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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ UNESPAR CAMPUS UNIÃO DA VITÓRIA CURSO DE MATEMÁTICA BRUNO GONÇALVES DOS SANTOS ENSINO DE GEOMETRIA ESFÉRICA NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DE ENSINO GUIADA PELA TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA UNIÃO DA VITÓRIA 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ – UNESPAR

CAMPUS UNIÃO DA VITÓRIA

CURSO DE MATEMÁTICA

BRUNO GONÇALVES DOS SANTOS

ENSINO DE GEOMETRIA ESFÉRICA NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DE

ENSINO GUIADA PELA TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

UNIÃO DA VITÓRIA

2014

1

BRUNO GONÇALVES DOS SANTOS

ENSINO DE GEOMETRIA ESFÉRICA NO ENSINO MÉDIO: UMA PROPOSTA DE

ENSINO GUIADA PELA TEORIA DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como

critério parcial para a obtenção do título de Licenciado

em Matemática pela Universidade Estadual do Paraná –

UNESPAR, Campus União da Vitória.

Orientador: Prof. Me. Henrique Cristiano Thomas de Souza

UNIÃO DA VITÓRIA

2014

2

AGRADECIMENTOS

A criação deste trabalho foi somente possível devido a participação, auxilio e

colaboração de todos que de alguma forma estavam presentes no processo de elaboração do

mesmo. Assim, primeiramente agradeço a Deus por sempre estar ao meu lado em minhas

decisões mais difíceis e por ter me proporcionado condições físicas e psicológicas para que se

tornasse possível a realização deste trabalho.

Aos meus familiares, principalmente a minha mãe Inês, que esteve sempre junto a

mim nesta jornada de quatro anos e consequentemente na realização desta pesquisa, me

apoiando e incentivando, mesmo que muitas vezes não soubesse como ajudar, pois não

conhecia a Matemática presente neste, se dispôs a ler e tentar entender para que pudesse

auxiliar na sua elaboração.

Aos meus amigos, os quais sempre que solicitei ajuda pararam o que estavam

realizando no momento para de alguma maneira auxiliar na criação e descrição deste trabalho.

Em principal, agradeço ao Dallan, Natali, Germano, Carlos e Rui que me acompanham nesta

caminhada de quatro anos desde o começo e sempre estavam lá quando precisei, seja de um

sorriso ou de uma palavra de consolo.

Ao ilustríssimo orientador, Prof. Me. Henrique Cristiano Thomas de Souza, pelo

apoio, compreensão e ajuda na elaboração deste trabalho. Agradeço por sua eficiência nas

correções, pois por muitas vezes estavam prontas no mesmo dia em que as enviei e pela

compreensão nos momentos em que acabei deixando a desejar em alguns aspectos, seja na

entrega ou na escrita do trabalho.

Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão desta

pesquisa.

3

Uma geometria não pode ser mais verdadeira do que outra,

poderá ser apenas mais cômoda.

(Poincaré)

4

RESUMO

Neste trabalho apresenta-se uma proposta de ensino para a Geometria Esférica. Tal estudo foi

inspirado pela constatação experiencial de que os conteúdos relacionados a Geometria

normalmente são ensinados quando “sobra” tempo no ano letivo. Contudo, considera-se que é

de grande importância que o ensino desses conteúdos ocorra com a mesma relevância que os

demais. Nesse sentido, esta proposta de ensino foi estruturada tomando como “guia

metodológico”, ou seja, como método de organização da pesquisa, a teoria da Transposição

Didática de Yves Chevallard, que prevê a transformação de um saber científico em saber

ensinado considerando o que se concebe no saber a ensinar. Nessa perspectiva apresenta-se o

saber científico da Geometria Esférica bem como o saber a ensinar previsto em documentos

curriculares e livros didáticos desta, concluindo com a criação da proposta que se caracteriza

como saber a ensinar, mas pensado como um possível saber ensinado.

Palavras-chave: Ensino de Geometria, Geometria Esférica, Transposição Didática.

5

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Esquema triangular proposto por Chevallard ..................................................... 10

FIGURA 2: Transformação dos saberes ............................................................................... 11

FIGURA 3: Relação entre professor, aluno e saber. .............................................................. 15

FIGURA 4: Representação do 5º Postulado de Euclides ....................................................... 18

FIGURA 5: Interpretação do Postulado de Riemann ............................................................ 22

FIGURA 6: Representação do Postulado de Lobachevski .................................................... 23

FIGURA 7: Representação diâmetro, arco e corda de uma circunferência. ........................... 25

FIGURA 8: Esfera de cento O e raio r.................................................................................. 26

FIGURA 9: Superfície Esférica de centro O e raio r. ............................................................ 26

FIGURA 10: Reta na superfície esférica............................................................................... 27

FIGURA 11: Representação das definições em uma superfície esférica ................................ 28

FIGURA 12: Distância na superfície esférica ....................................................................... 29

FIGURA 13: Triângulo esférico ABC. ................................................................................. 29

FIGURA 14: Fuso esférico cujo ângulo mede α. .................................................................. 30

FIGURA 15: Fuso esférico completo. .................................................................................. 30

FIGURA 16: A região tracejada é parte do fuso completo ϕ, que pertence a um

hemisfério H qualquer. ......................................................................................................... 31

FIGURA 17: Ponto P no interior do triângulo esférico ABC. ............................................... 32

FIGURA 18: Ponto P no exterior do triângulo esférico ABC. ............................................... 32

FIGURA 19: Esfera de raio r decomposta em um número n de pirâmides ............................ 33

FIGURA 20: Hemisfério H, triângulo esférico e região . ................................................. 34

FIGURA 21: Livro Matemática: Ciência e Aplicações. ........................................................ 37

FIGURA 22: Matemática: Ensino Médio ............................................................................. 38

FIGURA 23: Matemática: Ciência, linguagem e tecnologia. ................................................ 38

FIGURA 24: Representação plana da situação. .................................................................... 46

FIGURA 25: Representação da situação sobre um mapa-múndi. .......................................... 46

FIGURA 26: Triângulo esférico com três ângulos retos ....................................................... 52

FIGURA 27: Triângulos esféricos com ângulos A, B e C e ângulos α,β e γ. ......................... 53

6

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: Tarefa 1 (Parte 1) - Distância na Superfície Esférica ....................................... 44

QUADRO 2: Tarefa 1 (Parte 2) - Distância na Superfície Esférica ....................................... 47

QUADRO 3: Tarefa 2 - Ângulos Esféricos........................................................................... 49

QUADRO 4: Tarefa 3(Parte 1) - Triângulos Esféricos e Soma de seus Ângulos Internos ..... 50

QUADRO 5: Tarefa 3 (Parte 2) - Triângulos Esféricos e Soma de seus Ângulos Internos .... 51

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8

1 – TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA .................................................................................... 10

2 – SABER CIENTÍFICO DO CONCEITO DE GEOMETRIA ESFÉRICA .................. 17

2.1 DA GEOMETRIA EUCLIDIANA ÀS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS ............. 17

2.2 A GEOMETRIA ESFÉRICA ......................................................................................... 24

3 – O SABER A ENSINAR DA GEOMETRIA ESFÉRICA............................................. 35

3.1 COMO O ENSINO DA GEOMETRIA ESFÉRICA ESTÁ PROPOSTO NOS

DOCUMENTOS CURRICULARES ................................................................................... 38

3.2 COMO A GEOMETRIA ESFÉRICA ESTÁ PRESENTE NOS LIVROS DIDÁTICOS . 41

4 – PROPOSTA DE ENSINO ............................................................................................ 44

4.1 TAREFA 1 – DISTÂNCIA NA SUPERFÍCIE ESFÉRICA ............................................ 44

4.2 TAREFA 2 – ÂNGULOS ESFÉRICOS ......................................................................... 49

4.3 TAREFA 3 – TRIÂNGULOS ESFÉRICOS E SOMA DE SEUS ÂNGULOS INTERNOS

............................................................................................................................................ 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 55

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 55

8

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento deste trabalho foi motivado pela consideração de que o ensino de

geometria tem grande importância para a Matemática escolar, constituindo-se como um dos

assuntos que acompanha os alunos da Educação Básica desde o Ensino Fundamental até o

Ensino Médio. Referente à sua importância, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s)

apontam que:

As habilidades de visualização, desenho, argumentação lógica e de aplicação na

busca de soluções para problemas podem ser desenvolvidas com um trabalho

adequado de Geometria, para que o aluno possa usar as formas e propriedades

geométricas na representação e visualização de partes do mundo que o cerca. Essas competências são importantes na compreensão e ampliação da percepção de espaço

e construção de modelos para interpretar questões da Matemática e de outras áreas

do conhecimento (BRASIL, 1999, p. 44).

Ideia similar é apresentada nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do

Paraná (DCE‟s). Nelas é mencionada a importância do estudo da geometria para a

compreensão de fatos que cercam a nossa vida cotidiana e a ampliação do conhecimento e

pensamento geométrico, para que o aluno possa interagir com as formas e propriedades

geométricas presentes ao seu redor (PARANÁ, 2008).

Nas DCE‟s, considerando o Ensino Fundamental e Médio, se propõe o conteúdo

estruturante Geometrias, que se estende em: geometria plana, geometria espacial, geometria

analítica e noções básicas de geometrias não euclidianas (PARANÁ, 2008, p.55).

Mas, o que são geometrias não euclidianas? Atualmente, este questionamento é

frequente, pois este ramo da geometria é bem jovem em relação a todos os outros ramos da

geometria que conhecemos e estudamos na escola, por exemplo, Os Elementos de Euclides

datam, segundo Eves (1992), de 300 a.C. enquanto que a geometria não euclidiana, segundo

Berlinghoff (2010), teve seu inicio com os estudos de Saccheri em torno de 1700 d.C..

Na busca pela resposta a esse questionamento surgiu o escopo deste trabalho, ou seja,

a partir da vontade em saber mais sobre as geometrias não euclidianas, como elas foram

descobertas e, principalmente, como se dá o ensino das mesmas que surgiu o propósito do

trabalho.

Como as geometrias não euclidianas são divididas em várias subáreas e considerando

o fato de já ter lecionado alguns conceitos da Geometria Esférica na escola em que trabalho,

motivou-me a oportunidade em me aprofundar no assunto e criar uma proposta de tarefas

voltadas para o ensino dos conceitos deste ramo da Geometria não Euclidiana.

9

Assim, um dos objetivos que se tem para com esse trabalho é que se possa esclarecer

algumas dúvidas frequentes, tanto de professores quanto de alunos, em relação a alguns

conceitos matemáticos da Geometria Esférica, bem como do seu ensino. Dado o objetivo,

foram elaboradas tarefas de modo a compor uma proposta de ensino.

De acordo com o que foi mencionado, serão apresentados, seguindo a teoria da

Transposição Didática, o saber científico da geometria esférica, ou seja, conceitos e

definições, bem como o desenvolvimento histórico dos mesmos; o saber a ensinar desta,

como está proposto nos documentos curriculares e livros didáticos presentes em nossas

escolas; e por fim, a proposta de ensino, pautada no que foi citado no saber cientifico e saber

a ensinar, isto é, uma proposta na qual estão presentes saberes científicos transpostos em

saberes a ensinar pensados como um possível saber ensinado.

A proposta será apresentada em três tarefas1. A primeira delas trata do conceito de

distância entre dois pontos na superfície esférica, podendo ser trabalhado também conceitos

como: meridianos, paralelos, circunferência máxima e menor e reta na superfície esférica. Na

segunda tarefa é proporcionado o ensino de ângulos esféricos, buscando a compreensão dos

alunos com relação ao conceito e definição do mesmo. Completando, a última tarefa visa o

ensino de triângulos esféricos e a soma de seus ângulos internos.

1 No contexto deste trabalho, de acordo com concepção apresentada por Stein e Smith (2009), tarefa se

caracteriza como a proposição de um conjunto de ações que ainda serão aplicadas em sala de aula, enquanto que

atividade se constitui a partir do momento em que esse conjunto de ações é realizado pelo aluno.

