universidade federal do rio de janeiro instituto … · por que guardamos coisas e não nos...

280
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO CAROLINE AGNE VANZELLOTTI NÃO USO DE BENS: Conceitos e Procedimentos RIO DE JANEIRO 2016

Upload: lamtu

Post on 12-Feb-2019

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

CAROLINE AGNE VANZELLOTTI

NÃO USO DE BENS:

Conceitos e Procedimentos

RIO DE JANEIRO

2016

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

CAROLINE AGNE VANZELLOTTI

NÃO USO DE BENS:

Conceitos e Procedimentos

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Coppead de

Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em

Administração.

Orientadora: Prof. Dra. Leticia Moreira Casotti

Co-Orientador: Prof. Dr. Marcelo Jacques Fonseca

RIO DE JANEIRO

2016

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças
Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

CAROLINE AGNE VANZELLOTTI

NÃO USO DE BENS:

Conceitos e Procedimentos

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Coppead de Administração, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor

em Administração.

Aprovada por:

_______________________________________________________

Prof. Letícia Casotti, D.Sc. – Orientadora

Presidente da Banca

(COPPEAD/UFRJ)

_______________________________________________________

Prof. Marcelo Fonseca, D.Sc. – Co-Orientador

(UNISINOS)

_______________________________________________________

Profª. Maribel Suzarez, D.Sc.

(COPPEAD/UFRJ)

_______________________________________________________

Prof. Eduardo Ayrosa, D.Sc.

(UNIGRANRIO)

_______________________________________________________

Profª. Ângela da Rocha, D.Sc.

(PUC-RJ)

_______________________________________________________

Profª. Cecília Mattoso, D.Sc.

(ESTÁCIO)

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

Para Samuel, Antônio, Caio, Mari e Cátia.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu marido Samuel, que me aguentou pacientemente nesse período de

doutoramento. Que me viu eufórica, chorosa e orgulhosa dessa tese. A meu filho, Antônio, que

me ensinou a ser uma pessoa mais dedica e determinada. A meus pais, Caio e Mari, que com

todo amor e carinho, se desdobraram para me auxiliar a concluir este processo. A minha irmã,

Cátia, pelas leituras, correções, contribuições e ouvido emprestado para muitas lamúrias.

Agradeço a Letícia por ser ela. Por ser uma pessoa completamente fora do comum, que

me acolheu, me orientou, me estimulou e nunca me deixou esmorecer. Obrigada por estar ao

meu lado, obrigada pelo carinho e por acreditar que conseguiríamos. Obrigada pelas correções,

pelos direcionamentos, pelas “visitas” a Porto Alegre e por ser mais que uma orientadora, ser

uma amiga.

Obrigada ao querido Marcelo Fonseca, que surgiu como uma luz no final do processo.

Obrigada pelas conversas, pelas dicas, por compartilhar os anseios de uma doutoranda e por

sempre estar com a mão estendida para mim.

Obrigada as minhas amigas, Giselle, Renata e Viviane, por me estimularem e por me

desculparem pelas ausências imensas.

Obrigada as minhas colegas Marina, Ytauana e Fernanda Borelli, pelo companheirismo,

papos e por me levarem com vocês.

Obrigada a ESPM, por ter me incentivado e estimulado a perseguir o título de doutora,

dando a ele a relevância que merece. Aos colegas queridos que viveram comigo os anos de

estudos, preparação, testes e escrita dessa tese, especialmente a amada colega Roberta Sartori,

que tem sido um ombro amigo e pela correção de última hora. Agradeço em especial, a Marcelo

Guedes, Renê Luiz Goellner e Roberto Salazar, pessoas especiais e gestores incríveis que

muitos contribuem para minha vida pessoal e profissional.

Obrigada ao Coppead, a UFRJ, a Capes e a Cátedra L’Oreal Paris pelo financiamento.

Obrigada aos professores da PUC-Rio, Ângela da Rocha e Luís Fernando Hor-Meyll,

que me receberam como aluna visitante e foram fundamentais para minha formação. Obrigada

a EBAPE – FGV, especialmente a professora Sílvia Vergara, profissional incrível que tive a

honra de ver lecionar.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

We work with being,

but non-being is what we use.

Lao Tzu

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

RESUMO

VANZELLOTTI, Caroline Agne. Não Uso de Bens: Conceitos e Procedimentos. 2016. 278 p.

Tese (Doutorado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

A discussão sobre o não uso de bens e serviços é incipiente em comportamento do consumidor.

A partir de uma pesquisa interpretativista, o presente buscou compreender o não uso do

consumidor. Com vistas a responder a seguinte questão: o que é não uso, adota-se uma

perspectiva cultural do consumo, considerando que os significados culturais são construídos

pela relação sujeito-objeto. A materialidade da cultura é tratada a partir de três caminhos

teóricos: consumo, cultura material e a representação dos objetos nas pesquisas de

comportamento do consumidor. Os métodos empregados nas três fases de coleta de dados foram

a desk research, a netnografia em blogs de maquiagens e cosméticos e, principalmente,

entrevistas em profundidade, com uso de narrativa e história de vida e fotografias da residência

das 35 mulheres entrevistadas. Foi realizado, ainda, um grupo focal, com seis mulheres, que

puderam falar sobre seus não usos. Os resultados trazem uma proposta conceitual para o não

uso, que caracteriza suas propriedades e limites. Apresentam, também, o processo que conduz

ao não uso, a partir da descrição dos caminhos percorridos pelos bens não usados. As razões

para não se desfazer de bens não usados são explicadas, a partir do reconhecimento das funções,

ligações e significados do não uso. Além disso, descreve-se os procedimentos empregados pelas

entrevistadas nos bens não usados. O presente trabalho contribui para elucidar um fenômeno

comum entre os consumidores, mas ainda pouco estudado.

Palavras chave: não uso, cultura do consumo, cultura material, materialidade.

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

ABSTRACT

VANZELLOTTI, Caroline Agne. Não Uso de Bens: Conceitos e Procedimentos. 2016. 278 p.

Tese (Doutorado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

The discussion on non-use of goods and services is incipient in consumer behavior. From an

interpretative research, the present study sought to understand the non-use of consumers.

Looking to answer the question: what is non use?, it adopts a cultural perspective of

consumption, considering that the cultural meanings are constructed by the subject-object

relation. The materiality of the culture is treated from three theoretical paths: consumption,

material culture and the representation of objects in consumer behavior research. The methods

used in three phases of data collection were desk research, netnography conducted in makeup

and cosmetic blogs and, mainly, in-depth interviews, using narrative and life history and

photographs of the residence of the 35 women interviewed. A focal group was also held, with

six women, who could talk about their non-uses. The results present a conceptual proposal for

non-use, which characterizes its properties and limits. They also present the process that lead

to non-use, from the description of the paths maked by the unused goods. The reasons for not

disposing unused goods are explained through recognizing the functions, connections and

meanings of non-use. In addition, the procedures used by interviewees in unused goods are

described. The present work contributes to elucidate a phenomenon common among

consumers, but still little studied.

Key Words: Non-use, consumer culture, material culture, materiality.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema Gráfico das Contribuições Iniciais do Campo de Conhecimento ............ 21

Figura 2 - Abordagens Teóricas da Cultura Material. ............................................................. 31

Figura 3 - Processo Psicológico de Disposição de Bens .......................................................... 72

Figura 5 – Taxonomia de Decisão sobre a Disposição de Objetos .......................................... 76

Figura 5 – Quarto Jo, 21 ......................................................................................................... 134

Figura 6 – Quarto Cal, 20 ....................................................................................................... 135

Figura 7 – O Conceito de Não Uso. ....................................................................................... 149

Figura 8 – Processo de Não Uso ............................................................................................. 156

Figura 9 – Etapas da Aquisição .............................................................................................. 165

Figura 10 – Armário de Cela .................................................................................................. 188

Figura 11 – Não Usos de Dora ............................................................................................... 189

Figura 12 – Sombras não usadas de Mara. ............................................................................. 190

Figura 13 – Esteira não usada de Ruth. .................................................................................. 192

Figura 14 – Os excessos de Ju. ............................................................................................... 193

Figura 15 – Os excessos de Jo. ............................................................................................... 194

Figura 16 – Continuum do Não Uso. ...................................................................................... 197

Figura 17 – Não Usos Guardados de Mana - Sapatos ............................................................ 217

Figura 18 – Não Usos Guardados de Mana – Roupas e Bolsas ............................................. 218

Figura 19 – Não Usos Guardados de Ruth - Fondues ............................................................ 219

Figura 20 – Não Usos Guardados de Tata .............................................................................. 220

Figura 21 – Não Usos Escondidos de Lia .............................................................................. 221

Figura 22 – Não Usos Escondidos de Cica ............................................................................ 222

Figura 23 – Cantinhos da bagunça ......................................................................................... 225

Figura 24 – A “gaiola” de Val ................................................................................................ 226

Figura 25 – Emoção ao reencontrar a Barbie escondida. ....................................................... 227

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Características da Abordagem Cultural................................................................... 39

Quadro 2 – Característcas do Apego às Posses ........................................................................ 50

Quadro 3 – Fontes de Criação de Significado Através da Posse de Bens ................................ 61

Quadro 4 – Tipo de Apego a Posses ......................................................................................... 67

Quadro 5 – Motivações para Manter Bens ............................................................................... 81

Quadro 6 – Correlação entre motivos e razões para não uso.................................................. 116

Quadro 7 – Fases da Coleta de Dados .................................................................................... 127

Quadro 8 – Perfil das Entrevistadas Fase 1 ............................................................................ 133

Quadro 9 – Perfil das Entrevistadas Fase 2 ............................................................................ 137

Quadro 10 – Perfil das Entrevistadas Grupo Focal ................................................................ 139

Quadro 11 – Perfil das Entrevistadas Fase 3 .......................................................................... 140

Quadro 12 – Objetos Não Usados .......................................................................................... 151

Quadro 13 - Características do Não Uso ................................................................................ 154

Quadro 14 – Fatores que levam ao não uso ............................................................................ 177

Quadro 15 - Características do Reconhecimento do Não Uso. .............................................. 209

Quadro 16 – Não Usos Singulares e Comuns......................................................................... 210

Quadro 17- Procedimentos do Não Uso. ................................................................................ 215

Quadro 18 – Principais Achados do Trabalho ........................................................................ 234

Quadro 19 – Comparação de Conceitos ................................................................................. 242

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 14

1.1 Objetivos ......................................................................................................... 20

2 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DE CONHECIMENTO ...................................... 21

2.1 Consumo ......................................................................................................... 22

2.2 Cultura Material .............................................................................................. 27

2.2.1 Abordagem Crítica Marxista .................................................................... 32

2.2.2 Abordagem Estruturalista Semiótica ........................................................ 34

2.2.3 Abordagem Cultural ................................................................................. 36

2.3 Objetos nas Pesquisas em Comportamento do Consumidor .......................... 45

2.3.1 Apego às posses ........................................................................................ 49

2.3.1 Significados (Tipos/Valor) do Apego ........................................................ 58

2.3.2 Desapego e Descarte ................................................................................ 70

2.3.1 Manter, Guardar e Acumular ................................................................... 78

2.3.1 Coleção ..................................................................................................... 83

2.3.1 Abandono .................................................................................................. 87

2.3.2 O Lado Obscuro do Consumo ................................................................... 89

2.4 Não Uso ........................................................................................................ 107

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ......................................................................... 119

3.1 Posicionamento Paradigmático ..................................................................... 119

3.1.1 Vertente de Pesquisa ............................................................................... 121

3.1.2 Consumer Culture Theory ....................................................................... 125

3.2 Estratégias de Pesquisa ................................................................................. 127

3.2.1 Fase 1: Conhecendo o Não Uso ............................................................. 127

3.2.1 Fase 2: Ampliando o campo ................................................................... 136

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

3.2.2 Fase 3: Delimitando o Não Uso ............................................................. 138

3.3 Análise dos Dados ........................................................................................ 141

4 ACHADOS DO CAMPO ............................................................................................ 143

4.1 Construção do Conceito de Não Uso ............................................................ 143

4.1.1 A Materialidade das Posses Não Usadas ............................................... 150

4.1.2 O Não Uso A Partir Da História De Bibi ............................................... 152

4.1.3 Delimitações A Partir Das Características Do Não Uso ....................... 154

4.2 Caminhos Percorridos pelos objetos não usados .......................................... 155

4.2.1 Pré-Aquisição .......................................................................................... 157

4.2.2 Aquisição ................................................................................................. 162

4.2.3 Consumo .................................................................................................. 176

4.3 Reconhecimento do Não Uso ....................................................................... 201

4.3.1 Funções do Não Uso ............................................................................... 202

4.3.2 Reconhecimento do tipo de ligação com posses não usadas .................. 205

4.4 Procedimentos empregados nos objetos não usados. .................................... 215

5 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO FINAL ............................................................... 229

5.1 Revisitando Objetivos e a Trilhas Percorridas .............................................. 229

5.2 Principais Achados do Trabalho ................................................................... 233

5.3 Contribuições Teóricas ................................................................................. 240

5.4 Sugestões de Estudos Futuros Limitações do Estudo Presente .................... 243

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 244

APÊNDICE 1 - ROTEIRO FASE 1 .................................................................................... 265

APÊNDICE 2 - ROTEIRO FASE 2 .................................................................................... 268

APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3 ................................................................................... 276

APÊNDICE 4 - Email de Recrutamento Fase 1 ................................................................ 279

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

14

1 INTRODUÇÃO

O consumo é um fato na sociedade contemporânea. Acumulamos ao longo dos anos

objetos e bens que nos ajudam a contar um pouco da nossa história pessoal. A cultura material

e a posse de bens vêm sendo estudada por diferentes campos do conhecimento (DOUGLAS;

ISHERWOOD, 2013; DOUGLAS, 2007; MILLER, 2010), tendo em perspectiva, que guardar

e acumular coisas são parte da condição humana e está relacionado com nossos instintos de

preservação e caça (CHERRIER E PONNOR, 2010). Inevitavelmente, compramos coisas que

precisamos; que desejamos; que não precisamos, mas desejamos; coisas que usamos e coisas

que não usamos.

Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu

guarda-roupas e me deparo com peças nunca usadas ou usadas apenas uma vez? Qual a

justificativa para manter produtos de beleza e higiene, como esmaltes, maquiagens, cremes ou

perfumes, que ficam guardados no fundo das gavetas e armários? Será possível explicar por

que olha para minha prateleira cheia de temperos culinários nunca abertos e (sempre) penso que

deveria usá-los com maior frequência?

Chamamos todos esses comportamentos de não uso. Não usar coisas que se tem parece

ser um fato corriqueiro, comum a diversos consumidores. No entanto, poucos estudos são

encontrados sobre coisas não usadas em nossa área de conhecimento (BOWER; SPROTT,

1995; TROCCHIA; JANDA, 2002). Os poucos existentes focam-se em descrever a

racionalidade por trás do não uso de bens, considerando-o uma consequência da falta de

planejamento de compra. Nenhum deles visa, portanto, compreender o significado dos bens que

temos e não usamos.

A curiosidade sobre o não uso surgiu quando desenvolvi minha dissertação de mestrado.

Naquele momento percebi que os entrevistados diziam comprar cosméticos anti-sinais pela

esperança de que esses produtos fossem mantê-los jovens por mais tempo (VANZELLOTTI,

2007). Havia, contudo, uma dimensão nova, que eu não esperava encontrar, nesse processo de

criação e manutenção da esperança: os produtos comprados nem sempre eram usados. Pelo

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

15

relato das entrevistadas o fato de ter o produto em seu armário já construía, por si só, uma ponte

para o eu idealizado da juventude eterna (ou prolongada).

As justificativas para que não usar os produtos eram vagas, mas, ao mesmo tempo,

pareciam ligar-se às dificuldades em incorporar os processos de uso desses cosméticos nos

hábitos que faziam parte de suas rotinas diárias. A pesquisa de Casotti, Suarez e Campos (2008),

que buscou compreender os itinerários do consumo de produtos de beleza de mulheres de classe

afluente, já sugeria a existência de um “cemitério” de produtos nos armários femininos, ou seja,

produtos não descartados que nunca haviam sido usados. Nessa pesquisa, as entrevistadas

justificam o não uso e o não descarte de diferentes maneiras, tais como, dificuldade de

incorporar o uso de produtos à sua rotina, falta de tempo e lembranças do passado.

Passei a pensar no universo de coisas as pessoas compram e não usam em suas vidas.

Usei minha família como objeto de observação inicial, pois a quantidade de coisas que meus

pais possuem dentro de casa é impressionante. Minha mãe me relatou que a decisão de morar

em uma casa, ao invés de um apartamento, se devia ao espaço disponível para guardar objetos,

armazenar lembranças e estocar produtos, que ela acredita poder ser útil no futuro a alguém da

família. Sua história sobre como tais objetos foram sendo armazenados me lembrou a história

de Lois Roget, uma das informantes de McCracken (2003). Assim como Lois Roget, muitos

bens mantidos por minha mãe não foram comprados, mas herdados ou ganhos. Todos aqueles

itens que nunca a vi usar pareciam ajudá-la a manter sua identidade, lembrá-la de onde ela vem

e quem foram seus antepassados. Serviam para contar a história de sua vida, recordando fases

e eventos passados e resguardando a família para o futuro, pois, segundo ela “quem guarda

sempre tem”.

Percebi que o processo de não uso poderia ser mais complexo do que inicialmente

imaginei, pois havia peculiaridades que não poderiam ser explicadas em uma análise

superficial. As primeiras questões que levantei sobre o não uso foram: porque as pessoas

compram coisas que não usam? Porque não jogam fora, doam ou vendem coisas que não usam

mais (ou nunca usaram)? O que representam essas “coisas” que ficam expostas, mas não são

usadas ou aquelas que ficam lá... em cantos ou gavetas, fundos de armários, sótãos, depósitos,

bem em cima ou bem em baixo, onde são “esquecidos”? Quais os significados desses bens e

dessas práticas para os consumidores? O tema central deste projeto de tese surgiu a partir deste

questionamento: o que leva as pessoas a possuírem bens que não usam?

No campo de estudos do consumo têm-se buscado compreender como as pessoas

escolhem e usam seus bens, colocando-os em suas vidas e atribuindo a eles significados que

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

16

podem tirá-los do status de meras commodities (EPP; PRICE, 2010; BORGERSON, 2005;

BELK, WALLENDORF; SHERRY, 1989). As escolhas dos consumidores, suas experiências

e seus produtos são compreendidas como capazes de criar de identidade (VALENTINE;

GORDON, 2000), emancipar (KOZINETS, 2002) e transformar o self (AHUVIA, 2005;

BELK, 1988). Além disso, posses têm a capacidade de comunicar aos outros o autoconceito do

sujeito e transmitir status (ARNOULD; PRICE, 1993). Os processos e os significados do uso

de bens e serviços vêm sendo analisados sob a ótica da criação de significado cultural há pelo

menos 30 anos, representando as relações dinâmicas entre as ações dos consumidores, o

mercado e os significados culturais (ARNOULD; THOMPSON, 2005a). Contudo, a

compreensão dos objetos não usados pelos consumidores ainda requer estudos mais

aprofundados.

O não uso é abordado na literatura de comportamento em apenas dois trabalhos: um

publicado Journal of Consumer Marketing, em 2002, por Phillip Trocchia e Swinder Janda,

ambos da Kansas State University; e o outro publicado por Amanda Bower e David Sprott, da

University of South Carolina no Advances in Consumer Research no ano de 1993. Os dois

estudos possuem uma abordagem tradicional de pesquisa, pressupondo a racionalidade do

consumidor e abordando o fenômeno a partir de procedimentos metodológicos hipotético-

dedutivos (VERGARA, 2009). Nestes estudos, o não uso é entendido a partir de sinônimos

como: unused products, non-usage, non-used, neglected objetcs, under-consume, nerver used

at all, never utilized or consumed, under-utilized, purchased itens that are not consumed,

wasteful purchase, haphazard consumer purchase, entre outros. Seus pressupostos principais

partem do não uso como consequência da compra não planejada ou mal planejada. Os autores

elencam razões para o não uso considerando fatores do ambiente, fatores decisórios (BOWER;

SPROUT, 1993), baixo custo, reposição de itens de consumo regular, impulsividade, compra

insatisfatórias e necessidade de auto-desenvolvimento (TROCCHIA; JANDA, 2002).

Nestas pesquisas, o processo de tomada de decisão é apresentado como um antecedente

do não uso, no qual há dois níveis de decisão, separadas por ocorrerem em momentos distintos:

a decisão de compra e a decisão de consumo. Eles representam práticas ligadas a problemas ou

dificuldades na compra, ou a compras que não deram certo. Imagine, por exemplo, quando você

pede uma refeição em um restaurante e está decidido a comer ali mesmo, naquele momento.

Decisão de compra e consumo são simultâneas, neste caso. Agora, imagine que você decide

comprar um alimento no supermercado para ser preparado em casa. Essa decisão envolve dois

momentos separados no tempo e no espaço (BOWER; SPROTT, 1994).

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

17

Pela descrição de Bower e Sprout (1994) o não uso parecia ser um fenômeno

relativamente simples de ser compreendido. Assim, fui a campo logo no primeiro ano de

doutorado, baseada nessa abordagem causal, segundo a qual o não uso ocorre por problemas na

compra. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com uma complexidade fantástica em

relação ao não uso dos consumidores. Havia muito pouco de racionalidade nas histórias de

minhas informantes. Suas razões para não usar eram tão variadas e tão diferentes do que aqueles

autores afirmavam, que não seria possível usar técnicas dedutivas para interpretá-las.

Foram necessárias mais duas rodadas de coleta de dados e muitas horas de análise para

tentar descrever o que encontrei no campo: um fenômeno envolvente, comum e complexo.

Havia tantas fronteiras com conceitos próximos, que pensei que o não uso fosse, talvez, uma

bricolagem de outros conceitos. Contudo, havia também características únicas e originais nesse

tipo de comportamento dos consumidores. As abordagens feitas até então sobre o não uso

haviam desconsiderado as múltiplas possibilidades existentes entre possuir, manter e usar um

bem, descontextualizando o consumidor e o próprio objeto não usado. Os significados do não

uso estavam camuflados, ocultos em diferentes procedimentos de consumo.

Ao considerar o consumo de forma abrangente, como um processo que poderia conduzir

ao não uso, pude descrevê-lo e interpretá-lo. Percebi as causas, os significados e processos que

levam objetos a serem não usados, buscando que esse entendimento contribuísse para avançar

as pesquisas e estudos de consumo. Consideramos, eu e minha orientadora, o tema relevante,

especialmente para ampliar a compreensão das relações do consumidor com (seu) o mundo

culturalmente constituído. Ao tratar de questões cotidianas, como, por exemplo, comprar

comida, guardá-la no armário ou na geladeira e depois de um tempo ver-se obrigado a jogá-la

no lixo, pois estava vencida ou estragada, nos aproximamos das propostas de Miller (2010)

sobre o entendimento do consumo. Para esse autor é preciso ter uma lente de aumento para as

práticas de consumo realizadas no âmbito doméstico, na casa das pessoas.

Com essa premissa em mente desenhamos uma pesquisa que contemplasse casos

variados de não uso, que, possivelmente, boa parte das pessoas já vivenciou. Frente a essas

questões, o problema de pesquisa desta tese é definido com a seguinte questão: o que é não

uso? Para responder esta pergunta foram definidos pressupostos sobre a natureza dos

fenômenos (ontologia), a natureza do conhecimento sobre estes fenômenos (epistemologia) e a

natureza das formas de estudar (metodologia) esses fenômenos (BURREL; MORGAN, 1979).

O pressuposto ontológico desse trabalho, ou o entendimento do que é a realidade, está

baseado na fenomenologia (HESSEN, 1999), segundo o qual o conhecimento é válido a partir

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

18

dos dados oriundos da experiência (FREITAS, 2002). A premissa epistemológica deste estudo

é interpretativista (BURREL; MORGAN, 1979; GUBA; LINCOLN, 1994; CASOTTI, 1999),

ou seja, centra-se na ideia de que não existe uma única realidade, mas existências múltiplas e

dinâmicas. Nesta perspectiva, os indivíduos criam sentidos e interagem ativamente a partir de

suas relações com o mundo de forma a moldar seu ambiente (HIRSCHMAN, 1986; HUDSON;

OZANNE, 1988).

Este é um estudo sobre consumo dentro de uma abordagem cultural, seguindo a vertente

teórica e metodológica da Consumer Culture Theory (CCT), que encoraja a investigação de

aspectos do contexto, simbólicos e experimentais inseridos num ciclo que inclui processos de

aquisição, consumo, posse e disposição, bem como a análise desses fenômenos a partir de

perspectivas teóricas macro, meso e micro (ARNOULD; THOMPSON, 2005a). Aqui se adota

a escala micro social (BADOT et al., 2009; STAKE, 2011) para investigação do fenômeno do

não uso, buscando compreender o sujeito e sua relação com os objetos que possui (MILLER,

1987, BORGERSON, 2005).

Dada a complexidade do não uso, o caminho metodológico percorrido por esta pesquisa

partiu da lógica indutiva, ou seja, observou o mundo particular dos sujeitos, para então criar

proposições acerca de seus comportamentos (HOPKINSON; HOGG, 2006). A partir dessa

observação buscamos o entendimento de condutas situadas no tempo e no espaço, ligadas aos

contextos sociais e culturais (BELK, 1995). Esta lógica permitiu que os dados contassem a sua

própria história. A literatura foi usada, nesse sentido, não como um guia fixo que direcionou o

campo, mas como uma ferramenta para compreensão dos padrões e categorias encontrados nas

pesquisas (MOISANDER, VALTONEN, 2006). Visando a construção da teoria pela indução,

e não pelo método lógico-dedutivo tradicional em pesquisas qualitativas e quantitativas

(CHARMAZ, 2009), empregamos grande flexibilidade na aplicação dos métodos, tal como

prevê Charmaz (2009) ao declarar que os métodos “podem completar outras abordagens da

análise de dados qualitativos” (CHARMAZ, 2009, p.24).

Apesar de guiar-se pela indução, este trabalho considera a opinião de Moisander e

Valtonen (2006), que indicam que a lógica indutiva pura pode impelir o pesquisador ao uso de

interpretações baseadas no senso comum. Buscou-se então associar a abordagem indutiva e as

recomendações de Moisander e Valtonen (2006), o que resultou numa revisão da literatura

sobre as principais contribuições teóricas do campo de conhecimento que serviram como ponto

de partida para a pesquisa e a análise dos dados. Consumo, cultura material e pesquisas sobre

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

19

uso de objetos em comportamento do consumidor foram visitadas, tendo como fio condutor a

relação sujeito-objeto.

Para entender o não uso, percorremos caminhos teóricos que partiram do entendimento

do consumo como elemento da cultura, e passaram pela construção de significados através do

consumo. Sob a lógica da materialidade, ou seja, da articulação de vários entendimentos sobre

a inter-relação entre sujeitos e a formação de objetos (BORGERSON, 2005),são apresentados

e definidos os conceitos de cultura material (MILLER, 1987), posse (BELK, 1988), apego

(KLEINE; BAKER, 2004), descarte e desapego (YOUNG; WALLENDORF, 1989; ROSTER,

2001), manter, guardar e acumular bens (GUILLARD; PINSON, 2012), coleção (BELK, 1995;

2001), abandono (SUAREZ, CHAUVEL, CASOTTI, 2012b) e os aspectos obscuros do

consumo (MICK, 1996), como materialismo (FROMM, 1987; GER; BELK, 1999), compras

compulsivas (O’GUINN; FABER, 1989; O’GUINN; FABER, 2005), impulsivas (ROOK,

1987; ROOK; FISHER, 1995) e acumulação compulsiva (CHERRIER; PONNOR, 2010;

HAWS et al., 2012). Ao final da seção teórica, mostramos os trabalhos já realizados sobre não

uso, por Bower e Sprout (1995) e Trocchia e Janda (2002).

Após aprofundar a compreensão da relação sujeito-objeto na literatura, apresentamos a

estratégia metodológica no capítulo três. Lá fazemos a defesa do posicionamento paradigmático

da pesquisa, identificando a vertente interpretativa e qualitativa como eixo central da pesquisa.

Em seguida, descrevemos as estratégias de pesquisa, expondo passo a passo da pesquisa de

campo, realizada em três fases distintas, que reuniram dados secundários, visitas a blogs, 35

entrevistas em profundidade, um grupo focal e diversas anotações em diários de campo. A

análise de dados baseada em conteúdo, com a definição de categorias tanto a priori quanto a

posteriori, é descrita no término do capítulo metodológico.

Os achados do campo relatam a interpretação feita, a partir da literatura visitada e dos

dados coletados. Nesse quarto capítulo apresentamos quatro categorias, que esclarecem: (1) o

conceito de não uso, caracterizando suas propriedades e limites; (2) os caminhos percorridos

por objetos não usados relatados pelas pesquisadas, que delineiam o processo que deságua no

não uso; (3) o reconhecimento de objetos possuídos como não usados, a partir da distinção de

suas funções, tipos de ligações e significados; e (4) os procedimentos empregados pelas

entrevistadas nos objetos não usados. Com isso, comentamos e discutimos no capítulo cinco,

as trilhas da pesquisa, os principais achados do campo e as contribuições teóricas propostas pela

tese. Ao final, sugerimos novas pesquisas, baseadas nas limitações encontradas aqui.

A seguir apresentamos os objetivos geral e específicos deste estudo.

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

20

1.1 Objetivos

O foco desta pesquisa está em entender o que é o não uso, assumindo para isso uma

postura indutiva operacionalizada pela pesquisa interpretativa do consumo, com uma

abordagem cultura. Desta forma, o objetivo principal do trabalho é compreender o não uso do

consumidor, com uma perspectiva abrangente na qual se busca a compreensão dos

significados, já que o tema foi parcialmente abordado tendo sido negligenciado em termos de

seu contexto cultural.

Declaramos, assim, os seguintes objetivos específicos:

a) Caracterizar o não uso.

b) Analisar os caminhos percorridos pelos objetos que se tornaram não usados.

c) Compreender as razões para manter objetos não usados.

d) Identificar os procedimentos empregados nos objetos não usados.

No próximo capítulo apresentamos as principais contribuições do campo de

conhecimento, que dão luz aos caminhos teóricos preliminarmente adotados.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

21

2 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DE CONHECIMENTO

Os estudos sobre não uso ainda são incipientes na área de marketing (TROCCHIA;

JANDA, 2002) e pouco se compreende sobre sua representação, seus significados e os

processos envolvidos na transformação de um objeto em não usado. A fim de ampliar a

compreensão do fenômeno, percorreram-se trilhas teóricas resume graficamente a Figura 1.

Figura 1 - Esquema Gráfico das Contribuições Iniciais do Campo de Conhecimento

Fonte: da autora.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

22

Macro teorias de consumo e cultura material são visitadas com vistas a aprofundar o

entendimento da relação sujeito-objeto. Esse relacionamento é o eixo teórico da tese e, a partir

dele, são investigadas as contribuições teóricas de campos do conhecimento como antropologia,

sociologia, filosofia, marketing e comportamento do consumidor. Nessa perspectiva relacional

são apresentadas as abordagens da cultura material, elucidando suas diferentes perspectivas.

As contribuições meso e micro teóricas são expostas sob o ponto de vista do consumo,

quando se analisam como os objetos são tratados nas pesquisas de comportamento do

consumidor. Para isso, o trabalho mergulha nas descrições e definições sobre posses, apego,

desapego, descarte, manutenção de bens, coleção e abandono. Os aspectos negativos da relação

sujeito-objeto são abordados, segundo o materialismo, o consumismo, a compra compulsiva e

impulsiva e a acumulação compulsiva. Ao final deste segundo capítulo apontam-se as

considerações de pesquisas já realizadas sobre os não uso.

2.1 Consumo

O consumo é compreendido como uma dimensão da cultura (MILLER, 1987; BELK,

1995; ARNOULD; THOMPSON, 2005). Entendido como um processo, é através dele que os

consumidores materializam, objetificam e comunicam os valores e significados que são

importantes para si (ROSTER, 2014). Buscando conceituar o consumo, Douglas e Isherwood

(2013) indicam que não é possível analisá-lo sob a perspectiva de um ser humano individual.

Sozinho, ele está despido de sua humanidade e não serve como base conceitual para se fazer

um retrato da sociedade, já que nenhum ser humano existe, senão fixado na cultura de sua época

e lugar. Desta forma, consumir é trocar e criar laços sociais e, ao mesmo tempo, indicar

diferenciações sociais. Os autores defendem que as decisões de consumo são fonte vital da

cultura, sendo que “a função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido”

(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 106) ao mundo. Nesta passagem de sua obra, deixam

claro que seu entendimento sobre o consumo:

As pessoas criadas numa cultura particular a veem mudar durante suas vidas: novas

palavras, novas ideias e maneiras. A cultura evolui e as pessoas desempenham um

papel na mudança. O consumo é a própria arena em que a cultura é o objeto de lutas

que lhe conferem forma (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 100-101).

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

23

A teoria social vêm destacando o consumo como central na forma como o mundo social

é construído (Elliott, 1997; Miller, 2005), pois atua como uma peça chave ao fornecer

significado a vida. Para Elliot (1997) o consumo por ser conceituado a partir de perspectivas

culturais, sociais e psicológicas, como sendo o primeiro espaço de negociação de temas

conflitantes de liberdade e controle. Para Desjeux (2011) o consumo é visto como parte de um

sistema de ação, que se inicia com a produção dos bens e serviços pelas empresas, passa pela

distribuição em lugares próprios para aquisição, vai para o uso doméstico, no espaço da moradia

(casa) e prossegue para o descarte ou reciclagem. Para o autor, o consumo, no sentido estrito,

pode se limitar tanto “ao uso e ao ‘consumo’ dos objetos no espaço privado” (DESJEUX, 2011,

p. 113), quanto no momento da compra e da despesa.

Miller (1987) afirma que o consumo deve ser compreendido como um processo pelo

qual objetos são apropriados e tornados significativos. Nas palavras do autor, “como atividade,

o consumo pode ser definido como aquele que transfere o objeto de uma condição alienável, ou

seja, a de ser um símbolo de estranhamento e valor monetário, para a de ser um artefato

investido de conotações particulares e inseparáveis” (MILLER, 1987, p. 190). Miller (1987)

traz uma abordagem que conversa com os estudos ligados a Consumer Culture Theory

(ARNOULD; THOMPSON, 2005a; ARNOULD; THOMPSON, 2005b; ARNOULD;

THOMPSON, 2007; GOPALDAS, 2010; JOY; LI, 2012; OZANNE; DOBSCHA, 2006;

ÖZÇAG˘LAR-TOULOUSE; COVA, 2010), ao afirmar que as atividades de consumo não

podem ser entendidas através de uma observação estreita, analisando-se apenas o que acontece

com um objeto específico depois de comprado.

O entendimento do consumo deve incluir uma construção mais geral dos ambientes

culturais, que fornecem significado social aos objetos e os instrumentos empregados nas

transformações individuais. Por atividade, Miller (1987) compreende o tempo de posse do

objeto, a representação de um contexto específico, como um presente ou uma recordação ou,

ainda, a incorporação do estilo de seu proprietário. O objeto é transformado por sua associação

íntima com um indivíduo em particular ou por um grupo social, ou ainda pela relação entre eles.

Miller (2007) advoga que consumir não é apenas comprar coisas. Belk (1982) segue na

mesma linha, quando propõe que comprar é apenas uma das diversas formas de adquirir objetos

e experiências. Além de comprar o bem ou serviço é possível criar, vender, dar de presente,

alugar, emprestar ou roubar. Da mesma forma, o consumo é apenas uma das várias razões para

a aquisição. Possuir e coletar coisas são os dois objetivos principais que transcendem os atos

de compra e consumo (BELK, 1982). É no ato de consumir que o indivíduo interage com o

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

24

produto, percebe seus benefícios e tem experiências que vão transformar tanto o conceito inicial

incorporado àquele produto, quanto sua representação social. Desta forma, as experiências

vivenciadas com o uso são influenciadas pela cultura, na qual produto e sujeito estão inserido,

assim como próprios desejos, sonhos e fantasias do usuário (HOLBROOK; HIRSCHMAN,

1982).

Consumir envolve uma apropriação altamente produtiva e criativa dos bens comprados,

que se transformam com o passar do tempo. As práticas dedicadas a estas transformações

materiais permitiram a criação de grupos sociais, que se organizam em função da manipulação,

posse e manutenção dos bens materiais. No argumento de Miller (1987; 2007), o consumo

permite um retorno dos bens à criação de especificidades e singularidades por meio de relações,

a medida em que os retira das condições anônimas e alienadas de sua produção. A teorização

sobre o consumo significa um retorno à materialidade, pois

se a teoria deveria ter algum uso substantivo, este sugeria que havia muitas maneiras

diferentes pelas quais o consumo poderia se manifestar enquanto produção de grupos

sociais, e que esses tinham de ser examinados cada um de seu jeito (MILLER, 2007,

p. 48).

O processo de consumo é visto, então, por Miller (1987) como uma apropriação

culturalmente significativa contrária à proposta da alienação marxista, assim como por Barbosa

e Campbell (2006). Para Miller (1987; 2001; 2005; 2007; 2010) o consumo é capaz de criar

novos significados para as relações sociais. O autor compreende a sociedade em termos

relacionais, insistindo que relações sociais são sempre relações culturais. Nesse sentido, a noção

de que somos sujeitos sociais, culturais e históricos ajuda a compreender que nossa identidade

não é individual e estática, mas processual, formada por uma série de eventos sociais que

formam e são formados pela cultura, num claro processo dialético.

Essa dialética deve ser adotada também pelos estudos da relação das pessoas com os

bens materiais que as cercam, o que, para Miller (1987) é fundamental, pois os bens fazem parte

desta cultura. Segundo Miller (1987; 2010), a maneira como o consumo está inserido na cultura

contemporânea - um processo no qual os objetos são sempre parte constituinte - não permite

um retorno aos estudos de indivíduos ou de objetos isoladamente. A fim de compreender a

cultura dos tempos atuais é necessário tomar os objetos que estão no dia a dia das pessoas,

normalmente considerados triviais, e analisá-los sob as lentes acadêmicas.

Para McCracken (2003, p. 11) o consumo é entendido como “os processos pelos quais

os bens e os serviços de consumo são criados, comprados e usados”. Adotando tal conceituação

McCracken (2003) apresenta uma abordagem ampla do termo, misturando produção, compra

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

25

consumo e descarte num único e amplo conceito. Diferentemente da ênfase dada

tradicionalmente ao ato da compra, o autor incorpora o desenvolvimento do produto, que

necessariamente antecede a compra em si; e o uso do produto, que deve seguir-se a compra.

“Cultura e consumo têm uma relação sem precedentes no mundo moderno” (MCCRACKEN,

2003, p. 11), sendo que em nenhum outro momento da história da humanidade houve uma

relação de mutualidade tão intensa entre estes elementos, nem mesmo tão complicada. O

consumo é visto pelo autor como totalmente cultural, tendo sido

moldado, dirigido e constrangido em todos os seus aspectos por considerações

culturais. O sistema de design e produção que cria os bens de consumo é uma

empreitada inteiramente cultural. Os bens de consumo nos quais o consumidor

desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os

consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o

significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais,

cultivar ideais, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e

sobreviver a) mudanças sociais. O consumo possui um caráter completamente cultural

(MCCRACKEN, 2003, p. 11).

Se o consumo é cultural, McCracken (2003) defende que a cultura contemporânea

depende do consumo, tendo nele um instrumento chave para sua reprodução e representação.

A realidade social tem parte importante de sua estrutura apoiada no significado dos bens de

consumo e na criação deste significado, efetivada pelos processos de consumo, que

continuamente moldam, transformam e dão vida ao universo da cultura.

Slater (2002) concorda com esta abordagem ao afirmar que a cultura do consumo é parte

da trama da vida social, contribuindo de maneira definitiva para construção das formas de

pensar, das preocupações e dos modos de viver que caracterizam a sociedade ocidental

moderna. O entendimento da cultura do consumo, para Slater (2002), parte do esclarecimento

do conceito de necessidade, que, dependendo da lente usada, pode ser compreendido como

autônomo, libertador ou alienante. Os argumentos a favor da alienação, em geral, reduzem a

vida social ao materialismo e a busca de felicidade através da posse de bens materiais. No

entanto, Slater (2002) argumenta que a cultura do consumo é tão central no cotidiano das

sociedades, que é responsável por articular a forma como as pessoas devem e querem viver,

estruturando o material e o simbólico dos lugares onde se vive, e os modos de viver nestes

lugares; os alimentos comidos; as roupas usadas e as atividades praticadas (ou não). Os objetos

do consumo, desde os mais triviais até os especiais, colaboram nesse processo estruturante “de

uma vida significativa quanto vinculam esse mundo íntimo e mundano aos grandes campos da

contestação social” (SLATER, 2002, p. 13). A cultura do consumo é então definida como

mundana, pois é responsável por ligar os indivíduos ao “campo da ética, da identidade e da

natureza do eu” (SLATER, 2002, p. 14).

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

26

Assim como McCracken (2003), Miller (1987; 2005; 2010; 2013) e Douglas e

Isherwood (2013), Slater (2002) afirma que não há precedentes na história da humanidade de

uma sociedade organizada e descrita em termos dos valores relacionados ao consumo. Isso

implica que, ao referir-se a sociedade moderna como uma cultura do consumo, está se falando

não somente de determinados tipos de necessidades e objetos, mas especificamente a uma

cultura relativa ao consumo, a suas nuances e consequências (SLATER, 2002). Deve-se

considerar que os valores dominantes de uma sociedade como essa não são somente

organizados pelas práticas de consumo, como também são derivados delas (SLATER, 2002;

CAMPBELL, 2005).

Uma das implicações lógicas desse processo é julgar a sociedade contemporânea como

materialista (MILLER, 2005; CAMPBELL, 2006), detentora de uma “cultura pecuniária

baseada no dinheiro, preocupada em ter em detrimento de ser, como uma sociedade

transformada em mercadoria, hedonista, narcisista ou, mais positivamente, como uma

sociedade de escolhas e de soberania do consumidor” (SLATER, 2002, p. 32). Contudo, a

cultura do consumo trata, sobretudo, da negociação de status e identidade, compreendida como

a prática e a comunicação da posição social (CAMPBELL, 2006). Outro ponto importante que

Slater (2002) destaca como característico da cultura de consumo é que os valores derivados

dela são incorporados ao modo como a sociedade é como um todo, não se limitando as esferas

do consumo. Nesse sentido, destaca-se que a perspectiva da cultura do consumo parte de uma

ideia fundamental: “o consumo é uma atividade significativa” (SLATER, 2002, p. 130).

A afirmação de Slater (2002) indica que as pessoas compreendem sua relação com os

objetos e coisas do mundo, o que o autor chama de necessidades, e as organizam em termos de

projetos e metas, convenções, normas sociais e conceitos inerentes ao ser humano e viver em

sociedade. Slater (2002) afirma ainda que todo consumo é cultural o que traz várias

consequências. A primeira delas é que todo consumo é cultural justamente por sempre envolver

significado, ou seja, quando o indivíduo sente uma necessidade e quer atende-la, ele precisa ser

capaz de interpretar sensações, experiências e situações, além de dar sentido aos vários objetos,

recursos e ações que poderiam ajudá-lo nessa empreitada. Por exemplo, para que um objeto

seja considerado “comida” é necessário que passe pela “peneira cultural” que separa o

“comestível” do “não comestível”, e cogita as práticas culturais de transformação possíveis,

tais como seleção, preparo, cozimento etc. (SLATER, 2002, p. 131).

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

27

A segunda consequência identificada por Slater (2002, p. 131) aponta que o consumo é

cultural porque “os significados envolvidos são necessariamente significados compartilhados”.

As escolhas e preferências individuais são sempre formadas dentro de contextos culturais. A

terceira consequência indica que todas as formas de consumo são culturalmente específicas,

pois ocorrem em relação a modos de vida significativos e específicos. Fazer parte de uma

cultura ou de um modo de vida particular implica conhecer os códigos locais de necessidades e

coisas. Sabendo-se os códigos da cultura e usando-os o sujeito reproduz e demonstra sua

participação naquela ordem social, representando essa participação através de suas ações, o fato

de fazer coisas dessa maneira e não daquela. Afirmar que todo consumo é cultural envolve dizer

que todos os objetos consumidos são culturalmente significativos e que não há possibilidade de

haver um objeto que seja simplesmente funcional.

Assim, torna-se necessário compreender como os bens de consumo são analisados na

literatura. Para tal, a próxima seção deste trabalho apresentará o campo da cultura material,

cujos estudos dedicam-se a compreender quais usos as pessoas fazem dos objetos e o que os

objetos fazem para e pelas pessoas.

2.2 Cultura Material

Objetos são comumente chamados de cultura material e são as coisas que as pessoas

usam e com as quais interagem (WOODWARD, 2007). O termo cultura material enfatiza como,

aparentemente, coisas inanimadas dentro do ambiente agem sobre as pessoas e são usadas por

elas para exercício de funções sociais, regulando as relações sociais e dando significado

simbólico à atividade humana (WOODWARD, 2007; 2011; DANT, 2008; MILLER, 2010). O

termo é ainda empregado genericamente para se referir a qualquer objeto material (como copos,

sapatos, canetas etc.) ou uma rede de objetos materiais (como casas, carros, shoppings etc.) que

podem ser percebidos, tocados, usados, manuseados, contemplados ou ainda com os quais se

pode realizar atividades sociais (HODDER, 2012; MASSET; DECROP, 2016).

A cultura material é algo portátil e perceptível pelo tato, tendo uma existência física e

tangível, mas pode também incluir coisas perceptíveis pela visão. Na verdade, não há distinção

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

28

entre o físico e os elementos imaginários de fantasia da cultura material, sendo qualquer

tentativa de isolar esses aspectos é considerada artificial, dado que os objetos são culturalmente

poderosos e, na prática, se conectam à manipulação física e mental (WOODWARD, 2007;

MILLER, 2010). Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005) defendem que as coisas que não

precisam necessariamente ser materiais, podendo perfeitamente ser imateriais. No entanto,

diferentemente das imagens, das ideias, das palavras e textos, as coisas não são apenas

representações, mas algo que tem uma presença no mundo com consequências materiais

(DANT, 1999).

A cultura material diz respeito aos momentos em que objetos de consumo são

encontrados, comprados e usados por indivíduos. Eles devem estabelecer e negociar seus

próprios significados e incorporar tais objetos em seus repertórios culturais e comportamentais

pessoais, algumas vezes desafiando, e em outras, reproduzindo a estrutura social na qual estão

inseridos (WOODWARD, 2007). De forma ampla, a cultura material une os indivíduos uns aos

outros na sociedade fornecendo significado para valores compartilhados, atividades e estilos de

vida de uma maneira mais concreta e duradoura do que a linguagem usada ou as interações

diretas (DANT, 2008).

O campo de estudos da cultura material adotou essa nomenclatura há, relativamente,

pouco tempo. Ele foi criado, a partir dos anos 1970-80 (MILLER, 2001; SCHATZKI, 2010;

MAURER, 2006; TILLEY, 2006b) e vem se consolidando desde o lançamento do Journal do

Material Culture em 1996 (TILLEY, 2006a). Esse journal incorporou uma gama de disciplinas

interessadas em compreender os usos e significados dos objetos, entre elas antropologia,

sociologia, geografia, arqueologia, museologia, história, design, tecnologia etc.

(WOODWARD, 2007).

Segundo Miller (2001) o desenvolvimento dos estudos em cultura material pode ser

visto como um processo de dois estágios. No primeiro estágio insistia-se que as coisas são

importantes e que dar atenção ao mundo material não equivalia a tornar as coisas um fetiche,

uma vez que elas não são uma superestrutura separada do mundo social. As principais teorias

sobre cultura material desenvolvidas nos anos 1980 (BOURDIEU, 1977; APPADURAI,

2008[1986]; MILLER, 1987; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013[1979]) demostraram que o

mundo social e a materialidade são constituídos um pelo outro.

A segunda fase, iniciada no final dos anos 1990, preocupou-se em mostrar como uma

teoria dos bens poderia ser amplamente aplicada a uma variedade de contextos e relações sociais

e culturais. Contudo, não há uma unificação destas as abordagens, de forma a dar a cultura

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

29

material uma identidade institucional (TILLEY, 2006a). Como será explicado no decorrer deste

subcapítulo existem conceitos que são amplamente aceitos, tais como o conceito de objeto e

materialidade, mas ainda há enfoques distintos para o papel dos objetos na sociedade. Tilley

(2006a) e Miller (2001; 2007) advogam, no entanto, que o campo da cultura material está

suficiente maduro para permitir ser tratado como uma área do saber.

Uma das características importantes da cultura material é ser uma área transdisciplinar

(TILLEY, 2006a; WOODWARD, 2007). Isto significa que os estudos podem ser conduzidos

simultaneamente de forma a ter áreas de intersecção com diversas outras disciplinas, formando-

se um campo eclético, relativamente fluido, ilimitado e sem constrangimentos, disperso e

eventualmente “anárquico” (TILLEY, 2006a, p. 1). No contexto desta pesquisa a

transdisciplinaridade se torna importante, pois traz em si a noção de que não há uma única

interpretação para os objetos, que são polissêmicos e capazes de transformações de significados

em contextos de tempo e espaço.

Entende-se a cultura como algo criado e vivido através dos objetos. Por este prisma de

análise, afirma Woodward (2007), pode-se entender melhor tanto as estruturas sociais quanto

as dimensões sistêmicas maiores, como desigualdade e diferenças sociais, e, ao mesmo tempo,

a ação humana, as emoções e os significados. Objetos podem, desta forma, ser visto como um

elo crucial entre a estrutura socioeconômica e o indivíduo. A cultura material da sociedade de

consumo é considerada o ponto de encontro dos objetos de consumo produzidos em massa e os

indivíduos. É onde se estabelecem e negociam os significados, onde os objetos são encontrados

e usados e onde os sujeitos incorporam esses objetos em seus repertórios culturais e

comportamentais pessoais, às vezes desafiando e, por vezes, reproduzindo a estrutura social

(WOODWARD, 2007).

Frequentemente o termo cultura material é usado em conjunto com os termos coisas,

objetos, artefatos, bens, commodities (WOODWARD, 2007) e mercadorias (KOPYTOFF,

1986), que são intercambiáveis, na maior parte das vezes (HODDER, 2012; MASSET;

DECROP, 2016). Woodward (2007), Dant (2008) e Hodder (2012) explicam que coisas, de

forma geral, possuem uma existência real e concreta, apesar da palavra coisa sugerir uma

qualidade inanimada, como se as pessoas trouxessem coisas para suas vidas através da

imaginação. Segundo os autores, os objetos são os componentes discretos da cultura material,

perceptíveis pelo tato ou visão.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

30

Artefatos são os produtos físicos ou traços da atividade humana e, como os objetos, têm

importância por sua materialidade ou concretude, podendo tornar-se tema de interpretação e

organização retrospectiva. Geralmente os artefatos são considerados símbolos de uma cultura

ou atividade social. Bens, por sua vez, são objetos produzidos sobre relações de mercado

específicas, em geral capitalistas, e seu valor é atribuído dentro de um sistema de troca. A

palavra commodity é uma expressão técnica, defende Woodward (2007), associada ao conceito

de bem e, tal como este, pode ser trocada. A despeito destas definições, que distinguem

teoricamente os termos, não há, na prática, diferenças de compreensão no senso comum entre

eles, já são usados comumente como sinônimos (HODDER, 2012).

Como campo de estudo, a cultura material possui uma série de asserções que a definem

como uma área paradigmática. A premissa fundamental da cultura material é que os objetos

têm capacidade de estabelecer e criar significados em nome das pessoas ou do trabalho social.

Objetos podem significar subculturas, afinidades, ocupações, participação em atividades ou

status social. Eles incorporam e representam discursos sociais mais amplos, integrados a valores

e normas institucionais, além de carregarem significados pessoais e emocionais, que podem

facilitar interações interpessoais e ajudar o indivíduo a agir sobre ele mesmo. Objetos podem,

então, ajudar na formação (eu rejeição) de apego entre pessoas e grupos, mediando a formação

de identidades e estima, integrando e diferenciando grupos sociais, classes e tribos

(WOODWARD, 2007).

Contudo, a compreensão do papel dos objetos na sociedade se modificou ao longo dos

anos. Ao estudar a cultura material é preciso ter em mente os pontos de vista relativos ao objeto

e ao sujeito (WOODWARD, 2007). Deve-se considerar que a análise dos bens materiais na

sociedade não é um fenômeno recente ou da contemporaneidade e que eles são elemento central

de investigação de áreas como a arqueologia e a antropologia histórica (TILLEY, 2006a), sendo

tomados como componentes fundamentais da existência humana (MILLER, 1987; 1995; 2005;

2013; HODDER, 2012). Maurer (2006) e Woodward (2007) destacam que os objetos foram

tema de estudos nas ciências sociais em diferentes momentos e, apesar disso, nem sempre foram

o foco das atenções dos principais trabalhos da área.

De acordo com Woodward (2007), Marx abordou os objetos em sua teoria sobre o

desenvolvimento do capital (MAURER, 2006; MILLER; 1987; 2005), enquanto Durkheim

falou sobre objetos como representações de classes fundamentais de coisas tanto sagradas

quanto profanas, e Veblen tratou da habilidade dos objetos em exibir beleza e luxo

(WOODWARD, 2007). Assim como estes autores, Simmel, Mauss e Bourdieu usaram os

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

31

objetos para analisar a sociedade e a cultura de seu tempo (APPADURAI, 2008;

WOODWARD, 2007).

A principal diferença entre os trabalhos dos autores considerados clássicos das ciências

sociais e os estudos atuais de cultura material é que, estes últimos, estão direta e,

principalmente, preocupados em explicar a relação pessoas-objetos (WOODWARD, 2007;

MILLER, 2010; 2013). Dant (1999), Tilley (2006b), Maurer (2006), Woodward (2007; 2011),

Miller (1987; 2001; 2005; 2010; 2013), Candlin e Guins (2009), Hodder (2012) e Berger (2014)

fazem, em momentos diferentes, retrospectos sobre como os objetos foram estudados e

analisados, e quais as abordagens e teorias construídas a partir destas análises, conforme ilustra

a Figura 2.

Figura 2 - Abordagens Teóricas da Cultura Material.

Fonte: Adaptado de Dant (1999), Tilley (2006b), Woodward (2007; 2011), Miller (1987; 2001; 2005, 2010,

2013), Candlin e Guins (2009), Hodder (2012) e Berger (2014).

Tilley (2006b) afirma que as abordagens marxista, estruturalista-semiótica e cultural

podem ser consideradas as perspectivas teóricas fundadoras da cultura material, de tal forma

que é impossível imaginar tanto uma noção de materialidade quanto um campo chamado cultura

material, sem a sua existência. Estas três perspectivas, ilustradas na Figura 2, estão vivas e

seguem desenvolvendo tradições teóricas que proporcionam várias perspectivas sobre as

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

32

formas materiais (TILLEY, (2006b). Apresenta-se a seguir um resumo das principais

características destas vertentes teóricas.

2.2.1 Abordagem Crítica Marxista

A abordagem crítica marxista não está interessada na natureza dos objetos como

elementos materiais da cultura, na relação entre pessoas e objetos ou ainda no uso cultural dos

objetos, mas sim no objeto como um artefato (MILLER, 1987; WOODWARD, 2007). Seu

interesse pelos objetos, tratados pelo termo commodity, se dá pelo fato deles serem

representações dos processos de alienação, exploração e estranhamento ocorridos dentro das

sociedades capitalistas (MAURER, 2006; WOODWARD, 2007).

A principal característica da abordagem Marxista é que ela abandona qualquer discussão

abstrata e passa a considerar o mundo em sua forma material, objetificada. Na abordagem crítica

marxista a objetificação torna-se “incrivelmente divorciada de seu contexto positivo original, e

é [...] compreendida como uma expressão negativa de ‘petrificação’, como o principal

instrumento de alienação” (MIILER, 1987, p. 43). Oponha-se, assim, à objetificação hegeliana,

que segundo Miller (1987; 2005) e Tilley (2006a) é a base da teoria da cultura material. Segundo

Miller (1987) para compreender a objetificação, no contexto marxista, é necessário considerar

outros três termos, que estão firmemente enredados nela: a alienação, o fetichismo e a

reificação.

a) Alienação: Por alienação compreende-se o distanciamento entre um potencial

relacionamento do trabalhador com os objetos que ele produz, seus produtos, e sua

circunstância atual, podendo também ser usado para indicar um sentimento de perda de

identidade própria de autenticidade (MILLER, 1987; HODDER, 2012).

b) Fetichismo: Na teoria marxista o fetichismo é uma forma de entender como homens se

relacionam com objetos, a partir da ideia de que o trabalhador que produz os bens é

incapaz de compreender a natureza do processo ao qual está submetido, dada a natureza

do mundo moderno. Nesta perspectiva os trabalhadores da sociedade capitalista

atribuem poderes extraordinários os bens materiais, acreditando que estes são valores

inerentes às commodities ao invés de terem sido adicionados a elas pelo trabalho

humano (BAUDRILLARD, 1994[1981]). Assim, a vasta gama de produtos existentes

não pode ser entendida como tal pelo trabalhador, que os coloca numa esfera diferente,

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

33

na qual parecem ser o resultado de outras forças. O entendimento do fetichismo passa

pela noção de que determinados grupos sociais (trabalhadores e consumidores) são

considerados incapazes de compreender que as commodities que eles veem como

“extraterrestres” (MILLER, 1987) são de fato fruto de sua própria produção (HODDER,

2012). Estas commodities seriam então fetichizadas e se tornariam opressoras daqueles

que as produzem e as compram (KLEIN, 2002; MILLER, 2005). Para Marx a qualidade

simbólica dos objetos estava em sua forma-mercadoria (SAHLINS, 2003). O

"fetichismo da mercadoria" é a fantasia do consumidor de que os objetos teriam uma

força e um poder místico inerentes ao próprio objeto (BELK, 1983; FERNANDEZ;

LASTOVICKA, 2011), que seria capaz de causar ou alterar eventos (DANT, 1999).

Este problema é sustentado como estimulador de "desejos artificiais", a fim de vender-

se mais produtos (BELK, 1983).

c) Reificação: significa imaginar que os objetos existem simplesmente para que os

humanos se envolvam com eles ou os utilizem como se eles existem separadamente da

história cultural e social, da narrativa e dos códigos. O princípio central é que os seres

humanos criam objetos para entender a si mesmos, mas se afastam desta posição e

percebem o objeto como tendo uma realidade externa e uma origem separada da sua

própria. Estes produtos desenvolvem autonomia e desviam a atenção da sociedade da

autorreflexão crítica para este misterioso outro, que ganha status e poder (MILLER,

1987; HODDER, 2012). Nesta perspectiva a cultura material commoditizada que os

consumidores empregam em seu cotidiano é a expressão material de trabalho explorado,

incorporando a energia dos trabalhadores (WOODWARD, 2007).

Uma das críticas a abordagem marxista da cultura material é que ela está baseada nas

relações de produção e não nas relações de consumo (BARBOSA; CAMPBELL, 2006;

APPADURAI, 2008), de maneira que o enfoque econômico ganha mais destaque do que a

transformação da cultura através da apropriação material pelos atos de consumo

(WOODWARD, 2007; MILLER, 1987; 2005; 2010). Nesta abordagem há uma oposição entre

o sujeito e o material, sendo o “primeiro tomado como referência à consciência do mundo

subjetivo de “dentro” e o segundo do mundo objetivo de “fora” (MAURER, 2006, p. 15). Nas

palavras de Miller (2005, p. 3) existe um “dualismo entre sujeito e objeto”, que demonstra uma

clara separação de mundos, como Kopytoff (1986) destaca em sua análise.

Recai sobre os enfoques dados aos bens materiais nesta abordagem uma crítica comum

ao consumo e ao estudo do consumo: o materialismo (WOODWARD, 2007). Além disso, as

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

34

análises dessa abordagem são geralmente materialistas e sobre o materialismo, pois

concentram-se nos modos de aquisição e nas ideologias associadas ao consumismo,

considerando que as pessoas são motivadas a adquirir objetos como forma de sustentar um

estilo de vida atual ou desejado (MILLER, 1987; WOODWARD, 2007). Além disso, a crítica

mais importante à perspectiva crítica marxista é que ela subestima a agência na sua concepção

da relação pessoa-objeto, concebida como um modelo determinista e reducionista, segundo o

qual todos os objetos são commodities inerentemente incorporados de exploração e que todas

as commodities servem e interesses ideológicos (MILLER, 1987). Não concebem, assim, “que

as relações entre pessoas e itens materiais da cultura do consumo podem ser criativas,

liberatórias, construtivas, expressivas e emocionais” (WOODWARD, 2007, p. 55). Por estas

razões, a abordagem Crítica Marxista oferece modelos inadequados para a compreensão das

relações entre pessoas e objetos, que a abordagem Estruturalista Semiótica procura superar.

2.2.2 Abordagem Estruturalista Semiótica

A segunda abordagem é chamada de Estruturalista Semiótica, pois está preocupada com

o significado simbólico dos objetos. Ela se opõe a abordagem Crítica Marxista, na qual o

significado está submetido a estrutura política econômica. De acordo com este enfoque, a

cultura material tem um significante, que comunica alguma coisa para outros, cumprindo uma

espécie de papel social (WOODWARD, 2007). O sistema de estrutura das linguagens

desenvolvido por Saussure (2006[1916]) e aperfeiçoada por Lévi-Strauss (1978) serviu como

base referencial para a criação de princípios, segundo os quais qualquer objeto tem seu

significado derivado de uma relação semiótica com outro objeto ou com um amplo campo de

objetos associados (LAYTON, 2006). Em outras palavras, os objetos têm significados

relacionais e contextualizados que podem ser lidos em relação a sua diferença para com outros

objetos da mesma ou de outra classe (WOODWARD, 2007).

Trabalhando com os princípios dos sistemas de comunicação de Saussure (2006[1916]),

Lévi-Strauss (1997[1962]) argumenta que o universo é ordenado de acordo com um sistema de

taxonomia e classificação (WOODWARD, 2007). Para o autor os objetos podem ser

compreendidos dentro de seu contexto particular, no qual as regras e códigos do sistema cultural

operam para informar e contextualizar seu significado. Assim sendo, objetos têm lugares

culturais apropriados que lhes concedem potencial simbólico. Por outro lado, objetos também

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

35

têm um não lugar, ou um lugar onde estão fora de contexto, o que implica a existência de um

amplo esquema de classificação cultural, que a ciência da linguística estrutural de Lévi-Strauss

(1997[1962]) seria capaz de encontrar. Manter os objetos em seus lugares faria deles sagrados

e, retirados destes lugares, mesmo que em pensamento, destruiria toda a ordem do universo,

defende o autor.

Outros dois importantes nomes desta linha de análise da cultura material são Roland

Barthes (1991[1952]) e Jean Baudrillard (2006[1968]; 2007[1970]). A maior contribuição da

abordagem estruturalista semiótica é considerar que os objetos existem não apenas para fins

utilitários, como propunham os marxistas, mas auxiliam as pessoas a construir e atribuir

significados dentro de seus universos culturais (WOODWARD, 2007). Contudo, uma falha

desta abordagem é que os sujeitos e sua agência não são considerados, especialmente nos

trabalhos clássicos como os de Saussure, Lévi-Strauss e Barthes. Mesmo as análises de

Baudrillard podem ser consideradas relativamente sem agência, ou até mesmo maniqueístas,

uma vez que ignoram o discurso e a prática dos indivíduos, bem como suas interpretações do

mundo material, reduzindo as pessoas a meros legitimadores de bens através da incorporação

de estilos de vida usados para justificar suas compras (MILLER, 1995; BARBOSA, 2004;

WOODWARD, 2007).

Outra crítica que se pode fazer a esta abordagem é que, ao dar ênfase as propriedades

textuais e linguísticas da vida social, os sujeitos reais e as difíceis e complexas tensões da vida

social são relativamente sub-teorizadas ou, possivelmente, ignoradas. Woodward (2007, p. 82)

afirma que essa crítica poderia se resumir ao slogan “o mundo não é um texto”, apesar de ter

características textuais, como fala e discurso, conversas e narrativas, mas expressões e emoções

são, também aspectos importantes da vida social.

Ademais, os objetos são contabilizados dentro de um quadro teórico autônomo, oriundo

principalmente do programa de linguística estrutural de Saussure. Isso implica em considerar

que objetos têm significados estabelecidos “relacionalmente” através de um amplo campo de

associações, entendido através do modelo analítico de sinais e significantes desenvolvido por

Saussure (WOODWARD, 2007). A noção de significado nesta abordagem está próxima do

determinismo estruturalista, ou seja, compreende que as expressões da mente humana são

determinadas pelas leis da linguagem e dos sistemas semiológicos, que não são acessíveis a não

especialistas. Opõe-se, desta forma, ao entendimento do mundo pelo olhar dos sujeitos que

participam dele, que o interpretam e criam significados. Opõe-se a tradição fenomenológica e

a maior parte dos trabalhos contemporâneos em cultura material, que dão luz e prioridade às

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

36

interpretações e narrativas dos indivíduos geralmente distanciando-se das relações estruturais

de produção e consumo (WOODWARD, 2007).

Tanto a abordagem crítica marxista quanto a estruturalista semiótica (e suas diferentes

variações e combinações) proporcionam um mergulho na estrutura epistemológica e ontológica

que permitem o entendimento da forma material, ou seja, em ambas as abordagens as coisas

são consideradas por suas aparências superficiais e as relações sociais são analisadas como

relativamente triviais (TILLEY, 2006b). É preciso, contudo, compreender que

A maneira pela qual pessoas e coisas serão entendidas em relação uma a outra

depende, fundamentalmente, da maneira pela qual se conceitualiza tanto essas coisas

(como commodities, presentes, recursos, fazedores de identidade, etc.) quanto da

maneira pela qual conceitualizamos a agência humana ou sua subjetividade (TILLEY,

2006b, p. 9).

Dessa forma, apresenta-se a terceira abordagem da cultura material, a cultural.

2.2.3 Abordagem Cultural

A perspectiva cultural da cultura material não é estrutural como a anterior, mas tal como

ela situa os objetos como centrais à prática cultural. Diferentemente da abordagem marxista,

que define os objetos como a personificação material do trabalho humano que o produziu,

considerando qualquer objeto como uma mercadoria que representa a exploração da capacidade

humana e a degradação da criatividade e da identidade das pessoas, na abordagem cultural os

objetos podem ter significado positivo. A abordagem cultural da cultura material é menos

comprometida com o modelo do estruturalismo linguístico e de uma metodologia semiótica,

apesar de ambas considerarem o papel cultural do significado dos objetos.

Douglas e Isherwood (2013) são os primeiros teóricos dessa abordagem a relacionar o

consumo com a criação de significados e fazem isso a partir das proposições de Durkheim.

Elemento fundamental da teoria da abordagem cultural é a ideia durkheimiana de que a vida

cultural é operada através da formação, mediação e manutenção de classificações e categorias.

Pela criação de classificações sobre pessoas, objetos e eventos as pessoas definem os limites de

sua comunidade e seus próprios valores e crenças (MILLER, 1987; 2013; WOODWARD,

2007).

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

37

No prefácio de seu livro, Douglas e Isherwood (2013, p. 30) afirmam que “os bens são

neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes”.

Contextualizam, assim, a prática do consumo dentro do processo cultural e social, amplamente

concebido por meio de descobertas de códigos culturais, etiquetas e convenções. O argumento

central dos autores é que objetos são recursos para pensar, demarcar e classificar. Apesar de

terem sua origem no sistema capitalista de produção, todos os bens materiais carregam

significado social (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 38), sendo assim categorias visíveis e

estáveis da cultura. São coisas que dão sentido ao mundo, ajudando as pessoas a demarcar

categorias sociais, manter relações sociais e, por consequência, atribuir valor a bens e pessoas.

Na abordagem de McCracken (2003) e Miller (2010) os bens de consumo foram

importantes nas origens e no desenvolvimento moderno da sociedade ocidental, permanecendo

assim até hoje, pois ao estarem carregados de significados, são onipresentes nas sociedades

contemporâneas. As coisas que as pessoas têm constituem oportunidades para grupos e

comunidades expressarem e contemplarem o significado cultural de outra maneira que não a da

linguagem, contribuindo ao mesmo tempo para uma nova compreensão e para manutenção

deste significado (SLATER, 2002; MCCRACKEN, 2003). Douglas e Isherwood (2013) dirão

que os bens e as posses materiais carregam significação social, sendo possível analisar uma

cultura a partir do uso desses objetos como comunicadores.

O trabalho de Miller (1987) têm destaque nessa abordagem e na fundação da área de

cultural material. No livro Material Culture and Mass Consumption (1987) o autor propõe-se

a explicar filosoficamente, através da relação teórica entre diferentes autores modernos, como

a cultura é constituída de forma dinâmica através das interações entre pessoas e objetos

significativos. Miller (1987) argumenta que, embora vivamos em uma era de abundância

material, na qual a vida social é cada vez experimentada através de uma vasta gama de objetos,

o conhecimento teórico e conceitual da cultura material era ainda rudimentar.

Sua proposta é que se deve levar a sério a sociedade de consumo, sem recorrer a

discussões banais de autenticidade, da opressão e da superficialidade. O ponto crucial de seu

argumento pode ser compreendido mais claramente quando ele aponta que as pessoas não

devem se preocupar muito com as forças industriais que agem sobre os indivíduos, mas com o

que elas permitem que eles sejam. Um dos argumentos significativos de Miller centra-se nos

importantes consumidores de trabalho faz na criação de valor para os bens. Para o autor, deve

ocorrer uma negação do valor de troca (preço), para que o indivíduo possa investir significado

em um dado objeto. Tais significados são flexíveis, maleáveis e as interpretações dos objetos

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

38

mudam de acordo com as posições sociais - idade, sexo, classe e assim por diante. Woodward

(2007) sugere que, intuitivamente, como consumidor, o indivíduo pode, por vezes, sentir este

processo hermenêutico de transformação de um objeto de um valor de troca em um empossado

de significados pessoais, exemplificando:

Pense em uma situação em que você tenha pago muito dinheiro por alguma coisa,

talvez uma tecnologia, uma roupa ou calçado caro. Presumivelmente, em alguma fase

do processo de consumo você estava incerto sobre como adquirir essa coisa ou pelo

menos tinha que pesar sobre certas escolhas sobre marcas, modelos, estilos e, claro,

sobre custos. Nesta fase, você pode desejar o objeto em questão, mas não possuí-lo e,

certamente, seu relacionamento com ele é, principalmente, sobre questões abstratas.

Uma vez que você decidir comprar o objeto, você deve, então, se sentir o tal com o

objeto - você deve deixá-lo entrar em sua vida e sentir como se ele fosse naturalmente

uma “parte de você”. Você provavelmente se lembra que isto leva algum tempo e

talvez exija um processo de racionalização. Ao longo do tempo, o objeto passa a ser

valorizado, ou não, e continuamente experimentado através de sua forma (muitas

vezes mudando). Por exemplo, uma camiseta favorita vai desgastar e afrouxar um

pouco, assim como um par de tênis. Tais mudanças na forma de objetos exigem

alterações correspondentes na interpretação e uso dando-lhe um tipo de curso de vida.

Por exemplo, a camiseta desgastada pode, eventualmente, ser considerada inadequada

para ser usada em público, tornando-se usada para o trabalho sujo ou nos “bastidores”

como na limpeza da casa ou para jardinagem (WOODWARD, 2007, p. 100).

Para Miller (1987), os estudos de consumo devem reconhecer a materialidade irredutível

dos processos de consumo, pois não se pode escapar do fato de que a maioria das formas de

consumo envolvem as coisas materiais. Consumir é um processo amplo envolvimento com

mercadorias, através de um processo chamado “objetivação”, no qual os consumidores usam

os objetos como uma prática no mundo (por exemplo, para usar como sapatos em seus pés), ao

mesmo tempo em que esses objetos proporcionam modos de conduta e entendimentos a ser

anunciados pelo indivíduo. A principal tarefa de qualquer indivíduo na sociedade de consumo

é localizar a si próprio nos esquemas de significado, buscando as expressões culturais que

deseja, tais como “conforto”, “sucesso”, ou “mais forte”, por meio do engajamento com os

bens. Mercadorias são, portanto, simultaneamente, sobre as práticas e construção de sentidos

(WOODWARD, 2007).

Em suma, a abordagem cultural enfatiza a significação dos objetos, tendo um enfoque

mais aberto sobre como as coisas fazem sentido. Ao assumir que até mesmo os tipos mais

corriqueiros de consumo e o mais comum dos consumidores são agentes de construção cultural,

esta abordagem enfatiza fortemente os aspectos da agência do consumo e constrói o potencial

de agência dos consumidores. Deixa-se de insistir nas questões da racionalidade e

instrumentalidade, deixando aos pesquisadores formas mais imaginativas e potencialmente

produtiva de entender as relações pessoa-objeto (WOODWARD, 2007).

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

39

2.2.3.1 Características da Abordagem Cultural

As principais características da abordagem cultural da cultura material são: (a) a vida

social é constituída e formada pela materialidade; (b) os objetos possuem agência; (c) os objetos

possuem vida social e; (d) os objetos são singularizáveis e sacralizados, assim como são

commoditizáveis e profanos, conforme demonstra o Quadro 1.

Quadro 1- Características da Abordagem Cultural

Característica Descrição

Materialidade A vida social é constituída e formada pelos objetos que as pessoas usam no seu

dia-a-dia e que as ajudam se situar na sociedade.

Agência Os objetos possuem a capacidade de transformar os indivíduos.

Vida Social Os objetos possuem vida social ou biografias

Singularização Objetos podem ser únicos e singularizáveis, mas também commoditizáveis.

Fonte: da autora.

Noção fundamental para a compreensão da cultura material é o conceito de

materialidade, considerado o ponto de partida e de justificativa da área (TILLEY, 2006a). A

materialidade é a relação ou a interação das pessoas com as suas coisas (MILLER, 1987;

BORGERSON, 2013). Para compreender a cultura material parte-se da noção de que os seres

humanos constroem seu mundo social fazendo e usando coisas. Os homens constroem edifícios

e os habitam, por exemplo. Reciprocamente, as coisas, os artefatos, os objetos e os espaços os

seres humanos, sua personalidade, sua identidade. “Fazemos as coisas e as coisas fazem a nós”,

afirma Tilley (2006c, p. 61).

“A melhor maneira que entender e apreciar a nossa humanidade é através da atenção a

nossa fundamental materialidade”, afirma Miller (2010, p. 7). Woodward (2007) vai além e

afirma que a materialidade é a dimensão mais importante na compreensão da cultura material,

uma vez que se refere às relações entre pessoas e objetos, especialmente a maneira em que a

vida social é, inerentemente, estruturada pelas relações cotidianas com objetos. Para o autor, a

materialidade é uma dimensão integral da cultura e há dimensões da existência social que não

podem ser totalmente compreendidas sem ela.

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

40

Para Borgerson (2005) as teorias da materialidade, ou seja, a articulação de vários

entendimentos sobre a inter-relação entre sujeitos e a formação de objetos, formam a

fundamentação que permitem que se façam suposições sobre processos do consumidor,

relacionamentos e identidades. A autora argumenta que as pesquisas com conceitos

relacionados às contribuições dos objetos tendem a estar preocupadas com a discussão sobre

materialismo, ou seja, “a capacidade dos objetos materiais em afetar objetivos finais, tais como

vida satisfatória, felicidade e progresso social” (CLAXTON; MURRAY, 1994, p. 422) ou invés

de materialidade, ou a relação e cocriação de sujeitos e objetos.

Borgerson (2013) segue a mesma linha de Miller (1987), segundo o qual a concepção

do consumo implica na teoria da materialidade, pois ela propõe a compreensão dos sujeitos, os

objetos, do tempo, do espaço e de outras coisas envolventes e interação entre elas, com as quais

a noção de consumo se vincula. Miller (2005) e seus coautores escrevem um livro inteiro para

definir claramente o que constitui a materialidade. Na introdução, o autor afirma que a

materialidade é mais do que artefatos e sua agência – ela engloba toda a noção de cultura. A

materialidade é tudo que se abraça na “interposição” de pessoas, corpos, coisas e cognição. Ela

refere-se, então, não a matéria em si, mas a forma pela qual os sujeitos constroem e significam

a matéria (HODDER, 2012). Desta forma, evidencia-se que a cultura material está relacionada

com as coisas em si e a sua agência (MILLER, 1987).

Agência refere-se à capacidade de agir, de ter poder e controle sobre si, o que

tipicamente envolve intenção, ou seja, um esforço decisório para fazer as coisas irem em um

sentido ao invés de em outro (BORGERSON, 2013). Por envolver a habilidade de agir, a

agência invoca a noção de intenção, especialmente de habilidade, uma qualidade pertencente

aos sujeitos. A agência é como uma participação intencional ou a capacidade de agir, sendo que

o agente é alguém, um sujeito, que pode realizar a ações expressivas de seu poder de decisão e

de escolha, entre alternativas com base em um entendimento das circunstâncias e opções

disponíveis. A intencionalidade é a raiz de qualquer noção de agência (BORGERSON, 2005).

Borgerson (2013) afirma que parte do entendimento da agência dos objetos em

pesquisas de consumo e cultura material surge de uma genealogia na qual os sujeitos humanos,

tal como deuses, são imbuídos de poderes racionais de tomada de decisão, intenção autônoma,

vontade e capacidade de ação que não encontra obstáculos. No que possui de melhor, a agência

humana derrota todas as fraquezas dos poderes humanos. Para a autora:

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

41

Na verdade, às vezes, o foco na agência do sujeito humano eclipsou o papel dos

objetos e do mundo em torno de nós, deixando tudo o mais a ser percebido como barro

disforme à espera de ser moldado e animado pelo sujeito intencional (BORGERSON,

2013, p.131).

Em busca de rever essa percepção, os estudos da cultura material e a actor-network

theory (LATOUR, 1999) chamaram atenção para o que os objetos fazem, questionando a

efetividade da intencionalidade do sujeito. Os objetos têm agência na medida em que possuem

a capacidade de (inter)ação, a capacidade de afetar e ser afetado. No caso de objetos do

cotidiano, sua agência é normalmente vista como a capacidade de ter um efeito, sem que isso

implique intencionalidade (BORGERSON, 2013). A agência dos objetos atua e aparece de

forma diferente: eles se engajam na cocriação e cotransformação da interação entre humanos e

as coisas que os cercam (MILLER, 2010). Os objetos de consumo alteram a vida das pessoas,

frequentemente com sua força de agência, impactando quem elas são e com quem se

relacionarão (BORGERSON, 2013).

No ponto de vista de Borgerson (2005; 2013) e Miller (2010) os objetos têm, não

precisamente agência, mas o que poderia ser descrito como uma capacidade não-intencional

para facilitar a alteração e cocriação. Borgerson (2013, p. 132) observa que esta é uma forma

“diminuída” da agência, embora o objeto ainda tem o poder para efetuar a mudança. A agência

se torna um tipo de intervenção participativa, numa tentativa de alcançar os propósitos que

poderiam sumir frente a outras forças. Agentes humanos, ou sujeitos, são concebidos como

tendo capacidade de intervenção, ou poder, em interação com outros seres, objetos e forças que

ambos têm. Interações tornam-se, assim, os locais de agência, constituindo a identidade -

especialmente no sentido de realizar certos fins, certas atividades relacionadas a determinados

objetos (BORGERSON, 2005).

Ao perceber um objeto como inerte, pode-se desenvolver interpretação mecanicistas, e

um sujeito visto como inerte pode representar um tipo de determinismo. Enquanto tanto a

agência do sujeito quanto a do objeto podem ser compreendidas como produtoras de efeito, a

agência do sujeito é marcada pela habilidade de planejar, de começar e de ter intenção

(BORGERSON, 2013). A capacidade dos bens materiais de introduzir pensamentos reflexivos

e ações sobre a relação consumidor-objeto deve ser iluminada, pois a agência dos objetos parece

atuar de maneira mais proeminente no processo da materialidade do que vem sido assumido

nas pesquisas de consumo até o momento (BORGERSON, 2013; FERREIRA; SCARABOTO,

2016).

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

42

O reconhecimento das características das coisas, sejam elas, contextuais, culturais,

temporais ou espaciais permite compreender a forma como indivíduos e grupos concretizam

suas identidades, apreendendo-se assim suas práticas sociais culturalmente específicos. A

consequência da agência de um objeto, as suas capacidades de resposta e suas habilidades para

levar informação lhe concedem uma semivida. Appadurai (2008) e Kopytoff (1986) indicam

que as coisas que as pessoas valorizam possuem biografia. O termo biografia significa um relato

escrito da vida de uma pessoa, que normalmente é feito por outra.

Um objeto não pode nunca ser o autor de sua própria biografia ou da biografia de outro

objeto, pois somente os seres humanos são capazes de contar histórias de vida. O que os objetos

fazem, em certa medida, é ditar a forma como são apropriados, objetificados e

recontextualizados no espaço e no tempo. Appadurai (2008) caracteriza a biografia de uma

posse como uma “trajetória total” desde a produção, até a troca e distribuição para o consumo

e o que ocorrer após. Para o autor essas “commodities em movimento [...] entram e saem do

estado de mercadoria” e “tais movimentos podem ser lentos ou rápidos, reversíveis ou

terminais, normativos ou desviantes” (APPADURAI, 2008, p. 27). A fase de commoditie, seria

então, um ciclo de vido do objeto, que pode ser reversível.

Objetos entram e saem de esferas de commoditização, de tal forma que, coisas que

atualmente são commodities podem deixar de ser se forem incorporadas a rituais ou ao mundo

privado de indivíduos, famílias ou culturas (KOPYTOFF, 1986; WOODWARD, 2007). Faz-se

uma distinção relevante entre commodities, como um objeto, e a commoditização, como um

processo (MAURER, 2006). Um bem pode estar num estágio de commodity, mas nada garante

que ele permanecerá neste mesmo estágio para sempre, pois ele tem uma “vida social”

(APPADURAI, 2008, p. 15) que o faz estar apenas contingencialmente materializado como um

objeto commoditizado (MAURER, 2006).

Para Dant (1999) o processo de apropriação cultural das coisas materiais está

relacionado a uma série de tipos de interações entre pessoas e objetos, tais como tocar, fazer,

olhar, falar e ler sobre, usar, contar histórias, guardar, transformar etc., que são sociais uma vez

que são aprendidas e compartilhadas dentro da cultura. A vida social dos objetos é formada por

sua inserção nas rotinas, nas práticas diárias e cotidianas, bem como no estilo de vida das

pessoas.

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

43

Ao referir-se a cultura material, Woodward (2007) alerta que se deve tomar o cuidado

de não imaginar que os objetos estão no mundo simplesmente para que as pessoas se envolvam

ou os usem, como se eles existissem à parte da história social e cultural, dos códigos e

narrativas. A reificação, ou seja, a separação entre o mundo das individualizado das pessoas e

o mundo commoditizados das coisas (MAURER, 2006; MILLER, 1987; 2005; 2010; 2013) é,

segundo Kopytoff (1986), um mito que construiu um pensamento binário sobre a relação entre

pessoas e coisas. Pessoas e coisas foram, historicamente, separadas em mundos opostos. As

coisas representariam o mundo das mercadorias, dos objetos físicos, mudos e inertes

(APPADURAI, 2008), enquanto as pessoas seriam seres individuais e singularizados

(KOPYTOFF, 1986).

