vieira, v. c. c. o pouso da Águia ou o decolar do dragão

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Apresentado no Colóquio Internacional Marx e o marxismo 2015

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Ttulo do Trabalho

O pouso da guia ou o decolar do drago? O turbulento processo de declnio e ascenso de potncias hegemnicas

AutorInstituio (por extenso)SiglaVnculo

Victor Carneiro Corra VieiraInstituto Universitrio de Pesquisas do Rio de JaneiroIUPERJMestre

Resumo (at 150 palavras)

Quando desenvolvido por Gramsci, o conceito de hegemonia referia-se ao binmio consenso-coero utilizado por uma classe social para moldar o Estado e a sociedade civil de acordo com seus interesses. Essa disputa de foras polticas e ideolgicas travada no interior de cada Estado transborda para as relaes internacionais, onde se constitui uma hegemonia mundial. Este artigo pretende estudar a forma como o poder hegemnico se traduz no sistema internacional, utilizando-se das estratgias de coero e consenso, assim como a forma como as foras contra-hegemnicas atuam, em especial no perodo ps-11 de setembro de 2001. Para realizar este trabalho, ser feita uma reviso bibliogrfica da Teoria Crtica das Relaes Internacionais, em especial dos escritos de Robert Cox, assim como uma anlise da ampliao do poder relativo da China a partir de sua insero internacional.

Palavras-chave (at 3)

Hegemonia, Estados Unidos da Amrica, China

Abstract (at 150 palavras)

When developed by Gramsci, the concept of hegemony referred to the consensus-coercion binomial used by one social class to shape the state and civil society in accordance with their interests. This dispute of political and ideological forces fought within each State spills over into international relations, where a world hegemony is formed. This paper intends to study how the hegemonic power is reflected in the international system, using the strategies of coercion and consensus, as well as how the counter-hegemonic forces act, especially in the post-September 11 2001. This work will include a literature review of the Critical Theory of International Relations, in particular the writings of Robert Cox, and an analysis of the expansion of China's relative power after its international insertion.

Keywords (at 3)

Hegemony, United States of America, China

Eixo Temtico

3. Poder, Estado e luta de classes

Marx e o Marxismo 2015: Insurreies, passado e presenteUniversidade Federal Fluminense Niteri RJ de 24/08/2015 a 28/08/2015

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O pouso da guia ou o decolar do drago?O turbulento processo de declnio e ascenso de potncias hegemnicasVictor Carneiro Corra Vieira

Faz um tempo que o declnio do Ocidente anunciado na academia, a qual apresenta um misto de curiosidade, ansiedade e receio (ou satisfao) diante desta perspectiva. Ainda que caiba dvida quanto concretizao desse processo de queda do Oeste, o movimento de ascenso do Leste, neste incio do sculo XXI, parece inquestionvel. O impressionante crescimento do Japo e dos Tigres Asiticos ao longo das dcadas de 1980 e 1990 j indicava o movimento que viria a deslocar a dinmica comercial do mundo do Atlntico para o Pacfico, fazendo com que diversos pases das Amricas passassem a assumir sua vocao pacfica aps anos voltando-se para a Europa.Comment by Victor Vieira: Foi com essa inteno que os Estados Unidos cunharam a expresso sia-Pacfico em oposio recorrentemente utilizada pela China de sia Oriental, de modo a incluir a si e aos seus aliados americanos em um conceito amplificado para o continente que hoje sustenta o crescimento econmico internacional. Entretanto, possvel ir alm, no limitando a ascenso apenas ao Leste, mas ampliando-a para aquilo que Fareed Zakaria (2008) chamaria de ascenso do Resto, sinalizando claramente para uma reduo do poder relativo dos Estados Unidos. Diante desse cenrio possvel observar dois movimentos no sistema internacional, um emanado da atual potncia hegemnica para a manuteno da sua condio e outro por parte das potncias emergentes, dentre as quais destaca-se a China, para reformular o sistema de modo a acomodar a nova distribuio do poder entre seus atores. Em outras palavras, pretende-se analisar a forma como as estratgias de consenso e coero so operadas pelos Estados Unidos para manter sua posio no sistema internacional, assim como observar a atuao contra-hegemnica no contexto posterior aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Para realizar essa tarefa, ser utilizada a Teoria Crtica das Relaes Internacionais fundada na obra de Antnio Gramsci e na Escola de Frankfurt, em especial o trabalho de Robert Cox.Comment by Victor Vieira: Essa corrente terica surge em oposio dualidade realismo-liberalismo, que limitava-se a solucionar problemas que impactassem no funcionamento do sistema em suas anlises, assumindo a realidade como natural e sendo incapaz de question-la ao ponto de concluir que a prpria ordem fosse a responsvel pelos problemas observados. por ter conscincia da limitao da teoria em seu tempo e sua realidade que Robert Cox afirma que No existe tal coisa como uma teoria em si mesma, divorciada de um ponto de vista no tempo e espao. Quando uma teoria representa a si mesma, o mais importante examin-la como ideologia, e desnudar a sua perspectiva oculta (1981, p. 128 - traduo nossa).Assim, Cox posiciona-se contrrio ao positivismo, negando a possibilidade de observar a poltica internacional de forma neutra, desvinculada de valores ao pretender aproximar-se das cincias exatas e denunciando a ideologia inerente a qualquer teoria, mesmo que esta apresente-se sob a pretenso de imparcialidade. A compreenso da teoria apresenta-se de forma essencial para analisar os movimentos que se deseja observar, por isso, esse ser o ponto de partida deste artigo de modo a construir uma base conceitual capaz de realizar uma analise crtica do sistema internacional.