10

1 – TRANSPOSIÇÃO DIDÁDICA

Em meio à prática educativa, o professor sente a necessidade de estabelecer

prioridades em relação ao encaminhamento dos processos que adota em sala de aula, bem

como possui a responsabilidade de selecionar e organizar tarefas e métodos para compor essa

prática. Assim, segundo Pais (2012), o conjunto dessas práticas constitui o saber escolar e,

além disso, o estudo das prioridades e escolhas tomadas pelo professor frente ao ensino assim

como suas influências sobre este, são o foco da transposição didática.

Para o estudo da teoria da transposição didática faz-se necessário primeiramente

discorrermos sobre as relações existentes entre o professor, aluno e saber, assim como fazer

certas diferenciações. Para tal, precisamos recorrer ao conhecido esquema triangular proposto

por Chevallard2, o qual apresenta a relação entre professor e aluno com um saber, que

segundo D‟Amore (2007) “entende-se aquele oficial, universitário, aquele que Chevallard

chama de Savior savant e que, no caso específico da Matemática, foi chamado até aqui de

„saber matemático‟”.

FIGURA 1: Esquema triangular proposto por Chevallard

Fonte: D‟Amore (2007).

De acordo com a didática, a „transmissão‟ de conhecimento em meio ao processo de

ensino e aprendizagem é uma ação complexa, que necessita de inúmeras e consideráveis

mediações, nas quais se faz necessário manter unidos os três polos: professor, aluno e saber,

possibilitando que estes interajam e ao fim do processo de ensino os objetivos previamente

estabelecidos sejam alcançados e resultados satisfatórios sejam obtidos. Assim, de acordo

com Cornu e Vergnioux (1992, apud D‟AMORE 2007) os três polos podem ser determinados,

porém não dissociados, como:

O saber, o seu estudo, a sua definição pertence ao domínio dos especialistas da

disciplina, que estruturam, organizam o saber, a partir do que, quem toma

institucionalmente as decisões define qual é o saber a ensinar;

2 Yves Chevallard é um didata francês do campo do ensino da matemática, que leciona atualmente no Institut

Universitaire de Formationdes Maîtres de l‟Académie d‟Aix-Marseille, onde coordena também a pesquisa na

área da formação docente em matemática. Sua publicação mais difundida no Brasil é a tradução para o espanhol

e o original em francês do livro La Transposition Didactique, uma versão ampliada da primeira edição francesa

de 1985.

11

O conhecimento dos alunos pode revelar-se por meio de quatro tipos de

abordagens, como sujeitos biológicos, afetivos, epistemológicos [...] ou sociais;

O professor pode ele próprio ser estudado como sujeito social, institucional

(estatuto, funções), pedagógico [...] e afetivo (p. 42-43).

O professor em sua prática didática, frequentemente se depara com diversas

situações difíceis de solucionar, pois está imerso em um conjunto de relações muito delicadas.

Além disso, para efetivamente exercer sua função, este precisa trabalhar com a transposição

didática do saber acadêmico ao saber da prática em sala de aula, ou seja, o professor precisa

transformar o saber, aquele encontrado em pesquisas científicas, em um saber possível de ser

utilizado em sala de aula, tendo como objetivo principal o ensino deste. Porém, somente essa

transformação no saber acadêmico, ou seja, transposição de um saber científico para um

saber a ensinar, não se faz suficiente, o professor precisa ainda observar e analisar o contexto

social e cultural que o aluno está inserido e o sistema escolar em que atua, isto é, o professor

deve considerar os fatores internos e externos à escola para compor a sua prática letiva. Sendo

assim, justamente o “local” situado entre estes dois fatores, as escolhas do professor que são

internas à escola e o contexto social que é externo à escola, caracteriza-se por noosfera

(D‟Amore, 2007).

Ainda com relação à transposição/transformação dos saberes, enfatiza-se que a

passagem do saber matemático ao saber ensinado não se trata de uma passagem tão simples

quanto parece, pois o saber durante esta transformação deve perpassar três etapas diferentes,

ou seja, o saber assume três designações distintas: primeiramente como saber matemático (ou

científico), em seguida como saber a ensinar e por fim como saber ensinado. O conjunto

destas transformações constitui a transposição didática (PAIS, 2012).

FIGURA 2: Transformação dos saberes

Fonte: O autor (2014).

O saber científico, como o próprio nome diz, provém de pesquisas científicas, como

afirma Pais (2012) “o objeto do saber científico está mais associado à vida acadêmica [...].

Trata-se de um saber que, normalmente, é desenvolvido nas universidades ou institutos de

pesquisas, mas que não está diretamente vinculado ao ensino médio e fundamental” (p. 21). O

saber científico é reconhecido e amparado por uma cultura científica, a qual exige textos

12

redigidos sob uma perspectiva formal de acordo com certas normas de escrita, ou seja, com

uma linguagem mais adequada para este nível.

Sendo assim, se faz necessário um trabalho didático eficaz para efetuar uma mudança

na linguagem deste saber para que a sua utilização se torne viável na prática letiva nos

diversos níveis de ensino, se tornando importante a elaboração de uma forma didática destes

textos para que se possa utilizá-los em sala de aula.

Após as devidas transformações didáticas, o saber científico transpõe-se ao saber a

ensinar, que segundo Pais (2012, p.23) “trata-se de um saber ligado a uma forma didática que

serve para apresentar o saber ao aluno”, esta forma difere do saber científico tanto na

apresentação do conteúdo quanto nos seus objetivos, ou seja, existe diferença entre a forma

que estes são escritos (com rigor e sem rigor) e nos objetivos. Enquanto um é informar a

comunidade científica, o outro é ensinar matemática para os alunos. Além do mais, “enquanto

o saber científico é apresentado à comunidade científica através de artigos, teses, livros

especializados e relatórios, o saber a ensinar limita-se quase sempre aos livros didáticos,

programas e outros materiais de apoio” (PAIS, 2012, p. 24).

Finalmente, o saber ensinado está relacionado com o resultado do processo de

ensino, isto é, o saber ensinado é aquele efetivado em sala de aula e registrado nos relatos,

registros e plano do professor, que não necessariamente devem coincidir com o que está

presente no saber a ensinar.

Frente às discussões referentes às relações entre professor, aluno e saber e a ideia de

transposição didática, pode-se dizer de maneira informal que esta se encontra diretamente

relacionada com o processo de escolhas do professor frente ao saber e ao sistema educacional,

as quais são pautadas nas concepções e influências que o professor traz consigo referentes à

sua prática e a matemática, como afirma D‟Amore (2007):

A transposição didática foi, muitas vezes, anteriormente mencionada, de maneira

intuitiva, sendo compreendida como o trabalho de adaptação, transformação do

saber em objeto de ensino, em função do lugar, público e das finalidades didáticas a

que se propõe (p. 224).

Ainda segundo D‟Amore (2007) “A transposição didática consiste em extrair um

elemento de saber do seu contexto (universitário, social, etc.) para recontextualizá-lo no

ambiente sempre singular, sempre único, da própria classe”. Essa noção de transposição

didática é encontrada em uma das primeiras definições formais criadas por Chevallard:

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre

então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar

lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que, de um objeto de saber a ensinar faz

13

um objeto de ensino, é chamado de transposição didática (CHEVALLARD, 1991,

apud PAIS 2012, p. 15-16).

Assim, no exercício da prática letiva, a escolha dos conteúdos escolares assim como

dos recursos didáticos utilizados para o ensino dos mesmos, ocorre de acordo com um grupo

de influências que interferem na prática do professor. Neste grupo de influências estão os

programas escolares, os livros didáticos e as práticas já realizadas pelo professor, ou seja, as

escolhas se dão pelas concepções do professor juntamente com as propostas advindas do

sistema de ensino. Desta forma, quando observamos as diferenciações que existem entre o

saber científico e o saber a ensinar, bem como o ato de transformar um no outro, percebemos

a existência de uma epistemologia do professor que se relaciona com a epistemologia da

ciência, ou seja, crenças e concepções do professor que interferem no processo de

transposição didática dos conteúdos e consequentemente no processo de ensino, assim Pais

(2012) afirma que:

Quando olhamos para essa epistemologia que sustenta uma parte considerável da

prática docente, percebemos em seu interior um conjunto de crenças que,

normalmente, acabam enrijecidas pelo tempo e podem determinar um olhar quase

pessoal sobre a ciência ensinada (p. 20).

Considerando a epistemologia do professor e consequentemente sua importância,

pois influencia no processo de transposição didática de um conteúdo e de certa forma é o que

“liga” o professor ao saber matemático, devemos falar sobre outras duas partes tão

importantes quanto, D‟Amore (2007) as caracteriza assim:

O lado do professor – aluno mereceria um espaço próprio, mas o sintetizo com a

expressão: relação pedagógica (assimétrica);

O lado do aluno – saber é muito delicado: está envolvida a imagem de escola,

de cultura, etc., que o estudante tem; a sua relação pessoal específica com a

Matemática e, mais em geral, com a institucionalização do saber; isso depende

muito da idade, das experiências prévias, da família, do tipo de sociedade em

que o aluno vive etc.

Embora exista uma autonomia do professor em relação à escolha dos conteúdos para

sua prática, atualmente existem alguns conteúdos e recursos didáticos indicados para o ensino

e aceitos pela instituição escolar, os quais são chamados de criações didáticas, que segundo

Pais (2012):

São criações motivadas por supostas necessidades do ensino para servirem como

recursos para outras aprendizagens. A princípio, tais criações têm uma finalidade educacional, entretanto, o problema surge quando seu uso acaba acontecendo de

forma puramente automatizada e desvinculada de aplicação. (p. 17)

14

Alguns exemplos de criações didáticas são os produtos notáveis e o conceito de

distância. No caso dos produtos notáveis, se ensinados de forma isolada, sem fazer conexão

com outros campos da matemática, se tornam objetos de ensino em si mesmos, não

apresentando sentido ao aluno. Já o conceito de distância, está relacionado com a história do

conceito, ou seja, antigamente este era estudado de forma espontânea e possuía somente

característica de ferramenta para a resolução de problemas, porém após sua inserção nos

programas escolares se tornou um objeto de ensino e atualmente continua a ser modificado,

do ponto de vista didático.

Desta forma, o conjunto das criações didáticas demonstram as diferenças entre o

saber científico e o saber a ensinar, pois o saber a ensinar por muitas vezes é composto por

tais criações, já o saber cientifico é composto por conhecimentos elaborados e com objetivos

que não são o ensino (PAIS, 2012).

Levando em consideração as criações didáticas, a transposição didática se divide em

dois tipos:

Quando as transformações das ideias matemáticas são analisadas em relação a um

conceito específico, [...], trata-se de uma transposição didática stricto sensu. Além

disso, se a análise é feita no contexto mais amplo, não se atendo a uma noção

particular, trata-se de uma transposição didática lato sensu (PAIS, 2012, p. 18-19).

Sendo assim, dos exemplos citados anteriormente, os produtos notáveis se

caracterizam em transposição didática stricto sensu, pois se trata de uma análise de um

conceito específico, já o conceito de distância se caracteriza como uma transposição didática

lato sensu, pois está relacionado à uma análise mais ampla, sem citar-se uma noção

particular.

Embora já saibamos a que se refere cada um dos saberes envolvidos em uma

transposição didática (saber científico, a ensinar e ensinado), se faz necessário falarmos das

passagens de um saber para o outro, mais especificamente do saber científico ao saber

ensinado, ou seja, do saber que encontramos em pesquisas científicas ao saber que vem como

resultado de uma situação de aprendizagem.

Primeiramente, o professor transforma o saber científico para saber a ensinar

baseado na teoria da transposição didática que vimos até agora. Em seguida, ocorre uma

descontextualização do conceito, dividindo este em instrumento e objeto, isto é, o mesmo

conceito matemático é tanto um instrumento quando tem seu papel referente à resolução de

um problema, quanto um objeto quando está relacionado a um campo mais amplo, o saber

matemático. Neste momento, ao se levar esta situação para uma sala de aula, o aluno entra em

15

ação com alguns objetos de seu conhecimento (saberes matemáticos que já possui) na forma

de instrumentos, percebe sua insuficiência e recorre a novos instrumentos. Feito isso, o aluno

deve ativar um mecanismo que propicia a apropriação do conceito para resolver ou fazer algo.

Então, neste momento, ocorre a recontextualização do conceito, contudo o conceito não se

apresenta mais como um saber científico e sim como um saber ensinado, ou seja,

efetivamente ocorreu aprendizagem. Porém, deve-se salientar que após esse processo de

recontextualização não há garantia de que o conceito ou noção possua o mesmo caráter do

original, encontrado no interior do saber científico (D‟AMORE, 2007).

Considerando o que foi tratado até o momento, percebemos que a relação professor,

aluno e saber que vimos no início deste capítulo se enriquece, pois podemos perceber que

diversos fatores influenciam o processo de ensino e aprendizagem. Assim, podemos verificar

que a influência ou não que as concepções de matemática e de ensino do professor exercem,

bem como a importância das vivências dos alunos com relação à escola e a sociedade guiam o

processo de ensino de matemática e, além disso, a relação entre professor e aluno tratada

como uma relação pedagógica visa o melhor desenvolvimento desse processo. Desta forma,

para encerrar a apresentação das relações entre professor, aluno e saber apresento uma

adaptação realizada por D‟Amore (2007) do triângulo inicialmente apresentado nesse

capitulo, como segue:

FIGURA 3: Relação entre professor, aluno e saber.

Fonte: D‟Amore, 2007.

Considerando que o foco de estudo deste trabalho é uma proposta de ensino de

alguns conceitos referentes à geometria esférica, utilizaremos de base para isso a teoria da

Transposição Didática, ou seja, proporemos uma transposição de saberes do saber científico,

para o saber a ensinar e no possível saber ensinado, bem como as correspondentes passagens

entre estes.

16

O próximo capítulo tem como objetivo a apresentação do saber científico referente

aos conceitos da geometria esférica, os quais posteriormente constarão na proposta; em

seguida, será apresentada uma análise de como a geometria esférica está presente nos

documentos curriculares e livros didáticos, os quais compõem atualmente o saber a ensinar da

geometria esférica.

17

2 – SABER CIENTÍFICO DO CONCEITO DE GEOMETRIA ESFÉRICA

Neste capítulo serão apresentados o desenvolvimento histórico das geometrias não

euclidianas, bem como da geometria esférica, constando também definições e alguns teoremas

deste ramo da matemática, visando à apropriação e aproximação de tais conceitos que são

relativamente novos na Matemática e por muitas vezes não são estudados a fundo pelas

pessoas. Além disso, a apresentação destes conceitos e teoremas referentes à geometria

esférica tem como finalidade a fundamentação desta área para que o leitor deste trabalho

possa compreender e analisar as tarefas presentes na proposta de ensino que será descrita no

capítulo quatro deste trabalho.

2.1 DA GEOMETRIA EUCLIDIANA ÀS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS

Há muito tempo a geometria vem sendo discutida e ocupando seu espaço nas

pesquisas e publicações de muitos matemáticos e filósofos. Durante seu desenvolvimento

surgiram novos significados e novas formas de entendê-la, até chegarmos às geometrias que

permeiam nossas vidas, como é o caso das geometrias não euclidianas. Para entendermos

como este ramo da matemática se desenvolveu, precisamos recorrer à Geometria Euclidiana

que foi a base deste avanço.

Tudo se iniciou com o grego Euclides (de Alexandria) que escreveu, dentre suas

várias obras a mais famosa, “Os elementos” em 300 a. C.; obra esta que continha um resumo

da matemática grega daquela época dividida em treze capítulos, chamados de livros, os quais

eram baseados num método axiomático, no qual a teoria apresentada era construída a partir de

axiomas ou postulados.

Segundo Silva (2011, apud BICUDO, 2009) “no início do Livro I [...] são

apresentadas 23 definições, 9 noções comuns e 5 postulados (afirmações evidentes por si

mesmas, porém não tão óbvias quanto as noções)” (p. 98). Para entendermos a origem das

discussões e questionamentos sobre a possibilidade da existência de outras geometrias, faz-se

necessário conhecermos os cinco postulados de Euclides, apresentados em Coutinho (2001):

1. Uma linha reta pode ser traçada de um ponto a outro, escolhidos à vontade.

2. Uma linha reta pode ser prolongada indefinidamente.

3. Um círculo pode ser traçado com centro e raio arbitrários.

4. Todos os ângulos retos são iguais. 5. Se uma reta secante a duas outras forma ângulos, de um mesmo lado dessa

secante, cuja soma é menor que dois ângulos retos, então essas retas se prolongadas

suficientemente encontrar-se-ão em um ponto desse mesmo lado. (p. 34)

18

Dentre os cinco postulados presentes na obra de Euclides, o mais comentado e

questionado na época de sua publicação foi o quinto, intitulado postulado das paralelas, o qual

possui, segundo Silva (2011, p.2), como “formulação mais conhecida equivalente, [...]

comumente atribuída ao matemático escocês John Playfair3 [...] por um ponto fora de uma

reta pode-se traçar uma única reta paralela à reta dada”, ou ainda, segundo Coutinho (2001,

p.35) “por um ponto P exterior a uma reta m, consideradas em um mesmo plano, existe uma

única reta paralela à reta m”, como mostra a Figura 4:

FIGURA 4: Representação do 5º Postulado de Euclides

Fonte: Coutinho (2001)

Embora o quinto postulado de Euclides tenha se tornado o principal alvo das críticas

de sua obra, muitos matemáticos da época tentaram prová-lo sob a dúvida de sua veracidade e

a crença de que este podia se caracterizar um teorema. Na busca pela prova deste postulado,

muitos destes matemáticos se aprofundaram nos estudos da geometria euclidiana, o que por

consequência levou a descoberta de novas geometrias, que posteriormente foram chamadas de

geometrias não euclidianas:

A Geometria Euclidiana, transmitida de geração a geração por mais de dois mil

anos, não era a única. As mentes criativas dos matemáticos Bolyai, Lobachevski,

Gauss e Riemann lançaram as bases de outras geometrias tão logicamente aceitas

quanto a Euclidiana (COUTINHO, 2001, p.36).

Dentre os quatro matemáticos citados, Gauss foi quem concedeu maior contribuição

para a descoberta destas novas geometrias, mesmo que a maioria de seus trabalhos não tenha

sido publicada, devido às adversidades enfrentadas pelos pesquisadores da época em publicar

e divulgar seus trabalhos e pesquisas.

Nos anos críticos que antecedem a descoberta da nova Geometria, a figura

dominante no mundo matemático era Carl Friedrich Gauss (1777-1855), que deu

uma grande contribuição no desenvolvimento de ideias que levaram à sua

descoberta. Poucos dos seus resultados, frutos de muitos anos de pesquisa sobre os

problemas associados ao quinto postulado, foram tornados públicos durante a sua

vida. Algumas cartas a outros interessados naqueles problemas, críticas de tratados

sobre paralelas, e notas inéditas descobertas entre seus trabalhos, são toda a

evidência disponível de que foi ele o primeiro a entender claramente a possibilidade de uma Geometria logicamente precisa e diferente da de Euclides. Foi ele o primeiro

a designar a nova Geometria de não euclidiana. (BARBOSA, 2009, p. 37)

3 Matemático e geólogo escocês (1748-1819). Trabalhou com a física, a geologia e a geometria. Estudou na

Universidade de St Andrews – Escócia. (ZANELLA, 2013, p. 22)

19

Gauss, em 1824, declarou que durante os últimos trinta anos de sua vida vinha

vislumbrando sobre os casos em que a soma dos ângulos internos de um triângulo era menor

que 180º, chamando o que induz este fato de geometria “curiosa”, a qual difere da geometria

de Euclides presente nos Elementos, porém completamente sólida. Contudo, essas

investigações de Gauss não foram divulgadas, devido a Inquisição que não permitia qualquer

declaração oposta à Igreja Romana que neste período apoiava as ideias de Kant4, que eram

baseadas na geometria euclidiana (SILVA, 2011).

Ainda que Gauss tenha sido o primeiro a explorar a possibilidade de uma nova

geometria, de acordo com Berlinghoff (2010):

A primeira investigação publicada de uma tão diferente geometria apareceu em

1829. Foi escrita por Nicolai Lobachevski, um matemático russo [...] Mais ou menos

ao mesmo tempo que, Johann Bolyai, um jovem oficial do exercito húngaro, estava

trabalhando nas mesmas ideias, as quais publicou em 1832. (p. 200)

Sendo assim, percebe-se que mesmo Gauss tendo dedicado mais de trinta anos de sua

vida ao estudo de uma nova geometria, não colheu os louros de seus feitos, porém sim

Lobachevski e Bolyai, matemáticos que chegaram as mesmas conclusões que Gauss, as

publicando e recebendo prestígio por este fato, no entanto, segundo Silva (2011) Bolyai era

amigo de Gauss e mesmo sem um ter conhecimento dos feitos do outro, os dois possuíam

estudos semelhantes e questionaram juntamente em seus tempos de universidade alguns

assuntos que envolviam a teoria das paralelas, tentando assim, posteriormente em 1799,

provar o quinto postulado de Euclides. Em suas tentativas de mostrar o quinto postulado

Bolyai, em 1820, atingiu alguns resultados satisfatórios, através de sua substituição por uma

negação do postulado de Euclides.

A ideia de substituir o quinto postulado por sua negação deve-se a Girolamo

Saccheri5 que, de acordo com Berlinghoff (2010), em meados do século XVIII ousou uma

abordagem diferente das que surgiram na época, através da negação do quinto postulado, a

qual era fundamentada em quatro argumentos:

Sabemos que o axioma de Euclides não contém contradição porque temos no

mundo real modelos do sistema.

4 Immanuel Kant, filósofo influente do século XVIII, o qual apoiava as ideias propostas por Euclides.

(ZANELLA, 2013, p. 36) 5 Padre jesuíta e professor universitário italiano (1667-1733) contribuiu diretamente para os estudos de

Lobachevski e Riemann. Uma de suas obras mais famosas é “Euclides abomninaevo vindicatus: siveconatus

geometricus quo stabiliuntut prima ipsauniversae Geometriae principia”. (Euclides livre de qualquer falha: Um

trabalho geométrico em que são estabelecidos os princípios fundamentais de uma geometria universal).

(ZANELLA, 2013, p. 30)

20

Acreditamos que o Postulado das Paralelas pode ser demonstrado a partir dos

outros axiomas, mas até agora ninguém conseguiu fazê-lo.

Suponha que possa ser demonstrado. Então, se substituirmos o Postulado por

sua negação, estaremos pondo uma contradição no sistema.

Portanto, se eu usar a negação do Postulado das Paralelas como axioma e

encontrar uma contradição nesse novo sistema, terei mostrado que o Postulado

das Paralelas pode ser demonstrado a partir dos outros axiomas, embora eu não

tenha uma demonstração direta disso! (BERLINGHOFF, 2010, p. 199)

Sendo assim, tomando como Postulado a formulação equivalente atribuída a Playfair,

podemos concluir que a sua negação possui dois casos, ou seja, primeiro por um ponto fora de

uma reta não passam retas paralelas à reta dada ou por um ponto fora de uma reta passa mais

de uma reta paralela a ela.

Através desta conclusão, de acordo com Berlinghoff (2010) Saccheri deveria provar

que as duas situações levam a um absurdo, a primeira delas ele não precisou provar, pois

Euclides já havia realizado provando que retas devem existir, porém a segunda afirmação

possuía uma demonstração mais rigorosa, a qual Saccheri obteve conclusões significantes,

mas no que diz respeito à clareza das mesmas, este não foi bem sucedido. Quando Saccheri

finalmente conseguiu provar que a segunda afirmação caracterizava uma contradição, não

recebeu muitos créditos, porém mesmo assim as publicou em 1733 em um livro intitulado

Euclides vindicatus, que quer dizer Euclides justificado.

