desencantamento dosideais civilizatórios e de esmagamento do ser humano, uma possível re-humanização pelo vetor da educação, na urgência de proposição de umnovo horizonte espiritual capaz de atrair e de fazer convergir para um novomovimento humanizatório.

Ao mesmo tempo, com matizes algo diversos do anterior, vigora acorrente filosófico-educacional do Humanismo integral, cujos nomes maissignificativos parecem ser os de Jacques Maritain (1965; 1968) e AlceuAmoroso Lima (1971). Aprofundam-se as dimensões da dignidade do serhumano, do bem comum, do valor próprio de cada indivíduo e sua tarefa detornar-se pessoa, da perfectibilidade perdurável e temporal, da preponderân-cia do espírito sobre a matéria e da construção da personalidade, mediantea educação de todas as dimensões do ser humano, entre outros enfoques.

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Na metade do século XX, outra figura importante no panorama daeducação brasileira é Anísio Texeira (1968), que introduz no Brasil asidéias de John Dewey (1985) e sua visão de homem e de educação calcadano pragmatismo, e seu programa de democratização da educação. Tornam-se importantes temas como pragmaticidade, democratização do ensino,liberdade, experiência, progresso, entre outros. Ele está no início dapoderosa e sempre mais abrangente influência do ideário trazido dosEstados Unidos da América, via MEC-USAID, que se expande poste-riormente no neoliberalismo.

A partir dos anos 70, percebe-se no Brasil a influência do ideáriomarxista, comunista e socialista, referidos a Marx diretamente e, sobretudo,a intérpretes marxistas franceses, a Gramsci (1995) e à Escola histórico-crítica de Frankfurt. Tornam-se objeto de estudo na educação temas comoideologia, luta de classes, exploração, opressão, libertação aparelhosideológicos do Estado, sociedade sem classes, crítica, política e economia,entre vários outros, pelos quais se mediava a educação na consecução dochamado “novo homem” e “nova sociedade”.

Com início anterior e, ao longo dessas décadas, sempre estevepresente a preponderante influência da psicologia e da biologia, sobretudomediante o estudo de obras de Piaget (1999) e de seus discípulos. Umadefinição de educação que influenciou gerações de pedagogos baseava-seprecisamente na visada biológico-psicológica, com acento no desenvol-vimento das potencialidades pelas quais se pensava alcançar a plenitudeidealizada do ser humano e, por seu viés, da sociedade.

Não se pode deixar de mencionar o estruturalismo, em sua vertentefrancesa (Foucault, 2004), que recentemente se tornou fonte de estudos epesquisas relacionados também com a educação, corrente que distilasubliminarmente uma visão diluída de subjetividade, a mercê de estruturasanônimas que regem e regulam, como fios invisíveis e dificilmentedetectáveis, as relações sociais que passam a se caracterizar por desin-viduação e despersonalização, mas que se impõem como regimes deverdade e de poder, aos quais as instituições, por exemplo o sistemaeducacional, se submetem e por eles se regulam.

Em todas essas correntes de pensamento, há sempre uma visão de serhumano e de educação, consciente ou inconsciente, direta ou indiretamenteformulada, que, se não nutre o pensamento, pelo menos serve de referênciaà ciência pedagógica e ao vasto campo educacional como um todo. O queparece óbvio torna-se, no entanto, um desafio para os educadores, pelosimples fato de as diversas correntes de pensamento não terem a mesma

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visão de ser humano, do seu processo humanizatório e de educação, antes,mostram diferenças notáveis, chegando até à contradição. Diante desteagudo problema atual, os educadores têm o direito de compreender aprofundidade, a extensão e as implicações contextuais do que fazem; elestêm o direito de ter e ampliar a consciência do sentido do seu agir e do seufazer educativo; e têm o direito de discernir a serviço de que sistema e deque processo humanizatório estão. Digno de nota é também o fato de, nosúltimos decênios, ter sido relegada a disciplina de antropologia educa-cional, talvez, para facilitar as manipulações ideológicas, deixando des-coberta e irrefletida esta questão que, todavia, não deixa de ser essencialpara os educadores que querem compreender sempre melhor o sentido desua tarefa social. Evidentemente, há muitas formas de compor umaantropologia educacional. Com certeza, hoje não se pode mais voltar aoscompêndios antropológicos dos meados do século passado. Mas é evidenteque com o fato de não haver mais uma visão clara, refletida e discutida deser humano, esvaziou-se o perfil humanizatório, fragilizou-se também avisão de educação no seu objetivo e o próprio estatuto de ciência dapedagogia. Se a ciência é compreendida como objeto, método e saberpróprios, pergunta-se: qual é o objeto da pedagogia, da educação? Tem elaum método que lhe convém como específico? Produz ela um saber próprioadequado ao seu objetivo específico? Como o objeto desta ciência ficoumais ou menos indefinido, terra neutra inexplorada, menos firmestornaram-se o saber e o objetivo específicos da educação e seu próprioestatuto de ciência. É por isso que se pode dizer que a educação revela umaidentidade incerta e variada, como que diluindo-se a visão de ser humano eo entendimento de humanização, não poucas vezes confundindo-se cominstrução e profissionalização.

Recentemente, a influência do filósofo Edgar Morin (2000) teveo mérito de mostrar, sob um novo viés, sobretudo aos que pensamque o homem pode ser reduzido a uma só e exclusiva realidade ma-terial socializável por influência do meio contextual, que a totalidade,sem excluir o ser humano e sua possível humanização, são fenômenosmuito mais complexos do que se imagina e que requerem abertura,quebra de paradigmas e investimento no espírito que impregna a matériae a transfigura. O próprio pensamento como fenômeno gnoseológicofaz parte, igualmente, desta realidade, como também a linguagem e suainterpretação. A partir daí, aos poucos, vai se abrindo o horizonte valo-rativo e espiritual de nosso tempo, e novos ventos sopram no campo

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da educação e da sua pesquisa, menos dogmáticos, mais interativos edialógicos. Certamente, é a educação no Brasil e a sociedade que vãoganhar com isso.

Não se pode deixar de citar a corrente que vem de Maturana (2002),chamada “auto-organização da vida”. Não nos é possível, neste texto,aprofundar esta proposta que tem dois pólos centrais: o pólo do dinamismointrínseco próprio a cada ser vivo. Spinoza (1987), já no seu tempo,traduziu sua intuição relativa ao poder-viver numa expressão que se tornoufamosa e atravessa os tempos: cada coisa, a partir de si mesma, procuraperseverar no seu ser; e o pólo do meio ambiente ou contexto, no qual ecom o qual o ser vivo reage e interage, provocando mudanças que podeminterferir no próprio viver e seus dinamismos. Inclusive, a alguns parecepossível afirmar que dessas interações resulta a evolução qualitativa da vidae do viver. No entanto, algumas perguntas não podem deixar de ser feitasem relação a este esquema: Como da matéria pode surgir o pensamento(nous e pneuma)? A propósito, pode-se lembrar a célebre afirmação deScheler (2003): O homem é um animal que pode dizer não, aliás, o único.Nietzsche afirma, por sua vez, que o homem é um animal que podeprometer (mesmo que eventualmente não cumpra). Por conseguinte, ohomem pode recusar satisfações que o dinamismo instintivo provoca, queo meio propicia e que o corpo exige. Só o homem tem um poder de decisãoda qual ele é o único autor, decisão que introduz no ambiente da natureza eno contexto da história uma nova ordem por assim dizer causal, inclusivepodendo ir contra si mesmo. Desponta aqui algo supra-instintivo, supraambiental, supra contextual e aberto ao infinito.

