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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO
CAROLINE AGNE VANZELLOTTI
NÃO USO DE BENS:
Conceitos e Procedimentos
RIO DE JANEIRO
2016
CAROLINE AGNE VANZELLOTTI
NÃO USO DE BENS:
Conceitos e Procedimentos
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Coppead de
Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Administração.
Orientadora: Prof. Dra. Leticia Moreira Casotti
Co-Orientador: Prof. Dr. Marcelo Jacques Fonseca
RIO DE JANEIRO
2016
CAROLINE AGNE VANZELLOTTI
NÃO USO DE BENS:
Conceitos e Procedimentos
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto Coppead de Administração, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor
em Administração.
Aprovada por:
_______________________________________________________
Prof. Letícia Casotti, D.Sc. – Orientadora
Presidente da Banca
(COPPEAD/UFRJ)
_______________________________________________________
Prof. Marcelo Fonseca, D.Sc. – Co-Orientador
(UNISINOS)
_______________________________________________________
Profª. Maribel Suzarez, D.Sc.
(COPPEAD/UFRJ)
_______________________________________________________
Prof. Eduardo Ayrosa, D.Sc.
(UNIGRANRIO)
_______________________________________________________
Profª. Ângela da Rocha, D.Sc.
(PUC-RJ)
_______________________________________________________
Profª. Cecília Mattoso, D.Sc.
(ESTÁCIO)
Para Samuel, Antônio, Caio, Mari e Cátia.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meu marido Samuel, que me aguentou pacientemente nesse período de
doutoramento. Que me viu eufórica, chorosa e orgulhosa dessa tese. A meu filho, Antônio, que
me ensinou a ser uma pessoa mais dedica e determinada. A meus pais, Caio e Mari, que com
todo amor e carinho, se desdobraram para me auxiliar a concluir este processo. A minha irmã,
Cátia, pelas leituras, correções, contribuições e ouvido emprestado para muitas lamúrias.
Agradeço a Letícia por ser ela. Por ser uma pessoa completamente fora do comum, que
me acolheu, me orientou, me estimulou e nunca me deixou esmorecer. Obrigada por estar ao
meu lado, obrigada pelo carinho e por acreditar que conseguiríamos. Obrigada pelas correções,
pelos direcionamentos, pelas “visitas” a Porto Alegre e por ser mais que uma orientadora, ser
uma amiga.
Obrigada ao querido Marcelo Fonseca, que surgiu como uma luz no final do processo.
Obrigada pelas conversas, pelas dicas, por compartilhar os anseios de uma doutoranda e por
sempre estar com a mão estendida para mim.
Obrigada as minhas amigas, Giselle, Renata e Viviane, por me estimularem e por me
desculparem pelas ausências imensas.
Obrigada as minhas colegas Marina, Ytauana e Fernanda Borelli, pelo companheirismo,
papos e por me levarem com vocês.
Obrigada a ESPM, por ter me incentivado e estimulado a perseguir o título de doutora,
dando a ele a relevância que merece. Aos colegas queridos que viveram comigo os anos de
estudos, preparação, testes e escrita dessa tese, especialmente a amada colega Roberta Sartori,
que tem sido um ombro amigo e pela correção de última hora. Agradeço em especial, a Marcelo
Guedes, Renê Luiz Goellner e Roberto Salazar, pessoas especiais e gestores incríveis que
muitos contribuem para minha vida pessoal e profissional.
Obrigada ao Coppead, a UFRJ, a Capes e a Cátedra L’Oreal Paris pelo financiamento.
Obrigada aos professores da PUC-Rio, Ângela da Rocha e Luís Fernando Hor-Meyll,
que me receberam como aluna visitante e foram fundamentais para minha formação. Obrigada
a EBAPE – FGV, especialmente a professora Sílvia Vergara, profissional incrível que tive a
honra de ver lecionar.
We work with being,
but non-being is what we use.
Lao Tzu
RESUMO
VANZELLOTTI, Caroline Agne. Não Uso de Bens: Conceitos e Procedimentos. 2016. 278 p.
Tese (Doutorado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
A discussão sobre o não uso de bens e serviços é incipiente em comportamento do consumidor.
A partir de uma pesquisa interpretativista, o presente buscou compreender o não uso do
consumidor. Com vistas a responder a seguinte questão: o que é não uso, adota-se uma
perspectiva cultural do consumo, considerando que os significados culturais são construídos
pela relação sujeito-objeto. A materialidade da cultura é tratada a partir de três caminhos
teóricos: consumo, cultura material e a representação dos objetos nas pesquisas de
comportamento do consumidor. Os métodos empregados nas três fases de coleta de dados foram
a desk research, a netnografia em blogs de maquiagens e cosméticos e, principalmente,
entrevistas em profundidade, com uso de narrativa e história de vida e fotografias da residência
das 35 mulheres entrevistadas. Foi realizado, ainda, um grupo focal, com seis mulheres, que
puderam falar sobre seus não usos. Os resultados trazem uma proposta conceitual para o não
uso, que caracteriza suas propriedades e limites. Apresentam, também, o processo que conduz
ao não uso, a partir da descrição dos caminhos percorridos pelos bens não usados. As razões
para não se desfazer de bens não usados são explicadas, a partir do reconhecimento das funções,
ligações e significados do não uso. Além disso, descreve-se os procedimentos empregados pelas
entrevistadas nos bens não usados. O presente trabalho contribui para elucidar um fenômeno
comum entre os consumidores, mas ainda pouco estudado.
Palavras chave: não uso, cultura do consumo, cultura material, materialidade.
ABSTRACT
VANZELLOTTI, Caroline Agne. Não Uso de Bens: Conceitos e Procedimentos. 2016. 278 p.
Tese (Doutorado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
The discussion on non-use of goods and services is incipient in consumer behavior. From an
interpretative research, the present study sought to understand the non-use of consumers.
Looking to answer the question: what is non use?, it adopts a cultural perspective of
consumption, considering that the cultural meanings are constructed by the subject-object
relation. The materiality of the culture is treated from three theoretical paths: consumption,
material culture and the representation of objects in consumer behavior research. The methods
used in three phases of data collection were desk research, netnography conducted in makeup
and cosmetic blogs and, mainly, in-depth interviews, using narrative and life history and
photographs of the residence of the 35 women interviewed. A focal group was also held, with
six women, who could talk about their non-uses. The results present a conceptual proposal for
non-use, which characterizes its properties and limits. They also present the process that lead
to non-use, from the description of the paths maked by the unused goods. The reasons for not
disposing unused goods are explained through recognizing the functions, connections and
meanings of non-use. In addition, the procedures used by interviewees in unused goods are
described. The present work contributes to elucidate a phenomenon common among
consumers, but still little studied.
Key Words: Non-use, consumer culture, material culture, materiality.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Esquema Gráfico das Contribuições Iniciais do Campo de Conhecimento ............ 21
Figura 2 - Abordagens Teóricas da Cultura Material. ............................................................. 31
Figura 3 - Processo Psicológico de Disposição de Bens .......................................................... 72
Figura 5 – Taxonomia de Decisão sobre a Disposição de Objetos .......................................... 76
Figura 5 – Quarto Jo, 21 ......................................................................................................... 134
Figura 6 – Quarto Cal, 20 ....................................................................................................... 135
Figura 7 – O Conceito de Não Uso. ....................................................................................... 149
Figura 8 – Processo de Não Uso ............................................................................................. 156
Figura 9 – Etapas da Aquisição .............................................................................................. 165
Figura 10 – Armário de Cela .................................................................................................. 188
Figura 11 – Não Usos de Dora ............................................................................................... 189
Figura 12 – Sombras não usadas de Mara. ............................................................................. 190
Figura 13 – Esteira não usada de Ruth. .................................................................................. 192
Figura 14 – Os excessos de Ju. ............................................................................................... 193
Figura 15 – Os excessos de Jo. ............................................................................................... 194
Figura 16 – Continuum do Não Uso. ...................................................................................... 197
Figura 17 – Não Usos Guardados de Mana - Sapatos ............................................................ 217
Figura 18 – Não Usos Guardados de Mana – Roupas e Bolsas ............................................. 218
Figura 19 – Não Usos Guardados de Ruth - Fondues ............................................................ 219
Figura 20 – Não Usos Guardados de Tata .............................................................................. 220
Figura 21 – Não Usos Escondidos de Lia .............................................................................. 221
Figura 22 – Não Usos Escondidos de Cica ............................................................................ 222
Figura 23 – Cantinhos da bagunça ......................................................................................... 225
Figura 24 – A “gaiola” de Val ................................................................................................ 226
Figura 25 – Emoção ao reencontrar a Barbie escondida. ....................................................... 227
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Características da Abordagem Cultural................................................................... 39
Quadro 2 – Característcas do Apego às Posses ........................................................................ 50
Quadro 3 – Fontes de Criação de Significado Através da Posse de Bens ................................ 61
Quadro 4 – Tipo de Apego a Posses ......................................................................................... 67
Quadro 5 – Motivações para Manter Bens ............................................................................... 81
Quadro 6 – Correlação entre motivos e razões para não uso.................................................. 116
Quadro 7 – Fases da Coleta de Dados .................................................................................... 127
Quadro 8 – Perfil das Entrevistadas Fase 1 ............................................................................ 133
Quadro 9 – Perfil das Entrevistadas Fase 2 ............................................................................ 137
Quadro 10 – Perfil das Entrevistadas Grupo Focal ................................................................ 139
Quadro 11 – Perfil das Entrevistadas Fase 3 .......................................................................... 140
Quadro 12 – Objetos Não Usados .......................................................................................... 151
Quadro 13 - Características do Não Uso ................................................................................ 154
Quadro 14 – Fatores que levam ao não uso ............................................................................ 177
Quadro 15 - Características do Reconhecimento do Não Uso. .............................................. 209
Quadro 16 – Não Usos Singulares e Comuns......................................................................... 210
Quadro 17- Procedimentos do Não Uso. ................................................................................ 215
Quadro 18 – Principais Achados do Trabalho ........................................................................ 234
Quadro 19 – Comparação de Conceitos ................................................................................. 242
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 14
1.1 Objetivos ......................................................................................................... 20
2 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DE CONHECIMENTO ...................................... 21
2.1 Consumo ......................................................................................................... 22
2.2 Cultura Material .............................................................................................. 27
2.2.1 Abordagem Crítica Marxista .................................................................... 32
2.2.2 Abordagem Estruturalista Semiótica ........................................................ 34
2.2.3 Abordagem Cultural ................................................................................. 36
2.3 Objetos nas Pesquisas em Comportamento do Consumidor .......................... 45
2.3.1 Apego às posses ........................................................................................ 49
2.3.1 Significados (Tipos/Valor) do Apego ........................................................ 58
2.3.2 Desapego e Descarte ................................................................................ 70
2.3.1 Manter, Guardar e Acumular ................................................................... 78
2.3.1 Coleção ..................................................................................................... 83
2.3.1 Abandono .................................................................................................. 87
2.3.2 O Lado Obscuro do Consumo ................................................................... 89
2.4 Não Uso ........................................................................................................ 107
3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ......................................................................... 119
3.1 Posicionamento Paradigmático ..................................................................... 119
3.1.1 Vertente de Pesquisa ............................................................................... 121
3.1.2 Consumer Culture Theory ....................................................................... 125
3.2 Estratégias de Pesquisa ................................................................................. 127
3.2.1 Fase 1: Conhecendo o Não Uso ............................................................. 127
3.2.1 Fase 2: Ampliando o campo ................................................................... 136
3.2.2 Fase 3: Delimitando o Não Uso ............................................................. 138
3.3 Análise dos Dados ........................................................................................ 141
4 ACHADOS DO CAMPO ............................................................................................ 143
4.1 Construção do Conceito de Não Uso ............................................................ 143
4.1.1 A Materialidade das Posses Não Usadas ............................................... 150
4.1.2 O Não Uso A Partir Da História De Bibi ............................................... 152
4.1.3 Delimitações A Partir Das Características Do Não Uso ....................... 154
4.2 Caminhos Percorridos pelos objetos não usados .......................................... 155
4.2.1 Pré-Aquisição .......................................................................................... 157
4.2.2 Aquisição ................................................................................................. 162
4.2.3 Consumo .................................................................................................. 176
4.3 Reconhecimento do Não Uso ....................................................................... 201
4.3.1 Funções do Não Uso ............................................................................... 202
4.3.2 Reconhecimento do tipo de ligação com posses não usadas .................. 205
4.4 Procedimentos empregados nos objetos não usados. .................................... 215
5 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO FINAL ............................................................... 229
5.1 Revisitando Objetivos e a Trilhas Percorridas .............................................. 229
5.2 Principais Achados do Trabalho ................................................................... 233
5.3 Contribuições Teóricas ................................................................................. 240
5.4 Sugestões de Estudos Futuros Limitações do Estudo Presente .................... 243
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 244
APÊNDICE 1 - ROTEIRO FASE 1 .................................................................................... 265
APÊNDICE 2 - ROTEIRO FASE 2 .................................................................................... 268
APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3 ................................................................................... 276
APÊNDICE 4 - Email de Recrutamento Fase 1 ................................................................ 279
14
1 INTRODUÇÃO
O consumo é um fato na sociedade contemporânea. Acumulamos ao longo dos anos
objetos e bens que nos ajudam a contar um pouco da nossa história pessoal. A cultura material
e a posse de bens vêm sendo estudada por diferentes campos do conhecimento (DOUGLAS;
ISHERWOOD, 2013; DOUGLAS, 2007; MILLER, 2010), tendo em perspectiva, que guardar
e acumular coisas são parte da condição humana e está relacionado com nossos instintos de
preservação e caça (CHERRIER E PONNOR, 2010). Inevitavelmente, compramos coisas que
precisamos; que desejamos; que não precisamos, mas desejamos; coisas que usamos e coisas
que não usamos.
Por que guardamos coisas e não nos desfazemos delas? Por que, às vezes, eu abro meu
guarda-roupas e me deparo com peças nunca usadas ou usadas apenas uma vez? Qual a
justificativa para manter produtos de beleza e higiene, como esmaltes, maquiagens, cremes ou
perfumes, que ficam guardados no fundo das gavetas e armários? Será possível explicar por
que olha para minha prateleira cheia de temperos culinários nunca abertos e (sempre) penso que
deveria usá-los com maior frequência?
Chamamos todos esses comportamentos de não uso. Não usar coisas que se tem parece
ser um fato corriqueiro, comum a diversos consumidores. No entanto, poucos estudos são
encontrados sobre coisas não usadas em nossa área de conhecimento (BOWER; SPROTT,
1995; TROCCHIA; JANDA, 2002). Os poucos existentes focam-se em descrever a
racionalidade por trás do não uso de bens, considerando-o uma consequência da falta de
planejamento de compra. Nenhum deles visa, portanto, compreender o significado dos bens que
temos e não usamos.
A curiosidade sobre o não uso surgiu quando desenvolvi minha dissertação de mestrado.
Naquele momento percebi que os entrevistados diziam comprar cosméticos anti-sinais pela
esperança de que esses produtos fossem mantê-los jovens por mais tempo (VANZELLOTTI,
2007). Havia, contudo, uma dimensão nova, que eu não esperava encontrar, nesse processo de
criação e manutenção da esperança: os produtos comprados nem sempre eram usados. Pelo
15
relato das entrevistadas o fato de ter o produto em seu armário já construía, por si só, uma ponte
para o eu idealizado da juventude eterna (ou prolongada).
As justificativas para que não usar os produtos eram vagas, mas, ao mesmo tempo,
pareciam ligar-se às dificuldades em incorporar os processos de uso desses cosméticos nos
hábitos que faziam parte de suas rotinas diárias. A pesquisa de Casotti, Suarez e Campos (2008),
que buscou compreender os itinerários do consumo de produtos de beleza de mulheres de classe
afluente, já sugeria a existência de um “cemitério” de produtos nos armários femininos, ou seja,
produtos não descartados que nunca haviam sido usados. Nessa pesquisa, as entrevistadas
justificam o não uso e o não descarte de diferentes maneiras, tais como, dificuldade de
incorporar o uso de produtos à sua rotina, falta de tempo e lembranças do passado.
Passei a pensar no universo de coisas as pessoas compram e não usam em suas vidas.
Usei minha família como objeto de observação inicial, pois a quantidade de coisas que meus
pais possuem dentro de casa é impressionante. Minha mãe me relatou que a decisão de morar
em uma casa, ao invés de um apartamento, se devia ao espaço disponível para guardar objetos,
armazenar lembranças e estocar produtos, que ela acredita poder ser útil no futuro a alguém da
família. Sua história sobre como tais objetos foram sendo armazenados me lembrou a história
de Lois Roget, uma das informantes de McCracken (2003). Assim como Lois Roget, muitos
bens mantidos por minha mãe não foram comprados, mas herdados ou ganhos. Todos aqueles
itens que nunca a vi usar pareciam ajudá-la a manter sua identidade, lembrá-la de onde ela vem
e quem foram seus antepassados. Serviam para contar a história de sua vida, recordando fases
e eventos passados e resguardando a família para o futuro, pois, segundo ela “quem guarda
sempre tem”.
Percebi que o processo de não uso poderia ser mais complexo do que inicialmente
imaginei, pois havia peculiaridades que não poderiam ser explicadas em uma análise
superficial. As primeiras questões que levantei sobre o não uso foram: porque as pessoas
compram coisas que não usam? Porque não jogam fora, doam ou vendem coisas que não usam
mais (ou nunca usaram)? O que representam essas “coisas” que ficam expostas, mas não são
usadas ou aquelas que ficam lá... em cantos ou gavetas, fundos de armários, sótãos, depósitos,
bem em cima ou bem em baixo, onde são “esquecidos”? Quais os significados desses bens e
dessas práticas para os consumidores? O tema central deste projeto de tese surgiu a partir deste
questionamento: o que leva as pessoas a possuírem bens que não usam?
No campo de estudos do consumo têm-se buscado compreender como as pessoas
escolhem e usam seus bens, colocando-os em suas vidas e atribuindo a eles significados que
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podem tirá-los do status de meras commodities (EPP; PRICE, 2010; BORGERSON, 2005;
BELK, WALLENDORF; SHERRY, 1989). As escolhas dos consumidores, suas experiências
e seus produtos são compreendidas como capazes de criar de identidade (VALENTINE;
GORDON, 2000), emancipar (KOZINETS, 2002) e transformar o self (AHUVIA, 2005;
BELK, 1988). Além disso, posses têm a capacidade de comunicar aos outros o autoconceito do
sujeito e transmitir status (ARNOULD; PRICE, 1993). Os processos e os significados do uso
de bens e serviços vêm sendo analisados sob a ótica da criação de significado cultural há pelo
menos 30 anos, representando as relações dinâmicas entre as ações dos consumidores, o
mercado e os significados culturais (ARNOULD; THOMPSON, 2005a). Contudo, a
compreensão dos objetos não usados pelos consumidores ainda requer estudos mais
aprofundados.
O não uso é abordado na literatura de comportamento em apenas dois trabalhos: um
publicado Journal of Consumer Marketing, em 2002, por Phillip Trocchia e Swinder Janda,
ambos da Kansas State University; e o outro publicado por Amanda Bower e David Sprott, da
University of South Carolina no Advances in Consumer Research no ano de 1993. Os dois
estudos possuem uma abordagem tradicional de pesquisa, pressupondo a racionalidade do
consumidor e abordando o fenômeno a partir de procedimentos metodológicos hipotético-
dedutivos (VERGARA, 2009). Nestes estudos, o não uso é entendido a partir de sinônimos
como: unused products, non-usage, non-used, neglected objetcs, under-consume, nerver used
at all, never utilized or consumed, under-utilized, purchased itens that are not consumed,
wasteful purchase, haphazard consumer purchase, entre outros. Seus pressupostos principais
partem do não uso como consequência da compra não planejada ou mal planejada. Os autores
elencam razões para o não uso considerando fatores do ambiente, fatores decisórios (BOWER;
SPROUT, 1993), baixo custo, reposição de itens de consumo regular, impulsividade, compra
insatisfatórias e necessidade de auto-desenvolvimento (TROCCHIA; JANDA, 2002).
Nestas pesquisas, o processo de tomada de decisão é apresentado como um antecedente
do não uso, no qual há dois níveis de decisão, separadas por ocorrerem em momentos distintos:
a decisão de compra e a decisão de consumo. Eles representam práticas ligadas a problemas ou
dificuldades na compra, ou a compras que não deram certo. Imagine, por exemplo, quando você
pede uma refeição em um restaurante e está decidido a comer ali mesmo, naquele momento.
Decisão de compra e consumo são simultâneas, neste caso. Agora, imagine que você decide
comprar um alimento no supermercado para ser preparado em casa. Essa decisão envolve dois
momentos separados no tempo e no espaço (BOWER; SPROTT, 1994).
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Pela descrição de Bower e Sprout (1994) o não uso parecia ser um fenômeno
relativamente simples de ser compreendido. Assim, fui a campo logo no primeiro ano de
doutorado, baseada nessa abordagem causal, segundo a qual o não uso ocorre por problemas na
compra. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com uma complexidade fantástica em
relação ao não uso dos consumidores. Havia muito pouco de racionalidade nas histórias de
minhas informantes. Suas razões para não usar eram tão variadas e tão diferentes do que aqueles
autores afirmavam, que não seria possível usar técnicas dedutivas para interpretá-las.
Foram necessárias mais duas rodadas de coleta de dados e muitas horas de análise para
tentar descrever o que encontrei no campo: um fenômeno envolvente, comum e complexo.
Havia tantas fronteiras com conceitos próximos, que pensei que o não uso fosse, talvez, uma
bricolagem de outros conceitos. Contudo, havia também características únicas e originais nesse
tipo de comportamento dos consumidores. As abordagens feitas até então sobre o não uso
haviam desconsiderado as múltiplas possibilidades existentes entre possuir, manter e usar um
bem, descontextualizando o consumidor e o próprio objeto não usado. Os significados do não
uso estavam camuflados, ocultos em diferentes procedimentos de consumo.
Ao considerar o consumo de forma abrangente, como um processo que poderia conduzir
ao não uso, pude descrevê-lo e interpretá-lo. Percebi as causas, os significados e processos que
levam objetos a serem não usados, buscando que esse entendimento contribuísse para avançar
as pesquisas e estudos de consumo. Consideramos, eu e minha orientadora, o tema relevante,
especialmente para ampliar a compreensão das relações do consumidor com (seu) o mundo
culturalmente constituído. Ao tratar de questões cotidianas, como, por exemplo, comprar
comida, guardá-la no armário ou na geladeira e depois de um tempo ver-se obrigado a jogá-la
no lixo, pois estava vencida ou estragada, nos aproximamos das propostas de Miller (2010)
sobre o entendimento do consumo. Para esse autor é preciso ter uma lente de aumento para as
práticas de consumo realizadas no âmbito doméstico, na casa das pessoas.
Com essa premissa em mente desenhamos uma pesquisa que contemplasse casos
variados de não uso, que, possivelmente, boa parte das pessoas já vivenciou. Frente a essas
questões, o problema de pesquisa desta tese é definido com a seguinte questão: o que é não
uso? Para responder esta pergunta foram definidos pressupostos sobre a natureza dos
fenômenos (ontologia), a natureza do conhecimento sobre estes fenômenos (epistemologia) e a
natureza das formas de estudar (metodologia) esses fenômenos (BURREL; MORGAN, 1979).
O pressuposto ontológico desse trabalho, ou o entendimento do que é a realidade, está
baseado na fenomenologia (HESSEN, 1999), segundo o qual o conhecimento é válido a partir
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dos dados oriundos da experiência (FREITAS, 2002). A premissa epistemológica deste estudo
é interpretativista (BURREL; MORGAN, 1979; GUBA; LINCOLN, 1994; CASOTTI, 1999),
ou seja, centra-se na ideia de que não existe uma única realidade, mas existências múltiplas e
dinâmicas. Nesta perspectiva, os indivíduos criam sentidos e interagem ativamente a partir de
suas relações com o mundo de forma a moldar seu ambiente (HIRSCHMAN, 1986; HUDSON;
OZANNE, 1988).
Este é um estudo sobre consumo dentro de uma abordagem cultural, seguindo a vertente
teórica e metodológica da Consumer Culture Theory (CCT), que encoraja a investigação de
aspectos do contexto, simbólicos e experimentais inseridos num ciclo que inclui processos de
aquisição, consumo, posse e disposição, bem como a análise desses fenômenos a partir de
perspectivas teóricas macro, meso e micro (ARNOULD; THOMPSON, 2005a). Aqui se adota
a escala micro social (BADOT et al., 2009; STAKE, 2011) para investigação do fenômeno do
não uso, buscando compreender o sujeito e sua relação com os objetos que possui (MILLER,
1987, BORGERSON, 2005).
Dada a complexidade do não uso, o caminho metodológico percorrido por esta pesquisa
partiu da lógica indutiva, ou seja, observou o mundo particular dos sujeitos, para então criar
proposições acerca de seus comportamentos (HOPKINSON; HOGG, 2006). A partir dessa
observação buscamos o entendimento de condutas situadas no tempo e no espaço, ligadas aos
contextos sociais e culturais (BELK, 1995). Esta lógica permitiu que os dados contassem a sua
própria história. A literatura foi usada, nesse sentido, não como um guia fixo que direcionou o
campo, mas como uma ferramenta para compreensão dos padrões e categorias encontrados nas
pesquisas (MOISANDER, VALTONEN, 2006). Visando a construção da teoria pela indução,
e não pelo método lógico-dedutivo tradicional em pesquisas qualitativas e quantitativas
(CHARMAZ, 2009), empregamos grande flexibilidade na aplicação dos métodos, tal como
prevê Charmaz (2009) ao declarar que os métodos “podem completar outras abordagens da
análise de dados qualitativos” (CHARMAZ, 2009, p.24).
Apesar de guiar-se pela indução, este trabalho considera a opinião de Moisander e
Valtonen (2006), que indicam que a lógica indutiva pura pode impelir o pesquisador ao uso de
interpretações baseadas no senso comum. Buscou-se então associar a abordagem indutiva e as
recomendações de Moisander e Valtonen (2006), o que resultou numa revisão da literatura
sobre as principais contribuições teóricas do campo de conhecimento que serviram como ponto
de partida para a pesquisa e a análise dos dados. Consumo, cultura material e pesquisas sobre
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uso de objetos em comportamento do consumidor foram visitadas, tendo como fio condutor a
relação sujeito-objeto.
Para entender o não uso, percorremos caminhos teóricos que partiram do entendimento
do consumo como elemento da cultura, e passaram pela construção de significados através do
consumo. Sob a lógica da materialidade, ou seja, da articulação de vários entendimentos sobre
a inter-relação entre sujeitos e a formação de objetos (BORGERSON, 2005),são apresentados
e definidos os conceitos de cultura material (MILLER, 1987), posse (BELK, 1988), apego
(KLEINE; BAKER, 2004), descarte e desapego (YOUNG; WALLENDORF, 1989; ROSTER,
2001), manter, guardar e acumular bens (GUILLARD; PINSON, 2012), coleção (BELK, 1995;
2001), abandono (SUAREZ, CHAUVEL, CASOTTI, 2012b) e os aspectos obscuros do
consumo (MICK, 1996), como materialismo (FROMM, 1987; GER; BELK, 1999), compras
compulsivas (O’GUINN; FABER, 1989; O’GUINN; FABER, 2005), impulsivas (ROOK,
1987; ROOK; FISHER, 1995) e acumulação compulsiva (CHERRIER; PONNOR, 2010;
HAWS et al., 2012). Ao final da seção teórica, mostramos os trabalhos já realizados sobre não
uso, por Bower e Sprout (1995) e Trocchia e Janda (2002).
Após aprofundar a compreensão da relação sujeito-objeto na literatura, apresentamos a
estratégia metodológica no capítulo três. Lá fazemos a defesa do posicionamento paradigmático
da pesquisa, identificando a vertente interpretativa e qualitativa como eixo central da pesquisa.
Em seguida, descrevemos as estratégias de pesquisa, expondo passo a passo da pesquisa de
campo, realizada em três fases distintas, que reuniram dados secundários, visitas a blogs, 35
entrevistas em profundidade, um grupo focal e diversas anotações em diários de campo. A
análise de dados baseada em conteúdo, com a definição de categorias tanto a priori quanto a
posteriori, é descrita no término do capítulo metodológico.
Os achados do campo relatam a interpretação feita, a partir da literatura visitada e dos
dados coletados. Nesse quarto capítulo apresentamos quatro categorias, que esclarecem: (1) o
conceito de não uso, caracterizando suas propriedades e limites; (2) os caminhos percorridos
por objetos não usados relatados pelas pesquisadas, que delineiam o processo que deságua no
não uso; (3) o reconhecimento de objetos possuídos como não usados, a partir da distinção de
suas funções, tipos de ligações e significados; e (4) os procedimentos empregados pelas
entrevistadas nos objetos não usados. Com isso, comentamos e discutimos no capítulo cinco,
as trilhas da pesquisa, os principais achados do campo e as contribuições teóricas propostas pela
tese. Ao final, sugerimos novas pesquisas, baseadas nas limitações encontradas aqui.
A seguir apresentamos os objetivos geral e específicos deste estudo.
20
1.1 Objetivos
O foco desta pesquisa está em entender o que é o não uso, assumindo para isso uma
postura indutiva operacionalizada pela pesquisa interpretativa do consumo, com uma
abordagem cultura. Desta forma, o objetivo principal do trabalho é compreender o não uso do
consumidor, com uma perspectiva abrangente na qual se busca a compreensão dos
significados, já que o tema foi parcialmente abordado tendo sido negligenciado em termos de
seu contexto cultural.
Declaramos, assim, os seguintes objetivos específicos:
a) Caracterizar o não uso.
b) Analisar os caminhos percorridos pelos objetos que se tornaram não usados.
c) Compreender as razões para manter objetos não usados.
d) Identificar os procedimentos empregados nos objetos não usados.
No próximo capítulo apresentamos as principais contribuições do campo de
conhecimento, que dão luz aos caminhos teóricos preliminarmente adotados.
21
2 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DE CONHECIMENTO
Os estudos sobre não uso ainda são incipientes na área de marketing (TROCCHIA;
JANDA, 2002) e pouco se compreende sobre sua representação, seus significados e os
processos envolvidos na transformação de um objeto em não usado. A fim de ampliar a
compreensão do fenômeno, percorreram-se trilhas teóricas resume graficamente a Figura 1.
Figura 1 - Esquema Gráfico das Contribuições Iniciais do Campo de Conhecimento
Fonte: da autora.
22
Macro teorias de consumo e cultura material são visitadas com vistas a aprofundar o
entendimento da relação sujeito-objeto. Esse relacionamento é o eixo teórico da tese e, a partir
dele, são investigadas as contribuições teóricas de campos do conhecimento como antropologia,
sociologia, filosofia, marketing e comportamento do consumidor. Nessa perspectiva relacional
são apresentadas as abordagens da cultura material, elucidando suas diferentes perspectivas.
As contribuições meso e micro teóricas são expostas sob o ponto de vista do consumo,
quando se analisam como os objetos são tratados nas pesquisas de comportamento do
consumidor. Para isso, o trabalho mergulha nas descrições e definições sobre posses, apego,
desapego, descarte, manutenção de bens, coleção e abandono. Os aspectos negativos da relação
sujeito-objeto são abordados, segundo o materialismo, o consumismo, a compra compulsiva e
impulsiva e a acumulação compulsiva. Ao final deste segundo capítulo apontam-se as
considerações de pesquisas já realizadas sobre os não uso.
2.1 Consumo
O consumo é compreendido como uma dimensão da cultura (MILLER, 1987; BELK,
1995; ARNOULD; THOMPSON, 2005). Entendido como um processo, é através dele que os
consumidores materializam, objetificam e comunicam os valores e significados que são
importantes para si (ROSTER, 2014). Buscando conceituar o consumo, Douglas e Isherwood
(2013) indicam que não é possível analisá-lo sob a perspectiva de um ser humano individual.
Sozinho, ele está despido de sua humanidade e não serve como base conceitual para se fazer
um retrato da sociedade, já que nenhum ser humano existe, senão fixado na cultura de sua época
e lugar. Desta forma, consumir é trocar e criar laços sociais e, ao mesmo tempo, indicar
diferenciações sociais. Os autores defendem que as decisões de consumo são fonte vital da
cultura, sendo que “a função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido”
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 106) ao mundo. Nesta passagem de sua obra, deixam
claro que seu entendimento sobre o consumo:
As pessoas criadas numa cultura particular a veem mudar durante suas vidas: novas
palavras, novas ideias e maneiras. A cultura evolui e as pessoas desempenham um
papel na mudança. O consumo é a própria arena em que a cultura é o objeto de lutas
que lhe conferem forma (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 100-101).
23
A teoria social vêm destacando o consumo como central na forma como o mundo social
é construído (Elliott, 1997; Miller, 2005), pois atua como uma peça chave ao fornecer
significado a vida. Para Elliot (1997) o consumo por ser conceituado a partir de perspectivas
culturais, sociais e psicológicas, como sendo o primeiro espaço de negociação de temas
conflitantes de liberdade e controle. Para Desjeux (2011) o consumo é visto como parte de um
sistema de ação, que se inicia com a produção dos bens e serviços pelas empresas, passa pela
distribuição em lugares próprios para aquisição, vai para o uso doméstico, no espaço da moradia
(casa) e prossegue para o descarte ou reciclagem. Para o autor, o consumo, no sentido estrito,
pode se limitar tanto “ao uso e ao ‘consumo’ dos objetos no espaço privado” (DESJEUX, 2011,
p. 113), quanto no momento da compra e da despesa.
Miller (1987) afirma que o consumo deve ser compreendido como um processo pelo
qual objetos são apropriados e tornados significativos. Nas palavras do autor, “como atividade,
o consumo pode ser definido como aquele que transfere o objeto de uma condição alienável, ou
seja, a de ser um símbolo de estranhamento e valor monetário, para a de ser um artefato
investido de conotações particulares e inseparáveis” (MILLER, 1987, p. 190). Miller (1987)
traz uma abordagem que conversa com os estudos ligados a Consumer Culture Theory
(ARNOULD; THOMPSON, 2005a; ARNOULD; THOMPSON, 2005b; ARNOULD;
THOMPSON, 2007; GOPALDAS, 2010; JOY; LI, 2012; OZANNE; DOBSCHA, 2006;
ÖZÇAG˘LAR-TOULOUSE; COVA, 2010), ao afirmar que as atividades de consumo não
podem ser entendidas através de uma observação estreita, analisando-se apenas o que acontece
com um objeto específico depois de comprado.
O entendimento do consumo deve incluir uma construção mais geral dos ambientes
culturais, que fornecem significado social aos objetos e os instrumentos empregados nas
transformações individuais. Por atividade, Miller (1987) compreende o tempo de posse do
objeto, a representação de um contexto específico, como um presente ou uma recordação ou,
ainda, a incorporação do estilo de seu proprietário. O objeto é transformado por sua associação
íntima com um indivíduo em particular ou por um grupo social, ou ainda pela relação entre eles.
Miller (2007) advoga que consumir não é apenas comprar coisas. Belk (1982) segue na
mesma linha, quando propõe que comprar é apenas uma das diversas formas de adquirir objetos
e experiências. Além de comprar o bem ou serviço é possível criar, vender, dar de presente,
alugar, emprestar ou roubar. Da mesma forma, o consumo é apenas uma das várias razões para
a aquisição. Possuir e coletar coisas são os dois objetivos principais que transcendem os atos
de compra e consumo (BELK, 1982). É no ato de consumir que o indivíduo interage com o
24
produto, percebe seus benefícios e tem experiências que vão transformar tanto o conceito inicial
incorporado àquele produto, quanto sua representação social. Desta forma, as experiências
vivenciadas com o uso são influenciadas pela cultura, na qual produto e sujeito estão inserido,
assim como próprios desejos, sonhos e fantasias do usuário (HOLBROOK; HIRSCHMAN,
1982).
Consumir envolve uma apropriação altamente produtiva e criativa dos bens comprados,
que se transformam com o passar do tempo. As práticas dedicadas a estas transformações
materiais permitiram a criação de grupos sociais, que se organizam em função da manipulação,
posse e manutenção dos bens materiais. No argumento de Miller (1987; 2007), o consumo
permite um retorno dos bens à criação de especificidades e singularidades por meio de relações,
a medida em que os retira das condições anônimas e alienadas de sua produção. A teorização
sobre o consumo significa um retorno à materialidade, pois
se a teoria deveria ter algum uso substantivo, este sugeria que havia muitas maneiras
diferentes pelas quais o consumo poderia se manifestar enquanto produção de grupos
sociais, e que esses tinham de ser examinados cada um de seu jeito (MILLER, 2007,
p. 48).
O processo de consumo é visto, então, por Miller (1987) como uma apropriação
culturalmente significativa contrária à proposta da alienação marxista, assim como por Barbosa
e Campbell (2006). Para Miller (1987; 2001; 2005; 2007; 2010) o consumo é capaz de criar
novos significados para as relações sociais. O autor compreende a sociedade em termos
relacionais, insistindo que relações sociais são sempre relações culturais. Nesse sentido, a noção
de que somos sujeitos sociais, culturais e históricos ajuda a compreender que nossa identidade
não é individual e estática, mas processual, formada por uma série de eventos sociais que
formam e são formados pela cultura, num claro processo dialético.
Essa dialética deve ser adotada também pelos estudos da relação das pessoas com os
bens materiais que as cercam, o que, para Miller (1987) é fundamental, pois os bens fazem parte
desta cultura. Segundo Miller (1987; 2010), a maneira como o consumo está inserido na cultura
contemporânea - um processo no qual os objetos são sempre parte constituinte - não permite
um retorno aos estudos de indivíduos ou de objetos isoladamente. A fim de compreender a
cultura dos tempos atuais é necessário tomar os objetos que estão no dia a dia das pessoas,
normalmente considerados triviais, e analisá-los sob as lentes acadêmicas.
Para McCracken (2003, p. 11) o consumo é entendido como “os processos pelos quais
os bens e os serviços de consumo são criados, comprados e usados”. Adotando tal conceituação
McCracken (2003) apresenta uma abordagem ampla do termo, misturando produção, compra
25
consumo e descarte num único e amplo conceito. Diferentemente da ênfase dada
tradicionalmente ao ato da compra, o autor incorpora o desenvolvimento do produto, que
necessariamente antecede a compra em si; e o uso do produto, que deve seguir-se a compra.
“Cultura e consumo têm uma relação sem precedentes no mundo moderno” (MCCRACKEN,
2003, p. 11), sendo que em nenhum outro momento da história da humanidade houve uma
relação de mutualidade tão intensa entre estes elementos, nem mesmo tão complicada. O
consumo é visto pelo autor como totalmente cultural, tendo sido
moldado, dirigido e constrangido em todos os seus aspectos por considerações
culturais. O sistema de design e produção que cria os bens de consumo é uma
empreitada inteiramente cultural. Os bens de consumo nos quais o consumidor
desperdiça tempo, atenção e renda são carregados de significado cultural. Os
consumidores utilizam esse significado com propósitos totalmente culturais. Usam o
significado dos bens de consumo para expressar categorias e princípios culturais,
cultivar ideais, criar e sustentar estilos de vida, construir noções de si e criar (e
sobreviver a) mudanças sociais. O consumo possui um caráter completamente cultural
(MCCRACKEN, 2003, p. 11).
Se o consumo é cultural, McCracken (2003) defende que a cultura contemporânea
depende do consumo, tendo nele um instrumento chave para sua reprodução e representação.
A realidade social tem parte importante de sua estrutura apoiada no significado dos bens de
consumo e na criação deste significado, efetivada pelos processos de consumo, que
continuamente moldam, transformam e dão vida ao universo da cultura.
Slater (2002) concorda com esta abordagem ao afirmar que a cultura do consumo é parte
da trama da vida social, contribuindo de maneira definitiva para construção das formas de
pensar, das preocupações e dos modos de viver que caracterizam a sociedade ocidental
moderna. O entendimento da cultura do consumo, para Slater (2002), parte do esclarecimento
do conceito de necessidade, que, dependendo da lente usada, pode ser compreendido como
autônomo, libertador ou alienante. Os argumentos a favor da alienação, em geral, reduzem a
vida social ao materialismo e a busca de felicidade através da posse de bens materiais. No
entanto, Slater (2002) argumenta que a cultura do consumo é tão central no cotidiano das
sociedades, que é responsável por articular a forma como as pessoas devem e querem viver,
estruturando o material e o simbólico dos lugares onde se vive, e os modos de viver nestes
lugares; os alimentos comidos; as roupas usadas e as atividades praticadas (ou não). Os objetos
do consumo, desde os mais triviais até os especiais, colaboram nesse processo estruturante “de
uma vida significativa quanto vinculam esse mundo íntimo e mundano aos grandes campos da
contestação social” (SLATER, 2002, p. 13). A cultura do consumo é então definida como
mundana, pois é responsável por ligar os indivíduos ao “campo da ética, da identidade e da
natureza do eu” (SLATER, 2002, p. 14).
26
Assim como McCracken (2003), Miller (1987; 2005; 2010; 2013) e Douglas e
Isherwood (2013), Slater (2002) afirma que não há precedentes na história da humanidade de
uma sociedade organizada e descrita em termos dos valores relacionados ao consumo. Isso
implica que, ao referir-se a sociedade moderna como uma cultura do consumo, está se falando
não somente de determinados tipos de necessidades e objetos, mas especificamente a uma
cultura relativa ao consumo, a suas nuances e consequências (SLATER, 2002). Deve-se
considerar que os valores dominantes de uma sociedade como essa não são somente
organizados pelas práticas de consumo, como também são derivados delas (SLATER, 2002;
CAMPBELL, 2005).
Uma das implicações lógicas desse processo é julgar a sociedade contemporânea como
materialista (MILLER, 2005; CAMPBELL, 2006), detentora de uma “cultura pecuniária
baseada no dinheiro, preocupada em ter em detrimento de ser, como uma sociedade
transformada em mercadoria, hedonista, narcisista ou, mais positivamente, como uma
sociedade de escolhas e de soberania do consumidor” (SLATER, 2002, p. 32). Contudo, a
cultura do consumo trata, sobretudo, da negociação de status e identidade, compreendida como
a prática e a comunicação da posição social (CAMPBELL, 2006). Outro ponto importante que
Slater (2002) destaca como característico da cultura de consumo é que os valores derivados
dela são incorporados ao modo como a sociedade é como um todo, não se limitando as esferas
do consumo. Nesse sentido, destaca-se que a perspectiva da cultura do consumo parte de uma
ideia fundamental: “o consumo é uma atividade significativa” (SLATER, 2002, p. 130).
A afirmação de Slater (2002) indica que as pessoas compreendem sua relação com os
objetos e coisas do mundo, o que o autor chama de necessidades, e as organizam em termos de
projetos e metas, convenções, normas sociais e conceitos inerentes ao ser humano e viver em
sociedade. Slater (2002) afirma ainda que todo consumo é cultural o que traz várias
consequências. A primeira delas é que todo consumo é cultural justamente por sempre envolver
significado, ou seja, quando o indivíduo sente uma necessidade e quer atende-la, ele precisa ser
capaz de interpretar sensações, experiências e situações, além de dar sentido aos vários objetos,
recursos e ações que poderiam ajudá-lo nessa empreitada. Por exemplo, para que um objeto
seja considerado “comida” é necessário que passe pela “peneira cultural” que separa o
“comestível” do “não comestível”, e cogita as práticas culturais de transformação possíveis,
tais como seleção, preparo, cozimento etc. (SLATER, 2002, p. 131).
27
A segunda consequência identificada por Slater (2002, p. 131) aponta que o consumo é
cultural porque “os significados envolvidos são necessariamente significados compartilhados”.
As escolhas e preferências individuais são sempre formadas dentro de contextos culturais. A
terceira consequência indica que todas as formas de consumo são culturalmente específicas,
pois ocorrem em relação a modos de vida significativos e específicos. Fazer parte de uma
cultura ou de um modo de vida particular implica conhecer os códigos locais de necessidades e
coisas. Sabendo-se os códigos da cultura e usando-os o sujeito reproduz e demonstra sua
participação naquela ordem social, representando essa participação através de suas ações, o fato
de fazer coisas dessa maneira e não daquela. Afirmar que todo consumo é cultural envolve dizer
que todos os objetos consumidos são culturalmente significativos e que não há possibilidade de
haver um objeto que seja simplesmente funcional.
Assim, torna-se necessário compreender como os bens de consumo são analisados na
literatura. Para tal, a próxima seção deste trabalho apresentará o campo da cultura material,
cujos estudos dedicam-se a compreender quais usos as pessoas fazem dos objetos e o que os
objetos fazem para e pelas pessoas.
2.2 Cultura Material
Objetos são comumente chamados de cultura material e são as coisas que as pessoas
usam e com as quais interagem (WOODWARD, 2007). O termo cultura material enfatiza como,
aparentemente, coisas inanimadas dentro do ambiente agem sobre as pessoas e são usadas por
elas para exercício de funções sociais, regulando as relações sociais e dando significado
simbólico à atividade humana (WOODWARD, 2007; 2011; DANT, 2008; MILLER, 2010). O
termo é ainda empregado genericamente para se referir a qualquer objeto material (como copos,
sapatos, canetas etc.) ou uma rede de objetos materiais (como casas, carros, shoppings etc.) que
podem ser percebidos, tocados, usados, manuseados, contemplados ou ainda com os quais se
pode realizar atividades sociais (HODDER, 2012; MASSET; DECROP, 2016).
A cultura material é algo portátil e perceptível pelo tato, tendo uma existência física e
tangível, mas pode também incluir coisas perceptíveis pela visão. Na verdade, não há distinção
28
entre o físico e os elementos imaginários de fantasia da cultura material, sendo qualquer
tentativa de isolar esses aspectos é considerada artificial, dado que os objetos são culturalmente
poderosos e, na prática, se conectam à manipulação física e mental (WOODWARD, 2007;
MILLER, 2010). Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005) defendem que as coisas que não
precisam necessariamente ser materiais, podendo perfeitamente ser imateriais. No entanto,
diferentemente das imagens, das ideias, das palavras e textos, as coisas não são apenas
representações, mas algo que tem uma presença no mundo com consequências materiais
(DANT, 1999).
A cultura material diz respeito aos momentos em que objetos de consumo são
encontrados, comprados e usados por indivíduos. Eles devem estabelecer e negociar seus
próprios significados e incorporar tais objetos em seus repertórios culturais e comportamentais
pessoais, algumas vezes desafiando, e em outras, reproduzindo a estrutura social na qual estão
inseridos (WOODWARD, 2007). De forma ampla, a cultura material une os indivíduos uns aos
outros na sociedade fornecendo significado para valores compartilhados, atividades e estilos de
vida de uma maneira mais concreta e duradoura do que a linguagem usada ou as interações
diretas (DANT, 2008).
O campo de estudos da cultura material adotou essa nomenclatura há, relativamente,
pouco tempo. Ele foi criado, a partir dos anos 1970-80 (MILLER, 2001; SCHATZKI, 2010;
MAURER, 2006; TILLEY, 2006b) e vem se consolidando desde o lançamento do Journal do
Material Culture em 1996 (TILLEY, 2006a). Esse journal incorporou uma gama de disciplinas
interessadas em compreender os usos e significados dos objetos, entre elas antropologia,
sociologia, geografia, arqueologia, museologia, história, design, tecnologia etc.
(WOODWARD, 2007).
Segundo Miller (2001) o desenvolvimento dos estudos em cultura material pode ser
visto como um processo de dois estágios. No primeiro estágio insistia-se que as coisas são
importantes e que dar atenção ao mundo material não equivalia a tornar as coisas um fetiche,
uma vez que elas não são uma superestrutura separada do mundo social. As principais teorias
sobre cultura material desenvolvidas nos anos 1980 (BOURDIEU, 1977; APPADURAI,
2008[1986]; MILLER, 1987; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013[1979]) demostraram que o
mundo social e a materialidade são constituídos um pelo outro.
A segunda fase, iniciada no final dos anos 1990, preocupou-se em mostrar como uma
teoria dos bens poderia ser amplamente aplicada a uma variedade de contextos e relações sociais
e culturais. Contudo, não há uma unificação destas as abordagens, de forma a dar a cultura
29
material uma identidade institucional (TILLEY, 2006a). Como será explicado no decorrer deste
subcapítulo existem conceitos que são amplamente aceitos, tais como o conceito de objeto e
materialidade, mas ainda há enfoques distintos para o papel dos objetos na sociedade. Tilley
(2006a) e Miller (2001; 2007) advogam, no entanto, que o campo da cultura material está
suficiente maduro para permitir ser tratado como uma área do saber.
Uma das características importantes da cultura material é ser uma área transdisciplinar
(TILLEY, 2006a; WOODWARD, 2007). Isto significa que os estudos podem ser conduzidos
simultaneamente de forma a ter áreas de intersecção com diversas outras disciplinas, formando-
se um campo eclético, relativamente fluido, ilimitado e sem constrangimentos, disperso e
eventualmente “anárquico” (TILLEY, 2006a, p. 1). No contexto desta pesquisa a
transdisciplinaridade se torna importante, pois traz em si a noção de que não há uma única
interpretação para os objetos, que são polissêmicos e capazes de transformações de significados
em contextos de tempo e espaço.
Entende-se a cultura como algo criado e vivido através dos objetos. Por este prisma de
análise, afirma Woodward (2007), pode-se entender melhor tanto as estruturas sociais quanto
as dimensões sistêmicas maiores, como desigualdade e diferenças sociais, e, ao mesmo tempo,
a ação humana, as emoções e os significados. Objetos podem, desta forma, ser visto como um
elo crucial entre a estrutura socioeconômica e o indivíduo. A cultura material da sociedade de
consumo é considerada o ponto de encontro dos objetos de consumo produzidos em massa e os
indivíduos. É onde se estabelecem e negociam os significados, onde os objetos são encontrados
e usados e onde os sujeitos incorporam esses objetos em seus repertórios culturais e
comportamentais pessoais, às vezes desafiando e, por vezes, reproduzindo a estrutura social
(WOODWARD, 2007).
Frequentemente o termo cultura material é usado em conjunto com os termos coisas,
objetos, artefatos, bens, commodities (WOODWARD, 2007) e mercadorias (KOPYTOFF,
1986), que são intercambiáveis, na maior parte das vezes (HODDER, 2012; MASSET;
DECROP, 2016). Woodward (2007), Dant (2008) e Hodder (2012) explicam que coisas, de
forma geral, possuem uma existência real e concreta, apesar da palavra coisa sugerir uma
qualidade inanimada, como se as pessoas trouxessem coisas para suas vidas através da
imaginação. Segundo os autores, os objetos são os componentes discretos da cultura material,
perceptíveis pelo tato ou visão.
30
Artefatos são os produtos físicos ou traços da atividade humana e, como os objetos, têm
importância por sua materialidade ou concretude, podendo tornar-se tema de interpretação e
organização retrospectiva. Geralmente os artefatos são considerados símbolos de uma cultura
ou atividade social. Bens, por sua vez, são objetos produzidos sobre relações de mercado
específicas, em geral capitalistas, e seu valor é atribuído dentro de um sistema de troca. A
palavra commodity é uma expressão técnica, defende Woodward (2007), associada ao conceito
de bem e, tal como este, pode ser trocada. A despeito destas definições, que distinguem
teoricamente os termos, não há, na prática, diferenças de compreensão no senso comum entre
eles, já são usados comumente como sinônimos (HODDER, 2012).
Como campo de estudo, a cultura material possui uma série de asserções que a definem
como uma área paradigmática. A premissa fundamental da cultura material é que os objetos
têm capacidade de estabelecer e criar significados em nome das pessoas ou do trabalho social.
Objetos podem significar subculturas, afinidades, ocupações, participação em atividades ou
status social. Eles incorporam e representam discursos sociais mais amplos, integrados a valores
e normas institucionais, além de carregarem significados pessoais e emocionais, que podem
facilitar interações interpessoais e ajudar o indivíduo a agir sobre ele mesmo. Objetos podem,
então, ajudar na formação (eu rejeição) de apego entre pessoas e grupos, mediando a formação
de identidades e estima, integrando e diferenciando grupos sociais, classes e tribos
(WOODWARD, 2007).
Contudo, a compreensão do papel dos objetos na sociedade se modificou ao longo dos
anos. Ao estudar a cultura material é preciso ter em mente os pontos de vista relativos ao objeto
e ao sujeito (WOODWARD, 2007). Deve-se considerar que a análise dos bens materiais na
sociedade não é um fenômeno recente ou da contemporaneidade e que eles são elemento central
de investigação de áreas como a arqueologia e a antropologia histórica (TILLEY, 2006a), sendo
tomados como componentes fundamentais da existência humana (MILLER, 1987; 1995; 2005;
2013; HODDER, 2012). Maurer (2006) e Woodward (2007) destacam que os objetos foram
tema de estudos nas ciências sociais em diferentes momentos e, apesar disso, nem sempre foram
o foco das atenções dos principais trabalhos da área.
De acordo com Woodward (2007), Marx abordou os objetos em sua teoria sobre o
desenvolvimento do capital (MAURER, 2006; MILLER; 1987; 2005), enquanto Durkheim
falou sobre objetos como representações de classes fundamentais de coisas tanto sagradas
quanto profanas, e Veblen tratou da habilidade dos objetos em exibir beleza e luxo
(WOODWARD, 2007). Assim como estes autores, Simmel, Mauss e Bourdieu usaram os
31
objetos para analisar a sociedade e a cultura de seu tempo (APPADURAI, 2008;
WOODWARD, 2007).
A principal diferença entre os trabalhos dos autores considerados clássicos das ciências
sociais e os estudos atuais de cultura material é que, estes últimos, estão direta e,
principalmente, preocupados em explicar a relação pessoas-objetos (WOODWARD, 2007;
MILLER, 2010; 2013). Dant (1999), Tilley (2006b), Maurer (2006), Woodward (2007; 2011),
Miller (1987; 2001; 2005; 2010; 2013), Candlin e Guins (2009), Hodder (2012) e Berger (2014)
fazem, em momentos diferentes, retrospectos sobre como os objetos foram estudados e
analisados, e quais as abordagens e teorias construídas a partir destas análises, conforme ilustra
a Figura 2.
Figura 2 - Abordagens Teóricas da Cultura Material.
Fonte: Adaptado de Dant (1999), Tilley (2006b), Woodward (2007; 2011), Miller (1987; 2001; 2005, 2010,
2013), Candlin e Guins (2009), Hodder (2012) e Berger (2014).
Tilley (2006b) afirma que as abordagens marxista, estruturalista-semiótica e cultural
podem ser consideradas as perspectivas teóricas fundadoras da cultura material, de tal forma
que é impossível imaginar tanto uma noção de materialidade quanto um campo chamado cultura
material, sem a sua existência. Estas três perspectivas, ilustradas na Figura 2, estão vivas e
seguem desenvolvendo tradições teóricas que proporcionam várias perspectivas sobre as
32
formas materiais (TILLEY, (2006b). Apresenta-se a seguir um resumo das principais
características destas vertentes teóricas.
2.2.1 Abordagem Crítica Marxista
A abordagem crítica marxista não está interessada na natureza dos objetos como
elementos materiais da cultura, na relação entre pessoas e objetos ou ainda no uso cultural dos
objetos, mas sim no objeto como um artefato (MILLER, 1987; WOODWARD, 2007). Seu
interesse pelos objetos, tratados pelo termo commodity, se dá pelo fato deles serem
representações dos processos de alienação, exploração e estranhamento ocorridos dentro das
sociedades capitalistas (MAURER, 2006; WOODWARD, 2007).
A principal característica da abordagem Marxista é que ela abandona qualquer discussão
abstrata e passa a considerar o mundo em sua forma material, objetificada. Na abordagem crítica
marxista a objetificação torna-se “incrivelmente divorciada de seu contexto positivo original, e
é [...] compreendida como uma expressão negativa de ‘petrificação’, como o principal
instrumento de alienação” (MIILER, 1987, p. 43). Oponha-se, assim, à objetificação hegeliana,
que segundo Miller (1987; 2005) e Tilley (2006a) é a base da teoria da cultura material. Segundo
Miller (1987) para compreender a objetificação, no contexto marxista, é necessário considerar
outros três termos, que estão firmemente enredados nela: a alienação, o fetichismo e a
reificação.
a) Alienação: Por alienação compreende-se o distanciamento entre um potencial
relacionamento do trabalhador com os objetos que ele produz, seus produtos, e sua
circunstância atual, podendo também ser usado para indicar um sentimento de perda de
identidade própria de autenticidade (MILLER, 1987; HODDER, 2012).
b) Fetichismo: Na teoria marxista o fetichismo é uma forma de entender como homens se
relacionam com objetos, a partir da ideia de que o trabalhador que produz os bens é
incapaz de compreender a natureza do processo ao qual está submetido, dada a natureza
do mundo moderno. Nesta perspectiva os trabalhadores da sociedade capitalista
atribuem poderes extraordinários os bens materiais, acreditando que estes são valores
inerentes às commodities ao invés de terem sido adicionados a elas pelo trabalho
humano (BAUDRILLARD, 1994[1981]). Assim, a vasta gama de produtos existentes
não pode ser entendida como tal pelo trabalhador, que os coloca numa esfera diferente,
33
na qual parecem ser o resultado de outras forças. O entendimento do fetichismo passa
pela noção de que determinados grupos sociais (trabalhadores e consumidores) são
considerados incapazes de compreender que as commodities que eles veem como
“extraterrestres” (MILLER, 1987) são de fato fruto de sua própria produção (HODDER,
2012). Estas commodities seriam então fetichizadas e se tornariam opressoras daqueles
que as produzem e as compram (KLEIN, 2002; MILLER, 2005). Para Marx a qualidade
simbólica dos objetos estava em sua forma-mercadoria (SAHLINS, 2003). O
"fetichismo da mercadoria" é a fantasia do consumidor de que os objetos teriam uma
força e um poder místico inerentes ao próprio objeto (BELK, 1983; FERNANDEZ;
LASTOVICKA, 2011), que seria capaz de causar ou alterar eventos (DANT, 1999).
Este problema é sustentado como estimulador de "desejos artificiais", a fim de vender-
se mais produtos (BELK, 1983).
c) Reificação: significa imaginar que os objetos existem simplesmente para que os
humanos se envolvam com eles ou os utilizem como se eles existem separadamente da
história cultural e social, da narrativa e dos códigos. O princípio central é que os seres
humanos criam objetos para entender a si mesmos, mas se afastam desta posição e
percebem o objeto como tendo uma realidade externa e uma origem separada da sua
própria. Estes produtos desenvolvem autonomia e desviam a atenção da sociedade da
autorreflexão crítica para este misterioso outro, que ganha status e poder (MILLER,
1987; HODDER, 2012). Nesta perspectiva a cultura material commoditizada que os
consumidores empregam em seu cotidiano é a expressão material de trabalho explorado,
incorporando a energia dos trabalhadores (WOODWARD, 2007).
Uma das críticas a abordagem marxista da cultura material é que ela está baseada nas
relações de produção e não nas relações de consumo (BARBOSA; CAMPBELL, 2006;
APPADURAI, 2008), de maneira que o enfoque econômico ganha mais destaque do que a
transformação da cultura através da apropriação material pelos atos de consumo
(WOODWARD, 2007; MILLER, 1987; 2005; 2010). Nesta abordagem há uma oposição entre
o sujeito e o material, sendo o “primeiro tomado como referência à consciência do mundo
subjetivo de “dentro” e o segundo do mundo objetivo de “fora” (MAURER, 2006, p. 15). Nas
palavras de Miller (2005, p. 3) existe um “dualismo entre sujeito e objeto”, que demonstra uma
clara separação de mundos, como Kopytoff (1986) destaca em sua análise.
Recai sobre os enfoques dados aos bens materiais nesta abordagem uma crítica comum
ao consumo e ao estudo do consumo: o materialismo (WOODWARD, 2007). Além disso, as
34
análises dessa abordagem são geralmente materialistas e sobre o materialismo, pois
concentram-se nos modos de aquisição e nas ideologias associadas ao consumismo,
considerando que as pessoas são motivadas a adquirir objetos como forma de sustentar um
estilo de vida atual ou desejado (MILLER, 1987; WOODWARD, 2007). Além disso, a crítica
mais importante à perspectiva crítica marxista é que ela subestima a agência na sua concepção
da relação pessoa-objeto, concebida como um modelo determinista e reducionista, segundo o
qual todos os objetos são commodities inerentemente incorporados de exploração e que todas
as commodities servem e interesses ideológicos (MILLER, 1987). Não concebem, assim, “que
as relações entre pessoas e itens materiais da cultura do consumo podem ser criativas,
liberatórias, construtivas, expressivas e emocionais” (WOODWARD, 2007, p. 55). Por estas
razões, a abordagem Crítica Marxista oferece modelos inadequados para a compreensão das
relações entre pessoas e objetos, que a abordagem Estruturalista Semiótica procura superar.
2.2.2 Abordagem Estruturalista Semiótica
A segunda abordagem é chamada de Estruturalista Semiótica, pois está preocupada com
o significado simbólico dos objetos. Ela se opõe a abordagem Crítica Marxista, na qual o
significado está submetido a estrutura política econômica. De acordo com este enfoque, a
cultura material tem um significante, que comunica alguma coisa para outros, cumprindo uma
espécie de papel social (WOODWARD, 2007). O sistema de estrutura das linguagens
desenvolvido por Saussure (2006[1916]) e aperfeiçoada por Lévi-Strauss (1978) serviu como
base referencial para a criação de princípios, segundo os quais qualquer objeto tem seu
significado derivado de uma relação semiótica com outro objeto ou com um amplo campo de
objetos associados (LAYTON, 2006). Em outras palavras, os objetos têm significados
relacionais e contextualizados que podem ser lidos em relação a sua diferença para com outros
objetos da mesma ou de outra classe (WOODWARD, 2007).
Trabalhando com os princípios dos sistemas de comunicação de Saussure (2006[1916]),
Lévi-Strauss (1997[1962]) argumenta que o universo é ordenado de acordo com um sistema de
taxonomia e classificação (WOODWARD, 2007). Para o autor os objetos podem ser
compreendidos dentro de seu contexto particular, no qual as regras e códigos do sistema cultural
operam para informar e contextualizar seu significado. Assim sendo, objetos têm lugares
culturais apropriados que lhes concedem potencial simbólico. Por outro lado, objetos também
35
têm um não lugar, ou um lugar onde estão fora de contexto, o que implica a existência de um
amplo esquema de classificação cultural, que a ciência da linguística estrutural de Lévi-Strauss
(1997[1962]) seria capaz de encontrar. Manter os objetos em seus lugares faria deles sagrados
e, retirados destes lugares, mesmo que em pensamento, destruiria toda a ordem do universo,
defende o autor.
Outros dois importantes nomes desta linha de análise da cultura material são Roland
Barthes (1991[1952]) e Jean Baudrillard (2006[1968]; 2007[1970]). A maior contribuição da
abordagem estruturalista semiótica é considerar que os objetos existem não apenas para fins
utilitários, como propunham os marxistas, mas auxiliam as pessoas a construir e atribuir
significados dentro de seus universos culturais (WOODWARD, 2007). Contudo, uma falha
desta abordagem é que os sujeitos e sua agência não são considerados, especialmente nos
trabalhos clássicos como os de Saussure, Lévi-Strauss e Barthes. Mesmo as análises de
Baudrillard podem ser consideradas relativamente sem agência, ou até mesmo maniqueístas,
uma vez que ignoram o discurso e a prática dos indivíduos, bem como suas interpretações do
mundo material, reduzindo as pessoas a meros legitimadores de bens através da incorporação
de estilos de vida usados para justificar suas compras (MILLER, 1995; BARBOSA, 2004;
WOODWARD, 2007).
Outra crítica que se pode fazer a esta abordagem é que, ao dar ênfase as propriedades
textuais e linguísticas da vida social, os sujeitos reais e as difíceis e complexas tensões da vida
social são relativamente sub-teorizadas ou, possivelmente, ignoradas. Woodward (2007, p. 82)
afirma que essa crítica poderia se resumir ao slogan “o mundo não é um texto”, apesar de ter
características textuais, como fala e discurso, conversas e narrativas, mas expressões e emoções
são, também aspectos importantes da vida social.
Ademais, os objetos são contabilizados dentro de um quadro teórico autônomo, oriundo
principalmente do programa de linguística estrutural de Saussure. Isso implica em considerar
que objetos têm significados estabelecidos “relacionalmente” através de um amplo campo de
associações, entendido através do modelo analítico de sinais e significantes desenvolvido por
Saussure (WOODWARD, 2007). A noção de significado nesta abordagem está próxima do
determinismo estruturalista, ou seja, compreende que as expressões da mente humana são
determinadas pelas leis da linguagem e dos sistemas semiológicos, que não são acessíveis a não
especialistas. Opõe-se, desta forma, ao entendimento do mundo pelo olhar dos sujeitos que
participam dele, que o interpretam e criam significados. Opõe-se a tradição fenomenológica e
a maior parte dos trabalhos contemporâneos em cultura material, que dão luz e prioridade às
36
interpretações e narrativas dos indivíduos geralmente distanciando-se das relações estruturais
de produção e consumo (WOODWARD, 2007).
Tanto a abordagem crítica marxista quanto a estruturalista semiótica (e suas diferentes
variações e combinações) proporcionam um mergulho na estrutura epistemológica e ontológica
que permitem o entendimento da forma material, ou seja, em ambas as abordagens as coisas
são consideradas por suas aparências superficiais e as relações sociais são analisadas como
relativamente triviais (TILLEY, 2006b). É preciso, contudo, compreender que
A maneira pela qual pessoas e coisas serão entendidas em relação uma a outra
depende, fundamentalmente, da maneira pela qual se conceitualiza tanto essas coisas
(como commodities, presentes, recursos, fazedores de identidade, etc.) quanto da
maneira pela qual conceitualizamos a agência humana ou sua subjetividade (TILLEY,
2006b, p. 9).
Dessa forma, apresenta-se a terceira abordagem da cultura material, a cultural.
2.2.3 Abordagem Cultural
A perspectiva cultural da cultura material não é estrutural como a anterior, mas tal como
ela situa os objetos como centrais à prática cultural. Diferentemente da abordagem marxista,
que define os objetos como a personificação material do trabalho humano que o produziu,
considerando qualquer objeto como uma mercadoria que representa a exploração da capacidade
humana e a degradação da criatividade e da identidade das pessoas, na abordagem cultural os
objetos podem ter significado positivo. A abordagem cultural da cultura material é menos
comprometida com o modelo do estruturalismo linguístico e de uma metodologia semiótica,
apesar de ambas considerarem o papel cultural do significado dos objetos.
Douglas e Isherwood (2013) são os primeiros teóricos dessa abordagem a relacionar o
consumo com a criação de significados e fazem isso a partir das proposições de Durkheim.
Elemento fundamental da teoria da abordagem cultural é a ideia durkheimiana de que a vida
cultural é operada através da formação, mediação e manutenção de classificações e categorias.
Pela criação de classificações sobre pessoas, objetos e eventos as pessoas definem os limites de
sua comunidade e seus próprios valores e crenças (MILLER, 1987; 2013; WOODWARD,
2007).
37
No prefácio de seu livro, Douglas e Isherwood (2013, p. 30) afirmam que “os bens são
neutros, seus usos são sociais; podem ser usados como cercas ou como pontes”.
Contextualizam, assim, a prática do consumo dentro do processo cultural e social, amplamente
concebido por meio de descobertas de códigos culturais, etiquetas e convenções. O argumento
central dos autores é que objetos são recursos para pensar, demarcar e classificar. Apesar de
terem sua origem no sistema capitalista de produção, todos os bens materiais carregam
significado social (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 38), sendo assim categorias visíveis e
estáveis da cultura. São coisas que dão sentido ao mundo, ajudando as pessoas a demarcar
categorias sociais, manter relações sociais e, por consequência, atribuir valor a bens e pessoas.
Na abordagem de McCracken (2003) e Miller (2010) os bens de consumo foram
importantes nas origens e no desenvolvimento moderno da sociedade ocidental, permanecendo
assim até hoje, pois ao estarem carregados de significados, são onipresentes nas sociedades
contemporâneas. As coisas que as pessoas têm constituem oportunidades para grupos e
comunidades expressarem e contemplarem o significado cultural de outra maneira que não a da
linguagem, contribuindo ao mesmo tempo para uma nova compreensão e para manutenção
deste significado (SLATER, 2002; MCCRACKEN, 2003). Douglas e Isherwood (2013) dirão
que os bens e as posses materiais carregam significação social, sendo possível analisar uma
cultura a partir do uso desses objetos como comunicadores.
O trabalho de Miller (1987) têm destaque nessa abordagem e na fundação da área de
cultural material. No livro Material Culture and Mass Consumption (1987) o autor propõe-se
a explicar filosoficamente, através da relação teórica entre diferentes autores modernos, como
a cultura é constituída de forma dinâmica através das interações entre pessoas e objetos
significativos. Miller (1987) argumenta que, embora vivamos em uma era de abundância
material, na qual a vida social é cada vez experimentada através de uma vasta gama de objetos,
o conhecimento teórico e conceitual da cultura material era ainda rudimentar.
Sua proposta é que se deve levar a sério a sociedade de consumo, sem recorrer a
discussões banais de autenticidade, da opressão e da superficialidade. O ponto crucial de seu
argumento pode ser compreendido mais claramente quando ele aponta que as pessoas não
devem se preocupar muito com as forças industriais que agem sobre os indivíduos, mas com o
que elas permitem que eles sejam. Um dos argumentos significativos de Miller centra-se nos
importantes consumidores de trabalho faz na criação de valor para os bens. Para o autor, deve
ocorrer uma negação do valor de troca (preço), para que o indivíduo possa investir significado
em um dado objeto. Tais significados são flexíveis, maleáveis e as interpretações dos objetos
38
mudam de acordo com as posições sociais - idade, sexo, classe e assim por diante. Woodward
(2007) sugere que, intuitivamente, como consumidor, o indivíduo pode, por vezes, sentir este
processo hermenêutico de transformação de um objeto de um valor de troca em um empossado
de significados pessoais, exemplificando:
Pense em uma situação em que você tenha pago muito dinheiro por alguma coisa,
talvez uma tecnologia, uma roupa ou calçado caro. Presumivelmente, em alguma fase
do processo de consumo você estava incerto sobre como adquirir essa coisa ou pelo
menos tinha que pesar sobre certas escolhas sobre marcas, modelos, estilos e, claro,
sobre custos. Nesta fase, você pode desejar o objeto em questão, mas não possuí-lo e,
certamente, seu relacionamento com ele é, principalmente, sobre questões abstratas.
Uma vez que você decidir comprar o objeto, você deve, então, se sentir o tal com o
objeto - você deve deixá-lo entrar em sua vida e sentir como se ele fosse naturalmente
uma “parte de você”. Você provavelmente se lembra que isto leva algum tempo e
talvez exija um processo de racionalização. Ao longo do tempo, o objeto passa a ser
valorizado, ou não, e continuamente experimentado através de sua forma (muitas
vezes mudando). Por exemplo, uma camiseta favorita vai desgastar e afrouxar um
pouco, assim como um par de tênis. Tais mudanças na forma de objetos exigem
alterações correspondentes na interpretação e uso dando-lhe um tipo de curso de vida.
Por exemplo, a camiseta desgastada pode, eventualmente, ser considerada inadequada
para ser usada em público, tornando-se usada para o trabalho sujo ou nos “bastidores”
como na limpeza da casa ou para jardinagem (WOODWARD, 2007, p. 100).
Para Miller (1987), os estudos de consumo devem reconhecer a materialidade irredutível
dos processos de consumo, pois não se pode escapar do fato de que a maioria das formas de
consumo envolvem as coisas materiais. Consumir é um processo amplo envolvimento com
mercadorias, através de um processo chamado “objetivação”, no qual os consumidores usam
os objetos como uma prática no mundo (por exemplo, para usar como sapatos em seus pés), ao
mesmo tempo em que esses objetos proporcionam modos de conduta e entendimentos a ser
anunciados pelo indivíduo. A principal tarefa de qualquer indivíduo na sociedade de consumo
é localizar a si próprio nos esquemas de significado, buscando as expressões culturais que
deseja, tais como “conforto”, “sucesso”, ou “mais forte”, por meio do engajamento com os
bens. Mercadorias são, portanto, simultaneamente, sobre as práticas e construção de sentidos
(WOODWARD, 2007).
Em suma, a abordagem cultural enfatiza a significação dos objetos, tendo um enfoque
mais aberto sobre como as coisas fazem sentido. Ao assumir que até mesmo os tipos mais
corriqueiros de consumo e o mais comum dos consumidores são agentes de construção cultural,
esta abordagem enfatiza fortemente os aspectos da agência do consumo e constrói o potencial
de agência dos consumidores. Deixa-se de insistir nas questões da racionalidade e
instrumentalidade, deixando aos pesquisadores formas mais imaginativas e potencialmente
produtiva de entender as relações pessoa-objeto (WOODWARD, 2007).
39
2.2.3.1 Características da Abordagem Cultural
As principais características da abordagem cultural da cultura material são: (a) a vida
social é constituída e formada pela materialidade; (b) os objetos possuem agência; (c) os objetos
possuem vida social e; (d) os objetos são singularizáveis e sacralizados, assim como são
commoditizáveis e profanos, conforme demonstra o Quadro 1.
Quadro 1- Características da Abordagem Cultural
Característica Descrição
Materialidade A vida social é constituída e formada pelos objetos que as pessoas usam no seu
dia-a-dia e que as ajudam se situar na sociedade.
Agência Os objetos possuem a capacidade de transformar os indivíduos.
Vida Social Os objetos possuem vida social ou biografias
Singularização Objetos podem ser únicos e singularizáveis, mas também commoditizáveis.
Fonte: da autora.
Noção fundamental para a compreensão da cultura material é o conceito de
materialidade, considerado o ponto de partida e de justificativa da área (TILLEY, 2006a). A
materialidade é a relação ou a interação das pessoas com as suas coisas (MILLER, 1987;
BORGERSON, 2013). Para compreender a cultura material parte-se da noção de que os seres
humanos constroem seu mundo social fazendo e usando coisas. Os homens constroem edifícios
e os habitam, por exemplo. Reciprocamente, as coisas, os artefatos, os objetos e os espaços os
seres humanos, sua personalidade, sua identidade. “Fazemos as coisas e as coisas fazem a nós”,
afirma Tilley (2006c, p. 61).
“A melhor maneira que entender e apreciar a nossa humanidade é através da atenção a
nossa fundamental materialidade”, afirma Miller (2010, p. 7). Woodward (2007) vai além e
afirma que a materialidade é a dimensão mais importante na compreensão da cultura material,
uma vez que se refere às relações entre pessoas e objetos, especialmente a maneira em que a
vida social é, inerentemente, estruturada pelas relações cotidianas com objetos. Para o autor, a
materialidade é uma dimensão integral da cultura e há dimensões da existência social que não
podem ser totalmente compreendidas sem ela.