Johann Bolyai, seguindo quase o mesmo raciocínio de Saccheri, conseguiu provar

que por um ponto fora de uma reta passa mais de uma reta paralela à reta dada através da

substituição do postulado por sua negação. Segundo Silva (2011) “a geometria que esse caso é

válido e substitui o quinto postulado é atualmente chamada de geometria hiperbólica.

Analogamente, para o primeiro caso, temos a chamada geometria elíptica” (p.14).

Em 1823, em carta a seu pai, Bolyai descreveu suas descobertas, as quais este

publicou como apêndice de sua obra somente em 1832. Antes de publicar as conclusões de

Bolyai, seu pai enviou uma carta para Gauss pedindo sua opinião sobre as mesmas, porém sua

mensagem nunca chegou ao destino. Sendo assim, após a publicação deste apêndice, Gauss

soube dos estudos de Bolyai, então enviou uma carta para o pai do mesmo, dizendo que tudo

o que ele propôs já era de seu conhecimento, ou seja, não eram novidades. Quando Bolyai

soube o que Gauss havia dito, se desanimou e nada mais divulgou (SILVA, 2011).

Embora, Bolyai acreditou ser o primeiro a publicar algo sobre esta geometria, em

1848, este tomou conhecimento dos estudos de Lobachevski e que este havia publicado algo

antes de 1832, logo é necessário que o prestígio pelo estudo das paralelas seja dividido entre

eles. Sobre Lobachevski, sabe-se que este pronunciou uma fala na Universidade de Kasan

(Rússia), onde indicou uma geometria na qual a segunda afirmação de Saccheri era válida e a

21

soma dos ângulos de um triângulo seria menor que 180º, o que o levou a publicar suas

descobertas sobre paralelas no Kasan bulletin em 1829-1830, mas segundo Silva (2011)

“Apesar de ser a primeira publicação sobre geometria não euclidiana, ela atraiu pouca atenção

e sua divulgação ficou limitada, por ser escrita em russo” (p.15).

Sabe-se que naquela época a divulgação das obras era demasiadamente difícil, ou

seja, os cientistas e matemáticos da época esperavam anos e anos seu reconhecimento chegar,

quando este vinha.

Sendo assim somente depois de 1866 os estudos e publicações de Lobachevski e

Bolyai foram reconhecidos e aceitos de forma apropriada. De acordo com Silva (2011):

As descobertas de Gauss, Lobachevski e Bolyai mostraram que o quinto postulado de Euclides era independente dos demais, ou seja, não era possível demonstrá-lo

com base nos quatro anteriores. Assim, era possível construir um sistema de

afirmações geométricas consistentes, a partir de um conjunto de axiomas no qual o

Postulado das Paralelas é substituído por um postulado contrário (p.15).

Desta forma, conclui-se que Gauss, Lobachevski e Bolyai contribuíram para anular a

supremacia da Matemática posta na obra de Euclides, ou seja, contribuíram para a mudança

da visão das pessoas em relação à geometria, principalmente relacionado à geometria de

Euclides que na época era caracterizada como imutável e inquestionável.

Alguns anos depois das descobertas de Lobachevski e Bolyai, o matemático Georg

Bernhard Riemann, sob a incerteza da existência de mais geometrias diferentes das já postas,

trouxe “uma visão global da geometria, em espaços de dimensão qualquer” (SILVA, 2011,

p.16).

O alemão Riemann defendeu sua tese de doutorado na Universidade de Götingen em

1851, sob a orientação de Gauss, o qual, dentre três tópicos, influenciou Riemann na escolha

do terceiro, que era intitulado de Fundamentos que sustentam a geometria (SILVA, 2011).

Após a sua pesquisa estar concluída, Riemann realizou a apresentação da mesma, a

qual O‟shea (2009, p.132) comenta:

Tal como se deu grande parte de sua obra, a apresentação de Riemann foi fundamentalmente controvertida. Algumas das coisas que ele mencionou já estavam

no ar. Mas ele as cristalizou, usou-as para reformular e redefinir o que havia antes de

uma maneira inteiramente nova e ofereceu novos instrumentos e maquinário

matemático necessários para implementar os seus conceitos e levar a matemática em

novas direções. [...] A matemática reconhecidamente moderna começou com

Riemann.

Desta forma, percebe-se a importância deste matemático para o desenvolvimento da

geometria que leva o seu nome, porém para O‟shea (2009) a geometria riemanniana não foi

22

criada em sua totalidade por Riemann e sim este somente deu um principio a ela. Assim,

foram necessários tempo e trabalho muito maiores para o aprimoramento de seus conceitos.

O fato de Riemann ter iniciado as discussões sobre as geometrias não euclidianas se

reafirma quando este se caracteriza como precursor da geometria não euclidiana pelo fato de

propiciar que ela fosse trazida para a „corrente dominante do pensamento matemático‟ e de

transparecer com tanta naturalidade as suas ideias quanto faria com a geometria euclidiana.

Com relação a sua pesquisa referente a uma nova geometria, Berlinghoff (2010)

destaca que Riemann baseou-se nos estudos de Saccheri, ou seja, Saccheri se deparou com

uma contradição ao pensar que por um ponto fora de uma reta, não há reta paralela à reta

dada, porém este precisou recorrer ao segundo postulado de Euclides e supor que as retas

eram infinitas. No entanto Riemann percebeu que estender as retas continuamente não

significa dizer que elas são infinitas, logo Riemann contradisse até mesmo a maneira de

pensar de Euclides sobre o segundo postulado. Então, em 1854, este publicou a construção de

um modelo matemático no qual eram válidos os quatro primeiros postulados de Euclides e

uma das negações do Postulado das Paralelas, a qual diz que por um ponto fora da reta não

passam retas paralelas à reta dada.

Uma maneira de interpretar o Postulado de Riemann, segundo Prestes (2006) “seria

pensar na superfície esférica, onde “retas” seriam as circunferências máximas [...] da

superfície esférica. Nessa superfície quaisquer duas circunferências máximas se interceptam,

aliás, em mais de um ponto” (p.34). (Figura 5).

FIGURA 5: Interpretação do Postulado de Riemann

Fonte: Prestes (2006)

Assim, ainda segundo Berlinghoff (2010), no início do século XIX, “havia três

„marcas‟ diferentes de geometria, que se distinguiam pela maneira de tratar retas paralelas. Os

novos sistemas de Lobachevski e Riemann foram chamados de geometrias não euclidianas

para enfatizar sua oposição lógica à geometria de Euclides” (p. 201). Desta forma, a

23

geometria se dividia em Geometria Euclidiana, a Geometria desenvolvida por Lobachevski e

a Geometria desenvolvida por Riemann, sendo que as duas últimas se caracterizavam em

geometrias não euclidianas, pois diferem basicamente da geometria euclidiana pelo 5º

Postulado de Euclides, ou seja, pelo postulado das Paralelas.

Assim como foi mencionado anteriormente, para Coutinho (2001, p. 36), “de acordo

com a substituição que se faz do postulado das paralelas surgem dois tipos clássicos de

geometrias não euclidianas: a Geometria Hiperbólica e a Geometria Elíptica”. Sendo assim,

pode-se dizer que a Geometria não euclidiana possui dois ramos, a geometria hiperbólica a

qual foi desenvolvida pelos matemáticos Lobachevski e Bolyai e a geometria elíptica ou

Geometria Riemanniana.

Em relação à Geometria Hiperbólica, geometria esta criada praticamente ao mesmo

tempo por Lobachevski e Bolyai, admite todos os postulados de Euclides com exceção do 5º,

o postulado das paralelas. Lobachevski em seus estudos revolucionários colocou em dúvida a

inquestionável Geometria de Euclides, provando que toda a teoria dos círculos que depende

do 5º Postulado de Euclides não era validada. Então, percebendo esta falha do 5º postulado,

Lobachevski criou um novo postulado que o substituiu, como segue:

Por um ponto P fora de uma reta r passa mais de uma reta paralela à reta r.

(COUTINHO, 2001, p. 40)

FIGURA 6: Representação do Postulado de Lobachevski

Fonte: Coutinho (2001)

Já a Geometria Elíptica, ou Geometria de Riemann, foi criada pelo matemático

Geord Bernhard Riemann sob a sua dúvida da existência de novas geometrias. A Geometria

de Riemann é baseada em axiomas e um destes diz o contrário do 5º Postulado de Euclides,

ou seja, propõe que não existem retas paralelas a uma reta dada. Como afirma Coutinho

(2001) “Na Geometria de Riemann abandona-se a noção de „estar entre‟ e a reta não é mais

infinita como na Geometria Euclidiana, mas sim ilimitada” (p. 56).

24

Segundo Zanella (2013, p. 41) “Outras geometrias [...] que podem ser abordadas pela

geometria desenvolvida por Riemann – Geometria Riemanniana, são as Geometrias Esférica e

Elíptica”, pois, Riemann para a realização de suas pesquisas utilizou como plano a superfície

esférica, ou seja, para ele os pontos eram posições e as retas eram circunferências máximas.

Desta forma, ao dizer Geometria esférica, como me referirei em diante, estarei me referindo a

Geometria de Riemann abordada sobre a superfície esférica, porém sabendo que a geometria

de Riemann quando abordada sobre uma elipse pode ser chamada também de geometria

elíptica, pois a circunferência se caracteriza como um caso particular de elipse (ZANELLA,

2013).

Contudo, de acordo com Silva (2011), a geometria não euclidiana compreende toda

geometria que se baseie em fundamentos que questionam e debatem o Postulado das Paralelas

de Euclides. Porém, mesmo que somente duas geometrias normalmente sejam intituladas de

não euclidianas (hiperbólica e elíptica), algumas outras geometrias igualmente ganham essa

titulação, como é o caso da geometria projetiva (pontos de fuga e linhas do horizonte), da

geometria topológica (conceitos de interior, exterior, fronteira, vizinhança, conexidade, curvas

e conjuntos abertos e fechados) e noção de geometria dos fractais.

Assim, como foco deste trabalho é o ensino da geometria esférica, discorrerei mais

sobre as definições e estruturas deste ramo da geometria não euclidiana no próximo subitem.

2.2 A GEOMETRIA ESFÉRICA

Nesta seção serão apresentados conceitos básicos (definições e teoremas) sobre a

Geometria Esférica que fazem parte da proposta de ensino. Esperamos que tais conceitos

embasem os estudos dos professores que se interessem em aplicar essa proposta de ensino,

pois, acreditamos que se configura como uma bem estruturada abordagem matemática sobre

esse campo matemático.

Inicialmente definiremos os conceitos dos elementos relacionados à circunferência

euclidiana, retirados de Paiva (2009, p.39-40), como segue:

Definição 1 – Centro de uma circunferência: Centro de uma circunferência é o ponto

interno que se localiza a igual distância de todos os pontos situados na circunferência.

Definição 2 – Raio de uma circunferência: Raio de uma circunferência é o segmento que

une um ponto fixo chamado centro a qualquer um dos pontos de uma circunferência ou de

uma superfície esférica.

25

Definição 3 – Corda de uma circunferência: Corda de uma circunferência é um segmento

de reta cujos extremos são pontos da circunferência.

Definição 4 - Diâmetro de uma circunferência: O diâmetro de uma circunferência é uma

corda que passa pelo centro da circunferência.

Definição 5 – Arco de uma circunferência: Arco de uma circunferência é uma porção de

circunferência compreendida entre dois pontos da circunferência.

FIGURA 7: Representação diâmetro, arco e corda de uma circunferência.

Fonte: Paiva (2009)

Desta forma, definidos os conceitos referentes à circunferência, podemos partir para

as definições referentes à geometria esférica. Então, segue a definição de esfera, superfície

esférica, reta na superfície esférica, eixo, Equador, polos, meridianos e paralelos:

As definições 6, 7, 8, 10 e 11 foram retiradas de Zanella (2013):

Definição 6 - Esfera: Seja um ponto e um número real positivo. Chama-se de

centro e raio o conjunto dos pontos do espaço, tais que, a distância entre e seja

menor ou igual do que , isto é, ( ) .

26

FIGURA 8: Esfera de cento O e raio r

Fonte: Zanella (2013)

Definição 7 – Superfície Esférica: Chama-se superfície esférica de centro O e raio r o

conjunto dos pontos P do espaço, tais que, a distância entre O e P seja igual a r, isto

é, ( ) .

FIGURA 9: Superfície Esférica de centro O e raio r.

Fonte: Zanella (2013)

Definição 8 – Circunferência máxima: As circunferências máximas são as circunferências

de maior raio contidas na superfície esférica, isto é, são aquelas que têm o mesmo raio da

superfície esférica.

Neste momento, faz-se necessário salientar a distinção entre reta e reta na superfície

esférica, ou seja, ao escrever reta na superfície esférica estou me referindo a reta especificada

na definição 9 e ao escrever somente reta estou me referindo a reta da geometria euclidiana.

Definição 9 – Eixo: É qualquer reta (euclidiana) que contém o centro O.

27

A definição a seguir foi retirada de Prestes (2003, p.33):

Definição 10 – Reta na superfície esférica: Dados dois pontos A e B sobre a superfície da

esfera, chama-se de reta na superfície esférica a circunferência máxima que passa por esses

dois pontos.

FIGURA 10: Reta na superfície esférica.

Fonte: Prestes (2006)

Definição 11 – Equador: É uma circunferência máxima cujo plano é perpendicular ao eixo.

Definição 12 – Polos: São os pontos de interseção do eixo com a superfície esférica.

As definições 13 e 14 foram retiradas de Silva (2011, p. 63):

Definição 13 – Paralelos: “Os paralelos são circunferências resultantes da interseção da

superfície esférica com planos paralelos à linha do Equador”.

Definição 14 – Meridianos: “Meridianos são circunferências máximas, que passam pelos

polos, formando ângulos de medidas iguais entre si e dividindo a linha do Equador e os

paralelos”.

A Figura 11 apresenta algumas das representações dos elementos anteriormente

definidos:

28

FIGURA 11: Representação das definições em uma superfície esférica

Fonte: Zanella (2013)

Após definidos os itens anteriores, podemos iniciar as definições, teoremas e

conceitos dos elementos que constarão e serão o objeto de estudo da proposta de ensino, que

foram retiradas de Zanella (2013), com exceção da definição 15, retirada de Silva (2011, p.58)

e das definições 18, 19 e 20 retiradas de Prestes (2006), como segue:

Definição 15 – Geodésica: Geodésicas são circunferências máximas, ou seja, possuem o

mesmo diâmetro da esfera. Na geometria da superfície esférica elas são as “retas”.

Definição 16 – Círculo máximo: A interseção de uma superfície esférica com um plano

passando pelo seu centro é um círculo de mesmo centro e mesmo raio, chamado círculo

máximo.

Definição 17 – Círculo menor: Se a interseção entre o plano α e a superfície esférica S não

for uma circunferência máxima, nem um ponto, então tal intersecção é chamada de círculo

menor.

29

Definição 18 – Distâncias na superfície esférica: Dados dois pontos distintos A e B sobre

uma circunferência máxima, a distância entre esses pontos é a menor porção da circunferência

que os contém. Embora, por A e B outros círculos possam ser considerados, a distância entre

eles é sempre medida sobre o único círculo máximo determinado por A e B.

FIGURA 12: Distância na superfície esférica

Fonte: Prestes (2006)

Definição 19 – Ângulo esférico: O ângulo sobre a esfera, também chamado de ângulo

esférico, é intersecção de duas retas na superfície esférica (circunferências máximas).

Definição 20 – Triângulo esférico: Dados três pontos, A, B e C, distintos e não pertencentes

a uma mesma circunferência máxima, a figura formada pelos arcos de circunferências

máximas, que unem esses pontos dois a dois, chama-se triângulo esférico.

FIGURA 13: Triângulo esférico ABC.

Fonte: Prestes (2006)

Definição 21: Calota Esférica: Um plano Ω que corta a superfície esférica S, divide sua

superfície em duas regiões. Cada uma dessas regiões se chama calota esférica.

30

Definição 22 – Pontos antípodas: Dado um ponto qualquer P na superfície esférica, seu

antípoda P‟, é o único ponto na superfície esférica tal que o segmento de reta PP‟ contém o

centro O.

Definição 23 – Hemisfério: Quando um plano α passa pelo centro O de uma esfera, este a

divide em duas partes, chamadas Hemisférios, que são superfícies semiesféricas.

Definição 24 – Fuso Esférico: A região da superfície esférica compreendida entre dois

meridianos é chamada de fuso esférico.

FIGURA 14: Fuso esférico cujo ângulo mede α.

Fonte: Zanella (2013)

Observação: Como cada um dos meridianos que formam um fuso estão contidos em uma

circunferência máxima distinta, estas determinam dois fusos esféricos opostos, isto é, um fuso

completo ou duplo. (Figura 15)

FIGURA 15: Fuso esférico completo.

Fonte: Zanella (2013)

31

Teorema 1: Seja ϕ um fuso completo, cujo ângulo mede α radianos. Qualquer plano que

passe pelo centro da superfície esférica S a decompõe em dois hemisférios H e H’ (

). As partes R e R‟ do fuso completo ϕ contidas em cada um desses hemisférios têm a

mesma área .

FIGURA 16: A região tracejada é parte do fuso completo ϕ, que pertence a um

hemisfério H qualquer.

Fonte: Zanella (2013)

Demonstração: Retirada de Zanella (2013, p. 56-58):

Precisamos provar que as partes R e R‟ do fuso completo ϕ tem a mesma área, pois

se então,

. Onde, : é a área do fuso completo,

: são respectivamente as áreas de R e R‟.

Pode-se notar que R e R‟ formam figuras antípodas, isto é, cada ponto de R é o

antípoda de um ponto de R‟ e vice-versa.

De acordo com a Figura 13 e por hipótese, R é a reunião de dois triângulos esféricos

s e t com um vértice em comum, isto é, . Por outro lado, R‟ é a reunião dos

triângulos antípodas de s e t, ou seja, . Agora, basta mostrar que um triângulo

esférico, por exemplo, t e t‟ têm áreas iguais.

Podemos observar que t e t‟ têm ângulos de mesma medida e lados congruentes, dois

a dois, porém, t e t‟ não são congruentes, ou seja, não é possível, por um movimento rígido,

mover um deles no espaço até sobrepor-se exatamente sobre o outro, ao menos que t e t‟

sejam isósceles.

De um modo geral, para mostrarmos que os triângulos t e t‟ têm áreas iguais,

procedemos assim:

32

Sejam A, B e C os vértices de um triângulo esférico t. A intersecção entre um plano

que passa por A, B e C e a superfície esférica S é uma pequena circunferência e,

portanto, o plano divide a superfície esférica S em duas calotas esféricas, onde uma dessas

calotas contém o triângulo t.

Seja P o polo dessa calota. P é o ponto de intersecção da calota com a reta

perpendicular ao plano que passa pelo centro da pequena circunferência .

Os arcos de circunferência máxima PA, PB e PC tem o mesmo comprimento. Logo,

os triângulos esféricos PAB, PAC e PBC são isósceles.

Se o ponto P estiver no interior do triângulo esférico (Figura 14), temos que

. Então, uma construção análoga pode ser feita com o triângulo

antípoda , o que segue que .

FIGURA 17: Ponto P no interior do triângulo esférico ABC.

Fonte: Zanella (2013)

Se o ponto P estiver no exterior do triângulo esférico (Figura 15), temos

que . Uma situação análoga ocorre com o triângulo antípoda

. Disto, concluímos que .

FIGURA 18: Ponto P no exterior do triângulo esférico ABC.

Fonte: Zanella (2013)

33

Logo, o teorema 1 está provado.

Teorema 2 – Área de uma superfície esférica: A área de uma superficie esférica de raio r é

.

Demonstração:Retirada de Iezzi (2010, p. 243)

Para demonstrar essa fórmula, vamos utilizar a seguinte ideia: uma esfera pode ser

decomposta, de maneira aproximada, num número n de pirâmides, cada uma com vértice no

centro da esfera e tendo como altura a medida do raio da esfera, como na Figura 19.

FIGURA 19: Esfera de raio r decomposta em um número n de pirâmides

Fonte: Iezzi (2010)

Observe que a superfície da esfera fica dividida em n polígonos cujas áreas são dadas

por , , ..., . Assim:

Usando essa decomposição, o volume da esfera é aproximadamente igual à soma dos

volumes dessas n pirâmides:

Como volume de uma esfera de raio r, segundo Iezzi (2010), é igual a

, temos:

( )

34

Teorema 3 – Soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo esférico: Se

são as medidas (em radianos) dos ângulos internos de um triângulo esférico,

então

, onde a é a área desse triângulo e r é o raio da superfície esférica.

Demonstração: Retirada de Zanella (2013, p. 58-61):

Considerando o hemisfério H da superfície esférica que contenha o triângulo dado.

Como na Figura 20:

FIGURA 20: Hemisfério H, triângulo esférico e região .

Fonte: Zanella (2013)

Prolongando os lados que formam o ângulo α nos dois sentidos até intersectarem a

borda do hemisfério H, obtemos uma região contida em H tal que, pelo teorema 1, a área

dessa região é igual a , isto é, .

Analogamente para os ângulos β e γ, obtemos as regiões e , cujas áreas são

respectivamente e

.

Reunindo as regiões , e obtemos o hemisfério H. Entretanto, fazendo isso, o

triângulo esférico foi contado três vezes, duas vezes a mais do que devia.

Pelo teorema 2, a área do hemisfério H é igual a , isto é, . Logo,

.

Fazendo as substituições, temos:

Dividindo a equação acima por , concluímos a demonstração:

35

Esta seção expôs 24 definições e 3 teoremas – devidamente demonstrados – da

Geometria Esférica. Acreditamos que, para os professores interessados em aplicar esta

proposta de ensino, se faz necessário um estudo aprofundado destes conceitos para que se

possa, sem dificuldade, sanar possíveis dúvidas de alunos durante sua aplicação.

Nesse sentido, no próximo capítulo apresentaremos o saber a ensinar da geometria

esférica, no qual verificamos como os conceitos abordados nesta seção estão contemplados

em documentos curriculares da Educação Básica do Paraná e como estes são propostos em

livros didáticos disponíveis nas escolas públicas.

36

3 – O SABER A ENSINAR DA GEOMETRIA ESFÉRICA

No desenvolvimento desta seção, serão consideradas basicamente duas fontes que

podem constituir o saber a ensinar em uma transposição didática: os documentos curriculares,

advindos de políticas públicas e os livros didáticos.

De acordo com Sant‟Anna, Bittencourt e Olsson (2007):

Diversas reformulações curriculares do ensino, iniciadas em diferentes Estados a

partir do início da década de oitenta expressam a tentativa, em âmbito nacional, de

reorganizar a estrutura, os conteúdos, e os objetivos do ensino em todas as séries

escolares (p.7).

Assim, surgiram Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s), que contemplam todas

as disciplinas da educação básica e orientam o ensino das mesmas em âmbito nacional, as

Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná (DCE‟s), que são divididas por

disciplina e orientam o ensino de acordo com o estado em questão, e o mais recente

documento, o Caderno de Expectativas de Aprendizagem do Paraná, que apresenta de forma

mais simplificada e especifica os conteúdos a serem ensinados na educação básica, bem como

os objetivos (expectativas) referentes a eles.

Com as reformas curriculares realizadas, os PCN‟s, as DCE‟

s e o Caderno de

Expectativas de Aprendizagem, se tornaram documentos curriculares significantes para o

entendimento das perspectivas recomendadas para o ensino de matemática atualmente,

tornando-se indispensável o estudo e análise de ambos para que o professor efetue um bom

exercício de sua profissão.

Atualmente, no Brasil existe um programa de distribuição de livros didáticos para

todas as escolas públicas brasileiras, no entanto, esses livros antes de serem escolhidos para o

uso nas escolas, passam por um criterioso programa institucional que verifica a qualidade e a

adequação dos livros didáticos de acordo com os documentos anteriormente citados, o PNLD

(Plano Nacional do Livro Didático). Além disso, o livro didático representa um papel

importante na Educação Básica atual, pois possibilita a articulação das diversas tendências

educacionais e a inserção de novos meios de conceber o ensino, possibilitando a busca por um

ensino de matemática mais eficaz e detentor de significado para quem aprende.

A partir dessas considerações, selecionamos de modo a compor o material de análise

do conteúdo da Geometria Esférica: os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Diretrizes

Curriculares da educação Básica do Paraná, o Caderno de Expectativas de Aprendizagem do

Paraná, e alguns livros didáticos dos anos de 2010 e 2011.

37

Considerando que a proposta de ensino a ser apresentada neste trabalho será voltada

para o Ensino Médio as análises realizadas, tanto dos documentos quanto dos livros didáticos,

serão para este nível de ensino.

Para a seleção dos livros didáticos que compõem a identificação dos conceitos,

utilizei os seguintes critérios:

Livros atuais;

Livros indicados para o Ensino Médio na última seleção do PNLD, em 2011.

Livros de editoras e autores renomados.

Livros que tenho acesso na biblioteca da escola em que trabalho e que professores da

mesma utilizam para lecionar.

Desta seleção resultaram três livros didáticos, que seguem:

Matemática: Ciência e Aplicações – Autores: Gelson Iezzi, Osvaldo Dolce, David

Degenszajn, Roberto Périgo e Nilze Almeida. Volume 2 – Ensino Médio. Editora

Saraiva, 2010.

FIGURA 21: Livro Matemática: Ciência e Aplicações.

Fonte: Iezzi (2010)

Matemática: Ensino Médio – Autores: Kátia Stocco Smole e Maria Ignez Diniz.

Volume 2. Editora Saraiva, 2010.

38

FIGURA 22: Matemática: Ensino Médio

Fonte: Smole (2010)

Matemática: Ciência, linguagem e tecnologia – Autores: Jackson Ribeiro. Volume 3

– Ensino Médio. Editora Scipione, 2011

FIGURA 23: Matemática: Ciência, linguagem e tecnologia.

Fonte: Ribeiro (2011)

A seguir exibirei, de forma breve, uma apresentação dos documentos norteadores do

currículo e dos livros didáticos, enfatizando aspectos gerais no que diz respeito ao conteúdo

de geometria esférica para o Ensino Médio.

3.1 COMO O ENSINO DA GEOMETRIA ESFÉRICA ESTÁ PROPOSTO NOS

DOCUMENTOS CURRICULARES

39

Nesta seção, serão apresentados alguns dos encaminhamentos/direções presentes nos

documentos que orientam o ensino de matemática atualmente, em relação aos conceitos da

Geometria Esférica, ou seja, o que e como se espera que professores da rede pública ensinem

aos seus alunos o conteúdo em questão, bem como os possíveis objetivos de seu ensino e suas

respectivas expectativas de aprendizagem.

Primeiramente, mencionarei as orientações presentes nas DCE‟s que propõem para o

Ensino Médio a abordagem dos seguintes conceitos referentes à Geometria esférica:

Postulado de Riemann; curva na superfície esférica e discutir o conceito de

geodésica; círculos máximos e círculos menores; distância na superfície esférica;

ângulo esférico; triângulo esférico e a soma das medidas de seus ângulos internos;

classificação dos triângulos esféricos quanto à medida dos lados e dos ângulos; os

conceitos referentes à superfície da Terra: polos, equador, meridianos, paralelos e as

direções de movimento (PARANÁ 2008, p.57).

Sendo assim, no Ensino Médio, se torna presente a necessidade do aprofundamento

dos estudos das noções de geometrias não euclidianas, as quais tiveram sua iniciação no

Ensino Fundamental, abordando a geometria dos fractais, a geometria projetiva, a geometria

hiperbólica e a geometria esférica/elíptica. Além disso, este aprofundamento no ensino da

geometria esférica, assim como das demais, pode se dar pela apresentação dos conceitos

através da fundamentação de seu desenvolvimento histórico, mostrando ao aluno quais

diferenças estas possuem em relação à geometria euclidiana e como os matemáticos chegaram

a tais diferenças, viabilizando que o aluno perceba que as geometrias não euclidianas possuem

sistemas geométricos consistentes e precisam ser analisadas em planos diferentes dos de

Euclides. Ainda, de acordo com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná “Os conceitos

destes conteúdos são fundamentais para que o aluno do Ensino Médio amplie seu

conhecimento e pensamento geométrico” (PARANÁ 2008, p.57), deixando claro que o ensino

destes conceitos é indispensável para este nível de ensino.

Assim, para o ensino das geometrias não euclidianas, no Ensino Médio, espera-se

que o aluno:

Perceba a necessidade das geometrias não-euclidianas para a compreensão de

conceitos geométricos, quando analisados em planos diferentes do plano de

Euclides;

Compreenda a necessidade das geometrias não-euclidianas para o avanço das

teorias científicas;

Articule ideias geométricas em planos de curvatura nula, positiva e negativa;

Conheça os conceitos básicos da Geometria Elíptica, Hiperbólica e Fractal

(Geometria da superfície esférica) (PARANÁ, 2008, p. 81).

40

Com relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) não consta algo

específico sobre o ensino das Geometrias não euclidianas nem sobre a Geometria esférica,

porém apresenta-se algo mais geral, ou seja, com relação ao ensino da geometria:

As habilidades de visualização, desenho, argumentação lógica e de aplicação na

busca de soluções para problemas podem ser desenvolvidas com um trabalho

adequado de Geometria, para que o aluno possa usar as formas e propriedades

geométricas na representação e visualização de partes do mundo que o cerca. Essas

competências são importantes na compreensão e ampliação da percepção de espaço

e construção de modelos para interpretar questões da Matemática e de outras áreas

do conhecimento. De fato, perceber as relações entre as representações planas nos desenhos, mapas e na tela do computador com os objetos que lhes deram origem,

conceber novas formas planas ou espaciais e suas propriedades a partir dessas

representações são essenciais para a leitura do mundo através dos olhos das outras

ciências (BRASIL, 1999, p. 44).

Já o Caderno de Expectativas de Aprendizagem apresenta uma grande quantidade de

objetivos e finalidades do ensino das Geometrias não euclidianas, bem como da geometria

esférica, possibilitando ao professor um bom embasamento de seu trabalho e

consequentemente um guia para a verificação do mesmo. Sendo assim, ao fim do processo de

ensino e aprendizagem dos conceitos referentes às geometrias não euclidianas, espera-se que

o aluno:

Identifique conceitos da Geometria Fractal na lei de formação de determinadas Funções.

Reconheça a Geometria Hiperbólica e a Elíptica como sistemas geométricos nos

quais o postulado euclidiano das paralelas não se verifica.

Relacione a Geometria Hiperbólica e Elíptica com a Geometria Euclidiana, a

partir da negação do postulado das paralelas.

Relacione a Geometria Hiperbólica com a negação da unicidade de retas

paralelas e Geometria Elíptica com a negação da existência de retas paralelas.

Reconheça a existência de diversos modelos e sistemas geométricos

logicamente consistentes, além do euclidiano.

Identifique a curvatura nula, positiva e negativa, como sendo da plana, esférica e hiperbólica, respectivamente.

Compreenda o conceito de reta (geodésica) e de distância nas superfícies

esférica e hiperbólica.

Reconheça triângulos esféricos e hiperbólicos e a propriedade da soma de seus

ângulos internos.

Reconheça aplicações das Geometrias Não Euclidianas nos problemas do

espaço real.

Resolva situações-problema envolvendo as Geometrias Não Euclidianas.

(PARANÀ, 2012, p. 94).

Desta forma, pode-se afirmar que o ensino da geometria esférica, assim como dos

outros ramos da geometria não euclidiana, está amparado e sustentado por diversos

documentos orientadores do ensino de matemática, e ainda, não sendo somente amparados,

como também colocados como dever do professor trabalhá-los neste nível de ensino,

procurando cumprir os objetivos e expectativas de aprendizagem propostos nestes

documentos.

41

3.2 COMO A GEOMETRIA ESFÉRICA ESTÁ PRESENTE NOS LIVROS DIDÁTICOS

Nesta seção serão apresentados alguns aspectos gerais de três livros didáticos de

Ensino Médio com uma breve identificação do conteúdo de geometria esférica presente nos

mesmos, fazendo menção à abordagem das geometrias não euclidianas de forma geral, como

segue:

Livro ‘Matemática: Ciência e Aplicações’ – Os autores deste livro expõem, no conteúdo

de sólidos geométricos, a diferenciação entre os poliedros e corpos redondos dividindo em

seções, uma para cada poliedro (prisma e pirâmide) e corpos redondos (cilindro, cone e

esfera), apresentando nestas seções as características de cada um destes sólidos geométricos.

No caso da esfera, introduzem os conceitos de: esfera, superfície esférica, seção de uma

esfera, círculo máximo e menor, polos, Equador, hemisférios, paralelo, meridiano, fuso

esférico, volume de uma esfera, área da superfície esférica e área de um fuso esférico – sendo

que os três últimos são apresentados de forma dedutiva, ou seja, foram deduzidas

(demonstradas) as fórmulas para o cálculo destes. Porém, neste livro, não é citada a existência

de uma geometria que trata especificamente dos elementos deste sólido, que esta geometria se

caracteriza como uma geometria não euclidiana e que o Postulado das Paralelas de Euclides

não se aplica neste caso, também não são mencionadas as demais geometrias não euclidianas

apresentadas nos documentos curriculares norteadores do ensino.

Livro ‘Matemática: Ensino Médio’ – Este livro contempla em um de seus capítulos o

conteúdo que se refere à geometria espacial, se dividindo em: geometria de posição (pontos,

retas e planos), sólidos geométricos, poliedros e corpos redondos. Na seção corpos redondos

são apresentados o cone, o cilindro e a esfera, bem como suas características.

No caso da esfera são explicados os conceitos de: esfera, superfície esférica, posições

relativas entre plano e esfera (planos disjuntos, tangentes e secantes), eixo, equador, círculos

máximos e menores, polos, meridianos, paralelos, fuso esférico, volume de uma esfera, área

da superfície esférica e área do fuso esférico, sendo que os três últimos foram demonstrados

utilizando um sistema dedutivo, que em um dos quadros „Para saber mais‟ – quadros que

apresentam textos para aprofundar os conhecimentos sobre o assunto e relacioná-lo com

outras áreas do conhecimento – as autoras mencionam e explicam suas características.

Diferentemente do livro anterior, este em meio aos conceitos trabalhados no decorrer

do capítulo são introduzidas ideias da geometria esférica, assim como das demais geometrias

não euclidianas nos quadros „Para saber mais‟. Neste livro para introduzir a ideia de reta

42

paralela é utilizado o quinto postulado de Euclides, porém mencionando que este foi negado

por Lobachevski e Riemann trazendo novas e importantes ideias para a matemática de hoje

em dia. Posteriormente, em outro quadro do „Para saber mais‟ intitulado „Outras geometrias‟

são citadas a existência de geometrias não euclidianas e caracterizam a geometria esférica

diferenciando-a da geometria euclidiana, introduzindo a ideia de círculos máximos e de

geodésica, e ainda, expressam a diferença entre as retas quando consideradas sobre os planos

de Euclides e sobre a geometria esférica. Além disso, em outro destes quadros intitulado „A

matemática do delírio‟ são introduzidas as noções de geometria fractal, os conceituando,

mostrando sua beleza através de imagens e principalmente a matemática presente neles.

Livro Matemática: Ciência, linguagem e tecnologia – Este livro contempla os conteúdos

referentes à geometria de posição (plana e espacial), sólidos geométricos, poliedros e corpos

redondos, bem como as características de cada um deles. O desencadeamento dos conteúdos

se inicia através de uma revisão de figuras geométricas planas e das posições relativas entre

ponto e reta num plano e em seguida inicia-se a apresentação dos conceitos referentes à

geometria de posição espacial. Ao término desta parte, os autores incluem uma seção

especifica de sólidos geométricos e da classificação de poliedros e corpos redondos e por fim,

nas últimas duas seções, são apresentados os conceitos específicos de poliedros e corpos

redondos, nas quais fala-se sobre as características referentes a esfera (geometria esférica).

Com relação à geometria esférica e as demais geometrias não euclidianas, nada foi

mencionado, nem no momento em que são apresentados os conceitos referentes à esfera. Na

parte referente à esfera, são expostos os conceitos de: esfera, superfície esférica, eixos, polos,

equador, paralelos, meridianos, seção da esfera, volume da esfera e área da superfície esférica,

deixando de citar círculos máximos e menores e fusos esféricos e sua área. Porém não é

salientada a existência de um ramo da geometria não euclidiana que trata sobre as

características da esfera, nem se fala sobre a existência das geometrias não euclidianas.

Um fato curioso a se considerar é que ao introduzir o conceito de retas paralelas cita-

se a obra Elementos de Euclides, salientando que este matemático contribuiu em muito para o

desenvolvimento da geometria e que este enunciou vários postulados e teoremas, entendemos

que neste momento poderia haver um comentário que explicitasse a existência de outras

geometrias que não a euclidiana, o que não aconteceu, o mesmo ocorre quando se cita o

método axiomático e o quinto postulado de Euclides, admitindo que este seja verdade para

todos os casos, o que não é correto.

De modo geral, nota-se que os conceitos referentes à geometria da esfera estão bem

expostos nos livros didáticos de Ensino Médio, mesmo que não seja mencionada a existência

43

da geometria que trata especificamente deste sólido geométrico, porém, não se pode dizer o

mesmo da apresentação dos conceitos referentes às demais geometrias não euclidianas, pois

dos livros analisados somente um contemplava parte dessas geometrias, nos demais

acreditamos terem deixado a desejar neste aspecto.

Cabe aqui salientar que esta apresentação foi realizada com base em somente três

livros de Ensino Médio, avaliados e aprovados pelo PNLD, não podendo assim generalizar

para todos os livros existentes, e ainda, não temos por objetivo avaliar livros didáticos nem

criticar as propostas do PNLD e sim de verificar como está proposto o ensino da geometria

esférica nos livros disponibilizados nas escolas públicas, ou seja, como está presente nestes

livros o saber a ensinar referente à geometria esférica, visto que o propósito deste trabalho é

apresentar uma proposta de ensino baseada no saber a ensinar da Geometria Esférica

pensando em uma aplicação para que este se torne possivelmente em um saber ensinado.

44

4 – PROPOSTA DE ENSINO

Após o estudo teórico referente aos conceitos da geometria esférica e da

Transposição Didática, apresentaremos três tarefas envolvendo alguns conceitos da geometria

esférica.

Tais tarefas foram elaboradas pensando-se em como se daria a transposição dos

conceitos referentes a este ramo da Matemática para o ensino, ou seja, como aconteceria a

transposição didática deste saber científico em saber a ensinar, visto que a proposta de

ensino, isto é, as tarefas a serem apresentadas se caracterizam como um saber a ensinar,

pensado sobre como se tornariam em um saber ensinado.

As três tarefas que compõem essa proposta de ensino visam contemplar

especificamente os conceitos de: distância na superfície esférica, ângulo esférico e triângulo

esférico (somas das medidas dos ângulos internos).

Para que esses conceitos possam ser bem estruturados é necessário que os alunos

possuam alguns conhecimentos prévios, isto é, conceitos que já tenham sido trabalhados

anteriormente. Nessa proposta entendemos que os conhecimentos prévios necessários são:

meridiano; segmento de reta; reta (euclidiana); noções geográficas como localização,

coordenadas geográficas, trópicos e direções: norte, sul, leste e oeste. Além disso, deve-se

salientar que na estrutura em que as tarefas são descritas a seguir, o que estiver escrito dentro

de quadros foi pensado, para que em uma possível aplicação, seja entregue aos alunos.

Também se deve salientar que no desenvolvimento das tarefas consideramos que a Terra

(planeta) é uma esfera, mesmo sabendo que esta não o é perfeitamente, sendo importante ser

comunicado este fato aos alunos. Sendo assim, inicio com a primeira tarefa, como segue:

4.1 TAREFA 1 – DISTÂNCIA NA SUPERFÍCIE ESFÉRICA

Nesta tarefa, o objetivo principal é a compreensão do aluno referente à diferença

entre as representações de distância na geometria plana e na geometria esférica, bem como a

compreensão de que na geometria esférica a distância entre dois pontos é sempre um arco de

uma circunferência máxima, ao contrário da geometria plana que é um segmento de reta.

QUADRO 1: Tarefa 1 (Parte 1) - Distância na Superfície Esférica

45

Para o desenvolvimento desta parte da tarefa em sala de aula, o professor precisará

dos seguintes materiais:

Um globo terrestre (grande);

Folhas de papel sulfite para os alunos esboçarem o que for necessário;

Folhas com as tarefas impressas;

Folhas com mapas-múndi impressos.

Na situação proposta aos alunos são apresentadas informações de um itinerário de

um piloto de avião, sendo que, já no primeiro questionamento é pedido que esbocem a rota do

piloto nesta viagem, visando como resposta algo como:

6 Distância entre as cidades. Disponível em: <http://www.distanciaentreascidades.com.br>. Acesso em: 10 ago.

2014.

TAREFA 1(Parte 1) – Situação: Um piloto de um avião cargueiro da Organização das

Nações Unidas (ONU) estava na Antártida (polo sul) descarregando suprimentos para os

cientistas de uma base de pesquisas que lá reside. Ao fim de seu trabalho, este piloto viaja

com seu avião em direção norte pelo meridiano 45º ocidental em linha reta por 74316 km até

a cidade de Ubatuba – São Paulo. Lá sua missão é buscar equipamentos de pesquisa e

suprimentos no porto da cidade. Estando carregado viaja em linha reta pelo Trópico de

Capricórnio na direção leste mais 7635 km até chegar a Shurugwi em Zimbabwe –

Continente africano onde descarrega parte de sua carga. Depois desta parada, retorna à

base na Antártida pelo meridiano 30º oriental viajando em linha reta por mais 8668 km,

chegando ao fim de sua rota de viagens.

a) Com a folha disponibilizada pelo professor, desenhe a rota do avião cargueiro.

b) Na rota desenhada, o avião cargueiro regressou ao ponto de partida? Justifique sua

resposta.

c) No mapa-múndi disponibilizado pelo professor, desenhe a rota realizada pelo avião

cargueiro.

d) Neste mapa, o avião regressou ao ponto de partida? Justifique sua resposta.

e) No que difere a rota descrita no papel e no mapa-múndi?

(Conclusão)

Fonte: O autor (2014)

46

FIGURA 24: Representação plana da situação.

Fonte: O autor (2014)

No questionamento b espera-se que os alunos percebam que na rota descrita o avião

não regressaria a Antártida, ou ainda, que existiriam duas Antártidas, pois a situação explicita

que o piloto voltaria ao seu ponto de partida.

No questionamento c espera-se que os alunos representem a rota da seguinte forma:

FIGURA 25: Representação da situação sobre um mapa-múndi.

Fonte: O autor (2014)

A questão d visa facilitar o entendimento do aluno referente à diferença entre a

representação no plano e na superfície esférica. Assim, espera-se que os alunos comecem a

pensar sobre o local em que foi desenhada a rota, ou seja, almeja-se como resposta dos alunos

que a folha de papel e o mapa-múndi são representações planas da rota do avião e que estas

não descrevem uma rota pensada sobre o globo terrestre (superfície esférica), assim

respondendo também parte do questionamento e. Ainda, almeja-se que os alunos verifiquem

que na representação no papel os trajetos eram representados por retas, já na representação no

47

mapa-múndi esses caminhos já não são mais retas e sim curvas, mesmo estas não levando ao

destino final da rota. Lembrando que nesse momento os alunos poderão se orientar, quanto à

localização das cidades e países através do globo terrestre e também quanto à nomenclatura

dos meridianos, que o professor disponibilizará em sala. Após os alunos responderem os

questionamentos, o professor poderá promover uma socialização sobre os mesmos, na qual os

alunos poderão expor suas conclusões e esclarecer possíveis dúvidas, possibilitando meios

para o professor explicitar algumas das diferenças existentes entre a Geometria Euclidiana e a

Geometria Esférica, através dos próprios apontamentos dos alunos.

A seguir, o professor deve entregar a segunda parte da Tarefa 1 e os materiais aos

alunos, solicitar que discutam e respondam de acordo com o que fizeram anteriormente:

QUADRO 2: Tarefa 1 (Parte 2) - Distância na Superfície Esférica

TAREFA 1(Parte 2) – Agora, de posse dos materiais disponibilizados pelo professor (bolas

de isopor, canetões, barbantes e alfinetes), faça o que se pede:

a) Construa pelo menos dez meridianos com espaçamento de 1 centímetro entre si em uma

bola de isopor, colocando um alfinete em cada polo e barbantes ligando um ao outro.

b) Observando as posições geográficas no globo terrestre, marque na bola de isopor cada

local da rota com um alfinete.

c) Com o canetão trace na bola de isopor a rota do avião cargueiro.

d) Nesta representação da rota, o piloto chegou ao seu último destino?

e) As representações da rota do avião na bola de isopor e no papel se diferem? O que

caracteriza este fato?

f) No papel, o trajeto percorrido pelo avião é representado por qual elemento matemático?

Na bola de isopor, o trajeto percorrido pelo avião é representado por qual elemento

matemático?

g) Na descrição da rota, tanto para o papel quanto para a bola de isopor, dizia: “o piloto

viaja com seu avião em direção norte pelo meridiano 45º ocidental e em linha reta (...)”,

então por que a rota foi representada por dois elementos matemáticos diferentes? Explique.

h) Lembrando que na geometria euclidiana a reta é formada por infinitos pontos que estão

alinhados. O que a difere da linha que liga os locais da rota? Nesse caso, o caminho em

linha reta na bola de isopor forma uma reta da geometria euclidiana? Justifique sua

resposta.

Para o desenvolvimento desta parte da tarefa em sala de aula, o professor precisará

dos seguintes materiais:

Fonte: O autor (2014)

48

Bolas de isopor de aproximadamente 10 cm de diâmetro;

Canetões;

Folhas com as tarefas impressas;

Barbantes;

Alfinetes.

Com os materiais disponibilizados e os procedimentos descritos na tarefa espera-se

que os alunos construam uma representação semelhante a Figura 26:

FIGURA 26: Representação esperada da rota em uma bola de isopor.

Fonte: O autor (2014)

Nesta segunda parte da tarefa, almeja-se que o aluno perceba a diferença entre a

representação plana e esférica da situação, percebendo que na representação plana o caminho

estava sendo representado por segmentos e na representação sobre a superfície esférica o

caminho estava sendo representado por arcos de círculos máximos e menores, ou ainda,

meridianos e paralelos. Além disso, espera-se nas questões g e h que os alunos percebam que

a reta na geometria esférica não é a mesma que na geometria euclidiana, e assim, percebam

que a geometria esférica possui suas próprias “leis” e estas diferem das de Euclides.

Após a resolução da tarefa, poderá ser realizada a socialização do que foi percebido e

realizado na tarefa, na qual os alunos poderão expor como compreenderam o que foi

solicitado na mesma. Nesse momento, o professor pode guiar as discussões para os conceitos

em que visamos ensinar com a aplicação da tarefa. Assim, pretende-se nestas discussões que

surja a diferenciação entre a representação de distâncias na superfície esférica e distâncias

49

representadas sobre um plano, ou seja, a diferença entre as representações das distâncias no

papel e na bola de isopor, possibilitando que o professor formalize o conceito de arco de uma

circunferência, de acordo com a definição 5: “arco de uma circunferência é uma porção de

circunferência compreendida entre dois pontos da circunferência” e reta na superfície esférica,

de acordo com a definição 10: “Dados dois pontos A e B sobre a superfície da esfera, chama-

se de reta na superfície esférica a circunferência máxima que passa por esses dois pontos”.

Além disso, o professor pode também explicitar os conceitos de meridianos e paralelos,

circunferência máxima e círculos máximos e menores, associando a explicação com o que foi

realizado na tarefa.