1. DE FRANKFURT E SARDENHA PARA O SISTEMA INTERNACIONAL

O incio da dcada de 1990 trouxe consigo a avassaladora sensao de que a histria havia chegado ao seu ponto derradeiro, no haveria novas linhas a serem escritas e o sistema capitalista havia sido imposto ao mundo como nica forma de sucesso. O livre mercado e a democracia liberal ocidental deveriam ser adotados por todos os pases a partir da queda da Unio Sovitica, ou ao menos foi isso que Francis Fukuyama (1992) decretou ao declamar o fim da histria. Essa concluso, ainda que parea simplria observada distncia do tempo, remete a uma tradicional corrente metodolgica que baseia a maior parte das teorias vigentes ainda hoje nas cincias sociais.A histria das teorias tradicionais esteve intrinsecamente associada ao avano das cincias naturais. O desejo por aproximar-se da exatido da fsica e da matemtica levou Descartes a fundar o mtodo cientfico moderno, segundo o qual o mundo poderia ser compreendido atravs de equaes matemticas, transportando o mtodo dedutivo para as cincias sociais. Dessa forma, ao observar a conjuntura internacional seria possvel deduzir que com a eliminao concorrente potncia hegemnica, o sistema retornaria a um padro de estabilidade, tendo em vista que o problema havia sido solucionado.O que se observa que a pretenso de explicar a realidade por meio de dedues ocasiona uma manipulao do objeto de estudo para que o seu resultado coincida com o esperado pela hiptese. Desse modo, a teoria revela-se incapaz de vislumbrar que as estruturas sociais de um determinado tempo histrico so fruto da ao humana e, portanto, ao pretenderem-se objetivas e neutras, a teorias tradicionais resultavam parciais. A crtica a essa teoria tradicional ganharia visibilidade a partir da criao do Instituto de Pesquisa Social, em 1923, vinculado Universidade de Frankfurt e cujo objetivo era o de promover pesquisas em diversas reas de conhecimento tendo por base a obra de Karl Marx (1818-1883).Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: A Teoria Crtica, conforme nomeou Max Horkheimer (1895-1973) em seu artigo intitulado Teoria Tradicional e Teoria Crtica, de 1937, no poderia limitar-se a descrever a realidade da forma como ela est apresentada, delegando prtica a capacidade de question-la. A partir de uma anlise que abarque o ser e o dever ser, a crtica torna-se capaz de compreender o objeto de pesquisa como um todo, tomando conscincia de suas potencialidades e dos obstculos que impedem a sua concretizao. Parte, portanto, do pressuposto de que toda a sociedade deriva de uma construo humana e que a superao de seus entraves depende unicamente da adoo de um comportamento crtico (HORKHEIMER, 1975).Dessa forma, surge do Instituto de Pesquisa Social uma nova corrente terica caracterizada por uma pluralidade de abordagem entre seus expoentes, pautando-se pela crtica ao positivismo, com o princpio de que todo pensamento possui uma temporalidade e uma ideologia e de que a Teoria Crtica deveria servir para a emancipao do pensamento da ideologia, em termo gramsciano, hegemnica. Essa corrente viria posteriormente a receber a designao de Escola de Frankfurt e a exercer forte influncia nas cincias sociais. A teoria das Relaes Internacionais tambm passaria a contar com um grupo de pensadores que adotariam os princpios crticos em suas anlises.Comment by Victor Vieira: Ainda que Antonio Gramsci (1891-1937) no tenha sido conhecido, ou citado, pelos fundadores do Instituto de Pesquisa Social, seus escritos produzidos no crcere do regime fascista italiano exerceriam uma grande influncia na obra de um dos principais autores da Teoria Crtica das Relaes Internacionais, Robert Cox (1926-hoje). A principal contribuio gramsciana teoria das Relaes Internacionais foi a sua conceituao de hegemonia para abranger as estratgias de coero e consenso utilizados por uma classe dominante para influenciar e adequar o Estado e a sociedade civil aos seus interesses.Comment by Victor Vieira: A partir da anlise dos escritos de Gramsci e de autores da Teoria Crtica das Relaes Internacionais, possvel fazer uma correlao de como conceitos elaborados pelo primeiro possibilitaram uma maior compreenso das relaes entre Estados, superando a limitao das teorias positivistas tradicionais. A seguir sero abordados trs conceitos essenciais para a compreenso da conjuntura internacional que se pretende analisar: hegemonia, Bloco Histrico, guerras de posio e movimento e contra-hegemonia.

1.1. Entre classes dominantes e Estados Hegemnicos

Influenciado a partir de seus estudos de Vladimir I. Lenin (1870-1924) e Nicolau Maquiavel (1469-1527), Gramsci elaborou sua prpria teoria relativa influncia exercida pela classe dominante no Estado e na sociedade civil. Dessa forma, dependendo da abordagem adotada, a interpretao do conceito de hegemonia pode variar e assumir diferentes formas. De acordo com os escritos do primeiro sobre o papel do proletrio na Revoluo Bolchevique, este deveria consolidar-se como classe dominante e dirigente, impondo seu poder a partir da ditadura do proletariado. Por essa percepo, a hegemonia estaria limitada a uma forma de dominao exercida pelas classes aliadas contra a subordinada.Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Contudo, a abordagem anterior, adotada pela Terceira Internacional, apresentava uma abrangncia restrita atuao do proletariado a partir de sua tomada do poder. A partir de uma anlise do papel da burguesia, Gramsci superou a limitao que acreditava que a simples tomada do poder por meio de um assalto seria suficiente para suplantar a hegemonia da burguesia nas sociedades Ocidentais. Compreendendo a diferena entre as sociedades Ocidentais e Orientais, Gramsci foi capaz de superar a simplicidade que considerava que as estratgias semelhantes, adotadas pelo proletrio de cada uma, resultaria invariavelmente no sucesso revolucionrio.Comment by Victor Vieira: A leitura de Maquiavel influenciou Gramsci em sua percepo do poder a partir da metfora do centauro. Para Maquiavel, assim como o centauro uma figura mitolgica representada por um ser metade homem e metade cavalo, o poder deveria apresentar uma natureza que mesclasse consenso com coero, devendo o primeiro ser o principal objetivo de quem detm o poder e o segundo ser um recurso utilizado em situaes especficas nas quais se apresenta necessrio (COX, 2007). Ao compreender a hegemonia como um exerccio de poder, Gramsci amplia sua capacidade de anlise, superando a limitao da Terceira Internacional que restringia-se classe proletria revolucionria para abranger uma maior variedade de relaes.Logo, Gramsci adota o conceito de hegemonia para tratar do binmio consenso-coero que caracteriza a atuao de uma classe dominante na sociedade civil. O objetivo da classe hegemnica o de cooptar o imaginrio de seus subordinados, fazendo com que estes passem a compartilhar de sua ideologia, construindo um consenso capaz de consolidar sua liderana intelectual e moral. Contudo, a conquista da hegemonia pela classe dominante tambm exige que ela considere os interesses da classe dominada e reconhea, em determinados momentos, sua incapacidade de mold-los de acordo com a sua vontade, sendo obrigada a fazer concesses (GRAMSCI, 1978a). Isso ocorre porque Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira:

o recurso as armas e a coercao e pura hipotese de metodo e a unica possibilidade concreta e o compromisso ja que a forca pode ser empregada contra os inimigos, nao contra uma parte de si mesmo que se quer assimilar rapidamente e do qual se requer o entusiasmo e a boa vontade (GRAMSCI, 1978b, p. 33).

Dessa forma, a classe dominante seria capaz de utilizar os aparatos executivos, administrativos e coercitivos do Estado para capturar o imaginrio ideolgico e cultural da sociedade civil, priorizando a construo de consensos, ainda que mantendo espreita o instituto da coero. Conforme explica Robert Cox, enquanto o aspecto consensual do poder est em primeiro plano, a hegemonia prevalece. A coero est sempre latente, mas s aplicada em casos marginais, anmalos (2007, p. 105). Uma vez hegemnica, essa classe dominante passaria a exercer a sua influncia na forma como o Estado formula e exerce sua poltica externa.Comment by Victor Vieira: A classe dominante transfere para o sistema internacional a forma de organizao que exerce a partir do Estado em sua sociedade civil. O seu sucesso em imprimir internacionalmente as relaes promovidas internamente variam de acordo com o poder relativo de cada Estado, condicionando alguns pases a posicionarem-se de forma subserviente aos interesses de outros. Isso ocorre devido constituio de uma identidade entre a classe hegemnica de um Estado com a de outro cujas capacidades de construo de consenso e intimidao pela coero a superam no sistema internacional e no competem diretamente com a manuteno da sua hegemonia interna.Comment by Victor Vieira: Ocorre, portanto, uma associao das classes hegemnicas de pases perifricos da potncia hegemnica, reproduzindo em sua sociedade civil o modelo estabelecido no centro do capitalismo. Em sua leitura de Gramsci, Cox conclui que a vida econmica nas naes subordinadas invadida pela vida econmica das naes poderosas, e a ela se entrelaa, processo que se complica ainda mais pela existncia de regies estruturalmente diferentes no interior dos pases (2007, p. 114). Em outras palavras, o alcance da hegemonia das classes hegemnicas dos pases centrais consegue atingir os perifricos de modo a moldar a atuao de suas classes hegemnicas de acordo com os seus interesses.Comment by Victor Vieira: Portanto, possvel considerar a existncia de uma hegemonia nas relaes internacionais. Como o prprio Gramsci sinaliza em seus escritos no crcere:

As relaes internacionais precedem ou seguem (logicamente) as relaes sociais fundamentais? Seguem, e indubitvel. Toda inovao orgnica na estrutura modifica organicamente as relaes absolutas e relativas no campo internacional, atravs das suas expresses tecnico-militares. Inclusive a posio geogrfica de um Estado no precede, mas segue (logicamente) as inovaes estruturais, mesmo reagindo sobre elas numa certa medida (exatamente na medida em que as superestruturas reagem sobre a estrutura, a poltica sobre a economia, etc.). Alm do mais, as relaes internacionais regem positiva e ativamente sobre as relaes polticas (de hegemonia dos partidos). Quanto mais a vida econmica de uma nao se subordina s relaes internacionais, mais um partido determinado representa esta situao e explora-a para impedir o predomnio dos partidos adversrios (1978b, p. 44).

Ainda que no tenha produzido profundas anlises sobre o sistema internacional, Gramsci chega a teorizar sobre a existncia de uma potncia hegemnica em seus escritos, segundo ele,

O modo atravs do qual se exprime o ser grande potncia dado pela possibilidade de imprimir atividade estatal uma direo autnoma, que influa e repercuta sobre os outros Estados: a grande potncia potncia hegemnica, chefe e guia de um sistema de alianas e de acordos com maior ou menor extenso (1978b, p. 191).

Desse modo, Gramsci estabelece um arcabouo terico central para a compreenso do sistema internacional. A partir do aprofundamento de seus escritos surge entre as teorias de Relaes Internacionais uma nova corrente que se inicia com um grupo de tericos neogramscianos e inaugura um novo debate, contrastando com o que Cox chama de teorias de soluo de problemas da teoria crtica. Apresentando uma concluso prxima de Horkheimer em sua diferenciao entre teoria tradicional e teoria crtica, Cox afirmou que o primeiro grupo est limitado por uma determinada perspectiva e, por isso, est condicionado a manter o bom funcionamento das instituies e relaes sociais e de poder preestabelecidas. Por outro lado, a teoria crtica, ao buscar compreender de que forma a ordem vigente foi inaugurada, vislumbra sua transitoriedade na histria e torna-se capaz de superar as limitaes que possa vir a apresentar, ao no limitar sua observao uma parte, mas sim ao todo (COX, 1981).Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Partindo desse princpio para analisar o sistema internacional ao longo dos anos, Cox observa que a hegemonia no foi uma constante na histria. Portanto, nem todas as configuraes da ordem mundial foram caracterizadas pela existncia de uma potncia hegemnica, existindo perodos, como o de 1875-1945, em que desafiantes desestabilizaram o equilbrio de poder e, como consequncia, levaram s duas guerras mundiais. Cox conclui seu artigo em 1983, o que faz com que sua anlise no se estenda at a atualidade. Contudo, em suas consideraes acerca da incerteza instaurada entre o final da dcada de 1960 e o incio da de 1970 a respeito da hegemonia estadunidense, afirmou que os momentos de crise podem desencadear em trs conjunturas transformadoras:

a reconstruo da hegemonia com a ampliao de uma gerncia poltica de acordo com as linhas propostas pela Comisso Trilateral; o aumento da fragmentao da economia mundial, que giraria em torno de esferas econmicas centradas em grandes potncias; e a possvel afirmao de uma contra-hegemonia baseada no Terceiro Mundo, precedida pela exigncia de uma Nova Ordem Econmica Internacional (COX, 2007, p. 117).

Permanece a pergunta de se sua anlise continua atual ou se deteriorou-se com o passar do tempo, ao observar a situao em que se encontra atualmente o sistema internacional com a ampliao do poder chins, como ser comentado no decorrer do artigo.Robert Cox faz uma anlise dos requisitos necessrios para que um Estado conquiste a hegemonia no sistema internacional. O primeiro deles seria o estabelecimento de uma ordem mundial que envolvesse Estados e sociedade civil capaz de interligar as classes sociais dos pases envolvidos culminando em um modo de produo global compatvel com os interesses de cada membro. Como desencadeamento desse, o segundo requisito diz respeito internacionalizao da hegemonia nacional da potncia hegemnica, influenciando, conforme apresentado anteriormente, as sociedades dos Estados menos desenvolvidos e produzindo uma hegemonia mundial. Por fim, os pases perifricos passam a mimetizar o modelo econmico e cultural do centro, ainda que sejam incapazes de fazer o mesmo com o poltico (COX, 2007), ocorre o que Gramsci chama de revoluo passiva[footnoteRef:2].Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: [2: So sociedades que no passaram por revolues sociais completas, capazes de desenvolver economia e relaes sociais prprias, e por isso, tiveram que importar a ordem social, poltica e econmica estabelecida por sociedades externas. Dessa forma, os intelectuais da classe dominante de um pas perifrico orientam-se pelos ideais traados pelos intelectuais da classe dominante do pas central, ao invs de tentar romper com a barreira do subdesenvolvimento, aproveitam-se desta condio para obter vantagens econmicas e poder (VIEIRA, 2015a).]

Dessa forma, possvel definir a hegemonia mundial como:

uma estrutura social, uma estrutura econmica e uma estrutura poltica, e no pode ser apenas uma dessas estruturas: tem de ser todas as trs ao mesmo tempo. Alm disso, a hegemonia mundial se expressa em normas, instituies e mecanismos universais que estabelecem regras gerais de comportamento para os estados e para as foras da sociedade civil que atuam alm das fronteiras nacionais - regras que apoiam o modo de produo dominante (COX, 2007, p. 118).

Portanto, as regras e as instituies internacionais possuem uma funo central no estabelecimento e na manuteno da ordem hegemnica, agindo, no s como propagadoras dos modelos econmico e social dominantes, mas tambm como forma de absorver os pleitos dos Estados dominados, incorporando-os de modo a suavizar o impacto decorrente deles. Assim, as instituies cooptam os intelectuais provenientes de Estados dominados, com ideias potencialmente contra-hegemnicas e a convertem em compatveis com a hegemonia mundial, evitando o recurso ao uso da coero, ao adequar-se para construir um consenso. (COX, 1981).Comment by Victor Vieira: Ainda que subscrita no campo do pensamento realista das Relaes Internacionais, a teoria da estabilidade hegemnica de Robert Gilpin serve como auxlio para compreender as razes que levam Estados poderosos a aceitarem a liderana da potncia hegemnica. Ainda que ignore o papel das foras sociais no estabelecimento da ordem hegemnica, Gilpin foca na capacidade poltica e ideolgica necessrias para que a potncia hegemnica consiga consolidar a ordem econmica liberal fundada na hegemonia mundial, na ideologia liberal e nos interesses comuns entre os estados poderosos (GILPIN, 2002).Comment by Victor Vieira: Para Gilpin, os Estados poderosos aceitam a regra proposta pela potncia hegemnica em razo de seu prestgio e status no sistema poltico internacional. Entretanto, acrescenta que a deteriorao do sistema hegemnico poder decorrer da percepo desses Estados de que as aes da potncia hegemnica [so] tomadas exclusivamente em seu proveito, e contrrias aos seus prprios interesses polticos e econmicos, assim como caso os cidados da potncia hegemnica acreditarem que os outros Estados esto fraudando as regras do jogo, ou se os custos da liderana excederem as vantagens percebidas (GILPIN, 2002, p. 93). Essa percepo ser especialmente importante para a anlise do caso estadunidense a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001.Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira:

1.2. O Bloco Histrico, a guerra de posio e a iniciativa contra-hegemnica

Retomando a anlise do estabelecimento de uma ordem hegemnica em nvel nacional, possvel extrair dos escritos de Gramsci a ideia de que com a articulao do poder ideolgico, cultural e poltico pela classe dominante, torna-se possvel suprimir a concepo de mundo (a qual combina o ser e o dever ser) da classe dominada, configurando uma separao entre teoria e prtica, assim como Horkheimer (1975) denunciou ser feito pelas teorias tradicionais.Comment by Victor Vieira:

O homem ativo de massa atua praticamente, mas no tem uma clara conscincia terica desta sua ao, que, no obstante, um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, inclusive, que a sua conscincia terica esteja historicamente em contradio com o seu agir. quase possvel dizer que ele tem duas conscincias tericas (ou uma conscincia contraditria): uma, implcita na sua ao, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformao prtica da realidade; e outra, superficialmente explcita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crtica. [A ingerncia da concepo verbal sobre a conduta moral] (...) pode, inclusive, atingir um ponto no qual a contraditoriedade da conscincia no permita nenhuma ao, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e poltica (GRAMSCI, 1978a, p. 20).

Para Gramsci, urge o estabelecimento de um pensamento crtico fundado na prtica da ao poltica, qual seja o marxismo[footnoteRef:3]. Esse pensamento surgiria a partir de uma atitude polmica e crtica, como superao da maneira de pensar precedente e do pensamento concreto existente (1978a, p. 18). Somente um contato direto entre os intelectuais orgnicos[footnoteRef:4] e a sociedade seria capaz de produzir uma conscincia crtica formulada a partir do choque entre duas concepes de mundo distintas. Dessa forma,Comment by Victor Vieira: [3: Gramsci nomeia o marxismo de filosofia da praxis na tentativa de confundir o censor do crcere e evitar que seus escritos fossem confiscados.] [4: Cabe ressaltar a diferenciao feita por Gramsci entre os intelectuais tradicionais e os orgnicos. Enquanto o primeiro grupo privilegia a formao acadmica e a classe social, o segundo deve estar intrinsecamente associado classe dominada de forma a resolver seus problemas e a orient-la a superar sua condio subordinada (GRAMSCI, 1978a).]

a posio da filosofia da praxis no busca manter os simplrios na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrrio, conduzi-los a uma concepo de vida superior. Se ela afirma a exigncia do contato entre os intelectuais e os simplrios no e para limitar a atividade cientfica e para manter a unidade no nvel inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possvel um progresso intelectual de massa e no apenas de pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI, 1978a, p. 20).

Esse bloco intelectual-moral, nomeado por Gramsci de Bloco Histrico, oriundo da articulao entre as classes subalternas e os intelectuais orgnicos proporciona a superao da condio de explorao derivada da relao entre o operrio e seu patro e a construo de uma nova concepo de mundo correspondente a essa nova conscincia. Logo, o Bloco Histrico possibilita a comunho entre a atividade prtica e a teoria, propondo uma reformulao da estrutura, responsvel pelas relaes sociais entre os indivduos, e da superestrutura, a qual define a ideologia e a cultura que permeiam a sociedade, consolidando a hegemonia da classe dominante (GRAMSCI, 1978b).Comment by Victor Vieira: Gramsci sinaliza que a prpria constituio de um Bloco Histrico consequncia de uma falha na capacidade da classe hegemnica de transmitir sua ideologia para as classes subalternas, predizendo o seu declnio. A partir da organizao das classes dominadas e da construo de uma concepo de mundo prpria, estas passam a reivindicar mudanas na conduo do Estado pela classe hegemnica, culminando em um embate ideolgico cujo fim o de atrair as classes marginais para o campo contra-hegemnico. A disputa nesse caso, diferente de um simples assalto ao Estado com o objetivo de retirar a classe dominante do poder, visa conquistar o apoio da sociedade civil.Comment by Victor Vieira: A razo que leva Gramsci a afirmar que uma estratgia de tomada do Estado, suficiente na Rssia para o sucesso da Revoluo, no seria bem sucedida no Ocidente est diretamente ligada conexo existente entre o Estado e a sociedade civil. Por isso, uma guerra de movimento, de curto prazo, no seria suficiente para suprimir a hegemonia burguesa, sendo necessria o que ele chama de guerra de posio, onde o Bloco Histrico apresentaria lentamente a sua alternativa hegemonia vigente, at que a sociedade civil deixasse de perceber a concepo de mundo burguesa como a nica possvel (GRAMSCI, 1978b).Comment by Victor Vieira: Transportando a teoria gramsciana para o sistema internacional, a estratgia da guerra de posio torna-se ainda mais justificvel no esforo de mudar a ordem mundial, ainda que Cox mantenha o mbito nacional como nico lugar no qual a construo de um Bloco Histrico possvel (COX, 2007). Ele acredita que o fato da superestrutura das instituies internacionais estar fundada na ideologia da potncia hegemnica constitui um impedimento para a sua transformao a partir de uma guerra de posio contra-hegemnica. Contudo, ao observar a atuao dos pases membros do Movimento dos No-Alinhados durante a Guerra Fria e a atual estratgia de revisionismo brando das potncias emergentes torna-se evidente a possibilidade de alterar a ordem internacional de modo a acomodar as alteraes na balana de poder.

2. HEGEMONIA EM DECLNIO?

A data de 11 de setembro de 2001 marcou no s o imaginrio da populao estadunidense que presenciou os ataques a alguns dos principais smbolos do poder de seu pas, mas tambm o de toda a civilizao Ocidental. Logo surgiria uma organizao responsvel pelas iniciativas, a Al-Qaeda e um lder a ser perseguido, Osama Bin Laden. E, dessa forma, o sequestro dos quatro avies de passageiros e o redireccionamento de suas rotas com o objetivo de colidir com os dois edifcios do World Trade Center, com o Pentgono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e com o Capitlio[footnoteRef:5], mudaria definitivamente a poltica externa estadunidense. [5: O ltimo vo destinado Casa Branca teve o controle recuperado pelos passageiros e a coliso impedida.]

Com o advento desses acontecimentos, o governo George W. Bush (2001-2009) mudou sua poltica introspectiva para atuar mais enfaticamente fora de suas fronteiras sob o pretexto de defender sua segurana nacional. Logo os ataques receberiam o rtulo de terrorismo, termo que, apesar de remeter a um nmero incontvel de diferentes definies possveis (CORLETT, 2003; JENKINS, 2003; WHITTAKER, 2004), sempre foi atribudo por um grupo dominante para condenar atos violentos praticados por grupos contrrios s ordem estabelecida, e justificariam a adoo de uma abordagem externa mais militarista e, portanto, mais coerciva.A "Guerra Global Contra o Terror", anunciada pelo governo Bush, buscaria seus fundamentos em uma iniciativa do governo George H. W. Busch (1989-1993) nomeada "Projeto para o Novo Sculo Americano", focada na adoo de uma estratgia militar unilateral capaz de provar a superioridade blica estadunidense e perpetuar sua hegemonia. Esse projeto remete ao final da Guerra Fria quando um grupo liderado por Dick Cheney pretendia evitar a reduo dos investimentos do governo no setor militar com a justificativa de que o pas deveria mant-los com o objetivo de inibir o surgimento de novos inimigos (ARMSTRONG, 2002).Comment by Victor Vieira: Agora, como vice-presidente, e s sombras dos ataques de 11 de setembro de 2001, Cheney conseguiu reverter a tendncia pacfica do incio do mandato Bush para a concepo de um novo grupo de inimigos contra os quais os Estados Unidos deviriam se defender. No discurso State of the Union de 2002, o presidente definiu um "Eixo do Mal", composto por Iraque, Ir, Coreia do Norte e "seus aliados terroristas", contra os quais deveria-se prevenir antes que novos perigos surgissem (BUSH, 2002). Observa-se uma "mudana do governo Bush para o unilateralismo, [para] a coero, em vez do consentimento, para uma viso imperial bem mais declarada e para o recurso ao seu poder militar irresistvel indica uma abordagem de alto risco sustentao do domnio norte-americano (HARVEY, 2012, p. 68).Comment by Victor Vieira: A recusa do Conselho de Segurana das Naes Unidas em aprovar uma insero militar no Iraque e a subsequente invaso estadunidense revelia do posicionamento do rgo comprovam a tese de Harvey sobre um abandono da estratgia de construo de um consenso para a adoo da coero. A instituio que tinha como objetivo a manuteno e propagao da hegemonia, demonstrou que os outros atores mesa no estavam convencidos da ideologia dominante e ao invs de ceder em um primeiro momento para absorver a crtica e preparar uma nova abordagem, optou-se por desacredit-la.As falhas da "Guerra ao Terror" logo ficariam evidentes, no s pela opo da coero sobre o consenso, mas por um erro que, originalmente semntico, acabaria provando-se poltico. Semanticamente, as guerras so travadas entre Estados quando ambos declaram interesse no conflito direto, porm, no caso observado, a incurso estadunidense no Afeganisto e no Iraque alm de unilateral, tinha como objetivo a perseguio de um grupo. Politicamente, a mobilidade que o agrupamento permite difere da fixidade das fronteiras territoriais de um Estado, dificultando o combate, o que fez com que o conflito se arrastasse por um tempo indeterminado sem a obteno de resultados satisfatrios.Bush seria reeleito em 2005, entretanto, as eleies para o legislativo em novembro de 2006 imporiam uma derrota aos republicanos com reflexo direto no Departamento de Defesa. A substituio de Donald Rumsfeld, para quem os Estados Unidos iriam usar todos os meios sua disposio para derrotar [o inimigo] e que [estariam] preparados para fazer todos os sacrifcios necessrios para alcanar a vitria (RUMSFELD, 2002 - traduo nossa), por Condoleezza Rice sinalizava a inteno de alterar a forma como o pas desempenhava sua poltica externa, substituindo o unilateralismo por um multilateralismo capaz de recuperar alianas abaladas nos anos anteriores. Para isso foram traadas quatro planos de ao:Comment by Victor Vieira:

a minimizao da retrica preventiva, a recuperao das relaes com as grandes potncias regionais, clssicas como China, Rssia, Japo, Alemanha e Frana, e as emergentes, Brasil, ndia e frica do Sul, a reafirmao da importncia das organizaes internacionais governamentais e a introduo do conceito de diplomacia transformacional (PECEQUILO, 2008, p. 134).

Para custear os gastos derivados da "Guerra ao Terror", os Estados Unidos ampliariam de forma significativa a sua dvida externa, no s tornando-se o maior devedor do mundo, como tambm ampliando a diversidade entre seus credores, dentre os quais o mais expressivo foi a China. O fluxo de capital chins para o pas se tornaria cada vez maior, transformando os Estados Unidos no maior mercado consumidor de produtos chineses, assim como o maior destino para suas reservas internacionais.A crise do subprime de 2008 representaria um ponto crucial para os dois pases, de um lado, os Estados Unidos precisavam de crdito para recuperar-se, do outro a China poderia desfazer-se dos ttulos que possua, protegendo-se de riscos futuros, ou ampliar seus ttulos da dvida estadunidense, ajudando na recuperao da economia debilitada e ampliando a sua vulnerabilidade novas oscilaes econmicas. A opo pela segunda alternativa, combinada com a incapacidade do Ocidente de se recuperar minariam seu prestgio perante sectores do PCC, que passaram a reivindicar uma reformulao da poltica externa para que os interesses nacionais passassem a ser uma prioridade (HO-FUNG, 2011).Comment by Victor Vieira: Se por um lado a percepo que os pases membros tinham das Naes Unidas foi afetada pela iniciativa unilateral dos Estados Unidos e pela subsequente recusa em uma reformulao na sua estrutura decisria capaz de refletir as mudanas na balana de poder mundial, por outro Washington encontrou na coero a nica forma de seguir com seu projeto hegemnico. Desse modo, possvel questionar a capacidade da principal instituio poltica da ordem internacional de exercer a sua funo em um sistema hegemnico de propagar a ideologia dominante. Somado a isso, a mudana na orientao chinesa de uma poltica introspectiva para uma atuao mais participativa internacionalmente com defesa dos interesses nacionais demonstra uma percepo por parte do pas asitico de ampliao no seu poder, como ser abordado a seguir.Comment by Victor Vieira:

