estudo comparativo sobre o gerenciamento de resíduos...
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VI Encontro Nacional da Anppas 18 a 21 de setembro de 2012 Belém - Pará – Brasil _______________________________________________________
Estudo Comparativo sobre o Gerenciamento de Resíduos Sólidos Municipais e Reciclagem entre as Cidades de São
Paulo e Londres
Alexandre Pereira (KING’S COLLEGE LONDON) Pesquisador Arquiteto e Urbanista, Doutorando do Brazil Institute
Resumo Este estudo compara a gestão de resíduos urbanos e processos de reciclagem de duas metrópoles: Londres e São Paulo. Seu objetivo é determinar, através de análise de dados secundários, em que medida a gestão dos resíduos sólidos urbanos dessas cidades contribuem para a melhoria ambiental e social de suas populações. A discussão reflete sobre as diferenças existentes entre o gerenciamento de resíduos em cidades em países desenvolvidos e em países em desenvolvimento, e aponta questões críticas para São Paulo, como por exemplo a escassez de informação publicada sobre o gerenciamento de resíduos, a transferência de tecnologia e a questão do trabalho informal. Esse debate é fundamental num momento onde a Política Nacional de Resíduos Sólidos, proporcionará o enquadramento legal necessário para avançar soluções para a questão dos RSU no Brasil.
1 Introdução
Metrópoles em países desenvolvidos e metrópoles de países em desenvolvimento tem
experimentado diferentes realidades no gerenciamento de seus resíduos sólidos urbanos. A
literatura tem mostrado que enquanto as mais ricas tem trabalhado com emprego de tecnologias
avançadas, incentivos de mercado para recuperação de material reciclado e de energia, metas de
sustentabilidade e legislação focada nas mudanças climáticas, além de teorias de crescimento
econômico dissociado de degradação ambiental; as demais têm enfrentado problemas de
restrições orçamentárias, dificuldade em controlar os resíduos despejados clandestinamente e
crescente mercado informal.
Nas últimas décadas, vários pesquisadores (Gandy, 1994; Visvanathan e Trankler, 2003; Chen,
2008; Glawe et al., 2005; Asase et al., 2009; Troschinetz e Mihelcic, 2009; UN-Habitat, 2010;
Zhang et al., 2010) têm empregado diferentes métodos e gerado importantes conclusões sobre a
comparação dos dilemas da gestão de resíduos em diferentes contextos urbanos. O estudo de
casos comparativos, usando cidades ou países como unidades de análise, é um valioso método
de investigação, que ajuda a lançar luz sobre dinâmicas particulares, limitações ou omissões
gerados por diferentes experiências urbanas do mesmo processo (Robinson, 2011: p.6; Maxwell,
1998: p.21 citado em McFarlane, 2006: p.19). Porém, é necessário refletir sobre o significado das
diferenças entre terminologias como desenvolvido ou em desenvolvimento (McFarlane, 2006: p.6).
Cidades de diferentes regiões apresentam diferentes particularidades socioeconômicas, culturais,
geográficas e históricas. Sendo assim, é importante salientar que lições raramente podem ser
transferidas diretamente, geralmente do mais desenvolvido para o menos desenvolvido.
Este estudo compara a gestão de resíduos urbanos e processos de reciclagem de duas
metrópoles: Londres (situada em um país desenvolvido) e São Paulo (situada em um país em
desenvolvimento). O objetivo da pesquisa é determinar em que medida a estrutura e organização
da gestão de resíduos sólidos urbanos (RSU) e processos de reciclagem dessas cidades contribui
para a melhoria ambiental e social das suas populações.
O trabalho está organizado da seguinte forma: após a apresentação da metodologia, desenvolve-
se uma breve síntese das principais característica da gestão dos resíduos sólidos em São Paulo e
Londres. Posteriormente é discutida e analisada comparativamente a gestão nessas duas cidades,
destacando pontos importantes como por exemplo, o acesso à informação sobre o gerenciamento
dos RSU, o mercado informal de recicláveis, a transferência de tecnologia e governança; e
finalmente a conclusão.
2 Metodologia
As duas metrópoles foram escolhidas pois ambas possuem similaridades nas suas características
populacionais, importância regional e destaque em seus países no desafios de soluções urbanas.
Atualmente, Londres é a mais populosa das capitais europeias e tem um dos mais altos padrões
de vida no mundo, com um PIB per capita de U$ 67.791 (Eurostat, 2011). A população da cidade
é caracterizada pela mistura de etnias - cerca de 33% de seus habitantes são de diferentes
nacionalidades – além de receber milhões de visitantes a cada ano, tornando-a centro financeiro e
cultural mundial (EA, 2010). Durante sua longa história, que abrange mais de dois milênios, a
capital teve que lidar com diversas crises decorrentes de condições insalubres, como o surto de
peste bubônica em 1349 que dizimou metade da população e a poluição do rio Tamisa, que
atingiu proporções extremas por meados do século 19.
São Paulo está localizada no Sudeste do Brasil, é a maior cidade do Brasil e uma das mais
povoadas do mundo. A metrópole apresenta enorme desigualdade social: apesar ser o principal
centro industrial e financeiro da América Latina, aproximadamente 12,6% de seus domicílios
(382,296 residências) estão localizados em favelas (IBGE, 2010). Os seus 27 bairros exibem
enormes disparidades socioeconómicas, com grandes diferenças de taxas de ocupação e
crescimento populacional: enquanto as áreas centrais de alta renda com estilo de vida próximos
aos padrões europeus e norte-americanos registram taxas de crescimento decrescente, as áreas
periféricas ocupadas por população de baixa renda têm expandido dramaticamente nas últimas
décadas (SELUR/ABLP, 2010, p. 17). Apesar dessas diferentes condições urbanas, a Limpurb
(Departamento de Limpeza Urbana), órgão responsável pela administração dos RSU e limpeza
pública em São Paulo, afirma que a coleta de lixo doméstico cobre a totalidade cidade, e a coleta
recicláveis cerca de 50% dos bairros.
As duas cidades começaram suas coletas de resíduos domiciliares no final do século XIX. Em
Londres está prática tem início com o Public Health Act em 1875 (Gandy, 1994: p.39), já São
Paulo assinou seu primeiro contrato de coleta de resíduos, limpeza de ruas e serviços de
incineração com um empreiteiro privado em 1893 (Miziara, 2008: p.6). Atualmente, ambas as
cidades têm sistemas muito diferentes de gestão de RSU. Londres tem uma administração
descentralizada, que delega responsabilidades para os conselhos locais e setores privados
(Selur/ABLP, 2010), ao passo que São Paulo conta com a gestão centralizada na Prefeitura e
concessão dos serviços para dois empreiteiros privados (Prefeitura/SP, 2011). Enquanto São
Paulo gasta cerca de R$ 760 milhões por ano para gerenciar seus resíduos, o sistema de Londres
custa cerca de R$ 1.7 bilhão por ano (GLA, 2010: p.31).
3.1 Gerenciamento de RSU em Londres A gestão dos RSU de Londres é um complexo sistema que envolve responsabilidades entre
autoridades locais, empresas do setor privado, e quangos (organizações não governamentais
quase autónomas) (Gandy, 1994: p.38). Os conselhos locais individuais que gerenciam o RSU
têm o dever legal de escolher os melhores níveis de serviço para a população em suas áreas
(WRAP, 2009: p.3). A cidade é dividida em trinta e três bairros, dos quais doze têm autonomia na
gestão de resíduos e os outros vinte e um estão organizados em quatro autoridades legais de
gestão de RSU (fig.1). Os contratos são organizados independentemente e cada conselho local
tem suas regras próprias, com diferentes tipos de prestação de serviços, métodos de coleta e
destinação, tipo e classificação de recipientes e periodicidade de coletas (Ibid.: p.3). Essa
diversidade contribui para uma certa confusão entre os londrinos sobre o que representa um
serviço de coleta eficiente (Ibid.).
Fig.1: Divisão política da Grande Londres por bairros e autoridades responsáveis pelo
gerenciamento de RSU.
Fonte: Ilustração do autor adaptada do mapa da GLA (2009)
De acordo com dados do Defra (GLA, 2009: p.134), Londres gerou cerca de 22 milhões de
toneladas de resíduos em 2008, sendo cerca de 19% (aproximadamente 4.2 milhões de
toneladas) de responsabilidade das autoridades públicas; e o restante de responsabilidade
privada: sendo 10.4 milhões de toneladas do setor de construção e demolição e 7.5 milhões de
toneladas de resíduos comercial e industrial.
Em 2010 cerca de 3.745 milhões de toneladas de RSU foram coletados, das quais 80% (2.99
milhões de toneladas) de resíduos doméstico (Defra, 2011). Desse total, 46% (1.74 milhão de
toneladas) foram enviados para aterros, 23% incinerados (863 mil toneladas) e 28% enviados
para reciclagem e compostagem (1.06 milhão de toneladas). O restante (4%) recebeu outras
formas de tratamento e destino (Ibid.).
O dados dos órgãos oficiais mostram que a cidade apresentou melhorias significativas nos últimos
dez anos. A Fig.3 mostra que em 2001/2002 foram coletados 4.438 milhões de toneladas de RSU;
uma média de 993 kg por domicílio (Defra, 2011). Este volume diminuiu gradualmente e em 2010,
quando foram coletadas 3.791 milhões de toneladas (618 kg por domicílio) (Ibid.), uma redução de
quase 38%. No início desse período, os londrinos enviavam 3.2 milhões de toneladas de resíduos
para aterros (72%) e apenas 344 milhões toneladas (8%) eram recicladas. No final da década, a
quantidade de resíduos enviados para aterros diminuiu para 1.738 milhões toneladas (46%),
enquanto 1.062 milhões de toneladas foram para reciclagem (28%) (Defra, 2011). Esse
desempenho em parte, é resultado das políticas nacionais, campanhas do governo e melhorias
nos sistemas de coletas. Esses números revelam uma evolução significativa, principalmente
quando comparada com as projeções negativas do final dos anos 90 (Gandy, 1994; Read, 2000;
IWM, 2002; Defra, 2008: p.49).
A cidade possui dois aterros sanitários, que recebem aproximadamente 20% dos resíduos
coletados. A capacidade desses aterros está diminuindo e tem previsão de funcionamento até
2025 (Ibid.: p.52). Aproximadamente 80% dos resíduos de Londres são enviados para aterros em
municípios vizinhos (EA, 2010: p.47). Esses resíduos viajam longas distâncias e para isso a
cidade conta com dezessete estações de transferência. O custo do transporte, a resistência
crescente dessas cidades vizinhas em receber os resíduos de Londres, além do aumento do
imposto por tonelada de resíduos enviados para aterros, demonstram que esse é um método
desvantajoso para eliminação de resíduos (GLA, 2010: p.22). A Landfill Tax (Taxa de Aterro) foi
criada em 1996 para corrigir a distorção do custo relativamente baixo de enviar resíduos a aterros
sanitários e incineradores (Selur/ABLP, 2010: p.28). Ela é cobrada das empresas e as autoridades
locais para que essas busquem alternativas mais eficientes de disposição dos resíduos, como por
exemplo, a reciclagem e a compostagem.
Embora o prefeito, tivesse afirmado que não haveria mais incentivos para a construção de
incineradores, um terceiro incinerador começou a operar no ano de 2011, aumentando a
capacidade de recuperação de energia da queima de resíduos (GLA, 2010: p.28). Enquanto isso,
incineradores antigos em Lewisham e Edmonton continuam a operar, mesmo sofrendo várias
reclamações por parte dos moradores locais e acusações de ineficiência por não utilizar a
quantidade total de calor gerado e emitir uma quantidade significativa de CO2 (Ibid.: p.20).
Apesar do percentual de reciclagem de Londres vir crescendo gradativamente, ainda é o menor
entre as regiões do Reino Unido e seus números estão abaixo do desempenho de outras grandes
capitais, como Berlim (41%) e Nova York (34%) (GLA, 2010: p.20). Além disso, existe uma
enorme variação nas taxas de geração de resíduos entre os bairros de Londres (EA, 2010: p.50),
devido às diferenças de ocupação urbana e métodos de coleta. Por exemplo, enquanto o bairro
de Bexley tem taxa de reciclagem em torno de 50,7%, o bairro de Lewisham recicla apenas 16,8%
(Defra 2011). O sistema de kerbside – onde, inicialmente os resíduos são separados pelos
moradores - facilita a separação dos resíduos em diferentes compartimentos do caminhão de
coleta (GLA, 2010: p.162). Esse tem sido um importante fator para a redução dos volumes de
resíduos e aumento das taxas de reciclagem.
As melhorias descritas acima são resultado de uma série de medidas contidas nas legislações
Waste Strategy for England e da European Waste Directive (GLA, 2010: p.15), que tem por
objetivo reduzir a quantidade de resíduos e maximizar a recuperação de valores dos resíduos
através da reciclagem, compostagem e incineração. Entre os principais instrumentos nacionais
vale a pena citar os Indicadores Nacionais (NIs), introduzidos em 2008, que possibilitam
acompanhar o desempenho das autoridades locais de acordo com os compromissos nacionais; e
a Landfill Allowance Trading Scheme (LATS - Regime de Comércio de Licenças para Aterros)
estabelecida para permitir que as autoridades locais possam negociar resíduos orgânicos
destinados a aterro com outras autoridades (DEFRA, 2011).
Outro foco importante que domina cada vez mais o processo legislativo europeu, está relacionado
as questões de infraestrutura de gerenciamento de RSU com baixa emissão de carbono e
controle de gases de efeito estufa nos aterros. Em 2010 a prefeitura de Londres lançou um
ambicioso plano para enviar ‘lixo zero’ para aterros até 2025 com metas de reciclagem de até
60% para 2031 (GLA, 2010: p.10).
3.2 Gerenciamento de RSU em São Paulo A fim de melhorar a condição do gerenciamento dos RSU na cidade de São Paulo, em 2002 a
Limpurb assinou a concessão com duas empreiteiras privadas para coleta e destinação de RSU
do município. As empresas Loga e Ecoburbis ficaram responsáveis durante o período de 20 anos
pelos serviços de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos domiciliares e de saúde do
município (fig.2), além da administração das estações de transferência, dois aterros sanitários e
três aterros de inertes (Prefeitura/SP, 2011). Jacobi e Besen (2011) explicam que estes contratos
foram assinados com perspectiva da adoção da Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares (TRSD)
introduzida em 2003. No entanto, a revogação desse imposto em 2005 comprometeu a qualidade
do serviço contratados (Jacobi e Besen, 2010; Selur/ABLP, 2010: p.18).
Fig.2: Divisão política do município de São Paulo por bairros e pelo zoneamento da concessão de
gerenciamento de RSU com as empreiteiras privadas.
Fonte: Ilustração do autor adaptada do mapa da Limpurb (2006)
Apesar da prefeitura estar aumentando a participação de condomínios residenciais nos programas
de reciclagem (Prefeitura/SP, 2011), em geral, a maior parte da população coloca os seus
resíduos em sacos de lixo ou sacos de supermercado. Esses são deixados nas ruas a espera do
caminhão de coleta. Os sacos acabam sendo arrastados pelas chuvas, bloqueando os bueiros e
contribuindo para enchentes (Jacobi e Besen, 2011).
São Paulo recolhe cerca de 6.3 milhões de toneladas de resíduos por ano, o que compreende os
resíduos domiciliares, de mercados de rua, de limpeza pública, hospitalar e grande quantidade de
resíduos de construção civil, e outros diversos. Quase a totalidade desses resíduos é depositada
em aterros: cerca de 4.8 milhões de toneladas (74,7%) são enviados para aterros sanitários e
mais de 1.5 milhão de toneladas (24,7%) para aterros inertes municipais (Limpurb, 2010). No
entanto, a Limpurb ainda não tem dados concretos sobre a quantidade de resíduos descartados
como por exemplo, a logística reversa e a responsabilidade compartilhada no ciclo de vida do
produto, trás definições importantes para organizar a questão dos resíduos dos setores de
construção e demolição, a proibição dos lixões, a priorização da inclusão de cooperativas de
catadores na coleta de resíduos recicláveis e incentivos econômicos para o desenvolvimento de
projetos e programas de prevenção e redução de resíduos geração (PNRS, lei 12.305/2010).
Todas essas medidas estão se desenvolvendo no momento no Brasil e devem impulsionar uma
significante transformação nas atividades relacionadas aos resíduos gestão n o país.
4 Discussão
Como foi apresentado anteriormente, os anos de 2002/2003 marcaram melhorias significantivas
no gerenciamento dos RSU para ambas as cidades, enquanto Londres lançava seu primeiro
Municipal Waste Management Strategy (Plano Municipal de Gestão de Resíduos, GLA, 2003),
São Paulo assinava a atual concessão para a coleta e destinação de RSU, introduzindo o
programas de reciclagem.
Fig.3: Comparação da evolução da quantidade de RSU gerenciados em Londres e São Paulo
entre 2001-2010
Fonte: Adaptado do Defra (2011) e da Prefeitura/SP (2010)
A análise comparativa dos resultados alcançados pela administração dos RSU dessas duas
cidades na última década demonstra trajetórias contrastantes (Fig.3): Londres conseguiu diminuir
seu volume de RSU em torno de 14,4%; São Paulo, por outro lado, registrou um aumentou do
volume de resíduos gerados superior a 22%. Em 2010, Londres reciclou mais de 1 milhão de
toneladas (28% dos seus 3.745 milhões de toneladas de RSU) (DEFRA, 2011), enquanto o
sistema formal paulistano, reciclou cerca de 36.865 toneladas (menos que 1% dos 4.463 milhões
de toneladas de RSU) (Limpurb, 2010).
Essas diferenças podem ser explicadas por vários fatores. Primeiramente, o Reino Unido tem
empregado inúmeras medidas tanto para motivar a população a reduzir a geração de resíduos e
melhorar os níveis de reciclagem; como para criar instrumentos de mercado para impulsionar o
setor de geração de energia e materiais reciclados vinculados a estratégias de melhoria contínua.
Por outro lado, o sistema de gestão de RSU no Reino Unido é dispendioso. Para atender as
metas de infraestrutura de baixo carbono e objetivo de envio de 'Lixo Zero' para aterros, o seu
sistema requer infraestrutura com tecnologia avançada e desenvolvimento constante de
pesquisas, o que demanda um investimento intensivo de capital (Mazzanti e Zoboli, 2008: p.1233).
É importante notar que no sistema industrializado do gerenciamento de resíduos Londrino não
existe o trabalho informal.
Em contraste, de acordo com a pesquisa realizada pela ABRELPE (2010: p.138), o aumento de
resíduos no Brasil é resultado de um período de melhoria econômica, aliado à falta de políticas
públicas destinadas a redução da geração de resíduos. São Paulo segue um padrão de gestão de
RSU que é característica de outras metrópoles de países menos desenvolvidos, com restrições
financeiras e uma infraestrutura incapaz de atender às demandas geradas pelo seu crescimento
populacional (Jacobi e Besen, 2011; Wilson et al. 2006: p.798). As pesquisas de Medina (2000:
p.5) e de Mavropoulos (2010, p.8) também descrevem outras características de gerenciamento de
RSU em países em desenvolvimento que podem ser citadas nesse caso, como exemplo: a
abordagem centralizada da administração dos resíduos, que não leva em conta as disparidades e
as variações dentro da cidade; soluções administrativas verticais com pouca participação da
sociedade; busca de técnicas e métodos importados de países 'desenvolvidos' com soluções
predominantemente baseadas nos setores privados, "negligenciando a existência e as possíveis
contribuições do setor informal", que como foi citado anteriormente, acaba gerando um sistema de
competição entre os setores formal e informal.
Ao comparar as políticas dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, Werlin (2003: p.329)
afirma que o problema dos RSU nos países menos desenvolvidos está ligada a questão de má
governança de recursos, processos de monitoramento ineficientes e políticas públicas
inadequadas, que não solucionam o grave problema das desigualdades sociais. Alguns
estudiosos afirmam que os administradores da cidade não investem na resolução das reais
restrições que sua sociedade enfrenta (Jacobi e Besen, 2011), e que os interesses econômicos
privados, envolvidos no RSU, garantem que as políticas sejam concebidas para beneficiar
algumas elites (Andrade, 2008: p.61). Outro problema grave é a descontinuidade dos programas
ao início de cada nova gestão, após cada eleição (Selur/ABLP, 2010: p.51).
Um problema observado a partir desta pesquisa é a enorme diferença na quantidade e qualidades
das informações disponibilizadas e publicadas por ambas administrações. Enquanto Londres
mantém dados detalhados e frequentemente atualizados; em São Paulo as informações são
escassas e imprecisas, não representando a total realidade do problema. Por exemplo, no Reino
Unido é possível acompanhar o desempenho das autoridades responsáveis pelo gerenciamento
dos resíduos através da publicação dos relatórios e dos Indicadores Nacionais atualizados
trimestralmente nos sites do governo. Nesse caso, é interessante notar, que os registros da
geração de resíduo de construção e de demolição e resíduos industriais em Londres tem volumes
muito superiores aos números apresentados em São Paulo. A administração de Londres tem o
monitoramento das quantidades desses resíduos, enquanto que, em São Paulo, além da Limpurb
não ter o controle total dos resíduos produzidos por grandes geradores e dos resíduos
descartados clandestinamente, não existem dados consistentes sobre a coleta informal de
recicláveis. Londres também tem um problema do descarte ilegal de resíduos, porém, isso é
monitorado e publicado pelos organismos públicos, que impõe severas multas para o descarte
irregular (Defra, 2010). Além disso, Andrade (2008: p.108) critica a postura das prestadoras de
serviços, quanto a restrição na divulgação de informações, em geral utilizadas seletivamente para
promover seus serviços. Esses serviços são pagos pela sociedade que tem o direito ao acesso a
suas informações. Esse problema acontece também nos países europeus onde grandes
corporações multinacionais acabam dominando os mercados gestão de resíduos em vários
países, porém as legislações europeias possuem instrumentos de controle mais eficazes para
defender os interesses da sociedade. Na Inglaterra os órgãos públicos e privados são obrigados
por lei a publicar suas informações. A divulgação de tais informações é crucial permitindo que a
sociedade e o poder público possam monitorar os serviços e avançar políticas públicas para
melhorar as condições de vida na cidade. A falta de conhecimento limita a capacidade de
planejamento estratégico, para que pesquisadores, políticos e sociedade em geral, compreendam
os problemas e possam implementar um quadro legislativo que atenda as necessidades reais da
população (Thomas, 2004: p.9; Andrade, 2008: p.110). A publicação de informações permite uma
distribuição mais realista e equitativa dos recursos públicos (UNFPA, 2007). Apesar do fato de
que os municípios alegam falta de recursos, obviamente, a falta de informação favorece os
interesses do status quo, beneficiando certos grupos no poder.
Uma outro tema a ser discutido nos países em desenvolvimento é a questão da falta de tecnologia.
Esse debate é fundamental num momento onde a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
proporcionará o enquadramento legal necessário para avançar soluções para a questão dos RSU
no país. Investimentos serão necessários para permitir o desenvolvimento de pesquisas e busca
de novas tecnologias para de métodos de gestão de resíduos, processos ambientalmente mais
eficientes e projetos de produtos mais recicláveis (MMA, 2010). Governos regionais estão sendo
chamados para buscar soluções para o gerenciamento de seus resíduos, porém muitas vezes, ao
tentar resolver os problemas de gestão locais, administradores acabam buscando métodos bem-
sucedidos, importando tecnologia avançada, em geral de países industrializados para solucionar o
défice de seus programas. A transferência de tecnologia direta pode se mostrar inadequada, cara
e apresentar vários perigos. Além de aumentar a dependência tecnológica em relação às nações
industrializadas, torna os países em desenvolvimento incapazes para resolver o problema do
setor informal, característico do Brasil e de outras economias em desenvolvimento. Sendo assim,
no caso de São Paulo, a fim de melhorar suas condições ambientais e sociais, a administração da
cidade deve encontrar também soluções para a questão da população marginalizada do mercado
informal. Também no contexto acadêmico, se tais diferenças regionais não são levadas em conta,
o processo de pesquisa pode contribuir para a tendência de transferência de modelos de países
europeus e norte-americanos para o resto do mundo, ajudando a manter o padrão de
dependência que aumenta as desigualdades sociais.
Muitos autores salientam que o setor informal em São Paulo não pode ser negligenciado no futuro
planejamento de RSU (Wilson et al., 2006; Jacobi e Besen, 2011). Alguns autores (Freitas e
Fonseca, 2011, p.47; Medina, 2004 citado em Troschinetz e Mihelcic, 2009, p.919) salientam que,
além de economizar recursos públicos, o investimento em iniciativas de catadores tem o potencial
de aumentar as oportunidades de emprego e o aproveitamento do potencial dos resíduos,
reduzindo assim a pobreza e a degradação ambiental. A pesquisa Un-Habitat (2010: p.207) cita
exemplos de cidades em países em desenvolvimento que obtiveram altas taxas de reciclagem
com a participação do setor informal, tais como Bangalore 28% (Índia) e Nairóbi 24% (Quênia).
Em Délhi (Índia), por exemplo, o setor informal é responsável por 27% de todos os resíduos
reciclados, que de outra forma seria dispendioso para o município gerenciar (Ibid. p.ixx). Porém,
na maior parte dessas regiões os catadores ainda trabalham em condições desumanas,
separando manualmente os materiais sem equipamentos de proteção, cuidados com a saúde e
segurança, ou direitos trabalhistas. No entanto, os planejadores municipais e a sociedade
precisam reconhecer o valor do serviço prestado pelos catadores, criando meios de remuneração
e qualificação mais adequados (Freitas e Fonseca, 2011, p.31). No entanto, a integração dos
setores informal e formal é uma tarefa difícil. Nalini (2008: p.115) afirma que a rentabilidade do
mercado de RSU deve crescer no futuro, devido à crescente quantidade de resíduos gerados,
escassez de áreas para a construção de novos aterros e evolução da legislação ambiental. Por
outro lado, os contratos continuam limitados a algumas empresas privadas, que por sua vez,
exercem forte influência sobre as decisões políticas.
Sendo assim, o governo precisa apoiar as iniciativas do setor informal e implementar políticas de
emprego adequadas que ofereçam oportunidades para a inclusão social de catadores, reduzindo
as desigualdades. Com isso, as economias em desenvolvimento enfrentam não só um desafio,
mas também uma oportunidade; em vez de importar máquinas e copiar métodos das nações
industrializadas, os políticos nos países em desenvolvimento tem a oportunidade de amenizar os
problemas sociais associados ao trabalho informal. Dessa forma a Política Nacional dos Resíduos
Sólidos deve desempenhar um importante papel, já que, uma característica fundamental dessa
política é o reconhecimento dos RSU como um bem econômico de valor social, gerador de renda
e cidadania, através da priorização da inclusão das cooperativas de catadores na coleta de
resíduos recicláveis e nos programas de Logística Reversa.
A análise das informações coletadas em Londres e São Paulo, nessa pesquisa, sugere que,
mantendo-se as tendências atuais, o contraste entre essas metrópoles se agravará nas próximas
décadas. A administração de Londres tem conseguido alcançar as metas para minimizar o volume
de resíduos gerados e aumentar as taxas de reaproveitamento dos recursos dos resíduos (GLA,
2010: p.107), permitindo o crescimento econômico futuro dissociado da geração de resíduos.
Esse fato desempenhará um papel chave em uma economia que visa alcançar um PIB per capita
de £ 95.266 até 2025 (White, 2011). Por outro lado, se São Paulo mantiver suas tendências atuais,
a cidade experimentará um crescimento econômico insustentável, com aumento da geração de
resíduos, das desigualdades sociais e da degradação ambiental. Isso restringirá o crescimento
econômico e colocará um pesado ônus sobre seus habitantes, especialmente os mais vulneráveis.
5 Conclusão
Confirmando a hipótese inicial de que existem enormes diferenças entre cidades em países
desenvolvidos e países em desenvolvimento para gerenciar seus RSU. O estudo de caso dessas
duas cidades sugere que Londres tem alcançado constante melhoria na solução do problema dos
seus resíduos, contribuindo para o desenvolvimento social e ambiental. Porém o sistema de
gerenciamento de RSU é caro e depende de tecnologia avançada provida pelo setor privado. Em
São Paulo, além do crescente volume de resíduos gerados e do problema da destinação
adequada, há também a questão da crescente informalidade. A quantidade de resíduos é enorme,
vindo crescendo ano após ano, e as questões socioambientais são extremamente complexas.
Sendo assim, a fim de melhorar as condições ambientais e sociais, a administração dessa cidade
tem que encontrar uma solução para integrar a enorme porção informal da sociedade. São Paulo,
portanto, precisa aproveitar a introdução da PNRS e o momento econômico e histórico favorável
pelo qual passa o país, coordenando esforços e elaborando um planejamento de longo prazo
capaz de reverter o quadro negativo apresentado até o momento. Porém a situação atual é grave,
sendo necessário uma ação condizente na implantação dessa legislação. A PNRS tem o potencial
para trazer mudanças positivas significativas para o atual e lamentável estado de gestão de
resíduos no Brasil. Portanto, a implantação de projetos para aumentar a atividade das
cooperativas de catadores para melhorar gestão de RSU, oferece uma oportunidade sem
precedentes para a cidade.
Além disso, a gestão dos RSU de ambas as sociedades precisam de maior participação pública,
principalmente em relação a conscientização da população da sua responsabilidade sobre a
geração de resíduos pós-consumo. Medidas focadas apenas em soluções do setor privado,
acabam mantendo suas populações dependentes do mercado e de tecnologias caras, podendo
aumentar as desigualdades sociais.
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