4.2 TAREFA 2 – ÂNGULOS ESFÉRICOS

QUADRO 3: Tarefa 2 - Ângulos Esféricos

Esta tarefa, que foi inspirada em Silva (2011, p. 59), tem como finalidade o ensino do

conceito de ângulos esféricos e possui como pré-requisito o conceito de reta na superfície

esférica abordado na tarefa anterior.

Para o desenvolvimento da mesma em sala de aula, o professor precisará dos

seguintes materiais:

Folhas para os alunos esboçarem o que for necessário;

Bolas de isopor de aproximadamente 10 cm de diâmetro;

Canetões;

Folhas com as tarefas impressas.

TAREFA 2 - Com os materiais disponibilizados pelo professor (bolas de isopor e canetões)

faça duas circunferências máximas (retas na superfície esférica) em uma bola de isopor e

responda:

a) Em quantos pontos as retas (circunferências máximas) se encontraram na superfície

esférica? O que difere da intersecção de retas euclidianas, se necessário às desenhe no

caderno?

b) Na construção feita formam-se elementos da Geometria Esférica denominados “ângulos

esféricos”, que se assemelham aos ângulos da Geometria Euclidiana. Descreva de que

maneira esses ângulos esféricos são formados:

Fonte: O autor (2014)

50

Espera-se que os alunos concluam no item a que as retas na superfície esférica se

interceptam em dois pontos distintos, diferentemente das retas euclidianas que se interceptam

em um único ponto.

No item b o objetivo é que os alunos observem a construção realizada nas bolas de

isopor, façam uma analogia com a Geometria Euclidiana e enxerguem a formação de ângulos

esféricos na intersecção das retas (circunferências máximas), e descrevam como esses ângulos

esféricos são formados.

Ao completarem essa tarefa, propõe-se que haja uma socialização das respostas

obtidas pelos alunos e que em discussão com a turma o professor possa chegar à formalização

do conceito de ângulo esférico, de acordo com a Definição 19: “ângulo sobre a esfera,

também chamado de ângulo esférico, é intersecção de duas retas na superfície esférica

(circunferências máximas)”; ou ainda, que ângulo esférico é a união de dois arcos de uma

circunferência máxima, que se cruzam em um determinado ponto (vértice).

4.3 TAREFA 3 – TRIÂNGULOS ESFÉRICOS E SOMA DE SEUS ÂNGULOS INTERNOS

Para a realização desta tarefa será necessário retomar a situação do avião cargueiro

apresentada no início desta proposta de ensino, onde os alunos constroem a rota de um avião

em bolas de isopor, a qual forma um triângulo esférico.

QUADRO 4: Tarefa 3 (Parte 1) - Triângulos Esféricos e Soma de seus Ângulos Internos

TAREFA 3 (Parte 1) – Em grupo, relembrem e reconstruam a figura encontrada como rota

do avião nas bolas de isopor disponibilizadas pelo professor e respondam:

a) Ligando os três pontos na esfera, que representam os destinos do avião, forma-se

uma figura que representa um elemento da Geometria Esférica. A qual elemento da

Geometria Euclidiana essa figura se assemelha? Que nome pode-se dar a ela

considerando que está sobre a superfície esférica?

b) Descreva como esta figura é formada na construção.

Na realização da tarefa espera-se que os alunos respondam no item a que a figura que

representa a rota do avião se assemelha com um triângulo da Geometria Euclidiana e que

quando considerado sobre a superfície esférica pode receber o nome de triângulo esférico. Já

no item b espera-se que os alunos respondam que a figura formada a partir da construção na

bola de isopor é composta por três arcos de circunferência que ligam três pontos

representados na superfície esférica e formam três ângulos esféricos entre si.

Fonte: O autor (2014)

51

Após a realização da tarefa, propõe-se a realização de uma socialização das

conclusões dos alunos referentes à tarefa, possibilitando que o professor chegue à

formalização do conceito de triângulo esférico, de acordo com a definição 20: “dados três

pontos, A, B e C, distintos e não pertencentes a uma mesma circunferência máxima, a figura

formada pelos arcos de circunferências máximas, que unem esses pontos dois a dois, chama-

se triângulo esférico”.

Considerando as discussões dos conceitos abordados nas tarefas anteriores, suas

devidas formalizações e utilizando os triângulos desenhados nas bolas de isopor, o professor

pode aplicar a segunda parte da tarefa três, que aborda o conceito de soma dos ângulos

internos de um triângulo esférico. Sendo assim, propõe-se a solicitação dos seguintes

questionamentos aos alunos, visando o aprendizado do conceito referente à soma dos ângulos

internos de um triângulo esférico:

QUADRO 5: Tarefa 3 (Parte 2) - Triângulos Esféricos e Soma de seus Ângulos Internos

TAREFA 3 (Parte 2) – Com base nos triângulos desenhados nas bolas de isopor durante a

primeira parte desta tarefa, responda o que se pede:

a) Observando os ângulos do triângulo esférico que você fez anteriormente, é possível

dizer aproximadamente seus valores? Justifique.

b) Tente desenhar um triângulo esférico com dois ângulos retos. Você conseguiu?

c) A soma dos ângulos internos desse triângulo esférico ocorre da mesma forma que na

geometria euclidiana? Explique sua resposta.

d) Se for possível construa um triângulo esférico com três ângulos retos. Se não, justifique

sua resposta.

e) Analisando as tarefas já realizadas, é possível construir triângulos esféricos com as

somas dos ângulos internos diferentes umas das outras?

f) Existe uma menor soma dos ângulos internos de um triângulo esférico? E uma maior?

Justifique.

Almeja-se que os alunos obtenham as seguintes conclusões:

a) Sim, pode-se concluir que os dois ângulos formados nos pontos de São Paulo e

Zimbabwe formam ângulos menores que 90º, pois considerando os meridianos que

passam por esses pontos e o fato de que os meridianos formam um ângulo reto com o

equador, confirmamos esse fato. Já o valor do outro ângulo possivelmente os alunos

não encontrariam. Veremos posteriormente como ele varia.

Fonte: O autor (2014)

52

b) Nesta questão o aluno tentará desenhar um triângulo esférico com dois ângulos retos,

que é possível, se considerarmos dois dos vértices deste triângulo sobre a linha do

equador e o outro sobre um dos polos.

c) O aluno pode perceber que a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico passa

de 180º, diferentemente do caso de um triângulo no plano, ou seja, um triângulo

euclidiano.

d) Considerando um triângulo esférico ABC, este possuirá três ângulos retos se os pontos

A, B e C estiverem localizados em pontos especiais da esfera, ou seja, um dos pontos

deve estar localizado em um dos polos e os outros dois devem estar localizados sobre

a circunferência máxima que representa o equador e sobre dois meridianos localizados

a 90º de distância um do outro.

FIGURA 27: Triângulo esférico com três ângulos retos

Fonte: Silva (2011)

e) Sim. Dentre as tarefas realizadas o aluno pode perceber que foram obtidas várias

somas distintas.

f) Para a construção desta explicação referente aos valores máximos e mínimos da soma

dos ângulos internos de um triângulo esférico, utilizei como base um texto de Silva

(2011, p. 69). Então, nesta questão, espera-se que os alunos respondam que existe uma

maior e uma menor soma dos ângulos internos de um triângulo esférico, considerando

que poderiam desenhar na bola de isopor um triângulo com a medida dos arcos que o

formam pequena, se aproximando muito de um triângulo da Geometria Euclidiana,

tendo como soma dos ângulos internos 180º e visualizando que os mesmos pontos

utilizados para formar este triângulo podem formar outro, considerando agora os

ângulos externos formados pelos arcos. Porém para explicitar aos alunos as possíveis

somas dos ângulos internos de um triângulo esférico o professor pode utilizar uma

explicação complementar à tarefa, que segue:

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Chamando de S a soma dos ângulos internos de um triângulo esférico e

considerando o triângulo esférico ABC, se pensarmos o triângulo ABC como o menor

possível, aproximando-se de um triângulo euclidiano, então S será igual a 180º.

Considerando que os vértices A, B e C formam ângulos internos a esse triângulo, eles

também formam ângulos externos que chamaremos, respectivamente, de e

formam um triângulo que cobre todo o restante da esfera.

FIGURA 28: Triângulos esféricos com ângulos A, B e C e ângulos α, β e γ.

Fonte: Silva (2011)

Cabe salientar que S admitirá valores diferentes quando considerado o

triângulo com ângulos internos medindo A, B e C e quando considerado o triângulo

com ângulos externos medindo .

Do que já foi visto, se S do triângulo interno for mínimo, então S do triângulo externo

será máximo. Logo pela questão b) e , somando 180º. Disto,

, , ou seja, o triângulo esférico externo assume

valor . Do contrário, se S do triângulo interno for

máximo, então S do triângulo externo será mínimo, ou seja, se S interno é máximo o

ângulo A se aproxima de 360º ( ) e , logo S do triângulo interno

quando assume valor máximo é . Assim, e

, o que leva a concluir que S do triângulo externo quando

assume valor mínimo é . Logo,

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Após as conclusões dos alunos e devidas apresentações na socialização proposta pelo

professor, o mesmo deve formalizar os conceitos que possivelmente os alunos construíram

através das tarefas, assim concluindo o ensino referente a esta última tarefa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foram propostas tarefas que visam o ensino da Geometria Esférica em

sala de aula e, também, conceitos desta geometria que podem facilitar e auxiliar professores

que desejam trabalhar com este conteúdo, mas que por ventura não conhecem suas

características. A escolha deste tema para a proposta se deu justamente por este ser um ramo

novo para a Matemática e também pela importância que este tem sobre o ensino dela, ainda

convém lembrar que há dois anos lecionei estes conceitos na escola em que trabalho, o que

me motivou a querer elaborar mais tarefas que visam o ensino deste ramo e me aprofundar

nesta área do conhecimento matemático.

Para a elaboração deste trabalho utilizamos a teoria da Transposição Didática como

guia metodológico da pesquisa, ou seja, utilizamos desta teoria para fundamentar a sequência

em que foram descritos os saberes neste texto. Utilizamo-nos do fato que a Transposição

Didática, em linhas gerais, trata das transformações ocorridas por um saber científico para que

sua utilização se torne viável em sala de aula e com isso se torne um saber ensinado, para

organizar e estruturar este trabalho.

Então, após os conceitos da Geometria Esférica (Saber cientifico – Capítulo 2) terem

sido designados como foco do ensino, foram apresentados como estes conceitos estão

propostos em documentos curriculares do ensino e também em livros didáticos, concluindo,

foram elaboradas tarefas projetando seu ensino (Saber a ensinar – Capítulo 3 e 4) e pensando

em como estes se dariam após sua aplicação no Ensino Médio (Saber ensinado – Capítulo 4).

Acreditamos e esperamos que as propostas e saberes científicos que elencamos

possam subsidiar o trabalho em sala de aula de professores da Educação Básica e contribuir

para a sua formação profissional, pois, buscamos neste estudo apresentar a história da

geometria esférica - de onde surgiu e quem foram seus precursores - seus conceitos,

definições e teoremas, bem como suas demonstrações.

Como afirma Zanella (2013):

Refletir sobre o que é ensinar, para quem ensinar, como ensinar e o que se ensina é a

marca registrada da profissão professor. Há uma grande quantidade de recursos

metodológicos que se pode dispor para facilitar o ensino e a aprendizagem, cabe então ao professor pesquisá-los, conhecê-los, aplicá-los e adaptá-los sempre que

necessário. (p. 119)

Nessa perspectiva, esperamos que as tarefas propostas levem professores a uma

reflexão sobre o ensino da Geometria Esférica e principalmente que esta possa ser incluída

nos planos de aulas de professores da Educação Básica, sendo trabalhada e desenvolvida em

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sala de aula, possibilitando que alunos de nossas escolas ampliem seu conhecimento sobre

esta área e, também ampliem seu pensamento geométrico, pois acreditamos que esta

geometria pode possibilitar tal fato.

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REFERÊNCIAS

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ZANELLA, I. A. Geometria Esférica: Uma proposta de atividades com aplicações, 2013.

Dissertação (Mestrado em Educação Matemática), Universidade Estadual de Londrina.