3. O IMPRIO DO MEIO SENTA-SE MESA

Conforme apresentado anteriormente, Cox observou momentos do sistema internacional caracterizados pela ausncia de uma hegemonia definida. Segundo a teoria do sistema mundo (ARRIGHI, 1996, 2007; BRAUDEL, 2009; WALLERSTEIN, 2011), a histria do sistema internacional composta de ciclos hegemnicos que retratam a ascenso e queda de potncias hegemnicas. Os perodos caracterizados pelo declnio da antiga potncia e pelo surgimento de uma nova seriam marcados pelo caos sistmico e culminariam em guerras capazes de englobar a maioria dos pases contidos no espectro de influncia de um de seus atores.Comment by Victor Vieira: No entanto, a estratgia chinesa parece ser a de evitar uma repetio do padro histrico de conflitos em processos de sucesso hegemnica. Nesse sentido, entre 2003 e 2006, o governo chins promoveu uma srie da conferncias entre acadmicos com o intuito de estudar os ciclos hegemnicos e cujos debates viriam a compor uma srie para a televiso com o ttulo de A Ascenso das Grandes Potncias. A iniciativa pretendia compreender os ciclos hegemnicos, os meios dessa ascenso [das grandes potncias], as causas de suas guerras frequentes; e se, e como, uma grande potncia moderna podia crescer sem recorrer ao conflito militar com os atores dominantes do sistema internacional (KISSINGER, 2011, p. 478).Comment by Victor Vieira: Logo Hu Jintao faria um discurso, em setembro de 2005, na Assembleia Geral das Naes Unidas proclamando sua poltica externa de "Ascenso Pacfica" cujo objetivo primordial a consolidao de um "Mundo Harmnico", reafirmando o intuito chins de no confrontar a ordem vigente. A preocupao com a transmisso de sua inteno era to grande que a expresso passaria por uma remodelao, passando a assumir o nome de "Desenvolvimento Pacfico" somente com o objetivo de eliminar possveis interpretaes hostis da palavra "ascenso" (KISSINGER, 2011).Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Ainda que a estratgia principal de insero internacional chinesa seja a de evitar uma confrontao direta com os Estados Unidos, com o passar do tempo foi possvel observar uma escalada nos assuntos que o pas interpretava como interesses nacionais. Ainda no que diz respeito incurso estadunidense no Oriente Mdio, a presena de tropas no seu entorno regional representavam um desconforto para os lderes chineses, devido aos investimentos feitos no Afeganisto para a extrao de recursos minerais e dependncia do petrleo importado do Iraque. Com a incapacidade de opor-se a poltica externa da Casa Branca, a China optou pela estratgia de buscar vantagens a partir dela.Comment by Victor Vieira: Alm de financiar a dvida estadunidense, Beijing aproveitou a ampliao do conceito de terrorismo feita pela administrao Rumsfeld para estender o rtulo aos grupos separatistas em seu territrio, em especial aos de origem uigure, de Xinjiang, justificando, a partir de ento, o uso da fora para combat-los. Assim como nos Estados Unidos o combate ao terrorismo justificou uma escalada nos gastos militares, na China o crescimento dos investimentos na rea acompanhou o crescimento econmico do pas, que rapidamente se tornou aquele com a segunda maior inverso no setor.Comment by Victor Vieira: O incio das articulaes chinesas para a estabilizao, preveno de conflitos e definio de fronteiras na regio remonta ao fim da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, quando o pas participou de rodadas de negociao do Grupo de Shangai, precursor da Organizao para Cooperao de Shanghai (OCS). Fundada por Cazaquistao, China, Quirguistao, Rssia, Tajiquistao e Uzbequisto[footnoteRef:6] em 15 de agosto de 2001, a OCS possui como objetivos centrais a conteno de movimentos separatistas e a promoo de cooperao econmica entre os membros. Por um lado, a organizao se apresentava como um organismo internacional de segurana, por outro, como um instrumento para o acesso chins aos recursos energticos asiticos.Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: [6: So observadores da OCS: Afeganisto, ndia, Ir, Monglia e Paquisto, alm de possuir como parceiros para dilogo os pases: Bielorussia, Turquia e Sri Lanka.]

Devido sua vocao para tratar de assuntos de segurana e por apresentar um contraponto ao intervencionismo estadunidense, a OCS adquiriu uma reputao de alternativa Organizao do Tratado do Atlntico Norte (OTAN). Contudo vale a pergunta de se esses posicionamentos contrrios so de fato para estabelecer uma poltica contra-hegemnica ou se simplesmente reflete os interesses nacionais chineses. Para responder a essa pergunta sero analisados dois episdios em que a OCS posicionou-se de forma contrria a intervenes por parte da OTAN: a questo do enriquecimento do urnio no Ir e a do uso de armas qumicas contra rebeldes na Sria[footnoteRef:7].Comment by Victor Vieira: [7: Ainda que o conflito ideolgico islmico possa explicar minuciosamente as razes que levaram ao interesse estadunidense nos dois pases, por razes de escopo, este artigo tentar simplificar as questes necessrias para a compreenso das razes do posicionamento chins.]

O Ir j havia sido considerado um membro do "Eixo do Mal" pelo governo Bush, que afirmou que o "Ir agressivamente persegue essas armas [de destruio em massa] e exporta terror, enquanto uns poucos no eleitos reprimem a esperana por liberdade do povo iraniano" (BUSH, 2002 - traduo nossa). O Ir um pas membro da OPEP, com uma expressiva produo de petrleo e com um governo xiita, oposto aos aliados sunitas dos Estados Unidos na Arbia Saudita. As sanes do Conselho de Segurana da ONU contra o pas em funao de seu programa de enriquecimento de urnio impactaram diretamente em seu comrcio, forando o pas a vender seu petrleo a um preo mais barato. Aliada do pas na OCS, na qual Teer consta como observador, a China aproveitaria a oportunidade para ampliar o comrcio bilateral com base em moedas locais, no s ampliando suas fontes de petrleo, mas tambm impulsionando a internacionalizao do renminbi.Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: No caso srio, o pas possui um histrico pacfico, tendo sido um dos pases mais estveis da regio at a escalada dos confrontos entre os rebeldes sunitas e o governo alauta. Do ponto de vista estratgico, o pas possui uma significativa reserva de gs natural e mantm relaes comerciais histricas com a Rssia, razes que seriam suficientes para justificar um interesse por parte dos Estados Unidos. Pelo lado da China, a questo remete manuteno da estabilidade na regio, de modo que um golpe de Estado poderia culminar em um perodo de instabilidade, j observado no Iraque, no Lbano e no Egito, que fortaleceria o grupo radical do Estado Islmico e poderia provocar um efeito domin desestabilizador de toda a regio, estimulando movimentos separatistas.Comment by Victor Vieira: Comment by Victor Vieira: Dessa forma, a aliana entre Rssia e China na OCS com o objetivo de manter da estabilidade na sia Central e afastar uma possvel interveno desestabilizadora dos Estados Unidos na regio sinaliza o surgimento de um polo crtico hegemonia estadunidense. Porm, esse posicionamento crtico no ficaria limitado OCS. Apresentado pela primeira vez em um relatrio de 2001 do Goldman Sachs de autoria do economista Jim O'Neil (2001), o anacrnimo BRIC viria a consolidar, em 2009, um agrupamento de economias emergentes cujo poder econmico seria capaz de rivalizar com o estadunidense.Aps o ingresso da frica do Sul, o grupo que j contava com Brasil, Rssia, ndia e China passou a adotar no nome de BRICS e a pleitear reformas nas instituies de governana internacional, em especial a ONU, o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional (FMI). Entretanto, novamente as instituies elaboradas para a ordem hegemnica estadunidense demonstraram-se incapazes de absorver as crticas e adequar-se s alteraes na balana de poder internacional. A negao por parte do bloco dominante em reformar sua ordem a fim de comportar novos membros, a partir do que Gramsci definiu como a cooptao de intelectuais com ideias potencialmente contra-hegemnicas pela classe dominante, acarretaria em uma srie de iniciativas com o objetivo de fornecer alternativas s instituies hegemnicas, constituindo o que poderia ser considerado, por analogia, um Bloco Histrico Internacional.Comment by Victor Vieira: Desse modo, possvel destacar trs iniciativas chinesas que juntas constituem uma nova arquitetura financeira internacional: o Fundo Rota da Seda, o Banco Asitico para Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS (NDB). Com o objetivo de financiar diferentes projetos de infraestrutura em pases em desenvolvimento, todas possuem em comum o protagonismo chins em seu financiamento. O Fundo Rota da Seda tem como objetivo financiar o projeto chins "Um cinturo uma rota", composto pela "Nova Rota da Seda", a qual pretende ligar a China Alemanha por meio de uma linha frrea que passe pelo centro e oeste asiticos, e pela "Rota da Seda Martima do Sculo XXI", um caminho martimo que conecte portos da China, sudeste asitico, frica e Europa. A estratgia serviria no s como facilitador do escoamento da produo chinesa pela sia e Europa, como tambm como difusora de ideias, assim como foi a Rota da Seda original[footnoteRef:8], facilitando a construo de consensos por Beijing (VIEIRA, 2015a).Comment by Victor Vieira: [8: A Rota da Seda foi uma rota de comrcio que ligava o Imprio Chins Europa, transportando a seda, tendo seu auge na dinastia Tang, entre 618 e 917 d.C. A rota foi fundamental para a difuso de ideias, tendo levado as culturas budista e islmica para a China.]

O AIIB, proposto com o objetivo de financiar obras de infraestrutura capazes de integrar a sia, observaria uma expressiva reao estadunidense sua consolidao, ao recomendar aos seus aliados que se recusassem a aderir ao banco devido ao fato dele no apresentar regras claras de transparncia e governana. A despeito da declarao contrria dos Estados Unidos, 57 pases sinalizaram com a inteno de constarem entre seus membros fundadores, dentre os quais pode-se destacar Reino Unido, Frana, Alemanha, Austrlia e Coreia do Sul, tradicionais aliados de Washington. Ainda que a Casa Branca viesse a mudar o seu posicionamento sobre o banco posteriormente, ficou evidente a insatisfao com a criao de uma instituio que surge como uma alternativa clara ao Banco Mundial, ao FMI e ao Banco Asitico de Desenvolvimento, capitaneado pelo Japo (VIEIRA, 2015b).A ltima das instituies, o NDB tem como objetivo "mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentvel nos BRICS e em outras economias emergentes e em desenvolvimento" (BRICS, 2014). Esse banco completa a estrutura financeira capaz de fazer frente quela cuja criao remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial e ao incio da hegemonia estadunidense.Contudo, ainda que a China e outros pases emergentes pretendam reformar a ordem internacional com o objetivo de refletir o aumento do seu poder relativo no sistema internacional, isso no significa que haja uma pretenso revolucionria por parte desses pases. O que se observa a busca pela construo de uma ordem multilateral, que combine a ausncia de uma hegemonia definida com a coexistncia pacfica entre os centros de poder.Comment by Victor Vieira:

CONCLUSO

Barry Gills fez uma excelente avaliao sobre a possibilidade do Japo tornar-se uma potncia hegemnica, publicada originalmente em 1993, a qual pode ser perfeitamente parafraseada para a China:

provvel que o Estado japons [chins] continue a cultivar o papel de participante cooperativo e ostensivamente benigno no interior da coalizo hegemnica das trs zonas centrais. Entretanto, procurar aumentar constantemente seu poder estrutural, assim como o poder estrutural do seu capital nas principais instituies do capitalismo global. Agir de outra maneira, ou, especificamente, tentar obter uma transio bvia do centro hegemnico dos Estados Unidos para o Japo [a China] seria, quase com certeza, contraproducente, tanto no plano econmico quanto no plano poltico (GILLS, 2007, p. 278 - grifos nossos).

A constatao de que a China no persegue um papel hegemnico e a percepo de que ela obtm vantagens da ordem internacional vigente no significa que ela esteja satisfeita com o modelo estabelecido desde o final da Segunda Guerra Mundial, nem que concorde com todas as normas e instituies estabelecidos. A hegemonia estadunidense est em declnio, sua incapacidade de influenciar unilateralmente os atores do sistema internacional a agirem de acordo com os seus interesses evidencia que seus instrumentos de construo de consenso j no so mais eficientes como no passado.Por outro lado, o crescimento econmico chins possibilitou ao pas ampliar o enfoque dado sua poltica externa, com objetivo de obter matria prima, novos mercados consumidores para seus produtos e consolidar a estabilidade regional, de forma a assegurar a sua unidade territorial. Com esses objetivos traados, posicionou-se contrria s propostas de incurso de tropas estadunidenses no Ir e na Sria, usando a OCS como instrumento de fortalecimento de sua posio, ao aliar-se com outros pases da regio para defender seus interesses nacionais. Ao contrrio de uma tentativa de desconstruir as instituies j existentes para estabelecer novas que reflitam um novo perodo no qual se tornaria o centro hegemnico, a China buscou em conjunto com outras potncias emergentes, pleitear reformas nas j existentes buscando um reconhecimento legtimo da ampliao do seu poder no sistema internacional. Aps ser frustrada nessa empreitada, sua estratgia foi a de propor uma nova arquitetura financeira internacional, opo s antigas instituies de crdito, ampliando a variedade de fontes de investimento e apresentando uma alternativa s exigncias liberalizantes associadas aos emprstimos concedidos pelo FMI e pelo Banco Mundial.

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