O singular e o comum (ou a mercadoria) estariam constantemente representados em

universos opostos, de acordo com Kopytoff (1986), sendo que haveria uma tendência a

mercantilizar os objetos, ou seja, torna-los comuns. Na medida em que houve avanços

importantes da tecnologia com novas descobertas, os objetos, produzidos em série e aos montes,

comercializados e vendidos sem que haja personificação tenderam a ser commoditizados. No

entanto, a cultura e os indivíduos atuaram no sentido de singulariza-los, torna-los únicos,

criando relações e contextos que os socializam e servem, então, de artifícios para discrimina-

los, classifica-los, compara-los e sacraliza-los.

Isso significa que tanto a cultura quanto o indivíduo estão engajados numa batalha de

duas frentes – uma contra a mercantilização homogeneizadora de valores, a outra

contra a singularização integral das coisas (KOPYTOFF, 1986, p. 118).

Nem todos os objetos podem ser singularizados, sob pena de banalizar-se sua

importância e relevância. A singularização precisa de um contexto específico para ocorrer.

Objetos podem ter vida social, mas nem todos eles, pois isso depende de fatores como o

contexto social, histórico, político, econômico e emocional. Para ser considerado como tendo

uma vida social os objetos, primeiro, têm que ser distinguidos como objetos de interesse por

seus biógrafos. A consequência disto é que muitos objetos são simplesmente ignorados e não

são considerados como tendo agência que gere impacto ou os ligue a vida dos sujeitos. Singular,

desta forma, seria tudo aquilo que, num modelo ideal, é único, não trocável, inigualável e

incomparável (KOPYTOFF, 1986). São os bens que potencialmente apagaram resquícios de

mercadoria que tiveram um dia (no sentido de commodities produzidos em larga escala),

deixando para trás seu valor de troca e os “vestígios de intercâmbio” (KOPYTOFF, 1986, p.

96).

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

44

Os bens singularizados seriam absolutamente heterogêneos em termos de valoração e

se colocariam em oposição as mercadorias, que seriam totalmente homogêneas. Considerando-

se que o mercado tende a homogeneizar as mercadorias, a cultura responderia com a criação de

mecanismos para resguardar parte de seu ambiente em estruturas “sagradas” (KOPYTOFF,

1986, p. 100), por meio da singularização, ou da resingularização o que já foi mercantilizado.

A singularização é um conceito chave para este trabalho, pois trata do processo de tornar único

bens que podem ser comuns, simples, corriqueiros. Kopytoff (1986) descreve que objetos

podem ser sacralizados por meio da singularização, mas a singularidade não garante que eles

sejam sagrados. As mercadorias podem ser singularizadas por serem:

a) Retiradas da esfera mercantil, ou seja, não estarem mais disponíveis para trocas.

b) Tornadas parte de processos rituais individuais ou coletivos - e por isso sacralizadas.

c) Confinadas a uma esfera muito restrita de troca (mercantilização restrita), de forma

que há poucas coisas pelas quais elas poderiam ser trocadas - por valerem muito

dinheiro ou por ter grande valor sentimental.

Desta forma, Kopytoff (1986) cria uma espécie de continuum, no qual os bens podem

ser classificados como mais ou menos singulares, bem como mais ou menos comuns

(mercantilizáveis). Interessante ainda é a proposta do autor de que na sociedade complexa como

a atual, em que as identidades são flexíveis, os objetos têm biografias e trajetórias que podem

se modificar ao longo do tempo e do espaço. Isso envolve uma perspectiva dinâmica, fluida,

dialética, segundo a qual os objetos podem mudar seu status entre singular e commodity ao

longo de sua biografia.

Em seus primeiros estágios de vida os objetos estariam basicamente definidos em

relação ao seu valor de troca ou monetário, o que os define como commodities. Após algum

tempo de realizada a transação econômica eles podem se descommoditizar na medida em que

são incorporados pelas pessoas a significados pessoais, relacionamentos ou rituais

(WOODWARD, 2007). Nas palavras de Miller (1987) este processo chama-se subjetificar ou

tornar-se sujeitos (‘subjectified’, tradução livre). Kopytoff (1986), por sua vez o chamará de

singularização, o que para o autor constitui a possibilidade de que os objetos tenham vida social.

No próximo subcapítulo serão apresentadas pesquisas em consumo que examinam como

os indivíduos escolhem os objetos, os trazem para suas vidas e lhes dão significado pessoais

que podem torna-los singulares (MILLER, 1987; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989;

GRAYSON; SHULMAN, 2000; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; EPP; PRICE, 2010).

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

45

2.3 Objetos nas Pesquisas em Comportamento do Consumidor

“Things are the stuff of life”

(YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 33).

Young e Wallendorf (1989, p. 33) indicam, de forma poética, que as “coisas são a

matéria da vida”, pois abrigam as aspirações, alegrias, tristezas e realidades das pessoas.

Evidencia-se com essa colocação um aspecto central do entendimento do papel dos objetos na

sociedade: a pesquisa sobre o significado da posse de bens (BELK, 1988). Estudos sobre posse

compreendem uma vasta e ampla linha de pesquisa, que trata de temas como apego, significados

das posses, posses especiais e amadas, desapego, descarte, manutenção de posses, coleção,

abandono e também questões referentes ao lado obscuro da posse, tais como o materialismo, o

consumismo, a compra compulsiva e a impulsiva e a acumulação compulsiva. Estes aspectos

serão abordados neste subcapítulo que, inicialmente, apresentará a definição de posse e sua

relevância para o comportamento dos consumidores.

Assim como na literatura sobre cultura material, a pesquisa em comportamento do

consumidor tem usado diversas formas de retratar a relação sujeito-objeto. Segundo os estudos

na área os bens materiais são valorizados pela sua capacidade de criar, manter e perpetuar a

identidade (BELK, 1988) e de servir como repositórios de narrativas de vida pessoal, familiar,

e passados socioculturais (CURASI; PRICE; ARNOULD; 2004). Um dos principais temas de

pesquisa sobre esta relação tem sido a posse de bens, que, desde os anos 1970, é objeto de

estudo de pesquisadores da área (FURBY, 1978; BELK, 1983; MYERS, 1985; BELK, 1988;

WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; WALLENDORF; ARNOULD, 1988; SCHULTZ;

KLEINE; KERNAN, 1989; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989; BELK, 1990; HILL,

STAMEY, 1990; HILL, 1991; MEHTA; BELK, 1991; BELK, 1991; RICHINS, 1994a; 1994b;

2004; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995; SIRGY, 1998; PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000;

GRAYSON; SHULMAN, 2000; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; KLEINE; BAKER,

2004; AHUVIA, 2005; TIAN; BELK, 2005; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005; BELK,

2007; CHEN, 2009; LAMBERT-PANDRAUD; LAURENT, 2010; LASTOVICKA;

SIRIANNI, 2011; KOGUT; KOGUT, 2011; CURASI, 2011; BARDHI; ECKHARDT;

ARNOULD, 2012; LASTOVICKA, 2014; ROSTER, 2015; WATKINS; DENEGRI-KNOTT;

MOLESWORTH, 2016; MASSET; DECROP, 2016).

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

46

Posses são símbolos tangíveis de pensamentos intangíveis e representam a humanidade

individualizada de cada sujeito, bem como consciência coletiva. A posse de um bem é associada

por Belk (1982) com o desejo de ter. Para o autor, a maior evidência de que o desejo de ter

coisas é universal vem dos relatos da antiguidade, quando os mortos eram enterrados com seus

bens e havia desenhos ornamentando casas e palácios, indicando a relevância da posse.

Conceitualmente, posses são as coisas que cada sujeito chama de sua (WALLENDORF;

ARNOULD, 1988; WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH, 2016). Lastovicka e

Fernandez (2005) definem posses significativas como recipientes (commodities ou objetos) que

transportam significados públicos (significados amplamente difundidos das matérias-primas) e

significados particulares (significados pessoais não amplamente difundidos).

As posses podem ser individuais, conjuntas ou compartilhadas (BELK, 1988), podendo

ter uma vida relativamente curta - como para coisas, como comida ou outros bens não duráveis;

ou longa, como para casas, móveis e outros bens duráveis (BELK, 2001). Na literatura de

comportamento do consumidor, diversos autores têm indicado que as pessoas usam os objetos

para definir seu eu, para criar um senso de identidade, para lembrar a elas e aos outros de quem

elas são ou quem eles gostariam de ser, ou ainda para proteger ou ampliar seu autoconceito

(p.ex., BALL; TASAKI, 1992; BELK, 1988; 1989; 1992; 2013; WALLENDORF; ARNOULD,

1988).

Citando Fromm (1987), Belk (1982) lembra que a variedade de coisas que se pode

chamar de “minhas” cresceu incrivelmente, e passou a incluir sentimentos, características

pessoais e ideias, experiências e conhecimentos, ativos tangíveis, símbolos próprios e até

mesmo outras pessoas. Em 2013, Belk atualizou sua proposição sobre o conceito de posses,

dizendo que, em 1988, já havia computadores pessoais, mas não havia páginas da web, games

online, mecanismos de busca, mundos virtuais, mídias e redes sociais, internet, e-mail,

smartphones, MP-3 players ou câmeras digitais, que atualmente ampliam imensamente as

possibilidades de extensão do eu (BELK, 2013).

De acordo com Belk (1983; 1988) ter a posse implica o domínio ou controle sobre um

objeto, bem como identificação pessoal com este objeto como uma extensão de si. Para o autor,

possessividade é a inclinação e a tendência a manter o controle ou a propriedade sobre as posses,

seja isso restrito a objetos individuais ou generalizado a todas as posses. Os objetos de posse

não precisam ser de propriedade em sentido jurídico, desde que haja uma tendência a impedir

outras pessoas de obter o controle dos mesmos objetos. Segundo Belk (1983), não há tom

pejorativo nessas definições, no entanto, vários em aspectos essas características e as

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

47

motivações presumidas para que as pessoas queiram ter a posse de bens são fortemente

criticados. Críticas sobre a posse de bens são feitas há muito tempo e vão desde as advindas de

diversas religiões, nas quais se condena a concentração excessiva para construção de riqueza

material; até as oriundas dos defensores do marxismo, que denunciam o “fetichismo da

mercadoria” por parte do consumidor, como já visto neste trabalho (BELK, 1983).

As sociedades industrializadas possuem um número sem precedente de produtos e os

consumidores estão envolvidos no seu dia a dia por objetos, que são usados em diversos

momentos (RICHINS, 1994a). Na visão de Slater (2002) é por meio das mercadorias que a vida

cotidiana é formada, sustentada e reproduzida, assim como são as identidades e as relações

sociais nas quais os indivíduos vivem. Uma grande porção do tempo das pessoas é gasta na

aquisição de bens ou trabalhando para pagar por eles e os discursos diários são frequentemente

focados em produtos (RICHINS, 1994a). “Objetos servem como o conjunto e adereços nas

fases teóricas de nossas vidas”, afirmam Wallendorf e Arnould (1988, p. 531), contribuindo

para situar as características e a personalidade de um indivíduo em um contexto.

Os indivíduos usam os objetos como marcadores para identificarem-se para os outros,

assim como esses objetos são usados por eles para que se lembrem de quem são

(WALLENDORF; ARNOULD, 1988). Richins (1994a) destaca que parte dos objetos que as

pessoas valorizam não podem simplesmente comprados ou vendidos. A autora exemplifica sua

afirmação com no seguinte trecho:

A posse mais valiosa de um homem pode ser a foto de sua falecida esposa, tirada em

uma viagem particularmente memorável. A “posse” neste caso não é tanto a

fotografia, mas sim as memórias que não podem ser compradas a qualquer preço.

Pedir para essa pessoa o quanto ele pagaria por essa fotografia vai tão além da

imaginação e qualquer resposta seria sem sentido (RICHINS, 1994a, p. 505).

Ao propor tal abordagem para a relevância dos bens, os autores confrontam a ideia de

que eles são primeiramente “necessários à subsistência e à exibição competitiva” (DOUGLAS;

ISHERWOOD, 2013, p. 103). Bens são necessários para dar visibilidade e estabilidade às

categorias da cultura (MCCRACKEN, 2003). Wallendorf, Belk e Heisley (1988) revelam que,

em suas pesquisas, os informantes muitas vezes consideravam algumas das suas posses mais

do que coisas meramente utilitárias: essas posses carregavam significados profundos em suas

vidas. Da mesma forma, Douglas e Isherwood (2013) e Sahlins (2003) afirmam que os bens de

consumo parecem ter uma significação que vai além de seu caráter utilitário e de seu valor

comercial, uma vez que possuem habilidade de carregar e comunicar significado cultural. Nesse

sentido, Douglas e Isherwood (2013) afirmam os bens são bons para comer, vestir e abrigar;

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

48

mas também são bons para pensar, devendo ser tratados como uma forma não verbal da

capacidade humana de criar (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013).

Para Sahlins (2003) a utilidade dos bens pode ser pensada a partir de suas dimensões: a

objetiva e a subjetiva. A lógica objetiva compreende que a cultura é produto das atividades

racionais dos indivíduos na busca por seus melhores interesses. A característica principal da

cultura, segundo esta abordagem, é que ela se adapta as questões materiais de acordo com um

esquema simbólico, que jamais é o único possível. Justamente por isso “é a cultura que constitui

utilidade” (SAHLINS, 2003, p. 8), sendo sua lógica simbólica ou significativa. Em contraponto

ao utilitarismo, segundo o qual o homem é definido pelo mundo material em que vive, na lógica

simbólica entende-se que todos os organismos vivem nesse mesmo mundo material, mas nem

todos criam sobre ele uma rede de significados que dá sentido à vida cotidiana. Esta é uma

qualidade única da humanidade, já que as culturas são ordens de significado de pessoas e coisas

(SAHLINS, 2003).

Coulter e Ligas (2003) sugerem em sua pesquisa que os produtos podem ter significados

funcionais e simbólicos, dependendo da motivação dos indivíduos para seu consumo.

Significados funcionais referem-se a atributos e características utilitárias do produto, ou seja, o

produto principal e os as funções que permitem que o produto funcione de uma maneira

específica. Significados simbólicos, por sua vez, incidem sobre as expressões pessoais e

intrínsecas associadas aos bens. Neste caso, o produto ganha significado porque está vinculado

a algum evento específico, porque desenvolve qualidades interpessoais ou auxilia de alguma

forma na comunicação do self do indivíduo. Em alguns casos, os consumidores desenvolvem

laços emocionais com produtos e encontram os itens necessários à expressão e comunicação de

seu eu.

Algumas posses simplesmente não estão sujeitas as regras econômicas normais,

tornando-se inalienáveis (BELK, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989; RICHINS,

1994a). Mesmo que haja uma proposta financeiramente tentadora, a maior parte das pessoas

não troca seus animais de estimação, anéis de casamento, fotos de família ou seus filhos, por

exemplo (BELK, 1988; RICHINS, 1994a). Isso leva a crer que alguns objetos são importantes

na vida das pessoas e que as coisas que as pessoas possuem revelam características e valores de

seus donos (RICHINS, 1994b; WALLENDORF; ARNOULD, 1988; MEHTA; BELK, 1991;

CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; AHUVIA, 2005; LASTOVICKA; SIRIANNI, 2011;

LASTOVICKA et al., 2014). De tal forma isso parece ser uma máxima sobre o consumo em

geral, que pessoas podem, inclusive, manter produtos aos quais estão ligadas mesmo quando

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

49

estes produtos não funcionam corretamente, o que sugere que a utilidade não é condição

necessária para o apego entre consumidor-objeto (SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-

PELGRIM, 2009). Os bens que as pessoas possuem narram suas histórias de vida, refletem “a

minha vida” (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995, p. 327). A ligação que as pessoas têm com

suas posses é explicada a seguir.

2.3.1 Apego às posses

Parece difícil afirmar quando um objeto se torna uma posse, ou seja, quando o indivíduo

passa a estabelecer com ele uma relação de posse. Apenas toca-lo ou imaginá-lo como sendo

seu pode levar a sentimentos de posse percebida (PECK; SHU, 2009). No entanto, a posse pode

não ser suficiente para que uma pessoa se sinta ligada a seus bens (RICHINS, 2004), ou, sinta

algum tipo de emoção por possuir tal objeto, de maneira a sentir-se apegada a ele. Esse

fenômeno é tratado na literatura como “attachment” (BROUGH; ISAAC, 2012), que Ball e

Tadaski (1992) definem como o grau em que um objeto é usado pelo indivíduo para manter seu

autoconceito.

A pesquisa sobre a posse de bens em vários campos leva a afirmar que apego aos

objetos, além de uma habitual e cultural função do consumo, pode ser interpretado como um

símbolo de segurança, como a expressão do autoconceito e como um sinal de conexão ou

diferenciação para com outros membros da sociedade (RICHINS, 2004; KLEINE; BAKER,

2004). O apego do consumidor implica a existência de laços emocionais entre pessoa-objeto.

Além disso, o objeto ao qual a pessoa está ligada é considerado especial e normalmente significa

muito para ela. Consequentemente, se o bem é perdido, a pessoa vai experimentar sofrimento

emocional. Nessas circunstâncias é improvável que a pessoa se desfaça de seus bens ou elimine-

os de alguma forma (DELORME; ZINKHAN; HAGEN, 2004; SCHIFFERSTEIN;

ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).

Para Kleine e Baker (2004) apego a posses materiais é uma propriedade multifacetada

da relação entre um indivíduo específico ou grupo de indivíduos e um objeto material

específico, que uma pessoa se apropriou psicologicamente, desmercantilizou e singularizou por

meio da interação pessoa-objeto. O sentimento de posse envolve o processo de dar valor

objetos, bens ou coisas (RICHINS, 1994a), que não precisam necessariamente ser de sua

propriedade (BELK, 1988). Seja como um processo (BELK, 1988) ou por meio de rituais

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

50

(MCCRACKEN, 2003), as formas como as pessoas se apegam as coisas podem variar

amplamente (WALLENDORF; ARNOULD, 1988; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004;

KLEINE; BAKER, 2004). Kleine e Baker (2004) reuniram nove características, resumidas no

Quadro 2 , que retratam o processo de valorização dos bens, ou o apego.

Quadro 2 – Características do Apego às Posses

Característica Descrição Autores

1. Objetos Específicos O apego se forma para objetos

materiais únicos.

Wallendorf e Arnould (1988); Kleine,

Kleine e Allen (1995); Belk (1982; 2010)

2. Apropriação

Psicológica

Deve haver a sensação de que o

objeto é “meu”. Belk (1992)

3. Extensões do Self Capacidade de extensão do self para

os objetos. Os objetos que o

consumidor valoriza frequentemente

revelam alguma coisa sobre o tipo de

pessoa que ele é, sendo que estes

objetos servem como uma janela

para o eu dessa pessoa.

Belk (1988); Wallendorf, Belk e Heisley

(1988); Belk, Wallendorf e Sherry (1989);

Ferraro, Escalas e Bettman (2011); Rook

(1985); Wallendorf e Arnould (1988);

McCracken (2003); Watkins, Denegri-Knott

e Molesworth (2016)

4. Singularizadas e

desmercantilizadas

O processo de extensão de si

descommoditiza, singulariza e

personaliza objetos materiais

específicos, simbolizando

significados autográficos.

Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981);

Wallendorf e Arnould (1988); Belk (1988);

Belk, Wallendorf e Sherry (1989); Kopytoff

(1986); Grayson e Shulman (2000)

5. História pessoal Os bens tornam-se insubstituíveis

através dos diversos rituais de

possessão aos quais são submetidos,

que lhes extraem significado e lhes

dão sentido.

Belk (1988); McCracken (2003); Grayson e

Shulman (2000)

6. Força A força da ligação que uma pessoa

sente para como seus objetos de

apego varia de acordo com o

indivíduo.

Belk (1988); Mehta e Belk (1991); Kleine,

Kleine e Kernan (1992); Kleine, Kleine e

Allen (1995); Park, MacInnis e Priester

(2006); Kogut e Kogut (2011)

7. Multifaces Há várias motivações para o apego e

os objetos especiais variam em seus

propósitos simbólicos.

Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981);

Schultz, Kleine e Keman (1989); Kleine,

Kleine e Allen (1995)

8. Complexidade

Emocional

Posses as quais se tem apegos são

carregadas de profundo significado

pessoal e emocional.

Belk (1992); Roster (2001)

9. Dinamismo Os apegos evoluem ao longo do

tempo assim como o significado do

self muda.

Myers (1985); Curasi (1999); Price, Arnould

e Curasi (2000); McCracken (2003); Curasi,

Price e Arnould (2004); Lastovicka e

Fernandez (2005); Epp e Price (2010)

Fonte: Baseado em Kleine e Baker (2004).

A primeira característica do apego é que ele é direcionado a objetos específicos. Isso

significa, segundo Kleine e Baker (2004), que o apego se forma para objetos materiais únicos

e não com categorias de produtos ou marcas. Apesar da maior parte do apego ser para objetos

comuns, sabe-se que o significado especial atribuído a eles é formado através de experiências

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

51

envolvendo o objeto. Assim, objetos de consumo considerados como insubstituíveis

(GRAYSON; SHULMAN, 2000), especiais (PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000), muito

importantes (LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005), mais queridos (CURASI; PRICE;

ARNOULD, 2004), favoritos (SCHULTZ; KLEINE; KERNAN, 1989; MEHTA; BELK,

1991), amados (AHUVIA, 2005; BROUGH; ISAAC, 2012) ou difíceis de viver sem (KLEINE;

KLEINE; ALLEN, 1995) têm um significado simbólico para seu proprietário que não está

presente em outros produtos, mesmo quando eles são fisicamente idênticos ou réplicas

(SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008). O significado especial pode estar

ancorado nesse objeto específico, de forma que produto e significado tornam-se inseparáveis.

Porque outros objetos não conseguem fornecer este significado, a pessoa pode sentir que

substituir aquele bem resultará na perda de seu significado especial. Estes sentimentos de “não

haver substituto” (GRAYSON; SHULMAN, 2000) são provavelmente o componente mais

importante do apego, pois baseiam-se na relação pessoal e única com o objeto.

A segunda característica, apontam Kleine e Baker (2004) indica que os objetos de apego

devem ser psicologicamente apropriados, ou seja, é fundamental que haja uma sensação de que

o objeto é “meu” (BELK, 1992). Um objeto considerado como “meu”, contudo, não significa

que ele de fato representa “eu”. Através do consumo as pessoas extraem significado cultural,

dão sentido e reivindicam a posse dos bens como delas (MCCRACKEN, 2003), construindo

assim, apego as suas posses. Exemplos de apropriação psicológica incluem a cadeira favorita

de um aluno em sua sala de aula, que a vê como “sua”; ou bens valiosos perdidos, roubados ou

destruídos (FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011) que continuam sendo percebidos pelos

seus proprietários como “seus”. É possível que as pessoas se apropriem psicologicamente de

marcas, lugares, experiências, ideias, etc. Apesar de ser condição necessária para o apego às

posses, a apropriação psicológica não é suficiente para formar apego, ou seja, só porque algo é

“meu”, não significa que ele seja “eu” (KLEINE; BAKER, 2004).

A terceira característica do apego às posses, diz respeito à capacidade de extensão do

self para os objetos considerados “meus” (BELK, 1988; KLEINE; BAKER, 2004). As pessoas

se tornam apegadas a produtos que definem e mantém seu autoconceito (BALL; TASAKI,

1992; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Os objetos que o consumidor valoriza

frequentemente revelam alguma coisa sobre o tipo de pessoa que ele é, servindo como uma

janela para o eu dessa pessoa (RICHINS, 1994b). Para Belk (1988; 1989; 1992) as posses

podem de fato representar o self - sinônimo de identidade - de maneira que o que é considerado

“meu” passa a ser “eu”. O entendimento do autor fica claro, quando ele afirma que “nós somos

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

52

o que temos [...] é talvez o fato mais básico e poderoso do comportamento do consumidor”

(BELK, 1988, p. 139). O fato dos apegos serem extensões do self pode ser percebido quando

os indivíduos estendem sua noção de eu em coisas como pessoas, lugares, experiências, ideias,

crenças e objetos materiais aos quais são apegados (BELK, 1988; KLEINE; BAKER, 2004).

As posses que se impregnam do senso de self passam a ser cultivadas por simplesmente serem

objetos conhecidos e que estão disponíveis para uso (BELK, 1988, p. 140; ROSTER, 2001).

As formas como as posses são incorporadas ao self são tratadas por Belk (1988) como

processos de extensão. A partir da abordagem de Sartre, Belk indica que há três processos pelos

quais se aprende a considerar um objeto como parte do self, sendo eles: (1) controlar e/ou

dominar o objeto para seu uso pessoal, o que engloba tanto aprender e manipular um bem quanto

dá-lo de presente; (2) criar, tanto coisas materiais quanto pensamentos abstratos, pois a criação

permite a retenção da identidade do criador no objeto, o que pode ser atingido também através

da compra; (3) conhecer o objeto de forma íntima, apaixonada (relativa ao desejo), pois somente

assim ele pode se tornar parte de si. Estas três formas são citadas por Belk (1988) como ativas

e intencionais, já que os indivíduos se esforçam para incorporá-los ao seu self, trabalhando para

tê-las como sua “segunda pele” (BELK, 1988, p. 151) ao investir sua energia nelas.

Contudo, podem ocorrer processos de incorporação não intencionais, ocasionados pela

contaminação, que envolve uma incorporação involuntária de outro self (BELK, 1988;

WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH, 2016). Normalmente, os indivíduos

evitam a contaminação através de rituais, como por exemplo, quando são comprados objetos

de segunda mão, carros ou apartamentos usados, herdadas roupas e pertences de parentes

mortos, etc. Nestes casos os rituais ocorrem no sentido de descontaminar, limpar o objeto, para

que se possa reincorporar um novo self, tal como descreve McCracken (2003). É possível,

entretanto, que a contaminação tenha aspectos positivos, quando, por exemplo garotas

adolescentes trocam suas roupas. Nestas situações elas trocam não só amizade, mas também

identidades – “elas se tornam almas gêmeas” (BELK, 1988, p. 151).

As posses se contaminam através da associação/relação física com outras pessoas

(BELK, 1988; 1990; 1991; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989). Objetos contaminados

podem ganhar uma “simpática magia ou contágio” (BELK, 1988, p. 149) que lhes permite

incorporar os traços ou “características de outros” (BELK 1988, p. 151), “compartilhar a

identidade de um grupo” (BELK, 1988, p. 151), “carregar memórias” (BELK, 1990, p. 672) e

preservar o status sagrado de uma posse por afastar os hábitos e a “invasão dos significados

profanos” BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989, p. 21).

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

53

Ao relacionar as posses como parte de seu self estendido, as pessoas sentem que a noção

de si é intensificada pelo que têm ou reduzida pelo que perderam (BELK, 1988;

WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989;

FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Wallendorf, Belk e Heisley (1988) relatam que

coleções, fotografias de família e veículos, por exemplo, foram descritos por seus informantes

como fontes de uma sensação ampliada de self quando eram seletivamente cultivados e

preservados. De forma oposta, quando esses bens eram perdidos, danificados ou deixados de

lado havia o relato de uma sensação de diminuição de si mesmo seguida por um período de

luto. Curiosamente, os autores contam que, mesmo quando os bens foram tem porária ou

permanentemente deixado para trás, há uma parte do self que continua a ser investido neles.

Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) fazem uma importante colocação ao

observarem que alguns autores, como Ball e Tasaki (1992) e Kleine, Kleine e Allen (1995),

confundem o conceito de self extention com o conceito de apego ao definirem apego como “a

medida em que um objeto que é de propriedade, que se espera possuir ou foi anteriormente

possuído por um indivíduo, é usado por ele para manter seu autoconceito” (BALL; TASAKI,

1992, p. 158) e “um significante multidimensional da extensão do eu” (KLEINE; KLEINE;

ALLEN, 1995, p. 341). Na opinião de Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) a extensão do

eu (BELK, 1988) está relacionada com apego, mas não é a mesma coisa. Quando uma pessoa

se sente emocionalmente ligada a uma posse, o objeto pode ser considerado como parte do eu:

o que é “meu” torna-se “eu”. Contudo, o apego emocional não parece ser um pré-requisito

necessário para a extensão do eu nos objetos, já que as pessoas podem considerar suas posses

em geral, incluindo aquelas com fins utilitários, como auto extensões.

A quarta característica do apego é que as posses são singularizadas e

desmercantilizadas - ou descommoditizados (KLEINE; BAKER, 2004). Como afirma Kopytoff

(1986), as pessoas constroem significados para seus objetos materiais de forma semelhante a

como constroem significados para as pessoas, o que permite que ao longo do tempo se possa

conhece-las como indivíduos. O processo de extensão de si descommoditiza, singulariza e

personaliza objetos materiais específicos, simbolizando significados autográficos (BELK,

1988). A singularidade muitas vezes está associada a uma falta de vontade de vender as posses

por valores de mercado (BELK, 1991), pois posses insubstituíveis e singulares tornam-se

inestimáveis. O cobertor que uma criança usa como objeto de transição é um exemplo bastante

conhecido dessa não substituibilidade (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON,

1981; WALENDORF; ARNOULD, 1988; BELK, 1988), que ocorre quando o consumidor

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

54

resiste em trocar, mesmo com uma réplica exata, porque sente que a réplica não pode sustentar

o mesmo significado que o objeto original (GRAYSON; SHULMAN, 2000).

Wallendorf, Belk e Heisley (1988) descrevem que algumas pessoas consideram suas

posses mais do que meramente coisas utilitárias, pois essas coisas possuem profundo

significado em suas vidas. Para os autores os temas que explicam a expressividade desse

significado profundo são (1) extensão do eu; (2) fetichismo; (3) totemismo ou antropomorfismo

e; (4) distinções sagradas e profanas. Segundo os autores, talvez o tema mais relevante do

significado do consumo, seja o status sagrado de certos bens para os indivíduos. “O

comportamento do consumidor em relação a tais bens é diferente do comportamento que

pertence a profanar produtos comuns” (WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988, p. 529).

Objetos sagrados são vistos como místicos, poderosos e merecedores de comportamento

reverente, em oposição ao comportamento normal, comum, e mundano concedido às

mercadorias profanas. Objetos de consumo sagrados são tratados como ícones religiosos

sagrados, e, portanto, estão “acima do preço” e afastados do mundo vulgar do comércio.

Fernandez e Lastovicka (2011) revelaram em sua pesquisa uma inter-relação entre

fetichismo e extensão do self, a distinção entre sagrado e o profano, e antropomorfização,

confirmando a proposição de Belk, Wallendorf e Sherry (1989) de que estes fenômenos são

distintos e relacionam-se entre si:

Em primeiro lugar, a contaminação, o resultado de mágica contagiosa, parece ser o

principal mecanismo subjacente à criação do auto estendida. Em segundo lugar, as

inter-relações entre a mágica imitativa da réplica profana e a magia contagiosa da

relíquia sagrada lançar luz sobre a distinção profano-sagrado. Terceiro, a mágica

imitativa facilita a antropomorfização, como, por exemplo, quando as interações de

músicos com seus instrumentos antropomorfizaram os instrumentos e criaram laços

emocionais entre eles (FERNANDEZ; LASTOVICKA, 2011, p. 297).

Como decorrência do artigo de Wallendorf, Belk e Heisley (1988), Belk, Wallendorf e

Sherry (1989) aprofundam a descrição das características das posses sagradas em um artigo

seminal para disciplina de comportamento do consumidor, no qual descrevem como bens

comuns se tornam sagrados através de práticas de consumo. Posses sagradas envolvem objetos

e eventos retirados de suas atividades normais, tratados com respeito e até mesmo reverência,

que por isso são tratadas como únicas, insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000;

CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004). Por outro lado, posses profanas são bens e momentos

comuns, cotidianos, que não possuem o caráter especial dos bens sagrados. Porque posses

especiais atraem energia psíquica, os consumidores muitas vezes as veem como sagradas

(CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004), “consideradas mais significativas, poderosas e

extraordinárias do que eles próprios” (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989, p. 13).

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

55

A quinta característica do apego, diz respeito a existência de uma história pessoal entre

o sujeito e sua posse (KLEINE; BAKER, 2004). As posses não se tornam singularizadas sem

que haja uma história entre self e objeto. A exigência de uma história entre pessoa e posse é um

dos temas mais frequentes nessa literatura (KLEINE; BAKER, 2004). A posse de um bem exige

que o consumidor se envolva com práticas ou rituais, que, ao longo do tempo, os tornam

insubstituíveis. Para McCracken (2003) é através dos diversos rituais de possessão aos quais

são submetidos os bens, que o consumidor extrai significado e dá sentido ao objeto possuído.

Tais rituais incluem, por exemplo, exibir, limpar, armazenar, discutir, comparar

(MCCRACKEN, 2003).

A sexta característica do apego a posses materiais salienta que ele tem força, que pode

ser relativamente forte ou fraca (KLEINE; BAKER, 2004). Apesar de serem usadas expressões

para discutir o apego, tais como “quem eu sou”, “quem eu não sou” ou “o que sou eu” e “não

eu”, ele parecer ser uma questão de grau (KLEINE; BAKER, 2004). A força da ligação que

uma pessoa sente para como seus objetos de apego varia de acordo com o indivíduo (BELK,

1988; KLEINE; KLEINE; KERNAN, 1992; MEHTA; BELK, 1991b; PARK; MACINNIS;

PRIESTER, 2006; KOGUT; KOGUT, 2011). Geralmente apegos fortes incluem posses tratadas

como “muito difíceis de se viver sem ou muito queridas”, “ligadas a” ou “insubstituíveis”

(MUGGE; SCHIFFERSTEIN; SCHOORMANS, 2006, p. 645). Estes apegos são mais centrais

ao self (BELK, 1988), enquanto apegos fracos não refletem muito ou refletem nada do self

(KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). A força do apego pode ser indicada por tendências

comportamentais, tais como a falta de vontade de vender bens pelo seu valor de mercado ou

descartar objetos após o seu uso funcional ter acabado (BELK, 1991).

Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006) e Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008)

analisaram os determinantes do apego e os definiram como autoexpressão, vinculação,

memórias e prazer (gozo); autonomia individual, vinculação com o grupo e visão de mundo.

Ambos os estudos apontam que o grau de apego muda com o passar do tempo, o que vai ao

encontro das pesquisas de Ball e Tasaki (1992). Os autores indicam que o apego varia com a

duração da posse, tendo sido mais forte para objetos muito novos e para os possuídos já há

bastante tempo. Essa variação pode ser compreendida, pois as razões para o apego parecem ser

diferentes nesses dois casos. O prazer parece ser maior para bens recém-adquiridos, enquanto

as memórias são mais elevadas para os objetos mais antigos. Por isso, o prazer pode ser a

principal razão para as pessoas se apegarem a objetos recém-adquiridos (como quando se gosta

de dirigir um carro novo logo depois de tê-lo comprado), enquanto as memórias podem ser a

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

56

principal razão para apegar-se em produtos que as pessoas possuem a um longo período de

tempo (como quando se olha para uma herança que lembra seu avô). Objetos que as pessoas

têm por um longo tempo podem evocar muitas memórias e são suscetíveis de acumular ainda

mais delas ao longo do tempo (SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).

A sétima características revela que o apego é um conceito relativamente complexo e

multifacetado (KLEINE; BAKER, 2004; FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Belk

(1988) retrata o self estendido (incluindo apegos) como sendo composto por diferentes

camadas, que vão de um self-core interior e privado, à uma camada mais externa e coletiva.

Cada self está associado a diferentes tipos de apegos que refletem tarefas particulares de

autodesenvolvimento. Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) identificam várias

motivações para o apego e afirmam que os objetos especiais variam em seus propósitos

simbólicos, sugerindo que a caraterística multifacetada é criada pelos laços de uma pessoa e

suas posses. Kleine, Kleine e Allen (1995) e Schultz, Kleine e Keman (1989) definem apego

como tendo facetas que incluem afiliação, autonomia e orientações temporais que remetem ao

passado, ao presente e ao futuro. Em contraste com as conceituações multifacetadas, as escalas

de medição do apego o representam como um constructo unidimensional (BALL; TASAKI,

1992; SIVADAS; VENKATESH, 1995; BROUGH; ISAAC, 2012).

A oitava característica refere-se ao fato do apego ser emocionalmente complexo.

Pesquisadores de consumo têm sugerido que os significados atribuídos a objetos específicos

(como locais, presentes, coleções, lembranças, e assim por diante) podem fazer as pessoas se

apegarem a esses objetos, com os quais, posteriormente, podem desenvolver laços especiais,

emocionais (KOGUT; KOGUT, 2011). Para Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) o apego

consumidor-objeto implica a existência de um laço emocional entre eles. Segundo Mugge,

Schifferstein e Schoormas (2005) as pessoas experimentam comportamento mais protetivos

para com objetos aos quais são apegadas e frequentemente desenvolvem relações de longa

duração com eles.

Laços emocionais persistentes com objetos altamente “caquéticos” podem levar anos

para se desfazer e podem nunca desaparecer completamente, pois posses especiais são

frequentemente ancoradas num passado distante, seu período de relevância imediata na vida

das pessoas (ROSTER, 2001, p. 426). Schultz, Kleine e Kernan (1989) enumeraram 83

diferentes emoções quando pediram para 95 respondentes descreverem os sentimentos que

experimentavam quando pensavam num objeto que fosse extremamente difícil de viver sem.

Na maioria dos casos, essas emoções eram positivas, como felicidade, amor, orgulho, segurança

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

57

e conforto. No entanto, em certos casos, as emoções também foram negativas (como tristeza),

quando, por exemplo, o objeto era uma lembrança de tempos difíceis. Carregado de profundo

significado pessoal e emocional o apego é “extraordinário, misterioso e evoca emoção ao invés

de ser meramente funcional” (BELK, 1992a, p. 45).

A nona e última característica do apego às posses, segundo Kleine e Baker (2004) é que

ele é dinâmico, ou seja, evolui ao longo do tempo. Nos estudos de Mugge, Schifferstein e

Schoormans (2006) e Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) o significado associado à posse

e a intensidade do apego não permanece estático, mas evolui, assim como evolui o self das

pessoas. Isso faz com que a função autobiográfica do objeto também se modifique (MYERS,

1985). Para Myers (1985, p. 6) as “posses emocionalmente significativas são um símbolo de

crescimento e mudança de uma pessoa”, pois participam desse processo de transformação.

Muitos autores, entre eles Schultz; Kleine e Kernan (1989), Kleine, Kleine e Allen (1995),

Grayson e Schulman (2000), Thomson, MacInnis e Park (2005), Mugge, Schifferstein e

Schoormans (2006), Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008), Lastovicka e Sirianni (2011) e

Watkins, Denegri-Knott e Molesworth (2016), sugerem que o crescimento do apego ocorre ao

longo do tempo, baseado nas interações dos consumidores com suas posses.

A dinamicidade do apego não impede, contudo, que alguns bens específicos assumam

significados relativamente estáticos, tais como relíquias de família ou heranças. Estas últimas

podem, por exemplo, simbolizar significados profundos de uma família e sentimentos de (auto)

continuidade, que são passados de geração para geração (CURASI, 1999; MCCRACKEN

1988; MEHTA; BELK, 1991; PRICE; ARNOULD; CURASI 2000; CURASI; PRICE;

ARNOULD, 2004; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005; EPP; PRICE, 2010). A análise do

significado de heranças e bens familiares têm sido explorados na literatura de comportamento

do consumidor por autores como McCracken (2003), Price, Arnould e Curasi (2000) e Epp e

Price (2010), que identificaram o link entre objetos e identidades familiares. McCracken (2003,

p. 74-75) descreve o caso da informante Lois Roget como uma história incomum de significado

de herança e relíquias de família, com um tipo de consumo chamado pelo autor de “curatorial).

Gerações familiares legitimam suas heranças como veículos de identidade de grupo através de

práticas histórias contadas e transmitidas para os mais novos, de rituais de uso e de exposição

dos bens (MCCRACKEN 1988; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; EPP; PRICE, 2010).

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

58

Kleine e Baker (2004) destacam ainda que o apego é conceitualmente diferente das

características gerais do materialismo, uma vez que attachment reflete a relação entre uma

pessoa específica e um objeto específico (WALLENDORF; ARNOULD, 1988; BALL;

TADASKI, 1992), enquanto o materialismo é uma tendência de investir o self em posses

materiais (BELK, 1995). O apego também é conceitualmente distinto do envolvimento com

produto e do relacionamento entre consumidor e marca. Esses construtos geralmente são

compreendidos como a importância da categoria de produto para uma pessoa, como carros, por

exemplo, (LAURENT; KAPFERER, 1985; COSTLEY, 1988) e a relação com a marca

(FOURNIER, 1998; PARK; MACINNIS, PRIESTER; 2006), respectivamente, ao passo que

attachment possession está preocupado com um objeto específico.

2.3.1 Significados (Tipos/Valor) do Apego

Dada a centralidade das coisas na vida dos consumidores, parece útil perguntar que

significados elas têm e porque são tão valorizadas. Algumas posses têm mais valor do que

outras? Como as pessoas se apegam as suas coisas? As posses são valorizadas pelo significado

que incorporam, os instrumentos que fornecem e as contribuições que fazem para o nosso bem-

estar (ROSTER, 2001). Belk (1988, p.146) descreve os bens como “reservatórios mágicos” de

significado que conectam o sujeito aos aspectos mais profundos, menos compreendidos e

inarticulados de sua vida (como por exemplo, a religião, a magia ou a ciência). De acordo com

McCracken (2003), o valor das posses, as quais os indivíduos se apegam apresenta custos e

benefícios, que variam de acordo com a capacidade do bem em transferir e guardar significados.

Wallendorf e Arnould (1988) afirmam que diversos significados estão atrelados aos

bens, que são fortes comunicadores de quem o indivíduo é, quais suas conexões e de quais

grupos deseja se diferenciar. Para os autores os bens possuem diversos significados na vida das

pessoas: ajudam o indíviduo a representar o papel que desejar perante seus grupos sociais,

conferem sustento, abrigo, segurança e entretenimento. Além disso, os bens servem como

ferramentas para cumprir tarefas ao mesmo tempo em que concedem mobilidade. Eles

controlam os efeitos da natureza sobre os seres humanos, mantendo-os “secos enquanto a

natureza esta molhada, quentes quando esta fria, frescos enquanto está quente, nas sombras

quando há muito sol e na luz quando está muito escuro” (WALLENDORF; ARNOULD, 1998).

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

59

Os bens podem, no entanto, mudar de significado durante seu ciclo de vida. Assim como

as pessoas passam por “ritos de passagem”, que podem representar uma nova configuração em

suas vidas, os objetos também passam por transformações de significado (MCCRAKEN, 2003,

p. 109). Ao longo do tempo vão surgindo novas ideias e maneiras, capazes de ocasionar

mudanças culturais significativas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). Wallendorf (2009, p.

533) complementa esse análise, indicando que, após a conclusão de um rito de passagem, o

iniciado surge, geralmente, com uma nova identidade social e, frequentemente, com novos

objetos capazes de caracterizar este novo momento de vida.

O significado incorporado aos bens pode ser transferido aos indivíduos por meio de

rituais, que permitem a sua posse, manipulação, reconstrução e ressignificação adaptados ao

contexto social. Eles são poderosas ferramentas de manipulação dos significados culturais, de

forma que um “rito de passagem” é constituído a partir de diversos comportamentos que

movimentam os indivíduos entre as diferentes categorias sociais (MCCRAKEN, 2003, p. 109).

Os bens, segundo o autor, conferem significados aos indivíduos através dos seguintes rituais:

de troca, de posse, de arrumação e de despojamento.

Os rituais de troca envolvem dar e receber presentes e costumam ocorrer em situações

como trocas de presente em festas de Natal e/ou aniversário, entre outras. Para McCracken

(2003), ao escolher um presente o indivíduo normalmente procura características que acredita

que faltem ou que gostaria de acrescentar ao presenteado de forma simbólica. Os rituais de

posse permitem que certas propriedades simbólicas sejam transferidas e ao mesmo tempo

reivindicadas pelo consumidor. Ao fotografar, mostrar, falar e refletir sobre o bem, o indivíduo

cria um elo de conexão com ele, que lhe permite ter a sensação de estar absorvendo para si

todas as propriedades atribuídas ao bem, tornando-o assim parte de sua vida. Para McCraken

(2003), ao reivindicar a posse de um produto, o consumidor também é capaz de conferir a ele

significados de seu próprio mundo através dos rituais de posse que personalizam o produto e o

tornam parte importante em sua vida. Nas palavras do autor:

Os indivíduos dispõem com sucesso dos rituais de posse, e os administram para extrair

as propriedades significativas que foram investidas nos bens de consumo. Quando isto

ocorre, eles são capazes de utilizar os bens como marcadores de tempo, espaço e

ocasião, e de recorrer à sua habilidade de discriminar as categorias culturais de classe,

gênero, idade, ocupação e estilo de vida (MCCRACKEN, 2003, 116).

Rituais de arrumação, por sua vez, ajudam o consumidor a resgatar continuamente as

propriedades simbólicas investidas no bem e investi-las em si, mesmo quando estas já estão

enfraquecidas. Estes rituais podem ser tanto de arrumação do bem, como no caso de uma joia

que precisa ser limpa antes de utilizada, quanto de arrumação do próprio consumidor, que ao

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

60

utilizar um produto específico, assimila para si características capazes de potencializar a sua

personalidade, conferindo-lhe a segurança e confiança necessárias para certo momento

(MCCRACKEN, 2003). Os processos de arrumação são uma tentativa do indivíduo de manter

vivo o significado de um bem. A tarefa de ressignificação através da manutenção do bem ajuda

o indivíduo a manter o bem como parte de sua identidade (WATTANASUWAN, 2005).

No ritual de despojamento, segundo McCracken (2003), ocorre uma tentativa por parte

do indivíduo de “limpar” o bem de seus significados passados. Esta situação pode ocorrer tanto

quando o consumidor está se desfazendo de um bem e precisa encerrar a sua relação de posse

com ele, quanto em uma situação em que o indivíduo adquire um bem que outrora pertenceu a

outra pessoa. Nesse segundo caso “o despojamento permite ao novo dono evitar o contato com

as propriedades significativas do dono anterior, bem como ‘libertar’ o significado da posse e

reivindica-lo para si” (MCCRACKEN, 2003, p 118).

Richins (1994a; 1994b) busca esclarecer como as pessoas valorizam as coisas que têm,

ou seja, como se apegam a elas. Explicando porque alguns objetos são escolhidos ou tornam-

se valiosos ao passo que outros são relativamente insignificantes, Richins (1994b) afirma que

é necessário considerar os significados desses objetos possuídos e a relação entre esses

significados e os valores pessoais. Os objetos que as pessoas consideram como mais

importantes em suas vidas normalmente caracterizam seus valores pessoais. Pessoas que

valorizam a família, provavelmente terão objetos que representem ou aumentem os laços

familiares, por exemplo. Assim, os julgamentos feitos sobre o significado das posses são

realizados em termos dos valores pessoais, resultando que os objetos mais valiosos que uma

pessoa tem refletirão esses valores.

Richins (1994a) descreve dois tipos de significados atribuídos as posses escolhidas

como importantes para as pessoas: público e privado. Significados públicos são os significados

subjetivos de um objeto que são compartilhados pela sociedade em geral. A autora acredita que

diversos bens de consumo possuem significados que são amplamente compartilhados, formados

através da socialização e da enculturação de experiências, que inclui exposição à publicidade e

a outros meios de comunicação, tal como também indica McCracken (2003). Bens sujo

significado público condizem com o self do indivíduo tendem a receber maior atenção e

cuidados, pois fazem parte do sistema de comunicação social e, às vezes, são usados ativamente

para comunicar aspectos do eu.

Significados privados (particulares ou pessoais) de um objeto “são a soma dos

significados subjetivos que o objeto carrega para um indivíduo em particular” (Richins 1994a,

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

61

p. 506). Tais significados podem incluir elementos de significados públicos do objeto, mas a

história pessoal do proprietário em relação ao bem, sua experiência com ele, também

desempenha um papel importante. Assim, um par de brincos de diamante pode ser valorizado

por sua proprietária, porque foram um presente de seu marido quando eles comemoraram seu

primeiro aniversário de casamento no Caribe. O valor simbólico destes brincos para esta mulher

pode conter elementos de significado público (como o reconhecimento de que uma joia de

diamante é cara), mas também contém significados que não estão disponíveis para os outros, a

menos que o proprietário escolha divulgar essas informações relevantes.

Assim, objetos queridos podem ter apenas significados privados ou uma combinação de

significados públicos e privados. O desenvolvimento do significado privado de um objeto

envolve processos ativos em que o significado é “cultivado” ao longo do tempo através de

repetidas interações com o objeto. Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) também

apontam essa relação entre público e privado e afirmam que indivíduos tendem a cultivar esses

significados para posses que são consistentes com seus valores pessoais. O resultado desse

processo de cultivo, os significados das posses importantes para o consumidor incorporam ou

caracterizam seus valores pessoais e outros aspectos do eu. Podem existir seis fontes de criação

de significado, de acordo com Richins (1994a), conforme destaca o Quadro 3:

Quadro 3 – Fontes de Criação de Significado Através da Posse de Bens

FONTE CRIAÇÃO DE SIGNIFICADO

Utilitária Pela funcionalidade ou utilidade do bem.

De Prazer Pela capacidade a fornecer momentos e atividades agradáveis.

De representação de laços

interpessoais

Por meio da simbolização de relações sociais e vínculos entre pessoas.

De identidade ou autoexpressão Ocorre quando os indivíduos valorizam a posse por suas ligações com o

seu próprio passado ou com história pessoal.

Relativos a aspectos financeiros Referentes ao valor do investimento feito para aquisição do bem.

Relativos a aparência Diz respeito ao componente estético da posse do indivíduo.

Fonte: Adaptado de Richins (1994a).

Assim, as fontes utilitárias surgem em virtude da funcionalidade ou utilidade do bem.

Elas se relacionam com o papel de uma posse no fornecimento de funções necessárias ou

permitindo que se possa levar uma vida mais eficiente. Por exemplo, um automóvel, um

computador pessoal ou os próprios óculos de um sujeito podem ser valorizado pela utilidade ou

conveniência que fornecem. As fontes de prazer, por sua vez, se originam da capacidade do

bem em permitir o surgimento de alguma atividade agradável ou de fornecer o contrário de

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

62

prazer. Equipamentos de lazer ou outros objetos que trazem prazer sensorial (como um aparelho

de sim) pode ser valorizado por esta razão.

Richins (1994a) destaca que o significado pode originar-se da capacidade dos bens

possuídos representarem laços interpessoais. Isso ocorre dada a importância dos bens na

formação e simbolização de relações sociais e vínculos entre pessoas. Bens que foram de um

ente querido, objetos que foram feitos por um amigo ou antes pertenciam a um parente próximo,

lembranças e fotografias são susceptíveis de serem valorizados como representações simbólicas

ou lembranças de laços interpessoais. Outra fonte é chamada pela autora de identidade ou

autoexpressão e ocorre em virtude da capacidade do bem expressar o senso de self, o que ocorre

quando os indivíduos valorizam a posse por suas ligações com o seu próprio passado ou com

sua história pessoal, quando expressa valores pessoais ou crenças religiosas, representa uma

identidade étnica, a competência do indivíduo, o domínio de algo ou suas realizações ou, ainda,

quando permite que o indivíduo a use para se diferenciar dos outros.

Outras duas fontes de criação de significado através da posse de bens elencadas por

Richins (1994a) foram extraídas diretamente dos resultados das pesquisas da autora e dizem

respeito aos aspectos financeiros e a aparência. Os significados relativos aos aspectos

financeiros referem-se ao valor do investimento ou ao custo/gasto da posse, o que demonstra

uma dimensão econômica dos significados das posses. Já os relativos a aparência, dizem

respeito ao significado visual e têm relação com um componente estético. Esta fonte, contudo,

é mais complexa do que a simples apreciação de um objeto por sua beleza ou por seu caráter

artístico. Além destes aspectos, esta fonte revela que de alguma forma ter um objeto atraente

fez o indivíduo se sentir melhor sobre si mesmo ou sobre a sua própria aparência. A aparência

das posses pode também relacionar-se com as reações esperadas de outras pessoas, quando, por

exemplo, o objeto se destaca, traz reconhecimento para seu proprietário ou parece caro e assim

impressiona os outros.

De forma análoga a Richins (1994a, 1994b), Kleine e Baker (2004) identificaram na

literatura vários tipos de valor não mutuamente exclusivos (o que indica a complexidade do

tema) e os organizaram em duas categorias: (1) Valores de Autodefinição e (2) Valores de

Mudança do Self/Autocontinuidade. Na categoria sobre os Valores de Autodefinição Kleine e

Baker (2004) reuniram os aspectos do apego relativos as formas como os sujeitam usam

referência tangíveis para ajudar a alcançar seu eu. As pessoas utilizam as coisas do mundo “lá

fora” para ensaiar esquemas sobre “quem eu sou”, “quem eu era” e/ou “quem estou me

tornando” (BALL; TASAKI, 1992; KLEINE; BAKER, 2004).

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

63

As explicações sobre estas utilizações das coisas refletem tanto a autonomia quanto os

motivos de busca de vinculação com os objetos (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995), assim

como indicou Richins (1994a). Os aspectos relacionados pelos autores nessa primeira categoria

dizem respeito as funções autobiográficas, mágicas, contemplativas, de ação, a regulação das

fronteiras do self, ao autodesenvolvimento/cultivo da noção de eu e funções de vinculação

(afiliação).

A segunda categoria trata do uso dos significados das posses para negociar uma tensão

dialética entre valores de continuidade do self e de mudança desse self. Por um lado, bens de

apego trazer significados do passado para o presente e mantém significados presentes. Posses

também ajudam as pessoas a projetar-se para o futuro, mesmo para além da morte

(MCCRACKEN, 2003; PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000). Nesta categoria Kleine e Baker

(2004) elencam os seguintes fatores como explicativos de como as pessoas usam suas posses

para construir ou manter seus “eus”: funções adaptativas e autopreservação (continuidade no

tempo).

As pessoas também se apegam aos bens que capturam “eus” idealizados ainda não

realizados através do uso das mercadorias para alavancagem em direção a condições futuras

imaginadas, num processo chamado por McCracken (2003) de deslocamento de significado.

McCracken (2003) propõe que nem todos os bens precisam ser usados para transmitir

significado aos indivíduos. Segundo o autor, as pessoas podem usar a estratégia do significado

deslocado, um artifício que procura preencher a lacuna entre o real e o ideal na vida social. O

significado deslocado consiste “em um significado cultural que foi deliberadamente removido

da vida cotidiana de uma comunidade e realocado em um domínio cultural distante”

(MCCRACKEN, 2003, p.135). Ao serem confrontados com a realidade e reconhecendo que os

ideais culturais (objetivos, esperanças, sonhos de uma vida farta, a posse de determinados bens,

a volta ao passado glorioso, a perspectiva de um futuro melhor etc.) são inacessíveis, os

consumidores podem deslocar esses ideais de maneira a coloca-los em outro patamar, outro

universo cultural onde estarão seguros, salvos do perigo de nunca se realizarem.

Mais do que proteger os ideais culturais esta estratégia poderia ajudar a dar uma amostra

deles, pois, ao serem transportados para longe, tais ideias podem ser vistas como realidades

potencialmente praticáveis e alcançáveis. O consumo seria uma das formas de acesso a este

ideal que foi deslocado no tempo ou no espaço, reestabelecendo a conexão entre as realidades

sociais e seus aspectos “fantásticos, irracionais ou escapistas” (MCCRACKEN, 2003, p.136).

A partir do deslocamento dos ideais, o gap entre o real e o ideal pode ser simplificado e reduzido

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

64

a circunstâncias momentâneas, locais, particulares, o que permite a manutenção da esperança

de atingi-lo.

Os produtos funcionariam como pontes para o momento/espaço ideal, que pode estar no

passado ou futuro, já que o deslocamento do significado pode ser ocorrer para antes ou depois

da compra. Quando transferido para o passado, permite que se fantasie com a posse do bem

(quando, por exemplo, pensa-se em como era bom naquele tempo em que as pessoas usavam

isso). Ao ser deslocado para o futuro, o significado pode ser interpretado como o alcance de

uma parte do ideal ou simplesmente ser transferido para outro bem. Assim como há emoção e

desejo envolvidos, os indivíduos colocam o ideal cultural atrelado a um significado deslocado,

onde há a segurança, diminuindo a barreira entre o real e o ideal. O áureo futuro sonhado fica

protegido nas inúmeras possibilidades que se pode associar a ele, que ainda não aconteceram,

mas despertam “possibilidades realistas” (MCCRACKEN, 2003a, p. 137-138). Para o autor o

futuro é o lugar mais adequado ao deslocamento de significados do que o passado, pois não tem

como ser confrontado com a realidade ou com registros dela e depende somente dos esforços

imaginativos do indivíduo. O passado, por sua vez, está registrado e pode dar maior

credibilidade ao significado deslocado.

O deslocamento pode ocorrer através do espaço e do tempo, e, de forma mais

abrangente, para onde sua realização/obtenção dependa de uma série de fatores conjecturais, ou

para quando o “eu” for ideal, ou esteja mais perto disso (MCCRACKEN, 2003). “O poder

evocativo dos bens” (MCCRACKEN, 2003, p.141), através da incorporação de significados,

vai além da função de transmitir características para o usuário, ele possibilita estabelecer metas

para aquilo que se deseja ser. No momento em que são imaginados, os objetos possuídos

habilitam o indivíduo acessar um conjunto muito maior de posses, atitudes, circunstâncias e

oportunidades.

A ligação com o significado deslocado está intimamente ligada ao consumo,

influenciando desde a compra até o pós-compra, quando pode haver a postergação do uso do

que foi adquirido. O consumo realizado anteriormente rapidamente perde sua propriedade de

satisfação ou assume o seu “significado deslocado”, como analisa McCracken (2003). Os bens

possuídos permitiriam ao indivíduo participar do significado e até mesmo tomar posse dele sem

que seja necessário usá-lo. Tal estratégia leva à busca de felicidade nas coisas possuídas, o que

parece ser um truque para não reconhecer que a realidade pode nunca alcançar a idealização.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

65

Poder-se-ia, então, possuir um bem sem destruir seu valor estratégico. Neste sentido, os

bens seriam pontes para o momento/espaço ideal, auxiliando na retomada do significado sem

jamais realizar o ideal. A compra funcionaria como o alcance de uma parte de um pacote muito

maior de bens, atitudes e circunstâncias, do qual esta aquisição é parte integrante. Segundo

McCracken (2003) tais compras são longamente contempladas e imaginadas e normalmente

incluem itens de alto envolvimento, como um carro, relógios, roupas, ou perfumes, que

auxiliam os indivíduos a se apropriar de uma pequena parte concreta de um estilo de vida ao

qual aspiram. As pontes criadas por estes produtos funcionam como provas da existência desse

estilo de vida e como provas da capacidade do indivíduo de reivindicá-lo.

Adquirir o bem não desfaz, contudo, a idealização sobre ele, pois, para McCracken

(2003), o que se está comprando não é “a ponte inteira, mas uma pequena parte dela”

(MCCRACKEN, 2003, p.144). A compra simplesmente evocaria o ideal aspirado pelo

indivíduo, sendo “o consumo em exercício” (MCCRACKEN, 2003, p.144) afirma o autor. O

indivíduo tem consciência de que ao comprar está obtendo uma pequena parcela do significado

descolado para outro espaço/tempo. O bem ganha outra virtude, podendo ser usado para

antecipar uma aquisição maior.

Apesar disso, quando a compra evoca o ideal deslocado o indivíduo passa a desacreditar

na capacidade antecipatória daquele bem específico e parte para a aquisição de outro,

transferindo a este ainda não possuído o significado imaginado. O consumidor deseja uma vida

plena, feliz, satisfeita, mas quando a compra é feita pode-se ter que transferir a antecipação

dessa vida sonhada para outro objeto, pois o que era buscado não foi atingido. Outra forma de

solucionar o problema é evitar usar o produto, guardando, escondendo ele (MCCRACKEN,

2003).

A maior dificuldade do indivíduo neste processo é dar-se por conta de que a “ponte”

adquirida não o leva ao caminho sonhado. Ao colocar o bem em uso, confrontando-o com a

realidade, o proprietário corre o risco de perder seus ideais. A sensação de não ter mais um ideal

pode causar grande sofrimento, pois não há mais objetivo de vida. O desejo por novos bens,

que construam novas pontes pode levar ao consumo compulsivo (MCCRACKEN, 2003). Há

também outras formas de solucionar o problema, evitando usar o produto, guardando ou

escondendo ele (MCCRACKEN, 2003).

A noção de que os significados da posse incluem coisas como “manter as memórias dos

outros” e/ou as lembranças do passado são apresentados por Kleine, Kleine e Allen (1995, p.

332) através de uma análise fatorial. Nesse se estudo os autores analisam as fronteiras do apego

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

66

e como as pessoas estabelecem relações com seus bens, buscando compreender o grau de

ligação entre sujeito-objeto em um momento específico no tempo (MUGGE; SCHOORMANS;

SCHIFFERSTEIN, 2005). Kleine, Kleine e Allen (1995) partem do entendimento que podem

existir tipos de apegos, sendo que alguns deles refletem conexões com outras pessoas e seriam

representados, por exemplo, por fotografias de pessoas que foram importantes na vida do

indivíduo, joias ou móveis herdados de família. Outro tipo de apego, retrataria aspectos chave

da individualidade do sujeito e poderiam ser exemplificados por posses que o façam sentir-se

bem consigo mesmo, que representem seu trabalho ou que apenas lhe caiam bem. Um terceiro

tipo diria respeito a posses menos favoritas, com as quais as pessoas têm menos apego e, que,

em geral, representam períodos da vida que ela quer esquecer, se desconectar ou ainda, objetos

que “não são eu”. Para os autores esta tipologia esclarece que os apegos ajudam a narrar o

desenvolvimento da história de vida de uma pessoa.

Como citado na sétima característica apresentada no Quadro 2, os tipos de apego apenas

podem ser compreendidos através de uma lógica multidimensional (SCHULTZ; KLEINE;

KERNAN, 1989; KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995; GRAYSON; SCHULMAN (2000);

KLEINE; BAKER, 2004; SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2009;

LASTOVICKA; SIRIANNI, 2011; WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH,

2016). As dimensões propostas por Kleine, Kleine e Allen (1995) são vinculação (afiliação),

autonomia e orientação temporal para o passado, para o presente ou para o futuro. Para os

autores estas dimensões sugerem que existem diferentes tipos de apego dependendo de qual

parte da história de vida cada objeto reflete. Assim, se o apego é para objetos herdados isso

pode indicar uma vinculação do sujeito com o passado, enquanto que se apego desse mesmo

indivíduo for para uma aliança de noivado, isso refletiria um self vinculado ao futuro, por

exemplo. Essa mesma pessoa poderia ainda ter um troféu esportivo como sua posse favorita, o

que revelaria uma busca de autonomia característica do tempo atual, do presente.

Desta forma, Kleine, Kleine e Allen (1995), alegam que os indivíduos têm um portfólio

de apegos, sendo que cada um deles pode ter uma combinação diferente entre vinculação, busca

de autonomia e orientação temporal para o passado, presente ou futuro. Estes tipos de apegos

qualitativamente distintos refletem diferentes facetas da narrativa de vida. A vinculação a um

objeto para “nós” é diferente de um objeto para “mim”. A orientação temporal, por sua vez,

ajudaria a explicar as funções do self representadas por uma posse particular. Elementos do

passado são fixos, feitos e não podem ser alterados, por exemplo. O sujeito opta por manter

certos bens como artefatos de sua história de vida ou simplesmente eliminá-los. No entanto, os

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

67

bens orientados para o presente refletem tarefas e funções do aqui e agora. Mais do que isso,

refletem questões sobre quem o sujeito é agora, e sobre coisas que atualmente estão sendo

cultivadas por ele. Bens orientados ao futuro refletem a antecipação do self, ou seja, indicam

quem o sujeito quer ser ou se transformar.

Posses especiais podem, assim, facilitar a continuidade ou as mudanças do self, pois

conectam as pessoas com um eu passado desejável (através de memórias), um eu presente (eu

agora) ou um eu futuro (quem eu estou me tornando). Entendendo que vinculação, autonomia

e orientação temporal trabalham em conjunto para identificar plenamente as razões para o apego

e como ele reflete a narrativa de vida de um sujeito, os autores desenvolveram uma pesquisa

com 54 participantes e encontraram cinco grupos de consumidores. A partir da busca pelo tipo

de apego foram estimulados os sentimentos das pessoas em relação a posses favoritas e não

favoritas, dentro de uma ampla variedade de posses (KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995). Os

grupos encontrados foram chamados pelos autores de (1) Keeping memories of others, (2) It's

me and 1 like, (3) It's not me anymore, (4) Utility e (5) Breaking away, conforme indica o

Quadro 4.

Quadro 4 – Tipo de Apego a Posses

Grupo Vinculação Autonomia Orientação

temporal

Exemplo de objeto

citado

(1) Keeping

memories

of others

Forte, sentimental

Não identificada:

produtos encarados como

uma busca de

continuidade do eu

Passado:

memórias,

história pessoal

Fotos antigas, objetos

ganhos (joias) e

herdados (mala do

pai), Roupas, coleção

de moedas, uniforme

da escola, músicas,

troféus, cachorro,

carro

(2) It's me and

1 like Forte

Identificada: produtos

refletem minhas escolhas

atuais, combinam

comigo

Presente e Futuro:

as coisas que eu

sou ou quero ser

Roupas, material

esportivo, aparelho

de música, moto

(3) It's not me

anymore

Fraca e

ambivalente

Não identificada: os

produtos escolhidos não

fariam falta se fossem

perdidos, pois não me

representam, mas eu não

me desfaço deles.

Passado e Futuro:

podem ser uma

antecipação de

mudanças do eu)

Presentes recebidos,

produtos que se

deixou de usar

(roupas), souvenires

de viagens, heranças

(4) Utility

Sem vinculação:

não há vínculo

emocional, apenas

funcional.

Não identificada Presente Carros

(5) Breaking

away

Ambivalente: de

forte e fraca (mais

forte do que

gostaria)

Identificada: os produtos

citados refletem uma

negociação entre uma

mudança pessoal e o

desafio do descarte

Passado:

sentimentos

negativos e

memórias ruins.

Carro, Roupa

(camiseta, shorts,

jaqueta)

Fonte: criado a partir de Kleine, Kleine e Allen (1995).

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

68

O Grupo (1), chamado de Keeping Memories of Others, ou mantendo as lembranças dos

outros), era composto por pessoas que detalharam os bens lembrados como significantes para

“descrever pessoas que foram importantes para mim” ou que “pertenceram a alguém muito

querido para mim”. Neste grupo há uma clara orientação para o passado e os bens fornecem um

senso de história pessoal, ligando os entrevistados com suas memórias e experiências passadas.

Sentimentos especiais, como nostalgia e sentir-se amado por alguém foram relatados. Ao

mesmo tempo, as pessoas relatam que se sentem felizes com a posse daquele bem e orgulhosas

delas. Relatam também que se sentiriam tristes caso perdessem ou tivessem tal posse roubada,

uma vez que ela tem um significado especial (não é algo que ela simplesmente tem). Itens

relatados aqui foram uniforme escolar, que um entrevistado guardava, mas não usava; muitos

presentes recebidos.

No segundo Grupo, chamado pelos pesquisadores de (2) It's Me and I Like It!, as posses

relatadas refletiam a busca por autonomia com uma orientação temporal para o presente. Os

argumentos aplicados aqui relatavam coisas como: “se ajusta com minha imagem”, “é uma

declaração de quem eu sou agora” ou, pelo contrário, “isso não se encaixa mais na minha

identidade”, “isso costumava ser eu, mas não é mais” e “me faz sentir fora de moda”. Uma

pitada de auto estima reflete o eu desse presente, na forma de um self autônomo, capaz de

contemplar, apreciar e desfrutar sua própria imagem. Uma blusa fez uma entrevistada se “sentir

original e valiosa”. Para outro entrevistado um terno vermelho o “faz sentir bem sobre mim

mesmo (mais confiante) quando eu uso”. Artigos de golfe, rádios, motos, etc. foram citados

como coisas que "fit", ou seja, se encaixam nesse momento de vida. As posses citadas nesse

grupo não estão relacionadas com a família, nem serão mantidas para que os entrevistados se

lembrem de entes queridos ou mantenham alguma tradição do passado. Pelo contrário, as posses

do grupo (2) representam o aqui e agora, sem necessariamente estarem relacionadas com um

projeto de self futuro. São coisas que os deixam felizes e que eles gostam, demonstrando suas

preferências de gosto, estilo e personalidade atuais.

No Grupo (3), denominado de It's Not Me Anymore, os participantes da pesquisa relatam

simplesmente não se importar se as posses destacadas serão retiradas de suas vidas e parecem

que estão apenas esperando para se desfazer delas. Indicam que não ficariam tristes caso estas

posses fossem perdidas ou roubadas e que provavelmente não se importarão com elas no futuro,

pois não planejam tê-las mais. Estas posses não servem mais (do not fit), são “não eu agora” e

“não é quem eu estou me tornando”, pois não se encaixam na autoimagem dos entrevistados ou

não são uma declaração de quem eles são. Eles afirmam que poderiam facilmente ser quem

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

69

pretendem ser sem elas, já que elas não têm nada a ver com seu futuro, com seus objetivos

futuros e nem mesmo as fazem sentir-se semelhantes as pessoas que aspiram ser como. Uma

camisa, um vestido que geralmente estão fora de moda ou desajustado a autoimagem atual, ao

gosto ou as preferências, foram citados entre as posses desse grupo.

Qualquer conexão com o objeto é um extravasamento do passado, já que alguns relatam

más lembranças e sentimentos ruins associados a estas posses. Os autores questionaram o

motivo dos entrevistados manterem então estas posses, já que elas são associadas a coisas ruins

e surpreendentemente mais da metade dos entrevistados indicou que havia ganho de presente,

o que aparentemente cria uma camada adicional de afiliação entre pessoa-objeto. Para os

autores, essa adição torna ainda mais difícil se desfazer das posses, mesmo quando elas são um

“não eu”. Os autores ressaltam que esse tipo de apego menos favorito não significa um apego

fraco, uma vez que os entrevistados relatam casos de bens que eles simplesmente não

conseguem se desfazer pelo simples fato de que possuem conotações afiliativas com outras

pessoas. Essas conotações afiliativas alimentam uma ambivalência exclusiva desse tipo de

apego vivido no Grupo (3), que os autores chamaram de “Já não é para mim, mas eu não consigo

me livrar dele”. Não é um apego fraco, mas um tipo diferente que reflete mudanças emergentes

ou antecipadas no self.

No Grupo (4), denominado de Utility ou Posses Utilitárias, os bens relatados foram

carros e os argumentos usados para tê-los eram a necessidade de transporte, com o emprego de

termos do tipo: “é basicamente um objeto funcional”, “é estritamente utilitário”, “satisfaz

minhas necessidades”, “me faz sentir independente e autossuficiente”. Para os entrevistados o

carro é “prático, um transporte básico” e “me deixa onde eu quero ir e não me prende”. Apesar

de gostar do carro, não há um apego evidente, sendo que os pesquisados apontam que não há

um significado especial para eles, eles simplesmente o têm. Não há nem orientação de afiliação,

nem de autonomia na relação com a posse, que pode ser vista como um obstáculo para selves

emergentes, já que não há ligações emocionais com elas.

O Grupo (5), Breaking Away, tem um pesado elemento do passado, pois os

entrevistados afirmam que as posses os fazem se sentir sentimentais e nostálgicos, conectando-

os com memórias e experiências. Além disso, essas posses lembram a eles amigos importantes,

familiares e outros parentes do passado ou quem eles próprios costumavam ser no passado.

Estas posses estão conectadas com o self dos entrevistados, que relatam sentir que elas os fazem

sentir-se diferentes, pois são coisas únicas, não como as outras, difíceis que outros tenham,

originais e que, além disso, se encaixam com sua autoimagem. Não são posses utilitárias, mas

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

70

podem ter associações a sentimentos negativos como frustração e stress, ou a pessoas que os

entrevistados preferiam/gostaria de esquecer. Uma camiseta presente de uma antiga namorada,

foi citada como um exemplo desse tipo de posse, que por sua ambivalência não reflete nem

gosto nem desgosto. As posses do Grupo (5) têm um tipo de apego que reflete a negociação de

mudança do eu e os desafios psicológicos do descarte.

Uma vez que o apego é dinâmico, o significado das posses também pode se modificar

ao longo do tempo, de maneira que sua centralidade para o indivíduo pode deixar de existir. Os

estudos sobre o desapego passam pela noção de descarte, que será apresentado no subcapítulo

a seguir.

2.3.2 Desapego e Descarte

O conceito de desapego está definido na literatura de comportamento do consumidor

como uma condição necessária para o descarte (YOUNG; WALLENDORF, 1989; ROSTER,

2001). Dado que os objetos são usados para definir quem o indivíduo é, desfazer-se de alguma

coisa que pertence a ele acarreta a separação de um parte do seu self (CHERRIER, 2009).

Despego surge também relacionado a marcas, referindo-se a tentativa de explicar a dissolução

da relação entre uma marca e os consumidores (PERRIN-MARTINENQ, 2004; MAI; CONTI;

2007).

Young e Wallendorf (1989, p. 33) conceituam descarte como “o processo de desapego

do eu”. Para as autoras o descarte se assemelha à morte, por ser um processo, não um episódio,

e possui dois componentes: desapego físico e desapego emocional. Para Young e Wallendorf

(1989) o desapego emocional é antecedente do desapego físico, no caso de descarte voluntário,

pois é preciso desvincular o item do autosenso, antes de colocá-lo fora. Mesmo quando os bens

são involuntariamente descartados deve haver desapego emocional, para evitar sofrimento por

parte do consumidor.

Para as autoras o processo de desapego se assemelha ao de luto, que passa pela

depressão, raiva, negação, negociação e aceitação. O desapego físico, por sua vez, pode nunca

ocorrer de fato, já que deve ser internamente experimentado, e somente ocorre quando o

proprietário pensa que ele de fato ocorreu. Tanto o desapego físico quanto o emocional podem

ocorrer simultaneamente. É possível, contudo, desfazer-se de algo fisicamente sem que haja

rompimento emocional com a posse, como no caso de pessoas que têm seus bens perdidos,

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

71

roubados ou levados por desastres naturais. O inverso também pode acontecer, quando, por

exemplo, o sujeito descarta alguma posse com a qual ainda está conectado (YOUNG;

WALLENDORF, 1989).

Ainda segundo Young e Wallendorf (1989) é impossível determinar o momento em

que o desapego emocional ou físico ocorrem. Este é um processo comparável a cair no sono:

gradualmente a pessoa vai relaxando, dormindo mais profundamente, mais profundamente,

mais profundamente até que abruptamente desperta pela manhã. “Importa quando a pessoa

adormeceu?”, questionam as autoras (YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 33 ). O ponto mais

importante é que a pessoa sabe que dormiu. A mesma lógica pode ser adotada ao desapego. As

pessoas gradualmente se desapegam e se desfazem dos bens que consideram inconsistentes com

seu autoconceito, mas relutam em se desfazer de posses que consideram como parte de seu

extended self.

Apesar dessa dificuldade em determinar o momento do desapego, Lastovicka e

Fernandez (2005) sugerem que os rituais podem dar pistas de quando ele ocorre. Os rituais

podem apresentar fronteiras, que facilitariam a travessia entre os limites de dois estados de uma

posse (ser “eu” e “não eu”, por exemplo) por permitir a separação entre um estado antigo e a

incorporação dentro de um novo estado (LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005). McCraken

(2003) chama de ritual de despojamento (desinvestment) a série de procedimentos empregados

pelo consumidor para apagar os significados incorporados a objetos presenteados, doados ou

vendidos. Consumidores que se desfazem de seus bens esvaziam as posses de significados

privados, buscando evitar a contaminação - com a identidade do novo proprietário. Por outro

lado, consumidores que adquirem bens usados podem apagar as marcas deixadas pelo antigo

dono, evitando a contaminação de identidades.

Roster (2001) também acredita que existem rituais que preparam o consumidor para

romper com o objeto. Para a autora o “ descarte é um processo. Isto implica num processo de

desapegar de e, finalmente, romper a relação entre possuidor e posse” (ROSTER, 2001, p. 425).

Em sua pesquisa, Roster (2001) aponta que muito embora o resultado final possa ser o descarte,

seu significado e o processo psicológico que permite o desapego e o rompimento da relação

entre consumidor e posse é mais apropriadamente descrito como “expropriação”.

A Figura 3, extraída do artigo da autora, representa o processo psicológico de descarte,

no qual são apresentados diversos estágios. A natureza e o significado do produto podem

influenciar drasticamente este processo, dado o grau de envolvimento e apego do consumidor

ao objeto a ser descartado. Além disso, o tempo de duração do processo pode variar entre

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

72

segundos e anos, uma vez que pode-se gastar meses pensando se vale a pena ou não fazer um

upgrade no computador, por exemplo, mas segundos deliberando sobre jogar fora uma meia

usada. Da mesma forma, o ponto inicial e a direção do processo também podem ser confusos,

pois é possível que somente depois de iniciado o processo o consumidor reflita sobre quais

fatores e incidentes anteriores o levaram a desapegar e, consequentemente, se desfazer de um

bem.

Figura 3 - Processo Psicológico de Disposição de Bens

Fonte: Adaptado de Roster (2001, p. 426)

Fatalmente será mais difícil para o consumidor desapegar, cognitiva e emocionalmente

quando os objetos estão carregados de significados simbólicos associados ao self. Cria-se uma

tensão durante o processo de descarte, iniciada pelo desapego dos bens. Descartar um bem

pressupõe um processo de separação, de desapego, que pode provocar profundas

transformações na identidade do sujeito. Decidir o que será separado de si define não apenas o

que o indivíduo tem, mas sua definição de si mesmo, construída através da história vivida pelo

objeto possuído no passado e que não se possui mais (ROSTER, 2014). Desfazer-se desses

objetos somente será possível depois de um longo processo de distanciamento emocional

(ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005). É possível, no entanto, que os objetos

percam de forma repentina e abrupta seu significado, quando, por exemplo, ocorre um divórcio

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

73

(MCALEXANDER, 1991), a mudança de casa, de status social ou a alteração dos valores da

pessoa (CHERRIER, 2009).

A partir da conceituação de Young e Wallendorf (1989), Roster (2001) amplia a noção

de desapego revelando fatores que instigam e perpetuam o processo, por vezes lento e

traiçoeiro, de distancionamento físico e emocional de uma posse. Três fatores são sugeridos

pela autora como indicadores primários de que o processo de desapego físico e emocional entre

um proprietário e uma posse está em andamento, sendo eles: (1) comportamentos de

distanciamento, (2) “eventos críticos”, e (3) avaliação contínua do valor e do desempenho.

Vários comportamentos servem para distanciar espacialmente um objeto de seu dono,

incluindo armazenar sem uso ou intenção clara para uso futuro ininterruptamente, negligenciar,

esconder, ocultar, rebaixar hierarquiamente, ou seja, perda da centralidade e importância do

objeto ou de seu papel funcional na vida do indivíduo. Com esses comportamentos as posses

migram pra “mais e mais longe das paredes mais íntimas do santuário da casa”, já que não

representam mais o self (ROSTER, 2001, p. 426).

Bens que mais tarde se tornarão candidatos à eliminação, frequentemente foram

guardados durante anos em armários, sótãos, um porão, a casa dos pais, uma segunda casa ou

um depósito, galpões, garagens e outras áreas de armazenamento cada vez mais distantes da

convivência principal do indivíduo (ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005;

GUILLARD; PINSON, 2012). Ao guardá-los se está separando-os daqueles bens que possuem

relevância atual na vida das pessoas, mas mantém-se perto caso surja alguma propósito para

eles. Frases usadas pelos informantes para explicar esse processo revelam a ideia de que “um

dia podemos precisar deles” (ROSTER, 2001; GUILLARD; PINSON, 2012). Isso pode durar

até que a ideia de manter tal item pareça incongruente ao sujeito (GUILLARD; PINSON, 2012).

Nesses casos os bens passariam a simbolizar o que o indivíduo não pretende continuar a ser e

se tornariam elementos do “não eu” (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995).

Suarez et al. (2016) chamam esses espaços transitórios de purgatórios, pois estão numa

zona intermediária entre a prateleira e a lixeira. As autoras descrevem processos pelos quais os

consumidores mantém coisas negligenciadas ou esquecidas dentro de casa, ao invés de

dasfazer-se delas permanentemente. Os indivíduos manteriam seus produtos não mais usados

em uma espécie de limbo, compreendido como um estágio entre o uso e o descarte.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

74

Lastovicka e Fernandez (2005) também tratam desse processo de distanciamento entre

sujeito e posse ao relatar o ritual “lugar de transição”. Para os autores o processo de descarte

pode ter como etapa colocar o objeto a ser descartado em um local transitório por um período

interminado, mas suficiente para que o indivíduo desapegue dele. Na pesquisa realizada pelos

autores os entrevistados contaram que deixavam os objetos que desejavam vender em um local

afastado do convívio social da casa, como um quarto sem uso, uma varanda nos fundos ou

embaixo da casa. Nesse local, fisicamente isolado e distante, as coisas não usadas são

empilhadas ou colocadas no chão a espera de um destino. Metaforicamente, o lugar de transição

é chave no longo caminho percorrido por uma posse significativa entre ser privada e “eu” e

cruzar a fronteira para o espaço público, tornando-se “não eu” - e, portanto, esvaziada de

significado emocional.

Para Lastovicka e Fernandez (2005), o lugar de transição pode ter duas interpretações:

manifesta uma clara intenção de descarte e facilita a mudança de status entre o “eu” e o “não

eu”. Em outras palavras, objetos isolados em lugares “longe dos olhos”, na periferia da casa,

como num quarto inutilizado facilitam o julgamento sobre a posse. Além disso, retirar o objeto

do centro de sua vida, do coração da casa (como o quarto, a sala, a cozinha), facilita torna-lo

“não eu”, pois, o que não é visto não é lembrado.

Epp e Price (2009) chamam esse processo de afastamento, no qual objetos são afastados

dos lugares centrais da casa, de “cool” (EPP; PRICE, 2009). Estes espaços de esfriamento de

significado (cooling spaces) são usados para commoditizar uma posse empregnada de

significados pessoais. Seria possível, dessa forma, desapegar-se do bem pelo seu esvaziamento

de significado e mudar de sagrado (significante) à categoria de commoditie (profano). As

autoras observam, contudo, outros dois processos concomitantes ao esfriamento: tentativas de

reincorporações e de reengajamento. Objetos singularizados e fora de uso (inativos) podem

ganhar novo significado e voltar a ser centrais na vida do consumidor quando ocorrem tentativas

de reincorporação dele ao seu dia-a-dia. Durante essas tentativas de reincorporação ao núcleo

da vida e da casa, o objeto pode sofrer rejeitado ou empoderado, engajando-se novamente no

que as autoras chamam de rede de significados.

Outro comportamento de distancionamento pode ser a ocultação ou disfarce de objetos

que o indivíduo não gosta ou que foram presentes indesejados. Apesar de não gostar deles, o

consumidor tem dificuldade de desfazer de tais bens por medo de desapontar quem o

presenteou. Assim, esses objetos ficam relegados a àreas menos movimentadas da casa, como

forma minimizar o contato (ROSTER, 2001).

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

75

A Figura 3 indica outro processo de desapego, proposto por Roster (2001), chamado de

evento crítico. A autora refere-se a eles como ocorrências ou mudanças nas circunstâncias, que

servem para alterar o relacionamento entre sujeito e objeto. Tais mudanças podem provocar

desde sentimentos de insatisfação até o ódio do objeto, através da conscientização de que o

produto já não representa aspectos relevantes do self. Grandes transições na vida, como mudar-

se, trocar de emprego, alterações nas condições de saúde ou mudanças na composição familiar

são exemplos de potenciais de mudança na relação sujeito-objeto. Eventos críticos também

podem incluir deficiência de performance, mudanças na moda ou em preferências estilísticas,

ou ainda novas compras que relegam o objeto a um papel secundário, tal como um backup. Para

a autora, independentemente do alcance dos eventos críticos na vida da pessoa, eles criam

brechas na relação do dono com o objeto, o que permite o desapego emocional.

O terceiro elemento encontrado por Roster (2001) no processo de distanciamento são as

reavaliações de utilidade e experiências. Muitas vezes, após a ocorrência de um evento crítico,

ou mesmo de tempos em tempos, as pessoas avaliam o valor do objeto, seja ele financeiro,

utilitário, simbólico ou qualquer combinação destes, comparando com os custos de continuar a

manter o bem. As pessoas tendem a ignorar bens indesejados, pouco usados ou mesmo

esquecidos enquanto a acumulação deles não representar problemas ou impor custos relativos

à sua armazenagem. Segundo Roster (2001), seus informantes pareciam, muitas vezes,

satisfeitos em ignorar esses bens e continuavam mantendo-os até o momento em que os custos

superavam os benefícios. Nesse momento os objetos tornavam-se candidatos a eliminação.

Mas, o que acontece quando os produtos perdem a usabilidade para seus proprietários?

Essa pergunta feita por Guillard e Pinson (2012) vem sendo respondida ainda de forma tímida

na literatura, tal como indicam Lastovicka e Fernandez (2005), Arnould e Thompson (2005) e

MacInnis e Folkes (2010). Diante de objetos para os quais não há mais utilidade, Jaboby,

Berning e Dietvorst (1977), propuseram uma taxonomia, ilustrada na Figura 4, em que o

consumidor tem três possibilidades: manter o produto, desfazer-se dele permanentemente ou

desfazer-se dele temporariamente.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

76

Figura 4 – Taxonomia de Decisão sobre a Disposição de Objetos

Fonte: Adaptado de Jaboby, Berning e Dietvorst (1977).

Ao decidir não se desfazer dos objetos que não são mais úteis, os consumidores podem

manter o uso original dos produtos, usá-los de uma outra forma ou guardá-los. Caso decidam

desfazer-se permanentemente dos bens, podem jogá-los no lixo, vendê-los ou trocá-los por

outras coisas. Há ainda a possibilidade de desfazer-se temporariamente das coisas,

emprestando-as ou alugando-as.

Quando decidem se desfazer temporariamente dos bens os consumidores podem alugar

ou emprestar suas coisas. Estudos sobre aluguel de bens são relativamente raros em

comportamento do consumidor (DURGEE; COLARELLI O'CONNOR, 1995). A partir do

avanço das tecnologias e das comunidades virtuais, novas e redefinidas formas de

compartilhamento, permuta, troca e aluguel surgiram como potenciais modos de aquisição e

descarte de bens (PISCICELLI; COOPER; FISHER, 2014; PHILIP; OZANNE;

BALLANTINE, 2015). Uma dessas formas, o aluguel de pessoa para pessoa (P2P), permite a

indivíduos se engajar em aquisições e descartes temporários de itens do dia-a-dia, através de

redes de aluguel online (PHILIP; OZANNE; BALLANTINE, 2015). Nesse sentido o aluguel

P2P é definido como uma troca, na qual um indivíduo torna disponível para outro

temporariamente suas posses, em troca de uma taxa de aluguel, a fim de satisfazer as

necessidades temporárias de o locatário sem uma transferência de propriedade (PHILIP;

OZANNE; BALLANTINE, 2015).

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

77

Quando os consumidores decidem jogar fora permanentemente seus bens, eles podem

descarta-los, ou seja, jogá-los fora (JABOBY; BERNING; DIETVORST, 1977), mas há uma

série de termos usados para essa experiência na literatura. Albuquerque (2013), apresenta a

tradução dos termos mais usados referir-se ao descarte de bens, sendo eles: “to remove”,

remover; “to pass on”, passar adiante; “to throw away”, jogar fora e; “to get rid of”, se livrar

de algo. A autora salienta que em português o termo descarte é a melhor tradução para a palavra

“disposal”, apesar dessa última ser mais abrangente, podendo envolver tanto doar algo que não

se quer mais, quanto jogar coisas no lixo. Já descarte, em português, está tão somente associado

ao lixo.

Outro termo frequentemente utilizado em inglês é disposition (MAYCROFT, 2009),

que pode ser traduzido como disposição, no sentido de arrumação. Disposition refere-se ao

arranjo ou distribuição de itens que se tem à disposição, sendo assim, uma prática de resituar

objetos no espaço (MAYCROFT, 2009). Roster (2001) ainda apresenta o termo dispossession,

que ajuda a entender o conceito de disposal, uma vez que se refere a “dispossession” (ROSTER,

2001, p. 425), ou despossessão (SUAREZ et al., 2011), ou seja, ao processo de rompimento

físico e psicológico entre objeto e seu proprietário.

De acordo com Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) as características dos produtos

podem afetar os comportamentos de descarte. Coulter e Ligas (2003) seguem a mesma linha de

raciocínio e afirmam que certos bens devem ser descartados pós-consumo. Bens perecíveis

possuem uma “vida de prateleira” limitada, pois quando comprados estão prontos para o

consumo. Bens como maquiagens, lenços de papel e detergentes, por exemplo, são “usados”

durante o consumo, resultando em processos de descarte parecidos. Por outro lado, produtos

que não têm vida útil limitada ou não são completamente consumidos durante o consumo

podem, de fato, receber vários significados.

Desfazer-se dos bens através da venda pode ser uma forma de obter rendimentos com o

produto indesejado. Tal venda pode ser feita através de anúncios classificados, lojas e sites

especializados na venda de artigos usados ou brechós (BROUGH; ISAAC, 2012). Pode-se

ainda usar lojas e mercados de revenda de produtos usados (BELK; SHERRY;

WALLENDORF, 1988; SHERRY, 1990; ROUX, 2005), tais como Mercado Livre, Enjoei,

OLX, EBay, entre outros disponíveis no Brasil. Caso o custo percebido de revenda (que pode

envolver anúncios, transporte, envio, limpeza, restauração etc.) seja maior que o rendimento

esperado, o consumidor pode decidir simplesmente dar o produto (LIU; AAKER, 2008;

GUILLARD; PINSON, 2012). Pode ser complicado, contudo, encontrar pessoa ou organização

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

78

que possa acolher o objeto que se deseja doar, o que pode desanimar o sujeito, que decide jogar

fora o bem.

Cherrier e Ponnor (2010), destacam que a venda de garagem (comum nos Estados

Unidos), os mercados de segunda mão ou mesmo o fato de jogar fora são consequência da

crescente velocidade com que os consumidores renovam seus bens, que vão de itens eletrônicos,

à roupas e mobiliário. Para os autores, em resposta ao aumento da descartabilidade dos produtos

e modas de curta duração, os consumidores desenvolveram métodos eficientes de

desapropriação, com os quais evitam acumular bens dentro de casa.

Em seu estudo sobre os passos necessários para o desapego de posses especiais, a doação

ou venda para estranhos, Lastovicka and Fernandez (2005) revelam que quando o consumidor

decide vender suas posses singularizadas já está em andamento o processo de desapego e

separação física. Isso inevitavelmente o confrontará com os significados incorporados ao bem,

que serão refletidos nas memórias desses objeto. Para evitar manter essa memória os

vendedores podem contar as histórias do objeto para os compradores, de forma que no momento

da venda ocorre um compartilhamento do self de ambos, viabilizando a transferência da posse

singularizada e significativa para estranhos. Com essa nova relação estabelecida entre

vendedor/comprador o sentimento de perda de quem vende pode ser minimizado.

Brough e Isaac (2012) indicam em seu estudo sobre venda de posses singularizadas que

os consumidores relutam intensamente em vender bens. Quando há fortes sentimentos

relacionados a posse, os consumidores se importam e estão mais sensíveis aos planos que o

comprador tem para sua aquisição depois de comprada. Além disso, os autores mostram que

quando o consumidor decide vender um bem querido, a intensidade do apego ao produto pode

influenciar sua sensibilidade à intenção de uso do comprador e pode afetar também o preço

mínimo que ele está dispostos a aceitar pela venda. Na próxima seção serão apresentados os

significados relativos a manutenção de bens que são mais considerados úteis.

2.3.1 Manter, Guardar e Acumular

A taxonomia de Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) tem sido revisada por não incluir

fatores como reciclagem, destruição ou abandono de bens, por exemplo (ROSTER, 2001).

Além disso, a proposta dos autores trazia uma perspectiva cognitiva do descarte, visto como

episódico, não processual e ignorando aspectos hedônicos e emocionais (ROSTER, 2001). Ao

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

79

caracterizar o descarte, Young e Wallendorf (1989) diferenciam-se da taxonomia de Jacoby,

Berning e Dietvorst (1977) por não incluirem o armazenamento, a manutenção, o aluguel ou o

empréstimo como métodos empregados para se desfazer dos bens.

Para Young e Wallendorf (1989) manter, armazenar, alugar ou emprestar são métodos

de posse e uso contínuo ao invés de métodos de disposição. De acordo com as autoras,

armazenar é a ação mais difícil de ser analisada em profundidade. Apesar de não ser tratada

como uma forma de desfazer-se dos bens, as pessoas usam porões, garagens e sótãos como

instalações permanentes de armazenagem. Para as autoras:

Em outras palavras, uma vez que alguma coisa vai para o sótão ela permanece

intocada até que o proprietário morra ou se mude. [As pessoas] mantém suas posses

porque “elas podem estar a mão um dia” e as vezes [essas pessoas] também perdem

esses objetos em seus sótãos (YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 35).

A preocupação sobre como tratar esses bens armazenados surge da conclusão das

autoras de que não há fronteiras claras entre uso e descarte, uma vez que eles representam um

processo, ao invés de estágio discricionários. Elas sugerem que seria mais útil procurar por

vestígios de comportamentos de desapego em estágios pré-descarte, que Jacoby, Berning e

Dietvorst (1977) chamam de descarte temporário. Tais comportamentos podem incluir

procedimentos que refletem desapego físico e emocional parcial, como a armazenagem.

Assim, as posses podem se distanciar do self em uma série de estágios, como por

exemplo, da cozinha para a garagem, para a calçada da rua, para o lixão da cidade. Essa

sequencia é como uma série de círculos concêntricos, sendo o primeiro o próprio corpo do

sujeito: na medida em que os círculos vão se aumentando vão também se distanciando

emocionalmente do eu. Alugar, emprestar, usar ou negligenciar posses também podem ser

comportamentos de pré-descarte, pois dependem da percepção individual do sujeito (YOUNG;

WALLENDORF, 1989).

Guillard e Pinson (2012) questionam porque as pessoas mantêm as coisas que já não

têm qualquer utilidade para elas. Quando uma pessoa torna-se apegada a um objeto ela tem

maior probabilidade de manter o objeto com carinho, concertar quando se quebra e postergar

sua substituição pelo máximo de tempo possível (SCHIFFERSTEI; ZWARTKRUIS-

PELGRIM, 2008). Segundo Belk (1982, p.86) o habito humano de organizar e armazenar bens

pode ser considerada uma necessidade básica. “Assim como alguns animais escondem comida

para o inverno, os humanos aprenderam a armazenar bens para futuras utilizações” (BELK,

1982, p.86). Suarez et al. (2011, p. 30) consideram que a investigação de produtos mantidos,

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

80

ou seja, “aqueles esquecidos nas gavetas, no fundo dos armários e nas garagens, ou ainda

emprestados - pode trazer insights sobre as particularidades inerentes ao processo de descarte”.

Apesar de ser absolutamente comum colecionar e preservar coisas (CHERRIER;

PONNOR, 2010), esse comportamento pode variar de totalmente normal e adaptável à

excessivo ou patológico (PERTUSA et al., 2010). A acumulação é vista como uma das formas

pelas quais os consumidores lidam com a escassez (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985).

Acumular e guardar coisas foi historicamente uma forma de sobrevivência humana, pois em

tempos de escassez os produtos armazenados poderiam ser consumidos (CHERRIER;

PONNOR, 2010; PERTUSA et al., 2010), o que configura uma forma racional de minimizar

riscos (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985). Muito embora haja grande atenção aos aspectos

doentios da acumulação os fatores que levam os consumidores a acumular objetos obsoletos e

a sua incapacidade de se desfazer deles ainda estão sendo estudados (GUILLARD; PINSON,

2012; HAWS et al., 2012; MOGHIMI, 2013; DENEGRI‐KNOTT; PARSONS, 2014; DION;

SABRI; GUILLARD, 2014).

Cherrier e Ponnor (2010) chamam de acumuladores funcionais os sujeitos que

acumulam um grande número de itens que parecem ser inúteis ou de valor limitado e têm

dificuldades de dispor de tais itens, sem motivação ou controle consciente claro. Diferentemente

dos acumuladores obsessivo-compulsivos, os funcionais podem interagir socialmente com

outras pessoas, pois suas práticas de hoarding têm um mínimo ou nenhum efeito no seu estilo

de vida. Estes autores conduziram uma pesquisa etnográfica registrada em vídeo com oito

acumuladores funcionais buscando entender seus motivos para acumular, manter e não se

desfazer de objetos.

Os principais temas motivacionais revelados pelos autores foram: uma conexão

emocional com o passado (eventos, lugares, pessoas e objetos feitos a mão), uma orientação

para o futuro (a responsabilidade para as gerações futuras, para os objetos e para o ambiente

natural) e aproveitar o dia-a-dia. Cada informante utilizava posses materiais para remontar os

fragmentos de sua própria experiência temporal em um espaço único, onde memórias, presentes

e projetos de vida se juntavam (CHERRIER; PONNOR, 2010).

Guillard e Pinson (2012) definem acumulação como uma predisposição individual que

consiste em recorrentemente manter (ao invés de doar ou jogar fora) objetos que ainda podem

ser utilizáveis, mas que não têm utilidade para o indivíduo, os quais, na opinião dele, não vale

a pena vender. Essa predisposição é relativamente estável, uma vez que apenas eventos de

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

81

grande impacto sobre indivíduo podem alterá-la. Os autores identificaram quatro motivações

para acumular bens, indicadas no Quadro 5.

Quadro 5 – Motivações para Manter Bens

DIMENSÃO DESCRIÇÃO AFIRMAÇÕES USADAS PELOS

ENTREVISTADOS

Sentimental

Objetos que materializam fortes memórias pessoais

associadas a pessoas e experiências do passado, que

permitem reviver aqueles momentos. Sentimento de

conforto por estar cercado desses objetos.

“Sou muito apegado a isso”. “Que memórias

do meu passado!”. “Faz-me lembrar de tantas

coisas”. “Isso me lembra de tudo que eu fiz.”

Social

Aplicável a pessoas que mantêm objetos na

expectativa de encontrar alguém que os achará

úteis.

“Um dia vou encontrar alguém para quem

darei isso”. “Deve haver alguém que poderia

usá-lo”. “Ele certamente vai interessar a

alguém um dia”. Algum dia eu vou encontrar

alguém que vai quere-los”.

Econômica

Refere-se ao preço de compra do bem. Por ter pago

muito o indivíduo reluta em desfazer-se do objeto,

apesar de considerar que não vale a pena vende-lo.

“Paguei tanto por isso, que tenho dificuldade

em me desfazer dele”. “Eu o mantenho porque

paguei muito por ele”. “Isso seria como jogar

dinheiro pelo ralo”. “Ele representa dinheiro,

eu não consigo me livrar dele”. “Quando eu

penso no preço, a ideia de se livrar dele faz eu

me sentir mal”.

Instrumental

Aplicável a consumidores que mantém objetos não

mais usados por medo de precisar deles mais tarde.

Frequentemente este medo está associado a

experiências reais do passado.

“Posso precisar disso um dia”. “Ele pode

sempre ser útil”. “Quem sabe? Eu posso

querer usá-lo novamente em algum

momento”.

Fonte: Adaptado de Guillard e Pinson (2012).

Buscando responder porque as pessoas mantêm coisas para as quais elas não têm mais

nenhuma utilidade, Guillard e Pinson (2012) apontam que a primeira razão é a incerteza com o

futuro. Os consumidores mantêm seus objetos ou porque pretende usá-lo futuramente ou ainda

pelo medo de que pode precisar dele em algum momento mais tarde. Esse medo pode ser

explicado por eventos traumáticos anteriores (guerra, pobreza, crises econômicas) ou pode ser

uma expressão de ansiedade generalizada.

Os objetos ainda podem ser mantidos pelo seu valor simbólico ou emocional. Alguns

objetos materializam memórias pessoais, fortes laços emocionais com as pessoas ou, ainda,

eventos particulares (BALL; TASAKI, 1992; RICHINS, 1994a), passando a desempenhar um

papel fundamental na memória da vida da pessoa (KLEINE; KLEINE, 2000). Com isso, tais

objetos tornam-se capazes de reviver o passado de pessoas nostálgicas e quando adquirem o

estatuto de posses especiais insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000) o indivíduo passa

a considerar-se obrigado a mantê-los e passá-los para as gerações futuras.

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

82

Estes objetos fornecem uma sensação de “autocontinuidade” e podem ajudar o indivíduo

a construir e preservar a sua identidade (BELK, 1990; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995;

PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000; CHERRIER; MURRAY, 2007). Isso explica por que

algumas pessoas se sentem mais seguras quando têm objetos familiares ao seu redor

(CHERRIER; PONNOR, 2010). A perda de tais bens, seja por descuido, roubo ou destruição

acidental, pode ser experimentada como violação extremamente angustiante do self (BELK,

1988; WALLENDORF; ARNOULD, 1988).

Schultz, Kleine e Kernan (1989) investigaram onde os indivíduos entrevistados

mantinham os objetos e por que eles os mantinham lá. Os autores descobriram que bens para

os quais os consumidores têm forte apego são frequentemente protegidos de alguma forma em

local seguro (21%) ou simplesmente recebem pouco ou nenhum cuidado especial em relação a

exposição (65%). Para bens com fraco apego, 91% dos entrevistados afirmaram não ter nenhum

cuidado especial de armazenamento. Segundo os autores não é possível tirar conclusões

definitivas sobre onde as pessoas guardam suas coisas.

Para Coulter e Ligas (2003) os produtos que têm significado para os consumidores, quer

funcionais ou simbólicos, são possivelmente os mais difíceis de se desfazer. Os autores

apresentam dois tipos de consumidores definidos como “packrats” e “purgers”, a partir de uma

perspectiva comportamental e psicológica. Packrats são consumidores que mantêm as coisas e

têm dificuldade de desfazer-se delas, enquanto purgers continuamente fazem um balanço sobre

a necessidade de manter produtos e são tipicamente mais dispostos a eliminá-los caso não sejam

necessários. Conforme os autores, pode-se inferir, na verdade, que packrats dão mais sentido

às suas posses do que os purgers.

Packrats são indivíduos que valorizam não só o comprometimento de recursos

investidos no bem, tais como o dinheiro investido, mas também os significados funcionais e

pessoais, bem como os sentimentos criados por um produto. O consumidor packrat é prático,

inovador, pois está constantemente pensando sobre como prolongar a vida útil de seus bens,

quer por considerar novas maneiras de usar produtos antigos ou ainda garantindo que eles

tenham uma nova casa com outro consumidor. O packrat gosta também de estar cercado por

bens que lhe permita evocar memórias de pessoas, lugares e eventos que valem a pena reviver

e lembrar (COULTER; LIGAS, 2003).

Os purgers, por outro lado, são eficientes, pois normalmente mantém itens que terão

utilização imediata. Qualquer coisa que não sirva a um propósito no presente é resíduo ou

desordem. Purgers identificam-se como limpos, ordenados e organizados. Para eles produtos

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

83

antigos têm pouco ou nenhum valor futuro (funcional ou simbólico) e eles não estão

interessados em pensar sobre usos inovadores para coisas velhas. Além disso, purgers pensam

em si mesmos como inovadores, como sendo tecnologicamente avançados; desta forma,

produtos antigos são inconsistentes com as suas imagens de si mesmos e, consequentemente,

são dignos de descarte (COULTER; LIGAS, 2003).

De maneira geral, packrats são essencialmente mais propensos a manter as coisas do

que os purgers a desfazer-se delas. Quando querem se desfazer de seus bens os packrats

preocupam-se em faze-los acessíveis para outros, através de doação para caridade ou para

projetos comunitários, por exemplo. Por outro lado, a necessidade de eficiência parece dirigir

os purgers, que têm maior probabilidade de jogar fora itens não usados, velhos ou que não

querem mais (COULTER; LIGAS, 2003).

Haws et al. (2012, p. 225) apresentam o conceito de tendência a retenção de produtos,

definida como “um traço de estilo de vida do consumidor que reflete a propensão geral de um

indivíduo para reter bens relacionados com o consumo”. A tendência a retenção é considera

pelos autores como mais associada com as tendências de evitar desperdício ou frugalidade,

reutilização criativa e preocupação ambiental. A pesquisa realizada pelos autores indica que os

indivíduos com tendência mais forte (vs. mais fraca) à retenção de produtos são mais frugais

(ou evitam desperdício), mais propensos a se envolver em reutilização criativa, têm uma maior

preocupação com o meio ambiente, são mais ligados a suas posses e são mais materialistas.

Também demonstraram que os consumidores com tendências mais fortes de retenção

são mais propensos a reter seus bens (por exemplo, a reutilizar, reparar, armazenar) e a

encontrar alternativas para descartar através de outros métodos de alienação (por exemplo, doar

e dar de presente). Estas tendências gerais parecem se manter através de uma variedade de

diferentes tipos de bens, incluindo bens usados e com necessidade de reparação, bem como

produtos perecíveis (HAWS et al., 2012).

2.3.1 Coleção

Relacionado ao ato de manter bens está o comportamento de coleção. A coleção é vista

por Belk (2001) como tipo de consumo, sendo que colecionar é adquirir um conjunto inter-

relacionado de posses. Colecionar é um consumo com alto envolvimento apaixonado, muito

maior do que outras formas de consumo menos envolventes, como comprar uma lata de ervilhas

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

84

– a menos que o indivíduo colecione latas de ervilha. A coleção, por sua vez, é uma forma

especial de consumo, na qual a aquisição não é o fator principal. Alguém que possua uma

coleção não é necessariamente um colecionador, a não ser que continue adquirindo coisas para

a coleção.

Colecionadores tendem a se sentir apegados a suas coleções de maneiras que parecem

ser irracionais, se analisados em termos das funções normais das coisas coletadas. Colecionar

se difere da maioria dos outros tipos de consumo, pois envolve formar o que parece ser um

conjunto de coisas - as coleções. Para que essas coisas sejam entendidas como coleção é

importante que se distinga os limites sobre o que é apropriado ou não para incluir na coleção.

Em uma coleção, geralmente, segue-se o princípio do “não há dois iguais” (BELK, 2001, p.15).

Colecionar também é um processo de seleção pessoal de itens, de objetos tangíveis, mas

também experiências, que são retiradas do uso cotidiano. Belk (2001, p.20) sugere a seguinte

definição de colecionar: “colecionismo é o processo de aquisição e posse ativa, seletiva e

apaixonado de coisas extraídas do uso cotidiano, percebidas como parte de um conjunto de

objetos ou experiências não idênticas. O autor esclarece, que objetos de consumo cotidiano não

fazem parte de uma coleção. Mesmo quando o objeto é parte de um conjunto, a intenção

primordial e que ele seja usado, fazendo com que, assim, não se compreenda uma coleção. Uma

proposta secundária de uma coleção pode ser o investimento que está sendo feito, mas Belk

(2001) destaca que quando esta é a principal razão o objeto específico pouco importa ao

indivíduo.

Da mesma forma, o consumidor que somente acumula objetos e não os organiza pode

considera-los usáveis e é improvável que os considere como parte de um conjunto único, com

limites específicos. A acumulação pode ser uma forma de iniciar uma coleção, desde que o

consumidor defina um princípio unificador para seus itens acumulados e continue acumulando

itens à coleção, de acordo com esses princípios. Ao fazer isso o acumulador pode se transformar

num colecionador. Colecionar também difere de simplesmente adquirir, de forma que itens

adquiridos não são considerados como um conjunto nem mantidos como tal (BELK, 2001).

Para Belk (2001) coisas velhas passam a ser singularizadas em coleções quando passam

da esfera do que é singularmente sem valor para a esfera do que é singularmente caro. Enquanto

valoriza suas posses, é possível que o consumidor fique triste se for privado delas

voluntariamente. No entanto, quando não valoriza mais essas coisas é possível é possível parar

de usá-las e até mesmo descarta-las sem que seja necessária uma compensação (Belk, 2001).

Na sociedade de consumo em que vivemos, as coisas que possuímos podem ser consideradas

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

85

obsoletas ou simbolicamente inapropriadas, apesar de manterem sua funcionalidade. O autor

indica que vivermos em uma sociedade descartável, em que muitas vezes temos ligações

efêmeras e supérfluas com nossas posses. Contudo, os objetos colecionados desafiam essa

compreensão, pois possuem forte vínculo com seus colecionadores.

Pode-se falar em uma coleção pessoal de objetos de uso doméstico, bem como

categorias mais homogêneas, como conjuntos de talheres, ferramentas ou especiarias. Para ser

uma coleção em um determinado ponto no tempo, os bens acumulados só precisam ser vistos

como partes de um conjunto de bens inter-relacionados. Para Belk (1982) muitos bens são

adquiridos para posse, e possivelmente, para coleção, não para o consumo (uso). As coisas que

compreendem um conjunto são retiradas de uso normal. Por exemplo, uma coleção de saleiros

e pimenta não é usada na mesa de jantar, e uma coleção de selos não é usado para enviar cartas.

Portanto, a coleta não é utilitarista. É, no entanto, um consumo altamente apaixonado e como

resultado os colecionadores tendem a se sentir ligados a suas coleções de maneiras que podem

parecer irracionais (Belk, 1995).

Belk (2001) e Silva (2010) fazem um apanhado da história do colecionismo, indicando

que ele está presente nos relatos da vida social desde a Grécia antiga (BAUDRILLARD, 2006).

Silva (2010) salienta casos de colecionadores famosos contemporâneos, como a atriz Elizabeth

Taylor - por suas joias -, Imelda Marcos (1929) e a personagem Carrie Bradshaw da série

televisiva “Sex and the City” – ambas por seus sapatos-, o cantor Elton John - por seus óculos,

bem como os museus e galerias que guardam acervos de importantes coleções artísticas. Parte

da literatura sobre coleções está focada em estudos sobre museus e obras de arte - ver Pearce

(1994) e Chen (2009). Distante desta perspectiva interessa neste trabalho compreender o

colecionismo como um comportamento dos consumidores.

Há poucas dúvidas de que preservar e colecionar são comportamentos humanos

amplamente difundidos (PERTUSA et al., 2010). Crianças por volta dos 25 meses começam a

colecionar ou armazenar coisas, comportamento que aumenta consideravelmente pelo menos

até os 6 anos de idade, quando quase 70% das crianças exibem esta característica. Pertusa et al.

(2010) especulam que esse comportamento é evolutivamente conservado, visto que durante a

história evolutiva da humanidade houve momentos de grande privação e a acumulação era

adaptativa, provavelmente, para aumentar a probabilidade de sobrevivência e sucesso

reprodutivo.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

86

Para Baudrillard (2006) a coleção constitui o ponto extremo da posse. Objetos singulares

para o colecionador, possuidores em si de uma história criada pelo ambiente cultural e social,

bem como pela relação do colecionador com o objeto, a coleção possui profundo poder para

quem a possui. Este poder não é oriundo da singularidade ou da história, mas pelo fato de a

própria organização da coleção substituir o tempo. A coleção é em primeiro lugar um

passatempo que simplesmente abole o tempo. Em outras palavras, a coleção representa um

reinício infinito de um ciclo em que o sujeito se entrega a todo instante e com absoluta

segurança. Ele parte para sua incursão imaginária seguro de voltar a realidade, num jogo

fascinante.

O fato de possuir o objeto, dele ser “meu”, é um combustível importante para o

colecionador, pois transmite segurança. Baudrillard (2006) exemplifica essa situação através da

posse do relógio de pulso, indicando que ele resume o duplo modo pelo qual o colecionador

vive os objetos. O relógio de pulso informa o tempo objetivo e ao mesmo tempo submete o

indivíduo a uma temporalidade irredutível, pois, enquanto objeto, ajuda o sujeito a se apropriar

do tempo. A posse do relógio de pulso permite a apropriação do tempo, que não se encontra

mais na parede da casa ou no prédio público, mas como a própria dimensão da objetivação pelo

sujeito e ao mesmo tempo como bem doméstico.

Baudrillard (2006) descreve a sistemática da coleção, relevando sua temática. No

entanto, o autor indica que colecionar quadros de grandes mestres é diferente de colecionar

anéis de charutos. O autor constata que o conceito de coleção se distingue do de acumulação.

A acumulação de materiais – como alimentos, papéis velhos etc. - é indicada como um estado

inferior. A coleção, por sua vez, surge para a cultura, “visando objetos diferenciados que têm

frequentemente valor de troca” (p. 111). Eles são também objetos de conservação, de comércio,

de ritual social, de exibição e são acompanhados de projetos. Baudrillard (2006) segue

colocando que também pela falta a coleção se distingue da acumulação.

Belk et al. (1988) distinguem coleção de outros processos de consumo, notadamente

acumulação, posse e acumulação compulsiva. Segundo os autores afirmam que colecionar

envolve adquirir um conjunto inter-relacionado de posses, que não precisam ser unidas

intencionalmente, mas o indivíduo deve querer completar tal conjunto. Colecionadores são

acumuladores mais seletivos e valorizam sua coleção para além de seu valor utilitário ou

estético. Obviamente os itens reunidos numa coleção têm apelo utilitário ou estético, mas, além

disso, têm um significado adicional para o colecionador devido à sua importância em contribuir

para o conjunto de itens que compõem a coleção. Acumuladores, por sua vez, não são

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

87

colecionadores, pois relacionam-se com as coisas possuídas como se elas fossem commodities,

enquanto o colecionador as percebe como não utilitárias, com valor e status de sagradas.

Ter a posse de uma coleção, segundo Belk et al. (1988) não pressupõe a aquisição de

novos itens para a coleção e envolve muito mais aspectos de curadoria, como cuidar, catalogar

ou exibir o conjunto colecionado. Uma pessoa que recebe uma coleção feita por outra (como

uma herança, por exemplo) não é necessariamente um colecionador, mas um curador (a menos

que a coleção seja de coleções previamente montadas). Uma distinção semelhante pode ser feita

entre dois tipos de não colecionadores: o acumulador e o acumulador compulsivo. O primeiro

adquire bens, mas nem sempre tem a seletividade existente entre os colecionadores, que formam

um conjunto de itens inter-relacionados. O segundo é possessivo com os bens adquiridos, mas

os trata, principalmente, como utilitários ou commodities ao invés de itens sagrados.

Os autores fazem proposições sobre as coleções, indicando que elas raramente

começam propositadamente; que o vício e aspectos compulsivos permeiam a coleção; que a

coleção legitima a ganância como arte ou ciência; que ocorre uma conversão do profano em

sagrado quando ele entra para coleção; que as coleções servem como extensões do self; que as

coleções tendem a especialização; que os problemas de distribuição pós-morte são

significativos para colecionadores e suas famílias e que há simultaneamente medo e desejo de

completar uma coleção.

Almeida, Salazar e Leite (2014) afirmam que pessoas que colecionam coisas têm uma

tendência maior a aprofundar seus conhecimentos sobre os objetos colecionados, pois, além de

estar altamente envolvidos com a coleção, têm medo de serem enganados quando adquirem os

itens. Segundo McIntosh e Schmeichel (2004) o colecionismo é um processo que pode ser

compreendido em etapas que vão do desejo de começar a colecionar algo, passa pela busca de

informações, pelo planejamento e “namoro”, pela caçada ao item, pela aquisição e pós-

aquisição e, por último, pela manipulação, exibição e catalogação da coleção.

2.3.1 Abandono

A pesquisa sobre abandono de produtos, comportamentos e culturas têm sido ainda

pouco exploradas em comportamento do consumidor. Suarez, Chauvel e Casotti (2012b),

contudo, apresentam uma discussão sobre o tema que situa o abandono como uma face do

anticonsumo. Com base nas pesquisas de Hogg (1998) e Hogg, Banister e Stephenson (2009)

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

88

as autoras definem abandono como “o ato de abrir mão de algo anteriormente consumido,

pressupondo, portanto, que uma escolha deliberada foi realizada” (SUAREZ; CHAUVEL;

CASOTTI, 2012, p. 412).

Ainda segundo Hogg (1998) o anticonsumo engloba tanto o conjunto inepto e inerte de

consumo, quanto a não escolha – produtos e serviços que não são comprados, porque não estão

acessíveis ao consumidor; e a antiescolha – produtos ou serviços que foram ativamente não

escolhidos, pois são encarados como inconsistentes e ou incompatíveis com outras escolhas do

consumidor. Para o autor isso caracteriza o comportamento de abandono. Para Hogg (1998) o

abandono está fortemente ligado à dimensão comportamental, ao se abrir mão de algo

anteriormente consumido.

Portanto, o abandono estaria relacionado às mudanças no ciclo de vida, status do

indivíduo, ou aversão expressa como desgosto ou repulsão que fazem parte de uma transição

social que o indivíduo pode estar atravessando. Sendo assim, o abandono é configurado como

um processo. Ao longo da pesquisa realizada por Suarez, Chauvel e Casotti (2012b, p. 420)

foram comuns os relatos que evidenciaram uma “gestação” do abandono, através de

comportamentos (nem sempre conscientes), como rotinas de abstinência, modificação de

dinâmica de compra e estoque do produto, que viabilizam a decisão de abandono posterior.

Para Suarez, Chauvel e Casotti (2012b) há três tipos distintos de abandono, sendo eles:

(1) abandono contingencial; (2) abandono posicional; e (3) abandono ideológico. O abandono

contingencial ocorre quando o consumidor se vê forçado a deixar a categoria, dado um conflito

de objetivos ou limitações práticas e materiais que se impõem na sua vida. Deriva, portanto, da

existência de conflitos, que tornam a decisão repleta de sentimentos ambíguos – positivos e

negativos. Consumidores que relataram este tipo de abandono tendem a ver o abandono como

não definitivo, mas situacional e, por isso, quando possível, movimentam-se no sentido de

viabilizar o consumo futuro.

Abandono posicional, por sua vez é motivado pela demarcação de uma distância

simbólica em relação aos consumidores da categoria. Assim, pela abstinência, o consumidor

demarca uma diferenciação simbólica, uma identidade própria e positiva. De maneira geral este

consumidor pode ser motivado por uma perspectiva individual (não coletiva). O terceiro tipo

de abandono identificado pelos autores, o ideológico, possui perspectiva coletiva. Os

consumidores acreditam que a sociedade (e não apenas eles, individualmente) deve abandonar

ou repensar aquele tipo de consumo.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

89

O não consumo é uma postura política que mobiliza atenção e energia desses “ativistas”,

que se engajam em demonstrar alternativas para aquele consumo, bem como suas implicações

e significados negativos. Os entrevistados não compartilham com os consumidores os

significados da categoria e, principalmente, procuram reformular a forma como a sociedade

entende o consumo, através da manifestação pública do seu comportamento.

A pesquisa evidencia que, assim como o consumo, o abandono é capaz de construir

identidades e sinalizar mudanças importantes. No abandono, o indivíduo abre mão da

funcionalidade relacionada ao produto. Já as associações simbólicas continuam sendo usadas,

criadas e manipuladas mesmo depois que este acontece. Ao falar sobre os benefícios e

vantagens do abandono, consumidores se apropriam e “tiram vantagem” dos significados da

categoria descartada. Ao descrever o abandono de determinado produto, ex-consumidores

expressam – a partir do que não são – aquilo que pretendem ser. Percebe-se assim, que Suarez,

Chauvel e Casotti (2012b) situam o abandono como uma face do anticonsumo.

Coulter e Ligas (2003) também apresentam uma definição para abandono e sugerem que

abandonar um produto, mas o fazem tratando da relação desse conceito com o descarte. Para os

autores abandonar é sinônimo de descartar, sendo necessário que, em primeiro lugar, os

consumidores descartem ou abandonem produtos através de disposições socialmente aceitáveis

– como colocar na lata do lixo - ou socialmente inaceitável – como jogar lixo na rua.

Na próxima seção deste subcapítulo serão tratados os aspectos negativos – ou obscuros,

como prefere Mick (1996) – do consumo, já que estes também são formas possível de criação

da relação sujeito-objeto.

2.3.2 O Lado Obscuro do Consumo

Apesar de haver uma relação íntima das pessoas com suas posses, essa relação pode ter

consequências negativas, o que Mick (1996, p. 106) chamou de “o lado negro do consumo”.

Este “dark side” inclui aspectos como o materialismo (GER; BELK, 1999), compra compulsiva

(O'GUINN; FABER, 2005), compra por impulso (ROOK, 1987), acumulação (MAYCROFT,

2009; CHERRIER; PONNOR, 2010) entre outros ligados ao envolvimento excessivo das

pessoas com os processos de compra e com a posse de bens materiais. Uma parcela das críticas

aos aspectos obscuros do consumo, parte da ligação entre o desenvolvimento da sociedade de

consumo e a vontade de ter bens materiais (SHANKAR; FITCHETT, 2002; WOODWARD,

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

90

2007). Ahuvia (2008) lembra que as críticas ao consumo excessivo e não saudável são feitas

desde os textos de religiosos e de filósofos antigos.

Fromm (1987) desenvolveu um ponto de vista amplamente reconhecido por sua crítica

a essa relação. Segundo o autor, ter é uma função normal da vida, pois para viver deve-se ter

coisas para desfrutar. Numa cultura em que o objetivo principal é ter, “tem-se a impressão de

que a própria essência do ser é ter: de que se alguém não tem, não é” (FROMM, 1987, p. 35).

No entanto, argumenta o autor citando Marx, o ideal humano deve consistir em ser muito e não

ter muito. O autor se posiciona no que chamamos anteriormente de Abordagem Crítica

Marxista, mas a atualiza, trazendo a relação de antes dominada pela produção para uma relação

agora dominada pelo consumo e pela indústria cultural.

Criticando o materialismo, a aquisição e o hiper individualismo (WOODWARD, 2007),

Fromm (1987) refere-se à existência de dois modos distintos de experiência na

contemporaneidade: o modo ter e o modo ser. O primeiro trata da posse (seja material ou de

conhecimento), enquanto o segundo é aquele em que não “se tem nada além do emprego das

faculdades produtivamente alegres” (FROMM, 1987, p. 36), nem se anseia por ter alguma

coisa. A diferença entre os modos ter e ser é a diferença entre uma sociedade centrada em torno

de pessoas e outra centrada em torno de coisas. São duas diferentes espécies de orientação para

com o eu e o mundo, duas diferentes estruturas cujas respectivas predominâncias determinam

a totalidade do pensar, sentir e agir de uma pessoa.

A orientação no sentido do ter é característica da sociedade industrial ocidental, na qual

a voracidade por dinheiro, fama e poder tornou-se o tema dominante da vida. Isso ocorre de tal

forma, que o homem contemporâneo se tornou incapaz de conceber uma sociedade cujo espírito

não esteja centrado na propriedade e no desejo. Neste modo de existência o relacionamento

com o mundo é de pertencimento e posse, em que o indivíduo quer que tudo e todos, inclusive

ele mesmo, ou seja, sua fama, sua propriedade e em última análise, ostentação. A questão da

apropriação, característica do modo ter, aparece inclusive na forma de falar. Fala-se hoje “eu

tenho uma ideia” e não mais “eu pensei em algo”; “eu tenho vontade” para expressar “eu quero”

ou ainda “eu tenho um casamento feliz” ou invés de “eu sou feliz no casamento” (FROMM,

1987).

Consumir é uma forma de ter, talvez a mais importante da sociedade atual. Uma das

manifestações do ter é a de incorporar, sendo assim, o ter é estático. Ao incorporar se toma

posse e controla-se essa posse, não necessariamente de forma física, mas em seus aspectos

simbólicos e mágicos. Esse processo apresenta qualidades ambíguas: alivia a ansiedade, pois o

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

91

que se tem não pode ser tirado, mas, ao mesmo tempo, exige que se consuma cada vez mais,

pois o consumo anterior rapidamente perde sua propriedade de satisfação. Para Fromm (1987,

p. 45) “os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e

consumo”.

O eu é o mais importante objeto do nosso sentimento de propriedade, porque

compreende muitas coisas: o corpo, o nome, a posição social, os bens (inclusive o

conhecimento), a imagem de si próprio e a imagem que se quer que outros tenham de nós. Ele

é um misto de qualidades concretas e fictícias, construídas em torno da realidade. Para o autor

não importa tanto o que seja o conteúdo do eu, pois a questão essencial é que o eu seja sentido

como uma coisa que cada um possui, e que esta coisa seja a base do sentido de identidade.

A crítica de Fromm (1987) considera que o apego a propriedade se modificou desde

meados do século XX e atualmente comprar não é mais preservar. Após certo tempo de uso as

pessoas de desfazem dos objetos comprados ansiando por objetos novos, o que, segundo o

autor, caracteriza a valorização do ter sobre o ser. A aquisição leva à posse e ao uso transitório,

resultando em jogar fora, em novas aquisições etc., constituindo um círculo vicioso comprador-

consumidor. O caso de amor que se tem com os bens adquiridos é curto, permitindo a troca

frequente, que pode ser estimulada (1) pela despersonalização no relacionamento consumidor-

objeto, pois este último representa um símbolo de status, de extensão do poder; (2) pela emoção

da aquisição, já que tomar posse é uma espécie de defloração; aumenta o sentido de autocontrole

e quando mais frequente acontece, mais emocionante fica; (3) pela necessidade de experimentar

novos estímulos, já que os antigos tornam-se fracos e monótonos depois de curto tempo e; (5)

pelo sentido de acumulação inerente ao caráter do modo ter. Fromm (1987) assume que viver

sem ter ou consumir alguma coisa é virtualmente impossível e reconhece as qualidades

ambíguas do ter e consumir, que ao mesmo tempo em que aliviam a ansiedade exigem que se

tenha e consuma cada vez mais.

Em suma, Fromm (1987) tem medo de que os consumidores confundam o que tem com

o que são (BELK, 1983). Belk (1982) constata que a disciplina de comportamento do

consumidor restringiu pesquisa e teoria a um foco estreito e, por vezes, improdutivo na

aquisição de bens. Para o autor, os termos “buyer behavior” e “consumer behavior”, poderiam

ser substituídos por “having behavior”, que descreveria um campo de estudos mais frutífero

(BELK, 1982). Shankar e Fitchett (2002), seguem o mesmo argumento de Fromm (1987) e

apontam o surgimento de movimentos de consumidores que querem ter menos (ou deixar de

ter) e que dão cada vez mais importância ao fato de não ter. Trazendo uma discussão

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

92

complementar sobre a importância do ter na vida do consumidor, os autores apresentam o

seguinte argumento:

A capacidade de atingir, ou seja, ter riqueza e prosperidade material não parece

resolver todas as ansiedades e insatisfações que os seres humanos experimentam como

parte de suas vidas diárias. De fato, como muitos críticos do capitalismo avidamente

lembram aqueles envolvidos com marketing, a sociedade de consumo pode realmente

aumentar os sentimentos de insatisfação, descontentamento, ansiedade e desejo

insaciável simplesmente pelo fato de que os indivíduos estão plenamente conscientes

do que eles poderiam ter (SHANKAR; FITCHETT, 2002, p. 502).

Para os autores, a miopia em marketing não é só para as empresas e seus produtos, mas

para o marketing. Isso por que o marketing se baseia na premissa de que os consumidores têm

uma BMW ou uma roupa da moda, por exemplo, porque acham a vida entediante e incompleta

e tentam com esses produtos torná-la mais atraente. O problema é que muitos consumidores já

possuem uma BMW e uma roupa da moda e continuam achando a vida entediante e incompleta,

o que demostraria o fracasso do sistema baseado em posses. Nesse sentido, o futuro do

marketing deveria se concentrar em ajudar as pessoas a ser, não a ter, ou seja, a construir

identidades, não a possuir bens. O marketing precisa mudar para “being marketing” e deve estar

preparado para ajudá-las nessa busca. Os autores apontam o surgimento de movimentos de

consumidores que querem ter menos (ou deixar de ter) e que dão cada vez mais importância ao

fato de não ter. Esse argumento é reforçado por pesquisas como a de Van Boven e Gilovich

(2003), que indicam que as pessoas são mais felizes quando compra experiências de consumo,

do que bens materiais.

Miller (1987) adiciona ao debate sobre ter e ser uma análise da influência das teorias de

Marx, Hegel, Munn e Simmel sobre o conceito do materialismo. Para o autor uma compreensão

ampla do lugar dos bens na sociedade exige uma perspectiva geral sobre o relacionamento entre

pessoas e coisas, que advém de um amplo conjunto de ideias sobre a natureza da sociedade e

os processos que geralmente caem na categoria “cultura” e encerra em si uma série de

questionamentos filosóficos. A cultura tornou-se uma cultura material baseada na forma dos

objetos, pois destaca-se mais suas características físicas e concretas, pois elas os fazem parecer

imediatamente assimiláveis. Encobre-se, assim, a real natureza da cultura material, que é uma

das formas mais importantes de expressão cultural. Esta cultura, contudo, tem sido amplamente

associada ao materialismo e ao fetichismo, pois foi historicamente analisada a partir de um foco

em relação aos bens per se, deixando-se em segundo plano as interações sociais. Essas

premissas foram responsáveis pelo surgimento de uma variedade de críticas ao estilo de vida

“moderno” (MILLER, 1987, p. 4) e uma escassez de sugestões que permitam compreender

como a sociedade industrial se apropria de sua própria cultura.

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

93

Barbosa (2004) rebate tais críticas, afirmando que o espírito do consumismo moderno

“é tudo, menos materialista”. Se os consumidores desejassem realmente a posse material dos

bens, se o prazer estivesse nela contido, a tendência seria a acumulação dos objetos, e não o

descarte rápido das mercadorias e a busca por algo novo que possa despertar os mesmos

mecanismos associativos. O desejo dos consumidores é experimentar na vida real os prazeres

vivenciados na imaginação, e cada novo produto é percebido como oferecendo uma

possibilidade de realizar essa ambição. Mas, como a realidade sempre fica a quem da

imaginação, cada compra leva o consumidor a uma nova desilusão, o que explica a

determinação de sempre achar novos produtos que sirvam como objetos de desejo a serem

repostos (CAMPBELL, 2001; 2006).

Soma-se a este discurso, outro pensamento próprio da sociedade do consumo, que

entende a relação pessoa-objeto em termos de uma opressão oriunda do materialismo e dos

objetos materiais (MILLER, 1987; 1995; 2004; GER; BELK, 1999). Nesta lógica, as pessoas

seriam oprimidas pelos objetos, já que a sociedade do consumo valoriza muito mais o “ter” do

que o “ser” (FROMM, 1987). Esta perspectiva moralizante sobre o consumo ainda pode ser

observada atualmente (WOODWARD, 2007; BARBOSA, 2010), sendo o “materialismo

desenfreado” responsabilizado pela perda de valores, dissolução de identidades e desagregação

social (SLATER, 2002; MILLER, 1987; 1995; 2004; GER; BELK, 1999). Para que se possa

compreender o impacto do materialismo na sociedade a seguir apresenta-se o histórico do

conceito e seus desdobramentos na pesquisa de comportamento do consumidor.

2.3.2.1 Materialismo

Mick (1996) aponta que o consumo tem seu lado negativo e ele está associado, entre

outras coisas, ao materialismo e a compra compulsiva. Segundo Ahuvia (2008) críticas ao

consumo excessivo, compreendido como aquele cujo fundo psicológico ou espiritual não é

saudável, são feitas desde os textos de religiosos e de filósofos antigos até os dias de hoje

(BELK, 1983). O materialismo é objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, entre elas

a psicologia, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a economia, o design e o marketing

(CHAPLIN; JOHN, 2007). O conceito de materialismo originalmente refere-se à noção

filosófica que busca explicar o mundo em termos da sua relação com a matéria e seu movimento

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

94

(RICHINS; DAWSON, 1992), como apresentam Miller (1987) e Politzer (2002), a partir dos

trabalhos de Marx e Hegel.

Apesar disso, com o desenvolvimento da sociedade do consumo o materialismo, que no

conceito filosófico tem em sua definição central a noção de que não são nossas ideias que criam

as coisas, mas, pelo contrário, são as coisas (matéria) que nos dão o pensamento (POLITZER,

2002), passou a ser empregado em outro sentido (RICHINS, 1994). Popularmente,

materialismo passou a ser compreendido como apego a necessidades e desejos materiais

(RICHINS; DAWSON, 1992); como a vontade de ter e possuir bens (BELK, 1984); como a

perseguição de uma boa vida, farta em posse de bens materiais (BELK; POLLAY, 1985) e;

como envolvendo objeto tangíveis (MCKEAGE; RICHINS; DEBEVEC, 1993). Além disso, o

materialismo também é comumente associado à busca excessiva de status por meio de posses,

ao sentimento de inveja, de desconsideração do outro e da subjetividade do indivíduo,

autocentralidade, possessividade, insegurança, falta de princípios e de valores morais (BELK;

POLLAY, 1985; CHAPLIN; JOHN, 2007; SANTOS; FERNANDES, 2011).

Kilbourne, Grünhagen e Foley (2005) indicam que existem muitas definições de

materialismo que apresentam um critério em comum: refletem o consumo de itens que vão além

do aspecto instrumental, ou seja, o indivíduo busca manter uma relação com os objetos através

da qual ele possa se sentir valorizado. Materialismo é, para Belk (1984, p. 291), “a importância

que um consumidor atribui a posses mundanas”. Richins e Dawson (1992, p. 307) acrescentam

ao conceito os objetivos finais empregados pelo indivíduo em relação a posse, indicando que

materialismo é “a importância que uma pessoa coloca nas posses e em sua aquisição como uma

forma de conduta necessária ou desejável para alcançar estados finais desejados, incluindo a

felicidade”.

Sirgy (1998) completa essa visão indicando que no materialismo as coisas materiais são

consideradas altamente significantes em relação a outros domínios da vida, o que significa que

a pessoa materialista atribui extrema importância ao mundo do dinheiro, da riqueza e das posses

materiais. Por outro lado, Sahlins (2003) traz uma perspectiva mais abrangente, analisando o

materialismo como um sistema cultural, no qual os interesses materiais não são subservientes

aos outros objetivos sociais. Nesse sentido, Miller (2005, p.17) vai além da definição centrada

no indivíduo e propõe que em “um pensamento dialético o materialismo adequado é aquele que

reconhece a relação irredutível da cultura, que através do consumo cria pessoas dentro e por

meio de sua materialidade”.

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

95

Frente a essas delimitações percebe-se que não há uma definição única e universal para

o termo materialismo (KILBOURNE; GRÜNHAGEN; FOLEY, 2005), tampouco uma

abordagem amplamente aceita. Para Santos e Fernandes (2011) o que todas essas definições

têm em comum é a percepção do consumo como meio de se adquirir mais do que o valor

instrumental ou funcional da mercadoria. Coletivamente, as definições sugerem que o indivíduo

se sente mais capaz pela propriedade de objetos. Richins e Dawson (1992), contudo, revelam

temas que consistentemente aparecem nas definições de materialismo, sendo eles: a

centralidade que posses representam na vida dos indivíduos; a felicidade ou bem-estar pela

posse de bens e o sucesso ou êxito julgado pela quantidade e qualidade das posses acumuladas.

No centro da vida de sujeitos materialistas estão suas posses e aquisições. Isso ocorre

porque eles percebem isto como essencial para sua satisfação pessoal e bem-estar (RICHINS;

DAWSON, 1992; BELK, 1984). Em outras palavras, para os materialistas ter coisas é um passo

para a felicidade. Richins e Dawson (1992) e Richins (2004) destacam a busca da felicidade

através da aquisição de bens materiais como uma das dimensões do materialismo. De fato,

historicamente se compreendia que um aumento na posse de bens materiais traria mais

felicidade (GIANETTI, 2002).

Para Richins (1994) as práticas materialistas influenciam não apenas a qualidade das

mercadorias e bens adquiridos, mas, especialmente, a quantidade, dada a forma pouco lógica

de consumo do sujeito materialista. Para Belk (1991), os hábitos de consumo de pessoas

materialistas ocasionam maior arrependimento e insatisfação pós-compra. De maneira geral, o

materialismo é visto como negativo (BELK; POLLAY, 1985) e relacionado com

impulsividade, focado em aquisição e posse (RICHINS; DAWSON, 1992). Isso ocorre porque

consumidores considerados materialistas percebem a compra, a aquisição e a posse como

essencial para sua satisfação pessoal e bem-estar (RICHINS; DAWSON, 1992; BELK, 1984).

Um componente negativo dos valores materialistas é a falta de controle sobre o consumo, ou

seja, ao invés de adquirir um senso de autonomia a partir do consumo ou através de um processo

cuidadoso de tomada de decisão, os valores materialistas resultam em aumento do desejo por

posses materiais, resultando em perda de autocontrole (LEE; AHN, 2016). Uma vez que as

pessoas não querem ser vistas como egoístas e irresponsáveis, esses sentimentos levariam a

insatisfação e infelicidade (KILBOURNE; PICKETT, 2008).

Uma das principais discussões envolvendo materialismo diz respeito a avaliação de seu

caráter positivo ou negativo (BELK, 1984; 1985; RICHINS; DAWSON, 1992; RICHINS,

1987; 1994a; 1994b; FOUNIER; RICHINS, 1991; CLAXTON; MURRAY, 1994;

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

96

MCKEAGE; RICHINS; DEBEVEC, 1993; GER; BELK, 1990; 1996; 1999). Csikszentmihalyi

e Rochberg-Halton (1981), todavia, incentivam uma mudança de foco. Para estes autores o

materialismo não precisa ser necessariamente bom ou mal (BELK; 1985), mas pode estar ligado

aos propósitos de consumo de uma pessoa. Assim, os autores apresentam uma classificação do

materialismo em dois tipos: materialismo terminal e materialismo instrumental. Quando as

situações de consumo e posse do objeto são o fim em si, o materialismo envolvido é

potencialmente mais destrutivo, chamado, então, de terminal. Este tipo de materialismo envolve

a intenção de gerar inveja ou admiração de terceiros ou ainda servir como símbolo de status,

sendo, portanto, um materialismo ruim.

Por outro lado, no materialismo instrumental as posses servem a propósitos que são

independentes de ganância e têm um escopo específico, limitado a exercer influências positivas

na vida do indivíduo. O materialismo instrumental envolve cultivar os objetos como recursos

essenciais para o descobrimento e promoção de valores pessoais, de forma que eles se tornam

instrumentos usados para realizar objetivos. Isso não significa, é claro, que os objetos sejam

somente usados como recursos, já que eles também produzem experiências e prazer imediato,

que no final das contas, são seus próprios fins. A ênfase dada pelos autores nessa definição diz

respeito ao contexto no qual os objetos são usados, o que transforma seus fins em propósitos

mais completos, visando o desenvolvimento da vida humana em sociedade, envolvendo a

atualização pessoal e o cultivo de laços mais fortes com a família e com os amigos.

Com essa proposta, Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) desobrigam o

materialismo do caráter negativo essencial (SANTOS; FERNANDES, 2011), estabelecendo

uma dependência entre os propósitos de vida do sujeito envolvido na ação. Para os autores, o

contexto do materialismo instrumental é oposto ao terminal, pois nesse último não há senso de

interação recíproca entre os objetos e os fins. No materialismo terminal o consumo surge em

situações que não têm outro fim senão a posse em si. Jamais a posse será compreendida como

ela própria uma possibilidade de destinos adicionais, que, em outras palavras, significam,

transformações culturais. O materialismo terminal é mais potencialmente destrutivo, pois é

mais provável de resultar em traços materialistas como inveja, possessividade, não

generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e talvez a tendência de tratar pessoas como posses

(BELK; POLLAY, 1985).

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

97

A ambivalência do materialismo pressupõe que “quando a razão do consumo é a posse

em si e a intenção de despertar inveja e obter status, o materialismo é maléfico. Contudo, quando

a motivação é ancorada em valores mais coletivamente orientados, o materialismo não causa

danos” (SANTOS; FERNANDES, 2011, p. 176), podendo ser visto como algo não negativo.

Para os autores a classificação dos tipos de materialismo ilustra as bases morais ou pragmáticas

para a avaliação dos bens materiais: como o propósito em vez do simples fato da própria

possessão material, devem formar a base de uma crítica do materialismo. Se o materialismo

está associado a uma imagem “grosseira auto-centrada, de consumidores estúpidos que

compram coisas desnecessárias e dedicam suas vidas à busca superficial para aquisição de

dinheiro e posses” (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 231), mas os

bens também servem para o “bem comum das pessoas ou da cultura”. Justamente, em virtude

dos bens terem essa função considerada essencial, que a definição de materialismo instrumental

é desenvolvida pelos autores.

Apesar da profunda relação entre cultura e consumo, a ideia de que o materialismo pode

ter um aspecto positivo pode surpreender, pois contraria uma verdade amplamente conhecida:

de que o materialismo é uma das coisas mais erradas que há em nossa sociedade

(MCCRACKEN, 2003). Essa forma de se relacionar com os bens materiais é considerada a

manifestação contemporânea do mal no mundo, tendo uma relação esmagadoramente negativa

(MICK, 1996; GER; BELK, 1996;1999). Estudos de Ger e Belk (1996; 1999) apontam que as

pessoas associam o materialismo a um falso caminho para a felicidade através do consumo, a

uma orientação excessiva para o consumo que acaba em um estado de dominação pelas coisas,

a uma fraqueza decorrente da insegurança, a uma concorrência prejudicial de status através de

posses e a uma valorização de coisas sobre as pessoas. Em sua pesquisa, os autores indicam

que, ao pensar sobre materialismo, as pessoas se envolvem em explicações a respeito das

normas da cultura material e num diálogo sobre atitudes materiais, valores e estilo de vida,

muitas vezes emocional. Essa é, para eles, uma das evidências da alta importância das questões

materiais em suas vidas.

Apesar de todas as conotações negativas associadas ao materialismo, a maioria dos

entrevistados no trabalho dos autores (GER; BELK, 1999) tinham padrões de consumo pessoal

e aspirações que, vistos de longe, pareciam como altamente materialistas, o que indicava uma

importante contradição entre seu discurso e sua prática de consumo. Para Ger e Belk (1999)

isso ocorre, pois, pessoas materialistas têm coisas que muitas outras que desejam, mas que não

podem pagar/ter e quando exibem essas posses geram nos outros um mix de desejo, admiração,

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

98

inveja e ressentimento (RICHINS; DAWSON, 1992). Além disso, materialismo define sucesso

e progresso social através de bens possuídos, fazendo com que características materialistas

possam também incluir um alto nível de aprovação social (MICK, 1996).

Como forma de conciliar essas contradições os pesquisados empregavam discursos para

tentar justificar suas práticas de tipos de materialismos (GER; BELK, 1999). Alguns

entrevistados avaliaram suas práticas de consumo como mais positivas, alegando, por exemplo,

que seu consumo é diferenciado, superior, quer através de conhecimento especializado, quer

através de instrumentalismo (como fontes de felicidade) ou pelo até mesmo por seu caráter

altruísta (em benefício de outros). Outros, no entanto, admitiram se envolver em materialismo

prejudicial. Para estes, as principais desculpas são de que forças externas os obrigam a se

comportar de tal forma, já que este é o caminho do mundo moderno. Relataram ainda que

mereciam, devido a privações anteriores, ou como uma forma de recompensa. Esse tipo de

subterfúgio autoindulgente parece relacionar-se com aspectos que potencialmente estimulam

comportamentos impulsivos e compulsivos.

Materialismo não é, contudo, consumismo (SANTOS; FERNANDES, 2011). O

consumismo, segundo Jones et al. (2003), é a forte manifestação em relação à atração e

consumo de bens ou serviços. Segundo Stearns (1997), uma sociedade consumista envolve um

grande número de pessoas que direcionam suas vidas - a partir da busca de significados e da

satisfação pessoal - para a busca e aquisição de bens materiais. Nesse contexto a busca de

significados está ligada a um anseio mensurável de que a vida não está completa sem uma

determinada aquisição. Muito embora haja no materialismo a centralidade da aquisição, ela está

mais relacionada à posse de bens ou objetos, sendo que o fato de ter tais bens ou objetos acaba

se tornando sobressalente em relação a outras esferas da vida do indivíduo (PACHECO et al.,

2010). Assim, a importância dos bens pode ser ampla e geral (HOLT, 1995). Pode, inclusive,

servir como uma medida para capturar o que é comumente associado ao materialismo. Todavia,

ao invés de focalizar a importância global de bens, pode ser mais produtivo definir o

materialismo em termos de como as pessoas usam suas posses (HOLT, 1995).

2.3.2.2 Compra Compulsiva e Impulsiva

Quando se fala em posse, consumo e uso deve-se ter presente a ideia de que para ter,

consumir ou utilizar é preciso que primeiro tenha existido um ato de compra ou a aquisição de

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

99

um bem (BELK, 1982). Para Rook (1985), comprar vai muito além do ato de suprir algumas

necessidades, uma vez que os consumidores usam as compras como terapia, passatempo,

entretenimento, uma desculpa para sair de casa, para matar o tempo ou até mesmo para

encontrar pessoas. O verbo comprar adquiriu um sentido mais amplo, tornando-se tema de

interesse de diversas ciências, como antropologia, sociologia, psicologia e marketing. A compra

é compreendida na literatura como uma experiência, que pode resultar em grande prazer

(CAMPBELL, 2001). Por esse motivo, para muitos consumidores o produto adquirido é menos

importante do que a experiência de compra em si (BENSON, 2000). Adquirir é uma atividade

que vai além do simples ‘comprar’ ou ‘possuir’, ou como define Benson (2000, p. 502), “[...]

is not about buying, it’s about being”.

Para a maior parte das pessoas comprar é uma parte normal e rotineira do dia-a-dia, mas

para compradores compulsivos a inabilidade de controlar um impulso avassalador de comprar

invade suas vidas e resulta em significantes e por vezes severas consequências (O’GUIN;

FABER, 1989). Este tipo de comprador, compra não tanto para obter utilidade do bem

adquirido, mas sim, como forma de atingir gratificação através do processo de compra em si.

Faber (2000) afirma que muitos compradores compulsivos costumam ir às compras todos os

dias, e sua resposta primária, quando confrontado com eventos ou sentimentos negativos da

vida, é fazer compras. A literatura de consumo apresenta uma quantidade considerável de

estudos sobre compra compulsiva e impulsiva, que são vistas na literatura como tipos de

compras não planejadas (D’ASTOUS; MALTAIS; ROBERGE, 1990).

Faber e O’Guinn (2005) apresentam uma análise interessante a respeito do aumento dos

estudos sobre comportamentos de compra compulsiva desde os 1980, quando, segundo eles,

pouco se falava sobre o assunto. Desde então o número de trabalhos, estudos e pesquisas sobre

o tema avançou não somente na academia, mas na mídia, em jornais, revistas, TV, sendo que

hoje falasse abertamente sobre o tema, que serve até mesmo como piada em sitcoms.

Atualmente as experiências de consumo frequentemente envolvem lidar com impulso de

comprar e consumir, para “ter isso tudo agora” (ROOK, 1987, p. 195). Essa naturalização de

um transtorno psicológico relacionado com a falta de controle sobre comportamentos de compra

e com a falta de capacidade de reconhecer as consequências de suas ações, parece estar

relacionada com o aumento da oferta de crédito e produtos (FABER; O’GUINN, 2005), ou seja,

com a própria sociedade de consumo (ROOK; FISHER, 1995).

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

100

O’Guin e Faber (1989, p.149) definem compra compulsiva como uma “compra

repetitiva, crônica que ocorre como resposta a eventos ou sentimentos negativos” e que fornece

gratificação imediata de curto-prazo, mas que em última análise causa prejuízos ao indivíduo

e/ou aos outros (FABER; O’GUINN, 2005). Para os autores consumo compulsivo é uma

resposta a uma vontade ou desejo incontrolável de obter, usar ou experimentar uma sensação,

substância, ou atividade que leva o indivíduo a se envolver repetidamente em um

comportamento que acabará por causar danos a ele e/ou aos outros.

A definição de O’Guin e Faber (1989) engloba aspectos patológicos deste fenômeno,

incluindo comportamentos de dependência excessiva, como o abuso de drogas, os transtornos

alimentares e a sexualidade compulsiva, assim como comportamentos mais orientados ao

mercado, como jogo compulsivo e cleptomania. Os autores apontam que comportamentos

viciantes, compulsivos, excessivos, habituais, abusivos e acumuladores, bem como transtornos

de controle dos impulsos compartilham elementos comuns com o consumo compulsivo.

O’Guin e Faber (1989) tratam compra compulsiva como oposta à compra normal,

compreendendo que o comprador compulsivo é alguém descontrolado, fora da normalidade.

Para eles a compulsão é uma forma extremada de compra, que pode ser vista como parte de

uma categoria mais ampla de comportamentos compulsivos de consumo e pode ser definida

como “comportamentos repetitivos e aparentemente propositais que são desempenhados de

acordo com certas regras ou de uma forma estereotipada” (O’GUIN; FABER, 1989, p. 147).

As compulsões são comportamentos excessivos e ritualísticos, deliberadamente

realizados para aliviar a tensão, a ansiedade ou o desconforto despertado por pensamentos

importunos ou pela obsessão. As compulsões se referem a comportamentos que muitas vezes

vão contra a vontade do indivíduo. O termo é frequentemente empregado para classificar um

número de diferentes comportamentos repetitivos conduzidos por um desejo irresistível e

prejudicial (O’GUIN; FABER, 1989). Para Hirschman (1992), os comportamentos

compulsivos como os vícios em drogas, bulimia e compras compulsivas são formas extremas

de atividades normais de consumo. As pessoas precisam comer e fazer compras e nem por isso

tornam-se dependentes. Para a autora, as teorias genéticas, da personalidade e sociais sobre a

etiologia do vício, contribuem com informações valiosas para a nossa compreensão desse

fenômeno.

Segundo Veludo-de-Oliveira, Ikeda e Santos (2004), a definição de compra compulsiva

ainda é bastante fragmentada na literatura de comportamento do consumidor. Os autores

exemplificam essa fragmentação através da quantidade de termos que se referem à compra

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

101

compulsiva na literatura, sendo eles: compulsive buying, addictive buying, compulsive

shopping, compulsive spending e oniomania (mania de comprar). Ainda assim, Goldsmith e

McElroy (2000) três critérios para que alguém possa ser diagnosticado como tendo transtorno

compulsivo de compra, sendo eles: (1) preocupações frequentes com compras ou compras de

fato, vistas como excessivas, incômodas e sem sentido; (2) esses comportamentos ou impulsos

causam acentuado sofrimento e interferem significantemente no funcionamento social ou

ocupacional e/ou resultam em sérios problemas financeiros e; (3) as compras não ocorrem

somente em momentos de mania ou hiperatividade.

Com este quadro percebe-se que a compra compulsiva é compreendida como uma

doença, tanto que Faber e O’Guinn (2005, p. 4) afirmam que deveriam ter tratado desde o início

o fenômeno como “compra patológica”. De forma geral, os autores parecem concordar que ela

é um estado de descontrole que visa a minimizar sentimentos negativos pessoais

(HIRSCHMAN, 1992; FABER; CHRISTENSON, 1996). Para O’Guin e Faber (1989) há duas

definições essenciais que precisam estar presentes entre estes diversos comportamentos: ele

deve ser repetitivo e problemático para o indivíduo. Inicialmente o comportamento pode não

ser visto como problemático, mas como uma fonte alívio imediato da ansiedade e do stress

emocional (O’GUIN; FABER, 1989).

As recompensas de curto-prazo reforçam o comportamento, ocasionando a repetição e

o processo compulsivo. Na medida em que o comportamento se torna mais frequente, surgem

sentimentos de imunidade às consequências da compulsão. Essa negação ocorre mesmo quando

o indivíduo se depara com evidências que indicam que este o comportamento é prejudicial. Ele

passa, então, a ver sua compulsão como uma perda de controle momentânea. Este sentimento

gera mais ansiedade e frustração, que tentarão ser aliviadas com a repetição do comportamento,

num ciclo incessante que segue ocorrendo, embora se tente parar ou moderá-lo (O’GUIN;

FABER, 1989). Consumidores compulsivos acabam comprando para compensar eventos

infelizes, e/ou baixa autoestima (O'GUINN; FABER, 1989). Neste sentido, o ato de comprar

pode elevar temporariamente o humor e a autoestima.

No entanto, segundo O’Guinn e Faber (1989), compradores compulsivos comumente

desenvolvem sentimentos de vergonha ou culpa associada com o seu comportamento. Eles

podem ser aparentes tanto economicamente, em termos de graves dívidas, quanto

psicologicamente, em termos de sentimentos de remorso, baixa autoestima, e um impacto

profundo sobre as relações interpessoais.

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

102

Para O’Guin e Faber (1989) há duas definições essenciais que precisam estar presentes

entre estes diversos comportamentos: ele deve ser repetitivo e problemático para o indivíduo.

Na verdade, inicialmente o comportamento pode não ser visto como problemático, mas como

uma fonte alívio imediato da ansiedade e do stress emocional (O’GUIN; FABER, 1989). As

recompensas de curto-prazo reforçam o comportamento, ocasionando a repetição e o processo

compulsivo. Na medida em que o comportamento se torna mais frequente, surgem sentimentos

de imunidade às consequências da compulsão. Essa negação ocorre mesmo quando o indivíduo

se depara com evidências que indicam que este o comportamento é prejudicial. Ele passa, então,

a ver sua compulsão como uma perda de controle momentânea. Este sentimento gera mais

ansiedade e frustração, que tentarão ser aliviadas com a repetição do comportamento, num ciclo

incessante que segue ocorrendo, embora se tente parar ou moderá-lo (O’GUIN; FABER, 1989).

Consumidores compulsivos acabam comprando para compensar eventos infelizes, e/ou baixa

autoestima (O'GUINN; FABER, 1989). Neste sentido, o ato de comprar pode elevar

temporariamente o humor e a autoestima.

Faber e O’Guinn (2005) e Ridgway, Kukar-Kinney e Monroe (2008) apontam que na

literatura há questionamentos sobre a compra compulsiva ser uma forma de Transtorno

Obsessivo Compulsivo ou um Transtorno de Controle da Impulsividade. Em virtude dessas

classificações pouco específicas Faber e O’Guinn (2005) consideram que as pessoas confundem

compra compulsiva com compra por impulso. No entanto, para estes autores alguns exemplos

extremos de compra por impulso podem se assemelhar a compras compulsivas, mas os

construtos se diferenciam em várias maneiras importantes, devendo ser tratados separadamente.

A compra por impulso é uma ação não planejada estimulada pela ocasião e tem como

característica o desejo repentino de comprar (DITTMAR, 2000; BAUMEISTER, 2002). Para

Jones et al. (2003, p. 506) tendência de compra impulsiva é o “grau em que um indivíduo é

susceptível a fazer compras não intencionais, imediatas (ou espontâneas), e não refletidas”, ou

seja, na compra por impulso os itens são comprados de forma espontânea e não premeditada,

rápida e sem a avaliação da necessidade. Os produtos são comprados de forma espontânea e

não premeditada, rapidamente e sem necessidade de avaliação (ROOK, 1987).

A definição de compra por impulso foi apresentada na literatura de marketing pelos

trabalhos de Stern (1962) e de Kollat e Willet (1967), que propõe que as compras por impulso

são não planejadas. Para Youn e Faber (2000) essa é uma visão míope do fenômeno, pois

restringe têm como objetivo principal classificar produtos em impulsivos e não impulsivos, de

forma a facilitar estratégias de marketing, tais como propaganda no ponto de venda,

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

103

merchandising e promoções em lojas. Nesse sentido, Stern (1962) identifica quatro

classificações de diferentes tipos de compras por impulso, sendo elas:

a) Compra impulsiva pura, a mais fácil de ser reconhecida, pois a compra ocorre

sem nenhum tipo de planejamento anterior ou intenção de compra.

b) Compra impulsiva lembrada, que ocorre quando o consumidor vê um item e

lembra que precisa dele, pois, o estoque acabou ou está baixo.

c) Compra impulsiva sugerida, que se refere as compras feitas quando o

consumidor vê um produto pela primeira vez e visualiza uma necessidade,

mesmo sem ter conhecimento sobre o bem. As avaliações são feitas na loja pela

sugestão de adquirir novidades.

d) Compra impulsiva planejada, que apesar de parecer estranha, mas ocorre quando

o consumidor adquire o produto que já tinha intenção de adquirir, mas decide na

loja a quantidade, a marca ou outro fator, que depende das condições de venda

(descontos, ofertas, etc.).

Esse tipo de análise não evidencia os estágios internos vividos pelos consumidores que

compram por impulso, tal como fazem as pesquisas de Rook e Hoch (1985), Rook (1987), Hoch

e Loewenstein (1991) e Rook e Fisher (1995), entre outros. De forma geral, estes autores da

segunda fase das pesquisas em compras por impulso, sinalizam a necessidade de compreensão

das questões psicológicas da impulsividade para tratar-se dos comportamentos de compras

impulsivas. Segundo Beatty e Ferrell (1998), a compra por impulso é por definição não

planejada, mas também é mais do que isso, pois envolve experimentar uma urgência em

comprar. A compra por impulso foi redefinida por Rook (1987, p. 191) da seguinte forma:

A compra por impulso ocorre quando um consumidor experimenta uma súbita,

frequentemente poderosa e persistente, urgência de comprar algo imediatamente. O

impulso é hedonicamente complexo e pode estimular um conflito hedônico. Da

mesma forma, a compra por impulso é inclinada com diminuta consideração por suas

consequências.

Segundo Rook (1987), esse tipo de compra acontece quando se vivencia uma urgência,

geralmente forte e persistente, para comprar algo imediatamente, sem muita preocupação com

as consequências. Rook (1987) relata que um terço de seus entrevistados se sentiu compelido a

comprar alguma coisa uma vez que experimentou o impulso de compra. Os relatos incluem

questões como obsessão, não pode esperar, só pensar nisso, sentir-se obrigado, desesperado,

estar fora de controle etc. Uma mulher de 55 anos de idade, relatou que “uma vez que eu vejo

isso na minha mente, ele não vai embora até eu comprá-lo” (ROOK, 1987, p. 193).

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

104

Rook e Hoch (1985) identificaram cinco características que diferenciam padrões de

compra impulsivos de não impulsivos: (1) um desejo súbito e espontâneo de agir que se afasta

de padrões de comportamento anteriores; (2) desequilíbrio psicológico que faz com que o

consumidor se sinta temporariamente fora de controle; (3) conflito psicológico entre a obtenção

atual de gratificação e resistir a ceder a impulsos que são percebidos como irracionais ou

errados; (4) uma diminuição dos critérios de maximização de utilidade para a avaliação dos

produtos; e (5) um desprezo às consequências negativas que podem estar associados com o ato

de consumo.

Ela é relativamente extraordinária e excitante, diferente, assim de uma compra ou usual,

que tende a ser tranquila. Os impulsos de compra tendem a ser fortes e urgentes, assim como a

compra por impulso é uma experiência rápida, nunca lenta, sendo mais provável que o

consumidor agarre um produto do que escolha um. O comportamento impulsivo é mais

espontâneo do que cauteloso. A compra por impulso tende a quebrar o padrão de compra do

consumidor, enquanto uma compra usual tende a ser parte de sua rotina. Ademais, esse tipo de

compra é mais emocional do que racional, sendo mais provável de ser percebida como ruim do

que boa, de tal forma que o consumidor tem maior chance de ser sentir fora de controle quando

age impulsivamente (ROOK, 1987).

Apesar dos comportamentos impulsivos serem frequentes e amplamente estimulados

pela propaganda e nos pontos de venda, nem todos os consumidores têm tendências impulsivas

(VERPLANKEN; HERABADI, 2001; BAUMEISTER, 2002). Assim, concordando com a

posição de Edwards (1993), DeSarbo e Edwards (1996) e O’Guinn e Faber (2005) deve-se fazer

uma distinção entre compra compulsiva e compra impulsiva, que não ser tratados nem como

sinônimos. Para DeSarbo e Edwards (1996) a compra por impulso é motivada por um gatilho

externo, como a exposição do produto na loja, o ambiente de loja, o preço, uma liquidação, etc.,

que estimula o indivíduo a comprar. A compra compulsiva, por sua vez, é motivada por um

gatilho interno, tal como estresse ou ansiedade. Comprar e gastar são formas de fugir ou aliviar

esses sentimentos. Apesar dos estados de humor poderem influenciar a compra impulsiva, o

foco do desejo está em um item específico e o desejo por ele irá, pelo menos temporariamente,

prevalecer sobre a força de vontade de resistir a ele (HOCH; LOEWENSTEIN; 1991; FABER;

O’GUINN, 2005). Por outro lado, a compra compulsiva é tipicamente mais ligada ao desejo de

comprar do que sobre o item realmente comprado (FABER; O’GUINN, 2005).

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

105

É possível resumir as diferenças entre compra compulsiva e compra impulsiva, já que

às vezes esses construtos são confundidos um com o outro, mas não podem ser definidos como

sinônimos (JOHNSON; ATTMANN, 2009). Assim, consumo compulsivo e impulsivo parecem

ser tipos de compras não programadas, em que existe uma ausência momentânea ou perda do

controle, que resulta em excesso de compras (FABER; O'GUINN 1992; DITTMAR, 2000;

BAUMEISTER, 2002). A compra por impulso é motivada por um gatilho externo, como a

exposição do produto na loja, o ambiente de loja, o preço, uma liquidação, etc. (DESARBO;

EDWARDS, 1996). A compra compulsiva, por sua vez, é motivada por um gatilho interno, tal

como estresse ou ansiedade (FABER; O’GUINN, 2005). Comprar e gastar são formas de fugir

ou aliviar esses sentimentos. Esse comportamento compulsivo pode evoluir para a compra

viciante quando se torna uma necessidade de gastar continuamente, a fim de aliviar o stress e

ansiedade, enquanto o impulso de comprar pode ser experimentado pela maior parte das

pessoas.

2.3.2.3 Acumulação

Há ainda outro comportamento negativo associado ao consumo, a acumulação

compulsiva. O fenômeno, conhecido como hoarding, refere-se à tendência de acumular objetos

e a dificuldade de desapegar-se deles mesmo quando eles são inúteis (COULTER; LIGAS,

2003; CHERRIER, 2009; MAYCROFT, 2009; CHERRIER; PONNOR, 2010; HAWS et al.,

2011). Frost e Gross (1993, p. 367) definem acumulação compulsiva como “a aquisição da

insuficiência para descartar bens que parecem ser de valor limitado ou inúteis”. Essa definição

é bastante ampla e não faz nenhum tipo de distinção entre os objetos que as pessoas recusam a

desapegar, especialmente entre os bens que ainda são usáveis e os que não são, ou ainda entre

aqueles que podem ser vendidos e os que não têm valor de revenda (GUILLARD; PINSON,

2012).

Guillard e Pinson (2012) apresentam um estudo no qual referem-se ao hoarding como

a tendência a “manter tudo”, mas não absolutamente todas as coisas, uma vez que esse

comportamento é compreendido como patológico e decorrente de desordens obsessivas-

compulsivas. A tendência em ficar com absolutamente tudo é chamada acumulação

compulsiva, disposofobia (GUILLARD; PINSON, 2012) ou Síndrome de Diógenes,

(PERTUSA et al., 2010), pois tal personagem grego teria rejeitado todos os confortos

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

106

domésticos e se caracteriza pela negligência sem vergonha do corpo e do ambiente pessoal, pela

acumulação e rejeição de qualquer ajuda (CHERRIER; PONNOR, 2010).

Uma manifestação importante da acumulação compulsiva é o acúmulo de bens que

resulta em espaços de convivência entulhados de coisas, o que significa um enorme desafio

para a rotina diária dos acumuladores compulsivos (HAWS et al., 2012). Acumuladores

compulsivos são dominados por suas posses materiais e não conseguem interagir socialmente.

Suas casas são como espaços de armazenamento, onde todos os tipos de objetos, lixo e detritos

são acumulados, sem nenhum sinal de organização ou controle (CHERRIER; PONNOR, 2010).

Seriados de televisão, revistas, jornais e muitos livros têm destacado tais comportamentos na

cultura do consumo, aumentando o número de organizações dedicadas a ajudar pessoas com

esse problema. Belk, Yong Seo e Li (2007) inclusive relatam o caso de organizadores

profissionais, que ajudam as pessoas a organizar seus objetos acumulados.

Haws et al. (2012) exemplificam o processo de acumulação com o caso de dois

personagens, Greg e Steve e contam suas histórias:

Conheça Greg, ele mantém tudo. Ele não pode fazer o caminho de quarto em quarto

em sua casa, porque ele tem anos de jornais bagunçados pelos corredores, e seu carro

está estacionado na entrada da garagem, porque sua garagem está atolada com seu

caminhão quebrado e equipamentos agrícolas velhos. Em sua cozinha, miolos de maçã

podre e cascas de banana acomodam-se no balcão da cozinha, porque Greg não tem

coragem jogá-los fora. Seus parentes não o visitam; eles estão preocupados com seus

comportamentos obsessivo-compulsivos relacionados com a adquirir e manter as

coisas e com sua segurança porque a sua casa é tão atravancada.

Agora, conheça Steve. Seus amigos o repreendem sobre sua relutância em descartar

as coisas. Steve pensa que jogar fora produtos que têm algum valor residual é um

desperdício. Ele acredita que se livrar de seu sofá velho, agora cuidadosamente

guardado no sótão, seria frívolo, e ele mantém uma bicicleta quebrada na garagem

porque pode precisar das correntes para consertar outra bicicleta ou das engrenagens

para fazer uma scooter motorizada (HAWS et al., 2012, p. 224).

Os autores explicam os exemplos criados indicando que apesar de Steve ter uma

tendência a manter suas coisas, sua não é atravancada, nem seu cotidiano é prejudicado pelo

fato dele guardar coisas. Steve e Greg assemelham-se, no entanto, na medida em que ambos

mantêm suas posses. A diferença entre eles refere-se a dificuldade de descartar posses, que é

extrema no caso de Greg. Ao contrário de Steve, Greg dedica seu tempo a aquisição excessiva

e vive no meio da extrema desordem. O comportamento de Greg é chamado na literatura de

psicologia como acumulação compulsiva, considerada um transtorno do espectro psicológico

obsessivo-compulsivo (FROST et al., 2000; HAWS et al., 2012)

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

107

Maycroft (2009) questiona o porque das pessoas sujeitarem-se a problemas de saúde, a

exposição a riscos como de esmagamento, incêndio, sujeira, doenças etc. para acumular bens

não utilizados, usados ou desgastados, uma vez que existem tantas alternativas disponíveis e

mecanismos de disposição tanto para produtos úteis quanto para inúteis? Para o autor, a

acumulação é interessante justamente por isso, porque contraria a propensão cultural

generalizada dos seres humanos de distribuir o excesso, as normas consumistas de descartar a

fim de consumir mais e os imperativos modernos de limpeza e ordem.

Compreendemos que até este momento foram apresentados os principais conceitos

trazidos pela literatura de comportamento do consumidor sobre a relação sujeito-objeto. No

próximo subcapítulo serão compilados os estudos que já trataram sobre o não uso, como forma

de iniciar os estudos sobre esse conceito.

2.4 Não Uso

O estudo do não uso de objetos e bens vem sendo pouco discutido e estudado tanto em

pesquisas de marketing quanto de outras áreas como antropologia, sociologia ou design.

Estudos sobre coisas que as pessoas possuem, mas não usam são raras em comportamento do

consumidor. Pode-se destacar o trabalho de La Branche (1973), que trata de coisas

negligenciadas e não usadas; a pesquisa de Bower e Sprout (1995), que propõem uma

taxonomia de produtos não usados; a investigação de Trocchia e Janda (2000) que se debruça

sobre a razão das pessoas comprarem bens e serviços que nunca utilizam ou consomem

completamente; e a análise de Chirumamilla (2014) sobre a noção de não uso como parte do

entendimento do papel dos objetos materiais na constituição da vida cotidiana das pessoas.

Nestes estudos o não uso é entendido a partir de sinônimos como: unused products, non-

usage, non-used, neglected objetcs, under-consume, never used at all, never utilized or

consumed, under-utilized, purchased itens that are not consumed, wasteful purchase e

haphazard consumer purchase. Neste cenário, o exame do fenômeno do não uso feito por

Bower e Sprout (1995), Wansink, Brasel e Amjad (2000) e Trocchia e Janda (2000) possuem

uma vertente de pesquisa cognitivista, na qual há uma teorização inicial sobre as representações

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

108

do não uso, testada através do teste de hipóteses. Essa abordagem deixa pouca margem ao

entendimento do não uso como um processo, pois parte da premissa causal entre compra e

consumo, tratando o não uso como uma disfunção da pós-compra.

Segundo estes autores, os estímulos ao não uso originam-se nas compras compulsivas

(O'GUINN; FABER, 1989) e impulsivas (ROOK; 1987), que pressupõem a falta de

planejamento da aquisição do produto (TROCCHIA; JANDA, 2002). Nesta prerrogativa os

consumidores deixaram de usar (ou não usam) produtos e serviços, pois não desenvolveram um

plano mental para o uso do bem comprado. Isto ocorreria quando o consumidor passa por

momentâneos de desequilíbrios decorrentes do conflito psicológico entre o autocontrole e os

desejos do indivíduo (HOCH; LOEWENSTEIN, 1991; YOUN; FABER, 2000; COSTA,

LARÁN, 2006) ou ainda quando há compras repetitivas que ocorrem como resposta a eventos

ou sentimentos negativos (O'GUINN; FABER, 1989; VELUDO-DE-OLIVEIRA, IKEDA,

SANTOS, 2004; JOHNSON; ATTMANN, 2009).

Mesmo nos livros texto de comportamento do consumidor, autores como Mowen e

Minor (2007), Peter e Olson (2009) e Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) consideram o uso

como uma etapa subsequente ao processo de compra. Dentre estes autores, apenas Peter e Olson

(2009) e Hawkins Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) tratam a pós-compra como um

processo. Autores como Blackwell, Miniard e Engel (2005), Solomon (2008) e Schiffman e

Kanuk (2009), sequer tratam da possibilidade de não uso, assumindo que o uso é seguido da

compra e que todos os consumidores usarão os bens comprados. Hawkins, Mothersbaugh e

Best (2007), por outro lado, apontam que depois de comprado, um bem pode ou não ser

consumido, mencionando o não uso como uma possível consequência da compra. Os autores

usam a abordagem de Bower e Sprout (1995) para afirmar que a maioria dos produtos e serviços

têm as decisões de compra e consumo tomadas simultaneamente, mas pode acontecer de um

produto ser comprado e não usado. Neste sentido, o não uso é apresentado como um processo

de pós-compra, no qual o indivíduo não consume o bem obtido.

Bower e Sprott (1995) complementam, afirmando que o não uso de produtos é

amplamente definido como ocorrendo quando o consumo de um produto falha em ocorrer após

ele ser obtido. Duas premissas são assumidas nessa definição: primeiro, assume implicitamente

que no momento da compra, o comprador tem a intenção de se consumir o produto e; segundo,

que o produto não está sendo usado como pretendido no momento da compra. O foco na compra

fica claro a partir destas premissas dos autores, que sugerem que o não uso ocorre quando um

produto adquirido é usado apenas de modo limitado em relação ao seu uso potencial. O não uso

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

109

não significa, então, que um objeto nunca foi usado, o que restringiria desnecessariamente o

conceito. O padrão “zero uso”, revelam os autores não precisa ser a única forma de não uso

(BOWER; SPROTT, 1995, p. 582).

Para esclarecer sua definição os autores adicionam pontos sobre o que é e o que não é

considerado por eles como sendo o não uso de um produto. Inicialmente Bower e Sprout (1995)

consideram que muitos produtos naturalmente deixam de ser usados em decorrência das

mudanças no ciclo de vida. Uma bicicleta usada por uma criança provavelmente será menos

usada na medida em que a criança fica mais velha, mas, por que a bicicleta não é usada agora

não significa que não foi bem usada antes. Para os autores, a diferença entre os produtos usados

e não usado é que, para este último qualquer utilização irá ocorrer dentro de um período de

tempo limitado após a obtenção, e, em seguida, a utilização diminui rapidamente.

Em segundo lugar, Bower e Sprout (1995) não incluem na definição de não uso produtos

que podem ser reutilizados, mas são adquiridos com a intenção de uma única ocasião de

consumo. Por exemplo, vestidos de festa são caros, não-perecíveis e podem ser usados várias

vezes, mas são comprados com apenas um uso em mente. Além disso, os autores não estão

interessados em produtos que foram obtidos de forma involuntária, como presentes não

solicitados. Os únicos tipos de presentes incluídos em sua conceptualização são aqueles que

foram ativamente procurados ou pedidos.

De forma resumida, um produto é considerado como não usado se: (1) não tiver sido

totalmente utilizado, ou se (2) tiver sido utilizado, algumas vezes, sendo que o período de

utilização é seguido pela ausência de uso. No último caso, considera-se tanto a quantidade

quanto o padrão de uso do produto. Isto significa que a sua não utilização é também considerada

como a descontinuidade de uso, seguida de um período de não utilização. Um produto usado

continuamente (mesmo que por um período menor que o esperado) por um tempo prolongado

não é considerado não uso para os autores. Para eles deve ficar implícito que no momento da

compra o indivíduo tinha a intenção de consumir o produto, mas por alguma razão não o fez

(BOWER; SPROTT, 1995).

Bower e Sprout (1995) sugerem que há dois níveis de decisão, divididas por ocorrerem

em momentos distintos: a decisão de compra e a decisão de consumo. Um exemplo desta

separação citada pelos autores ocorre quando se pede uma refeição em um restaurante. Nesta

situação também se está decidindo fazer a refeição naquele momento, além da decisão de

compra. A decisão de comprar um alimento no supermercado, no entanto, requer uma segunda

decisão de preparar e consumir o alimento, que ocorre em um momento diferente no tempo e

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

110

num ambiente distinto da primeira. Para Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) o não-uso pode

ocorrer porque a situação se altera ou o comprador muda de ideia entre a compra e a ocasião de

uso potencial.

Para criar sua taxonomia, Bower e Sprott (1995, p. 582) desenvolveram uma

categorização prévia do não uso “gerada a partir da introspecção dos pesquisadores”, para

ajudar na interpretação dos dados. A taxonomia proposta baseia-se em fatores ambientais,

quando as razões para o não uso estão além do controle do consumidor; e fatores de decisão,

quando estas razões estão sobre o dos consumidores. Como amostra os autores usaram 68

alunos de graduação, para os quais foi aplicado um questionário que continha três casos de não

uso, envolvendo vestuário (sapatos), alimentos (alface) e equipamentos de ginástica (sócios do

clube). A partir desses contextos os respondentes deveriam responder questões abertas para

descrever o produto, quando foi comprado, o preço, o grau de utilização, porque foi comprado,

porque não foi utilizado e o que aconteceu com ele. Em seguida eram apresentadas perguntas

com itens do tipo Likert (escala de 7 a 1), sendo elas: “Se você tivesse que fazer esta compra

de novo, você faria isso?" (Definitivamente sim/definitivamente não), e “Ficou satisfeito com

esta compra?” (Muito satisfeito/muito insatisfeito).

Os produtos destacados pelos respondentes como não usados foram separados em 7

categorias: (1) vestuário, com 46,3% das respostas, com exemplos como sapatos, vestidos e

laços; (2) equipamentos ou serviços de ginástica (9%), máquina de peso, filiação a academia de

ginástica, por exemplo; (3) Esporte e Lazer (10,4%), bastão de baseball, bicicleta, por exemplo;

(4) produto, os relacionados a música (4,5%), CDs, por exemplo; (5) alimentos (6%), iogurte,

alface, por exemplo; (6) produtos tecnológicos (6,0%), televisão, equipamentos de informática,

por exemplo e (7) produtos diversos (17,9%), lentes de contato, walk talkies, por exemplo.

Antes de se tornar não usados os produtos foram utilizados em média de 3,5 vezes.

Produtos usados duas vezes ou menos representavam 63,5% da amostra, 20,9% nunca chegou

a utilizar o produto, 19,4% usou uma vez e 19,4% utilizou o produto duas vezes. A quantidade

máxima de utilização foi de 20 vezes para uma bicicleta, um CD e um par de lentes de contato.

Quase 84% dos produtos foram mantidos pelos respondentes e em média os produtos 76

semanas antes. Os restantes dos respondentes haviam vendido o produto, jogou fora, doado ou

ele seu prazo de validade havia vencido.

A taxonomia de Bower e Sprout (1995) é então definida em dois fatores, definidos a

priori pelos autores: fatores ambientais, quando existem forças situacionais que podem ser

responsáveis pela a não utilização do produto e estão fora do controle do consumidor e; fatores

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

111

decisórios, aqueles que envolvem situações em que há um conflito entre as decisões de compra

e de consumo, gerada devido a alguma inconsistência no consumidor. Os fatores ambientais

podem contemplar forças tanto externas quanto diretamente relacionadas com o produto. As

forças externas estão relacionadas com alterações no ambiente externo, que impedem o

comprador de utilizar o produto no ambiente pretendido. Exemplo citado pelos autores é a

compra de uma passagem de avião para uma viagem de férias que não pode ser usada, pois a

pessoa adoece (BOWER; SPROTT, 1995).

O produto pode se tornar não usado devido a alterações ambientais, de tal forma que o

produto já não tem um contexto para ser utilizado. Por exemplo, quando se deixa de usar uma

bicicleta porque está chovendo ou fazendo frio e nunca mais se retoma o hábito, mesmo quando

o clima está favorável. As forças relacionadas ao produto referem-se, segundo os autores, a

falhas do produto, que pode ter se quebrado facilmente logo após a compra. Neste caso, ao

invés de consertar o bem, o consumidor prefere deixar de usá-lo, como no caso de um

condicionar de cabelo ou de um equipamento de informática que não deve o efeito desejado

pelo consumidor. Isso também pode ocorrer quando o consumidor muda a marca usualmente

comprada por outra (BOWER; SPROTT, 1995).

Os fatores decisórios referem-se, segundo os autores, as flutuações de preferências dos

consumidores, consideradas instáveis e suscetíveis a diversas mudanças. Bower e Sprout (1995)

afirmam que as pessoas devem tentar prever suas preferências no momento do consumo, já que

elas podem ser diferentes das preferências no momento da compra. Contudo, para os autores as

pessoas falham em determinar como suas preferências futuras poderiam ser. “O fato de que as

preferências futuras poderiam ser de alguma forma diferentes do que as atualmente

apresentadas é a base deste artigo”, afirmam os autores (BOWER; SPROTT, 1995, p. 584).

Uma vez que as decisões de compra e consumo são dois comportamentos diferentes, podem

potencialmente ter dois conjuntos diferentes de motivações. O não uso pode ser resultado,

então, de falha do consumidor em avaliar corretamente o produto antes da compra.

Duas categorias são destacadas por Bower e Sprout (1995) como pertencentes a este

tipo de não uso: a específica da compra e a compra inspirada em objetivos do consumidor. A

primeira inclui as situações em que o consumidor começou o processo de tomada de decisão

com base em um encontro direto com a situação de compra (por exemplo, uma grande redução

de preço). A segunda engloba todas as compras que feitas para satisfazer algum objetivo -

possivelmente permanente – do consumidor. A principal diferença entre as duas é que na última

há alguma necessidade ou desejo específico de pesquisa e avaliação do produto.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

112

O tipo de não uso relacionado a compra específica aborda as situações em que o

consumidor tomou uma decisão dentro do contexto de compra, como quando uma pessoa decide

levar um par de sapatos encorajada por seu/sua amigo(a) no ponto de venda. As razões da

inconsistência entre a tomada de decisão de compra e de consumo podem ser (1) influências

sociais, através de grupos de referência ou pressão social para aquisição ou consumo; (2)

influência da economia de preços, quando os produtos não usados foram comprados

principalmente por que havia desconto e; (3) perda potencial de oportunidade, em que a compra

se dá pela percepção de disponibilidade limitada do produto.

O não uso derivado das compras inspiradas em objetivos do consumidor é resultado em

algum objetivo individual. Dois tipos de objetivos são apresentados pelos autores como

relacionados a compra de produtos que não foram usados: objetivos restritos e objetivos

genéricos. Os objetivos restritos referem-se as compras de produtos específicos feitas para

solucionar uma necessidade peculiar, como o caso da compra de uma jaqueta mais leve que

uma de couro para proteger a informante do inverno, mas que não era quente o suficiente e

acabou sendo não usada. A diferença com a primeira categoria citada anteriormente é que nesta

casa a compra foi planejada – e a anterior não.

Os objetivos genéricos podem ser satisfeitos por diversos tipos de produtos e a compra

do produto não usado foi uma tentativa de alcançar esse objetivo. Os objetivos mais citados na

pesquisa foram perder peso e entrar em forma, compreendidos pelos autores como resultantes

de um self percebido como possível. Segundo os autores uma pessoa pode atribuir certos

comportamentos de consumo à tentativa de alcançar um self positivo, atingível. Selves possíveis

são esboçados a partir de experiências passadas, atividades atuais e o self previsto no futuro.

Desta forma, certos comportamentos de consumo estão relacionados com a tentativa de do

sujeito de alcançar esses selves positivos que ele pode vir a ter, bem como evitar selves

indesejáveis, aquilo que ele poderia se tornar, mas não quer. Portanto, a compra de

equipamentos de ginástica pode levar uma pessoa mais perto de seu self possível positivo,

devido a seu potencial percebido. Este “resultado esperado” pode motivar várias dessas

compras, afirmam os autores (BOWER; SPROTT, 1995).

Os autores indicam que as principais razões pelas quais as compras destinadas a

satisfazer objetivos caíram no não uso: a insatisfação com o produto, que pode até funcionar,

mas com o qual o consumidor não está satisfeito e, a motivação com o objetivo, pois quando os

produtos foram adquiridos para alcançar um objetivo, a motivação para alcança-lo pareceu ser

um importante elemento na motivação necessária para usar o produto. Em alguns desses casos,

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

113

os autores afirmam que o produto foi comprado como um meio para atingir o objetivo e em

outros foi comprado como uma iniciativa. A compra de equipamentos de ginástica que

poderiam ajudar a perder peso ou ficar em forma são um exemplo. Os respondentes também

citaram sua ocupação como a principal razão para não usar os produtos comprados, mas mesmo

nestes casos os autores julgaram que a falta de motivação era a principal causa do não, não a

falta de tempo.

Para Bower e Sprout (1995) comprar e usar não podem ser considerados a partir de um

ponto de vista causal. Em sua taxonomia somente produtos comprados são referidos como não

usos, o que limita sobremaneira a capacidade de análise do fenômeno. Acredita-se, contudo,

que não seja necessário haver um encadeamento entre compra e consumo, uma vez que nem

tudo o que é comprado é, de fato, consumido. Imaginar que todo bem comprado será usado é

desperdiçar a oportunidade de compreender uma faceta importante e comum do comportamento

dos consumidores.

Trocchia e Janda (2002) buscaram entender o não uso a partir de dois estudos

complementares, um qualitativo e outro quantitativo. No primeiro estudo os autores solicitaram

a alunos de uma universidade norte americana que escrevessem observações pessoais a respeito

de dois produtos ou serviços que eles tinham comprado, mas nunca usado (ou que sentia que

tinha sido subutilizado). Após essa etapa os autores treinaram alunos de pesquisa de marketing

para realizarem entrevistas com outros dois não alunos sobre não uso. Todos os alunos

receberam o mesmo roteiro de pesquisa e os respondentes deveriam falar sobre três produtos

ou serviços que seguisse os seguintes critérios: (1) ter sido comprado pelo próprio respondente;

(2) não ter sido usado ou que eles sentissem que o produto foi subutilizado e; (3) não tivessem

devolvido o produto a loja para reembolso.

A partir da avaliação de dois juízes e dos próprios pesquisadores foram descritas

categorias para explicar as motivações de compra e razões para o não uso. As motivações de

compra para produtos não usados foram:

a) Baixo custo: os entrevistados indicaram que preço baixo, promoções e liquidações

influenciavam sua decisão de compra. Muitos produtos que mais tarde se tornariam não

usados foram comprados primeiramente em função de seu preço baixo.

b) Autodesenvolvimento (aperfeiçoamento): o conceito de self ideal (ideal self) refere-se

ao conceito que o indivíduo faz da pessoa que ele gostaria de ser (SIRGY, 1980, 1982).

Uma vez que algumas pessoas possuem uma imagem ruim delas próprias, podem

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

114

comprar produtos com objetivo de melhorá-la. O conceito de self social ideal refere-se

a como os indivíduos gostariam de ser vistos pelos outros (SIRGY, 1980, 1982). Nesse

sentido os consumidores podem comprar certos produtos e serviços, como bolsas de

grifes famosas ou cirurgias plásticas para melhorar seus eus sociais ideais.

c) Substituição de compras regulares (experimentar): quando o consumidor decide trocar

a marca que compra normalmente e opta por outra ainda não conhecida, que pode acabar

sendo pior que a original e por isso não usada. Consumidores leais a uma marca, quando

forçados a comprar outra (por falta de estoque, por exemplo) ou quando compram para

experimentar uma nova, relataram que acabaram não usando os produtos comprados.

d) Respostas a promoções persuasivas: propagandas, demonstração em ponto de venda,

promotores, promoções e táticas de vendas estimulam a compra de produtos que estão

com desconto ou que oferecem alguma vantagem, mas que podem vir a não ser usados.

e) Impulsividade: compras impulsivas, não planejadas, que ocorrem sem a avaliação das

consequências, podem resultar em não uso.

f) Satisfatório: em algumas categorias os consumidores não querem gastar tempo

pesquisando sobre produtos e marcas e estão mais dispostos a achar uma marca que

acreditam ser boa o suficiente, mas não necessariamente a melhor. Futuramente eles

podem dar-se conta de que aquela não é a melhor opção e interrompem o uso do produto.

As razões para o não uso encontradas pelos autores referem-se a baixa percepção de

funcionalidade do produto, autoconsciência (vergonha em usar), preocupações com danos

físicos que o produto pode causar, falta de entusiasmo e mudanças na vida. Nota-se que as

motivações e as razões para não usar obtidas na etapa qualitativa da pesquisa de Trocchia e

Janda (2002) são bastante ligadas ao processo de tomada de decisão do consumidor. Isso parece

se justificar, uma vez que os autores realizam um segundo coorte quantitativo, usando o

primeiro para gerar fatores sobre o não uso que pudessem ser mensurados.

Nesta busca pela criação de fatores que compusessem o fenômeno do não uso os autores

parecem ter relegado o contexto em que seus informantes estavam inseridos, o que permitiria

compreender a relação sujeito-objeto. As razões listadas por Trocchia e Janda (2002) seguem o

modelo behavior-decision, ou seja, são razões práticas, lógicas e explicadas de forma racional.

Parece, contudo, haver uma preocupação em simplificar tais motivações e razões para o não

uso, quando, por exemplo, falam sobre a percepção de baixa funcionalidade, que pode ser uma

mistura de falta de prática do consumidor com o produto ou com a categoria, e a relação de

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

115

expectativa/desempenho do produto. Além disso, para explicar o não uso os autores falam e

dão exemplos de produtos específicos, o que pode ser limitar a entendimento do não uso. Corre-

se o risco de descrever o fenômeno de forma utilitária, como se só ocorresse para aqueles

produtos, limitando sua compreensão.

No segundo estudo, uma sorve com 253 participantes, foram aplicadas medidas multi-

itens estilo Likert de sete pontos, para motivação e razão de compra de produtos não usados. O

objetivo desta etapa, segundo Trocchia e Janda (2002) era encontrar os motivos e razões mais

frequentes, quantificar a relação entre eles dois e gerar a segmentação de consumidores baseada

no não uso. O instrumento de coleta tinha 37 relacionados a motivação e 39 relativos as razões

de não uso. A amostra tinha em média 34 anos, sendo 52% de mulheres, com renda média anual

de U$47.000. Os entrevistados foram orientados a lembrar de um produto ou serviço que

tivessem comprado nos últimos dois anos, em que houve falha no consumo ou que eles sentiam

que tinha sido sub consumida.

Os autores encontraram sete fatores que representavam motivações de compra:

autoindulgência, autodesenvolvimento, satisfatório, compras por impulso, influência de

vendedores, compras não intencionais, aquisição de competências. As compras por impulso

foram a principal motivação para o não uso de produtos, seguida de satisfatório, que representa

situações em que o consumidor estabelece marcas que boas o bastante, mas não

necessariamente a melhor. A aquisição de competências, ou seja, a compra motivada pelo

desejo de desenvolver alguma forma de expertise em um determinado campo, foi terceiro

motivo de compra mais relevante. O autodesenvolvimento foi o quarto motivo e reflete uma

atenção do consumidor para melhorar a si próprio fisicamente, mentalmente ou

emocionalmente. Os outros três fatores foram autoindulgência, quando os indivíduos fizeram

compras para apresentar-se aos outros de forma positiva; compras não intencionais, quando

foram comprados itens que originalmente o consumidor não procurava e; influência de

vendedores, fator que indica a disposição de condescendência para com a argumentação de

vendedores.

Nove fatores caracterizaram as razões para o não uso, segundo Trocchia e Janda (2002):

preocupação com ferimentos/danos, dificuldades de uso, expectativas não atendidas, razões

contingenciais, deslocamento de posses atuais, falta de entusiasmo, desapontamento com

resultados, dificuldades de manutenção, dificuldades de uso e autoconsciência. O

desapontamento com os resultados de um produto comprado foi a mais proeminente razão para

o não uso de produtos, o que indica uma frustração sentida pelo consumidor em relação aos

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

116

resultados que ele havia antecipado com o uso do produto. A segunda razão mais importante

destacada pelos entrevistados foi a falta de entusiasmo, que reflete situações nas quais o

interesse dos consumidores no produto diminuiu depois da compra. O terceiro fator foram as

expectativas não atendidas, que indicam um gap as expectativas pré-coma a e a realidade pós-

compra.

A quarta e quinta razões para não uso foram dificuldades de uso e de manutenção do

produto, que tratam, respectivamente, da crença do consumidor de que o produto é mais difícil

de usar do que ele esperava e, de que a limpeza e conservação são mais onerosas do que havia

sido antecipado. Razões contingenciais foram apontadas como a sexta razão e dizem respeito

aos sentimentos individuais que influencias externas afastam o indivíduo do uso do produto. O

deslocamento de posses atuais representa a falha em usar o produto tanto porque o sujeito possui

outros com esse ou porque tem medo de que ele seja roubado, enquanto a autoconsciência

corresponde ao medo de que o uso do produto transmita uma imagem negativo do indivíduo, e

foram as sétimas e oitavas razões para o não uso, respectivamente. A última razão para o não

uso indicada pela pesquisa foi a preocupação com ferimentos/danos, que tem a ver com o temor

de que o produto faça mal ao usuário.

As relações entre motivos e razões para não uso são indicadas no Quadro 6 e apontam

que houve 18 correlações entre os fatores.

Quadro 6 – Correlação entre motivos e razões para não uso

Motivações

Co

mp

ras

po

r

imp

uls

o

Infl

uên

cia

de

ven

ded

ore

s

Co

mp

ras

não

inte

nci

on

ais

Aq

uis

ição

de

com

pet

ênci

as

Au

toin

du

lgên

cia

Au

tod

esen

vo

lvi

men

to

Sat

isfa

tóri

o

Razões

Preocupação com

ferimentos/danos

Dificuldades de uso

Expectativas não

atendidas

Razões

contingenciais

Deslocamento de

posses atuais

Falta de entusiasmo

Desapontamento com

resultados

Dificuldades de

manutenção Negativo

Dificuldades de uso

Autoconsciência

Fonte: Adaptado de Trocchia e Janda (2002, p. 199)

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

117

A compra por impulso está relacionada com duas razões de não uso: expectativas não

atendidas e autoconsciência. A influência de vendedores relaciona-se ao desapontamento com

resultados esperados do produto. As compras não intencionais estão fortemente correlacionadas

com falta de entusiasmo e autoconsciência, enquanto a aquisição de competências liga-se com

dificuldades de uso. A autoindulgência, está relacionada com preocupação com

ferimentos/danos, dificuldades de uso, razões contingenciais e autoconsciência. Também está

negativamente correlacionada com dificuldades de manutenção.

O Autodesenvolvimento, que surgiu como uma motivação particularmente relevante

para compra de equipamentos de ginástica e de saúde, tem conexão com preocupação com

ferimentos/danos, razões contingenciais, falta de entusiasmo e desapontamento com resultados.

A motivação satisfatória, por sua vez, está correlacionada com autoconsciência e

desapontamento com resultados.

Trocchia e Janda (2002) encerram seu artigo indicando que a venda de produtos não

usados pode ajudar as empresas, mas há um grande potencial de devoluções associadas ao não

uso. Segundo os autores os benefícios de curto prazo advindos da venda de produtos não usados

podem ser perdidos pelos custos de longo prazo associados ao boca-a-boca negativo feito pelos

consumidores da marca. Para as empresas que pensam em criar relacionamentos com seus

clientes pensar na forma como os consumidores usam ou não usam os produtos é uma maneira

de estabelecer relacionamentos de longo prazo. Os autores não falam em porque as pessoas

mantêm os produtos, restringindo-se a compra como consequência única do não uso.

La Branche (1973) discute os sentimentos dos consumidores para com objetos

negligenciados. O autor chama de coisas abandonadas, que “falam por nós” (LA BRANCHE,

1973, p. 163), contando as histórias do não uso de forma autobiográfica, que os próprios sujeitos

ajudam a construir. Os indivíduos contribuem ativamente para as histórias dos objetos e

incorporam-nas a suas próprias narrativas. Desta forma, as coisas não usadas têm um lugar nas

narrativas de uso criadas pelas pessoas. A vida de uma coisa não usada e do que se considera

como coisas inúteis ajudam a sustentar o mundo do indivíduo.

Para Chirumilla (2014) o não uso só existe porque existe a possibilidade de uso. Ele não

pode ser compreendido em sua plenitude e não existiria se não houvesse uma comparação e um

confrontamento com uma ampla gama de possibilidades de atividades e práticas que poderiam

ter sido pensadas para o termo “uso” em relação aquele bem (CHIRUMAMILLA, 2014). Para

a autora o termo não uso implica uma relação dialética entre o caráter dos objetos materiais que

estão determinados a ser “inúteis”, e as condições culturais e sociais que delineiam os estados

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

118

de “inutilização”. Assim, o não uso não existe sem as amplas possibilidades de ações e práticas

de uso para determinado bem.

Para a autora o não uso pode ser visto como um estado, uma prática que esquematiza os

limites da utilidade dos objetos materiais na vida cotidiana. O uso de um objeto particular é

determinado por sua utilidade percebida. A utilidade, por sua vez, não é uma categoria estável,

mas uma questão relacional. Chirumamilla (2014) aponta que a utilidade é uma coisa dada,

impressa no objeto por estruturas sociais ou pessoais. Pensar sobre o não uso implica envolver

uma espécie de disputa com o dinamismo e relacionalidade do que usar constitui.

Com a apresentação dos trabalhos que tratam do não uso na literatura encerra-se as

contribuições do campo de pesquisa para esta tese. No próximo capítulo serão apresentadas as

estratégias metodológicas empregadas nesta pesquisa.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

119

3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Neste capítulo apresenta-se o posicionamento paradigmático e teórico da tese, sua

vertente de pesquisa, as técnicas de coletas de dados empregadas, a descrição da unidade de

estudo, bem como a técnica de análise dos dados utilizadas.

3.1 Posicionamento Paradigmático

Uma tese de doutorado é um processo de amadurecimento profissional, acadêmico e

pessoal. Esta tese, especialmente, contribuiu para formação de uma pesquisadora mais segura

de suas opiniões e escolhas teóricas e metodológicas. Para realizar uma pesquisa com o fôlego

exigido por uma tese de doutorado é necessário que se compreenda e elejam posições sobre

uma série de atividades, que podem receber rótulos como teoria, metodologia, ontologia,

epistemologia e análise. Sustentando essas estruturas está “a biografia pessoal do pesquisador,

o qual fala a partir de uma determinada perspectiva” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 32). O

ponto de partida desta tese, ou seu posicionamento paradigmático, pode ser compreendido no

trecho destacado a seguir:

[...]não existe nenhuma janela transparente de acesso à vida íntima de um indivíduo.

Qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe

social, da raça e da etnicidade. Não existem observações objetivas, apenas

observações que se situam socialmente nos mundos do observador e do observado –

e entre esses mundos. Os sujeitos, ou indivíduos, dificilmente conseguem fornecer

explicações completas de suas ações ou intenções; tudo o que podem oferecer são

relatos, ou histórias, sobre o que fizeram e por que o fizeram. Nenhum método é capaz

de compreender todas as variações sutis na experiência humana contínua (DENZIN;

LINCOLN, 2006, p. 33).

Isso significa dizer que a pesquisa realizada nesta tese conta tanto a experiência dos

pesquisados quanto a experiência do próprio pesquisador. Esta última, a partir de suas

vivências, aborda o mundo segundo um conjunto de princípios que une crenças e ideias

formando um esquema que lhe ajuda a compreender a natureza da realidade. Essa rede original

leva a questões acerca de como se conhece o mundo (ontologia); qual a relação existente entre

o pesquisador e o conhecido (epistemologia) e como se adquire conhecimento sobre o mundo

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

120

(metodologia). O conjunto esquemático que orientam as ações de pesquisa, composto pelas

premissas éticas, ontológicas, epistemológicas e metodológicas (GUBA; LINCOLN, 1994)

pode ser denominado, segundo Denzin e Lincoln (2006), de paradigma. Guba e Lincoln (1994,

p. 105) afirmam que “as questões relacionadas ao método são secundárias às questões do

paradigma, as quais definimos como o sistema de crenças básicas ou a visão de mundo que tem

o papel de guiar o investigador, não apenas nas escolhas de métodos, mas em aspectos

ontológica e epistemologicamente essenciais”.

Os paradigmas lidam com os princípios fundamentais do pesquisador, sendo compostos

de suas crenças e atuando como um “bricoleur interpretativo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.

163). Eles refletem as perspectivas comuns entre os grupos de teóricos e pesquisadores de tal

forma que podem ser considerados úteis para aproximar pesquisas, demarcando-as dentro das

mesmas problemáticas. Isso, contudo, não implica em pensamentos absolutos, pois dentro do

contexto de cada paradigma há diversos debates entre os pesquisadores que adotam diferentes

pontos de vista. Há, no entanto, uma certa unidade entre eles, de forma que alguns pressupostos

básicos são assumidos como certezas e devem ser mantidos. Fundamentalmente, são estes

pressupostos que separam os teóricos de um paradigma dos teóricos de outros paradigmas,

sendo que a unidade em torno dos paradigmas se refere as alternativas visões sobre a realidade

(BURREL; MORGAN, 1979; KUHN, 1998).

Com o objetivo de compreender a realidade como ela é e captar a natureza fundamental

do mundo social de acordo com experiências subjetivas, esta tese encontra-se situada dento do

paradigma interpretativista (BURREL; MORGAN, 1979), também chamado de construtivista

ou hermenêutico (GUBA; LINCOLN, 1994; DENZIN; LINCOLN, 2006). O interpretativismo

tem como orientação a busca pela concepção de mundo a partir da experiência das pessoas, sob

o seu ponto de vista. Os estudos situados neste paradigma acomodam-se dentro de ontologias

relativistas (em que existem múltiplas realidades), de epistemes subjetivista, segundo as quais

investigador e pesquisados trabalham juntos na criação dos sentidos, e de métodos naturalistas

(JAPIASSU, 1992; GUBA; LINCOLN, 1994; VERGARA; CALDAS, 2005). O paradigma

interpretativista “abraça um amplo espectro de pensamentos filosóficos e sociológicos que

compartilham a característica comum de tentar compreender e explicar o mundo social a partir

do ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais” (VERGARA; CALDAS, 2005,

p. 68).

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

121

O objeto de estudo dos interpretativistas são os indivíduos, suas intenções e valores, sua

situação, sua história, enfim, sua subjetividade (JAPIASSU, 1992). Nesta tradição busca-se

compreender os significados percebidos pelos sujeitos da pesquisa através dos relatos de suas

experiências voltando-se para as expressões sobre as percepções que ele próprio tem daquilo

que está sendo pesquisado (COLTRO, 2000). Para Schwandt (2006) o que diferencia a ação

social humana do movimento dos objetos físicos, por exemplo, é o fato de que a primeira é

inerentemente significativa do ponto de vista interpretativista. Isso ocorre de tal forma que, para

que uma ação social seja compreendida é imperativo que o pesquisador entenda o significado

que a constitui. Assim, uma ação significativa possui necessariamente algum conteúdo

intencional que aponta seu significado ou o sistema de significados ao qual ela pertence. O

processo de compreensão e interpretação, ou ainda, “para encontrar significado em uma ação,

ou para afirmar que se entende o que uma determinada ação significa” (SCHWANDT, 2006, p.

196) exige que se interprete o que os pesquisados estão fazendo.

Intencionalismo, análise fenomenológica, jogo de linguagem e hermenêutica filosófica

formam as origens teóricas do interpretativismo (SCHWANDT, 2006). Apesar de haver pontos

de divergência, as abordagens da compreensão interpretativista possuem em comum

características que fundamentam este paradigma, sendo elas: (a) consideram a ação humana

significativa; (b) são fieis e estão eticamente comprometidas com a experiência de vida e; (c)

enfatizam a subjetividade em relação ao conhecimento, sem com isso sacrificar a objetividade

do conhecimento. Assim, percebe-se que o interpretativismo visa entender o sentido subjetivo

da ação social, mas de forma objetiva. Os significados interpretados ou reconstruídos pelos

pesquisadores são tomados como os significados originais da ação, que por sua vez é o objetivo

principal dos interpretativistas: “reconstruir as autocompreensões dos atores engajados em

determinadas ações” (SCHWANDT, 2006, p. 196). Consolidadas as perspectivas ontológica e

epistemológica da pesquisa parte-se para a definição de sua vertente, apresentada a seguir.

3.1.1 Vertente de Pesquisa

A vertente de pesquisa deste estudo segue as abordagens qualitativas, que atravessam

disciplinas, campos e temas. “Em torno do termo pesquisa qualitativa, encontra-se uma família

interligada e complexa de termos, conceitos e suposições” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 16),

entre eles as diversas perspectivas e métodos de pesquisa relacionados aos estudos culturais e

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

122

interpretativos (PRASAD, 2005; BELK, 2006). De forma genérica, a pesquisa qualitativa é uma

atividade situada, que localiza o observador no mundo e consiste em uma série de práticas

materiais e interpretativas que em conjunto dão visibilidade ao ambiente que se está analisando

(PRASAD, 2005; CRESWELL, 2010; DENZIN; LINCOLN, 2006). As práticas, que incluem

notas de campo, entrevistas, conversas, fotografias, gravações e lembretes, transformam o

mundo observado pelo pesquisador numa série de representações (GIBBS, 2010), que buscam

aprofundar a compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição ou de

uma trajetória (GOLDENBERG, 2001).

Segundo Denzin e Linconln (2006) a pesquisa qualitativa compreende abordagens

naturalistas, ou seja, tratamentos nos quais os pesquisadores envolvem-se em estudar “as coisas

em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos

significados que as pessoas a eles conferem” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).

Pesquisadores qualitativos dão ênfase (a) à natureza socialmente construída da realidade, (b) às

limitações das situações que influenciam a pesquisa e (c) a profunda relação estabelecida entre

o eles e seus objetos de estudos (DENZIN; LINCOLN, 2006). São os valores da investigação

que merecem destaque, de forma que são buscadas soluções que expliquem o modo como a

experiência social dos pesquisados é criada e como adquire significado. Logo, em se tratando

de uma tese que aplica uma pesquisa de vertente qualitativa sobre consumo, usou-se a

advertência de Slater (2002, p. 39) como uma máxima:

se não quisermos que a escolha de teorias da cultura do consumo [...] sejam reduzidas

a uma questão de mera preferência do consumidor, elas também precisam ser

compreendidas como parte de uma história.

Assim, acreditando que as estruturas sociais e culturais são variantes sob as quais não

há padrões e regularidades empíricas (DENZIN; LINCOLN, 2006) os dados qualitativos são

interpretados com as lentes da cultura que os significados assumem para o pesquisador e com

o entendimento dos consumidores sobre as situações a eles colocadas (THOMPSON; POLLIO;

LOCANDER, 1989; 1994). O resultado da pesquisa não é, assim, fruto da observação pura e

simples, mas de um diálogo negociado a partir dos pontos de vista do pesquisador e dos

pesquisados (GOLDENBERG, 2001).

Contudo, colocar-se no lugar do pesquisado e captar dele o seu entendimento sobre o

fenômeno em questão pode trazer em si inúmeras dificuldades ao pesquisador, pois além de já

estar imerso no campo, ele traz, inerentemente, sua própria história e pontos de vista a essa

nova relação estabelecida com o pesquisado. Nessa perspectiva, em que os significados

emergem do engajamento do pesquisador com as realidades do mundo, e na qual os significados

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

123

não são descobertos, mas construídos (HOGG; MCLARAN, 2008), faz-se necessário

considerar a reflexividade (GUBA; LINCOLN, 1994). Ver as coisas dessa forma implica em

considerar que objeto e sujeito emergem como parceiros na geração de significado e que o

pesquisador é parte desse processo (HOGG; MCLARAN, 2008), ou seja, envolve uma reflexão

sobre os caminhos trilhados pelo pesquisador ao analisar, questionar e até mesmo se

reposicionar no campo e em relação aos temas pesquisados (OLIVEIRA; PICCININI, 2009).

Considerar a reflexividade indica que o pesquisador se esforça para reconhecer sua

posição no campo, relativizando-a. Indica também uma dimensão ética de sua ação, expressa

no respeito aos informantes na condução da pesquisa, no tratamento dos dados coletados e na

apresentação dos resultados (GUBA; LINCOLN, 1994; OLIVEIRA; PICCININI, 2009).

Demonstra ainda que o pesquisador compreende que ele próprio se modifica com o campo,

fazendo com que os dados coletados sejam também modificados em cada entrevista

(BOURDIEU; WACQUANT, 2002). Claro que nesse processo dialético é importante refletir

sobre as inconsistências dos dados coletados (GASKELL, 2002). Numa pesquisa com uma

vertente qualitativa do tipo exploratória, que parte de uma lógica indutiva, ser reflexivo permite

estar mais preparado para desenvolver análises eticamente relevantes (OLIVEIRA;

PICCININI, 2009). Apesar dessa necessária reflexão sobre o papel do pesquisador na pesquisa,

Spiggle (1998) lembra que na atualidade é preciso ir além da reflexividade e colocar-se no

campo como autor de sua pesquisa.

Como forma de organizar e estruturar os dados coletados autores como Badot et al.

(2009), Stake (2011), Desjeux (1998; 2011) entre outros têm proposto um olhar em diferentes

escalas de observação para o campo de pesquisa. Estas escalas se diferenciam em níveis macro,

meso e micro analítico e seriam uma desfragmentação da realidade que vão do geral para o

específico, divergindo assim divisão empregada pelas áreas da economia e psicologia, nas quais

os fatos sociais, tais como o consumo, são vistos como atos individuais. A escala de observação

macrossocial compreende o nível da sociedade, que se preocupa com as classes, os modos, os

estilos de vida, as culturas e os sistemas sociais (DESJEUX, 1998; 2011; STAKE, 2011). Neste

nível surgem as grandes regularidades resultantes de quatro dimensões que estruturam a maior

parte das sociedades contemporâneas: as estratificações sociais, os sexos, as idades e as culturas

(DESJEUX, 1998; 2011). As pesquisas sobre classes sociais são, para Desjeux (2011), centrais

neste nível e o autor destaca os trabalhos Bourdieu na França e Douglas e Isherwood na Grã-

Bretanha.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

124

No nível meso social os fatos são analisados a partir de uma perspectiva ampla, relativa

à distribuição de bens e serviços em lojas, comércios em geral, serviços públicos e privados,

passando pelo uso e descarte (DESJEUX, 2011). Este nível de análise está centrado “nos atores

sociais em interações estratégicas num sistema de ação institucional” (DESJEUX, 2011, p.114),

nos quais se relacionam grupos de pressão, governos e empresas. Na escala microssocial, por

sua vez, adota-se uma perspectiva aprofundada e aproximada, em que se visualizam as

interações entre os sujeitos e seu contexto (CAMPOS, 2010; STAKE, 2011). As pesquisas

micro sociais versam sobre o papel dos bens de consumo na construção de casais, famílias,

comunidades, etc. (BADOT et al, 2009). Para Stake (2011) a criação de teoria que utiliza o

conhecimento coletivo pode ser considerada macro pesquisa, enquanto os estudos relacionados

ao indivíduo são micro. Nas palavras deste autor é “a visão geral versus o detalhe” (STAKE,

2011, p. 28), e desta forma, estudos macro em geral são baseados na combinação de dados

quantitativos de grupos grandes analisados à distância, enquanto os micros tendem a procurar

casos pessoais. Adotou-se nesta tese uma escala micros social para análise do consumo de bens

não usados.

Outro ponto importante a ser destacado, quando se trata de pesquisa qualitativa, diz

respeito a sua natureza indutiva, ou seja, a característica intrínseca a este tipo de investigação,

que busca observar o mundo particular dos sujeitos para então criar proposições acerca de seus

comportamentos (HOPKINSON; HOGG, 2006). Busca-se o entendimento de condutas situadas

no tempo e no espaço, ligadas aos contextos sociais e culturais (BELK, 1995). Esta lógica

permite que os dados surpreendam o pesquisador, que usa a literatura não como um guia fixo

que direciona o campo, mas como uma ferramenta para compreensão dos padrões e categorias

encontrados nas pesquisas, nos dados coletados (MOISANDER, VALTONEN, 2006). Para

Moisander e Voltonen (2006) o que deveria caracterizar a natureza indutiva da pesquisa

qualitativa é a análise meticulosa dos dados. As autoras lembram que é importante reconhecer

que a análise é influenciada e mesmo parcialmente possibilitada por suposições dos

pesquisadores sobre a realidade social na qual estão inseridos. Neste sentido, o pesquisador está

inevitavelmente ligado a uma rede epistemológica e a premissas ontológicas que se consolidam

na pesquisam e a auto validam. Os pesquisadores qualitativos deveriam, portanto, começar com

uma perspectiva teórica e metodológica e escolher métodos e dados que dessem conta da

estrutura e permitissem a compreensão do significado dos dados dentro dessa perspectiva.

Segundo as autoras, demarcar os dados dentro de um esquema analítico-teórico bem

articulado ajuda o pesquisador a evitar tal equívoco, opinião seguida por Belk (2006). Por

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

125

teoria, Moisander e Valtonen (2006) compreendem um conjunto de conceitos que oferecem

uma maneira de olhar para o fenômeno pesquisado que orientaria e tornaria possível a

compreensão dos fatos. Desta forma, o esquema analítico-teórico e a revisão da literatura de

estudos indutivos devem ser suficientemente abertos e flexíveis para ser distendidos e

reestruturados no processo de construção teórica, já que as abordagens indutivas oportunizam

e estimulam a construção de modelos, conceitos e/ou proposições teóricas a partir dos dados

obtidos no campo (OLIVEIRA, 2009; CHARMAZ, 2009). Como forma de elucidar as

contribuições teóricas propostas é conveniente apresentar o campo de conhecimento no qual

ela se situa, a Consumer Culture Theory.

3.1.2 Consumer Culture Theory

Os estudos do consumo a partir de abordagens culturais são realizados desde os anos

1980 nas áreas de administração, marketing e consumo (HIRSCHMAN, 1993; BELK, 1995;

GOULDING; 1999; ØSTERGAARD; JANTZEN, 2002; ARNOULD; THOMPSON, 2005b;

GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012; KASSARJIAN; GOODSTEIN, 2010), tendo recebido

diversos e diferentes nomes e classificações em relação as epistemologias e metodologias que

empregavam. Em comum estes trabalhos possuíam o fato de não seguirem a linha estritamente

Positivista, com sua visão de mundo realista, um relativo determinismo olhar sobre as relações

humanas e o uso de métodos de pesquisa baseados em protocolos sistemáticos e técnicos; tão

pouco a linha Idealista, baseada no espírito e nas ideias, que destaca essencialmente a

subjetividade da natureza humana e emprega métodos ideográficos (BURREL; MORGAN,

1979). Eram um “meio de campo” entre essas duas vertentes tão tradicionais de pesquisa, e que

assim como outras ciências sociais (MILLER, 1987), mesclavam procedimentos de ambas as

tradições e de outras, tais como Interpretativismo, Fenomenologia, Hermenêutica, entre outras

de origem qualitativa.

No ano de 2005 Eric Arnould e Craig Thompson publicaram um artigo chamado

Consumer Culture Theory (CCT), em que propuseram unificar estes procedimentos, tradições

e métodos, caracterizados como uma nova corrente de pesquisa, denominada por eles mesmos

como CCT (PINTO; LARA, 2009). A CCT “refere-se a uma família de perspectivas teóricas

que tratam das relações dinâmicas entre as ações dos consumidores, o mercado e os significados

culturais” (ARNOULD; THOMPSON, 2005b, p. 868). Ao invés de tratar da cultura como um

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

126

sistema homogêneo de significados coletivamente compartilhados, modos de vida e valores

unificadores compartilhados por membros da sociedade, a CCT busca explorar as diferenças e

diversidades de significados existentes num contexto social, assim como os inúmeros grupos

culturais (ARNOULD; THOMPSON, 2005b). Os “estudos em cultura do consumo destacam

os arranjos sociais em que as relações entre recursos sociais e cultura, e entre formas de viver

significativas e os recursos materiais e simbólicos dos quais estas formas dependem, são

mediadas pelo mercado” (ARNOULD; THOMPSON, 2005b, p. 869). Segundo Arnould e

Thompson (2005b), as pesquisas em CCT encorajaram investigações de aspectos contextuais,

simbólicos e experienciais existentes num ciclo de consumo, que inclui a aquisição, o consumo,

a posse e os processos de disposição, através de perspectivas macro, meso e micro de análise.

A CCT tem um posicionamento ideológico que explora a diversidade de significados e

a multiplicidade de grupos culturais sobrepostos dentro de um contexto sócio histórico mais

amplo (ARNOULD; THOMPSON, 2005b). Segundo Arnould e Thompson (2005b) antes da

criação da marca CCT havia uma extensão produção em pesquisas do consumo caracterizadas

como alternativas, pós-positivistas, interpretativistas e pós-modernas. Estas nomenclaturas

mais atrapalhariam do que ajudariam a clarear o entendimento sobre estas tradições de pesquisa,

que teriam em comum a teorização sistemática de aspectos socioculturais, experiência,

simbólicos e ideológicos do consumo. Arnould e Thompson (2005b) oferecem a CCT como

uma forma integrativa das perspectivas teóricas que abordam as relações dinâmicas existentes

entre as ações de consumo, as estruturas de mercado, os significados culturais, as inúmeras

formas de reprodução ideológica e resistência do consumidor (ARNOULD; THOMPSON,

2005b). A CCT não é, salientam os autores, uma grande teoria unificada, muito embora

represente uma pluralidade de abordagens teóricas distintas que compartilham uma orientação

teórica comum para o estudo da complexidade cultural (ARNOULD; THOMPSON, 2007).

A CCT vem apresentando mesmo antes de sua criação uma produção crescente de

trabalhos voltados à cultura do consumo (GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012), já tendo journals

especializados na área, tais como o Consumption, Markets and Culture, criado em 1997, e o

Journal of Consumer Culture, lançado em 2001. Além disto, desde 2006, acontece anualmente

a Consumer Culture Theory Conference, evento dedicado a troca de experiências e

compartilhamento de ideias entre pesquisadores envolvidos com a cultura do consumo (PINTO;

LARA, 2009; GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012). Frente a estas escolhas definiram-se as

estratégias de pesquisa, que contemplam os métodos e técnicas de coleta de dados empregados,

apresentados a seguir.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

127

3.2 Estratégias de Pesquisa

“All is data”

(GUMMESSON, 2005, p.314).

Refletindo sobre a citação de Gummesson (2005) e considerando a lógica indutiva

inerente ao processo de pesquisa (MOREIRA, 2009), a coleta de dados foi realizada em três

fases distintas, entre os anos de 2012 e 2016, conforme descrito no Quadro 7. Nesta seção será

explicado como foram realizados os procedimentos de coleta de dados, quais foram as técnicas

empregadas para gravação dos dados e será caracterizada a unidade de estudo obtida em cada

uma das três fases. Ademais, serão apresentados os passos realizados em cada uma das três

fases de coleta de dados realizada nessa tese de doutorado.

Quadro 7 – Fases da Coleta de Dados

FASE TÉCNICA EMPREGADA COLETA DE DADOS TEMÁTICA DA PESQUISA

1

Desk Research Dados de Mercado Não Uso

Netnografia 10 blogs Não Uso de Maquiagem

Entrevista em Profundidade: História

de Vida, Técnica Projetiva,

Observação, Fotografias.

6 entrevistas Não Uso de Esmaltes

2

Entrevista em Profundidade: História

de Vida, Técnica Projetiva,

Observação, Fotografias

15 entrevistas Não Uso de Vestuário, Sapatos

e Acessório

3

Grupo Focal 6 participantes Não Uso

Entrevista em Profundidade: História

de Vida, Técnica Projetiva,

Observação, Fotografias

14 entrevistas Não Uso

Fonte: Da autora.

Discute-se a seguir cada uma das fases de coleta de dados, considerando-se as estratégias

metodológicas empregadas, o perfil da unidade de estudo e a técnica de coleta de dados.

3.2.1 Fase 1: Conhecendo o Não Uso

O tema do não uso apresentou-se desde o início dos trabalhos como um grande desafio,

não só por encontrar-se numa área de muitas fronteiras teóricas, mas também por não ser um

conceito claramente definido. Na primeira fase da pesquisa foram realizadas três diferentes

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

128

técnicas de pesquisa, com objetivo de esclarecer o conceito de não uso. Assim, antes do início

da coleta de dados primários optou-se por fazer uma breve incursão em dados secundários

através de uma desk research (MALHOTRA, 2006). Justamente por ser um conceito insólito

para as pesquisadoras, logo no começo da coleta a pesquisa limitou-se à investigação de três

produtos dentro da categoria de Higiene e Beleza, sendo eles, esmaltes, perfumes e maquiagens

(ABIHPEC, 2011). Justifica-se as razões pelas quais esta categoria e os produtos esmaltes,

perfumes e maquiagens foram escolhidos inicialmente como objetos de pesquisa pelos

seguintes aspectos:

a) Sua relevância econômica mundial, já que este é um segmento que cresce em média

15% ao ano (EUROMONITOR, 2016) e o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor

do mundo (EUROMONITOR, 2016).

b) O uso de produtos cosméticos ser um hábito entre mulheres brasileiras (CASOTTI;

SUAREZ; CAMPOS, 2008), ou seja, não seria difícil encontrar informantes dispostas

a falar sobre seus hábitos de consumo nessa categoria.

c) Pesquisas indicam que os cosméticos eram usados pelos antigos romanos (PALÁCIOS,

2004), mas, além disso, questões como corpo jovem (GOLDENBERG, 2011),

preservação da juventude eterna (LIPOVETSKY; SERROY, 2011), manter a forma

física (BAUMAN, 2007) e tratar/cuidar do corpo de forma a mantê-lo ou torná-lo

atraente (NOVAES, 2010), surgem como preocupações cotidianas de parte da sociedade

brasileira e mundial.

d) A experiência da pesquisadora e da orientadora com a categoria de produtos, em

decorrência dos estudos de mestrado da pesquisadora (VANZELLOTTI, 2007), os quais

apontavam o não uso como uma consequência da compra de cosméticos anti-sinais, e

de diversas publicações da orientadora (ver SUAREZ; CAMPOS; CASOTTI, 2006;

CASOTTI; SUAREZ; CAMPOS, 2008; SUAREZ; CASOTTI; ALMEIDA, 2008;

CASOTTI; CAMPOS, 2011; BORELLI; CASOTTI, 2012; FONTES; BORELLI;

CASOTTI, 2012).

e) A Cátedra L’Oreal Paris/Coppead, que em parceria com o Coppead, tem fomentado e

viabilizado pesquisas na área de Estudos de Consumo.

Assim, o caminho da pesquisa foi inicialmente investigar dados secundários dos

mercados brasileiros e internacional de esmaltes, perfumes e maquiagens em relação a tamanho,

grupos estratégicos, concorrência, perfil de compradores e consumidores, quando se realizou

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

129

também uma análise de macroambiente. Após a coleta dos dados secundários deu-se início a

pesquisa de dados primários, ainda considerando os mesmos produtos (esmaltes, maquiagens e

perfumes). Por sua natureza, a pesquisa qualitativa possui uma multiplicidade de métodos

(PRASAD, 2005; BELK, 2006), que atuam como um conjunto de atividades interpretativas que

não privilegiam nenhuma prática em relação a outra. Empregada em muitas disciplinas, a

pesquisa qualitativa não tem um pacote de métodos inteira e exclusivamente seus

(CRESWELL, 2011).

Frente a esse panorama, foram aplicados diferentes métodos de pesquisa visando

responder ao desafio de encontrar os significados do não uso. A segunda etapa da Fase 1,

empregou a metodologia netnográfica (KOZINETS, 1997; 1998; 1999; 2002; 2006; 2007;

2010), para compreender os discursos públicos do não uso, principalmente pela observação do

discurso textual presente em blogs. Dez blogs foram analisados para compreensão do discurso

usado para o não uso de maquiagens, sendo eles:

http://balaiohype.wordpress.com

http://www.enjoei.com.br

http://www.useimeucartao.com.br

http://brechodapat.blogspot.com.br/

http://www.bazarbeaute.com/

http://bazarclickchic.blogspot.com.br

http://www.useimeucartao.com.br

http://sweetestpersonblog.com

http://compreienaousei.blogspot.com.br

http://naouseitovendendo.blogspot.com.br

A principal questão que levou a netnografia foi que, ao realizar a desk research, foram

vistos alguns blogs nos quais pessoas comuns - usuárias de maquiagens que criaram sites para

compartilhar sua paixão por esses produtos e o universo que envolve as maquiagens (usos,

truques, usabilidades etc.) - vendiam em seus sites na internet maquiagens anunciadas como

compradas e nunca usadas. Sabe-se que as metodologias apropriadas à investigação do

ciberespaço ainda são embrionárias nas ciências sociais (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,

2011). Contudo, destaca-se nesse contexto a proposta de Kozinets (1997; 2007), que busca

aplicar técnicas etnográficas às pesquisas de comportamento do consumidor em ambientes

virtuais. A esse conjunto de procedimentos o autor denominou de netnografia, termo que tem

sido amplamente utilizado pelos pesquisadores da área de marketing e administração, enquanto

o termo etnografia virtual tem sido usado pelos pesquisadores da área da antropologia e das

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

130

ciências sociais (FRAGOSO; AMARAL; RECUERO, 2011; POLIVANOV, 2013). Tratam-se

de descrições oriundas de trabalho de campo em comunidades online, sejam elas chats, fóruns,

redes de relacionamento, blogs etc. Estas comunidades são mediadas por computadores e

estabelecem comunicações e relações ocorridas de forma singular no ciberespaço. O trabalho

de campo consiste na descrição textual de observação das interações sociais dos indivíduos,

realizada através da internet, porém metodologicamente conduzidas pelas tradições e técnicas

da antropologia cultural (KOZINETS, 1998).

De qualquer forma, Kozinets (2002, 2006) sugere que para se realizar uma netnografia

com rigor metodológico os seguintes procedimentos devem ser atendidos: (a) fazer uma entrada

cultural na comunidade escolhida, ou seja, identificar quais são os fóruns mais apropriados para

responder às questões de pesquisa e estuda-los a fundo; (2) coletar e analisar os dados; (3)

certificar-se de que a interpretação do pesquisador seja fidedigna; (4) conduzir a pesquisa de

forma ética; e (5) fornecer aos membros da comunidade analisada a oportunidade de feedback.

Os dados coletados advêm de duas fontes: das comunicações, posts, recados, discussões etc.

entre os membros da comunidade escolhida; e dos registros e observações (diário de campo)

feitas pelo pesquisador, indicando suas reflexões sobre o campo (KOZINETS, 2002; 2007).

Assim como nas técnicas qualitativas, também na netnografia a coleta e a análise dos dados

ocorrem simultaneamente (KOZINETS, 2002; GUMMESSON, 2005; GIBBS, 2011). Críticas

à parte (especialmente ao emprego do termo etnografia), esta técnica tem se mostrado útil para

viabilizar estudos sobre a cultura do consumo em ambientes virtuais (ver BROWN;

KOZINETS; SHERRY JR, 2003; HOGG; CURASI; MACLARAN, 2004; NELSON; OTNES,

2005; SCARABOTO, 2006; BARTL; HÜCK; RUPPERT, 2009; DA SILVA; MARIA, 2010;

CHOI; RHA, 2010; LIM; LYU, 2012; CRUZ; ROSS, 2012; RAGEH; MELEWAR;

WOODSIDE, 2013; WEIJO; HIETANEN; MATTILA, 2014; SINDHWANI; AHUJA, 2014).

Nesta etapa da pesquisa, que buscou compreender o significado da venda de produtos

de maquiagem não usadas em blogs na internet, a netnografia foi empregada buscando preservar

o contexto do ambiente virtual. Uma vez que é necessário ter o consentimento dos informantes

para expor suas informações a respeito de qualquer tipo de conteúdo produzidos por eles

(KOZINETS, 2006), serão apresentadas aqui somente a descrição dos blogs, sem nenhuma

identificação de suas proprietárias, já que não houve participação da pesquisadora nos blogs,

apenas observação dos posts e dos comentários das seguidoras.

Ainda na primeira fase, a etapa seguinte consistiu-se em uma pesquisa de campo, com

coleta de dados primários, através das técnicas de entrevista em profundidade (MOISANDER;

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

131

VALTONEN, 2006; MCCRACKEN, 1988; RUBIN; RUBIN, 2005), história de vida

(BROWN; HIRSCHMAN; MACLAREN, 2001; JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002), técnica

projetiva (HAIRE, 1950) e observação participante (BURAWOY, 1998). A entrevista

qualitativa em profundidade é um método de coleta de dados amplamente empregado em

pesquisas qualitativas (GASKELL, 2002), sendo considerado um dos mais importantes dentro

do arsenal exploratório (MCCRACKEN, 1988). Assim, em uma conversa direta e pessoal (que

pode se aproximar de uma interação cotidiana) busca-se captar o universo mental do

entrevistado (MCCRACKEN, 1988), com o objetivo de entender o seu comportamento. Seu

caráter aberto, pautado por questões iniciais, que buscam informações e categorias não previstas

pelo entrevistador, tornam esse instrumento bastante diferenciado daqueles utilizados em

entrevistas estruturadas (DENZIN; LINCOLN, 2006).

O roteiro de entrevista, um documento semiestruturado (MCCRACKEN, 1988), foi

organizado em cinco momentos, conforme o pode ser visto no APÊNDICE 1 - ROTEIRO

FASE 1. O primeiro momento servia como um quebra-gelo, quando se perguntava sobre hábitos

de consumo e perfil das entrevistadas. Em seguida foi utilizada a técnica de história de vida

(DENZIN,1978; MATOS, 2010), na qual buscou-se compreender como os produtos

pesquisados se inseriam na vida das consumidoras. Elas foram perguntadas sobre fatos e

histórias marcantes dos produtos em suas vidas, na tentativa de identificar-se a mescla entre os

contextos de suas experiências subjetivas e os contextos temporais marcantes (DENZIN, 1978)

relacionados ao consumo de cosméticos.

O terceiro momento da entrevista explorava o processo de tomada de decisão de compra

de maquiagens, esmaltes e perfumes. Apesar da opção por uma lógica indutiva, na qual iniciou-

se o campo em busca de dados que fundamentassem a construção do conceito de não uso

(CHARMAZ, 2009), naquele momento inicial a abordagem escolhida para estruturar a

entrevista em profundidade partiu de uma perspectiva cognitivista (HIRSCHMAN;

HOLBROOK, 1982; HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982; AHTOLA, 1985; HUDSON;

OZANNE, 1988; ARNOULD; THOMPSON, 2005b; PRASAD, 2005; ROCHA; FERREIRA;

SILVA, 2013), uma vez que os estudos disponíveis sobre não uso apontavam nessa direção

(BOWER; SPROTT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002). Partia-se de aspectos de

reconhecimento de necessidades, passava-se pela busca e avaliação de informações até chegar-

se a compra. O uso e os aspectos pós-compra eram o tema seguinte, quando se exploravam

situações e ocasiões de uso.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

132

Apesar de o não uso ter sido discutido em diferentes momentos, a terceira parte do

roteiro buscava aprofundá-lo. O momento seguinte explorava o processo de compra e consumo

de maquiagem, buscando-se elucidar o planejamento e os elementos antecessores à compra, a

experiência de compra, e os momentos vivenciados após a compra. Em seguida foi realizado

um exercício projetivo (HAIRE, 1950) no qual era apresentada a personagem Amanda, uma

jovem apaixonada por maquiagem e que em algum momento precisava mudar de casa e se via

obrigada a descartar parte de seus produtos de maquiagem. A técnica projetiva foi escolhida

nesta pesquisa por permitir o acesso a questões subjacentes, não estruturadas e por vezes

inconscientes do consumidor (BELK; GER; ASKEGGARD, 1997; 2003), tal como revelou-se

o fenômeno do não uso. A projeção possibilita a obtenção de descrições sobre como

determinadas sensações são experimentadas (BELK; GER; ASKEGGARD, 2003). A técnica

pretendia servir como gatilho para que as entrevistadas revelassem comportamentos e

sentimentos subjacentes. Ao falar de uma terceira pessoa, esperava-se que não houvesse

preocupações com respostas socialmente aceitas em relação a comportamentos compulsivos e

impulsivos, relacionados ao não uso pela teoria analisada naquele momento (BOWER;

SPROTT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002).

No roteiro eram destacados alguns itens que deveriam ser observados durante a visita a

residência das entrevistadas, tais como onde as coisas não usadas eram guardadas, como

estavam armazenadas, se estavam reunidas com outros itens e se estavam ou não organizadas.

Esse processo de observação foi acompanhado de fotos, tirados pela pesquisadora durante as

visitas. A pesquisa seguiu uma ordem: a entrevista era realizada na sala, sem a presença dos

produtos e utilizando o roteiro como base para a conversa. Logo após o fim da entrevista, pedia-

se a informante que mostrasse onde os produtos eram guardados, como eram organizados e

quais eram os mais usados e os não usados. Nesta parte foram tiradas fotografias do quarto e

dos produtos. Durante a entrevista a rotina na casa das entrevistadas foi observada, bem como

sua relação com os demais presentes na casa (mãe, irmãos e empregados). Essas observações,

indicadas por Burawoy (1998) como parte essencial do trabalho de campo, também fizeram

parte dos dados analisados.

A definição do perfil dos entrevistados foi feita com base na pesquisa realizada por

Casotti, Suarez e Campos (2008). As pesquisadoras afirmam que as mulheres lidam com a

beleza de forma diferente, dependendo da idade em que se encontram, de forma que alguns

grupos podem ser claramente identificados. O grupo escolhido, chamado pelas autoras de “O

Momento é Agora” é formado por mulheres entre 17 e 25 anos, que estão no início da vida

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

133

adulta. Caracteriza-se pela preocupação com o presente, com o agora: ainda não estão

preocupadas com o envelhecimento. Por isso usam produtos com resultado imediato, como

sabonetes para reduzir a oleosidade e cremes para espinhas. O tempo dedicado aos cuidados

com a beleza é o menor entre todos os grupos identificados e poucos cosméticos são

identificados e fazem parte da rotina.

Justifica-se a escolha deste grupo pelo fato de seus membros estarem descobrindo

hábitos de consumo e formando opinião sobre rotinas e hábitos ligados a beleza. As pessoas

neste grupo ainda não sofreram ações marcantes do tempo sobre o corpo e ainda conservam

características juvenis. Os sentimentos e as preocupações em relação ao futuro estão mais

evidentes que nos outros grupos, pois é um período de formação de carreira e família. As

pessoas (especialmente mulheres) nesta idade já têm consciência de que o tempo existe, que o

envelhecimento apesar de distante é real e que ações de prevenção precisam ser tomadas.

Na primeira fase foram realizadas seis entrevistas em profundidade, conforme mostra o

Quadro 8, entre os meses de setembro e novembro de 2011, que totalizaram 64 horas de

gravação em áudio, 86 fotos e 15 páginas de anotações (diário de campo). As entrevistadas,

todas do sexo feminino, tinham idades entre 19 e 21 anos, eram estudantes e moradoras da

cidade do Rio de Janeiro e de Niterói. Foram agendadas doze entrevistas e realizadas seis, visto

que 6 pessoas desistiram de participar da pesquisa. Todas as entrevistas dessa fase foram

gravadas em áudio e vídeo e tiveram duração média de 62 minutos.

Quadro 8 – Perfil das Entrevistadas Fase 1

Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO PRODUTO

1 Tan 21 Niterói Estudante de Administração Esmalte e Perfume

2 Jo 21 Flamengo Estudante de Administração Maquiagem

3 Cal 20 Recreio Estudante de Administração Esmalte e Maquiagem

4 Bia 19 Barra Estudante de Administração Maquiagem

5 Ju 20 Barra Estudante de Administração Maquiagem

6 Tar 20 Barra Estudante de Comunicação Maquiagem

Fonte: Da autora

Para recrutar os informantes utilizou-se duas estratégias. Primeiramente fez-se um

comunicado em salas de aula de graduação dos cursos de Administração e Publicidade, com

alunos de terceiro e quarto semestre. Os alunos que se interessavam pela pesquisa informavam

seus dados. A estes foi enviado um e-mail (APÊNDICE 4 - Email de Recrutamento Fase 1)

convidando-as a participar de entrevistas que deveriam ser realizadas em suas casas.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

134

A pouca idade das entrevistadas foi um dos itens importantes para o recrutamento, dado

que este estudo se baseou na pesquisa de Casotti, Suarez e Campos (2008) para formar seu

público-alvo. Todas eram estudantes da ESPM - RJ e autodeclaradas como apaixonadas por

esmaltes, maquiagens ou perfumes. No recrutamento pergunta-se em sala de aula quais alunas

gostaria de participar da pesquisa, indicando-se que para isso era necessário ter produtos que

não eram usados. Também se pedia que as candidatas tivessem muitos produtos, o que se

mostrou como algo de pouca relevância para a compreensão do fenômeno do não uso.

Cinco entrevistadas eram estudantes do curso de Administração e uma do curso de

Comunicação Social - Publicidade. As entrevistadas desta primeira fase moravam com seus

pais e possuíam empregada doméstica, que estava presente na casa durante a entrevista. Em

algumas entrevistas as mães estavam em casa e acompanharam a conversa, participando e

“esclarecendo” questões que, segundo elas, as filhas estavam respondendo inadequadamente.

O ambiente das entrevistas foi bastante descontraído e informal, o que permitiu um clima de

proximidade entre a pesquisadora e as informantes. As residências das entrevistadas eram, em

geral, confortáveis e bem localizadas, evidenciando seu poder de compra e indicando que elas

pertenciam as classes econômicas mais altas. Outro indicativo desde fato é que todas falaram

sobre compras realizadas fora do país - especialmente nos Estados Unidos e na Europa.

A classe econômica também foi indicada pela observação dos espaços da casa. Todas

as entrevistadas possuíam um quarto só para elas, sempre cuidadosamente decorado,

misturando motivos que indicavam a transição da adolescência para a idade adulta, conforme

pode ser visto nas Figura 6. Além de um quarto individual observou-se também banheiro de

uso pessoal individual, com exceção de uma entrevistada, que compartilhava o banheiro com a

irmã. Duas entrevistadas possuíam um closet para uso exclusivo.

Figura 5 – Quarto Jo, 21 Fonte: Coleta de Dados Fase 1

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

135

Percebe-se que tanto o quarto de Cal quanto o de Jo ainda são decoradas com alguns

brinquedos e ambas possuem computador para uso pessoal.

Figura 6 – Quarto Cal, 20

Fonte: Coleta de Dados Fase 1

Em nossas visitas a casa estava sempre bastante limpa e arrumada, tal como os quartos

das meninas. Podia-se perceber que elas haviam arrumado seus quartos esperando a visita das

entrevistadoras. Isso fez com que víssemos seus produtos sempre organizados e compostos, o

que pode não ser estado normal. A organização era inclusive comentada pelas próprias

entrevistadas, que indicavam ter se preparado para a entrevista. Ao mostrar os produtos, durante

a visita ao quarto, elas indicavam que nem sempre suas maquiagens estavam assim tão

arrumadas, mas que haviam sido adequadamente ajeitadas para a entrevista. O lugar onde os

produtos eram guardados era bastante organizado, sendo comum o uso de caixas ou estojos para

acondicioná-los. Este fato também pode ter tornado o cenário da pesquisa artificial, já que as

informantes se prepararam para a entrevista, mas não parece descartar a importância da

categoria de produtos para suas vidas. Além disso, a organização dos produtos permitiu que os

produtos não usados ficassem evidentes, já que instintivamente eles foram organizados

conforme as estratégias de uso (muitos usados, usados eventualmente, não usados). Na fase

seguinte da pesquisa ampliamos o contexto do não uso para produtos de vestuário, conforme

será visto a seguir.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

136

3.2.1 Fase 2: Ampliando o campo

Durante a primeira fase de coleta de dados o campo revelou que as entrevistadas falavam

com frequência e entusiasmo de outros produtos não usados: suas roupas, sapatos, bolsas e

acessórios. O vestuário surgiu na Fase 1 como um elemento importante do não uso e isso

justificou uma segunda etapa de pesquisa. Desta rodada foram feitas modificações importantes

tanto em relação ao roteiro de pesquisa, visto que já tínhamos algum conhecimento do não uso,

quanto em relação ao perfil das informantes.

A faixa etária das entrevistadas foi ampliada, buscando abranger diferentes estágios de

vida e incorporar também o grupo identificado por Casotti, Suarez e Campos (2008) como “O

Tempo Existe”, composto por mulheres que começam a entender a relevância e a necessidade

de gerenciar seu tempo, conciliando compromissos pessoais, profissionais e acadêmicos. Elas

ainda são jovens e estão vivenciando a primeira década de trabalho, construindo sua carreira

profissional. Entre essas mulheres há a noção de que o tempo é excasso e que é necessário

administra-lo. Os sinais do tempo surgem especialmente em relação ao corpo, com o

aparecimento de manchas, cabelos brancos e desgaste da pele. Elas têm em torno de 30 anos e

estão sensibilizadas em relação a seus corpos.

Com esse perfil definido como alvo da segunda fase, o recrutamento foi realizado por

bola de neve, segundo a qual os entrevistados são recrutados a partir da relação pessoal do

pesquisador e de sua rede de contatos. São contatadas pessoas dispostas a indicar outros

conhecidos de sua própria rede, o que, segundo Becker (1993), pode conferir confiabilidade ao

pesquisador. Foram agendadas vinte entrevistas e realizadas quatorze, visto que seis pessoas

desistiram de participar da pesquisa, conforme indica do

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

137

Quadro 9.

O roteiro da entrevista foi dividido em cinco momentos, conforme o APÊNDICE 2. No

primeiro perguntava-se sobre hábitos de consumo e perfil das entrevistadas. Em seguida

utilizou-se a técnica de história de vida, na qual buscou-se compreender como os produtos

pesquisados se inseriam na vida das consumidoras. Foram perguntadas sobre fatos e histórias

marcantes dos produtos em suas vidas.

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

138

Quadro 9 – Perfil das Entrevistadas Fase 2

Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO

CIVIL

1 Tati 24 Charitas – Niterói Contadora Casada

2 Mari 20 Icaraí – Niterói Estudante Administração Solteira

3 Mila 20 Tijuca Estudante Administração Solteira

4 Gabi 19 Tijuca Estudante de Comunicação Solteira

5 Cela 20 Tijuca Estudante Engenharia Produção Solteira

6 Manu 37 Barra Administradora Divorciada

7 Giuli 21 Tijuca Estudante ADM Solteira

8 Lu 22 Tijuca Estudante Administração Solteira

9 Lau 21 Botafogo Estudante Administração Solteira

10 Madu 20 Tijuca Estudante Direito Solteira

11 Nina 22 Cosme Velho Publicitária Solteira

12 Fer 25 Tijuca Veterinária Casada

13 Analu 24 Botafogo Estudante Comunicação Solteira

14 Lala 21 Vila Valqueire Estudante Moda Solteira

15 Pati 21 Ilha do Governador Publicitária Casada

Fonte: Da autora.

As informantes eram todas mulheres, com idades entre 19 e 37 anos, moradoras da

cidade do Rio de Janeiro e de Niterói. Os dados foram coletados através de entrevistas em

profundidade realizadas na casa das informantes. Foram realizadas quatorze entrevistas em

profundidade, que totalizaram 10 horas de gravação em áudio, 124 fotos e 28 páginas de

anotações (diário de campo). As pesquisas foram gravadas em áudio e vídeo e tiveram duração

média 45 minutos. Todas elas foram transcritas, resultando em 189 páginas.

As entrevistas eram divididas em dois momentos: no primeiro havia uma conversa na

sala da casa da informante e no segundo havia uma visita ao quarto dela, para que as

entrevistadoras pudessem registrar fotos e observar o ambiente do qual se estava falando. As

fotografias dos quartos e dos guarda roupas eram um dado bastante importante da pesquisa,

dado que permitiam a observação do modo de vida da informante. Das quatorze entrevistadas

apenas duas não permitiram que visitássemos seus quartos. Uma delas alegou que estava muito

desorganizado e, portanto, não queria se expor. Pedimos a ela que tirasse fotos do ambiente e

nos mostrasse, contando como era o quarto. A outra entrevistada informou que a casa onde

estávamos fazendo a entrevista era a casa de sua avó e ela não morava ali, estava somente

passando uns dias. Assim, não tivemos acesso a suas roupas e itens de vestuário.

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

139

Apesar da ampliação do perfil das informantes e da mudança do escopo de pesquisa, foi

necessário realizar ainda mais uma fase de pesquisa, na qual o não uso foi abordado livremente,

em relação a uma categoria exclusiva de produtos ou serviços. A Fase 3 descreverá essa etapa,

na qual foram entrevistadas mulheres do Rio de Janeiro e de Porto Alegre sobre seus não usos

de forma geral.

3.2.2 Fase 3: Delimitando o Não Uso

Uma terceira etapa de pesquisa foi realizada buscando-se delimitar o não uso. Para isso

foram realizados um grupo focal e entrevistas em profundidade. Nesta etapa da pesquisa optou-

se por uma nova forma de entrada no campo, mais amadurecida e condizente com o momento

do processo de doutoramento. As mudanças principais foram relacionadas ao instrumento de

coleta, conforme pode ser visto no APÊNDICE 3 e também ao perfil das informantes, ilustrado

nos Quadros10 e 11.

O grupo focal ocorreu na cidade do Rio de Janeiro e foi realizado na casa da

pesquisadora, com seis participantes, todas mulheres. As mulheres foram recrutadas também

pelo sistema de bola de neve (BECKER, 1993), selecionadas a partir do contato da pesquisadora

com duas amigas, que convidaram mais duas outras amigas cada. No grupo foram debatidos

temas mais abrangentes sobre o não uso, como tipos de produtos não usados, motivos para

compra desses produtos, razões para não os usar e consequências do não uso.

O grupo durou aproximadamente duas horas, tendo sido gravado em áudio e vídeo.

Foram oferecidos petiscos e bebidas às participantes, que também receberam uma caixa de

bombom como agradecimento pelo tempo dedicado a pesquisa. Essa técnica de pesquisa

permitiu um aprofundamento da pesquisa no contexto do não uso, o que havia sido limitado até

então pela restrição em relação a categoria de produto. Percebe-se que o grupo serviu como um

ponto de inflexão no processo de coleta de dados, permitindo a penetração na natureza

constituinte do fenômeno do não uso.

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

140

Quadro 10 – Perfil das Entrevistadas Grupo Focal

Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO CIVIL

1 Mina 26 Botafogo Estatística Solteira

2 Gica 31 Tijuca Psicóloga e Pedagoga Solteira

3 Reca 32 Grajaú Psicóloga Solteira

4 Vica 31 Tijuca Administradora e Contadora Solteira

5 Sassá 34 Copacabana Pedagoga Solteira

6 Tita 24 Maracanã Estudante de Administração Solteira

Fonte: Da autora.

Após a realização do grupo focal, que resultou em 1h53m de gravação, 38 páginas de

transcrição e quatro páginas de anotações pessoais, a análise dos dados passou a tomar forma.

As participantes do grupo falaram abertamente sobre seus não usos, relevando aspectos que

ainda não haviam sido citados na pesquisa, como o não uso de livros, de eletrodomésticos, de

serviços – academia de ginástica, cursos de línguas, clube, etc. –, entre outros. Trouxeram

também a relação entre não uso e a história de vida de cada uma delas, contando sobre a

influência de familiares no processo de não uso. Elas também trouxeram os caminhos

percorridos pelos produtos não usados, fatores que levam ao não uso e procedimentos

empregados em produtos não usados.

A partir desse momento a pesquisadora ficou mais sensível ao fenômeno do não uso e

passou a registrar também conversas informais com amigos, familiares e colegas de trabalho.

Quando se faz uma tese é comum que as pessoas próximas perguntem sobre o andamento do

trabalho e sobre o tema da pesquisa. Ao apresentar o tema do não uso, diversas pessoas se

interessavam pelo assunto e contavam espontaneamente suas histórias pessoais. Essas

conversas, ocorridas em almoços, no intervalo de aulas e em momentos de lazer foram anotadas

num diário de campo, que registrava também memorandos analíticos da pesquisa com análises

iniciais. Foram mais de 30 relatos de pessoas que falaram sobre objetos não usados e suas

relações com eles. Esse material resultou em dois cadernos de 50 páginas completos e repletos

de anotações e sistematizações sobre o não uso.

Para detalhar a conversa feita no grupo focal foi realizada a última etapa de coleta de

dados, utilizando-se da técnica de entrevista em profundidade com 14 mulheres na cidade de

Porto Alegre, cujo perfil pode ser visto no Quadro 11.

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

141

Quadro 11 – Perfil das Entrevistadas Fase 3

Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO

CIVIL

1 Dona 42 Alto Petrópolis Professora Universitária – Relações Públicas Casada

2 Lia 28 Belém Velho Cientista Atuarial Casada

3 Cica 32 Moinhos de Vento Estudante de Artes/Cabeleireira União

Estável

4 Luca 36 Petrópolis Fisioterapeuta Casada

5 Ruth 60 Petrópolis Empresária e Costureira Viúva

6 Bibi 34 Petrópolis Administradora Casada

7 Tata 38 Três Figueiras Empresária Divorciada

8 Val 53 Jardim do Salso Professora e Fonoaudióloga Casada

9 Dora 26 Menino Deus Bacharel em Moda Solteira

10 Mara 27 Petrópolis Estudante de Design Solteira

11 Gaga 31 Cidade Baixa Doutoranda em Ciências de Materiais Solteira

12 Nana 31 Bonfim Cenógrafa Solteira

13 Dani 40 Moinhos de Vento Estilista Divorciada

14 Mana 27 Chácara das Pedras Publicitária Solteira

Fonte: Da autora.

As entrevistas nessa fase também foram diferentes das fases iniciais em função do

roteiro de pesquisa, que pode ser visto no APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3. As entrevistas

tinham entre 26 e 60 anos de idade e foram recrutadas também por bola de neve, o que implicou

na escolha de mulheres de uma faixa etária bastante ampla. A pesquisadora pediu a alguns de

seus alunos de graduação que indicassem pessoas de suas redes e que tivessem algum produto

que não usassem. Novamente não foi difícil encontrar pessoas com o perfil desejado.

As entrevistas foram todas realizadas na casa das informantes e tiverem duração média

de 53 minutos. Todas as conversas foram gravadas em áudio e transcritas, resultando em 198

páginas. As entrevistas foram realizadas na sala ou na cozinha da casa das informantes, que

após responderem as questões da pesquisadora eram solicitadas a mostrar os produtos não

usados que haviam sido mencionados. Quatro entrevistadas se recusaram a mostrar os produtos.

Duas aceitaram tirar foto elas mesmas dos produtos com o equipamento da pesquisadora. Uma

trouxe os produtos não usados para sala e outra, que estava com a casa em reforma deixou que

se fotografasse apenas um dos produtos que ela citou como não usados.

Percebeu-se que neste grupo de entrevistadas o não uso relacionado com diversos tipos

de produtos e serviços, tal como havia sido no grupo focal. Isso possibilitou o adensamento do

conhecimento sobre o não uso e permitiu uma visão inclusiva de suas particularidades. A seguir

são apresentados os procedimentos de análise de dados.

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

142

3.3 Análise dos Dados

A pesquisa qualitativa é ainda caracterizada pela simultaneidade entre coleta, análise e

interpretação de dados (GUMMESSON, 2005; STAKE, 2011). Com esta difícil tarefa – de

coletar e analisar ao mesmo tempo – foi-se ao campo sabendo-se que esta fase contribui

sobremaneira para os primeiros insights da pesquisa. Gibbs (2010) sugere que se façam

anotações, que ele chama de memorandos, como forma de iniciar o processo de análise dos

dados.

Memorandos são anotações das ideias analíticas que vão surgindo ao longo da pesquisa.

Devem ser mantidas separadamente dos dados coletados (transcrições, observações, notas de

campo, documentos coletados etc.), pois é preciso que o pesquisador se mantenha

fundamentado nos dados, portanto, na hora de analisar, precisará saber diferenciar os dados de

seus próprios comentários. Aqui optou-se por fazer anotações de pensamentos analíticos sobre

os códigos, que proporcionaram esclarecimento e orientação durante a codificação. Muitas

vezes eles continham ideias e amplas discussões que foram ser incluídas na discussão final do

trabalho (GIBBS, 2010).

Nestes memorandos buscou-se manter as descrições no nível conceitual, evitando-se

falar de características de indivíduos, a não ser como exemplos de conceitos gerais. Uma vez

que a coleta de dados resultou em abundante material a ser analisado foram, eles foram

estruturados para serem apresentados de forma eficiente. O método escolhido para construir tal

estrutura foi a análise de conteúdo (FRANCO, 2008; BARDIN, 2016).

A análise de conteúdo é uma técnica apurada, que exige do pesquisador dedicação,

paciência e tempo. Analisar dados qualitativos envolve o emprego de intuição e imaginação,

além de criatividade para definição de categorias. De tal forma isso é verdade, que disciplina e

perseverança são essenciais (FREITAS; CUNHA; MOSCAROLA, 1997). Descrever as

mensagens verbais, gestuais, silenciosas, figurativas, documentais, diretamente provocadas ou

não, pode ser um trabalho árduo que, se mal interpretado ou ignorado, pode resultar em

resultados falsos e em ferramentas acadêmicas inúteis. (FRANCO, 2008). Logo, uma análise

de conteúdo tem de considerar categorias temáticas, sintática, léxicas e expressivas, ou seja,

persistir em ponderar pequenas nuances, para que um estudo significativo seja realizado

(BARDIN, 2016).

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

143

A primeira etapa do processo de análise de dados ocorreu com a descrição dos

memorandos e dos diários de campo já mencionados. Logo após as entrevistas foram transcritas

por profissional contratado para este fim. Com todas as entrevistas foram transcritas, obteve-se

232 laudas com espaçamento simples. A transcrição do grupo de foco resultou em 42 laudas.

Os dados foram lidos para que houvesse a compreensão e redução em categorias a priori (dadas

pelos objetivos da pesquisa) e categorias nativas. Os dados coletados pela observação

auxiliaram na formação e entendimento das categorias, bem como as fotografias coletadas. Este

material foi enviado ao software MaxQDA, empregado para auxiliar no processo de codificação

e categorização, processo que “consiste em extrair sentido dos dados de texto e imagem”

(CRESWELL, 2010, p. 194).

Bardin (2016) organiza em três fases o processo de análise de conteúdo, sendo elas: 1)

pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na pré-analise fez-se a organização do material, com objetivo de torna-lo operacional,

sistematizando as ideias iniciais. Aqui foi realizada uma leitura flutuante, a demarcação do que

seria analisado e a determinação de recortes de texto nos documentos de análise. Na segunda

fase o material foi explorado buscando-se definir categorias (sistemas de codificação), a

identificar as unidades de registro (segmento de conteúdo considerado como unidade base) e

das unidades de contexto (corresponde ao segmento da mensagem, a fim de compreender a

significação exata da unidade de registro). Os memorandos foram incorporados a análise nessa

fase, através da junção com as unidades de contexto. Na terceira foi destinada ao tratamento

dos resultados, quando se destacaram as informações para análise, culminando nas

interpretações. Este é o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica, afirma Bardin

(2016).

Com as categorias esboçadas foi realizado o processo que Gummesson (2005) chama

de comparação, ou seja, as interpretações dos dados foram comparadas com a literatura

existente, resultado de pesquisas anteriores exploradas nas contribuições do campo de pesquisa.

Essa comparação contínua contribui de um processo de dar sentido aos dados e permite a

criação de padrões formados e transformados em conceitos, categorias e eventualmente em

teoria. Num sentido amplo é possível considerar que a análise de dados visa compreender,

sintetizar e teorizar sobre os temas pesquisas (GOULDING, 1999).

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

144

4 ACHADOS DO CAMPO

Neste capítulo são apresentados os principais achados resultantes dos esforços de

pesquisa reunidos durante as três fases de coleta de dados descritas no Capítulo 3. Os achados

são discutidos a partir dos objetivos específicos propostos e das informações obtidas no campo.

O conceito de não uso é delineado, seguido de suas principais características definidoras e

delimitadoras. São discutidos os caminhos que conduzem ao não uso a partir de aspectos como

a pré-aquisição, a aquisição e o consumo. O reconhecimento do não uso é descrito a seguir,

quando são trazidos os tipos de não usos. Os procedimentos de organização dos objetos nos

espaços domésticos das informantes são descritos visando explorar, descrever e compreender

significados do não uso.

4.1 Construção do Conceito de Não Uso

A primeira questão que se levanta ao se analisar o não uso é o que ele significa. A

definição de não uso oferecida na literatura ainda apresenta lacunas expressivas, como, por

exemplo, a importância dada pelas pessoas aos seus objetos não usados. Assim sendo, a

primeira categoria dessa análise preocupa-se em caracterizar o não uso. Para isso, é oferecida,

inicialmente, uma definição baseada tanto na literatura quanto na análise dos dados coletados

no campo. Busca-se com isso descrever a essência do fenômeno.

Para compreender o não uso definimos o que ele não é. O não uso que se busca

compreender nesta pesquisa não é ideológico como o anticonsumo (CHERRIER, 2009; LEE et

al., 2011; DALMORO, PEÑALOZA, NIQUE, 2014); não é um transtorno, como a acumulação

e a compulsão (CHERRIER E PONNOR, 2010); não é não comprar como forma de resistência

ao consumo (PEÑALOZA; PRICE, 1993; IZBERK-BILGIN, 2010), tampouco é uma rejeição

ao consumo (HOGG; BANISTER; STEPHENSON, 2009). Não usar não é desfazer-se,

descartar ou dispor dos bens (JACOBY, BERNING; DIETVORST, 1977; YOUNG;

WALLENDORF; 1989; ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005) e não diz

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

145

respeito aos objetos que se inter-relacionam e são comprados com intuito de exibição, como no

caso das coleções (BELK, 2001; SLATER, 2001; BAUDRILLARD, 2006; SILVA, 2010).

O não uso aproxima-se dos conceitos de abandono e manutenção de bens. Ele

compartilha as definições de abandono (HOGG, 1998; SUAREZ, CHAUVEL, CASOTTI,

2012; SUAREZ, CHAUVEL, 2012; SUAREZ, 2014), mas difere desse conceito, uma vez que

o consumir não abre mão da posse. O não uso está relacionado com a manutenção de objetos a

despeito de suas funcionalidades ou utilidades (EPP; PRICE, 2010; CSIKSZENTMIHALYI;

ROCHBERG-HALTON, 1981). Trata-se da vontade de ter, manter e guardar bens (CURASI;

ARNOULD; PRICE, 2007; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004) que podem ser especiais ou

simplesmente foram esquecidos (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989), mas com os quais

o consumidor ainda está apegado – e dos quais não quer se desfazer (WALLENDORF;

ARNOULD, 1988; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995; KLEINE; BAKER, 2004;).

Construímos o conceito de não uso como manter a posse de produtos/serviços não

usados considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou

emocionais com o objeto. Com essa definição, estabelecemos alguns importantes princípios.

Primeiramente, o conceito aqui sugerido afirma que o não uso não é definido pela usabilidade

funcional do produto. Os bens não usados podem funcionar ou não, mas, ainda assim, são

mantidos pelo sujeito. Diferentemente do que propõem outros trabalhos sobre o tema (BOWER;

SPROUT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002; WANSINK; BRASEL; AMJAD, 2000),

segundo os quais o não uso está diretamente relacionado à funcionalidade do produto percebida

pelo indivíduo, nossa pesquisa indica que coisas não usadas podem ainda estar funcionando

perfeitamente, mas não “cabem” (KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995) na vida atual ou

projetada do proprietário.

O segundo ponto relevante do conceito definido é que objetos não usados não são

descartes. Nosso conceito de não uso pressupõe necessariamente a manutenção de objetos. Para

Young e Wallendorf (1989) manter, armazenar, alugar ou emprestar são métodos de posse e

uso contínuo ao invés de métodos de disposição. Dispor de bens pressupõe o desapego deles

em relação ao senso de self, o que não ocorre no não uso. Produtos não usados são, ainda, parte

de seus proprietários, que se sentem ligados aos bens não usados física ou emocionalmente.

Além disso, o não uso assume outra diferenciação em relação ao conceito de descarte.

Apesar de, muitas vezes, os consumidores manterem objetos não usados distantes ou afastados

de si, os bens não usados ainda fazem parte da identidade do sujeito. Os descartes, por sua vez,

são encarados como desapegos, sendo oriundos de um processo que pode levar instantes ou

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

146

anos para se desenvolver, e que pressupõe o distanciamento da noção de self. No não uso, por

sua vez, o desapego não aparece, apesar de poder haver afastamento físico, dado que o sujeito

pode armazenar seus objetos não usados em diferentes locais – que as entrevistas sugerem variar

de acordo com a importância dada ao bem.

A manutenção de coisas não usadas, à qual nos referimos, implica a utilização de locais

domésticos, próximos ao sujeito, para armazenar bens não usados. As coisas não usadas vão

para armários, sótãos, caixas, garagens, cantinhos, áreas de serviço etc., que servem como

instalações de armazenagem, onde ficam seguras. Elas podem ser mantidas lá por tanto tempo

quanto for necessário: até que mudem de status – de não uso para uso ou para descarte – ou,

quando for preciso mudá-las de lugar, como no caso de uma mudança, por exemplo.

No conceito proposto de não uso destacamos a relevância da posse, ou seja, do

sentimento experimentado pelo sujeito de que o objeto é seu. Os dados da pesquisa revelam que

manutenção e sentimento de posse estão interligados. As experiências relatadas de não uso

revelam que a sensação de posse implica na vontade de ter e no domínio do objeto, como

exemplifica Cela.

Eu penso: é meu, está pago, deixa ele aí porque não está fazendo mal a ninguém.

Só está ocupando um pouquinho de espaço, mas o que vai adiantar você tirar

um na verdade? Não vai melhorar a situação (Cela, 21 anos).

Cela mostra possessividade ao nos informar que aquelas coisas não usadas são suas,

pois pagou por elas. A entrevistada não menciona qualquer preocupação com a utilidade dessas

coisas não usadas, embora possa sugerir preocupação tanto com o espaço físico ocupado pelo

não uso quanto com o que o não uso pode provocar nos outros que convivem nesse mesmo

espaço (“não faz mal a ninguém”).

A posse não se relaciona com a capacidade utilitária do objeto, mas com a representação

desse objeto para o sujeito. “É meu”, diz Cela, mostrando sua disposição para controlar o bem,

tal como indicou Belk (1983; 1988). Para o autor, essa possessividade sobre os bens – usados

ou não – pode contribuir para situar a personalidade da entrevistada, assim como identificá-la

frente aos outros e ajudá-la a se lembrar de quem é.

Na posse de bens não usados ocorre um processo de apropriação psicológica do objeto,

tal como nas posses em geral, como indicam Kleine e Baker (2004). Anotamos termos como

“eu tenho”, “são minhas”, “eu batalhei”, “eu comprei”, “eu ganhei”, “eu herdei”, usados para

representar a internalização do objeto como parte da vida das entrevistadas. Outros relatos

também sugerem essa individualização do não uso, que “por mais que ninguém saiba” está

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

147

ligado à “lembrança”. A possibilidade de se desfazer pode trazer tristeza (“já chorei”) ou até

ser vista como um “ataque de violência”, como revela Lau, de 22 anos.

Então... tem coisas que você tem, para você olhar. Que legal que eu tenho, mas

não vou usar. [...] Pois é, também tem essa coisa engraçada, eu sou muito

materialista, eu gosto de ter as coisas. Por mais que eu não use, por mais que

ninguém saiba, eu gosto de saber que eu tenho. Então, por exemplo, às vezes

minha mãe dá roupa na igreja. “Você não vai jogar minha blusa fora, você não

vai dar nada meu para ninguém, é meu”. Eu tenho um valor para as coisas, mas

essa blusa por mais que ela seja escrota, eu usei ela um dia para ir não sei

aonde, tenho uma ótima lembrança disso, não vou jogar isso fora. Eu já chorei

para jogar coisa fora. Minha mãe às vezes dá um ataque de violência, “vem cá

que eu vou jogar isso, não sei que lá, não sei que lá”, “não mãe, não, não, é

muito importante”. Nem sei quem me deu isso, não sei há quantos anos atrás...

a pessoa já não existe mais na minha vida, mas é meu (Lau, 21 anos).

A ideia de não ter tais objetos pode causar sofrimento à entrevistada, como já indicaram

estudos anteriores (BELK, 1988; WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; BELK;

WALLENDORF; SHERRY, 1989; FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Lau traz em

seu relato a dimensão de apego associada ao não uso, com significados autobiográficos e

pessoais, que conectam o objeto ao self. Nesse sentido, sua identidade está vinculada à posse

desses não usos, de forma que seu autoconceito pode ser intensificado ou reduzido pelo que ela

tem e pelo que perdeu, como afirmam Belk, Wallendorf e Sherry (1989). O não uso aparece,

então, como um elemento do self, vinculado à posse das coisas (BELK, 1988).

Para Lau, parece clara a importância de ter a posse de suas coisas (ao dizer, “minhas

coisas”), apesar de não as usar. Ela parece valorizar a posse e o modo ter, como sugere Fromm

(1987). Esse entendimento leva a entrevistada a se autodefinir como “materialista”. Ela assume

que gosta de “ter as coisas”, e não necessariamente gosta das coisas. A autocrítica de Lau já foi

relatada por Ger e Belk (1999) e por Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981). Ger e Belk

(1998; 1999) indicam que, ao pensar sobre materialismo, as pessoas se envolvem em

explicações a respeito das normas da cultura material e num diálogo sobre atitudes materiais,

valores e estilo de vida, muitas vezes, emocionais.

O materialismo de Lau pode também ser relacionado com os conceitos de

Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), sobre o materialismo instrumental e o terminal,

ligados aos propósitos de consumo do sujeito. As posses de Lau parecem servir a propósitos

que vão além da ambição e têm um escopo específico, limitado a exercer influências positivas

em sua vida. Essas são características do materialismo positivo. Por outro lado, Lau também

trata suas posses como fins em si, ou seja, ter o bem como sua propriedade parece ser seu

objetivo principal. Para Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), esses são traços do

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

148

materialismo terminal, que é potencialmente destrutivo, pois podem resultar em inveja,

possessividade, não generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e, talvez, uma tendência a tratar

pessoas como posses (BELK; POLLAY, 1985).

Relatos como o de Lau, surgidos na pesquisa, trazem o resgate de memórias pessoais ou

de afiliação. O não uso ganha uma biografia, ou seja, uma história de vida que lhe concede

agência. As posses somente se tornam importantes, pois existe uma história pessoal entre sujeito

e objeto. Essa história é usada pelas entrevistadas para justificar a manutenção e a opção por

não descartar um objeto. A história da relação sujeito-objeto exige que eles se envolvam em

práticas ou rituais, que, ao longo do tempo, tornarão os bens insubstituíveis. Grayson e Shulman

(2000) sugerem que ela também se escreve pela proximidade espacial entre sujeito-objeto, que

contamina a posse com características únicas.

Duda traz sua história de vida junto com suas histórias de desapego e de posse do não

uso. Conta que mudar de país levou-a a se desfazer de um “acervo”, sugerindo que esse passado

influencia seus “excessos”, “apego emocional” e “medo” de se desfazer depois que voltou ao

Brasil. As “coisas a mais” da volta fazem parte de uma história na Europa que ela não quer

perder, ou seja, ao retornar, não fez o mesmo caminho de descarte quando de sua ida à Europa.

Eu trabalho com criação de roupas, então uma modelagem interessante de uma

peça ou uma estampa interessante de uma peça também vem fazendo parte de

um acervo. Eu já tive um acervo de verdade e me desfiz de tudo meu para ir

morar na Espanha. Larguei todas as minhas coisas aqui e a única coisa que foi

comigo para Espanha de objetos pessoais, que eu acho que encaixa bem na

história porque eu realmente larguei tudo meu, fui com as malas com as minhas

roupas preferidas, minhas fotografias e CDs, e alguns poucos livros, e os demais

eu também me desfiz. Quando eu retornei, eu vim com algumas coisas a mais de

lá naturalmente, mas eu percebo que os meus excessos são de coisas que eu

tenho um apego emocional ou coisas que estão guardadas, porque de alguma

forma eu considero que elas têm que estar guardadas, porque fazem parte da

minha história. Só que elas ocupam um espaço que é grande demais na minha

vida e eu gostaria de abrir espaço para o mundo atual, não para o mundo das

coisas que eu acabo não usando, mas fico com medo de me desfazer e querer

aquela coisa logo em seguida (Duda, 41 anos).

As ocasiões compartilhadas por Duda e suas coisas não usadas podem ser tratadas como

rituais de posse, segundo McCracken (2003), que permitiram a ela extrair significado e dar

sentido aos objetos possuídos. Os rituais de posse se formaram nos anos de convivência e pela

proximidade física entre Duda e seus bens não usados, o que contribuiu para formação dessa

história. Segundo McCracken (2003), os rituais de posse se constituem também pelo uso,

armazenagem, e, simplesmente, por falar sobre as posses ou compará-las com outras. As marcas

deixadas nos produtos, os sinais de que eles já foram manipulados e manuseados, servem como

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

149

provas dos eventos ocorridos e tornam-se importantes na criação de significado, como indicam

Grayson e Shulman (2000). As coisas não usadas de Duda “devem estar guardadas”, pois

“fazem parte da sua história”: são registros da própria vida, que ela não quer apagar. A história

que essas coisas contam ocupa um grande espaço na vida da entrevistada, tornando-se imagens

e formas da sua biografia.

Percebemos o medo e o sofrimento sentido pela possibilidade de não ter mais as coisas

não usadas consigo, pois, assim como Lau, Duda revela que os objetos que não usa foram

incorporados de tal forma a seu self, que não podem deixar de ser seus. O medo de se desfazer

– e depois de querê-los de volta –, sugere que esses objetos “guardados” e não usados podem

definir e manter seu autoconceito. Esses bens parecem ter recebido um significado especial,

inseparável do objeto físico. Porque outros objetos não conseguem fornecer este significado,

Duda pode sentir que substituir aquele bem resultará na perda de seu significado especial. Estes

sentimentos de “não haver substituto”, descritos por Grayson e Shulman (2000) são

provavelmente o componente mais importante do apego, pois baseiam-se na relação pessoal e

única com o objeto.

No entanto, enquanto o relato de Lau parece delimitado por sensações pessoais do não

uso, o relato de Duda mostra vontade de ampliar o espaço “grande demais” ocupado pelas coisas

não usadas na sua vida e no “mundo atual” que, como ela explica, não é o mundo “das coisas

que não usa”. Mas como abrir espaço para a vida e para o mundo desfazendo-se de coisas

guardadas que são como uma janela para seu eu? Não usos são uma parte do que somos, pois

somos aquilo que temos, conforme afirma Belk (1988), e o que temos inclui as coisas que não

usamos.

Assim como a apropriação psicológica, outra característica das posses presente no não

uso é a existência de apego entre sujeito e objeto, o que pode ser visto nos depoimentos de Lau

e Duda. A manutenção de bens não usados pressupõe a existência de algum apego entre sujeito

e objeto. Kleine e Baker (2004) indicam que o apego tem força – maior ou menor –, que revela

a importância relativa atribuída aos bens. Notamos que objetos não usados podem ter maior

apego e, nesse caso, serão tratados como insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000),

especiais (PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000), muito importantes (LASTOVICKA;

FERNANDEZ, 2005), mais queridos (CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004), favoritos

(SCHULTZ; KLEINE; KERNAN, 1989; MEHTA; BELK, 1991), amados (AHUVIA, 2005;

BROUGH; ISAAC, 2012) ou difíceis de viver sem (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Bens

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

150

pelos os quais as entrevistadas indicavam ter pouco apego foram relatados como banais ou

comuns.

Quando falamos da força do apego aos bens não usados, não falamos de níveis precisos

ou de gradações, mas de uma relação de importância percebida pelas entrevistadas. Recortamos

relatos que falam de sentimentos fortes de afeto, amor, adoração associados à posse do não uso

ou mesmo ao medo e tristeza presentes na possibilidade de se desfazer dos objetos não usados,

perdendo, assim, lembranças ali guardadas, como mostra o relato de Dora:

Eu tenho uma calça jeans que eu adoro que é uma pantalona de quando eu tinha

14 ou 15 anos e ela está ali porque eu amo muito ela, mas eu tinha 20 kg a

menos. Ela está ali por um apego emocional. Eu lembro que foi muito legal eu

encontrar uma calça que eu queria muito, que era coisa de adolescente,

modinha era pantalona e tinha que ter (Dora, 26 anos).

Posse, apego, importância relativa e manutenção: essas características formam a

proposta conceitual do não uso. Ilustramos na Figura 7 a relação entre essas propriedades,

obtidas a partir do trabalho de pesquisa e da análise das contribuições do campo de

conhecimento.

Figura 7 – O Conceito de Não Uso.

Fonte: a autora.

Apresentamos, a seguir, a materialidade do não uso, a partir dos relatos das

entrevistadas.

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

151

4.1.1 A Materialidade das Posses Não Usadas

Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005) defendem que coisas que compõem a

materialidade não precisam necessariamente ser materiais, podendo perfeitamente ser

imateriais. Uma das entrevistadas traz em seu depoimento sobre os objetos de não uso o

exemplo de apego que vai além da tangibilidade de objetos não usados:

Pois é... Eu sou apegada demais às pessoas, aos lugares, bom, ruim sou muito

apegada. Tanto que vou pedir demissão de onde trabalho porque estou

detestando, e saio chorando porque estou apegada de alguma maneira às

pessoas lá. Então não sei explicar o que é, mas sou muito apegada. A minha mãe

comenta que seja alguma coisa dela (Lia, 28 anos).

Belk (1988) afirma que aquilo que chamamos de nosso pode ir muito além de objetos

tangíveis e que estão em nosso poder. As coisas que fazem parte do eu podem, de fato, incluir

pessoas, lugares ou situações, como na história de Lia, quando ela expande a sensação de apego

e passa de coisas para pessoas e lugares.

Os tipos de coisas não usadas descritas pelas entrevistadas foram bastante variadas,

como pode ser visto no Quadro 12. Mostramos que foram citados não apenas produtos não

usados, mas também serviços tais como clubes, seguros, cursos, academia, cupons de compra

coletiva e aplicativos de celular. Assim, não é preciso ser um bem tangível para que haja a

percepção de que ele não está sendo usado, o que nos leva à imaterialidade da cultura material,

tal como falam Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005). A ausência da tangibilidade, na

percepção do que os entrevistados consideram como suas posses, abre a possibilidade de

explorar com mais profundidade a relação entre o não uso e da cultura material.

O Quadro 12 lista apenas os objetos citados na Fase 3 da pesquisa, quando não havia

um único objeto de interesse e as pesquisadas puderam falar livremente sobre seus não usos.

Lembramos que na fase anterior a pesquisa foi direcionada ao não uso de cosméticos e de

vestuário.

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

152

Quadro 12 – Objetos Não Usados

Entrevistada Objeto de Não Uso

Dona Baixelas, sapatos, roupas, louças e copos

Lia Roupas, vestido de noiva, fritadeira sem óleo, panela elétrica de arroz, cremes,

maquiagem.

Cica Livros, quadrinhos, máquina de lavar roupa, roupas.

Luca Moletom da escola, sapatos, material de ferragem.

Ruth Iogurteira, rolo de macarrão, aparelho de fondue, esteira elétrica, máquina de costura, casa

de cachorro, panelas, faca elétrica, máquina de lavar louça, toca disco de vinil.

Bibi Roupas, tênis, joias, bolsas, sapatos, fotografias digitais.

Tata

Garrafas de whisky, réchaud, louças de prata, copos de cristal, livros de receita, separador

de gema de ovo, porta-sorvete de porcelana, cafeteira de pressão, aparelho de fondue,

grelha de pedra, galheteiro de prata, facas específicas para cada tipo de queijo, mostarda,

catchup, molho de salada, bandejas, livros de receitas, depilador com cera, esmaltes,

brinquedos, maquiagens, cremes, máquina fotográfica, clube, toalhas de mesa,

guardanapos de decoração, cestinha de pães, revistas antigas, remédios, DVDs, CDs,

seguro do condomínio e do carro, serviços do cartão de crédito.

Val

Roupas, papeis, recibos, sapatos, miudezas, quadros, documentos, livros, apostilas de

cursos, folhas, garrafinhas, potinhos, brinquedos, Polaroid, telefone sem fio, móveis,

computador antigo, arquivo morto, contas e recibos.

Dora Malas velhas, calças jeans de vários tamanhos, casacos de inverno, documentos, nota

fiscal, recibos, sapatos, maquiagem, livros, caixinhas, bichos de pelúcia, porta joias.

Mara

Eletrodomésticos, secadora de roupas, roupas, caixas de papelão, roupas, cremes de corpo,

talco, óleo corporal, maquiagem, roupa de academia, livros, utensílios de cozinha,

temperos, tintas para trabalhos manuais.

Gaga Calças, blusinhas, sapatos, potes de cozinha, camisa xadrez, frascos de perfume, vidrinhos,

fitas k7, livros, arquivos digitais.

Nana Pratos e louças, apetrechos culinários, potinhos, roupas de verão, quadro magnético, restos

de cenários, bolsas, formas de bolo, cadeiras, mesa de jantar, sofá.

Dani Roupas, molhos e temperos.

Mana

Roupas, Kindle, Ipad, cabos e acessórios de celular, cabo de internet, sapatos de salto alto,

apostilas de faculdade, calculadora financeira, teclado, maquiagens, cremes, fotografias,

arquivos digitais.

Fonte: a autora

Dentre os produtos de não uso doméstico destacamos as roupas e produtos de beleza,

citados por praticamente todas as entrevistadas. Elas também falaram de objetos digitais, como

arquivos e fotografias antigas, armazenadas em discos rígidos não mais acessados. Foram ainda

lembrados serviços pagos e não usados, como academia de ginástica, clubes e seguros. A

diversidade dos itens citados possui em comum a característica de posse do não uso.

Outro aspecto do não uso trazido pelos itens descritos no Quadro 12 sugere que objetos

não usados podem ser tanto singularizados como commoditizados. As entrevistadas falam dos

significados atribuídos aos objetos e foi possível ver que coisas singularizadas serão mantidas

em sua condição de não usadas, enquanto as commoditizadas parecem ter maior chance de ser

escondidas em lugares afastados do convívio social ou saírem do não uso para o descarte.

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

153

O apego pelos objetos não usados pelas entrevistadas parece desempenhar uma relação

importante com o espaço e armazenagem de objetos não usados. Embora estudos relacionem

os apegos com objetos únicos e singularizados, o não uso não pressupõe tal característica, já

que envolve uma grande diversidade de itens de bens e serviços. Os relatos falam de coisas que

podem ser simplesmente “esquecidas”, “entulhadas” ou “socadas” e que não possuem

características singulares. Nesse sentido, entendemos que há um momento de reconhecimento

do não uso, quando ocorrerá a avaliação dos significados, e, então, a classificação do bem.

Antes do reconhecimento do bem como não usado, contudo, ele pode ter uma trajetória

de destaque, que permite a criação de uma autobiografia, ou que pode passar completamente

despercebido para o sujeito. No primeiro caso, os procedimentos adotados após o

reconhecimento serão empregados como forma de realçar a história do objeto. Mas, caso o bem

não tenha tido a oportunidade de desenvolver sua narrativa e tenha sido “deixado de lado”,

como indicaram as informantes. Em sua armazenagem o objeto não terá destaque e nem perderá

as características de commoditie.

Embora pudéssemos usar uma simples diferenciação entre o não uso considerado

importante (singularizado e com mais apego) ou banal (comoditizado e com menos), foi

possível anotar alguns casos em que aparecem mudanças para o bem commoditizado. Algumas

entrevistadas contaram que produtos não usados durantes anos ressurgiram em suas vidas e

passaram a ter um papel de destaque. Chamaremos esses objetos de Fênix, quando explicarmos

os tipos de não usos.

4.1.2 O Não Uso A Partir Da História De Bibi

Diferentemente das propostas apresentadas anteriormente na literatura, que analisaram

o não uso por uma perspectiva cognitivista, nossa proposta conceitual compreende a noção de

posse e apego, que envolvem histórias e movimentações diferentes para o grupo de

entrevistadas. Os relatos sugerem que o não uso é uma forma de consumo o que está apoiado

pelas propostas teóricas de Schultz, Kleine e Kernan (1989), Ball e Tasaki (1992), Richins

(1994a), Kleine e Kleine (2000), Coulter e Ligas (2003) e Guillard e Pinson (2012) que

consideram manter e guardar como formas de consumo. A fala de Bibi traz o não uso como

posse:

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

154

Eu percebo que [as coisas que eu não uso] são de coisas que eu tenho um apego

emocional ou coisas que estão guardadas, porque de alguma forma eu

considero que elas têm que estar guardadas, porque fazem parte da minha

história... (Bibi, 34 anos, grifos nossos).

Vamos explorar as passagens desse trecho da entrevista de Bibi. Quando ela se refere a

ter, está, ao mesmo tempo, fazendo uma declaração de propriedade. As coisas que ela não usa

são suas, de sua posse, pertencem a ela. Sabemos, de acordo com a pesquisa de Richins (1994a),

que o sentimento de posse envolve o processo de dar valor aos objetos, bens ou coisas. Portanto,

o não uso possui valor.

Dar valor a uma posse significa que ela de alguma forma contribui para a noção de eu

do sujeito (BELK, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989). Além disso, para Roster

(2001), as coisas consideradas posses são valorizadas pelo significado que incorporam, pelos

instrumentos que fornecem ao sujeito ou à sociedade e pelas contribuições que fazem para o

nosso bem-estar. Manter um bem com esses atributos implica manter a própria noção de

identidade. Nesse sentido, o não uso não é banal nem discricionário, o que implica em sua

característica relevante para ser estudado.

Bibi segue afirmando que há um apego emocional entre ela e suas coisas não usadas.

Kleine e Baker (2004) já descreveram que o apego entre consumidor e produto implica a

existência de laços emocionais e que o objeto ao qual a pessoa está ligada é considerado especial

e carregado de significados. A entrevistada declara estar ligada às suas coisas não usadas, que

não podem ser simplesmente abandonadas, jogadas fora ou doadas. Bibi parece nos dizer que

não pode afastar-se delas, pois são posses especiais, queridas, amadas, dada a história que

construíram ou constroem juntos.

A entrevistada afirma que suas posses devem permanecer guardadas, sugerindo seu

caráter excepcional ou único, e mais do que isso, indicando procedimentos adotados para a

manutenção das posses. Como visto, manter e armazenar são métodos de posse, de onde

depreende-se que guardar não é negligenciar o bem. As coisas de Bibi estão guardadas porque

têm valor para ela. A entrevistada declara que são os valores emocionais que a fazem guardar

suas coisas não usadas, o que Ball e Tasaki (1992) chamam de valor simbólico. Bibi ainda

informa que seus objetos de não uso também materializam memórias pessoais, laços

emocionais ou, ainda, eventos particulares, ou seja, contam sua história de vida, assim como

descreveram Ball e Tasaki (1992). Para Kleine e Kleine (2000), esse tipo de posse desempenha

um papel fundamental na memória da vida da pessoa.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

155

Assim como Bibi, que aqui tomamos como exemplo para propor um conceito amplo de

não uso, outros relatos do grupo de mulheres entrevistadas não relacionam suas posses não

usadas com funcionalidade ou utilidade. Bibi não esclarece se suas coisas não usadas ainda

podem ser úteis, mas podemos extrair de sua fala que essa não é a questão central para mantê-

las. Os objetos não usados por ela podem conceder-lhe emoções advindas do passado – revivido

através deles – ou uma sensação de continuidade.

Na história de Bibi e suas coisas não usadas, nota-se que o apego e a singularização

foram criados pela história vivida entre elas, ou seja, Bibi concede agência a suas posses quando

afirma que elas fazem parte de sua história (BORGERSON, 2005). Ao indicar que elas têm de

estar guardadas, como as suas lembranças, a entrevistada trata seus não usos como entidades

autônomas, com uma biografia vinculada a sua. Assim, como sugere Kopytoff (1986), os

objetos não usados e guardados de Bibi foram singularizados e retirados do mundo comum.

Eles não podem sequer voltar ao mundo das commodities, pois narram uma trajetória, a

trajetória da vida de Bibi. Não sabemos por esse trecho de sua fala qual a história que Bibi viveu

com seus objetos – nem mesmo como foi sua vida –, mas podemos interpretar que, dada a

importância atribuída a eles, essa história foi construída a partir de rituais ou práticas que os

singularizaram (MCCRACKEN, 2003).

4.1.3 Delimitações A Partir Das Características Do Não Uso

Ao construirmos o conceito de não uso, identificamos dificuldades para delimitar a

proposta. As propriedades do comportamento de não uso, identificadas a partir desse estudo,

podem nos aproximar do entendimento das delimitações e estão descritas no Quadro 13.

Quadro 13 - Características do Não Uso

CARACTERÍSTICAS DEFINIÇÃO

1. Posse No não uso, ocorre a apropriação psicológica do objeto não usado, que

representa uma posse para o consumidor, percebida como “minha”.

2. Apego

O não uso está relacionado ao apego físico e/ou emocional, construído a partir

da convivência com o objeto não usado. Diferentes graus de apego (força)

revelam a importância relativa dos objetos não usados para os sujeitos.

3. Manutenção Objetos não usados são armazenados pelos consumidores que não querem se

desfazer deles.

Fonte: a autora

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

156

As características listadas no Quadro 13 demarcam as propriedades essenciais do não

uso. Elas compõem o conceito que definimos como manter a posse de produtos/serviços não

usados, considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou emocionais

com o objeto. Nesta seção, apresentamos, então, os elementos fundamentais que explicam a

natureza do não uso. Mostramos as particularidades que o definem como uma posse e

explicamos como se forma o apego entre sujeito-objeto. Isso implica dizer que o não uso é

percebido como uma parte do self do consumidor, que considera e reconhece o percurso que

construiu a história e as memórias desse bem. Expusemos, ainda, que objetos não usados

despertam conflitos internos emocionais e ambiguidades, fato que contribui sobremaneira para

compreensão do conceito. Revelamos que o não uso pode ocorrer tanto para produtos quanto

para serviços, que não necessariamente precisam ser singulares para o indivíduo. Essa

característica ajudará a compreender o reconhecimento dos bens não usados como sagrados ou

profanos.

O não uso, entretanto, é resultado de um processo e não ocorre deliberadamente e é

resultado de um processo que será apresentado a seguir. Mostraremos, na próxima categoria,

que existem diversos caminhos que levam um produto ou serviço a tornar-se não usado, que

podem ser bastante dinâmicos e passam por três momentos: pré-aquisição, aquisição e

consumo. A combinação desses caminhos leva os produtos e serviços a serem reconhecidos

como não usados.

4.2 Caminhos Percorridos pelos objetos não usados

O não uso é resultado de um processo. As pessoas possuem coisas, usam – ou não –,

guardam e cuidam delas. Esse grupo descreveu o não uso como um comportamento que

acontece depois de sucessivos encontros, práticas e interações, um objeto pode tornar-se não

usado. Nesse trajeto, há ponderações, considerações e conflitos vivenciados entre sujeito e

objeto, que ajudam a explicar como as coisas se tornaram não usadas. Nessa categoria,

analisamos os caminhos percorridos pelos objetos que se tornaram não usados, explicando o

que aconteceu com eles antes de serem não usados e, mesmo antes, da pessoa se dar conta de

que não o usava.

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

157

Os caminhos percorridos possuem relação com o momento da compra, com o que as

entrevistadas pensaram antes ou quando compraram o objeto. Se Bower e Sprout (1995),

Wansink, Brasel e Amjad (2000) e Trocchia e Janda (2002) apontam o não uso como uma falha

do planejamento de compra, os relatos desse estudo sugerem que o não uso não é resultado ou

consequência da tomada de decisão de compra do consumidor. A explicação para manutenção

de um objeto não usado aparece ligada à história de vida daquele objeto junto ao sujeito, não a

uma ação isolada, conforme ilustra a Figura 8.

Figura 8 – Processo de Não Uso

Fonte: a autora

A Figura 8 apresenta o processo que resulta no não uso, dividido em quatro momentos:

pré-aquisição, aquisição, consumo e não uso. Para descrever o processo de não uso, nós nos

inspiramos em Roster (2001), que usa estrutura semelhante para apresentar o processo de

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

158

descarte. Da literatura extraímos que o processo de consumo envolve a aquisição, a posse, o

uso e o descarte de coisas por indivíduos e grupos. Acrescentamos o não uso que se incorpora

ao processo. A partir disso, consideramos que os bens não se tornam simplesmente não usados.

O consumidor não acorda um belo dia e define sumariamente que não usará mais determinado

objeto – talvez isso até possa ocorrer, mas não encontramos relatos desse comportamento em

nossas pesquisas.

Assim, mesmo que o foco dessa pesquisa tenha sido compreender o não uso no ambiente

doméstico, as mulheres também falaram das histórias dos objetos não usados localizando as

etapas até o não uso. Como forma de aprofundar o entendimento de cada fase do processo,

apresentaremos uma análise mais detalhada, com os testemunhos das entrevistadas a seguir.

4.2.1 Pré-Aquisição

Os caminhos que levam produtos e serviços a se tornaram não usados iniciam-se com

as ações de pré-aquisição, que envolvem a autosedução do consumidor, bem como a vontade e

o desejo de ter determinados produtos. Para compreender essa etapa trazemos relatos, nos quais

as entrevistadas falam sobre como acontece a autossedução, descrita por Belk, Ger e Askeegard

(2003) como um processo interno que desperta o desejo a partir de estímulos externos como a

mídia, por exemplo, e leva a um comportamento de consumo (real ou imaginário).

A autossedução é tratada por Belk, Ger e Askeegard (1997; 2003) como um componente

do ciclo do desejo, que se alimenta de fantasias autoembelezadas de um self diferente do atual.

Esse processo é composto de três etapas interdependentes (imaginação, desejo, esperança) que

conduzem uma a outra. Realização e/ou frustração são decorrentes da conjunção dessas etapas

e contribuem para o ressurgimento ou descarte do desejo. Em nossa pesquisa, o desejo

vivenciado na imaginação das informantes abastece a sensação de prazer por meio de emoções

despertadas e antecipadas fantasiosamente. Quando as imagens ilusórias são ajustadas ao

contexto social ajusta-se também as emoções, experimentadas mesmo antes da aquisição.

Independentemente de o objeto de desejo ser um par de sapatos, uma casa ou uma viagem para

Paris, as entrevistadas pareciam capazes de recobri-lo de significados e dar emoção às imagens

criadas para eles.

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

159

Nossas pesquisadas mostram que são seduzidas e se deixam seduzir por diversos

estímulos e pelo prazer que a imaginação proporciona. Longe de serem vítimas passivas do

desejo, elas têm participação ativa no processo, ao alimentar e inflamar suas próprias paixões.

O paradoxo é evidente: o objeto seduz, mas o indivíduo se deixa seduzir por ele.

Eu vejo muitos tutoriais, então eu fico querendo aquele tom de sombra. Que nem

esmalte, lança um esmalte aí você fala: “Ah legal, eu quero! Que lindo”. Então

você fica querendo ter aquele estilo de maquiagem. Aquilo que te motiva, creio

eu (Tar, 20 anos).

A autossedução relaciona-se com a experiência sensorial e imaginativa vivida por Tar

na pré-aquisição, que estimula o desejo de ter. Se a autosedução é fantasiosa é, ao mesmo

tempo, fonte de prazer para Tar. Ela passa a se imaginar com a posse do bem, a idealizar como

seria sua vida com aquele produto, o que os outros pensariam dela se ela tivesse aquela coisa,

como suas ações seriam modificadas pelo fato de ter o produto etc.

Há uma atração apaixonada entre Tar, o indivíduo autosseduzido, e o bem ambicionado,

o que parece ser um dos componentes chave do desejo: ele é cultivado e mantido vivo até que

o objeto seja adquirido. A ordem desse processo – nem sempre consciente – parece ser: (1)

consciência da falta; (2) autossedução; (3) desejo de ter o objeto; (4) esperança de consegui-lo;

(5) viabilização de sua aquisição – ação; e (5) reinício do processo (BELK, GER,

ASKEGAARD, 1997; 2003). Bia, de 19 anos, relata como a autossedução se relaciona com a

vontade de ter e com a aquisição.

[A gente] compra muito é por ouvir falar, por achar bonito, por ter atração por

uma marca ou é por achar que pode precisar (Bia, 19).

As entrevistadas usam estratégias que fomentam a autossedução e o desejo de ter bens.

Os estímulos, espalhados em muitos pontos de contato, ajudam-nas se (auto)convencer da

vontade de ter os bens. As coisas que aparecem na revista e na TV, na página de uma blogueira

influente, nos sites das grifes da moda, nas propagandas, promoções, e exposições no ponto de

venda, as indicações de amigos e das próprias marcas acendem o sonho, a imaginação, a

fantasia. A autosedução, que dá início ao caminho do não uso, associa-se à vontade e ao desejo

de ter os bens como mostram os relatos a seguir:

Eu lembro, assim, quando eu tinha uns 16 anos... Eu lembro que eu vi uma capa

da Vogue que eu achei linda, aí “vou comprar”, aí comecei a ler, a ler e comecei

a gostar, aí comecei a comprar direto (Ju, 20 anos).

A autossedução apareceu como diferentes fontes de inspiração, que estimularam as

entrevistadas a penetrar no desejo por tais produtos. O entusiasmo com os produtos provoca a

imaginação das entrevistadas, que se sentem envolvidas com a categoria. Jo, de 21 anos,

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

160

também conta que uma blogueira ensinou-lhe dicas sobre quais produtos são adequados e sobre

como usá-los.

Ela [blogueira] tem um blog lá. Bota no Youtube, que no Youtube dela tem o

link do blog dela. E ela dá várias dicas, então, às vezes, eu entro lá pra aprender

algumas dicazinhas sobre produtos (Jo, 21 anos).

As entrevistadas mostram que a autossedução atua tanto como estimulante quanto

limitadora, pois incita e baliza o desejo. Belk, Ger e Askeegard (2003) chamam de moralidade

o mecanismo de contenção do desejo, se conflitua entre a vontade de quer se sentir vivo e o

esforço para manter a moralidade. Para elas, as coisas que os outros querem é o que elas se

permitem desejar e sonhar. Nesse sentido, a socialização cultural serve como parâmetro para o

desejo de nossas pesquisadas. Os códigos culturais dão coerência às práticas sociais e

classificam objetos e pessoas, elaborando semelhanças e diferenças. Os motivos para a escolha

de um foco de desejo estão ligados às relações sociais que falam de identidades e grupos. O

sistema simbólico do desejo revelado na pesquisa articula coisas e pessoas, de forma que as

significações assumidas pelos objetos não se manifestam isoladamente, mas na relação de uns

com os outros.

A pré-aquisição, que inicia o processo que desaguará no não uso, constrói o caminho

para o consumo dos bens. Talvez, os bens para os quais o processo de autossedução é mais

intenso, aqueles com os quais as entrevistadas sonham e fantasiam profundamente, tenham mais

chances de se tornarem especiais, mas isso não parece ser uma regra. Dado o contexto de vida

de cada entrevistada, querer, desejar e ter vontade de ter bens parecem ser formas de

socialização criadas e mantidas dentro do contexto de suas vidas. Um dos relatos que evidencia

a construção do desejo e a importância da pré-aquisição é o de Dona (42 anos), que conta sobre

a compra de um de seus bens mais queridos:

Eu tenho [um sapato] de saltão, que aí é para ir numa festa e ficar sentada.

Aquele de não caminhar, meia pata com um baita de um cadeado preto atrás,

acho que esse foi a minha maior conquista que eu vi no pé de uma riquíssima,

chiquetérrima conhecida da família e o dia que eu vi, eu não tirava o olho do pé

dela e depois eu vi que tinha na loja, eu vi no site e vi que tinha na loja e eu

comprei em Brasília. Paguei. Até que não paguei uma fortuna, paguei mil e

oitocentos reais, até que não é tão caro. Comprei em Brasília, eu tinha meia

hora de tempo, eu acho, uma hora, o meu marido me disse, quer comprar o

sapato, nós temos uma hora até ir para o aeroporto, ele me incentivou, ele me

incentiva às vezes mais até do que eu. Fomos até lá, pedimos para o taxista ficar

esperando. A gente entrou na loja, eu provei, comprei um número maior do que

o meu pé porque estava inchado. Estava calor né?! Brasília é um calor

desgraçado. Se eu usar, tenho que usar com palmilha. Se eu usar com meia ele

cai do pé e é muito alto. Mas foi uma das maiores satisfações que eu tive, assim

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

161

de consumo, foi quando eu comprei aquele sapato, porque eu tive igual àquela

chiquetérrima, elegante, maravilhosa e aí quando eu coloco ele me sinto

empoderada assim. Mas eu tenho que ficar sentada, eu não posso caminhar com

ele, então praticamente não uso (Dona, 42 anos).

Dona conta sobre como foi seduzida pelo sapato, cujo desejo foi instigado pela

socialização cultural, pelos códigos que ela interpretou ao ver outra pessoa usando o bem. Para

Dona o sapato representava suas relações sociais, os valores de seu grupo social, concretizando

significados importantes. Dona também relata como atuaram as forças morais quando fala do

preço alto do sapato. Ela afirma que “até que não é caro” e fala dos incentivos de seu esposo,

que parece compartilhar com ela os mesmos códigos culturais, pois também considerava

importante a compra do sapato.

Na situação de Dona, o fator potencialmente restritor de seu desejo – o preço – foi

superado pelo estímulo do marido. Pagar R$1800,00 por um par de sapatos pode ser

considerado um exagero, por ser um alto valor, mas Dona se convence da importância da

aquisição, apesar do preço. Ao buscar informações em sites, ver em quais lojas o sapato era

vendido e imaginar-se tão elegante quanto a mulher que o usou originalmente, Dona se rende a

autossedução. Seu desejo parece ser tão intenso que ela muda planos durante uma viagem e vai

até a loja adquirir o sapato sonhado. Usá-lo a deixa empoderada e confiante, tal como ela

imaginou ser a mulher “chiquetérrima” que a apresentou ao sapato.

Nossas entrevistadas mais jovens foram, justamente, as que mais mencionaram o

impacto da pressão para ter bens que as adequassem a seu contexto social. Entre as entrevistadas

da Fase 3 essa pressão parecia já ter sido amenizada, seja pelo amadurecimento das informantes,

seja por mudanças de ciclo de vida, que, consequentemente mudam as prioridades em relação

a compra e consumo de bens.

Claro, quando vamos amadurecendo... Mas eu acho que sim, acho que eu mudei.

Por exemplo, quando tu é adolescente, tu prefere quantidade, tu prefere ter três

ou quatro vestidos para variar do que ter um que é um baita vestido, de uma

baita qualidade, que vai durar e que tu vai poder usar para muito tempo (Bibi,

34 anos).

Entre as mulheres mais experientes que entrevistamos o processo de pré-aquisição

pareceu ter um papel mais ligado ao desejo de ter um produto específico, uma marca específica,

do que uma grande quantidade de diferentes itens, tal como surgiu entre as mais novas. Nas

Fases 1 e 2 da pesquisa, a pré-aquisição surgiu em diversos momentos das entrevistas. As

meninas mais jovens falavam com entusiasmo do processo de imaginar-se com os bens

sonhados. Na Fase 3, por outro lado, foram poucos os relatos de pré-aquisição. As mulheres

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

162

mais maduras que entrevistamos, chamadas por Casotti, Suarez e Campos (2008) como o grupo

“O Tempo Existe”, que se conscientiza de que o tempo passa e deixa marcas, revelaram também

fantasiar sobre a aquisição, mas essa fantasia parece relacionar-se mais com um projeto

identitário do que com a vontade de ter bens.

A vontade de ter à qual nos referimos é compreendida por Fromm (1987) como um

modo de existência que se relaciona com o mundo por meio do pertencimento e da posse, em

que o indivíduo quer que tudo e todos. Entre as mais jovens, “tem-se a impressão de que a

própria essência do ser é ter: de que se alguém não tem, não é” (FROMM, 1987, p. 35), enquanto

entre as mais maduras o ter tem uma estrutura dialética, de transformação do self, chamada por

Fromm (1987) de modo ser. O relato de Bia esclarece essa relação:

Você acha que vai te deixar perfeita, eu compro por que eu quero ter aquele

objeto, não porque preciso dele (Bia, 19 anos).

Os procedimentos usados pelas entrevistadas para cultivar seu desejo foram a

imaginação e a busca pelo produto. Esse cultivo, contudo, pode ser feito de outras formas. Uma

delas, bastante comentada pelas entrevistadas, foi a criação de listas de compras, que podem ser

vistas nos depoimentos de Bia, Cal e Tar.

Eu vou viajar hoje e tenho uma lista de tudo que eu vou comprar já (Bia, 19

anos).

Faço listinha, já vou com a listinha já. Vou com tudo anotado. Vou agora em

dezembro [para Europa], aí já entrei no site já vi várias coisinhas que eu quero

(Cal, 20 anos).

Fui pra Nova York em julho. Então uma semana antes eu sai pegando material

deles, nome vendo as notas, aí depois eu vi os que eu queria pra comprar

realmente. Depois eu mostro a minha lista, tem também os certinhos se eu

comprei ai é isso (Tar, 20 anos).

A criação da lista parece funcionar como uma concretização antecipada do desejo de

ter. Ao escrever os itens que mais desejam as entrevistadas podem tangibilizar parcialmente a

fantasia vivida na imaginação. A lista permite o cultivo do desejo, que pode funcionar como

um significado deslocado ao criar uma ponte para o futuro desejado, ou seja, ter o bem. Não há

necessidade de efetivamente comprar os itens listados, mas o fato de escrever em um papel

quais são seus objetos de desejo permite vivenciar no presente a realização do desejo através

da aquisição.

A aquisição, de forma geral, não é feita para que os produtos ou serviços não sejam

usados. Nesse sentido, é conveniente ressaltar que, de certa maneira, Bower e Sprout (1995) e

Trocchia e Janda (2002) acertam quando afirmam que produtos e serviços não são adquiridos

para serem não usados: há desejos e anseios relacionados a eles inicialmente. As entrevistadas

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

163

possuem planos e concepções para o objeto adquirido, formados na etapa de pré-aquisição, que

envolvem uma série de situações imaginadas por ele. A imaginação pode conceber uma vida

para o bem, dando-lhe agência e iniciando sua biografia, ainda no plano da fantasia. Na

convivência com a proprietária, o bem pode ir assumindo características de não uso. As

características, que começam a se construir na pré-aquisição, podem influenciar – ou até mesmo

determinar – a demarcação do objeto como um não uso.

4.2.2 Aquisição

A aquisição é a fase subsequente a pré-aquisição no processo de não uso. Nela, três

elementos destacam-se como contribuintes do uso e do não uso: o momento em que o bem foi

adquirido, a ação exigida para aquisição e quem participou dela. O momento trata da ocasião

da aquisição, dos lugares, situações, contextos, eventos ou fases da vida do consumidor. As

ações de aquisição dizem respeito a como os bens não usados foram adquiridos pelas

entrevistadas – se em compras feitas pelos próprios consumidores, se foram um presente, uma

doação, se foram recebidos como herança, se o consumidor os fez ou produziu, se foram

emprestados por alguém, etc. Tais ações influenciam o não uso, pois os dados indicam haver

uma espécie de hierarquia entre as formas de adquirir, balizada pela importância do processo

de aquisição.

Além de comprar pode-se achar, criar, fazer, arrendar, trocar, ganhar, herdar, alugar,

esmolar, pedir emprestado, compartilhar ou roubar como nos lembra Belk (1982; 2001).

Evidencia-se, assim, que aquisição e uso são atividades distintas, sendo o ato de comprar

somente uma das possíveis maneiras de adquirir objetos e experiências. Adquirir não implica,

necessariamente, usar, mas, bens não usados foram necessariamente adquiridos de alguma

forma. A distinção entre aquisição e uso permite compreender que um produto comprado nem

sempre é usado.

Trabalhos anteriores em comportamento do consumidor, especialmente quando

descrevem o processo de tomada de decisão, partem da premissa de que bens comprados sempre

serão usados e quando não o são, é porque houve um problema de planejamento na compra,

defeitos dos produtos, dentre outros. Nossa pesquisa identificou que a aquisição não determina

a usabilidade do produto. Os relatos das entrevistadas falam de aquisição e de não uso devido

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

164

a diferentes significados atribuídos a esses objetos. As histórias de aquisição foram importantes

para compreender o não uso, como exemplifica Duda:

Esse vestido eu comprei na Espanha, eu amo bolinhas e numa época eu amava

mais e mais ainda. E eu penso: “não uso mais ele, mas é um vestido de bolinha,

um pretinho básico, então não vou me desfazer (Duda, 40 anos).

Os objetos mostrados na pesquisa, assim como o vestido de Duda, tinham a capacidade

de despertar lembranças, surgidas de viagens, namoros, casamentos, aniversários, faculdade,

maternidade, projetos profissionais, etc. Quase sempre eram relatos de momentos especiais e,

por isso, os objetos relacionados a eles se tornavam diferenciados. Isso não significa dizer, que

produtos adquiridos em momentos banais não possuíssem significados para as entrevistadas,

embora os significados tivessem graus de importância distintos.

Duda aponta que os bens têm a propriedade da indexabilidade, ou seja, servem como

provas tangíveis e palpáveis dos eventos de uma vida, como indicaram Grayson e Schulman

(2000). Wallendorf e Arnould (1988, p. 537), Mehta e Belk (1991), Richins (1994a, p. 506),

Price, Arnould e Curasi (2000) relacionaram a posse de objetos especiais com seu passado, a

um processo descrito como “lembrança”. Belk (1990, p. 670) adiciona à essa valorização das

posses, a afirmação de que “muitas vezes os bens são intencionalmente adquiridos e mantidos

para lembrar dos tempos agradáveis ou dos momentos do passado”.

Tal como esses autores, em seu relato Duda ajuda a compreender que os momentos de

aquisição aos quais nos referimos foram tratados pelas entrevistadas como importantes e

históricos ou banais e comuns. Ocasiões importantes ou históricas indicavam que a posse

daquele objeto as enviava para o instante da aquisição. Assim, tanto momentos cotidianos

quanto especiais de aquisição tiveram consequências na relação entre as entrevistadas e seus

objetos de não uso. Identificamos tanto objetos adquiridos em momentos excepcionais da vida,

como um vestido de casamento que se tornou não uso, da mesma forma que encontramos

objetos como um creme adquirido em uma ocasião cotidiana, que também se tornou não uso

como exemplificam os relatos de uma mesma entrevistada:

Meu vestido de noiva é um apego incrível, eu mandei fazer. A mãe mandou lavar

todo, ficou com ele durante uns nove meses e há pouco tempo ela me trouxe ele.

Eu peguei, coloquei dentro de uma caixa pra não pegar traça, não pegar nada,

deixei ele guardadinho. Cheguei em casa e falei que tinha de ver um jeito de

vender. Até porque, pra conseguir um dinheiro. Até minha irmã mandou um

aplicativo que o pessoal vende seu vestido de noiva. Mas não fui ver, então

realmente estou apegada. Nem vi como fazer. Porque ele guardado. O meu

vestido de noiva está guardado (Lia, 28 anos).

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

165

Cheguei, acho que foi no supermercado, e olhei um creme redutor de medidas.

Ele olhou pra mim e falou que eu precisava reduzir medidas. Eu comprei o

creme e vou usar. Tem que usar, não sei o que... Daí comprei e vi que ele está

numa cesta no meu banheiro e não usei uma única vez. Está ali e não quero

jogar fora porque tenho esperança de usar ele. Ele está na validade, ainda posso

usar um dia (Lia, 28 anos).

Em seu discurso, Lia emprega agência ao produto, como se ele falasse com ela. O creme

a cobra: você tem que usar. No entanto, apesar de lhe avisar sobre a necessidade de ser usado –

e talvez por isso –, o creme está numa cesta no chão do banheiro. Ela o descobre nesse lugar

mundano, com se ele tivesse ido parar lá sozinho. Mesmo sabendo do lugar herético no qual se

encontra o creme, Lia não o tirou de lá. Pretende usá-lo, mas ele ainda não mudou de status ou

de significado para ela, e segue sem uso. O creme parece fazer parte de seus planos futuros, de

um self transformado.

Já o vestido de casamento está guardado numa caixa especial, porque é uma peça de

uma história também especial. Lia reconhece a relação de apego que tem com ele e apresenta

em seu discurso os outros elementos do processo de aquisição identificados na pesquisa: as

ações e os agentes. As ações referem-se ao tipo de aquisição, que podem ocorrer pela compra,

pela doação (ganhar de presente), pela troca (escambo), por meio de herança ou pode-se ter

ainda ter recebido o bem como empréstimo ou pode-se compartilhá-lo com alguém. No caso de

Lia, o vestido não foi comprado, mas feito sob medida para ela. Os agentes podem ser

representados por seus familiares envolvidos com a aquisição do vestido, especialmente a mãe

e a irmã.

Nesse sentido, a aquisição tem papel de destaque na criação de significados. Os produtos

tornar-se-ão não usados por percorrerem caminhos que passam pela aquisição, apesar dela não

ser o único elemento do não uso. O processo de aquisição que identificamos indica que os três

elementos constituintes da aquisição ocorrem simultaneamente, conforme ilustra Figura 9.

Além disso, eles são mutuamente dependentes e complementares, o que revela estarem

condicionados uns aos outros.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

166

Figura 9 – Etapas da Aquisição

Fonte: a autora.

Isso implica dizer que a importância dada ao momento da aquisição depende de como

ela foi realiza (se foi comprada, presenteada, herdada, emprestada, etc.) e de quem estava junto

(pais, amigos, filhos, colegas de trabalho, etc.). Na Figura 9, elucidamos a relação dos processos

de aquisição, revelando a ligação entre eles. Momentos importantes, ações únicas e agentes

considerados especiais geralmente conferem caráter singularizado ao objeto adquirido.

Momentos comuns, ações corriqueiras e agentes habituais, por sua vez, indicam que o bem será

significado como relativo ao cotidiano, como algo profano, no sentido atribuído por Belk,

Wallendorf e Sherry, 1989. Entre esses dois extremos, parece haver uma série de outras

possibilidades que combinem ocasiões, ações e agentes distintos, o que ajudará a moldar a

natureza de cada objeto para o sujeito, formando, assim, a relação que eles terão no futuro.

Nem sempre é possível, contudo, definir exatamente o papel ou a influência dos

elementos do processo de aquisição, pois eles se mesclam. Apesar das ações estarem presentes

na fala das entrevistadas, é difícil dissociá-las da ocasião e dos agentes. O exemplo de Tata, de

38 anos ajuda a compreender essa dificuldade:

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

167

O vaporizador eu me lembro do dia que comprei. Estava eu, o Paulinho, a Manu

e o marido no shopping. A gente estava indo viajar e comprou isso na ida do

shopping. “Vamos usar na viagem! Não precisa se preocupar com ferro na

viagem”! Nunca levei. Usei algumas vezes em casa (Tata, 38 anos).

A história do vaporizador, mostra que as entrevistadas relacionavam suas aquisições

com os três elementos do processo de aquisição. Naturalmente, sem que fossem perguntadas,

elas relatavam os detalhes da aquisição durante a pesquisa, pois parecia importante

contextualizar a importância do bem. Essas explicações sobre a aquisição para a entrevistadora

podem ser interpretadas como uma maneira de dar sentido a manutenção da posse, justificada

pela relevância da situação de obtenção. Explicações como a de Tata foram frequentes na

pesquisa, quando as entrevistadas detalhavam a aquisição do bem, o que permitia a

pesquisadora compreender a importância dele. Como forma de corroborar com esse

apontamento, vejamos o caso de Dona, de 42 anos, que nos conta sobre a compra de duas calças

durante uma viagem e o empréstimo de dois vestidos por sua irmã.

Eu comprei em Milão quando era o casamento da minha cunhada e eu fui com

o meu pai, com as minhas irmãs e eu estava com as minhas irmãs e eu tenho um

amor naquelas calças. Não um amor pelas calças, mas eu tenho um amor

naquelas calças, a história que elas têm. [...] Se é um dia que eu estou inspirada,

eu olho e sinto orgulho [das coisas não usadas]. Não, é assim, como eu sou, vou

falar bem uma questão espirituosa, como eu sou abençoada e sou uma pessoa,

não é satisfeita... Que bem que eu tenho essas coisas. Que eu pude trabalhar,

que eu pude adquirir e pude ter isso sem ser um excesso de uma coisa que eu

nunca usei (Dona, 42 anos).

Ao final desse relato, Dona parece unir os três elementos da aquisição para explicar um

significado ampliado dessas roupas não usadas: essas roupas aparecem como resultado de seu

esforço de trabalho, de sua condição financeira familiar favorável e, portanto, representações

de escolhas pessoais e de sucesso ou do seu sucesso pessoal.

Bibi relata o mesmo sentimento de orgulho para com seus objetos adquiridos. A

entrevistada conta que escolhe os itens que vai comprar com base numa avaliação que

inicialmente pode parecer utilitária – peças mais duráveis, de melhor qualidade –, mas que

ajudam a revelar a vontade de criar e sustentar a identidade de uma mulher clássica.

Eu cuido muito [das minhas coisas]. Com relação a roupa, eu sou uma pessoa

muito clássica para me vestir, eu não sou uma pessoa de moda, então eu prefiro,

às vezes, investir um pouco mais caro numa blusa, por exemplo, preta básica

que eu sei que vai me durar 2 ou 3 anos e que não é da moda, da novela, não sei

o que. Não tenho uma mega variedade, mas eu prefiro investir 300 reais numa

calça jeans do que ter 3 de 50, e não é pela marca, é pela qualidade, é uma bota

ou uma bolsa que eu sei que vai me durar. Não sou muito de trocar de bolsa,

não tenho nem paciência, então eu prefiro ter uma que vá me durar muito tempo,

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

168

que pode ser 3 ou 4 vezes o preço do que ter 4 ou 5, e por isso eu acabo

guardando mais as coisas, nesse sentido, porque eu tenho um apego. Mas eu me

considero uma pessoa mais clássica e eu gosto mais de branco, preto, bege,

cinza, enfim, e de vez em quando faço umas cores diferentes. Não sou muito

ousada (Bibi, 34 anos).

O processo de aquisição de Bibi revela que essa também é uma forma de criação de

identidade. As entrevistadas trazem eu seus discursos que suas escolhas de compra as ajudam

a manter seu sentido de self, pois permitem-lhes estarem mais próximas de como querem ser

reconhecidas. Ao mesmo tempo, a escolha por itens tão representativos do eu justifica sua

manutenção, apesar de serem não usados. Nesse sentido, produtos que são considerados caros

recebem uma atenção especial.

Uma das explicações mais frequentes que encontramos na pesquisa para manutenção de

objetos e coisas não usadas é o fato de que elas custam ou custaram muito dinheiro quando

foram adquiridas. Coisas obtidas de marcas ou grifes famosas, as quais a pessoa atribui valor

financeiro ou monetário, são diferenciadas das demais. Separamos os relatos de duas

entrevistadas, que contam como o valor monetário de suas aquisições influencia na manutenção

dos objetos não usados, Bibi e Dona.

Tem um tênis de corrida, um tênis que eu usei super pouco, não me adaptei.

Acho que eu usei umas 2 ou 3 vezes, mas eu não consigo me desfazer dele, e ele

está novinho, e eu não sei porque não vou me desfazer dele. Agora eu estava

olhando ele mesmo, eu vou fazer essa limpa e eu sei que ele não vai nessa limpa.

[...] Eu ganhei do meu marido. Na verdade, quando eu comprei, eu já senti que

não ia gostar muito, mas ao mesmo tempo, tem coisas que tu fica “eu ganhei,

não quero deixar ele chateado, não quero ofender”. [...] Ele pergunta. Até esses

dias eu falei que eu precisava comprar um tênis, e ele “não acredito que tu está

dizendo que precisa comprar um tênis” “é que o meu está ficando muito velho”

“tá, mas o que eu te dei? Onde está?” “ele está aqui” mas eu tenho certeza que

eu não vou conseguir dar, e algumas coisas tem a ver com o valor sim. É um

tênis caro, é um tênis de mais de 500 reais, como tu vai dar? Não tem como dar.

Normalmente como eu dou para empregada, faxineira, tem umas coisas que tu

pensa... Não por preconceito, mas tu pensa em dar “vou dar um tênis de 500

reais? As vezes a pessoa não sabe nem...” como podem interpretar algumas

coisas. É complicado (Bibi, 34 anos).

No caso de Bibi, o tênis custou caro e por isso deve ser mantido, mas também foi um

presente do marido. “Como se desfazer de um produto que custou mais de R$500,00?”, ela se

questiona. Em sua opinião, a doação não faria sentido, pois as pessoas para quem ela poderia

doar não compreenderiam o valor do produto. Para valorizar aquele bem, é preciso compartilhar

os mesmos significados que ela atribui ao produto e a sua aquisição. Para Dona, a marca e a

grife são fatores determinantes para manter consigo calças não usadas. Ela completa:

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

169

Porque eu comprei [essa roupa] na loja tal, normalmente assim, eu comprei na

loja tal e aí a loja é boa, é de marca, é de grife e eu não posso me desfazer

dela[...]. Eu adoro grifes e eu pago mil dólares, mil euros por uma bolsa. Eu

tenho algumas bolsas e sapatos de mil dólares, mil euros. Uma de mil e

quinhentos euros. E foi uma satisfação para mim porque eu guardei [o dinheiro]

um ano inteiro, eu trabalhei um ano inteiro e eu disse, eu vou comprar essa

bolsa. E quando eu entrei na loja, eu pensei, é hoje que eu vou comprar, e eu

pensei assim, mil e quinhentos euros por uma bolsa? Quanto é isso em real?

Tudo bem, eu trabalhei para caramba para isso, eu mereço ter. Só que aí eu

pensei, meu Deus do céu, é muito dinheiro! E aí eu fui e era uma Dior que eu

sempre sonhei em ter, eu sonho em ter e aí eu fui numa Gucci, eu podia comprar

uma bolsa muito bacana por mil euros, e aí eu entrei e saí umas vinte vezes

daquela loja e, muito pacienciosas as vendedoras, até, meu marido sentado no

frio na rua com a minha filha, e eu entrava e saía de uma loja, entrava e saía de

uma loja, uma simples por mil e quinhentos euros da Dior ou uma muito linda,

muito bacana por mil euros da Gucci. E aí eu comprei de mil euros primeiro

porque eu achei um absurdo gastar mil e quinhentos, mas no fim depois eu

comprei o sapato e eu comprei não sei o que, e foi os mil e quinhentos. Hoje eu

não uso muito. Mas eu tenho outras que eu já não uso mais e o meu marido me

lembra, usa aquela vermelha que tu tem da Louis Vitton, aí eu fico um tempão

usando aquela. Aí agora estou um tempão usando uma outra e sapatos que eu

comprei que eu não lembro que eu tenho.

O valor pago pelas bolsas e a grife são usados por Dona como uma referência. A

entrevistada conta que economizou durante um ano inteiro para poder comprar os produtos que

sonhava, mas, ainda assim, não os usa como pensou que faria. Surge aqui um vínculo entre

valor pago na aquisição e manutenção do bem comprado: produtos com valor alto devem ser

mantidos (com ou sem uso), enquanto produtos não usados que foram baratos estão mais

sujeitos ao descarte. Em decorrência disso, produtos pelos quais se pagou pouco não são tão

valorizados.

Parece haver uma avaliação de mérito do produto, por parte da consumidora, que pensa

assim: “esse foi caro, merece mais cuidado do que os outros”. Essa meritocracia aplicada aos

produtos, baseada no preço de aquisição, deságua num uso parcimonioso dos bens mais caros.

Como eles custaram muito “trabalho” para ser adquiridos, devem ser reservados para momentos

especiais. Dona afirma que tem até pena de usar seus produtos mais caros, com medo de estragá-

los:

Os [sapatos] bons estão em caixas. E aí eu não vejo. E outra, eu tenho pena,

como é que eu vou trabalhar, bater ele, estragar dirigindo e o bico comido atrás

e eu paguei quinhentos euros. Mas ao mesmo tempo paguei por ele, ele é meu,

eu tenho que usar, mas só que ele está guardado e aí eu esqueço de usar (Dona,

42 anos).

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

170

Produtos como os sapatos de Dona são exemplos de produtos caros citados pelas

entrevistadas. Eles recebem tratamento especial, distinto dos demais produtos e têm mais

respeito de suas proprietárias. Parecem ser sacralizados por seu valor monetário. A teoria da

cultura do consumo aponta que os consumidores valorizam os bens nem tanto por seu valor de

troca, mas pelo seu valor simbólico. Podemos, contudo, afirmar que valores monetários se

transformam em símbolos para os consumidores. Preços altos, grifes, marcas famosas são

símbolos de status, de raridade e de inacessibilidade. Transportam ao produto características

únicas associadas a bens luxuosos, que, por sua vez, são transferidas aos consumidores que as

usam. Esses bens não podem ser doados, dado seu valor.

O valor da aquisição concede ao bem um status imediato. As coisas caras e baratas são

naturalizadas como de boa e de má qualidade pelo fato de custarem mais ou menos dinheiro.

Os significados são alocados nesses produtos dado seu valor de troca. Dessa forma, produtos

baratos são definidos como ordinários e não recebem a mesma distinção dos mais caros. Eles

são doados, amarrotados, colocados de lado, pois custam muito pouco. Cela explica seu

relacionamento com sapatos velhos e baratos.

Eu odeio sapato velho. Quando o sapato era dourado e começou ficar com

aquela cor assim meio sabe que ninguém sabe o que é... Meio bronze. Assim,

putz, isso é um sapato velho. Aí, quando ele começa a ficar com a marca no

calcanhar preto, assim, eu não gosto mais de usar. E aí eu tenho um problema

sério, porque eu, por mim, sapato barato eu dou. O sapato está um lixo, eu ando

na rua e o sapato está se desfazendo. Mas a minha irmã não, a minha irmã gosta

de usar sapato velho e aí fica aquela coisa que dá uma energia negativa no

armário. Meu deus! [...] Eu sempre penso assim se a roupa foi cara e eu não

gostar mais da roupa eu não dou. Assim algo mais furreco assim se eu não quero

mais, eu dou a roupa. Se for uma roupa cara mesmo estando fora de moda,

mesmo se eu acho a coisa mais ridícula do mundo eu não dou a roupa (Cela, 20

anos).

Se, para os produtos caros, há a necessidade de mantê-los e ter parcimônia no uso, talvez

como forma de aumentar sua vida junto com o sujeito, que por mais tempo poderá usufruir dos

significados daquele bem, para os produtos mais baratos ocorre o oposto. Produtos baratos

devem ser usados e, quando sua utilidade percebida acaba, o sujeito deve se desfazer deles. Para

Cela, os sapatos velhos têm a capacidade de contaminar as outras coisas que estão no armário.

A energia negativa associada ao produto barato e usado não deve, segundo a entrevistada,

espalhar-se para suas outras coisas. Ela atribui a propriedade de contaminação e cratofania aos

bens velhos e baratos, que passam ser símbolos do profano, conforme indicam Wallendorf, Belk

e Heisley (1988). O sapato tem o poder de atemorizar pela pretensa capacidade de transmitir

sua negatividade para outras coisas.

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

171

Os produtos velhos e baratos se opõem aos caros e sagrados. Quando Cela fala que sua

irmã gosta de “manter produtos velhos”, apresenta esse comportamento quase como uma

heresia. Em sua concepção, guardar coisas baratas não faz sentido, pois é possível comprar

outras sem muito esforço (material). Madu conta que, ao contrário da irmã de Cela, não teve

nenhuma dificuldade em se desfazer de um vestido.

Então teve uma vez... Foi ridículo. Lá [nos EUA] tem uma loja, a Postalia, muito

barata, eu vi um vestidinho assim que eu achei tão fofo, mas não deu tempo de

experimentar. Quando eu cheguei no hotel eu falei assim... E era um modelo que

eu não gostava. Assim ele dava em mim só que ele ficava muito esquisito, ficava

muito curto. Aí essa minha amiga eu falei: Mari você não quer? Ficou uma

graça nela, então pode ficar. Era básico assim não tinha nada demais (Gabi, 19

anos).

Os produtos baratos parecem não criar conexão com as entrevistadas, que simplesmente

podem se desfazer deles. Bens caros, por sua vez, parecem ser objeto de apego, enquanto bens

baratos parecem ser desapegos naturalizados. Pode ser surpreendente que o apego se forme pelo

fato do bem ter custado muito caro, mas pode-se elencar que o status que ele transmite e sua

capacidade de representatividade social estão associadas ao valor monetário. Enquanto uns

obrigatoriamente devem ser mantidos outros obrigatoriamente não devem ser cultivados. O que

significa caro e barato, contudo, pode ser relativizado. Tata mostra sua opinião sobre a definição

de caro e barato.

Dá dó jogar fora coisas que você pagou para ter. Pra mim é um atestado de

idiotice do consumismo. Tem uma frase que é só é caro o que você não usa. O

que você usa é sempre barato. Um casaco caro que você vai usar 10 anos, pagou

600 dólares... em todos invernos. Agora você compra um negócio baratinho que

vai ficar no armário, esse foi caro, porque não usa (Tata, 38 anos).

Percebe-se que o conceito de caro e barato depende fundamentalmente da percepção da

entrevistada sobre o valor do bem. A relativização da entrevistada permite considerar que a

aquisição de produtos que se tornam não usados diminui a percepção de valor sobre esses bens,

ao passo que produtos muito usados têm seu valor aumentado. Uma vez que o uso é uma das

formas de criação de apego, coisas que tiveram alto custo de aquisição podem transmitir a

sensação de que “vale a pena” tê-las, pois serão usadas. O não uso, nesse sentido, parece estar

no extremo oposto, percebido nessas circunstâncias como algo que “não valeu” os recursos

investidos. Tata segue sua fala reforçando o sentimento de desperdício de dinheiro por ter coisas

caras que não foram usadas.

Quando fui abrir a porta pra você eu pensei, e aquelas garrafas de whisky, elas

estão enfeitando minha casa há uns 10 anos minha casa. Nunca tomei, nunca

ninguém toma.

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

172

Entrevistada: Mas é enfeite?

Acho um desperdício.

Entrevistada: Por que você não dá, não vende?

Tenho pena, porque gastei dinheiro. Jogação de dinheiro fora. [...] Inclusive

quando olho para os brinquedos das crianças, se eu somasse tudo isso e essa

grana toda estivesse guardada pra fazer uma viagem... Pouco a pouco a gente

vai botando dinheiro no dia-a-dia. Essa sensação que tenho. Mesmo as coisas

de presente de casamento. Na época que casei não tinha essa coisa de viagem,

mas acho muito mais útil. [...] Me incomoda em saber que foi um dinheiro que

botei numa coisa que não usei. Eu deixo escondidinho.

Entrevistada: Tipo a cafeteira lá em cima [do armário da cozinha] no cantinho.

É! [...] Eu penso sobre isso porque acho um desperdício de espaço e dinheiro

(Tata, 38 anos).

A noção de finalidade ou de utilidade surgiu nessa entrevista, em que Tata racionalizava

sobre o que considerava ser um desperdício. Manter um bem, no qual foi investido alguma

quantia de dinheiro, que ocupa espaço importante dentro da casa e que ninguém está usando, é

visto por ela como desperdiçar dinheiro, espaço e a oportunidade de que outra pessoa pudesse

estar usando.

Manter objetos não usados é uma forma de desperdício evidente, mas, e quando esses

bens contam uma história? Quando eles são parte da vida de quem os mantém? Um discurso

socialmente aceito para referir-se ao não uso parece, então, ser o do desperdício. A percepção

de Tata evidencia a ambiguidade e os conflitos do não uso. Se, por um lado, bens não usados

podem servir como retratos de ocasiões importantes, lembrando pessoas, momentos e ações de

aquisição, podem, também, servir como um lembrete do desperdício ou do descontrole com as

compras.

Nesse sentido, os não usos podem ser encarados como evidências da impulsividade e da

pressão social para a conformidade. Alguns bens podem ser adquiridos como forma do

consumidor aderir a grupos sociais e ser visto como membro de tal grupo. A partir da aquisição

de determinados produtos, os consumidores podem se sentir incluídos – ou não – em seus

grupos de referência, o que lhes concede legitimidade junto ao grupo. A vontade de pertencer

pode levar os consumidores a adquirir produtos e serviços que serão percebidos pelo grupo

como sinônimo de poder e de status. As entrevistadas relataram que alguns produtos foram

adquiridos “não porque precisa, mas porque tem que ter”, indicando a ação das normas do grupo

social sobre elas. A fala de Bia, de 19 anos mostra essa percepção.

Eu não compro maquiagem porque eu preciso. Se ela [Amanda] tem bastante

maquiagem não é quando ela precisa [que compra]. Maquiagem não precisa de

muita coisa: é uma sombra uma base e um batom. Mas ninguém compra porque

precisa, compra porque tem que ter. Quando eu viajo pra fora eu fico obcecada:

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

173

quero sempre comprar muita maquiagem. Não sei porquê maquiagem eu sempre

quero. Aqui [no Brasil] não. É mais quando eu viajo que eu fico obcecada, eu

compro por comprar. E eu não era assim. Eu sempre gostei, essa vontade de

comprar foi de um ano pra cá.

Entrevistadora: O que você acha que mudou?

Acho que eu cresci e por causa das minhas amigas, da convivência, que gostam.

Amigas que são muito ligadas a isso de marca. Não conhecia Mac. Conheci de

uns dois anos pra cá, que é a mais famosinha. Aí, acabei querendo ter essas

marcas (Bia, 19 anos).

Bia diz que compra por comprar, que não precisa, mas compra. Apesar de não saber por

que está comprando, ela indica a relevância do “ter” como forma de pertencer associar-se ao

grupo de amigas. A vontade de adquirir coisas que estão na moda ou que são valorizadas pelos

grupos de referência surgiu como um os fatores que levam ao não uso. Talvez a fala de Bia se

aproxime mais da compra por impulso. A vontade de ter bens que as amigas também têm torna-

se um elemento de motivação e justificativa da aquisição. Não importa para essa entrevistada o

uso do produto, importa é ter a sua posse.

Pela fala de Bia, percebe-se que o não uso pode, ainda, estar relacionado, de forma

indireta, com o incentivo ao consumo, à compulsão, à impulsividade e ao materialismo. Uma

vez que a aquisição também está ligada possibilidade de criar identidade é quase uma

“obrigação” ter determinados produtos, pois eles ajudam a achar o espaço de nossa entrevistada

no mundo. Comprar mais do que seria necessário é uma forma naturalizada de pertencer, de

mostrar a compreensão dos valores e da cultura da sociedade. Algumas entrevistadas afirmam

que se preocupam em ter muitas coisas e que, para elas, o importante é a posse desses bens.

Outras, indicam sentimentos de remorso pela compra excessiva, principalmente porque não

conseguem usar tudo o que possuem. Surge, nesse momento, a relação entre compra por

impulso e não uso.

A aquisição aparece também associada a um comportamento acumulador, com

características de compulsividade. As histórias contadas trazem motivações e justificativas

nobres para receber tantos objetos em doação, outra forma de aquisição surgida na pesquisa.

Ruth (60 anos) explica que recebe muitos objetos que estão acumulados em sua casa, “outra

casa” como explica o seu porão repleto de objetos de todo tipo. Seu objetivo é ajudar os outros,

passar para frente, encontrar alguém que queira. Ela dá vários exemplos de sua generosidade,

que parecem não ser suficientes para justificar sua aparente característica acumuladora e

compulsiva. Ela não rejeita o que os outros trazem e faz de sua casa um grande depósito de não

uso. Nana (31), bem mais jovem do que Ruth, traz justificativas amorosas, mas com uma lógica

semelhante, ao se descrever como uma acumuladora de objetos de família, mãe, avó e bisavó.

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

174

Assim como Nana se coloca como uma espécie de “ponto de passagem” para os objetos

familiares, que parecem se acumular em suas prateleiras lotadas, Ruth explica que recebe para

depois dar para outros os objetos que se acumulam em seu porão.

No porão, depois vou te mostrar, tenho uma máquina de costura que é muito

antiga, ela funciona, mas acho que nunca mais vou usar ela, mas não quero me

desfazer dela. Olho para ela, eu gosto dela. Aquela máquina nem foi minha, eu

ganhei de uma cliente que era da mãe dela, mas é uma máquina que não sei por

que tenho um carinho por ela, não me desfaço dela. Às vezes alguém quer me

dar alguma coisa, eu olho, acho que é uma peça que tem valor, uma coisa assim

que alguém vai gostar, eu pego e depois eu passo pra frente. Mas aí dou para a

pessoa certa que vai valorizar aquilo. Ou às vezes quando eu pego eu já tenho

em mente alguém. Tem uma vizinha aqui, outro dia queria dar um sofá. Tu vai

ver no meu porão que tem espaço, é bem legal lá, é outra casa lá embaixo. “Tá,

eu quero”, porque eu já sabia que eu tinha uma outra amiga que precisava do

sofá para levar para um sítio, na mesma hora eu já peguei e já passei para a

frente. Conheço outras pessoas que fazem isso também. Às vezes recebo e passo,

é uma coisa mais... Tenho um cliente aqui a umas duas quadras acima,

Pedrinho, ele aluga equipamentos para obra desde uma escada, um lava a jato,

tudo o que você precisa ele aluga. Ele ganha muita coisa também, tipo tijolo de

vidro, ele não vende também, ele dá para quem precisa. Esses dias ele me deu

uns 10 tijolos de vidro. Está na moda, mas sempre fiz isso. Até roupa às vezes

ali, tenho clientes que trazem roupa para arrumar, eu vejo “isso nunca vai te

servir mais”, isso tudo vai para alguém. Eu digo “tu tens para quem doar?”,

sempre arranjo para quem doar. Deixo separado. Eu sei que tem alguém que

precisa, eu já passo. Esses tempos a minha sobrinha levou, ela tem uma Tucson,

ela levou duas caminhonetes cheias, carregadas para Santa Rosa, para o

instituto, uma associação que eles criaram lá tipo da APAE, só que são aquelas

crianças que a APAE não pega. Eles criaram uma associação, ela organizou

tudo, fizeram um brechó bem legal lá e arrecadaram fundos. Tudo peças novas,

roupas que eu não vendia mais na loja, coisas que eu ganhei também. [...] Esses

dias a vizinha do lado se mudou e muita tralha que era deles, eles me deram.

Por exemplo, essas canequinhas, é útil. Minha sobrinha veio aqui esses dias e

viu, já foi lá no Toc&Stock comprar pra ela. O pessoal vai me dando coisas,

sabe. Às vezes eu olho e tem tanta tralha. Eu ganho e é tudo tão bonitinho. [...]

Ganhei também uns guardanapinhos bordados. “Minha mãe que fez, achei que

tu ia gostar”, todo mundo me traz (Ruth, 60 anos).

Como eu guardo muitas coisas da minha mãe tipo metade daqueles pratos eu

não uso, mesmo quando tem festa. Então, tipo, eu realmente tenho muita louça

que eu herdei. Eu acho que posso doar louça para umas 3 famílias. [...] Às vezes

fico presa por uma coisa que não posso alugar e tem muito isso de, por exemplo,

essa sala inteira fora essa poltrona e essa farmacinha e aquela prateleira que

já estava aqui, tudo veio de alguém da minha família, tipo minha avó teve que

sair da casa dela porque estava com Alzheimer e foi parar num lar. Acabei

herdando esse sofá, a máquina de costura, tem uma cadeira de balanço. A minha

mãe se mudou, veio a cristaleira, então eu acabo sendo um ponto de passagem

para as coisas das pessoas. [...] Agora, porque cada parte da minha família está

num lugar diferente e começaram a centralizar aqui também. Por exemplo, no

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

175

natal muitas tigelas foram usadas. Fiquei muito feliz. Agora vai ter aniversário

do meu pai. Essas coisas, as louças particularmente eu acho que ainda vou ter

como usar elas. Tipo o colorex era uma paixão minha de infância. Então minha

mãe começou a garimpar os colorex e me dar coisas. Pra eu terminar minha

coleção de colorex falta só xícaras e pirezinhos. Mas ao mesmo tempo nunca

vou botar tanta comida dentro dessas coisas. Sou meio velha das louças. [...]

Mas eu separo as louças. Tenho um amorzinho por elas. [...] Tem os armários...o

armário que está ali no acervo é da minha mãe quando ela tinha 9 anos de idade.

Então como vou me desfazer do armário da minha mãe com 9 anos de idade? A

cadeira de balanço, que não me vejo usando tão cedo, era da minha bisavó.

Como não vai estar ali? Só que ao mesmo tempo moro sozinha, estou sempre

correndo e não consigo deixar as coisas organizadas. Faltam prateleiras e

ninguém consegue enxergar as coisas legais que estão aí por mais que não sejam

tão usadas assim. O rádio que está ali atrás que é dos anos 30, era do meu

bisavô. Eu adoro todas essas coisas, sou uma acumuladora...(Nana, 31 anos)

Nana pode ser comparada à informante de McCraken (2003), Lois Roget, por seu

consumo “curatorial”. Assim como Lois, Nana se sente obrigada a preservar a memória de sua

família, que lhe envia todo tipo de objetos que consideram que devem ser preservados. As

heranças atuam, nesse sentido, como uma forma da família de Nana moldar nela uma identidade

que a transforma numa guardiã das memórias familiares. Nana se dá conta de que as heranças

lhe impõem restrições de escolha e de organização da casa, mas, ao mesmo tempo, tem orgulho

dos objetos familiares que armazena.

Assim como as heranças, as doações também foram citadas pelas entrevistas como uma

forma de aquisição na qual há o recebimento de objetos que não são necessariamente desejados

pelas entrevistadas. As doações se assemelham às heranças, com a diferença de que não foram

repassados por alguém da mesma família, mas por amigos. A história de Ruth e as doações

recebidas são uma forma de aquisição bastante interessante. Ruth atua como espécie de guardiã

temporária de objetos que os outros não usam. Alguns ela usa – como as canequinhas doadas

pela vizinha –, outros ela simplesmente guarda – como a máquina de costura antiga – e outros,

ainda, são doados para outras pessoas que precisam mais. Seu trabalho de protetora dos objetos

não usados de outros parece estar menos ligado à memória desses bens em suas famílias de

origem, e mais voltado para a benfeitoria.

As aquisições às quais as entrevistadas se referem como as mais especiais são as que

foram recebidas como presentes, seguidas das heranças e das doações. Na sequência surgem as

compras feitas por elas mesmas, as trocas e os empréstimos. Sobre os presentes recebidos, eles

parecem se encaixar num tipo especial de aquisições, que devem ser mantidas obrigatoriamente.

Um presente não pode ser recusado, devolvido ou trocado, ele deve ser mantido. Parece haver

um código social tácito, que afirma a necessidade de agradecer e necessariamente gostar dos

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

176

presentes recebidos. As entrevistadas afirmam que não podem simplesmente se desfazer dos

presentes, como conta Bibi sobre algumas joias.

Joia também, por exemplo, eu uso muito ouro branco, praticamente não uso

mais ouro amarelo, e o que vou fazer? Vou me desfazer? Vou dar a joia? E não

uso. Joia que eu ganhei de 15 anos, não uso, mas não vou me desfazer e não vou

ter filha mulher, não dá nem para dar. Não sei o que vou fazer, mas não consigo

(Bibi, 34 anos).

A história de Bibi condiz com a proposta teórica de McCracken (2003) acerca dos rituais

de troca. Para o autor, ao escolher um presente, o indivíduo normalmente procura características

que acredita que faltem ou que gostaria de acrescentar ao presenteado de forma simbólica. Bibi

não pode se desfazer dos, mas também não quer usá-los, pois acredita que não combinam com

seu estilo. Os presentes parecem criar uma camada adicional de afiliação entre pessoa e objeto,

que não é facilmente removida, assim como propuseram Kleine, Kleine e Allen (1995). Eles

são tratados como posses especiais, representantes tanto de momentos de aquisição quanto do

self de quem as presenteou. Dona conta sobre as baixelas de prata que recebeu como herança

da mãe.

Eu tenho muita [coisa], amo coisas de casa assim e eu tenho muitas louças. E

uma das coisas que eu fiz... assim... que eu nunca usei, eu herdei um jogo de

baixelas que hoje em dia nem se escuta falar, de vinte e cinco anos de casada

da minha mãe. Herdei. [...] Baixelas de prata. E aí eu peguei para mim e botei

num armário e nunca usei. E eu olho para ele e digo, não posso devolver para

ela. Então eu tenho que ficar com isso (Dona, 42 anos).

As entrevistadas empregam um comportamento de afastamento de tais presentes

indesejados, que se tornam não usos, mas sequer são cogitados como descartes. Mesmo não

gostando deles, as entrevistadas têm dificuldade em se desfazer desses bens, por medo de

desapontar quem os presenteou ou por receio de perder o vínculo afetivo que aquele bem traz.

Esses bens acabam tornando-se fortes candidatos ao não uso e recebem procedimentos que os

mantêm afastados do convívio principal da casa.

Podemos comparar as doações, as heranças e os presentes recebidos. Essas três formas

de aquisição podem despertar sentimentos dúbios em seus proprietários. Podem ser motivo de

orgulho, de conforto material e de perpetuação da identidade de quem repassa o bem. Podem

também representar uma economia de dinheiro, pois não será necessário para os receptores

dispender recursos na aquisição. Por outro lado, bens recebidos em doação, como presentes ou

como heranças, fazem uma exigência tácita: devem ser valorizados e mantidos. Os receptores

não podem se desfazer deles, sob pena de comprometer a ordem social de seus grupos de

referência. Eles precisam manter a memória e a história dos objetos recebidos, e se veem na

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

177

obrigação de preservá-los. A posse, nessas situações, aparece como um elemento importante de

significação do bem não usado, o que será trabalhado na seção a seguir.

4.2.3 Consumo

Ao apresentarmos o processo que conduz ao não uso, definimos o consumo como uma

etapa na qual o objeto adquirido passa a conviver com o sujeito. Por consumo, compreendemos

uma ampla gama de possibilidades, que englobam o uso, a exibição, a posse, o domínio, o não

uso, a coleção, a manutenção, etc. Usamos a compreensão de Miller (1987), que define o

consumo como um processo pelo qual os objetos são apropriados e tornados significativos.

Nesse sentido, a etapa do consumo é composta por uma série de atividades que transformam a

condição do objeto estranho ao sujeito, de commoditie, para a condição de representante de

particularidades e símbolo de pertencimento investido de significados públicos e privados.

Buscamos evidenciar por que as entrevistadas não usam, deixaram de usar ou nunca

usaram os produtos e serviços adquiridos. Observamos, durante o campo, a existência de

diversas formas de convivência entre sujeito e objeto, que permitiram a construção da história

entre eles e que levará, posteriormente, aos sentimentos de posse e apego. Vimos que, durante

o consumo, as entrevistadas interagiam com os objetos adquiridos, passando a ter sobre eles o

sentimento de posse.

Segundo nossa pesquisa, nessa fase, as pessoas percebem as virtudes ou dificuldades do

uso do bem e têm experiências que vão transformar tanto o conceito inicial incorporado àquele

produto quanto sua representação social. Percebemos que as experiências vivenciadas pelas

entrevistadas com suas posses iniciam-se na pré-aquisição, passam pela aquisição, mas é no

consumo que elas convivem com suas aquisições, extraindo e dando a elas significados,

influenciados pela cultura na qual elas e os objetos estão inseridos.

No Quadro 14 mostramos que o conjunto de experiências vividas entre os sujeitos

entrevistados e seus objetos ajudam a explicar os caminhos que levam ao não uso. Para isso,

elencamos 14 fatores, surgidos durante o consumo do bem e revelados pelas entrevistadas, que

conduzem ao não uso. Nosso objetivo é explorar os motivos declarados pelas entrevistadas para

nunca terem usado ou deixado de usar produtos e serviços.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

178

Quadro 14 – Fatores que levam ao não uso

Motivos Descrição Tipo de Objeto citado

1. Moda

Objetos tornam-se não usados, pois são percebidos

como fora de moda, porque não combinam com a

estação vigente ou porque possuem em

corte/caimento avaliado como ruim.

Roupas, sapatos, maquiagens

2. Ciclo de Vida

Os produtos não são usados por não combinarem com

a fase de vida atual das entrevistadas ou por

mudanças em seu estilo de vida.

Roupas, sapatos, livros,

móveis

3. Enjoou

Quando as coisas são usadas por um tempo, mas o

consumidor perde o interesse e o entusiasmo inicial e

deixa de usá-las.

Brinquedos, iogurteira,

roupas, sapatos, maquiagens.

4. Está velho Em virtude do uso demasiado ou da idade avançada

de alguns bens, eles deixam de ser usados. Roupas, sapatos, maquiagem.

5. Deixou de

servir

As entrevistadas indicaram que produtos e serviços

não são usados por não caberem nelas. Calças, vestidos, casacos

6. Rotina

As entrevistadas declaram que a dificuldade de

incorporar práticas exigidas pelos produtos à sua

rotina faz com que eles se tornem não usados.

Maquiagens, cremes,

eletrodomésticos,

eletrônicos, utensílios de

cozinha, produtos de beleza

7. Esquecimento

Alguns produtos não são usados em virtude de serem

esquecidos ou porque as entrevistadas nem sabiam

que tinham.

Molhos, esmaltes, roupas,

sapatos, bolsas, joias.

8. Desorganização

A falta de organização ou a má organização nos locais

de armazenamento de produtos são relatados como

causas do não uso.

Roupas, louças, máquina

fotográfica, maquiagens,

cremes.

9. Difícil de usar

Produtos que não são práticos, são difíceis de serem

usados ou que possuem substitutos mais simples,

deixam de ser usados.

Depilador, ferro portátil,

Máquina de lavar louça,

louças, taças.

10. Possibilidade

de estragar

Não se usam determinadas coisas para preservá-las e

com medo de que estraguem ou se desgastem. Sapatos, bolsas, louças, joias

11. Não funciona Bens que estragam, precisam de conserto ou deixam

de funcionar a contento tornam-se não usados.

Máquina de lavar roupa,

móveis, lustre, utensílios

domésticos, roupas

12. Dor Produtos que causam dor ou machucam não são

usados.

Sapatos, depilador, roupas

apertadas.

13. Contexto

específico

Coisas que devem ser usadas em contextos ou

ocasiões muito específicas acabam não sendo usadas.

Panelas, tintas, roupas de

festa

14. Tem muito

Algumas entrevistadas relataram que não usam

determinados produtos e serviços, pois têm muitas

opções de uso de coisa similares.

Roupas, sapatos, maquiagem,

utensílios domésticos.

Fonte: a autora.

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

179

O primeiro fator revelado pelas entrevistadas para não usarem roupas, sapatos e móveis

foi porque aqueles eram itens que tinham saído de moda. Caimento ultrapassado da peça, corte

antiquado, modelagem ultrapassada, cor, tipo de tecido, texturas ou detalhes desatualizados

foram citados como marcadores de época das peças. Usar coisas como essas seria uma forma

de declarar-se defasada em relação à moda. Dona mostra que tem dificuldade de não estar na

moda, mas também de se desfazer de peças que considera importantes.

Não é mais moda usar casado de couro longo, eu não vejo as pessoas usando e

eu tinha um de cada cor, aí eu dei todos para a minha irmã. Eu não vou usar,

porque ninguém usa mais e se eu aparecer no meu trabalho com um casaco de

couro longo, vão rir de mim, né?! Eu digo [para minha irmã], “mas não está na

moda!”. “Eu não uso moda. Eu uso o que eu gosto” [ela responde]. Eu gostaria

de ser assim, só que eu ainda me apego a moda. Não sou o que está no último

lançamento, porque eu não estou mais comprando e gastando, mas antes eu era.

Saiu nas revistas e se está nas lojas eu tinha que ter. Só que ainda eu tenho

algumas peças que eu guardo como, por exemplo, três casados de couro longo

que eu não me desfaço, não me pergunta porque, porque eu acho que eu sou

também uma acumuladora (Dona, 42 anos).

A preocupação em estar na moda foi destacada por algumas entrevistadas. Seguir as

tendências, estar atualizada, ser vista como alguém que conhece e reconhece o que está

acontecendo em torno de si foram destaques nas falas das entrevistadas. McCracken (2003) fala

sobre o uso do vestuário como ferramenta de expressão constrangida, ou seja, não há liberdade

de escolha sobre o que vestir, dado que essas escolhas são pré-fabricadas. Uma vez que quem

veste não tem liberdade de escolha, o autor afirma que o intérprete examina a roupa vestida por

meio de regras definidas pela convenção social.

Dona percebe essa restrição de escolha quando fala que não pode “aparecer com isso no

trabalho, pois vão rir de mim”. A entrevistada percebe que há categorias culturais essenciais,

que devem ser respeitadas a fim de ser reconhecida como alguém que “está na moda”. O não

uso nesse caso ocorre porque ela deixou de usar seus casacos, considerados ultrapassados.

Nesse discurso, as entrevistadas também revelam que seus objetos passam a ser não usados,

pois não combinam com as cores ou modelos da estação atual. Podemos perceber que o fator

“estar na moda” contribui de diferentes formas para que objetos se tornem não usados.

Esse [esmalte] laranja que vai usar no verão e no verão não está mais na moda

e você nunca leva na bolsa e não joga fora (Tata, 38 anos).

Passou duas estações e eu não uso esse blusão, eu não vou mais usar. Tem

alguns que eu realmente me apego, mas tem uns que são uma ou duas estações,

inverno passado eu já não usei, não vou usar, pronto (Bibi, 34 anos).

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

180

Caracterizamos que o não uso ocorre porque coisas são vistas como fora de moda, mas

também porque não fazem mais parte do momento de vida das informantes. Segundo as

entrevistas, as fases da vida parecem despertar diferentes vontades, necessidades e desejos, que

exigem bens que se adequem as mudanças. Nossas informantes relataram que produtos e

serviços deixaram de ser usados, pois não faziam mais parte de sua fase atual de vida:

Quando eu morava com a minha mãe, eu tinha muita roupa dessa categoria de

ficar em casa, porque até uma idade eu não fazia nada, só ficava em casa, só

usava roupa de ficar em casa. De um tempo para cá eu só uso roupa de

trabalhar. Então não tem mais porque usar blusa branca de propaganda de

curso de inglês, propaganda de supermercado, não tem mais porque, né?! (Tati,

24 anos).

As blusas promocionais foram abandonadas por Tati, pois não combinavam mais com

seu momento de vida, que exige “roupa de trabalhar”. O trabalho surgiu como um importante

fator de mudança de vida durante a pesquisa, exigindo um novo padrão de consumo das

entrevistadas. Algumas precisam adotar um estilo mais sóbrio para adequar-se ou ambiente

profissional, enquanto outras deixaram de usar salto alto, pois não precisam “se arrumar” para

o trabalho. Esse é o caso de Gica, de 31 anos, que trabalha como professora do Ensino

Fundamental.

Eu pensei no seu salto assim, eu usava, agora eu não uso mais, mais do que ciclo

de estações, mas fases da vida. Isso, pra mim, não funciona muito. Primeiro

porque eu não mudo muito o corpo. Então eu tenho roupa de 10 atrás que eu

não uso, e o meu trabalho não é um trabalho arrumado. Então assim eu posso

perfeitamente trabalhar com uma roupa que eu usava na faculdade, quando eu

tinha 20 anos, 21. Mas não combina mais comigo. Tem muito isso, eu acho que

nosso estilo muda muito (Gica, 31 anos).

Apesar do seu “corpo não mudar muito”, a entrevistada não usa mais algumas roupas,

pois “não combinam mais” com ela. Kleine, Kleine e Allen (1995) já haviam apontado em sua

pesquisa a existência posses chamadas “It’s Not Me Anymore”, vistas por seus entrevistados

como “não sou eu agora” e “não representa quem eu estou me tornando”. Tal como na pesquisa

de Kleine, Kleine e Allen (1995), algumas entrevistadas afirmaram que esses bens não se

encaixam em sua autoimagem atual ou não são uma declaração de quem elas querem ser.

A sensação de que algumas posses não “cabem” na fase de vida atual se evidenciou na

fala de algumas entrevistadas que tinha se tornado mães. A maternidade fez com que elas

passassem a não usar determinados produtos ou mudassem seu estilo de vida de se vestir,

tornando algumas coisas não mais usadas. Além da maternidade, elas falaram de outros

momentos como começar a trabalhar, mudar de cidade ou de endereço, casar ou entrar na

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

181

faculdade como fatos que modificaram suas vidas as levaram a não mais usar determinados

bens.

Não [tenho sapatos que nunca usei]. Sapato não, porque normalmente sou eu

quem compro. Já usei, todos eles eu já usei, mas tem uns que eu uso bem menos

porque não combina muito com as coisas, só isso.

Entrevistadora: Com o momento de vida?

É. Tem uns que são salto alto, e antes eu usava mais, agora que está mais

limitado a quantidade de sapatos que eu uso porque correr atrás de crianças

nas festas de salto alto é complicado (Luca, 36 anos).

Há alguns anos atrás eu tinha um jeito de me vestir, meu estilo de me vestir

sempre foi muito diferente cada dia, cada época e cada temporada, mas a algum

tempo atrás eu estava muito vinculada com uma coisa meio que dos anos 50,

tanto nas modelagens, tecido e tal, e comportamentais. No momento que meu

comportamento se modifica por alguma coisa... Agora sou mãe, antes não era,

e isso faz com que a gente se modifique, e eu acho que essa transformação, o

jeito da gente se vestir está totalmente correlacionado. Acho que tem a ver com

isso, quando a coisa já não te representa mais (Dani, 40 anos).

Quando Dani afirma que “a coisa já não te representa mais”, está deixando claro que

eventos importantes são como marcos na vida. Tais eventos alteraram o relacionamento das

entrevistadas com seus bens, modificando suas prioridades. Podemos perceber que à medida

que as entrevistadas avançaram em seus estágios de vida, observaram-se significativas

mudanças em seus gostos, como relata Manu, de 37 anos.

Eu acho que tem roupas, tem estilos de roupa que tem épocas que você gosta

mais e tem época que não gosta mais. Por exemplo, mesmo depois de ter vindo

para cá [para sua casa na Barra da Tijuca], eu tinha acabado de fazer a seleção

das roupas que eu queria. Eu cheguei aqui e vi acho que umas duas ou três

blusas que eu falei, isso aqui eu nunca mais usei e nem sei mais como usar.

As mudanças ao longo da vida de nossas entrevistadas apontam as alterações em relação

aos bens. Os bens “nunca mais usados” parecem se afastar do self, de forma que elas “nem

sabem mais como usar”. Apesar de não combinar mais com sua fase de vida, tais bens são

mantidos pelas entrevistadas, que os guardam.

As alterações no ciclo de vida de nossas entrevistadas, fez com que elas relatassem

enjoar de algumas de suas coisas e por isso deixassem de usá-las. McCracken (2003) aponta os

sistemas de moda e propaganda como responsáveis pelo deslocamento do significado do mundo

culturalmente constituído para os produtos de consumo, o que gera, a cada deslocamento

proporcionado pela moda, uma nova atribuição de significados para os produtos. Esse sistema

parece fazer com que as entrevistadas anseiem por bens com as novas características “da moda”.

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

182

As posses já adquiridas acabam sendo afetadas pelo novo padrão da moda, pois não se

enquadram mais nos moldes estabelecidos para aquele momento, levando ao não uso.

A influência da moda também pode englobar outro ponto citado nas entrevistas como

razão para não usar: o ato de enjoar das coisas. Nas entrevistas, o enjoo apareceu associado às

coisas que tinham sido usadas frequentemente ou que foram substituídas por peças novas, como

mostram os depoimentos a seguir:

[Uma peça é considerada não usada] quando não serve ou, assim, às vezes

muda a estação e na outra tu já não gosta mais daquilo. Tem isso também né?

Por exemplo, comprou uma roupa de inverno, usou aí entra verão, no próximo

inverno não é mais moda... Não chega não ser moda, porque eu não sou tão

assim, eu gosto do que te veste bem, mas tu enjoou ou tu não te encanta mais

com aquilo. Tu não gosta mais tanto quanto tu gostava (Mana, 27 anos).

Minha vida é enjoar das roupas. Às vezes eu estou com 30 roupas para sair e eu

falo para minha mãe que eu não tenho roupa nenhuma. Eu falo: “mãe, pelo

amor de Deus, eu não aguento mais olhar para cara dessa roupa”.

Entrevistador: E o que você faz? Você para de usar?

Eu dou uma encostada nela e vou usando o que eu tenho (Lala, 21 anos).

As entrevistadas mostram a atuação da moda sobre suas escolhas e sobre o julgamento

do que pode ser usado ou não. Em seu discurso, percebe-se que o deslocamento de significado

constante da cultura para o bem, canalizado pelos sistemas de moda e propaganda, faz com que

deem prioridade aos itens novos. Coisas que não “encantam” ou que “enjoam” são aquelas que

não possuem elementos que as caracterizam como produtos atuais. Coisas muito usadas

também foram descritas como enjoos, como fala Ruth.

Acho que a iogurteira vou usar ainda uma hora. Porque foi uma fase assim,

acho que comi muito iogurte natural e enjoei. Tudo que é demais e muito fácil

te enjoa.

No caso de Ruth, o excesso de uso levou ao não uso, pois a entrevistada enjoou daquilo.

Esse também é o caso da história de Analu, que conta que peças das quais ela enjoou, por

estarem desgastadas, tornaram-se não usadas.

Eu não sei, às vezes eu compro uma blusa que é de um estilo que eu acho legal

e depois que eu uso tantas vezes ela se desgasta, tipo essa blusa eu comprei

estava na moda, eu acho bonitinha mas hoje em dia eu uso pra ficar em casa,

enjoei (Analu, 24 anos).

Pati, por outro lado, mostra outro aspecto do não uso: ela compra coisas que depois não

consegue combinar ou usar da mesma forma que viu na loja.

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

183

Bom já aconteceu de comprar a roupa e na loja fica lindo e maravilhoso, chegar

em casa olhar e enjoar da roupa. Comprei usei uma vez e enjoei da roupa, achei

que não ficou legal, na loja eu achei que ficou de um jeito e na hora que eu

usei... Sempre tem os truques das vendedoras, elas sempre dão uma ajeitadinha

no cinto e quando chega em casa nunca consegue deixar igual (Pati, 21 anos).

Nesse caso, o não uso da roupa, da qual ela afirma que enjoou, foi desencadeado pela

aquisição e pelo desejo de ter bens da “moda”. Outro aspecto apontado pelas entrevistadas para

o não usar itens de vestuário foi usar uma peça diversas vezes e parar de usá-la pelo fato de

todos já terem visto a pessoa com aquela peça. Uma citação interessante que representa bem

esse incômodo de usar algo que seja reconhecido foi feita pela Fer, que diz:

O maior problema hoje em dia, o maior vilão, é o Facebook, eu acho. Quando

eu saio para algum lugar, eu posto foto minha com um vestido, penso: quando

eu vou poder sair com o vestido de novo? Postar uma foto minha com o vestido

de novo. Não posso repetir, vão pensar que eu só tenho esse vestido (Fer, 25

anos).

Estar velho foi outro motivo descrito pelas entrevistadas para não usar suas coisas. Peças

rasgadas, desbotadas, com bolinhas e outros sinais físicos de desgaste deixam de ser usadas.

[A roupa está velha] quando ela dá bolinha, quando ela rasga. Isso tem muito

a ver com sapato assim, eu odeio sapato velho. Quando o sapato era dourado e

começou ficar com aquela cor assim meio sabe que ninguém sabe o que é... Meio

bronze. Assim, putz, isso é um sapato velho. Aí, quando ele começa ficar com a

marca no calcanhar preto, assim, eu não gosto mais de usar (Cela, 21 anos).

Para Manu, as bolsas que vão ficando velhas deixam de ser usadas, pois não combinam

mais com ela.

Bolsa eu compro, mas tenho um monte. Eu fui adquirindo ao longo do tempo,

não ficam velhas. As que ficaram velhas eu não uso. As vezes compro uma nova

tendo uma antiga porque não quero usar aquela antiga porque não faz muito

meu estilo agora (Manu, 37 anos).

O critério usado pelas entrevistadas para determinar o que é uma peça velha foi

subjetivo. Para umas, o velho é ruim, como para Manu e suas bolsas, enquanto, para outras, ser

velho é bom, como para Bibi.

As vezes tu está com uma coisa velha, tu sabe que já deveria substituir, mas tu

não consegue porque tu sabe que vai se arrepender e tu não vai conseguir uma

igual àquela, que é mais prática, enfim (Bibi, 34 anos).

O processo de envelhecimento das peças citadas pelas entrevistadas ocorre não só pelo

tempo passado com elas, mas também pelo uso intenso. Mila, nos conta que as roupas mais

novas são mais usadas, até que ficam velhas e vão para o fundo do armário.

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

184

Mas eu estava pensando na própria peça assim tipo essa é mais nova, essa é

mais velha, essa eu uso menos, então ela já é mais assim... Tadinha está lá no

cantinho. No meu armário é o que eu falei assim as blusas mais velhas acabam

ficando muito mais tempo no armário. As novas eu uso até acabar, aí vai ficando

lá e dependendo da ocasião eu vou usando. Tem roupa que você fica apaixonada

assim de momento aí vai lava, passa, usou. Sempre assim (Mila, 20 anos).

Diversas vezes as entrevistadas nos contaram que deixaram de usar roupas porque elas

deixaram de servir.

Eu tenho um short que eu não uso mais porque não cabe mais em mim, mas foi

um short que eu estava usando quando meu primeiro namorado pediu para eu

namorar com ele. Ele está guardado. Eu adorava aquele short, enfim, ele está

guardado (Nina, 22 anos)

Em sua entrevista Nina, nos contou que engordou 30 quilos entre o final da escola e o

início da faculdade. A história do short a fez recordar um momento especial de sua vida. Apesar

de não usar mais, a roupa está “guardada”, pois ela “adorava aquele short”, e os acontecimentos

vividos com ele. Mina, de 26 anos, contou-nos sobre o “pensamento de gordinha” e o de “gente

muito magra”, que consiste em comprar roupas com a esperança de que um dia irá caber e

poderá usá-las. Enquanto isso não acontece, a peça segue sendo não usada.

É pensamento de gordinha [manter coisas não usadas], “vou caber de novo

naquela calça”, ou então de gente muito magra, o extremo. Eu tenho uma amiga

que ela é muito magra e ela fala, “eu vou engordar pra caber nessa calça”

(Mina, 26 anos).

O “pensamento de gordinha” também foi relatado por Nina:

Tá um pouquinho apertada, mas eu vou chegar lá. E aí, não chego e nunca usei

(Nina, 22 anos).

Lala, por sua vez, contou-nos que é magra demais e que as roupas caem. Mas nem por

isso ela se desfaz da peça.

Cheguei a achar a blusa bonita. Daí colocava e ela ficava grande. Aí puxava a

alça para tentar dar um pontinho atrás, mas ficava muito reta na frente. Era

horrível, não deu pra usar, mas tá guardada (Lala, 21 anos).

O relato de nossas entrevistadas sobre guardar roupas que um dia poderão ser usadas

mostrou-se fundamental para o entendimento do não uso. Fizemos uma relação entre a

manutenção dessas roupas pelas pesquisadas com o conceito de deslocamento de significado

de McCraken (2003), segundo o qual os bens de consumo criam pontes que dão acesso a um

futuro idealizado. O autor afirma que os bens possuem o poder de evocar o futuro, de forma a

ser visto por quem os têm como uma parte da ponte para o eu desejado: eles são o começo do

caminho. Em nossa pesquisa, essa ponte imaginária evidenciou-se no relato das entrevistadas,

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

185

que reiteradamente afirmaram que a manutenção de coisas que poderão um dia ser usadas serve

como uma antecipação do futuro. Para elas, a antecipação do futuro ocorre pela posse atual do

bem, que não precisa ser usado para mostrar a acessibilidade do self projetado. O bem é

guardado, pois faz parte de um plano que conduz a uma aquisição maior, como pode ser visto

na entrevista de Mana:

Eu me mudei o ano passado, então consegui tirar algumas coisas, mas eu sou

uma pessoa que guardo muita coisa. Por exemplo, na história da Maria

[projetiva] eu falei de roupas, porque, assim, têm roupas que eu estou passando

para a minha irmã, ela tem doze anos e eu guardei isso. Óbvio que eu nunca vou

usar [as roupas guardadas], mas eu fico pensando assim se um dia eu quiser e

não estiver no meu armário eu vou ficar brava. Então têm coisas que assim eu

tirei de circulação do dia-a-dia, botei em caixas e estão em cima do armário

guardadas. Que hoje em dia não cabem mais, mas eu acho que um dia vai.

Certamente quando acontecer esse dia eu não vou mais querer elas. Eu tenho

essa consciência (Mana, 27 anos).

Outro fator citado na pesquisa como causador de não uso foi a dificuldade de

incorporação à rotina das entrevistadas. Alguns produtos adquiridos pelas entrevistadas exigem

delas mudanças em suas rotinas diárias. Para inseri-los em seu cotidiano, é preciso absorver

novos hábitos, o que parece ser um dos motivos de não os usar. Sassá, de 34 anos, contou,

durante o grupo focal, que introduzir o hábito de passar creme a “cansa muito”.

Eu canso, eu canso da rotina, por exemplo, a hora de passar o creme todos os

dias à noite, aí eu começo passando todos os dias à noite, um dia eu esqueço,

um dia eu não quero mais, um dia eu estou de saco cheio, um dia eu já deitei

quando eu lembro, ah, eu já deitei eu não vou passar mais não, e eu canso, eu

canso muito (Sassá, 34 anos).

Uma coisa se torna não usada quando pode ser substituída por outra que faz sua função

disseram as entrevistadas. Tata contou-nos que algumas coisas já nascem substituídas, ou seja,

quando são compradas exigirão mudanças de rotina ou hábitos do proprietário, que se imagina

usando tal objeto. Ocorre que o novo processo e a exigência de sua incorporação aos hábitos

podem ser tão difíceis que o indivíduo simplesmente não usa o produto. Tata falou sobre a

dificuldade de usar um aparelho de depilação, que, segundo ela, torna o processo de se depilar

mais difícil do que ir ao salão. Nesse caso, a informante alega que esse tipo de produto já nasceu

substituído, mostrando que não foi incorporado à sua rotina. O mesmo se aplica à sua cafeteira

de pressão. Tata relata que é tão mais fácil passar café na cafeteira convencional, que desiste de

usar outro método, deixando os produtos comprados para esse fim sem uso.

Por exemplo o que substitui ou ela já nasceu substituída. Aquela cafeteira de

pressão não sei se quando comprei eu tinha uma cafeteira elétrica, mais alguma

outra coisa...o Depiroll eu tinha o hábito de fazer depilação na depiladora, mas

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

186

aquilo é uma tentativa de substituir o hábito. Como me deu mais trabalho, ele

foi substituído pelo hábito antigo e acabei deixando de lado (Tata, 38 anos).

Os produtos aos quais as entrevistadas se referem quando alegam que não conseguiram

incorporá-los à sua rotina foram bastante variados, mas em comum eles têm a necessidade de

fazê-las modificar seus hábitos. Mudanças podem ser bastante difíceis de serem implementadas,

segundo nos contaram as entrevistadas, de forma que bens que demandam essas mudanças

costumam ser “deixados de lado”. Para Ju, de 20 anos, o processo de tirar a maquiagem faz

com que ela desistisse de usar os produtos. Ela se mostra culpada por não seguir todos os passos

exigidos de seus produtos de limpeza facial e se aflige por não os usar “corretamente”. O

processo de demaquilar-se parece difícil e penoso, pois ela precisa “ficar esfregando 30 horas”,

temendo “tirar todos os seus cílios”:

Poxa, tenho que usar vocês [maquiagens]. Eu olho as caixinhas e falo “tenho

que usar vocês”, acabo que nas férias eu acabo usando mais, por estar

descansada. Então tenho mais tempo para me maquiar, para qualquer coisa que

vai sair, você acaba se maquiando porque o problema de usar maquiagem, é

que eu sou muito preguiçosa gente. O problema de usar maquiagem, não é botar

maquiagem. Eu creio que a parte de botar maquiagem e se maquiar é muito

legal, o negócio é tirar a maquiagem, que é um saco, porque olha só, eu tenho

os três passos da Clinic. Então você tem que lavar o rosto de manhã e de noite,

confesso que algumas vezes eu só lavo de manhã, outras só lavo de noite, tanto

faz, tem que lavar as duas vezes, eu lavo só uma. E o processo para maquiagem

é exatamente... Você fica, você passa a mesma quantidade de tempo se

maquiando e você passa tirando a maquiagem, tem vez que o rímel está tão

pesado que você fica esfregando 30 horas, parece que vai tirar todos os seus

cílios e ainda não saiu (Ju, 20 anos).

Para Ju, é preciso estar “descansada” para ter vontade de usar suas maquiagens, que

exigirão um processo longo e sofrido de demaquilagem. Tal dificuldade pode ocasionar um

sentimento de arrependimento por manter coisas usadas, como nos contou Lia, de 28 anos.

[As coisas que tenho e não uso] são... Depende muito, porque se for alguma

coisa que eu queria fazer e deixei de fazer, quando olho pra aquela coisa eu

lembro que queria fazer e não fiz e me sinto mal por não ter feito. Aquelas roupas

que estavam ali pra doar eu não doava nunca, ficava um ano e me incomodava

muito e eu olhava pra elas e “tenho que fazer isso”. Mas era o negócio de

procrastinar, eu não fazia e ia deixando ali. Acho que é meio isso, dependendo

do caso é um incômodo de ter alguma coisa que você não usa, quer se desfazer,

sabe que tem de desfazer e continua com aquilo. É chato, dependendo do que é.

Ou você quer fazer, sabe que tem aquilo pra fazer, está ali, gostaria de fazer e

não faz e vai deixando pra outra hora (Lia, 28 anos).

A vontade de fazer e não conseguir ocasiona um mal-estar em Lia com seus não usos.

Ela relaciona a procrastinação à dificuldade em “fazer alguma coisa” com os bens não usados.

Percebemos que diversos não usos decorrem desses sentimentos de impotência frente aos

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

187

produtos, que possuem vida para as entrevistadas. Ju contou que olha para suas maquiagens e

diz a elas que “tem que usar”, enquanto Lia sugere seu “incômodo” com a incapacidade de agir

frente a suas posses não usadas. Em ambos os casos, parece haver um poder – quase místico,

como relataram Fernandez e Lastovicka (2011) – dos bens sobre as entrevistadas, o que as faz

ter pena ou temê-los.

A capacidade de atrair e atemorizar é indicada por Belk, Wallendorf e Sherry (1989)

como uma das propriedades do sagrado, chamada de cratofania. Não fica claro em nossa

pesquisa se todos os bens não usados possuem tais características, mas, na fala de Ju e de Lia,

pode-se perceber sinais do sagrado. Para Ju, suas maquiagens parecem se aproximar do sagrado,

pois são reverenciadas como entidades. Para Lia, as coisas separadas para doação também

possuem aspectos sacralizados, pois cobram dela uma atenção especial. A culpa das

entrevistadas por não terem tempo de inserir rituais relacionados a esses bens em suas rotinas,

pode evidenciar que esses bens são comuns. Eles cobram delas novos modos, ações e posturas,

pelas quais elas se penalizam por não conseguirem atender plenamente. O não uso parece,

assim, ser causador de sofrimento para essas mulheres.

A obrigação de mudar a rotina para incorporar novos hábitos também aparece na fala

de Bia, de 19 anos. Para essa entrevistada, a exigência de uma nova rotina também não é viável,

pois ela “esquece” que tem os produtos ou esquece de usá-los.

Eu tenho uma [base com protetor solar], mas não uso. Eu comprei um creme

pra passar de manhã outro a noite, não passo, eu esqueço. Demaquilante, essas

coisas eu às vezes uso, mas não uso nada dessas coisas.

Entrevistador: Mas você acha que demora muito?

Eu nem chego a pensar tipo não vou usar, eu compro na hora e não uso. (Bia,

19 anos).

Tem muitos produtos, tipo creme e essas coisas, que eu acabo esquecendo que

eu tenho e comprando outros, daí quando eu vejo tem mil. Eu começo a usar e

geralmente esqueço que eles existem, talco, creme de corpo e diversas coisas,

óleo, enfim (Mara, 27 anos).

“Esquecer de usar” foi apontado pelas entrevistadas como motivo para não usar, de

forma que o não uso foi associado como consequência do esquecimento. As entrevistadas

contaram que alguns de seus produtos ficam “atirados” e são esquecidos.

Com certeza eu usaria [se lembrasse]. Até porque você não lembra de tudo que

você compra, tem coisas que você compra por impulso e tem esse negócio, você

vai numa loja e a vendedora te empurra coisas. Você leva uma bolsa pra

combinar com um sapato que a mulher te mostrou e leva uma tiara... Essas

coisas assim. Você não lembra. Eu uso uma vez e não lembro e fica esquecido

no seu armário (Analu, 24 anos).

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

188

“Se lembrasse” Analu usaria, mas o esquecimento – das coisas que foram compradas e

de coisas possuídas – parece levar ao não uso. Parafraseando o ditado popular que diz que

“quem não é visto, não é lembrado”, nossas entrevistadas apontam que quem não é visto não é

usado. O não uso mostra-se como consequência das práticas e rituais de arrumação, que,

segundo McCracken (2003), precisam ser repetidamente desempenhados para que se possa

extrair significado dos bens. O processo contínuo de transferência de significado dos bens para

os consumidores exige que as entrevistadas estejam em contato com suas posses, caso contrário

elas são esquecidas e candidatas ao descarte. Mara nos contou que até começa a usar, mas não

termina, pois esquece dos produtos.

Uma questão de validade [das maquiagens] também, de não pegar umidade,

aquelas coisas de guardar em lugares fechados que recomendam, e para não

ficar atirado, porque são coisas pequenas, não teria como ficar exposto ao ar.

Já os livros estão [expostos], porque eles são maiores, é por uma questão de

tamanho.

Entrevistadora: E essas coisas, tu já usou elas em algum momento?

Sim, todas. Eu uso tudo praticamente, mas aí eu esqueço e não termino. Mas eu

uso sim (Mara, 27 anos).

Mara tenta criar algum tipo de organização para suas coisas, de forma a melhorar a

exposição e preservar a qualidade dos produtos. Os rituais de arrumação aos quais ela submete

suas posses indica que é necessário investir tempo nos bens para que eles tenham vida. No

entanto, parece que, associado ao esquecimento e à dificuldade de incorporar novos hábitos à

rotina, está a desorganização. As entrevistadas apontaram que não usam algumas coisas, pois

não as encontram em seus locais de armazenamento. Essas coisas estão tão atrapalhadas e

desordenadas que acabam não sendo usadas. A “bagunça” de peças e dos locais onde as coisas

são guardadas foi apontada como uma das causas de produtos tornarem-se não usados. Cela,

uma de nossas entrevistadas na Fase 2 da pesquisa, revela sua dificuldade em lidar com a

“bagunça” em seu armário, o que leva algumas de suas roupas a serem não usadas

Eu sozinha acho que tenho muita roupa. Se você abrir o meu armário a roupa

cai em cima de você, porque é tudo uma bagunça. Eu divido o armário com

minha irmã, então é roupa dela, é roupa minha... A gente não sabe mais como

organizar, é tudo uma zona. Com isso as roupas vão se perdendo lá dentro e eu

acabo não usando. As vezes eu vejo uma roupa com etiqueta e pergunto pra

minha irmã: foi você quem comprou? Porque ela gosta de comprar e esperar

pra usar, aí vai esquecendo no meio do armário (Cela, 21 anos).

As fotos da Figura 10 mostram a “organização” de Cela. Seu quarto, dividido com a

irmã dois anos mais nova, era pequeno e o armário ocupava praticamente toda extensão de uma

das paredes. Havia muitas roupas, que estavam desordenadas e misturadas com sapatos. Parecia

realmente difícil achar alguma coisa ali, o que justificava seu discurso.

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

189

Figura 10 – Armário de Cela

Fonte: a autora.

O não uso também foi relacionado como decorrente do medo de estragar ou de que o

produto acabe. Isso faz com que os bens sejam guardados e não usados, como mostram os

depoimentos a seguir:

Eu tenho pena [de usar]. Como é que eu vou trabalhar, bater ele, estragar

dirigindo e o bico comido atrás? E eu paguei quinhentos euros! Mas ao mesmo

tempo paguei por ele, ele é meu, eu tenho que usar, mas só que ele está guardado

e aí eu esqueço de usar (Dona, 42 anos).

Sim, eu não uso alguns [esmaltes]. Essa aqui... Esse... Porque se você vê tá todo

escrito. Era de uma amiga minha, que era minha amiga em Cingapura. Eu

guardo como recordação, não dá pra usar (Tan, 21 anos).

Os sapatos caros de Dona não são usados, pois podem estragar, enquanto e os esmaltes

de Tan são guardados como recordações. Em ambos os casos, a sensação de que os produtos

podem acabar ou estragar os tornam não usados. Na fala de ambas, fica subentendido que esses

são bens especiais demais e não podem se misturar com os outros. A mesma sensação foi

descrita por Lu, quando nos contou sobre um sapato comprado para ir a uma festa.

Tem um sapato que eu comprei pra ir à ESPM in Gala e o sapato é lindo

maravilhoso, é aquele sapato que você tem que pisar seco para não estragar, eu

não tenho coragem de dar ele mas eu o guardo todo empacotado, eu usei uma

ou duas vezes e nunca mais (Lu, 22 anos).

Coisas que machucam e causam dor também foram citadas pelas entrevistadas como

não usadas.

Essa bota nunca foi usada. Eu sempre gostei de cano alto e bico fino, e é muito

difícil de encontrar, então quando eu comprei uma, eu já comprei a outra, só

que a outra eu estou usando ainda. Esse sapato eu comprei para o desfile do

TCC, mas eu não uso. Ele machuca o pé (Dora, 26 anos).

A bota de Dora está indicada com o número 1, na Figura 11; e o sapato que machuca,

com o número 2.

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

190

Figura 11 – Não Usos de Dora

Fonte: a autora.

Coisas que deixaram de funcionar ou que precisam de conserto também foram

apontadas como não usadas. Os itens citados pelas entrevistadas precisam ser reformados,

levados à costureira para ajustes, como pregar um botão ou fazer bainha. Nesses casos, as

entrevistadas apontavam a vontade de arrumar ou reparar as coisas, mas como não faziam, as

coisas ficavam sem uso.

Eu também acho, só que a gola dele já está toda detonada. O que eu quero fazer,

e por isso ele está guardado aqui? A ideia é levar numa costureira que faça a

volta da gola, só que é muito difícil fazer isso nessa peça, porque ela tem um

fechamento diferente (Duda, 40 anos).

Eu já comprei uma roupa que o fechecler estava ruim então eu comprei com um

super desconto. Você foi consertar o zíper? Nem eu. Eu não fui. Está até hoje

dentro do carro da minha mãe lá trancado dentro de uma sacola (Cela, 21 anos).

Ruth nos contou sobre a dificuldade em encontrar mão de obra especializada para

consertar dois lustres que estavam sobre a mesa da sala de jantar, segundo ela, há meses.

Aqueles dois lustres ali são lindos, um estava aqui e o outro na sala, aí eu tirei

para limpar, limpei e já está sujo de novo. O problema é que tu não arruma um

eletricista pra botar nada, com esse bum da construção, pedreiro, eles vinham

e queriam cobrar uma fortuna, então deixa. Agora vou arrumar, limpar, trocar

as lâmpadas, botar lâmpada de led, coisa mais moderna.

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

191

Algumas coisas foram relatadas pelas entrevistadas como não usadas por falta de

ocasião, oportunidade ou momento. Existem bens que exigem ocasiões especiais, como um

vestido de noiva ou de festa. Outros demandam que haja uma temperatura adequada, por

exemplo. As entrevistadas do Rio de Janeiro contaram que não usam suas roupas quentes – de

frio –, pois na cidade faz muito calor.

Tem várias, eu tenho mania de usar uma roupa sempre, tem roupas de frio de

manga comprida que dá nervoso, me dá nervoso, é o calor que eu fico toda

esculachada porque eu tenho medo de sentir calor e passar mal na rua. Tem

umas roupas de frio que eu gostaria muito de usar como jaqueta coisas assim e

não tem ocasião nem no frio (Analu, 24 anos).

Maquiagens e artigos de festa também acabam deixando de ser usados em virtude da

falta de uma ocasião especial. Durante a entrevista de Mara, de 27 anos, ela nos mostrou, na

Figura 12, as sombras que não são usadas no dia a dia, pois são consideradas muito arrumadas.

Ela também nos contou sobre seus saltos e sobre quando as sombras devem ser utilizadas.

Sapato, salto mofa dentro do meu guarda roupa. Uma coisa que eu realmente

não uso no meu dia-a-dia, só em casos especiais, festa e coisas assim, então é

um objeto que eu não uso muito, quer dizer, eu uso mas... Enfim. Eu adoro

maquiagem, tenho muita maquiagem, e eu não uso grande parte delas porque é

muita coisa, então eu utilizo aquelas do dia-a-dia e uma parte eu deixo... [...]

Têm as [sombras] que nunca foram para serem usadas no dia-a-dia. Tem umas

que foram compradas justamente para serem usadas em ocasiões especiais, tipo

sombras. A não ser que eu seja muito fashion, que não é o meu caso, porque eu

gosto de ser mais básica. Essas eu nunca usei (Mara, 27 anos).

Figura 12 – Sombras não usadas de Mara.

Fonte: a autora.

Outros motivos alegados pelas entrevistadas para não usar suas coisas foram

dificuldades ou problemas relativos ao uso. Roupas muito apertadas ou soltas, coisas

desconfortáveis ou pouco práticas foram deixadas de lado, pois eram difíceis de lidar.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

192

Coisas que faz tempo que eu não uso. Tem coisas que as vezes tu ganha, que

está com etiqueta porque nunca usou. Já aconteceu, muito raro, mas já

aconteceu de deixar com etiqueta e nunca usar. Mas a maioria é “usei uma vez,

não achei confortável, gola muito alta fica me apertando” ou muito justo, e você

vai mudando os gostos também. Tinha época que eu usava coisas mais justas,

agora eu não gosto mais tanto (Luca, 36 anos).

Diferentemente da rotina, quando as entrevistadas contavam que não conseguiam

adaptar os produtos ao seu dia a dia, as dificuldades de uso estão relacionadas a produtos e

serviços difíceis de serem manuseados, manipulados, de se operar ou usar. Ruth nos contou

sobre alguns eletrodomésticos que ela não usa, pois acha mais fácil fazer as coisas sem eles.

Faca elétrica, para quê? Nunca tu vai usar uma faca elétrica. Máquina de lavar

louça ali, é só eu e o Mário [filho]. Tu vê que eu vou botar tudo dentro da

máquina, depois tiro, então já lavo e guardo. Já é muito mais prático, não é?

Ter que ficar botando tudo lá dentro. [...] Aquele picador de legumes. Não é

prático! O simples é o bom! Tu pega uma faquinha e corta as coisas.

Entrevistadora: É mais difícil do que o convencional.

Agora então, com a tecnologia, está louco! A pior coisa que tem é a gente pegar

um telefone cheio de recursos, para quê? Tem que ser só o liga e desliga e com

as teclas bem grandes ainda.

Entrevistadora: Vou pegar o exemplo da esteira que a senhora diz que comprou

há pouco tempo, quando a senhora comprou a senhora imaginava que ia

comprar e...

Enquanto vejo televisão daí vou fazer uma esteirinha. Não vou na academia só

para fazer esteira, vou fazer em casa. Mas aí, por exemplo, botei o Netflix. Se

tiver um feriado ou qualquer coisa, tem legenda, tu não vai ficar pedalando e

olhando a legenda. Tu tem que estar sentada, quietinha. Tu nunca vai fazer

esteira. Não tem jeito.

O exemplo da esteira de Ruth mostra que as dificuldades relativas ao uso podem tornar

não usadas mesmo as posses mais desejadas. Nesse sentido, evidenciamos que as etapas de pré-

aquisição, aquisição e consumo exercem diferentes influências sobre o não uso. Ruth planejava

usar a esteira em casa, pensava que essa seria a solução para sua dificuldade em fazer exercícios.

Contudo, o uso do produto mostrou-lhe dificuldades e aspectos tão distintos daqueles

imaginados por ela na etapa de pré-aquisição, que o produto acabou não sendo mais utilizado.

A Figura 13 mostra a esteira de Ruth depositada em um canto da sala de estar, depois de ter

sido usada poucas vezes.

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

193

Figura 13 – Esteira não usada de Ruth.

Fonte: a autora.

Tata trouxe, durante a entrevista, uma perspectiva diferente sobre a dificuldade de usar

suas coisas. A entrevistada nos contou sobre a angústia que sentia por não conseguir usar

serviços oferecidos por seu banco ou pela empresa que administra o condomínio de seu prédio.

Segundo ela, há alguns serviços incorporados nessas despesas, mas ela não tem certeza de quais

são eles e nem mesmo como acessá-los, caso precise. Para a entrevistada, é mais fácil usar os

meios tradicionais e, eventualmente, até mesmo pagar novamente por serviços que já estariam

inclusos na anuidade do cartão de crédito, por exemplo, do que buscar informações sobre como

usar esses serviços.

O que me angustia além das coisas físicas é do não uso das coisas existentes de

tecnologia. Por exemplo não tenho certeza se no condomínio que pago tem um

serviço que não estou usando. O seguro. Não tenho certeza se estou...é muito

angustiante. Às vezes estragou a mangueira do gás. Será que isso está no seguro

do meu carro? Ou às vezes até cartão. A gente sempre faz seguro saúde pra

viajar. Será que não está no cartão? Não precisaria pagar porque o cartão já

cobre isso. Mas tem coisas que você não sabe muito bem e acaba não usando.

Cartão e banco oferecem um monte de serviços que a gente não usa. E por que

a gente não usa? É mal comunicado? A gente não tem informação? Porque a

gente é over de informação. E a gente é meio desconfiado, é brasileiro,

desconfia. Será que está incluído isso? Será que vai dar certo esse negócio?

E a dificuldade também de acessar. É mais fácil eu chamar o carinha que sei

que vai arrumar isso daqui... Senão vai ter que ligar para o seguro, o cara vai

vir aqui. Vai demorar... Mas seguro do carro é assim, furou um pneu você vai

no mecânico e arruma. Eu já usei pra bateria e funciona.

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

194

O último motivo que identificamos na pesquisa relaciona-se ao excesso de itens

possuídos pelas entrevistadas. Algumas delas revelaram que têm tantas coisas que não

conseguem usar tudo. Ter muitas opções no guarda-roupa foi uma das motivações citadas pelas

entrevistadas para não usar algumas coisas possuídas.

A gente nunca usa tudo o que tem. Sempre tem coisa assim, sombra assim,

quando você compra aquelas paletas grandes com várias, sempre acaba não

usando uma, sempre pensa em usar, mas aí acha que não vai ficar legal. Sempre

tem uma que acaba ficando de lado (Ju, 20 anos).

Essa sensação de ter mais do que se é capaz de usar foi relatada em várias entrevistas e

ajuda a confirmar a noção descrita por Fromm (1987) como o modo ter. Tal como aponta o

autor, algumas entrevistadas indicam que ter os bens é mais importante que usá-los. Ter parece

transmitir segurança e estruturação à identidade. Poder-se-ia imaginar que o uso fosse em si

uma fonte de satisfação e prazer para as entrevistadas, contudo a posse em si pareceu ser mais

importante. Alguns relatos revelam a importância dos momentos da compra e o encanto de

“ter”, como sugere Bia.

Eu não compro maquiagem porque eu preciso, eu compro [a maquiagem] por

que eu quero ter aquele objeto (Bia, 19).

Durante o processo de recrutamento, algumas entrevistadas se autodenominaram

compradoras compulsivas. Elas indicaram que possuíam mais itens do que usavam e que eram

apaixonadas por eles. A principal categoria que trouxe esse sentimento à tona foi a de

maquiagens. Ao realizarmos as entrevistas, percebemos que a noção de quantidade era bastante

relativa. Algumas informantes, que haviam nos dito durante o recrutamento que tinham muitas

maquiagens, tinha uma quantidade significativamente menor do que outras, que usaram o

mesmo discurso. A Figura 14 mostra a quantidade de maquiagens possuída por Ju, de 21 anos.

Figura 14 – Os excessos de Ju.

Fonte: a autora.

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

195

A Figura 15 revela as maquiagens que Jo tinha em sua casa.

Figura 15 – Os excessos de Jo.

Fonte: a autora.

Frente a essas realidades nos perguntamos: quanto é muito? Enquanto Jo nos disse que

ter muito era ter mais de um item (Figura 15), para Ju ter cinco itens iguais não era um exagero

(Figura 14). Nas visitas às casas, quando víamos o número de itens de cada informante,

percebíamos que a noção de quantidade é relativa, como mostram as Figuras 14 e 15. Ao reunir

suas maquiagens para foto, Ju (Figura 14) nos mostrou uma grande quantidade de itens. Jo

reuniu uma quantidade de itens menor (Figura 15) e indicou, durante a entrevista, ter “muito

mais” produtos do que era capaz de usar. Quanto é muito? Quantos itens uma pessoa precisa

ter de um objeto para achar que tem o suficiente?

A quantidade que determina quanto é excesso parece ser uma construção subjetiva,

relacionada às experiências anteriores das entrevistadas, ao seu grupo social e à disponibilidade

de armazenamento. O espaço disponível para guardar as coisas parece influenciar a noção de

muito. Entrevistadas que moravam em casas pequenas foram as que mais perceberam suas

posses como excessos, enquanto as moradoras de residências amplas não tinham a mesma

sensação. Ju, uma menina de 20 anos, moradora de uma cobertura na Barra da Tijuca, tinha um

quarto grande, com closet e suíte. Jo, de 21 anos, morava no Flamengo com a mãe, num

apartamento bem menor que o de Ju. Para Jo suas duas nécessaires de maquiagens eram “muita

coisa”. Ju nos contou que seu armário dedicado exclusivamente aos produtos de maquiagem

ainda tinha espaço para mais aquisições, que ela planejava fazer na próxima viagem a Nova

York.

O grupo social ao qual as entrevistadas pertencem parece influenciar sua perspectiva

sobre o que é muito ou pouco. Isso se evidenciava quando elas contavam que “tem gente que

tem muito mais do que eu”. Ju (Figura 14) justificou sua quantidade de itens falando de outras

pessoas que possuíam ainda mais coisas que ela, tal como as entrevistadas a seguir:

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

196

E eu nem tenho, assim, tanta coisa... Eu acho que tem gente que deve ter muito

mais coisa que eu (Ju, 20 anos).

Eu até tenho bastante, mas tenho amiga... É surreal a quantidade de maquiagem

que ela tem (Bia, 19 anos).

Dependendo do conteúdo e do momento da conversa contradições apareciam: ora as

entrevistadas diziam que não tinham muito, ora diziam que tinham tanta coisa que não

conseguiam usar. O discurso do “eu nem tenho tanto assim” parecia empregado como uma

tentativa de justificar o fato das entrevistadas comprarem mais do que precisavam ou do que

conseguiam usar. Conforme O’Guin e Faber (1989), esse comportamento é típico de

compradores compulsivos, que usam subterfúgios para justificar suas compras excessivas.

Reconhecer um potencial para a compulsividade poderia ocasionar arrependimento com

compra, com a quantidade possuída (HIRSCHMAN, 1992), ou ainda com os não usos.

Em outros momentos, contudo, as entrevistadas assumiam que ter muito é “legal”.

Talvez o discurso do “tenho muito” tenha sido empregado como uma forma de autoafirmação

frente a pesquisadora ou, talvez, tenha sido um viés da própria pesquisa. Ao afirmarem que

“têm muito”, as entrevistadas poderiam estar dando uma resposta socialmente preferível, que

permitia a exibição de bom gosto e de quão conhecedoras e apaixonadas por maquiagens elas

eram. De qualquer forma, quando afirmavam que tinham muitas coisas elas relativizavam,

referindo que a quantidade depende de quem olha.

Ah, eu tenho muito gloss. Não sei por que eu tenho muito. Eu tenho nove (Tar,

20 anos).

Você não pode ter só um blush. Blush tem que ter um para cada hora do dia. Eu

tenho uma caixa só com blushs, de todas cores. É porque eu tenho muitos

produtos iguais. Não são iguais pra mim, mas são pra minha mãe que não

entende muito. Eu tenho quatro tipos de blushes diferentes. É pouco... não é

muito, acredite em mim (Tan, 20 years)

Nesses casos, o excesso de itens possuídos parece justificar o não uso. Interessante que

uma das entrevistadas fez referência a si própria como uma pessoa normal, pois não tinha

produtos em excesso. Quando perguntada sobre o que era ter muito, ela respondeu usando a

personagem Amanda, criada no estímulo da técnica projetiva, como referência, indicando que

Amanda possuía algum tipo de “doença” por ter muitos blushes.

É ter 20 blushes e tals, tipo a Amanda sabe, ela é meio doente eu não sou doente

com isso, sou normal (Cal, 20 anos).

Essa fala parece indicar que a entrevistada não se percebe como consumista. A compra

em excesso, relaciona-se com compulsão e somente é compreendida como tal quando se perde

o controle, estando assim associada a algum tipo de patologia, tal como indicado na literatura

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

197

(O’GUIN; FABER, 1989). A perda de controle é frequentemente indicada na literatura como

um elemento da compulsão, além da ausência de referência sobre a quantidade comprada

(O’GUIN; FABER, 1989; HIRSCHMAN, 1992; DITTMAR, 2000). A pesquisa indica que,

apesar de considerarem compulsivas somente as compradoras descontroladas, algumas

entrevistadas podem também ser classificadas como tal, pois apresentam preocupações,

impulsos ou comportamentos excessivos ou não controlados em relação a compras e gastos,

assim como uma maior orientação materialista (FABER, 1992; FABER; VOHS 2004; BLACK,

2001).

Podemos também relacionar com acumulação e excesso de compras a sensação relatada

pelas pesquisadas de ter tantas coisas que não consegue usar tudo. A acumulação refere-se à

posse de uma grande quantidade de itens reunidos durante anos, sem nenhum tipo de triagem

ou descarte. Segundo Cherrier e Ponnor (2010), essa característica está ligada ao apego e à

dificuldade de se desfazer das peças. O excesso de compras está relacionado com ao

materialismo e ao consumismo, compreendidos como fortes manifestações em relação à atração

e consumo de bens ou serviços (JONES et al., 2005).

Como forma de resumir os motivos alegados para não usar produtos e serviços,

propomos uma organização das razões alegadas pelas entrevistadas em uma sequência. O

continuum do não uso apresentado a seguir relaciona tempo e motivos de não uso.

4.2.3.1 Continuum do Não Uso

Os motivos revelados pelas entrevistadas, que levam produtos e serviços a não serem

usados, permitem-nos interpretar as condições que definem o não uso. Quando um bem é um

não uso? Ele precisa ter sido usado alguma vez ou deve necessariamente nunca ter sido

utilizado? Vimos nessa categoria que o reconhecimento do não uso surgiu na pesquisa de

diversas formas, indicando a complexidade do fenômeno. Apesar de, aparentemente, ser um

fato cotidiano na vida das informantes, parece haver também pouca reflexão sobre quando um

produto se torna um bem não usado. Durante a pesquisa, as entrevistadas tratavam bens nunca

usados como sinônimos de itens que foram usados poucas ou apenas uma única vez.

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

198

Frente a isso propomos na Figura 16 um continuum do não uso, definido entre nunca

usou e usou demais. Tanto nos extremos quanto em qualquer posição dentro do continuum

proposto, os bens não foram descartados, ou seja, são mantidos pelas entrevistadas.

Figura 16 – Continuum do Não Uso.

Fonte: a autora.

Coisas novas e nunca usadas foram relatadas pelas entrevistadas como tendo sido

compradas, mas não experimentadas. Em alguns casos, os produtos foram apenas

experimentados ou testados durante a aquisição, enquanto que algumas pesquisadas relataram

nunca terem consumido, como no caso de presentes. Os bens nesse lado do continuum são

mantidos pelas informantes para um potencial uso no futuro ou como demonstração de gratidão

a quem deu o presente.

Bens usados uma única vez foram descritos pelas entrevistadas como de uso cotidiano,

mas que não são usados em função de dificuldade quanto ao uso ou de incorporação à rotina,

esquecimento, desorganização, por medo de estragar, porque causam dor, machucam ou

incomodam ou ainda porque exigem um contexto específico para serem usados. Nesses casos,

o uso exclusivo geralmente ocorre logo após a aquisição. Os bens são guardados esperando uma

oportunidade para serem utilizados, normalmente próxima ao momento atual, ou seja, ao

presente.

Produtos e serviços utilizados poucas vezes se assemelham aos usados uma única vez,

com a diferença que, nesses casos, as entrevistadas insistiram em incorporá-los a seu cotidiano.

Eles deixam de ser usados, pois não servem direito, foram esquecidos, estão desorganizados no

meio de outros bens, são difíceis de usar, podem estragar facilmente, apresentaram problemas

de funcionamento ou estragaram, causaram dor às entrevistadas, demandavam ocasiões

especiais para serem utilizados ou porque as pesquisadas tinham outros produtos semelhantes.

Da mesma forma que os bens usados uma única vez, esses bens foram descritos pelas

entrevistadas como potencialmente usáveis atualmente e por isso eram mantidos.

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

199

No relato das entrevistadas, surgiram os bens descritos como usados intensamente por

um período. Os motivos relatados por elas para não usarem mais foram porque o bem saiu de

moda, não condiz mais com seu estágio de vida atual, porque elas enjoaram do produto ou

porque ele deixou de servir. Também foram salientados pelas entrevistadas como motivos para

não usar mais as mudanças exigidas pelo produto em relação à rotina diária. Nessas situações,

as entrevistadas contaram que usaram intensamente um produto ou serviço durante as férias,

por exemplo, mas, quando voltaram à rotina, tiveram que parar de usar. Outros motivos para

deixar de usar coisas usadas intensamente por um período foram esquecimento, desorganização,

possibilidade de estragar, porque elas deixaram de funcionar ou ainda porque as entrevistadas

tinham muitos itens semelhantes entre si. As pesquisadas referiam-se a esses bens como

importantes, aos quais elas haviam se apegado e por isso mantinham. Apesar de também haver

a possibilidade de usá-los atualmente, a manutenção se dava principalmente em função da

história do bem, o que também o vinculava ao passado das pesquisadas.

Outro ponto interessante localizado no continuum, através da pesquisa, foi o que localiza

bens usados intensamente, que ainda podem ser usados, mas foram deixados de lado. Os

motivos contados pelas entrevistadas para não usar mais esses tipos de produtos e serviços

foram porque houve mudanças na moda ou em seus ciclos de vida. Elas também se referiram

ao fato de terem enjoado do bem, que ele está velho para ser usado, que ele deixou de servir ou

parou de funcionar. Igualmente, elas apontaram ter muitos bens com funções parecidas, outra

razão para não usar mais. Esses produtos são mantidos pelas entrevistadas, pois ainda podem

ser úteis em suas vidas, mas, principalmente, porque elas se consideram apegadas a eles. São

coisas que contam uma parte da história das entrevistadas, pelas quais elas possuem grande

carinho e consideram importantes.

No extremo final do continuum proposto, estão os bens tão usados, que estão gastos,

envelhecidos e não podem mais ser usados. Eles foram considerados, pelas entrevistadas, fora

de moda e antiquados, ou que, embora lembrassem uma fase de suas vidas, não combinam com

a fase atual. Deixaram de ser usados, pois estão velhos, em função do uso excessivo ou da idade

avançada. Tais produtos também não são mais usados, porque deixaram de servir e não cabem

mais, como no caso de roupas usadas na infância ou quando as entrevistadas estavam mais

magras/gordas. Além disso, bens usados em demasia estragam e deixam de funcionar

adequadamente, de acordo com nossas informantes. Neste ponto do continuum, estão coisas

guardadas por serem muito queridas e importantes para as pesquisadas. Durante as entrevistas,

esses bens permitiam às informantes voltar no tempo e reviver momentos passados. Eram

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

200

objetos com uma biografia (KOPYTOFF, 1986), que conectavam aquelas mulheres com

momentos já vividos e criavam uma ligação com eventos relembrados.

A relação temporal com os motivos de não uso foi evidenciada em muitas passagens da

pesquisa. Nossas entrevistadas usaram termos e expressões do passado, do presente e do futuro

para se referir aos bens não usados. Kleine, Kleine e Allen (1995) indicam que a orientação

temporal dos apegos ajuda a explicar as funções do self representadas por uma posse particular.

Elementos do passado são fixos, prontos, finalizados e não podem ser alterados, por exemplo.

Eles podem ser mantidos pelos indivíduos como artefatos de sua história de vida ou podem

simplesmente ser eliminados – quando trazem memórias ruins. Bens orientados para o presente

refletem tarefas e funções do aqui e agora, sobre quem o indivíduo é agora, e coisas que

atualmente estão sendo cultivadas por ele. O apego aos bens com orientação futura antecipam

o self pretendido, ou seja, são uma antecipação da identidade a ser desenvolvida.

Nossas entrevistadas consideraram seus não usos posses importantes ou especiais, o que,

segundo Kleine, Kleine e Allen (1995), permite caracterizá-las como viabilizadoras da

continuidade ou das mudanças pretendidas no self. As posses relatadas por elas pareciam ter a

capacidade de conectá-las com um eu passado desejável (através de memórias), um eu presente

(eu agora) ou um eu futuro (quem eu estou me tornando). Alguns bens foram bens indicados

como nunca usados, mas para os quais havia planos futuros, como na fala de Lala.

Tem um sapato que eu tenho que é maravilhoso que eu nunca usei. Foi um

sapato que eu comprei na New World, que estava tendo uma liquidação bizarra

na New World do Barra Shopping, porque ia fechar a loja. Eu comprei esse

sapato por 20 reais. É um sapato de salto, que eu até vou te mostrar depois, é

azul bic com spike dourado. Eu achei maravilhoso o sapato. “Eu preciso dele.

Um dia eu vou usar, com certeza” e eu comprei e nunca usei (Lala, 21 anos).

A aproximação de um self futuro desejado também se evidenciou nos itens 2 e 3 do

continuum, relativos ás coisas usadas uma única vez e usadas poucas vezes. As entrevistadas

referem-se a esses produtos não usados como se eles ainda pudessem ser inseridos em seu dia

a dia, demonstrando que eles fazem parte de quem elas gostariam de ser, como mostram os

depoimentos a seguir:

Eu compro sabendo que eu vou usar, tendo certeza de que eu vou usar. Tenho

um planejamento futuro para aquelas coisas, sempre. Eu compro com convicção

de que vou usar (Dora, 26 anos).

Eu compro e penso “que linda essa cor”, “que maravilhoso esse brilho”, “um

dia vou usar esse iluminador”, enfim, e acabo não usando. Roupas de estações,

tipo biquíni. Não vou para praia no verão e acaba ficando ali sem uso. Roupa

de academia... Eu pretendo ir para elas voltarem. [...] Tenho infinitas coisas

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

201

desse tipo paradas, inclusive livros que eu compro, e eu estou com uma lista,

tipo “quero ler esse livro” e ele está lá esperando a fila, já foi um e agora outro,

e assim vai. Eles ficam parados alguns meses até eu ler. Eu nunca compro e

utilizo, eu compro, utilizo e depois eles voltam a ficar sem uso (Mara, 27 anos).

A “roupa de academia”, a “fila de livros para serem lidos”, as “maquiagens

maravilhosas” fazem parte de um eu pretendido. De alguma forma, Mara demonstra que seus

bens “ainda” não usados estão planejados para serem usados em breve. Suas declarações sobre

“quero fazer”, “pretendo ir” e “não vou”, “não faço” expõe a relação dinâmica entre futuro

(planos) e o presente (dia a dia).

Os bens declarados pelas entrevistadas como usados por um período, que denominamos

como item (4) da Figura 16, parecem se relacionar com o presente das informantes. A

orientação para o presente reflete tarefas do aqui e agora, segundo as entrevistadas,

representando quem elas são agora e o que é importante para elas hoje. As entrevistadas

mencionam coisas que já foram usadas algumas vezes e parecem passar por um processo de

aproximação, quando há uma ponderação sobre a possibilidade de se voltar a usar ou não.

Eu tenho iluminador, é da Hayden você passa e ilumina essa região. É bem

legal, só que eu não vou usar isso pra ir no shopping. Só pra algum evento e tal.

Você acaba usando ele quando quer mudar... Não usei muito, mas daqui a pouco

têm uma festa e eu posso usar. Não é todo dia. Eu mudo! Eu sou outra pessoa

de maquiagem, que tenso isso (Tar, 20 anos).

Daqui a pouco eu vou emagrecer, vou usar, vai ter uma festa. Tô emagrecendo,

já. Eu tenho o vestido da minha formatura de colégio guardado. Eu tinha

dezessete, eu tenho vinte e sete, e eu era muito magrinha, então ele não passa

nem assim no braço, mas ele está guardado (Mana, 27 anos).

As entrevistadas passam a noção de que seus bens não usados fazem parte de planos

presentes. “Vou usar daqui a pouco” foi a expressão usada para dar a sensação de que os bens

são parte de quem elas são agora. Com o relato das informantes, percebemos que são coisas que

servem para conectá-las a eventos significantes, a alguma realização ou outro fator significante

para sua autoestima.

Produtos usados intensamente por um período ou que realmente tiveram muito uso

(itens 5 e 6 da Figura 16) estão mais relacionados ao passado, segundo as entrevistadas. São

coisas que falam sobre quem elas foram e são carregadas com parte de suas memórias, como

mostra Ruth:

Claro, no porão depois vou te mostrar, tenho uma máquina de costura que é

muito antiga, ela funciona, mas acho que nunca mais vou usar ela, mas não

quero me desfazer dela. Olho para ela, eu gosto dela (Ruth, 60 anos).

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

202

A máquina de costura muito antiga transporta recordações, e Ruth “gosta dela”. Ela não

está mais em uso, mas parece possuir outro tipo de condição, relacionada com o potencial de

resgate do passado. Esses bens são mantidos, apesar de não usados, por sua história e biografia,

pelo que representaram em momentos anteriores na vida das informantes. Itens muito usados e

guardados são também tratados como não uso, mesmo que ainda haja intenção de usá-los

novamente.

É que assim atualmente uma parou de caber porque era muito pequena então

não uso mais. Uma eu usava muito, uma cinza bonita pra caramba, mas caiu o

botão e eu parei de usar também (Cela, 20 anos).

A calça jeans de Cela deixou de ser usada, pois estragou, mas segue em seu armário. A

camisa bordada pela avó de Duda e a camiseta feita pela prima estão trapos, mas são

recordações que ela faz questão de guardar.

Eu acho que nessa ocasião de fazer a ponderação entre o tanto que eu não quero

que elas existam, mas ao mesmo tempo elas existem e elas me tocam. Por

exemplo, tem uma camiseta que minha avó fez, bordou. É horrível a camisa, mas

foi ela quem bordou e é a única coisa da minha avó que eu tenho. Tem a camiseta

que a minha prima fez para mim que está um trapo velho, e assim por diante

(Duda, 40 anos).

Identificamos o consumo como a última etapa antes do não uso em si. Pré-aquisição,

aquisição e consumo fazem parte do processo que leva ao não uso. Após relatar os caminhos

que conduziram as posses ao não uso, as entrevistadas apontaram as razões para manterem tais

bens. A próxima categoria apresenta o reconhecimento do não uso, composto pelas funções

exercidas pelos bem não usados e pelos tipos de não usos.

4.3 Reconhecimento do Não Uso

O que levou as entrevistadas a armazenarem suas posses? Por que elas não se

desfizeram, doaram, venderam ou jogaram foram suas coisas não usadas? Segundo os relatos,

as coisas têm funções na vida das entrevistas e por isso são mantidas. Além disso, bens não

usados são avaliados e classificados em relação à sua importância para as entrevistadas.

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

203

4.3.1 Funções do Não Uso

O trabalho de campo nos permitiu identificar funções para as coisas não usadas de

nossas informantes, coisas essas que podem ser simbólicas ou utilitárias. A manutenção de bens

não usados diz respeito à utilidade e aos significados atribuídos a eles. Assim, não usos

desempenham funções, que variam em seus propósitos figurados e funcionais. Da mesma forma

que em nossa pesquisa, o estudo de Coulter e Ligas (2003) indica que produtos têm significados

funcionais e simbólicos, dependendo da motivação dos indivíduos para seu consumo. Nossos

achados reforçam a noção de Levy (1959), segundo a qual as pessoas têm coisas não somente

pelo que elas são capazes de fazer, mas, também, pelo que significam.

As funções simbólicas dos bens não usados revelaram-se quando as entrevistadas nos

contavam sobre o papel do bem na construção de identidade. Elas revelaram que suas posses

permitiam a expressão do self passado, presente e futuro. Objetos não usados e guardados pelas

entrevistadas pareciam ligá-las com recordações e memórias, mas também com o conceito de

quem elas são atualmente. Outros objetos não usados nos foram apresentados como conexões

com o futuro, ou seja, com a identidade que eles projetavam assumir.

Esses objetos de não uso com funções simbólicas contam a vida das mulheres

pesquisadas, ajudando-as a constituírem-se como sujeitos e a edificarem a cultura na qual estão

inseridas. Os não usos permitiram às entrevistadas ocupar um lugar em seu grupo social, ou

contar de onde elas vieram, como vivem atualmente e o que pretendem se tornar. Através da

manutenção dos itens não usados, essas mulheres preenchem uma posição, que as coloca em

relação à sua família e amigos, ao seu trabalho e ambiente profissional, a, claro, ao seu consumo.

Bens não usados simbolizam a trajetória de nossas pesquisadas, sustentando sua

biografia passada, presente e futura. Exemplo de objeto relatado como tendo uma função

simbólica foi o caso de uma prancha de surf. Em uma conversa informal com amigos durante

o processo de campo, ouvi a história de um colega que me contou sobre sua paixão pelo surf.

Imediatamente, pedi a ele para gravar nossa conversa. Depois de ouvir atentamente o que suas

pranchas significavam, fiz anotações em meu diário de campo. Luiz, nome fictício do colega,

relatou que não surfava mais, pois tinha muitos compromissos profissionais e uma filha

pequena. Apesar disso, ele jamais iria se “desfazer das pranchas”. Em sua fala, ele esclareceu

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

204

que as pranchas não só o remetiam a um passado nostálgico, no qual havia tempo para

atividades prazerosas, mas também que aqueles objetos eram parte “dele”, como pode-se ver

no trecho de seu depoimento.

“Elas são eu. Eu sou surfista. Não estou praticando agora, mas eu sou um

surfista. Elas são grandes, ocupam quase todo o espaço da garagem, mas não

imagino minha vida sem elas. Bah... se eu perdesse isso perderia uma parte de

mim, de quem eu sou” (Luiz, 45 anos).

As funções simbólicas das pranchas de Luiz permitem que consideremos objetos não

usados como parte da identidade das pessoas com as quais conversamos, como mostra a

conversa com Cica:

Entrevistadora: Se eu chegasse e falasse assim: vou (mexer) nas tuas coisas.

Não vai.

Entrevistadora: Por quê? Como você se sente?

Me sinto bem invadida.

Entrevistadora: Por quê? Você não está usando elas...

Não é nem pelo fato de eu não estar usando. É porque eu não gosto das pessoas...

É como se as coisas que eu tenho fizessem parte de mim e é como se a pessoa

estivesse mexendo em alguma parte minha (Cica, 32 anos).

Simbolicamente as coisas não usadas de Cica são “ela”. Essa perspectiva consolida a

importância relativa de alguns objetos não usados, que foram “usados” para marcar, delimitar,

destacar, incorporar nossas entrevistadas no mundo em que viviam. Assim como indicaram

Coulter e Ligas (2003), significados simbólicos associados a posses não usadas incidem sobre

expressões pessoais e intrínsecas. Para os autores, o produto ganha significado porque está

vinculado a algum evento específico, porque desenvolve qualidades interpessoais ou auxilia de

alguma forma na comunicação do self do indivíduo, tal como observamos em nossa pesquisa.

Em alguns casos, as entrevistadas desenvolveram laços emocionais com suas posses,

encontrando nelas os itens necessários à expressão e comunicação de seu eu.

As funções utilitárias do não uso relacionam-se com a percepção prática dos bens não

usados pelas entrevistadas. As posses descritas com essas funções eram vistas de duas formas:

ou ainda poderiam ser usadas ou não funcionavam mais e estavam prestes a ser descartadas. As

coisas que ainda poderiam ser usadas, eram mantidas para usos futuros, como conta Val:

As roupas, sapatos geralmente é por saírem da moda, não estar se usando mais

aquele modelo. Eu guardo e um dia de repente pode voltar. Ninguém está

usando...fora de moda. Mas se um dia voltar a moda uso de novo (Val, 53 anos).

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

205

Para serem mantidas, as posses não usadas com funções utilitárias precisavam ser

percebidas pelas entrevistadas como práticas e possíveis de uso imediato. Coisas com funções

restritas ou estragadas pareciam ser mantidas apenas como um pré-descarte, como mostram os

depoimentos a seguir:

Tipo, essa [geladeira] aqui eu não consegui vender e aquele ali [fogão] eu não

sei onde se descarta algo que não funciona, porque é metal e eu não quero botar

na natureza de qualquer jeito, que polua mais do que já está poluído. Então eu

não sei muito bem de como me desfazer dessas coisas. (Mara, 27 anos).

Entrevistada: E se você fosse obrigada a se desfazer de uma coisa não usada?

A fritadeira [...]. Um dia eu uso [as outras], mas a fritadeira não tem condições

Entrevistada: E por que você se desfaria dela?

Coitadinha...mas a gente não usa porque fica muito ruim. Ela não tem uma boa

funcionalidade. Se ela tivesse uma funcionalidade estava joinha (Lia, 28 anos).

Durante a pesquisa, quando as mulheres se deparavam com bens que percebiam que não

tinham mais utilidade, perguntavam a si mesmas por que estavam guardando aquilo, com

expressões como “preciso fazer uma faxina e tirar essas coisas velhas”, como mostra Bibi.

Agora eu quero fazer uma limpeza, quando eu for botar as coisas no armário

[novo], mas tem aquelas roupas que já se passaram dois verões, mas tem umas

que simpatiza e eu não consigo me desfazer (Bibi, 34 anos).

Reação oposta ocorria para os bens considerados com função simbólica. Quando se

deparavam com esses bens, as entrevistadas contavam a história daquele objeto em sua vida ou

simplesmente contavam a sua vida, como nos contou Dona:

Então, para mim, assim, a maioria das minhas roupas tem uma história porque

eu comprei, porque meu marido comprou, porque isso aqui é uma roupa que eu

idealizei, porque eu achei que usando com jeans eu ia ficar parecida com a

fulana e agora tem algumas roupas que não são o meu estilo, mas que eu vesti

na gravidez, inclusive emprestadas pela minha irmã e eu disse para ela, eu não

vou te devolver. São dois vestidos e que foi o vestido que eu fui para a

maternidade, que não é meu estilo, que eu não uso e que eu não vou devolver

para ela e vão ficar lá guardados. E esses dias eu mexi e comecei a chorar

porque era o vestido da maternidade, e vai ficar lá guardado (Dona, 42 anos).

As funções utilitárias das coisas não usadas referem-se a atributos e características

materiais do produto, ou seja, o produto principal e as funções que permitem que o produto

funcione de uma maneira específica. As funções simbólicas, por sua vez, são intangíveis e

relacionam-se com o trabalho que o bem faz na construção da identidade das entrevistadas,

como contou a história de Dona. As funções do não identificadas em nossa pesquisa se

relacionaram os tipos de ligação, que Richins (1994a) chama de fontes de significados.

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

206

4.3.2 Reconhecimento do tipo de ligação com posses não usadas

Posses não usadas possuem funções simbólicas e utilitárias e sua manutenção depende

do tipo de ligação reconhecida pelas entrevistadas com seus objetos. Uma vez que conceituamos

o não uso como sendo uma posse à qual as entrevistadas se sentiam apegadas, notamos que as

funções do não uso (simbólica e utilitária) se relacionavam com o tipo de ligação que as

entrevistadas descreviam ter para com suas posses.

Os objetos não usados pelas pesquisadas são mantidos porque elas são, de alguma

forma, ligadas, conectadas a eles. Os tipos de ligação entre as informantes e suas coisas não

usadas encontrados na pesquisa foram (a) afetivas, (b) expressivas, (c) afiliativas, (d)

monetárias, (e) funcionais e (f) materialistas. Nossa classificação dos tipos de ligação entre

sujeito e objetos não usados se aproxima da proposta de Richins (1994a), segundo a qual podem

existir seis fontes de criação de significado (utilitária, de prazer, de representação de laços

interpessoais, de identidade ou autoexpressão, relativos a aspectos financeiros, relativos a

aparência).

As ligações afetivas, ocorreriam quando as mulheres tinham uma relação de apego com

seus não usos, demonstradas por expressões de carinho, amor, dedicação ou idolatria:

Guardo com muito carinho algumas peças. Tenho as roupas minhas de renda.

Tenho amor naquelas roupas. Tem as roupas que uso mais, que gosto muito

delas, mas eu não diria que tenho um amor por elas, mas minhas roupas de

renda geralmente eu guardo elas melhor, entendeu? Guardo nos saquinhos

(Madu, 20 anos).

As ligações expressivas, revelavam-se quando os bens não usados propagavam a

identidade das entrevistadas formada por apego a bens que remetem ao passado, à história atual

e ao futuro projetado. Uma vez que o objeto era percebido pelas mulheres como “meu”, elas se

esforçavam em mantê-lo, pois poderiam passar a representar uma parte de seu “eu”.

[Eu ficaria com meus quadrinho] Porque sou apaixonada por quadrinhos. Acho

que quadrinhos são uma mídia fantástica. Eles têm um valor sentimental para

mim. Para mim todas essas histórias dentro desses quadrinhos, elas são como

que parte da minha própria história, elas fazem parte daquilo que... Através

dessas histórias, através dessas comics, em boa parte por causa delas. eu me

tornei a pessoa que eu sou. Eu tenho os interesses que eu tenho muito por causa

desses quadrinhos, seria uma coisa que eu escolheria. Para mim isso é mais

importante do que a minha aparência, é mais importante que bijuteria e

maquiagem. Na verdade, bijuteria e maquiagem são só as duas coisas que eu

uso, duas ferramentas que eu uso para expressar a pessoa que eu me tornei por

conta desse embasamento literário que vem das comics.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

207

As ligações afiliativas foram demonstradas quando o objeto não usado transmitia às

entrevistadas o sentimento de pertencimento social. Podemos perceber que as entrevistadas

utilizavam os bens para manter conexões interpessoais que, ao mesmo tempo, definiam seu self.

Schultz, Kleine e Kernan (1989) e Kleine, Kleine e Allen (1995) sugerem que a busca de

afiliação aparece quando as posses refletem conexões com outras pessoas, com heranças ou

tradições, com ocasiões vivenciadas com pessoas importantes ou ainda quando refletem ter

estado em contato ou terem sido cuidadas por outras pessoas. Os depoimentos a seguir mostram

como esse tipo de ligação surgiu em nossa pesquisa:

É apego emocional, coisas que eu não boto fora. Eu tenho muito cacareco nas

minhas caixinhas.[...] Eu amo caixinhas. Essa minha madrinha, que tu

conheceu, é amiga da minha mãe desde que elas tem cinco anos de idade e ela

foi minha madrinha de crisma, e eu sou madrinha da filha dela, a Duda, e ela

sempre me dá muita caixinha, porque ela sabe que eu gosto. Eu estava numa

produção nesse feriado e ela que me deu essa caixa de bijuteria. Aqui também

tem uma outra de bijuteria. Meu armário é caixa, caixa, caixa, porta-joia, essas

coisas. Eu gosto muito de organizar as coisas (Dora, 26 anos).

Isso aqui foi minha mãe que fez. Eu nunca mais vou usar, mas foi minha mãe

quem fez e se eu me desfazer, ela vai me matar (Duda, 40 anos).

Claro, tudo lembra [outras pessoas]. Porque é um carinho. Aqui em casa, por

exemplo, o meu quarto é antigo, veio de Berlim ainda, todo laqueado por dentro,

não sei em que ano, coisa mais linda. Ele não é muito prático, o layout dentro e

acho tão bonito e aquilo ganhei de uma ex-sogra minha. Como minha casa é

grande, as peças são grandes. Quando olho sempre lembro dela. Agora o André

e o Zeca se mudaram e me deram aquela mesinha com as cadeirinhas, um amor,

está no meu quarto.

Entrevistadora: Teus filhos?

Não, era um casal aqui do lado, amigos vizinhos. É um mimo. É a tua vida, tua

história com as pessoas que te rodeiam. Muito bom isso. Às vezes estou tomando

café aqui ou chazinho com as coisinhas deles de manhã ou qualquer hora, boto

uma fotinho no WhatsApp para eles. Esses eu ainda uso, mas tem um monte de

coisas que as pessoas me dão que eu não consigo usar (Ruth, 60 anos).

As ligações monetárias, indicaram que a posse do bem era relacionada pela pesquisada

com seu valor de mercado. Produtos que custaram muito dinheiro ou que eram de alguma grife

famosa foram destacados pelas pesquisadas como não usos que deveriam ser mantidos.

A única coisa que eu daria seriam eletrodomésticos porque eles são caros, é

uma questão de valor do quanto eu paguei, porque, por exemplo, essa geladeira

foi razoavelmente cara, então eu não vou dar ela, a não ser que eu empreste ela

para alguém da família, aí não tem problema, mas dar não (Mara, 27 anos).

“Essa roupa é de tal marca, ou custo tão cara”! Mas, assim, algum dia eu posso

querer voltar a usar isso, porque eu vou doar? Pode acontecer (Madu, 20 anos).

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

208

As vezes acontece uma roupa de marca, muito nova, está muito nova pra você

doar... Eu ouvi uma professora esses dias dizendo isso, “imagina que eu vou dar

pra minha empregada a roupa da Animale”, eu também nunca tinha pensado

nisso (Mila, 20 anos).

A ligação monetária também surgiu quando as entrevistadas afirmaram que mantinham

coisas não usadas para evitar dispêndios futuros.

A papelaria, quando termino um trabalho posso doar, mas fico pensando se

tenho em casa, no próximo não gasto. Então é uma tentativa de ser prática que

acaba me deixando não muito prática. E sou super apegada. Gosto de tudo. Teve

um dinossauro daquela caixa dos brinquedos de R$ 1.99 que o Mauricio teve

que arrancar da minha mão porque eu estava apegada ao dinossauro de R$ 1,99

(Nana, 31 anos).

Ligações funcionais eram despertadas quando as entrevistadas consideravam que o bem

não usado poderia ser útil em algum momento por sua performance, tecnologia ou desempenho.

E cabos... sempre tu precisa de cabos: um no computador, um no quarto, um na

bolsa, um no carro. E aí, mesmo que eles estraguem, têm uns piratas que eles

não carregam. Mas de repente quando eu trocar de celular ele vai carregar meu

próximo celular e guardo. Porque pode funcionar. Pen drive. Estou com dois

pen drives que não estão funcionando, mas eu não joguei fora porque de repente

vai que funciona.

Entrevistadora: Tem um milagre, né?

Às vezes acontece. Então é isso. Assim materiais da faculdade eu sempre guardo

meus materiais. Se for olhar tem pilhas e pilhas de estudos, de textos e não sei

o que guardados. Deixa aqui mais um pouquinho. E aí se eu tiver dado eu vou

pensar: eu já tinha e vou ter que comprar outro (Mana, 27 anos).

As ligações materialistas vinculam-se à posse pela posse. Elas referiam-se aos

momentos em que as entrevistadas afirmavam que “precisavam ter” determinado tipo de bem,

com a função exclusiva da posse.

Entrevistadora: E o que você faz com os vestidos que você usou uma vez, eles

estão aí?

Estão guardados. Eu não doo. Sempre falo que uma hora eu vou usar, deixa

daqui há um ano quem sabe... (Fer, 25 anos).

Essa ligação surgiu em muitos momentos da pesquisa. As entrevistadas alegaram

diferentes razões para manter suas posses não usadas, mas a lógica do “de repente posso

precisar”, “vai que volta a moda”, “eu posso usar um dia” foi empregada por muitas mulheres.

Val, de 53 anos, guarda suas roupas e sapatos que “não se está usando mais”, para,

eventualmente, poder resgatar esses bens.

As roupas, sapatos geralmente [não são usados] é por saírem da moda, não

estar se usando mais aquele modelo. Eu guardo e um dia de repente pode voltar.

Ninguém está usando...fora de moda. Mas se um dia voltar a moda uso de novo.

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

209

[...] Faço plano de um dia usar novamente [minhas coisas guardadas]. Não

tenho muita coisa de lembrança. Tem pouquíssima coisa...acho que nem...é mais

do que acho que vou usar um dia, vou precisar delas (Val, 53 anos).

Esse tipo de ligação se assemelha ao mito da Fênix, como se esses bens pudessem ter

uma nova vida em algum momento. Eles são guardados esperando a oportunidade de reviver,

como contam Duda e Bibi:

Acho que coisas que ficaram muito datadas, muito representativas de um

momento estético meu que definitivamente não me representa mais, mas que por

ventura pode servir para algo, porque estão guardadas, porque tem uma

qualidade boa ou porque podem ser transformadas em outras coisas (Dani, 40

anos).

E já aconteceu isso comigo. De eu ter uma peça que eu já não usava há muito

tempo, estava ali e de repente ela volta, ressurge e tu passa a usar muito. Só que

eu não sei te dizer se existe um motivo para isso, mas já existiu. De roupa

inclusive já existiu. Tem um vestido de festa que eu não usava há muitos e muitos

anos, e um dia eu estava tirando para dar, e aí eu tinha um casamento e

experimentei o vestido, pois eu usei em uns três ou quatro casamentos, e era um

vestido que eu ia dar. Porque eu não usava e passei a usar eu não sei, não sei o

que acontece, mas ele ressurgiu. Agora, porque vou dar outras coisas? Deixa

quieto (Bibi, 34 anos).

Descritas as funções do não uso para nossas entrevistadas e os tipos de ligações que as

fazem manter seus bens não usados, podemos relacionar tais conceitos. Funções e tipos de

ligações entre sujeito e objeto surgiram relacionadas nos depoimentos. Além disso, ao

reconhecer a função do bem não usado e o tipo de ligação que tinham com ele, as entrevistadas

passavam a classificar suas posses em relação ao significado atribuído.

4.3.2.1 Significados

O Quadro 15 diferencia as duas funções dos bens não usados, simbólica e utilitária, a

partir dos tipos de ligações identificados, dos significados e dos papéis atribuídos às posses pelo

grupo de entrevistadas.

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

210

Quadro 15 - Características do Reconhecimento do Não Uso.

Função Tipo de Ligação Significado da posse Papel dos Bens Não Usados

Simbólica Afetiva Singular Relação de carinho, amor ou dedicação.

Expressiva Singular/Comum Expressão da identidade desejada.

Afiliativa Singular Sentimento de pertencimento social.

Utilitária Monetária Singular/Comum Declaração de seu valor de mercado.

Funcional Singular/Comum Indicam performance, utilidade ou tecnologia.

Materialista Singular/Comum Representam a vontade de ter coisas materiais.

Fonte: da autora.

As funções simbólicas dos bens não usados os diferenciavam em relação aos bens com

funções utilitárias, pelo tipo de ligação. Ligações afetivas, expressivas e afiliativas foram

mencionadas em coisas com funções simbólicas. Posses como essas eram importantes,

queridas, representantes do self e lembravam pessoas ou momentos especiais. Ligações

utilitárias se estabeleciam para bens com ligações monetárias, funcionais e materialistas. Essas

eram coisas percebidas como úteis (“eu ainda posso usar”), de boa qualidade, caras, que estão

novas, foram pouco o nunca foram usadas.

Ao reconhecer tais características, as entrevistadas eram capazes de definir o significado

dos bens para elas: singulares ou comuns, como mostra o Quadro 16. Tal como como indicam

Kopytoff (1986) e Kleine e Baker (2004), as posses de nossas entrevistadas. Eles parecem ser

divididos assim em função do significado que assumem para as entrevistadas e do processo

desenvolvido até virarem não usados. Seus não usos eram, então, categorizados entre os que

elas tinham apego e os que elas tinham pouco ou nenhum apego. Os primeiros, singulares,

representavam o self – a identidade passada, presente ou sua transformação –, assim como

vínculo e a afiliação com outras pessoas ou épocas. As posses singulares são consideradas

únicas, pois com elas (ou a partir delas) foram criadas relações e contextos que as socializaram.

Tais processos, histórias ou rituais contribuíram para discriminar, classificar, comparar e,

eventualmente sacralizar tais bens. As posses comuns, para as quais há pouco ou nenhum

vínculo, são “tralhas” e as entrevistadas estão prestes a descartá-las, pois não as representam

mais. O Quadro 16 mostra as principais características dos bens não usados descritos pelas

entrevistadas.

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

211

Quadro 16 – Não Usos Singulares e Comuns

Posses Não Usadas Singulares Posses Não Usadas Comuns

São importantes, queridas, especiais. Tenho

amor, carinho, afeição.

Representam eu/representavam eu/representam

o que eu quero ser.

Lembram de pessoas e momentos especiais,

São caras, de boa qualidade ou exclusivas,

Funcionam bem.

Podem voltar a ser usadas.

São insubstituíveis.

Se aproximam do sagrado.

Sentimentos de medo de perder e esperança de

usar.

São tralhas para as quais tenho pouco ou não

tenho apego. Quero desapegar.

“Não me representam mais”.

Lembram de coisas que prefiro esquecer ou

que não são importantes.

Custam pouco, não têm qualidade e podem

ser encontradas facilmente.

Estão estragadas, precisam de conserto ou

têm a funcionalidade limitada.

Nunca mais serão usadas.

São pré-descartes.

Aproximam-se do profano.

Sentimentos negativos relativos à sensação

de desperdício e acumulação.

Fonte: a autora.

Os bens não usados singulares são os que têm memória ou uma história que os conectou

com as proprietárias. São bens para os quais há apego, desenvolvido através da apropriação

psicológica, da convivência ou por ele ser visto como uma extensão do self. Exemplos desse

tipo de bem envolveram joias ganhadas de presente de 15 anos, de formatura ou de outras

comemorações especiais; um sapato de grife pelo qual a entrevistada pagou caro e que lhe

remetia a status e ao poder de alguém que ela viu usando; um tênis recebido como presente de

aniversário do marido; roupas que compõem o acervo de uma produtora teatral; um moletom

usado durante o período de escola, mas que não era vestido há 16 anos; uma máquina de costura

antiga usada pela mãe de uma amiga e recebida como presente; uma bolsa comprada em Milão

em uma viagem para participar do casamento da irmã; revistas reunidas ao longo do tempo, etc.

Os sentimentos despertados pelas posses não usadas singulares referem-se ao medo de

não tê-las quando precisar. Numa fala de Bibi, destacada a seguir, a entrevistada sugere a

dificuldade de delimitar o não uso, já que essa prática traz conflitos: o espaço preenchido versus

o espaço “roubado” e o desejo de ter versus o medo de não ter:

[...] só que elas [as coisas não usadas] ocupam um espaço que é grande demais

na minha vida e eu gostaria de abrir espaço para o mundo atual, não para o

mundo das coisas que eu acabo não usando, mas fico com medo de me desfazer

e querer aquela coisa logo em seguida (Bibi, 34 anos).

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

212

Evidenciamos com esse depoimento que o não uso está relacionado à complexidade

emocional representada por conflitos e ambiguidade, como na expressão “preciso ter, mas não

queria ter”. Ao mesmo tempo, surgiu na pesquisa o sentimento de esperança: esperança de

voltar a usar o bem.

Não usadas do que eu consigo me desfazer. Uma roupa não usada que fica no

armário ou no acervo tem uma possibilidade de uso ainda, tem uma esperança

para ela, ela pode ter uma utilidade ainda, para mim, e fazer sentido para mim

(Dora, 26 anos).

É tudo uma questão de ter uma esperança de usar ainda as coisas. E desse apego

que acho que tenho. É muita esperança de usar aquele creme maravilhoso, pra

reduzir as medidas que tenho esperança. A esperança de usar aquelas blusinhas

porque não usei mais mas acho que dá pra voltar a usar. É muito a questão da

esperança de usar ou voltar a usar um dia. Acho que é mais isso, o apego a

algumas coisas, apego emocional e por outro lado a esperança de usar no futuro

(Lia, 28 anos).

O comportamento das entrevistadas em relação a tais bens é diferente do

comportamento para com as posses consideradas comuns, tal como propuseram Wallendorf,

Belk e Heisley (1988). Elas se aproximam da definição do sagrado, pois podem ser vistas como

místicas, poderosas e merecedoras de reverência. Além disso, tais posses “não têm preço” e são

afastadas do mundo vulgar do comércio, pois não podem ser vendidas, doadas ou emprestadas,

o que lhes concede características do sagrado. Elas são retiradas de suas atividades normaisSão

tratadas pelas entrevistadas como únicas, insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000;

CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004).

Os bens comuns, por sua vez, eram os objetos chamados pelas entrevistadas de

“tralhas”. Eles foram apresentados como opostos aos singulares, pois eram referidos como

normais ou banais, o que lhes aproxima da definição de mercadorias profanas, oferecida por

Wallendorf, Belk e Heisley (1988). De forma geral, eles não representam mais o self das

entrevistadas, pois foram sendo afastados de suas vidas. Enquanto os bens singulares são mais

centrais ao self (BELK, 1988), os comun, que possuem apegos fracos, não refletem muito ou

refletem nada do self (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Eles poderiam estar em uso, mas

estão “encostados”.

Foram tratadas como tralhas os bens comprados por impulso e aqueles bens que tiveram

um alto valor de compra, mas não têm valor de revenda, tais como Ipads, celulares antigos,

brinquedos, etc.

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

213

Eu tenho muita tralha, mas a gente fica pensando “na hora que eu precisar eu

tenho”, vai guardando. Rolo de massa, para que serve um rolo de massa hoje

em dia? (Ruth, 60 anos).

No dia que eu precisar, eu tenho. Como a gente tem de ter espaço para guardar

tralha (Tata, 38 anos).

Parece que aquilo é uma tralha mesmo, só que tem coisas que eu não consigo

me desfazer, por isso que eu tenho sacos de coisas que estão ali e fica um mês

parado para eu refletir (Dora, 26 anos).

Percebe-se que a dinamicidade do conceito de apego está presente nos relatos das

entrevistadas, especialmente quando se referem a suas “tralhas”. Mugge, Schifferstein e

Schoormans (2006) apontaram que quanto mais um bem é utilizado, mais memórias com ele

são criadas, o que, ao longo do tempo, os torna especiais. Com o passar do tempo, as memórias

e histórias aumentam, ocasionando o aumento do apego. No entanto, apesar do número de

lembranças aumentar, a ausência de uso reduz a importância relativa das memórias para

formação do apego com o produto.

Tal como propuseram Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), Schifferstein e

Zwartkruis-Pelgrim (2008) e Ball e Tasaki (1992), em nossa pesquisa identificamos que o uso

parece aproximar sujeito e objeto, permitindo a construção de significado profundo e simbólico.

No entanto, esses sentimentos parecem se manter mesmo quando bens singulares não são

usados, de forma que seu significado e a experiência de apego com eles são relativamente

estáticos ao longo do tempo. Isso significa dizer que, para bens singulares outros fatores, além

do uso, são considerados na formação do apego. Podemos acreditar, portanto, que o uso

desempenha um papel menor nesse processo. Talvez ele seja mais relevante para criar apego

com produtos comuns, assim como indicaram Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), que

podem até mesmo ser associados a sentimentos negativos. Tais posses não usadas são

associadas, muitas vezes, a sentimentos negativos.

Não é por egoísmo ou por possessividade que eu não me desfaço, eu acho que

tu falou uma coisa bem importante, eu tenho histórias das minhas roupas. [...]

Da minha louça também porque foi da minha mãe, porque eu ganhei de

casamento e aí depois eu comprei essa aqui que custava muito dinheiro (Dona,

42 anos).

A fala de Dona (42 anos) expõe as questões da vinculação da manutenção dos objetos

não usados com aspectos negativos do consumo. Egoísmo e possessividade – que aqui parece

estar vinculada ao materialismo – são aspectos sombrios do consumo (MICK, 1996) e que

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

214

podem fazer o sujeito não se orgulhar de seus comportamentos e escolhas. Dona confessa a

ambiguidade relativa ao não uso, fato que permeia boa parte da pesquisa: o não uso é, ao mesmo

tempo, uma parte de mim e uma parte que eu não quero mais que seja eu. Kleine e Kleine (2004)

já haviam indicado que algumas posses são vistas pelos consumidores como “não eu”, mas

ainda assim são mantidas por eles. Esses bens, chamados pelos autores de It’s not me anymore

têm relação tanto com o passado quanto com o futuro, pois podem ser lembranças que ela não

quer reviver e, ao mesmo tempo, podem antecipar mudanças no self.

Quando Dona afirma que seus não usos custaram muito dinheiro, ela pode estar

sugerindo que o investimento feito em algo que não está em uso deveria ter sido repensado,

mas, dada a importância histórica do bem em sua vida, isso pode ser relevado. Essa mesma

sensação de que bens não usados podem ter uma conotação negativa surgiu em diferentes

momentos da pesquisa, mas especialmente quando as entrevistadas foram perguntadas sobre o

que representavam as coisas que elas tinham e não usavam. Nesse momento, foi aplicada a

técnica projetiva de complementação. Vejamos alguns exemplos:

Entrevistadora: As coisas que eu tenho e não uso são...

- Excessos (Dani, 40 anos).

- Dispensáveis (Bibi, 34 anos).

- Desperdício (Tata, 38 anos).

- Desnecessárias (Laura, 21 anos).

- Coisas que estão necessitando de triagem (Cica, 32 anos).

Esse processo demonstra que os objetos são contaminados pelo não uso uns dos outros.

Ao serem reunidos em locais de esfriamento, que possibilitam o afastamento físico entre sujeito

e objeto, esses bens contaminam uns aos outros, num processo de perda de significado coletivo.

Ocorre o que Belk, Wallendorf e Sherry Jr. (1989) definiram como uma característica da

sacralização, segundo a qual as coisas sagradas têm poder de contaminação através do contato.

Segundo os autores, objetos abençoados estão contaminados com o poder do sagrado e

contaminam o ambiente em que se encontram. O mesmo fenômeno parece acontecer com o não

uso: bens não usados contaminam-se quando estão juntos e contaminam o ambiente em que

estão. Belk (1988) aponta que as posses podem se contaminar pelo uso e dependência constante

e habitual, o que as dota de significado pessoal, conectando self e objeto (como uma joia

constantemente desgatada pelo uso, por exemplo).

No entanto, ao fazer uma “triagem”, como relatam as entrevistadas, para avaliar o que

deve ser descartado e o que deve ser mantido, cada um daqueles objetos pode ganhar vida. Ao

serem submetidos a um escrutínio que investigará se ele “cabe” na vida do sujeito, o objeto tem

a chance de contar sua história e, assim, ser resignificado. Ao deparar-se com seus bens não

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

215

usados, as entrevistadas imediatamente passavam a contar a história de cada um deles

aproximando-os de seu self através da narrativa. As posses podem, dessa forma, ser

ressingularizadas e deixarem de pertencer ao grupo do excesso, do desperdício ou do

desnecessário.

Podemos também interpretar esses sentimentos negativos como uma aproximação com

o conceito de acumulação. Ao responderem que suas coisas não usadas são excessos ou que

precisam de triagem, as entrevistadas afastam-se do perfil do acumulador compulsivo,

construindo uma narrativa de que essas coisas estão ali momentaneamente e contra sua vontade.

Ser uma acumuladora pressupõe não ter critério de seleção entre o que é útil e o que é inútil, já

que os acumuladores guardam tudo. Ao guardarem apenas as coisas consideradas como mais

importantes, elas se afastam do grupo dos acumuladores, mas, enquanto os objetos estão

misturados e desorganizados, essas mulheres sentiram-se correndo o risco de se tornar

acumuladoras. Nas próximas seções deste capítulo, analisaremos a diferença entre guardar e

manter objetos em desordem e aprofundaremos o debate sobre a acumulação. Por enquanto,

vamos nos concentrar em compreender os limites do não uso para esclarecer seu conceito.

Outra associação feita pelas entrevistadas com o não uso foi com o desperdício. O

desperdício citado foi especialmente em relação ao dinheiro gasto com a compra de bens não

usados e ao espaço físico ocupado por coisas não usadas. O depoimento de Luca ajuda a

compreender a noção de desperdício citada pelas entrevistadas.

Não acho positivo o não uso, acho desperdício de espaço e outra pessoa podia

estar usando. [...] Porque outra pessoa podia estar usando, porque você está

acumulando uma coisa e ocupando um espaço que não precisa ser ocupado

(Luca, 36 anos).

Luca deixa claro seu incômodo com as coisas não usadas. Essa foi uma entrevistada que

mantinha pouquíssimas coisas não usadas, e que se orgulhava de se desfazer com facilidade de

seus objetos. Usaremos o depoimento de Nana para demarcar a diferença entre não usos

singulares e comuns:

Essas coisas que tenho mais facilidade, que não uso, que consigo me livrar mais

de boa são coisas que geralmente comprei para algo específico ou comprei

achando que iria dar certo e em casa não deu, ou foi usado para algum trabalho

em algum momento da minha vida e agora não faz mais sentido. Se alguma coisa

que ganhei de alguém é um pouco mais difícil. Se alguma coisa por exemplo o

tal do tecido. É um tecido que hoje em dia é mais chato de achar e na época do

trabalho ele foi usado como um tapete, uma roupa de cama. Então tem coisas

que sei que o trabalho pode voltar e vou voltar a usar aquilo (Nana, 31 anos).

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

216

Quando uma coisa passa a ser não uso? Não há um momento específico no tempo que

caracterize esse instante, mas são vários momentos reunidos que definem que aquele objeto é

um não uso.

Mesmo um objeto nunca usado pode não ser considerado por seu proprietário como um

não uso, pois há o desejo ou planos de usá-lo em breve. Da mesma forma, coisas muito usadas,

mas que foram esfriadas, deixadas de lado, podem receber uma nova vida. Podem tornar-se

singulares de novo e habitar lugares quentes da casa, como sugeriram Roster (2001) e

Lastovicka e Fernandez (2005). Na verdade, o fato de não estar em uso não faz com que o

objeto perca sua singularidade inerente. Somente o processo de descarte voluntário permanente

parece recomoditizar o bem. Ao esquentá-lo, o sujeito o está tirando da condição de commoditie

e recolocando-o no mundo das posses (compreendidas aqui como objetos, coisas, itens que

tenham significado para o sujeito).

4.4 Procedimentos empregados nos objetos não usados.

Nas pesquisas realizadas surgiram três diferentes procedimentos empregados nas coisas

não usadas. Todos eles dizem respeito ao lugar do não uso, ou seja, a forma como esses objetos

são mantidos. Manter a posse do objeto é considerado fundamental para que se caracterize o

não uso. Os artifícios usados pelas entrevistadas para manter seus bens são guardar e esconder.

Os procedimentos de não uso são resumidos no Quadro 17.

Quadro 17- Procedimentos do Não Uso.

Procedimento Ações Função Tipo de Ligação

Guardar Visível, aparente Simbólica Singular

Esconder Desorganizados,

desordenados

Utilitária Comum

Fonte: a autora.

Em algumas passagens das entrevistas, quando se fala sobre os objetos não usados de

uma maneira ampla e não específica, as informantes relatam ter um lugar especial para seus não

usos. São quartos, salas, armários, uma gaiola construída numa garagem, etc. O trecho da

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

217

entrevista de Nana ilustra que, além da preocupação com a acumulação, ela tem um salão para

guardar suas coisas.

O lugar caótico de verdade é o salão da zona sul porque a gente nem entra

naquela sala (Nana, 31 anos).

O lugar parece ser contaminado pelo não uso. Objetos não usados contaminam-se ao

serem colocados lado a lado nesses lugares escondidos. Tal como propõem Belk (1988) e Belk,

Wallendorf e Sherry Jr (1989), as coisas não usadas possuem a capacidade de se contaminarem

umas às outras, assumindo assim a identidade de não uso.

Ao serem enviadas para lugares removidos do convívio social da casa, esses não usos

ganham novos significados, pois afastam-se do self dos indivíduos. Epp e Price (2009) e

Lastovicka and Fernandez (2005) falam desses espaços como lugares de transição, onde objetos

são colocados para se afastarem dos olhos dos donos e, consequentemente, de seu self. Contudo,

apesar desse processo de distanciamento ser de fato empregado, alguns dos não usos mostrados

pelas entrevistadas parecem assumir uma conotação diferente de objetos que estão sendo

preparados para o descarte. Apesar de “distantes dos olhos” (LASTOVICKA; FERNANDEZ,

2005), alguns bens não usados ainda fazem parte da identidade do sujeito, o que permite

diferenciar o conceito de não uso do conceito de descarte.

Young e Wallendorf (1989) afirmam que podem ocorrer fases de pré-descarte, que

envolveriam alugar, emprestar, usar ou negligenciar posses. É possível que o não uso seja visto

como uma etapa de pré-descarte, já que a fronteira entre manter um bem não usado e o conceito

de uso pode ser tênue. Talvez objetos não usados guardados nesses locais afastados do convívio

principal do sujeito somente possam ser chamados de pré-descarte quando deixam de

representar o self do indivíduo, ou seja, quando entram para a categoria/tipo identificado como

“não fazem mais parte mim”. Nesses casos, em que o objeto está guardado, escondido ou

emprestado para que não seja mais visto de fato, ele é um forte candidato ao descarte.

Discutimos, contudo, que objetos guardados, mas que não representam o self, não são

não usos, mas pré-descartes. Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) afirmam que para ocorrer o

que chamam de descarte temporário – ou pré-descarte, para Young e Wallendorf (1989) - é

necessário haver o afastamento físico e emocional entre sujeito e posse através da

armazenagem. Em nossa pesquisa, os dados indicam que objetos não usados podem ter

afastamento físico, mas não chegam a se afastar emocionalmente de seus proprietários.

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

218

O afastamento físico, que estamos chamando de procedimentos empregados nos objetos

não usados, surgiu na forma como as entrevistadas referiam-se aos lugares onde guardavam

seus não usos. O “quarto da bagunça” de Dora (26 anos), o fundo da gaveta de Mana (27 anos),

o espaço embaixo da cama de Gaga (31 anos), o armário de Nana (31 anos), a gaiola

compartilhada por Val e Lia (mãe e filha), o quarto vazio de Cica (28 anos), o depósito de Luca

(36 anos), o porão de Ruth (60 anos), a área de serviço de Tata (38 anos), a parte superior do

closet de Manu (37 anos) são alguns dos exemplos de lugares onde os não usos estão guardados.

Apesar de todos esses lugares citados pelas entrevistadas serem usados como estratégias

de afastamento físico entre sujeito e objeto, observou-se que seu significado pode ser distinto.

As entrevistadas indicaram que ou guardam, ou escondem ou emprestam seus não usos, o que

implica em coisas diferentes. Propomos uma diferenciação entre esses termos baseada na

literatura e na análise das entrevistas. Podemos identificar que guardar sugere afastamento

físico, mas não emocional do bem. O objeto guardado carrega histórias, ainda é singularizado

e é identificado como uma parte do self do sujeito.

Os objetos guardados estão, eventualmente, organizados, ordenados e arrumados, como

é o caso dos sapatos de salto alto de Mana (27 anos), de suas roupas que não lhe cabem mais e

suas bolsas não mais usadas. As imagens da Figura 17 mostram que Mana tem muito cuidado

com a forma como guarda alguns de seus não usos.

Figura 17 – Não Usos Guardados de Mana – Sapatos

Fonte: a autora.

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

219

Olha aqui eu usei uma vez (1). Esse daqui eu nunca usei (2). Ali tem mais sapato,

mas tá cheio de poeira, porque não mexo aqui (3) (Mana, 27 anos).

A entrevistada mostrou que em seu closet os sapatos não usados ganham uma posição

de destaque. Eles estão expostos, apesar de não serem manuseados. O item 1 da Figura 17

mostra um sapato usado uma única vez por ela. O item 2, uma sandália nunca usada e que estava

coberta de pó, apesar de estar armário principal do closet e bastante à mão. No item 3 da Figura

17, Mana mostra uma outra porta do closet onde estão guardados os sapatos de salto muito alto,

que, segundo ela, “não são nem mais usados”. Também é possível ver que esses sapatos estão

arrumados e organizados, mas também cobertos de pó, como ela própria indica.

Na fala a seguir e na Figura 18, a entrevistada mostra suas roupas e bolsas guardadas e

não usadas.

“Isso daqui é uma caixa só com roupas também que eu guardei (4). Aquela caixa

é só com bolsas que eu guardei (5). [...] Aqui é pilha do que me serve (6) e do

que não me serve (7). O que eu uso mais está aqui (6) (Mana, 27 anos).”

Figura 18 – Não Usos Guardados de Mana – Roupas e Bolsas

Fonte: a autora.

Pode-se observar que os objetos não usados estão também organizados e guardados em

caixas (bolsas, no item 5, e roupas, no item 4) ou dobradas na prateleira (item 7). As roupas que

estão em uso, por sua vez, estão em desordem (item 6). Os não usos de Mana são mais

organizados do que seus usos. Quando ela mostra as roupas (itens 4 e 7) e as bolsas (item 5)

percebe-se que eles estão um pouco afastados das coisas que estão em uso, mas ainda assim

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

220

estão em lugares “nobres” do closet. Esse afastamento pode ser resultado da

facilidade/dificuldade de acesso aos produtos, mas não esconde os objetos. As bolsas estão em

uma caixa transparente, que permite a visualização do conteúdo. As roupas do item 7 estão

dobradas, empilhadas e dispostas de forma que se possa vê-las.

Esses espaços usados por ela para guardar suas coisas são como vitrines que expõem,

de alguma forma, mercadorias preciosas. São espaços onde cabem coisas singularizadas, às

quais Mana tem fácil acesso. Ela sabe onde estão esses não usos, que podem ser resgatados sem

muito esforço. Podemos interpretar a escolha dos espaços de Mana como uma forma de

afastamento físico moderado, mas, de maneira nenhuma, aqueles objetos têm afastamento

emocional. Ao apontar e relatar seus não usos, ela sabia nomear o que havia em cada caixa,

quais eram os tipos de sapatos em cada prateira, informando até quando ele havia sido comprado

e se foi caro ou barato. Os não usos guardados são aqueles aos quais há maior apego e em

relação aos quais se mantém viva a relação sujeito-objeto.

Outras entrevistadas relataram o mesmo processo de Mana. Ruth falou de seus aparelhos

de fondue, que estavam expostos numa cristaleira e no alto do armário da cozinha, conforme

mostra a Figura 19.

Figura 19 – Não Usos Guardados de Ruth - Fondues

Fonte: a autora.

A cristaleira de Ruth (60 anos) fica numa sala reservada (item 1), atrás de uma mesa.

Não é simples acessá-la, mas ela ocupa toda a extensão de uma das paredes desse cômodo. O

aparelho está visível, exposto em destaque, como uma relíquia. Já o fondue do item 2 está no

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

221

armário da cozinha e parece ser bem mais simples que o primeiro. Ele está também em

exposição, mas em um espaço mais afastado, o que talvez demonstre ser menos valorizado.

Apesar da entrevistada afirmar que nunca usou nenhum deles, ambos estão à mostra em sua

casa.

Os não usos de Tata (38 anos) também seguem a lógica dos de Ruth e de Mana. A Figura

20 mostra que a entrevistada apontou diversas coisas em sua casa como objetos de não uso que

estão guardados ou até mesmo expostos.

Figura 20 – Não Usos Guardados de Tata

Fonte: a autora.

Louças e copos de cristal guardados na cristaleira que fica na sala, ao lado da televisão

(item 1). Garrafas de whisky cuidadosamente arrumadas em uma bandeja sobre uma cômoda

também colocada na sala (item 2). Toalhas e panos de mesa limpos, passados, dobrados e

guardados em uma das gavetas da cômoda que abriga as garrafas de whisky e que está do outro

lado da televisão (item 3). Um suporte de petiscos empoeirado, guardado na área de serviço em

um armário em cima do freezer (item 4). Potes de vidro aproveitados de outros alimentos e que

são guardados na gaveta da cozinha americana, embaixo do balcão de refeições (item 5). Tata

afirmou que nunca usou nenhum desses itens.

Esses exemplos mostram objetos expostos ou apenas ligeiramente afastados, já que

estão dentro de armários, mas não no fundo de forma que possam ser vistos e lembrados.

Embora esses objetos tenham sido indicados pelas entrevistadas como não usos, podemos

questionar se essa exposição ou proximidade física poderia ser vista como uma forma de uso

como, por exemplo, um uso decorativo. As entrevistadas sugerem em suas falas o apego e a

vontade de estar em contato constante com esses objetos não usados.

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

222

Ao vê-los, as entrevistadas lembram-se deles constantemente, mantendo assim o apego

para com o objeto. Essa pode ser uma tática que evita o afastamento emocional e faz com que

os não usos sejam mantidos por elas. Os não usos guardados foram apresentados com certo

orgulho pelas entrevistadas. Quando se referiam a eles, não havia a conotação negativa retratada

na primeira categoria. Esses são objetos que impõem respeito e são respeitados por seus

proprietários. Dona (42 anos) refere-se a de um de seus não usos guardados o qual, durante a

entrevista, ela sabia exatamente onde estava, como um troféu. Os troféus devem ser expostos,

exibidos e as pessoas têm orgulho do que eles representam.

Houve uma entrevistada, Duda, que contou que separa suas roupas em ensacadas e não

ensacadas. Segundo ela, as roupas ensacadas são as mais importantes e especiais e estão

guardadas, enquanto que as não ensacadas são mantidas em caixas de papelão. Essas últimas

são também não usos, mas não são especiais. Segundo ela, são coisas que ela acha que poderia

usar um dia e das quais não quer se desfazer.

Por outro lado, um dos procedimentos revelados pelas entrevistadas para lidar com seus

não usos é o oposto de guardar: algumas coisas não usadas são escondidas por seus donos. Os

não usos escondidos estão no fundo dos armários, em sótãos, empilhados, misturados,

entulhados. São não usos com os quais as entrevistadas lidam de forma bastante distinta dos

primeiros, que eram guardados. A Figura 21 mostra os esconderijos de Lia para suas roupas

(item 1) e produtos de beleza não usados (item 2).

Figura 21 – Não Usos Escondidos de Lia

Fonte: a autora.

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

223

Em baixo do guarda-roupa, num canto com pouco acesso, Lia esconde algumas sacolas

com roupas que não usa mais. No banheiro, em uma caixa em baixo do armário, ela acoberta

cremes e produtos de beleza não usados. Ao ser perguntada sobre o local onde seus não usos

estavam, Lia disse que

O creme está junto com as coisas não usuais, está junto com o repelente que a

gente não usa quase nunca, com algumas coisinhas mais guardadas. Ele não

está a vista pra usar, realmente. [...] Aquelas roupas que estavam ali pra doar,

eu não doava nunca, ficava um ano e me incomodava muito e eu olhava pra elas

e “tenho que fazer isso (Lia, 28 anos).

Lia relata que, em sua estratégia, reúne os não usos que não quer ver e os coloca em

locais de pouco contato físico. Parece, contudo, que esses produtos não são tão importantes

quanto os guardados e por isso mesmo podem estar em locais menos nobres. O exemplo de

Cica, na Figura 22, também evidencia esse processo, já que ela nos mostrou uma área de serviço

(item 2) onde estavam escondidos diversos não usos (malas, revistas, móveis antigos, etc.) e

uma máquina de lavar roupas que estava num corredor ao lado da casa (item 1).

Figura 22 – Não Usos Escondidos de Cica

Fonte: a autora.

A máquina de lavar roupa não usada e mantida por Cica do lado de fora da casa deixa

ainda mais claro que os esconderijos têm como objetivo afastar fisicamente objetos não usados

para que eles possam “esfriar”, ou seja, passar pelo processo de desapego. Objetos não usados

escondidos parecem ser fortes candidatos ao descarte, já que estão ocultados de seus donos.

Esse processo de afastamento físico pode ser tão importante que, além do afastamento

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

224

emocional, pode gerar uma recommoditização da posse (LASTOVICKA; FERNANDEZ,

2005). O esconderijo permitiria o esvaziamento de significado do bem, que voltaria a categoria

de commoditie.

Esconder permite que o esvaziamento de significado ocorra aos poucos, de maneira

lenta, pois as entrevistadas relatam que seus bens não usados escondidos “moram” nesses

espaços de distanciamento por muito tempo, anos, décadas. Luca conta a história de um

moletom de seu tempo de escola, indicando que ele está “escondido” há 20 anos.

Esses dias eu fiquei apavorada. A gente montou um grupo de 20 anos de

formatura do colégio e vimos umas fotos. Eu olhei a foto “eu tinha 16 anos e

estava com esse moletom, e o moletom continua novo numa caixa no meu

depósito” fiquei chocada. Acho que a única vez que eu usei foi naquela foto. [...]

Imagina? 16 anos. Agora estou com 36, só faz 20 anos (Luca, 36 anos).

Guardar um moletom do tempo de escola por 20 anos numa caixa no depósito é um

processo de esfriamento. Luca nem ao menos lembrava que tinha a roupa. Lembrou por que viu

a foto com as amigas, o que indica que os procedimentos de esconder envolvem o

esquecimento. Esquecer que colocou no esconderijo pode ajudar a afastar o bem do self, de

forma que, quando se deparar com ele novamente, o sujeito pode sentir que aquele bem não é

mais parte de si. Interessante notar que os bens não foram sozinhos para seus esconderijos, mas

foram colocados lá. Parece que as pessoas estão dizendo que querem esquecer desses bens,

querem fazer de conta que eles não existem e por isso transferem-nos para uma espécie de

limbo. A diferença parece clara na fala de Nana:

As coisas que não uso não ficam muito guardadas. Tipo as louças ficam nessa

cristaleira e no armário da cozinha e o resto estão socadas dentro de um

armário que tem um acervo (Nana, 31 anos).

As entrevistadas fizeram menção a esse limbo, referindo-se a ele como um lugar de

transição, onde os bens nem são descartes, nem são usos; mas são posses. São ainda uma parte

do self do indivíduo que não consegue se desfazer do bem e por isso usa um subterfúgio para

mantê-lo. Vejamos o que disse Dora sobre o limbo:

Essas peças [roupas mantidas num acervo] são doações de amigas ou minhas

peças, é uma parte dele [do acervo], então eu tenho uma parte do acervo que

são roupas guardadas, que ainda está no limbo e eu não consigo botar fora, e

vai para lá [para o salão mantido por ela em outro bairro] (Dora, 26 anos).

A literatura em comportamento do consumidor tem se referido a esse processo de pré-

descarte (YOUNG; WALLENDORF, 1989) de diferentes formas. Suarez et al (2016) chamam

os limbos de purgatórios, pois estão numa zona intermediária entre a prateleira e a lixeira. Para

as autoras é possível afirmar que esses espaços de esfriamento são também limbos. Em nossa

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

225

pesquisa, chamamos de limbo esses espaços onde as pessoas “escondem” seus bens para evitar

ter contato, para irem se afastando deles, pois o termo surgiu das próprias entrevistadas.

Nesse processo de esconder os bens e de mantê-los em limbos para serem esquecidos,

surgiram na pesquisa diversos tipos e configurações de espaços. Eles foram chamados pelas

entrevistadas de fundão e cantinho ou quartinho da bagunça. São locais – maiores do que uma

gaveta ou uma porta de armário –, onde os não usos se acumulam. Esses espaços surgiram como

um grande porão, onde havia muitas coisas entulhadas (e do qual a entrevistada não permitiu

que fossem tiradas fotografias) até uma área de serviço. Dora nos conta do seu “quarto da

bagunça”:

Eu tenho um quarto de bagunça também. Eu moro com a minha mãe, então todas

as minhas coisas se concentram no meu quarto, mas tem esse outro quarto que

é meio escritório e meio bagunça, só coisas que eu não quero botar fora. Eu

trabalho com figurino também e eu tenho muita roupa que eu levo para meu

acervo, que é um quarto na casa do meu pai, tanto que tem essas sacolas aqui e

uma dessas sacolas são coisas que vão para acervo. Fazem bastante doação

para mim, amigas, “tenho uma blusa e um sapato que podem ser bons para

figurino” daí me passam e fica no meu quarto, no quarto da bagunça, porque o

quarto da bagunça geralmente são materiais de aula ou tecidos também porque

tecidos eu sempre compro a mais se eu preciso fazer alguma coisa e o que sobra

fica guardado nesse quarto e no quarto de acervo que são roupas e acessórios

que podem ser um dia usados em produção (Dora, 26 anos).

Na casa de Lia (28 anos), que aparece na Figura 23, item 1, o espaço destinado aos itens

não usados fica em um dos cômodos da casa, um quarto com pouco uso. Lá Lia mantém um

acervo de coisas não usadas, as quais ela não aparenta ter grande apego. São sobras de materiais

de estudo, caixas vazias de eletrodomésticos, material de costura, etc. Na casa de Tata (38 anos),

havia um armário inteiro na área de serviço com coisas não usadas, que iam de eletrodomésticos

a louças passando por brinquedos antigos. Cica também guarda seus não usos mais escondidos

(ou os que ela gostaria de esconder) na área de serviço, item 4, mas não possui armários, por

isso os bens estão todos empilhados e guardados em diferentes tipos de caixas.

No item 5 da Figura 23, vê-se os não usos escondidos de Gaga (31 anos), que também

estão empilhados, mas em um canto de um dos quartos da casa. Entre seus não usos está um

aparelho de som tocador de vinil, diversos livros, sapatos, etc. A casa de Gaga era bastante

pequena, o que a levou a ter de guardar alguns bens de uso sazonal, como ventilador e

aquecedor, junto com os não usos escondidos. Mas pode-se perceber pela foto (item 5) que

esses produtos estão em cima dos outros não uso, evidenciando talvez um nível quase

hierárquico entre os bens, já que os mais “usáveis” ficam em cima dos não usáveis.

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

226

Figura 23 – Cantinhos da bagunça

Fonte: a autora.

O item 4 da Figura 23 mostra a foto dos não usos escondidos de Val (53 anos). É possível

ver pela foto que Val tem muitas coisas não usadas. Foram tantos itens colocados no mesmo

lugar que era difícil analisar o que estava lá. Para esconder seus não usos, Val (53 anos) possui

um depósito na garagem de seu prédio, que ela chama de gaiola. É um box revestido com grades

de aproximadamente 1,5m largura por 1,5 de profundidade e 3m de altura, como pode ser visto

na Figura 24.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

227

Figura 24 – A “gaiola” de Val

A gaiola de Val é mais parecida com a desordem e com o entulho relatado nos casos de

acumulação compulsiva do que com os espaços de não uso que vimos na pesquisa. Parecia não

haver nenhum tipo de ordem na acumulação e entre os bens ali depositados. Havia brinquedos,

computadores antigos, móveis, quadros, material escolar antigo de suas filhas, livros, louças

antigas, bolsas e sacolas, diferentes materiais didáticos, uma máquina fotográfica Polaroid,

fotos de família, roupas, sapatos, um videokê, telefones, alicate de unha, tesoura escolar, caixa

de joias, etc.

Val fala que esses bens estão ali principalmente porque ela não tem coragem de se

desfazer e porque acha que um dia irá precisar ou poderá usar. Enquanto visitávamos a gaiola,

a filha de Val estava junto e as duas foram descobrindo coisas n. A filha alertava a mãe que

não era preciso guardar tantas coisas e se surpreendia com os achados da gaiola. Val contou

que somente ela mexe na gaiola e que ninguém tem acesso a ela. Talvez por isso sua filha tenha

ficado tão impressionada com a quantidade de itens colocados lá.

A filha a repreendia sobre a desorganização, advertindo a mãe de que ela nunca usaria

a maior parte dos produtos que estavam na gaiola. Mas, ao se deparar com alguns de seus

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

228

brinquedos antigos, a filha de Val se emocionou. Especialmente quando achou uma Barbie

antiga, como se pode ver na Figura 25.

Figura 25 – Emoção ao reencontrar a Barbie escondida.

Apesar de repreender a mãe sobre o excesso de bens acumulados, a filha fica

emocionada com a descoberta de sua boneca. Ela afirma que aquela boneca não poderá ser

descartada, como mostra o trecho a seguir da entrevista.

Entrevistadora: Tem uma boneca ali.

Filha de Val: A minha Rapunzel ninguém joga fora. Ela é linda. Comprei ela

com 15 anos.

Parece que, no caso de Val, os bens escondidos estão misturados com os que deveriam

estar guardados. Isso pode ocorrer, pois parece haver alguns fatores que conduzem os objetos

ao não uso, tal como a dificuldade de organização e o apego. As coisas não usadas parecem ter

vida e vão sendo colocadas em lugares distantes, como relata Cela:

As coisas que eu uso menos acabam indo para trás. Vão sendo empurradas pela

força que suga os armários.

Entrevistadora: É que tem um duende lá que fica puxando.

Deve ter né. Aqui em casa a gente tem certeza que esse duende existe e se chama

Sirlene [empregada da família]. Aí vamos supor a blusa nem é tão feia assim,

mas ela é feia aí eu penso: Vou usar um dia. Aí vai para frente. Aí acabo não

usando porque ela nem é tão legal assim, acabo não usando e ela vai indo para

trás. Aí vai sendo esquecida lá, aí um belo dia quando eu resolvo olhar: Caraca

olha só essa blusa aqui velha que eu nunca usei. [...] Pelo fluxo das outras

roupas entrando e saindo do armário a outra vai sendo empurrada para o final.

Assim a minha prateleira principal de blusas que são dobráveis são quatro

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

229

pilhas assim. As das pilhas de trás as últimas você pode ter certeza que são

blusas que eu não uso nunca. Pode ter certeza que vai pondo uma em cima da

outra, vai usando e botando por cima e ela vai ficando por baixo (Cela, 21 anos).

Com essas propostas caracterizamos o não uso, definimos o processo que conduz bens

e serviços ao não uso, explicamos as funções exercidas por esses bens a partir do

reconhecimento de seu não uso e, descrevemos os procedimentos empregados nos bens não

usados. A seguir comentamos e discutimos os principais achados do campo.

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

230

5 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO FINAL

Este capítulo apresenta uma síntese do trabalho, revisitando objetivos propostos, trilhas

cruzadas pela pesquisa e destacando os principais resultados encontrados ao longo do processo

de construção da tese. São discutidas as contribuições teóricas, apresentadas as limitações, bem

como sugestões para trabalhos futuros.

5.1 Revisitando Objetivos e a Trilhas Percorridas

O presente estudo teve como objetivo compreender o não uso dos consumidores. Para

responder ao problema de pesquisa – definido como o que é não uso? – buscou-se atingir os

seguintes objetivos específicos: (a) caracterizar o não uso; (b) analisar os caminhos percorridos

pelos objetos que se tornaram não usados; (c) compreender o reconhecimento dos objetos não

usados e; (d) identificar os procedimentos empregados nos objetos não usados.

Para descrever e interpretar tais objetivos, foram visitadas teorias de diferentes áreas do

conhecimento, a fim encontrar as delimitações teóricas do não uso. Com uma linha condutora

baseada na relação sujeito-objeto optou-se por chamar de contribuições do campo de

conhecimento os estudos oriundos da antropologia, sociologia, filosofia, marketing e

comportamento do consumidor.

A busca por teorias que explicassem ou se aproximassem do fenômeno do não uso

exigiu que o foco de análise fosse ampliado. As poucas pesquisas publicadas sobre o tema

(BOWER; SPROUT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002) partiam de pressupostos racionais e

utilitários, compreendendo o sujeito como tomador de decisão coerente e “senhor” de suas

escolhas. Nessa perspectiva, o não uso era tratado como um fenômeno da pós-compra, ou seja,

uma prática ligada a algum problema ou dificuldade relacionada à compra, ou a uma compra

que não deu certo. Segundo essa abordagem, os estímulos ao não uso poderiam se originar nas

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

231

compras compulsivas (O'GUINN; FABER, 1989) e impulsivas (Rook, 1987), que pressupõem

a falta de planejamento da aquisição do produto (TROCCHIA; JANDA, 2002).

Nesse sentido, os consumidores deixariam de usar (ou não usariam) produtos e serviços,

pois não haviam desenvolvido um plano mental para o uso do bem comprado. Isso ocorreria,

quando o consumidor enfrentava momentâneos de desequilíbrios, decorrentes do conflito

psicológico entre o autocontrole e seus desejos (HOCH; LOEWENSTEIN, 1991; YOUN;

FABER, 2000; COSTA, LARÁN, 2006) ou, ainda, quando havia compras repetitivas que

ocorriam como resposta a eventos ou sentimentos negativos (O'GUINN; FABER, 1989;

VELUDO-DE-OLIVEIRA, IKEDA, SANTOS, 2004; JOHNSON; ATTMANN, 2009).

Todavia, esta lente de análise não revelava os modos de ser no mundo cotidiano, a partir

do entendimento da interação entre as pessoas e entre as pessoas e seus bens. Tão pouco se

preocupava em refletir e compreender o processo de não usar as coisas que se tem, já que

priorizava explicações causais e racionais. Nesta pesquisa, por outro lado, partiu-se do

pressuposto de que se deve compreender o caráter simbólico da vida cotidiana e os sentidos que

a constituem, ou seja, buscou-se compreender o não uso e seus significados. Compreendendo a

natureza indutiva da pesquisa qualitativa, esta tese percorreu caminhos teóricos que partiram

da perspectiva do consumo como um fato social, mediado por bens, que constituem a

materialidade da cultura. Essa, por sua vez, exige o entendimento da cultura material como

condição sua formação e sustentação.

O esforço de elaboração teórica desta tese enfrentou a dificuldade inicial de onde situar

o não uso. Como na literatura de comportamento do consumidor ele é superficialmente

abordado, como um elemento do pós-compra, (o que não explica o fenômeno e suas nuances)

partiu-se dos conceitos que explicam como as pessoas se relacionam com os objetos. No intuito

de compreender uma prática tão comum e, ao mesmo tempo, tão esquecida como o não uso,

foram selecionados três pressupostos importantes para a organização teórica desta tese, que

compreenderam o não uso: (1) como parte do processo de consumo; (2) por seu caráter material,

e; (3) pelas representações da posse de bens em pesquisas de consumo.

Compreender o não uso como parte do processo de consumo, envolveu ir além da

compra e da utilização dos bens. Em outras palavras, utilizou-se uma perspectiva, segundo a

qual o consumo está inserido num contexto social e cultural amplo, que cria, valoriza e dá

significado aos objetos. Para dar conta desse pressuposto foram apresentadas as contribuições

de autores da cultura e consumo como Miller (2007; 2010), Slater (2002), McCracken (2003),

Douglas e Isherwood (2013), Sahlins (2003) entre outros.

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

232

O segundo pressuposto deste trabalho dizia respeito ao caráter material dos objetos não

usados. A relação entre sujeitos e coisas – things, na literatura em inglês, como explica Miller

(1987) - é foco de estudo de algumas áreas do conhecimento, tais como a psicologia, a

economia, a sociologia, a antropologia, a filosofia, o design e o próprio marketing. Optou-se,

então, pela abordagem cultural da cultura material, desenvolvida na segunda parte do capítulo

de contribuições teóricas do campo, quando as proposições de pesquisadores que analisam o

consumo como elemento central da cultura material foram apresentadas. Entre os autores

estavam Miller (1987, 1995; 2001; 2004; 2005; 2007; 2010; 2013), Dant (1999; 2008),

Appadurai (2008) e Kopytoff (1986), Woodward (2007; 2011), Tyller (2006), Hodder (2012) e

Berger (2014). A seção apontou os significados do consumo a partir de uma abordagem cultural

e social que irá apoiar a análise do não uso como uma dimensão do consumo.

Aspecto fundamental do entendimento do papel dos objetos na sociedade diz respeito a

pesquisa sobre o significado da posse de bens. A representação da posse de objetos nas

pesquisas de comportamento do consumidor foi, então, o terceiro eixo das contribuições do

campo de conhecimento trazido nessa tese. Nessa seção foram apresentados os principais

estudos realizados em marketing e comportamento do consumidor voltados à compreensão e

análise da posse de objetos. Para tal, discutiu-se aspectos relacionados aos sentimentos de posse,

amor e apego aos bens materiais, com autores como Belk, Sherry e Wallendorf (1988),

Wallendorf, Belk e Heisley (1988), Arnould e Wallendorf (1988), Belk, Wallendorf e Sherry

Jr. (1989), Schultz, Kleine e Kernan (1989), Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), Belk

(1992a), Ball e Tasaki (1992), Richins (1994a, 1994b), Kleine, Kleine e Allen (1995), Price,

Arnould e Curasi (2000), Kleine e Baker (2004), Bardhi, Eckhardt e Arnould (2012), Brough e

Isaac (2012), Lastovicka e Sirianni (2011), entre outros. O desapego foi conceituado a partir

dos trabalhos que o relacionam com o descarte, como os de Jacoby, Beming e Dietvorst (1977),

Belk (1988), Young e Wallendorf (1989), Roster (2001; 2013), Lastovicka e Fernandez (2005),

Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008),

Cherrier (2007), Bradford (2009), Epp and Price (2009) e Watkins, Denegri-Knott e

Molesworth (2016).

Ainda foram visitados estudos sobre manter, guardar e acumular, que se mostraram

importantes à proposta conceitual do não uso. As pesquisas de Belk (1982), Price, Arnould,

Folkman e Curasi (2000), Coulter e Ligas (2003), Curasi, Price e Arnould (2004), Curasi,

Arnould e Price, (2007), Cherrier e Ponnor (2010), Guillard e Pinson (2012), Haws et al. (2012)

contribuíram para o entendimento da importância dos comportamentos de manutenção nas

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

233

questões de não uso. Assim como estes estudos, os conceitos de coleção de Belk (1982; 1995;

2001) e de abandono de Hogg (1998), Hogg, Banister e Stephenson (2009) e Suarez, Chauvel

e Casotti (2012) permitiram a delimitação e diferenciação do não uso.

O lado obscuro do consumo foi mostrado com referência ao materialismo e ao

consumismo, já que ambos são associados à posse de bens materiais, segundo Fromm (1987),

Miller (1987; 1995; 2004; 2007), Richins e Dawson (1992) e Ger e Belk (1999). Nesta seção

os estudos sobre compras compulsivas (O'GUINN; FABER, 1989), compras por impulso

(ROOK; 1987) e sobre acumulação compulsiva (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985; BELK;

JOON YONG; LI, 2007; CHERRIER E PONNOR, 2010) também foram observados, quando,

além de se caracterizar tais conceitos, fez-se uma distinção entre eles.

Ao final do subcapítulo de contribuições teóricas foram mostrados os estudos já

realizados sobre não uso de Bower e Sprout (1995) e Trocchia e Janda (2002), com o propósito

de identificar pontos de convergência com outros fenômenos do consumo relativos a

materialidade. Percebeu-se, contudo, que poucas foram as pesquisas em comportamento do

consumidor que se preocupam em perguntar como os objetos materiais interagem e

transformam o consumidor. A materialidade dos objetos de consumo tem potencial para

sustentar a criação de identidade do consumidor, bem como as alterações necessárias ao longo

do tempo na noção de autoconceito, como propõe Miller (1987; 2005) e Borgerson (2005).

Apesar disso, boa parte dos trabalhos analisados nessa tese desconsideram a perspectiva da

materialidade, concentrando-se em definições micro teóricas, por vezes voltadas a

racionalidade. Partindo dessa perspectiva, este estudo investigou como a posse de bens não

usados contribui para constituição da vida social das informantes.

Com vistas a atingir os objetos propostos foram realizadas pesquisas de natureza

exploratória, com o emprego de técnicas qualitativas de abordagem interpretativista, também

chamada de hermenêutica. Dentro da perspectiva interpretativa e do foco micro social (BADOT

et al., 2009) adotado no presente trabalho, algumas técnicas de obtenção de dados auxiliaram a

compreensão do não uso: a observação, as entrevistas em profundidade, a história de vida e as

fotografias. O processo de consumo de bens e serviços não usados foi explorado, a partir de três

fases de coleta de dados, que reuniram dados secundários, visitas a blogs, 35 entrevistas em

profundidade, um grupo focal e diversas anotações em diários de campo.

Este estudo percebe o consumo como um processo social culturalmente constituído e

significativo, empregando, portanto, uma abordagem cultural ligada a Consumer Culture

Theory (CCT). Acreditando que o consumo possui uma natureza complexa, adotaram-se

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

234

posicionamentos e procedimentos que permitiram uma análise, ao mesmo tempo, abrangente e

contextualizada, segundo a qual o campo – e não o laboratório – foi o contexto natural para o

estudo.

Em se tratando de uma busca científica calcada no paradigma interpretativista, foram

estabelecidas premissas como: ausência de pré-julgamentos a respeito do fenômeno; amplitude

do caráter investigativo; falta de rigidez na delimitação a priori; imersão do pesquisador no

ambiente de ocorrência do fenômeno em estudo; e utilização do próprio pesquisador como

instrumento de pesquisa. A operacionalização da pesquisa, que compreendeu a técnica de coleta

e análise de dados, empregou procedimentos adequados à categorização dos textos obtidos no

campo. Estas escolhas basearam-se nas características do não uso, da própria realização do

campo e da disponibilidade de recursos para a realização da pesquisa.

Adotar a visão hermenêutica implicou admitir que o ponto de vista dos envolvidos nos

fenômenos assume prioridade como objeto de estudo. O conhecimento passou a ser construído

pela multiplicidade e complexidade da interação entre as entrevistadas. Visto que cada um

interage de forma única com o ambiente e com os objetos presentes, e que essa interação é

entendida a partir da construção cultural e social, a visão interpretativista não exigiu

concordância absoluta entre os pesquisados para que se construísse o conhecimento. Ao se

combinarem diferentes perspectivas, as leis, generalizações e regras de previsibilidade não se

aplicam aqui. Dada a singularidade e complexidade dos fenômenos sociais, que são (“somente”)

descritos e interpretados, o que se criou foi um saber aprofundado sobre o grupo de mulheres

pesquisadas. Esse saber pode estar restrito ao grupo ou não, o que deixa clara a intenção de não

generalizar.

5.2 Principais Achados do Trabalho

Os principais achados são sintetizados no Quadro 18, no qual são apresentadas as

categorias de análise resultantes do trabalho de pesquisa.

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

235

Quadro 18 – Principais Achados do Trabalho

Categoria Aspectos Abordados Definição Central

Construção do Conceito Caracterização do Não uso Não uso é manter a posse de

produtos/serviços não usados considerados

importantes para o indivíduo, que mantém

ligações físicas ou emocionais com o objeto.

Caminhos Percorridos Pré-Aquisição

Aquisição

Consumo - Continuum

Bens não usados percorrem trajetórias até se

tornarem não usos

Reconhecimento Funções

Tipos de Ligação

Significados

O que leva as pessoas a não se desfazer de

posses.

Procedimentos

Empregados

Guardar

Esconder

Como os não usos são armazenados e

tratados.

Fonte: da autora.

Num esforço resultante do exame das contribuições teóricas do campo de conhecimento

e da análise dos dados coletados no trabalho de campo, a primeira parte dos achados oferece

uma proposta conceitual para o não uso, definida como: manter a posse de produtos/serviços

não usados considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou

emocionais com o objeto. Tal esforço conduz a algumas premissas estabelecidas, que

caracterizam o não uso.

Inicialmente compreendeu-se que o não uso não é definido pela usabilidade de produtos

e serviços. Coisas não usadas podem funcionar ou não, e este não parece ser o critério utilizado

para sua manutenção. O sentimento de posse, manifestado pelas sensações relatadas pelas

entrevistadas de que bens não usados possuíam significado especial atribuído a eles, formado

através de experiências envolvendo o objeto. A apropriação psicológica dos bens não usados

pelas pesquisadas, também contribui à possessividade, expressa na pesquisa em expressões de

controle e domínio.

O apego aos bens não usados, ou seja, a ideia de que eles são parte da vida das

entrevistadas pode ser percebida em relatos sobre o medo de perder bens não usados, ou de ficar

sem eles. Seu caráter insubstituível evidenciou-se em depoimentos que mostraram sofrimento

ao pensar em perder, o que sugere que esses objetos “guardados” e não usados podem definir e

manter o autoconceito de quem os possui. Outro aspecto importante das características do não

uso é que esses objetos possuem história. A biografia dos não usos parece ser construída ao

longo do tempo, em rituais e práticas de consumo, que aumentam o tempo de convivência entre

sujeito e objeto, tornando-os mais próximos. Desta forma, por terem criados vínculos com seus

donos, os bens não usados apresentam a característica do apego entre sujeito-objeto.

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

236

Ademais, posses não usadas são mantidas, guardadas, armazenadas por seus

proprietários. Nesse sentido, algumas coisas não usadas representam o self e os projetos de

identidade das entrevistadas, enquanto outras representam aquilo que elas não desejam (mais)

ser. A ligação física ou emocional das entrevistadas com seus bens não usados indica a ausência

de desapego, que “devem ser mantidos”. Guardar os bens implica em preservar os valores

simbólicos depositados neles. Resumidamente, coisas não usadas são apegos que contam a

história do indivíduo e por isso são mantidas. Além disso, os depoimentos mostram que objetos

não usados:

a) São posses apropriadas psicologicamente, que transmitem a sensação algo é “meu”, e

pode representar “eu” cuidadosamente cultivado há anos, a manifestação do “eu” agora,

ou a antecipação do “eu” pretendido (BELK, 1988; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995;

KLEINE; BAKER, 2004).

b) São apegos que contam uma história pessoal vivida entre sujeito e sua posse

(KOPYTOFF, 1986; MCCRACKEN, 2003), que estar num pequeno altar visível e

sacralizado ou no porão, escondida entre caixas e poeira (BELK; WALLENDORF;

SHERRY, 1989),

c) Representam ligações que refletem o self (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995), e que se

modificam ao longo do tempo (BALL; TASAKI, 1992; MUGGE; SCHIFFERSTEIN;

SCHOORMANS, 2006; SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).

d) São emocionalmente complexos, dado que os significados atribuídos a eles podem

desenvolver laços especiais, emocionais com o sujeito (SCHULTZ; KLEINE;

KERNAN, 1989; BELK, 1992a; ROSTER, 2001; KOGUT; KOGUT, 2011).

e) São reconhecidos pelos sujeitos como especial ou banais, de acordo com a capacidade

do bem em transferir e guardar significados (MCCRACKEN, 2003), podendo conter

uma mística sobrenatural ou mágica que os singulariza (BELK; WALLENDORF;

SHERRY, 1989; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013; KOPYTOFF, 1986; SIMMEL,

2004; WALLENDORF; ARNOULD, 1988), mas isso não é uma prerrogativa, já que

objetos não usados podem ser (ou estar) comoditizados (LASTOVICKA;

FERNANDEZ, 2005).

Caracterizado o não uso, buscou-se compreender como os caminhos percorridos pelas

coisas não usadas, ou seja, como elas se tornaram não usadas. Essas trajetórias iniciam-se com

as ações de pré-aquisição, que envolvem a autossedução do consumidor e a vontade ou o desejo

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

237

de ter determinado produto. A pré-aquisição abastece o sujeito de motivação para a aquisição e

inicia o processo que desaguará no não uso, construindo o caminho para o consumo dos bens.

Na fase de aquisição, ou seja, quando bens passam a ser propriedade das pessoas, três

aspectos foram considerados pelas entrevistadas antes do não uso: o momento da aquisição, o

tipo de ação realizada para adquirir e o agente – pessoas envolvidas – da aquisição. Ao

reconhecer um bem como não usado o consumidor considera em sua avaliação sobre a

importância relativa do bem, o momento em que ele foi adquirido, como foi feita a aquisição e

quem estava com ele. Ocasião, ação e agentes formam as dimensões da aquisição, que são inter-

relacionadas e ocorrem ao mesmo tempo.

Partindo da noção de que o consumo é parte significativa da vida social, parece fazer

sentido haver momentos de aquisição especiais e momentos comuns. Esses últimos referiam-

se a compras feitas no cotidiano, como uma compra no supermercado, em uma loja qualquer,

no shopping, sem nenhuma ocasião especial. Os produtos adquiridos nesse contexto não eram

oriundos de experiências extraordinárias, que serão lembradas para sempre. A banalidade dos

momentos de aquisição dos bens concede-lhes características distintas dos adquiridos em

momentos especiais: se os últimos podem ser singularizados, os primeiros são vistos, em geral,

como comuns. A banalidade dos momentos de aquisição faz parte do dia a dia de todos os

consumidores, que excepcionalmente experimentarão ocasiões especiais, já que o consumo é,

na maior parte do tempo, corriqueiro.

Os bens recebidos como presentes, heranças e doações foram destacadas. Ao recebe-los

também se está declarando que eles devem, de alguma forma, ser incorporados à rotina e ao

self dos receptores. No entanto, heranças, presentes e doações carregam também uma parte do

self de quem os doa, e isso pode ser motivo de conflito entre doador e receptor. Nem todas as

pessoas conseguem moldar bens recebidos à sua identidade e se recusam a usá-los em função

disso. Eles simplesmente não cabem na vida de quem os recebeu e por isso tornam-se não

usados. As pessoas preferem, geralmente, escolher os objetos que chamarão de seus, pois

poderão moldar os significados dessas posses para caber em suas identidades.

A aquisição relaciona-se, ainda, com a importância relativa da posse. Para as

entrevistadas, adquirir determinado bem parece ser uma forma de se aproximar de quem elas

desejam ser. O self futuro ganha concretude com a aquisição do bem, que, apesar de não ser

usado está lá, à sua disposição. Ele passa a fazer parte de quem elas são hoje, compõe sua noção

de identidade. A aquisição viabiliza a apropriação instantânea desse eu projetado.

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

238

Uma vez adquirido o bem, inicia-se o processo de consumo, que envolve a posse, a

relação de apego e a criação de significado a partir do momento em que o objeto adquirido

passa a conviver com o sujeito. O uso em si não determina se um objeto se tornará não usado.

Ao apresentar o processo que conduz ao não uso, fala-se necessariamente em uso. Contudo, o

bem pode ou não ser usado e isso não parece ser categórico. Quando o objeto passa a conviver

com seu proprietário, ele pode usá-lo intensamente, usá-lo moderadamente (menos do que

gostaria ou pensava em usar) ou nunca chegar a usar. Em qualquer um desses casos, o objeto

pode se tornar não uso, o que indica que o uso é uma parte do processo, não uma condição.

Surgiram muitas formas de convivência entre sujeito e objeto. Elas possibilitam

construção da história entre eles e levará, posteriormente, aos sentimentos de posse e apego.

Foram identificados fatores que levam ao não uso, caminhos percorridos pelos objetos não

usados das entrevistadas, entre eles: estar fora de moda; mudanças no ciclo de vida; perda de

interesse ou entusiasmo; uso demasiado ou da idade avançada de alguns bens; deixar de servir;

dificuldade de incorporar práticas exigidas pelos produtos à sua rotina; esquecer que tem; falta

de organização ou a má organização nos locais de armazenamento; dificuldade de uso;

necessidade de preservar; deixar de funcionar; necessidade de contexto específico para uso e;

ter muitas opções de uso.

O consumo dos bens não usados parece ocorrer dentro de um continuum, que se

estabelece entre bens nunca usados e bens muito usados. Dentro do continuum, estão

incorporados desde bens e serviços novos e que nunca foram usados pelas entrevistadas até

coisas muito velhas e que não são mais usadas. Houve uma relação temporal neste continuum,

de forma que coisas nunca usadas parecem se relacionar com projetos de um self futuro, coisas

pouco usadas com o eu atual – “quem eu sou agora” –, e posses muito usadas com o eu passado

– “representa quem eu era”.

Passado o período de consumo, no qual o indivíduo convive com o bem, ele passa a

ponderar sobre o uso que fez, tem feito e/ou pretende fazer do produto ou serviço possuído.

Denominou-se esta etapa de reconhecimento, quando o sujeito passa a refletir sobre as

motivações para manter o bem não usado. Coisas não usados foram reconhecidas como tendo

funções que justificavam sua manutenção. Funções simbólicas e utilitárias referem-se,

respectivamente, a capacidade dos bens não usados refletirem os projetos identitários investidos

neles; e a sua possibilidade de performance. Bens considerados como pouco úteis eram

candidatos ao descarte.

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

239

Ao distinguir as funções do não uso, os consumidores reconhecem os tipos de ligação

que têm como os bens. Identificou-se que as ligações podem ser foram (a) afetivas, (b)

expressivas, (c) afiliativas, (d) monetárias, (e) funcionais e (f) materialistas, e que elas podem

modificar a importância percebida do bem para o sujeito. As funções simbólicas dos bens não

usados foram diferenciadas em relação às funções utilitárias pelo tipo de ligação relatado pelo

grupo de entrevistadas. Em relação às funções simbólicas, foram identificadas ligações afetivas,

expressivas e afiliativas nas posses não usadas descritas como importantes, queridas,

representantes do self e que lembravam pessoas ou momentos especiais. Ligações utilitárias

surgiram para bens com ligações monetárias, funcionais e materialistas que são percebidos

como úteis (“eu ainda posso usar”), de boa qualidade, caros, que estão novos, foram pouco o

nunca foram usados.

Além disso, bens não usados são avaliados e classificados em relação à sua importância

para o indivíduo. O reconhecimento dessas ligações permite atribuir significado aos bens não

usados, que passam a ser considerados singulares ou comuns. Não usos singulares eram

descritos como tendo uma biografia, para os quais havia apego, desenvolvido através da

apropriação psicológica, da convivência ou por ele ser percebido como uma extensão do self.

Não usos comuns, por sua vez, eram os objetos chamados de “tralhas”, que não representavam

mais o self, havendo pouco ou nenhum apego entre eles e os sujeitos da pesquisa. Esses não

usos “não representam mais” os projetos identitários ou servem como lembranças de momentos

ruins.

Uma classificação encontrada dos objetos não usados está relacionada aos espaços em

que eles estavam nas casas visitadas. Havia uma diferença entre os não usos expostos e que

estavam fisicamente próximos, em lugares acessíveis e os não usos que estavam guardados,

malocados, escondidos, abandonados. Ambos tinham suas histórias, e consequentemente, as

entrevistadas demonstravam certo apego, apesar de manter alguns deles a certa distância física.

Desta forma, os procedimentos empregados nos bens não usados foram classificados como

guardar e esconder.

Bens guardados são aqueles mais importantes, para os quais os há cuidado com a

manutenção. Eles servem como “troféus” da história pessoal de cada indivíduo, sendo mantidos

com zelo. Os espaços dos bens guardados e não usados eram importantes e acessíveis. Esses

bens pareciam não ser candidatos ao descarte, pois eram tratados como apegos emocionais,

ligeiramente afastados fisicamente. Estavam dentro de armários, mas não no fundo; estavam na

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

240

estante da sala, mas não no coração dela. Podiam ser vistos e, portanto, lembrados. Apesar de

serem indicados como não usos, poder-se-ia dizer que estão, de certa forma, em uso.

A outra classificação de espaços de não uso revelou procedimentos opostos à

organização, exposição e zelo. Esses objetos eram escondidos por seus donos e estavam no

fundo dos armários, em sótãos, empilhados, misturados ou entulhados. As entrevistadas

reuniam os não usos que não queriam ver e os colocavam em locais de pouco contato físico.

Isso permitiu perceber que estes produtos não eram tão importantes quanto os guardados, e, por

isso mesmo, poderiam estar em locais menos nobres.

Percebeu-se ainda, que o momento da aquisição pareceu influenciar os procedimentos

empregados nas coisas não usadas depois delas serem reconhecidas como tais. Ele pode,

eventualmente, influenciar também o consumo, já que coisas adquiridas em momentos

excepcionais têm mais chance de serem singularizadas e tratadas como importantes. As

ocasiões de aquisição, por sua vez, funcionaram como marcos, utilizados pelos consumidores

para definir os procedimentos empregados nos objetos quando eles são reconhecidos como não

usos. Coisas adquiridas em momentos notáveis parecem ter mais chance de ser singularizadas

e guardadas com carinho. Elas dificilmente serão descartadas, pois servem como um álbum de

recordações da vida do sujeito. Bens não usados, que foram adquiridos em momentos

importantes eram, em geral, mantidos e guardados. Empregava-se para eles procedimentos

distintos e especiais. Não se pode atribuir exclusivamente ao momento da aquisição os

procedimentos que empregados nos objetos não usados, mas pareceu haver uma importante

relação entre eles.

Destaca-se também que essas respostas foram dadas referindo-se as coisas não usadas

como um todo, não a posses específicas. Ao referir-se ao conjunto de posses não usadas, a

conotação negativa ficava mais evidente do que quando se falava de um objeto específico. Ao

contar a história do objeto e lembrar dele no contexto de sua vida, as entrevistadas davam-lhe

agência e uma biografia. Ao pensar em suas coisas não usadas como um conjunto de objetos

retirados do contexto social da casa e que estão “encostadas”, elas pareciam se incomodar com

a posse e a manutenção de tais objetos. Era como se isoladamente os objetos pudessem ser

significados, mas, ao formar o conjunto de bens não usados, eram recommoditizados.

A ação de reconhecimento do não uso determina os procedimentos que serão

empregados no bem, tratado, então, como um não uso de fato. O processo descrito na pesquisa

não possui prazo fixo para ocorrer, nem mesmo seria possível estimar seu tempo de duração,

pois a sequência de ações que constituem o não uso pressupõe que elas ocorrem ao longo do

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

241

tempo. O período entre a pré-aquisição e o reconhecimento do não uso pode levar anos, quando,

por exemplo, uma pessoa esquece no fundo de um armário uma iogurteira que deixou de usar;

ou instantes, quando, por exemplo, a pessoa ganha um presente que tem certeza absoluta que

nunca usará, pois não combina com ela ou com seu estilo, e mesmo assim o mantém consigo.

O tipo de produto e o significado que ele possui para o sujeito podem influenciar o

processo, visto que se relacionam com o grau de apego para com o objeto não usado. Objetos

para os quais o sujeito é muito apegado tendem a ser mais significativos, assim como bens

considerados raros. Apesar da descrição do não uso como resultado de um processo, as etapas

não precisam ocorrer fielmente na ordem em que foram apresentadas aqui. O ponto inicial e a

direção do processo podem ser confusos, visto que se fundem com o processo de uso. Além

disso, é possível que uma pessoa reflita sobre os fatores e incidentes anteriores que a levaram a

não usar somente depois de iniciado o processo.

O reconhecimento do não uso pode, eventualmente, ocorrer antes do emprego de

procedimentos para mantê-lo com o sujeito. Pode-se reconhecer o não uso também logo após a

aquisição ou mesmo durante o consumo. O reconhecimento cria uma tensão no sujeito que

agora vê-se obrigado a reconhecer-se como alguém que mantém bens não usados. Nesse

sentido, o não uso é, em muitos casos, um processo emocional. Há influências cognitivas nesse

percurso, mas elas tendem a ser usadas durante o processo de descarte e nem sempre no

processo de não uso. No entanto, o não uso definitivamente não é um processo simples. Ele traz

consigo uma série de significados que não irão ser desperdiçados pelas entrevistadas. Por mais

que elas tentem racionalizar seus não usos, a trajetória deles parece falar mais alto, o que as faz

mantê-los consigo.

5.3 Contribuições Teóricas

O não uso relaciona-se com a importância de ter a posse de coisas, apesar delas serem

usadas. Valorizar a posse é viver o modo ter, como sugere Fromm (1987). O entendimento de

que é preciso ter coisas, cuja aquisição é considerada fundamental para obtenção de felicidade,

levou algumas entrevistadas a se auto definir como “materialistas”. Elas assumiam que gostava

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

242

de “ter as coisas”, mas não necessariamente gostavam das coisas. Ao se autodenominarem

materialistas, elas se aproximam da experiência foi relatada por Ger e Belk (1999) e por

Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981). Ger e Belk (1996; 1999) indicaram que, ao pensar

sobre materialismo, as pessoas se envolvem em explicações a respeito das normas da cultura

material e num diálogo sobre atitudes materiais, valores e estilo de vida, muitas vezes

emocional.

O materialismo pode também ser relacionado com os conceitos de Csikszentmihalyi e

Rochberg-Halton (1981), sobre materialismo instrumental e terminal, ligados aos propósitos de

consumo do sujeito. As posses das entrevistadas autointituladas materialistas parecem servir a

propósitos que vão além da ambição e têm um escopo específico, limitado a exercer influências

positivas em sua vida. Estas são características do materialismo positivo. Por outro lado, essas

entrevistadas também tratam suas posses como fins em si, ou seja, ter o bem como sua

propriedade parece ser seu objetivo principal. Para Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981)

esses são traços do materialismo terminal, que é potencialmente destrutivo, pois pode resultar

inveja, possessividade, não generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e, talvez, uma tendência a

tratar pessoas como posses (BELK; POLLAY, 1985).

Faz necessário assim, distinguir o não uso de conceitos que o permeiam, tais como

colecionar, acumular compulsivamente e abandonar, que são explicados no Quadro 19, em

relação as diferenças e aproximações. As propostas conceituais e as relações de apego

estabelecidas entre sujeito e objetos colecionados, acumulados, abandonados e não usados são

apresentadas. Também se identifica a existência de processos que conduzam a tais

comportamentos, bem como a existência de etapas de pré-aquisição, aquisição e consumo.

Busca-se descrever os motivos alegados para os sujeitos não se desfazerem de seus bens

colecionados, acumulados, abandonados e não usados. Os procedimentos empregados a eles e

como eles são usados são revelados. Indica-se a capacidade de representar os self dos

proprietários de bens nas situações de coleção, acúmulo, abandono e não uso. Por fim,

relacionam-se os principais autores desses fenômenos.

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

243

Quadro 19 – Comparação de Conceitos

Coleção

Acumulação

Compulsiva Abandono Não uso

Conceito

Adquirir um

conjunto inter-

relacionado de

posses.

Insuficiência para

descartar bens que

parecem ser inúteis

ou ter valor

limitado.

Ato de abrir mão

de algo

anteriormente

consumido.

Manter a posse

de produtos e

serviços não

usados

considerados

importantes, por

terem ligações

físicas ou

emocionais com

o sujeito.

Relação de

Apego Forte Forte Fraca (desapego) Forte e Fraca

Processo Não Não Sim Sim

Pré-Aquisição

Autossedução,

Vontade de Ter,

Envolvimento

Vontade de Ter,

Materialismo,

Compulsão

Inexistente Autossedução,

vontade de ter

Aquisição

Fator de alto

envolvimento, mas

não principal

Fator principal Fator secundário

Fator

importante, mas

não principal

Consumo Uso intenso Sem uso Não usa mais Continuum

Motivos para não

se desfazer

Formar um

conjunto de coisas

Compulsão, recusa

a desapegar

Pode ter se

desfeito

Reconhecimento

de funções

simbólicas e

utilitárias

Procedimentos

Empregados Exibir Entulhar Descartar

Guardar ou

Esconder

Usabilidade Pela exposição Nenhuma Deixou de usar Não usado

Capacidade de

representar o Self Muito Alta Muito Alta Alta e Baixa Alta e baixa

Autores Belk (1995; 2001)

Cherrier; Ponnor

(2010); Haws et al.

(2012)

Suarez et al.

(2012)

Fonte: da autora.

As diferenças entre os conceitos permitem identificar que o não uso pode ser tratado

como um comportamento de consumo, pois distingue-se de outros comportamentos. Não usar

é manter relação física e emocional com coisas mantidas guardadas, enquanto colecionar é

formar um conjunto de posses. Acumular é não ter critério em relação ao que deve ser mantido

e abandonar é abrir mão da manutenção.

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

244

5.4 Sugestões de Estudos Futuros e Limitações do Estudo Presente

Uma pesquisa extensa encontra alguns percalços pelo caminho. O não uso foi estudado

individualmente, mas há uma importante participação das famílias em alguns tipos de não uso,

como móveis, brinquedos, utensílios domésticos. Em algumas situações há um cuidador da

coisa não usada, que se torna quase um guardião. Esse processo é significado dentro do âmbito

familiar e não somente pelos indivíduos, diferenciando-se do não uso individual em função da

transmissão de sua singularidade para os outros membros da família. Curasi, Price e Arnould

(2004) relatam esse tipo de objeto como riqueza inalienável. Tais bens têm características

sagradas (Belk, Wallendorf e Sherry Jr.) e podem ser melhor compreendidas em estudos

futuros.

Talvez em virtude de seu caráter corriqueiro, o não uso não tenha sido adequadamente

limitado durante o processo de pesquisa, que tratou de aspectos relativos tanto a aquisição

quanto ao uso. Projetos futuros podem usar um direcionamento no campo, pedindo para os

informantes contarem histórias de não usos específicos. Apesar da tentativa de diferenciar o

não uso de outros conceitos, talvez ainda haja fronteiras nebulosas, especialmente entre não uso

e abandono. Diferenciar esses comportamentos contribuiria para a compreensão mais

aprofundada de ambos.

Relação entre necessidade de mudar de hábitos para incorporar uma nova rotina e o não

uso surgiu na pesquisa em muitos momentos. Por não ser foco desse estudo, optou-se por apenas

descrevê-la. Contudo, o uso de teorias como a teoria da prática, de Warde (2005) podem

contribuir futuramente para um entendimento dessas dimensões e suas influências no não uso.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

245

REFERÊNCIAS

ABIHPEC. Anuário ABIHPEC 2010. Disponível em:

http://www.abihpec.org.br/conteudo/ABIHPEC_2011.pdf. Acesso em 07 nov 2011.

AHTOLA, Olli T. Hedonic and utilitarian aspects of consumer behavior: An attitudinal

perspective. Advances in Consumer Research, vol. 12, 1985.

AHUVIA, A. Beyond the Extended Self: Loved Objects and Consumers’ Identity Narratives.

Journal of Consumer Research, vol. 32, p. 171- 184, June, 2005.

AHUVIA, A. C. If money doesn’t make us happy, why do we act as if it does? Journal of

Economic Psychology, vol. 29, p. 491-507, 2008.

ALBUQUERQUE, Mariana Carvalho Santos De. BRINCANDO SE APRENDE: a disposição

de brinquedos como lente investigativa sobre a socialização para o consumo. 2013. 140 p.

Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

ALMEIDA, I. O. de; SALAZAR, V. S.; LEITE, Y. V. P. Consumidor Colecionador de Pratos

da Boa Lembrança, Revista Rosa dos Ventos, vol. 6, n. I, p. 76-86, jan-mar, 2014.

APPADURAI, A. (Org.) A Vida Social das Coisas: as mercadorias sob uma perspectiva

cultural. Niterói: Editora da UFF, 2008[1986].

ARNOULD, E. J.; PRICE, L. L. River Magic: Extraordinary Experience and the Extended

Service Encounter, Journal of Consumer Research, vol. 20, p. 24-45, 1993.

ARNOULD, E. J.; THOMPSON, C. J. Consumer Culture Theory (CCT): Twenty years of

research. Journal of Consumer Research, vol. 31, p. 868-882, March 2005a.

____________.; ____________. Twenty Years of Consumer Culture Theory: Retrospect and

Prospect. Advances in Consumer Research, vol. 32, p. 129-130, Special Session Sumary,

2005b.

____________.; ____________. Consumer culture theory (and we really mean theoretics):

Dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. Research in Consumer

Behavior, vol. 11, p. 3-22, August, 2007.

ARNOULD, E. J.; WALLENDORF, M. Market-Oriented Ethnography: Interpretation

Building and Marketing Strategy Formulation. Journal of Marketing, vol. 31, n. 4, p. 484–

504, 1994.

BADOT, O.; CARRIER, C.; COVA, B.; DESJEUX, D.; FILSER, M. The Contribution of

Ethnology to Research in Consumer and Shopper Behavior: toward Ethnomarketing.

Recherche et Applications en Marketing, vol. 24, n. 1, 2009.

BALL, A. D.; TASAKI, L. H. The Role and Measurement of Attachment in Consumer

Behavior, Journal of Consumer Psychology, vol. 1, n. 2, p. 155-172, 1992.

BAGOZZI, R.; WARSHAW, P. Trying to Consume. Journal of Consumer Research, vol. 17,

n. 2, p. 127-140, 1990.

BARBOSA L. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

____________; CAMPBELL, C. (Org.), Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro:

Editora FGV, 2006.

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

246

BARDHI, F.; ECKHARDT; G. M.; ARNOULD, E. J. Liquid Relationship to Possessions.

Journal of Consumer Research, vol. 39, October, 2012.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São PAulo: Edições 70, 2016.

BARTHES, R. Mythologies. New York: Noonday, 1991[1957].

BARTL, M.; HÜCK, S.; RUPPERT, S. Netnography Research: Community Insights in the

Cosmetics Industry, Conference Proceedings ESOMAR Consumer Insights, Dubai, 2009.

BAUDRILLARD, J. Simulacra and Simulation. Ann Arbor: University of Michigan Press.

1994[1981].

____________. O Sistema dos Objetos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006[1968].

____________. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2007[1970].

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

____________. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

____________. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

____________. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BAUMEISTER, R.F. Yielding to temptation: self-control failures, impulsive purchasing, and

consumer behavior. Journal of Consumer Research, vol. 28, n. 4, p. 670-676, Mar. 2002.

BEATTY, S. E.; FERRELL, M. E. Impulse Buying: Modeling Its Precursors. Journal of

Retailing, vol. 74, n. 2, p. 169-191, 1998.

BECKER, H. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Hucitec, 1993

BELK, R. W. Acquiring, Possessing, and Collecting: Fundamental Processes in Consumer

Behavior, In: BUSH, R. F.; HUNT, S. D (eds.). Marketing Theory: Philosophy of Science

Perspectives. Chicago: American Marketing Association, p.185-190, 1982.

____________. Worldly Possessions: Issues and Criticisms. Advances in Consumer Research,

vol. 10, Eds. BAGOZZI, Richard P.; TYBOUT, Alice M.; ARBOR, Ann, MI: Association for

Consumer Research, p. 514-519, 1983.

____________. Three scales to measure constructs related to materialism: reliability, validity,

and relationships to measures of happiness. Advances in Consumer Research. vol. 11, p. 291-

297, 1984.

____________. Materialism: trait aspects of living in the material world. Journal of Consumer

Research, vol. 12, p. 265-280, Dec. 1985.

____________.; POLLAY, R. W. Materialism and Magazine Advertising During the Twentieth

Century. Advances in Consumer Research, vol. 12, p. 394-398, 1985.

____________. Material Values in the Comics: A Content Analysis of Comic Books Featuring

Themes of Wealth. Journal of Consumer Research, vol. 14, n. 1, June, p. 26-42, 1987b.

____________.; WALLENDORF, M.; SHERRY Jr., J. F.; HOLBROOK, M. B; ROBERTS, S.

Collectors and Collecting. Advances in Consumer Research, vol. 15, p. 548-553, 1988.

____________. Possessions and the Extended Self. Journal of Consumer Research, vol. 15,

September, p. 139–167, 1988.

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

247

____________.; WALLENDORF, M.; SHERRY Jr., J. F. The Sacred and the Profane in

Consumer Behavior: Theodicy on the Odyssey, Journal of Consumer Research, vol. 16, June,

p. 1–38, 1989.

____________. The Role of Possessions In Constructing and Maintaining A Sense of Past.

Advances in Consumer Research, vol. 17, p. 669-676, 1990.

____________. Ineluctable mysteries of possession. Journal of Social Behavior, vol. 6, n. 6, p.

17-55, 1991.

____________.; WALLENDORF, M.; SHERRY Jr., J. F.; HOLBROOK, M. B. Collecting in

a Consumer Culture, In: BELK, R. (Ed.) Highways and Buyways: Naturalistic Research

from the Consumer Behavior Odyssey. Provo, UT: Association for Consumer Research, p.

178-215, 1991.

____________. Moving Possessions: an analysis based on personal documents from the 1847-

1869 Mormon Migration. Journal of Consumer Research, vol. 19, n. 3, p. 339-54, 1992.

____________. Studies in the new consumer behavior, In: MILLER, D. (Ed.). Acknowledging

Consumption. London: Routledge, 1995.

____________. On Aura, Illusion, Escape, and Hope in Apocalyptic Consumption: The

Apotheosis of Las Vegas. In: BROWN, S.; BELL, J.; CARSON, D. (Eds). Marketing

Apocalypse: Eschatology, Escapology, and the Illusion of the End, New York: Routledge,

1996, p. 87–132.

BELK, Russell; GER, Güliz; ASKEGAARD, Søren. Consumer Desire in Three Cultures:

Results from Projective Research. Advances in Consumer Research, vol. 24, p. 24-28, 1997.

BELK, R. Collecting in a Consumer Society, New York: Routledge, 2001.

BELK, R.; GER, G.; ASKEGAARD, S. The Fire of Desire: A Multisited Inquiry into Consumer

Passion. Journal of Consumer Research, vol. 30, p. 326-351, December, 2003.

BELK, R. W. (ed). Handbook of Qualitative Research Methods in Marketing.

Northampton, EUA: Edward Elgar Publishing Limited, 2006.

BELK, R. W. Why Not Share Rather Than Own?. Annals of the American Academy of

Political and Social Science, vol. 611, p. 126–140, May, 2007.

BELK, R.; JOON YONG, S.; LI, E. Dirty little secret: home chaos and professional organizers.

Consumption, Markets and Culture, vol. 10, n. 2, p. 133-140, 2007.

BELK, Extended Self in a Digital World. Journal of Consumer Research, Inc., vol. 40, October,

2013.

BENSON, A. (Ed.). I shop, therefore I am: Compulsive buying and the search for self. New

York: Aronson, 2000.

BERGER, A. A. What Objects Mean: An Introduction to Material Culture. Walnut Creek,

California: Left Coast Press, 2014.

BLACK, D. W. Compulsive buying disorder: Definition, assessment, epidemiology, and

clinical management. CNS Drugs, vol. 15, p. 17–27, 2001.

BLACKWELL, R.; MINIARD, P. W.; ENGEL, J. F. Comportamento do consumidor.

Pioneira Thomson Learning, 2005.

BORELLI, F.C. O ANTES E O DEPOIS: um estudo exploratório sobre o consumo de

cirurgia plástica de jovens mulheres no Rio de Janeiro. 2009.165p. Dissertação (Mestrado

Page 248: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

248

em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

BOURDIEU, P. Outline of a theory of practice. Cambridge: Cambridge University Press,

1977.

BOURDIEU, P.; WACQUANT, Löic. Racionalidade e reflexividade: nota aos leitores

brasileiros. In: Convite a sociologia reflexiva. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002, pp. v-

vii.

BOURDIEU, P. A Distinção: Crítica Social do Julgamento. São Paulo: Edusp, 2007 [1979].

BORELLI, F. C.; CASOTTI, L. M. The Before and After: a Study of Plastic Surgery

Consumption With Young Women in Brazil. Advances in Consumer Research, vol. 40, p.

379-385, 2012.

BORGERSON, J. Materiality, Agency, and the Constitution of Consuming Subjects: Insights

for Consumer Research, Advances in Consumer Research, vol. 32, p. 439-443, 2005.

BORGERSON, J. Materiality, Agency, and the Constitution of Consuming Subjects: Insights

for Consumer Research, Advances in Consumer Research, vol. 32, p. 439-443, 2013.

BOWER, A. B.; SPROTT, D. E. The case of the dusty stair climber: A taxonomy and

exploratory study of product nonuse. Advances in Consumer Research, vol. 22, p. 582-586,

1995.

BROUGH, A. R.; ISAAC, M. I. Finding a Home for Products We Love: How Buyer Usage

Intent Affects the Pricing of Used Goods. Journal of Marketing, vol. 76, p. 78 –91, July, 2012.

BROWN, S.; HIRSCHMAN. E. C.; MACLAREN, P. Always historicize! Researching

marketing history in post-historical epoch. Marketing Theory, vol. 1 n. 1, p. 49-89, 2001.

BROWN, S.; KOZINETS, R. VOL.; SHERRY JR, J. F. Teaching Old Brands New Tricks:

Retro Branding and the Revival of Brand Meaning. Journal of Marketing, vol. 67, n. 3, p.

19–33, 2003.

BURAWOY, Michael. The Extended Case Method. Sociological Theory. 16 (1), 1998.

BURREL, G; MORGAN, G. Sociological Paradigms and Organizational Analysis.

Heinemann, London, 1979.

BURROUGHS, J.; RINDFLEISCH, A. Materialism and well-being: a conflicting values

perspective. Journal of Consumer Research, vol. 29, p. 348-371, Dec. 2002.

CAMPBELL, C. A Ética Romântica e o Espírito do Consumo Moderno. Rio de Janeiro:

Rocco, 2001.

CAMPBELL, C. Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno.

In: BARBOSA L.; CAMPBELL, C. (Org.), Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro:

Editora FGV, 2006, p. 47-64.

CAMPOS, R.D. A Transmissão Familiar como Chave de Leitura do Processo de Difusão

de Inovações: Uma Investigação Interpretativa e Microssocial da Adoção e Consumo de

Produtos de Beleza. 515p. Tese (Doutorado em Administração) – Programa de Doutorado em

Administração, Instituto Coppead de Administração, UFRJ, Rio de Janeiro, 2010.

CANDLIN, F.; GUINS, R. (Eds.) The Object Reader. London/New York: Routledge, 2009.

CASOTTI, L. M. O que é Pesquisa do Consumidor?: reflexões geradas a partir de um problema

prático. In: ENANPAD, 23, 1999, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 1999.

Page 249: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

249

CASOTTI, L. M.; SUAREZ, M.; CAMPOS, R. D. O Tempo da Beleza: consumo e

comportamento feminino, novos olhares. Rio de Janeiro: Senac, 2008.

CASOTTI, L. M.; CAMPOS, R. D. Consumo da beleza e envelhecimento: histórias de pesquisa

e de tempo. In: GOLDENBERG, MIRIAN. (Org.). Corpo, Envelhecimento e Felicidade,

2011, p. 109-132.

CHAPLIN, L. N.;JOHN, D. R. Growing up in a Material World: Age Differences in

Materialism in Children and Adolescents. Journal of Consumer Research, vol. 34, n. 4, p.

480–493, 2007.

CHARMAZ, K. A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise

qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

CHEN, Y. Possession and Access: Consumer Desires and Value Perceptions Regarding

Contemporary Art Collection and Exhibit Visits. Journal of Consumer Research, vol. 35, n.

6, p. 925-940, April, 2009.

CHERRIER, H.; MURRAY, J. B. Reflexive dispossession and the self: Constructing a

processual theory of identity. Consumption, Markets and Culture, vol. 10, n. 1, p. 1–29,

2007.

CHERRIER, H. Disposal and simple living: Exploring the circulation of goods and the

development of sacred consumption. Journal of Consumer Behaviour, vol. 8, n. 6, p. 327-

339, 2009.

CHERRIER, H. Anti-consumption discourses and consumer-resistant identities. Journal of

Business Research, vol. 62, n. 2, p. 181-190, 2009.

CHERRIER, H.; PONNOR, T. A study of hoarding behavior and attachment to material

possessions. Qualitative Market Research: An International Journal, vol. 13, n. 1, p. 8-23,

2010.

CHIRUMAMILLA, P. The unused and the unusable: repair, rejection, and obsolescence.

http://nonuse.jedbrubaker.com/proceedings/ 2014.

CHOI, A. Young; RHA, Jong-Youn. Consumers’ Participation in Online Community: A

Netnography Approach,”. Journal of Consumer Studies, vol. 21, n. 1, p. 1-31, 2010.

CLAXTON, R. P.; MURRAY, J. B. Object-subject Interchangeability: A Symbolic

Interactionist Model of Materialism. Advances in Consumer Research, vol. 21, p. 422-426,

1994.

COHEN, M. Z.; OMERY, A. Schools of Phenomenology: Implications for Research, In:

MORSE, Janice (Ed). Critical issues in Qualitative Research Methods. London: Sage

Publications, 1994, p. 136-156.

COLTRO, Alex. A Fenomenologia: um Enfoque Metodológico para Além da Modernidade.

Caderno de Pesquisas em Administração, vol. 1, n. 11, 2000.

COSTA, F. C. X.; LARÁN, J. A. Influências do Ambiente de Loja e o Comportamento de

Compra por Impulso: a Visão dos Clientes de Lojas Virtuais. R.Adm., vol. 41, n. 1, p. 96-106,

jan./fev./mar. 2006.

COSTLEY, C. L. Meta-Analysis of Involvement Research. Advances in Consumer Research,

vol. 15, Ed. HOUSTON, M. J. Provo, UT: Association for Consumer Research, p. 554-562,

1988.

Page 250: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

250

COULTER, R. A.; LIGAS, M. To retain or to relinquish: Exploring the disposition practices of

packrats and purgers. Advances in Consumer Research, vol. 30, p. 38–43, 2003.

CRESWELL, J. W. Projeto de Pesquisa: Métodos Qualitativos, Quantitativos e Mistos. Porto

Alegre: Artmed, 2010.

CRUZ, B.; ROSS, S. D. The Netnography in the consumers' boycott studies: the Brazilian

company Arezzo’s case. Revista de Administração do Gestor, vol. 4, n. 2, p. 65-87, 2012.

CSIKSZENTMIHALYI, M.; ROCHBERG-HALTON, E. The Meaning of things: Domestic

Symbols and the Self. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

CURASI, C. F.; PRICE, L. L.; ARNOULD, E. J. How individuals' cherished possessions

become families' inalienable wealth. Journal of Consumer Research, vol. 31, n. 3, p. 609-622,

2004.

CURASI, C. F. Intergenerational possession transfers and identity maintenance. Journal of

Consumer Behaviour, vol. 10, n. 2, p. 111-118, 2011.

DA SILVA, B.; MARIA, T. “Não Preciso de Coleira Eletrônica!”: Um Estudo Sobre o

Movimento de Resistência ao Celular em Blogs e Comunidades Virtuais. Revista Brasileira

de Marketing, vol. 9, n. 2, p. 113-136, 2010.

DALMORO, M.; PEÑALOZA, L.; NIQUE, W. M. Resistência do Consumidor: Diferentes

Estágios Teóricos de um Mesmo Conceito. REMark – Revista Brasileira de Marketing, vol. 13,

n. 1, Jan./Mar, 2014.

DANT, T. Material culture in the social world. UK: McGraw-Hill Education, 1999.

DANT, Tim. The Pragmatics of Material Interaction. Journal of Consumer Culture, vol. 8,

n. 1, p. 11-33, 2008.

D’ASTOUS, A.; MALTAIS, J.; ROBERGE, C. Compulsive buying tendencies of adolescents

consumers. Advances in Consumer Research, vol. 17, p. 306-312, 1990.

DELANDA, M. A new philosophy of society: Assemblage theory and social complexity.

London - New York: Continuun, 2006.

DELORME, D. E.; ZINKHAN, G. M.; HAGEN, S. C. The process of consumer reactions to

possession threats and losses in a natural disaster. Marketing Letters, vol. 15, n. 4, p. 185-199,

2004.

DENEGRI‐KNOTT, J.; PARSONS, E.. Disordering things. Journal of Consumer Behaviour,

vol. 13, n. 2, p. 89-98, 2014.

DENZIN, N. K. The research act: A theoretical introduction to research methods. New

Brunswick, NJ: Aldine Transaction, 1978.

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S; (Colab.). O Planejamento da Pesquisa Qualitativa:

Teorias e Abordagens. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

DESARBO, W. S.; EDWARDS, E.A. Typologies of Compulsive Buying Behavior: A

Constrained Clusterwise Regression Approach. Journal of Consumer Psychology, vol. 5, n.

3, p. 231–262, 1996.

DESJEUX, D. Les échelles d’observation de la consummation. In: CABIN, P.; DESJEUX, D.;

NOURRISSON, D.; ROCHEFOR, R. (Eds.), Comprendre le consommateur, Auxerre,

Sciences Humaines, 37-56, 1998.

Page 251: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

251

DESJEUX, D. Éditorial: La consommation comme analyseur des sociétés contemporaines,

Consommations et Sociétés, vol. 1, p. 7-10, 2001.

DESJEUX, Dominique. O consumo: abordagens em ciências sociais. Maceió: EDUFAL,

2011.

DION, D.; SABRI, O.; GUILLARD, V. Home sweet messy home: Managing symbolic

pollution. Journal of Consumer Research, vol. 41, n. 3, p. 565-589, 2014.

DITTMAR, H. The role of self-image in excessive buying. In: BENSON, A. (Ed.). I shop,

therefore I am: Compulsive buying and the search for self. New York: Aronson, 2000, p.

105–132.

DOUGLAS, M. O mundo dos bens, vinte anos depois. Horizontes Antropológicos, vol. 13, n.

28, 2007.

DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. O Mundo Dos Bens. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013 [1979].

2ª Ed.

DURGEE, J. F.; COLARELLI O'CONNOR, G. An exploration into renting as consumption

behavior. Psychology & Marketing, vol. 12, n. 2, p. 89-104, 1995.

EDWARDS, E. Development of a new scale for measuring compulsive buying behavior.

Financial Counseling and Planning, vol. 4, p. 67-84, 1993.

ELLIOTT, R. Existential consumption and irrational desire. European Journal of Marketing,

vol. 31, n. 3/4, p. 285–296, 1997.

EPP, A. M.; PRICE, L. The Storied Life of Singularized Objects: Forces of Agency and

Network Transformation, Journal of Consumer Research, vol. 36, February, p. 820-837,

2010.

EUROMONITOR. Brasil country. 2016. Disponível em:

<http://www.euromonitor.com/brazil/country-factfile>. Acesso em 06 de agosto de 2016.

FABER, R. J.; O'GUINN, T. C. A Clinical Screener for Compulsive Buying. Journal of

Consumer Research, vol. 19, n. 3, p. 459-469, 1992.

FABER, R.I. A Systematic Investigation Into Compulsive Buying. In: BENSON, A. (Ed.). I

shop, therefore I am: Compulsive buying and the search for self. New York: Aronson, 2000.

FABER, R.I. Money changes everything: Cornpulsive buying from a biopsychosocial

perspective. American Behavioral Scientist, vol. 35, p. 809-819, 1992.

FABER, R.J.; VOHS, K. To Buy or Not to Buy?: Self-Control and self Regulatory Failure in

Purchase Behavior. In: BAURNEISTER, R.; VOHS, K. (Eds.).

The Handbook of Self-Regulation. New York: Guilford, 2004, p. 509-524.

FABER, R.; CHRISTENSON, G. In the mood to buy: differences in the mood states

experienced by compulsive buyers and other consumers. Psychology & Marketing, vol. 13, n.

8, p. 803-819, Dec., 1996.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel,

1995.

FERNANDEZ, K. V.; LASTOVICKA, J. L. Making Magic: Fetishes in Contemporary

Consumption. Journal of Consumer Research, vol. 38, n. 2, p. 278-299, August, 2011.

Page 252: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

252

FERRARO, R.; ESCALAS, J. E.; BETTMAN, J. R. Our possessions, our selves: Domains of

self-worth and the possession-self link. Journal of Consumer Psychology, vol. 2, n. 2, p. 169–

177, 2011.

FERREIRA, M. C.; SCARABOTO, D. “My plastic dreams”: Towards an extended

understanding of materiality and the shaping of consumer identities. Journal of Business

Research, vol. 69, p. 191–207, 2016.

FIRAT, A. F.; VENKATESH, A. Postmodernity: the age of marketing. International Journal

of Research in Marketing, vol. 10, n. 3, p. 227-249, 1993.

FONSECA, M. J. GLOBALIZAÇÃO E COMIDA: UMA ANÁLISE

MICROSSOCIOLÓGICA DA RELAÇÃO GLOBAL/LOCAL NA ALIMENTAÇÃO. 2011.

285 p. Tese (Doutorado em Administração)- Escola de Administração, Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

FONTES, O. A.; BORELLI, F. C.; CASOTTI, L. M. Como Ser Homem E Ser Belo? Um Estudo

Exploratório Sobre a Relação Entre Masculinidade e o Consumo de Beleza. REAd. Revista

Eletrônica de Administração (Porto Alegre. Online), vol. 18, p. 400-432, 2012.

FOURNIER, S. Consumers and Their Brands: Developing Relationship Theory in Consumer

Research. Journal of Consumer Research, vol. 34, p. 343-373, March, 1998.

FRAGOSO, S.; RECUERO, R.; AMARAL, A. Métodos de pesquisa para internet. Porto

Alegre: Sulina, 2011.

FRANCO, M. L. P. B. Análise de Conteúdo, São Paulo, Brasil, 2008

FREITAS, H. M. R.; CUNHA, M. V. M., JR.; MOSCAROLA, J. Aplicação de sistemas de

software para auxílio na análise de conteúdo. Revista de Administração da USP, vol. 32, n.

3, p. 97-109, 1997

FREITAS, A. S. A Crítica da Razão Utilitária e a Fundamentação Ontológica das Escolhas

Metodológicas no Paradigma da Dádiva. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 17, n. 2, p. 283-

308, jul./dez., 2002.

FROMM, E. Ter ou ser? Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987.

FROST, R. O.; STEKETEE, G.; WILLIAMS, L. F.; WARREN, R. Mood, personality disorder

symptoms and disability in obsessive compulsive hoarders: A comparison with clinical and

nonclinical controls. Behaviour Research and Therapy, vol. 38, p. 1071–1081, November,

2000.

FROST, R. O.; GROSS, R. C. The hoarding of possessions. Behaviour Research and

Therapy, vol. 31, n. 4, p. 367–381, 1993.

FURBY, L. Possessions: Toward a Theory of Their Meaning and Function throughout the Life

Cycle. In: BALTES, P. B. Life-Span Development and Behavior, New York: Academic

Press, p. 297-336, 1978.

GAIÃO, B. F. D. S.; SOUZA, I. L. De; LEÃO, A. L. M. D. S. Consumer Culture Theory (CCT)

já é uma escola de pensamento em marketing? Revista de Administração de Empresas, vol.

52, n. 3, p. 330–344, 2012.

GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M. W.; GASKELL, G. (org).

Pesquisa Qualitativa com texto imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes,

2002.

Page 253: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

253

GER, G.; BELK, R. W. Measuring and comparing materialism cross-culturally. NA-Advances

in Consumer Research, vol. 17, p. 186-192, 1990.

GER, G.; BELK, R. W. Cross-cultural differences in materialism. Journal of Economic

Psychology, vol. 17, n. 1, p. 55-77, 1996.

GER, G.; BELK, R. W. Accounting for materialism in four cultures. Journal of Material

Culture, vol. 4, n. 2, p. 183-204, 1999.

GIANETTI, E. Felicidade: Diálogos sobre o bem estar na civilização. São Paulo: Cia das

Letras, 2002.

GIBBS, G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2010.

GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

GOLDENBERG, M. A Arte De Pesquisar: Como Fazer Pesquisa Qualitativa Em Ciências

Sociais. Rio de Janeiro: Record, 2001c. 107 p.

GOLDENBERG, M.; Corpo, envelhecimento e felicidade na cultura brasileira.

Contemporânea, Ed. 18, vol. 9, n. 2, p. 77-85, 2011.

GOLDSMITH, T.; MCELROY, S. Compulsive buying: Associated Disorders and Drug

Treatment. In: BENSON, A. L. (Ed.) I Shop Therefore I Am: Compulsive Buying and The

Search for Self. Northvale, New Jersey: Aronson Press p. 217-242, 2000.

GOPALDAS, A. Consumer Culture Theory: Constitution and Production. Advances in

Consumer Research, vol. 37, p. 660–662, 2010.

GOULDING, C. Consumer research, interpretive paradigms and methodological ambiguities.

European Journal of Marketing, vol. 33, n. 9/10, p. 859-873, 1999.

GRAYSON, K.; SHULMAN, D. Indexicality and the Verification Function of Irreplaceable

Possessions: A Semiotic Analysis. Journal of Consumer Research, vol. 27, p. 17-30, June,

2000.

GUBA, E. G., LINCOLN, Y. S. Competing paradigms in Qualitative Research. In: DENZIN,

N. K.; LINCOLN, Y. S. (Eds.) Handbook of Qualitative Research, London: Sage, 1994, p.

105-117.

GUILLARD, Valérie; PINSON, Christian. Toward a better understanding and measurement of

consumer hoarding. Recherche et Applications en Marketing (English Edition), vol. 27, n. 3, p.

57-78, 2012.

GUMMESSON, E. Qualitative research in marketing Road-map for a wilderness of complexity

and unpredictability. European Journal of Marketing, vol. 39, n. 3/4, p. 309-327, 2005.

HAIR, J.F.; BABIN, B.; MONEY, A.H.; SAMOUEL, P. Fundamentos de Pesquisa em

Administração. Porto Alegre: Bookman, 2005.

HAIRE, M. Projective Techniques in Marketing Research. Journal of Marketing, vol. 14, n.

5, p. 649 – 656, Apr, 1950.

HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 10ª Ed.

HAWKINS, D.; MOTHERSBAUGH, D.; BEST, R. Comportamento do Consumidor:

Construindo a Estratégia de Marketing. São Paulo: Campus, 2007.

HAWS, K. L.; NAYLOR, R. W.; COULTER, R. A.; BEARDEN, W. O. Keeping it all without

being buried alive: Understanding product retention tendency. Journal of Consumer

Psychology, vol. 22, p. 224–236, 2012.

Page 254: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

254

HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HILL, R. P.; STAMEY, M. The Homeless in America: An Examination of Possessions and

Consumption Behaviors. Journal of Consumer Research, vol. 17, p. 303-322, December,

1990.

HILL, R.P. Homeless Women, Special Possessions, and the Meaning of "Home": An

Ethnographic Case Study. Journal of Consumer Research., vol. 18, p. 298-310, December,

1991.

HIRSCHMAN, E. C.; HOLBROOK, Morris B. Hedonic consumption: emerging concepts,

methods and propositions. The Journal of Marketing, p. 92-101, 1982.

HIRSCHMAN, E. C. Humanistic Inquiry in Marketing Research: philosophy, method and

criteria. Journal of Marketing Research, Chicago, vol. 23, p. 237-249, Aug. 1986.

HIRSCHMAN, E. C. The Consciousness of Addiction: Toward a General Theory of

Compulsive Consumption. Journal of Consumer Research, vol. 19, p. 155-179, Sept. 1992.

HIRSCHMAN, E. C. Ideology in consumer research, 1980 and 1990: a marxist and feminist

critique. Journal of Consumer Research, vol. 19, March, p. 537-55, 1993.

HOGG, M. K. Anti-constellations: exploring the impact of negation on consumption. Journal

of Marketing Management, vol. 14, p. 133-158, Apr. 1998.

HOGG, M.; CURASI, C. F.; MACLARAN, P. The (re-)configuration of production and

consumption in empty nest households/families. Consumption, Markets and Culture, vol. 7,

n. 3, p. 239-259, 2004.

HOGG, M.; MCLARAN, P. Rhetorical issues in writing interpretivist consumer research.

Qualitative Market Research: An International Journal, vol. 11, n.2, p. 130-146, 2008.

HOGG, M.; BANISTER, E. N.; STEPHENSON, C. A. Mapping symbolic (anti-)

Consumption. Journal of Business Research, vol. 62, p. 148–159, 2009.

HOLBROOK, M. B.; HIRSCHMAN, E. C. The experiential aspects of consumption: Consumer

fantasies, feelings, and fun, Journal of Consumer Research, vol. 9, p. 132-40, September,

1982.

HOLBROOK, M. B.; O’SHAUGHNESSY, J. On the scientific status of consumer research and

the need for an interpretive approach to studying consumption, Journal of Consumer

Research, vol. 15, n. 3, p. 398-402, 1988.

HOCH, S.; LOEWENSTEIN, G. Time-inconsistent preferences and consumer self-control.

Journal of Consumer Research, vol. 17, n. 4, p. 492-507, 1991.

HODDER, I. Entangled: An archaeology of the relationships between humans and things.

Oxford: Wiley-Blackwell, 2012.

HOLT, D. B. How consumers consume: a typology of consumption practices. Journal of

Consumer Research, vol. 22, June, 1995.

HOPKINSON, G. C.; HOGG, M. Stories: How they are used and produced in Market (ing)

research. In: Belk, R. W. (Ed.). Handbook of qualitative research, Cheltenham: Edward Elgar

Publishing, 2006, p. 156-174.

HUDSON, L. A.; OZANNE, J. L. Alternative Ways of Seeking Knowledge in Consumer

Research. Journal of Consumer Research, vol. 14, p. 508-521, March, 1988.

Page 255: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

255

IZBERK-BILGIN, E. An interdisciplinary review of resistance to consumption, some

marketing interpretations, and future research suggestions. Consumption Markets & Culture,

vol. 13, n. 3, p. 299–323, 2010.

JACOBY, J.; BERNING, C.K.; DIETVORST, T.F. What about Disposition? Journal of

Marketing, vol. 41, n. 2, p. 22-28, 1977

JAPIASSU, H. F. Introdução ao Pensamento Epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco

Alves, 1992.

JOHNSON, T.; ATTMANN, J. Compulsive Buying in a Product Specific Context: clothing.

Journal of Fashion Marketing and Management, vol. 13, n. 3, p. 394-405, 2009.

Jones et al. (2005) - MATERIALISMO

JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In: BAUER, M. W.; GASKELL,

G. (Orgs.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis:

Vozes, 2002, p. 90-113.

JOY, A.; LI, E. P. H. Studying Consumption Behaviour through Multiple Lenses : An Overview

of Consumer Culture Theory. Journal of Business Anthropology, vol. 1, n. 1, p. 141–173,

2012.

KAPFERER, J.N.; BASTIEN, V. The Luxury Strategy: break the rules of marketing to

build luxury brands. India: Replika Press, 2012.

KASSARJIAN, H; GOODSTEIN, R. C. The emergence of consumer research. In

MACLARAN (Ed.), The Sage Handbook of Marketing Theory. London: Sage Publications

Ltd., 2010.

KILBOURNE, W.; GRÜNHAGEN, M.; FOLEY, J. A cross-cultural examination of the

relationship between materialism and individual values. American Marketing Association, p.

132-133, Winter, 2005.

KILBOURNE, W.; PICKETT, G. How materialism affects environmental beliefs, concern, and

environmentally responsible behavior. Journal of Business Research, vol. 61, n. 9, p. 885-

893, 2008.

KLEIN, N. Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. São Paulo: Record,

2002.

KLEINE, R. E.; KLEINE, S. S. Consumption and self-schema changes throughout the identity

project life cycle. Advances in Consumer Research, vol. 27, p. 279–285, 2000.

KLEINE, S. S.; BAKER, S.M. An Integrative Review of Material Possession Attachment.

Academy of Marketing Science Review, vol. 1, 2004.

KLEINE, S. S.; KLEINE, R. E. I.; ALLEN, C. T. How is a Possession “Me” or “Not Me”?

Characterizing Types and an Antecedent of Material Possession Attachment. Journal of

Consumer Research, vol. 22, n. 3, p. 327–343, 1995.

KLEINE, R. E.; KLEINE S. S.; KERNAN, J. B. Mundane Everyday Consumption and the Self:

A conceptual Orientation and Prospects for the Consumer Research. Advances in Consumer

Research, vol. 19, p. 411-415, 1992.

KOGUT, T.; KOGUT, E. Possession attachment: Individual differences in the endowment

effect. Journal of Behavioral Decision Making, vol. 24, n. 4, p. 377-393, 2011.

KOLLAT, D. T.; WILLETT, R. P. Customer impulse purchasing behavior. Journal of

Marketing Research, p. 21-31, 1967.

Page 256: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

256

KOPYTOFF, I. The cultural biography of things: commoditization as process. In:

APPADURAI, A. (Org.) The Social Life of Things: Commodity in Cultural Perspective.

Cambridge: Cambridge University Press, 1986, p. 64-91.

KOZINETS, R. V. I want to believe: A netnography of the X files subculture of consumption.

Advances in Consumer Research, vol. 24, p. 470-475, 1997.

KOZINETS, R. V. On Netnography: Initial Reflections on Consumer Research Investigations

of Cyberculture. Advances in Consumer Research, vol. 25, 1998.

KOZINETS, R. V. E-tribalized Marketing?: The strategic implications of virtual communities

of consumption. European Management Journal, vol. 17. n. 3, p. 252-264, 1999.

KOZINETS, R. V. The field behind the screen: using netnography for marketing research in

online communities. Journal of Marketing Research, vol. 39, p. 61-72, Feb. 2002.

KOZINETS, R. V. Click to Connect: Netnography and Tribal Advertising. Journal of

Advertising Research, p. 279-288, Sept. 2006.

KOZINETS, R. V. Netnography 2.0. In: BELK, R.W.(ed.), Handbook of Qualitative

Research Methods in Marketing, Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing, p. 129-42,

2007.

KOZINETS, R. V.; DE VALCK, K.; WOJNICKI, A.; WILNER, S. Networked Narratives:

Undertanding Word-of-Mouth Marketing in Online Communities. Journal of Marketing, vol.

74, p. 71-89, Mar. 2010.

KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.

LA BRANCHE, A. Neglected and unused things: Narrative encounter. Review of Existential

Psychology and Psychiatry, vol. 12, n. 2, p. 163-168, 1973.

LAMBERT-PANDRAUD, R.; LAURENT, G. Why do older consumers buy older brands? The

role of attachment and declining innovativeness. Journal of Marketing, vol. 74, n. 5, p. 104-

121, 2010.

LASTOVICKA, J. L.; FERNANDEZ, K. V. Three paths to disposition: The movement of

meaningful possessions to strangers. Journal of Consumer Research, vol. 31, n. 4, p. 813–24,

2005.

LASTOVICKA, J. L.; SIRIANNI, N. J. Truly, madly, deeply: Consumers in the throes of

material possession love. Journal of Consumer Research, vol. 38, n. 2, p. 323-342, 2011.

LASTOVICKA, J. L. et al. Loneliness, Material Possession Love, and Consumers’ Physical

Well-Being. In: TATZEL, Miriam. Consumption and Well-Being in the Material World.

New York: Springer Netherlands, 2014. p. 63-72.

LATOUR, B. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. Actor-network theory and

after. Oxford: Blakcwell Publishers, 1999. p.15-25.

LAURENT, G.; KAPFERER, J. N. Measuring consumer involvement profiles. Journal of

Marketing Research, vol. 22, n. 1, p. 41-53, 1985.

LAYTON, Robert. Structuralism and semiotics. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KÜCHLER, S.;

ROWLANDS, M.; SPYE, P. (Eds.). Handbook of material culture. London: Sage, 2006a. p.

29–42.

LEE, M. S. W.; ROUX, R.; CHERRIER, H.; COVA, B. Anti-consumption and consumer

resistance: concepts, concerns, conflicts and convergence. European Journal of Marketing,

vol. 45, n. 11/12, p. 1680-1687, 2011.

Page 257: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

257

LEE, Michael S. W; AHN, Christie Seo Youn. Anti‐consumption, Materialism, and Consumer

Well‐being. Journal of Consumer Affairs, 2016.

LÉVI-STRAUSS, C. Totemism. London: Merlin Press, 1962.

LÉVI-STRAUSS, C. Mito e Significado. Lisboa: Edições 70, 1978.

LÉVI-STRAUSS, C. El Pensamient Salvaje. Santafé de Bogotá, Colômbia: Fondo de Cultura

Económica Ltda (FCE), 1997 [1962].

LEVY, S. Symbols for sale. Harvard Business Review, vol. 37, p. 117-119, 1959.

LIM, H.; LYU, J. It’s Not All About Coffee: Netnography of the Starbucks Brand Page on

Facebook. Advances in Consumer Research, vol. 40, p. 1119-1119, 2012.

LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A Cultura-Mundo: resposta a uma sociedade

desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

LIU, W.; AAKER, J. The Happiness of Giving: The Time-Ask Effect. Journal of Consumer

Research, vol. 35, p. 543-557, October, 2008.

MACINNIS, Deborah J.; FOLKES, Valerie S. The disciplinary status of consumer behavior: A

sociology of science perspective on key controversies. Journal of Consumer Research, vol.

36, n. 6, p. 899-914, 2010.

MCINTOSH, W. D.; SCHMEICHEL, B. Collectors and Collecting: a social psychological

perspective. Leisure Sciences, vol. 26, p. 85-97, 2004.

MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre:

Bookman, 2006.

MAI, Li-Wei; CONTI, Paolo Giovanni. Dissolution of a person-brand relationship: an

understanding of brand-detachment. European Advances in Consumer Research, vol. 8,

2007.

MASSET, J.; DECROP, A. “God, I have so many ashtrays!” Dependences and dependencies

in consumer–possession relationships. Journal of Business Research, vol. 69, p. 94–109,

2016.

MATOS, E. B. História de vida e Consumo – Uma proposição Metodológica para a Pesquisa

do Comportamento do Consumidor. Anais… Enanpad, Rio de Janeiro, 2010.

MAURER, B. In The Matter Of Marxism. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KÜCHLER, S.;

ROWLANDS, M.; SPYE, P. (Eds.). Handbook of Material Culture. London: Sage, 2006.

Chap.1, p. 13–28.

MAYCROFT, N. Not moving things along: hoarding, clutter and other ambiguous matter.

Journal of Consumer Behaviour, vol. 8, n. 6, p. 354-364, 2009.

MEHTA, R., BELK, R. Artifacts, Identity and transition: favorite possessions of

indiantsIndians and Indian Immigrants to the United States, Journal of Consumer Research¸

vol.17, n.4, p. 398-441, 1991.

McALEXANDER, JAMES H. Divorce, the Disposition of the Relationship, and Everything.

Advances in Consumer Research, vol. 18 n. 1, p.43-48, 1991.

MCCRACKEN, G. Culture and Consumption: A Theoretical Account of the Structure and

Movement of the Cultural Meaning of Consumer Goods. Journal of Consumer Research, vol.

13, June, p. 71-84, 1986.

MCCRACKEN, G. The long interview. Newbury Park, CA: Sage, 1988.

Page 258: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

258

MCCRACKEN, G. Cultura e Consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

MCINTOSH, W. D.; SCHMEICHEL, B. Collectors and Collecting: a social psychological

perspective. Leisure Sciences, vol. 26, p.85-97, 2004.

MCKINNON, G.; SMITH, M. E.; HUNT, K. H. Hoarding behavior among consumers:

conceptualization and marketing implications. Journal of Marketing Science. vol. 13, n. 1, p.

340-51, 1985.

MCKEAGE, K. K.R.; RICHINS, M.L.; DEBEVEC, K. Self-Gifts and the Manifestation of

Material Values. Advances in Consumer Research, vol. 20, 1993.

MICK, D. G.; DEMOSS, M.; FABER, R. J. A Projective Study of Motivations and Meanings

of Self-Gifts: Implications for retail Management. Journal of Retailing, vol. 68, n. 2, p. 122 –

144, Summer, 1992.

MICK, D.G. Are Studies of Dark Side Variables Confounded by Socially desirable

Responding? The Case of Materialism. Journal of Consumer Research, vol. 23, p. 106-119,

1996.

MILLER, D. Material Culture and Mass Consumption. Oxford: Basil Blackwell, 1987.

MILLER, D. Acknowledging Consumption: A Review of New Studies. London: Routledge,

1995.

MILLER, D. Material Culture: why some things matter. London: Taylor & Francis, 1998.

MILLER, Daniel. Home Possessions. Oxford (UK): Berg, 2001.

MILLER, D. Teoria das Compras. São Paulo: Nobel, 2002.

MILLER, 2004

MILLER, D. Materiality. NY: Duke Press University, 2005.

MILLER, D. Consumo como cultura material. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano

13, n. 28, p. 33-63, jul./dez. 2007.

MILLER, D. The Comfort of Things. Cambridge: Polity Press, 2008.

MILLER, D. Stuff. Cambridge: Polity, 2010.

MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material.

Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

MINAYO, M. C. S. O Desafio do Conhecimento. São Paulo: Hucitec. 1994.

MOGHIMI, Y. The objects of desire: a cultural case study in hoarding. Anthropology, vol. 1,

n. 3, p. 2-6, 2013.

MOISANDER, J.; VALTONEN, A. Qualitative Marketing Research: A cultural approach.

London: Sage Publications Limited, 2006.

MORIN, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2ª Ed. São Paulo: Cortez,

2000.

MOWEN, J.; MINOR, M. Comportamento do Consumido. São Paulo: Prentice Hall, 2007.

MUGGE, R.; SCHIFFERSTEIN, H. N. J.; SCHOORMANS, J. P. L. A longitudinal study on

product attachment and its determinants. European Advances In Consumer Research, vol.

7, p. 641-647, 2006.

Page 259: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

259

MYERS, E. Phenomenological analysis of the importance of special possessions: An

exploratory study. Advances in Consumer Research, vol. 12, 1985.

NELSON, M. R.; OTNES, C. C. Exploring cross-cultural ambivalence: a netnography of

intercultural wedding message boards. Journal of Business Research, vol. 58, n. 1, p. 89-95,

2005.

NOVAES, J. V. Com que corpo eu vou? Sociabilidade e usos do corpo nas mulheres das

camadas altas e populares. Rio de Janeiro: Ed. PUC/Pallas, 2010.

O’GUINN, T.; FABER, R. Compulsive buying: a phenomenological exploration. Journal of

Consumer Research, vol. 16, p. 147-157, 1989.

O’GUINN, T.; FABER, R. Compulsive Buying: Review and Reflection. In: HAUGTVEDT,

C. P.; HERR, P.; KARDES, F. (Eds.). Handbook of Consumer Psychology, Mahwah, New

Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, vol. 14, April, 2005.

OLIVEIRA, L. B. Construindo uma Carreira em Administração: Perspectivas e Estratégias

de Jovens Universitários do Rio de Janeiro. 2009. 319p. Tese (Doutorado em Administração) –

Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2009.

OLIVEIRA, S. R. DE; PICCININI, V. C. Validade e reflexividade na pesquisa qualitativa.

Cadernos EBAPE.BR, vol. 7, n. 1, p. 94–98, 2009.

O’SHAUGHNESSY, John. Why people buy. New York: Oxford University. 1987.

ØSTERGAARD, P.; JANTZEN, C. Shifting perspectives in consumer research: from buyer

behavior to consumption studies. In: BECKMANN, S. C.; ELLIOTT, R. H. Interpretive

Consumer Research: Paradigms, Methodologies and Applications. Copenhagen:

Copenhagen Business School Press, 2002.

OZANNE, J.; DOBSCHA, S. Transformative Consumer Culture Theory? Advances in

Consumer Research, vol. 33, p. 520–523, 2006.

ÖZÇAG˘LAR-TOULOUSE, N.; COVA, B. A History of French CCT: Pathways and Key

Concepts. Recherche et Applications En Marketing, vol. 25, n. 2, p. 69–90, 2010.

PACHECO, N.A.; ROSSI, P.C.; SILVEIRA, T.; ROSSI, C. A. V. Ter ou não ter, eis a questão.

Anais do XXXIV EnANPAD, Rio de Janeiro, 2010.

PALACIOS, Annamaria. As marcas na pele, as marcas no texto: Sentidos de tempo,

juventude e saúde na publicidade de cosméticos em revistas femininas durante a década

de 90. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura

Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia, 2004.

PARK, C. W.; MACINNIS, D. J.; PRIESTER, J. R. Beyond attitudes: Attachment and

consumer behavior. Seoul Journal of Business, vol. 12, n. 2, p. 3-36, December, 2006.

PARSONS, L. The Evocative Power of Things: Materiality, Temporality anda Value in de

Consumption of Used Objects. European Advances in Consumer Research – Special Session

Sumary, vol. 8, p. 111-114, 2008.

PEARCE, S. M. Interpreting objects and collections. London: Routledge, 1994.

PECK, Joann; SHU, Suzanne B. The effect of mere touch on perceived ownership. Journal of

consumer Research, vol. 36, n. 3, p. 434-447, 2009.

Page 260: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

260

PEÑALOZA, L.; PRICE, L. Consumer resistance: a conceptual overview. In. L. MCALISTER;

M. ROTHSCHILD. Advances in Consumer Research. Provo, UT: Association for Consumer

Research. 1993.

PERRIN-MARTINENQ, Delphine. The role of brand detachment on the dissolution of the

relationship between the consumer and the brand. Journal of Marketing Management, vol.

20, n. 9-10, p. 1001-1023, 2004.

PERTUSA, A. et al. Refining the diagnostic boundaries of compulsive hoarding: a critical

review. Clinical psychology review, vol. 30, n. 4, p. 371-386, 2010.

PETER, J.P.; OLSON, J.C. Comportamento do Consumidor e Estratégia de Marketing.

São Paulo: McGraw-Hill, 2009.

PHILIP, H. E.; OZANNE, L. K.; BALLANTINE, P. W. Examining temporary disposition and

acquisition in peer-to-peer renting. Journal of Marketing Management, vol. 31, n. 11-12, p.

1310-1332, 2015.

PINTO, M. R.; LARA, J. Desvendando as Experiências de Consumo na Perspectiva da Teoria

da Cultura do Consumo: Possíveis Interlocuções e Questões Emergentes para a Pesquisa do

Consumidor. Anais do XXXIII ENANPAD, São Paulo, SP, 2009.

PISCICELLI, L.; COOPER, T.; FISHER, T. The role of values in collaborative consumption:

insights from a product-service system for lending and borrowing in the UK. Journal of

Cleaner Production, vol. 97, p. 21-29, 2014.

POLITZER, G. Princípios Fundamentais de Filosofia. Curitiba: Hemus, 2002. Disponível

em: <http://books.google.com.br/books?id=-mtVtJiFkwUC&pg=PA1&hl=pt-

BR&source=gbs_selected_pages&cad=3#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 20 abr. 2012.

POLIVANOV, B. Etnografia virtual, netnografia ou apenas etnografia? Implicações dos

conceitos. Esferas, Ano 2, no 3, julho a dezembro de 2013.

PRASAD, P. Crafting Qualitative Research: Working in the Postpositivists Traditions.

New York: Taylor & Francis, 2005.

PRASAD, P. Crafting qualitative research: Working in the postpositivist traditions.

Oxford: ME Sharpe, 2005.

PRATES, C. O consumidor compulsivo. S.I Disponível em:

<http://www.klickeducacao.com.br>. Acesso em: 20 abr. 2012.

PRICE, L. L.; ARNOULD, E. J.; CURASI, C.F. Older consumers’ disposition of special

possessions. Journal of Consumer Research, vol. 27, n. 2, p. 179–92, 2000.

RAGEH; MELEWAR; WOODSIDE, 2013

RECUERO, R. Weblogs, webrings e comunidades virtuais, 2003. Disponível em:

http://www.bocc.ubi.pt/pag/recuero-raquel-weblogs-webrings-comunidades-virtuais.html

Acesso em 28 mai 2012.

RIBEIRO, M.S. Por uma biografia das coisas: a vida social da marca Havaianas e a invenção

da brasilidade. Etnográfica, vol. 17, n. 2, p. 341-368, Junho, 2013.

RICHINS, M. L. Valuing Things: The Public and Private Meaning of Possessions, Journal of

Consumer Research, vol. 21, p. 504–521, December, 1994a.

RICHINS, M. L. Special Possessions and the Expression of Material Values. Journal of

Consumer Research, vol. 21, p. 522-533, 1994b.

Page 261: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

261

RICHINS, M. L. The material values scale: Measurement properties and development of a short

form. Journal of consumer research, vol. 31, n. 1, p. 209-219, 2004.

RICHINS, M. L.; DAWSON, S. A Consumer Values Orientation for Materialism and its

Measurement: Scale Development and Validation. Journal of Consumer Research, vol. 19,

p. 303-316, 1992.

RIDGWAY, N. R.; KUKAR-KINNEY, M.; MONROE, K. B.. An Expanded Conceptualization

and a New Measure of Compulsive Buying. Journal of Consumer Research, vol. 35,

December, p. 622–639, 2008.

ROCHA, A.; FERREIRA, J. B.; SILVA, J. F. Administração de Marketing. São Paulo: Atlas,

2013.

ROCHA, E. Totem e consumo: um estudo antropológico de anúncios publicitários. Alceu,

PUC-Rio, vol. 1, n. 1, 2000.

ROOK, D. W. Ritual Behavior and Consumer Symbolism. Advances in Consumer Research,

vol. 11, p. 279-284, 1985.

____________. The Buying Impulse. Journal of Consumer Research, vol. 14, n. 2, p. 189-

199, 1987.

____________; HOCH, S.J. Consuming impulses. Proceedings... Association for Consumer

Research, vol. 12, p. 23-27, 1985.

____________; FISHER, R. J. Normative Influences on Impulsive Buying Behavior. Journal

of Consumer Research, vol. 22, p. 305-314, December, 1995.

____________. Let´s Pretend: projective methods reconsidered. In: BELK, R. W. Handbook

of Qualitative Research Methods in Marketing. Cheltenham: Edward Elgar PubliSamarang,

2006.

ROSTER, C. A. Letting Go: The Process and Meaning of Dispossession in the Lives of

Consumers. Advances in Consumer Research, vol. 28, n. 1, p. 425-430, 2001.

ROSTER, C. A. The art of letting go: creating dispossession paths toward an unextended self.

Consumption Markets & Culture, vol. 17, n. 4, p. 321-345, 2014.

ROSTER, C. A. “Help, I Have Too Much Stuff!”: Extreme Possession Attachment and

Professional Organizers. Journal of Consumer Affairs, vol. 49, n. 2, p. 303-327, 2015.

ROUX, D. Les brocantes : ré-enchantement ou piraterie des systèmes marchands. Revue

Française de Marketing, vol. 1, p. 63-84, 2005.

RUBIN, H. J.; RUBIN, I. S. Qualitative interviewing: the art of hearing data. Thousand Oaks,

CA: Sage, 2005.

SAHLINS, M. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003 [1976].

SANDERS, C.R. The Animal ‘Other’: Self Definition, Social Identity and Companion

Animals. Advances in Consumer Research, vol. 17, p. 662- 668, 1990.

SANTOS, C. P.; FERNANDES, D. V. H. A socialização de consumo e a formação do

materialismo entre os adolescentes. RAM (REV. ADM. MACKENZIE), vol. 12, n. 1, São

Paulo, SP, p. 169-203, Jan./Fev., 2011.

SAREN, M. To have is to be? A critique of self-creation through consumption. Marketing

Review, vol. 7, n. 4, p. 343-354, 2007.

SARTRE, J.P. O Ser e o Nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997.

Page 262: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

262

SAUSSURE, F. Curso de Linguistica Geral (Org. Charles Bally, Albert Sechehaye). São

Paulo: Cultrix, 2006 [1916].

SCARABOTO, D. Comunidades virtuais com grupos de referência nos processos

decisórios do consumidor. 2006. 2006. Tese de Doutorado. Dissertação de Mestrado em

Administração, Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto

Alegre.

SCHATZKI, T. Materiality and social life. Nature and Culture, vol. 5, n. 2, p. 123-149, 2010.

SCHIFFERSTEIN, H. N. J.; ZWARTKRUIS-PELGRIM, E. P. H. Consumer-product

attachment: Measurement and design implications. International Journal of Design, vol. 2, n.

3, p. 1–13, 2008.

SCHIFFMAN, L. G.; KANUF, L. L. Comportamento do consumidor. Rio de Janeiro: LTC,

2009.

SCHULTZ, S. E.; KLEINE, R. E.; KERNAN, J. B. These are a few of my favorite things:

toward an explication of attachment as a consumer behavior construct. Advances in Consumer

Research, vol. 16, Eds. SRULL, T. K. Provo, UT: Association for Consumer Research, p. 359-

366, 1989.

SCHWANDT, T.A. Construtivismo, Interpretativismo e abordagens para investigações

humanistas. In: DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S; (Colab.). O Planejamento da Pesquisa

Qualitativa: Teorias e Abordagens. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

SHANKAR, Avi; FITCHETT, James A. Having, being and consumption. Journal of

Marketing Management, vol. 18, n. 5-6, p. 501-516, 2002.

SHERRY JR., JF. A Sociocultural Analysis of a Midwestern American Flea Market. Journal

of Consumer Research, vol. 17, n. 1, p. 13-30, June 1990.

SHETH, J. N., MITTAL, B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do Cliente. São Paulo: Atlas.

2001.

SILVA, C. L. Colecionar: do Ideal Temático às Posses que lhe dão Tangibilidade e

Concretude ao Estender o Eu (Self) do Colecionador. 2010. 180f. Tese (Doutorado em

Administração). Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio

Vargas, Rio de Janeiro, 2010.

SIMMEL, Georg. The philosophy of money. London: Routeledge, 2004.

SINDHWANI, P.; AHUJA, V. A study of online co-creation strategies of Starbucks using

netnography. International Journal of Online Marketing (IJOM), vol. 4, n. 1, p. 39-51,

2014.

SIRGY, M. J. Materialism and quality of life. Social Indicators Research, n. 43, p. 227-260,

1998.

SIVADAS, E.; VENKATESH, R. An examination of individual and object-specific influences

on the extended self and its relation to attachment and satisfaction. Advances in Consumer

Research, vol. 22, 1995.

SLATER, D. Cultura do Consumo & modernidade. São Paulo: Nobel 2002.

SOLOMON, M. R. Comportamento do consumidor – Comprando, Possuindo e Sendo, Porto

Alegre: Bookman, 2008.

Page 263: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

263

SPIGGLE, S. Creating the Frame and the Narrative: From text to hypertext. In: STERN, B.

(Ed.). Representing Consumers: Voices, views and visions. London: Routledge, 1998. Cap 6,

p.156-190.

STERN, H. The significance of impulse buying today. Journal of Marketing, p. 59-62, 1962.

STRAUSS, A.; CORBIN, J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o

desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre: Artmed, 2008.

SUAREZ, M. C.; CAMPOS, R. D.; CASOTTI, L. M. The Time of Beauty: an Interpretation of

Female Everyday Life. EMAC 35th Conference Proceedings - Suistanable Marketing

Leadership, Grécia, 2006.

SUAREZ, M. C.; CASOTTI, L. M.; ALMEIDA, V. M. C. Beleza Natural: Crescendo na Base

da Pirâmide. RAC. Revista de Administração Contemporânea, vol. 12, p. 22-30, 2008.

SUAREZ, M. C. Criação, movimento e negociação de significados a partir do não consumo:

um estudo do abandono das categorias de automóvel e cigarro. 2010. 300p. Tese (Doutorado

em Administração) – Programa de Pós-graduação em Administração de Empresas, PUC-Rio,

Rio de Janeiro, 2010.

SUAREZ, M. C. et al. Oportunidade e Desafio em Marketing: Como e por que as Pessoas se

Desfazem de seus Bens?. REAd. Rev. Eletrôn. Adm., Porto Alegre, vol. 17, n. 1, p. 26-

57, Apr., 2011.

SUAREZ, M., CHAUVEL, M. A. Different Ways Of Saying Goodbye: Outlining Three Types

Of Abandonment Of A Product Category. Research in Consumer Behavior, vol. 14, 277295,

2012a.

SUAREZ, M., CHAUVEL, M. A., CASOTTI, L. M. Motivações e significados do abandono

de categoria: aprendizado a partir da investigação com ex-fumantes e ex-proprietários de

automóveis. Cadernos EBAPE. BR, vol. 10, n. 2, p. 411-434, 2012b.

SUAREZ, Maribel et al. So hard to say goodbye? An investigation into the symbolic aspects of

unintended disposition practices. Journal of Consumer Behaviour, vol. 15, n. 5, p. 420-429,

2016.

SUNDERLAND P.; DENNY, R. (2007), Doing anthropology in consumer research, Walnut

Creek, CA, Left Coast Press Inc. Thompson C.J. and

STAKE, Robert E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Porto

Alegre: Penso, 2011.

TIAN, K.; BELK, R. Extended self and Possessions in the Workplace. Journal of Consumer

Research, vol. 32, n.2, p.297-310, 2005.

TILLEY, C. Introduction. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KÜCHLER, S.; ROWLANDS, M.;

SPYE, P. (Eds.). Handbook of material culture. London: Sage, 2006a. p. 1–6.

TILLEY, C. Theoretical Perspectives. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KÜCHLER, S.;

ROWLANDS, M.; SPYE, P. (Eds.). Handbook of material culture. London: Sage, 2006b. p.

1–6.

TILLEY, C. Objectification. In: TILLEY, C.; KEANE, W.; KÜCHLER, S.; ROWLANDS, M.;

SPYE, P. (Eds.). Handbook of material culture. London: Sage, 2006c. p. 60–73.

THOMPSON, C. J.; .; LOCANDER, W. B.; .; POLLIO, H. R. Putting Consumer Experience

Back into Consumer Research: The Philosophy and Method of Existential- Phenomenology.

Journal of Consumer Research, vol. 16, p. 133-146, September, 1989.

Page 264: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

264

THOMPSON, C. J.; POLLIO, H. R.; LOCANDER, W. B. The Spoken and the Unspoken: A

Hermeneutic Approach to Understanding the Cultural Viewpoints that Underlie Consumer’s

Expressed Meanings. Journal of Consumer Research, vol. 21, December, 1994.

TROCCHIA, P. J.; JANDA, S. An Investigation of Product Purchase and Subsequent Non-

Consumption. Journal of Consumer Marketing, vol. 19, n. 3, p. 188 – 204, 2002.

VALENTINE, V.; GORDON, W.. The 21st century consumer: a new model of thinking.

International Journal of Market Research, vol. 42, n. 2, p. 185-206, 2000.

VAN BOVEN, Leaf; GILOVICH, Thomas. To do or to have? That is the question. Journal of

Personality and Social Psychology, vol. 85, n. 6, p. 1193, 2003.

VANZELLOTTI, C.A. Esperança pra Dar e Vender: a Esperança no Consumo de

Cosméticos Anti-Sinais. 2007. 173p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa

de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto

Alegre, 2007.

VELUDO-DE-OLIVEIRA, T. M.; IKEDA, A. A.; SANTOS, R. C. Compra Compulsiva e a

Influência do Cartão de Crédito. RAE, vol. 44, n. 3, p. 89-100, Jul/Set, 2004.

VENKATRAMAN, M. P.; MACINNIS, D. J. The Epistemic and Sensory Exploratory

Behaviors of Hedonic and Cognitive Consumers. Advances in Consumer Research, vol. 12,

n 1, p. 102-107, 1985.

VERGANTI, R. Design – driven innovation. Mudar as regras da competição: a inovação

do significado de produtos. 2 ed. São Paulo: Canal Certo, 2012.

VERGARA, S. C.; CALDAS, M. P. CVS 2005 Paradigma Interpretacionista: a busca da

Superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 e 1990. RAE, vol. 45, n. 4, Out./Dez.

2005.

VERGARA, S. C. Métodos de Pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2009.

VERPLANKEN, B.; HERABADI, A. Individual differences in impulse buying tendency:

Feeling and no thinking. European Journal of Personality, vol. 15, p. S71–S83, 2001.

WALLENDORF, M.; ARNOULD, E. J. My Favorite Things: A Cross-Cultural Inquiry into

Object Attachment, Possessiveness, and Social Linkage. Journal of Consumer Research, vol.

14, n. 4, p. 531-547, Mar, 1988.

WALLENDORF, M.; BELK, R.; HEISLEY, D. Deep Meaning in Possessions: The Paper.

Advances in Consumer Research, vol. 15, p. 528-30, 1988.

WANSINK, B. S.; BRASEL, A.; AMJAD, S. The Mystery of the Cabinet Castaway: Why We

Buy Products We Never Use. Journal of Family and Consumer Science, vol. 92, n.1, p. 104-

108, 2000.

WATKINS, R. D.; DENEGRI-KNOTT, J.; MOLESWORTH, M. The relationship between

ownership and possession: observations from the context of digital virtual goods. Journal of

Marketing Management, vol. 32, n. 1–2, p. 44–70, 2016.

WATTANASUWAN, K. The Self and Symbolic Consumption. The Journal of American

Academy of Business, Cambridge, p.179-184, March, 2005.

WEIJO, H.; HIETANEN, J.; MATTILA, P. New insights into online consumption communities

and netnography. Journal of Business Research, p. 1-7, 2014.

WOODWARD, I. Understanding material culture. London: Sage, 2007.

Page 265: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

265

WOODWARD, I. Consumption as cultural interpretation: Taste, performativity and navigating

the forest of objects. In: ALEXANDER, J.C.; JACOBS, R.; SMITH, P. (Eds.), The Oxford

Handbook of Cultural Sociology. Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 671-697.

YOUN, S.; FABER, R. Impulse buying: its relation to personality traits and cues. Advances in

Consumer Research, Proceedings... Association for Consumer Research, vol. 27, p. 179-185,

2000.

YOUNG, M. M.; WALLENDORF, M. Ashes to Ashes, Dust to Dust: conceptualizing

consumer disposition of possessions. In: CHILDERS, T. et al. (Eds.), Marketing Theory and

Practice, AMA Winter Educators Conference. Chicago: American Marketing Association,

1989. p. 33-38.

Page 266: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

266

APÊNDICE 1 - ROTEIRO FASE 1

1. Introdução

Perfil: nome, idade, bairro onde mora, atividade principal

Hábitos: o que você costuma fazer para se informar?

Descreva um sábado típico na sua vida. E uma segunda?

2. História de Vida

Conta pra mim como é a sua história com esmaltes/perfumes/maquiagem.

Quando começou? Com que idade começou a usar e a comprar?

Tem algum episódio marcante?

Você é conhecida como a pessoa que tem muito desse produto?

3. Entrevista em Profundidade

Parte 1 = A compra

Como se dá conta de que está precisando (reconhecimento de necessidades)?

Qual o problema que o produto vai resolver (ou para que serve o produto)?

Quando compra o produto, espera que ele faça o que por você?

Quando você pensa em comprar um novo produto como esse, você se imagina usando?

Busca informações sobre o produto?

Como? Onde? Com quem?

Quem são as principais influências para novos produtos?

Como fica sabendo de lançamentos?

Como escolhe qual vai comprar? (teste, revista, amigas, blogs, etc.)

Como ocorre a avaliação das informações buscadas?

Quais são os atributos mais importantes?

E os benefícios que procura?

Percebe riscos envolvidos na compra?

Em que situações compra os produtos (viagens, por impulso, quando está precisando, etc.)?

Quais os sentimentos na hora da compra?

Page 267: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

267

Percebe riscos envolvidos nessa compra?

Parte 2 = o uso

Como é o pós-compra?

Onde guarda? Como carrega consigo?

Explorar: o uso – situações, rituais, sentimentos, expectativas sobre o uso

Qual é o produto que você mais usa (cor de esmalte pode ser mais de uma)?

Seus produtos se relacionam entre si:

Usa determinada cor de esmalte com um tipo de roupa ou para uma ocasião especial?

Situações de USO

Quais perfumes são para o dia e quais são para a noite?

Há maquiagens para determinadas ocasiões?

Uma ocasião especial, ou um dia ideal (vou usar quando fizer isso, ou eu usava quando fazia

aquilo = explorar significado deslocado)

Parte 3 = o não uso

Explorar o não uso:

Quais produtos não usa?

Tem alguma ligação entre os produtos que não usa?

Porque você escolhe não usar?

Você está guardando para alguma ocasião, situação especial?

É uma coleção?

Você acha que compra mais do que é capaz de usar?

O que faria você usar mais (deslocamento de significado)?

O que você sente quando chega a casa e vê esses produtos na prateleira?

Há dissonância cognitiva?

Arrepende-se por ter comprado muito - ou - por não ter usado simplesmente?

Parte 4 = Descarte

Você se desfaz dos produtos que não usa?

Como ocorre esse descarte dos produtos que estão cheios?

Dá de presente? Joga no lixo? Outro?

E os produtos vazios? Eles são repostos? Pelos mesmos ou por novos?

Se você tivesse que escolher um desses produtos para ir com você para uma ilha deserta, qual

seria? Porque?

4. Projetiva

Amanda adora esmaltes/perfumes/maquiagem. Ela gosta de ter esses produtos para usá-los

sempre que possível.

Quem é a Amanda?

Que tipo de produtos ela tem mais?

Será que a Amanda usa tudo o que tem?

Page 268: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

268

Porque ela não usa?

O que faria ela usar mais?

Existem muitas pessoas como a Amanda?

Um dia, Amanda teve que se mudar e foi obrigada a se desfazer de todos os

esmaltes/perfumes/maquiagem que possuía.

O que ela sentiu?

Como vai ser a vida dela agora?

5. Observação

Observação no quarto ou no lugar onde os produtos pesquisados estão guardados

onde estão guardados?

como estão armazenados?

Quais produtos estão juntos?

Como estão organizados?

Os que ela disse que mais usava estão cheios ou vazios?

Pegar os produtos que estão cheios e pedir pra

Page 269: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

269

APÊNDICE 2 - ROTEIRO FASE 2

Pesquisa Não Uso de Vestuário

Vamos falar sobre compra e não uso de itens de vestuário.

1. INTRODUÇÃO

Perfil: nome, idade, bairro onde mora, atividade principal

2. HISTÓRIA DE VIDA

Conta pra mim como é a sua história com vestuário/roupas/acessórios/sapatos.

Quando começou a se interessar pelo assunto?

O que você gosta mais: roupa, sapato, bolsas, acessórios?

Você se considera uma apaixonada? Pq?

f)

Qual a importância das roupas, sapatos ou acessórios na sua vida?

O que as suas roupas, sapatos ou acessórios representam para você?

Como você descreveria seu estilo?

Você acha que mudou seu estilo com o passar do tempo?

o Como foi isso?

g)

Você é ligada em moda? Como?

Segue algum blog? Qual?

Compra revista? Qual?

Você vai a eventos de moda?

Com que idade começou a se preocupar com suas roupas, sapatos ou acessórios?

Você lembra de alguma influência de quando era pequena: mãe, amigas, comercial, fase

de vida...

Tem algum episódio marcante na vida, relacionado a roupas?

Page 270: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

270

Você tem alguma roupa que guarda com grande carinho? Qual? Pq?

h)

Você é conhecida como a pessoa que tem muita roupa ou sapato?

Você é criticada por ter muita roupa? Como são estas críticas?

O que as pessoas falam sobre as suas roupas (bem e mal, concorda ou não? – críticas –

sentimentos)?

Você tem roupas, sapatos, bolsas ou acessórios que não usa?

- qual desses itens?

Porque você acha que não os usa?

Quais roupas que você tem e usa pouco ou nada (mas gostaria de usar mais)?

Você acha que sabe explicar a razão de acabar não usando essas peças?

Você percebe alguma relação entre as peças que não usa (são para ocasiões, para quando ficar

magra, quando trabalhar, etc.)?

Será que alguma coisa ou acontecimento faria você usar mais (deslocamento de

significado)?

Já aconteceu de você achar no seu armário uma peça com etiqueta, que nunca tenha sido usada?

Que peça era essa?

Quando / Como ela foi comprada?

Quais eram os planos para ela?

O que aconteceu com ela depois dessa “descoberta”?

Você tem coisas que

1 compra e não usa?

2 ganhou e não usa?

3 fez (criou) e não usa?

4 trocou e não usa?

Você já comprou uma roupa, sapato ou acessório que nunca usou?

1 Você já comprou uma roupa que tinha certeza que não usaria imediatamente?

Page 271: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

271

Como foi isso?

Planejava usar no futuro? Quando? Porque?

Ela foi usada?

O que aconteceu depois desse uso?

Você acha que compra muito?

O que é comprar muito?

Quando a pessoa se dá conta que compra muito?

É importante comprar / TER muito?

2 Vc já ganhou roupa, sapato ou acessório de presente e acabou não usando?

Como foi isso?

Você se sente obrigada a usar?

Se sente obrigada a guardar? Pq?

Os presentes de quem você sente que tem que guardar?

Você já deu de presente algo que ganhou e não usou?

Para quem?

Como foi isso?

3 Você já fez ou customizou alguma roupa ou acessório?

Você usa?

Se não usa, já se desfez?

Como foi isso? Para quem você deu? Depois de quanto tempo que já estava com você?

O que você sentiu?

Se não se desfez, pq?

4 Você já trocou alguma roupa, sapato ou acessório?

Com quem?

Como foi isso?

Você usa esse item?

Você já se desfez de algum item que tenha trocado?

Page 272: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

272

Você já pediu emprestado alguma roupa?

Pq? Como foi isso? Você usou? Quanto tempo ficou com você?

Quando você tem uma roupa nova, o que acontece em geral quando ela chega na sua casa?

Onde ela mora?

Com quem ela vive (dentro do armário está junto com que tipo de outras roupas)?

O que você sente quando chega a casa e vê esses produtos no armário?

Você tem algum esquema de organização das peças de roupa?

Há alguma separação das roupas por tipo de uso (roupas de festa, de ginástica, de inverno, etc.)?

- explorar: o uso – situações, rituais, sentimentos, expectativas sobre o uso.

Verificar se surgirá uma estratégia de organização por não uso (atrás, escondido, embaixo,

etc.)

Conforme você vai usando uma roupa, o que acontece com ela?

Muda de lugar no armário?

Recebe menos cuidados para lavar ou passar?

Perde/ganha status?

Qual a relação de status entre roupa nova e roupa usada?

Você tem orgulho das suas roupas? E do que vê no seu armário?

Você considera que tem uma coleção de roupas? E de sapatos?

Você conhece alguém que tenha uma coleção?

Como as pessoas guardam as suas coleções?

As pessoas usam as coisas das suas coleções?

Você acha que TEM mais coisas do que é capaz de usar?

Que tipo de coisas?

Como você se sente com isso?

Você já enjoou de alguma roupa?

Page 273: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

273

Qual?

Porque? Como isso aconteceu?

O que você fez com ela?

Você tem alguma roupa que tem e não usa porque

Não é o seu estilo atual

Não se usa mais

Moda tem muitas tendências... (p.ex. calça saruel, colete, Oxford, spatrile, slipers, etc.)

Você compra esses “lançamentos” (coisas diferentes)?

Você já se viu com dificuldade em usar um desse itens pq ainda não consegue ou tem

dificuldade de incorporar a sua rotina diária (seu jeito de vestir)?

Pensando nas coisas que você tem e não usa

O que é não uso para você?

Quando você acha que a gente pode dizer que uma coisa é “não usada”?

Você já comprou alguma coisa sabendo que não usaria?

- O que era?

- O que você sentiu?

Você acha que as pessoas em geral compram coisas que sabem que não vão usar? Pq?

Qual o papel da amigas (sociedade) nesse processo?

Você conhece alguém que tem muitas coisas que não usa?

Que coisas essa pessoa tem?

Porque você acha que ela não usa?

Você acha que ela compra mais do que precisa?

Em comparação com as outras pessoas que você conhece, você acha que ela é mais

materialista?

Em que sentido?

O que é ser materialista para você?

Projetiva

Se as coisas que você tem e não usa fossem um:

Cheiro:

Gosto:

Page 274: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

274

Cor:

Lugar:

Idade:

Personalidade:

Música:

Vou lhe contar uma história e gostaria que você tentasse imaginar no maior nível possível de

detalhes o que se passa com os personagens:

Vamos imaginar que estamos numa outra dimensão, num planeta diferente chamado

“GUARDA-ROUPA”.

Como é esse planeta?

O que você vê lá?

Quem são os habitantes desse planeta?

O que eles estão fazendo?

Qual a cor das coisas?

Tem algum cheiro?

Música, som?

Dentro do planeta Guarda-Roupa há dois países: o país das coisas usadas e das coisas não

usadas.

Quem mora no país das roupas usadas?

E das não usadas?

Eles são parecidos? Como

Elas são diferentes? Em que?

Como é a relação entre esses países?

Seus habitantes se dão bem? Há algum tipo de rivalidade?

Quem é mais desenvolvido, rico, mais estudo, etc.?

Em qual dos países tem mais gente?

Page 275: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

275

Vamos para o país das coisas não usadas:

O que é mais comum lá? (em termos de roupas)

Como as pessoas são? (qual o perfil dos habitantes)?

O que elas fazem/estão fazendo?

Tem algum cheiro? Música? Cor?

Qual o futuro delas? Com o que elas sonham?

Imagine que estes países querem se aproximar um do outro. Você foi convidada a criar um

programa de intercâmbio entre esses países, para estimular as trocas entre eles.

Quais regras você estabeleceria para este intercâmbio? (em termos de política de

transferência, número de peças, etc.)

Quem pode ser intercambista?

Quais atividades se pode fazer durante o intercâmbio?

O que faria alguém querer fazer um intercâmbio?

Imagine que um membro do país roupas não usadas foi morar no país das roupas usadas.

O que mudou na vida dele?

Quem são os amigos dele agora?

Como ele está se sentindo?

O que ele está fazendo? Alguma coisa que não fazia antes? Deixou de fazer alguma

coisa?

Já aconteceu de você se arrepender por não ter usado uma roupa que comprou?

Qual roupa?

Porque houve arrependimento?

Isso acontece com frequência?

Me conta sobre a sensação, o que mais preocupa?

Você usa alguma tática pra não se arrepender?

Page 276: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

276

O que você imaginava quando comprou?

(descarte)

Quando uma roupa fica velha?

Como você sabe que ficou velha?

Quais são os sinais da velhice da roupa?

O que fazer com ela depois de velha?

O que você faz com as roupas que não usa mais?

Você doa? Pra quem?

Tem alguma lógica nesse processo de doação? (ex: roupas de marca vão para familiares,

roupas mais usadas para faxineira, etc.)

Vende? Onde? Pra quem?

Troca?

Daqui a 5 anos, como você imagina que será seu guarda-roupas?

Que tipo de roupas você vai TER que ter?

Que roupas você acha que não terá mais?

Explorar “vou usar quando fizer isso, ou eu usava quando fazia aquilo” = explorar significado

deslocado

Page 277: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

277

APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3

INTRODUÇÃO: Apresentação da Pesquisa e do Entrevistado

PARTE 1: Exercício Projetivo

Gostaria que você me ajudasse a completar algumas histórias bem curtas.

1. Hoje é sábado e Maria acordou determinada a arrumar sua casa e se desfazer de tudo que

não usa. Que coisas são essas?

2. Ana olhou para a prateleira e tentou se lembrar porque guardou aquele vidro que tá ali

olhando pra ela...

3. Dora tem uma gaveta que ninguém pode mexer porque...

PARTE 2: Lembranças Espontâneas do Não Uso

Vamos lembrar de coisas que você tem mais não usa. Quais são?

(Você tem coisas que não usa? Quais?) - (Fazer uma lista e ir perguntando para cada uma das

coisas lembradas)

A sua ..... COISA onde fica guardada?

Por que fica exposta? Ou Por que fica dentro do (armário, gaveta, caixa...)?

Você já usou a.....em algum momento?

Quando?

Por quanto tempo?

Por que usou? Ou - Por que não usou?

Por que parou de usar?

Elas já foram usadas em algum momento?

Se sim,

o Quando?

o Por quanto tempo?

o Como era sua vida “útil”?

Page 278: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

278

Se não, por quê?

Por que você comprou? Você se lembra o motivo? Você tinha algum plano sobre o que fazer

com .....(ESSA COISA)?

O que aconteceu pelo caminho. Me conta COMO/PORQUE.....(ESSA COISA) se tornou uma

coisa não usada?

Houve algum momento em que você decidiu que não usaria mais ou as coisas foram deixando

de ser usadas?

Quando você se depara com ...... (ESSA COISA) que não usa ou não usa mais, como se sente?

Você pensa nas coisas que não usa? Em que ocasiões?

Você ala delas? Pra quem? Em que situações?

Você mexe nelas de vez em quando? Como você se sente quando isso acontece? Há algum

momento especial para mexer nelas (final de ano, doações ou outros)?

Alguém mexe nelas? Quando? Como você se sente?

Elas te remetem a algum momento da sua vida (passado) ou fazem parte de um plano (futuro)?

Você acha que alguma coisa (acontecimento) poderia fazer você passar a usar suas coisas não

usadas? O quê?

PARTE 3: Reunindo o Não Uso

Pensando em todas as coisas que você lembrou que tem e que não usa. Você consegue fazer

uma separação entre elas? Acha que elas são todas iguais?

Sim. Qual a diferença entre elas?

Não. Acha que são iguais? Por que? Em que são iguais?

Imagine que você tivesse que escolher apenas uma (das coisas que lembrou que não usa) para

ficar com ela. Qual seria? Por que?

Agora imagine que você fosse obrigada a se desfazer de apenas uma delas. Qual escolheria?

Por que?

Você se arrepende de guardar coisas que não usa? Por que?

Porque você não se desfaz delas?

Page 279: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

279

Pensa em se desfazer? O que te impede?

Como você explica sua relação/ligação com essas coisas (positiva)? Me explica...

(apego, posse, amor, orgulho, etc.)

Qual a diferença entre as suas coisas não usadas e as coisas que você

Doa

Dá de presente

Vende

Joga fora

Se alguém te pede para usar/mexer nas suas coisas não usadas, o que você sente/faz?

Quando você acha que uma coisa passa a ser um “não uso”?

Você acha que algumas pessoas têm mais chance de ter mais coisas não usadas? Que tipo de

pessoas? (explorar acumulação, compulsão, impulsão, etc.) Por quê?

Depois dessa conversa sobre as coisas que não usa você poderia me ajudar a completar as frases

a seguir:

O não uso de objetos é positivo porque...

O não uso de objetos é negativo porque...

As pessoas que têm coisas que não usam são....

As coisas que eu tenho e não uso são...

Se eu pudesse fazer alguma coisa com os objetos que tenho e não uso eu...

PARTE 4: O Contato Com o Não Uso (Buscar Não Usos Não Lembrados)

Você pode me mostrar agora as coisas que você não usa?

(Tirar fotos, muitas e de muitos ângulos, para mostrar onde estão, como ficam armazenados,

com o que estão misturados, como são manipulados, se estão ao alcance, se são visíveis etc.)

Por favor, ao percorrer os espaços da sua casa gostaria que você apontasse objetos que não usa

e que não lembrou no início de nossa conversa (caso apareçam novos objetos com não uso,

refazer o roteiro.

Page 280: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO … · Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu guarda-roupas e me deparo com peças

280

APÊNDICE 4 - EMAIL DE RECRUTAMENTO FASE 1

Olá, meu nome é Nathália Guimarães e estou participando do projeto de pesquisa da professora Caroline

Vanzellotti. Como você já deve estar sabendo, estamos fazendo algumas entrevistas com pessoas que possuem

muitos cosméticos (esmaltes, perfumes ou maquiagem). Gostaria de marcar uma entrevista com você e saber se

continua interessada.

Se possível responda a este email informando os seguintes dados:

Nome:

Idade:

Endereço:

Telefone (casa e cel):

Turma e Sala da faculdade:

Qual o cosmético: