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1 URBANIZAÇÃO E RURALIDADE: CONCEPÇÕES TEÓRICAS E ESTUDO EMPÍRICO EM PELOTAS-RS Carlos Vinícius da Silva Pinto Universidade Federal do Rio Grande – FURG Giancarla Salamoni Universidade Federal de Pelotas – UFPEL Resumo Este trabalho propõe compreender a relevância analítica das categorias rural/campo e urbano/cidade na configuração da dinâmica da agricultura realizada em espaços urbanos. Tem- se como estudo de caso o município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente a área urbana do município, ou seja, o Distrito Sede, para entender as contigüidades do campo e da cidade, em áreas normativamente definidas pelo perímetro urbano, e que convergem para a manutenção de expressões da ruralidade e da produção de alimentos. Assim, diversos elementos se constituem como estratégias de reprodução social e territorial da agricultura urbana em Pelotas. Busca entender os referenciais que definem o espaço no Modelo Urbano do Município, estabelecido como “Rururbano” pelo III Plano Diretor Municipal (2008), que é caracterizado como um espaço em transição e sujeito aos processos de expansão do perímetro urbano. Palavras-Chave: Relações cidade-campo. Rural e urbano. Rururbano. Agricultura urbana. Introdução Inicialmente, chama-se a atenção para o fato de que, nos últimos anos, as abordagens sobre as categorias Cidade-Campo e Urbano-Rural aparecem com um novo sentido e não mais a partir de uma visão dualista que colocam em lados opostos e independentes as dinâmicas de uma ou outra forma de organização espacial. Por outro lado, a perspectiva do continuum, aprofundada por Redfield (1956) nas décadas de 1940 e 1950, e que deu base à interpretação de que o rural estaria cada vez mais sob influência do urbano, conforme Biazzo (p.135, 2008), “por conseguinte, criou-se a ideia de progressiva extinção de sociedades, modos de vida ou espaços ditos ‘rurais’.” Posteriormente, a aproximação dos conceitos vem traduzindo as mudanças da realidade e, consequentemente, da abordagem teórica sobre o tema e que no Brasil ganha sentido a partir da década de 90 do século XX. O espaço rural e agrário/agrícola brasileiro sempre ocupou lugar de importância na formação socioeconômica do país, as transformações, como a modernização da agricultura, ou, cada vez mais, a industrialização de áreas não-urbanas, passam a dar destaque para mudanças ocorridas tanto na cidade e nos processos de urbanização, quanto no campo e na constituição do rural contemporâneo. Assim, quando se discute a respeito das categorias rural e urbano não pode deixar de relacionar como marco histórico o processo de modernização da

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URBANIZAÇÃO E RURALIDADE: CONCEPÇÕES TEÓRICAS E ESTUDO EMPÍRICO EM PELOTAS-RS

Carlos Vinícius da Silva Pinto Universidade Federal do Rio Grande – FURG

Giancarla Salamoni

Universidade Federal de Pelotas – UFPEL

Resumo Este trabalho propõe compreender a relevância analítica das categorias rural/campo e urbano/cidade na configuração da dinâmica da agricultura realizada em espaços urbanos. Tem-se como estudo de caso o município de Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente a área urbana do município, ou seja, o Distrito Sede, para entender as contigüidades do campo e da cidade, em áreas normativamente definidas pelo perímetro urbano, e que convergem para a manutenção de expressões da ruralidade e da produção de alimentos. Assim, diversos elementos se constituem como estratégias de reprodução social e territorial da agricultura urbana em Pelotas. Busca entender os referenciais que definem o espaço no Modelo Urbano do Município, estabelecido como “Rururbano” pelo III Plano Diretor Municipal (2008), que é caracterizado como um espaço em transição e sujeito aos processos de expansão do perímetro urbano.

Palavras-Chave: Relações cidade-campo. Rural e urbano. Rururbano. Agricultura urbana.

Introdução

Inicialmente, chama-se a atenção para o fato de que, nos últimos anos, as abordagens

sobre as categorias Cidade-Campo e Urbano-Rural aparecem com um novo sentido e

não mais a partir de uma visão dualista que colocam em lados opostos e independentes

as dinâmicas de uma ou outra forma de organização espacial. Por outro lado, a

perspectiva do continuum, aprofundada por Redfield (1956) nas décadas de 1940 e

1950, e que deu base à interpretação de que o rural estaria cada vez mais sob influência

do urbano, conforme Biazzo (p.135, 2008), “por conseguinte, criou-se a ideia de

progressiva extinção de sociedades, modos de vida ou espaços ditos ‘rurais’.”

Posteriormente, a aproximação dos conceitos vem traduzindo as mudanças da realidade

e, consequentemente, da abordagem teórica sobre o tema e que no Brasil ganha sentido

a partir da década de 90 do século XX. O espaço rural e agrário/agrícola brasileiro

sempre ocupou lugar de importância na formação socioeconômica do país, as

transformações, como a modernização da agricultura, ou, cada vez mais, a

industrialização de áreas não-urbanas, passam a dar destaque para mudanças ocorridas

tanto na cidade e nos processos de urbanização, quanto no campo e na constituição do

rural contemporâneo. Assim, quando se discute a respeito das categorias rural e urbano

não pode deixar de relacionar como marco histórico o processo de modernização da

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agricultura, intensificado no Brasil a partir da década de 1960, momento em que as

relações entre cidade e campo são intensificadas, tanto no que diz respeito às atividades

econômicas estabelecidas, quanto às relações sociais desenvolvidas. Rosa e Ferreira

afirmam que:

Especialmente no estado de São Paulo, sabe-se que antes da modernização da agricultura e da instalação dos Complexos Agroindustriais (CAI’s) cada espaço – campo e cidade – tinha funções, paisagens e relações bem definidas. Porém, com a intensificação das atividades capitalistas e com uma maior integração entre esses espaços, a articulação e os fluxos passaram a ser cada vez mais frequentes e ícones do urbano e do rural, a indústria e o trabalhador rural, respectivamente, tornam-se presenças marcantes no campo e na cidade (ROSA; FERREIRA, 2006, p. 18).

Silva (2010) aponta que a discussão enfocando temas como “nova ruralidade”, “novo

rural” e “inovações do rural”, são bastante comuns atualmente e que a abordagem

tradicional de campo e cidade, de rural e de urbano, trata estas espacialidades de forma

separada e distante e, em alguns casos, com reduzidos pontos de interligação.

Entretanto, outros estudos buscam entender o rural brasileiro no sentido de que as

transformações deste espaço advêm da ligação com o urbano.

De acordo com as novas dinâmicas que ocorre atualmente no espaço urbano e,

sobretudo, no espaço rural brasileiro é que pesquisadores de diversas áreas do

conhecimento como Economia, Sociologia e Geografia têm atribuído a eles outras ou

novas definições no intuito de compreender e explicar a diversidade de ambos os

espaços incorporando indicativos diferenciados para as análises. Como explicam Bispo

e Mendes (2010):

Um dos indicativos a ser apontado nos estudos analíticos dos espaços rurais e urbanos defende que no Brasil encontram-se cada vez mais indícios do desaparecimento das sociedades rurais e, portanto, da sujeição desse espaço social à hegemonia da industrialização e da urbanização. Nela, as diferenças entre rural e urbano deixam de existir, e considera que o campo é cada vez mais identificado com a cidade, submetido a homogeneidade nas formas econômicas e sociais de organização e da produção. Entre os autores que compartilham dessa opinião tem-se Campanhola e Graziano da Silva (2000), Graziano da Silva (2002) e Carlos (2004). (BISPO e MENDES, p. 2, 2010).

Em contrapartida a este entendimento, outros autores tratam as transformações do rural como afirmação de sua importância e permanência como categoria empírica e analítica.

Outro indicativo a ser apontado nos estudos analíticos dos espaços rurais e urbanos no Brasil, é representado por uma posição teórica oposta a apresentada, anteriormente. Essa posição teórica advoga que o rural não se “perde” frente às transformações profundas por que passa a modernidade, ao contrário, reafirma sua importância e particularidade. Entre os autores que

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partilham dessa linha de pensamento destacam-se: Carneiro (1998; 1997), Resende (2007), Bagli (2006) e Rua (2007). (BISPO e MENDES, p. 2, 2010).

Diante disso, o objetivo desta pesquisa é analisar as relações cidade-campo e rural-

urbano em seu escopo teórico para, então, compreender as dinâmicas presentes no

espaço urbano do município de Pelotas/RS. Toma-se como objeto de análise o processo

histórico de urbanização, em diferentes escalas, para enfim entender a prática da

agricultura no interior da cidade de Pelotas, mais precisamente na área definida

normativamente como Rururbano.

Abordagens teóricas sobre o rural e o urbano, campo e cidade e as dificuldades de

conceituação

As diversas questões conceituais e metodológicas com as quais os pesquisadores de

diversas áreas do conhecimento vêm se defrontando no que se refere à delimitação do

rural-urbano e campo-cidade, não apenas no Brasil, mas também em outros países, têm

demonstrado a complexidade e diversidade de situações empíricas e de definição

normativa e analítica para tais termos.

De modo geral, costumam-se pensar o campo e a cidade como situações distintas.

Entretanto, é correto afirmar que essa realidade vem se alterando, profundamente, no

último século. Embora entendidos como distintos, campo e cidade estão, atualmente,

mais próximos do que se imagina, e é justamente a partir daí que se encontram os

dilemas na sua definição teórica e empírica. (RODRIGUES, 2009)

A concepção dos conceitos propostos na discussão, do que é o rural e do que é o urbano

vai além do marco legal e das definições sobre o campo e a cidadei, e é justamente neste

sentido que se faz confusão ao tratar destes elementos de análise. Explica Biazzo:

“Rural” e “urbano”, na maioria das vezes, aparecem como categorias operatórias, utilizadas como referências a bases empíricas e, na abordagem atual dominante entre os geógrafos, são lidas como conjuntos de formas concretas a compor os espaços produzidos pelas sociedades. Tal significado se aproxima do uso no senso comum e também se encontra bastante consolidado entre autores de diversos campos de saber como Sorokin, Zimmerman e Galpin (1930), Redfield (1956), Mendras (1969), Léfèbvre (1970), Sarraceno (1994), Kayser (1996) e, no Brasil, Graziano da Silva (1999), Veiga (2002) ou Abramovay (2003). (BIAZZO, p. 134, 2008).

Marques (2002) destaca a existência de duas grandes abordagens que define campo e

cidade, uma é a análise dicotômica e a outra é a abordagem sobre o continuum rural-

urbano. Quando se trata da visão dicotômica, o campo se opõe a cidade, a partir de uma

concepção dualista da realidade; no entanto, na abordagem do continuum, a

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industrialização é o elemento que estreita as relações entre o campo e a cidade. Marques

(2002) ainda salienta que, os pensadores da sociologia clássica Sorokin, Zimmermann e

Galpin (1986) são usados como referencial teórico para entender a abordagem

dicotômica que ressalva as distinções entre rural e urbano. A autora sintetiza os

elementos expostos por Sorokin et al. e que contribuiriam para classificar o rural e o

urbano:

(1) diferenças ocupacionais ou principais atividades em que se concentra a população economicamente ativa; (2) diferenças ambientais, estando à área rural mais dependente da natureza; (3) diferenças no tamanho das populações; (4) diferenças na densidade populacional; (5) diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade das populações; (6) diferenças na diferenciação, estratificação; e complexidade social; (7) diferenças na mobilidade social e (8) diferenças na direção da migração. (MARQUES, 2002, p.100).

Wanderley (2001) salienta que o conceito de continuum é abordado por duas vertentes

teórico-metodológicas. A primeira destaca o urbano como lugar de progresso e da

modernidade e o rural como expressão do atraso e das formas tradicionais, estando

predestinado à redução de suas características históricas pela expansão urbana. Atrelada

à teoria da urbanização do campo, o ponto de vista do continuum corresponderia ao fim

da realidade rural. A outra vertente do continuum aproxima o rural-urbano, pois,

independente da aproximação de suas características e semelhanças, suas

especificidades não desaparecem, reafirmando a existência e permanência do rural.

O “novo rural” brasileiro, na visão de Graziano da Silva (1999), caminha neste sentido e

é entendido como marcado pela modernização/urbanização do campo e pelo

crescimento de atividades não-agrícolas no espaço rural, explicando, assim, em parte as

transformações do mundo rural contemporâneo. Essa ideia encontra-se fundamentada na

expressão do continuum entre o rural e o urbano. No mesmo sentido, Ianni (1997, p.60)

afirma que “o desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo no campo

generaliza e enraíza formas de sociabilidade, instituições, padrões, valores e ideais que

expressam a urbanização do mundo.”

A dificuldade em fazer tal distinção nas delimitações entre o rural e o urbano, em

especial no caso do Brasil, é justamente a normatização que o país utiliza como

metodologia para definir a contagem da população urbana e ruralii. Beaujeu-Garnier

(1997) diz que no Brasil, as sedes municipais ou distritos sedes são os espaços em que a

população residente é considerada urbana, ainda, declaram como urbanos os residentes

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em lugares com certa forma de administração, como as sedes distritais. Veiga (2003)

complementa afirmando que:

O entendimento do processo de urbanização do Brasil é atrapalhado por uma regra muito peculiar, que é a única no mundo. Este país considera urbana toda a sede de município (cidade) e de distrito (vila), sejam quais forem suas características. O caso extremo é no Rio Grande do Sul, onde a sede do município de União da Serra é uma “cidade” na qual o Censo Demográfico de 2000 só encontrou 18 habitantes. Nada grave se fosse extravagante exceção. (VEIGA, 2003, p. 31-2)

Assim, a definição legal e a diferenciação dos espaços urbano e rural no Brasil se

baseiam nestes critérios, muito embora, existam contraposições defendidas por

estudiosos como Veiga (2003), o qual afirma que o “Brasil é menos urbano do que se

calcula”, criticando a forma atual de definição feita pelo Decreto de Lei 311 de 1938. A

observação feita por Veiga (2003) é a seguinte:

[...] o Brasil essencialmente rural é formado por 80% dos municípios, nos quais residem 30% dos habitantes. Ao contrário da absurda regra em vigor - criada no período mais totalitário do Estado Novo pelo Decreto-lei 311/38 - esta tipologia permite entender que só existem verdadeiras cidades nos 455 municípios do Brasil urbano. As sedes dos 4.485 municípios do Brasil rural são vilarejos e as sedes dos 567 municípios intermédios são vilas, das quais apenas uma parte se transformará em novas cidades. (VEIGA, 2004, p. 10).

O mesmo autor acrescenta que:

Essa anômala divisão territorial surgiu em 2 de março de 1938, no ápice do Estado Novo, quando o Decreto-Lei 311 determinou que “a sede do município tem a categoria de cidade”. Após 63 anos de estragos surge um bom estatuto da Cidade que, lamentavelmente, é omisso sobre a questão. Urge, portanto, que um outro revogue este entulho varguista e estabeleça critérios mais adequados ao século 21. (VEIGA, p. 57-58, 2003).

Por outro lado, Carlos (2004) aponta que a pretensão da tese de Veiga (2003) aparece

somente no titulo do livro “Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se

calcula”, pois o autor não faz uma reflexão de forma concreta e aprofundada sobre o

assunto, não apresentando argumentos sólidos para o que propõe no titulo do livro.

Muito embora, a crítica também é feita sobre a análise que o autor faz de estatísticas de

países centrais, e que são transpostas para explicar o “desenvolvimento” no caso

brasileiro.

A abordagem sobre as transformações nas relações cidade/campo parece ter sido

esquecida por Veiga (2003) ao questionar a “anômala” divisão territorial que o Brasil

faz, como dito por ele, para a concepção dos espaços tratados. Carlos (2004) critica esta

questão ao fazer referência, mesmo considerando ser ultrapassada a legislação atual, ao

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posicionamento do autor, pois devem ser levadas em consideração as novas dinâmicas

entre o rural e o urbano e o campo e a cidade. Nas palavras de Carlos (2004):

Os argumentos desenvolvidos nos artigos do livro caminham na direção oposta ao que o autor quer provar. Veiga ao mesmo tempo em que assinala o fato de que o Brasil é menos urbano do que se calcula, reconhece que há, hoje, uma profunda transformação nas relações cidade/campo, mas não enfrenta a necessidade de desvendamento do conteúdo e sentido destas transformações. (CARLOS, 2004, p. 130)

A mesma autora ainda faz ressalva às relações sociais de cada espaço para que haja uma

concepção do real rural-urbano no Brasil:

O que o Autor parece ignorar, é que cidade e campo se diferenciam pelo conteúdo das relações sociais neles contidas e estas, hoje, ganham conteúdo em sua articulação com a construção da sociedade urbana, o que demonstra, por exemplo, o desenvolvimento do que chama de pluriatividades. Portanto há na conclusão do Autor uma inversão: no Brasil a constituição da sociedade urbana caminha de forma inexorável, não transformando o campo em cidade, mas articulando-o ao urbano de um “outro modo”, redefinindo a antiga contradição cidade/campo: este é a meu ver o desafio da análise. Significa dizer que o processo atual de urbanização não se mede por indicadores referentes ou derivados do aumento da taxa anual de crescimento da população urbana, e muito menos pela estrita delimitação do que seria “urbano ou rural”, como faz o Autor. Significa que nossas análises devem ultrapassar os dados estatísticos (que por sinal são poucos no livro). (CARLOS, 2004, p. 130) [grifos do autor].

A delimitação espacial/normativa que define o rural e o urbano diz muito pouco a

respeito do processo de urbanização brasileira, principalmente, no momento atual. Em

primeiro lugar, porque não se confunde processo de urbanização com densidade

demográfica. Nem tampouco, cidade, com sede de município, como faz Veiga (2003)

em sua análise. Conforme esclarece Carlos (2004):

[...] longe de analisar processos se prende a números e é com eles que acredita apoiar suas ideias sobre a urbanização brasileira. O problema é que “urbano” e “rural” longe de serem meras palavras são conceitos que reproduzem uma realidade social concreta. (CARLOS, 2004, p. 130).

Na atualidade, pode-se pensar em novas dinâmicas na organização espacial pela

incorporação de tecnologias no campo e sistemas produtivos que surgiram a partir da

incorporação do conhecimento cientifico, os quais são desenvolvidos na cidade, é o que

afirma Sobarzo (2006). Ainda, o mesmo autor, ao fazer uma referência a Lefebvre,

acrescenta:

Para Lefebvre, a diferença entre cidade e campo (que alguns equivocadamente igualam aos termos urbano e rural) tem experimentado alterações no tempo. Num primeiro momento, observa-se uma clara diferenciação em função da divisão do trabalho. Na era industrial, verifica-se a “absorção” do campo pela cidade (localização das primeiras indústrias,

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obtenção de matérias-primas, migração) e a “explosão” da cidade no campo (extensão do tecido urbano, invasão do campo pela tecnologia, modo de vida e símbolos da cidade, expansão das trocas e da mercadoria). A construção do “urbano” supõe a superação dessa divisão, a sociedade urbana se estende, planetariamente, mas sem supor o desaparecimento das atividades agrícolas: cidade e campo permanecem, as relações se transformam e suas formas ganham novos conteúdos. (SOBARZO, 2006, p. 61)

Além disso, as novas formas de produção e trabalho que ocorrem no campo modificam

a configuração espacial deste, levando em consideração que o rural sempre esteve

associado à produção agrícola e hoje se apresenta com características e atividades que

antes estavam restritas a cidade, como a indústria, turismo, serviços, moradia, entre

outras. Enfim. “Em função dessas transformações, surge no plano teórico uma série de

denominações a cerca deste rural: “novos atores sociais no campo”, “renascimento da

ruralidade”, ”novo rural” etc.” (ROSA; FERREIRA, 2006, p. 190).

Um estudo empírico em Pelotas: breve contextualização histórica e as relações

entre a cidade e o campo

O estudo a respeito do processo de urbanização e crescimento físico da cidade de

Pelotas acompanha a própria história de surgimento do município, perpassando por

questões como formação econômica de caráter agrícola, a importância do município na

Região Sul do estado do Rio Grande do Sul, além dos processos socioprodutivos que

ocorreram em Pelotas para caracterizar a atual configuração municipal.

O município em questão localiza-se na porção sul do estado do Rio Grande do Sul,

(figura 01) ocupando uma área de 1.608,77 km², situa-se as margens do canal São

Gonçalo e conta com uma população de 327.778 habitantes, segundo dados do IBGE

(2010), é a terceira maior população do estado por município, superada apenas por

Porto Alegre e Caxias do Sul. É o município com maior população da região sul do

estado, exercendo assim uma posição de centralidade na hierarquia urbana, com relação

aos municípios próximos. A maioria da população, cerca de 93,3% dos habitantes

(IBGE, 2010) é urbana e apenas 6,7% vivem na área rural do município, questão

relevante quando se trata de analisar as categorias rural e urbano em um lugar onde as

fronteiras entre campo e cidade se confundem.

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Figura 01- Mapa de localização do estado do Rio Grande do Sul, do município de Pelotas e Porto Alegre. Fonte: Elaborado pelo autor, 2012.

A indústria do charque foi responsável pela opulência e desenvolvimento econômico da

região de Pelotas e por conta disso as necessidades de desligamento político de Rio

Grande era cada vez mais intensa. Sendo assim, por decreto, no ano de 1930 a Freguesia

de São Francisco de Paula foi elevada a categoria de Vila e, mais tarde, em junho de

1935 recebe os foros de cidade.

Neste contexto, Vieira (2005) compreende que a produção do espaço urbano em Pelotas

possui uma íntima relação com os fatos de ordem histórica e, via de regra, em todas as

cidades a história reflete em sua organização espacial os acontecimentos que marcaram

a formação da sociedade ao longo do tempo.

Entende-se, a partir disso, que em Pelotas, desde o início de sua ocupação, os fatores de

ordem econômica, político e social influenciaram a configuração física do espaço

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urbano, evoluindo para a atual configuração territorial. É possível perceber, então, que o

espaço ocupado pelo sítio da cidade corresponde à produção e reprodução das relações

históricas ocorridas tanto em escala local quanto regional, levando-se em consideração

que o seu desenvolvimento aconteceu devido à instalação da atividade charqueadora,

possibilitando assim a sua emancipação do município de Rio Grande.

O crescimento da cidade, a partir do núcleo original, sucedeu-se durante os anos

seguintes tendo como fator de destaque a sua localização no contexto regional, atraindo

um contingente populacional significativo para as atividades ligadas a indústria,

comércio e serviços, intensificado pelo êxodo rural e pela migração de municípios

menores, localizados nas proximidades de Pelotas. Segundo Conceição(2009):

Com a diversificação industrial deste período, surge uma consequente modificação espacial propiciando o aparecimento de um comércio forte e variado, fornecendo gêneros para toda a região, surge também um setor de prestação de serviços, que se tornaria mais tarde uma especialização funcional da cidade. (CONCEIÇÃO, 2009, p. 9)

O primeiro Plano Diretor Municipal de Pelotas foi elaborado em 1963 e o segundo

somente em 1980. No entanto, em 2008 é finalizada a Lei Municipal Nº 5.502 que

estabelecia o III Plano Diretor Municipal Integrado. Sendo assim, de acordo o artigo II

da Lei:

O Plano Diretor Municipal de Pelotas é o instrumento básico da política de desenvolvimento municipal, abrangendo os aspectos físicos, sociais, econômicos e administrativos do crescimento da cidade, visando a orientação da atuação do Poder Público e da iniciativa privada, bem como ao atendimento das necessidades da comunidade, sendo a principal referência normativa para as relações entre o cidadão, as instituições e o espaço físico municipal. (PELOTAS, 2008, p. 1)

De acordo com essa Lei Municipal, é entendido que a elaboração do III Plano Diretor de

Pelotas deverá adequar os espaços da cidade às funções que a mesma pode exercer,

sendo fundamental para seu desenvolvimento. Sendo assim, o Modelo Urbano Geral

(fig. 02) foi elaborado a partir das funções econômicas e sociais, como a habitação e

produção de bens econômicos no perímetro urbano.

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Figura 02: Mapa do Distrito Sede do Município de Pelotas com o Modelo Urbano

Geral.

Fonte: Prefeitura Municipal de Pelotas, III Plano Diretor Municipal Integrado, 2008.

Busca-se, então, a partir do estabelecido pelo III Plano Diretor e pelo Modelo Urbano,

analisar uma área em particular definida como Zona Rururbanaiii, região do perímetro

urbano definida pela caracterização e composição de elementos ligados a ruralidade, a

produção de alimentos e pelas relações entre a cidade e o campo. É possível

compreender que a atual configuração do perímetro urbano do município acompanhou

os vetores do crescimento físico da cidadeiv (figura 03). No entanto, a existência de

“vazios urbanos”, passíveis de ocupação do solo para fins residenciais, apresentam um

fator conflitante neste sentido, sobretudo na Zona Norte da cidade, pois encontram-se

nesta região as propriedades ruraisv.

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Figura 03: Mapa do atual Perímetro Urbano de Pelotas evidenciando os vazios

urbanos e os vetores de crescimento físico da cidade a partir do núcleo central.

Fonte: XAVIER e BASTOS, 2010, p. 591.

As discussões a respeito das relações entre o campo e a cidade podem ser entendidas, no

caso de Pelotas, pela expansão urbana ao longo de sua história. O Rururbano aparece

como categoria normativa dentro da dinâmica do crescimento urbano de Pelotas e não

de forma conceitualvi. Nesse caso, essa classificação exprime o caráter diferenciado da

organização espacial dessa área em relação às demais áreas da cidade, principalmente,

no que diz respeito às relações sociais e de produção dadas pela presença da agricultura

urbana.

Estratégias e perspectivas de reprodução socioespacial da agricultura urbana em Pelotas/RS Apesar do desenvolvimento da indústria e, consequentemente, da expansão da

urbanização, em termos gerais, a agricultura sempre desempenhou papel central na vida

social e econômica de muitos países, regiões e lugares. E, associar a presença da

produção agrícola em espaços urbanos é de longe uma tarefa incomum para qualquer

um que pense no rural e no urbano, ainda como um sentido dualista.

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Conforme escreve Diniz (1984. p.15), “O estudo da agricultura é de fundamental

importância para a humanidade”, dessa forma, é que se pretende abordar a análise da

produção de alimentos presente no espaço urbano do município de Pelotas, além de

entender a maneira como as famílias garantem sua reprodução social e territorial nestes

lugares, mesmo diante da expansão do processo de urbanização. Ainda, Diniz (1984)

acrescenta:

É importante esclarecer que a agricultura é uma das atividades mais complexas na superfície terrestre, e o homem, apesar de com ela conviver há milhares de anos, ainda não conseguiu controlá-la inteiramente. Inegavelmente, um estudo de caráter espacial pode contribuir enormemente para decifrar seus enigmas, pois não resta dúvida que variáveis essencialmente espaciais, como distância, padrão, forma etc., integram o complexo agrário. (DINIZ, 1984, p. 15)

No contexto da agricultura realizada em espaços urbanos e, neste caso, na cidade de Pelotas,

compreende-se que a discussão na busca por um conceito para esta modalidade de produção de

alimentos é bastante ampla, sobretudo, pela importância que vem ganhando esta prática nas

periferias das grandes cidades. Todavia, a agricultura urbana pode ser compreendida da seguinte

forma:

Uma ampla compreensão de agricultura urbana deve levar em consideração as várias atividades familiares para obter segurança alimentar e para gerar renda. A produção alimentar individual e comunitária nas cidades vai ao encontro de necessidades adicionais da população urbana, tais como desenvolvimento urbano sustentável, geração de emprego e renda, proteção ambiental, entre outros aspectos (CRIBB; CRIBB, 2009, p. 3)

A produção agrícola no interior do perímetro urbano do município de Pelotas apresenta uma

diversidade significativa na produção de alimentos. O conhecimento da realidade empírica do

espaço pesquisado confirma a presença de propriedades onde a fonte de renda principal advém

da agricultura e o trabalho familiar aparece como base da organização socioprodutiva. Assim, a

pesquisa de campo revelou que, em grande parte das propriedades visitadas, a estrutura

produtiva associa família-produção-trabalhovii. Contudo, busca-se aqui a análise da produção de

alimentos no espaço urbano de Pelotas, de uma forma geral, pois, cabe ressaltar, a presença de

alguns lotes onde a organização socioprodutiva remete ao modelo patronalviii de agricultura.

Para a delimitação da área de estudo foi utilizada uma base cartográfica do Distrito Sede do

Município de Pelotas/RS. Quanto ao estudo da área pesquisada foi escolhida, com base no

Modelo Urbano, a região do Rururbano (Figura 04) na qual foi analisada a dinâmica da

produção de alimentos neste espaço da cidade.

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Figura 04: Mapa do estado do Rio Grande do Sul, da divisão distrital do município de Pelotas e da localização da área de estudo. Fonte: Adaptado do III Plano Diretor Municipal Integrado (2008), organizado pelo autor, 2011.

O entendimento do processo histórico da ocupação do solo para fins urbanos na área pesquisada

possibilita a observação de que a atual delimitação do perímetro urbano em Pelotas incorporou

propriedades, que por decisão normativa da Câmara Municipal, fazem parte da área urbana do

município. Assim, o denominado “rururbano” se insere no contexto da organização territorial da

cidade de Pelotas e, nesse sentido, essa área apresenta uma densidade demográfica menor,

marcada pela presença de vazios urbanos, possibilitando a permanência de lotes com finalidade

de produção agrícola dentro dos limites da cidade.

Para fins do conhecimento da realidade empírica, optou-se por um processo de

amostragem não-estatístico, onde a preocupação principal foi conhecer qualitativamente

as propriedades que praticam a agricultura urbana. Depois de definida a amostra de

caráter intencional, o levantamento dos dados primários ocorreu por meio de entrevistas

com os agricultores urbanos, baseadas em questionário semi-aberto. O questionário foi

elaborado a partir da divisão de subsistemas internos da agricultura, sendo o subsistema

social o que permite identificar quem é o produtor; o subsistema funcional caracteriza

os elementos técnicos e, por último, o subsistema de produção trata de caracterizar o

output do sistema da agricultura (DINIZ, 1984). Estes subsistemas garantem o

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estabelecimento de relações entre os elementos da organização socioprodutiva na área

estudada.

Além da análise do sistema da agricultura, buscou-se compreender a agricultura em

espaços urbanos como resultado das novas dinâmicas das relações entre cidade-campo,

em Pelotas, sobretudo, acompanhado do processo de ocupação do solo na zona norte da

cidade. Para entender o sistema da agricultura, dentro do contexto da agricultura urbana,

aparece também como elemento importante a valorização da produção agrícola pelo

mercado citadino local. Tendo como ponto de partida a caracterização dos subsistemas

social, de produção e técnico, foi possível estabelecer um conjunto de inter-relações

entre a cidade e o campo e do rural com o urbano, conforme demonstra o esquema

analítico da figura 05.

Figura 05: Esquema analítico da organização da agricultura e as relações cidade-campo e rural-urbano. Fonte: Elaborado pelo autor, 2011.

Quanto à caracterização do proprietário, Diniz (1984) afirma que este está intimamente

ligado ao tipo de propriedade a ele se insere. A quantidade de pessoas do grupo familiar,

que desempenham atividades fora da propriedade para complementar à renda da família

é comum entre os filhos, sobretudo os mais velhos, destacando nesse sentido, que a

busca por renda extra propriedade em alguns casos faz parte de projetos individuais de

alguns membros da família. A renda não-agricola representa uma importante alternativa

a alguns agricultores que dela fazem uso. E, neste caso, a ideia de pluriatividade,

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relacionada comumente ao espaço rural, também compõe as estratégias dos agricultores

urbanos. “[...] essa noção é introduzida no Brasil pelo debate acadêmico nos anos 90 por

meio de estudos centrados na análise das estratégias de reprodução social da agricultura

familiar” (CARNEIRO, p. 165, 2006).

Carneiro (2006) ainda diz que pela trajetória dos estudos abordando a pluriatividade

adquiriu reconhecimento e importância para a economia agrícola do chamado “novo

rural” brasileiro. A conclusão feita por Silva (1997) é de que não se pode mais

caracterizar o espaço rural como determinada e exclusivamente por sua configuração

agrícola. No caso desta análise, dentro da dinâmica da agricultura realizada em espaços

urbanos, a pluriatividade ganha conotação urbana, ou seja, mesmo a concepção teórica

tratando desta característica presente atualmente no espaço rural, as atividades não-

agrícolas estão representadas pelo ingresso de renda extra para as famílias de

agricultores, advinda de ocupações urbanas.

Assim, as atividades realizadas por alguns membros que compõe a propriedade

ocorrem tanto no centro da cidade de Pelotas, quando estas estão ligadas ao comércio,

por exemplo, ou até mesmo nos bairros em que se inserem, como o caso do emprego em

olariasix, e nos frigoríficos também instalados no Rururbano. Outra fonte de renda não

agrícola, exercida pelas mulheres, é a atividade artesanal que compõem a renda da

família.

Para o conhecimento empírico foram entrevistados vinte e um proprietários que

possuem seus lotes nos bairros Sanga Funda e Arco Iris, ambos localizados na região

definida normativamente como rururbano. Com base no levantamento dos dados, foi

constatado que o tamanho dos lotes é bastante variável. As propriedades visitadas

apresentaram dimensões físicas de 3 a 54 hectares, cabe ressaltar, que alguns dos

maiores lotes encontravam-se mais distantes do centro da cidade, e mais próximos dos

limites da divisão do perímetro urbano com o rural, no entanto, isso não é uma regra

geral.

Tendo em vista a caracterização das propriedades, a propriedade individual cuja terra

pertence a um único proprietário e, de acordo com Diniz (1984, p. 59) “(...) em grande

parte dos casos a propriedade individual está associada a um tamanho pequeno e ao

trabalho familiar.” No caso da área pesquisada, o levantamento de campo constatou que

a condição legal da terra, na maioria dos casos é própria, obtidas por meio de compra ou

herança. Quanto à caracterização do proprietário, Diniz (1984) afirma que este está

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intimamente ligado ao tipo de propriedade a ele se insere. A quantidade de pessoas do

grupo familiar, que desempenham atividades fora da propriedade para complementar à

renda da família é comum entre os filhos, sobretudo os mais velhos. As mulheres, na

maioria das vezes, ajudam na administração da propriedade e em poucos casos elas são

chefes da família.

As estratégias socioprodutivas presentes no espaço “rururbano” pelotense encontram-se

ligadas intimamente à possibilidade de obtenção de alimento e renda para as famílias.

No que tange variedade de alimentos produzidos nos bairros pesquisados, Arco Iris e

Sanga Funda, é possível notar que entre os principais produtos cultivados para a

comercialização destaca-se a produção de tomate, cebola, batata, alface, couve,

beterraba e agrião, além de leite e ovos. A fruticultura também serve como fonte de

renda, e alimentos como o morango, abacaxi, melancia e laranja são comuns em boa

parte dos lotes pesquisados. A criação de animais também é muito diversa, com a

presença de bovinos, aves, equinos, suínos e peixes. Também é possível encontrar a

criação de abelhas para a produção de mel.

As estratégias produtivas variam, em cada família, de acordo com suas necessidades e

condições de produção. Ainda, percebe-se que famílias com lotes de menor área física

produzem menos, portanto, a renda é menor do que as que possuem lotes maiores.

Dentro das técnicas produtivas empregadas nas lavouras está a prática da rotação de

cultivos e pousio e a rotação de cultivos sem pousio, esta última acontece

principalmente quando a intensidade na produção é maior e ocorre a aplicação de

insumos químicos. As relações técnicas de produção aparecem ligadas a força

mecânica, nas propriedades de maior dimensão, e no restante delas se observa a

utilização da força animal e do aluguel de maquinário como o trator. A partir disso, a

caracterização do segundo subsistema da agricultura, responde a pergunta de como é

feita a produção, dentro de questões como a intensidade e as técnicas de trabalho

aplicadas.

A pesquisa de campo revelou ainda, que a demanda do mercado local é parcialmente

atendida, uma vez que os alimentos produzidos na zona rural também abastecem a

cidade. Com relação ao comércio dos alimentos produzidos no espaço rururbano de

Pelotas, percebe-se que a comercialização de legumes, frutas e hortaliças é realizada em

feiras, em diferentes pontos da cidade, supermercados e também diretamente para o

CEASAx. O acesso até os pontos de venda é facilitado, pois a produção e

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comercialização se encontram em um espaço próximo. Essa proximidade facilita a

redução do custo final do produto e as condições do mesmo, no que diz respeito à

qualidade dos alimentos perecíveis.

Algumas Considerações Finais

Diante de questões pertinentes sobre o tema proposto, como a compreensão de

categorias analíticas e normativas que permitem o entendimento de fenômenos

relacionados ao rural e ao urbano e a dinâmica das transformações que ocorrem nestes

espaços, este trabalho buscou associar as questões que envolvem o mundo rural e a

sociedade urbana. Para tanto, o estudo apresentou uma compreensão teórica e empírica

a respeito do que ocorre com a realidade no Brasil e no contexto da cidade de Pelotas e

sua organização socioespacial.

Entende-se, assim, que ruralidade é um modo de vida ligado intimamente ao campo e às

práticas e hábitos rurais, ou seja, dedicação, principalmente, às atividades

socioprodutivas relacionadas ao trabalho da família na terra e assim, garantir sua

reprodução biológica e social. Entretanto, a ruralidade ultrapassa os limites do rural

quando presente no espaço urbano, representada pela presença de hábitos e práticas

rurais no perímetro urbano dos municípios.

A área rururbana de Pelotas produz alimentos diversificados que, em sua totalidade, são

comercializados no próprio perímetro urbano do município. Além de servir para o

autoconsumo familiar, também, destina-se para o abastecimento dos mercados locais.

As perspectivas do “rururbano” pelotense como fornecedor de alimentos para a cidade

de Pelotas e geração de renda para as famílias produtoras representam as estratégias de

reprodução socioprodutivas e estão relacionadas à localização dos agricultores urbanos,

pela proximidade com o consumidor final, favorecendo os mesmos em relação aos

localizados na área rural. Além disso, a criação de animais atende ao mercado

agroindustrial de leite e de carne da região.

É interessante entender essa proximidade dos agricultores urbanos com a cidade a partir

da ligação, não só da facilidade de atingir o mercado local que é bastante próximo,

diminuindo custos de transporte e facilitando o manejo dos produtos perecíveis, mas

também, a da possibilidade da família continuar no espaço que lhe garante renda e, ao

mesmo tempo, acessar os serviços que a cidade proporciona.

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Entende-se que essas estratégias são resultado de um processo histórico e normativo de

configuração do perímetro urbano, que por sua vez, possibilitou que em sua organização

espacial mantivesse características – formas e funções – relacionadas ao espaço rural. E,

garantindo aos moradores dessas áreas, tanto pelos cultivos agrícolas quanto pela

criação de animais, a produção de alimentos para o autoconsumo e, ainda, alternativa à

falta de empregos na cidade, na geração de renda familiar.

Notas

i Objetiva-se neste sentido, tratar a diferença dos usos das categorias rural e urbano buscando um entendimento terminológico. Não se trata de propor uma nova concepção teórica e sim de entender a diferenciação do campo de rural e cidade de urbano, sobretudo tratados erroneamente do ponto de vista setorial da economia. ii O Decreto-Lei Nº 311/1938 passou a regulamentar as unidades territoriais administrativas no país da seguinte forma: Art. 3º A sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome. Art. 4º O distrito se designará pelo nome da respectiva sede, a qual, enquanto não for erigida em cidade, terá a categoria de vila. (DECRETO-LEI Nº 311/1938). iii Rururbano, neste caso, aparece como uma categoria normativa definida pelo III Plano Diretor Municipal de Pelotas para caracterizar uma determinada área do perímetro urbano que fez parte do projeto de expansão física da cidade de Pelotas sobre o rural. Diferente da definição de “Rurbano” que seria a urbanização dos espaços rurais proposto no Projeto Rurbano de Jose Graziado da Silva e outros pesquisadores que abordam as dinâmicas do “Novo Rural Brasileiro”. iv O crescimento físico da cidade de Pelotas acompanhou vetores de crescimento em que as limitações físicas da geografia do município moldassem a forma atual. A presença de alguns fatores impede este crescimento em algumas direções, como a Zona Sul, onde o Canal São Gonçalo é o agente natural que bloqueia a expansão da malha urbana do município. v A existência de lotes produtores de alimentos no espaço urbano de Pelotas aparece como conseqüência da expansão do perímetro urbano da cidade sobre áreas rurais abarcando uma população com características ligadas a ruralidade. vi Não confundir Rururbano, que mais seria a influência socioespacial do campo sobre a cidade, com “Rurbano” onde o continnum rural-urbano é marcado pelo sentido da urbanização do rural conforme a mecanização e modernização do campo nos últimos anos. vii Nesta pesquisa não será utilizada a categoria analítica da agricultura familiar, ainda que se reconheça a presença desse tipo de organização socioprodutiva no caso pesquisado. Assim, toma-se como conceito norteador a agricultura urbana, ressaltando que este conforma, na área de estudo, uma aproximação com o conceito de agricultura familiar.

viii De acordo com o relatório da FAO/INCRA (1994) a agricultura patronal possui uma organização centralizada, produz grande concentração de renda, tem ênfase na especialização, trabalho assalariado predominante e principalmente o emprego de tecnologias voltadas para a redução de mão-de-obra. ix Outra característica econômica do Rururbano pelotense é a presença de diversas olarias nos bairros que o compõe. O bairro Sanga Funda, por exemplo, se destaca com esta atividade econômica. x CEASA’S são representadas pelas Centrais de Abastecimento, que são empresas estatais ou de capital misto destinadas a promover, desenvolver, regular, dinamizar e organizar a comercialização de produtos da hortifruticultura, na forma de atacado e em uma região.

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