40
Para Borgerson (2005) as teorias da materialidade, ou seja, a articulação de vários
entendimentos sobre a inter-relação entre sujeitos e a formação de objetos, formam a
fundamentação que permitem que se façam suposições sobre processos do consumidor,
relacionamentos e identidades. A autora argumenta que as pesquisas com conceitos
relacionados às contribuições dos objetos tendem a estar preocupadas com a discussão sobre
materialismo, ou seja, “a capacidade dos objetos materiais em afetar objetivos finais, tais como
vida satisfatória, felicidade e progresso social” (CLAXTON; MURRAY, 1994, p. 422) ou invés
de materialidade, ou a relação e cocriação de sujeitos e objetos.
Borgerson (2013) segue a mesma linha de Miller (1987), segundo o qual a concepção
do consumo implica na teoria da materialidade, pois ela propõe a compreensão dos sujeitos, os
objetos, do tempo, do espaço e de outras coisas envolventes e interação entre elas, com as quais
a noção de consumo se vincula. Miller (2005) e seus coautores escrevem um livro inteiro para
definir claramente o que constitui a materialidade. Na introdução, o autor afirma que a
materialidade é mais do que artefatos e sua agência – ela engloba toda a noção de cultura. A
materialidade é tudo que se abraça na “interposição” de pessoas, corpos, coisas e cognição. Ela
refere-se, então, não a matéria em si, mas a forma pela qual os sujeitos constroem e significam
a matéria (HODDER, 2012). Desta forma, evidencia-se que a cultura material está relacionada
com as coisas em si e a sua agência (MILLER, 1987).
Agência refere-se à capacidade de agir, de ter poder e controle sobre si, o que
tipicamente envolve intenção, ou seja, um esforço decisório para fazer as coisas irem em um
sentido ao invés de em outro (BORGERSON, 2013). Por envolver a habilidade de agir, a
agência invoca a noção de intenção, especialmente de habilidade, uma qualidade pertencente
aos sujeitos. A agência é como uma participação intencional ou a capacidade de agir, sendo que
o agente é alguém, um sujeito, que pode realizar a ações expressivas de seu poder de decisão e
de escolha, entre alternativas com base em um entendimento das circunstâncias e opções
disponíveis. A intencionalidade é a raiz de qualquer noção de agência (BORGERSON, 2005).
Borgerson (2013) afirma que parte do entendimento da agência dos objetos em
pesquisas de consumo e cultura material surge de uma genealogia na qual os sujeitos humanos,
tal como deuses, são imbuídos de poderes racionais de tomada de decisão, intenção autônoma,
vontade e capacidade de ação que não encontra obstáculos. No que possui de melhor, a agência
humana derrota todas as fraquezas dos poderes humanos. Para a autora:
41
Na verdade, às vezes, o foco na agência do sujeito humano eclipsou o papel dos
objetos e do mundo em torno de nós, deixando tudo o mais a ser percebido como barro
disforme à espera de ser moldado e animado pelo sujeito intencional (BORGERSON,
2013, p.131).
Em busca de rever essa percepção, os estudos da cultura material e a actor-network
theory (LATOUR, 1999) chamaram atenção para o que os objetos fazem, questionando a
efetividade da intencionalidade do sujeito. Os objetos têm agência na medida em que possuem
a capacidade de (inter)ação, a capacidade de afetar e ser afetado. No caso de objetos do
cotidiano, sua agência é normalmente vista como a capacidade de ter um efeito, sem que isso
implique intencionalidade (BORGERSON, 2013). A agência dos objetos atua e aparece de
forma diferente: eles se engajam na cocriação e cotransformação da interação entre humanos e
as coisas que os cercam (MILLER, 2010). Os objetos de consumo alteram a vida das pessoas,
frequentemente com sua força de agência, impactando quem elas são e com quem se
relacionarão (BORGERSON, 2013).
No ponto de vista de Borgerson (2005; 2013) e Miller (2010) os objetos têm, não
precisamente agência, mas o que poderia ser descrito como uma capacidade não-intencional
para facilitar a alteração e cocriação. Borgerson (2013, p. 132) observa que esta é uma forma
“diminuída” da agência, embora o objeto ainda tem o poder para efetuar a mudança. A agência
se torna um tipo de intervenção participativa, numa tentativa de alcançar os propósitos que
poderiam sumir frente a outras forças. Agentes humanos, ou sujeitos, são concebidos como
tendo capacidade de intervenção, ou poder, em interação com outros seres, objetos e forças que
ambos têm. Interações tornam-se, assim, os locais de agência, constituindo a identidade -
especialmente no sentido de realizar certos fins, certas atividades relacionadas a determinados
objetos (BORGERSON, 2005).
Ao perceber um objeto como inerte, pode-se desenvolver interpretação mecanicistas, e
um sujeito visto como inerte pode representar um tipo de determinismo. Enquanto tanto a
agência do sujeito quanto a do objeto podem ser compreendidas como produtoras de efeito, a
agência do sujeito é marcada pela habilidade de planejar, de começar e de ter intenção
(BORGERSON, 2013). A capacidade dos bens materiais de introduzir pensamentos reflexivos
e ações sobre a relação consumidor-objeto deve ser iluminada, pois a agência dos objetos parece
atuar de maneira mais proeminente no processo da materialidade do que vem sido assumido
nas pesquisas de consumo até o momento (BORGERSON, 2013; FERREIRA; SCARABOTO,
2016).
42
O reconhecimento das características das coisas, sejam elas, contextuais, culturais,
temporais ou espaciais permite compreender a forma como indivíduos e grupos concretizam
suas identidades, apreendendo-se assim suas práticas sociais culturalmente específicos. A
consequência da agência de um objeto, as suas capacidades de resposta e suas habilidades para
levar informação lhe concedem uma semivida. Appadurai (2008) e Kopytoff (1986) indicam
que as coisas que as pessoas valorizam possuem biografia. O termo biografia significa um relato
escrito da vida de uma pessoa, que normalmente é feito por outra.
Um objeto não pode nunca ser o autor de sua própria biografia ou da biografia de outro
objeto, pois somente os seres humanos são capazes de contar histórias de vida. O que os objetos
fazem, em certa medida, é ditar a forma como são apropriados, objetificados e
recontextualizados no espaço e no tempo. Appadurai (2008) caracteriza a biografia de uma
posse como uma “trajetória total” desde a produção, até a troca e distribuição para o consumo
e o que ocorrer após. Para o autor essas “commodities em movimento [...] entram e saem do
estado de mercadoria” e “tais movimentos podem ser lentos ou rápidos, reversíveis ou
terminais, normativos ou desviantes” (APPADURAI, 2008, p. 27). A fase de commoditie, seria
então, um ciclo de vido do objeto, que pode ser reversível.
Objetos entram e saem de esferas de commoditização, de tal forma que, coisas que
atualmente são commodities podem deixar de ser se forem incorporadas a rituais ou ao mundo
privado de indivíduos, famílias ou culturas (KOPYTOFF, 1986; WOODWARD, 2007). Faz-se
uma distinção relevante entre commodities, como um objeto, e a commoditização, como um
processo (MAURER, 2006). Um bem pode estar num estágio de commodity, mas nada garante
que ele permanecerá neste mesmo estágio para sempre, pois ele tem uma “vida social”
(APPADURAI, 2008, p. 15) que o faz estar apenas contingencialmente materializado como um
objeto commoditizado (MAURER, 2006).
Para Dant (1999) o processo de apropriação cultural das coisas materiais está
relacionado a uma série de tipos de interações entre pessoas e objetos, tais como tocar, fazer,
olhar, falar e ler sobre, usar, contar histórias, guardar, transformar etc., que são sociais uma vez
que são aprendidas e compartilhadas dentro da cultura. A vida social dos objetos é formada por
sua inserção nas rotinas, nas práticas diárias e cotidianas, bem como no estilo de vida das
pessoas.
43
Ao referir-se a cultura material, Woodward (2007) alerta que se deve tomar o cuidado
de não imaginar que os objetos estão no mundo simplesmente para que as pessoas se envolvam
ou os usem, como se eles existissem à parte da história social e cultural, dos códigos e
narrativas. A reificação, ou seja, a separação entre o mundo das individualizado das pessoas e
o mundo commoditizados das coisas (MAURER, 2006; MILLER, 1987; 2005; 2010; 2013) é,
segundo Kopytoff (1986), um mito que construiu um pensamento binário sobre a relação entre
pessoas e coisas. Pessoas e coisas foram, historicamente, separadas em mundos opostos. As
coisas representariam o mundo das mercadorias, dos objetos físicos, mudos e inertes
(APPADURAI, 2008), enquanto as pessoas seriam seres individuais e singularizados
(KOPYTOFF, 1986).
O singular e o comum (ou a mercadoria) estariam constantemente representados em
universos opostos, de acordo com Kopytoff (1986), sendo que haveria uma tendência a
mercantilizar os objetos, ou seja, torna-los comuns. Na medida em que houve avanços
importantes da tecnologia com novas descobertas, os objetos, produzidos em série e aos montes,
comercializados e vendidos sem que haja personificação tenderam a ser commoditizados. No
entanto, a cultura e os indivíduos atuaram no sentido de singulariza-los, torna-los únicos,
criando relações e contextos que os socializam e servem, então, de artifícios para discrimina-
los, classifica-los, compara-los e sacraliza-los.
Isso significa que tanto a cultura quanto o indivíduo estão engajados numa batalha de
duas frentes – uma contra a mercantilização homogeneizadora de valores, a outra
contra a singularização integral das coisas (KOPYTOFF, 1986, p. 118).
Nem todos os objetos podem ser singularizados, sob pena de banalizar-se sua
importância e relevância. A singularização precisa de um contexto específico para ocorrer.
Objetos podem ter vida social, mas nem todos eles, pois isso depende de fatores como o
contexto social, histórico, político, econômico e emocional. Para ser considerado como tendo
uma vida social os objetos, primeiro, têm que ser distinguidos como objetos de interesse por
seus biógrafos. A consequência disto é que muitos objetos são simplesmente ignorados e não
são considerados como tendo agência que gere impacto ou os ligue a vida dos sujeitos. Singular,
desta forma, seria tudo aquilo que, num modelo ideal, é único, não trocável, inigualável e
incomparável (KOPYTOFF, 1986). São os bens que potencialmente apagaram resquícios de
mercadoria que tiveram um dia (no sentido de commodities produzidos em larga escala),
deixando para trás seu valor de troca e os “vestígios de intercâmbio” (KOPYTOFF, 1986, p.
96).
44
Os bens singularizados seriam absolutamente heterogêneos em termos de valoração e
se colocariam em oposição as mercadorias, que seriam totalmente homogêneas. Considerando-
se que o mercado tende a homogeneizar as mercadorias, a cultura responderia com a criação de
mecanismos para resguardar parte de seu ambiente em estruturas “sagradas” (KOPYTOFF,
1986, p. 100), por meio da singularização, ou da resingularização o que já foi mercantilizado.
A singularização é um conceito chave para este trabalho, pois trata do processo de tornar único
bens que podem ser comuns, simples, corriqueiros. Kopytoff (1986) descreve que objetos
podem ser sacralizados por meio da singularização, mas a singularidade não garante que eles
sejam sagrados. As mercadorias podem ser singularizadas por serem:
a) Retiradas da esfera mercantil, ou seja, não estarem mais disponíveis para trocas.
b) Tornadas parte de processos rituais individuais ou coletivos - e por isso sacralizadas.
c) Confinadas a uma esfera muito restrita de troca (mercantilização restrita), de forma
que há poucas coisas pelas quais elas poderiam ser trocadas - por valerem muito
dinheiro ou por ter grande valor sentimental.
Desta forma, Kopytoff (1986) cria uma espécie de continuum, no qual os bens podem
ser classificados como mais ou menos singulares, bem como mais ou menos comuns
(mercantilizáveis). Interessante ainda é a proposta do autor de que na sociedade complexa como
a atual, em que as identidades são flexíveis, os objetos têm biografias e trajetórias que podem
se modificar ao longo do tempo e do espaço. Isso envolve uma perspectiva dinâmica, fluida,
dialética, segundo a qual os objetos podem mudar seu status entre singular e commodity ao
longo de sua biografia.
Em seus primeiros estágios de vida os objetos estariam basicamente definidos em
relação ao seu valor de troca ou monetário, o que os define como commodities. Após algum
tempo de realizada a transação econômica eles podem se descommoditizar na medida em que
são incorporados pelas pessoas a significados pessoais, relacionamentos ou rituais
(WOODWARD, 2007). Nas palavras de Miller (1987) este processo chama-se subjetificar ou
tornar-se sujeitos (‘subjectified’, tradução livre). Kopytoff (1986), por sua vez o chamará de
singularização, o que para o autor constitui a possibilidade de que os objetos tenham vida social.
No próximo subcapítulo serão apresentadas pesquisas em consumo que examinam como
os indivíduos escolhem os objetos, os trazem para suas vidas e lhes dão significado pessoais
que podem torna-los singulares (MILLER, 1987; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989;
GRAYSON; SHULMAN, 2000; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; EPP; PRICE, 2010).
45
2.3 Objetos nas Pesquisas em Comportamento do Consumidor
“Things are the stuff of life”
(YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 33).
Young e Wallendorf (1989, p. 33) indicam, de forma poética, que as “coisas são a
matéria da vida”, pois abrigam as aspirações, alegrias, tristezas e realidades das pessoas.
Evidencia-se com essa colocação um aspecto central do entendimento do papel dos objetos na
sociedade: a pesquisa sobre o significado da posse de bens (BELK, 1988). Estudos sobre posse
compreendem uma vasta e ampla linha de pesquisa, que trata de temas como apego, significados
das posses, posses especiais e amadas, desapego, descarte, manutenção de posses, coleção,
abandono e também questões referentes ao lado obscuro da posse, tais como o materialismo, o
consumismo, a compra compulsiva e a impulsiva e a acumulação compulsiva. Estes aspectos
serão abordados neste subcapítulo que, inicialmente, apresentará a definição de posse e sua
relevância para o comportamento dos consumidores.
Assim como na literatura sobre cultura material, a pesquisa em comportamento do
consumidor tem usado diversas formas de retratar a relação sujeito-objeto. Segundo os estudos
na área os bens materiais são valorizados pela sua capacidade de criar, manter e perpetuar a
identidade (BELK, 1988) e de servir como repositórios de narrativas de vida pessoal, familiar,
e passados socioculturais (CURASI; PRICE; ARNOULD; 2004). Um dos principais temas de
pesquisa sobre esta relação tem sido a posse de bens, que, desde os anos 1970, é objeto de
estudo de pesquisadores da área (FURBY, 1978; BELK, 1983; MYERS, 1985; BELK, 1988;
WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; WALLENDORF; ARNOULD, 1988; SCHULTZ;
KLEINE; KERNAN, 1989; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989; BELK, 1990; HILL,
STAMEY, 1990; HILL, 1991; MEHTA; BELK, 1991; BELK, 1991; RICHINS, 1994a; 1994b;
2004; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995; SIRGY, 1998; PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000;
GRAYSON; SHULMAN, 2000; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; KLEINE; BAKER,
2004; AHUVIA, 2005; TIAN; BELK, 2005; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005; BELK,
2007; CHEN, 2009; LAMBERT-PANDRAUD; LAURENT, 2010; LASTOVICKA;
SIRIANNI, 2011; KOGUT; KOGUT, 2011; CURASI, 2011; BARDHI; ECKHARDT;
ARNOULD, 2012; LASTOVICKA, 2014; ROSTER, 2015; WATKINS; DENEGRI-KNOTT;
MOLESWORTH, 2016; MASSET; DECROP, 2016).
46
Posses são símbolos tangíveis de pensamentos intangíveis e representam a humanidade
individualizada de cada sujeito, bem como consciência coletiva. A posse de um bem é associada
por Belk (1982) com o desejo de ter. Para o autor, a maior evidência de que o desejo de ter
coisas é universal vem dos relatos da antiguidade, quando os mortos eram enterrados com seus
bens e havia desenhos ornamentando casas e palácios, indicando a relevância da posse.
Conceitualmente, posses são as coisas que cada sujeito chama de sua (WALLENDORF;
ARNOULD, 1988; WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH, 2016). Lastovicka e
Fernandez (2005) definem posses significativas como recipientes (commodities ou objetos) que
transportam significados públicos (significados amplamente difundidos das matérias-primas) e
significados particulares (significados pessoais não amplamente difundidos).
As posses podem ser individuais, conjuntas ou compartilhadas (BELK, 1988), podendo
ter uma vida relativamente curta - como para coisas, como comida ou outros bens não duráveis;
ou longa, como para casas, móveis e outros bens duráveis (BELK, 2001). Na literatura de
comportamento do consumidor, diversos autores têm indicado que as pessoas usam os objetos
para definir seu eu, para criar um senso de identidade, para lembrar a elas e aos outros de quem
elas são ou quem eles gostariam de ser, ou ainda para proteger ou ampliar seu autoconceito
(p.ex., BALL; TASAKI, 1992; BELK, 1988; 1989; 1992; 2013; WALLENDORF; ARNOULD,
1988).
Citando Fromm (1987), Belk (1982) lembra que a variedade de coisas que se pode
chamar de “minhas” cresceu incrivelmente, e passou a incluir sentimentos, características
pessoais e ideias, experiências e conhecimentos, ativos tangíveis, símbolos próprios e até
mesmo outras pessoas. Em 2013, Belk atualizou sua proposição sobre o conceito de posses,
dizendo que, em 1988, já havia computadores pessoais, mas não havia páginas da web, games
online, mecanismos de busca, mundos virtuais, mídias e redes sociais, internet, e-mail,
smartphones, MP-3 players ou câmeras digitais, que atualmente ampliam imensamente as
possibilidades de extensão do eu (BELK, 2013).
De acordo com Belk (1983; 1988) ter a posse implica o domínio ou controle sobre um
objeto, bem como identificação pessoal com este objeto como uma extensão de si. Para o autor,
possessividade é a inclinação e a tendência a manter o controle ou a propriedade sobre as posses,
seja isso restrito a objetos individuais ou generalizado a todas as posses. Os objetos de posse
não precisam ser de propriedade em sentido jurídico, desde que haja uma tendência a impedir
outras pessoas de obter o controle dos mesmos objetos. Segundo Belk (1983), não há tom
pejorativo nessas definições, no entanto, vários em aspectos essas características e as
47
motivações presumidas para que as pessoas queiram ter a posse de bens são fortemente
criticados. Críticas sobre a posse de bens são feitas há muito tempo e vão desde as advindas de
diversas religiões, nas quais se condena a concentração excessiva para construção de riqueza
material; até as oriundas dos defensores do marxismo, que denunciam o “fetichismo da
mercadoria” por parte do consumidor, como já visto neste trabalho (BELK, 1983).
As sociedades industrializadas possuem um número sem precedente de produtos e os
consumidores estão envolvidos no seu dia a dia por objetos, que são usados em diversos
momentos (RICHINS, 1994a). Na visão de Slater (2002) é por meio das mercadorias que a vida
cotidiana é formada, sustentada e reproduzida, assim como são as identidades e as relações
sociais nas quais os indivíduos vivem. Uma grande porção do tempo das pessoas é gasta na
aquisição de bens ou trabalhando para pagar por eles e os discursos diários são frequentemente
focados em produtos (RICHINS, 1994a). “Objetos servem como o conjunto e adereços nas
fases teóricas de nossas vidas”, afirmam Wallendorf e Arnould (1988, p. 531), contribuindo
para situar as características e a personalidade de um indivíduo em um contexto.
Os indivíduos usam os objetos como marcadores para identificarem-se para os outros,
assim como esses objetos são usados por eles para que se lembrem de quem são
(WALLENDORF; ARNOULD, 1988). Richins (1994a) destaca que parte dos objetos que as
pessoas valorizam não podem simplesmente comprados ou vendidos. A autora exemplifica sua
afirmação com no seguinte trecho:
A posse mais valiosa de um homem pode ser a foto de sua falecida esposa, tirada em
uma viagem particularmente memorável. A “posse” neste caso não é tanto a
fotografia, mas sim as memórias que não podem ser compradas a qualquer preço.
Pedir para essa pessoa o quanto ele pagaria por essa fotografia vai tão além da
imaginação e qualquer resposta seria sem sentido (RICHINS, 1994a, p. 505).
Ao propor tal abordagem para a relevância dos bens, os autores confrontam a ideia de
que eles são primeiramente “necessários à subsistência e à exibição competitiva” (DOUGLAS;
ISHERWOOD, 2013, p. 103). Bens são necessários para dar visibilidade e estabilidade às
categorias da cultura (MCCRACKEN, 2003). Wallendorf, Belk e Heisley (1988) revelam que,
em suas pesquisas, os informantes muitas vezes consideravam algumas das suas posses mais
do que coisas meramente utilitárias: essas posses carregavam significados profundos em suas
vidas. Da mesma forma, Douglas e Isherwood (2013) e Sahlins (2003) afirmam que os bens de
consumo parecem ter uma significação que vai além de seu caráter utilitário e de seu valor
comercial, uma vez que possuem habilidade de carregar e comunicar significado cultural. Nesse
sentido, Douglas e Isherwood (2013) afirmam os bens são bons para comer, vestir e abrigar;
48
mas também são bons para pensar, devendo ser tratados como uma forma não verbal da
capacidade humana de criar (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013).
Para Sahlins (2003) a utilidade dos bens pode ser pensada a partir de suas dimensões: a
objetiva e a subjetiva. A lógica objetiva compreende que a cultura é produto das atividades
racionais dos indivíduos na busca por seus melhores interesses. A característica principal da
cultura, segundo esta abordagem, é que ela se adapta as questões materiais de acordo com um
esquema simbólico, que jamais é o único possível. Justamente por isso “é a cultura que constitui
utilidade” (SAHLINS, 2003, p. 8), sendo sua lógica simbólica ou significativa. Em contraponto
ao utilitarismo, segundo o qual o homem é definido pelo mundo material em que vive, na lógica
simbólica entende-se que todos os organismos vivem nesse mesmo mundo material, mas nem
todos criam sobre ele uma rede de significados que dá sentido à vida cotidiana. Esta é uma
qualidade única da humanidade, já que as culturas são ordens de significado de pessoas e coisas
(SAHLINS, 2003).
Coulter e Ligas (2003) sugerem em sua pesquisa que os produtos podem ter significados
funcionais e simbólicos, dependendo da motivação dos indivíduos para seu consumo.
Significados funcionais referem-se a atributos e características utilitárias do produto, ou seja, o
produto principal e os as funções que permitem que o produto funcione de uma maneira
específica. Significados simbólicos, por sua vez, incidem sobre as expressões pessoais e
intrínsecas associadas aos bens. Neste caso, o produto ganha significado porque está vinculado
a algum evento específico, porque desenvolve qualidades interpessoais ou auxilia de alguma
forma na comunicação do self do indivíduo. Em alguns casos, os consumidores desenvolvem
laços emocionais com produtos e encontram os itens necessários à expressão e comunicação de
seu eu.
Algumas posses simplesmente não estão sujeitas as regras econômicas normais,
tornando-se inalienáveis (BELK, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989; RICHINS,
1994a). Mesmo que haja uma proposta financeiramente tentadora, a maior parte das pessoas
não troca seus animais de estimação, anéis de casamento, fotos de família ou seus filhos, por
exemplo (BELK, 1988; RICHINS, 1994a). Isso leva a crer que alguns objetos são importantes
na vida das pessoas e que as coisas que as pessoas possuem revelam características e valores de
seus donos (RICHINS, 1994b; WALLENDORF; ARNOULD, 1988; MEHTA; BELK, 1991;
CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; AHUVIA, 2005; LASTOVICKA; SIRIANNI, 2011;
LASTOVICKA et al., 2014). De tal forma isso parece ser uma máxima sobre o consumo em
geral, que pessoas podem, inclusive, manter produtos aos quais estão ligadas mesmo quando
49
estes produtos não funcionam corretamente, o que sugere que a utilidade não é condição
necessária para o apego entre consumidor-objeto (SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-
PELGRIM, 2009). Os bens que as pessoas possuem narram suas histórias de vida, refletem “a
minha vida” (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995, p. 327). A ligação que as pessoas têm com
suas posses é explicada a seguir.
2.3.1 Apego às posses
Parece difícil afirmar quando um objeto se torna uma posse, ou seja, quando o indivíduo
passa a estabelecer com ele uma relação de posse. Apenas toca-lo ou imaginá-lo como sendo
seu pode levar a sentimentos de posse percebida (PECK; SHU, 2009). No entanto, a posse pode
não ser suficiente para que uma pessoa se sinta ligada a seus bens (RICHINS, 2004), ou, sinta
algum tipo de emoção por possuir tal objeto, de maneira a sentir-se apegada a ele. Esse
fenômeno é tratado na literatura como “attachment” (BROUGH; ISAAC, 2012), que Ball e
Tadaski (1992) definem como o grau em que um objeto é usado pelo indivíduo para manter seu
autoconceito.
A pesquisa sobre a posse de bens em vários campos leva a afirmar que apego aos
objetos, além de uma habitual e cultural função do consumo, pode ser interpretado como um
símbolo de segurança, como a expressão do autoconceito e como um sinal de conexão ou
diferenciação para com outros membros da sociedade (RICHINS, 2004; KLEINE; BAKER,
2004). O apego do consumidor implica a existência de laços emocionais entre pessoa-objeto.
Além disso, o objeto ao qual a pessoa está ligada é considerado especial e normalmente significa
muito para ela. Consequentemente, se o bem é perdido, a pessoa vai experimentar sofrimento
emocional. Nessas circunstâncias é improvável que a pessoa se desfaça de seus bens ou elimine-
os de alguma forma (DELORME; ZINKHAN; HAGEN, 2004; SCHIFFERSTEIN;
ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).
Para Kleine e Baker (2004) apego a posses materiais é uma propriedade multifacetada
da relação entre um indivíduo específico ou grupo de indivíduos e um objeto material
específico, que uma pessoa se apropriou psicologicamente, desmercantilizou e singularizou por
meio da interação pessoa-objeto. O sentimento de posse envolve o processo de dar valor
objetos, bens ou coisas (RICHINS, 1994a), que não precisam necessariamente ser de sua
propriedade (BELK, 1988). Seja como um processo (BELK, 1988) ou por meio de rituais
50
(MCCRACKEN, 2003), as formas como as pessoas se apegam as coisas podem variar
amplamente (WALLENDORF; ARNOULD, 1988; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004;
KLEINE; BAKER, 2004). Kleine e Baker (2004) reuniram nove características, resumidas no
Quadro 2 , que retratam o processo de valorização dos bens, ou o apego.
Quadro 2 – Características do Apego às Posses
Característica Descrição Autores
1. Objetos Específicos O apego se forma para objetos
materiais únicos.
Wallendorf e Arnould (1988); Kleine,
Kleine e Allen (1995); Belk (1982; 2010)
2. Apropriação
Psicológica
Deve haver a sensação de que o
objeto é “meu”. Belk (1992)
3. Extensões do Self Capacidade de extensão do self para
os objetos. Os objetos que o
consumidor valoriza frequentemente
revelam alguma coisa sobre o tipo de
pessoa que ele é, sendo que estes
objetos servem como uma janela
para o eu dessa pessoa.
Belk (1988); Wallendorf, Belk e Heisley
(1988); Belk, Wallendorf e Sherry (1989);
Ferraro, Escalas e Bettman (2011); Rook
(1985); Wallendorf e Arnould (1988);
McCracken (2003); Watkins, Denegri-Knott
e Molesworth (2016)
4. Singularizadas e
desmercantilizadas
O processo de extensão de si
descommoditiza, singulariza e
personaliza objetos materiais
específicos, simbolizando
significados autográficos.
Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981);
Wallendorf e Arnould (1988); Belk (1988);
Belk, Wallendorf e Sherry (1989); Kopytoff
(1986); Grayson e Shulman (2000)
5. História pessoal Os bens tornam-se insubstituíveis
através dos diversos rituais de
possessão aos quais são submetidos,
que lhes extraem significado e lhes
dão sentido.
Belk (1988); McCracken (2003); Grayson e
Shulman (2000)
6. Força A força da ligação que uma pessoa
sente para como seus objetos de
apego varia de acordo com o
indivíduo.
Belk (1988); Mehta e Belk (1991); Kleine,
Kleine e Kernan (1992); Kleine, Kleine e
Allen (1995); Park, MacInnis e Priester
(2006); Kogut e Kogut (2011)
7. Multifaces Há várias motivações para o apego e
os objetos especiais variam em seus
propósitos simbólicos.
Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981);
Schultz, Kleine e Keman (1989); Kleine,
Kleine e Allen (1995)
8. Complexidade
Emocional
Posses as quais se tem apegos são
carregadas de profundo significado
pessoal e emocional.
Belk (1992); Roster (2001)
9. Dinamismo Os apegos evoluem ao longo do
tempo assim como o significado do
self muda.
Myers (1985); Curasi (1999); Price, Arnould
e Curasi (2000); McCracken (2003); Curasi,
Price e Arnould (2004); Lastovicka e
Fernandez (2005); Epp e Price (2010)
Fonte: Baseado em Kleine e Baker (2004).
A primeira característica do apego é que ele é direcionado a objetos específicos. Isso
significa, segundo Kleine e Baker (2004), que o apego se forma para objetos materiais únicos
e não com categorias de produtos ou marcas. Apesar da maior parte do apego ser para objetos
comuns, sabe-se que o significado especial atribuído a eles é formado através de experiências
51
envolvendo o objeto. Assim, objetos de consumo considerados como insubstituíveis
(GRAYSON; SHULMAN, 2000), especiais (PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000), muito
importantes (LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005), mais queridos (CURASI; PRICE;
ARNOULD, 2004), favoritos (SCHULTZ; KLEINE; KERNAN, 1989; MEHTA; BELK,
1991), amados (AHUVIA, 2005; BROUGH; ISAAC, 2012) ou difíceis de viver sem (KLEINE;
KLEINE; ALLEN, 1995) têm um significado simbólico para seu proprietário que não está
presente em outros produtos, mesmo quando eles são fisicamente idênticos ou réplicas
(SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008). O significado especial pode estar
ancorado nesse objeto específico, de forma que produto e significado tornam-se inseparáveis.
Porque outros objetos não conseguem fornecer este significado, a pessoa pode sentir que
substituir aquele bem resultará na perda de seu significado especial. Estes sentimentos de “não
haver substituto” (GRAYSON; SHULMAN, 2000) são provavelmente o componente mais
importante do apego, pois baseiam-se na relação pessoal e única com o objeto.
A segunda característica, apontam Kleine e Baker (2004) indica que os objetos de apego
devem ser psicologicamente apropriados, ou seja, é fundamental que haja uma sensação de que
o objeto é “meu” (BELK, 1992). Um objeto considerado como “meu”, contudo, não significa
que ele de fato representa “eu”. Através do consumo as pessoas extraem significado cultural,
dão sentido e reivindicam a posse dos bens como delas (MCCRACKEN, 2003), construindo
assim, apego as suas posses. Exemplos de apropriação psicológica incluem a cadeira favorita
de um aluno em sua sala de aula, que a vê como “sua”; ou bens valiosos perdidos, roubados ou
destruídos (FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011) que continuam sendo percebidos pelos
seus proprietários como “seus”. É possível que as pessoas se apropriem psicologicamente de
marcas, lugares, experiências, ideias, etc. Apesar de ser condição necessária para o apego às
posses, a apropriação psicológica não é suficiente para formar apego, ou seja, só porque algo é
“meu”, não significa que ele seja “eu” (KLEINE; BAKER, 2004).
A terceira característica do apego às posses, diz respeito à capacidade de extensão do
self para os objetos considerados “meus” (BELK, 1988; KLEINE; BAKER, 2004). As pessoas
se tornam apegadas a produtos que definem e mantém seu autoconceito (BALL; TASAKI,
1992; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Os objetos que o consumidor valoriza
frequentemente revelam alguma coisa sobre o tipo de pessoa que ele é, servindo como uma
janela para o eu dessa pessoa (RICHINS, 1994b). Para Belk (1988; 1989; 1992) as posses
podem de fato representar o self - sinônimo de identidade - de maneira que o que é considerado
“meu” passa a ser “eu”. O entendimento do autor fica claro, quando ele afirma que “nós somos
52
o que temos [...] é talvez o fato mais básico e poderoso do comportamento do consumidor”
(BELK, 1988, p. 139). O fato dos apegos serem extensões do self pode ser percebido quando
os indivíduos estendem sua noção de eu em coisas como pessoas, lugares, experiências, ideias,
crenças e objetos materiais aos quais são apegados (BELK, 1988; KLEINE; BAKER, 2004).
As posses que se impregnam do senso de self passam a ser cultivadas por simplesmente serem
objetos conhecidos e que estão disponíveis para uso (BELK, 1988, p. 140; ROSTER, 2001).
As formas como as posses são incorporadas ao self são tratadas por Belk (1988) como
processos de extensão. A partir da abordagem de Sartre, Belk indica que há três processos pelos
quais se aprende a considerar um objeto como parte do self, sendo eles: (1) controlar e/ou
dominar o objeto para seu uso pessoal, o que engloba tanto aprender e manipular um bem quanto
dá-lo de presente; (2) criar, tanto coisas materiais quanto pensamentos abstratos, pois a criação
permite a retenção da identidade do criador no objeto, o que pode ser atingido também através
da compra; (3) conhecer o objeto de forma íntima, apaixonada (relativa ao desejo), pois somente
assim ele pode se tornar parte de si. Estas três formas são citadas por Belk (1988) como ativas
e intencionais, já que os indivíduos se esforçam para incorporá-los ao seu self, trabalhando para
tê-las como sua “segunda pele” (BELK, 1988, p. 151) ao investir sua energia nelas.
Contudo, podem ocorrer processos de incorporação não intencionais, ocasionados pela
contaminação, que envolve uma incorporação involuntária de outro self (BELK, 1988;
WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH, 2016). Normalmente, os indivíduos
evitam a contaminação através de rituais, como por exemplo, quando são comprados objetos
de segunda mão, carros ou apartamentos usados, herdadas roupas e pertences de parentes
mortos, etc. Nestes casos os rituais ocorrem no sentido de descontaminar, limpar o objeto, para
que se possa reincorporar um novo self, tal como descreve McCracken (2003). É possível,
entretanto, que a contaminação tenha aspectos positivos, quando, por exemplo garotas
adolescentes trocam suas roupas. Nestas situações elas trocam não só amizade, mas também
identidades – “elas se tornam almas gêmeas” (BELK, 1988, p. 151).
As posses se contaminam através da associação/relação física com outras pessoas
(BELK, 1988; 1990; 1991; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989). Objetos contaminados
podem ganhar uma “simpática magia ou contágio” (BELK, 1988, p. 149) que lhes permite
incorporar os traços ou “características de outros” (BELK 1988, p. 151), “compartilhar a
identidade de um grupo” (BELK, 1988, p. 151), “carregar memórias” (BELK, 1990, p. 672) e
preservar o status sagrado de uma posse por afastar os hábitos e a “invasão dos significados
profanos” BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989, p. 21).
53
Ao relacionar as posses como parte de seu self estendido, as pessoas sentem que a noção
de si é intensificada pelo que têm ou reduzida pelo que perderam (BELK, 1988;
WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989;
FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Wallendorf, Belk e Heisley (1988) relatam que
coleções, fotografias de família e veículos, por exemplo, foram descritos por seus informantes
como fontes de uma sensação ampliada de self quando eram seletivamente cultivados e
preservados. De forma oposta, quando esses bens eram perdidos, danificados ou deixados de
lado havia o relato de uma sensação de diminuição de si mesmo seguida por um período de
luto. Curiosamente, os autores contam que, mesmo quando os bens foram tem porária ou
permanentemente deixado para trás, há uma parte do self que continua a ser investido neles.
Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) fazem uma importante colocação ao
observarem que alguns autores, como Ball e Tasaki (1992) e Kleine, Kleine e Allen (1995),
confundem o conceito de self extention com o conceito de apego ao definirem apego como “a
medida em que um objeto que é de propriedade, que se espera possuir ou foi anteriormente
possuído por um indivíduo, é usado por ele para manter seu autoconceito” (BALL; TASAKI,
1992, p. 158) e “um significante multidimensional da extensão do eu” (KLEINE; KLEINE;
ALLEN, 1995, p. 341). Na opinião de Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) a extensão do
eu (BELK, 1988) está relacionada com apego, mas não é a mesma coisa. Quando uma pessoa
se sente emocionalmente ligada a uma posse, o objeto pode ser considerado como parte do eu:
o que é “meu” torna-se “eu”. Contudo, o apego emocional não parece ser um pré-requisito
necessário para a extensão do eu nos objetos, já que as pessoas podem considerar suas posses
em geral, incluindo aquelas com fins utilitários, como auto extensões.
A quarta característica do apego é que as posses são singularizadas e
desmercantilizadas - ou descommoditizados (KLEINE; BAKER, 2004). Como afirma Kopytoff
(1986), as pessoas constroem significados para seus objetos materiais de forma semelhante a
como constroem significados para as pessoas, o que permite que ao longo do tempo se possa
conhece-las como indivíduos. O processo de extensão de si descommoditiza, singulariza e
personaliza objetos materiais específicos, simbolizando significados autográficos (BELK,
1988). A singularidade muitas vezes está associada a uma falta de vontade de vender as posses
por valores de mercado (BELK, 1991), pois posses insubstituíveis e singulares tornam-se
inestimáveis. O cobertor que uma criança usa como objeto de transição é um exemplo bastante
conhecido dessa não substituibilidade (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON,
1981; WALENDORF; ARNOULD, 1988; BELK, 1988), que ocorre quando o consumidor
54
resiste em trocar, mesmo com uma réplica exata, porque sente que a réplica não pode sustentar
o mesmo significado que o objeto original (GRAYSON; SHULMAN, 2000).
Wallendorf, Belk e Heisley (1988) descrevem que algumas pessoas consideram suas
posses mais do que meramente coisas utilitárias, pois essas coisas possuem profundo
significado em suas vidas. Para os autores os temas que explicam a expressividade desse
significado profundo são (1) extensão do eu; (2) fetichismo; (3) totemismo ou antropomorfismo
e; (4) distinções sagradas e profanas. Segundo os autores, talvez o tema mais relevante do
significado do consumo, seja o status sagrado de certos bens para os indivíduos. “O
comportamento do consumidor em relação a tais bens é diferente do comportamento que
pertence a profanar produtos comuns” (WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988, p. 529).
Objetos sagrados são vistos como místicos, poderosos e merecedores de comportamento
reverente, em oposição ao comportamento normal, comum, e mundano concedido às
mercadorias profanas. Objetos de consumo sagrados são tratados como ícones religiosos
sagrados, e, portanto, estão “acima do preço” e afastados do mundo vulgar do comércio.
Fernandez e Lastovicka (2011) revelaram em sua pesquisa uma inter-relação entre
fetichismo e extensão do self, a distinção entre sagrado e o profano, e antropomorfização,
confirmando a proposição de Belk, Wallendorf e Sherry (1989) de que estes fenômenos são
distintos e relacionam-se entre si:
Em primeiro lugar, a contaminação, o resultado de mágica contagiosa, parece ser o
principal mecanismo subjacente à criação do auto estendida. Em segundo lugar, as
inter-relações entre a mágica imitativa da réplica profana e a magia contagiosa da
relíquia sagrada lançar luz sobre a distinção profano-sagrado. Terceiro, a mágica
imitativa facilita a antropomorfização, como, por exemplo, quando as interações de
músicos com seus instrumentos antropomorfizaram os instrumentos e criaram laços
emocionais entre eles (FERNANDEZ; LASTOVICKA, 2011, p. 297).
Como decorrência do artigo de Wallendorf, Belk e Heisley (1988), Belk, Wallendorf e
Sherry (1989) aprofundam a descrição das características das posses sagradas em um artigo
seminal para disciplina de comportamento do consumidor, no qual descrevem como bens
comuns se tornam sagrados através de práticas de consumo. Posses sagradas envolvem objetos
e eventos retirados de suas atividades normais, tratados com respeito e até mesmo reverência,
que por isso são tratadas como únicas, insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000;
CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004). Por outro lado, posses profanas são bens e momentos
comuns, cotidianos, que não possuem o caráter especial dos bens sagrados. Porque posses
especiais atraem energia psíquica, os consumidores muitas vezes as veem como sagradas
(CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004), “consideradas mais significativas, poderosas e
extraordinárias do que eles próprios” (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989, p. 13).
55
A quinta característica do apego, diz respeito a existência de uma história pessoal entre
o sujeito e sua posse (KLEINE; BAKER, 2004). As posses não se tornam singularizadas sem
que haja uma história entre self e objeto. A exigência de uma história entre pessoa e posse é um
dos temas mais frequentes nessa literatura (KLEINE; BAKER, 2004). A posse de um bem exige
que o consumidor se envolva com práticas ou rituais, que, ao longo do tempo, os tornam
insubstituíveis. Para McCracken (2003) é através dos diversos rituais de possessão aos quais
são submetidos os bens, que o consumidor extrai significado e dá sentido ao objeto possuído.
Tais rituais incluem, por exemplo, exibir, limpar, armazenar, discutir, comparar
(MCCRACKEN, 2003).
A sexta característica do apego a posses materiais salienta que ele tem força, que pode
ser relativamente forte ou fraca (KLEINE; BAKER, 2004). Apesar de serem usadas expressões
para discutir o apego, tais como “quem eu sou”, “quem eu não sou” ou “o que sou eu” e “não
eu”, ele parecer ser uma questão de grau (KLEINE; BAKER, 2004). A força da ligação que
uma pessoa sente para como seus objetos de apego varia de acordo com o indivíduo (BELK,
1988; KLEINE; KLEINE; KERNAN, 1992; MEHTA; BELK, 1991b; PARK; MACINNIS;
PRIESTER, 2006; KOGUT; KOGUT, 2011). Geralmente apegos fortes incluem posses tratadas
como “muito difíceis de se viver sem ou muito queridas”, “ligadas a” ou “insubstituíveis”
(MUGGE; SCHIFFERSTEIN; SCHOORMANS, 2006, p. 645). Estes apegos são mais centrais
ao self (BELK, 1988), enquanto apegos fracos não refletem muito ou refletem nada do self
(KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). A força do apego pode ser indicada por tendências
comportamentais, tais como a falta de vontade de vender bens pelo seu valor de mercado ou
descartar objetos após o seu uso funcional ter acabado (BELK, 1991).
Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006) e Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008)
analisaram os determinantes do apego e os definiram como autoexpressão, vinculação,
memórias e prazer (gozo); autonomia individual, vinculação com o grupo e visão de mundo.
Ambos os estudos apontam que o grau de apego muda com o passar do tempo, o que vai ao
encontro das pesquisas de Ball e Tasaki (1992). Os autores indicam que o apego varia com a
duração da posse, tendo sido mais forte para objetos muito novos e para os possuídos já há
bastante tempo. Essa variação pode ser compreendida, pois as razões para o apego parecem ser
diferentes nesses dois casos. O prazer parece ser maior para bens recém-adquiridos, enquanto
as memórias são mais elevadas para os objetos mais antigos. Por isso, o prazer pode ser a
principal razão para as pessoas se apegarem a objetos recém-adquiridos (como quando se gosta
de dirigir um carro novo logo depois de tê-lo comprado), enquanto as memórias podem ser a
56
principal razão para apegar-se em produtos que as pessoas possuem a um longo período de
tempo (como quando se olha para uma herança que lembra seu avô). Objetos que as pessoas
têm por um longo tempo podem evocar muitas memórias e são suscetíveis de acumular ainda
mais delas ao longo do tempo (SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).
A sétima características revela que o apego é um conceito relativamente complexo e
multifacetado (KLEINE; BAKER, 2004; FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Belk
(1988) retrata o self estendido (incluindo apegos) como sendo composto por diferentes
camadas, que vão de um self-core interior e privado, à uma camada mais externa e coletiva.
Cada self está associado a diferentes tipos de apegos que refletem tarefas particulares de
autodesenvolvimento. Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) identificam várias
motivações para o apego e afirmam que os objetos especiais variam em seus propósitos
simbólicos, sugerindo que a caraterística multifacetada é criada pelos laços de uma pessoa e
suas posses. Kleine, Kleine e Allen (1995) e Schultz, Kleine e Keman (1989) definem apego
como tendo facetas que incluem afiliação, autonomia e orientações temporais que remetem ao
passado, ao presente e ao futuro. Em contraste com as conceituações multifacetadas, as escalas
de medição do apego o representam como um constructo unidimensional (BALL; TASAKI,
1992; SIVADAS; VENKATESH, 1995; BROUGH; ISAAC, 2012).
A oitava característica refere-se ao fato do apego ser emocionalmente complexo.
Pesquisadores de consumo têm sugerido que os significados atribuídos a objetos específicos
(como locais, presentes, coleções, lembranças, e assim por diante) podem fazer as pessoas se
apegarem a esses objetos, com os quais, posteriormente, podem desenvolver laços especiais,
emocionais (KOGUT; KOGUT, 2011). Para Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) o apego
consumidor-objeto implica a existência de um laço emocional entre eles. Segundo Mugge,
Schifferstein e Schoormas (2005) as pessoas experimentam comportamento mais protetivos
para com objetos aos quais são apegadas e frequentemente desenvolvem relações de longa
duração com eles.
Laços emocionais persistentes com objetos altamente “caquéticos” podem levar anos
para se desfazer e podem nunca desaparecer completamente, pois posses especiais são
frequentemente ancoradas num passado distante, seu período de relevância imediata na vida
das pessoas (ROSTER, 2001, p. 426). Schultz, Kleine e Kernan (1989) enumeraram 83
diferentes emoções quando pediram para 95 respondentes descreverem os sentimentos que
experimentavam quando pensavam num objeto que fosse extremamente difícil de viver sem.
Na maioria dos casos, essas emoções eram positivas, como felicidade, amor, orgulho, segurança
57
e conforto. No entanto, em certos casos, as emoções também foram negativas (como tristeza),
quando, por exemplo, o objeto era uma lembrança de tempos difíceis. Carregado de profundo
significado pessoal e emocional o apego é “extraordinário, misterioso e evoca emoção ao invés
de ser meramente funcional” (BELK, 1992a, p. 45).
A nona e última característica do apego às posses, segundo Kleine e Baker (2004) é que
ele é dinâmico, ou seja, evolui ao longo do tempo. Nos estudos de Mugge, Schifferstein e
Schoormans (2006) e Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008) o significado associado à posse
e a intensidade do apego não permanece estático, mas evolui, assim como evolui o self das
pessoas. Isso faz com que a função autobiográfica do objeto também se modifique (MYERS,
1985). Para Myers (1985, p. 6) as “posses emocionalmente significativas são um símbolo de
crescimento e mudança de uma pessoa”, pois participam desse processo de transformação.
Muitos autores, entre eles Schultz; Kleine e Kernan (1989), Kleine, Kleine e Allen (1995),
Grayson e Schulman (2000), Thomson, MacInnis e Park (2005), Mugge, Schifferstein e
Schoormans (2006), Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008), Lastovicka e Sirianni (2011) e
Watkins, Denegri-Knott e Molesworth (2016), sugerem que o crescimento do apego ocorre ao
longo do tempo, baseado nas interações dos consumidores com suas posses.
A dinamicidade do apego não impede, contudo, que alguns bens específicos assumam
significados relativamente estáticos, tais como relíquias de família ou heranças. Estas últimas
podem, por exemplo, simbolizar significados profundos de uma família e sentimentos de (auto)
continuidade, que são passados de geração para geração (CURASI, 1999; MCCRACKEN
1988; MEHTA; BELK, 1991; PRICE; ARNOULD; CURASI 2000; CURASI; PRICE;
ARNOULD, 2004; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005; EPP; PRICE, 2010). A análise do
significado de heranças e bens familiares têm sido explorados na literatura de comportamento
do consumidor por autores como McCracken (2003), Price, Arnould e Curasi (2000) e Epp e
Price (2010), que identificaram o link entre objetos e identidades familiares. McCracken (2003,
p. 74-75) descreve o caso da informante Lois Roget como uma história incomum de significado
de herança e relíquias de família, com um tipo de consumo chamado pelo autor de “curatorial).
Gerações familiares legitimam suas heranças como veículos de identidade de grupo através de
práticas histórias contadas e transmitidas para os mais novos, de rituais de uso e de exposição
dos bens (MCCRACKEN 1988; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004; EPP; PRICE, 2010).
58
Kleine e Baker (2004) destacam ainda que o apego é conceitualmente diferente das
características gerais do materialismo, uma vez que attachment reflete a relação entre uma
pessoa específica e um objeto específico (WALLENDORF; ARNOULD, 1988; BALL;
TADASKI, 1992), enquanto o materialismo é uma tendência de investir o self em posses
materiais (BELK, 1995). O apego também é conceitualmente distinto do envolvimento com
produto e do relacionamento entre consumidor e marca. Esses construtos geralmente são
compreendidos como a importância da categoria de produto para uma pessoa, como carros, por
exemplo, (LAURENT; KAPFERER, 1985; COSTLEY, 1988) e a relação com a marca
(FOURNIER, 1998; PARK; MACINNIS, PRIESTER; 2006), respectivamente, ao passo que
attachment possession está preocupado com um objeto específico.
2.3.1 Significados (Tipos/Valor) do Apego
Dada a centralidade das coisas na vida dos consumidores, parece útil perguntar que
significados elas têm e porque são tão valorizadas. Algumas posses têm mais valor do que
outras? Como as pessoas se apegam as suas coisas? As posses são valorizadas pelo significado
que incorporam, os instrumentos que fornecem e as contribuições que fazem para o nosso bem-
estar (ROSTER, 2001). Belk (1988, p.146) descreve os bens como “reservatórios mágicos” de
significado que conectam o sujeito aos aspectos mais profundos, menos compreendidos e
inarticulados de sua vida (como por exemplo, a religião, a magia ou a ciência). De acordo com
McCracken (2003), o valor das posses, as quais os indivíduos se apegam apresenta custos e
benefícios, que variam de acordo com a capacidade do bem em transferir e guardar significados.
Wallendorf e Arnould (1988) afirmam que diversos significados estão atrelados aos
bens, que são fortes comunicadores de quem o indivíduo é, quais suas conexões e de quais
grupos deseja se diferenciar. Para os autores os bens possuem diversos significados na vida das
pessoas: ajudam o indíviduo a representar o papel que desejar perante seus grupos sociais,
conferem sustento, abrigo, segurança e entretenimento. Além disso, os bens servem como
ferramentas para cumprir tarefas ao mesmo tempo em que concedem mobilidade. Eles
controlam os efeitos da natureza sobre os seres humanos, mantendo-os “secos enquanto a
natureza esta molhada, quentes quando esta fria, frescos enquanto está quente, nas sombras
quando há muito sol e na luz quando está muito escuro” (WALLENDORF; ARNOULD, 1998).
59
Os bens podem, no entanto, mudar de significado durante seu ciclo de vida. Assim como
as pessoas passam por “ritos de passagem”, que podem representar uma nova configuração em
suas vidas, os objetos também passam por transformações de significado (MCCRAKEN, 2003,
p. 109). Ao longo do tempo vão surgindo novas ideias e maneiras, capazes de ocasionar
mudanças culturais significativas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). Wallendorf (2009, p.
533) complementa esse análise, indicando que, após a conclusão de um rito de passagem, o
iniciado surge, geralmente, com uma nova identidade social e, frequentemente, com novos
objetos capazes de caracterizar este novo momento de vida.
O significado incorporado aos bens pode ser transferido aos indivíduos por meio de
rituais, que permitem a sua posse, manipulação, reconstrução e ressignificação adaptados ao
contexto social. Eles são poderosas ferramentas de manipulação dos significados culturais, de
forma que um “rito de passagem” é constituído a partir de diversos comportamentos que
movimentam os indivíduos entre as diferentes categorias sociais (MCCRAKEN, 2003, p. 109).
Os bens, segundo o autor, conferem significados aos indivíduos através dos seguintes rituais:
de troca, de posse, de arrumação e de despojamento.
Os rituais de troca envolvem dar e receber presentes e costumam ocorrer em situações
como trocas de presente em festas de Natal e/ou aniversário, entre outras. Para McCracken
(2003), ao escolher um presente o indivíduo normalmente procura características que acredita
que faltem ou que gostaria de acrescentar ao presenteado de forma simbólica. Os rituais de
posse permitem que certas propriedades simbólicas sejam transferidas e ao mesmo tempo
reivindicadas pelo consumidor. Ao fotografar, mostrar, falar e refletir sobre o bem, o indivíduo
cria um elo de conexão com ele, que lhe permite ter a sensação de estar absorvendo para si
todas as propriedades atribuídas ao bem, tornando-o assim parte de sua vida. Para McCraken
(2003), ao reivindicar a posse de um produto, o consumidor também é capaz de conferir a ele
significados de seu próprio mundo através dos rituais de posse que personalizam o produto e o
tornam parte importante em sua vida. Nas palavras do autor:
Os indivíduos dispõem com sucesso dos rituais de posse, e os administram para extrair
as propriedades significativas que foram investidas nos bens de consumo. Quando isto
ocorre, eles são capazes de utilizar os bens como marcadores de tempo, espaço e
ocasião, e de recorrer à sua habilidade de discriminar as categorias culturais de classe,
gênero, idade, ocupação e estilo de vida (MCCRACKEN, 2003, 116).
Rituais de arrumação, por sua vez, ajudam o consumidor a resgatar continuamente as
propriedades simbólicas investidas no bem e investi-las em si, mesmo quando estas já estão
enfraquecidas. Estes rituais podem ser tanto de arrumação do bem, como no caso de uma joia
que precisa ser limpa antes de utilizada, quanto de arrumação do próprio consumidor, que ao
60
utilizar um produto específico, assimila para si características capazes de potencializar a sua
personalidade, conferindo-lhe a segurança e confiança necessárias para certo momento
(MCCRACKEN, 2003). Os processos de arrumação são uma tentativa do indivíduo de manter
vivo o significado de um bem. A tarefa de ressignificação através da manutenção do bem ajuda
o indivíduo a manter o bem como parte de sua identidade (WATTANASUWAN, 2005).
No ritual de despojamento, segundo McCracken (2003), ocorre uma tentativa por parte
do indivíduo de “limpar” o bem de seus significados passados. Esta situação pode ocorrer tanto
quando o consumidor está se desfazendo de um bem e precisa encerrar a sua relação de posse
com ele, quanto em uma situação em que o indivíduo adquire um bem que outrora pertenceu a
outra pessoa. Nesse segundo caso “o despojamento permite ao novo dono evitar o contato com
as propriedades significativas do dono anterior, bem como ‘libertar’ o significado da posse e
reivindica-lo para si” (MCCRACKEN, 2003, p 118).
Richins (1994a; 1994b) busca esclarecer como as pessoas valorizam as coisas que têm,
ou seja, como se apegam a elas. Explicando porque alguns objetos são escolhidos ou tornam-
se valiosos ao passo que outros são relativamente insignificantes, Richins (1994b) afirma que
é necessário considerar os significados desses objetos possuídos e a relação entre esses
significados e os valores pessoais. Os objetos que as pessoas consideram como mais
importantes em suas vidas normalmente caracterizam seus valores pessoais. Pessoas que
valorizam a família, provavelmente terão objetos que representem ou aumentem os laços
familiares, por exemplo. Assim, os julgamentos feitos sobre o significado das posses são
realizados em termos dos valores pessoais, resultando que os objetos mais valiosos que uma
pessoa tem refletirão esses valores.
Richins (1994a) descreve dois tipos de significados atribuídos as posses escolhidas
como importantes para as pessoas: público e privado. Significados públicos são os significados
subjetivos de um objeto que são compartilhados pela sociedade em geral. A autora acredita que
diversos bens de consumo possuem significados que são amplamente compartilhados, formados
através da socialização e da enculturação de experiências, que inclui exposição à publicidade e
a outros meios de comunicação, tal como também indica McCracken (2003). Bens sujo
significado público condizem com o self do indivíduo tendem a receber maior atenção e
cuidados, pois fazem parte do sistema de comunicação social e, às vezes, são usados ativamente
para comunicar aspectos do eu.
Significados privados (particulares ou pessoais) de um objeto “são a soma dos
significados subjetivos que o objeto carrega para um indivíduo em particular” (Richins 1994a,
61
p. 506). Tais significados podem incluir elementos de significados públicos do objeto, mas a
história pessoal do proprietário em relação ao bem, sua experiência com ele, também
desempenha um papel importante. Assim, um par de brincos de diamante pode ser valorizado
por sua proprietária, porque foram um presente de seu marido quando eles comemoraram seu
primeiro aniversário de casamento no Caribe. O valor simbólico destes brincos para esta mulher
pode conter elementos de significado público (como o reconhecimento de que uma joia de
diamante é cara), mas também contém significados que não estão disponíveis para os outros, a
menos que o proprietário escolha divulgar essas informações relevantes.
Assim, objetos queridos podem ter apenas significados privados ou uma combinação de
significados públicos e privados. O desenvolvimento do significado privado de um objeto
envolve processos ativos em que o significado é “cultivado” ao longo do tempo através de
repetidas interações com o objeto. Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) também
apontam essa relação entre público e privado e afirmam que indivíduos tendem a cultivar esses
significados para posses que são consistentes com seus valores pessoais. O resultado desse
processo de cultivo, os significados das posses importantes para o consumidor incorporam ou
caracterizam seus valores pessoais e outros aspectos do eu. Podem existir seis fontes de criação
de significado, de acordo com Richins (1994a), conforme destaca o Quadro 3:
Quadro 3 – Fontes de Criação de Significado Através da Posse de Bens
FONTE CRIAÇÃO DE SIGNIFICADO
Utilitária Pela funcionalidade ou utilidade do bem.
De Prazer Pela capacidade a fornecer momentos e atividades agradáveis.
De representação de laços
interpessoais
Por meio da simbolização de relações sociais e vínculos entre pessoas.
De identidade ou autoexpressão Ocorre quando os indivíduos valorizam a posse por suas ligações com o
seu próprio passado ou com história pessoal.
Relativos a aspectos financeiros Referentes ao valor do investimento feito para aquisição do bem.
Relativos a aparência Diz respeito ao componente estético da posse do indivíduo.
Fonte: Adaptado de Richins (1994a).
Assim, as fontes utilitárias surgem em virtude da funcionalidade ou utilidade do bem.
Elas se relacionam com o papel de uma posse no fornecimento de funções necessárias ou
permitindo que se possa levar uma vida mais eficiente. Por exemplo, um automóvel, um
computador pessoal ou os próprios óculos de um sujeito podem ser valorizado pela utilidade ou
conveniência que fornecem. As fontes de prazer, por sua vez, se originam da capacidade do
bem em permitir o surgimento de alguma atividade agradável ou de fornecer o contrário de
62
prazer. Equipamentos de lazer ou outros objetos que trazem prazer sensorial (como um aparelho
de sim) pode ser valorizado por esta razão.
Richins (1994a) destaca que o significado pode originar-se da capacidade dos bens
possuídos representarem laços interpessoais. Isso ocorre dada a importância dos bens na
formação e simbolização de relações sociais e vínculos entre pessoas. Bens que foram de um
ente querido, objetos que foram feitos por um amigo ou antes pertenciam a um parente próximo,
lembranças e fotografias são susceptíveis de serem valorizados como representações simbólicas
ou lembranças de laços interpessoais. Outra fonte é chamada pela autora de identidade ou
autoexpressão e ocorre em virtude da capacidade do bem expressar o senso de self, o que ocorre
quando os indivíduos valorizam a posse por suas ligações com o seu próprio passado ou com
sua história pessoal, quando expressa valores pessoais ou crenças religiosas, representa uma
identidade étnica, a competência do indivíduo, o domínio de algo ou suas realizações ou, ainda,
quando permite que o indivíduo a use para se diferenciar dos outros.
Outras duas fontes de criação de significado através da posse de bens elencadas por
Richins (1994a) foram extraídas diretamente dos resultados das pesquisas da autora e dizem
respeito aos aspectos financeiros e a aparência. Os significados relativos aos aspectos
financeiros referem-se ao valor do investimento ou ao custo/gasto da posse, o que demonstra
uma dimensão econômica dos significados das posses. Já os relativos a aparência, dizem
respeito ao significado visual e têm relação com um componente estético. Esta fonte, contudo,
é mais complexa do que a simples apreciação de um objeto por sua beleza ou por seu caráter
artístico. Além destes aspectos, esta fonte revela que de alguma forma ter um objeto atraente
fez o indivíduo se sentir melhor sobre si mesmo ou sobre a sua própria aparência. A aparência
das posses pode também relacionar-se com as reações esperadas de outras pessoas, quando, por
exemplo, o objeto se destaca, traz reconhecimento para seu proprietário ou parece caro e assim
impressiona os outros.
De forma análoga a Richins (1994a, 1994b), Kleine e Baker (2004) identificaram na
literatura vários tipos de valor não mutuamente exclusivos (o que indica a complexidade do
tema) e os organizaram em duas categorias: (1) Valores de Autodefinição e (2) Valores de
Mudança do Self/Autocontinuidade. Na categoria sobre os Valores de Autodefinição Kleine e
Baker (2004) reuniram os aspectos do apego relativos as formas como os sujeitam usam
referência tangíveis para ajudar a alcançar seu eu. As pessoas utilizam as coisas do mundo “lá
fora” para ensaiar esquemas sobre “quem eu sou”, “quem eu era” e/ou “quem estou me
tornando” (BALL; TASAKI, 1992; KLEINE; BAKER, 2004).
63
As explicações sobre estas utilizações das coisas refletem tanto a autonomia quanto os
motivos de busca de vinculação com os objetos (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995), assim
como indicou Richins (1994a). Os aspectos relacionados pelos autores nessa primeira categoria
dizem respeito as funções autobiográficas, mágicas, contemplativas, de ação, a regulação das
fronteiras do self, ao autodesenvolvimento/cultivo da noção de eu e funções de vinculação
(afiliação).
A segunda categoria trata do uso dos significados das posses para negociar uma tensão
dialética entre valores de continuidade do self e de mudança desse self. Por um lado, bens de
apego trazer significados do passado para o presente e mantém significados presentes. Posses
também ajudam as pessoas a projetar-se para o futuro, mesmo para além da morte
(MCCRACKEN, 2003; PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000). Nesta categoria Kleine e Baker
(2004) elencam os seguintes fatores como explicativos de como as pessoas usam suas posses
para construir ou manter seus “eus”: funções adaptativas e autopreservação (continuidade no
tempo).
As pessoas também se apegam aos bens que capturam “eus” idealizados ainda não
realizados através do uso das mercadorias para alavancagem em direção a condições futuras
imaginadas, num processo chamado por McCracken (2003) de deslocamento de significado.
McCracken (2003) propõe que nem todos os bens precisam ser usados para transmitir
significado aos indivíduos. Segundo o autor, as pessoas podem usar a estratégia do significado
deslocado, um artifício que procura preencher a lacuna entre o real e o ideal na vida social. O
significado deslocado consiste “em um significado cultural que foi deliberadamente removido
da vida cotidiana de uma comunidade e realocado em um domínio cultural distante”
(MCCRACKEN, 2003, p.135). Ao serem confrontados com a realidade e reconhecendo que os
ideais culturais (objetivos, esperanças, sonhos de uma vida farta, a posse de determinados bens,
a volta ao passado glorioso, a perspectiva de um futuro melhor etc.) são inacessíveis, os
consumidores podem deslocar esses ideais de maneira a coloca-los em outro patamar, outro
universo cultural onde estarão seguros, salvos do perigo de nunca se realizarem.
Mais do que proteger os ideais culturais esta estratégia poderia ajudar a dar uma amostra
deles, pois, ao serem transportados para longe, tais ideias podem ser vistas como realidades
potencialmente praticáveis e alcançáveis. O consumo seria uma das formas de acesso a este
ideal que foi deslocado no tempo ou no espaço, reestabelecendo a conexão entre as realidades
sociais e seus aspectos “fantásticos, irracionais ou escapistas” (MCCRACKEN, 2003, p.136).
A partir do deslocamento dos ideais, o gap entre o real e o ideal pode ser simplificado e reduzido
64
a circunstâncias momentâneas, locais, particulares, o que permite a manutenção da esperança
de atingi-lo.
Os produtos funcionariam como pontes para o momento/espaço ideal, que pode estar no
passado ou futuro, já que o deslocamento do significado pode ser ocorrer para antes ou depois
da compra. Quando transferido para o passado, permite que se fantasie com a posse do bem
(quando, por exemplo, pensa-se em como era bom naquele tempo em que as pessoas usavam
isso). Ao ser deslocado para o futuro, o significado pode ser interpretado como o alcance de
uma parte do ideal ou simplesmente ser transferido para outro bem. Assim como há emoção e
desejo envolvidos, os indivíduos colocam o ideal cultural atrelado a um significado deslocado,
onde há a segurança, diminuindo a barreira entre o real e o ideal. O áureo futuro sonhado fica
protegido nas inúmeras possibilidades que se pode associar a ele, que ainda não aconteceram,
mas despertam “possibilidades realistas” (MCCRACKEN, 2003a, p. 137-138). Para o autor o
futuro é o lugar mais adequado ao deslocamento de significados do que o passado, pois não tem
como ser confrontado com a realidade ou com registros dela e depende somente dos esforços
imaginativos do indivíduo. O passado, por sua vez, está registrado e pode dar maior
credibilidade ao significado deslocado.
O deslocamento pode ocorrer através do espaço e do tempo, e, de forma mais
abrangente, para onde sua realização/obtenção dependa de uma série de fatores conjecturais, ou
para quando o “eu” for ideal, ou esteja mais perto disso (MCCRACKEN, 2003). “O poder
evocativo dos bens” (MCCRACKEN, 2003, p.141), através da incorporação de significados,
vai além da função de transmitir características para o usuário, ele possibilita estabelecer metas
para aquilo que se deseja ser. No momento em que são imaginados, os objetos possuídos
habilitam o indivíduo acessar um conjunto muito maior de posses, atitudes, circunstâncias e
oportunidades.
A ligação com o significado deslocado está intimamente ligada ao consumo,
influenciando desde a compra até o pós-compra, quando pode haver a postergação do uso do
que foi adquirido. O consumo realizado anteriormente rapidamente perde sua propriedade de
satisfação ou assume o seu “significado deslocado”, como analisa McCracken (2003). Os bens
possuídos permitiriam ao indivíduo participar do significado e até mesmo tomar posse dele sem
que seja necessário usá-lo. Tal estratégia leva à busca de felicidade nas coisas possuídas, o que
parece ser um truque para não reconhecer que a realidade pode nunca alcançar a idealização.
65
Poder-se-ia, então, possuir um bem sem destruir seu valor estratégico. Neste sentido, os
bens seriam pontes para o momento/espaço ideal, auxiliando na retomada do significado sem
jamais realizar o ideal. A compra funcionaria como o alcance de uma parte de um pacote muito
maior de bens, atitudes e circunstâncias, do qual esta aquisição é parte integrante. Segundo
McCracken (2003) tais compras são longamente contempladas e imaginadas e normalmente
incluem itens de alto envolvimento, como um carro, relógios, roupas, ou perfumes, que
auxiliam os indivíduos a se apropriar de uma pequena parte concreta de um estilo de vida ao
qual aspiram. As pontes criadas por estes produtos funcionam como provas da existência desse
estilo de vida e como provas da capacidade do indivíduo de reivindicá-lo.
Adquirir o bem não desfaz, contudo, a idealização sobre ele, pois, para McCracken
(2003), o que se está comprando não é “a ponte inteira, mas uma pequena parte dela”
(MCCRACKEN, 2003, p.144). A compra simplesmente evocaria o ideal aspirado pelo
indivíduo, sendo “o consumo em exercício” (MCCRACKEN, 2003, p.144) afirma o autor. O
indivíduo tem consciência de que ao comprar está obtendo uma pequena parcela do significado
descolado para outro espaço/tempo. O bem ganha outra virtude, podendo ser usado para
antecipar uma aquisição maior.
Apesar disso, quando a compra evoca o ideal deslocado o indivíduo passa a desacreditar
na capacidade antecipatória daquele bem específico e parte para a aquisição de outro,
transferindo a este ainda não possuído o significado imaginado. O consumidor deseja uma vida
plena, feliz, satisfeita, mas quando a compra é feita pode-se ter que transferir a antecipação
dessa vida sonhada para outro objeto, pois o que era buscado não foi atingido. Outra forma de
solucionar o problema é evitar usar o produto, guardando, escondendo ele (MCCRACKEN,
2003).
A maior dificuldade do indivíduo neste processo é dar-se por conta de que a “ponte”
adquirida não o leva ao caminho sonhado. Ao colocar o bem em uso, confrontando-o com a
realidade, o proprietário corre o risco de perder seus ideais. A sensação de não ter mais um ideal
pode causar grande sofrimento, pois não há mais objetivo de vida. O desejo por novos bens,
que construam novas pontes pode levar ao consumo compulsivo (MCCRACKEN, 2003). Há
também outras formas de solucionar o problema, evitando usar o produto, guardando ou
escondendo ele (MCCRACKEN, 2003).
A noção de que os significados da posse incluem coisas como “manter as memórias dos
outros” e/ou as lembranças do passado são apresentados por Kleine, Kleine e Allen (1995, p.
332) através de uma análise fatorial. Nesse se estudo os autores analisam as fronteiras do apego
66
e como as pessoas estabelecem relações com seus bens, buscando compreender o grau de
ligação entre sujeito-objeto em um momento específico no tempo (MUGGE; SCHOORMANS;
SCHIFFERSTEIN, 2005). Kleine, Kleine e Allen (1995) partem do entendimento que podem
existir tipos de apegos, sendo que alguns deles refletem conexões com outras pessoas e seriam
representados, por exemplo, por fotografias de pessoas que foram importantes na vida do
indivíduo, joias ou móveis herdados de família. Outro tipo de apego, retrataria aspectos chave
da individualidade do sujeito e poderiam ser exemplificados por posses que o façam sentir-se
bem consigo mesmo, que representem seu trabalho ou que apenas lhe caiam bem. Um terceiro
tipo diria respeito a posses menos favoritas, com as quais as pessoas têm menos apego e, que,
em geral, representam períodos da vida que ela quer esquecer, se desconectar ou ainda, objetos
que “não são eu”. Para os autores esta tipologia esclarece que os apegos ajudam a narrar o
desenvolvimento da história de vida de uma pessoa.
Como citado na sétima característica apresentada no Quadro 2, os tipos de apego apenas
podem ser compreendidos através de uma lógica multidimensional (SCHULTZ; KLEINE;
KERNAN, 1989; KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995; GRAYSON; SCHULMAN (2000);
KLEINE; BAKER, 2004; SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2009;
LASTOVICKA; SIRIANNI, 2011; WATKINS; DENEGRI-KNOTT; MOLESWORTH,
2016). As dimensões propostas por Kleine, Kleine e Allen (1995) são vinculação (afiliação),
autonomia e orientação temporal para o passado, para o presente ou para o futuro. Para os
autores estas dimensões sugerem que existem diferentes tipos de apego dependendo de qual
parte da história de vida cada objeto reflete. Assim, se o apego é para objetos herdados isso
pode indicar uma vinculação do sujeito com o passado, enquanto que se apego desse mesmo
indivíduo for para uma aliança de noivado, isso refletiria um self vinculado ao futuro, por
exemplo. Essa mesma pessoa poderia ainda ter um troféu esportivo como sua posse favorita, o
que revelaria uma busca de autonomia característica do tempo atual, do presente.
Desta forma, Kleine, Kleine e Allen (1995), alegam que os indivíduos têm um portfólio
de apegos, sendo que cada um deles pode ter uma combinação diferente entre vinculação, busca
de autonomia e orientação temporal para o passado, presente ou futuro. Estes tipos de apegos
qualitativamente distintos refletem diferentes facetas da narrativa de vida. A vinculação a um
objeto para “nós” é diferente de um objeto para “mim”. A orientação temporal, por sua vez,
ajudaria a explicar as funções do self representadas por uma posse particular. Elementos do
passado são fixos, feitos e não podem ser alterados, por exemplo. O sujeito opta por manter
certos bens como artefatos de sua história de vida ou simplesmente eliminá-los. No entanto, os
67
bens orientados para o presente refletem tarefas e funções do aqui e agora. Mais do que isso,
refletem questões sobre quem o sujeito é agora, e sobre coisas que atualmente estão sendo
cultivadas por ele. Bens orientados ao futuro refletem a antecipação do self, ou seja, indicam
quem o sujeito quer ser ou se transformar.
Posses especiais podem, assim, facilitar a continuidade ou as mudanças do self, pois
conectam as pessoas com um eu passado desejável (através de memórias), um eu presente (eu
agora) ou um eu futuro (quem eu estou me tornando). Entendendo que vinculação, autonomia
e orientação temporal trabalham em conjunto para identificar plenamente as razões para o apego
e como ele reflete a narrativa de vida de um sujeito, os autores desenvolveram uma pesquisa
com 54 participantes e encontraram cinco grupos de consumidores. A partir da busca pelo tipo
de apego foram estimulados os sentimentos das pessoas em relação a posses favoritas e não
favoritas, dentro de uma ampla variedade de posses (KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995). Os
grupos encontrados foram chamados pelos autores de (1) Keeping memories of others, (2) It's
me and 1 like, (3) It's not me anymore, (4) Utility e (5) Breaking away, conforme indica o
Quadro 4.
Quadro 4 – Tipo de Apego a Posses
Grupo Vinculação Autonomia Orientação
temporal
Exemplo de objeto
citado
(1) Keeping
memories
of others
Forte, sentimental
Não identificada:
produtos encarados como
uma busca de
continuidade do eu
Passado:
memórias,
história pessoal
Fotos antigas, objetos
ganhos (joias) e
herdados (mala do
pai), Roupas, coleção
de moedas, uniforme
da escola, músicas,
troféus, cachorro,
carro
(2) It's me and
1 like Forte
Identificada: produtos
refletem minhas escolhas
atuais, combinam
comigo
Presente e Futuro:
as coisas que eu
sou ou quero ser
Roupas, material
esportivo, aparelho
de música, moto
(3) It's not me
anymore
Fraca e
ambivalente
Não identificada: os
produtos escolhidos não
fariam falta se fossem
perdidos, pois não me
representam, mas eu não
me desfaço deles.
Passado e Futuro:
podem ser uma
antecipação de
mudanças do eu)
Presentes recebidos,
produtos que se
deixou de usar
(roupas), souvenires
de viagens, heranças
(4) Utility
Sem vinculação:
não há vínculo
emocional, apenas
funcional.
Não identificada Presente Carros
(5) Breaking
away
Ambivalente: de
forte e fraca (mais
forte do que
gostaria)
Identificada: os produtos
citados refletem uma
negociação entre uma
mudança pessoal e o
desafio do descarte
Passado:
sentimentos
negativos e
memórias ruins.
Carro, Roupa
(camiseta, shorts,
jaqueta)
Fonte: criado a partir de Kleine, Kleine e Allen (1995).
68
O Grupo (1), chamado de Keeping Memories of Others, ou mantendo as lembranças dos
outros), era composto por pessoas que detalharam os bens lembrados como significantes para
“descrever pessoas que foram importantes para mim” ou que “pertenceram a alguém muito
querido para mim”. Neste grupo há uma clara orientação para o passado e os bens fornecem um
senso de história pessoal, ligando os entrevistados com suas memórias e experiências passadas.
Sentimentos especiais, como nostalgia e sentir-se amado por alguém foram relatados. Ao
mesmo tempo, as pessoas relatam que se sentem felizes com a posse daquele bem e orgulhosas
delas. Relatam também que se sentiriam tristes caso perdessem ou tivessem tal posse roubada,
uma vez que ela tem um significado especial (não é algo que ela simplesmente tem). Itens
relatados aqui foram uniforme escolar, que um entrevistado guardava, mas não usava; muitos
presentes recebidos.
No segundo Grupo, chamado pelos pesquisadores de (2) It's Me and I Like It!, as posses
relatadas refletiam a busca por autonomia com uma orientação temporal para o presente. Os
argumentos aplicados aqui relatavam coisas como: “se ajusta com minha imagem”, “é uma
declaração de quem eu sou agora” ou, pelo contrário, “isso não se encaixa mais na minha
identidade”, “isso costumava ser eu, mas não é mais” e “me faz sentir fora de moda”. Uma
pitada de auto estima reflete o eu desse presente, na forma de um self autônomo, capaz de
contemplar, apreciar e desfrutar sua própria imagem. Uma blusa fez uma entrevistada se “sentir
original e valiosa”. Para outro entrevistado um terno vermelho o “faz sentir bem sobre mim
mesmo (mais confiante) quando eu uso”. Artigos de golfe, rádios, motos, etc. foram citados
como coisas que "fit", ou seja, se encaixam nesse momento de vida. As posses citadas nesse
grupo não estão relacionadas com a família, nem serão mantidas para que os entrevistados se
lembrem de entes queridos ou mantenham alguma tradição do passado. Pelo contrário, as posses
do grupo (2) representam o aqui e agora, sem necessariamente estarem relacionadas com um
projeto de self futuro. São coisas que os deixam felizes e que eles gostam, demonstrando suas
preferências de gosto, estilo e personalidade atuais.
No Grupo (3), denominado de It's Not Me Anymore, os participantes da pesquisa relatam
simplesmente não se importar se as posses destacadas serão retiradas de suas vidas e parecem
que estão apenas esperando para se desfazer delas. Indicam que não ficariam tristes caso estas
posses fossem perdidas ou roubadas e que provavelmente não se importarão com elas no futuro,
pois não planejam tê-las mais. Estas posses não servem mais (do not fit), são “não eu agora” e
“não é quem eu estou me tornando”, pois não se encaixam na autoimagem dos entrevistados ou
não são uma declaração de quem eles são. Eles afirmam que poderiam facilmente ser quem
69
pretendem ser sem elas, já que elas não têm nada a ver com seu futuro, com seus objetivos
futuros e nem mesmo as fazem sentir-se semelhantes as pessoas que aspiram ser como. Uma
camisa, um vestido que geralmente estão fora de moda ou desajustado a autoimagem atual, ao
gosto ou as preferências, foram citados entre as posses desse grupo.
Qualquer conexão com o objeto é um extravasamento do passado, já que alguns relatam
más lembranças e sentimentos ruins associados a estas posses. Os autores questionaram o
motivo dos entrevistados manterem então estas posses, já que elas são associadas a coisas ruins
e surpreendentemente mais da metade dos entrevistados indicou que havia ganho de presente,
o que aparentemente cria uma camada adicional de afiliação entre pessoa-objeto. Para os
autores, essa adição torna ainda mais difícil se desfazer das posses, mesmo quando elas são um
“não eu”. Os autores ressaltam que esse tipo de apego menos favorito não significa um apego
fraco, uma vez que os entrevistados relatam casos de bens que eles simplesmente não
conseguem se desfazer pelo simples fato de que possuem conotações afiliativas com outras
pessoas. Essas conotações afiliativas alimentam uma ambivalência exclusiva desse tipo de
apego vivido no Grupo (3), que os autores chamaram de “Já não é para mim, mas eu não consigo
me livrar dele”. Não é um apego fraco, mas um tipo diferente que reflete mudanças emergentes
ou antecipadas no self.
No Grupo (4), denominado de Utility ou Posses Utilitárias, os bens relatados foram
carros e os argumentos usados para tê-los eram a necessidade de transporte, com o emprego de
termos do tipo: “é basicamente um objeto funcional”, “é estritamente utilitário”, “satisfaz
minhas necessidades”, “me faz sentir independente e autossuficiente”. Para os entrevistados o
carro é “prático, um transporte básico” e “me deixa onde eu quero ir e não me prende”. Apesar
de gostar do carro, não há um apego evidente, sendo que os pesquisados apontam que não há
um significado especial para eles, eles simplesmente o têm. Não há nem orientação de afiliação,
nem de autonomia na relação com a posse, que pode ser vista como um obstáculo para selves
emergentes, já que não há ligações emocionais com elas.
O Grupo (5), Breaking Away, tem um pesado elemento do passado, pois os
entrevistados afirmam que as posses os fazem se sentir sentimentais e nostálgicos, conectando-
os com memórias e experiências. Além disso, essas posses lembram a eles amigos importantes,
familiares e outros parentes do passado ou quem eles próprios costumavam ser no passado.
Estas posses estão conectadas com o self dos entrevistados, que relatam sentir que elas os fazem
sentir-se diferentes, pois são coisas únicas, não como as outras, difíceis que outros tenham,
originais e que, além disso, se encaixam com sua autoimagem. Não são posses utilitárias, mas
70
podem ter associações a sentimentos negativos como frustração e stress, ou a pessoas que os
entrevistados preferiam/gostaria de esquecer. Uma camiseta presente de uma antiga namorada,
foi citada como um exemplo desse tipo de posse, que por sua ambivalência não reflete nem
gosto nem desgosto. As posses do Grupo (5) têm um tipo de apego que reflete a negociação de
mudança do eu e os desafios psicológicos do descarte.
Uma vez que o apego é dinâmico, o significado das posses também pode se modificar
ao longo do tempo, de maneira que sua centralidade para o indivíduo pode deixar de existir. Os
estudos sobre o desapego passam pela noção de descarte, que será apresentado no subcapítulo
a seguir.
2.3.2 Desapego e Descarte
O conceito de desapego está definido na literatura de comportamento do consumidor
como uma condição necessária para o descarte (YOUNG; WALLENDORF, 1989; ROSTER,
2001). Dado que os objetos são usados para definir quem o indivíduo é, desfazer-se de alguma
coisa que pertence a ele acarreta a separação de um parte do seu self (CHERRIER, 2009).
Despego surge também relacionado a marcas, referindo-se a tentativa de explicar a dissolução
da relação entre uma marca e os consumidores (PERRIN-MARTINENQ, 2004; MAI; CONTI;
2007).
Young e Wallendorf (1989, p. 33) conceituam descarte como “o processo de desapego
do eu”. Para as autoras o descarte se assemelha à morte, por ser um processo, não um episódio,
e possui dois componentes: desapego físico e desapego emocional. Para Young e Wallendorf
(1989) o desapego emocional é antecedente do desapego físico, no caso de descarte voluntário,
pois é preciso desvincular o item do autosenso, antes de colocá-lo fora. Mesmo quando os bens
são involuntariamente descartados deve haver desapego emocional, para evitar sofrimento por
parte do consumidor.
Para as autoras o processo de desapego se assemelha ao de luto, que passa pela
depressão, raiva, negação, negociação e aceitação. O desapego físico, por sua vez, pode nunca
ocorrer de fato, já que deve ser internamente experimentado, e somente ocorre quando o
proprietário pensa que ele de fato ocorreu. Tanto o desapego físico quanto o emocional podem
ocorrer simultaneamente. É possível, contudo, desfazer-se de algo fisicamente sem que haja
rompimento emocional com a posse, como no caso de pessoas que têm seus bens perdidos,
71
roubados ou levados por desastres naturais. O inverso também pode acontecer, quando, por
exemplo, o sujeito descarta alguma posse com a qual ainda está conectado (YOUNG;
WALLENDORF, 1989).
Ainda segundo Young e Wallendorf (1989) é impossível determinar o momento em
que o desapego emocional ou físico ocorrem. Este é um processo comparável a cair no sono:
gradualmente a pessoa vai relaxando, dormindo mais profundamente, mais profundamente,
mais profundamente até que abruptamente desperta pela manhã. “Importa quando a pessoa
adormeceu?”, questionam as autoras (YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 33 ). O ponto mais
importante é que a pessoa sabe que dormiu. A mesma lógica pode ser adotada ao desapego. As
pessoas gradualmente se desapegam e se desfazem dos bens que consideram inconsistentes com
seu autoconceito, mas relutam em se desfazer de posses que consideram como parte de seu
extended self.
Apesar dessa dificuldade em determinar o momento do desapego, Lastovicka e
Fernandez (2005) sugerem que os rituais podem dar pistas de quando ele ocorre. Os rituais
podem apresentar fronteiras, que facilitariam a travessia entre os limites de dois estados de uma
posse (ser “eu” e “não eu”, por exemplo) por permitir a separação entre um estado antigo e a
incorporação dentro de um novo estado (LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005). McCraken
(2003) chama de ritual de despojamento (desinvestment) a série de procedimentos empregados
pelo consumidor para apagar os significados incorporados a objetos presenteados, doados ou
vendidos. Consumidores que se desfazem de seus bens esvaziam as posses de significados
privados, buscando evitar a contaminação - com a identidade do novo proprietário. Por outro
lado, consumidores que adquirem bens usados podem apagar as marcas deixadas pelo antigo
dono, evitando a contaminação de identidades.
Roster (2001) também acredita que existem rituais que preparam o consumidor para
romper com o objeto. Para a autora o “ descarte é um processo. Isto implica num processo de
desapegar de e, finalmente, romper a relação entre possuidor e posse” (ROSTER, 2001, p. 425).
Em sua pesquisa, Roster (2001) aponta que muito embora o resultado final possa ser o descarte,
seu significado e o processo psicológico que permite o desapego e o rompimento da relação
entre consumidor e posse é mais apropriadamente descrito como “expropriação”.
A Figura 3, extraída do artigo da autora, representa o processo psicológico de descarte,
no qual são apresentados diversos estágios. A natureza e o significado do produto podem
influenciar drasticamente este processo, dado o grau de envolvimento e apego do consumidor
ao objeto a ser descartado. Além disso, o tempo de duração do processo pode variar entre
72
segundos e anos, uma vez que pode-se gastar meses pensando se vale a pena ou não fazer um
upgrade no computador, por exemplo, mas segundos deliberando sobre jogar fora uma meia
usada. Da mesma forma, o ponto inicial e a direção do processo também podem ser confusos,
pois é possível que somente depois de iniciado o processo o consumidor reflita sobre quais
fatores e incidentes anteriores o levaram a desapegar e, consequentemente, se desfazer de um
bem.
Figura 3 - Processo Psicológico de Disposição de Bens
Fonte: Adaptado de Roster (2001, p. 426)
Fatalmente será mais difícil para o consumidor desapegar, cognitiva e emocionalmente
quando os objetos estão carregados de significados simbólicos associados ao self. Cria-se uma
tensão durante o processo de descarte, iniciada pelo desapego dos bens. Descartar um bem
pressupõe um processo de separação, de desapego, que pode provocar profundas
transformações na identidade do sujeito. Decidir o que será separado de si define não apenas o
que o indivíduo tem, mas sua definição de si mesmo, construída através da história vivida pelo
objeto possuído no passado e que não se possui mais (ROSTER, 2014). Desfazer-se desses
objetos somente será possível depois de um longo processo de distanciamento emocional
(ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005). É possível, no entanto, que os objetos
percam de forma repentina e abrupta seu significado, quando, por exemplo, ocorre um divórcio
73
(MCALEXANDER, 1991), a mudança de casa, de status social ou a alteração dos valores da
pessoa (CHERRIER, 2009).
A partir da conceituação de Young e Wallendorf (1989), Roster (2001) amplia a noção
de desapego revelando fatores que instigam e perpetuam o processo, por vezes lento e
traiçoeiro, de distancionamento físico e emocional de uma posse. Três fatores são sugeridos
pela autora como indicadores primários de que o processo de desapego físico e emocional entre
um proprietário e uma posse está em andamento, sendo eles: (1) comportamentos de
distanciamento, (2) “eventos críticos”, e (3) avaliação contínua do valor e do desempenho.
Vários comportamentos servem para distanciar espacialmente um objeto de seu dono,
incluindo armazenar sem uso ou intenção clara para uso futuro ininterruptamente, negligenciar,
esconder, ocultar, rebaixar hierarquiamente, ou seja, perda da centralidade e importância do
objeto ou de seu papel funcional na vida do indivíduo. Com esses comportamentos as posses
migram pra “mais e mais longe das paredes mais íntimas do santuário da casa”, já que não
representam mais o self (ROSTER, 2001, p. 426).
Bens que mais tarde se tornarão candidatos à eliminação, frequentemente foram
guardados durante anos em armários, sótãos, um porão, a casa dos pais, uma segunda casa ou
um depósito, galpões, garagens e outras áreas de armazenamento cada vez mais distantes da
convivência principal do indivíduo (ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005;
GUILLARD; PINSON, 2012). Ao guardá-los se está separando-os daqueles bens que possuem
relevância atual na vida das pessoas, mas mantém-se perto caso surja alguma propósito para
eles. Frases usadas pelos informantes para explicar esse processo revelam a ideia de que “um
dia podemos precisar deles” (ROSTER, 2001; GUILLARD; PINSON, 2012). Isso pode durar
até que a ideia de manter tal item pareça incongruente ao sujeito (GUILLARD; PINSON, 2012).
Nesses casos os bens passariam a simbolizar o que o indivíduo não pretende continuar a ser e
se tornariam elementos do “não eu” (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995).
Suarez et al. (2016) chamam esses espaços transitórios de purgatórios, pois estão numa
zona intermediária entre a prateleira e a lixeira. As autoras descrevem processos pelos quais os
consumidores mantém coisas negligenciadas ou esquecidas dentro de casa, ao invés de
dasfazer-se delas permanentemente. Os indivíduos manteriam seus produtos não mais usados
em uma espécie de limbo, compreendido como um estágio entre o uso e o descarte.
74
Lastovicka e Fernandez (2005) também tratam desse processo de distanciamento entre
sujeito e posse ao relatar o ritual “lugar de transição”. Para os autores o processo de descarte
pode ter como etapa colocar o objeto a ser descartado em um local transitório por um período
interminado, mas suficiente para que o indivíduo desapegue dele. Na pesquisa realizada pelos
autores os entrevistados contaram que deixavam os objetos que desejavam vender em um local
afastado do convívio social da casa, como um quarto sem uso, uma varanda nos fundos ou
embaixo da casa. Nesse local, fisicamente isolado e distante, as coisas não usadas são
empilhadas ou colocadas no chão a espera de um destino. Metaforicamente, o lugar de transição
é chave no longo caminho percorrido por uma posse significativa entre ser privada e “eu” e
cruzar a fronteira para o espaço público, tornando-se “não eu” - e, portanto, esvaziada de
significado emocional.
Para Lastovicka e Fernandez (2005), o lugar de transição pode ter duas interpretações:
manifesta uma clara intenção de descarte e facilita a mudança de status entre o “eu” e o “não
eu”. Em outras palavras, objetos isolados em lugares “longe dos olhos”, na periferia da casa,
como num quarto inutilizado facilitam o julgamento sobre a posse. Além disso, retirar o objeto
do centro de sua vida, do coração da casa (como o quarto, a sala, a cozinha), facilita torna-lo
“não eu”, pois, o que não é visto não é lembrado.
Epp e Price (2009) chamam esse processo de afastamento, no qual objetos são afastados
dos lugares centrais da casa, de “cool” (EPP; PRICE, 2009). Estes espaços de esfriamento de
significado (cooling spaces) são usados para commoditizar uma posse empregnada de
significados pessoais. Seria possível, dessa forma, desapegar-se do bem pelo seu esvaziamento
de significado e mudar de sagrado (significante) à categoria de commoditie (profano). As
autoras observam, contudo, outros dois processos concomitantes ao esfriamento: tentativas de
reincorporações e de reengajamento. Objetos singularizados e fora de uso (inativos) podem
ganhar novo significado e voltar a ser centrais na vida do consumidor quando ocorrem tentativas
de reincorporação dele ao seu dia-a-dia. Durante essas tentativas de reincorporação ao núcleo
da vida e da casa, o objeto pode sofrer rejeitado ou empoderado, engajando-se novamente no
que as autoras chamam de rede de significados.
Outro comportamento de distancionamento pode ser a ocultação ou disfarce de objetos
que o indivíduo não gosta ou que foram presentes indesejados. Apesar de não gostar deles, o
consumidor tem dificuldade de desfazer de tais bens por medo de desapontar quem o
presenteou. Assim, esses objetos ficam relegados a àreas menos movimentadas da casa, como
forma minimizar o contato (ROSTER, 2001).
75
A Figura 3 indica outro processo de desapego, proposto por Roster (2001), chamado de
evento crítico. A autora refere-se a eles como ocorrências ou mudanças nas circunstâncias, que
servem para alterar o relacionamento entre sujeito e objeto. Tais mudanças podem provocar
desde sentimentos de insatisfação até o ódio do objeto, através da conscientização de que o
produto já não representa aspectos relevantes do self. Grandes transições na vida, como mudar-
se, trocar de emprego, alterações nas condições de saúde ou mudanças na composição familiar
são exemplos de potenciais de mudança na relação sujeito-objeto. Eventos críticos também
podem incluir deficiência de performance, mudanças na moda ou em preferências estilísticas,
ou ainda novas compras que relegam o objeto a um papel secundário, tal como um backup. Para
a autora, independentemente do alcance dos eventos críticos na vida da pessoa, eles criam
brechas na relação do dono com o objeto, o que permite o desapego emocional.
O terceiro elemento encontrado por Roster (2001) no processo de distanciamento são as
reavaliações de utilidade e experiências. Muitas vezes, após a ocorrência de um evento crítico,
ou mesmo de tempos em tempos, as pessoas avaliam o valor do objeto, seja ele financeiro,
utilitário, simbólico ou qualquer combinação destes, comparando com os custos de continuar a
manter o bem. As pessoas tendem a ignorar bens indesejados, pouco usados ou mesmo
esquecidos enquanto a acumulação deles não representar problemas ou impor custos relativos
à sua armazenagem. Segundo Roster (2001), seus informantes pareciam, muitas vezes,
satisfeitos em ignorar esses bens e continuavam mantendo-os até o momento em que os custos
superavam os benefícios. Nesse momento os objetos tornavam-se candidatos a eliminação.
Mas, o que acontece quando os produtos perdem a usabilidade para seus proprietários?
Essa pergunta feita por Guillard e Pinson (2012) vem sendo respondida ainda de forma tímida
na literatura, tal como indicam Lastovicka e Fernandez (2005), Arnould e Thompson (2005) e
MacInnis e Folkes (2010). Diante de objetos para os quais não há mais utilidade, Jaboby,
Berning e Dietvorst (1977), propuseram uma taxonomia, ilustrada na Figura 4, em que o
consumidor tem três possibilidades: manter o produto, desfazer-se dele permanentemente ou
desfazer-se dele temporariamente.
76
Figura 4 – Taxonomia de Decisão sobre a Disposição de Objetos
Fonte: Adaptado de Jaboby, Berning e Dietvorst (1977).
Ao decidir não se desfazer dos objetos que não são mais úteis, os consumidores podem
manter o uso original dos produtos, usá-los de uma outra forma ou guardá-los. Caso decidam
desfazer-se permanentemente dos bens, podem jogá-los no lixo, vendê-los ou trocá-los por
outras coisas. Há ainda a possibilidade de desfazer-se temporariamente das coisas,
emprestando-as ou alugando-as.
Quando decidem se desfazer temporariamente dos bens os consumidores podem alugar
ou emprestar suas coisas. Estudos sobre aluguel de bens são relativamente raros em
comportamento do consumidor (DURGEE; COLARELLI O'CONNOR, 1995). A partir do
avanço das tecnologias e das comunidades virtuais, novas e redefinidas formas de
compartilhamento, permuta, troca e aluguel surgiram como potenciais modos de aquisição e
descarte de bens (PISCICELLI; COOPER; FISHER, 2014; PHILIP; OZANNE;
BALLANTINE, 2015). Uma dessas formas, o aluguel de pessoa para pessoa (P2P), permite a
indivíduos se engajar em aquisições e descartes temporários de itens do dia-a-dia, através de
redes de aluguel online (PHILIP; OZANNE; BALLANTINE, 2015). Nesse sentido o aluguel
P2P é definido como uma troca, na qual um indivíduo torna disponível para outro
temporariamente suas posses, em troca de uma taxa de aluguel, a fim de satisfazer as
necessidades temporárias de o locatário sem uma transferência de propriedade (PHILIP;
OZANNE; BALLANTINE, 2015).
77
Quando os consumidores decidem jogar fora permanentemente seus bens, eles podem
descarta-los, ou seja, jogá-los fora (JABOBY; BERNING; DIETVORST, 1977), mas há uma
série de termos usados para essa experiência na literatura. Albuquerque (2013), apresenta a
tradução dos termos mais usados referir-se ao descarte de bens, sendo eles: “to remove”,
remover; “to pass on”, passar adiante; “to throw away”, jogar fora e; “to get rid of”, se livrar
de algo. A autora salienta que em português o termo descarte é a melhor tradução para a palavra
“disposal”, apesar dessa última ser mais abrangente, podendo envolver tanto doar algo que não
se quer mais, quanto jogar coisas no lixo. Já descarte, em português, está tão somente associado
ao lixo.
Outro termo frequentemente utilizado em inglês é disposition (MAYCROFT, 2009),
que pode ser traduzido como disposição, no sentido de arrumação. Disposition refere-se ao
arranjo ou distribuição de itens que se tem à disposição, sendo assim, uma prática de resituar
objetos no espaço (MAYCROFT, 2009). Roster (2001) ainda apresenta o termo dispossession,
que ajuda a entender o conceito de disposal, uma vez que se refere a “dispossession” (ROSTER,
2001, p. 425), ou despossessão (SUAREZ et al., 2011), ou seja, ao processo de rompimento
físico e psicológico entre objeto e seu proprietário.
De acordo com Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) as características dos produtos
podem afetar os comportamentos de descarte. Coulter e Ligas (2003) seguem a mesma linha de
raciocínio e afirmam que certos bens devem ser descartados pós-consumo. Bens perecíveis
possuem uma “vida de prateleira” limitada, pois quando comprados estão prontos para o
consumo. Bens como maquiagens, lenços de papel e detergentes, por exemplo, são “usados”
durante o consumo, resultando em processos de descarte parecidos. Por outro lado, produtos
que não têm vida útil limitada ou não são completamente consumidos durante o consumo
podem, de fato, receber vários significados.
Desfazer-se dos bens através da venda pode ser uma forma de obter rendimentos com o
produto indesejado. Tal venda pode ser feita através de anúncios classificados, lojas e sites
especializados na venda de artigos usados ou brechós (BROUGH; ISAAC, 2012). Pode-se
ainda usar lojas e mercados de revenda de produtos usados (BELK; SHERRY;
WALLENDORF, 1988; SHERRY, 1990; ROUX, 2005), tais como Mercado Livre, Enjoei,
OLX, EBay, entre outros disponíveis no Brasil. Caso o custo percebido de revenda (que pode
envolver anúncios, transporte, envio, limpeza, restauração etc.) seja maior que o rendimento
esperado, o consumidor pode decidir simplesmente dar o produto (LIU; AAKER, 2008;
GUILLARD; PINSON, 2012). Pode ser complicado, contudo, encontrar pessoa ou organização
78
que possa acolher o objeto que se deseja doar, o que pode desanimar o sujeito, que decide jogar
fora o bem.
Cherrier e Ponnor (2010), destacam que a venda de garagem (comum nos Estados
Unidos), os mercados de segunda mão ou mesmo o fato de jogar fora são consequência da
crescente velocidade com que os consumidores renovam seus bens, que vão de itens eletrônicos,
à roupas e mobiliário. Para os autores, em resposta ao aumento da descartabilidade dos produtos
e modas de curta duração, os consumidores desenvolveram métodos eficientes de
desapropriação, com os quais evitam acumular bens dentro de casa.
Em seu estudo sobre os passos necessários para o desapego de posses especiais, a doação
ou venda para estranhos, Lastovicka and Fernandez (2005) revelam que quando o consumidor
decide vender suas posses singularizadas já está em andamento o processo de desapego e
separação física. Isso inevitavelmente o confrontará com os significados incorporados ao bem,
que serão refletidos nas memórias desses objeto. Para evitar manter essa memória os
vendedores podem contar as histórias do objeto para os compradores, de forma que no momento
da venda ocorre um compartilhamento do self de ambos, viabilizando a transferência da posse
singularizada e significativa para estranhos. Com essa nova relação estabelecida entre
vendedor/comprador o sentimento de perda de quem vende pode ser minimizado.
Brough e Isaac (2012) indicam em seu estudo sobre venda de posses singularizadas que
os consumidores relutam intensamente em vender bens. Quando há fortes sentimentos
relacionados a posse, os consumidores se importam e estão mais sensíveis aos planos que o
comprador tem para sua aquisição depois de comprada. Além disso, os autores mostram que
quando o consumidor decide vender um bem querido, a intensidade do apego ao produto pode
influenciar sua sensibilidade à intenção de uso do comprador e pode afetar também o preço
mínimo que ele está dispostos a aceitar pela venda. Na próxima seção serão apresentados os
significados relativos a manutenção de bens que são mais considerados úteis.
2.3.1 Manter, Guardar e Acumular
A taxonomia de Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) tem sido revisada por não incluir
fatores como reciclagem, destruição ou abandono de bens, por exemplo (ROSTER, 2001).
Além disso, a proposta dos autores trazia uma perspectiva cognitiva do descarte, visto como
episódico, não processual e ignorando aspectos hedônicos e emocionais (ROSTER, 2001). Ao
79
caracterizar o descarte, Young e Wallendorf (1989) diferenciam-se da taxonomia de Jacoby,
Berning e Dietvorst (1977) por não incluirem o armazenamento, a manutenção, o aluguel ou o
empréstimo como métodos empregados para se desfazer dos bens.
Para Young e Wallendorf (1989) manter, armazenar, alugar ou emprestar são métodos
de posse e uso contínuo ao invés de métodos de disposição. De acordo com as autoras,
armazenar é a ação mais difícil de ser analisada em profundidade. Apesar de não ser tratada
como uma forma de desfazer-se dos bens, as pessoas usam porões, garagens e sótãos como
instalações permanentes de armazenagem. Para as autoras:
Em outras palavras, uma vez que alguma coisa vai para o sótão ela permanece
intocada até que o proprietário morra ou se mude. [As pessoas] mantém suas posses
porque “elas podem estar a mão um dia” e as vezes [essas pessoas] também perdem
esses objetos em seus sótãos (YOUNG; WALLENDORF, 1989, p. 35).
A preocupação sobre como tratar esses bens armazenados surge da conclusão das
autoras de que não há fronteiras claras entre uso e descarte, uma vez que eles representam um
processo, ao invés de estágio discricionários. Elas sugerem que seria mais útil procurar por
vestígios de comportamentos de desapego em estágios pré-descarte, que Jacoby, Berning e
Dietvorst (1977) chamam de descarte temporário. Tais comportamentos podem incluir
procedimentos que refletem desapego físico e emocional parcial, como a armazenagem.
Assim, as posses podem se distanciar do self em uma série de estágios, como por
exemplo, da cozinha para a garagem, para a calçada da rua, para o lixão da cidade. Essa
sequencia é como uma série de círculos concêntricos, sendo o primeiro o próprio corpo do
sujeito: na medida em que os círculos vão se aumentando vão também se distanciando
emocionalmente do eu. Alugar, emprestar, usar ou negligenciar posses também podem ser
comportamentos de pré-descarte, pois dependem da percepção individual do sujeito (YOUNG;
WALLENDORF, 1989).
Guillard e Pinson (2012) questionam porque as pessoas mantêm as coisas que já não
têm qualquer utilidade para elas. Quando uma pessoa torna-se apegada a um objeto ela tem
maior probabilidade de manter o objeto com carinho, concertar quando se quebra e postergar
sua substituição pelo máximo de tempo possível (SCHIFFERSTEI; ZWARTKRUIS-
PELGRIM, 2008). Segundo Belk (1982, p.86) o habito humano de organizar e armazenar bens
pode ser considerada uma necessidade básica. “Assim como alguns animais escondem comida
para o inverno, os humanos aprenderam a armazenar bens para futuras utilizações” (BELK,
1982, p.86). Suarez et al. (2011, p. 30) consideram que a investigação de produtos mantidos,
80
ou seja, “aqueles esquecidos nas gavetas, no fundo dos armários e nas garagens, ou ainda
emprestados - pode trazer insights sobre as particularidades inerentes ao processo de descarte”.
Apesar de ser absolutamente comum colecionar e preservar coisas (CHERRIER;
PONNOR, 2010), esse comportamento pode variar de totalmente normal e adaptável à
excessivo ou patológico (PERTUSA et al., 2010). A acumulação é vista como uma das formas
pelas quais os consumidores lidam com a escassez (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985).
Acumular e guardar coisas foi historicamente uma forma de sobrevivência humana, pois em
tempos de escassez os produtos armazenados poderiam ser consumidos (CHERRIER;
PONNOR, 2010; PERTUSA et al., 2010), o que configura uma forma racional de minimizar
riscos (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985). Muito embora haja grande atenção aos aspectos
doentios da acumulação os fatores que levam os consumidores a acumular objetos obsoletos e
a sua incapacidade de se desfazer deles ainda estão sendo estudados (GUILLARD; PINSON,
2012; HAWS et al., 2012; MOGHIMI, 2013; DENEGRI‐KNOTT; PARSONS, 2014; DION;
SABRI; GUILLARD, 2014).
Cherrier e Ponnor (2010) chamam de acumuladores funcionais os sujeitos que
acumulam um grande número de itens que parecem ser inúteis ou de valor limitado e têm
dificuldades de dispor de tais itens, sem motivação ou controle consciente claro. Diferentemente
dos acumuladores obsessivo-compulsivos, os funcionais podem interagir socialmente com
outras pessoas, pois suas práticas de hoarding têm um mínimo ou nenhum efeito no seu estilo
de vida. Estes autores conduziram uma pesquisa etnográfica registrada em vídeo com oito
acumuladores funcionais buscando entender seus motivos para acumular, manter e não se
desfazer de objetos.
Os principais temas motivacionais revelados pelos autores foram: uma conexão
emocional com o passado (eventos, lugares, pessoas e objetos feitos a mão), uma orientação
para o futuro (a responsabilidade para as gerações futuras, para os objetos e para o ambiente
natural) e aproveitar o dia-a-dia. Cada informante utilizava posses materiais para remontar os
fragmentos de sua própria experiência temporal em um espaço único, onde memórias, presentes
e projetos de vida se juntavam (CHERRIER; PONNOR, 2010).
Guillard e Pinson (2012) definem acumulação como uma predisposição individual que
consiste em recorrentemente manter (ao invés de doar ou jogar fora) objetos que ainda podem
ser utilizáveis, mas que não têm utilidade para o indivíduo, os quais, na opinião dele, não vale
a pena vender. Essa predisposição é relativamente estável, uma vez que apenas eventos de
81
grande impacto sobre indivíduo podem alterá-la. Os autores identificaram quatro motivações
para acumular bens, indicadas no Quadro 5.
Quadro 5 – Motivações para Manter Bens
DIMENSÃO DESCRIÇÃO AFIRMAÇÕES USADAS PELOS
ENTREVISTADOS
Sentimental
Objetos que materializam fortes memórias pessoais
associadas a pessoas e experiências do passado, que
permitem reviver aqueles momentos. Sentimento de
conforto por estar cercado desses objetos.
“Sou muito apegado a isso”. “Que memórias
do meu passado!”. “Faz-me lembrar de tantas
coisas”. “Isso me lembra de tudo que eu fiz.”
Social
Aplicável a pessoas que mantêm objetos na
expectativa de encontrar alguém que os achará
úteis.
“Um dia vou encontrar alguém para quem
darei isso”. “Deve haver alguém que poderia
usá-lo”. “Ele certamente vai interessar a
alguém um dia”. Algum dia eu vou encontrar
alguém que vai quere-los”.
Econômica
Refere-se ao preço de compra do bem. Por ter pago
muito o indivíduo reluta em desfazer-se do objeto,
apesar de considerar que não vale a pena vende-lo.
“Paguei tanto por isso, que tenho dificuldade
em me desfazer dele”. “Eu o mantenho porque
paguei muito por ele”. “Isso seria como jogar
dinheiro pelo ralo”. “Ele representa dinheiro,
eu não consigo me livrar dele”. “Quando eu
penso no preço, a ideia de se livrar dele faz eu
me sentir mal”.
Instrumental
Aplicável a consumidores que mantém objetos não
mais usados por medo de precisar deles mais tarde.
Frequentemente este medo está associado a
experiências reais do passado.
“Posso precisar disso um dia”. “Ele pode
sempre ser útil”. “Quem sabe? Eu posso
querer usá-lo novamente em algum
momento”.
Fonte: Adaptado de Guillard e Pinson (2012).
Buscando responder porque as pessoas mantêm coisas para as quais elas não têm mais
nenhuma utilidade, Guillard e Pinson (2012) apontam que a primeira razão é a incerteza com o
futuro. Os consumidores mantêm seus objetos ou porque pretende usá-lo futuramente ou ainda
pelo medo de que pode precisar dele em algum momento mais tarde. Esse medo pode ser
explicado por eventos traumáticos anteriores (guerra, pobreza, crises econômicas) ou pode ser
uma expressão de ansiedade generalizada.
Os objetos ainda podem ser mantidos pelo seu valor simbólico ou emocional. Alguns
objetos materializam memórias pessoais, fortes laços emocionais com as pessoas ou, ainda,
eventos particulares (BALL; TASAKI, 1992; RICHINS, 1994a), passando a desempenhar um
papel fundamental na memória da vida da pessoa (KLEINE; KLEINE, 2000). Com isso, tais
objetos tornam-se capazes de reviver o passado de pessoas nostálgicas e quando adquirem o
estatuto de posses especiais insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000) o indivíduo passa
a considerar-se obrigado a mantê-los e passá-los para as gerações futuras.
82
Estes objetos fornecem uma sensação de “autocontinuidade” e podem ajudar o indivíduo
a construir e preservar a sua identidade (BELK, 1990; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995;
PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000; CHERRIER; MURRAY, 2007). Isso explica por que
algumas pessoas se sentem mais seguras quando têm objetos familiares ao seu redor
(CHERRIER; PONNOR, 2010). A perda de tais bens, seja por descuido, roubo ou destruição
acidental, pode ser experimentada como violação extremamente angustiante do self (BELK,
1988; WALLENDORF; ARNOULD, 1988).
Schultz, Kleine e Kernan (1989) investigaram onde os indivíduos entrevistados
mantinham os objetos e por que eles os mantinham lá. Os autores descobriram que bens para
os quais os consumidores têm forte apego são frequentemente protegidos de alguma forma em
local seguro (21%) ou simplesmente recebem pouco ou nenhum cuidado especial em relação a
exposição (65%). Para bens com fraco apego, 91% dos entrevistados afirmaram não ter nenhum
cuidado especial de armazenamento. Segundo os autores não é possível tirar conclusões
definitivas sobre onde as pessoas guardam suas coisas.
Para Coulter e Ligas (2003) os produtos que têm significado para os consumidores, quer
funcionais ou simbólicos, são possivelmente os mais difíceis de se desfazer. Os autores
apresentam dois tipos de consumidores definidos como “packrats” e “purgers”, a partir de uma
perspectiva comportamental e psicológica. Packrats são consumidores que mantêm as coisas e
têm dificuldade de desfazer-se delas, enquanto purgers continuamente fazem um balanço sobre
a necessidade de manter produtos e são tipicamente mais dispostos a eliminá-los caso não sejam
necessários. Conforme os autores, pode-se inferir, na verdade, que packrats dão mais sentido
às suas posses do que os purgers.
Packrats são indivíduos que valorizam não só o comprometimento de recursos
investidos no bem, tais como o dinheiro investido, mas também os significados funcionais e
pessoais, bem como os sentimentos criados por um produto. O consumidor packrat é prático,
inovador, pois está constantemente pensando sobre como prolongar a vida útil de seus bens,
quer por considerar novas maneiras de usar produtos antigos ou ainda garantindo que eles
tenham uma nova casa com outro consumidor. O packrat gosta também de estar cercado por
bens que lhe permita evocar memórias de pessoas, lugares e eventos que valem a pena reviver
e lembrar (COULTER; LIGAS, 2003).
Os purgers, por outro lado, são eficientes, pois normalmente mantém itens que terão
utilização imediata. Qualquer coisa que não sirva a um propósito no presente é resíduo ou
desordem. Purgers identificam-se como limpos, ordenados e organizados. Para eles produtos
83
antigos têm pouco ou nenhum valor futuro (funcional ou simbólico) e eles não estão
interessados em pensar sobre usos inovadores para coisas velhas. Além disso, purgers pensam
em si mesmos como inovadores, como sendo tecnologicamente avançados; desta forma,
produtos antigos são inconsistentes com as suas imagens de si mesmos e, consequentemente,
são dignos de descarte (COULTER; LIGAS, 2003).
De maneira geral, packrats são essencialmente mais propensos a manter as coisas do
que os purgers a desfazer-se delas. Quando querem se desfazer de seus bens os packrats
preocupam-se em faze-los acessíveis para outros, através de doação para caridade ou para
projetos comunitários, por exemplo. Por outro lado, a necessidade de eficiência parece dirigir
os purgers, que têm maior probabilidade de jogar fora itens não usados, velhos ou que não
querem mais (COULTER; LIGAS, 2003).
Haws et al. (2012, p. 225) apresentam o conceito de tendência a retenção de produtos,
definida como “um traço de estilo de vida do consumidor que reflete a propensão geral de um
indivíduo para reter bens relacionados com o consumo”. A tendência a retenção é considera
pelos autores como mais associada com as tendências de evitar desperdício ou frugalidade,
reutilização criativa e preocupação ambiental. A pesquisa realizada pelos autores indica que os
indivíduos com tendência mais forte (vs. mais fraca) à retenção de produtos são mais frugais
(ou evitam desperdício), mais propensos a se envolver em reutilização criativa, têm uma maior
preocupação com o meio ambiente, são mais ligados a suas posses e são mais materialistas.
Também demonstraram que os consumidores com tendências mais fortes de retenção
são mais propensos a reter seus bens (por exemplo, a reutilizar, reparar, armazenar) e a
encontrar alternativas para descartar através de outros métodos de alienação (por exemplo, doar
e dar de presente). Estas tendências gerais parecem se manter através de uma variedade de
diferentes tipos de bens, incluindo bens usados e com necessidade de reparação, bem como
produtos perecíveis (HAWS et al., 2012).
2.3.1 Coleção
Relacionado ao ato de manter bens está o comportamento de coleção. A coleção é vista
por Belk (2001) como tipo de consumo, sendo que colecionar é adquirir um conjunto inter-
relacionado de posses. Colecionar é um consumo com alto envolvimento apaixonado, muito
maior do que outras formas de consumo menos envolventes, como comprar uma lata de ervilhas
84
– a menos que o indivíduo colecione latas de ervilha. A coleção, por sua vez, é uma forma
especial de consumo, na qual a aquisição não é o fator principal. Alguém que possua uma
coleção não é necessariamente um colecionador, a não ser que continue adquirindo coisas para
a coleção.
Colecionadores tendem a se sentir apegados a suas coleções de maneiras que parecem
ser irracionais, se analisados em termos das funções normais das coisas coletadas. Colecionar
se difere da maioria dos outros tipos de consumo, pois envolve formar o que parece ser um
conjunto de coisas - as coleções. Para que essas coisas sejam entendidas como coleção é
importante que se distinga os limites sobre o que é apropriado ou não para incluir na coleção.
Em uma coleção, geralmente, segue-se o princípio do “não há dois iguais” (BELK, 2001, p.15).
Colecionar também é um processo de seleção pessoal de itens, de objetos tangíveis, mas
também experiências, que são retiradas do uso cotidiano. Belk (2001, p.20) sugere a seguinte
definição de colecionar: “colecionismo é o processo de aquisição e posse ativa, seletiva e
apaixonado de coisas extraídas do uso cotidiano, percebidas como parte de um conjunto de
objetos ou experiências não idênticas. O autor esclarece, que objetos de consumo cotidiano não
fazem parte de uma coleção. Mesmo quando o objeto é parte de um conjunto, a intenção
primordial e que ele seja usado, fazendo com que, assim, não se compreenda uma coleção. Uma
proposta secundária de uma coleção pode ser o investimento que está sendo feito, mas Belk
(2001) destaca que quando esta é a principal razão o objeto específico pouco importa ao
indivíduo.
Da mesma forma, o consumidor que somente acumula objetos e não os organiza pode
considera-los usáveis e é improvável que os considere como parte de um conjunto único, com
limites específicos. A acumulação pode ser uma forma de iniciar uma coleção, desde que o
consumidor defina um princípio unificador para seus itens acumulados e continue acumulando
itens à coleção, de acordo com esses princípios. Ao fazer isso o acumulador pode se transformar
num colecionador. Colecionar também difere de simplesmente adquirir, de forma que itens
adquiridos não são considerados como um conjunto nem mantidos como tal (BELK, 2001).
Para Belk (2001) coisas velhas passam a ser singularizadas em coleções quando passam
da esfera do que é singularmente sem valor para a esfera do que é singularmente caro. Enquanto
valoriza suas posses, é possível que o consumidor fique triste se for privado delas
voluntariamente. No entanto, quando não valoriza mais essas coisas é possível é possível parar
de usá-las e até mesmo descarta-las sem que seja necessária uma compensação (Belk, 2001).
Na sociedade de consumo em que vivemos, as coisas que possuímos podem ser consideradas
85
obsoletas ou simbolicamente inapropriadas, apesar de manterem sua funcionalidade. O autor
indica que vivermos em uma sociedade descartável, em que muitas vezes temos ligações
efêmeras e supérfluas com nossas posses. Contudo, os objetos colecionados desafiam essa
compreensão, pois possuem forte vínculo com seus colecionadores.
Pode-se falar em uma coleção pessoal de objetos de uso doméstico, bem como
categorias mais homogêneas, como conjuntos de talheres, ferramentas ou especiarias. Para ser
uma coleção em um determinado ponto no tempo, os bens acumulados só precisam ser vistos
como partes de um conjunto de bens inter-relacionados. Para Belk (1982) muitos bens são
adquiridos para posse, e possivelmente, para coleção, não para o consumo (uso). As coisas que
compreendem um conjunto são retiradas de uso normal. Por exemplo, uma coleção de saleiros
e pimenta não é usada na mesa de jantar, e uma coleção de selos não é usado para enviar cartas.
Portanto, a coleta não é utilitarista. É, no entanto, um consumo altamente apaixonado e como
resultado os colecionadores tendem a se sentir ligados a suas coleções de maneiras que podem
parecer irracionais (Belk, 1995).
Belk (2001) e Silva (2010) fazem um apanhado da história do colecionismo, indicando
que ele está presente nos relatos da vida social desde a Grécia antiga (BAUDRILLARD, 2006).
Silva (2010) salienta casos de colecionadores famosos contemporâneos, como a atriz Elizabeth
Taylor - por suas joias -, Imelda Marcos (1929) e a personagem Carrie Bradshaw da série
televisiva “Sex and the City” – ambas por seus sapatos-, o cantor Elton John - por seus óculos,
bem como os museus e galerias que guardam acervos de importantes coleções artísticas. Parte
da literatura sobre coleções está focada em estudos sobre museus e obras de arte - ver Pearce
(1994) e Chen (2009). Distante desta perspectiva interessa neste trabalho compreender o
colecionismo como um comportamento dos consumidores.
Há poucas dúvidas de que preservar e colecionar são comportamentos humanos
amplamente difundidos (PERTUSA et al., 2010). Crianças por volta dos 25 meses começam a
colecionar ou armazenar coisas, comportamento que aumenta consideravelmente pelo menos
até os 6 anos de idade, quando quase 70% das crianças exibem esta característica. Pertusa et al.
(2010) especulam que esse comportamento é evolutivamente conservado, visto que durante a
história evolutiva da humanidade houve momentos de grande privação e a acumulação era
adaptativa, provavelmente, para aumentar a probabilidade de sobrevivência e sucesso
reprodutivo.
86
Para Baudrillard (2006) a coleção constitui o ponto extremo da posse. Objetos singulares
para o colecionador, possuidores em si de uma história criada pelo ambiente cultural e social,
bem como pela relação do colecionador com o objeto, a coleção possui profundo poder para
quem a possui. Este poder não é oriundo da singularidade ou da história, mas pelo fato de a
própria organização da coleção substituir o tempo. A coleção é em primeiro lugar um
passatempo que simplesmente abole o tempo. Em outras palavras, a coleção representa um
reinício infinito de um ciclo em que o sujeito se entrega a todo instante e com absoluta
segurança. Ele parte para sua incursão imaginária seguro de voltar a realidade, num jogo
fascinante.
O fato de possuir o objeto, dele ser “meu”, é um combustível importante para o
colecionador, pois transmite segurança. Baudrillard (2006) exemplifica essa situação através da
posse do relógio de pulso, indicando que ele resume o duplo modo pelo qual o colecionador
vive os objetos. O relógio de pulso informa o tempo objetivo e ao mesmo tempo submete o
indivíduo a uma temporalidade irredutível, pois, enquanto objeto, ajuda o sujeito a se apropriar
do tempo. A posse do relógio de pulso permite a apropriação do tempo, que não se encontra
mais na parede da casa ou no prédio público, mas como a própria dimensão da objetivação pelo
sujeito e ao mesmo tempo como bem doméstico.
Baudrillard (2006) descreve a sistemática da coleção, relevando sua temática. No
entanto, o autor indica que colecionar quadros de grandes mestres é diferente de colecionar
anéis de charutos. O autor constata que o conceito de coleção se distingue do de acumulação.
A acumulação de materiais – como alimentos, papéis velhos etc. - é indicada como um estado
inferior. A coleção, por sua vez, surge para a cultura, “visando objetos diferenciados que têm
frequentemente valor de troca” (p. 111). Eles são também objetos de conservação, de comércio,
de ritual social, de exibição e são acompanhados de projetos. Baudrillard (2006) segue
colocando que também pela falta a coleção se distingue da acumulação.
Belk et al. (1988) distinguem coleção de outros processos de consumo, notadamente
acumulação, posse e acumulação compulsiva. Segundo os autores afirmam que colecionar
envolve adquirir um conjunto inter-relacionado de posses, que não precisam ser unidas
intencionalmente, mas o indivíduo deve querer completar tal conjunto. Colecionadores são
acumuladores mais seletivos e valorizam sua coleção para além de seu valor utilitário ou
estético. Obviamente os itens reunidos numa coleção têm apelo utilitário ou estético, mas, além
disso, têm um significado adicional para o colecionador devido à sua importância em contribuir
para o conjunto de itens que compõem a coleção. Acumuladores, por sua vez, não são
87
colecionadores, pois relacionam-se com as coisas possuídas como se elas fossem commodities,
enquanto o colecionador as percebe como não utilitárias, com valor e status de sagradas.
Ter a posse de uma coleção, segundo Belk et al. (1988) não pressupõe a aquisição de
novos itens para a coleção e envolve muito mais aspectos de curadoria, como cuidar, catalogar
ou exibir o conjunto colecionado. Uma pessoa que recebe uma coleção feita por outra (como
uma herança, por exemplo) não é necessariamente um colecionador, mas um curador (a menos
que a coleção seja de coleções previamente montadas). Uma distinção semelhante pode ser feita
entre dois tipos de não colecionadores: o acumulador e o acumulador compulsivo. O primeiro
adquire bens, mas nem sempre tem a seletividade existente entre os colecionadores, que formam
um conjunto de itens inter-relacionados. O segundo é possessivo com os bens adquiridos, mas
os trata, principalmente, como utilitários ou commodities ao invés de itens sagrados.
Os autores fazem proposições sobre as coleções, indicando que elas raramente
começam propositadamente; que o vício e aspectos compulsivos permeiam a coleção; que a
coleção legitima a ganância como arte ou ciência; que ocorre uma conversão do profano em
sagrado quando ele entra para coleção; que as coleções servem como extensões do self; que as
coleções tendem a especialização; que os problemas de distribuição pós-morte são
significativos para colecionadores e suas famílias e que há simultaneamente medo e desejo de
completar uma coleção.
Almeida, Salazar e Leite (2014) afirmam que pessoas que colecionam coisas têm uma
tendência maior a aprofundar seus conhecimentos sobre os objetos colecionados, pois, além de
estar altamente envolvidos com a coleção, têm medo de serem enganados quando adquirem os
itens. Segundo McIntosh e Schmeichel (2004) o colecionismo é um processo que pode ser
compreendido em etapas que vão do desejo de começar a colecionar algo, passa pela busca de
informações, pelo planejamento e “namoro”, pela caçada ao item, pela aquisição e pós-
aquisição e, por último, pela manipulação, exibição e catalogação da coleção.
2.3.1 Abandono
A pesquisa sobre abandono de produtos, comportamentos e culturas têm sido ainda
pouco exploradas em comportamento do consumidor. Suarez, Chauvel e Casotti (2012b),
contudo, apresentam uma discussão sobre o tema que situa o abandono como uma face do
anticonsumo. Com base nas pesquisas de Hogg (1998) e Hogg, Banister e Stephenson (2009)
88
as autoras definem abandono como “o ato de abrir mão de algo anteriormente consumido,
pressupondo, portanto, que uma escolha deliberada foi realizada” (SUAREZ; CHAUVEL;
CASOTTI, 2012, p. 412).
Ainda segundo Hogg (1998) o anticonsumo engloba tanto o conjunto inepto e inerte de
consumo, quanto a não escolha – produtos e serviços que não são comprados, porque não estão
acessíveis ao consumidor; e a antiescolha – produtos ou serviços que foram ativamente não
escolhidos, pois são encarados como inconsistentes e ou incompatíveis com outras escolhas do
consumidor. Para o autor isso caracteriza o comportamento de abandono. Para Hogg (1998) o
abandono está fortemente ligado à dimensão comportamental, ao se abrir mão de algo
anteriormente consumido.
Portanto, o abandono estaria relacionado às mudanças no ciclo de vida, status do
indivíduo, ou aversão expressa como desgosto ou repulsão que fazem parte de uma transição
social que o indivíduo pode estar atravessando. Sendo assim, o abandono é configurado como
um processo. Ao longo da pesquisa realizada por Suarez, Chauvel e Casotti (2012b, p. 420)
foram comuns os relatos que evidenciaram uma “gestação” do abandono, através de
comportamentos (nem sempre conscientes), como rotinas de abstinência, modificação de
dinâmica de compra e estoque do produto, que viabilizam a decisão de abandono posterior.
Para Suarez, Chauvel e Casotti (2012b) há três tipos distintos de abandono, sendo eles:
(1) abandono contingencial; (2) abandono posicional; e (3) abandono ideológico. O abandono
contingencial ocorre quando o consumidor se vê forçado a deixar a categoria, dado um conflito
de objetivos ou limitações práticas e materiais que se impõem na sua vida. Deriva, portanto, da
existência de conflitos, que tornam a decisão repleta de sentimentos ambíguos – positivos e
negativos. Consumidores que relataram este tipo de abandono tendem a ver o abandono como
não definitivo, mas situacional e, por isso, quando possível, movimentam-se no sentido de
viabilizar o consumo futuro.
Abandono posicional, por sua vez é motivado pela demarcação de uma distância
simbólica em relação aos consumidores da categoria. Assim, pela abstinência, o consumidor
demarca uma diferenciação simbólica, uma identidade própria e positiva. De maneira geral este
consumidor pode ser motivado por uma perspectiva individual (não coletiva). O terceiro tipo
de abandono identificado pelos autores, o ideológico, possui perspectiva coletiva. Os
consumidores acreditam que a sociedade (e não apenas eles, individualmente) deve abandonar
ou repensar aquele tipo de consumo.
89
O não consumo é uma postura política que mobiliza atenção e energia desses “ativistas”,
que se engajam em demonstrar alternativas para aquele consumo, bem como suas implicações
e significados negativos. Os entrevistados não compartilham com os consumidores os
significados da categoria e, principalmente, procuram reformular a forma como a sociedade
entende o consumo, através da manifestação pública do seu comportamento.
A pesquisa evidencia que, assim como o consumo, o abandono é capaz de construir
identidades e sinalizar mudanças importantes. No abandono, o indivíduo abre mão da
funcionalidade relacionada ao produto. Já as associações simbólicas continuam sendo usadas,
criadas e manipuladas mesmo depois que este acontece. Ao falar sobre os benefícios e
vantagens do abandono, consumidores se apropriam e “tiram vantagem” dos significados da
categoria descartada. Ao descrever o abandono de determinado produto, ex-consumidores
expressam – a partir do que não são – aquilo que pretendem ser. Percebe-se assim, que Suarez,
Chauvel e Casotti (2012b) situam o abandono como uma face do anticonsumo.
Coulter e Ligas (2003) também apresentam uma definição para abandono e sugerem que
abandonar um produto, mas o fazem tratando da relação desse conceito com o descarte. Para os
autores abandonar é sinônimo de descartar, sendo necessário que, em primeiro lugar, os
consumidores descartem ou abandonem produtos através de disposições socialmente aceitáveis
– como colocar na lata do lixo - ou socialmente inaceitável – como jogar lixo na rua.
Na próxima seção deste subcapítulo serão tratados os aspectos negativos – ou obscuros,
como prefere Mick (1996) – do consumo, já que estes também são formas possível de criação
da relação sujeito-objeto.
2.3.2 O Lado Obscuro do Consumo
Apesar de haver uma relação íntima das pessoas com suas posses, essa relação pode ter
consequências negativas, o que Mick (1996, p. 106) chamou de “o lado negro do consumo”.
Este “dark side” inclui aspectos como o materialismo (GER; BELK, 1999), compra compulsiva
(O'GUINN; FABER, 2005), compra por impulso (ROOK, 1987), acumulação (MAYCROFT,
2009; CHERRIER; PONNOR, 2010) entre outros ligados ao envolvimento excessivo das
pessoas com os processos de compra e com a posse de bens materiais. Uma parcela das críticas
aos aspectos obscuros do consumo, parte da ligação entre o desenvolvimento da sociedade de
consumo e a vontade de ter bens materiais (SHANKAR; FITCHETT, 2002; WOODWARD,
90
2007). Ahuvia (2008) lembra que as críticas ao consumo excessivo e não saudável são feitas
desde os textos de religiosos e de filósofos antigos.
Fromm (1987) desenvolveu um ponto de vista amplamente reconhecido por sua crítica
a essa relação. Segundo o autor, ter é uma função normal da vida, pois para viver deve-se ter
coisas para desfrutar. Numa cultura em que o objetivo principal é ter, “tem-se a impressão de
que a própria essência do ser é ter: de que se alguém não tem, não é” (FROMM, 1987, p. 35).
No entanto, argumenta o autor citando Marx, o ideal humano deve consistir em ser muito e não
ter muito. O autor se posiciona no que chamamos anteriormente de Abordagem Crítica
Marxista, mas a atualiza, trazendo a relação de antes dominada pela produção para uma relação
agora dominada pelo consumo e pela indústria cultural.
Criticando o materialismo, a aquisição e o hiper individualismo (WOODWARD, 2007),
Fromm (1987) refere-se à existência de dois modos distintos de experiência na
contemporaneidade: o modo ter e o modo ser. O primeiro trata da posse (seja material ou de
conhecimento), enquanto o segundo é aquele em que não “se tem nada além do emprego das
faculdades produtivamente alegres” (FROMM, 1987, p. 36), nem se anseia por ter alguma
coisa. A diferença entre os modos ter e ser é a diferença entre uma sociedade centrada em torno
de pessoas e outra centrada em torno de coisas. São duas diferentes espécies de orientação para
com o eu e o mundo, duas diferentes estruturas cujas respectivas predominâncias determinam
a totalidade do pensar, sentir e agir de uma pessoa.
A orientação no sentido do ter é característica da sociedade industrial ocidental, na qual
a voracidade por dinheiro, fama e poder tornou-se o tema dominante da vida. Isso ocorre de tal
forma, que o homem contemporâneo se tornou incapaz de conceber uma sociedade cujo espírito
não esteja centrado na propriedade e no desejo. Neste modo de existência o relacionamento
com o mundo é de pertencimento e posse, em que o indivíduo quer que tudo e todos, inclusive
ele mesmo, ou seja, sua fama, sua propriedade e em última análise, ostentação. A questão da
apropriação, característica do modo ter, aparece inclusive na forma de falar. Fala-se hoje “eu
tenho uma ideia” e não mais “eu pensei em algo”; “eu tenho vontade” para expressar “eu quero”
ou ainda “eu tenho um casamento feliz” ou invés de “eu sou feliz no casamento” (FROMM,
1987).
Consumir é uma forma de ter, talvez a mais importante da sociedade atual. Uma das
manifestações do ter é a de incorporar, sendo assim, o ter é estático. Ao incorporar se toma
posse e controla-se essa posse, não necessariamente de forma física, mas em seus aspectos
simbólicos e mágicos. Esse processo apresenta qualidades ambíguas: alivia a ansiedade, pois o
91
que se tem não pode ser tirado, mas, ao mesmo tempo, exige que se consuma cada vez mais,
pois o consumo anterior rapidamente perde sua propriedade de satisfação. Para Fromm (1987,
p. 45) “os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e
consumo”.
O eu é o mais importante objeto do nosso sentimento de propriedade, porque
compreende muitas coisas: o corpo, o nome, a posição social, os bens (inclusive o
conhecimento), a imagem de si próprio e a imagem que se quer que outros tenham de nós. Ele
é um misto de qualidades concretas e fictícias, construídas em torno da realidade. Para o autor
não importa tanto o que seja o conteúdo do eu, pois a questão essencial é que o eu seja sentido
como uma coisa que cada um possui, e que esta coisa seja a base do sentido de identidade.
A crítica de Fromm (1987) considera que o apego a propriedade se modificou desde
meados do século XX e atualmente comprar não é mais preservar. Após certo tempo de uso as
pessoas de desfazem dos objetos comprados ansiando por objetos novos, o que, segundo o
autor, caracteriza a valorização do ter sobre o ser. A aquisição leva à posse e ao uso transitório,
resultando em jogar fora, em novas aquisições etc., constituindo um círculo vicioso comprador-
consumidor. O caso de amor que se tem com os bens adquiridos é curto, permitindo a troca
frequente, que pode ser estimulada (1) pela despersonalização no relacionamento consumidor-
objeto, pois este último representa um símbolo de status, de extensão do poder; (2) pela emoção
da aquisição, já que tomar posse é uma espécie de defloração; aumenta o sentido de autocontrole
e quando mais frequente acontece, mais emocionante fica; (3) pela necessidade de experimentar
novos estímulos, já que os antigos tornam-se fracos e monótonos depois de curto tempo e; (5)
pelo sentido de acumulação inerente ao caráter do modo ter. Fromm (1987) assume que viver
sem ter ou consumir alguma coisa é virtualmente impossível e reconhece as qualidades
ambíguas do ter e consumir, que ao mesmo tempo em que aliviam a ansiedade exigem que se
tenha e consuma cada vez mais.
Em suma, Fromm (1987) tem medo de que os consumidores confundam o que tem com
o que são (BELK, 1983). Belk (1982) constata que a disciplina de comportamento do
consumidor restringiu pesquisa e teoria a um foco estreito e, por vezes, improdutivo na
aquisição de bens. Para o autor, os termos “buyer behavior” e “consumer behavior”, poderiam
ser substituídos por “having behavior”, que descreveria um campo de estudos mais frutífero
(BELK, 1982). Shankar e Fitchett (2002), seguem o mesmo argumento de Fromm (1987) e
apontam o surgimento de movimentos de consumidores que querem ter menos (ou deixar de
ter) e que dão cada vez mais importância ao fato de não ter. Trazendo uma discussão
92
complementar sobre a importância do ter na vida do consumidor, os autores apresentam o
seguinte argumento:
A capacidade de atingir, ou seja, ter riqueza e prosperidade material não parece
resolver todas as ansiedades e insatisfações que os seres humanos experimentam como
parte de suas vidas diárias. De fato, como muitos críticos do capitalismo avidamente
lembram aqueles envolvidos com marketing, a sociedade de consumo pode realmente
aumentar os sentimentos de insatisfação, descontentamento, ansiedade e desejo
insaciável simplesmente pelo fato de que os indivíduos estão plenamente conscientes
do que eles poderiam ter (SHANKAR; FITCHETT, 2002, p. 502).
Para os autores, a miopia em marketing não é só para as empresas e seus produtos, mas
para o marketing. Isso por que o marketing se baseia na premissa de que os consumidores têm
uma BMW ou uma roupa da moda, por exemplo, porque acham a vida entediante e incompleta
e tentam com esses produtos torná-la mais atraente. O problema é que muitos consumidores já
possuem uma BMW e uma roupa da moda e continuam achando a vida entediante e incompleta,
o que demostraria o fracasso do sistema baseado em posses. Nesse sentido, o futuro do
marketing deveria se concentrar em ajudar as pessoas a ser, não a ter, ou seja, a construir
identidades, não a possuir bens. O marketing precisa mudar para “being marketing” e deve estar
preparado para ajudá-las nessa busca. Os autores apontam o surgimento de movimentos de
consumidores que querem ter menos (ou deixar de ter) e que dão cada vez mais importância ao
fato de não ter. Esse argumento é reforçado por pesquisas como a de Van Boven e Gilovich
(2003), que indicam que as pessoas são mais felizes quando compra experiências de consumo,
do que bens materiais.
Miller (1987) adiciona ao debate sobre ter e ser uma análise da influência das teorias de
Marx, Hegel, Munn e Simmel sobre o conceito do materialismo. Para o autor uma compreensão
ampla do lugar dos bens na sociedade exige uma perspectiva geral sobre o relacionamento entre
pessoas e coisas, que advém de um amplo conjunto de ideias sobre a natureza da sociedade e
os processos que geralmente caem na categoria “cultura” e encerra em si uma série de
questionamentos filosóficos. A cultura tornou-se uma cultura material baseada na forma dos
objetos, pois destaca-se mais suas características físicas e concretas, pois elas os fazem parecer
imediatamente assimiláveis. Encobre-se, assim, a real natureza da cultura material, que é uma
das formas mais importantes de expressão cultural. Esta cultura, contudo, tem sido amplamente
associada ao materialismo e ao fetichismo, pois foi historicamente analisada a partir de um foco
em relação aos bens per se, deixando-se em segundo plano as interações sociais. Essas
premissas foram responsáveis pelo surgimento de uma variedade de críticas ao estilo de vida
“moderno” (MILLER, 1987, p. 4) e uma escassez de sugestões que permitam compreender
como a sociedade industrial se apropria de sua própria cultura.
93
Barbosa (2004) rebate tais críticas, afirmando que o espírito do consumismo moderno
“é tudo, menos materialista”. Se os consumidores desejassem realmente a posse material dos
bens, se o prazer estivesse nela contido, a tendência seria a acumulação dos objetos, e não o
descarte rápido das mercadorias e a busca por algo novo que possa despertar os mesmos
mecanismos associativos. O desejo dos consumidores é experimentar na vida real os prazeres
vivenciados na imaginação, e cada novo produto é percebido como oferecendo uma
possibilidade de realizar essa ambição. Mas, como a realidade sempre fica a quem da
imaginação, cada compra leva o consumidor a uma nova desilusão, o que explica a
determinação de sempre achar novos produtos que sirvam como objetos de desejo a serem
repostos (CAMPBELL, 2001; 2006).
Soma-se a este discurso, outro pensamento próprio da sociedade do consumo, que
entende a relação pessoa-objeto em termos de uma opressão oriunda do materialismo e dos
objetos materiais (MILLER, 1987; 1995; 2004; GER; BELK, 1999). Nesta lógica, as pessoas
seriam oprimidas pelos objetos, já que a sociedade do consumo valoriza muito mais o “ter” do
que o “ser” (FROMM, 1987). Esta perspectiva moralizante sobre o consumo ainda pode ser
observada atualmente (WOODWARD, 2007; BARBOSA, 2010), sendo o “materialismo
desenfreado” responsabilizado pela perda de valores, dissolução de identidades e desagregação
social (SLATER, 2002; MILLER, 1987; 1995; 2004; GER; BELK, 1999). Para que se possa
compreender o impacto do materialismo na sociedade a seguir apresenta-se o histórico do
conceito e seus desdobramentos na pesquisa de comportamento do consumidor.
2.3.2.1 Materialismo
Mick (1996) aponta que o consumo tem seu lado negativo e ele está associado, entre
outras coisas, ao materialismo e a compra compulsiva. Segundo Ahuvia (2008) críticas ao
consumo excessivo, compreendido como aquele cujo fundo psicológico ou espiritual não é
saudável, são feitas desde os textos de religiosos e de filósofos antigos até os dias de hoje
(BELK, 1983). O materialismo é objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, entre elas
a psicologia, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a economia, o design e o marketing
(CHAPLIN; JOHN, 2007). O conceito de materialismo originalmente refere-se à noção
filosófica que busca explicar o mundo em termos da sua relação com a matéria e seu movimento
94
(RICHINS; DAWSON, 1992), como apresentam Miller (1987) e Politzer (2002), a partir dos
trabalhos de Marx e Hegel.
Apesar disso, com o desenvolvimento da sociedade do consumo o materialismo, que no
conceito filosófico tem em sua definição central a noção de que não são nossas ideias que criam
as coisas, mas, pelo contrário, são as coisas (matéria) que nos dão o pensamento (POLITZER,
2002), passou a ser empregado em outro sentido (RICHINS, 1994). Popularmente,
materialismo passou a ser compreendido como apego a necessidades e desejos materiais
(RICHINS; DAWSON, 1992); como a vontade de ter e possuir bens (BELK, 1984); como a
perseguição de uma boa vida, farta em posse de bens materiais (BELK; POLLAY, 1985) e;
como envolvendo objeto tangíveis (MCKEAGE; RICHINS; DEBEVEC, 1993). Além disso, o
materialismo também é comumente associado à busca excessiva de status por meio de posses,
ao sentimento de inveja, de desconsideração do outro e da subjetividade do indivíduo,
autocentralidade, possessividade, insegurança, falta de princípios e de valores morais (BELK;
POLLAY, 1985; CHAPLIN; JOHN, 2007; SANTOS; FERNANDES, 2011).
Kilbourne, Grünhagen e Foley (2005) indicam que existem muitas definições de
materialismo que apresentam um critério em comum: refletem o consumo de itens que vão além
do aspecto instrumental, ou seja, o indivíduo busca manter uma relação com os objetos através
da qual ele possa se sentir valorizado. Materialismo é, para Belk (1984, p. 291), “a importância
que um consumidor atribui a posses mundanas”. Richins e Dawson (1992, p. 307) acrescentam
ao conceito os objetivos finais empregados pelo indivíduo em relação a posse, indicando que
materialismo é “a importância que uma pessoa coloca nas posses e em sua aquisição como uma
forma de conduta necessária ou desejável para alcançar estados finais desejados, incluindo a
felicidade”.
Sirgy (1998) completa essa visão indicando que no materialismo as coisas materiais são
consideradas altamente significantes em relação a outros domínios da vida, o que significa que
a pessoa materialista atribui extrema importância ao mundo do dinheiro, da riqueza e das posses
materiais. Por outro lado, Sahlins (2003) traz uma perspectiva mais abrangente, analisando o
materialismo como um sistema cultural, no qual os interesses materiais não são subservientes
aos outros objetivos sociais. Nesse sentido, Miller (2005, p.17) vai além da definição centrada
no indivíduo e propõe que em “um pensamento dialético o materialismo adequado é aquele que
reconhece a relação irredutível da cultura, que através do consumo cria pessoas dentro e por
meio de sua materialidade”.
95
Frente a essas delimitações percebe-se que não há uma definição única e universal para
o termo materialismo (KILBOURNE; GRÜNHAGEN; FOLEY, 2005), tampouco uma
abordagem amplamente aceita. Para Santos e Fernandes (2011) o que todas essas definições
têm em comum é a percepção do consumo como meio de se adquirir mais do que o valor
instrumental ou funcional da mercadoria. Coletivamente, as definições sugerem que o indivíduo
se sente mais capaz pela propriedade de objetos. Richins e Dawson (1992), contudo, revelam
temas que consistentemente aparecem nas definições de materialismo, sendo eles: a
centralidade que posses representam na vida dos indivíduos; a felicidade ou bem-estar pela
posse de bens e o sucesso ou êxito julgado pela quantidade e qualidade das posses acumuladas.
No centro da vida de sujeitos materialistas estão suas posses e aquisições. Isso ocorre
porque eles percebem isto como essencial para sua satisfação pessoal e bem-estar (RICHINS;
DAWSON, 1992; BELK, 1984). Em outras palavras, para os materialistas ter coisas é um passo
para a felicidade. Richins e Dawson (1992) e Richins (2004) destacam a busca da felicidade
através da aquisição de bens materiais como uma das dimensões do materialismo. De fato,
historicamente se compreendia que um aumento na posse de bens materiais traria mais
felicidade (GIANETTI, 2002).
Para Richins (1994) as práticas materialistas influenciam não apenas a qualidade das
mercadorias e bens adquiridos, mas, especialmente, a quantidade, dada a forma pouco lógica
de consumo do sujeito materialista. Para Belk (1991), os hábitos de consumo de pessoas
materialistas ocasionam maior arrependimento e insatisfação pós-compra. De maneira geral, o
materialismo é visto como negativo (BELK; POLLAY, 1985) e relacionado com
impulsividade, focado em aquisição e posse (RICHINS; DAWSON, 1992). Isso ocorre porque
consumidores considerados materialistas percebem a compra, a aquisição e a posse como
essencial para sua satisfação pessoal e bem-estar (RICHINS; DAWSON, 1992; BELK, 1984).
Um componente negativo dos valores materialistas é a falta de controle sobre o consumo, ou
seja, ao invés de adquirir um senso de autonomia a partir do consumo ou através de um processo
cuidadoso de tomada de decisão, os valores materialistas resultam em aumento do desejo por
posses materiais, resultando em perda de autocontrole (LEE; AHN, 2016). Uma vez que as
pessoas não querem ser vistas como egoístas e irresponsáveis, esses sentimentos levariam a
insatisfação e infelicidade (KILBOURNE; PICKETT, 2008).
Uma das principais discussões envolvendo materialismo diz respeito a avaliação de seu
caráter positivo ou negativo (BELK, 1984; 1985; RICHINS; DAWSON, 1992; RICHINS,
1987; 1994a; 1994b; FOUNIER; RICHINS, 1991; CLAXTON; MURRAY, 1994;
96
MCKEAGE; RICHINS; DEBEVEC, 1993; GER; BELK, 1990; 1996; 1999). Csikszentmihalyi
e Rochberg-Halton (1981), todavia, incentivam uma mudança de foco. Para estes autores o
materialismo não precisa ser necessariamente bom ou mal (BELK; 1985), mas pode estar ligado
aos propósitos de consumo de uma pessoa. Assim, os autores apresentam uma classificação do
materialismo em dois tipos: materialismo terminal e materialismo instrumental. Quando as
situações de consumo e posse do objeto são o fim em si, o materialismo envolvido é
potencialmente mais destrutivo, chamado, então, de terminal. Este tipo de materialismo envolve
a intenção de gerar inveja ou admiração de terceiros ou ainda servir como símbolo de status,
sendo, portanto, um materialismo ruim.
Por outro lado, no materialismo instrumental as posses servem a propósitos que são
independentes de ganância e têm um escopo específico, limitado a exercer influências positivas
na vida do indivíduo. O materialismo instrumental envolve cultivar os objetos como recursos
essenciais para o descobrimento e promoção de valores pessoais, de forma que eles se tornam
instrumentos usados para realizar objetivos. Isso não significa, é claro, que os objetos sejam
somente usados como recursos, já que eles também produzem experiências e prazer imediato,
que no final das contas, são seus próprios fins. A ênfase dada pelos autores nessa definição diz
respeito ao contexto no qual os objetos são usados, o que transforma seus fins em propósitos
mais completos, visando o desenvolvimento da vida humana em sociedade, envolvendo a
atualização pessoal e o cultivo de laços mais fortes com a família e com os amigos.
Com essa proposta, Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981) desobrigam o
materialismo do caráter negativo essencial (SANTOS; FERNANDES, 2011), estabelecendo
uma dependência entre os propósitos de vida do sujeito envolvido na ação. Para os autores, o
contexto do materialismo instrumental é oposto ao terminal, pois nesse último não há senso de
interação recíproca entre os objetos e os fins. No materialismo terminal o consumo surge em
situações que não têm outro fim senão a posse em si. Jamais a posse será compreendida como
ela própria uma possibilidade de destinos adicionais, que, em outras palavras, significam,
transformações culturais. O materialismo terminal é mais potencialmente destrutivo, pois é
mais provável de resultar em traços materialistas como inveja, possessividade, não
generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e talvez a tendência de tratar pessoas como posses
(BELK; POLLAY, 1985).
97
A ambivalência do materialismo pressupõe que “quando a razão do consumo é a posse
em si e a intenção de despertar inveja e obter status, o materialismo é maléfico. Contudo, quando
a motivação é ancorada em valores mais coletivamente orientados, o materialismo não causa
danos” (SANTOS; FERNANDES, 2011, p. 176), podendo ser visto como algo não negativo.
Para os autores a classificação dos tipos de materialismo ilustra as bases morais ou pragmáticas
para a avaliação dos bens materiais: como o propósito em vez do simples fato da própria
possessão material, devem formar a base de uma crítica do materialismo. Se o materialismo
está associado a uma imagem “grosseira auto-centrada, de consumidores estúpidos que
compram coisas desnecessárias e dedicam suas vidas à busca superficial para aquisição de
dinheiro e posses” (CSIKSZENTMIHALYI; ROCHBERG-HALTON, 1981, p. 231), mas os
bens também servem para o “bem comum das pessoas ou da cultura”. Justamente, em virtude
dos bens terem essa função considerada essencial, que a definição de materialismo instrumental
é desenvolvida pelos autores.
Apesar da profunda relação entre cultura e consumo, a ideia de que o materialismo pode
ter um aspecto positivo pode surpreender, pois contraria uma verdade amplamente conhecida:
de que o materialismo é uma das coisas mais erradas que há em nossa sociedade
(MCCRACKEN, 2003). Essa forma de se relacionar com os bens materiais é considerada a
manifestação contemporânea do mal no mundo, tendo uma relação esmagadoramente negativa
(MICK, 1996; GER; BELK, 1996;1999). Estudos de Ger e Belk (1996; 1999) apontam que as
pessoas associam o materialismo a um falso caminho para a felicidade através do consumo, a
uma orientação excessiva para o consumo que acaba em um estado de dominação pelas coisas,
a uma fraqueza decorrente da insegurança, a uma concorrência prejudicial de status através de
posses e a uma valorização de coisas sobre as pessoas. Em sua pesquisa, os autores indicam
que, ao pensar sobre materialismo, as pessoas se envolvem em explicações a respeito das
normas da cultura material e num diálogo sobre atitudes materiais, valores e estilo de vida,
muitas vezes emocional. Essa é, para eles, uma das evidências da alta importância das questões
materiais em suas vidas.