No esforço teórico de compreender mais a fundo o fenômenoantropológico e a educação possível que lhe corresponde, pareceu-mepossível sintetizar as diversas concepções acima apontadas em três núcleosprincipais que, por ora, chamo: formalismo, naturalismo, e uma terceiraque, na falta de outro termo melhor, intitulo ecletismo educacional. É sobreeles que se pretende abrir uma discussão, tendo como critério a hipótese deque a educação não tem uma idéia clara e própria de ser humano e deprocesso humanizador. Por formalismo entende-se a visão de homem queprocede das ciências do espírito, tendo por foco inspirador a contribuiçãofilosófica de Aristóteles, às vezes também a teologia, que interpretam aessência humana centrada no pólo da essência racional, reconhecendoigualmente sua condição natural. Por naturalismo entende-se a visão dehomem que procede das ciências naturais, tendo por foco principal a

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biologia e sua base chamada natureza, donde procede a vida e suaorganização evolutivo-contextuada. Por ecletismo educacional entende-sea visão de homem resultante do uso de aspectos de um mosaico de ciências,entre as quais convém citar, entre outras, a psicologia, a sociologia, apolítica, a economia e a psicanálise. As distinções propostas mostram oacento específico de cada uma, sem com isto pretender excluir asinfluências e contribuições que entre si exercem e recebem, mas quemostram a identificação do ser humano como resultado do fenômeno deum ecletismo educacional.

O que importa salientar – e isto parece paradoxal – é que a educaçãonão tem uma antropologia elaborada, sequer uma visão própria de homem,sobre a qual fundar a sua possível humanização, e a partir da qual discutir eelaborar uma idéia de educação conseqüente que poderá servir igualmentede parâmetro para pensar e avaliar cientifica e criticamente seu agirpedagógico-educacional. Entretanto, parece haver uma pergunta anteriorque merece ser refletida, precisamente aquela de verificar se cabe e se épossível compor uma antropologia educacional específica e, em casopositivo, pensar em que consiste a humanização e propor um processopedagógico-educativo que a ela pode conduzir. Com isto não se pretendedesmerecer os esforços feitos no sentido de aproveitar as contribuiçõesprovenientes de outras ciências; ao contrário, estas podem coadjuvar nailuminação do caminho a percorrer em busca da própria fundamentação earticulação. O diálogo entre as diversas ciências, no que diz respeito aoconhecimento sempre mais apurado e justo do ser humano, das mediaçõesde sua humanização, são necessários e urgentes. Mas o fato de outrasciências influenciarem e contribuírem, não exime os educadores deinvestigar e procurar a especificidade do ser humano enquanto possi-velmente educável e humanizável.

A pergunta crucial, portanto, pode ser formulada da seguinte forma:como justificar racionalmente a educação? O fundamento da justificaçãoprovirá de uma ordem racional ou divina, de uma estrutura biológico-ambiental, de uma imposição político-cultural, algo exterior ao homem?Não provirá, antes, da condição da própria essência – possibilidade einterioridade – do ser humano? O fato histórico da educação, com todas asmediações que nele intervieram e intervêm, não testemunha a contínuasurgência intrínseca de sede de humanização no ser humano, expressa,apenas para dar um exemplo, em formas inumeráveis pelas criaçõesestéticas, religiosas, éticas e institucionais?

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3. R3. R3. R3. R3. REDUCIONISMOSEDUCIONISMOSEDUCIONISMOSEDUCIONISMOSEDUCIONISMOS ANTROPOLÓGICOSANTROPOLÓGICOSANTROPOLÓGICOSANTROPOLÓGICOSANTROPOLÓGICOS

“Bem-aventurado aquele que conseguiunão sufocar a sua visão.”(TEILHARD DE CHARDIN, Le milieu mystique)

3.1 Formalismo3.1 Formalismo3.1 Formalismo3.1 Formalismo3.1 Formalismo

A educação tem a ver com o ser chamado homem, exerce sua ação erelação com o ser humano. Pressupõe-se que ela tenha, pelo menos, umavisão, senão uma concepção deste mesmo ser, tanto na forma de educandoquanto na de educador. Qual é a visão ou concepção de ser humano queestá na base da ciência ou das ciências da educação e qual a conexão destavisão com o tema da humanização ou do sentido do humano que daídecorre?

É, sem dúvida, difícil responder a essa questão sem uma longa análisedas diversas correntes que compõem os parâmetros da educação atual, seudesempenho e perfil históricos a partir da segunda metade do século XX.Num rápido sobrevôo e de forma bem geral é possível afirmar que foramduas as influências maiores no campo da educação: aquela que provém dasCiências Naturais (sobretudo em relação ao método), e aquela que derivadas Ciências Humanas, entre as quais se deve destacar a Economia nosanos 70, a Sociologia e a Política dos anos 80 em diante, mais recentementea História, sem esquecer a Psicologia que começou a influenciar maisprofundamente a partir do século XX, com maior ou menor realce. Asdiversas tinturas de caráter antropológico que foram surgindo e sedesenvolvendo ao longo do século XX são geralmente referidas comofontes inspiradoras da educação no que diz respeito ao ideário sobre ohomem. De modo assaz genérico, Severino (1999) apresenta em suapesquisa uma retrospectiva da influência de correntes filosóficas naeducação brasileira; deixa claro a progressiva diminuição da influência dafilosofia na educação. Aliás, isto não é novidade, pelo fato de a própriafilosofia atestar sua crise, já no decorrer do século XIX, aprofundada noséculo XX. Com o fim dos grandes sistemas teoréticos e a crise daracionalidade moderna, começa a proliferar uma literatura que se podechamar pára-filosófica, na qual o específico da filosofia e o específico dasciências humanas como que se fundem formando um novo gênero literárioe pretendendo uma autofundação científica. Por esse caminho, a educaçãoadotou e continua a adotar acriticamente a concepção de homem fornecida

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por qualquer uma das ciências que a influenciam, ao gosto da moda do diae do educador; ou, por revelar alguma forma de agudeza e de percepção dacrise pela qual passamos, não se adota nenhuma ou se aceita os lugarescomuns do saber dóxico.

A educação imagina ser uma ciência capaz de conduzir o ser homemde um estágio natural a outro que considera socializado e/ou humanizado.As pedagogias são inseridas como ciência e/ou técnica e/ou arte dosprocessos e formas desta condução. Mas, por trás desta visão ou esquema,há muito mais questões que a vã ciência supõe. Não se quer discutir aqui aquestão da educação ou da pedagogia como ciência. O objetivo maior édirigir um olhar atento e despretensioso sobre a questão antropológica esua relação com a possível humanização, mediada pela educação.

A grande maioria dos arquétipos que preconizam os itinerários doshomens fala em caminho, em horizonte, suposto o movimento do andar ebuscar, do encontrar-se e perder-se, de sucessos e fracassos e, no viéshistórico, conforme o historiador Toynbee (1977), as chamadas civiliza-ções alternam-se por fases de surgimento, hegemonia, decadência edesaparecimento. Para Dante Alighieri (1984), por ex., o viver é com-parável a um caminho em que é possível perder-se como em uma florestadensa. O caminho e o caminhar sempre foram vistos como grandessímbolos da vida e da história dos homens. Neles apresentam-se variadasdimensões, entre as quais se pode ressaltar aquela que se refere àhumanização, à passagem do menos para o mais em termos de qualidadevalorativo-ética. Outro poeta, António Machado (1995), diz que não hácaminho, faz-se caminho caminhando, querendo afirmar que cada serhumano é e abre o seu próprio caminho com o seu existir e suahistoricidade.2 Transparece nos dois poetas a dimensão da esperança docaminhar. O símbolo referente a caminho e caminhar está, pois, a indicarque o ser homem não nasce pronto, que o viver lhe é dado como tempo devir a ser, que o homem é ad-vento, é projeto, que a mudança comporta orisco de perder-se e de encontrar-se, mas que a esperança preside a aventurada existência, cujo desfecho, mesmo programável, parece imprevisível.

Ao longo do caminho e do caminhar por séculos, o homem tateou,por ensaios, acertos e erros, conseguiu aprender, aprendeu a assimilar oseu apreender, a contagiar outros, a passar adiante e a multiplicar a suaexperiência aprendente e aprendida. A capacidade de aprendência forjounova (senão a primeira) idéia do homem sobre si mesmo, vislumbrou outracompreensão de si e não se pode esquecer as peripécias por que passoupara descobrir e aprender a semelhança/diferença com os outros que

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começou a chamar e tratar como seus semelhantes. Aprendeu a arrancar-sedo curso natural do deixar-se viver, a arrancar-se do fluir natural e de suasleis ligadas ao meio, do próprio viver passivo e suas necessidadesimediatas. O homem aprendeu a distanciar-se do seu pré-dado todo pronto,por abertura equivalente a sua visão de si e do mundo, a opor-se ao natural,sem o recusar, para dele partir para novas vivências e buscar novoshorizontes. Aprendência esta que, com o tempo, por ensaios e erros, levouà tomada de consciência do poder erguer-se, do poder fazer-se e dar-seuma nova forma de viver, de fazer, de agir, de ser e conviver. Agora, o serhomem atesta a si mesmo e a outros tal possibilidade, cuja prova é fornecidapelo curso do tempo, pelas obras referidas a si mesmo e pela novacompreensão de si que sua identidade lhe atesta. Pode-se evocar aqui apergunta de Ricoeur (1990, 62): “O que significa atestar-se para umaliberdade que não se verifica nem vê a si mesma? ... Trata-se de umaodisséia da liberdade através do mundo das obras, esta viagem que vai dacrença inicial à história real”. O homem aprende a conferir ao seu existiruma nova forma de ser que envolve não só um fazer poiético, mas tambéme, sobretudo, um agir práxico em relação a si e aos outros e uma novaautocompreensão.

A história da educação pretende traduzir e condensar as duas facesdessa experiência. A Paideia grega contém a idéia de certa forma humana,forjada na longa tradição que vai de Homero a Aristóteles e que osromanos, sobretudo com Cícero, traduziram por Humanitas. Há umatradição filosófica que procurou compreender o fenômeno da permanênciae da contingência do ser homem, fazendo uso de duas categorias: matéria eforma. A matéria diz respeito ao princípio material, natural e dinâmico,moldável e perecível. A forma indica o princípio da perfeição própria, maisou menos constante, de cada ser, em contraposição à matéria que referemutabilidade, fugacidade e multiplicidade passíveis de indistinção econfusão. Cada ser substancial, matéria e forma, vai tecendo sua entidade eindividualidade. No caso do ser homem, a que correspondiam a matériae a forma? A dimensão corpórea, sem excluir interioridade-sensibilidade,correspondia à matéria; a forma compreendia o que o especificava comotal, distinguindo-o de todos os outros seres, correspondendo ao respectivograu de perfeição na ordem geral dos seres, como eram classificados naépoca. Cada ser enquanto ser, cada animal enquanto animal, tem sua forma.Em que consiste a especificidade do ser natural também chamado animalhomem? O esforço reflexivo aristotélico traduziu a especificidade formalna determinação do “lógico” ou “político” como característica própria deste

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ser. Em que consiste este lógico ou político, a discussão continua até hoje;geralmente, fica explicitado pelas faculdades intelectiva, volitiva e lingüís-tica, e pela possibilidade de organização política, no sentido da pólis grega,mediada pela ética. Nesta visão, a especificidiade do animal homem con-siste na sua racionalidade, incluída a vontade, a politicidade e a linguagem.A idéia de qualidade, de perfeição que o conceito de forma traduzia, fezcom que este termo tivesse uma progressiva aceitação em várias ordens deconhecimento e influenciou poderosamente a educação.

No entanto, não basta afirmar que o animal homem está dotado deuma forma específica para que ele seja reconhecido como humano, nembasta afirmar que ele é um ser privilegiado, dotado de razão, de vontade, delinguagem, e assim por diante. Nesta visão, a forma apareceria como umacategoria estática, dada como ornamento ao ser, como se o ser surgisseacabado, carecendo apenas de formatação que cada época ou sociedadedetermina. Esta compreensão ontológico-metafísica do ser humano, queperdurou por milênios, foi sendo abandonada progressivamente a partir doséculo XIX. Talvez, a restrição que muitos autores manifestam a respeitodo uso da categoria de formação no campo da educação derive da visãoestática da idéia de forma como algo pronto, acabado, que passa adiante degeração em geração, sem que o indivíduo, na realização de sua histori-cidade, possa intervir e conferir novo modo de ser a si mesmo, à cultura e atudo o que tange.

Importa sumamente fazer uma clara distinção entre homem como sernatural ou animal e homem como humano. Esta distinção é de capitalimportância. Como entender a afirmação que atravessa milênios – o serhumano é dotado de razão e de vontade? Dizer que o homem é um animaldotado de razão, de vontade, de linguagem, pode significar que os homensnão dispõem ordinariamente da razão e da vontade, mas que eles podemdispor delas, melhor dito, que eles devem tornar-se racionais e éticos parase tornarem plenamente humanos e serem reconhecidos como tais pelosoutros que se consideram humanizados. Neste sentido, o homem, enquantonatural, não é mais que um animal dotado de possibilidades. Significaafirmar que há no homem um poder ser como abertura e que depende deleagir ou não neste sentido. O homem que quer ser reconhecido comoverdadeiramente humano, o homem que quer que o outro se torne ver-dadeiramente humano para reconhecê-lo como seu igual, deve tornar-sehumano, pelo caminho do desenvolvimento racional, social e ético, a quese acrescenta hoje a dimensão afetiva. O que a ciência da educação e aciência em geral descrevem, como ponto de partida de sua ação transitiva

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sobre e com o outro, nada mais contempla que uma visão de animal homem,considerado como matéria e forma (fazendo uso de expressões aristo-télicas), passível de alguma ação extrínseca.

Contrariamente à posição acima delineada, a definição de humanonão é dada como uma medida abstrata para que se possa reconhecer ohomem, mas a fim de que se possa realizá-lo, como perspectiva ou comoutopia. Nesta visão, o homem não nasce pronto. Seu maior desafio, nohorizonte histórico espiritual do mundo, consiste em tornar-se humano.Esta é sua principal missão. Sendo assim, o homem surge inacabado, é pré-núncio do ad-vento do seu vir a ser um humano. Fazer com que alguémpasse do estágio de homem animal ao estágio de homem humano é obracomo que sobre-humana na qual concorrem, além do próprio primeirointeressado que sempre vem em primeiro lugar, em todos os momentose fases de sua historicidade, a família, a sociedade e as instituiçõesespecíficas da educação. Portanto, a forma de homem animal natural não éa forma de homem reconhecido como humano. Mas, na passagem de umaforma para outra pode perceber-se um processo inacabável e insubstituívelque na história recebeu e continua a receber o nome de humanizaçãohistoricizada e que pressupõe o poder ser como abertura, traduzida, nafilosofia da educação, como educabilidade.

Entretanto, a partir do século XIX, avança a idéia de que a dimensãoda inteligência não é exclusiva do ser homem, pelo fato de ser participadatambém pelos animais em graus diversos. Na medida em que esta posiçãofor tomada a sério, consideração que nos parece merecer crédito a partirdas pesquisas de Gehlen e seguidores (1987; 1993), por exemplo, o queAristóteles atribuía como forma específica ao ser natural homem, hojeencontra sempre maiores dificuldades para ser sustentado. Diante disto, ameu ver, duas são as alternativas que se entreabrem.

A primeira consiste em manter a interpretação aristotélica de forma,porém alargando-a ao gênero animal, pelo fato destes também possuíremem certo grau a forma intelectiva, pelo menos na sua acepção prática; nestecaso, haverá conseqüências mais ou menos sérias relacionadas à concepçãode educação. Conviria aqui, sem dúvida, um conceito de educação centradonos dinamismos, habilidades e competências, isto é, centrado na capa-citação, no treinamento de habilidades e assim por diante. Esta alternativarecebe um relevo especial naquelas ciências modernas que tomam comoponto de partida de suas pesquisas o ser homem considerado como animal.Pesquisas e estudos feitos sobre animais (sobretudo macacos maisevoluídos) são aplicáveis igualmente ao animal homem. Há correntes de

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pensamento que defendem explicitamente esta visão e conseqüenteaplicação e que influenciam poderosamente a educação. A educaçãoprolongada ao longo do existir, até a idade avançada, centra-se na conquistade habilidades relacionadas com a competência profissional, ao que sereduz a idéia de humanidade e sua possível humanização. A idéia dehomem que transcende suas performances e implode suas medidashistórico-culturais não recebe guarida nesta perspectiva.

A segunda alternativa pode ser expressa nos seguintes termos: Aforma humana tal como foi pensada por Aristóteles e assumida ao longo dahistória e cultura ocidentais não corresponde de fato ao fenômeno originalda especificidade do animal chamado homem. Na medida em que estaposição for tomada a sério, ressurge a questão fundamental: Em queconsiste a verdadeira especificidade do ser homem, em que consiste ohumano no homem? Em que consiste sua humanização? Poderá ela serequiparada a tudo o que o ser homem conquistou até hoje e se traduziu, deacordo com Cassirer (2001), em linguagem, religião, arte, história eciência? Nesta alternativa, como fica a educação, como entender o processohumanizatório e como realizar a formação do humano? Há uma distinçãoprofunda, que deve ser meditada e pesquisada, entre ser homem natural e aforma humana deste mesmo ser. Não basta nascer de humanos para serreconhecido como humano; não basta pertencer à cultura e nela enraizar-seem todas as suas expressões para atingir a forma plena do humano.A educação entendida no seu papel tradicional de veiculadora dasexperiências e saberes acumulados e constituídos pela civilização(SAVIANI, 1994), segue o modelo bi milenar proposto por Aristóteles e,ao não distinguir o homem do humano, continua a confundir instrução ecapacitação com humanização e formação humana, da qual jamais sepoderia separar, por exemplo, a eticidade, que promove e eleva aconvivência social em justiça e paz. Pode-se ligar facilmente as idéias deforma e formação. Não se pode negar que o conceito de formação tornou-se um conceito abrangente e fundamental encontrável na arte, na moral, nareligião, na educação e nas ciências que lidavam com o devir, com odesenvolvimento, sobretudo intelectivo, mas também valorativo do serhumano. Esteve praticamente presente ao longo de toda a história daeducação, pelo menos na cultura ocidental. De acordo com a influência decorrentes de pensamento, variou em sentido, em acentos e em alcance.Porém, sempre permaneceu como conceito referencial na educação,inclusive na educação no Brasil. Se a especificidade do ser humano não setraduz pela forma como a tem compreendido Aristóteles e a longa tradição

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que o seguiu, como entender agora o conceito de formação? Na medida emque as novas ciências surgidas na modernidade se tornaram preponderantesna elaboração e compreensão do conceito de educação, como foi sendoentendido o conceito de formação e qual o seu relevo e pertinência?

3.2 O naturalismo – enfoque metodológico3.2 O naturalismo – enfoque metodológico3.2 O naturalismo – enfoque metodológico3.2 O naturalismo – enfoque metodológico3.2 O naturalismo – enfoque metodológico

Supõe-se como um dado óbvio que todo ser humano,3 mediante aeducação, passa do estágio natural em que surge no mundo ao socializado,este geralmente entendido como humanizado. No entanto, os fatoscontestam todos os dias esta hipótese. O homem não está contente consigo,com o que se lhe é dado, nem com a sociedade e o mundo em que lhe édado viver. Donde emergem duas perguntas: Quem é este ser humanoinsatisfeito? Pode o ser homem, que outros chamam animal, passar de umestágio natural ou animal, a outro estágio considerado humano, quem sabe,mais humano? Esta parece ser a questão radical da qual dependem todas asdemais. Se o homem não nasce com a qualidade humana, poderá ele, por simesmo, fazer-se tal? E, no caso de ele não operar por si mesmo talpassagem, com seu fazer e agir, quem produzirá tal mudança? Como e porque caminho se processa e conduz tal mudança? Qual é a sua natureza eforma? Qual é a idéia de homem e de humanização que preside seuprocesso? Ou, talvez, não haja idéia alguma nem processo dúctil e se penseque o fenômeno resulte naturalmente, via genético-evolutiva, determinis-ticamente ou não, ou via genético auto-organizativa-sociocontextual?Queira-se ou não, haja consciência ou não, é inegável que cada educadortem uma certa idéia do ser chamado homem e do que entender por processode humanização. Além disso, senão por outra razão, cada um de nós desejaser reconhecido não apenas como ser natural, mas como humano e, nasrelações, sejam quais forem, pretende estar num mundo humanizado. Há,pois, uma forma ou idéia de homem e de humanização que influi em nossavida, ciência e cultura. A presente reflexão dirige-se a olhar precisamente aidéia de homem que preside a ação educacional responsável. A educação,como ciência e/ou como arte, parece depender da resposta possível ou nãoa estas perguntas, as mais importantes, sem dúvida, da vida pessoal e dahistória humana.

As ciências naturais tratam o ser homem, em sua pesquisa, na reduçãoepistemológica, como um objeto entre outros. As ciências humanas emgeral, apesar de afirmar a especificidade deste mesmo ser, não deixam deassumir a visada epistemológica objetivadora das ciências naturais. Não se

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pode esquecer que há exceções a esta regra. Na visão de homem comoanimal racional, ou ser natural-evolutivo, ou produto de relações socio-econômico e políticas, entre outras, ele é sempre considerado como umente constituído, como um objeto entre outros, mesmo que se lhe resguardecerta especificidade inegável. Estas visões influíram e influem napedagogia e são aceitas nas ciências da educação. Mas, parece que estaaceitação acontece sem ter havido reflexão sistemática séria sobre oestatuto do ser chamado homem e de sua educabilidade. Aceitou-se pacíficae ingenuamente sua objetivação e se supôs que a educação aconteceria dequalquer forma, embora na pedagogia se buscasse progredir nos métodos eformas de obtenção de sucesso na sua tarefa. Pode-se, pois, afirmar quetanto a visão de homem como a visão do que pretender com a educaçãopadecem de uma identidade incerta e variável.

Não vamos aqui discorrer sobre o naturalismo sob o viés de correntefilosófica. Sabemos que o contexto cultural e científico que nos impregnaestá profundamente marcado pelo positivismo naturalista; na prática, todossabemos mais ou menos em que consiste e quais as teses sobre as quais seapóia. Interessa-nos mais visar o tratamento científico-pedagógico que oser humano recebe neste contexto.

O enfoque metodológico próprio ao naturalismo considera o serhomem um objeto a ser decifrado ou a ser trabalhado e conduzido. Aciência moderna, desde Galileu, baseia-se sempre mais exclusivamentesobre o cálculo e sobre a medida, isto é, sobre o estudo das condiçõesrigorosas que devem provocar um fenômeno ou, pelo menos, torná-loobservável graças a combinações de elementos ou de aparelhos, deter-minados pelo cálculo e submetidos à verificação precisa por meio deinstrumentos em que o fenômeno deve ser registrado em sua realidadematerial e tornar-se finalmente, sob uma forma ou sob outra, fisicamenteperceptível, comparativa e mensuradamente cognoscível e pedagogica-mente tratável. A título de método científico, esta posição é inatacável.Além disso, é importante ressaltar que na apresentação de relatóriosreferentes à pesquisa, fornece uma linguagem comum que pode, semcontestação possível, reunir todos os homens, pelo simples fato de lhesnão impor opção filosófica, religiosa ou política. O que ela requer dospesquisadores é que sejam honestos em suas pesquisas e forneçam aos seuspares as condições de sua realização e as provas dos resultados obtidos,tudo isto exposto em linguagem simples e universal. Mais recentemente,alternativas de pesquisa científica, menos deterministas, mais atentas aocomplexo fenômeno da vida e dos seres vivos, sobretudo do homem,

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surgiram com aplicabilidade e vão conseguindo espaços e adeptos entre oscientistas. A educação, no seu esforço por erguer-se ao patamar de ciênciae ser reconhecida como tal pelos pares de outras ciências, não escapa deseguir este método e de aplicá-lo ao seu objeto, o ser homem enquantopossivelmente educável. Mas pode a educação ficar reduzida apenas a estemétodo? Aqui é relativamente fácil para todos detectar a visão de homemque subjaz ao método empírico, por isso não vamos nos deter no seudetalhamento.

3.3 O ecletismo educacional – enfoque robótico3.3 O ecletismo educacional – enfoque robótico3.3 O ecletismo educacional – enfoque robótico3.3 O ecletismo educacional – enfoque robótico3.3 O ecletismo educacional – enfoque robótico

Por ecletismo educacional quer-se entender o fenômeno da recepçãodóxica acrítica de pressupostos, conteúdos e aspectos de diversas ciênciascomo ideário próprio para a educação, sobretudo, com relação à visão dehomem, sua educação e possível humanização. Discute-se a pertinência ea amplitude deste ecletismo, pergunta-se se o fenômeno humano pode sercompreendido verdadeiramente nestas visões dispersas, até conflitantes, ese as concretizações históricas de educação esgotam a educabilidade. Se ohomem é a medida de todas as coisas, qual é a medida do homem? E qual éa medida da educação do homem? E quando termina sua educação?

A partir do ecletismo educacional, com o enfoque que chamorobótico, analisa-se a dimensão, hoje, por muitos considerada comopropriamente humana. Como vimos acima, no exercício metodológico nãose pergunta quem é o homem, mas como é cognoscível e operável estefenômeno. O método pode explicar o fenômeno em suas modalidades,conhecê-lo até certo ponto e dizer como ele é; mas não vai além disso. Porexemplo, nunca pode afirmar o que ele deve ser se pode ser ou que uso sedeve fazer com o que se chega a saber. Isto já é de outra ordem, ordem éticae sua justificação, e requer outra compreensão. Entretanto, aqui está o nódo problema: as diversas ciências que sincreticamente compõem a molduracientífica da educação não consideram o ser homem como um robô, umaespécie de laboratório vivente? Se refletirmos sobre isto, percebemos que,por influência do contexto cultural em que estamos todos inseridos, nosconsideramos a nós mesmos como uma complexa engrenagem laboratorialquando, por exemplo, ao sentir uma dor de cabeça, ingerimos um compostoquímico para combatê-la, outro para afugentar uma insônia, outro paracombater um estado febril. Admitimos tacitamente que somos como queum robô, na estrutura biofísicoquímica de nosso ser. O conjunto dasciências que enformam culturalmente nosso tempo trazem a marca

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impressionante da robótica. Por todos os lados e por meios os maisdiversos, o ser homem vai sendo conformado a um robô que responde aosapelos e exigências produzidos para preencher seu protótipo. O padrãochamado humano é produção que resulta robotizada. Duas são as principaisperguntas que surgem em relação à educação: será ela uma mediaçãorobotizadora, isto é, domesticadora do ser homem? No caso da educaçãotomar consciência desse ecletismo e da função que nele lhe compete,poderá ela romper com tal esquema e abrir novas perspectivas? Neste caso,como pensar o homem e a educação que lhe convém?

Por outro lado, quando se pensa extrapolar o metodológico e orobótico, imaginando descobrir em nós um ser original, uma personalidadecujo valor seja insubstituível e a dignidade inviolável, a psicanálise4 nosrevela os arquétipos mais arcaicos que desencadeiam, como uma espéciede memória cósmica, nossos comportamentos, nos recordam nossa históriainfantil inconsciamente atuante, e nossa dependência em relação a umsuper-ego, o qual se estima constituído por nossos princípios e/ouconvicções, que de fato não passam de introjeção autoritária e, se for ocaso de dar fé a Foucault, de regimes de verdade e de poder anônimos.Nada mais resta que a constatação amarga de ter tomado como nosso sermais próprio e precioso um ser robótico como que pré-fabricado, um serimaginário que não tem a ver com a nossa subjetividade autêntica e como qual não há uma cumplicidade existencial a coincidir com nossasubjetividade. Embora não advogada explicitamente por nenhuma ciênciaespecífica, parece subjazer uma visão na qual a vida é representada comoum desencadear-se impulsivo imenso que nos carrega com seus ventos,comunicando-nos, de alguma forma, a vertigem de sua força e a esperançade sua renovação inesgotável. A vida, enquanto minha, nada mais pareceque um instante de fulgor que o vórtice logo carreia em sua evolução,regido talvez por alguma lei senão pelo acaso. Diante deste quadro surgeinevitável a pergunta: existe o homem em sua humanidade? E, na dúvida,questiona-se: Pode o homem tornar-se verdadeiramente humano? Apretensão da educação de desenvolver o homem em todas as suaspotencialidades, como diz uma de suas mais conhecidas definições, nãoserá uma estratégia recoberta de ilusão? De fato, na perspectiva da biologiae das ciências, por seu nascimento carnal que é condição imposta, o serhomem nada mais é que fragmento do universo – seja ele sílex faiscante –,um produto da evolução cósmica. Numa visão materialista, o mundo físicoe o homem provêm da mesma ganga. A jângal da floresta virgem prolonga-se na do seu inconsciente. Seu “eu” é resultante de determinismos internos

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e externos que nele e sobre ele incidem, de todas as pressões e deter-minações do meio, de todas as sedimentações de sua história infantil, tecidana conjuntura simbólica resultante de processos selvagens, barbáricose culturais. Seu “eu”, numa palavra, é uma prisão. Suas opções sãopassionais, tanto no plano coletivo quanto no individual. Os programasque planeja e os ideais que alimenta exprimem o seu inconsciente no qualborbulham forças instintivas, reivindicativas e egolátricas. Ao final destadescrição realista, calcada em fichas psicanalíticas, aparece mais clara-mente a inexistência do humano dado naturalmente como distinto domundo animal.

A única questão que permanece, por conseguinte, e que pode ser achance da educação, pode ser expressa assim: Dado que o homem,enquanto humano, não existe naturalmente, não existe pronto em virtudedo seu nascimento carnal; dado que ele sofre o enorme peso de suasinjunções e condicionamentos; dado que, como todos os viventes, ele sóconsegue sobreviver tomando o que vive para dele se nutrir, explorando esaqueando o universo para se alimentar e proteger, sem excluir oassassinato de seus semelhantes, a única questão que permanece abertapode ser expressa da seguinte forma: Pode o homem emergir da gangabruta interna e externa, cessar de ser escravo de determinismos naturais epsíquicos, isto é, de si mesmo, libertar-se do seu eu pré-fabricado erobótico, tornar-se fonte e origem do próprio eu humano que fundaria suadignidade e grandeza, enfim, tornar-se humano? E a educação, em vez dedomesticação, será capaz de descobrir seu lugar original na humanizaçãodo homem?

Se não se resolve esse problema, todos os outros não passam de falsosproblemas e permanecem afetados por uma ambigüidade originária. Éimpossível falar de liberdade se esta liberdade não significa a libertaçãoradical de todas essas prisões, e resulte em uma libertação criadora dohomem verdadeiro. Mas sobrevém a pergunta do cético indolente: Umaverdadeira criação de si é viável, não será pura utopia? Que sentido temafirmar que o essencial que o homem tem a fazer é criar em si mesmo suahumanidade e cooperar na humanização da sociedade? A consciência atualreflete a impressão que o homem tem de ser como uma máquina, de nãopoder outra coisa que sofrer o seu ser e as estruturas contextuais que omanipulam, de ser mas não valer, de satisfazer-se mais ou menos noconsumo de produtos que lhe são ditos como correspondentes de suasnecessidades biossociais, macroestrutura esta contra a qual um eu se revelacomo que incapaz de qualquer iniciativa profundamente libertadora de si e

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dos outros. Continua-se a dizer eu, mas sem a convicção e a propriedade deque com a palavra eu se manifeste, em vez de uma identidade quixotesca, averdadeira identidade humanizada e humanizante.

4. I4. I4. I4. I4. INQUIETUDENQUIETUDENQUIETUDENQUIETUDENQUIETUDE EEEEE DESAFIODESAFIODESAFIODESAFIODESAFIO

“Venho não sei de onde,sou não sei quem,morro, não sei quando,vou não sei para onde,admiro-me de estar contente.”

(Citado por JASPERS)

Indícios significativos, que se revelam hermeneuticamente como umdespertar que pode conduzir a um processo humanizador, são detectáveis,entre outros, no fenômeno da revolta (CAMUS, 1996), no fenômeno darecusa de sofrer o peso de ser como é (HEIDEGGER, 2002; SARTRE,1997; LEVINAS, 1971), como que dizendo: Não será possível tornar-seoutro a partir daquilo que se deve suportar? Entretanto, bastará a revolta ea recusa? Para ser eficaz, a revolta supõe que o eu possa aceder a outraforma de existência que se sobrepuja e se liberta das amarras tidas como selhe fossem impostas, no biofisicoquímico, no psiquismo e na cultura, epossa arribar a uma forma de existência nova que um eu inquieto edesafiado procura arrancar de si, não isoladamente. Pode-se recorrer aqui,à guisa de explicitação, à breve fórmula que Flaubert escreve no seu diário,em reação ao pedido que lhe dirigia Baudelaire, para que lhe conseguisseum lugar na academia francesa de letras: Por que querer ser alguma coisaquando se pode ser alguém?.

Rimbaud (1947), o poeta que implodiu as amarras da poesia francesado século XIX, em um verso famoso, afirma: “Não estamos no mundo. Averdadeira vida está ausente”. Este pensamento parece exprimir o profundodesejo que dinamiza e inquieta todo homem em via de tornar-se humano.A condição biológica, psicológica e cultural do viver e conviver nãoproduz, espontanea e sociologicamente, maturação humanizadora. É misteroperar no sentido do seu ad-vento, por ser possível defender a tese de que anossa verdadeira vida, aquela à qual estamos mais profundamente ligadose que consideramos como nosso supremo bem, não é suficientementepercebida e não está contida nos três enfoques reducionistas supracitados.Mas como mostrar esta tese?

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É na altura desse desafio que se desenlaça o nó górdio da possi-bilidade do humano no homem. Um homem que sacode toda forma de jugo,em primeiro lugar aquele que vem de si mesmo, é uma possibilidadereivindicada na revolta, atestada por poetas, artistas, santos e algunseducadores excepcionais, e se transmuta em exigência individual e socialque pode eventualmente ser mais ou menos agudamente experimentada,mas cuja realização permanece obscura e incerta, dado que nossa cum-plicidade natural com todo o pré-fabricado e robótico-cultural que nosconstitui nos identificou praticamente com ele, percebido e passivamenteaceito como nossa natureza ou condição.

Uma alternativa freqüentada consiste em tentar construir uma perso-nalidade fragmentária, desenvolvendo um ou outro dos dinamismos daherança genética recebida – o mais brilhante, o mais apto ao sucesso –,sem deixar de ser dominado pelo “eu” cúmplice no qual se amarramas nossas servidões. Mas, esta alternativa, embora muito incentivada, éuma falsa saída, pois o eu permanece basicamente acorrentado a si, nãotranscende o horizonte biológico e cultural em que se socializa. Contudo,ela apresenta um aspecto positivo: mostra a dificuldade de realizar-se comohumano, de tornar-se um homem verdadeiro, de libertar-se inclusive de simesmo. Mostra a necessidade de se pôr em questão de fato todo o eu pré-fabricado e robótico-cultural, de se avançar no espaço de abertura que arevolta suscita e recusar de se identificar com o que não se criou em si e desi mesmo, a partir da condição criatural, para ir além da cultural.

O ponto de partida pode ser difícil, quando se quer fundamentá-lo ejustificá-lo. Mas pode ser igualmente fácil, se for tomado como despertardo momento criativo auto-referente. Sem dúvida, é fundamental tomarcomo ponto de partida o próprio existir e conviver, o fato de que nasci, deque vivo no seio de uma família, em meio a tudo o que a civilizaçãoproduziu e guardou. Todos nós chegamos ao mundo da vida com umaherança genética e cultural inegáveis. Não existe tabula rasa.

