vi encontro nacional da anppas 18 a 21 de setembro de 2012...

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VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém- PA-Brasil _____________________________________________________________ SAÚDE AMBIENTAL 1 E O USO RACIONAL DE ANTIBIÓTICOS: um desafio na saúde humana e na produção de frangos de corte no Brasil Arnildo Korb Prof. Dep Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC Doutorando do programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR-MADE [email protected] Resumo No Brasil as discussões sobre origens e conseqüências dos resíduos de antibióticos resultantes da área da saúde humana e da cadeia produtiva agrícola se apresentam desarticuladas, excluindo o meio ambiente e deixando de evidenciar os riscos à saúde humana. A pesquisa realizada no município de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, procurou traçar perfis de consumo de antibióticos e de resistência bacteriana para verificar a existência destes riscos e de como as pesquisas abordam a internalização do meio ambiente pelo sistema produtivo e pelos programas oficiais de vigilância ambiental em saúde. O diagnóstico estruturou-se pela (a) analise dos antibióticos utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), pela (b) verificação da sensibilidade bacteriana em antibiogramas de culturas de urina da população com infecções do Trato Urinário causadas pela bactéria Escherichia coli, e, pela (c) analise de amostras de marcas de frangos comercializadas no município, quanto a presença de resíduos de antibióticos enrofloxacina e ciprofloxacina. Verificou-se a inclusão de novos princípios ativos, o aumento nas resistências da bactéria E. coli a antibióticos não mais prescritos na saúde humana, e a análise de tecidos de frango acusou ausência de resíduos. O cenário de incertezas em relação às origens destas resistências requer a discussão das responsabilidades do sistema produtivo e das instituições quanto as conseqüências dos resíduos de antibióticos no ambiente bem como da necessidade de implementação das ações em Vigilância Ambiental em Saúde no Brasil que contemplem não apenas o aspecto toxicológico, mas também o da resistência bacteriana. Palavras chave: Monitoramento ambiental, Resíduos de antibióticos, Saúde humana Introdução “Ao tomar o próprio desenvolvimento nas mãos com interesses voltados ao curto prazo, com projetos eficientes, o ser humano deixa de proporcionar a ele próprio uma perspectiva mais segura de evolução bem-sucedida, gerando incertezas e perigos inexistentes até então. Intensifica-se e reduz-se o tempo indispensável para reparar os erros ocorridos. A inevitabilidade dos erros foi substituída pelo longo prazo da evolução natural e pelo prazo relativamente curto da ação humana planejada; aquilo que para a evolução é um lapso de tempo muito curto, para o homem significa um período muito longo. E neste caso aplica-se a ‘impotência de nosso saber’ a respeito das previsões de longo prazo” (JONAS, 2006, p.230). 1 O termo “Saúde Ambiental” aplicado no título e no contexto deste artigo, objetiva articular os argumentos em torno da relação dos resíduos de antibióticos no ambiente com seus riscos à saúde humana.

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VI Encontro Nacional da Anppas

18 a 21 de setembro de 2012

Belém- PA-Brasil_____________________________________________________________

SAÚDE AMBIENTAL1 E O USO RACIONAL DE ANTIBIÓTICOS: um desafio na saúde humana e na produção de frangos de corte no Brasil

Arnildo KorbProf. Dep Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC

Doutorando do programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento da [email protected]

Resumo

No Brasil as discussões sobre origens e conseqüências dos resíduos de antibióticos resultantes da área da saúde humana e da cadeia produtiva agrícola se apresentam desarticuladas, excluindo o meio ambiente e deixando de evidenciar os riscos à saúde humana. A pesquisa realizada no município de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba, procurou traçar perfis de consumo de antibióticos e de resistência bacteriana para verificar a existência destes riscos e de como as pesquisas abordam a internalização do meio ambiente pelo sistema produtivo e pelos programas oficiais de vigilância ambiental em saúde. O diagnóstico estruturou-se pela (a) analise dos antibióticos utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), pela (b) verificação da sensibilidade bacteriana em antibiogramas de culturas de urina da população com infecções do Trato Urinário causadas pela bactéria Escherichia coli, e, pela (c) analise de amostras de marcas de frangos comercializadas no município, quanto a presença de resíduos de antibióticos enrofloxacina e ciprofloxacina. Verificou-se a inclusão de novos princípios ativos, o aumento nas resistências da bactéria E. coli a antibióticos não mais prescritos na saúde humana, e a análise de tecidos de frango acusou ausência de resíduos. O cenário de incertezas em relação às origens destas resistências requer a discussão das responsabilidades do sistema produtivo e das instituições quanto as conseqüências dos resíduos de antibióticos no ambiente bem como da necessidade de implementação das ações em Vigilância Ambiental em Saúde no Brasil que contemplem não apenas o aspecto toxicológico, mas também o da resistência bacteriana.

Palavras chave: Monitoramento ambiental, Resíduos de antibióticos, Saúde humana

Introdução

“Ao tomar o próprio desenvolvimento nas mãos com interesses voltados ao curto prazo, com projetos eficientes, o ser humano deixa de proporcionar a ele próprio uma perspectiva mais segura de evolução bem-sucedida, gerando incertezas e perigos inexistentes até então. Intensifica-se e reduz-se o tempo indispensável para reparar os erros ocorridos. A inevitabilidade dos erros foi substituída pelo longo prazo da evolução natural e pelo prazo relativamente curto da ação humana planejada; aquilo que para a evolução é um lapso de tempo muito curto, para o homem significa um período muito longo. E neste caso aplica-se a ‘impotência de nosso saber’ a respeito das previsões de longo prazo” (JONAS, 2006, p.230).