Apesar de todas as conotações negativas associadas ao materialismo, a maioria dos
entrevistados no trabalho dos autores (GER; BELK, 1999) tinham padrões de consumo pessoal
e aspirações que, vistos de longe, pareciam como altamente materialistas, o que indicava uma
importante contradição entre seu discurso e sua prática de consumo. Para Ger e Belk (1999)
isso ocorre, pois, pessoas materialistas têm coisas que muitas outras que desejam, mas que não
podem pagar/ter e quando exibem essas posses geram nos outros um mix de desejo, admiração,
98
inveja e ressentimento (RICHINS; DAWSON, 1992). Além disso, materialismo define sucesso
e progresso social através de bens possuídos, fazendo com que características materialistas
possam também incluir um alto nível de aprovação social (MICK, 1996).
Como forma de conciliar essas contradições os pesquisados empregavam discursos para
tentar justificar suas práticas de tipos de materialismos (GER; BELK, 1999). Alguns
entrevistados avaliaram suas práticas de consumo como mais positivas, alegando, por exemplo,
que seu consumo é diferenciado, superior, quer através de conhecimento especializado, quer
através de instrumentalismo (como fontes de felicidade) ou pelo até mesmo por seu caráter
altruísta (em benefício de outros). Outros, no entanto, admitiram se envolver em materialismo
prejudicial. Para estes, as principais desculpas são de que forças externas os obrigam a se
comportar de tal forma, já que este é o caminho do mundo moderno. Relataram ainda que
mereciam, devido a privações anteriores, ou como uma forma de recompensa. Esse tipo de
subterfúgio autoindulgente parece relacionar-se com aspectos que potencialmente estimulam
comportamentos impulsivos e compulsivos.
Materialismo não é, contudo, consumismo (SANTOS; FERNANDES, 2011). O
consumismo, segundo Jones et al. (2003), é a forte manifestação em relação à atração e
consumo de bens ou serviços. Segundo Stearns (1997), uma sociedade consumista envolve um
grande número de pessoas que direcionam suas vidas - a partir da busca de significados e da
satisfação pessoal - para a busca e aquisição de bens materiais. Nesse contexto a busca de
significados está ligada a um anseio mensurável de que a vida não está completa sem uma
determinada aquisição. Muito embora haja no materialismo a centralidade da aquisição, ela está
mais relacionada à posse de bens ou objetos, sendo que o fato de ter tais bens ou objetos acaba
se tornando sobressalente em relação a outras esferas da vida do indivíduo (PACHECO et al.,
2010). Assim, a importância dos bens pode ser ampla e geral (HOLT, 1995). Pode, inclusive,
servir como uma medida para capturar o que é comumente associado ao materialismo. Todavia,
ao invés de focalizar a importância global de bens, pode ser mais produtivo definir o
materialismo em termos de como as pessoas usam suas posses (HOLT, 1995).
2.3.2.2 Compra Compulsiva e Impulsiva
Quando se fala em posse, consumo e uso deve-se ter presente a ideia de que para ter,
consumir ou utilizar é preciso que primeiro tenha existido um ato de compra ou a aquisição de
99
um bem (BELK, 1982). Para Rook (1985), comprar vai muito além do ato de suprir algumas
necessidades, uma vez que os consumidores usam as compras como terapia, passatempo,
entretenimento, uma desculpa para sair de casa, para matar o tempo ou até mesmo para
encontrar pessoas. O verbo comprar adquiriu um sentido mais amplo, tornando-se tema de
interesse de diversas ciências, como antropologia, sociologia, psicologia e marketing. A compra
é compreendida na literatura como uma experiência, que pode resultar em grande prazer
(CAMPBELL, 2001). Por esse motivo, para muitos consumidores o produto adquirido é menos
importante do que a experiência de compra em si (BENSON, 2000). Adquirir é uma atividade
que vai além do simples ‘comprar’ ou ‘possuir’, ou como define Benson (2000, p. 502), “[...]
is not about buying, it’s about being”.
Para a maior parte das pessoas comprar é uma parte normal e rotineira do dia-a-dia, mas
para compradores compulsivos a inabilidade de controlar um impulso avassalador de comprar
invade suas vidas e resulta em significantes e por vezes severas consequências (O’GUIN;
FABER, 1989). Este tipo de comprador, compra não tanto para obter utilidade do bem
adquirido, mas sim, como forma de atingir gratificação através do processo de compra em si.
Faber (2000) afirma que muitos compradores compulsivos costumam ir às compras todos os
dias, e sua resposta primária, quando confrontado com eventos ou sentimentos negativos da
vida, é fazer compras. A literatura de consumo apresenta uma quantidade considerável de
estudos sobre compra compulsiva e impulsiva, que são vistas na literatura como tipos de
compras não planejadas (D’ASTOUS; MALTAIS; ROBERGE, 1990).
Faber e O’Guinn (2005) apresentam uma análise interessante a respeito do aumento dos
estudos sobre comportamentos de compra compulsiva desde os 1980, quando, segundo eles,
pouco se falava sobre o assunto. Desde então o número de trabalhos, estudos e pesquisas sobre
o tema avançou não somente na academia, mas na mídia, em jornais, revistas, TV, sendo que
hoje falasse abertamente sobre o tema, que serve até mesmo como piada em sitcoms.
Atualmente as experiências de consumo frequentemente envolvem lidar com impulso de
comprar e consumir, para “ter isso tudo agora” (ROOK, 1987, p. 195). Essa naturalização de
um transtorno psicológico relacionado com a falta de controle sobre comportamentos de compra
e com a falta de capacidade de reconhecer as consequências de suas ações, parece estar
relacionada com o aumento da oferta de crédito e produtos (FABER; O’GUINN, 2005), ou seja,
com a própria sociedade de consumo (ROOK; FISHER, 1995).
100
O’Guin e Faber (1989, p.149) definem compra compulsiva como uma “compra
repetitiva, crônica que ocorre como resposta a eventos ou sentimentos negativos” e que fornece
gratificação imediata de curto-prazo, mas que em última análise causa prejuízos ao indivíduo
e/ou aos outros (FABER; O’GUINN, 2005). Para os autores consumo compulsivo é uma
resposta a uma vontade ou desejo incontrolável de obter, usar ou experimentar uma sensação,
substância, ou atividade que leva o indivíduo a se envolver repetidamente em um
comportamento que acabará por causar danos a ele e/ou aos outros.
A definição de O’Guin e Faber (1989) engloba aspectos patológicos deste fenômeno,
incluindo comportamentos de dependência excessiva, como o abuso de drogas, os transtornos
alimentares e a sexualidade compulsiva, assim como comportamentos mais orientados ao
mercado, como jogo compulsivo e cleptomania. Os autores apontam que comportamentos
viciantes, compulsivos, excessivos, habituais, abusivos e acumuladores, bem como transtornos
de controle dos impulsos compartilham elementos comuns com o consumo compulsivo.
O’Guin e Faber (1989) tratam compra compulsiva como oposta à compra normal,
compreendendo que o comprador compulsivo é alguém descontrolado, fora da normalidade.
Para eles a compulsão é uma forma extremada de compra, que pode ser vista como parte de
uma categoria mais ampla de comportamentos compulsivos de consumo e pode ser definida
como “comportamentos repetitivos e aparentemente propositais que são desempenhados de
acordo com certas regras ou de uma forma estereotipada” (O’GUIN; FABER, 1989, p. 147).
As compulsões são comportamentos excessivos e ritualísticos, deliberadamente
realizados para aliviar a tensão, a ansiedade ou o desconforto despertado por pensamentos
importunos ou pela obsessão. As compulsões se referem a comportamentos que muitas vezes
vão contra a vontade do indivíduo. O termo é frequentemente empregado para classificar um
número de diferentes comportamentos repetitivos conduzidos por um desejo irresistível e
prejudicial (O’GUIN; FABER, 1989). Para Hirschman (1992), os comportamentos
compulsivos como os vícios em drogas, bulimia e compras compulsivas são formas extremas
de atividades normais de consumo. As pessoas precisam comer e fazer compras e nem por isso
tornam-se dependentes. Para a autora, as teorias genéticas, da personalidade e sociais sobre a
etiologia do vício, contribuem com informações valiosas para a nossa compreensão desse
fenômeno.
Segundo Veludo-de-Oliveira, Ikeda e Santos (2004), a definição de compra compulsiva
ainda é bastante fragmentada na literatura de comportamento do consumidor. Os autores
exemplificam essa fragmentação através da quantidade de termos que se referem à compra
101
compulsiva na literatura, sendo eles: compulsive buying, addictive buying, compulsive
shopping, compulsive spending e oniomania (mania de comprar). Ainda assim, Goldsmith e
McElroy (2000) três critérios para que alguém possa ser diagnosticado como tendo transtorno
compulsivo de compra, sendo eles: (1) preocupações frequentes com compras ou compras de
fato, vistas como excessivas, incômodas e sem sentido; (2) esses comportamentos ou impulsos
causam acentuado sofrimento e interferem significantemente no funcionamento social ou
ocupacional e/ou resultam em sérios problemas financeiros e; (3) as compras não ocorrem
somente em momentos de mania ou hiperatividade.
Com este quadro percebe-se que a compra compulsiva é compreendida como uma
doença, tanto que Faber e O’Guinn (2005, p. 4) afirmam que deveriam ter tratado desde o início
o fenômeno como “compra patológica”. De forma geral, os autores parecem concordar que ela
é um estado de descontrole que visa a minimizar sentimentos negativos pessoais
(HIRSCHMAN, 1992; FABER; CHRISTENSON, 1996). Para O’Guin e Faber (1989) há duas
definições essenciais que precisam estar presentes entre estes diversos comportamentos: ele
deve ser repetitivo e problemático para o indivíduo. Inicialmente o comportamento pode não
ser visto como problemático, mas como uma fonte alívio imediato da ansiedade e do stress
emocional (O’GUIN; FABER, 1989).
As recompensas de curto-prazo reforçam o comportamento, ocasionando a repetição e
o processo compulsivo. Na medida em que o comportamento se torna mais frequente, surgem
sentimentos de imunidade às consequências da compulsão. Essa negação ocorre mesmo quando
o indivíduo se depara com evidências que indicam que este o comportamento é prejudicial. Ele
passa, então, a ver sua compulsão como uma perda de controle momentânea. Este sentimento
gera mais ansiedade e frustração, que tentarão ser aliviadas com a repetição do comportamento,
num ciclo incessante que segue ocorrendo, embora se tente parar ou moderá-lo (O’GUIN;
FABER, 1989). Consumidores compulsivos acabam comprando para compensar eventos
infelizes, e/ou baixa autoestima (O'GUINN; FABER, 1989). Neste sentido, o ato de comprar
pode elevar temporariamente o humor e a autoestima.
No entanto, segundo O’Guinn e Faber (1989), compradores compulsivos comumente
desenvolvem sentimentos de vergonha ou culpa associada com o seu comportamento. Eles
podem ser aparentes tanto economicamente, em termos de graves dívidas, quanto
psicologicamente, em termos de sentimentos de remorso, baixa autoestima, e um impacto
profundo sobre as relações interpessoais.
102
Para O’Guin e Faber (1989) há duas definições essenciais que precisam estar presentes
entre estes diversos comportamentos: ele deve ser repetitivo e problemático para o indivíduo.
Na verdade, inicialmente o comportamento pode não ser visto como problemático, mas como
uma fonte alívio imediato da ansiedade e do stress emocional (O’GUIN; FABER, 1989). As
recompensas de curto-prazo reforçam o comportamento, ocasionando a repetição e o processo
compulsivo. Na medida em que o comportamento se torna mais frequente, surgem sentimentos
de imunidade às consequências da compulsão. Essa negação ocorre mesmo quando o indivíduo
se depara com evidências que indicam que este o comportamento é prejudicial. Ele passa, então,
a ver sua compulsão como uma perda de controle momentânea. Este sentimento gera mais
ansiedade e frustração, que tentarão ser aliviadas com a repetição do comportamento, num ciclo
incessante que segue ocorrendo, embora se tente parar ou moderá-lo (O’GUIN; FABER, 1989).
Consumidores compulsivos acabam comprando para compensar eventos infelizes, e/ou baixa
autoestima (O'GUINN; FABER, 1989). Neste sentido, o ato de comprar pode elevar
temporariamente o humor e a autoestima.
Faber e O’Guinn (2005) e Ridgway, Kukar-Kinney e Monroe (2008) apontam que na
literatura há questionamentos sobre a compra compulsiva ser uma forma de Transtorno
Obsessivo Compulsivo ou um Transtorno de Controle da Impulsividade. Em virtude dessas
classificações pouco específicas Faber e O’Guinn (2005) consideram que as pessoas confundem
compra compulsiva com compra por impulso. No entanto, para estes autores alguns exemplos
extremos de compra por impulso podem se assemelhar a compras compulsivas, mas os
construtos se diferenciam em várias maneiras importantes, devendo ser tratados separadamente.
A compra por impulso é uma ação não planejada estimulada pela ocasião e tem como
característica o desejo repentino de comprar (DITTMAR, 2000; BAUMEISTER, 2002). Para
Jones et al. (2003, p. 506) tendência de compra impulsiva é o “grau em que um indivíduo é
susceptível a fazer compras não intencionais, imediatas (ou espontâneas), e não refletidas”, ou
seja, na compra por impulso os itens são comprados de forma espontânea e não premeditada,
rápida e sem a avaliação da necessidade. Os produtos são comprados de forma espontânea e
não premeditada, rapidamente e sem necessidade de avaliação (ROOK, 1987).
A definição de compra por impulso foi apresentada na literatura de marketing pelos
trabalhos de Stern (1962) e de Kollat e Willet (1967), que propõe que as compras por impulso
são não planejadas. Para Youn e Faber (2000) essa é uma visão míope do fenômeno, pois
restringe têm como objetivo principal classificar produtos em impulsivos e não impulsivos, de
forma a facilitar estratégias de marketing, tais como propaganda no ponto de venda,
103
merchandising e promoções em lojas. Nesse sentido, Stern (1962) identifica quatro
classificações de diferentes tipos de compras por impulso, sendo elas:
a) Compra impulsiva pura, a mais fácil de ser reconhecida, pois a compra ocorre
sem nenhum tipo de planejamento anterior ou intenção de compra.
b) Compra impulsiva lembrada, que ocorre quando o consumidor vê um item e
lembra que precisa dele, pois, o estoque acabou ou está baixo.
c) Compra impulsiva sugerida, que se refere as compras feitas quando o
consumidor vê um produto pela primeira vez e visualiza uma necessidade,
mesmo sem ter conhecimento sobre o bem. As avaliações são feitas na loja pela
sugestão de adquirir novidades.
d) Compra impulsiva planejada, que apesar de parecer estranha, mas ocorre quando
o consumidor adquire o produto que já tinha intenção de adquirir, mas decide na
loja a quantidade, a marca ou outro fator, que depende das condições de venda
(descontos, ofertas, etc.).
Esse tipo de análise não evidencia os estágios internos vividos pelos consumidores que
compram por impulso, tal como fazem as pesquisas de Rook e Hoch (1985), Rook (1987), Hoch
e Loewenstein (1991) e Rook e Fisher (1995), entre outros. De forma geral, estes autores da
segunda fase das pesquisas em compras por impulso, sinalizam a necessidade de compreensão
das questões psicológicas da impulsividade para tratar-se dos comportamentos de compras
impulsivas. Segundo Beatty e Ferrell (1998), a compra por impulso é por definição não
planejada, mas também é mais do que isso, pois envolve experimentar uma urgência em
comprar. A compra por impulso foi redefinida por Rook (1987, p. 191) da seguinte forma:
A compra por impulso ocorre quando um consumidor experimenta uma súbita,
frequentemente poderosa e persistente, urgência de comprar algo imediatamente. O
impulso é hedonicamente complexo e pode estimular um conflito hedônico. Da
mesma forma, a compra por impulso é inclinada com diminuta consideração por suas
consequências.
Segundo Rook (1987), esse tipo de compra acontece quando se vivencia uma urgência,
geralmente forte e persistente, para comprar algo imediatamente, sem muita preocupação com
as consequências. Rook (1987) relata que um terço de seus entrevistados se sentiu compelido a
comprar alguma coisa uma vez que experimentou o impulso de compra. Os relatos incluem
questões como obsessão, não pode esperar, só pensar nisso, sentir-se obrigado, desesperado,
estar fora de controle etc. Uma mulher de 55 anos de idade, relatou que “uma vez que eu vejo
isso na minha mente, ele não vai embora até eu comprá-lo” (ROOK, 1987, p. 193).
104
Rook e Hoch (1985) identificaram cinco características que diferenciam padrões de
compra impulsivos de não impulsivos: (1) um desejo súbito e espontâneo de agir que se afasta
de padrões de comportamento anteriores; (2) desequilíbrio psicológico que faz com que o
consumidor se sinta temporariamente fora de controle; (3) conflito psicológico entre a obtenção
atual de gratificação e resistir a ceder a impulsos que são percebidos como irracionais ou
errados; (4) uma diminuição dos critérios de maximização de utilidade para a avaliação dos
produtos; e (5) um desprezo às consequências negativas que podem estar associados com o ato
de consumo.
Ela é relativamente extraordinária e excitante, diferente, assim de uma compra ou usual,
que tende a ser tranquila. Os impulsos de compra tendem a ser fortes e urgentes, assim como a
compra por impulso é uma experiência rápida, nunca lenta, sendo mais provável que o
consumidor agarre um produto do que escolha um. O comportamento impulsivo é mais
espontâneo do que cauteloso. A compra por impulso tende a quebrar o padrão de compra do
consumidor, enquanto uma compra usual tende a ser parte de sua rotina. Ademais, esse tipo de
compra é mais emocional do que racional, sendo mais provável de ser percebida como ruim do
que boa, de tal forma que o consumidor tem maior chance de ser sentir fora de controle quando
age impulsivamente (ROOK, 1987).
Apesar dos comportamentos impulsivos serem frequentes e amplamente estimulados
pela propaganda e nos pontos de venda, nem todos os consumidores têm tendências impulsivas
(VERPLANKEN; HERABADI, 2001; BAUMEISTER, 2002). Assim, concordando com a
posição de Edwards (1993), DeSarbo e Edwards (1996) e O’Guinn e Faber (2005) deve-se fazer
uma distinção entre compra compulsiva e compra impulsiva, que não ser tratados nem como
sinônimos. Para DeSarbo e Edwards (1996) a compra por impulso é motivada por um gatilho
externo, como a exposição do produto na loja, o ambiente de loja, o preço, uma liquidação, etc.,
que estimula o indivíduo a comprar. A compra compulsiva, por sua vez, é motivada por um
gatilho interno, tal como estresse ou ansiedade. Comprar e gastar são formas de fugir ou aliviar
esses sentimentos. Apesar dos estados de humor poderem influenciar a compra impulsiva, o
foco do desejo está em um item específico e o desejo por ele irá, pelo menos temporariamente,
prevalecer sobre a força de vontade de resistir a ele (HOCH; LOEWENSTEIN; 1991; FABER;
O’GUINN, 2005). Por outro lado, a compra compulsiva é tipicamente mais ligada ao desejo de
comprar do que sobre o item realmente comprado (FABER; O’GUINN, 2005).
105
É possível resumir as diferenças entre compra compulsiva e compra impulsiva, já que
às vezes esses construtos são confundidos um com o outro, mas não podem ser definidos como
sinônimos (JOHNSON; ATTMANN, 2009). Assim, consumo compulsivo e impulsivo parecem
ser tipos de compras não programadas, em que existe uma ausência momentânea ou perda do
controle, que resulta em excesso de compras (FABER; O'GUINN 1992; DITTMAR, 2000;
BAUMEISTER, 2002). A compra por impulso é motivada por um gatilho externo, como a
exposição do produto na loja, o ambiente de loja, o preço, uma liquidação, etc. (DESARBO;
EDWARDS, 1996). A compra compulsiva, por sua vez, é motivada por um gatilho interno, tal
como estresse ou ansiedade (FABER; O’GUINN, 2005). Comprar e gastar são formas de fugir
ou aliviar esses sentimentos. Esse comportamento compulsivo pode evoluir para a compra
viciante quando se torna uma necessidade de gastar continuamente, a fim de aliviar o stress e
ansiedade, enquanto o impulso de comprar pode ser experimentado pela maior parte das
pessoas.
2.3.2.3 Acumulação
Há ainda outro comportamento negativo associado ao consumo, a acumulação
compulsiva. O fenômeno, conhecido como hoarding, refere-se à tendência de acumular objetos
e a dificuldade de desapegar-se deles mesmo quando eles são inúteis (COULTER; LIGAS,
2003; CHERRIER, 2009; MAYCROFT, 2009; CHERRIER; PONNOR, 2010; HAWS et al.,
2011). Frost e Gross (1993, p. 367) definem acumulação compulsiva como “a aquisição da
insuficiência para descartar bens que parecem ser de valor limitado ou inúteis”. Essa definição
é bastante ampla e não faz nenhum tipo de distinção entre os objetos que as pessoas recusam a
desapegar, especialmente entre os bens que ainda são usáveis e os que não são, ou ainda entre
aqueles que podem ser vendidos e os que não têm valor de revenda (GUILLARD; PINSON,
2012).
Guillard e Pinson (2012) apresentam um estudo no qual referem-se ao hoarding como
a tendência a “manter tudo”, mas não absolutamente todas as coisas, uma vez que esse
comportamento é compreendido como patológico e decorrente de desordens obsessivas-
compulsivas. A tendência em ficar com absolutamente tudo é chamada acumulação
compulsiva, disposofobia (GUILLARD; PINSON, 2012) ou Síndrome de Diógenes,
(PERTUSA et al., 2010), pois tal personagem grego teria rejeitado todos os confortos
106
domésticos e se caracteriza pela negligência sem vergonha do corpo e do ambiente pessoal, pela
acumulação e rejeição de qualquer ajuda (CHERRIER; PONNOR, 2010).
Uma manifestação importante da acumulação compulsiva é o acúmulo de bens que
resulta em espaços de convivência entulhados de coisas, o que significa um enorme desafio
para a rotina diária dos acumuladores compulsivos (HAWS et al., 2012). Acumuladores
compulsivos são dominados por suas posses materiais e não conseguem interagir socialmente.
Suas casas são como espaços de armazenamento, onde todos os tipos de objetos, lixo e detritos
são acumulados, sem nenhum sinal de organização ou controle (CHERRIER; PONNOR, 2010).
Seriados de televisão, revistas, jornais e muitos livros têm destacado tais comportamentos na
cultura do consumo, aumentando o número de organizações dedicadas a ajudar pessoas com
esse problema. Belk, Yong Seo e Li (2007) inclusive relatam o caso de organizadores
profissionais, que ajudam as pessoas a organizar seus objetos acumulados.
Haws et al. (2012) exemplificam o processo de acumulação com o caso de dois
personagens, Greg e Steve e contam suas histórias:
Conheça Greg, ele mantém tudo. Ele não pode fazer o caminho de quarto em quarto
em sua casa, porque ele tem anos de jornais bagunçados pelos corredores, e seu carro
está estacionado na entrada da garagem, porque sua garagem está atolada com seu
caminhão quebrado e equipamentos agrícolas velhos. Em sua cozinha, miolos de maçã
podre e cascas de banana acomodam-se no balcão da cozinha, porque Greg não tem
coragem jogá-los fora. Seus parentes não o visitam; eles estão preocupados com seus
comportamentos obsessivo-compulsivos relacionados com a adquirir e manter as
coisas e com sua segurança porque a sua casa é tão atravancada.
Agora, conheça Steve. Seus amigos o repreendem sobre sua relutância em descartar
as coisas. Steve pensa que jogar fora produtos que têm algum valor residual é um
desperdício. Ele acredita que se livrar de seu sofá velho, agora cuidadosamente
guardado no sótão, seria frívolo, e ele mantém uma bicicleta quebrada na garagem
porque pode precisar das correntes para consertar outra bicicleta ou das engrenagens
para fazer uma scooter motorizada (HAWS et al., 2012, p. 224).
Os autores explicam os exemplos criados indicando que apesar de Steve ter uma
tendência a manter suas coisas, sua não é atravancada, nem seu cotidiano é prejudicado pelo
fato dele guardar coisas. Steve e Greg assemelham-se, no entanto, na medida em que ambos
mantêm suas posses. A diferença entre eles refere-se a dificuldade de descartar posses, que é
extrema no caso de Greg. Ao contrário de Steve, Greg dedica seu tempo a aquisição excessiva
e vive no meio da extrema desordem. O comportamento de Greg é chamado na literatura de
psicologia como acumulação compulsiva, considerada um transtorno do espectro psicológico
obsessivo-compulsivo (FROST et al., 2000; HAWS et al., 2012)
107
Maycroft (2009) questiona o porque das pessoas sujeitarem-se a problemas de saúde, a
exposição a riscos como de esmagamento, incêndio, sujeira, doenças etc. para acumular bens
não utilizados, usados ou desgastados, uma vez que existem tantas alternativas disponíveis e
mecanismos de disposição tanto para produtos úteis quanto para inúteis? Para o autor, a
acumulação é interessante justamente por isso, porque contraria a propensão cultural
generalizada dos seres humanos de distribuir o excesso, as normas consumistas de descartar a
fim de consumir mais e os imperativos modernos de limpeza e ordem.
Compreendemos que até este momento foram apresentados os principais conceitos
trazidos pela literatura de comportamento do consumidor sobre a relação sujeito-objeto. No
próximo subcapítulo serão compilados os estudos que já trataram sobre o não uso, como forma
de iniciar os estudos sobre esse conceito.
2.4 Não Uso
O estudo do não uso de objetos e bens vem sendo pouco discutido e estudado tanto em
pesquisas de marketing quanto de outras áreas como antropologia, sociologia ou design.
Estudos sobre coisas que as pessoas possuem, mas não usam são raras em comportamento do
consumidor. Pode-se destacar o trabalho de La Branche (1973), que trata de coisas
negligenciadas e não usadas; a pesquisa de Bower e Sprout (1995), que propõem uma
taxonomia de produtos não usados; a investigação de Trocchia e Janda (2000) que se debruça
sobre a razão das pessoas comprarem bens e serviços que nunca utilizam ou consomem
completamente; e a análise de Chirumamilla (2014) sobre a noção de não uso como parte do
entendimento do papel dos objetos materiais na constituição da vida cotidiana das pessoas.
Nestes estudos o não uso é entendido a partir de sinônimos como: unused products, non-
usage, non-used, neglected objetcs, under-consume, never used at all, never utilized or
consumed, under-utilized, purchased itens that are not consumed, wasteful purchase e
haphazard consumer purchase. Neste cenário, o exame do fenômeno do não uso feito por
Bower e Sprout (1995), Wansink, Brasel e Amjad (2000) e Trocchia e Janda (2000) possuem
uma vertente de pesquisa cognitivista, na qual há uma teorização inicial sobre as representações
108
do não uso, testada através do teste de hipóteses. Essa abordagem deixa pouca margem ao
entendimento do não uso como um processo, pois parte da premissa causal entre compra e
consumo, tratando o não uso como uma disfunção da pós-compra.
Segundo estes autores, os estímulos ao não uso originam-se nas compras compulsivas
(O'GUINN; FABER, 1989) e impulsivas (ROOK; 1987), que pressupõem a falta de
planejamento da aquisição do produto (TROCCHIA; JANDA, 2002). Nesta prerrogativa os
consumidores deixaram de usar (ou não usam) produtos e serviços, pois não desenvolveram um
plano mental para o uso do bem comprado. Isto ocorreria quando o consumidor passa por
momentâneos de desequilíbrios decorrentes do conflito psicológico entre o autocontrole e os
desejos do indivíduo (HOCH; LOEWENSTEIN, 1991; YOUN; FABER, 2000; COSTA,
LARÁN, 2006) ou ainda quando há compras repetitivas que ocorrem como resposta a eventos
ou sentimentos negativos (O'GUINN; FABER, 1989; VELUDO-DE-OLIVEIRA, IKEDA,
SANTOS, 2004; JOHNSON; ATTMANN, 2009).
Mesmo nos livros texto de comportamento do consumidor, autores como Mowen e
Minor (2007), Peter e Olson (2009) e Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) consideram o uso
como uma etapa subsequente ao processo de compra. Dentre estes autores, apenas Peter e Olson
(2009) e Hawkins Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) tratam a pós-compra como um
processo. Autores como Blackwell, Miniard e Engel (2005), Solomon (2008) e Schiffman e
Kanuk (2009), sequer tratam da possibilidade de não uso, assumindo que o uso é seguido da
compra e que todos os consumidores usarão os bens comprados. Hawkins, Mothersbaugh e
Best (2007), por outro lado, apontam que depois de comprado, um bem pode ou não ser
consumido, mencionando o não uso como uma possível consequência da compra. Os autores
usam a abordagem de Bower e Sprout (1995) para afirmar que a maioria dos produtos e serviços
têm as decisões de compra e consumo tomadas simultaneamente, mas pode acontecer de um
produto ser comprado e não usado. Neste sentido, o não uso é apresentado como um processo
de pós-compra, no qual o indivíduo não consume o bem obtido.
Bower e Sprott (1995) complementam, afirmando que o não uso de produtos é
amplamente definido como ocorrendo quando o consumo de um produto falha em ocorrer após
ele ser obtido. Duas premissas são assumidas nessa definição: primeiro, assume implicitamente
que no momento da compra, o comprador tem a intenção de se consumir o produto e; segundo,
que o produto não está sendo usado como pretendido no momento da compra. O foco na compra
fica claro a partir destas premissas dos autores, que sugerem que o não uso ocorre quando um
produto adquirido é usado apenas de modo limitado em relação ao seu uso potencial. O não uso
109
não significa, então, que um objeto nunca foi usado, o que restringiria desnecessariamente o
conceito. O padrão “zero uso”, revelam os autores não precisa ser a única forma de não uso
(BOWER; SPROTT, 1995, p. 582).
Para esclarecer sua definição os autores adicionam pontos sobre o que é e o que não é
considerado por eles como sendo o não uso de um produto. Inicialmente Bower e Sprout (1995)
consideram que muitos produtos naturalmente deixam de ser usados em decorrência das
mudanças no ciclo de vida. Uma bicicleta usada por uma criança provavelmente será menos
usada na medida em que a criança fica mais velha, mas, por que a bicicleta não é usada agora
não significa que não foi bem usada antes. Para os autores, a diferença entre os produtos usados
e não usado é que, para este último qualquer utilização irá ocorrer dentro de um período de
tempo limitado após a obtenção, e, em seguida, a utilização diminui rapidamente.
Em segundo lugar, Bower e Sprout (1995) não incluem na definição de não uso produtos
que podem ser reutilizados, mas são adquiridos com a intenção de uma única ocasião de
consumo. Por exemplo, vestidos de festa são caros, não-perecíveis e podem ser usados várias
vezes, mas são comprados com apenas um uso em mente. Além disso, os autores não estão
interessados em produtos que foram obtidos de forma involuntária, como presentes não
solicitados. Os únicos tipos de presentes incluídos em sua conceptualização são aqueles que
foram ativamente procurados ou pedidos.
De forma resumida, um produto é considerado como não usado se: (1) não tiver sido
totalmente utilizado, ou se (2) tiver sido utilizado, algumas vezes, sendo que o período de
utilização é seguido pela ausência de uso. No último caso, considera-se tanto a quantidade
quanto o padrão de uso do produto. Isto significa que a sua não utilização é também considerada
como a descontinuidade de uso, seguida de um período de não utilização. Um produto usado
continuamente (mesmo que por um período menor que o esperado) por um tempo prolongado
não é considerado não uso para os autores. Para eles deve ficar implícito que no momento da
compra o indivíduo tinha a intenção de consumir o produto, mas por alguma razão não o fez
(BOWER; SPROTT, 1995).
Bower e Sprout (1995) sugerem que há dois níveis de decisão, divididas por ocorrerem
em momentos distintos: a decisão de compra e a decisão de consumo. Um exemplo desta
separação citada pelos autores ocorre quando se pede uma refeição em um restaurante. Nesta
situação também se está decidindo fazer a refeição naquele momento, além da decisão de
compra. A decisão de comprar um alimento no supermercado, no entanto, requer uma segunda
decisão de preparar e consumir o alimento, que ocorre em um momento diferente no tempo e
110
num ambiente distinto da primeira. Para Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) o não-uso pode
ocorrer porque a situação se altera ou o comprador muda de ideia entre a compra e a ocasião de
uso potencial.
Para criar sua taxonomia, Bower e Sprott (1995, p. 582) desenvolveram uma
categorização prévia do não uso “gerada a partir da introspecção dos pesquisadores”, para
ajudar na interpretação dos dados. A taxonomia proposta baseia-se em fatores ambientais,
quando as razões para o não uso estão além do controle do consumidor; e fatores de decisão,
quando estas razões estão sobre o dos consumidores. Como amostra os autores usaram 68
alunos de graduação, para os quais foi aplicado um questionário que continha três casos de não
uso, envolvendo vestuário (sapatos), alimentos (alface) e equipamentos de ginástica (sócios do
clube). A partir desses contextos os respondentes deveriam responder questões abertas para
descrever o produto, quando foi comprado, o preço, o grau de utilização, porque foi comprado,
porque não foi utilizado e o que aconteceu com ele. Em seguida eram apresentadas perguntas
com itens do tipo Likert (escala de 7 a 1), sendo elas: “Se você tivesse que fazer esta compra
de novo, você faria isso?" (Definitivamente sim/definitivamente não), e “Ficou satisfeito com
esta compra?” (Muito satisfeito/muito insatisfeito).
Os produtos destacados pelos respondentes como não usados foram separados em 7
categorias: (1) vestuário, com 46,3% das respostas, com exemplos como sapatos, vestidos e
laços; (2) equipamentos ou serviços de ginástica (9%), máquina de peso, filiação a academia de
ginástica, por exemplo; (3) Esporte e Lazer (10,4%), bastão de baseball, bicicleta, por exemplo;
(4) produto, os relacionados a música (4,5%), CDs, por exemplo; (5) alimentos (6%), iogurte,
alface, por exemplo; (6) produtos tecnológicos (6,0%), televisão, equipamentos de informática,
por exemplo e (7) produtos diversos (17,9%), lentes de contato, walk talkies, por exemplo.
Antes de se tornar não usados os produtos foram utilizados em média de 3,5 vezes.
Produtos usados duas vezes ou menos representavam 63,5% da amostra, 20,9% nunca chegou
a utilizar o produto, 19,4% usou uma vez e 19,4% utilizou o produto duas vezes. A quantidade
máxima de utilização foi de 20 vezes para uma bicicleta, um CD e um par de lentes de contato.
Quase 84% dos produtos foram mantidos pelos respondentes e em média os produtos 76
semanas antes. Os restantes dos respondentes haviam vendido o produto, jogou fora, doado ou
ele seu prazo de validade havia vencido.
A taxonomia de Bower e Sprout (1995) é então definida em dois fatores, definidos a
priori pelos autores: fatores ambientais, quando existem forças situacionais que podem ser
responsáveis pela a não utilização do produto e estão fora do controle do consumidor e; fatores
111
decisórios, aqueles que envolvem situações em que há um conflito entre as decisões de compra
e de consumo, gerada devido a alguma inconsistência no consumidor. Os fatores ambientais
podem contemplar forças tanto externas quanto diretamente relacionadas com o produto. As
forças externas estão relacionadas com alterações no ambiente externo, que impedem o
comprador de utilizar o produto no ambiente pretendido. Exemplo citado pelos autores é a
compra de uma passagem de avião para uma viagem de férias que não pode ser usada, pois a
pessoa adoece (BOWER; SPROTT, 1995).
O produto pode se tornar não usado devido a alterações ambientais, de tal forma que o
produto já não tem um contexto para ser utilizado. Por exemplo, quando se deixa de usar uma
bicicleta porque está chovendo ou fazendo frio e nunca mais se retoma o hábito, mesmo quando
o clima está favorável. As forças relacionadas ao produto referem-se, segundo os autores, a
falhas do produto, que pode ter se quebrado facilmente logo após a compra. Neste caso, ao
invés de consertar o bem, o consumidor prefere deixar de usá-lo, como no caso de um
condicionar de cabelo ou de um equipamento de informática que não deve o efeito desejado
pelo consumidor. Isso também pode ocorrer quando o consumidor muda a marca usualmente
comprada por outra (BOWER; SPROTT, 1995).
Os fatores decisórios referem-se, segundo os autores, as flutuações de preferências dos
consumidores, consideradas instáveis e suscetíveis a diversas mudanças. Bower e Sprout (1995)
afirmam que as pessoas devem tentar prever suas preferências no momento do consumo, já que
elas podem ser diferentes das preferências no momento da compra. Contudo, para os autores as
pessoas falham em determinar como suas preferências futuras poderiam ser. “O fato de que as
preferências futuras poderiam ser de alguma forma diferentes do que as atualmente
apresentadas é a base deste artigo”, afirmam os autores (BOWER; SPROTT, 1995, p. 584).
Uma vez que as decisões de compra e consumo são dois comportamentos diferentes, podem
potencialmente ter dois conjuntos diferentes de motivações. O não uso pode ser resultado,
então, de falha do consumidor em avaliar corretamente o produto antes da compra.
Duas categorias são destacadas por Bower e Sprout (1995) como pertencentes a este
tipo de não uso: a específica da compra e a compra inspirada em objetivos do consumidor. A
primeira inclui as situações em que o consumidor começou o processo de tomada de decisão
com base em um encontro direto com a situação de compra (por exemplo, uma grande redução
de preço). A segunda engloba todas as compras que feitas para satisfazer algum objetivo -
possivelmente permanente – do consumidor. A principal diferença entre as duas é que na última
há alguma necessidade ou desejo específico de pesquisa e avaliação do produto.
112
O tipo de não uso relacionado a compra específica aborda as situações em que o
consumidor tomou uma decisão dentro do contexto de compra, como quando uma pessoa decide
levar um par de sapatos encorajada por seu/sua amigo(a) no ponto de venda. As razões da
inconsistência entre a tomada de decisão de compra e de consumo podem ser (1) influências
sociais, através de grupos de referência ou pressão social para aquisição ou consumo; (2)
influência da economia de preços, quando os produtos não usados foram comprados
principalmente por que havia desconto e; (3) perda potencial de oportunidade, em que a compra
se dá pela percepção de disponibilidade limitada do produto.
O não uso derivado das compras inspiradas em objetivos do consumidor é resultado em
algum objetivo individual. Dois tipos de objetivos são apresentados pelos autores como
relacionados a compra de produtos que não foram usados: objetivos restritos e objetivos
genéricos. Os objetivos restritos referem-se as compras de produtos específicos feitas para
solucionar uma necessidade peculiar, como o caso da compra de uma jaqueta mais leve que
uma de couro para proteger a informante do inverno, mas que não era quente o suficiente e
acabou sendo não usada. A diferença com a primeira categoria citada anteriormente é que nesta
casa a compra foi planejada – e a anterior não.
Os objetivos genéricos podem ser satisfeitos por diversos tipos de produtos e a compra
do produto não usado foi uma tentativa de alcançar esse objetivo. Os objetivos mais citados na
pesquisa foram perder peso e entrar em forma, compreendidos pelos autores como resultantes
de um self percebido como possível. Segundo os autores uma pessoa pode atribuir certos
comportamentos de consumo à tentativa de alcançar um self positivo, atingível. Selves possíveis
são esboçados a partir de experiências passadas, atividades atuais e o self previsto no futuro.
Desta forma, certos comportamentos de consumo estão relacionados com a tentativa de do
sujeito de alcançar esses selves positivos que ele pode vir a ter, bem como evitar selves
indesejáveis, aquilo que ele poderia se tornar, mas não quer. Portanto, a compra de
equipamentos de ginástica pode levar uma pessoa mais perto de seu self possível positivo,
devido a seu potencial percebido. Este “resultado esperado” pode motivar várias dessas
compras, afirmam os autores (BOWER; SPROTT, 1995).
Os autores indicam que as principais razões pelas quais as compras destinadas a
satisfazer objetivos caíram no não uso: a insatisfação com o produto, que pode até funcionar,
mas com o qual o consumidor não está satisfeito e, a motivação com o objetivo, pois quando os
produtos foram adquiridos para alcançar um objetivo, a motivação para alcança-lo pareceu ser
um importante elemento na motivação necessária para usar o produto. Em alguns desses casos,
113
os autores afirmam que o produto foi comprado como um meio para atingir o objetivo e em
outros foi comprado como uma iniciativa. A compra de equipamentos de ginástica que
poderiam ajudar a perder peso ou ficar em forma são um exemplo. Os respondentes também
citaram sua ocupação como a principal razão para não usar os produtos comprados, mas mesmo
nestes casos os autores julgaram que a falta de motivação era a principal causa do não, não a
falta de tempo.
Para Bower e Sprout (1995) comprar e usar não podem ser considerados a partir de um
ponto de vista causal. Em sua taxonomia somente produtos comprados são referidos como não
usos, o que limita sobremaneira a capacidade de análise do fenômeno. Acredita-se, contudo,
que não seja necessário haver um encadeamento entre compra e consumo, uma vez que nem
tudo o que é comprado é, de fato, consumido. Imaginar que todo bem comprado será usado é
desperdiçar a oportunidade de compreender uma faceta importante e comum do comportamento
dos consumidores.
Trocchia e Janda (2002) buscaram entender o não uso a partir de dois estudos
complementares, um qualitativo e outro quantitativo. No primeiro estudo os autores solicitaram
a alunos de uma universidade norte americana que escrevessem observações pessoais a respeito
de dois produtos ou serviços que eles tinham comprado, mas nunca usado (ou que sentia que
tinha sido subutilizado). Após essa etapa os autores treinaram alunos de pesquisa de marketing
para realizarem entrevistas com outros dois não alunos sobre não uso. Todos os alunos
receberam o mesmo roteiro de pesquisa e os respondentes deveriam falar sobre três produtos
ou serviços que seguisse os seguintes critérios: (1) ter sido comprado pelo próprio respondente;
(2) não ter sido usado ou que eles sentissem que o produto foi subutilizado e; (3) não tivessem
devolvido o produto a loja para reembolso.
A partir da avaliação de dois juízes e dos próprios pesquisadores foram descritas
categorias para explicar as motivações de compra e razões para o não uso. As motivações de
compra para produtos não usados foram:
a) Baixo custo: os entrevistados indicaram que preço baixo, promoções e liquidações
influenciavam sua decisão de compra. Muitos produtos que mais tarde se tornariam não
usados foram comprados primeiramente em função de seu preço baixo.
b) Autodesenvolvimento (aperfeiçoamento): o conceito de self ideal (ideal self) refere-se
ao conceito que o indivíduo faz da pessoa que ele gostaria de ser (SIRGY, 1980, 1982).
Uma vez que algumas pessoas possuem uma imagem ruim delas próprias, podem
114
comprar produtos com objetivo de melhorá-la. O conceito de self social ideal refere-se
a como os indivíduos gostariam de ser vistos pelos outros (SIRGY, 1980, 1982). Nesse
sentido os consumidores podem comprar certos produtos e serviços, como bolsas de
grifes famosas ou cirurgias plásticas para melhorar seus eus sociais ideais.
c) Substituição de compras regulares (experimentar): quando o consumidor decide trocar
a marca que compra normalmente e opta por outra ainda não conhecida, que pode acabar
sendo pior que a original e por isso não usada. Consumidores leais a uma marca, quando
forçados a comprar outra (por falta de estoque, por exemplo) ou quando compram para
experimentar uma nova, relataram que acabaram não usando os produtos comprados.
d) Respostas a promoções persuasivas: propagandas, demonstração em ponto de venda,
promotores, promoções e táticas de vendas estimulam a compra de produtos que estão
com desconto ou que oferecem alguma vantagem, mas que podem vir a não ser usados.
e) Impulsividade: compras impulsivas, não planejadas, que ocorrem sem a avaliação das
consequências, podem resultar em não uso.
f) Satisfatório: em algumas categorias os consumidores não querem gastar tempo
pesquisando sobre produtos e marcas e estão mais dispostos a achar uma marca que
acreditam ser boa o suficiente, mas não necessariamente a melhor. Futuramente eles
podem dar-se conta de que aquela não é a melhor opção e interrompem o uso do produto.
As razões para o não uso encontradas pelos autores referem-se a baixa percepção de
funcionalidade do produto, autoconsciência (vergonha em usar), preocupações com danos
físicos que o produto pode causar, falta de entusiasmo e mudanças na vida. Nota-se que as
motivações e as razões para não usar obtidas na etapa qualitativa da pesquisa de Trocchia e
Janda (2002) são bastante ligadas ao processo de tomada de decisão do consumidor. Isso parece
se justificar, uma vez que os autores realizam um segundo coorte quantitativo, usando o
primeiro para gerar fatores sobre o não uso que pudessem ser mensurados.
Nesta busca pela criação de fatores que compusessem o fenômeno do não uso os autores
parecem ter relegado o contexto em que seus informantes estavam inseridos, o que permitiria
compreender a relação sujeito-objeto. As razões listadas por Trocchia e Janda (2002) seguem o
modelo behavior-decision, ou seja, são razões práticas, lógicas e explicadas de forma racional.
Parece, contudo, haver uma preocupação em simplificar tais motivações e razões para o não
uso, quando, por exemplo, falam sobre a percepção de baixa funcionalidade, que pode ser uma
mistura de falta de prática do consumidor com o produto ou com a categoria, e a relação de
115
expectativa/desempenho do produto. Além disso, para explicar o não uso os autores falam e
dão exemplos de produtos específicos, o que pode ser limitar a entendimento do não uso. Corre-
se o risco de descrever o fenômeno de forma utilitária, como se só ocorresse para aqueles
produtos, limitando sua compreensão.
No segundo estudo, uma sorve com 253 participantes, foram aplicadas medidas multi-
itens estilo Likert de sete pontos, para motivação e razão de compra de produtos não usados. O
objetivo desta etapa, segundo Trocchia e Janda (2002) era encontrar os motivos e razões mais
frequentes, quantificar a relação entre eles dois e gerar a segmentação de consumidores baseada
no não uso. O instrumento de coleta tinha 37 relacionados a motivação e 39 relativos as razões
de não uso. A amostra tinha em média 34 anos, sendo 52% de mulheres, com renda média anual
de U$47.000. Os entrevistados foram orientados a lembrar de um produto ou serviço que
tivessem comprado nos últimos dois anos, em que houve falha no consumo ou que eles sentiam
que tinha sido sub consumida.
Os autores encontraram sete fatores que representavam motivações de compra:
autoindulgência, autodesenvolvimento, satisfatório, compras por impulso, influência de
vendedores, compras não intencionais, aquisição de competências. As compras por impulso
foram a principal motivação para o não uso de produtos, seguida de satisfatório, que representa
situações em que o consumidor estabelece marcas que boas o bastante, mas não
necessariamente a melhor. A aquisição de competências, ou seja, a compra motivada pelo
desejo de desenvolver alguma forma de expertise em um determinado campo, foi terceiro
motivo de compra mais relevante. O autodesenvolvimento foi o quarto motivo e reflete uma
atenção do consumidor para melhorar a si próprio fisicamente, mentalmente ou
emocionalmente. Os outros três fatores foram autoindulgência, quando os indivíduos fizeram
compras para apresentar-se aos outros de forma positiva; compras não intencionais, quando
foram comprados itens que originalmente o consumidor não procurava e; influência de
vendedores, fator que indica a disposição de condescendência para com a argumentação de
vendedores.
Nove fatores caracterizaram as razões para o não uso, segundo Trocchia e Janda (2002):
preocupação com ferimentos/danos, dificuldades de uso, expectativas não atendidas, razões
contingenciais, deslocamento de posses atuais, falta de entusiasmo, desapontamento com
resultados, dificuldades de manutenção, dificuldades de uso e autoconsciência. O
desapontamento com os resultados de um produto comprado foi a mais proeminente razão para
o não uso de produtos, o que indica uma frustração sentida pelo consumidor em relação aos
116
resultados que ele havia antecipado com o uso do produto. A segunda razão mais importante
destacada pelos entrevistados foi a falta de entusiasmo, que reflete situações nas quais o
interesse dos consumidores no produto diminuiu depois da compra. O terceiro fator foram as
expectativas não atendidas, que indicam um gap as expectativas pré-coma a e a realidade pós-
compra.
A quarta e quinta razões para não uso foram dificuldades de uso e de manutenção do
produto, que tratam, respectivamente, da crença do consumidor de que o produto é mais difícil
de usar do que ele esperava e, de que a limpeza e conservação são mais onerosas do que havia
sido antecipado. Razões contingenciais foram apontadas como a sexta razão e dizem respeito
aos sentimentos individuais que influencias externas afastam o indivíduo do uso do produto. O
deslocamento de posses atuais representa a falha em usar o produto tanto porque o sujeito possui
outros com esse ou porque tem medo de que ele seja roubado, enquanto a autoconsciência
corresponde ao medo de que o uso do produto transmita uma imagem negativo do indivíduo, e
foram as sétimas e oitavas razões para o não uso, respectivamente. A última razão para o não
uso indicada pela pesquisa foi a preocupação com ferimentos/danos, que tem a ver com o temor
de que o produto faça mal ao usuário.
As relações entre motivos e razões para não uso são indicadas no Quadro 6 e apontam
que houve 18 correlações entre os fatores.
Quadro 6 – Correlação entre motivos e razões para não uso
Motivações
Co
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po
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Razões
Preocupação com
ferimentos/danos
Dificuldades de uso
Expectativas não
atendidas
Razões
contingenciais
Deslocamento de
posses atuais
Falta de entusiasmo
Desapontamento com
resultados
Dificuldades de
manutenção Negativo
Dificuldades de uso
Autoconsciência
Fonte: Adaptado de Trocchia e Janda (2002, p. 199)
117
A compra por impulso está relacionada com duas razões de não uso: expectativas não
atendidas e autoconsciência. A influência de vendedores relaciona-se ao desapontamento com
resultados esperados do produto. As compras não intencionais estão fortemente correlacionadas
com falta de entusiasmo e autoconsciência, enquanto a aquisição de competências liga-se com
dificuldades de uso. A autoindulgência, está relacionada com preocupação com
ferimentos/danos, dificuldades de uso, razões contingenciais e autoconsciência. Também está
negativamente correlacionada com dificuldades de manutenção.
O Autodesenvolvimento, que surgiu como uma motivação particularmente relevante
para compra de equipamentos de ginástica e de saúde, tem conexão com preocupação com
ferimentos/danos, razões contingenciais, falta de entusiasmo e desapontamento com resultados.
A motivação satisfatória, por sua vez, está correlacionada com autoconsciência e
desapontamento com resultados.
Trocchia e Janda (2002) encerram seu artigo indicando que a venda de produtos não
usados pode ajudar as empresas, mas há um grande potencial de devoluções associadas ao não
uso. Segundo os autores os benefícios de curto prazo advindos da venda de produtos não usados
podem ser perdidos pelos custos de longo prazo associados ao boca-a-boca negativo feito pelos
consumidores da marca. Para as empresas que pensam em criar relacionamentos com seus
clientes pensar na forma como os consumidores usam ou não usam os produtos é uma maneira
de estabelecer relacionamentos de longo prazo. Os autores não falam em porque as pessoas
mantêm os produtos, restringindo-se a compra como consequência única do não uso.
La Branche (1973) discute os sentimentos dos consumidores para com objetos
negligenciados. O autor chama de coisas abandonadas, que “falam por nós” (LA BRANCHE,
1973, p. 163), contando as histórias do não uso de forma autobiográfica, que os próprios sujeitos
ajudam a construir. Os indivíduos contribuem ativamente para as histórias dos objetos e
incorporam-nas a suas próprias narrativas. Desta forma, as coisas não usadas têm um lugar nas
narrativas de uso criadas pelas pessoas. A vida de uma coisa não usada e do que se considera
como coisas inúteis ajudam a sustentar o mundo do indivíduo.
Para Chirumilla (2014) o não uso só existe porque existe a possibilidade de uso. Ele não
pode ser compreendido em sua plenitude e não existiria se não houvesse uma comparação e um
confrontamento com uma ampla gama de possibilidades de atividades e práticas que poderiam
ter sido pensadas para o termo “uso” em relação aquele bem (CHIRUMAMILLA, 2014). Para
a autora o termo não uso implica uma relação dialética entre o caráter dos objetos materiais que
estão determinados a ser “inúteis”, e as condições culturais e sociais que delineiam os estados
118
de “inutilização”. Assim, o não uso não existe sem as amplas possibilidades de ações e práticas
de uso para determinado bem.
Para a autora o não uso pode ser visto como um estado, uma prática que esquematiza os
limites da utilidade dos objetos materiais na vida cotidiana. O uso de um objeto particular é
determinado por sua utilidade percebida. A utilidade, por sua vez, não é uma categoria estável,
mas uma questão relacional. Chirumamilla (2014) aponta que a utilidade é uma coisa dada,
impressa no objeto por estruturas sociais ou pessoais. Pensar sobre o não uso implica envolver
uma espécie de disputa com o dinamismo e relacionalidade do que usar constitui.
Com a apresentação dos trabalhos que tratam do não uso na literatura encerra-se as
contribuições do campo de pesquisa para esta tese. No próximo capítulo serão apresentadas as
estratégias metodológicas empregadas nesta pesquisa.
119
3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA
Neste capítulo apresenta-se o posicionamento paradigmático e teórico da tese, sua
vertente de pesquisa, as técnicas de coletas de dados empregadas, a descrição da unidade de
estudo, bem como a técnica de análise dos dados utilizadas.
3.1 Posicionamento Paradigmático
Uma tese de doutorado é um processo de amadurecimento profissional, acadêmico e
pessoal. Esta tese, especialmente, contribuiu para formação de uma pesquisadora mais segura
de suas opiniões e escolhas teóricas e metodológicas. Para realizar uma pesquisa com o fôlego
exigido por uma tese de doutorado é necessário que se compreenda e elejam posições sobre
uma série de atividades, que podem receber rótulos como teoria, metodologia, ontologia,
epistemologia e análise. Sustentando essas estruturas está “a biografia pessoal do pesquisador,
o qual fala a partir de uma determinada perspectiva” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 32). O
ponto de partida desta tese, ou seu posicionamento paradigmático, pode ser compreendido no
trecho destacado a seguir:
[...]não existe nenhuma janela transparente de acesso à vida íntima de um indivíduo.
Qualquer olhar sempre será filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe
social, da raça e da etnicidade. Não existem observações objetivas, apenas
observações que se situam socialmente nos mundos do observador e do observado –
e entre esses mundos. Os sujeitos, ou indivíduos, dificilmente conseguem fornecer
explicações completas de suas ações ou intenções; tudo o que podem oferecer são
relatos, ou histórias, sobre o que fizeram e por que o fizeram. Nenhum método é capaz
de compreender todas as variações sutis na experiência humana contínua (DENZIN;
LINCOLN, 2006, p. 33).
Isso significa dizer que a pesquisa realizada nesta tese conta tanto a experiência dos
pesquisados quanto a experiência do próprio pesquisador. Esta última, a partir de suas
vivências, aborda o mundo segundo um conjunto de princípios que une crenças e ideias
formando um esquema que lhe ajuda a compreender a natureza da realidade. Essa rede original
leva a questões acerca de como se conhece o mundo (ontologia); qual a relação existente entre
o pesquisador e o conhecido (epistemologia) e como se adquire conhecimento sobre o mundo
120
(metodologia). O conjunto esquemático que orientam as ações de pesquisa, composto pelas
premissas éticas, ontológicas, epistemológicas e metodológicas (GUBA; LINCOLN, 1994)
pode ser denominado, segundo Denzin e Lincoln (2006), de paradigma. Guba e Lincoln (1994,
p. 105) afirmam que “as questões relacionadas ao método são secundárias às questões do
paradigma, as quais definimos como o sistema de crenças básicas ou a visão de mundo que tem
o papel de guiar o investigador, não apenas nas escolhas de métodos, mas em aspectos
ontológica e epistemologicamente essenciais”.
Os paradigmas lidam com os princípios fundamentais do pesquisador, sendo compostos
de suas crenças e atuando como um “bricoleur interpretativo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p.
163). Eles refletem as perspectivas comuns entre os grupos de teóricos e pesquisadores de tal
forma que podem ser considerados úteis para aproximar pesquisas, demarcando-as dentro das
mesmas problemáticas. Isso, contudo, não implica em pensamentos absolutos, pois dentro do
contexto de cada paradigma há diversos debates entre os pesquisadores que adotam diferentes
pontos de vista. Há, no entanto, uma certa unidade entre eles, de forma que alguns pressupostos
básicos são assumidos como certezas e devem ser mantidos. Fundamentalmente, são estes
pressupostos que separam os teóricos de um paradigma dos teóricos de outros paradigmas,
sendo que a unidade em torno dos paradigmas se refere as alternativas visões sobre a realidade
(BURREL; MORGAN, 1979; KUHN, 1998).
Com o objetivo de compreender a realidade como ela é e captar a natureza fundamental
do mundo social de acordo com experiências subjetivas, esta tese encontra-se situada dento do
paradigma interpretativista (BURREL; MORGAN, 1979), também chamado de construtivista
ou hermenêutico (GUBA; LINCOLN, 1994; DENZIN; LINCOLN, 2006). O interpretativismo
tem como orientação a busca pela concepção de mundo a partir da experiência das pessoas, sob
o seu ponto de vista. Os estudos situados neste paradigma acomodam-se dentro de ontologias
relativistas (em que existem múltiplas realidades), de epistemes subjetivista, segundo as quais
investigador e pesquisados trabalham juntos na criação dos sentidos, e de métodos naturalistas
(JAPIASSU, 1992; GUBA; LINCOLN, 1994; VERGARA; CALDAS, 2005). O paradigma
interpretativista “abraça um amplo espectro de pensamentos filosóficos e sociológicos que
compartilham a característica comum de tentar compreender e explicar o mundo social a partir
do ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais” (VERGARA; CALDAS, 2005,
p. 68).
121
O objeto de estudo dos interpretativistas são os indivíduos, suas intenções e valores, sua
situação, sua história, enfim, sua subjetividade (JAPIASSU, 1992). Nesta tradição busca-se
compreender os significados percebidos pelos sujeitos da pesquisa através dos relatos de suas
experiências voltando-se para as expressões sobre as percepções que ele próprio tem daquilo
que está sendo pesquisado (COLTRO, 2000). Para Schwandt (2006) o que diferencia a ação
social humana do movimento dos objetos físicos, por exemplo, é o fato de que a primeira é
inerentemente significativa do ponto de vista interpretativista. Isso ocorre de tal forma que, para
que uma ação social seja compreendida é imperativo que o pesquisador entenda o significado
que a constitui. Assim, uma ação significativa possui necessariamente algum conteúdo
intencional que aponta seu significado ou o sistema de significados ao qual ela pertence. O
processo de compreensão e interpretação, ou ainda, “para encontrar significado em uma ação,
ou para afirmar que se entende o que uma determinada ação significa” (SCHWANDT, 2006, p.
196) exige que se interprete o que os pesquisados estão fazendo.
Intencionalismo, análise fenomenológica, jogo de linguagem e hermenêutica filosófica
formam as origens teóricas do interpretativismo (SCHWANDT, 2006). Apesar de haver pontos
de divergência, as abordagens da compreensão interpretativista possuem em comum
características que fundamentam este paradigma, sendo elas: (a) consideram a ação humana
significativa; (b) são fieis e estão eticamente comprometidas com a experiência de vida e; (c)
enfatizam a subjetividade em relação ao conhecimento, sem com isso sacrificar a objetividade
do conhecimento. Assim, percebe-se que o interpretativismo visa entender o sentido subjetivo
da ação social, mas de forma objetiva. Os significados interpretados ou reconstruídos pelos
pesquisadores são tomados como os significados originais da ação, que por sua vez é o objetivo
principal dos interpretativistas: “reconstruir as autocompreensões dos atores engajados em
determinadas ações” (SCHWANDT, 2006, p. 196). Consolidadas as perspectivas ontológica e
epistemológica da pesquisa parte-se para a definição de sua vertente, apresentada a seguir.
3.1.1 Vertente de Pesquisa
A vertente de pesquisa deste estudo segue as abordagens qualitativas, que atravessam
disciplinas, campos e temas. “Em torno do termo pesquisa qualitativa, encontra-se uma família
interligada e complexa de termos, conceitos e suposições” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 16),
entre eles as diversas perspectivas e métodos de pesquisa relacionados aos estudos culturais e
122
interpretativos (PRASAD, 2005; BELK, 2006). De forma genérica, a pesquisa qualitativa é uma
atividade situada, que localiza o observador no mundo e consiste em uma série de práticas
materiais e interpretativas que em conjunto dão visibilidade ao ambiente que se está analisando
(PRASAD, 2005; CRESWELL, 2010; DENZIN; LINCOLN, 2006). As práticas, que incluem
notas de campo, entrevistas, conversas, fotografias, gravações e lembretes, transformam o
mundo observado pelo pesquisador numa série de representações (GIBBS, 2010), que buscam
aprofundar a compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição ou de
uma trajetória (GOLDENBERG, 2001).
Segundo Denzin e Linconln (2006) a pesquisa qualitativa compreende abordagens
naturalistas, ou seja, tratamentos nos quais os pesquisadores envolvem-se em estudar “as coisas
em seus cenários naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos
significados que as pessoas a eles conferem” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).
Pesquisadores qualitativos dão ênfase (a) à natureza socialmente construída da realidade, (b) às
limitações das situações que influenciam a pesquisa e (c) a profunda relação estabelecida entre
o eles e seus objetos de estudos (DENZIN; LINCOLN, 2006). São os valores da investigação
que merecem destaque, de forma que são buscadas soluções que expliquem o modo como a
experiência social dos pesquisados é criada e como adquire significado. Logo, em se tratando
de uma tese que aplica uma pesquisa de vertente qualitativa sobre consumo, usou-se a
advertência de Slater (2002, p. 39) como uma máxima:
se não quisermos que a escolha de teorias da cultura do consumo [...] sejam reduzidas
a uma questão de mera preferência do consumidor, elas também precisam ser
compreendidas como parte de uma história.
Assim, acreditando que as estruturas sociais e culturais são variantes sob as quais não
há padrões e regularidades empíricas (DENZIN; LINCOLN, 2006) os dados qualitativos são
interpretados com as lentes da cultura que os significados assumem para o pesquisador e com
o entendimento dos consumidores sobre as situações a eles colocadas (THOMPSON; POLLIO;
LOCANDER, 1989; 1994). O resultado da pesquisa não é, assim, fruto da observação pura e
simples, mas de um diálogo negociado a partir dos pontos de vista do pesquisador e dos
pesquisados (GOLDENBERG, 2001).
Contudo, colocar-se no lugar do pesquisado e captar dele o seu entendimento sobre o
fenômeno em questão pode trazer em si inúmeras dificuldades ao pesquisador, pois além de já
estar imerso no campo, ele traz, inerentemente, sua própria história e pontos de vista a essa
nova relação estabelecida com o pesquisado. Nessa perspectiva, em que os significados
emergem do engajamento do pesquisador com as realidades do mundo, e na qual os significados
123
não são descobertos, mas construídos (HOGG; MCLARAN, 2008), faz-se necessário
considerar a reflexividade (GUBA; LINCOLN, 1994). Ver as coisas dessa forma implica em
considerar que objeto e sujeito emergem como parceiros na geração de significado e que o
pesquisador é parte desse processo (HOGG; MCLARAN, 2008), ou seja, envolve uma reflexão
sobre os caminhos trilhados pelo pesquisador ao analisar, questionar e até mesmo se
reposicionar no campo e em relação aos temas pesquisados (OLIVEIRA; PICCININI, 2009).
Considerar a reflexividade indica que o pesquisador se esforça para reconhecer sua
posição no campo, relativizando-a. Indica também uma dimensão ética de sua ação, expressa
no respeito aos informantes na condução da pesquisa, no tratamento dos dados coletados e na
apresentação dos resultados (GUBA; LINCOLN, 1994; OLIVEIRA; PICCININI, 2009).
Demonstra ainda que o pesquisador compreende que ele próprio se modifica com o campo,
fazendo com que os dados coletados sejam também modificados em cada entrevista
(BOURDIEU; WACQUANT, 2002). Claro que nesse processo dialético é importante refletir
sobre as inconsistências dos dados coletados (GASKELL, 2002). Numa pesquisa com uma
vertente qualitativa do tipo exploratória, que parte de uma lógica indutiva, ser reflexivo permite
estar mais preparado para desenvolver análises eticamente relevantes (OLIVEIRA;
PICCININI, 2009). Apesar dessa necessária reflexão sobre o papel do pesquisador na pesquisa,
Spiggle (1998) lembra que na atualidade é preciso ir além da reflexividade e colocar-se no
campo como autor de sua pesquisa.
Como forma de organizar e estruturar os dados coletados autores como Badot et al.
(2009), Stake (2011), Desjeux (1998; 2011) entre outros têm proposto um olhar em diferentes
escalas de observação para o campo de pesquisa. Estas escalas se diferenciam em níveis macro,
meso e micro analítico e seriam uma desfragmentação da realidade que vão do geral para o
específico, divergindo assim divisão empregada pelas áreas da economia e psicologia, nas quais
os fatos sociais, tais como o consumo, são vistos como atos individuais. A escala de observação
macrossocial compreende o nível da sociedade, que se preocupa com as classes, os modos, os
estilos de vida, as culturas e os sistemas sociais (DESJEUX, 1998; 2011; STAKE, 2011). Neste
nível surgem as grandes regularidades resultantes de quatro dimensões que estruturam a maior
parte das sociedades contemporâneas: as estratificações sociais, os sexos, as idades e as culturas
(DESJEUX, 1998; 2011). As pesquisas sobre classes sociais são, para Desjeux (2011), centrais
neste nível e o autor destaca os trabalhos Bourdieu na França e Douglas e Isherwood na Grã-
Bretanha.
124
No nível meso social os fatos são analisados a partir de uma perspectiva ampla, relativa
à distribuição de bens e serviços em lojas, comércios em geral, serviços públicos e privados,
passando pelo uso e descarte (DESJEUX, 2011). Este nível de análise está centrado “nos atores
sociais em interações estratégicas num sistema de ação institucional” (DESJEUX, 2011, p.114),
nos quais se relacionam grupos de pressão, governos e empresas. Na escala microssocial, por
sua vez, adota-se uma perspectiva aprofundada e aproximada, em que se visualizam as
interações entre os sujeitos e seu contexto (CAMPOS, 2010; STAKE, 2011). As pesquisas
micro sociais versam sobre o papel dos bens de consumo na construção de casais, famílias,
comunidades, etc. (BADOT et al, 2009). Para Stake (2011) a criação de teoria que utiliza o
conhecimento coletivo pode ser considerada macro pesquisa, enquanto os estudos relacionados
ao indivíduo são micro. Nas palavras deste autor é “a visão geral versus o detalhe” (STAKE,
2011, p. 28), e desta forma, estudos macro em geral são baseados na combinação de dados
quantitativos de grupos grandes analisados à distância, enquanto os micros tendem a procurar
casos pessoais. Adotou-se nesta tese uma escala micros social para análise do consumo de bens
não usados.
Outro ponto importante a ser destacado, quando se trata de pesquisa qualitativa, diz
respeito a sua natureza indutiva, ou seja, a característica intrínseca a este tipo de investigação,
que busca observar o mundo particular dos sujeitos para então criar proposições acerca de seus
comportamentos (HOPKINSON; HOGG, 2006). Busca-se o entendimento de condutas situadas
no tempo e no espaço, ligadas aos contextos sociais e culturais (BELK, 1995). Esta lógica
permite que os dados surpreendam o pesquisador, que usa a literatura não como um guia fixo
que direciona o campo, mas como uma ferramenta para compreensão dos padrões e categorias
encontrados nas pesquisas, nos dados coletados (MOISANDER, VALTONEN, 2006). Para
Moisander e Voltonen (2006) o que deveria caracterizar a natureza indutiva da pesquisa
qualitativa é a análise meticulosa dos dados. As autoras lembram que é importante reconhecer
que a análise é influenciada e mesmo parcialmente possibilitada por suposições dos
pesquisadores sobre a realidade social na qual estão inseridos. Neste sentido, o pesquisador está
inevitavelmente ligado a uma rede epistemológica e a premissas ontológicas que se consolidam
na pesquisam e a auto validam. Os pesquisadores qualitativos deveriam, portanto, começar com
uma perspectiva teórica e metodológica e escolher métodos e dados que dessem conta da
estrutura e permitissem a compreensão do significado dos dados dentro dessa perspectiva.
Segundo as autoras, demarcar os dados dentro de um esquema analítico-teórico bem
articulado ajuda o pesquisador a evitar tal equívoco, opinião seguida por Belk (2006). Por
125
teoria, Moisander e Valtonen (2006) compreendem um conjunto de conceitos que oferecem
uma maneira de olhar para o fenômeno pesquisado que orientaria e tornaria possível a
compreensão dos fatos. Desta forma, o esquema analítico-teórico e a revisão da literatura de
estudos indutivos devem ser suficientemente abertos e flexíveis para ser distendidos e
reestruturados no processo de construção teórica, já que as abordagens indutivas oportunizam
e estimulam a construção de modelos, conceitos e/ou proposições teóricas a partir dos dados
obtidos no campo (OLIVEIRA, 2009; CHARMAZ, 2009). Como forma de elucidar as
contribuições teóricas propostas é conveniente apresentar o campo de conhecimento no qual
ela se situa, a Consumer Culture Theory.
3.1.2 Consumer Culture Theory
Os estudos do consumo a partir de abordagens culturais são realizados desde os anos
1980 nas áreas de administração, marketing e consumo (HIRSCHMAN, 1993; BELK, 1995;
GOULDING; 1999; ØSTERGAARD; JANTZEN, 2002; ARNOULD; THOMPSON, 2005b;
GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012; KASSARJIAN; GOODSTEIN, 2010), tendo recebido
diversos e diferentes nomes e classificações em relação as epistemologias e metodologias que
empregavam. Em comum estes trabalhos possuíam o fato de não seguirem a linha estritamente
Positivista, com sua visão de mundo realista, um relativo determinismo olhar sobre as relações
humanas e o uso de métodos de pesquisa baseados em protocolos sistemáticos e técnicos; tão
pouco a linha Idealista, baseada no espírito e nas ideias, que destaca essencialmente a
subjetividade da natureza humana e emprega métodos ideográficos (BURREL; MORGAN,
1979). Eram um “meio de campo” entre essas duas vertentes tão tradicionais de pesquisa, e que
assim como outras ciências sociais (MILLER, 1987), mesclavam procedimentos de ambas as
tradições e de outras, tais como Interpretativismo, Fenomenologia, Hermenêutica, entre outras
de origem qualitativa.
No ano de 2005 Eric Arnould e Craig Thompson publicaram um artigo chamado
Consumer Culture Theory (CCT), em que propuseram unificar estes procedimentos, tradições
e métodos, caracterizados como uma nova corrente de pesquisa, denominada por eles mesmos
como CCT (PINTO; LARA, 2009). A CCT “refere-se a uma família de perspectivas teóricas
que tratam das relações dinâmicas entre as ações dos consumidores, o mercado e os significados
culturais” (ARNOULD; THOMPSON, 2005b, p. 868). Ao invés de tratar da cultura como um
126
sistema homogêneo de significados coletivamente compartilhados, modos de vida e valores
unificadores compartilhados por membros da sociedade, a CCT busca explorar as diferenças e
diversidades de significados existentes num contexto social, assim como os inúmeros grupos
culturais (ARNOULD; THOMPSON, 2005b). Os “estudos em cultura do consumo destacam
os arranjos sociais em que as relações entre recursos sociais e cultura, e entre formas de viver
significativas e os recursos materiais e simbólicos dos quais estas formas dependem, são
mediadas pelo mercado” (ARNOULD; THOMPSON, 2005b, p. 869). Segundo Arnould e
Thompson (2005b), as pesquisas em CCT encorajaram investigações de aspectos contextuais,
simbólicos e experienciais existentes num ciclo de consumo, que inclui a aquisição, o consumo,
a posse e os processos de disposição, através de perspectivas macro, meso e micro de análise.
A CCT tem um posicionamento ideológico que explora a diversidade de significados e
a multiplicidade de grupos culturais sobrepostos dentro de um contexto sócio histórico mais
amplo (ARNOULD; THOMPSON, 2005b). Segundo Arnould e Thompson (2005b) antes da
criação da marca CCT havia uma extensão produção em pesquisas do consumo caracterizadas
como alternativas, pós-positivistas, interpretativistas e pós-modernas. Estas nomenclaturas
mais atrapalhariam do que ajudariam a clarear o entendimento sobre estas tradições de pesquisa,
que teriam em comum a teorização sistemática de aspectos socioculturais, experiência,
simbólicos e ideológicos do consumo. Arnould e Thompson (2005b) oferecem a CCT como
uma forma integrativa das perspectivas teóricas que abordam as relações dinâmicas existentes
entre as ações de consumo, as estruturas de mercado, os significados culturais, as inúmeras
formas de reprodução ideológica e resistência do consumidor (ARNOULD; THOMPSON,
2005b). A CCT não é, salientam os autores, uma grande teoria unificada, muito embora
represente uma pluralidade de abordagens teóricas distintas que compartilham uma orientação
teórica comum para o estudo da complexidade cultural (ARNOULD; THOMPSON, 2007).
A CCT vem apresentando mesmo antes de sua criação uma produção crescente de
trabalhos voltados à cultura do consumo (GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012), já tendo journals
especializados na área, tais como o Consumption, Markets and Culture, criado em 1997, e o
Journal of Consumer Culture, lançado em 2001. Além disto, desde 2006, acontece anualmente
a Consumer Culture Theory Conference, evento dedicado a troca de experiências e
compartilhamento de ideias entre pesquisadores envolvidos com a cultura do consumo (PINTO;
LARA, 2009; GAIÃO; SOUZA; LEÃO, 2012). Frente a estas escolhas definiram-se as
estratégias de pesquisa, que contemplam os métodos e técnicas de coleta de dados empregados,
apresentados a seguir.
127
3.2 Estratégias de Pesquisa
“All is data”
(GUMMESSON, 2005, p.314).
Refletindo sobre a citação de Gummesson (2005) e considerando a lógica indutiva
inerente ao processo de pesquisa (MOREIRA, 2009), a coleta de dados foi realizada em três
fases distintas, entre os anos de 2012 e 2016, conforme descrito no Quadro 7. Nesta seção será
explicado como foram realizados os procedimentos de coleta de dados, quais foram as técnicas
empregadas para gravação dos dados e será caracterizada a unidade de estudo obtida em cada
uma das três fases. Ademais, serão apresentados os passos realizados em cada uma das três
fases de coleta de dados realizada nessa tese de doutorado.
Quadro 7 – Fases da Coleta de Dados
FASE TÉCNICA EMPREGADA COLETA DE DADOS TEMÁTICA DA PESQUISA
1
Desk Research Dados de Mercado Não Uso
Netnografia 10 blogs Não Uso de Maquiagem
Entrevista em Profundidade: História
de Vida, Técnica Projetiva,
Observação, Fotografias.
6 entrevistas Não Uso de Esmaltes
2
Entrevista em Profundidade: História
de Vida, Técnica Projetiva,
Observação, Fotografias
15 entrevistas Não Uso de Vestuário, Sapatos
e Acessório
3
Grupo Focal 6 participantes Não Uso
Entrevista em Profundidade: História
de Vida, Técnica Projetiva,
Observação, Fotografias
14 entrevistas Não Uso
Fonte: Da autora.