O fenômeno da existência pode receber as mais diversas inter-pretações e significações que a modernidade e, sobretudo, a contempo-raneidade nos habituou a considerar, seja na filosofia, seja nas ciências.Estas nos habituaram a olhar o ser homem como um gestado que vem dopassado, marcado e estruturado por ele. Pretendem que a chave de suaexplicação, no sentido diltheiano, está no passado, isto é, no genético, noevolutivo e histórico-cultural – todo isso que acima chamei de reducio-nismos antropológicos. Outras pretendem que a explicação é alcançada naanálise que considera o contexto atual, sua estrutura, e as relações que se

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produzem no seu seio. A essência do homem, mesmo que ancorada nopassado, estaria no enredo do seu presente fugidio. Entretanto, ésurpreendente que nenhuma ciência procure compreender o homem a partirdo seu futuro, do projeto de sua humanização, do desejo que o lança paraa frente e para o alto, da utopia que o fascina e que o transcende;surpreendente mais ainda pelo fato de que ninguém está satisfeito como passado e o presente, por todos criticados e vistos como superáveis.Donde resulta uma pergunta essencial para a educação: Donde virá a luzdo humano se o passado e o presente, sem negar ou diminuir suascontribuições, não correspondem aos nossos anseios? Deverá ele confinar-se irremediavelmente às dimensões arqueológicas da monotonia do carpediem (HORÁCIO, Odes, I, 11, 8)? Não poderá servir de admonição e deprenúncio alviçareiro outro verso do mesmo poeta Horácio (Odes, III, 30, 6):“Non omnis moriar”?

Uma pergunta intempestiva cabe aqui em relação à própria definiçãodo objeto da educação. O objeto material da educação é o homem enquantoeducável; mas deverá ela ater-se à dimensão arqueológica deste ser? Porque não abrangeria a perspectiva do futuro, transcendendo os horizontesculturais do contexto atual? Mais: sob o aspecto metodológico formal, aeducação não é chamada a elaborar um olhar próprio que se vale, para bemconhecer o seu objeto, não só do passado dado, mas também, e quiçásobretudo, o advento do homem?

Husserl (1976) demonstrou, de uma vez por todas, a diferença radicalentre o psicológico e o lógico, minando a base teórica do chamadopsicologismo, donde procede o cognitivismo. Demonstrou a complexidadedo psiquismo humano, distinguindo claramente o cognitivo do lógico egnoseológico. A partir do mestre, em modalidades e métodos apropriados,vários discípulos, sobretudo Scheler, Heidegger e Levinas, procuraramevidenciar o sentido do humano e o que lhe é mais próprio. O conceito deexistência, distinto da essência como pensada por Aristóteles, tomou umrelevo excepcional para indicar sua especificidade.5

O que significa o fato de que eu existo? Significa que sou dado a mimmesmo. Não sou apenas algo, um dado como outros dados da natureza,mas sou dado a mim mesmo, evidenciando implicação de auto-referência epossibilidade de autodeterminação. Sou algo ao qual tudo se refere e, apartir do qual, eu me aproximo de tudo, implicando, além da auto-referência, abertura e transcendência. Todos os movimentos e operaçõespressupõem o que se exprime pela palavra “eu”, a mais simples e complexaao mesmo tempo (WITTGENSTEIN, 2004). Tudo o que acontece com o

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meu existir me diz respeito; mesmo o que procura ultrapassar o eu e referiro que é em si mesmo, mesmo neste caso a representação provém de um euque a produz. Neste sentido, no campo da educação, tudo o que se refereao ser educável não pode não atingir este centro de referência que é cadaeu auto-referido e responsável pelo seu devir; a implicação sistemática dopólo de referência “eu” leva a considerar que a forma originária indis-pensável de toda educação jamais pode dispensar este centro luminoso queparte do seu existir.

As operações podem ser compreendidas pelo fato de o eu ser o pólovivo referido-oposto ao mundo. O mundo é dado como aquilo em que o euvive, encontra, sente, palmilha, manuseia e assim por diante. Sem esquecerque o eu vive de ar, de luz, de espaço, de positividade (ponto este que podeservir de base de fundamentação para a ecologia). O que se chama de“mundo”, quanto ao seu significado originário, é tudo aquilo que seconstrói entre os pólos do meu eu e da universalidade de tudo aquiloque não sou eu. É precisamente neste espaço que se inscrevem assignificações que a temporalidade e a historicidade humanas produzemno seu existir.

Na relação-oposição eu-mundo produz-se algo surpreendente sobre oqual pouco se medita e que, no entanto, é fundamental para a compreensãoda educação: a polarização da identidade e da diferença. O eu percebe a simesmo como não mundo (diferença), e se compreende como si mesmo(identidade), único ponto que lhe pertence e com o qual coincide inalie-navelmente. A auto-referência não significa uma completa transparência asi mesmo, implica sim a percepção de sua singularidade, associada àenigmaticidade e ignorância. O eu não tem ciência imediata de si mesmo;mas, no intrincado processo de operações com e no mundo, procuraconhecer-se; o eu não se possui, mas arriba a si mesmo no próprio ato dequerer desprender-se. Fenômeno curioso e paradoxal: em tudo o que o eufaz ou deixa de fazer, no agir e na omissão, está ancorado em si mesmo, seidentifica e se surpreende a cada passo com o novo que lhe sucede. Estouem minhas mãos, mas não me possuo, me conheço e sou um enigma paramim mesmo. É nesta ambigüidade que se efetiva a temporalidade e ahistoricidade, nas quais é dado perceber, de um lado, a odissséia dacaminhada dos homens e da humanização que cada um realiza em si mesmoe na sociedade e, de outro, a tragédia das alienações, decadências edesumanizações.

Entretanto, esse estranho fenômeno manifesta o que há de maisprecioso para a educação: no enigma e na ambigüidade do existir, na

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oscilação entre realizar-se e alienar-se, vislumbra-se a possibilidade daeducabilidade do ser humano. Verifica-se neste fenômeno a afirmaçãosimples e universal de que o descendente de humanos não nasce pronto,isto é, humanizado, mas historicizável, perfectível. Fenomenologicamenteisto se desvela no fato de o eu não dominar sua existência, mas de ser dadoa si mesmo como projeto e tarefa. Há como um ponto de fuga que leva oser homem a perseguir incansavelmente a imagem de domínio de si mesmoe da condução do seu agir em meio a fracassos ou sucessos nos quaisintervém (o que foi expresso por Kant (1996) como processo de autonomia,retomado por Piaget e outros). Aparece ainda no fato de cada existentebuscar a autocompreensão exaustiva, procurando responder à questão dofato de o homem ser problema para si mesmo. Sob variados ângulos e dediversas formas manifesta-se claramente que existir é um dom e um desafioque incluem tanto a possibilidade da humanização como o da desuma-nização, que a humanização no homem é uma possibilidade e não umafacticidade, que a alienação é inexorável se a educação não se verifica emseu existir. Isto significa, dito de forma simples, que o tornar-se humanodepende muito mais do futuro que da arqueologia, que a facticidade não ésinônimo de humanidade, que esta depende de uma criação tanto pessoalquanto social, que o existir contém sem dúvida a possibilidade, avirtualidade da humanização, mas que esta só se verifica se cada um, semdispensar o contexto social, realizar um investimento no seu vir a serhumano. Neste sentido, o fato de existir, de existir como conscienteresponsável, de existir como consciente não coincidente com a alteridade ea totalidade, é anúncio do ad-vento do humano em cada momento do existire do conviver.

Eu sou, mas não sou na medida em que sou chamado a ser. Ser econsciência não coincidem. A ontologia que concebe a coextensividadeilimitada entre ser e pensar não consegue englobar a identidade e adiferença dinâmicas que o ser homem em sua expressão “eu” apresenta eabrange, sem conseguir exauri-las. O homem cria uma teoria que apresentae mede sua compreensão do mundo e de si mesmo. Mas o homem superasua criação pelo fato de ser esta obra sua, isto é, ele transcende seu própriopensar. Sendo assim, as próprias medidas ou idéias de humanização ealienação são criticáveis e superáveis. Porém, é neste processo inexaurívelque o homem forja seu existir e sua qualidade humanizante ou alienante,alarga sua consciência e responsabilidade à medida que se exerce noincessante vir a ser. Significa dizer que o que é chamado “eu” não é nadade absoluto. É relativo, inacabado, fragmentário e processivo. Sob este viés,

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procedem as críticas dirigidas ao idealismo pelo fato de absolutizar o serhumano, perdendo de vista sua temporalidade e processualidade. A maiselementar experiência que o ser humano faz de si mesmo mostra suaidentidade peregrina em perfectibilidade, quer dizer, sua finitude aberta aocontingente e ao incomensurável. É inclusive a partir desta experiência quese torna possível uma abertura reflexiva de ordem eletiva.

5. À 5. À 5. À 5. À 5. À GUISAGUISAGUISAGUISAGUISA DEDEDEDEDE CONCLUSÃOCONCLUSÃOCONCLUSÃOCONCLUSÃOCONCLUSÃO: : : : : REPENSARREPENSARREPENSARREPENSARREPENSAR AAAAA SUBJETIVIDADESUBJETIVIDADESUBJETIVIDADESUBJETIVIDADESUBJETIVIDADE HUMANAHUMANAHUMANAHUMANAHUMANA

É possível remontar para aquém da genética, da biologia e darobótica-cultural. Foi visto que o ser humano é dado a si mesmo comoprojeto e tarefa, tornar-se si mesmo à medida que se humaniza. Há na base,como ponto de partida, uma dadidade e uma possibilidade de vir a ser.Requer-se inscrever aqui um novo significado. A dadidade deriva nem denecessidade, nem de acaso, nem de algum determinismo dialético. Há, sim,uma iniciativa originária. Levinas (1974) chama-a bondade de eleição.Ao suscitar a subjetividade, esta responde começando a existir comoresponsabilidade pelo seu existir e pela alteridade. Dadidade, portanto, nãosignifica o fato de não ter escolhido a própria existência e seu tempo, mas ofato da suscepção de si mesmo. A suscepção de si mesmo não é um ato depoder, mas resposta a um chamado que significa apelo a humanizar-se,portanto suscepção que é em si mesma responsabilidade. A dadidade temduas dimensões originárias descentradoras: eleição pelo Bem e resposta,embora este responder não imponha um corresponder; mas o responderque opera no perfil do bem é abertura aos outros e a tudo o que temdensidade de ser e de existir, o que pode ser condensado no termoalteridade. Sendo assim, a suscepção não pode ser confundida com doaçãoe o Bem não pode ser equiparado à causa, pois tudo se passa na ordemrelacional e não na instrumental e empírica. A existência entendida comobondade e como responsabilidade revela a importância e a unicidade doexistir histórico de cada eu, (chamado que é a investir a própria existênciae a desvelar/realizar o que há de mais próprio e original). Nesta fuga para ooutro e o futuro, o genético e o biológico deixam suas marcas; mas a criaçãoe a novidade tecem o ad-vento do homem como humanização que se efetivana medida da responsabilidade pela alteridade. O surgimento e a maturaçãonum seio materno e o nascimento exprimem na forma biológica a condiçãoe a circunstância em que o eu começa a ser e a responder, situando-seoriginalmente no mundo e na cultura, dando início às suas variadase inacabáveis operações. Esta é a condição ou ponto de partida da edu-

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cação que vai ter diante de si a tarefa o e horizonte infindáveis da huma-nização.

A especificidade humana pode traduzir-se como responsabilidade-alteridade e o primeiro sinal dessa incumbência aparece no fenômenooriginário da assunção do existir, que é também a primeira operação pelaqual o ser que emerge se manifesta e começa a diferenciar-se e identificar-se como um centro que, por falta de outro termo, se denomina eu. Podetambém ser chamado de núcleo fontal de humanidade, outros chamam deprincípio de humanidade, que está na base de todas as outras operações aolongo da existência e que processam o complexo fenômeno denominadohumanização. Vem a propósito, com algum lampejo de explicitação,o pensamento expresso por Walter Benjamin: “Los hombres, en tantoespecie llegaron desde hace milenios al término de su evolución; pero lahumanidad en tanto que especie está en el inicio de la suya” (apudCULLEN, C. A. Riesgo, violencia y espacio público. Erasmus, año IV,n. 2, 2002, p. 241).

A novidade dessa interpretação está no fato de propor como princípiode humanidade o fenômeno responsabilidade intransferível radicada nopróprio ato originário da subjetividade, esta constituída de alteridade queanima toda a identidade. Cabe aqui, portanto, uma distinção que traráconseqüências importantes na própria concepção da educação e da teoriapedagógica: o fenômeno originário da humanidade de cada existente nãose confunde com os dinamismos descritos pela biologia, pela psicologia epor outras ciências das quais se serve a educação para efetivar e conduzir oprocesso educativo. Os dinamismos podem ser compreendidos comofenômenos que procedem da espécie biológica, da qual Aristóteles noshabituou a não separar os animais racionais, esquema este hoje seguido emvárias ciências. Mas este paradigma, que já tem mais de dois mil anos, nãocontempla a profundidade e complexidade do enigma que se exprime coma palavra humanidade no signo da subjetividade aberta e responsável. Nestesentido pode-se concordar com a visão de Benjamin de que a humanidadeenquanto espécie está apenas no início de sua realização, ela tem diante desi a tarefa de criar sua própria humanização.

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1 Mas é do homem que se trata; e do homem em si mesmo quando, pois, será questão? Alguémno mundo levantará a voz? Pois é do homem que se trata, na sua presença humana; e de umalargamento do olhar aos mais altos mares interiores (tradução do articulista).2 Entende-se por historicidade a própria realização da vida que se estende entre um passado jádado, e sempre influente, e um porvir aberto e incerto no qual o homem pode agir e produzir,mediante processo de autodeterminação libertadora, a sua humanização ou desumanização.3 Com o adjetivo humano não se pretende indicar uma qualidade produzida, mas simplesmenteo fenômeno natural inicial de alguém identificado como pertencente à espécie humana.4 Refiro-me aqui sobretudo à psicanálise como ciência que desvendou os arcanos doinconsciente, as motivações escondidas, as artimanhas do eu, os recalques submersos mais oumenos conscientes. Com isso, não se desconsidera as contribuições com as quais a crítica àmodernidade mostrou, pelo viés da hermenêutica e da crítica à subjetividade, as fragilidades eos limites de um eu que pretende constituir-se autônomo por sua própria racionalidade.5 Não é nosso intuito, neste breve estudo reflexivo, fazer uma análise do conceito de existência,seu alcance e conseqüências. Vamos tomá-lo como moldura contextual e fazer nossa própriareflexão, tendo em vista a antropologia e a educação.