1 O termo “Saúde Ambiental” aplicado no título e no contexto deste artigo, objetiva articular os argumentos em torno da relação dos resíduos de antibióticos no ambiente com seus riscos à saúde humana.

2

A partir das últimas décadas, os antibióticos (e quimioterápicos antimicrobianos) passaram

a ser utilizados mundialmente, e em quantidades elevadas na profilaxia e no tratamento de

infecções humanas e animais, criando um cenário de riscos à saúde humana em função da

seleção e da resistência bacteriana, a ponto de países desenvolvidos à considerarem um

problema de saúde pública, em função das internações hospitalares e das morte humanas

notificadas. Contudo, em países como o Brasil as notificações inexistem, assim como são

escassas as pesquisas e dados oficiais acerca dos resíduos de antibióticos nos alimentos e no

ambiente. A falta de informações ofusca o atual cenário devido as contradições nos argumentos

daqueles que justificam seus usos nestas proporções e daqueles que os condenam.

Justifica esta pesquisa, também, a falta de dados a partir de 2009 quando o Ministério da

Agricultura de Abastecimento do Brasil (MAPA) proibiu por meio da Instrução Normativa IN nº 26,

09/07/2009 a utilização de antibióticos de uso humano no tratamento profilático, terapêutico e

como promotores de crescimento em animais de consumo humano.

Os dados apresentados e analisados neste artigo constituem o diagnóstico do trabalho de

tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da

Universidade Federal do Paraná, que tem como limite geográfico o Município de Fazenda Rio

Grande (FRG), região metropolitana de Curitiba. As três etapas caracterizaram-se por: a)

construção do perfil dos antibióticos dispensados pelo SUS do município de Fazenda Rio Grande

(FRG); b) análise de resíduos de antibióticos (enrofloxacina e ciprofloxacina) em marcas de

frangos comercializados em FRG, e c) verificação das resistências da bactéria E. coli em culturas

de urina de pessoas com Infecções do Trato Urinário (ITU) a partir de antibiogramas de um

laboratório de análises clínicas do município de FRG.

A pesquisa evidenciou um acréscimo nos princípios ativos, nas concentrações e nas

combinações dos antibióticos de prescrição do SUS de FRG, onde se pode sugerir alguma

relação com o desenvolvimento da seleção e da resistência bacteriana. Quanto a análise de

tecidos de frangos, estas não identificaram resíduos para os antibióticos analisados (enrofloxacina

e ciprofloxacina), contudo, discute-se acerca da obscuridade no processo da cadeia produtiva,

cujas regras deste controle satisfazem mais aos interesses do mercado externo do que a

preocupação com o meio ambiente no qual esta cadeia produtiva está inserida, especialmente

quanto ao potencial contaminante das excretas dos animais. E, quanto a análise aos

antibiogramas, estes evidenciaram a resistência de bactérias E. coli a antibióticos não prescritos,

como tetraciclina, ampicilina e cloranfenicol, sugerindo que outras fontes de contaminantes ou de

resistências bacterianas possam estar envolvidas ou mesmo se tratar de transferência de genoma

entre as bactérias. Contudo, as formas de uso de antibióticos na cadeia produtiva de frangos

apresentam-se “obscuras”, como diagnosticado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

(IDEC, 2011).

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Os resultados evidenciaram, também, que entre as preocupações com as resistências

bacterianas aos antibióticos e aos aspectos toxicológicos, foi feita a opção unicamente pelo

segundo, em função de que este pode ser mensurado, e se necessário manipulado.

Os elementos constatados neste diagnóstico contribuem em debates sobre os riscos

ambientais naturais biológicos2 dos resíduos de antibióticos no meio ambiente, de modo que a

questão ambiental possa ser internalizada efetivamente nos Programas oficiais de vigilância

ambiental em saúde, assim como objetivam as metas de construção da política de Saúde

Ambiental no Brasil.

O meio ambiente no contexto da saúde humana

O Sistema Único de Saúde (SUS), para concretizar seus propósitos de internalização do

meio ambiente nas políticas em saúde, incorporou a Vigilância Ambiental ao Sistema Nacional de

Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde (SNVA) para valorizar as condições

ecossistêmicas como fatores determinantes de saúde, como do local de moradia e de trabalho da

população. Com esta incorporação objetivou-se incluir a percepção de riscos ambientais no fator

saúde, e que, quando evidenciados, poderiam receber a intervenção necessária, internalizando o

ambiente “[...] à política, ao diagnóstico, ao planejamento e às ações de saúde” (SILVA

AUGUSTO, 2003, p.180).

Esta tentativa de internalizar, pelo menos teoricamente, a questão ambiental nas políticas

em saúde foi decisiva na construção de metas em Saúde Ambiental no Brasil, porém a matriz foi

pensada sob a ótica do modelo biomédico, e que emergiu com o desenvolvimento dos fármacos

terapêuticos cujas descobertas revolucionaram o setor da saúde a partir do século XX

consagrando a saúde curativa. Este modelo veio acompanhado de projeto educacional que

objetivou aculturar para o consumo de medicamentos. Foi a partir do relatório de Flexner, em

1910, que nos Estado Unidos da América e no Canadá, por intermédio de um ensino elitista,

foram alteradas as estruturas do ensino médio, e que, segundo BISELLI (2011, p.14)

estimularam “[...] o ensino e a pesquisa da patologia e da doença, em detrimento do cuidado da

pessoa doente [...], [onde] o adoecer passou a ser controlado com o uso de medicamentos e a

ênfase nessa modalidade terapêutica favoreceu grandes investimentos da indústria para pesquisa

e da produção farmacêutica”, transformando o setor químico industrial em um dos mais rentáveis.

A produção de substâncias orgânicas sintéticas cresceu de maneira exponencial nas

últimas décadas, sendo produzidas e consumidas aproximadamente 200 milhões de

toneladas/ano, dentre estes estão os esteróides, os hormônios, os aditivos industriais e os

2 A expressão risco ambiental foi tomada emprestada de VEYRET, 2007. A autora criou a categoria de risco natural, e que neste artigo, acrescentou-se o biológico, por estarem envolvidos aspectos genéticos.

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tornarão resistentes aos antibióticos, contudo, a preocupação nos programas de minimização da

resistência deveria ser em reduzir a exposição aos resíduos destes fármacos.

A Anvisa classifica a resistência bacteriana em hospitalar e comunitária, e conforme a

“portaria nº 2.616, de 12 de maio de 1998, do Ministério da Saúde (MS), Infecção Hospitalar (IH) é

aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a

alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares”

(AZAMBUJA, PIRES, VAZ, 2004, p.80) e a comunitária como “[...] aquela constatada ou em

incubação no ato da admissão no paciente, desde que não relacionada com a internação anterior

no mesmo hospital” (ANVISA, 2011, p.15,a).

Até o momento a resistência hospitalar tem sido o foco das políticas da Anvisa por meio da

Política Nacional de Controle de Infecções Hospitalares devido aos frequentes registros de óbitos

resultantes por infecções causadas por bactérias multirresistentes. Entre as principais bactérias

que causam as infecções hospitalares estão as Staphylococcus aureus e as Pseudomonas

aeruginosa, envolvidas geralmente em infecções pós-cirúrgicas, e responsáveis pela maioria dos

casos de óbitos em hospitais. Para exemplificar: na Alemanha a cada ano são internados de 400 a

600 mil pacientes com infecções, 7.700 a 15.000 vão a óbito (BUNDESMINISTERIUM FUR

GESUNDHTHEIT, 2011). Nos Estados Unidos da América, em 1996, foram notificados mais de 19

mil óbitos por infecções resultantes de bactérias multirresistentes. No Brasil ainda não ocorre a

notificação por resistência bacteriana.

A política de controle de infecções hospitalares, implantada pela Anvisa, se caracteriza

pela adoção de técnicas de higienização e de descarte de materiais contaminantes originados de

procedimentos invasivos, como seringas, curativos e restos de medicamentos, que devem seguir

a RDC 306/2004. Para muitos profissionais da área da medicina clínica, uma vez controlada a

infecção hospitalar, se estaria reduzindo a resistência bacteriana, porém, nos córregos que

recebem os efluentes hospitalares resultantes da higienização, a resistência de bactérias E. coli

aos principais princípios ativos de antibióticos é elevada. Pesquisa realizada por Biselli (2011) no

Rio Passaúna, em Curitiba, indicou alto nível de resíduos de medicamentos. Foram encontrados

[...] 12 antibióticos prevalentes dispensados na Unidade de Saúde São José, do Programa da Saúde da Família, [...], no período de cinco anos (2006 a 2010). Os antibióticos identificados por classes foram os β-lactâmicos, as penicilinas (amoxicilina, ampicilina, benzilpenicilina), cefalosporinas (cefuroxima, cefalexina, ceftriaxona), macrolídeos (azitromicina e eritromicina), sulfas (sulfametoxazol) e ainda nitrofurantoína, metronidazol e trimetoprim. O local da pesquisa não é um ambiente de concentração de antibióticos (como no uso hospitalar), mas uma comunidade, de uma área que possui um perfil epidemiológico equivalente à população geral, os resultados do risco ambiental possivelmente refletem o que ocorre em outros segmentos do país que tem o sistema de assistência à saúde organizado na mesma estrutura. Assim, estes resultados se tornam ainda mais preocupantes. Caracteriza-se, por este estudo, o potencial de risco da forma biomédica de tratamento, especialmente no que se refere às doenças infecciosas cujo tratamento restringe-se ao uso de fármacos (BISELLI, 2011, p.84).

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antibióticos é transportado e tratado em Brusque, Estado de Santa Catarina. Neste caso os

problemas são externalizados, ao contrário da internalização como sugere o Ministério da Saúde

do Brasil.4

Aliado aos problemas relacionados à prescrição, existe a falta de orientação dos

profissionais da saúde aos usuários do SUS no momento da dispensação da medicação e da falta

de conhecimento dos usuários quanto aos riscos à saúde humana em função do uso incorreto,

como argumentado por Fiol, et al (2010):

Outro grande desafio no [...] uso racional de antibióticos refere-se à qualidade da informação que o paciente detém para o uso do medicamento. A falta de informações durante a consulta, seguida por pouca ou nenhuma orientação no ato da dispensação do medicamento, faz com que o usuário abandone o tratamento precocemente, perca administrações ou ainda os utilize desnecessariamente. (2010, p.69).

A falta de informações agrava a situação, e a maioria dos profissionais da saúde ainda

não interpretaram a questão da resistência bacteriana como um problema de saúde pública, pois

há a necessidade de revisão nos critérios de prescrição, de dispensação e de uso de antibióticos,

pois a atual forma de utilização tem levado a reincidência das infecções, necessitando, com isto,

de antibióticos mais fortes. (FIOL, et al, 2010, p.72).

Considerações sobre o uso de antibióticos na cadeia produtiva avícola de corte

O aumento da população mundial e da urbanização acelerada impulsionou o setor

produtivo agrícola ao aumento da produção e do consumo de alimentos com baixo custo, como

no caso da carne de frango em substituição às carnes vermelhas, estas, mais caras e com menor

volume de produção, e com maior risco à saúde humana devido ao colesterol e digestibilidade das

fibras (PEREIRA, 2009, ALCÂNTARA, 2011) .

Novas tecnologias foram criadas e outras adaptadas ao setor produtivo. Dentre estas

tecnologias está a utilização de antibióticos para terapêutica e profilaxia de infecções

bacterianas e/ou mistura às rações como promotores de crescimento. Salienta-se que dos

antibióticos produzidos nos Estados Unidos da América 60 a 80% são administrados em animais

saudáveis, e os grupos mais utilizados são quinolonas, macrolídeos e tetraciclinas. A União

Européia proibiu em 2006, em seus domínios, o uso de antibióticos em rações como promotores

de crescimento, contudo nos EUA continuam a ser utilizados (PEREIRA, 2009).

4 Dentre as iniciativas governamentais para a coleta de resíduos domésticos de antibióticos, está o projeto lei que tramita na câmara de Vereadores de Curitiba e que propõe implantar pontos de coleta de resíduos de medicamentos domésticos em farmácias em todo o município, responsabilizando as farmácias pelo descarte. Os conflitos estão em relação aos custos de descarte e que deve ser de responsabilidade do fabricante. Sabe-se que a simples coleta poderá contribuir, mas não influenciará de maneira expressiva no contexto de redução da resistência bacteriana, pois a questão está em reduzir drasticamente o consumo de antibióticos evitando resíduos no ambiente, seja pelas sobras, seja pelas excretas humanas.

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bacitracina-zinco, espiramicina, tilosina e virginiamicina, devido a evidencias da resistência

cruzada com medicamentos de uso na saúde humana5. (PEREIRA, 2009).

A União Européia por meio do Decreto-Lei n. 151/2005 estabeleceu a obrigatoriedade da

prescrição médica veterinária para antibióticos em animais de consumo humano, e critérios para a

emissão da receita. Ficou também estabelecido um intervalo de segurança entre a utilização do

antibiótico e o abate de animais para consumo humano, tempo necessário para eliminação dos

metabólitos do fármaco pelo organismo dos animais. O decreto estabeleceu, também,

responsabilidades na fiscalização (PEREIRA, 2009)6.

Contudo, uma pesquisa realizada em Portugal objetivando verificar a existência de

antibióticos do grupo fluoroquinolonas em peito de frangos, demonstrou que em 33 amostras, 26

(79%) possuíam resíduos, e que “as fluoroquinolonas continuam a ser utilizadas em grandes

quantidades na produção de frangos de consumo humano, e a existência de 79% de amostras

contaminadas não pode ser atribuída apenas a tratamentos esporádicos” (PEREIRA, 2009, p.90)

A pesquisa realizada por Alcântara (2011) no Distrito Federal ao analisar 22 cepas de E.

coli obtidas de celulites de frangos abatidos em frigoríficos da região, apontou as seguintes

resistências: Ampicilina 59,09%, gentamicina 40,90%, tetraciclina 4,55%, enrofloxacina 36,36%,

cefalotina 54,55%, cefalexina 59,09%, eritromicina 81,82%, penicilina 100%, sulfonamida 90,91%,

doxiciclina 4,55%, cloranfenicol 0%, neomicina 4,55%, cefazolina 50%, espiramicina 100%,

amoxicilina 68,18% e norfloxacina 18,18%. Estas resistências podem ser transmitidas a E. coli

em seres humanos por meio do consumo de carne mal cozida, assim como cepas podem

colonizar o intestino humano, especialmente do produtores de frangos, onde que inicia o processo

de transferência de genes entre os seres humanos. Para o autora estes percentuais de

resistência representam riscos à saúde humana.

A questão que envolve o uso de antibióticos é complexa e há de se ter a urgência em

proteger a eficácia dos atuais antibióticos que ainda tem boa eficácia em tratamentos de

infecções, pois as bactérias tornam-se resistentes de maneira mais rápida do que ocorre a

5 A avoparcina provocaria a resistência cruzada com a vancomicina de uso para tratamento de infecções enterocócicas causadas pela bactéria Enterococcus faecium; a tilosina por promover a resistência cruzada com eritromicina utilizada para controle de infecções respiratórias e pelo fato da eritromicina pertencer ao grupo dos macrolídeos é natural que bactérias patogênicas humanas desenvolvam resistência as lincosaminas e à estreptogramina, o que representa um problema de saúde pública; a resistência cruzada a virginiamicina com a associação de quinupristina/dalfopristina, importante na medicina humana para o tratamento da resistência de Enterococcus à vancomicina6 No Brasil o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento por meio da Instrução Normativa IN nº 09,27/06/2003 proibiu a utilização cloranfenicol e dos nitrofuranos na produção alimentos de origem animal, especialmente como promotores de crescimento. E, da Instrução Normativa Nº 51, de 29 de Dezembro de 2006, autoriza o uso dos antibióticos avilamicina, bacitracina metileno disalicilato, bacitracina de zinco, colistina (sulfato de), clorexidina (cloridrato de), enramicina, eritromicina, espiramicina, flavomicina (flavofosfolipol ou bambermicina), halquinol (clorohidroxiquinolina), lasalocida, lincomicina, monensina sódica, salinomicina sódica, tiamulina (fumarato hidrogênio de), tilosina (fosfato ou tartarato de), virginamicina. Com a Instrução Normativa IN nº 26, 09/07/2009 (revoga Portaria 193/1998) e proíbe o uso dos antibióticos Anfenicóis, tetraciclinas, betalactâmicos (benzilpenicilâmicos e cefalosporinas), quinolonase sulfonamidas sistêmicas.

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produção de novos princípios ativos, e para piorar, as indústrias farmacêuticas tem investido em

maior escala na produção de fármacos para o tratamento de doenças crônicas degenerativas.