Discute-se a seguir cada uma das fases de coleta de dados, considerando-se as estratégias
metodológicas empregadas, o perfil da unidade de estudo e a técnica de coleta de dados.
3.2.1 Fase 1: Conhecendo o Não Uso
O tema do não uso apresentou-se desde o início dos trabalhos como um grande desafio,
não só por encontrar-se numa área de muitas fronteiras teóricas, mas também por não ser um
conceito claramente definido. Na primeira fase da pesquisa foram realizadas três diferentes
128
técnicas de pesquisa, com objetivo de esclarecer o conceito de não uso. Assim, antes do início
da coleta de dados primários optou-se por fazer uma breve incursão em dados secundários
através de uma desk research (MALHOTRA, 2006). Justamente por ser um conceito insólito
para as pesquisadoras, logo no começo da coleta a pesquisa limitou-se à investigação de três
produtos dentro da categoria de Higiene e Beleza, sendo eles, esmaltes, perfumes e maquiagens
(ABIHPEC, 2011). Justifica-se as razões pelas quais esta categoria e os produtos esmaltes,
perfumes e maquiagens foram escolhidos inicialmente como objetos de pesquisa pelos
seguintes aspectos:
a) Sua relevância econômica mundial, já que este é um segmento que cresce em média
15% ao ano (EUROMONITOR, 2016) e o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor
do mundo (EUROMONITOR, 2016).
b) O uso de produtos cosméticos ser um hábito entre mulheres brasileiras (CASOTTI;
SUAREZ; CAMPOS, 2008), ou seja, não seria difícil encontrar informantes dispostas
a falar sobre seus hábitos de consumo nessa categoria.
c) Pesquisas indicam que os cosméticos eram usados pelos antigos romanos (PALÁCIOS,
2004), mas, além disso, questões como corpo jovem (GOLDENBERG, 2011),
preservação da juventude eterna (LIPOVETSKY; SERROY, 2011), manter a forma
física (BAUMAN, 2007) e tratar/cuidar do corpo de forma a mantê-lo ou torná-lo
atraente (NOVAES, 2010), surgem como preocupações cotidianas de parte da sociedade
brasileira e mundial.
d) A experiência da pesquisadora e da orientadora com a categoria de produtos, em
decorrência dos estudos de mestrado da pesquisadora (VANZELLOTTI, 2007), os quais
apontavam o não uso como uma consequência da compra de cosméticos anti-sinais, e
de diversas publicações da orientadora (ver SUAREZ; CAMPOS; CASOTTI, 2006;
CASOTTI; SUAREZ; CAMPOS, 2008; SUAREZ; CASOTTI; ALMEIDA, 2008;
CASOTTI; CAMPOS, 2011; BORELLI; CASOTTI, 2012; FONTES; BORELLI;
CASOTTI, 2012).
e) A Cátedra L’Oreal Paris/Coppead, que em parceria com o Coppead, tem fomentado e
viabilizado pesquisas na área de Estudos de Consumo.
Assim, o caminho da pesquisa foi inicialmente investigar dados secundários dos
mercados brasileiros e internacional de esmaltes, perfumes e maquiagens em relação a tamanho,
grupos estratégicos, concorrência, perfil de compradores e consumidores, quando se realizou
129
também uma análise de macroambiente. Após a coleta dos dados secundários deu-se início a
pesquisa de dados primários, ainda considerando os mesmos produtos (esmaltes, maquiagens e
perfumes). Por sua natureza, a pesquisa qualitativa possui uma multiplicidade de métodos
(PRASAD, 2005; BELK, 2006), que atuam como um conjunto de atividades interpretativas que
não privilegiam nenhuma prática em relação a outra. Empregada em muitas disciplinas, a
pesquisa qualitativa não tem um pacote de métodos inteira e exclusivamente seus
(CRESWELL, 2011).
Frente a esse panorama, foram aplicados diferentes métodos de pesquisa visando
responder ao desafio de encontrar os significados do não uso. A segunda etapa da Fase 1,
empregou a metodologia netnográfica (KOZINETS, 1997; 1998; 1999; 2002; 2006; 2007;
2010), para compreender os discursos públicos do não uso, principalmente pela observação do
discurso textual presente em blogs. Dez blogs foram analisados para compreensão do discurso
usado para o não uso de maquiagens, sendo eles:
http://balaiohype.wordpress.com
http://www.enjoei.com.br
http://www.useimeucartao.com.br
http://brechodapat.blogspot.com.br/
http://www.bazarbeaute.com/
http://bazarclickchic.blogspot.com.br
http://www.useimeucartao.com.br
http://sweetestpersonblog.com
http://compreienaousei.blogspot.com.br
http://naouseitovendendo.blogspot.com.br
A principal questão que levou a netnografia foi que, ao realizar a desk research, foram
vistos alguns blogs nos quais pessoas comuns - usuárias de maquiagens que criaram sites para
compartilhar sua paixão por esses produtos e o universo que envolve as maquiagens (usos,
truques, usabilidades etc.) - vendiam em seus sites na internet maquiagens anunciadas como
compradas e nunca usadas. Sabe-se que as metodologias apropriadas à investigação do
ciberespaço ainda são embrionárias nas ciências sociais (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,
2011). Contudo, destaca-se nesse contexto a proposta de Kozinets (1997; 2007), que busca
aplicar técnicas etnográficas às pesquisas de comportamento do consumidor em ambientes
virtuais. A esse conjunto de procedimentos o autor denominou de netnografia, termo que tem
sido amplamente utilizado pelos pesquisadores da área de marketing e administração, enquanto
o termo etnografia virtual tem sido usado pelos pesquisadores da área da antropologia e das
130
ciências sociais (FRAGOSO; AMARAL; RECUERO, 2011; POLIVANOV, 2013). Tratam-se
de descrições oriundas de trabalho de campo em comunidades online, sejam elas chats, fóruns,
redes de relacionamento, blogs etc. Estas comunidades são mediadas por computadores e
estabelecem comunicações e relações ocorridas de forma singular no ciberespaço. O trabalho
de campo consiste na descrição textual de observação das interações sociais dos indivíduos,
realizada através da internet, porém metodologicamente conduzidas pelas tradições e técnicas
da antropologia cultural (KOZINETS, 1998).
De qualquer forma, Kozinets (2002, 2006) sugere que para se realizar uma netnografia
com rigor metodológico os seguintes procedimentos devem ser atendidos: (a) fazer uma entrada
cultural na comunidade escolhida, ou seja, identificar quais são os fóruns mais apropriados para
responder às questões de pesquisa e estuda-los a fundo; (2) coletar e analisar os dados; (3)
certificar-se de que a interpretação do pesquisador seja fidedigna; (4) conduzir a pesquisa de
forma ética; e (5) fornecer aos membros da comunidade analisada a oportunidade de feedback.
Os dados coletados advêm de duas fontes: das comunicações, posts, recados, discussões etc.
entre os membros da comunidade escolhida; e dos registros e observações (diário de campo)
feitas pelo pesquisador, indicando suas reflexões sobre o campo (KOZINETS, 2002; 2007).
Assim como nas técnicas qualitativas, também na netnografia a coleta e a análise dos dados
ocorrem simultaneamente (KOZINETS, 2002; GUMMESSON, 2005; GIBBS, 2011). Críticas
à parte (especialmente ao emprego do termo etnografia), esta técnica tem se mostrado útil para
viabilizar estudos sobre a cultura do consumo em ambientes virtuais (ver BROWN;
KOZINETS; SHERRY JR, 2003; HOGG; CURASI; MACLARAN, 2004; NELSON; OTNES,
2005; SCARABOTO, 2006; BARTL; HÜCK; RUPPERT, 2009; DA SILVA; MARIA, 2010;
CHOI; RHA, 2010; LIM; LYU, 2012; CRUZ; ROSS, 2012; RAGEH; MELEWAR;
WOODSIDE, 2013; WEIJO; HIETANEN; MATTILA, 2014; SINDHWANI; AHUJA, 2014).
Nesta etapa da pesquisa, que buscou compreender o significado da venda de produtos
de maquiagem não usadas em blogs na internet, a netnografia foi empregada buscando preservar
o contexto do ambiente virtual. Uma vez que é necessário ter o consentimento dos informantes
para expor suas informações a respeito de qualquer tipo de conteúdo produzidos por eles
(KOZINETS, 2006), serão apresentadas aqui somente a descrição dos blogs, sem nenhuma
identificação de suas proprietárias, já que não houve participação da pesquisadora nos blogs,
apenas observação dos posts e dos comentários das seguidoras.
Ainda na primeira fase, a etapa seguinte consistiu-se em uma pesquisa de campo, com
coleta de dados primários, através das técnicas de entrevista em profundidade (MOISANDER;
131
VALTONEN, 2006; MCCRACKEN, 1988; RUBIN; RUBIN, 2005), história de vida
(BROWN; HIRSCHMAN; MACLAREN, 2001; JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002), técnica
projetiva (HAIRE, 1950) e observação participante (BURAWOY, 1998). A entrevista
qualitativa em profundidade é um método de coleta de dados amplamente empregado em
pesquisas qualitativas (GASKELL, 2002), sendo considerado um dos mais importantes dentro
do arsenal exploratório (MCCRACKEN, 1988). Assim, em uma conversa direta e pessoal (que
pode se aproximar de uma interação cotidiana) busca-se captar o universo mental do
entrevistado (MCCRACKEN, 1988), com o objetivo de entender o seu comportamento. Seu
caráter aberto, pautado por questões iniciais, que buscam informações e categorias não previstas
pelo entrevistador, tornam esse instrumento bastante diferenciado daqueles utilizados em
entrevistas estruturadas (DENZIN; LINCOLN, 2006).
O roteiro de entrevista, um documento semiestruturado (MCCRACKEN, 1988), foi
organizado em cinco momentos, conforme o pode ser visto no APÊNDICE 1 - ROTEIRO
FASE 1. O primeiro momento servia como um quebra-gelo, quando se perguntava sobre hábitos
de consumo e perfil das entrevistadas. Em seguida foi utilizada a técnica de história de vida
(DENZIN,1978; MATOS, 2010), na qual buscou-se compreender como os produtos
pesquisados se inseriam na vida das consumidoras. Elas foram perguntadas sobre fatos e
histórias marcantes dos produtos em suas vidas, na tentativa de identificar-se a mescla entre os
contextos de suas experiências subjetivas e os contextos temporais marcantes (DENZIN, 1978)
relacionados ao consumo de cosméticos.
O terceiro momento da entrevista explorava o processo de tomada de decisão de compra
de maquiagens, esmaltes e perfumes. Apesar da opção por uma lógica indutiva, na qual iniciou-
se o campo em busca de dados que fundamentassem a construção do conceito de não uso
(CHARMAZ, 2009), naquele momento inicial a abordagem escolhida para estruturar a
entrevista em profundidade partiu de uma perspectiva cognitivista (HIRSCHMAN;
HOLBROOK, 1982; HOLBROOK; HIRSCHMAN, 1982; AHTOLA, 1985; HUDSON;
OZANNE, 1988; ARNOULD; THOMPSON, 2005b; PRASAD, 2005; ROCHA; FERREIRA;
SILVA, 2013), uma vez que os estudos disponíveis sobre não uso apontavam nessa direção
(BOWER; SPROTT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002). Partia-se de aspectos de
reconhecimento de necessidades, passava-se pela busca e avaliação de informações até chegar-
se a compra. O uso e os aspectos pós-compra eram o tema seguinte, quando se exploravam
situações e ocasiões de uso.
132
Apesar de o não uso ter sido discutido em diferentes momentos, a terceira parte do
roteiro buscava aprofundá-lo. O momento seguinte explorava o processo de compra e consumo
de maquiagem, buscando-se elucidar o planejamento e os elementos antecessores à compra, a
experiência de compra, e os momentos vivenciados após a compra. Em seguida foi realizado
um exercício projetivo (HAIRE, 1950) no qual era apresentada a personagem Amanda, uma
jovem apaixonada por maquiagem e que em algum momento precisava mudar de casa e se via
obrigada a descartar parte de seus produtos de maquiagem. A técnica projetiva foi escolhida
nesta pesquisa por permitir o acesso a questões subjacentes, não estruturadas e por vezes
inconscientes do consumidor (BELK; GER; ASKEGGARD, 1997; 2003), tal como revelou-se
o fenômeno do não uso. A projeção possibilita a obtenção de descrições sobre como
determinadas sensações são experimentadas (BELK; GER; ASKEGGARD, 2003). A técnica
pretendia servir como gatilho para que as entrevistadas revelassem comportamentos e
sentimentos subjacentes. Ao falar de uma terceira pessoa, esperava-se que não houvesse
preocupações com respostas socialmente aceitas em relação a comportamentos compulsivos e
impulsivos, relacionados ao não uso pela teoria analisada naquele momento (BOWER;
SPROTT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002).
No roteiro eram destacados alguns itens que deveriam ser observados durante a visita a
residência das entrevistadas, tais como onde as coisas não usadas eram guardadas, como
estavam armazenadas, se estavam reunidas com outros itens e se estavam ou não organizadas.
Esse processo de observação foi acompanhado de fotos, tirados pela pesquisadora durante as
visitas. A pesquisa seguiu uma ordem: a entrevista era realizada na sala, sem a presença dos
produtos e utilizando o roteiro como base para a conversa. Logo após o fim da entrevista, pedia-
se a informante que mostrasse onde os produtos eram guardados, como eram organizados e
quais eram os mais usados e os não usados. Nesta parte foram tiradas fotografias do quarto e
dos produtos. Durante a entrevista a rotina na casa das entrevistadas foi observada, bem como
sua relação com os demais presentes na casa (mãe, irmãos e empregados). Essas observações,
indicadas por Burawoy (1998) como parte essencial do trabalho de campo, também fizeram
parte dos dados analisados.
A definição do perfil dos entrevistados foi feita com base na pesquisa realizada por
Casotti, Suarez e Campos (2008). As pesquisadoras afirmam que as mulheres lidam com a
beleza de forma diferente, dependendo da idade em que se encontram, de forma que alguns
grupos podem ser claramente identificados. O grupo escolhido, chamado pelas autoras de “O
Momento é Agora” é formado por mulheres entre 17 e 25 anos, que estão no início da vida
133
adulta. Caracteriza-se pela preocupação com o presente, com o agora: ainda não estão
preocupadas com o envelhecimento. Por isso usam produtos com resultado imediato, como
sabonetes para reduzir a oleosidade e cremes para espinhas. O tempo dedicado aos cuidados
com a beleza é o menor entre todos os grupos identificados e poucos cosméticos são
identificados e fazem parte da rotina.
Justifica-se a escolha deste grupo pelo fato de seus membros estarem descobrindo
hábitos de consumo e formando opinião sobre rotinas e hábitos ligados a beleza. As pessoas
neste grupo ainda não sofreram ações marcantes do tempo sobre o corpo e ainda conservam
características juvenis. Os sentimentos e as preocupações em relação ao futuro estão mais
evidentes que nos outros grupos, pois é um período de formação de carreira e família. As
pessoas (especialmente mulheres) nesta idade já têm consciência de que o tempo existe, que o
envelhecimento apesar de distante é real e que ações de prevenção precisam ser tomadas.
Na primeira fase foram realizadas seis entrevistas em profundidade, conforme mostra o
Quadro 8, entre os meses de setembro e novembro de 2011, que totalizaram 64 horas de
gravação em áudio, 86 fotos e 15 páginas de anotações (diário de campo). As entrevistadas,
todas do sexo feminino, tinham idades entre 19 e 21 anos, eram estudantes e moradoras da
cidade do Rio de Janeiro e de Niterói. Foram agendadas doze entrevistas e realizadas seis, visto
que 6 pessoas desistiram de participar da pesquisa. Todas as entrevistas dessa fase foram
gravadas em áudio e vídeo e tiveram duração média de 62 minutos.
Quadro 8 – Perfil das Entrevistadas Fase 1
Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO PRODUTO
1 Tan 21 Niterói Estudante de Administração Esmalte e Perfume
2 Jo 21 Flamengo Estudante de Administração Maquiagem
3 Cal 20 Recreio Estudante de Administração Esmalte e Maquiagem
4 Bia 19 Barra Estudante de Administração Maquiagem
5 Ju 20 Barra Estudante de Administração Maquiagem
6 Tar 20 Barra Estudante de Comunicação Maquiagem
Fonte: Da autora
Para recrutar os informantes utilizou-se duas estratégias. Primeiramente fez-se um
comunicado em salas de aula de graduação dos cursos de Administração e Publicidade, com
alunos de terceiro e quarto semestre. Os alunos que se interessavam pela pesquisa informavam
seus dados. A estes foi enviado um e-mail (APÊNDICE 4 - Email de Recrutamento Fase 1)
convidando-as a participar de entrevistas que deveriam ser realizadas em suas casas.
134
A pouca idade das entrevistadas foi um dos itens importantes para o recrutamento, dado
que este estudo se baseou na pesquisa de Casotti, Suarez e Campos (2008) para formar seu
público-alvo. Todas eram estudantes da ESPM - RJ e autodeclaradas como apaixonadas por
esmaltes, maquiagens ou perfumes. No recrutamento pergunta-se em sala de aula quais alunas
gostaria de participar da pesquisa, indicando-se que para isso era necessário ter produtos que
não eram usados. Também se pedia que as candidatas tivessem muitos produtos, o que se
mostrou como algo de pouca relevância para a compreensão do fenômeno do não uso.
Cinco entrevistadas eram estudantes do curso de Administração e uma do curso de
Comunicação Social - Publicidade. As entrevistadas desta primeira fase moravam com seus
pais e possuíam empregada doméstica, que estava presente na casa durante a entrevista. Em
algumas entrevistas as mães estavam em casa e acompanharam a conversa, participando e
“esclarecendo” questões que, segundo elas, as filhas estavam respondendo inadequadamente.
O ambiente das entrevistas foi bastante descontraído e informal, o que permitiu um clima de
proximidade entre a pesquisadora e as informantes. As residências das entrevistadas eram, em
geral, confortáveis e bem localizadas, evidenciando seu poder de compra e indicando que elas
pertenciam as classes econômicas mais altas. Outro indicativo desde fato é que todas falaram
sobre compras realizadas fora do país - especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
A classe econômica também foi indicada pela observação dos espaços da casa. Todas
as entrevistadas possuíam um quarto só para elas, sempre cuidadosamente decorado,
misturando motivos que indicavam a transição da adolescência para a idade adulta, conforme
pode ser visto nas Figura 6. Além de um quarto individual observou-se também banheiro de
uso pessoal individual, com exceção de uma entrevistada, que compartilhava o banheiro com a
irmã. Duas entrevistadas possuíam um closet para uso exclusivo.
Figura 5 – Quarto Jo, 21 Fonte: Coleta de Dados Fase 1
135
Percebe-se que tanto o quarto de Cal quanto o de Jo ainda são decoradas com alguns
brinquedos e ambas possuem computador para uso pessoal.
Figura 6 – Quarto Cal, 20
Fonte: Coleta de Dados Fase 1
Em nossas visitas a casa estava sempre bastante limpa e arrumada, tal como os quartos
das meninas. Podia-se perceber que elas haviam arrumado seus quartos esperando a visita das
entrevistadoras. Isso fez com que víssemos seus produtos sempre organizados e compostos, o
que pode não ser estado normal. A organização era inclusive comentada pelas próprias
entrevistadas, que indicavam ter se preparado para a entrevista. Ao mostrar os produtos, durante
a visita ao quarto, elas indicavam que nem sempre suas maquiagens estavam assim tão
arrumadas, mas que haviam sido adequadamente ajeitadas para a entrevista. O lugar onde os
produtos eram guardados era bastante organizado, sendo comum o uso de caixas ou estojos para
acondicioná-los. Este fato também pode ter tornado o cenário da pesquisa artificial, já que as
informantes se prepararam para a entrevista, mas não parece descartar a importância da
categoria de produtos para suas vidas. Além disso, a organização dos produtos permitiu que os
produtos não usados ficassem evidentes, já que instintivamente eles foram organizados
conforme as estratégias de uso (muitos usados, usados eventualmente, não usados). Na fase
seguinte da pesquisa ampliamos o contexto do não uso para produtos de vestuário, conforme
será visto a seguir.
136
3.2.1 Fase 2: Ampliando o campo
Durante a primeira fase de coleta de dados o campo revelou que as entrevistadas falavam
com frequência e entusiasmo de outros produtos não usados: suas roupas, sapatos, bolsas e
acessórios. O vestuário surgiu na Fase 1 como um elemento importante do não uso e isso
justificou uma segunda etapa de pesquisa. Desta rodada foram feitas modificações importantes
tanto em relação ao roteiro de pesquisa, visto que já tínhamos algum conhecimento do não uso,
quanto em relação ao perfil das informantes.
A faixa etária das entrevistadas foi ampliada, buscando abranger diferentes estágios de
vida e incorporar também o grupo identificado por Casotti, Suarez e Campos (2008) como “O
Tempo Existe”, composto por mulheres que começam a entender a relevância e a necessidade
de gerenciar seu tempo, conciliando compromissos pessoais, profissionais e acadêmicos. Elas
ainda são jovens e estão vivenciando a primeira década de trabalho, construindo sua carreira
profissional. Entre essas mulheres há a noção de que o tempo é excasso e que é necessário
administra-lo. Os sinais do tempo surgem especialmente em relação ao corpo, com o
aparecimento de manchas, cabelos brancos e desgaste da pele. Elas têm em torno de 30 anos e
estão sensibilizadas em relação a seus corpos.
Com esse perfil definido como alvo da segunda fase, o recrutamento foi realizado por
bola de neve, segundo a qual os entrevistados são recrutados a partir da relação pessoal do
pesquisador e de sua rede de contatos. São contatadas pessoas dispostas a indicar outros
conhecidos de sua própria rede, o que, segundo Becker (1993), pode conferir confiabilidade ao
pesquisador. Foram agendadas vinte entrevistas e realizadas quatorze, visto que seis pessoas
desistiram de participar da pesquisa, conforme indica do
137
Quadro 9.
O roteiro da entrevista foi dividido em cinco momentos, conforme o APÊNDICE 2. No
primeiro perguntava-se sobre hábitos de consumo e perfil das entrevistadas. Em seguida
utilizou-se a técnica de história de vida, na qual buscou-se compreender como os produtos
pesquisados se inseriam na vida das consumidoras. Foram perguntadas sobre fatos e histórias
marcantes dos produtos em suas vidas.
138
Quadro 9 – Perfil das Entrevistadas Fase 2
Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO
CIVIL
1 Tati 24 Charitas – Niterói Contadora Casada
2 Mari 20 Icaraí – Niterói Estudante Administração Solteira
3 Mila 20 Tijuca Estudante Administração Solteira
4 Gabi 19 Tijuca Estudante de Comunicação Solteira
5 Cela 20 Tijuca Estudante Engenharia Produção Solteira
6 Manu 37 Barra Administradora Divorciada
7 Giuli 21 Tijuca Estudante ADM Solteira
8 Lu 22 Tijuca Estudante Administração Solteira
9 Lau 21 Botafogo Estudante Administração Solteira
10 Madu 20 Tijuca Estudante Direito Solteira
11 Nina 22 Cosme Velho Publicitária Solteira
12 Fer 25 Tijuca Veterinária Casada
13 Analu 24 Botafogo Estudante Comunicação Solteira
14 Lala 21 Vila Valqueire Estudante Moda Solteira
15 Pati 21 Ilha do Governador Publicitária Casada
Fonte: Da autora.
As informantes eram todas mulheres, com idades entre 19 e 37 anos, moradoras da
cidade do Rio de Janeiro e de Niterói. Os dados foram coletados através de entrevistas em
profundidade realizadas na casa das informantes. Foram realizadas quatorze entrevistas em
profundidade, que totalizaram 10 horas de gravação em áudio, 124 fotos e 28 páginas de
anotações (diário de campo). As pesquisas foram gravadas em áudio e vídeo e tiveram duração
média 45 minutos. Todas elas foram transcritas, resultando em 189 páginas.
As entrevistas eram divididas em dois momentos: no primeiro havia uma conversa na
sala da casa da informante e no segundo havia uma visita ao quarto dela, para que as
entrevistadoras pudessem registrar fotos e observar o ambiente do qual se estava falando. As
fotografias dos quartos e dos guarda roupas eram um dado bastante importante da pesquisa,
dado que permitiam a observação do modo de vida da informante. Das quatorze entrevistadas
apenas duas não permitiram que visitássemos seus quartos. Uma delas alegou que estava muito
desorganizado e, portanto, não queria se expor. Pedimos a ela que tirasse fotos do ambiente e
nos mostrasse, contando como era o quarto. A outra entrevistada informou que a casa onde
estávamos fazendo a entrevista era a casa de sua avó e ela não morava ali, estava somente
passando uns dias. Assim, não tivemos acesso a suas roupas e itens de vestuário.
139
Apesar da ampliação do perfil das informantes e da mudança do escopo de pesquisa, foi
necessário realizar ainda mais uma fase de pesquisa, na qual o não uso foi abordado livremente,
em relação a uma categoria exclusiva de produtos ou serviços. A Fase 3 descreverá essa etapa,
na qual foram entrevistadas mulheres do Rio de Janeiro e de Porto Alegre sobre seus não usos
de forma geral.
3.2.2 Fase 3: Delimitando o Não Uso
Uma terceira etapa de pesquisa foi realizada buscando-se delimitar o não uso. Para isso
foram realizados um grupo focal e entrevistas em profundidade. Nesta etapa da pesquisa optou-
se por uma nova forma de entrada no campo, mais amadurecida e condizente com o momento
do processo de doutoramento. As mudanças principais foram relacionadas ao instrumento de
coleta, conforme pode ser visto no APÊNDICE 3 e também ao perfil das informantes, ilustrado
nos Quadros10 e 11.
O grupo focal ocorreu na cidade do Rio de Janeiro e foi realizado na casa da
pesquisadora, com seis participantes, todas mulheres. As mulheres foram recrutadas também
pelo sistema de bola de neve (BECKER, 1993), selecionadas a partir do contato da pesquisadora
com duas amigas, que convidaram mais duas outras amigas cada. No grupo foram debatidos
temas mais abrangentes sobre o não uso, como tipos de produtos não usados, motivos para
compra desses produtos, razões para não os usar e consequências do não uso.
O grupo durou aproximadamente duas horas, tendo sido gravado em áudio e vídeo.
Foram oferecidos petiscos e bebidas às participantes, que também receberam uma caixa de
bombom como agradecimento pelo tempo dedicado a pesquisa. Essa técnica de pesquisa
permitiu um aprofundamento da pesquisa no contexto do não uso, o que havia sido limitado até
então pela restrição em relação a categoria de produto. Percebe-se que o grupo serviu como um
ponto de inflexão no processo de coleta de dados, permitindo a penetração na natureza
constituinte do fenômeno do não uso.
140
Quadro 10 – Perfil das Entrevistadas Grupo Focal
Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO CIVIL
1 Mina 26 Botafogo Estatística Solteira
2 Gica 31 Tijuca Psicóloga e Pedagoga Solteira
3 Reca 32 Grajaú Psicóloga Solteira
4 Vica 31 Tijuca Administradora e Contadora Solteira
5 Sassá 34 Copacabana Pedagoga Solteira
6 Tita 24 Maracanã Estudante de Administração Solteira
Fonte: Da autora.
Após a realização do grupo focal, que resultou em 1h53m de gravação, 38 páginas de
transcrição e quatro páginas de anotações pessoais, a análise dos dados passou a tomar forma.
As participantes do grupo falaram abertamente sobre seus não usos, relevando aspectos que
ainda não haviam sido citados na pesquisa, como o não uso de livros, de eletrodomésticos, de
serviços – academia de ginástica, cursos de línguas, clube, etc. –, entre outros. Trouxeram
também a relação entre não uso e a história de vida de cada uma delas, contando sobre a
influência de familiares no processo de não uso. Elas também trouxeram os caminhos
percorridos pelos produtos não usados, fatores que levam ao não uso e procedimentos
empregados em produtos não usados.
A partir desse momento a pesquisadora ficou mais sensível ao fenômeno do não uso e
passou a registrar também conversas informais com amigos, familiares e colegas de trabalho.
Quando se faz uma tese é comum que as pessoas próximas perguntem sobre o andamento do
trabalho e sobre o tema da pesquisa. Ao apresentar o tema do não uso, diversas pessoas se
interessavam pelo assunto e contavam espontaneamente suas histórias pessoais. Essas
conversas, ocorridas em almoços, no intervalo de aulas e em momentos de lazer foram anotadas
num diário de campo, que registrava também memorandos analíticos da pesquisa com análises
iniciais. Foram mais de 30 relatos de pessoas que falaram sobre objetos não usados e suas
relações com eles. Esse material resultou em dois cadernos de 50 páginas completos e repletos
de anotações e sistematizações sobre o não uso.
Para detalhar a conversa feita no grupo focal foi realizada a última etapa de coleta de
dados, utilizando-se da técnica de entrevista em profundidade com 14 mulheres na cidade de
Porto Alegre, cujo perfil pode ser visto no Quadro 11.
141
Quadro 11 – Perfil das Entrevistadas Fase 3
Nº. INFORMANTE IDADE BAIRRO PROFISSÃO ESTADO
CIVIL
1 Dona 42 Alto Petrópolis Professora Universitária – Relações Públicas Casada
2 Lia 28 Belém Velho Cientista Atuarial Casada
3 Cica 32 Moinhos de Vento Estudante de Artes/Cabeleireira União
Estável
4 Luca 36 Petrópolis Fisioterapeuta Casada
5 Ruth 60 Petrópolis Empresária e Costureira Viúva
6 Bibi 34 Petrópolis Administradora Casada
7 Tata 38 Três Figueiras Empresária Divorciada
8 Val 53 Jardim do Salso Professora e Fonoaudióloga Casada
9 Dora 26 Menino Deus Bacharel em Moda Solteira
10 Mara 27 Petrópolis Estudante de Design Solteira
11 Gaga 31 Cidade Baixa Doutoranda em Ciências de Materiais Solteira
12 Nana 31 Bonfim Cenógrafa Solteira
13 Dani 40 Moinhos de Vento Estilista Divorciada
14 Mana 27 Chácara das Pedras Publicitária Solteira
Fonte: Da autora.
As entrevistas nessa fase também foram diferentes das fases iniciais em função do
roteiro de pesquisa, que pode ser visto no APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3. As entrevistas
tinham entre 26 e 60 anos de idade e foram recrutadas também por bola de neve, o que implicou
na escolha de mulheres de uma faixa etária bastante ampla. A pesquisadora pediu a alguns de
seus alunos de graduação que indicassem pessoas de suas redes e que tivessem algum produto
que não usassem. Novamente não foi difícil encontrar pessoas com o perfil desejado.
As entrevistas foram todas realizadas na casa das informantes e tiverem duração média
de 53 minutos. Todas as conversas foram gravadas em áudio e transcritas, resultando em 198
páginas. As entrevistas foram realizadas na sala ou na cozinha da casa das informantes, que
após responderem as questões da pesquisadora eram solicitadas a mostrar os produtos não
usados que haviam sido mencionados. Quatro entrevistadas se recusaram a mostrar os produtos.
Duas aceitaram tirar foto elas mesmas dos produtos com o equipamento da pesquisadora. Uma
trouxe os produtos não usados para sala e outra, que estava com a casa em reforma deixou que
se fotografasse apenas um dos produtos que ela citou como não usados.
Percebeu-se que neste grupo de entrevistadas o não uso relacionado com diversos tipos
de produtos e serviços, tal como havia sido no grupo focal. Isso possibilitou o adensamento do
conhecimento sobre o não uso e permitiu uma visão inclusiva de suas particularidades. A seguir
são apresentados os procedimentos de análise de dados.
142
3.3 Análise dos Dados
A pesquisa qualitativa é ainda caracterizada pela simultaneidade entre coleta, análise e
interpretação de dados (GUMMESSON, 2005; STAKE, 2011). Com esta difícil tarefa – de
coletar e analisar ao mesmo tempo – foi-se ao campo sabendo-se que esta fase contribui
sobremaneira para os primeiros insights da pesquisa. Gibbs (2010) sugere que se façam
anotações, que ele chama de memorandos, como forma de iniciar o processo de análise dos
dados.
Memorandos são anotações das ideias analíticas que vão surgindo ao longo da pesquisa.
Devem ser mantidas separadamente dos dados coletados (transcrições, observações, notas de
campo, documentos coletados etc.), pois é preciso que o pesquisador se mantenha
fundamentado nos dados, portanto, na hora de analisar, precisará saber diferenciar os dados de
seus próprios comentários. Aqui optou-se por fazer anotações de pensamentos analíticos sobre
os códigos, que proporcionaram esclarecimento e orientação durante a codificação. Muitas
vezes eles continham ideias e amplas discussões que foram ser incluídas na discussão final do
trabalho (GIBBS, 2010).
Nestes memorandos buscou-se manter as descrições no nível conceitual, evitando-se
falar de características de indivíduos, a não ser como exemplos de conceitos gerais. Uma vez
que a coleta de dados resultou em abundante material a ser analisado foram, eles foram
estruturados para serem apresentados de forma eficiente. O método escolhido para construir tal
estrutura foi a análise de conteúdo (FRANCO, 2008; BARDIN, 2016).
A análise de conteúdo é uma técnica apurada, que exige do pesquisador dedicação,
paciência e tempo. Analisar dados qualitativos envolve o emprego de intuição e imaginação,
além de criatividade para definição de categorias. De tal forma isso é verdade, que disciplina e
perseverança são essenciais (FREITAS; CUNHA; MOSCAROLA, 1997). Descrever as
mensagens verbais, gestuais, silenciosas, figurativas, documentais, diretamente provocadas ou
não, pode ser um trabalho árduo que, se mal interpretado ou ignorado, pode resultar em
resultados falsos e em ferramentas acadêmicas inúteis. (FRANCO, 2008). Logo, uma análise
de conteúdo tem de considerar categorias temáticas, sintática, léxicas e expressivas, ou seja,
persistir em ponderar pequenas nuances, para que um estudo significativo seja realizado
(BARDIN, 2016).
143
A primeira etapa do processo de análise de dados ocorreu com a descrição dos
memorandos e dos diários de campo já mencionados. Logo após as entrevistas foram transcritas
por profissional contratado para este fim. Com todas as entrevistas foram transcritas, obteve-se
232 laudas com espaçamento simples. A transcrição do grupo de foco resultou em 42 laudas.
Os dados foram lidos para que houvesse a compreensão e redução em categorias a priori (dadas
pelos objetivos da pesquisa) e categorias nativas. Os dados coletados pela observação
auxiliaram na formação e entendimento das categorias, bem como as fotografias coletadas. Este
material foi enviado ao software MaxQDA, empregado para auxiliar no processo de codificação
e categorização, processo que “consiste em extrair sentido dos dados de texto e imagem”
(CRESWELL, 2010, p. 194).
Bardin (2016) organiza em três fases o processo de análise de conteúdo, sendo elas: 1)
pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
Na pré-analise fez-se a organização do material, com objetivo de torna-lo operacional,
sistematizando as ideias iniciais. Aqui foi realizada uma leitura flutuante, a demarcação do que
seria analisado e a determinação de recortes de texto nos documentos de análise. Na segunda
fase o material foi explorado buscando-se definir categorias (sistemas de codificação), a
identificar as unidades de registro (segmento de conteúdo considerado como unidade base) e
das unidades de contexto (corresponde ao segmento da mensagem, a fim de compreender a
significação exata da unidade de registro). Os memorandos foram incorporados a análise nessa
fase, através da junção com as unidades de contexto. Na terceira foi destinada ao tratamento
dos resultados, quando se destacaram as informações para análise, culminando nas
interpretações. Este é o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica, afirma Bardin
(2016).
Com as categorias esboçadas foi realizado o processo que Gummesson (2005) chama
de comparação, ou seja, as interpretações dos dados foram comparadas com a literatura
existente, resultado de pesquisas anteriores exploradas nas contribuições do campo de pesquisa.
Essa comparação contínua contribui de um processo de dar sentido aos dados e permite a
criação de padrões formados e transformados em conceitos, categorias e eventualmente em
teoria. Num sentido amplo é possível considerar que a análise de dados visa compreender,
sintetizar e teorizar sobre os temas pesquisas (GOULDING, 1999).
144
4 ACHADOS DO CAMPO
Neste capítulo são apresentados os principais achados resultantes dos esforços de
pesquisa reunidos durante as três fases de coleta de dados descritas no Capítulo 3. Os achados
são discutidos a partir dos objetivos específicos propostos e das informações obtidas no campo.
O conceito de não uso é delineado, seguido de suas principais características definidoras e
delimitadoras. São discutidos os caminhos que conduzem ao não uso a partir de aspectos como
a pré-aquisição, a aquisição e o consumo. O reconhecimento do não uso é descrito a seguir,
quando são trazidos os tipos de não usos. Os procedimentos de organização dos objetos nos
espaços domésticos das informantes são descritos visando explorar, descrever e compreender
significados do não uso.
4.1 Construção do Conceito de Não Uso
A primeira questão que se levanta ao se analisar o não uso é o que ele significa. A
definição de não uso oferecida na literatura ainda apresenta lacunas expressivas, como, por
exemplo, a importância dada pelas pessoas aos seus objetos não usados. Assim sendo, a
primeira categoria dessa análise preocupa-se em caracterizar o não uso. Para isso, é oferecida,
inicialmente, uma definição baseada tanto na literatura quanto na análise dos dados coletados
no campo. Busca-se com isso descrever a essência do fenômeno.
Para compreender o não uso definimos o que ele não é. O não uso que se busca
compreender nesta pesquisa não é ideológico como o anticonsumo (CHERRIER, 2009; LEE et
al., 2011; DALMORO, PEÑALOZA, NIQUE, 2014); não é um transtorno, como a acumulação
e a compulsão (CHERRIER E PONNOR, 2010); não é não comprar como forma de resistência
ao consumo (PEÑALOZA; PRICE, 1993; IZBERK-BILGIN, 2010), tampouco é uma rejeição
ao consumo (HOGG; BANISTER; STEPHENSON, 2009). Não usar não é desfazer-se,
descartar ou dispor dos bens (JACOBY, BERNING; DIETVORST, 1977; YOUNG;
WALLENDORF; 1989; ROSTER, 2001; LASTOVICKA; FERNANDEZ, 2005) e não diz
145
respeito aos objetos que se inter-relacionam e são comprados com intuito de exibição, como no
caso das coleções (BELK, 2001; SLATER, 2001; BAUDRILLARD, 2006; SILVA, 2010).
O não uso aproxima-se dos conceitos de abandono e manutenção de bens. Ele
compartilha as definições de abandono (HOGG, 1998; SUAREZ, CHAUVEL, CASOTTI,
2012; SUAREZ, CHAUVEL, 2012; SUAREZ, 2014), mas difere desse conceito, uma vez que
o consumir não abre mão da posse. O não uso está relacionado com a manutenção de objetos a
despeito de suas funcionalidades ou utilidades (EPP; PRICE, 2010; CSIKSZENTMIHALYI;
ROCHBERG-HALTON, 1981). Trata-se da vontade de ter, manter e guardar bens (CURASI;
ARNOULD; PRICE, 2007; CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004) que podem ser especiais ou
simplesmente foram esquecidos (BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989), mas com os quais
o consumidor ainda está apegado – e dos quais não quer se desfazer (WALLENDORF;
ARNOULD, 1988; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995; KLEINE; BAKER, 2004;).
Construímos o conceito de não uso como manter a posse de produtos/serviços não
usados considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou
emocionais com o objeto. Com essa definição, estabelecemos alguns importantes princípios.
Primeiramente, o conceito aqui sugerido afirma que o não uso não é definido pela usabilidade
funcional do produto. Os bens não usados podem funcionar ou não, mas, ainda assim, são
mantidos pelo sujeito. Diferentemente do que propõem outros trabalhos sobre o tema (BOWER;
SPROUT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002; WANSINK; BRASEL; AMJAD, 2000),
segundo os quais o não uso está diretamente relacionado à funcionalidade do produto percebida
pelo indivíduo, nossa pesquisa indica que coisas não usadas podem ainda estar funcionando
perfeitamente, mas não “cabem” (KLEINE, KLEINE; ALLEN, 1995) na vida atual ou
projetada do proprietário.
O segundo ponto relevante do conceito definido é que objetos não usados não são
descartes. Nosso conceito de não uso pressupõe necessariamente a manutenção de objetos. Para
Young e Wallendorf (1989) manter, armazenar, alugar ou emprestar são métodos de posse e
uso contínuo ao invés de métodos de disposição. Dispor de bens pressupõe o desapego deles
em relação ao senso de self, o que não ocorre no não uso. Produtos não usados são, ainda, parte
de seus proprietários, que se sentem ligados aos bens não usados física ou emocionalmente.
Além disso, o não uso assume outra diferenciação em relação ao conceito de descarte.
Apesar de, muitas vezes, os consumidores manterem objetos não usados distantes ou afastados
de si, os bens não usados ainda fazem parte da identidade do sujeito. Os descartes, por sua vez,
são encarados como desapegos, sendo oriundos de um processo que pode levar instantes ou
146
anos para se desenvolver, e que pressupõe o distanciamento da noção de self. No não uso, por
sua vez, o desapego não aparece, apesar de poder haver afastamento físico, dado que o sujeito
pode armazenar seus objetos não usados em diferentes locais – que as entrevistas sugerem variar
de acordo com a importância dada ao bem.
A manutenção de coisas não usadas, à qual nos referimos, implica a utilização de locais
domésticos, próximos ao sujeito, para armazenar bens não usados. As coisas não usadas vão
para armários, sótãos, caixas, garagens, cantinhos, áreas de serviço etc., que servem como
instalações de armazenagem, onde ficam seguras. Elas podem ser mantidas lá por tanto tempo
quanto for necessário: até que mudem de status – de não uso para uso ou para descarte – ou,
quando for preciso mudá-las de lugar, como no caso de uma mudança, por exemplo.
No conceito proposto de não uso destacamos a relevância da posse, ou seja, do
sentimento experimentado pelo sujeito de que o objeto é seu. Os dados da pesquisa revelam que
manutenção e sentimento de posse estão interligados. As experiências relatadas de não uso
revelam que a sensação de posse implica na vontade de ter e no domínio do objeto, como
exemplifica Cela.
Eu penso: é meu, está pago, deixa ele aí porque não está fazendo mal a ninguém.
Só está ocupando um pouquinho de espaço, mas o que vai adiantar você tirar
um na verdade? Não vai melhorar a situação (Cela, 21 anos).
Cela mostra possessividade ao nos informar que aquelas coisas não usadas são suas,
pois pagou por elas. A entrevistada não menciona qualquer preocupação com a utilidade dessas
coisas não usadas, embora possa sugerir preocupação tanto com o espaço físico ocupado pelo
não uso quanto com o que o não uso pode provocar nos outros que convivem nesse mesmo
espaço (“não faz mal a ninguém”).
A posse não se relaciona com a capacidade utilitária do objeto, mas com a representação
desse objeto para o sujeito. “É meu”, diz Cela, mostrando sua disposição para controlar o bem,
tal como indicou Belk (1983; 1988). Para o autor, essa possessividade sobre os bens – usados
ou não – pode contribuir para situar a personalidade da entrevistada, assim como identificá-la
frente aos outros e ajudá-la a se lembrar de quem é.
Na posse de bens não usados ocorre um processo de apropriação psicológica do objeto,
tal como nas posses em geral, como indicam Kleine e Baker (2004). Anotamos termos como
“eu tenho”, “são minhas”, “eu batalhei”, “eu comprei”, “eu ganhei”, “eu herdei”, usados para
representar a internalização do objeto como parte da vida das entrevistadas. Outros relatos
também sugerem essa individualização do não uso, que “por mais que ninguém saiba” está
147
ligado à “lembrança”. A possibilidade de se desfazer pode trazer tristeza (“já chorei”) ou até
ser vista como um “ataque de violência”, como revela Lau, de 22 anos.
Então... tem coisas que você tem, para você olhar. Que legal que eu tenho, mas
não vou usar. [...] Pois é, também tem essa coisa engraçada, eu sou muito
materialista, eu gosto de ter as coisas. Por mais que eu não use, por mais que
ninguém saiba, eu gosto de saber que eu tenho. Então, por exemplo, às vezes
minha mãe dá roupa na igreja. “Você não vai jogar minha blusa fora, você não
vai dar nada meu para ninguém, é meu”. Eu tenho um valor para as coisas, mas
essa blusa por mais que ela seja escrota, eu usei ela um dia para ir não sei
aonde, tenho uma ótima lembrança disso, não vou jogar isso fora. Eu já chorei
para jogar coisa fora. Minha mãe às vezes dá um ataque de violência, “vem cá
que eu vou jogar isso, não sei que lá, não sei que lá”, “não mãe, não, não, é
muito importante”. Nem sei quem me deu isso, não sei há quantos anos atrás...
a pessoa já não existe mais na minha vida, mas é meu (Lau, 21 anos).
A ideia de não ter tais objetos pode causar sofrimento à entrevistada, como já indicaram
estudos anteriores (BELK, 1988; WALLENDORF; BELK; HEISLEY, 1988; BELK;
WALLENDORF; SHERRY, 1989; FERRARO; ESCALAS; BETTMAN, 2011). Lau traz em
seu relato a dimensão de apego associada ao não uso, com significados autobiográficos e
pessoais, que conectam o objeto ao self. Nesse sentido, sua identidade está vinculada à posse
desses não usos, de forma que seu autoconceito pode ser intensificado ou reduzido pelo que ela
tem e pelo que perdeu, como afirmam Belk, Wallendorf e Sherry (1989). O não uso aparece,
então, como um elemento do self, vinculado à posse das coisas (BELK, 1988).
Para Lau, parece clara a importância de ter a posse de suas coisas (ao dizer, “minhas
coisas”), apesar de não as usar. Ela parece valorizar a posse e o modo ter, como sugere Fromm
(1987). Esse entendimento leva a entrevistada a se autodefinir como “materialista”. Ela assume
que gosta de “ter as coisas”, e não necessariamente gosta das coisas. A autocrítica de Lau já foi
relatada por Ger e Belk (1999) e por Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981). Ger e Belk
(1998; 1999) indicam que, ao pensar sobre materialismo, as pessoas se envolvem em
explicações a respeito das normas da cultura material e num diálogo sobre atitudes materiais,
valores e estilo de vida, muitas vezes, emocionais.
O materialismo de Lau pode também ser relacionado com os conceitos de
Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), sobre o materialismo instrumental e o terminal,
ligados aos propósitos de consumo do sujeito. As posses de Lau parecem servir a propósitos
que vão além da ambição e têm um escopo específico, limitado a exercer influências positivas
em sua vida. Essas são características do materialismo positivo. Por outro lado, Lau também
trata suas posses como fins em si, ou seja, ter o bem como sua propriedade parece ser seu
objetivo principal. Para Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), esses são traços do
148
materialismo terminal, que é potencialmente destrutivo, pois podem resultar em inveja,
possessividade, não generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e, talvez, uma tendência a tratar
pessoas como posses (BELK; POLLAY, 1985).
Relatos como o de Lau, surgidos na pesquisa, trazem o resgate de memórias pessoais ou
de afiliação. O não uso ganha uma biografia, ou seja, uma história de vida que lhe concede
agência. As posses somente se tornam importantes, pois existe uma história pessoal entre sujeito
e objeto. Essa história é usada pelas entrevistadas para justificar a manutenção e a opção por
não descartar um objeto. A história da relação sujeito-objeto exige que eles se envolvam em
práticas ou rituais, que, ao longo do tempo, tornarão os bens insubstituíveis. Grayson e Shulman
(2000) sugerem que ela também se escreve pela proximidade espacial entre sujeito-objeto, que
contamina a posse com características únicas.
Duda traz sua história de vida junto com suas histórias de desapego e de posse do não
uso. Conta que mudar de país levou-a a se desfazer de um “acervo”, sugerindo que esse passado
influencia seus “excessos”, “apego emocional” e “medo” de se desfazer depois que voltou ao
Brasil. As “coisas a mais” da volta fazem parte de uma história na Europa que ela não quer
perder, ou seja, ao retornar, não fez o mesmo caminho de descarte quando de sua ida à Europa.
Eu trabalho com criação de roupas, então uma modelagem interessante de uma
peça ou uma estampa interessante de uma peça também vem fazendo parte de
um acervo. Eu já tive um acervo de verdade e me desfiz de tudo meu para ir
morar na Espanha. Larguei todas as minhas coisas aqui e a única coisa que foi
comigo para Espanha de objetos pessoais, que eu acho que encaixa bem na
história porque eu realmente larguei tudo meu, fui com as malas com as minhas
roupas preferidas, minhas fotografias e CDs, e alguns poucos livros, e os demais
eu também me desfiz. Quando eu retornei, eu vim com algumas coisas a mais de
lá naturalmente, mas eu percebo que os meus excessos são de coisas que eu
tenho um apego emocional ou coisas que estão guardadas, porque de alguma
forma eu considero que elas têm que estar guardadas, porque fazem parte da
minha história. Só que elas ocupam um espaço que é grande demais na minha
vida e eu gostaria de abrir espaço para o mundo atual, não para o mundo das
coisas que eu acabo não usando, mas fico com medo de me desfazer e querer
aquela coisa logo em seguida (Duda, 41 anos).
As ocasiões compartilhadas por Duda e suas coisas não usadas podem ser tratadas como
rituais de posse, segundo McCracken (2003), que permitiram a ela extrair significado e dar
sentido aos objetos possuídos. Os rituais de posse se formaram nos anos de convivência e pela
proximidade física entre Duda e seus bens não usados, o que contribuiu para formação dessa
história. Segundo McCracken (2003), os rituais de posse se constituem também pelo uso,
armazenagem, e, simplesmente, por falar sobre as posses ou compará-las com outras. As marcas
deixadas nos produtos, os sinais de que eles já foram manipulados e manuseados, servem como
149
provas dos eventos ocorridos e tornam-se importantes na criação de significado, como indicam
Grayson e Shulman (2000). As coisas não usadas de Duda “devem estar guardadas”, pois
“fazem parte da sua história”: são registros da própria vida, que ela não quer apagar. A história
que essas coisas contam ocupa um grande espaço na vida da entrevistada, tornando-se imagens
e formas da sua biografia.
Percebemos o medo e o sofrimento sentido pela possibilidade de não ter mais as coisas
não usadas consigo, pois, assim como Lau, Duda revela que os objetos que não usa foram
incorporados de tal forma a seu self, que não podem deixar de ser seus. O medo de se desfazer
– e depois de querê-los de volta –, sugere que esses objetos “guardados” e não usados podem
definir e manter seu autoconceito. Esses bens parecem ter recebido um significado especial,
inseparável do objeto físico. Porque outros objetos não conseguem fornecer este significado,
Duda pode sentir que substituir aquele bem resultará na perda de seu significado especial. Estes
sentimentos de “não haver substituto”, descritos por Grayson e Shulman (2000) são
provavelmente o componente mais importante do apego, pois baseiam-se na relação pessoal e
única com o objeto.
No entanto, enquanto o relato de Lau parece delimitado por sensações pessoais do não
uso, o relato de Duda mostra vontade de ampliar o espaço “grande demais” ocupado pelas coisas
não usadas na sua vida e no “mundo atual” que, como ela explica, não é o mundo “das coisas
que não usa”. Mas como abrir espaço para a vida e para o mundo desfazendo-se de coisas
guardadas que são como uma janela para seu eu? Não usos são uma parte do que somos, pois
somos aquilo que temos, conforme afirma Belk (1988), e o que temos inclui as coisas que não
usamos.
Assim como a apropriação psicológica, outra característica das posses presente no não
uso é a existência de apego entre sujeito e objeto, o que pode ser visto nos depoimentos de Lau
e Duda. A manutenção de bens não usados pressupõe a existência de algum apego entre sujeito
e objeto. Kleine e Baker (2004) indicam que o apego tem força – maior ou menor –, que revela
a importância relativa atribuída aos bens. Notamos que objetos não usados podem ter maior
apego e, nesse caso, serão tratados como insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000),
especiais (PRICE; ARNOULD; CURASI, 2000), muito importantes (LASTOVICKA;
FERNANDEZ, 2005), mais queridos (CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004), favoritos
(SCHULTZ; KLEINE; KERNAN, 1989; MEHTA; BELK, 1991), amados (AHUVIA, 2005;
BROUGH; ISAAC, 2012) ou difíceis de viver sem (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Bens
150
pelos os quais as entrevistadas indicavam ter pouco apego foram relatados como banais ou
comuns.
Quando falamos da força do apego aos bens não usados, não falamos de níveis precisos
ou de gradações, mas de uma relação de importância percebida pelas entrevistadas. Recortamos
relatos que falam de sentimentos fortes de afeto, amor, adoração associados à posse do não uso
ou mesmo ao medo e tristeza presentes na possibilidade de se desfazer dos objetos não usados,
perdendo, assim, lembranças ali guardadas, como mostra o relato de Dora:
Eu tenho uma calça jeans que eu adoro que é uma pantalona de quando eu tinha
14 ou 15 anos e ela está ali porque eu amo muito ela, mas eu tinha 20 kg a
menos. Ela está ali por um apego emocional. Eu lembro que foi muito legal eu
encontrar uma calça que eu queria muito, que era coisa de adolescente,
modinha era pantalona e tinha que ter (Dora, 26 anos).
Posse, apego, importância relativa e manutenção: essas características formam a
proposta conceitual do não uso. Ilustramos na Figura 7 a relação entre essas propriedades,
obtidas a partir do trabalho de pesquisa e da análise das contribuições do campo de
conhecimento.
Figura 7 – O Conceito de Não Uso.
Fonte: a autora.
Apresentamos, a seguir, a materialidade do não uso, a partir dos relatos das
entrevistadas.
151
4.1.1 A Materialidade das Posses Não Usadas
Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005) defendem que coisas que compõem a
materialidade não precisam necessariamente ser materiais, podendo perfeitamente ser
imateriais. Uma das entrevistadas traz em seu depoimento sobre os objetos de não uso o
exemplo de apego que vai além da tangibilidade de objetos não usados:
Pois é... Eu sou apegada demais às pessoas, aos lugares, bom, ruim sou muito
apegada. Tanto que vou pedir demissão de onde trabalho porque estou
detestando, e saio chorando porque estou apegada de alguma maneira às
pessoas lá. Então não sei explicar o que é, mas sou muito apegada. A minha mãe
comenta que seja alguma coisa dela (Lia, 28 anos).
Belk (1988) afirma que aquilo que chamamos de nosso pode ir muito além de objetos
tangíveis e que estão em nosso poder. As coisas que fazem parte do eu podem, de fato, incluir
pessoas, lugares ou situações, como na história de Lia, quando ela expande a sensação de apego
e passa de coisas para pessoas e lugares.
Os tipos de coisas não usadas descritas pelas entrevistadas foram bastante variadas,
como pode ser visto no Quadro 12. Mostramos que foram citados não apenas produtos não
usados, mas também serviços tais como clubes, seguros, cursos, academia, cupons de compra
coletiva e aplicativos de celular. Assim, não é preciso ser um bem tangível para que haja a
percepção de que ele não está sendo usado, o que nos leva à imaterialidade da cultura material,
tal como falam Borgerson (2005; 2013) e Miller (2005). A ausência da tangibilidade, na
percepção do que os entrevistados consideram como suas posses, abre a possibilidade de
explorar com mais profundidade a relação entre o não uso e da cultura material.
O Quadro 12 lista apenas os objetos citados na Fase 3 da pesquisa, quando não havia
um único objeto de interesse e as pesquisadas puderam falar livremente sobre seus não usos.
Lembramos que na fase anterior a pesquisa foi direcionada ao não uso de cosméticos e de
vestuário.
152
Quadro 12 – Objetos Não Usados
Entrevistada Objeto de Não Uso
Dona Baixelas, sapatos, roupas, louças e copos
Lia Roupas, vestido de noiva, fritadeira sem óleo, panela elétrica de arroz, cremes,
maquiagem.
Cica Livros, quadrinhos, máquina de lavar roupa, roupas.
Luca Moletom da escola, sapatos, material de ferragem.
Ruth Iogurteira, rolo de macarrão, aparelho de fondue, esteira elétrica, máquina de costura, casa
de cachorro, panelas, faca elétrica, máquina de lavar louça, toca disco de vinil.
Bibi Roupas, tênis, joias, bolsas, sapatos, fotografias digitais.
Tata
Garrafas de whisky, réchaud, louças de prata, copos de cristal, livros de receita, separador
de gema de ovo, porta-sorvete de porcelana, cafeteira de pressão, aparelho de fondue,
grelha de pedra, galheteiro de prata, facas específicas para cada tipo de queijo, mostarda,
catchup, molho de salada, bandejas, livros de receitas, depilador com cera, esmaltes,
brinquedos, maquiagens, cremes, máquina fotográfica, clube, toalhas de mesa,
guardanapos de decoração, cestinha de pães, revistas antigas, remédios, DVDs, CDs,
seguro do condomínio e do carro, serviços do cartão de crédito.
Val
Roupas, papeis, recibos, sapatos, miudezas, quadros, documentos, livros, apostilas de
cursos, folhas, garrafinhas, potinhos, brinquedos, Polaroid, telefone sem fio, móveis,
computador antigo, arquivo morto, contas e recibos.
Dora Malas velhas, calças jeans de vários tamanhos, casacos de inverno, documentos, nota
fiscal, recibos, sapatos, maquiagem, livros, caixinhas, bichos de pelúcia, porta joias.
Mara
Eletrodomésticos, secadora de roupas, roupas, caixas de papelão, roupas, cremes de corpo,
talco, óleo corporal, maquiagem, roupa de academia, livros, utensílios de cozinha,
temperos, tintas para trabalhos manuais.
Gaga Calças, blusinhas, sapatos, potes de cozinha, camisa xadrez, frascos de perfume, vidrinhos,
fitas k7, livros, arquivos digitais.
Nana Pratos e louças, apetrechos culinários, potinhos, roupas de verão, quadro magnético, restos
de cenários, bolsas, formas de bolo, cadeiras, mesa de jantar, sofá.
Dani Roupas, molhos e temperos.
Mana
Roupas, Kindle, Ipad, cabos e acessórios de celular, cabo de internet, sapatos de salto alto,
apostilas de faculdade, calculadora financeira, teclado, maquiagens, cremes, fotografias,
arquivos digitais.
Fonte: a autora
Dentre os produtos de não uso doméstico destacamos as roupas e produtos de beleza,
citados por praticamente todas as entrevistadas. Elas também falaram de objetos digitais, como
arquivos e fotografias antigas, armazenadas em discos rígidos não mais acessados. Foram ainda
lembrados serviços pagos e não usados, como academia de ginástica, clubes e seguros. A
diversidade dos itens citados possui em comum a característica de posse do não uso.
Outro aspecto do não uso trazido pelos itens descritos no Quadro 12 sugere que objetos
não usados podem ser tanto singularizados como commoditizados. As entrevistadas falam dos
significados atribuídos aos objetos e foi possível ver que coisas singularizadas serão mantidas
em sua condição de não usadas, enquanto as commoditizadas parecem ter maior chance de ser
escondidas em lugares afastados do convívio social ou saírem do não uso para o descarte.
153
O apego pelos objetos não usados pelas entrevistadas parece desempenhar uma relação
importante com o espaço e armazenagem de objetos não usados. Embora estudos relacionem
os apegos com objetos únicos e singularizados, o não uso não pressupõe tal característica, já
que envolve uma grande diversidade de itens de bens e serviços. Os relatos falam de coisas que
podem ser simplesmente “esquecidas”, “entulhadas” ou “socadas” e que não possuem
características singulares. Nesse sentido, entendemos que há um momento de reconhecimento
do não uso, quando ocorrerá a avaliação dos significados, e, então, a classificação do bem.
Antes do reconhecimento do bem como não usado, contudo, ele pode ter uma trajetória
de destaque, que permite a criação de uma autobiografia, ou que pode passar completamente
despercebido para o sujeito. No primeiro caso, os procedimentos adotados após o
reconhecimento serão empregados como forma de realçar a história do objeto. Mas, caso o bem
não tenha tido a oportunidade de desenvolver sua narrativa e tenha sido “deixado de lado”,
como indicaram as informantes. Em sua armazenagem o objeto não terá destaque e nem perderá
as características de commoditie.
Embora pudéssemos usar uma simples diferenciação entre o não uso considerado
importante (singularizado e com mais apego) ou banal (comoditizado e com menos), foi
possível anotar alguns casos em que aparecem mudanças para o bem commoditizado. Algumas
entrevistadas contaram que produtos não usados durantes anos ressurgiram em suas vidas e
passaram a ter um papel de destaque. Chamaremos esses objetos de Fênix, quando explicarmos
os tipos de não usos.
4.1.2 O Não Uso A Partir Da História De Bibi
Diferentemente das propostas apresentadas anteriormente na literatura, que analisaram
o não uso por uma perspectiva cognitivista, nossa proposta conceitual compreende a noção de
posse e apego, que envolvem histórias e movimentações diferentes para o grupo de
entrevistadas. Os relatos sugerem que o não uso é uma forma de consumo o que está apoiado
pelas propostas teóricas de Schultz, Kleine e Kernan (1989), Ball e Tasaki (1992), Richins
(1994a), Kleine e Kleine (2000), Coulter e Ligas (2003) e Guillard e Pinson (2012) que
consideram manter e guardar como formas de consumo. A fala de Bibi traz o não uso como
posse:
154
Eu percebo que [as coisas que eu não uso] são de coisas que eu tenho um apego
emocional ou coisas que estão guardadas, porque de alguma forma eu
considero que elas têm que estar guardadas, porque fazem parte da minha
história... (Bibi, 34 anos, grifos nossos).
Vamos explorar as passagens desse trecho da entrevista de Bibi. Quando ela se refere a
ter, está, ao mesmo tempo, fazendo uma declaração de propriedade. As coisas que ela não usa
são suas, de sua posse, pertencem a ela. Sabemos, de acordo com a pesquisa de Richins (1994a),
que o sentimento de posse envolve o processo de dar valor aos objetos, bens ou coisas. Portanto,
o não uso possui valor.
Dar valor a uma posse significa que ela de alguma forma contribui para a noção de eu
do sujeito (BELK, 1988; BELK; WALLENDORF; SHERRY, 1989). Além disso, para Roster
(2001), as coisas consideradas posses são valorizadas pelo significado que incorporam, pelos
instrumentos que fornecem ao sujeito ou à sociedade e pelas contribuições que fazem para o
nosso bem-estar. Manter um bem com esses atributos implica manter a própria noção de
identidade. Nesse sentido, o não uso não é banal nem discricionário, o que implica em sua
característica relevante para ser estudado.
Bibi segue afirmando que há um apego emocional entre ela e suas coisas não usadas.
Kleine e Baker (2004) já descreveram que o apego entre consumidor e produto implica a
existência de laços emocionais e que o objeto ao qual a pessoa está ligada é considerado especial
e carregado de significados. A entrevistada declara estar ligada às suas coisas não usadas, que
não podem ser simplesmente abandonadas, jogadas fora ou doadas. Bibi parece nos dizer que
não pode afastar-se delas, pois são posses especiais, queridas, amadas, dada a história que
construíram ou constroem juntos.
A entrevistada afirma que suas posses devem permanecer guardadas, sugerindo seu
caráter excepcional ou único, e mais do que isso, indicando procedimentos adotados para a
manutenção das posses. Como visto, manter e armazenar são métodos de posse, de onde
depreende-se que guardar não é negligenciar o bem. As coisas de Bibi estão guardadas porque
têm valor para ela. A entrevistada declara que são os valores emocionais que a fazem guardar
suas coisas não usadas, o que Ball e Tasaki (1992) chamam de valor simbólico. Bibi ainda
informa que seus objetos de não uso também materializam memórias pessoais, laços
emocionais ou, ainda, eventos particulares, ou seja, contam sua história de vida, assim como
descreveram Ball e Tasaki (1992). Para Kleine e Kleine (2000), esse tipo de posse desempenha
um papel fundamental na memória da vida da pessoa.
155
Assim como Bibi, que aqui tomamos como exemplo para propor um conceito amplo de
não uso, outros relatos do grupo de mulheres entrevistadas não relacionam suas posses não
usadas com funcionalidade ou utilidade. Bibi não esclarece se suas coisas não usadas ainda
podem ser úteis, mas podemos extrair de sua fala que essa não é a questão central para mantê-
las. Os objetos não usados por ela podem conceder-lhe emoções advindas do passado – revivido
através deles – ou uma sensação de continuidade.
Na história de Bibi e suas coisas não usadas, nota-se que o apego e a singularização
foram criados pela história vivida entre elas, ou seja, Bibi concede agência a suas posses quando
afirma que elas fazem parte de sua história (BORGERSON, 2005). Ao indicar que elas têm de
estar guardadas, como as suas lembranças, a entrevistada trata seus não usos como entidades
autônomas, com uma biografia vinculada a sua. Assim, como sugere Kopytoff (1986), os
objetos não usados e guardados de Bibi foram singularizados e retirados do mundo comum.
Eles não podem sequer voltar ao mundo das commodities, pois narram uma trajetória, a
trajetória da vida de Bibi. Não sabemos por esse trecho de sua fala qual a história que Bibi viveu
com seus objetos – nem mesmo como foi sua vida –, mas podemos interpretar que, dada a
importância atribuída a eles, essa história foi construída a partir de rituais ou práticas que os
singularizaram (MCCRACKEN, 2003).
4.1.3 Delimitações A Partir Das Características Do Não Uso
Ao construirmos o conceito de não uso, identificamos dificuldades para delimitar a
proposta. As propriedades do comportamento de não uso, identificadas a partir desse estudo,
podem nos aproximar do entendimento das delimitações e estão descritas no Quadro 13.
Quadro 13 - Características do Não Uso
CARACTERÍSTICAS DEFINIÇÃO
1. Posse No não uso, ocorre a apropriação psicológica do objeto não usado, que
representa uma posse para o consumidor, percebida como “minha”.
2. Apego
O não uso está relacionado ao apego físico e/ou emocional, construído a partir
da convivência com o objeto não usado. Diferentes graus de apego (força)
revelam a importância relativa dos objetos não usados para os sujeitos.
3. Manutenção Objetos não usados são armazenados pelos consumidores que não querem se
desfazer deles.
Fonte: a autora
156
As características listadas no Quadro 13 demarcam as propriedades essenciais do não
uso. Elas compõem o conceito que definimos como manter a posse de produtos/serviços não
usados, considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou emocionais
com o objeto. Nesta seção, apresentamos, então, os elementos fundamentais que explicam a
natureza do não uso. Mostramos as particularidades que o definem como uma posse e
explicamos como se forma o apego entre sujeito-objeto. Isso implica dizer que o não uso é
percebido como uma parte do self do consumidor, que considera e reconhece o percurso que
construiu a história e as memórias desse bem. Expusemos, ainda, que objetos não usados
despertam conflitos internos emocionais e ambiguidades, fato que contribui sobremaneira para
compreensão do conceito. Revelamos que o não uso pode ocorrer tanto para produtos quanto
para serviços, que não necessariamente precisam ser singulares para o indivíduo. Essa
característica ajudará a compreender o reconhecimento dos bens não usados como sagrados ou
profanos.
O não uso, entretanto, é resultado de um processo e não ocorre deliberadamente e é
resultado de um processo que será apresentado a seguir. Mostraremos, na próxima categoria,
que existem diversos caminhos que levam um produto ou serviço a tornar-se não usado, que
podem ser bastante dinâmicos e passam por três momentos: pré-aquisição, aquisição e
consumo. A combinação desses caminhos leva os produtos e serviços a serem reconhecidos
como não usados.
4.2 Caminhos Percorridos pelos objetos não usados
O não uso é resultado de um processo. As pessoas possuem coisas, usam – ou não –,
guardam e cuidam delas. Esse grupo descreveu o não uso como um comportamento que
acontece depois de sucessivos encontros, práticas e interações, um objeto pode tornar-se não
usado. Nesse trajeto, há ponderações, considerações e conflitos vivenciados entre sujeito e
objeto, que ajudam a explicar como as coisas se tornaram não usadas. Nessa categoria,
analisamos os caminhos percorridos pelos objetos que se tornaram não usados, explicando o
que aconteceu com eles antes de serem não usados e, mesmo antes, da pessoa se dar conta de
que não o usava.
157
Os caminhos percorridos possuem relação com o momento da compra, com o que as
entrevistadas pensaram antes ou quando compraram o objeto. Se Bower e Sprout (1995),
Wansink, Brasel e Amjad (2000) e Trocchia e Janda (2002) apontam o não uso como uma falha
do planejamento de compra, os relatos desse estudo sugerem que o não uso não é resultado ou
consequência da tomada de decisão de compra do consumidor. A explicação para manutenção
de um objeto não usado aparece ligada à história de vida daquele objeto junto ao sujeito, não a
uma ação isolada, conforme ilustra a Figura 8.
Figura 8 – Processo de Não Uso
Fonte: a autora
A Figura 8 apresenta o processo que resulta no não uso, dividido em quatro momentos:
pré-aquisição, aquisição, consumo e não uso. Para descrever o processo de não uso, nós nos
inspiramos em Roster (2001), que usa estrutura semelhante para apresentar o processo de
158
descarte. Da literatura extraímos que o processo de consumo envolve a aquisição, a posse, o
uso e o descarte de coisas por indivíduos e grupos. Acrescentamos o não uso que se incorpora
ao processo. A partir disso, consideramos que os bens não se tornam simplesmente não usados.
O consumidor não acorda um belo dia e define sumariamente que não usará mais determinado
objeto – talvez isso até possa ocorrer, mas não encontramos relatos desse comportamento em
nossas pesquisas.
Assim, mesmo que o foco dessa pesquisa tenha sido compreender o não uso no ambiente
doméstico, as mulheres também falaram das histórias dos objetos não usados localizando as
etapas até o não uso. Como forma de aprofundar o entendimento de cada fase do processo,
apresentaremos uma análise mais detalhada, com os testemunhos das entrevistadas a seguir.
4.2.1 Pré-Aquisição
Os caminhos que levam produtos e serviços a se tornaram não usados iniciam-se com
as ações de pré-aquisição, que envolvem a autosedução do consumidor, bem como a vontade e
o desejo de ter determinados produtos. Para compreender essa etapa trazemos relatos, nos quais
as entrevistadas falam sobre como acontece a autossedução, descrita por Belk, Ger e Askeegard
(2003) como um processo interno que desperta o desejo a partir de estímulos externos como a
mídia, por exemplo, e leva a um comportamento de consumo (real ou imaginário).
A autossedução é tratada por Belk, Ger e Askeegard (1997; 2003) como um componente
do ciclo do desejo, que se alimenta de fantasias autoembelezadas de um self diferente do atual.
Esse processo é composto de três etapas interdependentes (imaginação, desejo, esperança) que
conduzem uma a outra. Realização e/ou frustração são decorrentes da conjunção dessas etapas
e contribuem para o ressurgimento ou descarte do desejo. Em nossa pesquisa, o desejo
vivenciado na imaginação das informantes abastece a sensação de prazer por meio de emoções
despertadas e antecipadas fantasiosamente. Quando as imagens ilusórias são ajustadas ao
contexto social ajusta-se também as emoções, experimentadas mesmo antes da aquisição.
Independentemente de o objeto de desejo ser um par de sapatos, uma casa ou uma viagem para
Paris, as entrevistadas pareciam capazes de recobri-lo de significados e dar emoção às imagens
criadas para eles.
159
Nossas pesquisadas mostram que são seduzidas e se deixam seduzir por diversos
estímulos e pelo prazer que a imaginação proporciona. Longe de serem vítimas passivas do
desejo, elas têm participação ativa no processo, ao alimentar e inflamar suas próprias paixões.
O paradoxo é evidente: o objeto seduz, mas o indivíduo se deixa seduzir por ele.
Eu vejo muitos tutoriais, então eu fico querendo aquele tom de sombra. Que nem
esmalte, lança um esmalte aí você fala: “Ah legal, eu quero! Que lindo”. Então
você fica querendo ter aquele estilo de maquiagem. Aquilo que te motiva, creio
eu (Tar, 20 anos).
A autossedução relaciona-se com a experiência sensorial e imaginativa vivida por Tar
na pré-aquisição, que estimula o desejo de ter. Se a autosedução é fantasiosa é, ao mesmo
tempo, fonte de prazer para Tar. Ela passa a se imaginar com a posse do bem, a idealizar como
seria sua vida com aquele produto, o que os outros pensariam dela se ela tivesse aquela coisa,
como suas ações seriam modificadas pelo fato de ter o produto etc.
Há uma atração apaixonada entre Tar, o indivíduo autosseduzido, e o bem ambicionado,
o que parece ser um dos componentes chave do desejo: ele é cultivado e mantido vivo até que
o objeto seja adquirido. A ordem desse processo – nem sempre consciente – parece ser: (1)
consciência da falta; (2) autossedução; (3) desejo de ter o objeto; (4) esperança de consegui-lo;
(5) viabilização de sua aquisição – ação; e (5) reinício do processo (BELK, GER,
ASKEGAARD, 1997; 2003). Bia, de 19 anos, relata como a autossedução se relaciona com a
vontade de ter e com a aquisição.
[A gente] compra muito é por ouvir falar, por achar bonito, por ter atração por
uma marca ou é por achar que pode precisar (Bia, 19).
As entrevistadas usam estratégias que fomentam a autossedução e o desejo de ter bens.
Os estímulos, espalhados em muitos pontos de contato, ajudam-nas se (auto)convencer da
vontade de ter os bens. As coisas que aparecem na revista e na TV, na página de uma blogueira
influente, nos sites das grifes da moda, nas propagandas, promoções, e exposições no ponto de
venda, as indicações de amigos e das próprias marcas acendem o sonho, a imaginação, a
fantasia. A autosedução, que dá início ao caminho do não uso, associa-se à vontade e ao desejo
de ter os bens como mostram os relatos a seguir:
Eu lembro, assim, quando eu tinha uns 16 anos... Eu lembro que eu vi uma capa
da Vogue que eu achei linda, aí “vou comprar”, aí comecei a ler, a ler e comecei
a gostar, aí comecei a comprar direto (Ju, 20 anos).
A autossedução apareceu como diferentes fontes de inspiração, que estimularam as
entrevistadas a penetrar no desejo por tais produtos. O entusiasmo com os produtos provoca a
imaginação das entrevistadas, que se sentem envolvidas com a categoria. Jo, de 21 anos,
160
também conta que uma blogueira ensinou-lhe dicas sobre quais produtos são adequados e sobre
como usá-los.
Ela [blogueira] tem um blog lá. Bota no Youtube, que no Youtube dela tem o
link do blog dela. E ela dá várias dicas, então, às vezes, eu entro lá pra aprender
algumas dicazinhas sobre produtos (Jo, 21 anos).
