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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Daniel Augusto Valache Brazil do Amaral RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Daniel Augusto Valache Brazil do Amaral

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

CURITIBA

2012

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

CURITIBA

2012

Daniel Augusto Valache Brazil do Amaral

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade TUIUTI do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Dr. Jorge de Oliveira Vargas.

CURITIBA

2012

TERMO DE APROVAÇÃO

Daniel Augusto Valache Brazil do Amaral

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de Bacharel no Curso de Direito da

Universidade TUIUTI do Paraná.

_________________________

Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Universidade TUIUTI do Paraná

Curso de Direito

Orientador: Prof. Dr. Jorge de Oliveira Vargas

Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito

_________________________

Universidade TUIUTI do Paraná Curso de Direito

_________________________ Universidade TUIUTI do Paraná

Curso de Direito

RESUMO

Atualmente grandes nomes do direito processual civil e constitucional brasileiro vêm defendendo a ideia de relativizar a coisa julgada em face de decisões injustas, contrárias aos bons costumes, a moralidade bem como a ordem jurídica estabelecida. Defendem alguns juristas que a coisa julgada não pode ser absoluta, até porque em casos excepcionais a segurança jurídica deve ser relativizada em prol de outros valores constitucionais dignos de igual/ou superior proteção. Por outro lado há quem entenda não ser possível relativizar a coisa julgada senão nos casos previstos em lei, tendo em vista que tal instituto é incompatível com o Estado Democrático de Direito, eis que o instituto geraria uma grande instabilidade aos jurisdicionados. Muitos posicionamentos surgem deste tema. O presente estudo tem por meta analisar os posicionamentos existentes e quiçá encontrar uma possível solução para a divergência hoje existente.

Palavras-chave: relativização; coisa julgada; segurança jurídica.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................7

2 ASPECTOS GERAIS DA COISA JULGADA E SEGURANÇA JURÍDICA ...........................................................................................................8 2.1 COISA JULGADA FORMAL........................................................................10 2.2 COISA JULGADA MATERIAL.....................................................................12 2.3 LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA..............................................15 2.4 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA............................................17

3 ASPECTOS GERAIS E ORIGEM DA TESE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA .......................................................................................20 3.1 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS FAVORÁVEIS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA...........................................................23 3.1.1 Entendimento de José Augusto Delgado..................................................23 3.1.2 Entendimento de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini............................................................25 3.1.3 Entendimento de Cândido Rangel Dinamarco..........................................26 3.1.4 Entendimento de Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria .............................................................................................................27 3.1.5 Entendimento de Eduardo Talamini .........................................................28 3.2 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS CONTRÁRIOS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA...........................................................30 3.2.1 Entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart.........30 3.2.2 Entendimento de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira...................................................................................................31 3.2.3 Entendimento de Nelson Nery Junior...................................................... 32 3.2.4 Entendimento de Ovídio Araújo Baptista da Silva....................................34

4 JULGADOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ..............................................36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................38 REFERÊNCIAS.................................................................................................40

1 INTRODUÇÃO

A presente monografia é voltada para a análise da aplicação do instituto da

relativização da coisa julgada em determinados casos concretos.

Sabe-se que, alguns doutrinadores entendem que a coisa julgada não pode

ser afastada em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o qual leva em

consideração o direito adquirido, o ato jurídico perfeito bem como a realização e

certeza de um direito, tornado as decisões transitadas em julgado, logo, imutáveis.

Sustentam que a coisa julgada só poderá ser revista pelas formas típicas previstas

no ordenamento jurídico como ocorre nas hipóteses de ação rescisória, sob pena de

afronta ao Estado Democrático de Direito.

Contudo, em razão dos princípios da legalidade, proporcionalidade e

instrumentalidade tendo em vista a justiça das decisões, parte da doutrina entende

que a coisa julgada não pode ser absoluta, e deve ser relativizada quando as

decisões forem contrárias aos ditames constitucionais e morais, utilizando-se para

tanto formas atípicas de revisão não previstas expressamente em lei.

Desta forma, levando em consideração a divergência existente sobre o

tema, faz-se importante um estudo mais aprofundado, para melhor compreensão da

aplicabilidade do instituto da relativização da coisa julgada, bem como para analisar

em quais hipóteses a doutrina brasileira entende que a segurança jurídica poderá

ser afastada em prol do valor supremo que é a justiça.

2 ASPECTOS GERAIS DA COISA JULGADA E SEGURANÇA JURÍ DICA

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVI é clara ao

dispor que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada, consagrando assim, a proteção das decisões transitadas em julgado em

homenagem ao princípio da segurança jurídica.

Para iniciar o tema e poder notar a importância de tal instituto que, diga-se

de passagem, é possuidor de natureza constitucional, vale citar o que nos ensina

Nelson Nery Junior sobre os institutos que são criados para gerar segurança nas

relações sociais e jurídicas:

A coisa julgada é um desses institutos e tem natureza constitucional, pois é, como vimos no comentário anterior, elemento que forma a própria existência do estado democrático de direito (CF 1.º caput). Sua proteção não está apenas na CF 5.º XXXVI, mas principalmente na norma que descreve os fundamentos da República (CF 1.º). O estado democrático de direito (CF 1.º caput) e um de seus elementos de existência (e, simultaneamente, garantia fundamental – CF 5.º XXXVI), que é a coisa julgada, são cláusulas pétreas em nosso sistema constitucional, cláusulas essas que não podem ser modificadas ou abolidas nem por emenda constitucional (CF 60 § 4.º I e IV), porquanto bases fundamentais da República Federativa do Brasil, Por consequência e com muito maior razão, não podem ser modificadas ou abolidas por lei ordinária ou por decisão judicial posterior. Atender-se-á ao princípio da supremacia da Constituição, se houver respeito à intangibilidade da coisa julgada.1

O instituto da coisa julgada visa gerar segurança, preocupação esta que

desde sempre foi um dos grandes objetivos da ciência jurídica bem como do direito.

É através do direito que o homem sempre buscou ter segurança em suas atividades

e relações jurídicas individuais, e a coisa julgada é justamente o instrumento capaz

de proporcionar tal segurança aos jurisdicionados.2

De acordo com Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

A coisa julgada é instituto jurídico que integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, em nosso ordenamento jurídico, no art. 5º, XXXVI, CF. Garante ao jurisdicionado que a decisão

1 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed., rev., ampl. e atual. com novas súmulas do STF (simples e vinculante) e com análise sobre a relativização da coisa julgada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 67. 2 WAMBIER, Luiz Rodrigues;ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo; Editora revista dos Tribunais, 2007, vol. 1. p. 519.

dada à sua demanda será definitiva, não podendo ser discutida, alterada ou desrespeitada – seja pelas partes, seja pelo próprio Poder Judiciário3.

Para Nelson Nery Junior, a manifestação do princípio do estado democrático

de direito, no Poder Judiciário, ocorre por intermédio do instituto da coisa julgada.4

Cândido Rangel Dinamarco define coisa julgada como:

Em direito processual, coisa julgada é imutabilidade da sentença e de seus efeitos. Ela só ocorre depois que a sentença se torna irrecorrível porque, no momento em que é proferida, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio (sentenças de mérito), ou simplesmente proposta de extinção de processo (terminativas); nesse primeiro momento ainda é possível a substituição da sentença e alteração do teor do julgado, em caso de recurso interposto pela parte vencida (CPC, art. 512).5

As sentenças capazes de extinguir o processo sem resolução do mérito e

que, além disso, não causam quaisquer repercussões na vida das pessoas,

estabelecem uma imutabilidade puramente processual naquela lide onde foi

proferida, podendo as partes voltarem a juízo para discutir novamente o conflito. 6

Por sua vez, as decisões de mérito que não mais comportam recursos e,

portanto, produzem efeitos na vida das pessoas, além de irradiarem efeitos para fora

do processo, criam uma situação de segurança capaz de permitir a parte ter a

tranquilidade de que os efeitos daquela lide, os fundamentos que dela fazem parte e

as pessoas envolvidas no deslinde, tornaram-se questões definitivamente resolvidas

com decisões completamente imunizadas a qualquer nova discussão.7

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, nos explicam de

forma clara a importância de tal instituto:

A coisa julgada não é instrumento de justiça, frise-se. Não assegura a justiça das decisões. É, isso sim, garantia da segurança, ao impor a definitividade da solução judicial acerca da situação jurídica que lhe foi submetida.8

3 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009, p. 407-408. 4 NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit. p. 51. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6. ed., rev., e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 300-301. 6 Ibidem. p. 301 7 Ibidem. p. 301. 8 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 408.

É preciso garantir a estabilidade do que foi decidido não podendo deixar que

a incerteza seja perpetuada no tempo, e por essa razão, o momento e forma para

impugnar as decisões judiciais não pode ser irrestrito e devem sofrer limitações. Os

ordenamentos jurídicos atuais ao admitir a revisão das decisões judiciais impõem

limites na hipótese da parte esgotar, ou não utilizar os recursos previstos em lei,

tornando-se, desta forma, indiscutível a decisão judicial.9

Como podemos notar a coisa julgada é intrinsecamente ligada à ideia de

segurança jurídica, a qual traz aos jurisdicionados a tranquilidade de terem suas

lides resolvidas e finalizadas para sempre, o que nas palavras de Luiz Guilherme

Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart seria uma “garantia constitucional do cidadão diante

do Estado (em geral) e dos particulares”.10

2.1 COISA JULGADA FORMAL

A coisa julgada formal consiste na ausência de cabimento de qualquer

recurso apto a impugnar sentença ou acórdão, bem como pela não interposição do

recurso cabível, sendo certo que naquele processo, nenhum julgamento contrário

poderá ocorrer em razão do trânsito em julgado.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco:

Coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença como ato jurídico processual. Consiste no impedimento de qualquer recurso ou expediente processual destinado a impugná-la, de modo que, naquele processo, nenhum outro julgamento se fará. No processo em que se deu a coisa julgada formal, o ato jurídico sentença é representado pela sentença ou acórdão que, por não comportar recurso algum, haja transitado em julgado (CPC, art. 467).11

Para Dinamarco, “a coisa julgada formal é um dos aspectos do instituto da

coisa julgada e opera exclusivamente no interior do processo em que se situa a

sentença sujeita a ela. Tem, portanto, uma feição e uma missão puramente técnico-

processuais”.12

9 Ibidem. p. 301p. 407. 10 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 10. ed. rev., e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 684. 11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 303. 12 Ibidem. p. 303.

De acordo Ernane Fidélis dos Santos:

A coisa julgada formal decorre simplesmente da impossibilidade de interposição de recurso contra a sentença, ou contra acórdão que confirmou a sentença, ou extinguiu o processo, não importa tenha havido ou não julgamento da lide, do mérito. Ela é comum a toda e qualquer decisão e se refere, exclusivamente, ao processo em que foi aquela proferida.13

A coisa julgada formal trata-se de um fenômeno endoprocessual, decorrente

da irrecorribilidade da decisão judicial que se revela em verdade, como uma espécie

de preclusão máxima dentro de um processo jurisdicional.14

Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo

Talamini ao discorrerem sobre a coisa julgada formal, nos trazem a idéia de que o

termo preclusão máxima se identifica e tem certa afinidade com tal instituto:

Na doutrina aparece e expressão preclusão máxima para designar a coisa julgada formal, e isto significa que a coisa julgada formal se identifica de fato com o fim do processo, tendo lugar quando da decisão já não caiba mais recurso algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os prazos recursais ou porque terá interposto todos os recursos). Torna-se indiscutível a decisão naquele processo em que foi proferida, já que o processo acabou. A indiscutibilidade que nasce com a coisa julgada formal e se limita àquele processo em que a decisão tenha sido proferida, e nisso se vê uma afinidade com o instituto da coisa julgada formal e a preclusão, já estudada, uma vez que ambas têm seus efeitos adstritos aos processos em que se produzem.15

Apesar da coisa julgada formal se identificar com a preclusão conforme visto

acima, tais institutos jamais devem ser confundidos. Para corroborar a distinção

entre os dois institutos valiosas são as palavras de Enrico Túlio Liebman:

[...] a coisa julgada formal e a preclusão são dois fenômenos diversos na perspectiva da decisão irrecorrível. A preclusão é, subjetividade, a perda de uma faculdade processual e, objetivamente um fato impeditivo; a coisa julgada formal é a qualidade da decisão, ou seja, sua imutabilidade, dentro do processo. Trata-se, assim, de institutos diversos, embora ligados entre si por uma relação lógica de antecedente-consequente.16

13 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Op. cit. p. 612. 14 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 409. 15 WAMBIER, Luiz Rodrigues;ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p. 520. 16 LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 68.

A coisa julgada formal pode ocorrer em vários momentos e nas palavras de

Cândido Rangel Dinamarco, isso ocorre porque variam os fatores responsáveis pela

preclusão.17

Quanto aos momentos em que se forma a coisa julgada formal, cabe

discorrer sobre suas hipóteses de formação as quais advém da ocorrência da

preclusão temporal, lógica ou consumativa.

Quanto à preclusão temporal, cabe ressaltar que esta ocorre no momento

em que expira o prazo para a interposição do recurso cabível no processo sem que

o mesmo tenha sido interposto pela parte.18

A preclusão lógica que extingue o direito da parte recorrer e ocasiona o

trânsito em julgado pode ocorrer tanto no momento que a parte vencida renuncia o

direito de recorrer, quanto no momento que a parte tem ciência da sentença ou

acórdão e pratica um ato que demonstra o desinteresse de interpor recurso.19

Por sua vez, a preclusão consumativa ocorre quando do julgamento do

recurso cabível referente à última decisão do processo, que segundo Cândido

Dinamarco “só ocorrerá quando o último desses recursos tiver sido interposto ou

julgado, ou quando nenhum deles for admissível”.20

Para legitimar ainda mais a ideia de formação da coisa julgada formal e

finalizar o tópico, vale citar o que nos ensinam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio

Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini:

É comum a ambas as espécies de coisa julgada o momento de formação. Ambas se formam quando da decisão extintiva do processo já não mais couber recurso algum. Isto pode acontecer simplesmente porque recursos não tenham sido interpostos, e então transitará em julgado a própria sentença de primeiro grau de jurisdição, proferida pelo juízo singular. Ou pode ocorrer porque realmente não haja mais recursos a serem interpostos, tendo, por exemplo, a causa chegado até o STF (Supremo Tribunal Federal). 21

2.2 COISA JULGADA MATERIAL

A coisa julgada material é um mecanismo que garante ao jurisdicionado

vencedor de determinada lide ter a certeza da resolução do seu conflito que não

17 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 304. 18 Ibidem. p. 305. 19 Ibidem. p. 306. 20 Ibidem. p. 306-307. 21 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p. 520.

mais poderá ser alterado por nenhuma relação jurídica, consiste em uma proteção

constitucional garantida ao cidadão.

Segundo Nelson Nery Junior:

Em outras palavras: quando se forma, a coisa julgada material se apresenta como o centro de todos os objetivos do direito processual civil, ao passo que a coisa julgada material em si mesma tem a força de criar a imodificabilidade, a intangibilidade da pretensão de direito material que foi deduzida no processo e resolvida pela sentença de mérito transitada em julgado.22

Para a formação da auctoritas rei iudicatae (coisa julgada material) é

necessário a presença de todos os pressupostos de constituição do processo, quais

sejam jurisdição, petição inicial e citação; a sentença proferida no referido processo

deve ter analisado o mérito da causa, logo, deverá ter ocorrido uma das hipóteses

previstas no artigo 269 do Código de Processo Civil e finalmente, tal sentença não

poderá mais ser atacada por recurso ordinário, extraordinário, ou pelo reexame

necessário, nos precisos termos dos artigos 467 e 475 do Código de Processo Civil

e artigo 6º § 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Civil Brasileiro.23

Ernane Fidélis dos Santos conceitua a coisa julgada material como sendo:

[...] a eficácia, a força, que faz tornar imutável e indiscutível a sentença que não mais está sujeita a qualquer recurso ordinário ou extraordinário (art. 467), Isto quer dizer que a coisa julgada material tem alguma relação com a coisa julgada formal. Para que ocorra a primeira, há mister a ocorrência da segunda, ou seja, a preclusão de todos os recursos.24

Cândido Rangel Dinamarco ao discorrer sobre a coisa julgada material nos

deixa claro que:

A situação de segurança jurídica caracterizada pela coisa julgada é criada mediante a realização de toda uma seqüencia ordenada de atos do juiz e das partes (procedimento), com observância do contraditório e dos cânones do devido processo legal e culminando com a sentença de mérito que em um momento venha a se tornar irrecorrível. A coisa julgada é um produto do processo, que em um segundo tempo volta ao processo para limitar os julgamentos que ali podem ser realizados. Vista com amplitude própria do direito constitucional, ela é uma garantia oferecida ao vencedor, para que a segurança obtida mediante a sentença passada em julgado fique imune a

22 NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit. p. 57. 23 Ibidem. p. 59. 24 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. 1. p. 612.

novos questionamentos, seja pelo juiz, pelo legislador, pelo administrador, seja também pelo vencido.25

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ao discorrerem sobre o

tema nos remetem a visão de que “a coisa julgada material é atributo indispensável

ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental de acesso

ao Poder Judiciário – obviamente quando se pensa no processo de conhecimento”.26

Segundo tais doutrinadores de nada adiantaria falar em acesso à justiça sem

dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente, pois

mesmo que essa definitividade própria da coisa julgada cause em algum momento

situações indesejadas, não é a melhor maneira pensar que em razão disso ela

possa ser desconsiderada.27

Para Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

A coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno endo/extraprocessual.28

Quanto aos efeitos da coisa julgada material, Nelson Nery Junior os

classificam em endoprocessuais e extraprocessuais. O primeiro efeito é responsável

pela imutabilidade da decisão a qual impossibilita o juiz de redecidir a lide e torna

obrigatório o comando proferido na parte dispositiva da sentença. O segundo efeito

não permite que a lide seja discutida por qualquer outra parte ou juízo distinto em

nenhum outro processo, ao passo que de igual sorte não permite que a decisão

coberta pelo manto da auctoritas rei iudicatae seja discutida em ação posterior.29

Essa intangibilidade da coisa julgada material decorre do fato da mesma ser

um:

[...] instrumento de pacificação social, quando há coisa julgada as partes devem se submeter à sua autoridade, qualquer que tenha sido o resultado da sentença (inevitabilidade da jurisdição). Incide aqui o caráter substitutivo da função jurisdicional, vale dizer, a vontade das partes é substituída pela vontade do Estado-juiz que prevalece.30

25 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 302. 26 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 668. 27 Ibidem. p. 669. 28 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 409. 29 NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit. p. 58. 30 Ibidem. p. 60.

Assim, a coisa julgada material é um mecanismo que permite ao vencedor

ter a certeza de que a sua lide está solucionada e imune a qualquer controvérsia

futura, que nas palavras de José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim

Wambier “à luz do direito positivo brasileiro, a coisa julgada é considerada a

imutabilidade do comando da sentença (que corresponde ao seu conteúdo da

decisão)”.31

2.3 LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

De acordo com o artigo 458 do Código de Processo Civil, são requisitos

essenciais da sentença o relatório, os fundamentos e o dispositivo.32

O artigo 468 do mesmo diploma legal dispõe que “a sentença, que julgar

total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões

decididas”.33

Por sua vez, o artigo 469 dispõe que não fazem coisa julgada os motivos,

ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a

verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença e a apreciação da

questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.34

Levando-se em consideração que o instituto da coisa julgada se forma

através do pronunciamento da sentença proferida pelo Estado-juiz, faz-se

necessário saber qual parte da sentença efetivamente se tornará imutável ficando

acobertada pelo manto da coisa julgada.

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira ao discorrer sobre os

limites objetivos da coisa julgada concluem que:

Somente se submete à coisa julgada material a norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido (a questão principal, conforme o art. 468, CPC). A solução das questões na fundamentação (incluindo a análise das provas) não fica indiscutível pela coisa julgada (art. 469, CPC), pois se trata de decisão sobre questões incidentes.

31 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Parte Geral e Processo de Conhecimento. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, vol. 1. p. 296. 32 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (CPC). Artigo 458. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acessado em 31 ago. 2012. 33 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (CPC). Artigo 468. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acessado em 31 ago. 2012. 34 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (CPC). Artigo 469. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acessado em 31 ago. 2012.

Ao passo que a coisa julgada decorre da declaração contida na sentença e

tal declaração nasce apenas com a resposta jurisdicional, para Luiz Guilherme

Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, fica evidente que tal instituto incide e atinge

somente a parte dispositiva da sentença, pois tanto no relatório como na

fundamentação da sentença não existe qualquer julgamento, posto que o julgamento

apenas ocorre na parte dispositiva da sentença na qual fica estabelecida a lei do

caso concreto.35

A fundamentação de Cândigo Rangel Dinamarco é incisiva no sentido de

que “somente o preceito concreto contido na parte dispositiva das sentenças de

mérito fica protegido pela autoridade da coisa julgada material, não os fundamentos

em que ela se apóia”.36

Um ponto controvertido na doutrina é a questão da apreciação da questão

prejudicial decidida incidentemente no processo não ser atingida pela coisa julgada,

conforme preceitua o artigo 469, inciso III do Código de Processo Civil.

Explicam Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

[...] que a questão prejudicial abordada e julgada em um decisum só fará coisa julgada se for colocada principaliter tantum – já na própria petição inicial ou por meio de ação declaratória incidental (art. 325 do CPC). Se for tratada como simples fundamento da demanda, incidenter tantum – em outras palavras, como questão incidental -, a solução da questão prejudicial não terá aptidão para ser acobertada pela coisa julgada material (art. 469, III, CPC).37

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart nos trazem a tese mais

acertada no sentido de que “a resolução da questão prejudicial pode vir a ser

abarcada pela imutabilidade da coisa julgada, se e quando tiver havido, no curso do

processo, a propositura de ação declaratória incidental a seu respeito (arts. 5.º, 325

e 470 do CPC)”.38

2.4 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

A regra consagrada no artigo 472 do Código de Processo Civil dispõe que “a

sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem

35 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 643. 36 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 318. 37 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 418. 38 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 643.

prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido

citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença

produz coisa julgada em relação a terceiros”.39 Os limites subjetivos da coisa julgada

têm por meta identificar quem ou quais pessoas serão atingidas por seus efeitos.

Na criação desse dispositivo legal o legislador levou em consideração as

garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal,

do contraditório e da ampla defesa previstos expressamente na Constituição da

República de 1988, pelo fato da ordem jurídica brasileira não permitir que alguém

possa ser atingido pelos efeitos de uma decisão transita em julgado sem que seja

lhe proporcionado o acesso à justiça com todas as garantias que lhe são inerentes.40

Quanto as partes evidentemente a sentença produz coisa julgada, não

restando qualquer dúvida que as mesmas são atingidas pelos efeitos que dela

decorrem.

A fim de analisar a questão relativa aos terceiros faz-se necessário a

distinção entre terceiros interessados que são aqueles que possuem interesse no

resultado da lide em decorrência de alguma relação jurídica, e os terceiros

indiferentes, os quais não possuem nenhuma relação jurídica interdependente

relacionada à lide.41

Para Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart a sentença pode

produzir efeitos tanto para os terceiros interessados como para os terceiros

indiferentes, lembrando que cada um desses sujeitos sofrerá os efeitos de acordo

com a sua condição de interessado.42

Tais doutrinadores observam que:

[...] somente as partes precisam da coisa julgada. Não fosse a coisa julgada, em função da legitimidade que ostentam para discutir a sentença, poderiam debater o conflito de interesses ao infinito. Para esses sujeitos, sim, a coisa julgada resulta em utilidade, pondo fim, em determinado momento, à controvérsia, e tornando definitiva a solução judicial oferecida. Por isso, somente as partes é que ficam vinculadas pela coisa julgada. Embora terceiros possam sofrer efeitos da sentença de procedência, é certo que a autoridade da coisa julgada não os atinge.43

39 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (CPC). Artigo 472. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acessado em 31 ago. 2012. 40 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 418-419. 41 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 641. 42 Ibidem. p. 641. 43 Ibidem. p. 642.

No que diz respeito à coisa julgada nas causas relativas ao estado de

pessoas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart notam um equivoco, e nos

explicam que:

[...]Confunde-se, aí, o efeito próprio da coisa julgada com o efeito natural da sentença. Efetivamente, no caso descrito na regra – assim como ocorreria em qualquer outra situação, em que todos os sujeitos interessados (portanto, partes e terceiros interessados) viessem a participar de certo processo, a sentença daí resultante seria indiscutível por todas as pessoas. Para algumas, por falta de legitimidade (terceiros indiferentes). Para outras, em razão de intervenção (terceiros interessados), e somente para algumas em razão da coisa julgada. A sentença de interdição é imutável perante todos, não porque tenha operado coisa julgada em relação a todos, mas porque a coletividade não tem legitimidade ad causam para propor ação que venham a rediscutir a interdição de determinada pessoa.44

Assim, embora terceiros estranhos a relação processual possam sofrer os

efeitos da sentença, por outro lado não podem ser atingidos pela coisa julgada.

Importante ainda é a questão relativa aos assistentes, eis que em

determinados casos o indivíduo pode indiretamente ser prejudicado por uma

sentença e para evitar tal prejuízo lhe é permitido ingressar na lide para auxiliar o

autor ou réu.45

Nestes casos a figura do terceiro juridicamente interessado,

independentemente de ter relação jurídica com as partes pode ingressar no feito

para discutir o litígio na condição de assistente, tendo em vista que os fatos

discutidos na lide podem ser de seu interesse ou refletir em sua esfera jurídica.46

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart nos trazem o caso do

tabelião que ingressa na lide de anulação de escritura fundada em dolo. Se o

tabelião intervier na lide desde o início participando de todos os atos processuais e

produção de provas, jamais poderá rediscutir a sentença de mérito, sendo alcançado

pelos efeitos da sentença em razão da intervenção no processo, pois a intervenção

“impede que o assistente discuta, futuramente, o que se chama de “justiça da

decisão” ” pelo fato do mesmo ser atingido pela fundamentação da sentença.47

O assistente poderá, porém, rediscutir a decisão futuramente se provar que

sofreu algum prejuízo em razão do momento em que ingressou no processo, provar

que lhe tenha sido negado à produção de alguma prova relevante para influir na 44 Ibidem. p. 643. 45 Ibidem. p. 175. 46 Ibidem. p. 642. 47 Idem.

prolação da sentença ou ainda se provar que desconhecia a existência de alegações

ou de provas, de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu, nos precisos

termos do artigo 55 do Código de Processo Civil.

Segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

[i] o assistente fica vinculado à fundamentação da decisão proferida contra o assistido. Não fica vinculado à coisa julgada, até porque ela não lhe diz respeito, mas fica submetido à “justiça da decisão”, ou seja, às questões resolvidas na motivação da decisão proferida no processo em que interveio.48

Desta forma, muito embora o assistente fique sujeito aos fundamentos da

sentença em decorrência de sua intervenção no processo, este não poderá ser

atingido pelos efeitos da coisa julgada, permanecendo a regra consagrada no artigo

472 do Código de Processo Civil de que a sentença faz coisa julgada apenas às

partes.

48 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 297.

3 ASPECTOS GERAIS E ORIGEM DA TESE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA

A relativização da coisa julgada surge com a intenção de afastar a

segurança jurídica, nos remetendo a visão de que a coisa julgada não pode ser

absoluta nos casos de decisões judiciais injustas que porventura possam atentar

contra a moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade bem como aos

ditames contidos em nossa Constituição Federal igualmente dignos de proteção.

O primeiro doutrinador a tratar da relativização da coisa julgada foi o jurista

Paulo Otero. Foi Paulo Otero quem iniciou as discussões no sentido de que a coisa

julgada não pode se consolidar quando eivada de vícios que contrariem preceitos ou

princípios constitucionais, mesmo considerando a segurança jurídica proporcionada

pela coisa julgada:

A idéia da defesa da segurança e certeza da ordem jurídica constitui princípios fundamentadores de uma solução tendente a limitar ou mesmo excluir a relevância da inconstitucionalidade como factor autônomo de destruição do caso julgado. No entanto, se o princípio da constitucionalidade determina a insusceptibilidade de qualquer acto normativo inconstitucional se consolidar na ordem jurídica, tal facto poderá fundamentar a possibilidade, se não a exigência, de destruição do caso julgado desconforme a Constituição.49

Para Paulo Otero, o Poder Judiciário assim como os demais poderes

originários da Constituição deve respeitar as normas constitucionais estabelecidas,

ficando suas decisões sujeitas ao controle de constitucionalidade:

[...] o poder judicial, repita-se uma vez mais, não é poder constituinte paralelo ao poder originário de feitura da Constituição, antes se apresenta como poder constituído tal como o poder legislativo ou administrativo. Em consequência, a rejeição destes dois últimos poderes ao controle de conformidade jurídica dos seus actos com o princípio da constitucionalidade não pode ser acompanhado de um estatuto diferenciado para as decisões judiciais violadoras da Constituição, em especial se estas são proferidas por tribunais sujeitos a uma ordem jurisdicional de recurso das respectivas decisões.50

49 OTERO, Paulo Manoel Cunha da Costa. Ensaio Sobre o Caso Julgado Inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993, p. 65. 50 Ibidem. p. 123.

Segundo Paulo Otero não admitir a revisão de decisões judiciais

inconstitucionais seria conferir aos tribunais “um poder absoluto e exclusivo de

definir o sentido normativo da Constituição: Constituição não seria o texto

formalmente qualificado como tal; Constituição seria o direito aplicado nos tribunais,

segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do juiz”.51

Para Paulo Otero só é possível dotar segurança e certeza jurídica a atos

contrários a Constituição quando a mesma assim estabelecer:

A segurança e a certeza jurídicas são passíveis de salvaguardar ou validar efeitos de actos desconformes com a Constituição quando o próprio texto constitucional expressamente o admite.[...] Fora de tais situações, repete-se, os valores de segurança e da certeza não possuem força constitucional autónoma para fundamentarem a validade geral de efeitos de atos inconstitucionais.52

Por outro lado, o princípio da constitucionalidade impõe que a validade de

qualquer ato do poder público deve estar em conformidade com a Constituição, ao

passo que uma decisão judicial em desconformidade com a Constituição torna-se

inválida, o que acaba ocasionando por conseqüência lógica a invalidade do caso

julgado pelo fato do mesmo estar ferido pela inconstitucionalidade.53

A partir do surgimento da tese da relativização da coisa julgada pelo jurista

Paulo Otero, no Brasil vários doutrinadores passaram a discorrer sobe o tema que

ainda hoje é controvertido e não tem um posicionamento unânime tanto na doutrina

como na jurisprudência.

Vários doutrinadores defendem a relativização da coisa julgada, outros por

sua vez nos levam a crer que a relativização da coisa julgada só poderá ocorrer

através dos meios legítimos previsto em lei tal como a ação rescisória, sendo

inviável qualquer outra forma de relativização por afrontar o próprio Estado

Democrático de Direito e por conseqüência à efetividade do direito fundamental do

acesso ao Poder Judiciário.

Um marco que evidência a aceitação da relativização da coisa julgada na

legislação infraconstitucional brasileira foi a edição da Medida Provisória nº 2.180-35

de 24 de agosto de 2001 convertida na Lei nº. 11.232/2005.

51 Ibidem. p. 35-36. 52 Ibidem. p. 61. 53 Idem.

A Lei nº. 11.232/2005 acrescentou o parágrafo único do artigo 741 do

Código de Processo Civil o qual considera “inexigível o título judicial fundado em lei

ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou

fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”.54

Com efeito, permitiu-se a partir de então nos embargos do devedor na

execução contra a Fazenda Pública a alegação de inexigibilidade do título judicial

em vista da declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo

Supremo Tribunal Federal bem como pela aplicação ou interpretação da lei ou ato

normativo tidas como incompatíveis com a Constituição Federal, inviabilizando assim

a execução contra a Fazenda Pública.

Com essa possibilidade prevista no parágrafo único do artigo 741 do Código

de Processo Civil a desconsideração da coisa julgada pode ocorrer tanto na

hipótese da declaração do Supremo Tribunal Federal ser anterior ou posterior à

formação do título executivo conforme ensina Luiz Guilherme Marinoni:

Em determinada interpretação, seria indiferente para aplicação da regra que prevê a alegação da decisão de inconstitucionalidade em oposição à execução (arts. 475-L § 1.º, e 741 parágrafo único CPC) a circunstância de a decisão do Supremo Tribunal Federal ser anterior ou posterior à formação do título executivo. Em qualquer dessas hipóteses, a inexigibilidade do título estaria caracterizada.55

A questão quanto ao efeito da declaração de inconstitucionalidade pelo

Supremo Tribunal Federal não tem unanimidade na doutrina, pois há doutrinadores

que entendem que a regra do artigo 741, parágrafo único não pode ser aplicada nos

casos de títulos executivos judiciais acobertados pelo manto da coisa julgada

anteriores a vigência da lei que acrescentou o parágrafo único do artigo 741.56

Muitos doutrinadores entendem que o parágrafo único do artigo 741 é

inconstitucional. Oportuno ressaltar que existe tramitando no Supremo Tribunal

Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn 2418-3/DF) questionando a

constitucionalidade do referido dispositivo, porém, até que o Supremo Tribunal

54 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (CPC). Artigo 741. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm Acessado em 12 set. 2012. 55 MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada Inconstitucional. 2. ed. rev., e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 123. 56 WAMBIER, Luiz Rodrigues;ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. ver., e atual. e ampl. São Paulo; Editora revista dos Tribunais, 2007, vol. 2. p.70.

Federal se pronuncie sobre a constitucionalidade do mesmo, evidentemente nada

pode obstar a sua aplicação na atual ordem jurídica.

Para o fim de cumprir o objetivo principal deste trabalho que tem como meta

estudar o instituto da relativização da coisa julgada, passa-se a partir de agora a

estudar as teses a seguir expostas consistentes nos posicionamentos favoráveis e

contrários a tese da relativização da coisa julgada.

3.1 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS FAVORÁVEIS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 3.1.1 Entendimento de José Augusto Delgado

No Brasil o primeiro doutrinador ao tratar do tema relativização da coisa

julgada foi o Ministro José Augusto Delgado.

José Delgado é um defensor da tese da relativização da coisa julgada, para

o autor, não é aceitável a força absoluta que vem sendo dada a coisa julgada ao

passo que a mesma deve ceder quando colidir com princípios de maior hierarquia

estabelecidos pela ordem jurídica:

A sublimação dada pela doutrina à coisa julgada, em face dos fenômenos instáveis supracitados, não pode espelhar a força absoluta que lhe tem sido dada, sob o único argumento que há de se fazer valer o império da segurança jurídica. Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser imposta. Contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de maior hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela sentença, por, acima de todo esse aparato se estabilidade jurídica, ser necessário prevalecer o sentimento do justo e da confiabilidade das instituições. A sentença não pode expressar comando acima das regras postas na Constituição nem violar os caminhos da natureza, por exemplo, determinando que alguém seja filho de outrem, quando a ciência demonstra que não é. Será que a sentença, mesmo transitada em julgado, tem valor maior que a regra científica? É dado ao juiz esse ‘poder’ absoluto de contrariar a própria ciência? A resposta, com certeza, é de cunho negativo.57

Um dos exemplos clássicos trazidos nas doutrinas é referente ao exame de

DNA. Quando tal exame ainda não existia determinava-se que alguém era filho de

determinada pessoa com base apenas e tão somente em provas testemunhais e

57 DELGADO, José Augusto. Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais. Apud. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa Julgada Inconstitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 46.

documentais. Delgado nos traz o caso de uma sentença transitada em julgado que

julgou que alguém era filho de determinada pessoa e com o avanço da ciência

posteriormente o exame de DNA comprovou exatamente o contrário. Esse é um

exemplo clássico para legitimar ainda mais a tese da relativização da coisa julgada,

demonstrando assim que a segurança jurídica em certos casos deve ser deixada em

segundo plano:

A sentença transitada em julgado, em época alguma, pode, por exemplo, ser considerada definitiva e produtora de efeitos concretos, quando determinar, com base exclusivamente em provas testemunhais e documentais, que alguém é filho de determinada pessoa e, posteriormente, exame de DNA comprove o contrário. [...] No exemplo referido, há de ser considerada a fragilidade das provas testemunhais e documentais em confronto com a certeza da prova pericial representado pelo DNA, em razão da credibilidade que lhe dá a ciência.58

Corroborando a tese de que a coisa julgada não pode prevalecer em alguns

casos como no exemplo citado acima, é de grande valia as ponderações feitas por

José Augusto Delgado as quais justificam e demonstram a necessidade de

relativizar a coisa julgada:

a) A grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque ela afronta a soberania da proteção da cidadania. b) A coisa julgada é uma entidade definida e regrada pelo direito formal, via instrumental, que não pode se sobrepor aos princípios da legalidade, da moralidade, da realidade dos fatos, das condições impostas pela natureza ao homem e à regras postas na Constituição. c) A sentença, ato do juiz, não obstante atuar como lei entre as partes não pode ter mais força do que as regras constitucionais. d) A segurança jurídica imposta pela coisa julgada há de imperar quando o ato que a gerou, a expressão sentencial, não esteja contaminada por desvios graves que afrontem o ideal de justiça. e) A segurança jurídica da coisa julga impõe certeza. Esta não se apresenta devidamente caracterizada no mundo jurídico quando não ostentar, na mensagem sentencial, a qualidade do que é certo, o conhecimento verdadeiro das coisas, uma convicção sem qualquer dúvida. A certeza é uma forma de convicção sobre determinada situação que se pretende objetiva, real e suficientemente subjetiva. Ela demonstra evidência absoluta e universal, gerando verdade. f) Há de prevalecer o manto sagrado da coisa julgada quando esta for determinada em decorrência de caminhos percorridos com absoluta normalidade na aplicação do direito material e do direito formal. g) A injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado.

58 Ibidem. p. 97.

h) Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é o valor infraconstitucional oriundo de regramento processual.59

Assim, podemos concluir que para o Ministro José Augusto Delgado é

perfeitamente possível relativizar a coisa julgada, tendo em vista que sentenças

injustas e contrárias a ordem constitucional jamais poderão transitar em julgado, pois

os valores da legalidade, moralidade e justiça devem prevalecer e se sobrepor a

segurança jurídica.

3.1.2 Entendimento de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e

Eduardo Talamini

Para Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo

Talamini, nos últimos anos uma parcela de processualistas brasileiros vêm

desenvolvendo a ideia de atribuir menos valor a coisa julgada, ao passo que a

segurança jurídica deve ceder espaço para outros valores da mesma relevância em

certas circunstâncias especiais. Segundo os doutrinadores “a essa tendência deu-se

o nome de relativização da coisa julgada”.60

Tais doutrinadores nos deixam claro que a revisão da coisa julgada pode

ocorrer tanto pelas vias típicas sem que se descarte a hipótese de revisão pelas vias

atípicas. O principal ponto sobre a discussão da relativização advém da simples

pergunta:

É admissível a revisão atípica da coisa julgada? Por um lado, não é possível descartar que excepcionalmente, em casos concretos, a coisa julgada – que é sem dúvida uma garantia fundamental constitucional – preste-se a acobertar sentença que manifestamente viole outros direitos fundamentais. Nesse caso, tem-se um conflito entre princípios constitucionais. Quando isso ocorrer, deverão a princípio ser usados os meios típicos de impugnação da coisa julgada (ação rescisória, embargos do art. 741, parágrafo único etc.). No entanto, quando não for admissível o emprego dos meios típicos (seja porque o caso não se enquadra em suas hipóteses de cabimento, seja porque já esgotou o prazo para o meio típico), não parece viável uma solução absoluta, na base do “ou tudo ou nada”.61

59 Ibidem. p. 95-96. 60 WAMBIER, Luiz Rodrigues;ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Op. cit. p. 525. 61 Ibidem. p. 526.

Concluem os doutrinadores que “nem é possível dizer que sempre cairá por

terra a coisa julgada, nem é possível afirmar o exato oposto, no sentido de que seria

sempre vedada a revisão atípica” e esclarecem que em tais hipóteses deve-se

aplicar o princípio da proporcionalidade.62

3.1.3 Entendimento de Cândido Rangel Dinamarco

Cândido Rangel Dinamarco ao discorrer sobre a relativização da coisa

julgada material dispõe que “mesmo as sentenças de mérito só ficam imunizadas

pela coisa julgada quando forem dotadas de uma imperatividade possível”.63 Para

Dinamarco não ficam imunizadas as sentenças que porventura tragam resultados

materialmente impossíveis e aquelas que colidirem com os valores ético, humano,

social ou político previstos e protegidos na carta magna, tendo em vista que tais

sentenças são capazes de gerar incompatibilidades jurídico- constitucional:

[...] não ficam imunizadas as sentenças que transgridam frontalmente um desses valores, porque não se legitima que, para evitar a perenização de conflitos, perenizem inconstitucionalidades de extrema gravidade ou injustiças insuportáveis e manifestas.64

Cândido Rangel Dinamarco traz em sua obra um exemplo claro ocorrido no

Uruguai de que a autoridade da coisa julgada material e o valor segurança jurídica

devem ser mitigados em casos excepcionais:

No Uruguai deu-se o caso de um fazendeiro que, havendo gerado um filho adulterino, obteve da pobre mãe da criança, sua empregada, a assinatura em um papel que outra coisa não era senão a procuração a um advogado, da confiança dele, para promover-lhe uma ação de investigação de paternidade; a demanda foi proposta, o fazendeiro defendeu-se muito bem, o advogado do autor nada provou, o juiz julgou improcedente a demanda e a sentença passou em julgado. Anos depois, havendo atingido a maioridade, o próprio filho voltou à carga com nova ação investigatória mas, como era de esperar, o réu invocou a autoridade da coisa julgada material; com extrema lucidez, Eduardo Couture demonstrou que essa autoridade não poderia prevalecer para coonestar uma fraude tão evidente e suplantar os valores da dignidade humana, expressos no direito à paternidade.65

62 Idem. 63 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 314. 64 Ibidem. p. 315. 65 Ibidem. p. 315-316.

3.1.4 Entendimento de Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria

Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria entendem que a

Constituição Federal de 1988 não atribuiu a coisa julgada natureza constitucional,

apenas determinou em seu artigo 5º, inciso XXXVI que eventual lei nova não poderia

atingir os efeitos de uma decisão não mais sujeita a recurso baseada na lei antiga:

A Constituição Federal de 1988, ao contrário da Portuguesa, não se preocupou em dispensar tratamento constitucional ao instituto da coisa julgada em si. Muito menos quanto aos aspectos envolvendo a sua inconstitucionalidade. Apenas alude à coisa julgada em seu art.5.º, XXXVI, quando elenca entre as garantias fundamentais a de que estaria ela imune aos efeitos da lei nova. Ou seja, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Como se observa, a preocupação do legislador constituinte foi apenas a de pôr a coisa julgada a salvo dos efeitos de lei nova que contemplasse regra diversa de normatização da relação jurídica objeto de decisão judicial não mais sujeita a recurso, como uma garantia dos jurisdicionados. Trata-se, pois, de tema de direito intertemporal em que se consagra o princípio da irretroatividade da lei nova.66

Nos termos dos ensinamentos de tais doutrinadores, a coisa julgada possui

natureza eminentemente infraconstitucional, razão pela qual deve ser admitida a

relativização da coisa julgada nas decisões contrárias aos ditames e princípios

constitucionais, por se tratarem de normas hierarquicamente superiores a legislação

infraconstitucional.

Demonstram ainda nítida preocupação no sentido de que não se pode

admitir que a coisa julgada seja valorada de forma superior as leis e Constituição:

A coisa julgada não pode suplantar a lei, em tema de inconstitucionalidade, sob pena de transformá-la em um instituto mais elevado e importante do que a lei e a própria Constituição. Se a lei não é imune, qualquer que seja o tempo decorrido desde a sua entrada em vigor, aos efeitos negativos da inconstitucionalidade, porque seria a coisa julgada? A única explicação para que não se tenha, até o momento, no direito brasileiro enfrentado o tema, resulta, ao que pensamos, de uma visão distorcida da idéia de imutabilidade inerente ao conceito de coisa julgada.67

Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria defendem a mesma

ideia de Paulo Otero, no sentido de que todos os atos provenientes do poder público

(executivo, legislativo e judiciário) podem ensejar efeitos negativos fruto de

66 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle. Revista dos Tribunais. São Paulo, nº 795, p. 21-40, jan. 2002. 67 Ibidem.

inconstitucionalidades, e ressaltam que não existe qualquer impermeabilidade nos

atos oriundos do poder judiciário, e por isso tais atos de igual forma encontram-se

submetidos ao princípio da constitucionalidade, assim como os atos provenientes do

poderes executivo e legislativo:

O princípio da constitucionalidade e o efeito negativo que advém do ato inconstitucional não se dirige apenas, como podem pensar os mais desavisados, aos atos do Poder legislativo. Aplicam-se a toda a categoria de atos emanados do Poder Público (Executivo, Legislativo e Judiciário). [...] Em específico, quanto aos atos do Poder Judiciário, que interessam ao presente estudo, pode-se dizer que não há a impermeabilidade aos efeitos da inconstitucionalidade, estando, pois, também submetidos ao princípio da constitucionalidade [...].68

3.1.5 Entendimento de Eduardo Talamini

O jurista Eduardo Talamini entende que a natureza jurídica da coisa julgada

é inegavelmente constitucional e discorda de parte da doutrina favorável a

relativização da coisa julgada que entende ser a natureza jurídica da coisa julgada

infraconstitucional.

Para Talamini não é aceitável que a quebra da coisa julgada seja legitimada

em qualquer caso, sustenta a necessidade de que em cada caso concreto deve

incidir a aplicação dos “princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de

concretamente definir quais valores constitucionais devem prevalecer: o da

segurança jurídica, de que a coisa julgada é instrumento, ou aqueles afrontados pelo

pronunciamento “inconstitucional”.69

Os princípios uma vez que possuidores de conteúdos radicalmente

axiológicos são dotados de valores iguais as normas, porém, ao contrário das

normas, ora os princípios incidem com grande intensidade, ora incide com menos

intensidade, a sua incidência varia de acordo com o caso concreto. Havendo a

colisão de dois ou mais princípios, os mesmos deverão ser ponderados e

balanceados.70

Para ocorrer à realização da relativização da coisa julgada, Talamini nos traz

uma forma para podermos ponderar os valores jurídicos em conflito no caso 68 Idem. 69 TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 562. 70 Ibidem. p. 563.

concreto, consistente na verificação de qual valor envolvido deve prevalecer e qual

valor é o mais urgente.71

Para isso, Talamini divide o princípio da proporcionalidade em três

subprincípios:

da adequação (a medida tem de ser suscetível de atingir o fim escolhido), da necessidade ou restrição menor possível (deve-se escolher o meio mais brando possível para a consecução do fim eleito e que não exceda os limites indispensáveis para tanto) e da proporcionalidade em sentido estrito ou ponderação propriamente dita (o ônus imposto ao valor sacrificado deve ser menor do que os benefícios propiciados ao valor prevalecente).72

Mesmo com os critérios acima expostos não é possível ainda ter a certeza

de qual valor envolvido no caso concreto deve prevalecer e se realmente a revisão

atípica da coisa julgada deverá ocorrer.73

O autor nos propõe que seja analisado no caso concreto se há alguma

evidência de erro o qual deverá consistir em um defeito evidente.74 Posteriormente

caberá ao interprete identificar os valores (princípios) fundamentais envolvidos,

lembrando que não é qualquer erro que será passível de relativizar atipicamente a

coisa julgada.75

Identificados os valores envolvidos e para relativizar a coisa julgada um dos

valores envolvidos certamente será a segurança jurídica, Talamini propõe que “há

de se atribuir a cada um deles a correspondente importância, em vista das

peculiaridades do caso” para então decidir sobre a prevalência de um ou de outro

valor.76

Portanto, Talamini nos deixa claro que somente poderá se falar em

relativização da coisa julgada:

[...] quando a concreta ponderação de bens conduzir à preponderância de outro valor em face da segurança jurídica, a regra da coisa julgada terá sua incidência afastada, excluída, no caso concreto (ao passo que o princípio da segurança jurídica será “ponderado”, cederá parcialmente espaço, será assim “relativizado”). Daí por que se pode mesmo falar em quebra, “desconsideração”, da coisa julgada.77

71 Ibidem. p. 566. 72 Idem. 73 Ibidem. p. 578. 74 Idem. 75 Ibidem. p. 584. 76 Ibidem. p. 585. 77 Ibidem. p. 577.

Estes são os posicionamentos doutrinários favoráveis a relativização da

coisa julgada e agora passaremos a expor os posicionamentos doutrinários opostos

ao tema em estudo.

3.2 POSICIONAMENTOS DOUTRINÁRIOS CONTRÁRIOS A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 3.2.1 Entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart

Os juristas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart entendem que “a

coisa julgada é inerente ao Estado de Direito e, assim, deve ser vista como um

subprincípio que lhe dá conformação”, e refutam o entendimento de José Augusto

Delgado, Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria de que a garantia

da coisa julgada prevista no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal tem

como destinatário apenas o legislador, no sentido do mesmo não poder legislar em

prejuízo da coisa julgada.78

Para os doutrinadores a coisa julgada deve ser vista como uma garantia

constitucional que o jurisdicionado possui diante do Estado e dos particulares, não

podendo a coisa julgada ser desconstituída pelo juiz:

[...] o juiz não pode desconsiderar a coisa julgada material, ainda que sob o pretexto de estar estabelecendo a sua ponderação com outro direito fundamental. É que a Constituição, ao garantir a coisa julgada material, já realizou a ponderação entre a segurança jurídica – advinda da coisa julgada – e o risco de eventuais injustiças.79

Um aspecto negativo no que diz respeito à possibilidade de relativizar a

coisa julgada em determinado caso concreto, reside no fato de que certamente as

lides se eternizariam no poder judiciário agravando assim ainda mais a demora que

atualmente os jurisdicionados têm de obter uma resposta judicial para a resolução

de seus conflitos.80

Uma crítica interessante feita por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz

Arenhart é no sentido de que admitindo que o Estado-juiz errou em determinado

78 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit. p. 684. 79 Idem. 80 Ibidem. p. 686.

julgamento, implicaria no risco de que o Estado-juiz poderia errar novamente e por

conseqüência, a relativização da coisa julgada não iria proporcionar qualquer

benefício tampouco fomentar a certeza de justiça.81

Defendem os doutrinadores ora em estudo que a coisa julgada pode ser

revista nas hipóteses tipificadas pela lei como por exemplo, através da ação

rescisória expressamente prevista em lei.82 Evidenciam ainda que eternizar as

possibilidades de revisão da coisa julgada “pode estimular a dúvida e, desse modo,

dificultar a estabilização das relações”83.

Desta forma, para os doutrinadores a coisa julgada deve prevalecer em

face da tese da relativização da coisa julgada, pois:

[...] de nada adiantaria falar em direito de acesso à justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente. Por isso, se a definitividade inerente à coisa julgada pode, em alguns casos, produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso, ela simplesmente possa ser desconsiderada.84

3.2.2 Entendimento de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira

Segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira permitir a

relativização da coisa julgada é algo que traz grande preocupação, pois relativizar

uma decisão pelo fato dela ser supostamente injusta “significa franquear ao

Judiciário uma cláusula geral de revisão da coisa julgada, que pode dar margem a

interpretações das mais diversas, em prejuízo da segurança jurídica”.85

Salientam na mesma linha de raciocínio de Marinoni e Arenhart que:

Não se pode negar que a indiscutibilidade da coisa julgada pode perenizar em alguns caso, situações indesejadas – com decisões injustas, ilegais, desafinadas com a realidade fática. E foi para abrandar esses riscos que se trouxe previsão de hipóteses em que se poderia desconstituí-la. Com isso, buscou-se harmonizar a garantia da segurança e estabilidade das situações jurídicas com a legalidade, justiça e coerência das decisões jurisdicionais.86

81 Idem. 82 Ibidem. p. 685. 83 Ibidem. p. 681. 84 Ibidem. p. 669. 85 JR. Fredie Didier; BRAGA Paula Sarno; OLIVEIRA Rafael. Op. cit. p. 442. 86 Ibidem. p. 443.

Acrescentam ainda que as concepções de relativização atípica da coisa

julgada são temerosas, pois “defendem a prevalência do “justo”, mas não definem o

que seja o “justo””. 87

Justificam o posicionamento contrário a relativização da coisa julgada por

critérios atípicos nos seguintes fundamentos: a) a decisão judicial estabelecida em

um caso concreto torna-se uma nova norma jurídica individualizada. Essa nova

norma advém de um procedimento onde foi garantido o contraditório e participação

democrática dos interessados na solução da lide e também pelo fato de não poder

se falar em justiça anterior ao processo; b) a coisa julgada justifica-se no sentido de

que a decisão proferida pelo órgão jurisdicional tem de ser a última palavra para o

caso concreto, evitando assim que seja perpetuada a insegurança jurídica; c) a lide

é provida de pura incerteza, pois no curso da demanda não é possível saber quem

será o vencedor, ao passo que o direito postulado pelo autor é uma mera

expectativa; d) não pode ser admissível que em razão de situações particulares

absurdas e excepcionais criem-se teorizações abstratas que decorrem justamente

de situações excepcionais.88

Ressaltam que o instituto da coisa julgada foi “construído ao longo dos

séculos e reflete a necessidade humana de segurança. Ruim com ela, muito pior

sem ela. Relativizar a coisa julgada por critério atípico é exterminá-la”.89

Conclui-se, portanto, que existe a necessidade de se repensar nesse

instituto de forma moderada e com cuidado, utilizando-se preferencialmente de

critérios expressamente previstos em lei.90

3.2.3 Entendimento de Nelson Nery Junior

Nelson Nery Junior entende que a coisa julgada possui natureza

constitucional e é um dos elementos que forma a própria essência do Estado

Democrático de Direito (Artigo 1º, caput da Constituição Federal), tendo sua

87 Idem. 88 Ibidem. p. 447. 89 Idem. 90 Idem.

proteção não apenas no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição, mas também na

norma que descreve os fundamentos da República.91

Para Nelson Nery desconsiderar a coisa julgada é uma ofensa a Carta

Magna, que acabaria inviabilizando a aplicação do princípio fundamental do Estado

Democrático de Direito.92

Para o doutrinador:

De nada adiantaria a doutrina que defende essa tese pregar que seria de aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira vai, seguramente alargar os seus expectros – vide mandado de segurança para dar efeito suspensivo a recurso que legalmente não tinha, que de medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da história do processo civil brasileiro – de sorte que amanhã poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada e como exceção, para os pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada.93

Nelson Nery Junior traz em sua obra o exemplo ocorrido na ditadura

totalitária no nacional-socialismo alemão:

Adolf Hitler assinou, em 15.7.1941, a Lei para Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, dando poderes ao parquet para dizer se a sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do povo alemão [...] Se o Ministério Público alemão entendesse que a sentença era injusta, poderia propor ação rescisória [...] A injustiça da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela ação rescisória alemã nazista.94

No entendimento do doutrinador interpretar a coisa julgada com a finalidade

de decidir se ela é justa ou injusta, corresponde a um instrumento eminentemente

totalitário de esquerda ou de direita completamente incompatível com o Estado

Democrático de Direito.95

Ressaltando oportunamente, Nelson Nery Junior lembra que na ditadura

totalitária no nacional-socialismo alemão que evidentemente não se fundava em um

Estado Democrático de Direito, os nazistas não resolveram simplesmente

91 NERY JUNIOR, Nelson. Op. cit. p. 67. 92 Ibidem. p. 66. 93 Idem. 94 Idem. 95 Idem.

desconsiderar a coisa julgada, mas sim criaram uma nova forma legal de

rescindibilidade da sentença de mérito.96

Segundo Nelson Nery Junior:

O processo civil é instrumento de realização do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual reclama o comprometimento do processualista com esses preceitos fundamentais. Sem democracia e sem estado democrático de direito o processo não pode garantir a proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. Desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia, que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo.97

Nelson Nery Junior é contrário a relativização da coisa julgada mesmo que a

mesma justifique-se pelo princípio da proporcionalidade:

Permitir que o magistrado, no caso futuro, profira decisão sobre o que fez e o que não fez coisa julgada, a pretexto de que estaria aplicando o princípio da proporcionalidade, não é profligar-se tese de vanguarda, como à primeira vista poderia parecer, mas ao contrário é admitir a incidência do totalitarismo nazista no processo civil brasileiro.98

Outra crítica levanta pelo doutrinador reside no fato de que parte dos juristas

brasileiros então querendo desconsiderar a coisa julgada sem expressa disposição

legal, nos casos em que o intérprete achar conveniente e sem qualquer prazo para

isso ocorrer, podendo a relativização da coisa julgada ser alegada a qualquer

tempo.99

Desta forma, o doutrinador ora estudado adota o entendimento de que a

mitigação da coisa julgada só poderá ser admitida através dos mecanismos legais

expressos na legislação tais como a ação rescisória, revisão criminal e coisa julgada

secundum eventum litis.100

3.2.4 Entendimento de Ovídio Araújo Baptista da Silva

96 Idem. 97 Ibidem. p. 65. 98 Ibidem. p. 69. 99 Idem. 100 Ibidem. p. 63.

Ovídio Araújo Baptista da Silva entende que a suposta injustiça de

determinada sentença não pode ser fundamento para afastar a coisa julgada, pois

segundo ele, uma sentença que reformou a anterior pode muito bem ser entendida

como injusta pela outra parte que poderá pleitear novamente a sua reforma

ocasionando assim, que as lides fiquem eternamente sendo discutidas, até porque a

justiça não é um valor absoluto podendo variar de acordo com as pessoas, crenças

políticas, morais e religiosas de cada sociedade.101

Completa o referido autor que:

A coisa julgada cederia à injustiça contida na primeira sentença, porém a segunda seria inatacável, pelos mesmos fundamentos. A injustiça destruiria “primeira coisa julgada”, mas a sentença que o reconhecesse seria, ipso iure, justa e não abusiva! Porém, qual haveria de ser o fundamento para a intangibilidade desta “segunda coisa julgada”: Em resumo: quem poderia impedir que o sucumbente retornasse, no dia seguinte, com uma ação inversa, pretendendo demonstrar a injustiça da segunda sentença? Porventura, a coisa julgada...? Esta forma de atacar a coisa julgada deve-se, muitas vezes, à prévia aversão de quem a impugna contra determinada sentença tida por ele, enquanto sucumbente na respectiva demanda, como “injusta” ou “ilegal”.102

Para Ovídio da Silva faz-se necessário uma revisão no sistema de proteção

a coisa julgada existente na atual ordem jurídica, pois a modernidade acaba

implicando numa grande redução dos casos de indiscutibilidade da coisa julgada.103

Essa revisão, no entanto, deve ter como objetivo modernizar os mecanismos

de relativização da coisa julgada que decorrem justamente das novas inspirações

jurídicas, devendo ocorrer essa modernização através dos instrumentos típicos

como o da ação rescisória ou de um sistema adequado para a querela nullitatis.104

Para o autor não se pode querer relativizar a coisa julgada através de

argumentos que tenha como pressupostos valorativos a “injustiça” da sentença, a

sentença “abusiva”, a “moralidade” administrativa ou outras expressões análogas,

pois isso acarretaria na criação de demandas rescindentes atípicas, genéricas ou

inominadas.105

101

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Coisa Julgada Relativa?. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/Artigos.asp?ordem1=artigo. Acesso em 17 set. 2012. 102 Ibidem. 103 Idem. 104 Idem. 105 Idem.

4 JULGADOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

RECURSO ESPECIAL nº 646.140 – SP

O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº.

646.140 – SP decidiu pela prevalência da coisa julgada em uma ação declaratória

de negativa de paternidade que tinha como objetivo reformar decisão anterior

acobertada pelo manto da coisa julgada onde foi reconhecida a paternidade do

recorrente.

O recorrente alegou em suas razões que o estado de filiação é questão de

direito personalíssimo, logo, imprescritível, razão pela qual tendo em vista o

surgimento de técnica nova consistente no exame de DNA poderia comprovar a

negativa de paternidade buscando assim a verdade real.

O Ministro João Otávio de Noronha julgou ser inviável a desconstituição da

coisa julgada mesmo que tenha sido proferida com base em tecnologia superada

trazendo à colação outros julgados daquela corte superior.

Para o Ministro permitir a rediscussão do caso em razão de prova ou

tecnologia nova, significaria deixar os litígios abertos a discussão ad eternum, o que

acabaria ocasionando um estado eterno de incerteza e perturbação.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 363.889 – DF

No ano passado o Supremo Tribunal Federal decidiu relativizar a coisa

julgada no exame de uma ação de investigação de paternidade em que a sentença

julgou o processo extinto sem o julgamento de mérito por falta de prova.

Para o Ministro Relator Dias Toffoli, em vista do direito à personalidade que

envolve a questão, aliado ao avanço da ciência que é capaz de oferecer quase que

a certeza absoluta quanto à existência do vínculo genético, deve prevalecer o exame

de DNA e ser relativizada a coisa julgada em detrimento da segurança jurídica em

prol da verdade real.

A relativização da coisa julgada foi motivada ainda, pelo fato de não ter sido

realizado o exame de DNA na época do ajuizamento da primeira ação, uma vez que

o autor era beneficiário da justiça gratuita e não possuía condições de pagar pelo

referido exame. Concluiu-se, portanto, que o Estado faltou com o seu dever de

assistência jurídica ao passo que não custeava tal exame inviabilizando a realização

do mesmo.

O acórdão consignou não ser admissível que a lei processual possa gerar

obstáculos na busca da identidade genética do individuo, por se tratar de um direito

fundamental relativo à personalidade que neste caso por maioria de votos venceu e

foi preponderantemente superior a segurança jurídica.

Desta forma, certamente esse acórdão trata-se de um paradigma que vai

colocar fim na controvérsia existente na doutrina e jurisprudência acerca da

possibilidade de desconstituir a coisa julgada, ao menos nos casos relativos às

questões de exame de DNA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se verificou no presente trabalho a relativização da coisa julgada é

um instituto polêmico que não possui um entendimento unânime tanto na doutrina

como na jurisprudência.

Alguns doutrinadores defendem que a coisa julgada é um instituto de

natureza constitucional próprio do Estado Democrático de Direito e não pode ceder

em detrimento de outros valores, até porque isso poderia ocasionar uma grande

insegurança aos jurisdicionados.

Outros doutrinadores entendem que a coisa julgada possui natureza

infraconstitucional podendo ser relativizada sem qualquer problema quando em

confronto com outros valores e princípios constitucionais, tendo em vista que estes

devem prevalecer em face da coisa julgada e segurança jurídica.

Embora existam no atual ordenamento jurídico mecanismos capazes de

relativizar a coisa julgada através de formas típicas previstas em lei como a ação

rescisória prevista no artigo 485 do Código de Processo Civil bem como pela

impugnação ao cumprimento se sentença previsto no artigo 475-L §1º e também

pelo parágrafo único do artigo 741 que possibilita os embargos à execução na

execução contra a Fazenda Pública, constata-se na doutrina uma necessidade de

ampliar as hipóteses de desconstituição da coisa julgada.

A nova redação que a Lei nº. 11.232/005 deu aos artigos 475-L e 741 do

Código de Processo Civil podemos dizer que foi uma das grandes vitórias em prol da

relativização da coisa julgada na legislação brasileira.

Todavia, muitos doutrinadores defendem a relativização da coisa julgada

através de formas atípicas tendo em vista que a injustiça de determinada decisão

não pode ser admitida, devendo a coisa julgada ser afastada em face de outros

valores de igual ou até superior hierarquia dignos de igual proteção constitucional.

Acreditamos que para chegar a um consenso e acabar com tamanha

divergência existente atualmente sobre o tema, faz-se necessário uma revisão na

legislação no sentido da mesma ser atualizada de acordo com as novas

necessidades impostas pela modernidade e pelos novos entendimentos. O

surgimento do exame de DNA é uma técnica nova que demonstra de forma clara a

necessidade do legislador atualizar a legislação.

Por outro lado, até que uma eventual revisão legislativa seja efetivada para

colocar fim na controvérsia existente, nos parece uma boa saída àquela

demonstrada por Eduardo Talamini, consistente na ponderação de valores através

dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Em um caso concreto, fazendo o Juiz uma ponderação entre os valores

envolvidos na lide, analisando qual valor deve prevalecer em face de outro,

certamente é um meio de se evitar injustiças e determinar a preponderância de um

valor em face de outro se utilizando até mesmo a experiência e sensibilidade do

magistrado.

Não se busca com a ponderação de valores decorrente da proporcionalidade

e razoabilidade a banalização da relativização da coisa julgada, busca-se que a

segurança jurídica seja afastada quando colidir com valores e princípios também

dignos de proteção com a finalidade de evitar injustiças.

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