Contudo, por parte dos agricultores a questão econômica não é o fator decisivo para a adoção de

métodos de produção alternativos mais seguros, mas há o desconhecimento, a resistência à

mudança e o comodismo, pois a Suécia, a Noruega e a Dinamarca conseguiram reduzir a

resistência bacteriana por meio de novos aditivos nas rações, sem com isso reduzir a

produtividade ou aumentar os custos de produção (PEREIRA, 2009). No Brasil são escassas as

pesquisa e não existem estatísticas em relação

a quantidade de antibióticos comercializada para a produção animal. Entre as poucas fontes de informações existentes, a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná realizou um estudo qualitativo sobre a comercialização de medicamentos veterinários em frangos de corte, o qual revelou o uso de 126 produtos comerciais, com 49 diferentes princípios ativos (SESA, 2005). No referido estudo, os grupos de medicamentos preventivos mais citados foram: fluoroquinolonas (34%), ionóforos (20%), macrolídeos (10%), quinolonas e tetraciclinas (6%), sulfonamidas (4%) e lincosamidas (3%); e os grupos de medicamentos terapêuticos mais citados foram: ionóforos (25%), fluoroquinolonas (19%), sulfonamidas (14%), tetraciclinas (11%), betalactâmicos (7%), macrolídeos (5%) e aminoglicosídeos (4%). Em termos dos compostos, os ingredientes ativos preventivos mais utilizados foram: enrofloxacina, avilamicina, lasalocida, ciprofloxacina, fosfomicina, clortetraciclina, sulfadiazina + trimetropina, ácido 3-nitro, virginiamicina, lincomicina, norfloxacina e tilosina; já os ingredientes ativos para fins terapêuticos mais utilizados foram: norfloxacina, enrofloxacina, monensina, sulfadiazina + trimetropina, avilamicina, amoxicilina, clortetraciclina, sulfaclorperidazina +trimetropina, maduramicina, nicarbazina, neomicina, tiamulina e tilmicosina. Esse mesmo levantamento também constatou algumas irregularidades: o uso das tetraciclinas, olaquindox, tiamulina, ciprofloxacina, norfloxacina e enrofloxacina como promotores de crescimento; e o uso das tetraciclinas, penicilinas e sulfonamidas como terapêuticos. Todas estas formas de uso são proibidas pelo Ministério da Agricultura (MAPA). (REGITANO; LEAL, 2010, p.604)

Este cenário de riscos é caracterizado por Beck (2010) como produto de uma “Sociedade

de Risco”, pois, se por um lado, a modernização tenha possibilitado o desenvolvimento de

tecnologias para diagnósticos e tratamento precoce de doenças até então incuráveis,

aumentando a expectativa de vida, por outro, há a utilização indiscriminada devido ao

desconhecimento dos riscos, e que pode representar riscos superiores a gênese dos objetivos

para a qual foram criados, que era de salvar vidas humanas. Estes argumentos são comprovados,

como por exemplo, nos altos índices de morbidade e mortalidade humana decorrentes das

infecções incontroláveis e contabilizadas nos países desenvolvidos.

Certos antibióticos são biocumulativos e os resíduos presentes em lodos estações de

tratamento de esgotos ou excreções de animais, utilizadas como fertilizantes, podem ser

absorvidos pelas plantas e reintroduzidas na cadeia alimentar. Ou seja, o “efeito bumerangue”

(BECK, 2010) ocorre na medida em que os produtos das excreções pode retornar ao produtor na

forma original por meio dos alimentos, ou indiretamente através da resistência bacteriana a estes

produtos (KÜMMERER. 2008 e 2009).

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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) sugere algumas medidas

socioambientais em virtude do que ele considerada como “a obscuridade no processo produtivo”.

Para as empresas é imprescindível:● Adotar práticas mais responsáveis em relação aos pequenos agricultores integrados à cadeia de criação avícola, aos trabalhadores de suas fábricas e à prevenção de riscos à saúde dos consumidores.Para o poder público é urgente:● Implementar uma legislação específica para o uso de medicamentos veterinários no Brasil. O Mapa e o Ministério da Saúde deveriam se ocupar conjuntamente da saúde do consumidor, já que o Ministério da Agricultura alega que o estabelecimento de limites de resíduos em alimentos não é tarefa sua.● Comunicar à população se, ao longo dos anos, os resultados obtidos com o monitoramento da cadeia de criação de aves foram significativos.● Esclarecer para a população quais são as providências tomadas pelo Mapa quando detecta um caso de violação à legislação adotada.(2011, p.27)

Resultados e Discussões

Metodologicamente a pesquisa se consistiu em três momentos:

a) Construção do perfil dos antibióticos dispensados pelo SUS de FRG

Por meio do acesso a relação de medicamentos adquiridos pelo SUS de FRG, foram

identificados os antibióticos dispensados no período de 2007 a 2011. Foi avaliado o acréscimo de

princípios ativos, as combinações e a evolução nas concentrações. Esta atividade justificou-se

pela necessidade em dados regionais de consumo de antibióticos.

Verificou-se a partir de 2009 um aumento de princípios ativos para a claritromicina, de 250

mg para 500 mg em 2011, e de combinações como a amoxicilina 500 mg + Clavulanato de

potássio 125 mg. Estes dados sugerem o aumento da resistência bacteriana a determinados

antibióticos de uso humano, especialmente aqueles de prescrições freqüentes, contudo estes

medicamentos não são de prescrição para infecções do trato urinário.

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b) Análise de frangos comercializados em FRG

Verificou-se por meio de análise por cromatografia líquida da presença de antibióticos

quinolonas (enrofloxacina e ciprofloxacina) em 10 das 17 marcas de frangos mais comercializadas

em FRG. As análises foram realizadas pelo Laboratório Lanagro (MAPA) em Porto Alegre.

A justificativa para a análise foi de que: a Organização Mundial da Saúde chama a atenção

para a necessidade em se preservar as quinolonas para a saúde humana; a ciprofloxacina é

utilizada pelo SUS em FRG em casos de resistência bacteriana aos antibióticos tradicionais;

pesquisa do PAMVet/PR em 2005 diagnosticou grande volume de quinolonas comercializadas

como produtos veterinários; a ciprofloxacina é o metabólito da enrofloxacina, antibiótico que era

utilizado como promotor de crescimento em frangos; e, de que o uso de quinolonas foi proibido na

agropecuária pela instrução normativa nº 26, 09/07/2009 MAPA.

Em 17 de janeiro de 2012 foram adquiridos nos estabelecimentos de FRG 10 frangos

congelados, e de cada um destes, foi retirado 100 gramas de músculos (peito). Acondicionadas

individualmente em embalagens plásticas e identificadas apenas com um número, as amostras

foram mantidas congeladas a -20 graus Celsius. Em 18 de janeiro de 2011 as amostras formam

entregues no Lanagro (Laboratório Nacional Agropecuário- Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento) em Porto Alegre/RS para análise pela técnica de Cromatografia Líquida Acoplada

à Espectrometria de Massas (LC-MS/MS) pelo MET RPM/07/02 ( determinação (Fluor)

quinolonas em músculo de frango). O método MET RPM/07/02 quantifica as amostras a partir

de 20 µg/Kg de frango e aponta o LMR como 100 µg/Kg, seguindo as orientações da Instrução

Normativa No 8 de 29 de abril de 2010 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.

O Lanagro é o laboratório oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do

Brasil, com metodologia de análise credenciada para cromatografia de quinolonas, e nele é que

se realizam as análises do Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em

Produtos de Origem Animal (PNCRC).

A análise apontou ausência de resíduos, ou seja, não quantificável (NQ). Pesquisa similar

realizada pelo IDEC em São Paulo e que ratificou a inexistência de resíduos, contudo, este

instituto questionou a obscuridade na cadeia produtiva quanto aos resíduos no ambiente.

c) Verificação das resistências da bactéria E. coli em antibiogramas de cultura deurina de usuários do SUS de FRG

A justificativa para esta etapa foi a de que: as infecções urinárias (ITU) são a segunda

maior causa de infecções e responsáveis por alta morbidade e requerem a utilização de

antibióticos; a maioria das infecções urinárias e entéricas são causadas por bactérias E. coli, e

que colonizam o trato digestório dos animais homeotérmicos e desenvolvem multirresistencias,

transmitindo esta característica à outras cepas e pode também desenvolver a resistência no

ambiente; e a análise de antibiogramas permite verificar a resistência em relação aos antibióticos

prescritos e a possível relação com resíduos presentes nos alimentos e no ambiente.

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Foram analisados 283 análises de cultura de urina realizados por um dos laboratórios do

município, e que atende a 50% da população. Este levantamento correspondeu aos meses de

dez/jan de 2004/2005 a dez/jan de 2011 e 2012.

Os resultados ratificaram a predominância de bactéria E. coli (85,86%), e em 172

exames (70,78%) apresentou pelo menos uma resistência à antibióticos, predominando as ITU

em mulheres, 92,27%, contra 7,73% em homens.

Verificou-se nos Testes de Sensibilidade aos Antibióticos (TSA) alta resistência aos

antibióticos ac. nalidixico, ampicilina, tetracilina e sulfazotrin. A ampicilina e a tetraciclina não

foram prescritas na rede de saúde aos usuários com infecções urinárias. A tetraciclina não pode

ser prescrita para gestantes devido aos riscos de malformações congênitas.

Na tabela abaixo constam os percentuais de resistências em E. coli verificados a cada ano

e por antibiótico em 172 usuários com infecções do trato urinário em FRG.

Para a ciprofloxacina as primeiras resistências observadas a E. coli foram de 21,13 % em

2008, e de 15,15% em 2011. Em todos os casos de resistências, conforme a amostragem, a

resistência a este antibiótico ocorreu em usuários com multirresistencias, ou seja, 3 ou mais, o

que sugere usuários com infecções freqüentes aos quais tenha sido prescrito ou passaram por

internações hospitalares, local em que adquiririam a resistência. Estes dados sugerem que fontes

de contaminação externa, como a carne de frango, não estão influenciando para este antibiótico.

As lacunas representadas na tabela, e que poderiam sugerir ausência de resistência

ocorreram pelo razão inexplicável de que nestes períodos não foram utilizados os mesmos

padrões de TSA e por isto a resistência para alguns antibióticos não foi testada.

Para os antibióticos ampicilina, tetraciclina e cloranfenicol, necessita-se maiores

observações, pois estes são utilizados largamente como terapêuticos em toda a cadeia produtiva

agrícola, como no tratamento de infecções nas glândulas mamárias de vacas lactantes.

Discussões

A atual matriz do modelo de produção de alimentos, como das carnes de frango em alta

escala e a baixo custo para atender as necessidades de produção e de consumo, estruturou-se

sobre a transferência dos conhecimentos da farmacologia humana para a produção animal, e que

culminou com a utilização dos mesmos princípios ativos e em volumes descontrolados.

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Os países europeus foram os primeiros a perceberem a incompatibilidade nesta

transferência, e em 2006 proibiram em seus domínios a utilização de antibióticos de uso humano

na produção animal. As pressões de entidades internacionais como a Organização Mundial da

Saúde foram fundamentais, e cuja preocupação pautou-se na preservação de certas classes e

grupos de antibióticos utilizados na saúde humana. Este apelo foi bem interpretado pela

população dos países desenvolvidos, de modo a exigir dos importadores a melhor qualidade

possível nos alimentos de origem animal, como da carne de frango, especialmente quanto ao

Limite Máximo de Resíduos (LMR) permitidos. Estes procedimentos reorientaram os padrões

internacionais, tanto que o risco passou a ser econômico, especialmente para as empresas

exportadoras de frango, como as brasileiras. As alterações no modelo produtivo foram tantas que

na atualidade é impossível conjecturar sobre riscos alimentares quanto a existência de resíduos

de antibióticos nas carnes, o que foi demonstrado pela pesquisa a quanto a ciprofloxacina.

Porém, são incertas se as medidas adotadas pelo MAPA no Brasil em 2009 ao seguir a

mesma lógica européia de restrição de uso de antibióticos na produção animal, estão sendo

contempladas em toda a cadeia produtiva, ou ocorrem somente no final dela, quando uma

semana antes do abate os frangos recebem ração sem aditivos químicos de modo que possam

ser desintoxicados.

Alguns dos dados obtidos a partir do diagnóstico no município de FRG, quanto as

resistências da bactéria E.coli em culturas de urina, não podem ser generalizados para escalas

superiores as regionais, pois as resistências podem variar de região para região, em intensidade

e em relação aos princípios ativos utilizados.

O fato da ciprofloxacina não ser encontrada em tecidos de frango, e da baixa resistência

bacteriana encontrada em antibiogramas, sugere que as resistências verificadas sejam em

decorrência dos usos sucessivos em pacientes com infecções do trato urinário recorrentes ou

que tenham sido submetidos à internações hospitalares. Este contexto requereria uma

investigação do histórico das prescrições em seus prontuários nas Unidades Básicas de Saúde.

Contudo nos casos de resistências aos antibióticos ampicilina, tetraciclina e cloranfenicol esta

extrapolação para escala nacional seria possível devido as pesquisas apontarem semelhantes

resultados.

A pesquisa realizada por Vieira et al (2012) em 79 amostras de marcas de leite

comercializadas no Estado do Paraná, para a verificação da contaminação por resíduos de

antimicrobianos apontou a existência destes em 15 (19%), sendo 6 com cloranfenicol (40%), 3

com tetraciclinas (20%), 1 por gentamicina (6,7%), 3 por estreptomicina (20%) e 2 por

betalactâmicos (13,3%). A pesquisa não identificou quais antibióticos betalactâmicos constavam

nas amostras, pois o isolamento destes, como a ampicilina, é dificultado pela instabilidade da

molécula. Deste modo inclui-se uma nova variável no contexto das resistências, e que se

relaciona ao leite para o consumo humano e seus derivados, fato que requer novas releituras

dos dados obtidos em FRG. Instala-se, com isto, uma nova problemática de riscos, pois a

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produção brasileira de produtos lácteos consegue atender apenas as necessidade de consumo

interno, e, portanto, não estaria sujeita as exigências e sansões do mercado internacional, com é

feito com o frango. Seguindo esta lógica, os riscos à saúde humana são menores em produtos de

exportação, pois o mercado internacional impõe condições e restrições quanto aos níveis

toxicológicos.

Esta anuência dos órgãos oficiais, como o Ministério da Agricultura e Abastecimento e do

próprio Ministério da Saúde, atribuindo ao sistema produtivo, em determinação aos critérios

internacionais e impostos pelo mercado consumidor europeu, a autonomia em decidir quais

produtos farmacêuticos sejam utilizados no tratamento animal, é o que instala este panorama de

“riscos naturais biológicos”, expressão tomada de emprestado de Veyret (2007), para caracterizar

este contexto de riscos.

O natural biológico pode ser associado, no contexto de riscos, ao fato das resistências

desenvolvidas pelas bactérias serem um processo natural, pois, para os seres unicelulares é

imprescindível um mecanismo que lhes proteja no ambiente contra substancias nocivas. Os

aspectos relacionados aos riscos biológicos, neste caso, estariam vinculados aos agentes

etiológicos, como as bactérias. Estes riscos ambientais naturais biológicos, expressam um

contexto de dificuldades de mensuração pelo fato do material genético bacteriano estar propenso

as freqüentes mutações e transformações, bem como da disseminação no ambiente e das

mutações nos microrganismos patogênicos, e quando bem sucedidas, representam um risco para

o ser humano. A vulnerabilidade que “mede os impactos danosos do acontecimento sobre os

alvos afetados” (VEYRET, 2007, p.24), pode neste aspecto ser associada às condições

imunológicas dos seres humanos afetados, não se distinguindo somente as condições

socioeconômicas.

Diante da falta de dados oficiais quanto aos resíduos no ambiente, cria-se uma atmosfera

de desinformação em relação a qualidade dos alimentos consumidos, dos possíveis riscos e das

implicações que possam resultar quanto à saúde humana.

Esta lógica, de produção de alimentos de origem animal, das prescrições em saúde

humana, e das pesquisas que abordam resíduos, consideram apenas uma das partes, o viés

toxicológico. Os programas de controle de resíduos de medicamentos como o PAMvet, quando

de sua criação, tinham como primeiro objetivo os cuidados com os resíduos de antibióticos no

ambiente em função das resistências bacterianas. Outro objetivo seria o toxicológico. O fato é

que diante das incertezas que se apresentam no campo das resistências e da dificuldade na

apresentação de evidencias que confirmem suas origens, os critérios toxicológicos foram

colocados em primeiro lugar. O Limite Máximo de Resíduos (LMR), é, portanto, objeto de

manipulação do mercado. Porém, sabe-se que a seleção e a resistência bacteriana aos

antibióticos de uso humano ocorre por concentrações menores aos do LMR, o que justifica a

resistência da E. coli aos antibióticos ampicilina e tetraciclina nos antibiogramas de FRG, ou seja,

Não Quantificável (NQ) para os padrões adotados. No caso da ampicilina, por se tratar de um

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antibiótico pertencente ao grupo dos betalactâmicos, e pelas evidencias apresentadas, esta deve

possuir uma fonte de resíduos de origem alimentar, pois, ao contrário do que se imagina, os

resíduos de penicilina, enquanto metabólitos presentes em excretas humanas e de animais,

quanto atingem o solo ou as águas pluviais, são rapidamente degradados pela radiação solar. Já

a tetraciclina, pode permanecer em até 10 anos no ambiente, como no lodo dos rios, e ser

absorvida pelas plantas, como no caso de hortaliças, cujo solo foi fertilizado com excretas

contendo estes resíduos, e das irrigações com águas pluviais. Uma prova destes riscos, e que

gerou crise na Europa, foi a morte de mais de 40 pessoas, somente na Alemanha em 2011, por

infecção entérica causada por cepa de E.coli hemorrágica resistente a mais de oito princípios

ativos de antibióticos, e transmitida a população por brotos de feijões resultantes de produção

agroecológica.

Se nos países europeus este cenário se transformou em uma crise, para Veyret (2007),

como um acontecimento concreto de uma Álea (acontecimento possível), fica no imaginário as

possíveis dimensões e riscos caso fato semelhante acontecesse no Brasil.

A problemática está instalada: por um lado não se concretizam as metas do Sistema de

Vigilância Ambiental em Saúde, e por outro, os interesses de mercado reforçam a lógica de que

os resíduos no ambiente não apresentam riscos, e, também, pelo modelo biomédico que ainda

não internalizou no SUS o monitoramento de riscos ambientais. Dentre estes monitoramentos

estaria o das resistências da bactéria E. coli aos antibióticos.

Estas discussões são imprescindíveis na construção das metas de efetivação das ações

Sistema de Vigilância Ambiental em Saúde, pois este requer um conjunto de procedimentos

metodológicos teóricos e técnicos para subsidiar o monitoramento dos resíduos no ambiente.

Requer também, a articulação entre os ministérios e secretarias criadas para este fim, de modo

que as responsabilidades individuais e compartilhadas possam ser atribuídas e exercidas em sua

plenitude.

Considerações Finais

A partir dos dados verificados e analisados à luz dos riscos ambientais naturais biológicos,

sugere-se a implementação imediata de ações em vigilância ambiente em saúde, dado que, na

atualidade, o ambiente é percebido pelo setor produtivo, e boa parte do setor da saúde humana,

mais como um depósito de resíduos do que um espaço dinâmico que se conecta em processos

cíclicos de reintrodução de substâncias nos ecossistemas. Esta percepção de ambiente, como

depósito e desconectado entre si, diverge das propostas do SUS ao incorporar na sua estrutura

a vigilância ambiental em saúde. A principal prova desta desconexão se manifesta nas

estratégias oficiais de controle de resíduos ao perceberem apenas como motivo de preocupação

os elementos toxicológicos nos antibióticos e não os da resistência bacteriana. Ao desconsiderá-

la como um motivo de preocupação ou como um risco possível (Álea), abre precedentes para

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negligenciar inclusive os aspectos toxicológicos, pois a atribuição de limites mínimos e máximos

de resíduos em alimentos podem ser influenciados por interesses, principalmente os de

mercado.

Se os países desenvolvidos notificam as mortes humanas causadas por infecções

decorrentes de bactérias multirresistentes, é porque as preocupações com a saúde humana

naqueles países superaram a ótica do perceber a saúde como mercadoria e o paciente como

consumidor, o que ainda ocorre no Brasil, apensar de sermos a 6ª potência econômica, no qual o

modelo biomédico é representado ainda pela medicalização e a pela medicação. Em alguns

países, como a Suécia, a Noruega e a Dinamarca há indícios da ruptura entre a medicina

humana com a animal por meio da adoção de métodos alternativos no tratamento de doenças

animais, sem com isto representar perdas na produção.

O monitoramento das resistências bacterianas aos antibióticos, como sugerido pela

maioria dos autores referenciados neste artigo, requer, antes de qualquer coisa, a observância

dos pequenos detalhes que envolvem os procedimentos nos usos dos antibióticos. Há de se ter

a compreensão, de que, ao contrário de outros medicamentos, como os hormônios, cujos efeitos

no ambiente alteram aspectos fisiológicos de outros seres vivos, os antibióticos podem trazer

riscos indiretos por meio da resistência de bactérias no ambiente, expondo grupos humanos

vulneráveis, como crianças e idosos.

O fato de instituições oficiais brasileiras de fomento às pesquisas no setor produtivo se

eximirem de responsabilidades em monitorar o ambiente, e deixar a cargo do MAPA e das

grandes empresas esta atribuição, na expectativa de que estão cumprindo as exigências

internacionais, cria outro cenário de riscos, especialmente aos produtos de mercado interno, como

do leite. Pesquisas apontam a existência em produtos lácteos de resíduos de antibióticos, como

betalactamicos, tetraciclinas e cloranfenicol, o que poderia explicar parte das resistências

observadas em antibiogramas em FRG.

Este cenário demonstra, também, uma cisão entre as próprias instituições, cujas posturas,

assim interpretadas, não contribuem no enfrentamento do problema como rigor que ele merece,

e nem em clarear as “obscuridades”, apontadas pelo Idec (2011).

A nota de Jonas (2006) que inaugurou este artigo, sintetiza, pelos elementos

apresentados em relação aos resíduos de antibióticos e seus efeitos à saúde humana, um

contexto de “impotência de nosso saber” diante dos riscos ambientais naturais biológicos e que

são ocultados em favor dos interesses individuais e de grupos, cujos conseqüências destas

ações retornam como “efeito bumerangue” (BECK, 2010) sobre aqueles mais vulneráveis.

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