As entrevistadas mostram que a autossedução atua tanto como estimulante quanto
limitadora, pois incita e baliza o desejo. Belk, Ger e Askeegard (2003) chamam de moralidade
o mecanismo de contenção do desejo, se conflitua entre a vontade de quer se sentir vivo e o
esforço para manter a moralidade. Para elas, as coisas que os outros querem é o que elas se
permitem desejar e sonhar. Nesse sentido, a socialização cultural serve como parâmetro para o
desejo de nossas pesquisadas. Os códigos culturais dão coerência às práticas sociais e
classificam objetos e pessoas, elaborando semelhanças e diferenças. Os motivos para a escolha
de um foco de desejo estão ligados às relações sociais que falam de identidades e grupos. O
sistema simbólico do desejo revelado na pesquisa articula coisas e pessoas, de forma que as
significações assumidas pelos objetos não se manifestam isoladamente, mas na relação de uns
com os outros.
A pré-aquisição, que inicia o processo que desaguará no não uso, constrói o caminho
para o consumo dos bens. Talvez, os bens para os quais o processo de autossedução é mais
intenso, aqueles com os quais as entrevistadas sonham e fantasiam profundamente, tenham mais
chances de se tornarem especiais, mas isso não parece ser uma regra. Dado o contexto de vida
de cada entrevistada, querer, desejar e ter vontade de ter bens parecem ser formas de
socialização criadas e mantidas dentro do contexto de suas vidas. Um dos relatos que evidencia
a construção do desejo e a importância da pré-aquisição é o de Dona (42 anos), que conta sobre
a compra de um de seus bens mais queridos:
Eu tenho [um sapato] de saltão, que aí é para ir numa festa e ficar sentada.
Aquele de não caminhar, meia pata com um baita de um cadeado preto atrás,
acho que esse foi a minha maior conquista que eu vi no pé de uma riquíssima,
chiquetérrima conhecida da família e o dia que eu vi, eu não tirava o olho do pé
dela e depois eu vi que tinha na loja, eu vi no site e vi que tinha na loja e eu
comprei em Brasília. Paguei. Até que não paguei uma fortuna, paguei mil e
oitocentos reais, até que não é tão caro. Comprei em Brasília, eu tinha meia
hora de tempo, eu acho, uma hora, o meu marido me disse, quer comprar o
sapato, nós temos uma hora até ir para o aeroporto, ele me incentivou, ele me
incentiva às vezes mais até do que eu. Fomos até lá, pedimos para o taxista ficar
esperando. A gente entrou na loja, eu provei, comprei um número maior do que
o meu pé porque estava inchado. Estava calor né?! Brasília é um calor
desgraçado. Se eu usar, tenho que usar com palmilha. Se eu usar com meia ele
cai do pé e é muito alto. Mas foi uma das maiores satisfações que eu tive, assim
161
de consumo, foi quando eu comprei aquele sapato, porque eu tive igual àquela
chiquetérrima, elegante, maravilhosa e aí quando eu coloco ele me sinto
empoderada assim. Mas eu tenho que ficar sentada, eu não posso caminhar com
ele, então praticamente não uso (Dona, 42 anos).
Dona conta sobre como foi seduzida pelo sapato, cujo desejo foi instigado pela
socialização cultural, pelos códigos que ela interpretou ao ver outra pessoa usando o bem. Para
Dona o sapato representava suas relações sociais, os valores de seu grupo social, concretizando
significados importantes. Dona também relata como atuaram as forças morais quando fala do
preço alto do sapato. Ela afirma que “até que não é caro” e fala dos incentivos de seu esposo,
que parece compartilhar com ela os mesmos códigos culturais, pois também considerava
importante a compra do sapato.
Na situação de Dona, o fator potencialmente restritor de seu desejo – o preço – foi
superado pelo estímulo do marido. Pagar R$1800,00 por um par de sapatos pode ser
considerado um exagero, por ser um alto valor, mas Dona se convence da importância da
aquisição, apesar do preço. Ao buscar informações em sites, ver em quais lojas o sapato era
vendido e imaginar-se tão elegante quanto a mulher que o usou originalmente, Dona se rende a
autossedução. Seu desejo parece ser tão intenso que ela muda planos durante uma viagem e vai
até a loja adquirir o sapato sonhado. Usá-lo a deixa empoderada e confiante, tal como ela
imaginou ser a mulher “chiquetérrima” que a apresentou ao sapato.
Nossas entrevistadas mais jovens foram, justamente, as que mais mencionaram o
impacto da pressão para ter bens que as adequassem a seu contexto social. Entre as entrevistadas
da Fase 3 essa pressão parecia já ter sido amenizada, seja pelo amadurecimento das informantes,
seja por mudanças de ciclo de vida, que, consequentemente mudam as prioridades em relação
a compra e consumo de bens.
Claro, quando vamos amadurecendo... Mas eu acho que sim, acho que eu mudei.
Por exemplo, quando tu é adolescente, tu prefere quantidade, tu prefere ter três
ou quatro vestidos para variar do que ter um que é um baita vestido, de uma
baita qualidade, que vai durar e que tu vai poder usar para muito tempo (Bibi,
34 anos).
Entre as mulheres mais experientes que entrevistamos o processo de pré-aquisição
pareceu ter um papel mais ligado ao desejo de ter um produto específico, uma marca específica,
do que uma grande quantidade de diferentes itens, tal como surgiu entre as mais novas. Nas
Fases 1 e 2 da pesquisa, a pré-aquisição surgiu em diversos momentos das entrevistas. As
meninas mais jovens falavam com entusiasmo do processo de imaginar-se com os bens
sonhados. Na Fase 3, por outro lado, foram poucos os relatos de pré-aquisição. As mulheres
162
mais maduras que entrevistamos, chamadas por Casotti, Suarez e Campos (2008) como o grupo
“O Tempo Existe”, que se conscientiza de que o tempo passa e deixa marcas, revelaram também
fantasiar sobre a aquisição, mas essa fantasia parece relacionar-se mais com um projeto
identitário do que com a vontade de ter bens.
A vontade de ter à qual nos referimos é compreendida por Fromm (1987) como um
modo de existência que se relaciona com o mundo por meio do pertencimento e da posse, em
que o indivíduo quer que tudo e todos. Entre as mais jovens, “tem-se a impressão de que a
própria essência do ser é ter: de que se alguém não tem, não é” (FROMM, 1987, p. 35), enquanto
entre as mais maduras o ter tem uma estrutura dialética, de transformação do self, chamada por
Fromm (1987) de modo ser. O relato de Bia esclarece essa relação:
Você acha que vai te deixar perfeita, eu compro por que eu quero ter aquele
objeto, não porque preciso dele (Bia, 19 anos).
Os procedimentos usados pelas entrevistadas para cultivar seu desejo foram a
imaginação e a busca pelo produto. Esse cultivo, contudo, pode ser feito de outras formas. Uma
delas, bastante comentada pelas entrevistadas, foi a criação de listas de compras, que podem ser
vistas nos depoimentos de Bia, Cal e Tar.
Eu vou viajar hoje e tenho uma lista de tudo que eu vou comprar já (Bia, 19
anos).
Faço listinha, já vou com a listinha já. Vou com tudo anotado. Vou agora em
dezembro [para Europa], aí já entrei no site já vi várias coisinhas que eu quero
(Cal, 20 anos).
Fui pra Nova York em julho. Então uma semana antes eu sai pegando material
deles, nome vendo as notas, aí depois eu vi os que eu queria pra comprar
realmente. Depois eu mostro a minha lista, tem também os certinhos se eu
comprei ai é isso (Tar, 20 anos).
A criação da lista parece funcionar como uma concretização antecipada do desejo de
ter. Ao escrever os itens que mais desejam as entrevistadas podem tangibilizar parcialmente a
fantasia vivida na imaginação. A lista permite o cultivo do desejo, que pode funcionar como
um significado deslocado ao criar uma ponte para o futuro desejado, ou seja, ter o bem. Não há
necessidade de efetivamente comprar os itens listados, mas o fato de escrever em um papel
quais são seus objetos de desejo permite vivenciar no presente a realização do desejo através
da aquisição.
A aquisição, de forma geral, não é feita para que os produtos ou serviços não sejam
usados. Nesse sentido, é conveniente ressaltar que, de certa maneira, Bower e Sprout (1995) e
Trocchia e Janda (2002) acertam quando afirmam que produtos e serviços não são adquiridos
para serem não usados: há desejos e anseios relacionados a eles inicialmente. As entrevistadas
163
possuem planos e concepções para o objeto adquirido, formados na etapa de pré-aquisição, que
envolvem uma série de situações imaginadas por ele. A imaginação pode conceber uma vida
para o bem, dando-lhe agência e iniciando sua biografia, ainda no plano da fantasia. Na
convivência com a proprietária, o bem pode ir assumindo características de não uso. As
características, que começam a se construir na pré-aquisição, podem influenciar – ou até mesmo
determinar – a demarcação do objeto como um não uso.
4.2.2 Aquisição
A aquisição é a fase subsequente a pré-aquisição no processo de não uso. Nela, três
elementos destacam-se como contribuintes do uso e do não uso: o momento em que o bem foi
adquirido, a ação exigida para aquisição e quem participou dela. O momento trata da ocasião
da aquisição, dos lugares, situações, contextos, eventos ou fases da vida do consumidor. As
ações de aquisição dizem respeito a como os bens não usados foram adquiridos pelas
entrevistadas – se em compras feitas pelos próprios consumidores, se foram um presente, uma
doação, se foram recebidos como herança, se o consumidor os fez ou produziu, se foram
emprestados por alguém, etc. Tais ações influenciam o não uso, pois os dados indicam haver
uma espécie de hierarquia entre as formas de adquirir, balizada pela importância do processo
de aquisição.
Além de comprar pode-se achar, criar, fazer, arrendar, trocar, ganhar, herdar, alugar,
esmolar, pedir emprestado, compartilhar ou roubar como nos lembra Belk (1982; 2001).
Evidencia-se, assim, que aquisição e uso são atividades distintas, sendo o ato de comprar
somente uma das possíveis maneiras de adquirir objetos e experiências. Adquirir não implica,
necessariamente, usar, mas, bens não usados foram necessariamente adquiridos de alguma
forma. A distinção entre aquisição e uso permite compreender que um produto comprado nem
sempre é usado.
Trabalhos anteriores em comportamento do consumidor, especialmente quando
descrevem o processo de tomada de decisão, partem da premissa de que bens comprados sempre
serão usados e quando não o são, é porque houve um problema de planejamento na compra,
defeitos dos produtos, dentre outros. Nossa pesquisa identificou que a aquisição não determina
a usabilidade do produto. Os relatos das entrevistadas falam de aquisição e de não uso devido
164
a diferentes significados atribuídos a esses objetos. As histórias de aquisição foram importantes
para compreender o não uso, como exemplifica Duda:
Esse vestido eu comprei na Espanha, eu amo bolinhas e numa época eu amava
mais e mais ainda. E eu penso: “não uso mais ele, mas é um vestido de bolinha,
um pretinho básico, então não vou me desfazer (Duda, 40 anos).
Os objetos mostrados na pesquisa, assim como o vestido de Duda, tinham a capacidade
de despertar lembranças, surgidas de viagens, namoros, casamentos, aniversários, faculdade,
maternidade, projetos profissionais, etc. Quase sempre eram relatos de momentos especiais e,
por isso, os objetos relacionados a eles se tornavam diferenciados. Isso não significa dizer, que
produtos adquiridos em momentos banais não possuíssem significados para as entrevistadas,
embora os significados tivessem graus de importância distintos.
Duda aponta que os bens têm a propriedade da indexabilidade, ou seja, servem como
provas tangíveis e palpáveis dos eventos de uma vida, como indicaram Grayson e Schulman
(2000). Wallendorf e Arnould (1988, p. 537), Mehta e Belk (1991), Richins (1994a, p. 506),
Price, Arnould e Curasi (2000) relacionaram a posse de objetos especiais com seu passado, a
um processo descrito como “lembrança”. Belk (1990, p. 670) adiciona à essa valorização das
posses, a afirmação de que “muitas vezes os bens são intencionalmente adquiridos e mantidos
para lembrar dos tempos agradáveis ou dos momentos do passado”.
Tal como esses autores, em seu relato Duda ajuda a compreender que os momentos de
aquisição aos quais nos referimos foram tratados pelas entrevistadas como importantes e
históricos ou banais e comuns. Ocasiões importantes ou históricas indicavam que a posse
daquele objeto as enviava para o instante da aquisição. Assim, tanto momentos cotidianos
quanto especiais de aquisição tiveram consequências na relação entre as entrevistadas e seus
objetos de não uso. Identificamos tanto objetos adquiridos em momentos excepcionais da vida,
como um vestido de casamento que se tornou não uso, da mesma forma que encontramos
objetos como um creme adquirido em uma ocasião cotidiana, que também se tornou não uso
como exemplificam os relatos de uma mesma entrevistada:
Meu vestido de noiva é um apego incrível, eu mandei fazer. A mãe mandou lavar
todo, ficou com ele durante uns nove meses e há pouco tempo ela me trouxe ele.
Eu peguei, coloquei dentro de uma caixa pra não pegar traça, não pegar nada,
deixei ele guardadinho. Cheguei em casa e falei que tinha de ver um jeito de
vender. Até porque, pra conseguir um dinheiro. Até minha irmã mandou um
aplicativo que o pessoal vende seu vestido de noiva. Mas não fui ver, então
realmente estou apegada. Nem vi como fazer. Porque ele guardado. O meu
vestido de noiva está guardado (Lia, 28 anos).
165
Cheguei, acho que foi no supermercado, e olhei um creme redutor de medidas.
Ele olhou pra mim e falou que eu precisava reduzir medidas. Eu comprei o
creme e vou usar. Tem que usar, não sei o que... Daí comprei e vi que ele está
numa cesta no meu banheiro e não usei uma única vez. Está ali e não quero
jogar fora porque tenho esperança de usar ele. Ele está na validade, ainda posso
usar um dia (Lia, 28 anos).
Em seu discurso, Lia emprega agência ao produto, como se ele falasse com ela. O creme
a cobra: você tem que usar. No entanto, apesar de lhe avisar sobre a necessidade de ser usado –
e talvez por isso –, o creme está numa cesta no chão do banheiro. Ela o descobre nesse lugar
mundano, com se ele tivesse ido parar lá sozinho. Mesmo sabendo do lugar herético no qual se
encontra o creme, Lia não o tirou de lá. Pretende usá-lo, mas ele ainda não mudou de status ou
de significado para ela, e segue sem uso. O creme parece fazer parte de seus planos futuros, de
um self transformado.
Já o vestido de casamento está guardado numa caixa especial, porque é uma peça de
uma história também especial. Lia reconhece a relação de apego que tem com ele e apresenta
em seu discurso os outros elementos do processo de aquisição identificados na pesquisa: as
ações e os agentes. As ações referem-se ao tipo de aquisição, que podem ocorrer pela compra,
pela doação (ganhar de presente), pela troca (escambo), por meio de herança ou pode-se ter
ainda ter recebido o bem como empréstimo ou pode-se compartilhá-lo com alguém. No caso de
Lia, o vestido não foi comprado, mas feito sob medida para ela. Os agentes podem ser
representados por seus familiares envolvidos com a aquisição do vestido, especialmente a mãe
e a irmã.
Nesse sentido, a aquisição tem papel de destaque na criação de significados. Os produtos
tornar-se-ão não usados por percorrerem caminhos que passam pela aquisição, apesar dela não
ser o único elemento do não uso. O processo de aquisição que identificamos indica que os três
elementos constituintes da aquisição ocorrem simultaneamente, conforme ilustra Figura 9.
Além disso, eles são mutuamente dependentes e complementares, o que revela estarem
condicionados uns aos outros.
166
Figura 9 – Etapas da Aquisição
Fonte: a autora.
Isso implica dizer que a importância dada ao momento da aquisição depende de como
ela foi realiza (se foi comprada, presenteada, herdada, emprestada, etc.) e de quem estava junto
(pais, amigos, filhos, colegas de trabalho, etc.). Na Figura 9, elucidamos a relação dos processos
de aquisição, revelando a ligação entre eles. Momentos importantes, ações únicas e agentes
considerados especiais geralmente conferem caráter singularizado ao objeto adquirido.
Momentos comuns, ações corriqueiras e agentes habituais, por sua vez, indicam que o bem será
significado como relativo ao cotidiano, como algo profano, no sentido atribuído por Belk,
Wallendorf e Sherry, 1989. Entre esses dois extremos, parece haver uma série de outras
possibilidades que combinem ocasiões, ações e agentes distintos, o que ajudará a moldar a
natureza de cada objeto para o sujeito, formando, assim, a relação que eles terão no futuro.
Nem sempre é possível, contudo, definir exatamente o papel ou a influência dos
elementos do processo de aquisição, pois eles se mesclam. Apesar das ações estarem presentes
na fala das entrevistadas, é difícil dissociá-las da ocasião e dos agentes. O exemplo de Tata, de
38 anos ajuda a compreender essa dificuldade:
167
O vaporizador eu me lembro do dia que comprei. Estava eu, o Paulinho, a Manu
e o marido no shopping. A gente estava indo viajar e comprou isso na ida do
shopping. “Vamos usar na viagem! Não precisa se preocupar com ferro na
viagem”! Nunca levei. Usei algumas vezes em casa (Tata, 38 anos).
A história do vaporizador, mostra que as entrevistadas relacionavam suas aquisições
com os três elementos do processo de aquisição. Naturalmente, sem que fossem perguntadas,
elas relatavam os detalhes da aquisição durante a pesquisa, pois parecia importante
contextualizar a importância do bem. Essas explicações sobre a aquisição para a entrevistadora
podem ser interpretadas como uma maneira de dar sentido a manutenção da posse, justificada
pela relevância da situação de obtenção. Explicações como a de Tata foram frequentes na
pesquisa, quando as entrevistadas detalhavam a aquisição do bem, o que permitia a
pesquisadora compreender a importância dele. Como forma de corroborar com esse
apontamento, vejamos o caso de Dona, de 42 anos, que nos conta sobre a compra de duas calças
durante uma viagem e o empréstimo de dois vestidos por sua irmã.
Eu comprei em Milão quando era o casamento da minha cunhada e eu fui com
o meu pai, com as minhas irmãs e eu estava com as minhas irmãs e eu tenho um
amor naquelas calças. Não um amor pelas calças, mas eu tenho um amor
naquelas calças, a história que elas têm. [...] Se é um dia que eu estou inspirada,
eu olho e sinto orgulho [das coisas não usadas]. Não, é assim, como eu sou, vou
falar bem uma questão espirituosa, como eu sou abençoada e sou uma pessoa,
não é satisfeita... Que bem que eu tenho essas coisas. Que eu pude trabalhar,
que eu pude adquirir e pude ter isso sem ser um excesso de uma coisa que eu
nunca usei (Dona, 42 anos).
Ao final desse relato, Dona parece unir os três elementos da aquisição para explicar um
significado ampliado dessas roupas não usadas: essas roupas aparecem como resultado de seu
esforço de trabalho, de sua condição financeira familiar favorável e, portanto, representações
de escolhas pessoais e de sucesso ou do seu sucesso pessoal.
Bibi relata o mesmo sentimento de orgulho para com seus objetos adquiridos. A
entrevistada conta que escolhe os itens que vai comprar com base numa avaliação que
inicialmente pode parecer utilitária – peças mais duráveis, de melhor qualidade –, mas que
ajudam a revelar a vontade de criar e sustentar a identidade de uma mulher clássica.
Eu cuido muito [das minhas coisas]. Com relação a roupa, eu sou uma pessoa
muito clássica para me vestir, eu não sou uma pessoa de moda, então eu prefiro,
às vezes, investir um pouco mais caro numa blusa, por exemplo, preta básica
que eu sei que vai me durar 2 ou 3 anos e que não é da moda, da novela, não sei
o que. Não tenho uma mega variedade, mas eu prefiro investir 300 reais numa
calça jeans do que ter 3 de 50, e não é pela marca, é pela qualidade, é uma bota
ou uma bolsa que eu sei que vai me durar. Não sou muito de trocar de bolsa,
não tenho nem paciência, então eu prefiro ter uma que vá me durar muito tempo,
168
que pode ser 3 ou 4 vezes o preço do que ter 4 ou 5, e por isso eu acabo
guardando mais as coisas, nesse sentido, porque eu tenho um apego. Mas eu me
considero uma pessoa mais clássica e eu gosto mais de branco, preto, bege,
cinza, enfim, e de vez em quando faço umas cores diferentes. Não sou muito
ousada (Bibi, 34 anos).
O processo de aquisição de Bibi revela que essa também é uma forma de criação de
identidade. As entrevistadas trazem eu seus discursos que suas escolhas de compra as ajudam
a manter seu sentido de self, pois permitem-lhes estarem mais próximas de como querem ser
reconhecidas. Ao mesmo tempo, a escolha por itens tão representativos do eu justifica sua
manutenção, apesar de serem não usados. Nesse sentido, produtos que são considerados caros
recebem uma atenção especial.
Uma das explicações mais frequentes que encontramos na pesquisa para manutenção de
objetos e coisas não usadas é o fato de que elas custam ou custaram muito dinheiro quando
foram adquiridas. Coisas obtidas de marcas ou grifes famosas, as quais a pessoa atribui valor
financeiro ou monetário, são diferenciadas das demais. Separamos os relatos de duas
entrevistadas, que contam como o valor monetário de suas aquisições influencia na manutenção
dos objetos não usados, Bibi e Dona.
Tem um tênis de corrida, um tênis que eu usei super pouco, não me adaptei.
Acho que eu usei umas 2 ou 3 vezes, mas eu não consigo me desfazer dele, e ele
está novinho, e eu não sei porque não vou me desfazer dele. Agora eu estava
olhando ele mesmo, eu vou fazer essa limpa e eu sei que ele não vai nessa limpa.
[...] Eu ganhei do meu marido. Na verdade, quando eu comprei, eu já senti que
não ia gostar muito, mas ao mesmo tempo, tem coisas que tu fica “eu ganhei,
não quero deixar ele chateado, não quero ofender”. [...] Ele pergunta. Até esses
dias eu falei que eu precisava comprar um tênis, e ele “não acredito que tu está
dizendo que precisa comprar um tênis” “é que o meu está ficando muito velho”
“tá, mas o que eu te dei? Onde está?” “ele está aqui” mas eu tenho certeza que
eu não vou conseguir dar, e algumas coisas tem a ver com o valor sim. É um
tênis caro, é um tênis de mais de 500 reais, como tu vai dar? Não tem como dar.
Normalmente como eu dou para empregada, faxineira, tem umas coisas que tu
pensa... Não por preconceito, mas tu pensa em dar “vou dar um tênis de 500
reais? As vezes a pessoa não sabe nem...” como podem interpretar algumas
coisas. É complicado (Bibi, 34 anos).
No caso de Bibi, o tênis custou caro e por isso deve ser mantido, mas também foi um
presente do marido. “Como se desfazer de um produto que custou mais de R$500,00?”, ela se
questiona. Em sua opinião, a doação não faria sentido, pois as pessoas para quem ela poderia
doar não compreenderiam o valor do produto. Para valorizar aquele bem, é preciso compartilhar
os mesmos significados que ela atribui ao produto e a sua aquisição. Para Dona, a marca e a
grife são fatores determinantes para manter consigo calças não usadas. Ela completa:
169
Porque eu comprei [essa roupa] na loja tal, normalmente assim, eu comprei na
loja tal e aí a loja é boa, é de marca, é de grife e eu não posso me desfazer
dela[...]. Eu adoro grifes e eu pago mil dólares, mil euros por uma bolsa. Eu
tenho algumas bolsas e sapatos de mil dólares, mil euros. Uma de mil e
quinhentos euros. E foi uma satisfação para mim porque eu guardei [o dinheiro]
um ano inteiro, eu trabalhei um ano inteiro e eu disse, eu vou comprar essa
bolsa. E quando eu entrei na loja, eu pensei, é hoje que eu vou comprar, e eu
pensei assim, mil e quinhentos euros por uma bolsa? Quanto é isso em real?
Tudo bem, eu trabalhei para caramba para isso, eu mereço ter. Só que aí eu
pensei, meu Deus do céu, é muito dinheiro! E aí eu fui e era uma Dior que eu
sempre sonhei em ter, eu sonho em ter e aí eu fui numa Gucci, eu podia comprar
uma bolsa muito bacana por mil euros, e aí eu entrei e saí umas vinte vezes
daquela loja e, muito pacienciosas as vendedoras, até, meu marido sentado no
frio na rua com a minha filha, e eu entrava e saía de uma loja, entrava e saía de
uma loja, uma simples por mil e quinhentos euros da Dior ou uma muito linda,
muito bacana por mil euros da Gucci. E aí eu comprei de mil euros primeiro
porque eu achei um absurdo gastar mil e quinhentos, mas no fim depois eu
comprei o sapato e eu comprei não sei o que, e foi os mil e quinhentos. Hoje eu
não uso muito. Mas eu tenho outras que eu já não uso mais e o meu marido me
lembra, usa aquela vermelha que tu tem da Louis Vitton, aí eu fico um tempão
usando aquela. Aí agora estou um tempão usando uma outra e sapatos que eu
comprei que eu não lembro que eu tenho.
O valor pago pelas bolsas e a grife são usados por Dona como uma referência. A
entrevistada conta que economizou durante um ano inteiro para poder comprar os produtos que
sonhava, mas, ainda assim, não os usa como pensou que faria. Surge aqui um vínculo entre
valor pago na aquisição e manutenção do bem comprado: produtos com valor alto devem ser
mantidos (com ou sem uso), enquanto produtos não usados que foram baratos estão mais
sujeitos ao descarte. Em decorrência disso, produtos pelos quais se pagou pouco não são tão
valorizados.
Parece haver uma avaliação de mérito do produto, por parte da consumidora, que pensa
assim: “esse foi caro, merece mais cuidado do que os outros”. Essa meritocracia aplicada aos
produtos, baseada no preço de aquisição, deságua num uso parcimonioso dos bens mais caros.
Como eles custaram muito “trabalho” para ser adquiridos, devem ser reservados para momentos
especiais. Dona afirma que tem até pena de usar seus produtos mais caros, com medo de estragá-
los:
Os [sapatos] bons estão em caixas. E aí eu não vejo. E outra, eu tenho pena,
como é que eu vou trabalhar, bater ele, estragar dirigindo e o bico comido atrás
e eu paguei quinhentos euros. Mas ao mesmo tempo paguei por ele, ele é meu,
eu tenho que usar, mas só que ele está guardado e aí eu esqueço de usar (Dona,
42 anos).
170
Produtos como os sapatos de Dona são exemplos de produtos caros citados pelas
entrevistadas. Eles recebem tratamento especial, distinto dos demais produtos e têm mais
respeito de suas proprietárias. Parecem ser sacralizados por seu valor monetário. A teoria da
cultura do consumo aponta que os consumidores valorizam os bens nem tanto por seu valor de
troca, mas pelo seu valor simbólico. Podemos, contudo, afirmar que valores monetários se
transformam em símbolos para os consumidores. Preços altos, grifes, marcas famosas são
símbolos de status, de raridade e de inacessibilidade. Transportam ao produto características
únicas associadas a bens luxuosos, que, por sua vez, são transferidas aos consumidores que as
usam. Esses bens não podem ser doados, dado seu valor.
O valor da aquisição concede ao bem um status imediato. As coisas caras e baratas são
naturalizadas como de boa e de má qualidade pelo fato de custarem mais ou menos dinheiro.
Os significados são alocados nesses produtos dado seu valor de troca. Dessa forma, produtos
baratos são definidos como ordinários e não recebem a mesma distinção dos mais caros. Eles
são doados, amarrotados, colocados de lado, pois custam muito pouco. Cela explica seu
relacionamento com sapatos velhos e baratos.
Eu odeio sapato velho. Quando o sapato era dourado e começou ficar com
aquela cor assim meio sabe que ninguém sabe o que é... Meio bronze. Assim,
putz, isso é um sapato velho. Aí, quando ele começa a ficar com a marca no
calcanhar preto, assim, eu não gosto mais de usar. E aí eu tenho um problema
sério, porque eu, por mim, sapato barato eu dou. O sapato está um lixo, eu ando
na rua e o sapato está se desfazendo. Mas a minha irmã não, a minha irmã gosta
de usar sapato velho e aí fica aquela coisa que dá uma energia negativa no
armário. Meu deus! [...] Eu sempre penso assim se a roupa foi cara e eu não
gostar mais da roupa eu não dou. Assim algo mais furreco assim se eu não quero
mais, eu dou a roupa. Se for uma roupa cara mesmo estando fora de moda,
mesmo se eu acho a coisa mais ridícula do mundo eu não dou a roupa (Cela, 20
anos).
Se, para os produtos caros, há a necessidade de mantê-los e ter parcimônia no uso, talvez
como forma de aumentar sua vida junto com o sujeito, que por mais tempo poderá usufruir dos
significados daquele bem, para os produtos mais baratos ocorre o oposto. Produtos baratos
devem ser usados e, quando sua utilidade percebida acaba, o sujeito deve se desfazer deles. Para
Cela, os sapatos velhos têm a capacidade de contaminar as outras coisas que estão no armário.
A energia negativa associada ao produto barato e usado não deve, segundo a entrevistada,
espalhar-se para suas outras coisas. Ela atribui a propriedade de contaminação e cratofania aos
bens velhos e baratos, que passam ser símbolos do profano, conforme indicam Wallendorf, Belk
e Heisley (1988). O sapato tem o poder de atemorizar pela pretensa capacidade de transmitir
sua negatividade para outras coisas.
171
Os produtos velhos e baratos se opõem aos caros e sagrados. Quando Cela fala que sua
irmã gosta de “manter produtos velhos”, apresenta esse comportamento quase como uma
heresia. Em sua concepção, guardar coisas baratas não faz sentido, pois é possível comprar
outras sem muito esforço (material). Madu conta que, ao contrário da irmã de Cela, não teve
nenhuma dificuldade em se desfazer de um vestido.
Então teve uma vez... Foi ridículo. Lá [nos EUA] tem uma loja, a Postalia, muito
barata, eu vi um vestidinho assim que eu achei tão fofo, mas não deu tempo de
experimentar. Quando eu cheguei no hotel eu falei assim... E era um modelo que
eu não gostava. Assim ele dava em mim só que ele ficava muito esquisito, ficava
muito curto. Aí essa minha amiga eu falei: Mari você não quer? Ficou uma
graça nela, então pode ficar. Era básico assim não tinha nada demais (Gabi, 19
anos).
Os produtos baratos parecem não criar conexão com as entrevistadas, que simplesmente
podem se desfazer deles. Bens caros, por sua vez, parecem ser objeto de apego, enquanto bens
baratos parecem ser desapegos naturalizados. Pode ser surpreendente que o apego se forme pelo
fato do bem ter custado muito caro, mas pode-se elencar que o status que ele transmite e sua
capacidade de representatividade social estão associadas ao valor monetário. Enquanto uns
obrigatoriamente devem ser mantidos outros obrigatoriamente não devem ser cultivados. O que
significa caro e barato, contudo, pode ser relativizado. Tata mostra sua opinião sobre a definição
de caro e barato.
Dá dó jogar fora coisas que você pagou para ter. Pra mim é um atestado de
idiotice do consumismo. Tem uma frase que é só é caro o que você não usa. O
que você usa é sempre barato. Um casaco caro que você vai usar 10 anos, pagou
600 dólares... em todos invernos. Agora você compra um negócio baratinho que
vai ficar no armário, esse foi caro, porque não usa (Tata, 38 anos).
Percebe-se que o conceito de caro e barato depende fundamentalmente da percepção da
entrevistada sobre o valor do bem. A relativização da entrevistada permite considerar que a
aquisição de produtos que se tornam não usados diminui a percepção de valor sobre esses bens,
ao passo que produtos muito usados têm seu valor aumentado. Uma vez que o uso é uma das
formas de criação de apego, coisas que tiveram alto custo de aquisição podem transmitir a
sensação de que “vale a pena” tê-las, pois serão usadas. O não uso, nesse sentido, parece estar
no extremo oposto, percebido nessas circunstâncias como algo que “não valeu” os recursos
investidos. Tata segue sua fala reforçando o sentimento de desperdício de dinheiro por ter coisas
caras que não foram usadas.
Quando fui abrir a porta pra você eu pensei, e aquelas garrafas de whisky, elas
estão enfeitando minha casa há uns 10 anos minha casa. Nunca tomei, nunca
ninguém toma.
172
Entrevistada: Mas é enfeite?
Acho um desperdício.
Entrevistada: Por que você não dá, não vende?
Tenho pena, porque gastei dinheiro. Jogação de dinheiro fora. [...] Inclusive
quando olho para os brinquedos das crianças, se eu somasse tudo isso e essa
grana toda estivesse guardada pra fazer uma viagem... Pouco a pouco a gente
vai botando dinheiro no dia-a-dia. Essa sensação que tenho. Mesmo as coisas
de presente de casamento. Na época que casei não tinha essa coisa de viagem,
mas acho muito mais útil. [...] Me incomoda em saber que foi um dinheiro que
botei numa coisa que não usei. Eu deixo escondidinho.
Entrevistada: Tipo a cafeteira lá em cima [do armário da cozinha] no cantinho.
É! [...] Eu penso sobre isso porque acho um desperdício de espaço e dinheiro
(Tata, 38 anos).
A noção de finalidade ou de utilidade surgiu nessa entrevista, em que Tata racionalizava
sobre o que considerava ser um desperdício. Manter um bem, no qual foi investido alguma
quantia de dinheiro, que ocupa espaço importante dentro da casa e que ninguém está usando, é
visto por ela como desperdiçar dinheiro, espaço e a oportunidade de que outra pessoa pudesse
estar usando.
Manter objetos não usados é uma forma de desperdício evidente, mas, e quando esses
bens contam uma história? Quando eles são parte da vida de quem os mantém? Um discurso
socialmente aceito para referir-se ao não uso parece, então, ser o do desperdício. A percepção
de Tata evidencia a ambiguidade e os conflitos do não uso. Se, por um lado, bens não usados
podem servir como retratos de ocasiões importantes, lembrando pessoas, momentos e ações de
aquisição, podem, também, servir como um lembrete do desperdício ou do descontrole com as
compras.
Nesse sentido, os não usos podem ser encarados como evidências da impulsividade e da
pressão social para a conformidade. Alguns bens podem ser adquiridos como forma do
consumidor aderir a grupos sociais e ser visto como membro de tal grupo. A partir da aquisição
de determinados produtos, os consumidores podem se sentir incluídos – ou não – em seus
grupos de referência, o que lhes concede legitimidade junto ao grupo. A vontade de pertencer
pode levar os consumidores a adquirir produtos e serviços que serão percebidos pelo grupo
como sinônimo de poder e de status. As entrevistadas relataram que alguns produtos foram
adquiridos “não porque precisa, mas porque tem que ter”, indicando a ação das normas do grupo
social sobre elas. A fala de Bia, de 19 anos mostra essa percepção.
Eu não compro maquiagem porque eu preciso. Se ela [Amanda] tem bastante
maquiagem não é quando ela precisa [que compra]. Maquiagem não precisa de
muita coisa: é uma sombra uma base e um batom. Mas ninguém compra porque
precisa, compra porque tem que ter. Quando eu viajo pra fora eu fico obcecada:
173
quero sempre comprar muita maquiagem. Não sei porquê maquiagem eu sempre
quero. Aqui [no Brasil] não. É mais quando eu viajo que eu fico obcecada, eu
compro por comprar. E eu não era assim. Eu sempre gostei, essa vontade de
comprar foi de um ano pra cá.
Entrevistadora: O que você acha que mudou?
Acho que eu cresci e por causa das minhas amigas, da convivência, que gostam.
Amigas que são muito ligadas a isso de marca. Não conhecia Mac. Conheci de
uns dois anos pra cá, que é a mais famosinha. Aí, acabei querendo ter essas
marcas (Bia, 19 anos).
Bia diz que compra por comprar, que não precisa, mas compra. Apesar de não saber por
que está comprando, ela indica a relevância do “ter” como forma de pertencer associar-se ao
grupo de amigas. A vontade de adquirir coisas que estão na moda ou que são valorizadas pelos
grupos de referência surgiu como um os fatores que levam ao não uso. Talvez a fala de Bia se
aproxime mais da compra por impulso. A vontade de ter bens que as amigas também têm torna-
se um elemento de motivação e justificativa da aquisição. Não importa para essa entrevistada o
uso do produto, importa é ter a sua posse.
Pela fala de Bia, percebe-se que o não uso pode, ainda, estar relacionado, de forma
indireta, com o incentivo ao consumo, à compulsão, à impulsividade e ao materialismo. Uma
vez que a aquisição também está ligada possibilidade de criar identidade é quase uma
“obrigação” ter determinados produtos, pois eles ajudam a achar o espaço de nossa entrevistada
no mundo. Comprar mais do que seria necessário é uma forma naturalizada de pertencer, de
mostrar a compreensão dos valores e da cultura da sociedade. Algumas entrevistadas afirmam
que se preocupam em ter muitas coisas e que, para elas, o importante é a posse desses bens.
Outras, indicam sentimentos de remorso pela compra excessiva, principalmente porque não
conseguem usar tudo o que possuem. Surge, nesse momento, a relação entre compra por
impulso e não uso.
A aquisição aparece também associada a um comportamento acumulador, com
características de compulsividade. As histórias contadas trazem motivações e justificativas
nobres para receber tantos objetos em doação, outra forma de aquisição surgida na pesquisa.
Ruth (60 anos) explica que recebe muitos objetos que estão acumulados em sua casa, “outra
casa” como explica o seu porão repleto de objetos de todo tipo. Seu objetivo é ajudar os outros,
passar para frente, encontrar alguém que queira. Ela dá vários exemplos de sua generosidade,
que parecem não ser suficientes para justificar sua aparente característica acumuladora e
compulsiva. Ela não rejeita o que os outros trazem e faz de sua casa um grande depósito de não
uso. Nana (31), bem mais jovem do que Ruth, traz justificativas amorosas, mas com uma lógica
semelhante, ao se descrever como uma acumuladora de objetos de família, mãe, avó e bisavó.
174
Assim como Nana se coloca como uma espécie de “ponto de passagem” para os objetos
familiares, que parecem se acumular em suas prateleiras lotadas, Ruth explica que recebe para
depois dar para outros os objetos que se acumulam em seu porão.
No porão, depois vou te mostrar, tenho uma máquina de costura que é muito
antiga, ela funciona, mas acho que nunca mais vou usar ela, mas não quero me
desfazer dela. Olho para ela, eu gosto dela. Aquela máquina nem foi minha, eu
ganhei de uma cliente que era da mãe dela, mas é uma máquina que não sei por
que tenho um carinho por ela, não me desfaço dela. Às vezes alguém quer me
dar alguma coisa, eu olho, acho que é uma peça que tem valor, uma coisa assim
que alguém vai gostar, eu pego e depois eu passo pra frente. Mas aí dou para a
pessoa certa que vai valorizar aquilo. Ou às vezes quando eu pego eu já tenho
em mente alguém. Tem uma vizinha aqui, outro dia queria dar um sofá. Tu vai
ver no meu porão que tem espaço, é bem legal lá, é outra casa lá embaixo. “Tá,
eu quero”, porque eu já sabia que eu tinha uma outra amiga que precisava do
sofá para levar para um sítio, na mesma hora eu já peguei e já passei para a
frente. Conheço outras pessoas que fazem isso também. Às vezes recebo e passo,
é uma coisa mais... Tenho um cliente aqui a umas duas quadras acima,
Pedrinho, ele aluga equipamentos para obra desde uma escada, um lava a jato,
tudo o que você precisa ele aluga. Ele ganha muita coisa também, tipo tijolo de
vidro, ele não vende também, ele dá para quem precisa. Esses dias ele me deu
uns 10 tijolos de vidro. Está na moda, mas sempre fiz isso. Até roupa às vezes
ali, tenho clientes que trazem roupa para arrumar, eu vejo “isso nunca vai te
servir mais”, isso tudo vai para alguém. Eu digo “tu tens para quem doar?”,
sempre arranjo para quem doar. Deixo separado. Eu sei que tem alguém que
precisa, eu já passo. Esses tempos a minha sobrinha levou, ela tem uma Tucson,
ela levou duas caminhonetes cheias, carregadas para Santa Rosa, para o
instituto, uma associação que eles criaram lá tipo da APAE, só que são aquelas
crianças que a APAE não pega. Eles criaram uma associação, ela organizou
tudo, fizeram um brechó bem legal lá e arrecadaram fundos. Tudo peças novas,
roupas que eu não vendia mais na loja, coisas que eu ganhei também. [...] Esses
dias a vizinha do lado se mudou e muita tralha que era deles, eles me deram.
Por exemplo, essas canequinhas, é útil. Minha sobrinha veio aqui esses dias e
viu, já foi lá no Toc&Stock comprar pra ela. O pessoal vai me dando coisas,
sabe. Às vezes eu olho e tem tanta tralha. Eu ganho e é tudo tão bonitinho. [...]
Ganhei também uns guardanapinhos bordados. “Minha mãe que fez, achei que
tu ia gostar”, todo mundo me traz (Ruth, 60 anos).
Como eu guardo muitas coisas da minha mãe tipo metade daqueles pratos eu
não uso, mesmo quando tem festa. Então, tipo, eu realmente tenho muita louça
que eu herdei. Eu acho que posso doar louça para umas 3 famílias. [...] Às vezes
fico presa por uma coisa que não posso alugar e tem muito isso de, por exemplo,
essa sala inteira fora essa poltrona e essa farmacinha e aquela prateleira que
já estava aqui, tudo veio de alguém da minha família, tipo minha avó teve que
sair da casa dela porque estava com Alzheimer e foi parar num lar. Acabei
herdando esse sofá, a máquina de costura, tem uma cadeira de balanço. A minha
mãe se mudou, veio a cristaleira, então eu acabo sendo um ponto de passagem
para as coisas das pessoas. [...] Agora, porque cada parte da minha família está
num lugar diferente e começaram a centralizar aqui também. Por exemplo, no
175
natal muitas tigelas foram usadas. Fiquei muito feliz. Agora vai ter aniversário
do meu pai. Essas coisas, as louças particularmente eu acho que ainda vou ter
como usar elas. Tipo o colorex era uma paixão minha de infância. Então minha
mãe começou a garimpar os colorex e me dar coisas. Pra eu terminar minha
coleção de colorex falta só xícaras e pirezinhos. Mas ao mesmo tempo nunca
vou botar tanta comida dentro dessas coisas. Sou meio velha das louças. [...]
Mas eu separo as louças. Tenho um amorzinho por elas. [...] Tem os armários...o
armário que está ali no acervo é da minha mãe quando ela tinha 9 anos de idade.
Então como vou me desfazer do armário da minha mãe com 9 anos de idade? A
cadeira de balanço, que não me vejo usando tão cedo, era da minha bisavó.
Como não vai estar ali? Só que ao mesmo tempo moro sozinha, estou sempre
correndo e não consigo deixar as coisas organizadas. Faltam prateleiras e
ninguém consegue enxergar as coisas legais que estão aí por mais que não sejam
tão usadas assim. O rádio que está ali atrás que é dos anos 30, era do meu
bisavô. Eu adoro todas essas coisas, sou uma acumuladora...(Nana, 31 anos)
Nana pode ser comparada à informante de McCraken (2003), Lois Roget, por seu
consumo “curatorial”. Assim como Lois, Nana se sente obrigada a preservar a memória de sua
família, que lhe envia todo tipo de objetos que consideram que devem ser preservados. As
heranças atuam, nesse sentido, como uma forma da família de Nana moldar nela uma identidade
que a transforma numa guardiã das memórias familiares. Nana se dá conta de que as heranças
lhe impõem restrições de escolha e de organização da casa, mas, ao mesmo tempo, tem orgulho
dos objetos familiares que armazena.
Assim como as heranças, as doações também foram citadas pelas entrevistas como uma
forma de aquisição na qual há o recebimento de objetos que não são necessariamente desejados
pelas entrevistadas. As doações se assemelham às heranças, com a diferença de que não foram
repassados por alguém da mesma família, mas por amigos. A história de Ruth e as doações
recebidas são uma forma de aquisição bastante interessante. Ruth atua como espécie de guardiã
temporária de objetos que os outros não usam. Alguns ela usa – como as canequinhas doadas
pela vizinha –, outros ela simplesmente guarda – como a máquina de costura antiga – e outros,
ainda, são doados para outras pessoas que precisam mais. Seu trabalho de protetora dos objetos
não usados de outros parece estar menos ligado à memória desses bens em suas famílias de
origem, e mais voltado para a benfeitoria.
As aquisições às quais as entrevistadas se referem como as mais especiais são as que
foram recebidas como presentes, seguidas das heranças e das doações. Na sequência surgem as
compras feitas por elas mesmas, as trocas e os empréstimos. Sobre os presentes recebidos, eles
parecem se encaixar num tipo especial de aquisições, que devem ser mantidas obrigatoriamente.
Um presente não pode ser recusado, devolvido ou trocado, ele deve ser mantido. Parece haver
um código social tácito, que afirma a necessidade de agradecer e necessariamente gostar dos
176
presentes recebidos. As entrevistadas afirmam que não podem simplesmente se desfazer dos
presentes, como conta Bibi sobre algumas joias.
Joia também, por exemplo, eu uso muito ouro branco, praticamente não uso
mais ouro amarelo, e o que vou fazer? Vou me desfazer? Vou dar a joia? E não
uso. Joia que eu ganhei de 15 anos, não uso, mas não vou me desfazer e não vou
ter filha mulher, não dá nem para dar. Não sei o que vou fazer, mas não consigo
(Bibi, 34 anos).
A história de Bibi condiz com a proposta teórica de McCracken (2003) acerca dos rituais
de troca. Para o autor, ao escolher um presente, o indivíduo normalmente procura características
que acredita que faltem ou que gostaria de acrescentar ao presenteado de forma simbólica. Bibi
não pode se desfazer dos, mas também não quer usá-los, pois acredita que não combinam com
seu estilo. Os presentes parecem criar uma camada adicional de afiliação entre pessoa e objeto,
que não é facilmente removida, assim como propuseram Kleine, Kleine e Allen (1995). Eles
são tratados como posses especiais, representantes tanto de momentos de aquisição quanto do
self de quem as presenteou. Dona conta sobre as baixelas de prata que recebeu como herança
da mãe.
Eu tenho muita [coisa], amo coisas de casa assim e eu tenho muitas louças. E
uma das coisas que eu fiz... assim... que eu nunca usei, eu herdei um jogo de
baixelas que hoje em dia nem se escuta falar, de vinte e cinco anos de casada
da minha mãe. Herdei. [...] Baixelas de prata. E aí eu peguei para mim e botei
num armário e nunca usei. E eu olho para ele e digo, não posso devolver para
ela. Então eu tenho que ficar com isso (Dona, 42 anos).
As entrevistadas empregam um comportamento de afastamento de tais presentes
indesejados, que se tornam não usos, mas sequer são cogitados como descartes. Mesmo não
gostando deles, as entrevistadas têm dificuldade em se desfazer desses bens, por medo de
desapontar quem os presenteou ou por receio de perder o vínculo afetivo que aquele bem traz.
Esses bens acabam tornando-se fortes candidatos ao não uso e recebem procedimentos que os
mantêm afastados do convívio principal da casa.
Podemos comparar as doações, as heranças e os presentes recebidos. Essas três formas
de aquisição podem despertar sentimentos dúbios em seus proprietários. Podem ser motivo de
orgulho, de conforto material e de perpetuação da identidade de quem repassa o bem. Podem
também representar uma economia de dinheiro, pois não será necessário para os receptores
dispender recursos na aquisição. Por outro lado, bens recebidos em doação, como presentes ou
como heranças, fazem uma exigência tácita: devem ser valorizados e mantidos. Os receptores
não podem se desfazer deles, sob pena de comprometer a ordem social de seus grupos de
referência. Eles precisam manter a memória e a história dos objetos recebidos, e se veem na
177
obrigação de preservá-los. A posse, nessas situações, aparece como um elemento importante de
significação do bem não usado, o que será trabalhado na seção a seguir.
4.2.3 Consumo
Ao apresentarmos o processo que conduz ao não uso, definimos o consumo como uma
etapa na qual o objeto adquirido passa a conviver com o sujeito. Por consumo, compreendemos
uma ampla gama de possibilidades, que englobam o uso, a exibição, a posse, o domínio, o não
uso, a coleção, a manutenção, etc. Usamos a compreensão de Miller (1987), que define o
consumo como um processo pelo qual os objetos são apropriados e tornados significativos.
Nesse sentido, a etapa do consumo é composta por uma série de atividades que transformam a
condição do objeto estranho ao sujeito, de commoditie, para a condição de representante de
particularidades e símbolo de pertencimento investido de significados públicos e privados.
Buscamos evidenciar por que as entrevistadas não usam, deixaram de usar ou nunca
usaram os produtos e serviços adquiridos. Observamos, durante o campo, a existência de
diversas formas de convivência entre sujeito e objeto, que permitiram a construção da história
entre eles e que levará, posteriormente, aos sentimentos de posse e apego. Vimos que, durante
o consumo, as entrevistadas interagiam com os objetos adquiridos, passando a ter sobre eles o
sentimento de posse.
Segundo nossa pesquisa, nessa fase, as pessoas percebem as virtudes ou dificuldades do
uso do bem e têm experiências que vão transformar tanto o conceito inicial incorporado àquele
produto quanto sua representação social. Percebemos que as experiências vivenciadas pelas
entrevistadas com suas posses iniciam-se na pré-aquisição, passam pela aquisição, mas é no
consumo que elas convivem com suas aquisições, extraindo e dando a elas significados,
influenciados pela cultura na qual elas e os objetos estão inseridos.
No Quadro 14 mostramos que o conjunto de experiências vividas entre os sujeitos
entrevistados e seus objetos ajudam a explicar os caminhos que levam ao não uso. Para isso,
elencamos 14 fatores, surgidos durante o consumo do bem e revelados pelas entrevistadas, que
conduzem ao não uso. Nosso objetivo é explorar os motivos declarados pelas entrevistadas para
nunca terem usado ou deixado de usar produtos e serviços.
178
Quadro 14 – Fatores que levam ao não uso
Motivos Descrição Tipo de Objeto citado
1. Moda
Objetos tornam-se não usados, pois são percebidos
como fora de moda, porque não combinam com a
estação vigente ou porque possuem em
corte/caimento avaliado como ruim.
Roupas, sapatos, maquiagens
2. Ciclo de Vida
Os produtos não são usados por não combinarem com
a fase de vida atual das entrevistadas ou por
mudanças em seu estilo de vida.
Roupas, sapatos, livros,
móveis
3. Enjoou
Quando as coisas são usadas por um tempo, mas o
consumidor perde o interesse e o entusiasmo inicial e
deixa de usá-las.
Brinquedos, iogurteira,
roupas, sapatos, maquiagens.
4. Está velho Em virtude do uso demasiado ou da idade avançada
de alguns bens, eles deixam de ser usados. Roupas, sapatos, maquiagem.
5. Deixou de
servir
As entrevistadas indicaram que produtos e serviços
não são usados por não caberem nelas. Calças, vestidos, casacos
6. Rotina
As entrevistadas declaram que a dificuldade de
incorporar práticas exigidas pelos produtos à sua
rotina faz com que eles se tornem não usados.
Maquiagens, cremes,
eletrodomésticos,
eletrônicos, utensílios de
cozinha, produtos de beleza
7. Esquecimento
Alguns produtos não são usados em virtude de serem
esquecidos ou porque as entrevistadas nem sabiam
que tinham.
Molhos, esmaltes, roupas,
sapatos, bolsas, joias.
8. Desorganização
A falta de organização ou a má organização nos locais
de armazenamento de produtos são relatados como
causas do não uso.
Roupas, louças, máquina
fotográfica, maquiagens,
cremes.
9. Difícil de usar
Produtos que não são práticos, são difíceis de serem
usados ou que possuem substitutos mais simples,
deixam de ser usados.
Depilador, ferro portátil,
Máquina de lavar louça,
louças, taças.
10. Possibilidade
de estragar
Não se usam determinadas coisas para preservá-las e
com medo de que estraguem ou se desgastem. Sapatos, bolsas, louças, joias
11. Não funciona Bens que estragam, precisam de conserto ou deixam
de funcionar a contento tornam-se não usados.
Máquina de lavar roupa,
móveis, lustre, utensílios
domésticos, roupas
12. Dor Produtos que causam dor ou machucam não são
usados.
Sapatos, depilador, roupas
apertadas.
13. Contexto
específico
Coisas que devem ser usadas em contextos ou
ocasiões muito específicas acabam não sendo usadas.
Panelas, tintas, roupas de
festa
14. Tem muito
Algumas entrevistadas relataram que não usam
determinados produtos e serviços, pois têm muitas
opções de uso de coisa similares.
Roupas, sapatos, maquiagem,
utensílios domésticos.
Fonte: a autora.
179
O primeiro fator revelado pelas entrevistadas para não usarem roupas, sapatos e móveis
foi porque aqueles eram itens que tinham saído de moda. Caimento ultrapassado da peça, corte
antiquado, modelagem ultrapassada, cor, tipo de tecido, texturas ou detalhes desatualizados
foram citados como marcadores de época das peças. Usar coisas como essas seria uma forma
de declarar-se defasada em relação à moda. Dona mostra que tem dificuldade de não estar na
moda, mas também de se desfazer de peças que considera importantes.
Não é mais moda usar casado de couro longo, eu não vejo as pessoas usando e
eu tinha um de cada cor, aí eu dei todos para a minha irmã. Eu não vou usar,
porque ninguém usa mais e se eu aparecer no meu trabalho com um casaco de
couro longo, vão rir de mim, né?! Eu digo [para minha irmã], “mas não está na
moda!”. “Eu não uso moda. Eu uso o que eu gosto” [ela responde]. Eu gostaria
de ser assim, só que eu ainda me apego a moda. Não sou o que está no último
lançamento, porque eu não estou mais comprando e gastando, mas antes eu era.
Saiu nas revistas e se está nas lojas eu tinha que ter. Só que ainda eu tenho
algumas peças que eu guardo como, por exemplo, três casados de couro longo
que eu não me desfaço, não me pergunta porque, porque eu acho que eu sou
também uma acumuladora (Dona, 42 anos).
A preocupação em estar na moda foi destacada por algumas entrevistadas. Seguir as
tendências, estar atualizada, ser vista como alguém que conhece e reconhece o que está
acontecendo em torno de si foram destaques nas falas das entrevistadas. McCracken (2003) fala
sobre o uso do vestuário como ferramenta de expressão constrangida, ou seja, não há liberdade
de escolha sobre o que vestir, dado que essas escolhas são pré-fabricadas. Uma vez que quem
veste não tem liberdade de escolha, o autor afirma que o intérprete examina a roupa vestida por
meio de regras definidas pela convenção social.
Dona percebe essa restrição de escolha quando fala que não pode “aparecer com isso no
trabalho, pois vão rir de mim”. A entrevistada percebe que há categorias culturais essenciais,
que devem ser respeitadas a fim de ser reconhecida como alguém que “está na moda”. O não
uso nesse caso ocorre porque ela deixou de usar seus casacos, considerados ultrapassados.
Nesse discurso, as entrevistadas também revelam que seus objetos passam a ser não usados,
pois não combinam com as cores ou modelos da estação atual. Podemos perceber que o fator
“estar na moda” contribui de diferentes formas para que objetos se tornem não usados.
Esse [esmalte] laranja que vai usar no verão e no verão não está mais na moda
e você nunca leva na bolsa e não joga fora (Tata, 38 anos).
Passou duas estações e eu não uso esse blusão, eu não vou mais usar. Tem
alguns que eu realmente me apego, mas tem uns que são uma ou duas estações,
inverno passado eu já não usei, não vou usar, pronto (Bibi, 34 anos).
180
Caracterizamos que o não uso ocorre porque coisas são vistas como fora de moda, mas
também porque não fazem mais parte do momento de vida das informantes. Segundo as
entrevistas, as fases da vida parecem despertar diferentes vontades, necessidades e desejos, que
exigem bens que se adequem as mudanças. Nossas informantes relataram que produtos e
serviços deixaram de ser usados, pois não faziam mais parte de sua fase atual de vida:
Quando eu morava com a minha mãe, eu tinha muita roupa dessa categoria de
ficar em casa, porque até uma idade eu não fazia nada, só ficava em casa, só
usava roupa de ficar em casa. De um tempo para cá eu só uso roupa de
trabalhar. Então não tem mais porque usar blusa branca de propaganda de
curso de inglês, propaganda de supermercado, não tem mais porque, né?! (Tati,
24 anos).
As blusas promocionais foram abandonadas por Tati, pois não combinavam mais com
seu momento de vida, que exige “roupa de trabalhar”. O trabalho surgiu como um importante
fator de mudança de vida durante a pesquisa, exigindo um novo padrão de consumo das
entrevistadas. Algumas precisam adotar um estilo mais sóbrio para adequar-se ou ambiente
profissional, enquanto outras deixaram de usar salto alto, pois não precisam “se arrumar” para
o trabalho. Esse é o caso de Gica, de 31 anos, que trabalha como professora do Ensino
Fundamental.
Eu pensei no seu salto assim, eu usava, agora eu não uso mais, mais do que ciclo
de estações, mas fases da vida. Isso, pra mim, não funciona muito. Primeiro
porque eu não mudo muito o corpo. Então eu tenho roupa de 10 atrás que eu
não uso, e o meu trabalho não é um trabalho arrumado. Então assim eu posso
perfeitamente trabalhar com uma roupa que eu usava na faculdade, quando eu
tinha 20 anos, 21. Mas não combina mais comigo. Tem muito isso, eu acho que
nosso estilo muda muito (Gica, 31 anos).
Apesar do seu “corpo não mudar muito”, a entrevistada não usa mais algumas roupas,
pois “não combinam mais” com ela. Kleine, Kleine e Allen (1995) já haviam apontado em sua
pesquisa a existência posses chamadas “It’s Not Me Anymore”, vistas por seus entrevistados
como “não sou eu agora” e “não representa quem eu estou me tornando”. Tal como na pesquisa
de Kleine, Kleine e Allen (1995), algumas entrevistadas afirmaram que esses bens não se
encaixam em sua autoimagem atual ou não são uma declaração de quem elas querem ser.
A sensação de que algumas posses não “cabem” na fase de vida atual se evidenciou na
fala de algumas entrevistadas que tinha se tornado mães. A maternidade fez com que elas
passassem a não usar determinados produtos ou mudassem seu estilo de vida de se vestir,
tornando algumas coisas não mais usadas. Além da maternidade, elas falaram de outros
momentos como começar a trabalhar, mudar de cidade ou de endereço, casar ou entrar na
181
faculdade como fatos que modificaram suas vidas as levaram a não mais usar determinados
bens.
Não [tenho sapatos que nunca usei]. Sapato não, porque normalmente sou eu
quem compro. Já usei, todos eles eu já usei, mas tem uns que eu uso bem menos
porque não combina muito com as coisas, só isso.
Entrevistadora: Com o momento de vida?
É. Tem uns que são salto alto, e antes eu usava mais, agora que está mais
limitado a quantidade de sapatos que eu uso porque correr atrás de crianças
nas festas de salto alto é complicado (Luca, 36 anos).
Há alguns anos atrás eu tinha um jeito de me vestir, meu estilo de me vestir
sempre foi muito diferente cada dia, cada época e cada temporada, mas a algum
tempo atrás eu estava muito vinculada com uma coisa meio que dos anos 50,
tanto nas modelagens, tecido e tal, e comportamentais. No momento que meu
comportamento se modifica por alguma coisa... Agora sou mãe, antes não era,
e isso faz com que a gente se modifique, e eu acho que essa transformação, o
jeito da gente se vestir está totalmente correlacionado. Acho que tem a ver com
isso, quando a coisa já não te representa mais (Dani, 40 anos).
Quando Dani afirma que “a coisa já não te representa mais”, está deixando claro que
eventos importantes são como marcos na vida. Tais eventos alteraram o relacionamento das
entrevistadas com seus bens, modificando suas prioridades. Podemos perceber que à medida
que as entrevistadas avançaram em seus estágios de vida, observaram-se significativas
mudanças em seus gostos, como relata Manu, de 37 anos.
Eu acho que tem roupas, tem estilos de roupa que tem épocas que você gosta
mais e tem época que não gosta mais. Por exemplo, mesmo depois de ter vindo
para cá [para sua casa na Barra da Tijuca], eu tinha acabado de fazer a seleção
das roupas que eu queria. Eu cheguei aqui e vi acho que umas duas ou três
blusas que eu falei, isso aqui eu nunca mais usei e nem sei mais como usar.
As mudanças ao longo da vida de nossas entrevistadas apontam as alterações em relação
aos bens. Os bens “nunca mais usados” parecem se afastar do self, de forma que elas “nem
sabem mais como usar”. Apesar de não combinar mais com sua fase de vida, tais bens são
mantidos pelas entrevistadas, que os guardam.
As alterações no ciclo de vida de nossas entrevistadas, fez com que elas relatassem
enjoar de algumas de suas coisas e por isso deixassem de usá-las. McCracken (2003) aponta os
sistemas de moda e propaganda como responsáveis pelo deslocamento do significado do mundo
culturalmente constituído para os produtos de consumo, o que gera, a cada deslocamento
proporcionado pela moda, uma nova atribuição de significados para os produtos. Esse sistema
parece fazer com que as entrevistadas anseiem por bens com as novas características “da moda”.
182
As posses já adquiridas acabam sendo afetadas pelo novo padrão da moda, pois não se
enquadram mais nos moldes estabelecidos para aquele momento, levando ao não uso.
A influência da moda também pode englobar outro ponto citado nas entrevistas como
razão para não usar: o ato de enjoar das coisas. Nas entrevistas, o enjoo apareceu associado às
coisas que tinham sido usadas frequentemente ou que foram substituídas por peças novas, como
mostram os depoimentos a seguir:
[Uma peça é considerada não usada] quando não serve ou, assim, às vezes
muda a estação e na outra tu já não gosta mais daquilo. Tem isso também né?
Por exemplo, comprou uma roupa de inverno, usou aí entra verão, no próximo
inverno não é mais moda... Não chega não ser moda, porque eu não sou tão
assim, eu gosto do que te veste bem, mas tu enjoou ou tu não te encanta mais
com aquilo. Tu não gosta mais tanto quanto tu gostava (Mana, 27 anos).
Minha vida é enjoar das roupas. Às vezes eu estou com 30 roupas para sair e eu
falo para minha mãe que eu não tenho roupa nenhuma. Eu falo: “mãe, pelo
amor de Deus, eu não aguento mais olhar para cara dessa roupa”.
Entrevistador: E o que você faz? Você para de usar?
Eu dou uma encostada nela e vou usando o que eu tenho (Lala, 21 anos).
As entrevistadas mostram a atuação da moda sobre suas escolhas e sobre o julgamento
do que pode ser usado ou não. Em seu discurso, percebe-se que o deslocamento de significado
constante da cultura para o bem, canalizado pelos sistemas de moda e propaganda, faz com que
deem prioridade aos itens novos. Coisas que não “encantam” ou que “enjoam” são aquelas que
não possuem elementos que as caracterizam como produtos atuais. Coisas muito usadas
também foram descritas como enjoos, como fala Ruth.
Acho que a iogurteira vou usar ainda uma hora. Porque foi uma fase assim,
acho que comi muito iogurte natural e enjoei. Tudo que é demais e muito fácil
te enjoa.
No caso de Ruth, o excesso de uso levou ao não uso, pois a entrevistada enjoou daquilo.
Esse também é o caso da história de Analu, que conta que peças das quais ela enjoou, por
estarem desgastadas, tornaram-se não usadas.
Eu não sei, às vezes eu compro uma blusa que é de um estilo que eu acho legal
e depois que eu uso tantas vezes ela se desgasta, tipo essa blusa eu comprei
estava na moda, eu acho bonitinha mas hoje em dia eu uso pra ficar em casa,
enjoei (Analu, 24 anos).
Pati, por outro lado, mostra outro aspecto do não uso: ela compra coisas que depois não
consegue combinar ou usar da mesma forma que viu na loja.
183
Bom já aconteceu de comprar a roupa e na loja fica lindo e maravilhoso, chegar
em casa olhar e enjoar da roupa. Comprei usei uma vez e enjoei da roupa, achei
que não ficou legal, na loja eu achei que ficou de um jeito e na hora que eu
usei... Sempre tem os truques das vendedoras, elas sempre dão uma ajeitadinha
no cinto e quando chega em casa nunca consegue deixar igual (Pati, 21 anos).
Nesse caso, o não uso da roupa, da qual ela afirma que enjoou, foi desencadeado pela
aquisição e pelo desejo de ter bens da “moda”. Outro aspecto apontado pelas entrevistadas para
o não usar itens de vestuário foi usar uma peça diversas vezes e parar de usá-la pelo fato de
todos já terem visto a pessoa com aquela peça. Uma citação interessante que representa bem
esse incômodo de usar algo que seja reconhecido foi feita pela Fer, que diz:
O maior problema hoje em dia, o maior vilão, é o Facebook, eu acho. Quando
eu saio para algum lugar, eu posto foto minha com um vestido, penso: quando
eu vou poder sair com o vestido de novo? Postar uma foto minha com o vestido
de novo. Não posso repetir, vão pensar que eu só tenho esse vestido (Fer, 25
anos).
Estar velho foi outro motivo descrito pelas entrevistadas para não usar suas coisas. Peças
rasgadas, desbotadas, com bolinhas e outros sinais físicos de desgaste deixam de ser usadas.
[A roupa está velha] quando ela dá bolinha, quando ela rasga. Isso tem muito
a ver com sapato assim, eu odeio sapato velho. Quando o sapato era dourado e
começou ficar com aquela cor assim meio sabe que ninguém sabe o que é... Meio
bronze. Assim, putz, isso é um sapato velho. Aí, quando ele começa ficar com a
marca no calcanhar preto, assim, eu não gosto mais de usar (Cela, 21 anos).
Para Manu, as bolsas que vão ficando velhas deixam de ser usadas, pois não combinam
mais com ela.
Bolsa eu compro, mas tenho um monte. Eu fui adquirindo ao longo do tempo,
não ficam velhas. As que ficaram velhas eu não uso. As vezes compro uma nova
tendo uma antiga porque não quero usar aquela antiga porque não faz muito
meu estilo agora (Manu, 37 anos).
O critério usado pelas entrevistadas para determinar o que é uma peça velha foi
subjetivo. Para umas, o velho é ruim, como para Manu e suas bolsas, enquanto, para outras, ser
velho é bom, como para Bibi.
As vezes tu está com uma coisa velha, tu sabe que já deveria substituir, mas tu
não consegue porque tu sabe que vai se arrepender e tu não vai conseguir uma
igual àquela, que é mais prática, enfim (Bibi, 34 anos).
O processo de envelhecimento das peças citadas pelas entrevistadas ocorre não só pelo
tempo passado com elas, mas também pelo uso intenso. Mila, nos conta que as roupas mais
novas são mais usadas, até que ficam velhas e vão para o fundo do armário.
184
Mas eu estava pensando na própria peça assim tipo essa é mais nova, essa é
mais velha, essa eu uso menos, então ela já é mais assim... Tadinha está lá no
cantinho. No meu armário é o que eu falei assim as blusas mais velhas acabam
ficando muito mais tempo no armário. As novas eu uso até acabar, aí vai ficando
lá e dependendo da ocasião eu vou usando. Tem roupa que você fica apaixonada
assim de momento aí vai lava, passa, usou. Sempre assim (Mila, 20 anos).
Diversas vezes as entrevistadas nos contaram que deixaram de usar roupas porque elas
deixaram de servir.
Eu tenho um short que eu não uso mais porque não cabe mais em mim, mas foi
um short que eu estava usando quando meu primeiro namorado pediu para eu
namorar com ele. Ele está guardado. Eu adorava aquele short, enfim, ele está
guardado (Nina, 22 anos)
Em sua entrevista Nina, nos contou que engordou 30 quilos entre o final da escola e o
início da faculdade. A história do short a fez recordar um momento especial de sua vida. Apesar
de não usar mais, a roupa está “guardada”, pois ela “adorava aquele short”, e os acontecimentos
vividos com ele. Mina, de 26 anos, contou-nos sobre o “pensamento de gordinha” e o de “gente
muito magra”, que consiste em comprar roupas com a esperança de que um dia irá caber e
poderá usá-las. Enquanto isso não acontece, a peça segue sendo não usada.
É pensamento de gordinha [manter coisas não usadas], “vou caber de novo
naquela calça”, ou então de gente muito magra, o extremo. Eu tenho uma amiga
que ela é muito magra e ela fala, “eu vou engordar pra caber nessa calça”
(Mina, 26 anos).
O “pensamento de gordinha” também foi relatado por Nina:
Tá um pouquinho apertada, mas eu vou chegar lá. E aí, não chego e nunca usei
(Nina, 22 anos).
Lala, por sua vez, contou-nos que é magra demais e que as roupas caem. Mas nem por
isso ela se desfaz da peça.
Cheguei a achar a blusa bonita. Daí colocava e ela ficava grande. Aí puxava a
alça para tentar dar um pontinho atrás, mas ficava muito reta na frente. Era
horrível, não deu pra usar, mas tá guardada (Lala, 21 anos).
O relato de nossas entrevistadas sobre guardar roupas que um dia poderão ser usadas
mostrou-se fundamental para o entendimento do não uso. Fizemos uma relação entre a
manutenção dessas roupas pelas pesquisadas com o conceito de deslocamento de significado
de McCraken (2003), segundo o qual os bens de consumo criam pontes que dão acesso a um
futuro idealizado. O autor afirma que os bens possuem o poder de evocar o futuro, de forma a
ser visto por quem os têm como uma parte da ponte para o eu desejado: eles são o começo do
caminho. Em nossa pesquisa, essa ponte imaginária evidenciou-se no relato das entrevistadas,
185
que reiteradamente afirmaram que a manutenção de coisas que poderão um dia ser usadas serve
como uma antecipação do futuro. Para elas, a antecipação do futuro ocorre pela posse atual do
bem, que não precisa ser usado para mostrar a acessibilidade do self projetado. O bem é
guardado, pois faz parte de um plano que conduz a uma aquisição maior, como pode ser visto
na entrevista de Mana:
Eu me mudei o ano passado, então consegui tirar algumas coisas, mas eu sou
uma pessoa que guardo muita coisa. Por exemplo, na história da Maria
[projetiva] eu falei de roupas, porque, assim, têm roupas que eu estou passando
para a minha irmã, ela tem doze anos e eu guardei isso. Óbvio que eu nunca vou
usar [as roupas guardadas], mas eu fico pensando assim se um dia eu quiser e
não estiver no meu armário eu vou ficar brava. Então têm coisas que assim eu
tirei de circulação do dia-a-dia, botei em caixas e estão em cima do armário
guardadas. Que hoje em dia não cabem mais, mas eu acho que um dia vai.
Certamente quando acontecer esse dia eu não vou mais querer elas. Eu tenho
essa consciência (Mana, 27 anos).
Outro fator citado na pesquisa como causador de não uso foi a dificuldade de
incorporação à rotina das entrevistadas. Alguns produtos adquiridos pelas entrevistadas exigem
delas mudanças em suas rotinas diárias. Para inseri-los em seu cotidiano, é preciso absorver
novos hábitos, o que parece ser um dos motivos de não os usar. Sassá, de 34 anos, contou,
durante o grupo focal, que introduzir o hábito de passar creme a “cansa muito”.
Eu canso, eu canso da rotina, por exemplo, a hora de passar o creme todos os
dias à noite, aí eu começo passando todos os dias à noite, um dia eu esqueço,
um dia eu não quero mais, um dia eu estou de saco cheio, um dia eu já deitei
quando eu lembro, ah, eu já deitei eu não vou passar mais não, e eu canso, eu
canso muito (Sassá, 34 anos).
Uma coisa se torna não usada quando pode ser substituída por outra que faz sua função
disseram as entrevistadas. Tata contou-nos que algumas coisas já nascem substituídas, ou seja,
quando são compradas exigirão mudanças de rotina ou hábitos do proprietário, que se imagina
usando tal objeto. Ocorre que o novo processo e a exigência de sua incorporação aos hábitos
podem ser tão difíceis que o indivíduo simplesmente não usa o produto. Tata falou sobre a
dificuldade de usar um aparelho de depilação, que, segundo ela, torna o processo de se depilar
mais difícil do que ir ao salão. Nesse caso, a informante alega que esse tipo de produto já nasceu
substituído, mostrando que não foi incorporado à sua rotina. O mesmo se aplica à sua cafeteira
de pressão. Tata relata que é tão mais fácil passar café na cafeteira convencional, que desiste de
usar outro método, deixando os produtos comprados para esse fim sem uso.
Por exemplo o que substitui ou ela já nasceu substituída. Aquela cafeteira de
pressão não sei se quando comprei eu tinha uma cafeteira elétrica, mais alguma
outra coisa...o Depiroll eu tinha o hábito de fazer depilação na depiladora, mas
186
aquilo é uma tentativa de substituir o hábito. Como me deu mais trabalho, ele
foi substituído pelo hábito antigo e acabei deixando de lado (Tata, 38 anos).
Os produtos aos quais as entrevistadas se referem quando alegam que não conseguiram
incorporá-los à sua rotina foram bastante variados, mas em comum eles têm a necessidade de
fazê-las modificar seus hábitos. Mudanças podem ser bastante difíceis de serem implementadas,
segundo nos contaram as entrevistadas, de forma que bens que demandam essas mudanças
costumam ser “deixados de lado”. Para Ju, de 20 anos, o processo de tirar a maquiagem faz
com que ela desistisse de usar os produtos. Ela se mostra culpada por não seguir todos os passos
exigidos de seus produtos de limpeza facial e se aflige por não os usar “corretamente”. O
processo de demaquilar-se parece difícil e penoso, pois ela precisa “ficar esfregando 30 horas”,
temendo “tirar todos os seus cílios”:
Poxa, tenho que usar vocês [maquiagens]. Eu olho as caixinhas e falo “tenho
que usar vocês”, acabo que nas férias eu acabo usando mais, por estar
descansada. Então tenho mais tempo para me maquiar, para qualquer coisa que
vai sair, você acaba se maquiando porque o problema de usar maquiagem, é
que eu sou muito preguiçosa gente. O problema de usar maquiagem, não é botar
maquiagem. Eu creio que a parte de botar maquiagem e se maquiar é muito
legal, o negócio é tirar a maquiagem, que é um saco, porque olha só, eu tenho
os três passos da Clinic. Então você tem que lavar o rosto de manhã e de noite,
confesso que algumas vezes eu só lavo de manhã, outras só lavo de noite, tanto
faz, tem que lavar as duas vezes, eu lavo só uma. E o processo para maquiagem
é exatamente... Você fica, você passa a mesma quantidade de tempo se
maquiando e você passa tirando a maquiagem, tem vez que o rímel está tão
pesado que você fica esfregando 30 horas, parece que vai tirar todos os seus
cílios e ainda não saiu (Ju, 20 anos).
Para Ju, é preciso estar “descansada” para ter vontade de usar suas maquiagens, que
exigirão um processo longo e sofrido de demaquilagem. Tal dificuldade pode ocasionar um
sentimento de arrependimento por manter coisas usadas, como nos contou Lia, de 28 anos.
[As coisas que tenho e não uso] são... Depende muito, porque se for alguma
coisa que eu queria fazer e deixei de fazer, quando olho pra aquela coisa eu
lembro que queria fazer e não fiz e me sinto mal por não ter feito. Aquelas roupas
que estavam ali pra doar eu não doava nunca, ficava um ano e me incomodava
muito e eu olhava pra elas e “tenho que fazer isso”. Mas era o negócio de
procrastinar, eu não fazia e ia deixando ali. Acho que é meio isso, dependendo
do caso é um incômodo de ter alguma coisa que você não usa, quer se desfazer,
sabe que tem de desfazer e continua com aquilo. É chato, dependendo do que é.
Ou você quer fazer, sabe que tem aquilo pra fazer, está ali, gostaria de fazer e
não faz e vai deixando pra outra hora (Lia, 28 anos).
A vontade de fazer e não conseguir ocasiona um mal-estar em Lia com seus não usos.
Ela relaciona a procrastinação à dificuldade em “fazer alguma coisa” com os bens não usados.
Percebemos que diversos não usos decorrem desses sentimentos de impotência frente aos
187
produtos, que possuem vida para as entrevistadas. Ju contou que olha para suas maquiagens e
diz a elas que “tem que usar”, enquanto Lia sugere seu “incômodo” com a incapacidade de agir
frente a suas posses não usadas. Em ambos os casos, parece haver um poder – quase místico,
como relataram Fernandez e Lastovicka (2011) – dos bens sobre as entrevistadas, o que as faz
ter pena ou temê-los.
A capacidade de atrair e atemorizar é indicada por Belk, Wallendorf e Sherry (1989)
como uma das propriedades do sagrado, chamada de cratofania. Não fica claro em nossa
pesquisa se todos os bens não usados possuem tais características, mas, na fala de Ju e de Lia,
pode-se perceber sinais do sagrado. Para Ju, suas maquiagens parecem se aproximar do sagrado,
pois são reverenciadas como entidades. Para Lia, as coisas separadas para doação também
possuem aspectos sacralizados, pois cobram dela uma atenção especial. A culpa das
entrevistadas por não terem tempo de inserir rituais relacionados a esses bens em suas rotinas,
pode evidenciar que esses bens são comuns. Eles cobram delas novos modos, ações e posturas,
pelas quais elas se penalizam por não conseguirem atender plenamente. O não uso parece,
assim, ser causador de sofrimento para essas mulheres.
A obrigação de mudar a rotina para incorporar novos hábitos também aparece na fala
de Bia, de 19 anos. Para essa entrevistada, a exigência de uma nova rotina também não é viável,
pois ela “esquece” que tem os produtos ou esquece de usá-los.
Eu tenho uma [base com protetor solar], mas não uso. Eu comprei um creme
pra passar de manhã outro a noite, não passo, eu esqueço. Demaquilante, essas
coisas eu às vezes uso, mas não uso nada dessas coisas.
Entrevistador: Mas você acha que demora muito?
Eu nem chego a pensar tipo não vou usar, eu compro na hora e não uso. (Bia,
19 anos).
Tem muitos produtos, tipo creme e essas coisas, que eu acabo esquecendo que
eu tenho e comprando outros, daí quando eu vejo tem mil. Eu começo a usar e
geralmente esqueço que eles existem, talco, creme de corpo e diversas coisas,
óleo, enfim (Mara, 27 anos).
“Esquecer de usar” foi apontado pelas entrevistadas como motivo para não usar, de
forma que o não uso foi associado como consequência do esquecimento. As entrevistadas
contaram que alguns de seus produtos ficam “atirados” e são esquecidos.
Com certeza eu usaria [se lembrasse]. Até porque você não lembra de tudo que
você compra, tem coisas que você compra por impulso e tem esse negócio, você
vai numa loja e a vendedora te empurra coisas. Você leva uma bolsa pra
combinar com um sapato que a mulher te mostrou e leva uma tiara... Essas
coisas assim. Você não lembra. Eu uso uma vez e não lembro e fica esquecido
no seu armário (Analu, 24 anos).
188
“Se lembrasse” Analu usaria, mas o esquecimento – das coisas que foram compradas e
de coisas possuídas – parece levar ao não uso. Parafraseando o ditado popular que diz que
“quem não é visto, não é lembrado”, nossas entrevistadas apontam que quem não é visto não é
usado. O não uso mostra-se como consequência das práticas e rituais de arrumação, que,
segundo McCracken (2003), precisam ser repetidamente desempenhados para que se possa
extrair significado dos bens. O processo contínuo de transferência de significado dos bens para
os consumidores exige que as entrevistadas estejam em contato com suas posses, caso contrário
elas são esquecidas e candidatas ao descarte. Mara nos contou que até começa a usar, mas não
termina, pois esquece dos produtos.
Uma questão de validade [das maquiagens] também, de não pegar umidade,
aquelas coisas de guardar em lugares fechados que recomendam, e para não
ficar atirado, porque são coisas pequenas, não teria como ficar exposto ao ar.
Já os livros estão [expostos], porque eles são maiores, é por uma questão de
tamanho.
Entrevistadora: E essas coisas, tu já usou elas em algum momento?
Sim, todas. Eu uso tudo praticamente, mas aí eu esqueço e não termino. Mas eu
uso sim (Mara, 27 anos).
Mara tenta criar algum tipo de organização para suas coisas, de forma a melhorar a
exposição e preservar a qualidade dos produtos. Os rituais de arrumação aos quais ela submete
suas posses indica que é necessário investir tempo nos bens para que eles tenham vida. No
entanto, parece que, associado ao esquecimento e à dificuldade de incorporar novos hábitos à
rotina, está a desorganização. As entrevistadas apontaram que não usam algumas coisas, pois
não as encontram em seus locais de armazenamento. Essas coisas estão tão atrapalhadas e
desordenadas que acabam não sendo usadas. A “bagunça” de peças e dos locais onde as coisas
são guardadas foi apontada como uma das causas de produtos tornarem-se não usados. Cela,
uma de nossas entrevistadas na Fase 2 da pesquisa, revela sua dificuldade em lidar com a
“bagunça” em seu armário, o que leva algumas de suas roupas a serem não usadas
Eu sozinha acho que tenho muita roupa. Se você abrir o meu armário a roupa
cai em cima de você, porque é tudo uma bagunça. Eu divido o armário com
minha irmã, então é roupa dela, é roupa minha... A gente não sabe mais como
organizar, é tudo uma zona. Com isso as roupas vão se perdendo lá dentro e eu
acabo não usando. As vezes eu vejo uma roupa com etiqueta e pergunto pra
minha irmã: foi você quem comprou? Porque ela gosta de comprar e esperar
pra usar, aí vai esquecendo no meio do armário (Cela, 21 anos).
As fotos da Figura 10 mostram a “organização” de Cela. Seu quarto, dividido com a
irmã dois anos mais nova, era pequeno e o armário ocupava praticamente toda extensão de uma
das paredes. Havia muitas roupas, que estavam desordenadas e misturadas com sapatos. Parecia
realmente difícil achar alguma coisa ali, o que justificava seu discurso.
189
Figura 10 – Armário de Cela
Fonte: a autora.
O não uso também foi relacionado como decorrente do medo de estragar ou de que o
produto acabe. Isso faz com que os bens sejam guardados e não usados, como mostram os
depoimentos a seguir:
Eu tenho pena [de usar]. Como é que eu vou trabalhar, bater ele, estragar
dirigindo e o bico comido atrás? E eu paguei quinhentos euros! Mas ao mesmo
tempo paguei por ele, ele é meu, eu tenho que usar, mas só que ele está guardado
e aí eu esqueço de usar (Dona, 42 anos).
Sim, eu não uso alguns [esmaltes]. Essa aqui... Esse... Porque se você vê tá todo
escrito. Era de uma amiga minha, que era minha amiga em Cingapura. Eu
guardo como recordação, não dá pra usar (Tan, 21 anos).
Os sapatos caros de Dona não são usados, pois podem estragar, enquanto e os esmaltes
de Tan são guardados como recordações. Em ambos os casos, a sensação de que os produtos
podem acabar ou estragar os tornam não usados. Na fala de ambas, fica subentendido que esses
são bens especiais demais e não podem se misturar com os outros. A mesma sensação foi
descrita por Lu, quando nos contou sobre um sapato comprado para ir a uma festa.
Tem um sapato que eu comprei pra ir à ESPM in Gala e o sapato é lindo
maravilhoso, é aquele sapato que você tem que pisar seco para não estragar, eu
não tenho coragem de dar ele mas eu o guardo todo empacotado, eu usei uma
ou duas vezes e nunca mais (Lu, 22 anos).
Coisas que machucam e causam dor também foram citadas pelas entrevistadas como
não usadas.
Essa bota nunca foi usada. Eu sempre gostei de cano alto e bico fino, e é muito
difícil de encontrar, então quando eu comprei uma, eu já comprei a outra, só
que a outra eu estou usando ainda. Esse sapato eu comprei para o desfile do
TCC, mas eu não uso. Ele machuca o pé (Dora, 26 anos).
A bota de Dora está indicada com o número 1, na Figura 11; e o sapato que machuca,
com o número 2.
190
Figura 11 – Não Usos de Dora
Fonte: a autora.
Coisas que deixaram de funcionar ou que precisam de conserto também foram
apontadas como não usadas. Os itens citados pelas entrevistadas precisam ser reformados,
levados à costureira para ajustes, como pregar um botão ou fazer bainha. Nesses casos, as
entrevistadas apontavam a vontade de arrumar ou reparar as coisas, mas como não faziam, as
coisas ficavam sem uso.
Eu também acho, só que a gola dele já está toda detonada. O que eu quero fazer,
e por isso ele está guardado aqui? A ideia é levar numa costureira que faça a
volta da gola, só que é muito difícil fazer isso nessa peça, porque ela tem um
fechamento diferente (Duda, 40 anos).
Eu já comprei uma roupa que o fechecler estava ruim então eu comprei com um
super desconto. Você foi consertar o zíper? Nem eu. Eu não fui. Está até hoje
dentro do carro da minha mãe lá trancado dentro de uma sacola (Cela, 21 anos).
Ruth nos contou sobre a dificuldade em encontrar mão de obra especializada para
consertar dois lustres que estavam sobre a mesa da sala de jantar, segundo ela, há meses.
Aqueles dois lustres ali são lindos, um estava aqui e o outro na sala, aí eu tirei
para limpar, limpei e já está sujo de novo. O problema é que tu não arruma um
eletricista pra botar nada, com esse bum da construção, pedreiro, eles vinham
e queriam cobrar uma fortuna, então deixa. Agora vou arrumar, limpar, trocar
as lâmpadas, botar lâmpada de led, coisa mais moderna.
191
Algumas coisas foram relatadas pelas entrevistadas como não usadas por falta de
ocasião, oportunidade ou momento. Existem bens que exigem ocasiões especiais, como um
vestido de noiva ou de festa. Outros demandam que haja uma temperatura adequada, por
exemplo. As entrevistadas do Rio de Janeiro contaram que não usam suas roupas quentes – de
frio –, pois na cidade faz muito calor.
Tem várias, eu tenho mania de usar uma roupa sempre, tem roupas de frio de
manga comprida que dá nervoso, me dá nervoso, é o calor que eu fico toda
esculachada porque eu tenho medo de sentir calor e passar mal na rua. Tem
umas roupas de frio que eu gostaria muito de usar como jaqueta coisas assim e
não tem ocasião nem no frio (Analu, 24 anos).
Maquiagens e artigos de festa também acabam deixando de ser usados em virtude da
falta de uma ocasião especial. Durante a entrevista de Mara, de 27 anos, ela nos mostrou, na
Figura 12, as sombras que não são usadas no dia a dia, pois são consideradas muito arrumadas.
Ela também nos contou sobre seus saltos e sobre quando as sombras devem ser utilizadas.
Sapato, salto mofa dentro do meu guarda roupa. Uma coisa que eu realmente
não uso no meu dia-a-dia, só em casos especiais, festa e coisas assim, então é
um objeto que eu não uso muito, quer dizer, eu uso mas... Enfim. Eu adoro
maquiagem, tenho muita maquiagem, e eu não uso grande parte delas porque é
muita coisa, então eu utilizo aquelas do dia-a-dia e uma parte eu deixo... [...]
Têm as [sombras] que nunca foram para serem usadas no dia-a-dia. Tem umas
que foram compradas justamente para serem usadas em ocasiões especiais, tipo
sombras. A não ser que eu seja muito fashion, que não é o meu caso, porque eu
gosto de ser mais básica. Essas eu nunca usei (Mara, 27 anos).
Figura 12 – Sombras não usadas de Mara.
Fonte: a autora.
Outros motivos alegados pelas entrevistadas para não usar suas coisas foram
dificuldades ou problemas relativos ao uso. Roupas muito apertadas ou soltas, coisas
desconfortáveis ou pouco práticas foram deixadas de lado, pois eram difíceis de lidar.
192
Coisas que faz tempo que eu não uso. Tem coisas que as vezes tu ganha, que
está com etiqueta porque nunca usou. Já aconteceu, muito raro, mas já
aconteceu de deixar com etiqueta e nunca usar. Mas a maioria é “usei uma vez,
não achei confortável, gola muito alta fica me apertando” ou muito justo, e você
vai mudando os gostos também. Tinha época que eu usava coisas mais justas,
agora eu não gosto mais tanto (Luca, 36 anos).
Diferentemente da rotina, quando as entrevistadas contavam que não conseguiam
adaptar os produtos ao seu dia a dia, as dificuldades de uso estão relacionadas a produtos e
serviços difíceis de serem manuseados, manipulados, de se operar ou usar. Ruth nos contou
sobre alguns eletrodomésticos que ela não usa, pois acha mais fácil fazer as coisas sem eles.
Faca elétrica, para quê? Nunca tu vai usar uma faca elétrica. Máquina de lavar
louça ali, é só eu e o Mário [filho]. Tu vê que eu vou botar tudo dentro da
máquina, depois tiro, então já lavo e guardo. Já é muito mais prático, não é?
Ter que ficar botando tudo lá dentro. [...] Aquele picador de legumes. Não é
prático! O simples é o bom! Tu pega uma faquinha e corta as coisas.
Entrevistadora: É mais difícil do que o convencional.
Agora então, com a tecnologia, está louco! A pior coisa que tem é a gente pegar
um telefone cheio de recursos, para quê? Tem que ser só o liga e desliga e com
as teclas bem grandes ainda.
Entrevistadora: Vou pegar o exemplo da esteira que a senhora diz que comprou
há pouco tempo, quando a senhora comprou a senhora imaginava que ia
comprar e...
Enquanto vejo televisão daí vou fazer uma esteirinha. Não vou na academia só
para fazer esteira, vou fazer em casa. Mas aí, por exemplo, botei o Netflix. Se
tiver um feriado ou qualquer coisa, tem legenda, tu não vai ficar pedalando e
olhando a legenda. Tu tem que estar sentada, quietinha. Tu nunca vai fazer
esteira. Não tem jeito.
O exemplo da esteira de Ruth mostra que as dificuldades relativas ao uso podem tornar
não usadas mesmo as posses mais desejadas. Nesse sentido, evidenciamos que as etapas de pré-
aquisição, aquisição e consumo exercem diferentes influências sobre o não uso. Ruth planejava
usar a esteira em casa, pensava que essa seria a solução para sua dificuldade em fazer exercícios.
Contudo, o uso do produto mostrou-lhe dificuldades e aspectos tão distintos daqueles
imaginados por ela na etapa de pré-aquisição, que o produto acabou não sendo mais utilizado.
A Figura 13 mostra a esteira de Ruth depositada em um canto da sala de estar, depois de ter
sido usada poucas vezes.
193
Figura 13 – Esteira não usada de Ruth.
Fonte: a autora.
Tata trouxe, durante a entrevista, uma perspectiva diferente sobre a dificuldade de usar
suas coisas. A entrevistada nos contou sobre a angústia que sentia por não conseguir usar
serviços oferecidos por seu banco ou pela empresa que administra o condomínio de seu prédio.
Segundo ela, há alguns serviços incorporados nessas despesas, mas ela não tem certeza de quais
são eles e nem mesmo como acessá-los, caso precise. Para a entrevistada, é mais fácil usar os
meios tradicionais e, eventualmente, até mesmo pagar novamente por serviços que já estariam
inclusos na anuidade do cartão de crédito, por exemplo, do que buscar informações sobre como
usar esses serviços.
O que me angustia além das coisas físicas é do não uso das coisas existentes de
tecnologia. Por exemplo não tenho certeza se no condomínio que pago tem um
serviço que não estou usando. O seguro. Não tenho certeza se estou...é muito
angustiante. Às vezes estragou a mangueira do gás. Será que isso está no seguro
do meu carro? Ou às vezes até cartão. A gente sempre faz seguro saúde pra
viajar. Será que não está no cartão? Não precisaria pagar porque o cartão já
cobre isso. Mas tem coisas que você não sabe muito bem e acaba não usando.
Cartão e banco oferecem um monte de serviços que a gente não usa. E por que
a gente não usa? É mal comunicado? A gente não tem informação? Porque a
gente é over de informação. E a gente é meio desconfiado, é brasileiro,
desconfia. Será que está incluído isso? Será que vai dar certo esse negócio?
E a dificuldade também de acessar. É mais fácil eu chamar o carinha que sei
que vai arrumar isso daqui... Senão vai ter que ligar para o seguro, o cara vai
vir aqui. Vai demorar... Mas seguro do carro é assim, furou um pneu você vai
no mecânico e arruma. Eu já usei pra bateria e funciona.
194
O último motivo que identificamos na pesquisa relaciona-se ao excesso de itens
possuídos pelas entrevistadas. Algumas delas revelaram que têm tantas coisas que não
conseguem usar tudo. Ter muitas opções no guarda-roupa foi uma das motivações citadas pelas
entrevistadas para não usar algumas coisas possuídas.
A gente nunca usa tudo o que tem. Sempre tem coisa assim, sombra assim,
quando você compra aquelas paletas grandes com várias, sempre acaba não
usando uma, sempre pensa em usar, mas aí acha que não vai ficar legal. Sempre
tem uma que acaba ficando de lado (Ju, 20 anos).
Essa sensação de ter mais do que se é capaz de usar foi relatada em várias entrevistas e
ajuda a confirmar a noção descrita por Fromm (1987) como o modo ter. Tal como aponta o
autor, algumas entrevistadas indicam que ter os bens é mais importante que usá-los. Ter parece
transmitir segurança e estruturação à identidade. Poder-se-ia imaginar que o uso fosse em si
uma fonte de satisfação e prazer para as entrevistadas, contudo a posse em si pareceu ser mais
importante. Alguns relatos revelam a importância dos momentos da compra e o encanto de
“ter”, como sugere Bia.
Eu não compro maquiagem porque eu preciso, eu compro [a maquiagem] por
que eu quero ter aquele objeto (Bia, 19).
Durante o processo de recrutamento, algumas entrevistadas se autodenominaram
compradoras compulsivas. Elas indicaram que possuíam mais itens do que usavam e que eram
apaixonadas por eles. A principal categoria que trouxe esse sentimento à tona foi a de
maquiagens. Ao realizarmos as entrevistas, percebemos que a noção de quantidade era bastante
relativa. Algumas informantes, que haviam nos dito durante o recrutamento que tinham muitas
maquiagens, tinha uma quantidade significativamente menor do que outras, que usaram o
mesmo discurso. A Figura 14 mostra a quantidade de maquiagens possuída por Ju, de 21 anos.
Figura 14 – Os excessos de Ju.
Fonte: a autora.
195
A Figura 15 revela as maquiagens que Jo tinha em sua casa.
Figura 15 – Os excessos de Jo.
Fonte: a autora.
Frente a essas realidades nos perguntamos: quanto é muito? Enquanto Jo nos disse que
ter muito era ter mais de um item (Figura 15), para Ju ter cinco itens iguais não era um exagero
(Figura 14). Nas visitas às casas, quando víamos o número de itens de cada informante,
percebíamos que a noção de quantidade é relativa, como mostram as Figuras 14 e 15. Ao reunir
suas maquiagens para foto, Ju (Figura 14) nos mostrou uma grande quantidade de itens. Jo
reuniu uma quantidade de itens menor (Figura 15) e indicou, durante a entrevista, ter “muito
mais” produtos do que era capaz de usar. Quanto é muito? Quantos itens uma pessoa precisa
ter de um objeto para achar que tem o suficiente?
A quantidade que determina quanto é excesso parece ser uma construção subjetiva,
relacionada às experiências anteriores das entrevistadas, ao seu grupo social e à disponibilidade
de armazenamento. O espaço disponível para guardar as coisas parece influenciar a noção de
muito. Entrevistadas que moravam em casas pequenas foram as que mais perceberam suas
posses como excessos, enquanto as moradoras de residências amplas não tinham a mesma
sensação. Ju, uma menina de 20 anos, moradora de uma cobertura na Barra da Tijuca, tinha um
quarto grande, com closet e suíte. Jo, de 21 anos, morava no Flamengo com a mãe, num
apartamento bem menor que o de Ju. Para Jo suas duas nécessaires de maquiagens eram “muita
coisa”. Ju nos contou que seu armário dedicado exclusivamente aos produtos de maquiagem
ainda tinha espaço para mais aquisições, que ela planejava fazer na próxima viagem a Nova
York.
O grupo social ao qual as entrevistadas pertencem parece influenciar sua perspectiva
sobre o que é muito ou pouco. Isso se evidenciava quando elas contavam que “tem gente que
tem muito mais do que eu”. Ju (Figura 14) justificou sua quantidade de itens falando de outras
pessoas que possuíam ainda mais coisas que ela, tal como as entrevistadas a seguir:
196
E eu nem tenho, assim, tanta coisa... Eu acho que tem gente que deve ter muito
mais coisa que eu (Ju, 20 anos).
Eu até tenho bastante, mas tenho amiga... É surreal a quantidade de maquiagem
que ela tem (Bia, 19 anos).
Dependendo do conteúdo e do momento da conversa contradições apareciam: ora as
entrevistadas diziam que não tinham muito, ora diziam que tinham tanta coisa que não
conseguiam usar. O discurso do “eu nem tenho tanto assim” parecia empregado como uma
tentativa de justificar o fato das entrevistadas comprarem mais do que precisavam ou do que
conseguiam usar. Conforme O’Guin e Faber (1989), esse comportamento é típico de
compradores compulsivos, que usam subterfúgios para justificar suas compras excessivas.
Reconhecer um potencial para a compulsividade poderia ocasionar arrependimento com
compra, com a quantidade possuída (HIRSCHMAN, 1992), ou ainda com os não usos.
Em outros momentos, contudo, as entrevistadas assumiam que ter muito é “legal”.
Talvez o discurso do “tenho muito” tenha sido empregado como uma forma de autoafirmação
frente a pesquisadora ou, talvez, tenha sido um viés da própria pesquisa. Ao afirmarem que
“têm muito”, as entrevistadas poderiam estar dando uma resposta socialmente preferível, que
permitia a exibição de bom gosto e de quão conhecedoras e apaixonadas por maquiagens elas
eram. De qualquer forma, quando afirmavam que tinham muitas coisas elas relativizavam,
referindo que a quantidade depende de quem olha.
Ah, eu tenho muito gloss. Não sei por que eu tenho muito. Eu tenho nove (Tar,
20 anos).
Você não pode ter só um blush. Blush tem que ter um para cada hora do dia. Eu
tenho uma caixa só com blushs, de todas cores. É porque eu tenho muitos
produtos iguais. Não são iguais pra mim, mas são pra minha mãe que não
entende muito. Eu tenho quatro tipos de blushes diferentes. É pouco... não é
muito, acredite em mim (Tan, 20 years)
Nesses casos, o excesso de itens possuídos parece justificar o não uso. Interessante que
uma das entrevistadas fez referência a si própria como uma pessoa normal, pois não tinha
produtos em excesso. Quando perguntada sobre o que era ter muito, ela respondeu usando a
personagem Amanda, criada no estímulo da técnica projetiva, como referência, indicando que
Amanda possuía algum tipo de “doença” por ter muitos blushes.
É ter 20 blushes e tals, tipo a Amanda sabe, ela é meio doente eu não sou doente
com isso, sou normal (Cal, 20 anos).
Essa fala parece indicar que a entrevistada não se percebe como consumista. A compra
em excesso, relaciona-se com compulsão e somente é compreendida como tal quando se perde
o controle, estando assim associada a algum tipo de patologia, tal como indicado na literatura
197
(O’GUIN; FABER, 1989). A perda de controle é frequentemente indicada na literatura como
um elemento da compulsão, além da ausência de referência sobre a quantidade comprada
(O’GUIN; FABER, 1989; HIRSCHMAN, 1992; DITTMAR, 2000). A pesquisa indica que,
apesar de considerarem compulsivas somente as compradoras descontroladas, algumas
entrevistadas podem também ser classificadas como tal, pois apresentam preocupações,
impulsos ou comportamentos excessivos ou não controlados em relação a compras e gastos,
assim como uma maior orientação materialista (FABER, 1992; FABER; VOHS 2004; BLACK,
2001).
Podemos também relacionar com acumulação e excesso de compras a sensação relatada
pelas pesquisadas de ter tantas coisas que não consegue usar tudo. A acumulação refere-se à
posse de uma grande quantidade de itens reunidos durante anos, sem nenhum tipo de triagem
ou descarte. Segundo Cherrier e Ponnor (2010), essa característica está ligada ao apego e à
dificuldade de se desfazer das peças. O excesso de compras está relacionado com ao
materialismo e ao consumismo, compreendidos como fortes manifestações em relação à atração
e consumo de bens ou serviços (JONES et al., 2005).
Como forma de resumir os motivos alegados para não usar produtos e serviços,
propomos uma organização das razões alegadas pelas entrevistadas em uma sequência. O
continuum do não uso apresentado a seguir relaciona tempo e motivos de não uso.
4.2.3.1 Continuum do Não Uso
Os motivos revelados pelas entrevistadas, que levam produtos e serviços a não serem
usados, permitem-nos interpretar as condições que definem o não uso. Quando um bem é um
não uso? Ele precisa ter sido usado alguma vez ou deve necessariamente nunca ter sido
utilizado? Vimos nessa categoria que o reconhecimento do não uso surgiu na pesquisa de
diversas formas, indicando a complexidade do fenômeno. Apesar de, aparentemente, ser um
fato cotidiano na vida das informantes, parece haver também pouca reflexão sobre quando um
produto se torna um bem não usado. Durante a pesquisa, as entrevistadas tratavam bens nunca
usados como sinônimos de itens que foram usados poucas ou apenas uma única vez.
198
Frente a isso propomos na Figura 16 um continuum do não uso, definido entre nunca
usou e usou demais. Tanto nos extremos quanto em qualquer posição dentro do continuum
proposto, os bens não foram descartados, ou seja, são mantidos pelas entrevistadas.
Figura 16 – Continuum do Não Uso.
Fonte: a autora.
Coisas novas e nunca usadas foram relatadas pelas entrevistadas como tendo sido
compradas, mas não experimentadas. Em alguns casos, os produtos foram apenas
experimentados ou testados durante a aquisição, enquanto que algumas pesquisadas relataram
nunca terem consumido, como no caso de presentes. Os bens nesse lado do continuum são
mantidos pelas informantes para um potencial uso no futuro ou como demonstração de gratidão
a quem deu o presente.
Bens usados uma única vez foram descritos pelas entrevistadas como de uso cotidiano,
mas que não são usados em função de dificuldade quanto ao uso ou de incorporação à rotina,
esquecimento, desorganização, por medo de estragar, porque causam dor, machucam ou
incomodam ou ainda porque exigem um contexto específico para serem usados. Nesses casos,
o uso exclusivo geralmente ocorre logo após a aquisição. Os bens são guardados esperando uma
oportunidade para serem utilizados, normalmente próxima ao momento atual, ou seja, ao
presente.
Produtos e serviços utilizados poucas vezes se assemelham aos usados uma única vez,
com a diferença que, nesses casos, as entrevistadas insistiram em incorporá-los a seu cotidiano.
Eles deixam de ser usados, pois não servem direito, foram esquecidos, estão desorganizados no
meio de outros bens, são difíceis de usar, podem estragar facilmente, apresentaram problemas
de funcionamento ou estragaram, causaram dor às entrevistadas, demandavam ocasiões
especiais para serem utilizados ou porque as pesquisadas tinham outros produtos semelhantes.
Da mesma forma que os bens usados uma única vez, esses bens foram descritos pelas
entrevistadas como potencialmente usáveis atualmente e por isso eram mantidos.
199
No relato das entrevistadas, surgiram os bens descritos como usados intensamente por
um período. Os motivos relatados por elas para não usarem mais foram porque o bem saiu de
moda, não condiz mais com seu estágio de vida atual, porque elas enjoaram do produto ou
porque ele deixou de servir. Também foram salientados pelas entrevistadas como motivos para
não usar mais as mudanças exigidas pelo produto em relação à rotina diária. Nessas situações,
as entrevistadas contaram que usaram intensamente um produto ou serviço durante as férias,
por exemplo, mas, quando voltaram à rotina, tiveram que parar de usar. Outros motivos para
deixar de usar coisas usadas intensamente por um período foram esquecimento, desorganização,
possibilidade de estragar, porque elas deixaram de funcionar ou ainda porque as entrevistadas
tinham muitos itens semelhantes entre si. As pesquisadas referiam-se a esses bens como
importantes, aos quais elas haviam se apegado e por isso mantinham. Apesar de também haver
a possibilidade de usá-los atualmente, a manutenção se dava principalmente em função da
história do bem, o que também o vinculava ao passado das pesquisadas.
Outro ponto interessante localizado no continuum, através da pesquisa, foi o que localiza
bens usados intensamente, que ainda podem ser usados, mas foram deixados de lado. Os
motivos contados pelas entrevistadas para não usar mais esses tipos de produtos e serviços
foram porque houve mudanças na moda ou em seus ciclos de vida. Elas também se referiram
ao fato de terem enjoado do bem, que ele está velho para ser usado, que ele deixou de servir ou
parou de funcionar. Igualmente, elas apontaram ter muitos bens com funções parecidas, outra
razão para não usar mais. Esses produtos são mantidos pelas entrevistadas, pois ainda podem
ser úteis em suas vidas, mas, principalmente, porque elas se consideram apegadas a eles. São
coisas que contam uma parte da história das entrevistadas, pelas quais elas possuem grande
carinho e consideram importantes.
No extremo final do continuum proposto, estão os bens tão usados, que estão gastos,
envelhecidos e não podem mais ser usados. Eles foram considerados, pelas entrevistadas, fora
de moda e antiquados, ou que, embora lembrassem uma fase de suas vidas, não combinam com
a fase atual. Deixaram de ser usados, pois estão velhos, em função do uso excessivo ou da idade
avançada. Tais produtos também não são mais usados, porque deixaram de servir e não cabem
mais, como no caso de roupas usadas na infância ou quando as entrevistadas estavam mais
magras/gordas. Além disso, bens usados em demasia estragam e deixam de funcionar
adequadamente, de acordo com nossas informantes. Neste ponto do continuum, estão coisas
guardadas por serem muito queridas e importantes para as pesquisadas. Durante as entrevistas,
esses bens permitiam às informantes voltar no tempo e reviver momentos passados. Eram
200
objetos com uma biografia (KOPYTOFF, 1986), que conectavam aquelas mulheres com
momentos já vividos e criavam uma ligação com eventos relembrados.
A relação temporal com os motivos de não uso foi evidenciada em muitas passagens da
pesquisa. Nossas entrevistadas usaram termos e expressões do passado, do presente e do futuro
para se referir aos bens não usados. Kleine, Kleine e Allen (1995) indicam que a orientação
temporal dos apegos ajuda a explicar as funções do self representadas por uma posse particular.
Elementos do passado são fixos, prontos, finalizados e não podem ser alterados, por exemplo.
Eles podem ser mantidos pelos indivíduos como artefatos de sua história de vida ou podem
simplesmente ser eliminados – quando trazem memórias ruins. Bens orientados para o presente
refletem tarefas e funções do aqui e agora, sobre quem o indivíduo é agora, e coisas que
atualmente estão sendo cultivadas por ele. O apego aos bens com orientação futura antecipam
o self pretendido, ou seja, são uma antecipação da identidade a ser desenvolvida.
Nossas entrevistadas consideraram seus não usos posses importantes ou especiais, o que,
segundo Kleine, Kleine e Allen (1995), permite caracterizá-las como viabilizadoras da
continuidade ou das mudanças pretendidas no self. As posses relatadas por elas pareciam ter a
capacidade de conectá-las com um eu passado desejável (através de memórias), um eu presente
(eu agora) ou um eu futuro (quem eu estou me tornando). Alguns bens foram bens indicados
como nunca usados, mas para os quais havia planos futuros, como na fala de Lala.
Tem um sapato que eu tenho que é maravilhoso que eu nunca usei. Foi um
sapato que eu comprei na New World, que estava tendo uma liquidação bizarra
na New World do Barra Shopping, porque ia fechar a loja. Eu comprei esse
sapato por 20 reais. É um sapato de salto, que eu até vou te mostrar depois, é
azul bic com spike dourado. Eu achei maravilhoso o sapato. “Eu preciso dele.
Um dia eu vou usar, com certeza” e eu comprei e nunca usei (Lala, 21 anos).
A aproximação de um self futuro desejado também se evidenciou nos itens 2 e 3 do
continuum, relativos ás coisas usadas uma única vez e usadas poucas vezes. As entrevistadas
referem-se a esses produtos não usados como se eles ainda pudessem ser inseridos em seu dia
a dia, demonstrando que eles fazem parte de quem elas gostariam de ser, como mostram os
depoimentos a seguir:
Eu compro sabendo que eu vou usar, tendo certeza de que eu vou usar. Tenho
um planejamento futuro para aquelas coisas, sempre. Eu compro com convicção
de que vou usar (Dora, 26 anos).
Eu compro e penso “que linda essa cor”, “que maravilhoso esse brilho”, “um
dia vou usar esse iluminador”, enfim, e acabo não usando. Roupas de estações,
tipo biquíni. Não vou para praia no verão e acaba ficando ali sem uso. Roupa
de academia... Eu pretendo ir para elas voltarem. [...] Tenho infinitas coisas
201
desse tipo paradas, inclusive livros que eu compro, e eu estou com uma lista,
tipo “quero ler esse livro” e ele está lá esperando a fila, já foi um e agora outro,
e assim vai. Eles ficam parados alguns meses até eu ler. Eu nunca compro e
utilizo, eu compro, utilizo e depois eles voltam a ficar sem uso (Mara, 27 anos).
A “roupa de academia”, a “fila de livros para serem lidos”, as “maquiagens
maravilhosas” fazem parte de um eu pretendido. De alguma forma, Mara demonstra que seus
bens “ainda” não usados estão planejados para serem usados em breve. Suas declarações sobre
“quero fazer”, “pretendo ir” e “não vou”, “não faço” expõe a relação dinâmica entre futuro
(planos) e o presente (dia a dia).
Os bens declarados pelas entrevistadas como usados por um período, que denominamos
como item (4) da Figura 16, parecem se relacionar com o presente das informantes. A
orientação para o presente reflete tarefas do aqui e agora, segundo as entrevistadas,
representando quem elas são agora e o que é importante para elas hoje. As entrevistadas
mencionam coisas que já foram usadas algumas vezes e parecem passar por um processo de
aproximação, quando há uma ponderação sobre a possibilidade de se voltar a usar ou não.
Eu tenho iluminador, é da Hayden você passa e ilumina essa região. É bem
legal, só que eu não vou usar isso pra ir no shopping. Só pra algum evento e tal.
Você acaba usando ele quando quer mudar... Não usei muito, mas daqui a pouco
têm uma festa e eu posso usar. Não é todo dia. Eu mudo! Eu sou outra pessoa
de maquiagem, que tenso isso (Tar, 20 anos).
Daqui a pouco eu vou emagrecer, vou usar, vai ter uma festa. Tô emagrecendo,
já. Eu tenho o vestido da minha formatura de colégio guardado. Eu tinha
dezessete, eu tenho vinte e sete, e eu era muito magrinha, então ele não passa
nem assim no braço, mas ele está guardado (Mana, 27 anos).
As entrevistadas passam a noção de que seus bens não usados fazem parte de planos
presentes. “Vou usar daqui a pouco” foi a expressão usada para dar a sensação de que os bens
são parte de quem elas são agora. Com o relato das informantes, percebemos que são coisas que
servem para conectá-las a eventos significantes, a alguma realização ou outro fator significante
para sua autoestima.
Produtos usados intensamente por um período ou que realmente tiveram muito uso
(itens 5 e 6 da Figura 16) estão mais relacionados ao passado, segundo as entrevistadas. São
coisas que falam sobre quem elas foram e são carregadas com parte de suas memórias, como
mostra Ruth:
Claro, no porão depois vou te mostrar, tenho uma máquina de costura que é
muito antiga, ela funciona, mas acho que nunca mais vou usar ela, mas não
quero me desfazer dela. Olho para ela, eu gosto dela (Ruth, 60 anos).
202
A máquina de costura muito antiga transporta recordações, e Ruth “gosta dela”. Ela não
está mais em uso, mas parece possuir outro tipo de condição, relacionada com o potencial de
resgate do passado. Esses bens são mantidos, apesar de não usados, por sua história e biografia,
pelo que representaram em momentos anteriores na vida das informantes. Itens muito usados e
guardados são também tratados como não uso, mesmo que ainda haja intenção de usá-los
novamente.
É que assim atualmente uma parou de caber porque era muito pequena então
não uso mais. Uma eu usava muito, uma cinza bonita pra caramba, mas caiu o
botão e eu parei de usar também (Cela, 20 anos).
A calça jeans de Cela deixou de ser usada, pois estragou, mas segue em seu armário. A
camisa bordada pela avó de Duda e a camiseta feita pela prima estão trapos, mas são
recordações que ela faz questão de guardar.
Eu acho que nessa ocasião de fazer a ponderação entre o tanto que eu não quero
que elas existam, mas ao mesmo tempo elas existem e elas me tocam. Por
exemplo, tem uma camiseta que minha avó fez, bordou. É horrível a camisa, mas
foi ela quem bordou e é a única coisa da minha avó que eu tenho. Tem a camiseta
que a minha prima fez para mim que está um trapo velho, e assim por diante
(Duda, 40 anos).
Identificamos o consumo como a última etapa antes do não uso em si. Pré-aquisição,
aquisição e consumo fazem parte do processo que leva ao não uso. Após relatar os caminhos
que conduziram as posses ao não uso, as entrevistadas apontaram as razões para manterem tais
bens. A próxima categoria apresenta o reconhecimento do não uso, composto pelas funções
exercidas pelos bem não usados e pelos tipos de não usos.
4.3 Reconhecimento do Não Uso
O que levou as entrevistadas a armazenarem suas posses? Por que elas não se
desfizeram, doaram, venderam ou jogaram foram suas coisas não usadas? Segundo os relatos,
as coisas têm funções na vida das entrevistas e por isso são mantidas. Além disso, bens não
usados são avaliados e classificados em relação à sua importância para as entrevistadas.
203
4.3.1 Funções do Não Uso
O trabalho de campo nos permitiu identificar funções para as coisas não usadas de
nossas informantes, coisas essas que podem ser simbólicas ou utilitárias. A manutenção de bens
não usados diz respeito à utilidade e aos significados atribuídos a eles. Assim, não usos
desempenham funções, que variam em seus propósitos figurados e funcionais. Da mesma forma
que em nossa pesquisa, o estudo de Coulter e Ligas (2003) indica que produtos têm significados
funcionais e simbólicos, dependendo da motivação dos indivíduos para seu consumo. Nossos
achados reforçam a noção de Levy (1959), segundo a qual as pessoas têm coisas não somente
pelo que elas são capazes de fazer, mas, também, pelo que significam.
As funções simbólicas dos bens não usados revelaram-se quando as entrevistadas nos
contavam sobre o papel do bem na construção de identidade. Elas revelaram que suas posses
permitiam a expressão do self passado, presente e futuro. Objetos não usados e guardados pelas
entrevistadas pareciam ligá-las com recordações e memórias, mas também com o conceito de
quem elas são atualmente. Outros objetos não usados nos foram apresentados como conexões
com o futuro, ou seja, com a identidade que eles projetavam assumir.
Esses objetos de não uso com funções simbólicas contam a vida das mulheres
pesquisadas, ajudando-as a constituírem-se como sujeitos e a edificarem a cultura na qual estão
inseridas. Os não usos permitiram às entrevistadas ocupar um lugar em seu grupo social, ou
contar de onde elas vieram, como vivem atualmente e o que pretendem se tornar. Através da
manutenção dos itens não usados, essas mulheres preenchem uma posição, que as coloca em
relação à sua família e amigos, ao seu trabalho e ambiente profissional, a, claro, ao seu consumo.
Bens não usados simbolizam a trajetória de nossas pesquisadas, sustentando sua
biografia passada, presente e futura. Exemplo de objeto relatado como tendo uma função
simbólica foi o caso de uma prancha de surf. Em uma conversa informal com amigos durante
o processo de campo, ouvi a história de um colega que me contou sobre sua paixão pelo surf.
Imediatamente, pedi a ele para gravar nossa conversa. Depois de ouvir atentamente o que suas
pranchas significavam, fiz anotações em meu diário de campo. Luiz, nome fictício do colega,
relatou que não surfava mais, pois tinha muitos compromissos profissionais e uma filha
pequena. Apesar disso, ele jamais iria se “desfazer das pranchas”. Em sua fala, ele esclareceu
204
que as pranchas não só o remetiam a um passado nostálgico, no qual havia tempo para
atividades prazerosas, mas também que aqueles objetos eram parte “dele”, como pode-se ver
no trecho de seu depoimento.
“Elas são eu. Eu sou surfista. Não estou praticando agora, mas eu sou um
surfista. Elas são grandes, ocupam quase todo o espaço da garagem, mas não
imagino minha vida sem elas. Bah... se eu perdesse isso perderia uma parte de
mim, de quem eu sou” (Luiz, 45 anos).
As funções simbólicas das pranchas de Luiz permitem que consideremos objetos não
usados como parte da identidade das pessoas com as quais conversamos, como mostra a
conversa com Cica:
Entrevistadora: Se eu chegasse e falasse assim: vou (mexer) nas tuas coisas.
Não vai.
Entrevistadora: Por quê? Como você se sente?
Me sinto bem invadida.
Entrevistadora: Por quê? Você não está usando elas...
Não é nem pelo fato de eu não estar usando. É porque eu não gosto das pessoas...
É como se as coisas que eu tenho fizessem parte de mim e é como se a pessoa
estivesse mexendo em alguma parte minha (Cica, 32 anos).
Simbolicamente as coisas não usadas de Cica são “ela”. Essa perspectiva consolida a
importância relativa de alguns objetos não usados, que foram “usados” para marcar, delimitar,
destacar, incorporar nossas entrevistadas no mundo em que viviam. Assim como indicaram
Coulter e Ligas (2003), significados simbólicos associados a posses não usadas incidem sobre
expressões pessoais e intrínsecas. Para os autores, o produto ganha significado porque está
vinculado a algum evento específico, porque desenvolve qualidades interpessoais ou auxilia de
alguma forma na comunicação do self do indivíduo, tal como observamos em nossa pesquisa.
Em alguns casos, as entrevistadas desenvolveram laços emocionais com suas posses,
encontrando nelas os itens necessários à expressão e comunicação de seu eu.
As funções utilitárias do não uso relacionam-se com a percepção prática dos bens não
usados pelas entrevistadas. As posses descritas com essas funções eram vistas de duas formas:
ou ainda poderiam ser usadas ou não funcionavam mais e estavam prestes a ser descartadas. As
coisas que ainda poderiam ser usadas, eram mantidas para usos futuros, como conta Val:
As roupas, sapatos geralmente é por saírem da moda, não estar se usando mais
aquele modelo. Eu guardo e um dia de repente pode voltar. Ninguém está
usando...fora de moda. Mas se um dia voltar a moda uso de novo (Val, 53 anos).
205
Para serem mantidas, as posses não usadas com funções utilitárias precisavam ser
percebidas pelas entrevistadas como práticas e possíveis de uso imediato. Coisas com funções
restritas ou estragadas pareciam ser mantidas apenas como um pré-descarte, como mostram os
depoimentos a seguir:
Tipo, essa [geladeira] aqui eu não consegui vender e aquele ali [fogão] eu não
sei onde se descarta algo que não funciona, porque é metal e eu não quero botar
na natureza de qualquer jeito, que polua mais do que já está poluído. Então eu
não sei muito bem de como me desfazer dessas coisas. (Mara, 27 anos).
Entrevistada: E se você fosse obrigada a se desfazer de uma coisa não usada?
A fritadeira [...]. Um dia eu uso [as outras], mas a fritadeira não tem condições
Entrevistada: E por que você se desfaria dela?
Coitadinha...mas a gente não usa porque fica muito ruim. Ela não tem uma boa
funcionalidade. Se ela tivesse uma funcionalidade estava joinha (Lia, 28 anos).
Durante a pesquisa, quando as mulheres se deparavam com bens que percebiam que não
tinham mais utilidade, perguntavam a si mesmas por que estavam guardando aquilo, com
expressões como “preciso fazer uma faxina e tirar essas coisas velhas”, como mostra Bibi.
Agora eu quero fazer uma limpeza, quando eu for botar as coisas no armário
[novo], mas tem aquelas roupas que já se passaram dois verões, mas tem umas
que simpatiza e eu não consigo me desfazer (Bibi, 34 anos).
Reação oposta ocorria para os bens considerados com função simbólica. Quando se
deparavam com esses bens, as entrevistadas contavam a história daquele objeto em sua vida ou
simplesmente contavam a sua vida, como nos contou Dona:
Então, para mim, assim, a maioria das minhas roupas tem uma história porque
eu comprei, porque meu marido comprou, porque isso aqui é uma roupa que eu
idealizei, porque eu achei que usando com jeans eu ia ficar parecida com a
fulana e agora tem algumas roupas que não são o meu estilo, mas que eu vesti
na gravidez, inclusive emprestadas pela minha irmã e eu disse para ela, eu não
vou te devolver. São dois vestidos e que foi o vestido que eu fui para a
maternidade, que não é meu estilo, que eu não uso e que eu não vou devolver
para ela e vão ficar lá guardados. E esses dias eu mexi e comecei a chorar
porque era o vestido da maternidade, e vai ficar lá guardado (Dona, 42 anos).
As funções utilitárias das coisas não usadas referem-se a atributos e características
materiais do produto, ou seja, o produto principal e as funções que permitem que o produto
funcione de uma maneira específica. As funções simbólicas, por sua vez, são intangíveis e
relacionam-se com o trabalho que o bem faz na construção da identidade das entrevistadas,
como contou a história de Dona. As funções do não identificadas em nossa pesquisa se
relacionaram os tipos de ligação, que Richins (1994a) chama de fontes de significados.
206
4.3.2 Reconhecimento do tipo de ligação com posses não usadas
Posses não usadas possuem funções simbólicas e utilitárias e sua manutenção depende
do tipo de ligação reconhecida pelas entrevistadas com seus objetos. Uma vez que conceituamos
o não uso como sendo uma posse à qual as entrevistadas se sentiam apegadas, notamos que as
funções do não uso (simbólica e utilitária) se relacionavam com o tipo de ligação que as
entrevistadas descreviam ter para com suas posses.
Os objetos não usados pelas pesquisadas são mantidos porque elas são, de alguma
forma, ligadas, conectadas a eles. Os tipos de ligação entre as informantes e suas coisas não
usadas encontrados na pesquisa foram (a) afetivas, (b) expressivas, (c) afiliativas, (d)
monetárias, (e) funcionais e (f) materialistas. Nossa classificação dos tipos de ligação entre
sujeito e objetos não usados se aproxima da proposta de Richins (1994a), segundo a qual podem
existir seis fontes de criação de significado (utilitária, de prazer, de representação de laços
interpessoais, de identidade ou autoexpressão, relativos a aspectos financeiros, relativos a
aparência).
As ligações afetivas, ocorreriam quando as mulheres tinham uma relação de apego com
seus não usos, demonstradas por expressões de carinho, amor, dedicação ou idolatria:
Guardo com muito carinho algumas peças. Tenho as roupas minhas de renda.
Tenho amor naquelas roupas. Tem as roupas que uso mais, que gosto muito
delas, mas eu não diria que tenho um amor por elas, mas minhas roupas de
renda geralmente eu guardo elas melhor, entendeu? Guardo nos saquinhos
(Madu, 20 anos).
As ligações expressivas, revelavam-se quando os bens não usados propagavam a
identidade das entrevistadas formada por apego a bens que remetem ao passado, à história atual
e ao futuro projetado. Uma vez que o objeto era percebido pelas mulheres como “meu”, elas se
esforçavam em mantê-lo, pois poderiam passar a representar uma parte de seu “eu”.
[Eu ficaria com meus quadrinho] Porque sou apaixonada por quadrinhos. Acho
que quadrinhos são uma mídia fantástica. Eles têm um valor sentimental para
mim. Para mim todas essas histórias dentro desses quadrinhos, elas são como
que parte da minha própria história, elas fazem parte daquilo que... Através
dessas histórias, através dessas comics, em boa parte por causa delas. eu me
tornei a pessoa que eu sou. Eu tenho os interesses que eu tenho muito por causa
desses quadrinhos, seria uma coisa que eu escolheria. Para mim isso é mais
importante do que a minha aparência, é mais importante que bijuteria e
maquiagem. Na verdade, bijuteria e maquiagem são só as duas coisas que eu
uso, duas ferramentas que eu uso para expressar a pessoa que eu me tornei por
conta desse embasamento literário que vem das comics.
207
As ligações afiliativas foram demonstradas quando o objeto não usado transmitia às
entrevistadas o sentimento de pertencimento social. Podemos perceber que as entrevistadas
utilizavam os bens para manter conexões interpessoais que, ao mesmo tempo, definiam seu self.
Schultz, Kleine e Kernan (1989) e Kleine, Kleine e Allen (1995) sugerem que a busca de
afiliação aparece quando as posses refletem conexões com outras pessoas, com heranças ou
tradições, com ocasiões vivenciadas com pessoas importantes ou ainda quando refletem ter
estado em contato ou terem sido cuidadas por outras pessoas. Os depoimentos a seguir mostram
como esse tipo de ligação surgiu em nossa pesquisa:
É apego emocional, coisas que eu não boto fora. Eu tenho muito cacareco nas
minhas caixinhas.[...] Eu amo caixinhas. Essa minha madrinha, que tu
conheceu, é amiga da minha mãe desde que elas tem cinco anos de idade e ela
foi minha madrinha de crisma, e eu sou madrinha da filha dela, a Duda, e ela
sempre me dá muita caixinha, porque ela sabe que eu gosto. Eu estava numa
produção nesse feriado e ela que me deu essa caixa de bijuteria. Aqui também
tem uma outra de bijuteria. Meu armário é caixa, caixa, caixa, porta-joia, essas
coisas. Eu gosto muito de organizar as coisas (Dora, 26 anos).
Isso aqui foi minha mãe que fez. Eu nunca mais vou usar, mas foi minha mãe
quem fez e se eu me desfazer, ela vai me matar (Duda, 40 anos).
Claro, tudo lembra [outras pessoas]. Porque é um carinho. Aqui em casa, por
exemplo, o meu quarto é antigo, veio de Berlim ainda, todo laqueado por dentro,
não sei em que ano, coisa mais linda. Ele não é muito prático, o layout dentro e
acho tão bonito e aquilo ganhei de uma ex-sogra minha. Como minha casa é
grande, as peças são grandes. Quando olho sempre lembro dela. Agora o André
e o Zeca se mudaram e me deram aquela mesinha com as cadeirinhas, um amor,
está no meu quarto.
Entrevistadora: Teus filhos?
Não, era um casal aqui do lado, amigos vizinhos. É um mimo. É a tua vida, tua
história com as pessoas que te rodeiam. Muito bom isso. Às vezes estou tomando
café aqui ou chazinho com as coisinhas deles de manhã ou qualquer hora, boto
uma fotinho no WhatsApp para eles. Esses eu ainda uso, mas tem um monte de
coisas que as pessoas me dão que eu não consigo usar (Ruth, 60 anos).
As ligações monetárias, indicaram que a posse do bem era relacionada pela pesquisada
com seu valor de mercado. Produtos que custaram muito dinheiro ou que eram de alguma grife
famosa foram destacados pelas pesquisadas como não usos que deveriam ser mantidos.
A única coisa que eu daria seriam eletrodomésticos porque eles são caros, é
uma questão de valor do quanto eu paguei, porque, por exemplo, essa geladeira
foi razoavelmente cara, então eu não vou dar ela, a não ser que eu empreste ela
para alguém da família, aí não tem problema, mas dar não (Mara, 27 anos).
“Essa roupa é de tal marca, ou custo tão cara”! Mas, assim, algum dia eu posso
querer voltar a usar isso, porque eu vou doar? Pode acontecer (Madu, 20 anos).
208
As vezes acontece uma roupa de marca, muito nova, está muito nova pra você
doar... Eu ouvi uma professora esses dias dizendo isso, “imagina que eu vou dar
pra minha empregada a roupa da Animale”, eu também nunca tinha pensado
nisso (Mila, 20 anos).
A ligação monetária também surgiu quando as entrevistadas afirmaram que mantinham
coisas não usadas para evitar dispêndios futuros.
A papelaria, quando termino um trabalho posso doar, mas fico pensando se
tenho em casa, no próximo não gasto. Então é uma tentativa de ser prática que
acaba me deixando não muito prática. E sou super apegada. Gosto de tudo. Teve
um dinossauro daquela caixa dos brinquedos de R$ 1.99 que o Mauricio teve
que arrancar da minha mão porque eu estava apegada ao dinossauro de R$ 1,99
(Nana, 31 anos).
Ligações funcionais eram despertadas quando as entrevistadas consideravam que o bem
não usado poderia ser útil em algum momento por sua performance, tecnologia ou desempenho.
E cabos... sempre tu precisa de cabos: um no computador, um no quarto, um na
bolsa, um no carro. E aí, mesmo que eles estraguem, têm uns piratas que eles
não carregam. Mas de repente quando eu trocar de celular ele vai carregar meu
próximo celular e guardo. Porque pode funcionar. Pen drive. Estou com dois
pen drives que não estão funcionando, mas eu não joguei fora porque de repente
vai que funciona.
Entrevistadora: Tem um milagre, né?
Às vezes acontece. Então é isso. Assim materiais da faculdade eu sempre guardo
meus materiais. Se for olhar tem pilhas e pilhas de estudos, de textos e não sei
o que guardados. Deixa aqui mais um pouquinho. E aí se eu tiver dado eu vou
pensar: eu já tinha e vou ter que comprar outro (Mana, 27 anos).
As ligações materialistas vinculam-se à posse pela posse. Elas referiam-se aos
momentos em que as entrevistadas afirmavam que “precisavam ter” determinado tipo de bem,
com a função exclusiva da posse.
Entrevistadora: E o que você faz com os vestidos que você usou uma vez, eles
estão aí?
Estão guardados. Eu não doo. Sempre falo que uma hora eu vou usar, deixa
daqui há um ano quem sabe... (Fer, 25 anos).
Essa ligação surgiu em muitos momentos da pesquisa. As entrevistadas alegaram
diferentes razões para manter suas posses não usadas, mas a lógica do “de repente posso
precisar”, “vai que volta a moda”, “eu posso usar um dia” foi empregada por muitas mulheres.
Val, de 53 anos, guarda suas roupas e sapatos que “não se está usando mais”, para,
eventualmente, poder resgatar esses bens.
As roupas, sapatos geralmente [não são usados] é por saírem da moda, não
estar se usando mais aquele modelo. Eu guardo e um dia de repente pode voltar.
Ninguém está usando...fora de moda. Mas se um dia voltar a moda uso de novo.
209
[...] Faço plano de um dia usar novamente [minhas coisas guardadas]. Não
tenho muita coisa de lembrança. Tem pouquíssima coisa...acho que nem...é mais
do que acho que vou usar um dia, vou precisar delas (Val, 53 anos).
Esse tipo de ligação se assemelha ao mito da Fênix, como se esses bens pudessem ter
uma nova vida em algum momento. Eles são guardados esperando a oportunidade de reviver,
como contam Duda e Bibi:
Acho que coisas que ficaram muito datadas, muito representativas de um
momento estético meu que definitivamente não me representa mais, mas que por
ventura pode servir para algo, porque estão guardadas, porque tem uma
qualidade boa ou porque podem ser transformadas em outras coisas (Dani, 40
anos).
E já aconteceu isso comigo. De eu ter uma peça que eu já não usava há muito
tempo, estava ali e de repente ela volta, ressurge e tu passa a usar muito. Só que
eu não sei te dizer se existe um motivo para isso, mas já existiu. De roupa
inclusive já existiu. Tem um vestido de festa que eu não usava há muitos e muitos
anos, e um dia eu estava tirando para dar, e aí eu tinha um casamento e
experimentei o vestido, pois eu usei em uns três ou quatro casamentos, e era um
vestido que eu ia dar. Porque eu não usava e passei a usar eu não sei, não sei o
que acontece, mas ele ressurgiu. Agora, porque vou dar outras coisas? Deixa
quieto (Bibi, 34 anos).
Descritas as funções do não uso para nossas entrevistadas e os tipos de ligações que as
fazem manter seus bens não usados, podemos relacionar tais conceitos. Funções e tipos de
ligações entre sujeito e objeto surgiram relacionadas nos depoimentos. Além disso, ao
reconhecer a função do bem não usado e o tipo de ligação que tinham com ele, as entrevistadas
passavam a classificar suas posses em relação ao significado atribuído.
4.3.2.1 Significados
O Quadro 15 diferencia as duas funções dos bens não usados, simbólica e utilitária, a
partir dos tipos de ligações identificados, dos significados e dos papéis atribuídos às posses pelo
grupo de entrevistadas.
210
Quadro 15 - Características do Reconhecimento do Não Uso.
Função Tipo de Ligação Significado da posse Papel dos Bens Não Usados
Simbólica Afetiva Singular Relação de carinho, amor ou dedicação.
Expressiva Singular/Comum Expressão da identidade desejada.
Afiliativa Singular Sentimento de pertencimento social.
Utilitária Monetária Singular/Comum Declaração de seu valor de mercado.
Funcional Singular/Comum Indicam performance, utilidade ou tecnologia.
Materialista Singular/Comum Representam a vontade de ter coisas materiais.
Fonte: da autora.
As funções simbólicas dos bens não usados os diferenciavam em relação aos bens com
funções utilitárias, pelo tipo de ligação. Ligações afetivas, expressivas e afiliativas foram
mencionadas em coisas com funções simbólicas. Posses como essas eram importantes,
queridas, representantes do self e lembravam pessoas ou momentos especiais. Ligações
utilitárias se estabeleciam para bens com ligações monetárias, funcionais e materialistas. Essas
eram coisas percebidas como úteis (“eu ainda posso usar”), de boa qualidade, caras, que estão
novas, foram pouco o nunca foram usadas.
Ao reconhecer tais características, as entrevistadas eram capazes de definir o significado
dos bens para elas: singulares ou comuns, como mostra o Quadro 16. Tal como como indicam
Kopytoff (1986) e Kleine e Baker (2004), as posses de nossas entrevistadas. Eles parecem ser
divididos assim em função do significado que assumem para as entrevistadas e do processo
desenvolvido até virarem não usados. Seus não usos eram, então, categorizados entre os que
elas tinham apego e os que elas tinham pouco ou nenhum apego. Os primeiros, singulares,
representavam o self – a identidade passada, presente ou sua transformação –, assim como
vínculo e a afiliação com outras pessoas ou épocas. As posses singulares são consideradas
únicas, pois com elas (ou a partir delas) foram criadas relações e contextos que as socializaram.
Tais processos, histórias ou rituais contribuíram para discriminar, classificar, comparar e,
eventualmente sacralizar tais bens. As posses comuns, para as quais há pouco ou nenhum
vínculo, são “tralhas” e as entrevistadas estão prestes a descartá-las, pois não as representam
mais. O Quadro 16 mostra as principais características dos bens não usados descritos pelas
entrevistadas.
211
Quadro 16 – Não Usos Singulares e Comuns
Posses Não Usadas Singulares Posses Não Usadas Comuns
São importantes, queridas, especiais. Tenho
amor, carinho, afeição.
Representam eu/representavam eu/representam
o que eu quero ser.
Lembram de pessoas e momentos especiais,
São caras, de boa qualidade ou exclusivas,
Funcionam bem.
Podem voltar a ser usadas.
São insubstituíveis.
Se aproximam do sagrado.
Sentimentos de medo de perder e esperança de
usar.
São tralhas para as quais tenho pouco ou não
tenho apego. Quero desapegar.
“Não me representam mais”.
Lembram de coisas que prefiro esquecer ou
que não são importantes.
Custam pouco, não têm qualidade e podem
ser encontradas facilmente.
Estão estragadas, precisam de conserto ou
têm a funcionalidade limitada.
Nunca mais serão usadas.
São pré-descartes.
Aproximam-se do profano.
Sentimentos negativos relativos à sensação
de desperdício e acumulação.
Fonte: a autora.
Os bens não usados singulares são os que têm memória ou uma história que os conectou
com as proprietárias. São bens para os quais há apego, desenvolvido através da apropriação
psicológica, da convivência ou por ele ser visto como uma extensão do self. Exemplos desse
tipo de bem envolveram joias ganhadas de presente de 15 anos, de formatura ou de outras
comemorações especiais; um sapato de grife pelo qual a entrevistada pagou caro e que lhe
remetia a status e ao poder de alguém que ela viu usando; um tênis recebido como presente de
aniversário do marido; roupas que compõem o acervo de uma produtora teatral; um moletom
usado durante o período de escola, mas que não era vestido há 16 anos; uma máquina de costura
antiga usada pela mãe de uma amiga e recebida como presente; uma bolsa comprada em Milão
em uma viagem para participar do casamento da irmã; revistas reunidas ao longo do tempo, etc.
Os sentimentos despertados pelas posses não usadas singulares referem-se ao medo de
não tê-las quando precisar. Numa fala de Bibi, destacada a seguir, a entrevistada sugere a
dificuldade de delimitar o não uso, já que essa prática traz conflitos: o espaço preenchido versus
o espaço “roubado” e o desejo de ter versus o medo de não ter:
[...] só que elas [as coisas não usadas] ocupam um espaço que é grande demais
na minha vida e eu gostaria de abrir espaço para o mundo atual, não para o
mundo das coisas que eu acabo não usando, mas fico com medo de me desfazer
e querer aquela coisa logo em seguida (Bibi, 34 anos).
212
Evidenciamos com esse depoimento que o não uso está relacionado à complexidade
emocional representada por conflitos e ambiguidade, como na expressão “preciso ter, mas não
queria ter”. Ao mesmo tempo, surgiu na pesquisa o sentimento de esperança: esperança de
voltar a usar o bem.
Não usadas do que eu consigo me desfazer. Uma roupa não usada que fica no
armário ou no acervo tem uma possibilidade de uso ainda, tem uma esperança
para ela, ela pode ter uma utilidade ainda, para mim, e fazer sentido para mim
(Dora, 26 anos).
É tudo uma questão de ter uma esperança de usar ainda as coisas. E desse apego
que acho que tenho. É muita esperança de usar aquele creme maravilhoso, pra
reduzir as medidas que tenho esperança. A esperança de usar aquelas blusinhas
porque não usei mais mas acho que dá pra voltar a usar. É muito a questão da
esperança de usar ou voltar a usar um dia. Acho que é mais isso, o apego a
algumas coisas, apego emocional e por outro lado a esperança de usar no futuro
(Lia, 28 anos).
O comportamento das entrevistadas em relação a tais bens é diferente do
comportamento para com as posses consideradas comuns, tal como propuseram Wallendorf,
Belk e Heisley (1988). Elas se aproximam da definição do sagrado, pois podem ser vistas como
místicas, poderosas e merecedoras de reverência. Além disso, tais posses “não têm preço” e são
afastadas do mundo vulgar do comércio, pois não podem ser vendidas, doadas ou emprestadas,
o que lhes concede características do sagrado. Elas são retiradas de suas atividades normaisSão
tratadas pelas entrevistadas como únicas, insubstituíveis (GRAYSON; SHULMAN, 2000;
CURASI; PRICE; ARNOULD, 2004).
Os bens comuns, por sua vez, eram os objetos chamados pelas entrevistadas de
“tralhas”. Eles foram apresentados como opostos aos singulares, pois eram referidos como
normais ou banais, o que lhes aproxima da definição de mercadorias profanas, oferecida por
Wallendorf, Belk e Heisley (1988). De forma geral, eles não representam mais o self das
entrevistadas, pois foram sendo afastados de suas vidas. Enquanto os bens singulares são mais
centrais ao self (BELK, 1988), os comun, que possuem apegos fracos, não refletem muito ou
refletem nada do self (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995). Eles poderiam estar em uso, mas
estão “encostados”.
Foram tratadas como tralhas os bens comprados por impulso e aqueles bens que tiveram
um alto valor de compra, mas não têm valor de revenda, tais como Ipads, celulares antigos,
brinquedos, etc.
213
Eu tenho muita tralha, mas a gente fica pensando “na hora que eu precisar eu
tenho”, vai guardando. Rolo de massa, para que serve um rolo de massa hoje
em dia? (Ruth, 60 anos).
No dia que eu precisar, eu tenho. Como a gente tem de ter espaço para guardar
tralha (Tata, 38 anos).
Parece que aquilo é uma tralha mesmo, só que tem coisas que eu não consigo
me desfazer, por isso que eu tenho sacos de coisas que estão ali e fica um mês
parado para eu refletir (Dora, 26 anos).
Percebe-se que a dinamicidade do conceito de apego está presente nos relatos das
entrevistadas, especialmente quando se referem a suas “tralhas”. Mugge, Schifferstein e
Schoormans (2006) apontaram que quanto mais um bem é utilizado, mais memórias com ele
são criadas, o que, ao longo do tempo, os torna especiais. Com o passar do tempo, as memórias
e histórias aumentam, ocasionando o aumento do apego. No entanto, apesar do número de
lembranças aumentar, a ausência de uso reduz a importância relativa das memórias para
formação do apego com o produto.
Tal como propuseram Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), Schifferstein e
Zwartkruis-Pelgrim (2008) e Ball e Tasaki (1992), em nossa pesquisa identificamos que o uso
parece aproximar sujeito e objeto, permitindo a construção de significado profundo e simbólico.
No entanto, esses sentimentos parecem se manter mesmo quando bens singulares não são
usados, de forma que seu significado e a experiência de apego com eles são relativamente
estáticos ao longo do tempo. Isso significa dizer que, para bens singulares outros fatores, além
do uso, são considerados na formação do apego. Podemos acreditar, portanto, que o uso
desempenha um papel menor nesse processo. Talvez ele seja mais relevante para criar apego
com produtos comuns, assim como indicaram Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), que
podem até mesmo ser associados a sentimentos negativos. Tais posses não usadas são
associadas, muitas vezes, a sentimentos negativos.
Não é por egoísmo ou por possessividade que eu não me desfaço, eu acho que
tu falou uma coisa bem importante, eu tenho histórias das minhas roupas. [...]
Da minha louça também porque foi da minha mãe, porque eu ganhei de
casamento e aí depois eu comprei essa aqui que custava muito dinheiro (Dona,
42 anos).
A fala de Dona (42 anos) expõe as questões da vinculação da manutenção dos objetos
não usados com aspectos negativos do consumo. Egoísmo e possessividade – que aqui parece
estar vinculada ao materialismo – são aspectos sombrios do consumo (MICK, 1996) e que
214
podem fazer o sujeito não se orgulhar de seus comportamentos e escolhas. Dona confessa a
ambiguidade relativa ao não uso, fato que permeia boa parte da pesquisa: o não uso é, ao mesmo
tempo, uma parte de mim e uma parte que eu não quero mais que seja eu. Kleine e Kleine (2004)
já haviam indicado que algumas posses são vistas pelos consumidores como “não eu”, mas
ainda assim são mantidas por eles. Esses bens, chamados pelos autores de It’s not me anymore
têm relação tanto com o passado quanto com o futuro, pois podem ser lembranças que ela não
quer reviver e, ao mesmo tempo, podem antecipar mudanças no self.
Quando Dona afirma que seus não usos custaram muito dinheiro, ela pode estar
sugerindo que o investimento feito em algo que não está em uso deveria ter sido repensado,
mas, dada a importância histórica do bem em sua vida, isso pode ser relevado. Essa mesma
sensação de que bens não usados podem ter uma conotação negativa surgiu em diferentes
momentos da pesquisa, mas especialmente quando as entrevistadas foram perguntadas sobre o
que representavam as coisas que elas tinham e não usavam. Nesse momento, foi aplicada a
técnica projetiva de complementação. Vejamos alguns exemplos:
Entrevistadora: As coisas que eu tenho e não uso são...
- Excessos (Dani, 40 anos).
- Dispensáveis (Bibi, 34 anos).
- Desperdício (Tata, 38 anos).
- Desnecessárias (Laura, 21 anos).
- Coisas que estão necessitando de triagem (Cica, 32 anos).
Esse processo demonstra que os objetos são contaminados pelo não uso uns dos outros.
Ao serem reunidos em locais de esfriamento, que possibilitam o afastamento físico entre sujeito
e objeto, esses bens contaminam uns aos outros, num processo de perda de significado coletivo.
Ocorre o que Belk, Wallendorf e Sherry Jr. (1989) definiram como uma característica da
sacralização, segundo a qual as coisas sagradas têm poder de contaminação através do contato.
Segundo os autores, objetos abençoados estão contaminados com o poder do sagrado e
contaminam o ambiente em que se encontram. O mesmo fenômeno parece acontecer com o não
uso: bens não usados contaminam-se quando estão juntos e contaminam o ambiente em que
estão. Belk (1988) aponta que as posses podem se contaminar pelo uso e dependência constante
e habitual, o que as dota de significado pessoal, conectando self e objeto (como uma joia
constantemente desgatada pelo uso, por exemplo).
No entanto, ao fazer uma “triagem”, como relatam as entrevistadas, para avaliar o que
deve ser descartado e o que deve ser mantido, cada um daqueles objetos pode ganhar vida. Ao
serem submetidos a um escrutínio que investigará se ele “cabe” na vida do sujeito, o objeto tem
a chance de contar sua história e, assim, ser resignificado. Ao deparar-se com seus bens não
215
usados, as entrevistadas imediatamente passavam a contar a história de cada um deles
aproximando-os de seu self através da narrativa. As posses podem, dessa forma, ser
ressingularizadas e deixarem de pertencer ao grupo do excesso, do desperdício ou do
desnecessário.
Podemos também interpretar esses sentimentos negativos como uma aproximação com
o conceito de acumulação. Ao responderem que suas coisas não usadas são excessos ou que
precisam de triagem, as entrevistadas afastam-se do perfil do acumulador compulsivo,
construindo uma narrativa de que essas coisas estão ali momentaneamente e contra sua vontade.
Ser uma acumuladora pressupõe não ter critério de seleção entre o que é útil e o que é inútil, já
que os acumuladores guardam tudo. Ao guardarem apenas as coisas consideradas como mais
importantes, elas se afastam do grupo dos acumuladores, mas, enquanto os objetos estão
misturados e desorganizados, essas mulheres sentiram-se correndo o risco de se tornar
acumuladoras. Nas próximas seções deste capítulo, analisaremos a diferença entre guardar e
manter objetos em desordem e aprofundaremos o debate sobre a acumulação. Por enquanto,
vamos nos concentrar em compreender os limites do não uso para esclarecer seu conceito.
Outra associação feita pelas entrevistadas com o não uso foi com o desperdício. O
desperdício citado foi especialmente em relação ao dinheiro gasto com a compra de bens não
usados e ao espaço físico ocupado por coisas não usadas. O depoimento de Luca ajuda a
compreender a noção de desperdício citada pelas entrevistadas.
Não acho positivo o não uso, acho desperdício de espaço e outra pessoa podia
estar usando. [...] Porque outra pessoa podia estar usando, porque você está
acumulando uma coisa e ocupando um espaço que não precisa ser ocupado
(Luca, 36 anos).
Luca deixa claro seu incômodo com as coisas não usadas. Essa foi uma entrevistada que
mantinha pouquíssimas coisas não usadas, e que se orgulhava de se desfazer com facilidade de
seus objetos. Usaremos o depoimento de Nana para demarcar a diferença entre não usos
singulares e comuns:
Essas coisas que tenho mais facilidade, que não uso, que consigo me livrar mais
de boa são coisas que geralmente comprei para algo específico ou comprei
achando que iria dar certo e em casa não deu, ou foi usado para algum trabalho
em algum momento da minha vida e agora não faz mais sentido. Se alguma coisa
que ganhei de alguém é um pouco mais difícil. Se alguma coisa por exemplo o
tal do tecido. É um tecido que hoje em dia é mais chato de achar e na época do
trabalho ele foi usado como um tapete, uma roupa de cama. Então tem coisas
que sei que o trabalho pode voltar e vou voltar a usar aquilo (Nana, 31 anos).
216
Quando uma coisa passa a ser não uso? Não há um momento específico no tempo que
caracterize esse instante, mas são vários momentos reunidos que definem que aquele objeto é
um não uso.
Mesmo um objeto nunca usado pode não ser considerado por seu proprietário como um
não uso, pois há o desejo ou planos de usá-lo em breve. Da mesma forma, coisas muito usadas,
mas que foram esfriadas, deixadas de lado, podem receber uma nova vida. Podem tornar-se
singulares de novo e habitar lugares quentes da casa, como sugeriram Roster (2001) e
Lastovicka e Fernandez (2005). Na verdade, o fato de não estar em uso não faz com que o
objeto perca sua singularidade inerente. Somente o processo de descarte voluntário permanente
parece recomoditizar o bem. Ao esquentá-lo, o sujeito o está tirando da condição de commoditie
e recolocando-o no mundo das posses (compreendidas aqui como objetos, coisas, itens que
tenham significado para o sujeito).
4.4 Procedimentos empregados nos objetos não usados.
Nas pesquisas realizadas surgiram três diferentes procedimentos empregados nas coisas
não usadas. Todos eles dizem respeito ao lugar do não uso, ou seja, a forma como esses objetos
são mantidos. Manter a posse do objeto é considerado fundamental para que se caracterize o
não uso. Os artifícios usados pelas entrevistadas para manter seus bens são guardar e esconder.
Os procedimentos de não uso são resumidos no Quadro 17.
Quadro 17- Procedimentos do Não Uso.
Procedimento Ações Função Tipo de Ligação
Guardar Visível, aparente Simbólica Singular
Esconder Desorganizados,
desordenados
Utilitária Comum
Fonte: a autora.
Em algumas passagens das entrevistas, quando se fala sobre os objetos não usados de
uma maneira ampla e não específica, as informantes relatam ter um lugar especial para seus não
usos. São quartos, salas, armários, uma gaiola construída numa garagem, etc. O trecho da
217
entrevista de Nana ilustra que, além da preocupação com a acumulação, ela tem um salão para
guardar suas coisas.
O lugar caótico de verdade é o salão da zona sul porque a gente nem entra
naquela sala (Nana, 31 anos).
O lugar parece ser contaminado pelo não uso. Objetos não usados contaminam-se ao
serem colocados lado a lado nesses lugares escondidos. Tal como propõem Belk (1988) e Belk,
Wallendorf e Sherry Jr (1989), as coisas não usadas possuem a capacidade de se contaminarem
umas às outras, assumindo assim a identidade de não uso.
Ao serem enviadas para lugares removidos do convívio social da casa, esses não usos
ganham novos significados, pois afastam-se do self dos indivíduos. Epp e Price (2009) e
Lastovicka and Fernandez (2005) falam desses espaços como lugares de transição, onde objetos
são colocados para se afastarem dos olhos dos donos e, consequentemente, de seu self. Contudo,
apesar desse processo de distanciamento ser de fato empregado, alguns dos não usos mostrados
pelas entrevistadas parecem assumir uma conotação diferente de objetos que estão sendo
preparados para o descarte. Apesar de “distantes dos olhos” (LASTOVICKA; FERNANDEZ,
2005), alguns bens não usados ainda fazem parte da identidade do sujeito, o que permite
diferenciar o conceito de não uso do conceito de descarte.
Young e Wallendorf (1989) afirmam que podem ocorrer fases de pré-descarte, que
envolveriam alugar, emprestar, usar ou negligenciar posses. É possível que o não uso seja visto
como uma etapa de pré-descarte, já que a fronteira entre manter um bem não usado e o conceito
de uso pode ser tênue. Talvez objetos não usados guardados nesses locais afastados do convívio
principal do sujeito somente possam ser chamados de pré-descarte quando deixam de
representar o self do indivíduo, ou seja, quando entram para a categoria/tipo identificado como
“não fazem mais parte mim”. Nesses casos, em que o objeto está guardado, escondido ou
emprestado para que não seja mais visto de fato, ele é um forte candidato ao descarte.
Discutimos, contudo, que objetos guardados, mas que não representam o self, não são
não usos, mas pré-descartes. Jacoby, Berning e Dietvorst (1977) afirmam que para ocorrer o
que chamam de descarte temporário – ou pré-descarte, para Young e Wallendorf (1989) - é
necessário haver o afastamento físico e emocional entre sujeito e posse através da
armazenagem. Em nossa pesquisa, os dados indicam que objetos não usados podem ter
afastamento físico, mas não chegam a se afastar emocionalmente de seus proprietários.
218
O afastamento físico, que estamos chamando de procedimentos empregados nos objetos
não usados, surgiu na forma como as entrevistadas referiam-se aos lugares onde guardavam
seus não usos. O “quarto da bagunça” de Dora (26 anos), o fundo da gaveta de Mana (27 anos),
o espaço embaixo da cama de Gaga (31 anos), o armário de Nana (31 anos), a gaiola
compartilhada por Val e Lia (mãe e filha), o quarto vazio de Cica (28 anos), o depósito de Luca
(36 anos), o porão de Ruth (60 anos), a área de serviço de Tata (38 anos), a parte superior do
closet de Manu (37 anos) são alguns dos exemplos de lugares onde os não usos estão guardados.
Apesar de todos esses lugares citados pelas entrevistadas serem usados como estratégias
de afastamento físico entre sujeito e objeto, observou-se que seu significado pode ser distinto.
As entrevistadas indicaram que ou guardam, ou escondem ou emprestam seus não usos, o que
implica em coisas diferentes. Propomos uma diferenciação entre esses termos baseada na
literatura e na análise das entrevistas. Podemos identificar que guardar sugere afastamento
físico, mas não emocional do bem. O objeto guardado carrega histórias, ainda é singularizado
e é identificado como uma parte do self do sujeito.
Os objetos guardados estão, eventualmente, organizados, ordenados e arrumados, como
é o caso dos sapatos de salto alto de Mana (27 anos), de suas roupas que não lhe cabem mais e
suas bolsas não mais usadas. As imagens da Figura 17 mostram que Mana tem muito cuidado
com a forma como guarda alguns de seus não usos.
Figura 17 – Não Usos Guardados de Mana – Sapatos
Fonte: a autora.
219
Olha aqui eu usei uma vez (1). Esse daqui eu nunca usei (2). Ali tem mais sapato,
mas tá cheio de poeira, porque não mexo aqui (3) (Mana, 27 anos).
A entrevistada mostrou que em seu closet os sapatos não usados ganham uma posição
de destaque. Eles estão expostos, apesar de não serem manuseados. O item 1 da Figura 17
mostra um sapato usado uma única vez por ela. O item 2, uma sandália nunca usada e que estava
coberta de pó, apesar de estar armário principal do closet e bastante à mão. No item 3 da Figura
17, Mana mostra uma outra porta do closet onde estão guardados os sapatos de salto muito alto,
que, segundo ela, “não são nem mais usados”. Também é possível ver que esses sapatos estão
arrumados e organizados, mas também cobertos de pó, como ela própria indica.
Na fala a seguir e na Figura 18, a entrevistada mostra suas roupas e bolsas guardadas e
não usadas.
“Isso daqui é uma caixa só com roupas também que eu guardei (4). Aquela caixa
é só com bolsas que eu guardei (5). [...] Aqui é pilha do que me serve (6) e do
que não me serve (7). O que eu uso mais está aqui (6) (Mana, 27 anos).”
Figura 18 – Não Usos Guardados de Mana – Roupas e Bolsas
Fonte: a autora.
Pode-se observar que os objetos não usados estão também organizados e guardados em
caixas (bolsas, no item 5, e roupas, no item 4) ou dobradas na prateleira (item 7). As roupas que
estão em uso, por sua vez, estão em desordem (item 6). Os não usos de Mana são mais
organizados do que seus usos. Quando ela mostra as roupas (itens 4 e 7) e as bolsas (item 5)
percebe-se que eles estão um pouco afastados das coisas que estão em uso, mas ainda assim
220
estão em lugares “nobres” do closet. Esse afastamento pode ser resultado da
facilidade/dificuldade de acesso aos produtos, mas não esconde os objetos. As bolsas estão em
uma caixa transparente, que permite a visualização do conteúdo. As roupas do item 7 estão
dobradas, empilhadas e dispostas de forma que se possa vê-las.
Esses espaços usados por ela para guardar suas coisas são como vitrines que expõem,
de alguma forma, mercadorias preciosas. São espaços onde cabem coisas singularizadas, às
quais Mana tem fácil acesso. Ela sabe onde estão esses não usos, que podem ser resgatados sem
muito esforço. Podemos interpretar a escolha dos espaços de Mana como uma forma de
afastamento físico moderado, mas, de maneira nenhuma, aqueles objetos têm afastamento
emocional. Ao apontar e relatar seus não usos, ela sabia nomear o que havia em cada caixa,
quais eram os tipos de sapatos em cada prateira, informando até quando ele havia sido comprado
e se foi caro ou barato. Os não usos guardados são aqueles aos quais há maior apego e em
relação aos quais se mantém viva a relação sujeito-objeto.
Outras entrevistadas relataram o mesmo processo de Mana. Ruth falou de seus aparelhos
de fondue, que estavam expostos numa cristaleira e no alto do armário da cozinha, conforme
mostra a Figura 19.
Figura 19 – Não Usos Guardados de Ruth - Fondues
Fonte: a autora.
A cristaleira de Ruth (60 anos) fica numa sala reservada (item 1), atrás de uma mesa.
Não é simples acessá-la, mas ela ocupa toda a extensão de uma das paredes desse cômodo. O
aparelho está visível, exposto em destaque, como uma relíquia. Já o fondue do item 2 está no
221
armário da cozinha e parece ser bem mais simples que o primeiro. Ele está também em
exposição, mas em um espaço mais afastado, o que talvez demonstre ser menos valorizado.
Apesar da entrevistada afirmar que nunca usou nenhum deles, ambos estão à mostra em sua
casa.
Os não usos de Tata (38 anos) também seguem a lógica dos de Ruth e de Mana. A Figura
20 mostra que a entrevistada apontou diversas coisas em sua casa como objetos de não uso que
estão guardados ou até mesmo expostos.
Figura 20 – Não Usos Guardados de Tata
Fonte: a autora.
Louças e copos de cristal guardados na cristaleira que fica na sala, ao lado da televisão
(item 1). Garrafas de whisky cuidadosamente arrumadas em uma bandeja sobre uma cômoda
também colocada na sala (item 2). Toalhas e panos de mesa limpos, passados, dobrados e
guardados em uma das gavetas da cômoda que abriga as garrafas de whisky e que está do outro
lado da televisão (item 3). Um suporte de petiscos empoeirado, guardado na área de serviço em
um armário em cima do freezer (item 4). Potes de vidro aproveitados de outros alimentos e que
são guardados na gaveta da cozinha americana, embaixo do balcão de refeições (item 5). Tata
afirmou que nunca usou nenhum desses itens.
Esses exemplos mostram objetos expostos ou apenas ligeiramente afastados, já que
estão dentro de armários, mas não no fundo de forma que possam ser vistos e lembrados.
Embora esses objetos tenham sido indicados pelas entrevistadas como não usos, podemos
questionar se essa exposição ou proximidade física poderia ser vista como uma forma de uso
como, por exemplo, um uso decorativo. As entrevistadas sugerem em suas falas o apego e a
vontade de estar em contato constante com esses objetos não usados.
222
Ao vê-los, as entrevistadas lembram-se deles constantemente, mantendo assim o apego
para com o objeto. Essa pode ser uma tática que evita o afastamento emocional e faz com que
os não usos sejam mantidos por elas. Os não usos guardados foram apresentados com certo
orgulho pelas entrevistadas. Quando se referiam a eles, não havia a conotação negativa retratada
na primeira categoria. Esses são objetos que impõem respeito e são respeitados por seus
proprietários. Dona (42 anos) refere-se a de um de seus não usos guardados o qual, durante a
entrevista, ela sabia exatamente onde estava, como um troféu. Os troféus devem ser expostos,
exibidos e as pessoas têm orgulho do que eles representam.
Houve uma entrevistada, Duda, que contou que separa suas roupas em ensacadas e não
ensacadas. Segundo ela, as roupas ensacadas são as mais importantes e especiais e estão
guardadas, enquanto que as não ensacadas são mantidas em caixas de papelão. Essas últimas
são também não usos, mas não são especiais. Segundo ela, são coisas que ela acha que poderia
usar um dia e das quais não quer se desfazer.
Por outro lado, um dos procedimentos revelados pelas entrevistadas para lidar com seus
não usos é o oposto de guardar: algumas coisas não usadas são escondidas por seus donos. Os
não usos escondidos estão no fundo dos armários, em sótãos, empilhados, misturados,
entulhados. São não usos com os quais as entrevistadas lidam de forma bastante distinta dos
primeiros, que eram guardados. A Figura 21 mostra os esconderijos de Lia para suas roupas
(item 1) e produtos de beleza não usados (item 2).
Figura 21 – Não Usos Escondidos de Lia
Fonte: a autora.
223
Em baixo do guarda-roupa, num canto com pouco acesso, Lia esconde algumas sacolas
com roupas que não usa mais. No banheiro, em uma caixa em baixo do armário, ela acoberta
cremes e produtos de beleza não usados. Ao ser perguntada sobre o local onde seus não usos
estavam, Lia disse que
O creme está junto com as coisas não usuais, está junto com o repelente que a
gente não usa quase nunca, com algumas coisinhas mais guardadas. Ele não
está a vista pra usar, realmente. [...] Aquelas roupas que estavam ali pra doar,
eu não doava nunca, ficava um ano e me incomodava muito e eu olhava pra elas
e “tenho que fazer isso (Lia, 28 anos).
Lia relata que, em sua estratégia, reúne os não usos que não quer ver e os coloca em
locais de pouco contato físico. Parece, contudo, que esses produtos não são tão importantes
quanto os guardados e por isso mesmo podem estar em locais menos nobres. O exemplo de
Cica, na Figura 22, também evidencia esse processo, já que ela nos mostrou uma área de serviço
(item 2) onde estavam escondidos diversos não usos (malas, revistas, móveis antigos, etc.) e
uma máquina de lavar roupas que estava num corredor ao lado da casa (item 1).
Figura 22 – Não Usos Escondidos de Cica
Fonte: a autora.
A máquina de lavar roupa não usada e mantida por Cica do lado de fora da casa deixa
ainda mais claro que os esconderijos têm como objetivo afastar fisicamente objetos não usados
para que eles possam “esfriar”, ou seja, passar pelo processo de desapego. Objetos não usados
escondidos parecem ser fortes candidatos ao descarte, já que estão ocultados de seus donos.
Esse processo de afastamento físico pode ser tão importante que, além do afastamento
224
emocional, pode gerar uma recommoditização da posse (LASTOVICKA; FERNANDEZ,
2005). O esconderijo permitiria o esvaziamento de significado do bem, que voltaria a categoria
de commoditie.
Esconder permite que o esvaziamento de significado ocorra aos poucos, de maneira
lenta, pois as entrevistadas relatam que seus bens não usados escondidos “moram” nesses
espaços de distanciamento por muito tempo, anos, décadas. Luca conta a história de um
moletom de seu tempo de escola, indicando que ele está “escondido” há 20 anos.
Esses dias eu fiquei apavorada. A gente montou um grupo de 20 anos de
formatura do colégio e vimos umas fotos. Eu olhei a foto “eu tinha 16 anos e
estava com esse moletom, e o moletom continua novo numa caixa no meu
depósito” fiquei chocada. Acho que a única vez que eu usei foi naquela foto. [...]
Imagina? 16 anos. Agora estou com 36, só faz 20 anos (Luca, 36 anos).
Guardar um moletom do tempo de escola por 20 anos numa caixa no depósito é um
processo de esfriamento. Luca nem ao menos lembrava que tinha a roupa. Lembrou por que viu
a foto com as amigas, o que indica que os procedimentos de esconder envolvem o
esquecimento. Esquecer que colocou no esconderijo pode ajudar a afastar o bem do self, de
forma que, quando se deparar com ele novamente, o sujeito pode sentir que aquele bem não é
mais parte de si. Interessante notar que os bens não foram sozinhos para seus esconderijos, mas
foram colocados lá. Parece que as pessoas estão dizendo que querem esquecer desses bens,
querem fazer de conta que eles não existem e por isso transferem-nos para uma espécie de
limbo. A diferença parece clara na fala de Nana:
As coisas que não uso não ficam muito guardadas. Tipo as louças ficam nessa
cristaleira e no armário da cozinha e o resto estão socadas dentro de um
armário que tem um acervo (Nana, 31 anos).
As entrevistadas fizeram menção a esse limbo, referindo-se a ele como um lugar de
transição, onde os bens nem são descartes, nem são usos; mas são posses. São ainda uma parte
do self do indivíduo que não consegue se desfazer do bem e por isso usa um subterfúgio para
mantê-lo. Vejamos o que disse Dora sobre o limbo:
Essas peças [roupas mantidas num acervo] são doações de amigas ou minhas
peças, é uma parte dele [do acervo], então eu tenho uma parte do acervo que
são roupas guardadas, que ainda está no limbo e eu não consigo botar fora, e
vai para lá [para o salão mantido por ela em outro bairro] (Dora, 26 anos).
A literatura em comportamento do consumidor tem se referido a esse processo de pré-
descarte (YOUNG; WALLENDORF, 1989) de diferentes formas. Suarez et al (2016) chamam
os limbos de purgatórios, pois estão numa zona intermediária entre a prateleira e a lixeira. Para
as autoras é possível afirmar que esses espaços de esfriamento são também limbos. Em nossa
225
pesquisa, chamamos de limbo esses espaços onde as pessoas “escondem” seus bens para evitar
ter contato, para irem se afastando deles, pois o termo surgiu das próprias entrevistadas.
Nesse processo de esconder os bens e de mantê-los em limbos para serem esquecidos,
surgiram na pesquisa diversos tipos e configurações de espaços. Eles foram chamados pelas
entrevistadas de fundão e cantinho ou quartinho da bagunça. São locais – maiores do que uma
gaveta ou uma porta de armário –, onde os não usos se acumulam. Esses espaços surgiram como
um grande porão, onde havia muitas coisas entulhadas (e do qual a entrevistada não permitiu
que fossem tiradas fotografias) até uma área de serviço. Dora nos conta do seu “quarto da
bagunça”:
Eu tenho um quarto de bagunça também. Eu moro com a minha mãe, então todas
as minhas coisas se concentram no meu quarto, mas tem esse outro quarto que
é meio escritório e meio bagunça, só coisas que eu não quero botar fora. Eu
trabalho com figurino também e eu tenho muita roupa que eu levo para meu
acervo, que é um quarto na casa do meu pai, tanto que tem essas sacolas aqui e
uma dessas sacolas são coisas que vão para acervo. Fazem bastante doação
para mim, amigas, “tenho uma blusa e um sapato que podem ser bons para
figurino” daí me passam e fica no meu quarto, no quarto da bagunça, porque o
quarto da bagunça geralmente são materiais de aula ou tecidos também porque
tecidos eu sempre compro a mais se eu preciso fazer alguma coisa e o que sobra
fica guardado nesse quarto e no quarto de acervo que são roupas e acessórios
que podem ser um dia usados em produção (Dora, 26 anos).
Na casa de Lia (28 anos), que aparece na Figura 23, item 1, o espaço destinado aos itens
não usados fica em um dos cômodos da casa, um quarto com pouco uso. Lá Lia mantém um
acervo de coisas não usadas, as quais ela não aparenta ter grande apego. São sobras de materiais
de estudo, caixas vazias de eletrodomésticos, material de costura, etc. Na casa de Tata (38 anos),
havia um armário inteiro na área de serviço com coisas não usadas, que iam de eletrodomésticos
a louças passando por brinquedos antigos. Cica também guarda seus não usos mais escondidos
(ou os que ela gostaria de esconder) na área de serviço, item 4, mas não possui armários, por
isso os bens estão todos empilhados e guardados em diferentes tipos de caixas.
No item 5 da Figura 23, vê-se os não usos escondidos de Gaga (31 anos), que também
estão empilhados, mas em um canto de um dos quartos da casa. Entre seus não usos está um
aparelho de som tocador de vinil, diversos livros, sapatos, etc. A casa de Gaga era bastante
pequena, o que a levou a ter de guardar alguns bens de uso sazonal, como ventilador e
aquecedor, junto com os não usos escondidos. Mas pode-se perceber pela foto (item 5) que
esses produtos estão em cima dos outros não uso, evidenciando talvez um nível quase
hierárquico entre os bens, já que os mais “usáveis” ficam em cima dos não usáveis.
226
Figura 23 – Cantinhos da bagunça
Fonte: a autora.
O item 4 da Figura 23 mostra a foto dos não usos escondidos de Val (53 anos). É possível
ver pela foto que Val tem muitas coisas não usadas. Foram tantos itens colocados no mesmo
lugar que era difícil analisar o que estava lá. Para esconder seus não usos, Val (53 anos) possui
um depósito na garagem de seu prédio, que ela chama de gaiola. É um box revestido com grades
de aproximadamente 1,5m largura por 1,5 de profundidade e 3m de altura, como pode ser visto
na Figura 24.
227
Figura 24 – A “gaiola” de Val
A gaiola de Val é mais parecida com a desordem e com o entulho relatado nos casos de
acumulação compulsiva do que com os espaços de não uso que vimos na pesquisa. Parecia não
haver nenhum tipo de ordem na acumulação e entre os bens ali depositados. Havia brinquedos,
computadores antigos, móveis, quadros, material escolar antigo de suas filhas, livros, louças
antigas, bolsas e sacolas, diferentes materiais didáticos, uma máquina fotográfica Polaroid,
fotos de família, roupas, sapatos, um videokê, telefones, alicate de unha, tesoura escolar, caixa
de joias, etc.
Val fala que esses bens estão ali principalmente porque ela não tem coragem de se
desfazer e porque acha que um dia irá precisar ou poderá usar. Enquanto visitávamos a gaiola,
a filha de Val estava junto e as duas foram descobrindo coisas n. A filha alertava a mãe que
não era preciso guardar tantas coisas e se surpreendia com os achados da gaiola. Val contou
que somente ela mexe na gaiola e que ninguém tem acesso a ela. Talvez por isso sua filha tenha
ficado tão impressionada com a quantidade de itens colocados lá.
A filha a repreendia sobre a desorganização, advertindo a mãe de que ela nunca usaria
a maior parte dos produtos que estavam na gaiola. Mas, ao se deparar com alguns de seus
228
brinquedos antigos, a filha de Val se emocionou. Especialmente quando achou uma Barbie
antiga, como se pode ver na Figura 25.
Figura 25 – Emoção ao reencontrar a Barbie escondida.
Apesar de repreender a mãe sobre o excesso de bens acumulados, a filha fica
emocionada com a descoberta de sua boneca. Ela afirma que aquela boneca não poderá ser
descartada, como mostra o trecho a seguir da entrevista.
Entrevistadora: Tem uma boneca ali.
Filha de Val: A minha Rapunzel ninguém joga fora. Ela é linda. Comprei ela
com 15 anos.
Parece que, no caso de Val, os bens escondidos estão misturados com os que deveriam
estar guardados. Isso pode ocorrer, pois parece haver alguns fatores que conduzem os objetos
ao não uso, tal como a dificuldade de organização e o apego. As coisas não usadas parecem ter
vida e vão sendo colocadas em lugares distantes, como relata Cela:
As coisas que eu uso menos acabam indo para trás. Vão sendo empurradas pela
força que suga os armários.
Entrevistadora: É que tem um duende lá que fica puxando.
Deve ter né. Aqui em casa a gente tem certeza que esse duende existe e se chama
Sirlene [empregada da família]. Aí vamos supor a blusa nem é tão feia assim,
mas ela é feia aí eu penso: Vou usar um dia. Aí vai para frente. Aí acabo não
usando porque ela nem é tão legal assim, acabo não usando e ela vai indo para
trás. Aí vai sendo esquecida lá, aí um belo dia quando eu resolvo olhar: Caraca
olha só essa blusa aqui velha que eu nunca usei. [...] Pelo fluxo das outras
roupas entrando e saindo do armário a outra vai sendo empurrada para o final.
Assim a minha prateleira principal de blusas que são dobráveis são quatro
229
pilhas assim. As das pilhas de trás as últimas você pode ter certeza que são
blusas que eu não uso nunca. Pode ter certeza que vai pondo uma em cima da
outra, vai usando e botando por cima e ela vai ficando por baixo (Cela, 21 anos).
Com essas propostas caracterizamos o não uso, definimos o processo que conduz bens
e serviços ao não uso, explicamos as funções exercidas por esses bens a partir do
reconhecimento de seu não uso e, descrevemos os procedimentos empregados nos bens não
usados. A seguir comentamos e discutimos os principais achados do campo.
230
5 COMENTÁRIOS E DISCUSSÃO FINAL
Este capítulo apresenta uma síntese do trabalho, revisitando objetivos propostos, trilhas
cruzadas pela pesquisa e destacando os principais resultados encontrados ao longo do processo
de construção da tese. São discutidas as contribuições teóricas, apresentadas as limitações, bem
como sugestões para trabalhos futuros.
5.1 Revisitando Objetivos e a Trilhas Percorridas
O presente estudo teve como objetivo compreender o não uso dos consumidores. Para
responder ao problema de pesquisa – definido como o que é não uso? – buscou-se atingir os
seguintes objetivos específicos: (a) caracterizar o não uso; (b) analisar os caminhos percorridos
pelos objetos que se tornaram não usados; (c) compreender o reconhecimento dos objetos não
usados e; (d) identificar os procedimentos empregados nos objetos não usados.
Para descrever e interpretar tais objetivos, foram visitadas teorias de diferentes áreas do
conhecimento, a fim encontrar as delimitações teóricas do não uso. Com uma linha condutora
baseada na relação sujeito-objeto optou-se por chamar de contribuições do campo de
conhecimento os estudos oriundos da antropologia, sociologia, filosofia, marketing e
comportamento do consumidor.
A busca por teorias que explicassem ou se aproximassem do fenômeno do não uso
exigiu que o foco de análise fosse ampliado. As poucas pesquisas publicadas sobre o tema
(BOWER; SPROUT, 1995; TROCCHIA; JANDA, 2002) partiam de pressupostos racionais e
utilitários, compreendendo o sujeito como tomador de decisão coerente e “senhor” de suas
escolhas. Nessa perspectiva, o não uso era tratado como um fenômeno da pós-compra, ou seja,
uma prática ligada a algum problema ou dificuldade relacionada à compra, ou a uma compra
que não deu certo. Segundo essa abordagem, os estímulos ao não uso poderiam se originar nas
231
compras compulsivas (O'GUINN; FABER, 1989) e impulsivas (Rook, 1987), que pressupõem
a falta de planejamento da aquisição do produto (TROCCHIA; JANDA, 2002).
Nesse sentido, os consumidores deixariam de usar (ou não usariam) produtos e serviços,
pois não haviam desenvolvido um plano mental para o uso do bem comprado. Isso ocorreria,
quando o consumidor enfrentava momentâneos de desequilíbrios, decorrentes do conflito
psicológico entre o autocontrole e seus desejos (HOCH; LOEWENSTEIN, 1991; YOUN;
FABER, 2000; COSTA, LARÁN, 2006) ou, ainda, quando havia compras repetitivas que
ocorriam como resposta a eventos ou sentimentos negativos (O'GUINN; FABER, 1989;
VELUDO-DE-OLIVEIRA, IKEDA, SANTOS, 2004; JOHNSON; ATTMANN, 2009).
Todavia, esta lente de análise não revelava os modos de ser no mundo cotidiano, a partir
do entendimento da interação entre as pessoas e entre as pessoas e seus bens. Tão pouco se
preocupava em refletir e compreender o processo de não usar as coisas que se tem, já que
priorizava explicações causais e racionais. Nesta pesquisa, por outro lado, partiu-se do
pressuposto de que se deve compreender o caráter simbólico da vida cotidiana e os sentidos que
a constituem, ou seja, buscou-se compreender o não uso e seus significados. Compreendendo a
natureza indutiva da pesquisa qualitativa, esta tese percorreu caminhos teóricos que partiram
da perspectiva do consumo como um fato social, mediado por bens, que constituem a
materialidade da cultura. Essa, por sua vez, exige o entendimento da cultura material como
condição sua formação e sustentação.
O esforço de elaboração teórica desta tese enfrentou a dificuldade inicial de onde situar
o não uso. Como na literatura de comportamento do consumidor ele é superficialmente
abordado, como um elemento do pós-compra, (o que não explica o fenômeno e suas nuances)
partiu-se dos conceitos que explicam como as pessoas se relacionam com os objetos. No intuito
de compreender uma prática tão comum e, ao mesmo tempo, tão esquecida como o não uso,
foram selecionados três pressupostos importantes para a organização teórica desta tese, que
compreenderam o não uso: (1) como parte do processo de consumo; (2) por seu caráter material,
e; (3) pelas representações da posse de bens em pesquisas de consumo.
Compreender o não uso como parte do processo de consumo, envolveu ir além da
compra e da utilização dos bens. Em outras palavras, utilizou-se uma perspectiva, segundo a
qual o consumo está inserido num contexto social e cultural amplo, que cria, valoriza e dá
significado aos objetos. Para dar conta desse pressuposto foram apresentadas as contribuições
de autores da cultura e consumo como Miller (2007; 2010), Slater (2002), McCracken (2003),
Douglas e Isherwood (2013), Sahlins (2003) entre outros.
232
O segundo pressuposto deste trabalho dizia respeito ao caráter material dos objetos não
usados. A relação entre sujeitos e coisas – things, na literatura em inglês, como explica Miller
(1987) - é foco de estudo de algumas áreas do conhecimento, tais como a psicologia, a
economia, a sociologia, a antropologia, a filosofia, o design e o próprio marketing. Optou-se,
então, pela abordagem cultural da cultura material, desenvolvida na segunda parte do capítulo
de contribuições teóricas do campo, quando as proposições de pesquisadores que analisam o
consumo como elemento central da cultura material foram apresentadas. Entre os autores
estavam Miller (1987, 1995; 2001; 2004; 2005; 2007; 2010; 2013), Dant (1999; 2008),
Appadurai (2008) e Kopytoff (1986), Woodward (2007; 2011), Tyller (2006), Hodder (2012) e
Berger (2014). A seção apontou os significados do consumo a partir de uma abordagem cultural
e social que irá apoiar a análise do não uso como uma dimensão do consumo.
Aspecto fundamental do entendimento do papel dos objetos na sociedade diz respeito a
pesquisa sobre o significado da posse de bens. A representação da posse de objetos nas
pesquisas de comportamento do consumidor foi, então, o terceiro eixo das contribuições do
campo de conhecimento trazido nessa tese. Nessa seção foram apresentados os principais
estudos realizados em marketing e comportamento do consumidor voltados à compreensão e
análise da posse de objetos. Para tal, discutiu-se aspectos relacionados aos sentimentos de posse,
amor e apego aos bens materiais, com autores como Belk, Sherry e Wallendorf (1988),
Wallendorf, Belk e Heisley (1988), Arnould e Wallendorf (1988), Belk, Wallendorf e Sherry
Jr. (1989), Schultz, Kleine e Kernan (1989), Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981), Belk
(1992a), Ball e Tasaki (1992), Richins (1994a, 1994b), Kleine, Kleine e Allen (1995), Price,
Arnould e Curasi (2000), Kleine e Baker (2004), Bardhi, Eckhardt e Arnould (2012), Brough e
Isaac (2012), Lastovicka e Sirianni (2011), entre outros. O desapego foi conceituado a partir
dos trabalhos que o relacionam com o descarte, como os de Jacoby, Beming e Dietvorst (1977),
Belk (1988), Young e Wallendorf (1989), Roster (2001; 2013), Lastovicka e Fernandez (2005),
Mugge, Schifferstein e Schoormans (2006), Schifferstein e Zwartkruis-Pelgrim (2008),
Cherrier (2007), Bradford (2009), Epp and Price (2009) e Watkins, Denegri-Knott e
Molesworth (2016).
Ainda foram visitados estudos sobre manter, guardar e acumular, que se mostraram
importantes à proposta conceitual do não uso. As pesquisas de Belk (1982), Price, Arnould,
Folkman e Curasi (2000), Coulter e Ligas (2003), Curasi, Price e Arnould (2004), Curasi,
Arnould e Price, (2007), Cherrier e Ponnor (2010), Guillard e Pinson (2012), Haws et al. (2012)
contribuíram para o entendimento da importância dos comportamentos de manutenção nas
233
questões de não uso. Assim como estes estudos, os conceitos de coleção de Belk (1982; 1995;
2001) e de abandono de Hogg (1998), Hogg, Banister e Stephenson (2009) e Suarez, Chauvel
e Casotti (2012) permitiram a delimitação e diferenciação do não uso.
O lado obscuro do consumo foi mostrado com referência ao materialismo e ao
consumismo, já que ambos são associados à posse de bens materiais, segundo Fromm (1987),
Miller (1987; 1995; 2004; 2007), Richins e Dawson (1992) e Ger e Belk (1999). Nesta seção
os estudos sobre compras compulsivas (O'GUINN; FABER, 1989), compras por impulso
(ROOK; 1987) e sobre acumulação compulsiva (MCKINNON; SMITH; HUNT, 1985; BELK;
JOON YONG; LI, 2007; CHERRIER E PONNOR, 2010) também foram observados, quando,
além de se caracterizar tais conceitos, fez-se uma distinção entre eles.
Ao final do subcapítulo de contribuições teóricas foram mostrados os estudos já
realizados sobre não uso de Bower e Sprout (1995) e Trocchia e Janda (2002), com o propósito
de identificar pontos de convergência com outros fenômenos do consumo relativos a
materialidade. Percebeu-se, contudo, que poucas foram as pesquisas em comportamento do
consumidor que se preocupam em perguntar como os objetos materiais interagem e
transformam o consumidor. A materialidade dos objetos de consumo tem potencial para
sustentar a criação de identidade do consumidor, bem como as alterações necessárias ao longo
do tempo na noção de autoconceito, como propõe Miller (1987; 2005) e Borgerson (2005).
Apesar disso, boa parte dos trabalhos analisados nessa tese desconsideram a perspectiva da
materialidade, concentrando-se em definições micro teóricas, por vezes voltadas a
racionalidade. Partindo dessa perspectiva, este estudo investigou como a posse de bens não
usados contribui para constituição da vida social das informantes.
Com vistas a atingir os objetos propostos foram realizadas pesquisas de natureza
exploratória, com o emprego de técnicas qualitativas de abordagem interpretativista, também
chamada de hermenêutica. Dentro da perspectiva interpretativa e do foco micro social (BADOT
et al., 2009) adotado no presente trabalho, algumas técnicas de obtenção de dados auxiliaram a
compreensão do não uso: a observação, as entrevistas em profundidade, a história de vida e as
fotografias. O processo de consumo de bens e serviços não usados foi explorado, a partir de três
fases de coleta de dados, que reuniram dados secundários, visitas a blogs, 35 entrevistas em
profundidade, um grupo focal e diversas anotações em diários de campo.
Este estudo percebe o consumo como um processo social culturalmente constituído e
significativo, empregando, portanto, uma abordagem cultural ligada a Consumer Culture
Theory (CCT). Acreditando que o consumo possui uma natureza complexa, adotaram-se
234
posicionamentos e procedimentos que permitiram uma análise, ao mesmo tempo, abrangente e
contextualizada, segundo a qual o campo – e não o laboratório – foi o contexto natural para o
estudo.
Em se tratando de uma busca científica calcada no paradigma interpretativista, foram
estabelecidas premissas como: ausência de pré-julgamentos a respeito do fenômeno; amplitude
do caráter investigativo; falta de rigidez na delimitação a priori; imersão do pesquisador no
ambiente de ocorrência do fenômeno em estudo; e utilização do próprio pesquisador como
instrumento de pesquisa. A operacionalização da pesquisa, que compreendeu a técnica de coleta
e análise de dados, empregou procedimentos adequados à categorização dos textos obtidos no
campo. Estas escolhas basearam-se nas características do não uso, da própria realização do
campo e da disponibilidade de recursos para a realização da pesquisa.
Adotar a visão hermenêutica implicou admitir que o ponto de vista dos envolvidos nos
fenômenos assume prioridade como objeto de estudo. O conhecimento passou a ser construído
pela multiplicidade e complexidade da interação entre as entrevistadas. Visto que cada um
interage de forma única com o ambiente e com os objetos presentes, e que essa interação é
entendida a partir da construção cultural e social, a visão interpretativista não exigiu
concordância absoluta entre os pesquisados para que se construísse o conhecimento. Ao se
combinarem diferentes perspectivas, as leis, generalizações e regras de previsibilidade não se
aplicam aqui. Dada a singularidade e complexidade dos fenômenos sociais, que são (“somente”)
descritos e interpretados, o que se criou foi um saber aprofundado sobre o grupo de mulheres
pesquisadas. Esse saber pode estar restrito ao grupo ou não, o que deixa clara a intenção de não
generalizar.
5.2 Principais Achados do Trabalho
Os principais achados são sintetizados no Quadro 18, no qual são apresentadas as
categorias de análise resultantes do trabalho de pesquisa.
235
Quadro 18 – Principais Achados do Trabalho
Categoria Aspectos Abordados Definição Central
Construção do Conceito Caracterização do Não uso Não uso é manter a posse de
produtos/serviços não usados considerados
importantes para o indivíduo, que mantém
ligações físicas ou emocionais com o objeto.
Caminhos Percorridos Pré-Aquisição
Aquisição
Consumo - Continuum
Bens não usados percorrem trajetórias até se
tornarem não usos
Reconhecimento Funções
Tipos de Ligação
Significados
O que leva as pessoas a não se desfazer de
posses.
Procedimentos
Empregados
Guardar
Esconder
Como os não usos são armazenados e
tratados.
Fonte: da autora.
Num esforço resultante do exame das contribuições teóricas do campo de conhecimento
e da análise dos dados coletados no trabalho de campo, a primeira parte dos achados oferece
uma proposta conceitual para o não uso, definida como: manter a posse de produtos/serviços
não usados considerados importantes para o indivíduo, que mantém ligações físicas ou
emocionais com o objeto. Tal esforço conduz a algumas premissas estabelecidas, que
caracterizam o não uso.
Inicialmente compreendeu-se que o não uso não é definido pela usabilidade de produtos
e serviços. Coisas não usadas podem funcionar ou não, e este não parece ser o critério utilizado
para sua manutenção. O sentimento de posse, manifestado pelas sensações relatadas pelas
entrevistadas de que bens não usados possuíam significado especial atribuído a eles, formado
através de experiências envolvendo o objeto. A apropriação psicológica dos bens não usados
pelas pesquisadas, também contribui à possessividade, expressa na pesquisa em expressões de
controle e domínio.
O apego aos bens não usados, ou seja, a ideia de que eles são parte da vida das
entrevistadas pode ser percebida em relatos sobre o medo de perder bens não usados, ou de ficar
sem eles. Seu caráter insubstituível evidenciou-se em depoimentos que mostraram sofrimento
ao pensar em perder, o que sugere que esses objetos “guardados” e não usados podem definir e
manter o autoconceito de quem os possui. Outro aspecto importante das características do não
uso é que esses objetos possuem história. A biografia dos não usos parece ser construída ao
longo do tempo, em rituais e práticas de consumo, que aumentam o tempo de convivência entre
sujeito e objeto, tornando-os mais próximos. Desta forma, por terem criados vínculos com seus
donos, os bens não usados apresentam a característica do apego entre sujeito-objeto.
236
Ademais, posses não usadas são mantidas, guardadas, armazenadas por seus
proprietários. Nesse sentido, algumas coisas não usadas representam o self e os projetos de
identidade das entrevistadas, enquanto outras representam aquilo que elas não desejam (mais)
ser. A ligação física ou emocional das entrevistadas com seus bens não usados indica a ausência
de desapego, que “devem ser mantidos”. Guardar os bens implica em preservar os valores
simbólicos depositados neles. Resumidamente, coisas não usadas são apegos que contam a
história do indivíduo e por isso são mantidas. Além disso, os depoimentos mostram que objetos
não usados:
a) São posses apropriadas psicologicamente, que transmitem a sensação algo é “meu”, e
pode representar “eu” cuidadosamente cultivado há anos, a manifestação do “eu” agora,
ou a antecipação do “eu” pretendido (BELK, 1988; KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995;
KLEINE; BAKER, 2004).
b) São apegos que contam uma história pessoal vivida entre sujeito e sua posse
(KOPYTOFF, 1986; MCCRACKEN, 2003), que estar num pequeno altar visível e
sacralizado ou no porão, escondida entre caixas e poeira (BELK; WALLENDORF;
SHERRY, 1989),
c) Representam ligações que refletem o self (KLEINE; KLEINE; ALLEN, 1995), e que se
modificam ao longo do tempo (BALL; TASAKI, 1992; MUGGE; SCHIFFERSTEIN;
SCHOORMANS, 2006; SCHIFFERSTEIN; ZWARTKRUIS-PELGRIM, 2008).
d) São emocionalmente complexos, dado que os significados atribuídos a eles podem
desenvolver laços especiais, emocionais com o sujeito (SCHULTZ; KLEINE;
KERNAN, 1989; BELK, 1992a; ROSTER, 2001; KOGUT; KOGUT, 2011).
e) São reconhecidos pelos sujeitos como especial ou banais, de acordo com a capacidade
do bem em transferir e guardar significados (MCCRACKEN, 2003), podendo conter
uma mística sobrenatural ou mágica que os singulariza (BELK; WALLENDORF;
SHERRY, 1989; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013; KOPYTOFF, 1986; SIMMEL,
2004; WALLENDORF; ARNOULD, 1988), mas isso não é uma prerrogativa, já que
objetos não usados podem ser (ou estar) comoditizados (LASTOVICKA;
FERNANDEZ, 2005).
Caracterizado o não uso, buscou-se compreender como os caminhos percorridos pelas
coisas não usadas, ou seja, como elas se tornaram não usadas. Essas trajetórias iniciam-se com
as ações de pré-aquisição, que envolvem a autossedução do consumidor e a vontade ou o desejo
237
de ter determinado produto. A pré-aquisição abastece o sujeito de motivação para a aquisição e
inicia o processo que desaguará no não uso, construindo o caminho para o consumo dos bens.
Na fase de aquisição, ou seja, quando bens passam a ser propriedade das pessoas, três
aspectos foram considerados pelas entrevistadas antes do não uso: o momento da aquisição, o
tipo de ação realizada para adquirir e o agente – pessoas envolvidas – da aquisição. Ao
reconhecer um bem como não usado o consumidor considera em sua avaliação sobre a
importância relativa do bem, o momento em que ele foi adquirido, como foi feita a aquisição e
quem estava com ele. Ocasião, ação e agentes formam as dimensões da aquisição, que são inter-
relacionadas e ocorrem ao mesmo tempo.
Partindo da noção de que o consumo é parte significativa da vida social, parece fazer
sentido haver momentos de aquisição especiais e momentos comuns. Esses últimos referiam-
se a compras feitas no cotidiano, como uma compra no supermercado, em uma loja qualquer,
no shopping, sem nenhuma ocasião especial. Os produtos adquiridos nesse contexto não eram
oriundos de experiências extraordinárias, que serão lembradas para sempre. A banalidade dos
momentos de aquisição dos bens concede-lhes características distintas dos adquiridos em
momentos especiais: se os últimos podem ser singularizados, os primeiros são vistos, em geral,
como comuns. A banalidade dos momentos de aquisição faz parte do dia a dia de todos os
consumidores, que excepcionalmente experimentarão ocasiões especiais, já que o consumo é,
na maior parte do tempo, corriqueiro.
Os bens recebidos como presentes, heranças e doações foram destacadas. Ao recebe-los
também se está declarando que eles devem, de alguma forma, ser incorporados à rotina e ao
self dos receptores. No entanto, heranças, presentes e doações carregam também uma parte do
self de quem os doa, e isso pode ser motivo de conflito entre doador e receptor. Nem todas as
pessoas conseguem moldar bens recebidos à sua identidade e se recusam a usá-los em função
disso. Eles simplesmente não cabem na vida de quem os recebeu e por isso tornam-se não
usados. As pessoas preferem, geralmente, escolher os objetos que chamarão de seus, pois
poderão moldar os significados dessas posses para caber em suas identidades.
A aquisição relaciona-se, ainda, com a importância relativa da posse. Para as
entrevistadas, adquirir determinado bem parece ser uma forma de se aproximar de quem elas
desejam ser. O self futuro ganha concretude com a aquisição do bem, que, apesar de não ser
usado está lá, à sua disposição. Ele passa a fazer parte de quem elas são hoje, compõe sua noção
de identidade. A aquisição viabiliza a apropriação instantânea desse eu projetado.
238
Uma vez adquirido o bem, inicia-se o processo de consumo, que envolve a posse, a
relação de apego e a criação de significado a partir do momento em que o objeto adquirido
passa a conviver com o sujeito. O uso em si não determina se um objeto se tornará não usado.
Ao apresentar o processo que conduz ao não uso, fala-se necessariamente em uso. Contudo, o
bem pode ou não ser usado e isso não parece ser categórico. Quando o objeto passa a conviver
com seu proprietário, ele pode usá-lo intensamente, usá-lo moderadamente (menos do que
gostaria ou pensava em usar) ou nunca chegar a usar. Em qualquer um desses casos, o objeto
pode se tornar não uso, o que indica que o uso é uma parte do processo, não uma condição.
Surgiram muitas formas de convivência entre sujeito e objeto. Elas possibilitam
construção da história entre eles e levará, posteriormente, aos sentimentos de posse e apego.
Foram identificados fatores que levam ao não uso, caminhos percorridos pelos objetos não
usados das entrevistadas, entre eles: estar fora de moda; mudanças no ciclo de vida; perda de
interesse ou entusiasmo; uso demasiado ou da idade avançada de alguns bens; deixar de servir;
dificuldade de incorporar práticas exigidas pelos produtos à sua rotina; esquecer que tem; falta
de organização ou a má organização nos locais de armazenamento; dificuldade de uso;
necessidade de preservar; deixar de funcionar; necessidade de contexto específico para uso e;
ter muitas opções de uso.
O consumo dos bens não usados parece ocorrer dentro de um continuum, que se
estabelece entre bens nunca usados e bens muito usados. Dentro do continuum, estão
incorporados desde bens e serviços novos e que nunca foram usados pelas entrevistadas até
coisas muito velhas e que não são mais usadas. Houve uma relação temporal neste continuum,
de forma que coisas nunca usadas parecem se relacionar com projetos de um self futuro, coisas
pouco usadas com o eu atual – “quem eu sou agora” –, e posses muito usadas com o eu passado
– “representa quem eu era”.
Passado o período de consumo, no qual o indivíduo convive com o bem, ele passa a
ponderar sobre o uso que fez, tem feito e/ou pretende fazer do produto ou serviço possuído.
Denominou-se esta etapa de reconhecimento, quando o sujeito passa a refletir sobre as
motivações para manter o bem não usado. Coisas não usados foram reconhecidas como tendo
funções que justificavam sua manutenção. Funções simbólicas e utilitárias referem-se,
respectivamente, a capacidade dos bens não usados refletirem os projetos identitários investidos
neles; e a sua possibilidade de performance. Bens considerados como pouco úteis eram
candidatos ao descarte.
239
Ao distinguir as funções do não uso, os consumidores reconhecem os tipos de ligação
que têm como os bens. Identificou-se que as ligações podem ser foram (a) afetivas, (b)
expressivas, (c) afiliativas, (d) monetárias, (e) funcionais e (f) materialistas, e que elas podem
modificar a importância percebida do bem para o sujeito. As funções simbólicas dos bens não
usados foram diferenciadas em relação às funções utilitárias pelo tipo de ligação relatado pelo
grupo de entrevistadas. Em relação às funções simbólicas, foram identificadas ligações afetivas,
expressivas e afiliativas nas posses não usadas descritas como importantes, queridas,
representantes do self e que lembravam pessoas ou momentos especiais. Ligações utilitárias
surgiram para bens com ligações monetárias, funcionais e materialistas que são percebidos
como úteis (“eu ainda posso usar”), de boa qualidade, caros, que estão novos, foram pouco o
nunca foram usados.
Além disso, bens não usados são avaliados e classificados em relação à sua importância
para o indivíduo. O reconhecimento dessas ligações permite atribuir significado aos bens não
usados, que passam a ser considerados singulares ou comuns. Não usos singulares eram
descritos como tendo uma biografia, para os quais havia apego, desenvolvido através da
apropriação psicológica, da convivência ou por ele ser percebido como uma extensão do self.
Não usos comuns, por sua vez, eram os objetos chamados de “tralhas”, que não representavam
mais o self, havendo pouco ou nenhum apego entre eles e os sujeitos da pesquisa. Esses não
usos “não representam mais” os projetos identitários ou servem como lembranças de momentos
ruins.
Uma classificação encontrada dos objetos não usados está relacionada aos espaços em
que eles estavam nas casas visitadas. Havia uma diferença entre os não usos expostos e que
estavam fisicamente próximos, em lugares acessíveis e os não usos que estavam guardados,
malocados, escondidos, abandonados. Ambos tinham suas histórias, e consequentemente, as
entrevistadas demonstravam certo apego, apesar de manter alguns deles a certa distância física.
Desta forma, os procedimentos empregados nos bens não usados foram classificados como
guardar e esconder.
Bens guardados são aqueles mais importantes, para os quais os há cuidado com a
manutenção. Eles servem como “troféus” da história pessoal de cada indivíduo, sendo mantidos
com zelo. Os espaços dos bens guardados e não usados eram importantes e acessíveis. Esses
bens pareciam não ser candidatos ao descarte, pois eram tratados como apegos emocionais,
ligeiramente afastados fisicamente. Estavam dentro de armários, mas não no fundo; estavam na
240
estante da sala, mas não no coração dela. Podiam ser vistos e, portanto, lembrados. Apesar de
serem indicados como não usos, poder-se-ia dizer que estão, de certa forma, em uso.
A outra classificação de espaços de não uso revelou procedimentos opostos à
organização, exposição e zelo. Esses objetos eram escondidos por seus donos e estavam no
fundo dos armários, em sótãos, empilhados, misturados ou entulhados. As entrevistadas
reuniam os não usos que não queriam ver e os colocavam em locais de pouco contato físico.
Isso permitiu perceber que estes produtos não eram tão importantes quanto os guardados, e, por
isso mesmo, poderiam estar em locais menos nobres.
Percebeu-se ainda, que o momento da aquisição pareceu influenciar os procedimentos
empregados nas coisas não usadas depois delas serem reconhecidas como tais. Ele pode,
eventualmente, influenciar também o consumo, já que coisas adquiridas em momentos
excepcionais têm mais chance de serem singularizadas e tratadas como importantes. As
ocasiões de aquisição, por sua vez, funcionaram como marcos, utilizados pelos consumidores
para definir os procedimentos empregados nos objetos quando eles são reconhecidos como não
usos. Coisas adquiridas em momentos notáveis parecem ter mais chance de ser singularizadas
e guardadas com carinho. Elas dificilmente serão descartadas, pois servem como um álbum de
recordações da vida do sujeito. Bens não usados, que foram adquiridos em momentos
importantes eram, em geral, mantidos e guardados. Empregava-se para eles procedimentos
distintos e especiais. Não se pode atribuir exclusivamente ao momento da aquisição os
procedimentos que empregados nos objetos não usados, mas pareceu haver uma importante
relação entre eles.
Destaca-se também que essas respostas foram dadas referindo-se as coisas não usadas
como um todo, não a posses específicas. Ao referir-se ao conjunto de posses não usadas, a
conotação negativa ficava mais evidente do que quando se falava de um objeto específico. Ao
contar a história do objeto e lembrar dele no contexto de sua vida, as entrevistadas davam-lhe
agência e uma biografia. Ao pensar em suas coisas não usadas como um conjunto de objetos
retirados do contexto social da casa e que estão “encostadas”, elas pareciam se incomodar com
a posse e a manutenção de tais objetos. Era como se isoladamente os objetos pudessem ser
significados, mas, ao formar o conjunto de bens não usados, eram recommoditizados.
A ação de reconhecimento do não uso determina os procedimentos que serão
empregados no bem, tratado, então, como um não uso de fato. O processo descrito na pesquisa
não possui prazo fixo para ocorrer, nem mesmo seria possível estimar seu tempo de duração,
pois a sequência de ações que constituem o não uso pressupõe que elas ocorrem ao longo do
241
tempo. O período entre a pré-aquisição e o reconhecimento do não uso pode levar anos, quando,
por exemplo, uma pessoa esquece no fundo de um armário uma iogurteira que deixou de usar;
ou instantes, quando, por exemplo, a pessoa ganha um presente que tem certeza absoluta que
nunca usará, pois não combina com ela ou com seu estilo, e mesmo assim o mantém consigo.
O tipo de produto e o significado que ele possui para o sujeito podem influenciar o
processo, visto que se relacionam com o grau de apego para com o objeto não usado. Objetos
para os quais o sujeito é muito apegado tendem a ser mais significativos, assim como bens
considerados raros. Apesar da descrição do não uso como resultado de um processo, as etapas
não precisam ocorrer fielmente na ordem em que foram apresentadas aqui. O ponto inicial e a
direção do processo podem ser confusos, visto que se fundem com o processo de uso. Além
disso, é possível que uma pessoa reflita sobre os fatores e incidentes anteriores que a levaram a
não usar somente depois de iniciado o processo.
O reconhecimento do não uso pode, eventualmente, ocorrer antes do emprego de
procedimentos para mantê-lo com o sujeito. Pode-se reconhecer o não uso também logo após a
aquisição ou mesmo durante o consumo. O reconhecimento cria uma tensão no sujeito que
agora vê-se obrigado a reconhecer-se como alguém que mantém bens não usados. Nesse
sentido, o não uso é, em muitos casos, um processo emocional. Há influências cognitivas nesse
percurso, mas elas tendem a ser usadas durante o processo de descarte e nem sempre no
processo de não uso. No entanto, o não uso definitivamente não é um processo simples. Ele traz
consigo uma série de significados que não irão ser desperdiçados pelas entrevistadas. Por mais
que elas tentem racionalizar seus não usos, a trajetória deles parece falar mais alto, o que as faz
mantê-los consigo.
5.3 Contribuições Teóricas
O não uso relaciona-se com a importância de ter a posse de coisas, apesar delas serem
usadas. Valorizar a posse é viver o modo ter, como sugere Fromm (1987). O entendimento de
que é preciso ter coisas, cuja aquisição é considerada fundamental para obtenção de felicidade,
levou algumas entrevistadas a se auto definir como “materialistas”. Elas assumiam que gostava
242
de “ter as coisas”, mas não necessariamente gostavam das coisas. Ao se autodenominarem
materialistas, elas se aproximam da experiência foi relatada por Ger e Belk (1999) e por
Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981). Ger e Belk (1996; 1999) indicaram que, ao pensar
sobre materialismo, as pessoas se envolvem em explicações a respeito das normas da cultura
material e num diálogo sobre atitudes materiais, valores e estilo de vida, muitas vezes
emocional.
O materialismo pode também ser relacionado com os conceitos de Csikszentmihalyi e
Rochberg-Halton (1981), sobre materialismo instrumental e terminal, ligados aos propósitos de
consumo do sujeito. As posses das entrevistadas autointituladas materialistas parecem servir a
propósitos que vão além da ambição e têm um escopo específico, limitado a exercer influências
positivas em sua vida. Estas são características do materialismo positivo. Por outro lado, essas
entrevistadas também tratam suas posses como fins em si, ou seja, ter o bem como sua
propriedade parece ser seu objetivo principal. Para Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton (1981)
esses são traços do materialismo terminal, que é potencialmente destrutivo, pois pode resultar
inveja, possessividade, não generosidade, avareza, cobiça, ciúmes e, talvez, uma tendência a
tratar pessoas como posses (BELK; POLLAY, 1985).
Faz necessário assim, distinguir o não uso de conceitos que o permeiam, tais como
colecionar, acumular compulsivamente e abandonar, que são explicados no Quadro 19, em
relação as diferenças e aproximações. As propostas conceituais e as relações de apego
estabelecidas entre sujeito e objetos colecionados, acumulados, abandonados e não usados são
apresentadas. Também se identifica a existência de processos que conduzam a tais
comportamentos, bem como a existência de etapas de pré-aquisição, aquisição e consumo.
Busca-se descrever os motivos alegados para os sujeitos não se desfazerem de seus bens
colecionados, acumulados, abandonados e não usados. Os procedimentos empregados a eles e
como eles são usados são revelados. Indica-se a capacidade de representar os self dos
proprietários de bens nas situações de coleção, acúmulo, abandono e não uso. Por fim,
relacionam-se os principais autores desses fenômenos.
243
Quadro 19 – Comparação de Conceitos
Coleção
Acumulação
Compulsiva Abandono Não uso
Conceito
Adquirir um
conjunto inter-
relacionado de
posses.
Insuficiência para
descartar bens que
parecem ser inúteis
ou ter valor
limitado.
Ato de abrir mão
de algo
anteriormente
consumido.
Manter a posse
de produtos e
serviços não
usados
considerados
importantes, por
terem ligações
físicas ou
emocionais com
o sujeito.
Relação de
Apego Forte Forte Fraca (desapego) Forte e Fraca
Processo Não Não Sim Sim
Pré-Aquisição
Autossedução,
Vontade de Ter,
Envolvimento
Vontade de Ter,
Materialismo,
Compulsão
Inexistente Autossedução,
vontade de ter
Aquisição
Fator de alto
envolvimento, mas
não principal
Fator principal Fator secundário
Fator
importante, mas
não principal
Consumo Uso intenso Sem uso Não usa mais Continuum
Motivos para não
se desfazer
Formar um
conjunto de coisas
Compulsão, recusa
a desapegar
Pode ter se
desfeito
Reconhecimento
de funções
simbólicas e
utilitárias
Procedimentos
Empregados Exibir Entulhar Descartar
Guardar ou
Esconder
Usabilidade Pela exposição Nenhuma Deixou de usar Não usado
Capacidade de
representar o Self Muito Alta Muito Alta Alta e Baixa Alta e baixa
Autores Belk (1995; 2001)
Cherrier; Ponnor
(2010); Haws et al.
(2012)
Suarez et al.
(2012)
Fonte: da autora.
As diferenças entre os conceitos permitem identificar que o não uso pode ser tratado
como um comportamento de consumo, pois distingue-se de outros comportamentos. Não usar
é manter relação física e emocional com coisas mantidas guardadas, enquanto colecionar é
formar um conjunto de posses. Acumular é não ter critério em relação ao que deve ser mantido
e abandonar é abrir mão da manutenção.
244
5.4 Sugestões de Estudos Futuros e Limitações do Estudo Presente
Uma pesquisa extensa encontra alguns percalços pelo caminho. O não uso foi estudado
individualmente, mas há uma importante participação das famílias em alguns tipos de não uso,
como móveis, brinquedos, utensílios domésticos. Em algumas situações há um cuidador da
coisa não usada, que se torna quase um guardião. Esse processo é significado dentro do âmbito
familiar e não somente pelos indivíduos, diferenciando-se do não uso individual em função da
transmissão de sua singularidade para os outros membros da família. Curasi, Price e Arnould
(2004) relatam esse tipo de objeto como riqueza inalienável. Tais bens têm características
sagradas (Belk, Wallendorf e Sherry Jr.) e podem ser melhor compreendidas em estudos
futuros.
Talvez em virtude de seu caráter corriqueiro, o não uso não tenha sido adequadamente
limitado durante o processo de pesquisa, que tratou de aspectos relativos tanto a aquisição
quanto ao uso. Projetos futuros podem usar um direcionamento no campo, pedindo para os
informantes contarem histórias de não usos específicos. Apesar da tentativa de diferenciar o
não uso de outros conceitos, talvez ainda haja fronteiras nebulosas, especialmente entre não uso
e abandono. Diferenciar esses comportamentos contribuiria para a compreensão mais
aprofundada de ambos.
Relação entre necessidade de mudar de hábitos para incorporar uma nova rotina e o não
uso surgiu na pesquisa em muitos momentos. Por não ser foco desse estudo, optou-se por apenas
descrevê-la. Contudo, o uso de teorias como a teoria da prática, de Warde (2005) podem
contribuir futuramente para um entendimento dessas dimensões e suas influências no não uso.
245
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APÊNDICE 1 - ROTEIRO FASE 1
1. Introdução
Perfil: nome, idade, bairro onde mora, atividade principal
Hábitos: o que você costuma fazer para se informar?
Descreva um sábado típico na sua vida. E uma segunda?
2. História de Vida
Conta pra mim como é a sua história com esmaltes/perfumes/maquiagem.
Quando começou? Com que idade começou a usar e a comprar?
Tem algum episódio marcante?
Você é conhecida como a pessoa que tem muito desse produto?
3. Entrevista em Profundidade
Parte 1 = A compra
Como se dá conta de que está precisando (reconhecimento de necessidades)?
Qual o problema que o produto vai resolver (ou para que serve o produto)?
Quando compra o produto, espera que ele faça o que por você?
Quando você pensa em comprar um novo produto como esse, você se imagina usando?
Busca informações sobre o produto?
Como? Onde? Com quem?
Quem são as principais influências para novos produtos?
Como fica sabendo de lançamentos?
Como escolhe qual vai comprar? (teste, revista, amigas, blogs, etc.)
Como ocorre a avaliação das informações buscadas?
Quais são os atributos mais importantes?
E os benefícios que procura?
Percebe riscos envolvidos na compra?
Em que situações compra os produtos (viagens, por impulso, quando está precisando, etc.)?
Quais os sentimentos na hora da compra?
267
Percebe riscos envolvidos nessa compra?
Parte 2 = o uso
Como é o pós-compra?
Onde guarda? Como carrega consigo?
Explorar: o uso – situações, rituais, sentimentos, expectativas sobre o uso
Qual é o produto que você mais usa (cor de esmalte pode ser mais de uma)?
Seus produtos se relacionam entre si:
Usa determinada cor de esmalte com um tipo de roupa ou para uma ocasião especial?
Situações de USO
Quais perfumes são para o dia e quais são para a noite?
Há maquiagens para determinadas ocasiões?
Uma ocasião especial, ou um dia ideal (vou usar quando fizer isso, ou eu usava quando fazia
aquilo = explorar significado deslocado)
Parte 3 = o não uso
Explorar o não uso:
Quais produtos não usa?
Tem alguma ligação entre os produtos que não usa?
Porque você escolhe não usar?
Você está guardando para alguma ocasião, situação especial?
É uma coleção?
Você acha que compra mais do que é capaz de usar?
O que faria você usar mais (deslocamento de significado)?
O que você sente quando chega a casa e vê esses produtos na prateleira?
Há dissonância cognitiva?
Arrepende-se por ter comprado muito - ou - por não ter usado simplesmente?
Parte 4 = Descarte
Você se desfaz dos produtos que não usa?
Como ocorre esse descarte dos produtos que estão cheios?
Dá de presente? Joga no lixo? Outro?
E os produtos vazios? Eles são repostos? Pelos mesmos ou por novos?
Se você tivesse que escolher um desses produtos para ir com você para uma ilha deserta, qual
seria? Porque?
4. Projetiva
Amanda adora esmaltes/perfumes/maquiagem. Ela gosta de ter esses produtos para usá-los
sempre que possível.
Quem é a Amanda?
Que tipo de produtos ela tem mais?
Será que a Amanda usa tudo o que tem?
268
Porque ela não usa?
O que faria ela usar mais?
Existem muitas pessoas como a Amanda?
Um dia, Amanda teve que se mudar e foi obrigada a se desfazer de todos os
esmaltes/perfumes/maquiagem que possuía.
O que ela sentiu?
Como vai ser a vida dela agora?
5. Observação
Observação no quarto ou no lugar onde os produtos pesquisados estão guardados
onde estão guardados?
como estão armazenados?
Quais produtos estão juntos?
Como estão organizados?
Os que ela disse que mais usava estão cheios ou vazios?
Pegar os produtos que estão cheios e pedir pra
269
APÊNDICE 2 - ROTEIRO FASE 2
Pesquisa Não Uso de Vestuário
Vamos falar sobre compra e não uso de itens de vestuário.
1. INTRODUÇÃO
Perfil: nome, idade, bairro onde mora, atividade principal
2. HISTÓRIA DE VIDA
Conta pra mim como é a sua história com vestuário/roupas/acessórios/sapatos.
Quando começou a se interessar pelo assunto?
O que você gosta mais: roupa, sapato, bolsas, acessórios?
Você se considera uma apaixonada? Pq?
f)
Qual a importância das roupas, sapatos ou acessórios na sua vida?
O que as suas roupas, sapatos ou acessórios representam para você?
Como você descreveria seu estilo?
Você acha que mudou seu estilo com o passar do tempo?
o Como foi isso?
g)
Você é ligada em moda? Como?
Segue algum blog? Qual?
Compra revista? Qual?
Você vai a eventos de moda?
Com que idade começou a se preocupar com suas roupas, sapatos ou acessórios?
Você lembra de alguma influência de quando era pequena: mãe, amigas, comercial, fase
de vida...
Tem algum episódio marcante na vida, relacionado a roupas?
270
Você tem alguma roupa que guarda com grande carinho? Qual? Pq?
h)
Você é conhecida como a pessoa que tem muita roupa ou sapato?
Você é criticada por ter muita roupa? Como são estas críticas?
O que as pessoas falam sobre as suas roupas (bem e mal, concorda ou não? – críticas –
sentimentos)?
Você tem roupas, sapatos, bolsas ou acessórios que não usa?
- qual desses itens?
Porque você acha que não os usa?
Quais roupas que você tem e usa pouco ou nada (mas gostaria de usar mais)?
Você acha que sabe explicar a razão de acabar não usando essas peças?
Você percebe alguma relação entre as peças que não usa (são para ocasiões, para quando ficar
magra, quando trabalhar, etc.)?
Será que alguma coisa ou acontecimento faria você usar mais (deslocamento de
significado)?
Já aconteceu de você achar no seu armário uma peça com etiqueta, que nunca tenha sido usada?
Que peça era essa?
Quando / Como ela foi comprada?
Quais eram os planos para ela?
O que aconteceu com ela depois dessa “descoberta”?
Você tem coisas que
1 compra e não usa?
2 ganhou e não usa?
3 fez (criou) e não usa?
4 trocou e não usa?
Você já comprou uma roupa, sapato ou acessório que nunca usou?
1 Você já comprou uma roupa que tinha certeza que não usaria imediatamente?
271
Como foi isso?
Planejava usar no futuro? Quando? Porque?
Ela foi usada?
O que aconteceu depois desse uso?
Você acha que compra muito?
O que é comprar muito?
Quando a pessoa se dá conta que compra muito?
É importante comprar / TER muito?
2 Vc já ganhou roupa, sapato ou acessório de presente e acabou não usando?
Como foi isso?
Você se sente obrigada a usar?
Se sente obrigada a guardar? Pq?
Os presentes de quem você sente que tem que guardar?
Você já deu de presente algo que ganhou e não usou?
Para quem?
Como foi isso?
3 Você já fez ou customizou alguma roupa ou acessório?
Você usa?
Se não usa, já se desfez?
Como foi isso? Para quem você deu? Depois de quanto tempo que já estava com você?
O que você sentiu?
Se não se desfez, pq?
4 Você já trocou alguma roupa, sapato ou acessório?
Com quem?
Como foi isso?
Você usa esse item?
Você já se desfez de algum item que tenha trocado?
272
Você já pediu emprestado alguma roupa?
Pq? Como foi isso? Você usou? Quanto tempo ficou com você?
Quando você tem uma roupa nova, o que acontece em geral quando ela chega na sua casa?
Onde ela mora?
Com quem ela vive (dentro do armário está junto com que tipo de outras roupas)?
O que você sente quando chega a casa e vê esses produtos no armário?
Você tem algum esquema de organização das peças de roupa?
Há alguma separação das roupas por tipo de uso (roupas de festa, de ginástica, de inverno, etc.)?
- explorar: o uso – situações, rituais, sentimentos, expectativas sobre o uso.
Verificar se surgirá uma estratégia de organização por não uso (atrás, escondido, embaixo,
etc.)
Conforme você vai usando uma roupa, o que acontece com ela?
Muda de lugar no armário?
Recebe menos cuidados para lavar ou passar?
Perde/ganha status?
Qual a relação de status entre roupa nova e roupa usada?
Você tem orgulho das suas roupas? E do que vê no seu armário?
Você considera que tem uma coleção de roupas? E de sapatos?
Você conhece alguém que tenha uma coleção?
Como as pessoas guardam as suas coleções?
As pessoas usam as coisas das suas coleções?
Você acha que TEM mais coisas do que é capaz de usar?
Que tipo de coisas?
Como você se sente com isso?
Você já enjoou de alguma roupa?
273
Qual?
Porque? Como isso aconteceu?
O que você fez com ela?
Você tem alguma roupa que tem e não usa porque
Não é o seu estilo atual
Não se usa mais
Moda tem muitas tendências... (p.ex. calça saruel, colete, Oxford, spatrile, slipers, etc.)
Você compra esses “lançamentos” (coisas diferentes)?
Você já se viu com dificuldade em usar um desse itens pq ainda não consegue ou tem
dificuldade de incorporar a sua rotina diária (seu jeito de vestir)?
Pensando nas coisas que você tem e não usa
O que é não uso para você?
Quando você acha que a gente pode dizer que uma coisa é “não usada”?
Você já comprou alguma coisa sabendo que não usaria?
- O que era?
- O que você sentiu?
Você acha que as pessoas em geral compram coisas que sabem que não vão usar? Pq?
Qual o papel da amigas (sociedade) nesse processo?
Você conhece alguém que tem muitas coisas que não usa?
Que coisas essa pessoa tem?
Porque você acha que ela não usa?
Você acha que ela compra mais do que precisa?
Em comparação com as outras pessoas que você conhece, você acha que ela é mais
materialista?
Em que sentido?
O que é ser materialista para você?
Projetiva
Se as coisas que você tem e não usa fossem um:
Cheiro:
Gosto:
274
Cor:
Lugar:
Idade:
Personalidade:
Música:
Vou lhe contar uma história e gostaria que você tentasse imaginar no maior nível possível de
detalhes o que se passa com os personagens:
Vamos imaginar que estamos numa outra dimensão, num planeta diferente chamado
“GUARDA-ROUPA”.
Como é esse planeta?
O que você vê lá?
Quem são os habitantes desse planeta?
O que eles estão fazendo?
Qual a cor das coisas?
Tem algum cheiro?
Música, som?
Dentro do planeta Guarda-Roupa há dois países: o país das coisas usadas e das coisas não
usadas.
Quem mora no país das roupas usadas?
E das não usadas?
Eles são parecidos? Como
Elas são diferentes? Em que?
Como é a relação entre esses países?
Seus habitantes se dão bem? Há algum tipo de rivalidade?
Quem é mais desenvolvido, rico, mais estudo, etc.?
Em qual dos países tem mais gente?
275
Vamos para o país das coisas não usadas:
O que é mais comum lá? (em termos de roupas)
Como as pessoas são? (qual o perfil dos habitantes)?
O que elas fazem/estão fazendo?
Tem algum cheiro? Música? Cor?
Qual o futuro delas? Com o que elas sonham?
Imagine que estes países querem se aproximar um do outro. Você foi convidada a criar um
programa de intercâmbio entre esses países, para estimular as trocas entre eles.
Quais regras você estabeleceria para este intercâmbio? (em termos de política de
transferência, número de peças, etc.)
Quem pode ser intercambista?
Quais atividades se pode fazer durante o intercâmbio?
O que faria alguém querer fazer um intercâmbio?
Imagine que um membro do país roupas não usadas foi morar no país das roupas usadas.
O que mudou na vida dele?
Quem são os amigos dele agora?
Como ele está se sentindo?
O que ele está fazendo? Alguma coisa que não fazia antes? Deixou de fazer alguma
coisa?
Já aconteceu de você se arrepender por não ter usado uma roupa que comprou?
Qual roupa?
Porque houve arrependimento?
Isso acontece com frequência?
Me conta sobre a sensação, o que mais preocupa?
Você usa alguma tática pra não se arrepender?
276
O que você imaginava quando comprou?
(descarte)
Quando uma roupa fica velha?
Como você sabe que ficou velha?
Quais são os sinais da velhice da roupa?
O que fazer com ela depois de velha?
O que você faz com as roupas que não usa mais?
Você doa? Pra quem?
Tem alguma lógica nesse processo de doação? (ex: roupas de marca vão para familiares,
roupas mais usadas para faxineira, etc.)
Vende? Onde? Pra quem?
Troca?
Daqui a 5 anos, como você imagina que será seu guarda-roupas?
Que tipo de roupas você vai TER que ter?
Que roupas você acha que não terá mais?
Explorar “vou usar quando fizer isso, ou eu usava quando fazia aquilo” = explorar significado
deslocado
277
APÊNDICE 3 – ROTEIRO FASE 3
INTRODUÇÃO: Apresentação da Pesquisa e do Entrevistado
PARTE 1: Exercício Projetivo
Gostaria que você me ajudasse a completar algumas histórias bem curtas.
1. Hoje é sábado e Maria acordou determinada a arrumar sua casa e se desfazer de tudo que
não usa. Que coisas são essas?
2. Ana olhou para a prateleira e tentou se lembrar porque guardou aquele vidro que tá ali
olhando pra ela...
3. Dora tem uma gaveta que ninguém pode mexer porque...
PARTE 2: Lembranças Espontâneas do Não Uso
Vamos lembrar de coisas que você tem mais não usa. Quais são?
(Você tem coisas que não usa? Quais?) - (Fazer uma lista e ir perguntando para cada uma das
coisas lembradas)
A sua ..... COISA onde fica guardada?
Por que fica exposta? Ou Por que fica dentro do (armário, gaveta, caixa...)?
Você já usou a.....em algum momento?
Quando?
Por quanto tempo?
Por que usou? Ou - Por que não usou?
Por que parou de usar?
Elas já foram usadas em algum momento?
Se sim,
o Quando?
o Por quanto tempo?
o Como era sua vida “útil”?
278
Se não, por quê?
Por que você comprou? Você se lembra o motivo? Você tinha algum plano sobre o que fazer
com .....(ESSA COISA)?
O que aconteceu pelo caminho. Me conta COMO/PORQUE.....(ESSA COISA) se tornou uma
coisa não usada?
Houve algum momento em que você decidiu que não usaria mais ou as coisas foram deixando
de ser usadas?
Quando você se depara com ...... (ESSA COISA) que não usa ou não usa mais, como se sente?
Você pensa nas coisas que não usa? Em que ocasiões?
Você ala delas? Pra quem? Em que situações?
Você mexe nelas de vez em quando? Como você se sente quando isso acontece? Há algum
momento especial para mexer nelas (final de ano, doações ou outros)?
Alguém mexe nelas? Quando? Como você se sente?
Elas te remetem a algum momento da sua vida (passado) ou fazem parte de um plano (futuro)?
Você acha que alguma coisa (acontecimento) poderia fazer você passar a usar suas coisas não
usadas? O quê?
PARTE 3: Reunindo o Não Uso
Pensando em todas as coisas que você lembrou que tem e que não usa. Você consegue fazer
uma separação entre elas? Acha que elas são todas iguais?
Sim. Qual a diferença entre elas?
Não. Acha que são iguais? Por que? Em que são iguais?
Imagine que você tivesse que escolher apenas uma (das coisas que lembrou que não usa) para
ficar com ela. Qual seria? Por que?
Agora imagine que você fosse obrigada a se desfazer de apenas uma delas. Qual escolheria?
Por que?
Você se arrepende de guardar coisas que não usa? Por que?
Porque você não se desfaz delas?
279
Pensa em se desfazer? O que te impede?
Como você explica sua relação/ligação com essas coisas (positiva)? Me explica...
(apego, posse, amor, orgulho, etc.)
Qual a diferença entre as suas coisas não usadas e as coisas que você
Doa
Dá de presente
Vende
Joga fora
Se alguém te pede para usar/mexer nas suas coisas não usadas, o que você sente/faz?
Quando você acha que uma coisa passa a ser um “não uso”?
Você acha que algumas pessoas têm mais chance de ter mais coisas não usadas? Que tipo de
pessoas? (explorar acumulação, compulsão, impulsão, etc.) Por quê?
Depois dessa conversa sobre as coisas que não usa você poderia me ajudar a completar as frases
a seguir:
O não uso de objetos é positivo porque...
O não uso de objetos é negativo porque...
As pessoas que têm coisas que não usam são....
As coisas que eu tenho e não uso são...
Se eu pudesse fazer alguma coisa com os objetos que tenho e não uso eu...
PARTE 4: O Contato Com o Não Uso (Buscar Não Usos Não Lembrados)
Você pode me mostrar agora as coisas que você não usa?
(Tirar fotos, muitas e de muitos ângulos, para mostrar onde estão, como ficam armazenados,
com o que estão misturados, como são manipulados, se estão ao alcance, se são visíveis etc.)
Por favor, ao percorrer os espaços da sua casa gostaria que você apontasse objetos que não usa
e que não lembrou no início de nossa conversa (caso apareçam novos objetos com não uso,
refazer o roteiro.
280
APÊNDICE 4 - EMAIL DE RECRUTAMENTO FASE 1
Olá, meu nome é Nathália Guimarães e estou participando do projeto de pesquisa da professora Caroline
Vanzellotti. Como você já deve estar sabendo, estamos fazendo algumas entrevistas com pessoas que possuem
muitos cosméticos (esmaltes, perfumes ou maquiagem). Gostaria de marcar uma entrevista com você e saber se
continua interessada.
Se possível responda a este email informando os seguintes dados:
Nome:
Idade:
Endereço:
Telefone (casa e cel):
Turma e Sala da faculdade:
Qual o cosmético: