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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES MODELAGEM E PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES URBANOS VERSÃO PRELIMINAR PARA FINS DIDÁTICOS CURSO: ENGENHARIA CIVIL CÓDIGO DA DISCIPLINA: TT-060 PROFESSOR: Jorge Tiago Bastos [email protected] 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES

MODELAGEM E PLANEJAMENTO DE

TRANSPORTES URBANOS

VERSÃO PRELIMINAR PARA FINS DIDÁTICOS

CURSO: ENGENHARIA CIVIL

CÓDIGO DA DISCIPLINA: TT-060

PROFESSOR:

Jorge Tiago Bastos

[email protected]

2017

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DTT/UFPR – TT060 – Modelagem e Planejamento de Transportes Urbanos

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Sumário

1. NOÇÕES GERAIS DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES ........................ 3 1.1 O SERVIÇO DE TRANSPORTE ......................................................................... 3 1.2 DEMANDA E OFERTA DE TRANSPORTE ....................................................... 5

1.2.3 DEMANDA POR TRANSPORTE ........................................................................................... 5 1.2.3 OFERTA DE TRANSPORTE ............................................................................................... 10 1.2.3 EQUILÍBRIO ENTRE DEMANDA E OFERTA DE TRANSPORTES .................................. 11 1.2.3 DEMANDA INDUZIDA ....................................................................................................... 16

2. POLÍTICAS DE TRANSPORTE E PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL

22 2.1 HISTÓRICO ...................................................................................................... 24 2.1 LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA BÁSICA ........................................................... 30

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 33

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1. NOÇÕES GERAIS DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES

O campo da engenharia de transportes é consituido por muitas áreas

distintas e é um campo relativamente novo, sendo tratado como área de

conhecimento a partir da década de 50, aproximadamente. O transporte é parte

integrante do funcionamento de qualquer sociedade, apresentanto uma relação

bastante próxima com aspectos associados à produção, à disponibilidade de

produtos e serviços, ao estilo de vida e às atividades de lazer (MORLOK,

1978).

O planejamento de transportes é uma tarefa complexa, pois não trata de

um tema isolado e independente. Tomando as soluções de um sistema de

transporte urbano como exemplo, elas são, na verdade, resultado da

agregação de uma série de soluções menores de engenharia de tráfego e de

transportes. Além disso, um sistema de transporte urbano está inserido em um

sistema de transporte maior, de âmbito regional ou nacional. Dessa forma, o

planejamento de transportes envolve a análise de problemas em vários níveis.

Entretanto, uma questão essencial do planejamento de um sistema de

transporte não é sua variedade de níveis, mas sim seu dinamismo – função da

interação cíclica decorrente de cada intervenção realizada no sistema, capaz

de modificar as relações ao longo do processo de planejamento (WRIGHT;

ASHFORD, 1989).

1.1 O SERVIÇO DE TRANSPORTE

O transporte pode ser conceituado como o deslocamento de pessoas ou

cargas de um lugar para o outro no espaço, ao longo de determinado percurso,

consumindo uma quantidade de tempo e recursos (D’AGOSTO, 2015). O fato

do transporte constituir-se de um serviço, e não um bem, o torna algo não

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estocável. O serviço de transporte, comprado a um determinado preço, é

composto por um conjunto de características de desempenho.

Como serviço, o transporte pode ocorrer em cinco modos básicos:

rodoviário, ferroviário, hidroviário, aeroviário e dutoviário. Estes modais devem

ser combinados de forma que resultem na melhor relação de qualidade e

custos, seja por meio da multi ou intermodalidade. A escolha de qual(is)

modo(s) utilizar para o serviço de transporte deve partir de uma análise das

características básicas de todos os serviços: preço,tempo médio de viagem,

variabilidade do tempo em trânsito, frequência/disponibilidade e risco de perdas

e danos.

Um sistema de transporte eficaz ajuda a desenvolver os potenciais

produtivos das demais atividades, agregando valor de tempo e espaço à carga

(ou mesmo à pessoa) transportada transportado. É por meio do transporte que

podemos nos deslocar de uma região para outra e levar os produtos até onde

eles são necessários no tempo adequado. Sob uma perspectiva econômica, o

transporte possibilita a movimentação de bens para locais onde o mesmo é

mais útil ou valioso (MORLOK, 1978; D’AGOSTO, 2015). Um sistema de

transporte eficaz contribui para:

Identifique o principal atributo de cada modo de transporte:

Diferencie multi e intermodalidade:

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5

Intensificar a competitividade no mercado, pois reduz o preço dos

produtos em geral;

Aumentar as economias de escala na produção;

Melhorar o padrão de vida econômico da população onde o

sistema exerce influência1.

Sendo o transporte um serviço, e, portanto, não estocável, é importante

que haja um planejamento na oferta e utilização deste serviço, para que a

necessidade por transporte de cargas ou pessoas seja adequadamente

suprida. O planejamento de um sistema de transporte está associado à:

Necessidade de prever decisões e evitar erros;

Criação de subsídios para a tomada de decisões;

Tarefa de conciliar os interesses dos decisores e das partes

envolvidas ou atingidas.

1.2 DEMANDA E OFERTA DE TRANSPORTE

1.2.3 DEMANDA POR TRANSPORTE

A demanda por transporte é o desejo de uma entidade (pessoa ou grupo

de pessoas físicas ou jurídicas) de locomover algo (a si próprio, outras pessoas

ou cargas) de um lugar para outro. A demanda por transporte é “derivada” de

outras demandas, ou seja, o transporte não é uma atividade “fim”, mas sim um

meio que outras atividades ou necessidades sejam cumpridas (ORTÚZAR;

WILLUMSEN, 2011).

A demanda por transporte é diferenciada de acordo com:

1 Como exemplo e leitura adicional: http://www.mobilize.org.br/noticias/4125/os-cinco-melhores-

transportes-publicos-do-mundo.html

Conceitue economia de escala:

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O tipo de massa transportada – pessoas ou cargas;

Os motivos de viagem – estudo, trabalho, lazer, negócios, etc.

(ver Figura 1.1);

A importância dos atributos – velocidade, frequência,

disponibilidade, confiabilidade, entre outros.

Figura 1.1: Total de viagens diária por motivo na Região Metropolitana de São Paulo – comparação 1997 – 2007.

Fonte: METRO-SP (2008)2

Outra diferenciação importante da demanda é sua distribuição no

espaço, sendo geralmente consequência da distribuição das atividades. No

mapa da Figura 1.2 é possível identificar o carregamento, em termos de fluxo

horário de automóveis, na rede viária de parte da Região Metropolitana do Rio

de Janeiro – RMRJ, no qual é possível observar a distribuição espacial da

demanda por viagens de automóvel por meio dos principais corredores de

deslocamento na região.

Cabe ainda destacar que a distribuição espacial da demanda também

pode ser analisada em um nível mais macro, como, por exemplo, em relação

aos principais destinos das exportações de determinado país.

2 Para o relatório completo, consulte:

http://www.metro.sp.gov.br/metro/arquivos/OD2007/sintese_od2007.pdf

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Figura 1.2: Fluxo de automóveis no pico da manhã em parte da RMRJ.

Fonte: PDTU-RMRJ (2014)3

Ainda, a demanda por transporte distribui-se em relação ao tempo,

podendo tal variação ocorrer de maneira sazonal, mensal, diária, horária e

mesmo dentro do período de 1 hora4. A Figura 1.3 mostra um exemplo da

flutuação horária das viagens diárias por modo de transporte na Região

Metroppolitana de São Paulo (RMSP).

3 Para o relatório completo, consulte:

http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/5333332/4139325/25PDTUGovEstado092014.pdf 4 Associado ao conceito de Fator Hora Pico, estudado em engenharia de tráfego.

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Figura 1.3: Flutuação horária das viagens diária na RMSP – 2007. Fonte: METRO-SP (2008)

Demonstre graficamente (gráfico número de viagens x mês do ano e dia da semana) outras formas de distribuição temporal da demanda (mensal e diária) de:

uma rodovia turística (que permite o acesso a um balneário);

uma rodovia ligando uma cidade maior (fonte de empregos) a uma menor (fonte de mão-de-obra).

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Demonstre graficamente (gráfico número de viagens x hora) a distribuição temporal do número de viagens geradas por diferentes tipos de empreendimentos (pólos geradores de viagens) – ex. shopping center, escola, prédio de escritórios, condomínio residencial, estádio, etc.

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1.2.3 OFERTA DE TRANSPORTE

Ao contrário de um produto/bem que pode ser produzido em

quantidades extras e ser estocado para suprir a demanda por ele ao longo do

tempo, o serviço de transporte não pode ser estocado, de forma que a oferta

de transporte é passível de uso durante aquele período de tempo em que está

disponibilizada. Caso haja excesso de oferta de transporte em um período de

menor demanda, a parcela de oferta não utilizada não poderá ser

“armazenado” e utilizado em um momento de maior demanda.

A oferta de transporte dá-se através de diferentes elementos:

Infraestrutura;

Veículos;

Regras operacionais.

No âmbito da oferta de transporte, a infraestrutura (no caso do

transporte rodoviário composta por vias, interseções, pontes e outros

elementos) corresponde à parte mais fixa da oferta de transporte, pois

alterações na infraestrutura de transporte podem demandar grandes recursos e

sua execução pode ser demorada. Assim, variações na infraestrutura de

transportes tendem a ocorrer em médio/longo prazo e devem ser consideradas

fixas se o horizonte de análise é mais restrito (ao longo de um dia, por

exemplo).

Considerando o contexto urbano, dê o exemplo de um artifício que pode tornar a oferta de infraestrutura de transporte mais variável ao longo do dia.

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A quantidade e a capacidade dos veículos de transporte também

influenciam decisivamente na oferta de transporte. Considerando o sistema de

transporte público como exemplo, a quantidade de ônibus de linha pode ser

facilmente alterada alocando-se um maior número de veículos àquele itinerário

caso haja a necessidade de aumento da oferta em função da grande

quantidade de passageiros (demanda) em determinada hora do dia. A

capacidade dos veículos também pode ser alterada por meio da substituição

por veículos maiores (ex. um ônibus comum de 12m de comprimento, por um

ônibus articulado de 18m de comprimento).

O terceiro elemento importante na oferta de transportes são as regras

operacionais, compostas pelo sistemas jurídico, institucional e de

regulamentação, além de uma política de operação e sistemas de controle de

rotas e programações.

1.2.3 EQUILÍBRIO ENTRE DEMANDA E OFERTA DE TRANSPORTES

O equilíbrio entre demanda e oferta de transporte pode ser entendido

como a satisfação de uma demanda (desejo) de movimentação de pessoas ou

bens com diferentes motivos de viagem em diferentes momentos, usando

vários meios de transporte, dado um sistema de transporte composto por

infraestrutura, equipamentos, operadores e sistemas de gerenciamento (regras,

sinalização e controle), com certa capacidade de operação.

Tal equilíbrio deve, na medida do possível, ser buscado em um sistema,

pois isto está associado a seu grau de racionalidade econômica (utilização

No setor de transporte de cargas, dê um exemplo de algum tipo de regra operacional capaz de alterar a oferta de transporte em um ambiente urbano.

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mínima de recursos para atender satisfatoriamente determinado objetivo –

neste caso o de prestar um serviço de transporte com qualidade e segurança).

Um sistema com excesso de oferta de transporte em relação à demanda

existente para tal, apesar de provavelmente satisfatório aos seus poucos

usuários, tende a ser pouco econômico, prejudicando a sustentação do sistema

(seu custo por unidade de demanda atendida tende a ser alto). Por outro lado,

um sistema com escassez de oferta perante à demanda, apesar de mais

econômico em termos operacionais (seu custo por unidade de demanda

atendida tende a ser baixo), gera alto grau de insatisfação aos seus usuários,

afetando a qualidade do serviço de transporte prestado

Há uma diversidade de medidas/ações capazes de alterar a quantidade

de oferta ou demanda por transporte, cuja combinação pode auxiliar no sentido

da aproximação do equilíbrio adequado entre oferta e demanda – tendo como

resultado final um serviço de transporte de qualidade e economicamente

racional – equilíbrio entre oferta e demanda.

O custo por unidade de demanda atendida, ou simplesmente custo

unitário, representa a relação entre os investimentos necessários para a

operação do sistema (compostos basicamente por infraestrutura, veículos e os

próprios custos operacionais) e a demanda atendida.

A demanda atendida também possui sentido amplo, pois pode ser

representada de diversas formas:

No caso de um serviço de transporte público, por exemplo, a

demanda pode ser representada pelo número de passageiros ou

mesmo “passageiros x distância percorrida por cada passageiro

no sistema” (resultando na unidade pass.km, que nada mais

representa que o nível de utilização deste sistema de transporte

público;

No contexto do transporte individual, a demanda pode ser

representada pelo número de veículos que utiliza determinada

estrada ou mesmo “veículos x distância percorrida por cada

veículo no sistema” (resultando na unidade veic.km). É importante

lembrar, no entanto, que o veículo em si constitui-se de um

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elemento da oferta de transportes, já que a demanda consiste no

desejo do usuário em deslocar-se;

No tocante ao transporte de carga, a demanda pode ser

representada pela quantidade de carga transportada, ou mesmo

“carga transportada x distância percorrida por esta carga no

sistema” (resultando na unidade ton.km).

Dessa forma, o custo unitário de prestação de um serviço de transporte

é dado por:

𝐶𝑢𝑠𝑡𝑜 𝑈𝑛𝑖𝑡á𝑟𝑖𝑜 = 𝑁í𝑣𝑒𝑙 𝑑𝑒 𝑖𝑛𝑣𝑒𝑠𝑡𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑛𝑜 𝑠𝑖𝑠𝑡𝑒𝑚𝑎 (𝑅$)

𝐷𝑒𝑚𝑎𝑛𝑑𝑎 𝑎𝑡𝑒𝑛𝑑𝑖𝑑𝑎 (𝑢𝑠𝑢á𝑟𝑖𝑜𝑠 𝑡𝑟𝑎𝑛𝑠𝑝𝑜𝑟𝑡𝑎𝑑𝑜𝑠, 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑡𝑟𝑎𝑛𝑠𝑝𝑜𝑟𝑡𝑎𝑑𝑎, 𝑒𝑡𝑐. )

Este custo unitário do sistema pode ser entendido como uma

“desutilidade” do sistema, tendo em vista que a racionalidade deve ser

buscada. Uma oferta reduzida de determinado serviço de transporte presssuõe

um baixo nível de investimento no sistema (seja por parte do poder público,

operadores, investidores privados, ou qualquer outra fonte de investimento) e,

se acompanhada de um excesso de demanda, resulta em um sistema com

usuários insatisfeitos, porém com um custo baixo por usuário atendido. Por

outro lado, um excesso de oferta pressupõe um alto nível de investimento no

sistema e, se acompanhado de uma escassez de demanda, resulta em sistema

com usuários satisfeitos, porém com um alto custo por usuário atendido.

Ambos os casos não são desejáveis, pois no primeiro o serviço de transporte

está abaixo de um padrão de qualidade razoável e no segundo caso o sistema

é insustentável ao longo do tempo.

Um forma teórica de representar o equilíbrio entre oferta e demanda de

um sistema de transporte é plotar as curvas de oferta e demanda (função oferta

e função demanda) em relação ao custo unitário da prestação desse serviço,

conforme Figura 1.4.

É interessante que um sistema de transporte opere no ponto de

equilíbrio (E), no qual a quantidade ofertada se iguala à quantidade

demandada. Porém, em termos práticos, esta é uma situação bastante difícil de

se atingir, de modo que um sistema de transporte adequado deve operar

ligeiramente acima ou ligeiramente abaixo deste ponto de equilíbrio,

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equacionando a racionalidade do sistema (medida em termos do seu custo

unitário) e a prestação de um serviço de transporte com um padrão de

qualidade razoável (medido por meio da satisfação do seu usuário).

Figura 1.4: Representação gráfica do equilíbrio entre oferta e demanda de um serviço de transporte.

Tradicionalmente, há uma preocupação do planejamento de transportes

em estimar a demanda por transporte em longo prazo e ajustar a oferta em

função de tal previsão5. Conforme pode-se observar no gráfico, a relação entre

as quantidades ofertada e demanda é fator determinante para a racionalidade

do sistema em questão.

Dessa forma, devem-se buscar medidas capazes de fazer com que este

ponto de equilíbrio ocorra sob um custo unitário mais reduzido, ou seja, com

um menor nível de desutividade do sistema. Algumas dessas medidas são

citadas a seguir.

MEDIDAS COM ENFOQUE NA REDUÇÃO DA DEMANDA E/OU NO AUMENTO OU MELHOR UTILIZAÇÃO DA OFERTA

5 O conceito de demanda induzida, que sera abordado na sequência, faz um contraponto a esta ideia.

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Uma série de medidas de gestão do sistema de transporte podem ser

adotadas para reduzir a demanda por espaço urbano e/ou aumentar ou

otimizar a utilização da oferta, tais como:

Pedágio urbano para veículos individuais motorizados, ou mesmo

restrição de acesso a automóveis em determinadas áreas;

Redução ou taxação de vagas de estacionamento;

Redução de dias de trabalho;

Redução das distâncias de viagem (locais de moradia mais perto

dos locais de trabalho, comércio e serviços);

Aumento dos preços de combustíveis;

Rodízio de veículos;

Estímulo ao uso de tecnologias/recursos que evitam o transporte

(o chamado “não transporte”) – compras pela internet, home

office, reuniões por vídeo conferência, entre outros.

Transferência de modos de transporte individuais para públicos

ou não motorizados;

Priorização dos serviços de transporte coletivo (faixas exclusivas

de ônibus, corredores de ônibus, prioridade semafórica) e outras

melhorias gerais no serviço de transporte coletivo;

Aumento da taxa de ocupação dos veículos, principalmente

aqueles de transporte individual (por meio de carpool6, por

exemplo);

Aumento/melhoria da infraestrutura para pedestres e ciclistas;

Melhorias de engenharia de tráfego (número de faixas, melhorias

de geometria, interseções em desnível) que conferem maior

fluidez ao sistema – ainda que em um horizonte limitado de

tempo;

Melhorias de engenharia de tráfego em termos de controle de

tráfego (semáforos sincronizados e/ou “inteligentes”, por

exemplo);

Escalonamento de horários de trabalho ao longo do dia.

6 Exemplo de iniciativa neste sentido: site de caronas “Caronetas” (https://www.caronetas.com.br/site-de-

caronas);

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1.2.3 DEMANDA INDUZIDA7

Um conceito importante a ser incorporado pelos profissionais de

planejamento de transporte e tomadores de decisão é o de demanda induzida,

que esta relacionado ao aumento da demanda motivado pelo aumento da

oferta. Em outras palavras e transferindo o racioncínio para o contexto do

transporte rodoviário, mais pessoas são motivadas a se locomover usando um

transporte individual motorizado quando é criada ou ampliada a capacidade

viaria para este modo. Deste conceito fundamental em engenharia de

transportes decorre o conceito, de certa forma analogo, de evaporacão do

trafego (traduzido do ingles traffic evaporation).

Para ilustrar esse fenomeno, suponha que uma grande obra rodoviaria

venha a facilitar os deslocamentos entre duas grandes zonas de uma cidade (A

– comercial e B – residencial), ou mesmo entre duas cidades vizinhas (sendo

uma cidade com grande quantidade de empregos e outra com grande

quantidade de mão de obra e poucas oportunidades de emprego, semelhante),

diminuindo o tempo de viagem por transporte individual motorizado entre elas

de 90 para 50 minutos. Por um lado, com o ganho de tempo, um maior numero

de moradores da zona B sera estimulado a buscar oportunidades de emprego

na zona A. O mesmo pode ocorrer com outras zonas – a zona A pode se

tornar, por exemplo, também atrativa para moradores de uma zona C, ainda

mais distante que a zona B, porém agora mais facilmente acessível devido ao

menor tempo de viagem.

Por outro lado, anteriormente, quando se tinha um tempo de viagem de

90 minutos entre as zonas A e B, muitas pessoas que trabalhavam na zona A

poderiam ter optado por residir na propria zona A ou em alguma outra mais

proxima, em funcão da inconveniencia do tempo de deslocamento e da

indisponibilidade de uma alternativa de transporte publico atrativa.

7 Texto adaptado de (FETRANSPOR, 2014) e (ITDP; EMBARQ, 2013)

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Adicionalmente, com a nova obra rodoviaria, essas pessoas podem passar a

optar por morar na zona B e se deslocar diariamente para a zona A, ou mesmo

mudar para uma zona ainda mais distante (como a zona C), pois a maior

distância seria compensada por um tempo de viagem menor ou equivalente.

No entanto, a difusão desse raciocínio ao longo dos anos rapidamente

gera, de novo, a saturacão do sistema. Passa, portanto, a ser mais uma vez

“necessario” criar novas vias ou aumentar a capacidade para “aliviar” essa

saturacão – compondo um círculo vicioso que não traz uma solucão de fato

para a cidade (ver Figura 1.5) . Esse exemplo demonstra que, em curto e

médio prazos, a economia de tempo proporcionada por ampliacoes viarias

pode simplesmente ser utilizada para a realizacão de viagens mais longas.

Figura 1.5: Representação esquemática do processo de demanda induzida. Fonte: FETRANSPOR (2014)

Além disso, em longo ou talvez médio prazo, a infraestrutura viaria

disponível é capaz de influenciar as decisoes referentes a local de residencia;

ou seja, as pessoas podem optar por morar mais longe de seus locais de

trabalho ou estudo, aumentando também a distância viajada e a dependencia

do automovel. Desta forma, nota-se que a simples ampliacão da oferta de vias

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acaba por gerar ainda mais trafego, apenas transferindo o problema da falta de

capacidade para um futuro geralmente bastante proximo – e isso a custa de

elevados investimentos públicos (para reflexão, ver Figura 1.6).

Figura 1.6: Charge ironizando a forma mais tradicional de pensamento em relação aos

investimentos públicos para as soluções de mobilidade urbana8.

Porém, esses impactos podem ser induzidos no sentido inverso: se a

capacidade viaria no meio urbano é reduzida, uma porcão do trafego de

veículos anterior deve “desaparecer”, o que é referido como “evaporacão do

trafego”. Da mesma forma, a maior oferta de vias estimula o aumento do

transporte individual (formando um círculo vicioso).

O uso mais racional do espaco urbano existente contribui para inibir

esse aumento ou mesmo para levar a uma reducão das viagens individuais

motorizadas (compondo um círculo virtuoso). O ideal é que essas viagens

sejam absorvidas, em grande parte, pelo sistema de transporte coletivo,

planejado de modo a oferecer solucoes mais duradouras e compatíveis com as

necessidades futuras.

Disso decorre que a reducão ou não ampliacão da oferta de vias, seja

por meio da desconstrucão de determinada estrutura rodoviaria – como um

viaduto (que a experiência das grandes cidades mostra ser um tipo de estrutura

que degrada o ambiente urbano no seu entorno), por exemplo, – ou pela

transformacão de faixas de trafego comuns em faixas exclusivas de onibus ou

8 Imagem retirada da internet: https://twitter.com/brenttoderian/status/583321873506697216

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ciclovias, não necessariamente precisa ser compensada por medidas de

aumento da capacidade no sistema viario adjacente. Dois requisitos que

contribuem para isso são:

A disponibilidade de uma rede adequada de transporte publico,

com o papel de absorver grande parte dessa demanda (mudanca

de modo de transporte – “migracão modal”);

A populacão afetada pode fazer opcoes mais racionais na

localizacão de sua residencia, em funcão das suas atividades

quotidianas.

Algumas circunstâncias podem justificar acoes de desconstrucão

(demolicão de um viaduto, por exemplo): elevados custos de reconstrucão e

reparacão, revitalizacão economica e valorizacão imobiliaria do entorno, recu-

peracão de frentes para corpos d’agua (rios, baías, etc.) e oferta de melhores

solucoes para as necessidades de mobilidade.

No contexto brasileiro, um exemplo prático desse conceito ocorreu no

Rio de Janeiro – a derrubada do Elevado da Perimetral. Reacoes como essas

contribuem para certo nível de “evaporacão” do trafego – fenomeno ja

verificado em diversas cidades do mundo que conduziram transformacoes

drasticas em seus sistemas de mobilidade urbana. Outras reacoes podem

também colaborar para esse fenomeno, tais como: uso de rotas alternativas,

combinacão de viagens (por exemplo, casa–trabalho– mercado–casa), veículos

compartilhados (carpool ou carona solidaria), mudanca para modos não

motorizados de transporte e reavaliacão da necessidade de deslocamento.

Varias cidades em diferentes países, entre eles Estados Unidos, Coreia do Sul

e diversos países europeus ja experimentaram os efeitos positivos dessa

transformacão.

A experiencia demonstra que a obtencão de resultados positivos

depende de uma estratégia integrada envolvendo os seguintes elementos:

Visão e comprometimento político;

Estratégia de comunicacão e marketing, despertando o

engajamento da mídia, disseminacão e desmistificacão do

conceito entre a populacão;

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Compensacão rapida do que foi retirado, para tornar o benefício

da mudanca mais claro, aumentando assim a aceitacão publica

das acoes que envolvem esse conceito;

Monitoramento das situacoes antes e depois, para suportar e

defender as intervencoes;

Consultas a populacão.

Em suma, a funcão das rodovias deve ser reservada ao trafego de longa

distância e alta velocidade (e não para viagens pendulares diarias). Ainda, em

vez de construir novas rodovias urbanas, as cidades podem considerar:

Gerenciamento mais eficaz da capacidade existente;

Investimento em transporte de alta capacidade;

Implementacão de políticas de uso do solo que desencorajem o

espalhamento da cidade e as viagens desnecessarias.

Essas acoes geram, entre outras vantagens, mais seguranca para as

pessoas, no sentido de favorecer tanto pedestres e ciclistas, tidos como os

mais vulneraveis do sistema de trânsito, como os viajantes de transporte

motorizado, pois a realizacão de viagens pendulares menos longas,

proporcionadas por um planejamento adequado do uso e ocupacão do solo,

reduz o tempo de exposicão ao risco de acidentes.

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Por que mais estradas levam a mais tráfego?

O viajante egoísta: quando uma estrada é construída, é estranho ver

como ela atrai trânsito (VANDERBILT, 2009)

No verão de 2002, um conflito trabalhista nos portos de Los Angeles e Long Beach interrompeu o fluxo de mercadorias durante 10 dias. O impacto sobre a I-710, a estrada que a maioria dos caminhões utiliza a partir dos portos foi imediato: nos primeiros sete dias de greve, a estrada teve 9 mil caminhões a menos. Frank Quon, diretor operacional da Caltrans – autoridade rodoviária estadual – percebeu que algo peculiar ocorrera naquela semana. O fluxo total de trânsito caiu apenas 5 mil veículos. Outros 4 mil carros entraram na mistura. Os carros preencheram o volume. Quase instantaneamente, os motoristas pareceram saber que a 710, onde as velocidades aumentaram em média 67% durante a greve, era um bom lugar para dirigir. O curioso é que a 710 não estava necessariamente retirando os carros de vias mais apinhadas. “Se você analisar as vias paralelas, como a rodovia 110”, Quon disse, “os volumes permaneceram praticamente os mesmos.

Foi como se os motoristas tivessem subitamente se materializado do nada para se aproveitar de uma estrada que era, pelos padrões do sul da Califórnia, quase boa demais para ser verdade. E era: na semana seguinte, quando os portos reabriram, o trânsito ficou ainda pior do que antes da greve, com caminhões se acumulando para recuperar o atraso nas entregas.

Engenheiros como Quon chamam o que aconteceu na 710 de um caso de “demanda latente”: a demanda que existe, mas que pelo fato de o sistema ser tão confinado, não se materializa; mas quando você cria capacidade, essa demanda latente retorna e ocupa essa nova capacidade. Basicamente as pessoas que nunca teriam escolhido a 710 por ser congestionada demais, de repente mudaram de ideia. Não sabemos ao certo o que elas faziam antes. Talvez usassem ruas locais. Talvez usassem o transporte público. Talvez apenas ficassem em casa.

A questão é que as pessoas são incrivelmente sensíveis a mudanças nas condições de trânsito e parecem capazes de se adaptar rapidamente até mesmo às mudanças mais drásticas em uma rede de vias. Os engenheiros têm um ditado: tudo se resolverá até sexta-feira. Essa regra prática aproximada significa que, mesmo que na segunda-feira um grande evento venha a ocorrer para abalar os padrões de trânsito normais, até a próxima sexta-feira (aproximadamente) um número suficiente de pessoas terá reagido à mudança de modo a fazer com que o sistema volte a se aproximar do normal.

Construímos mais estradas porque há mais pessoas e mais trânsito ou construir estradas cria um trânsito próprio especial? Na verdade, as duas opções são verdadeiras. O que está em discussão são argumentos políticos e sociais: onde e como deveríamos viver e trabalhar, como deveríamos nos deslocar, que efeito isso tem sobre o ambiente?

Estudos sugerem que a viagem induziada é real: quanto mais quilômetros de estrada são construídos, mais quilômetros são percorridos. Em outras palavras, as novas pistas podem imediatamente trazer certo alívio às pessoas que queiram usar a estrada antes, mas também incentivarão essas mesmas pessoas a usar mais a estrada, além de distanciar os limitadores regionais. A construção de estradas, em comparação com outros serviços públicos, sofre de forma desproporcional o ciclo de feedback: “Você constrói mais estradas e gera mais utilização das estradas. Se a capacidade de esgoto for aumentada, as pessoas irão mais ao banheiro?”

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2. POLÍTICAS DE TRANSPORTE E PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL

A necessidade colocar foco sobre o planejamento de transportes nos

espaços urbanos justifica-se pela predominância da população brasileira

vivendo em cidades, conforme mostra gráfico da Figura 2.1. É também nas

cidades onde ocorre a concentração da demanda por transporte, seja no tempo

ou no espaço.

Figura 2.1: Distribuição percentual da população por situação de domicício. Fonte: IBGE (2010)

O Brasil tornou-se, portanto, um país essencialmente urbano. No cenário

urbano brasileiro, o número de viagens se distribui entre os diferentes modos

de transporte conforme os gráficos da Figura 2.2.

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Figura 2.2: Divisão modal das viagens realizadas no meio urbano no Brasil. Fonte: ANTP (2012)

Como pode-se observar por meio da figura, as participações do

transporte coletivo por ônibus (20% ônibus municipais e 5% ônibus

metropolitanos, totalizando 25%) e do automóvel (27%) são as principais entre

as modalidades de transporte motorizados ou não. Considerando ainda a

motocicleta, além dos dois modos já citados, tem-se que mais de 56% das

viagens no meio urbano no país são realizadas em veículos de transporte

rodoviário motorizado. Em seguida, tem-se a relevante participacão do modo “a

pé”, com 36% das viagens.

Por outro lado, destaca-se a relativamente baixa participação da bicicleta

e do transporte sobre trilhos, ambos modos de transporte com grande potencial

de contribuição para os problemas de mobilidade enfrentado na maioria das

cidades de médio/grande porte do país. Entretanto, cabe aqui uma análise

histórica de como a matriz de deslocamentos no meio urbano transformou-se

ao longo dos anos e resultou na configuração atual. As decisões relacionadas

aos sistemas de transporte no país têm tradicionalmente um caráter político, ou

seja, as decisões por investimentos em uma ou outra modalidade de transporte

foram essencialmente decisões políticas.

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2.1 HISTÓRICO

Na década de 50, por exemplo, foi quando o então “Novo Plano Nacional

de Viacão” traz em seu texto a especificacão de que as rodovias passariam a

assumir a função pioneira como modadlidade de transporte, de modo que o

desenvolvimento da rede ferroviária deveria ser gradativamente substituído

pelo desenvolvimento de uma rede rodoviária (Novaes, 1996 apud

Vasconcellos, 2013).

No meio urbano, a transferência dos investimentos sobre trilhos para os

investimentos no modo rodoviário deu-se por meio da substituição dos bondes

pelos ônibus como principal modalidade de transporte coletivo. O Figura 2.3

contém o exemplo da cidade do Rio de Janeiro, a qual teve sua matriz de

transporte coletivo urbano transformada ao longo do tempo, invertendo-se a

predominância do transporte sobre trilhos para o transporte rodoviário. Tal

transformação também ocorreu em outras capitais brasileiras que já contavam

com um sistema consolidado de transporte de passageiros sobre trilhos.

Figura 2.3: Alteração no uso dos modos de transporte coletivo na cidade do Rio de Janeiro de 1940 a 1970.

Fonte: Barat (1986) apud Vasconcellos (2013)

Na década de 70, o sistema de transporte por bondes praticamente

desaparecei das capitais brasileiras, conforme pode ser observado na Figura

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2.4, que informa a quantidade de passageiros transportados nos diferentes

modos de transporte coletivo urbano.

Figura 2.4: Mudança no tipo de transporte coletivo de grandes capitais brasileiras de 1944 a 1976.

Fonte: Barat (1986) apud Vasconcellos (2013)

O processo de industrialização do país intensificado a partir da década

de 50 ocasionou a migração de muitas pessoas do campo para o meio urbano,

o que contribuiu para o crescimento das concentrações urbanas e as

necessidades de deslocamentos associadas. O transporte por ônibus, foi,

portanto, a solução mais comumente adotada para suprir essa demanda por

deslocamentos característica de um ambiente urbano: concentrada no tempo e

no espaço.

Associada ao processo de industrialização do país, está o

desenvolvimento da indústria automobilística. O automóvel surge então como

uma alternativa para suprir a demanda por deslocamentos no meio urbano e,

pouco a pouco, os deslocamentos por automóvel aumentam sua participação

na matriz de deslocamentos no meio urbano. Segundo Vasconcellos (2013),

algumas medidas principais contribuíram para o aumento da utilização do

automóvel como solucação para os deslocamentos urbanos, conforme:

Impactos diretos

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Queda no preço do automóvel (popularização do automóvel) –

tornando a oferta deste meio de transporte mais acessível à

população (ver Figura 2.5);

Apoio à indústria automobilística;

Investimentos em infraestrutura rodoviária – aumentando a oferta

de infraestrutura destinada à opção de transporte individual

motorizado.

Impactos indiretos

Aumento da oferta de estacionamentos;

Impostos reduzidos para proprietários de automóveis;

Baixa fiscalização do cumprimento das regras de trânsito,

aumentando a sensação de liberdade proporcionada pela

aquisição e uso do automóvel.

Figura 2.5: Variação do preço médio dos automóveis no Brasil de 1961 a 1987. Fonte: Guimarães (1989) apud Vasconcellos (2013)

A adoção de uma polítcia de incentivo ao modo rodoviário ao longo de

várias décadas resultou, gradativamente, no aumento da taxa de motorização

por automóveis no país (ver Figura 2.6), levando a um processo que alguns

autores denominam de “privatizacão da mobilidade”, pois o automóvel se trata

de um elemento privado da oferta de transporte, integralmente à disposição de

seu proprietário.

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Figura 2.6: Evolução da taxa de motorização por automóveis no Brasil. Fonte: DENATRAN e IBGE apud Vasconcellos (2013)

Atualmente, em uma frota de cerca de 60 milhões de automóveis

(DENTRAN, 2017). Além do crescimento substancial da motorizaçãoo por

automóvel, outro fenômeno, mais recente, também deve ser analisado: a

proliferação do uso da motocicleta. A partir da década de 90, como resultado

de uma demanda por deslocamentos urbanos mais rápidos e a preços

acessíveis, associado a um conjunto de incentivos aos fabricantes de

motocicletas, o país experimentou um aumento expressivo da participação

Pesquisa as taxas de motorização (quantidade de veículos para cada 100 habitantes) para diferentes estados brasileiros. Que diferenças você encontrou? A que podem estar relacionadas tais diferenças?

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deste veículo nos deslocamentos urbanos – tanto para os serviços de tele-

entrega e mototáxi, quanto para os deslocamentos individuais (ver Figura 2.7).

Figura 2.7: Vendas de mototcicletas no Brasil de 1990 a 2011. Fonte: Abraciclo (2012) apud Vasconcellos (2013)

A partir de 2011, no entanto, esta tendência de crescimento da

participação da motocicleta na frota brasileira aparenta ter reduzido, pois a

proporção deste modo na frota cresceu apenas cerca de 1%, atingindo 27% em

2015 (ver Figura 2.8).

Figura 2.8: Evolução da composição da frota de veículos no Brasil. Fonte: DENATRAN apud ONSV (2017)

No entanto, há sempre de se considerar que a motocicleta é o tipo de

veículo associado ao maior risco de acidentes e lesões – o risco relativo de

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sofrer lesão em uma motocicleta se comparado ao automóvel é 12 vezes

maior, e se comparada ao ônibus é de 24 vezes maior (ELVIK et al., 2009)

Figura 2.10: Vítimas de trânsito atendidas pelo SAMU de acordo com o modo de transporte utilizado para capitais do Brasil e Distrito Federal (2009).

Fonte: Malta et al. (2012) apud Vasconcellos (2013)

Figura 2.11: Distruição das mortes em acidentes de trânsito no Brasil por modo de transporte da vítima para o ano de 2014.

Fonte: Ministério da Saúde apud ONSV (2017)

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2.1 LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA BÁSICA

Em um contexto histórico mais recente, a seguir serão tratadas as

principais normas/diretrizes nacionais que tratam da questão urbana. É

importante destacar, no entanto, que há ainda uma grande variedade de

normas estaduais e municipais que podem complementar e detalhar as

diretrizes nacionais, sempre observando a diretriz nacional e sem se contrapor

a ela. Dessa forma, os temas aqui abordados não esgotam o assunto, sendo

apenas uma coletânea básica de informações.

As normas nacionais constituem-se apenas de um quadro balizador das

questões relacionadas ao desenvolvimento urbano, visto que a União possui

competência para legislar sobre o direito urbanístico. Porém, há uma

competência própria do município em promover o adequado ordenamento de

seu território (CASTILHO; MANCINI, 2013).

Por este motivo, inicia-se descrevendo o que a Constituição Federal traz

de orientação sobre o assunto e como ela distribui as responsabilidades aos

municípios para que os mesmos estabeleçam seus processos locais de

planejamento urbano, dando margem ao surgimento de legislações adicionais,

principalmente via Estatuto da Cidade (cujo instrumento é o Plano Diretor) e via

Lei da Mobilidade Plano de Mobilidade. O esquema da Figura 6.2 ilustra a

relação entre as principais leis que regulamentam as questões urbanas:

- Constituição Federal de 1988;

- Estatuto da Cidade – Lei 10.257 de 2001;

- Estatuto da Metrópole – Lei 13.089 de 2015;

- Lei da Mobilidade – Lei 12.287 de 2012;

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Figura 6.2: Legislação urbanística básica. Elaboração própria.

O Estatuto da cidade tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das

funções sociais da cidade da propriedade urbana. Seu instrumento, o Plano

Diretor, é obrigatório para municípios:

• com população maior que 20.000 habitantes;

• integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

• integrantes de área de especial interesse turístico;

• inseridos em área de influência de empreendimento com

signifiticativo impacto ambiental;

• inseridos no cadastro nacional de áreas suscetíveis;

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Em municípios com população maior que 500.000 habitantes deve vir

acompanhado de Plano de Transporte Urbano Integrado.

No caso de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas

“legalmente” definidas como tal, o Estatuto da Metrópole, com base na

integração política, ambiental, social e econômica dos municípios integrantes,

prevê a elaboração de um plano de desenvolvimento integrado.

Finalmente, como uma forma de detalhamento ainda maior das diretrizes

do Plano Diretor, a Lei da Mobilidade determina que todos os municípios que

são obrigados a elaborar o Plano Diretor devem também elaborar o Plano de

Mobilidade. A Lei da Mobilidade estabelece um prazo de três anos a partir da

data de sua publicação, para que os municípios elaborem seus planos. O

descumprimento dessa determinação tem como consequencia a perda de

acesso do município a recursos federais para obras de mobilidade.

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