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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO NEOCONSTITUCIONALISMO E A SOFISTICAÇÃO DO DISCURSO DA APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS JEFFERSON AUGUSTO DE PAULA Itajaí [SC], dezembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO ACADÊMICO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

NEOCONSTITUCIONALISMO E A SOFISTICAÇÃO DO DISCURSO DA APLICABILIDADE DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS

JEFFERSON AUGUSTO DE PAULA

Itajaí [SC], dezembro de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA – PROPPEC CENTRO DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

NEOCONSTITUCIONALISMO E A SOFISTICAÇÃO DO DISCURSO DA APLICABILIDADE DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS

JEFFERSON AUGUSTO DE PAULA

Dissertação submetida à Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, para obtenção do grau de

Mestre em Ciência Jurídica.

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa

Itajaí [SC], dezembro de 2008

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“Nas favelas, no senado Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a constituição Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?

No Amazonas, no Araguaia, na Baixada fluminense

No Mato Grosso, nas Gerais e no Nordeste tudo em paz Na morte eu descanso mas o sangue anda solto

Manchando os papéis, documentos fiéis Ao descanso do patrão

Que país é esse?

Terceiro Mundo se for Piada no exterior

Mas o Brasil vai ficar rico Vamos faturar um milhão

Quando vendermos todas as almas Dos nossos índios num leilão.

Que país é esse?”

(Legião Urbana)

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Agradecimentos:

Agradeço a Deus;

A minha esposa, Michele Grisbach, pelo amor, atenção e

carinho dedicados;

A minha mãe, Marines Mello de Paula, um exemplo de

pessoa;

Ao meu pai, Benedito de Paula um grande advogado;

Ao Coordenador do Curso de Mestrado Prof. Dr. Paulo

Márcio Cruz;

Ao Orientador Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa, um

notável jurista e amigo;

Aos professores do Programa de Mestrado, em especial,

Profs. (as): Daniela Cadermatori, Luiz Henrique Cadermatori, Marcos Leite Garcia,

César Luiz Pasold, Osvaldo Ferreira de Mello e Paulo Tarso Brandão;

Ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, pelos

ensinamentos e por ter me acolhido em sua disciplina na Universidade Federal do

Paraná;

Aos membros da secretaria do curso, Jaqueline, Lucilaine, e

o funcionário Alexandre;

Aos colegas de estudo, Fernando Laélio Coelho, Rogério

Sady Bege, Bárbara Dayana Brasil, Felipe Gobbo, Mauro Ferradin, pela

convivência e experiências compartilhadas;

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Dedicatória:

Dedico a Deus,

A minha esposa Michele Grisbach, companheira de todas as horas, que soube

compreender a minha ausência para me dedicar aos estudos, e sempre me

apoiou na minha vida.

A minha mãe Marinês Mello de Paula

Mãe é mãe, não se explica, não se justifica, mãe é compromisso, é fidelidade, é

amor incondicional, mãe é o ser mais puro do universo, a quem devemos todo o

respeito e admiração, você sempre fará parte de minhas dedicatórias...

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Esta Dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre em Ciência

Jurídica e aprovada, em sua forma final, pela Coordenação do Curso de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI.

Professor Doutor ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

Orientador

Professor Doutor PAULO MÁRCIO CRUZ

Coordenador Geral/CPCJ

Apresentada perante a Banca Examinadora Composta pelos

Professores:

Dr. Alexandre Morais da Rosa (UNIVALI) - Presidente

Dr. Mário Luiz Ramidoff (UNICURITIBA) - Membro

Dr. Marco Aurélio Marrafon (UNIBRASIL) – Membro

Itajaí [SC], 04 de dezembro de 2008.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando

a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Programa de

Mestrado em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e

qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí [SC], dezembro de 2008.

Jefferson Augusto de Paula

Mestrando

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................... IX

ABSTRACT............................................................................................................ X

INTRODUÇÃO..................................................................................................... 01

CAPÍTULO 1 ........................................................................................................ 05

NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUA APLICABILIDADE ................................ 05

1.1 NORMA JURÍDICA E ORDENAMENTO JURÍDICO ..................................... 05

1.2 NORMAS PRINCÍPIOS (CONSTITUCIONAIS) E O RESTO (NORMAS

REGRAS)............................................................................................................. 16

1.3 A DISTINÇÃO ENTRE VIGÊNCIA, VALIDADE, EFETIVIDADE E

APLICABILIDADE ............................................................................................... 25

CAPÍTULO 2 ........................................................................................................ 28

A CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE ACORDO COM

JOSÉ AFONSO DA SILVA.................................................................................. 28

2.1 A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A PARTIR DE

JOSÉ AFONSO DA SILVA....................................................................................28

2.1.1 Normas de Eficácia Plena......................................................................... 31

2.1.2 Normas de Eficácia Contida ..................................................................... 33

2.1.3 Normas de Eficácia Limitada.................................................................... 35

2.2 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS E SUA EFETIVIDADE ............................ 39

2.3 A PREVISÃO DO § 1º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . 48

CAPÍTULO 3 ........................................................................................................ 52

NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO................................52

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3.1 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO .................. 52

3.1.1 A 1ª edição de 'Constituição Dirigente' de Canotilho ............................ 52

3.1.2 A 2ª edição de 'Constituição Dirigente' de Canotilho ............................ 62

3.1.3 O pensamento de Canotilho no séc. XXI................................................. 70

CAPÍTULO 4 ........................................................................................................ 81

A FORÇA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A APLICABILIDADE DAS

NORMAS CONSTITUCIONAIS ........................................................................... 81

4.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO................................................................... 81

4.2 A EPISTEME GARANTISTA COMO POSSIBILIDADE DA NOVA ORDEM

CONSTITUCIONAL EM 'TERRA BRASILIS' ...................................................... 97

4.3 O IMPÉRIO DA CONSTITUIÇÃO E A SUPERAÇÃO DA TEORIA DAS

NORMAS PROGRAMÁTICAS .......................................................................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 106

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 108

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RESUMO

Esta dissertação tem por objeto a discussão acerca de uma

nova abordagem que deve ser dada a Teoria da Aplicabilidade das Normas

Constitucionais, em especial pelo surgimento do Neoconstitucionalismo. Para

encetar a pesquisa trata-se, no primeiro Capítulo, de apresentar a construção

filosófica e ainda hoje mantida da Teoria da Norma Jurídica e do Ordenamento

Jurídico. Dedica-se o segundo Capítulo a abordar a Teoria de José Afonso da

Silva sobre a Aplicabilidade das Normas Constitucionais criada em 1967 e mantida

até hoje em sua 7ª edição, destacando-se a classificação dele de normas de

eficácia plena, contida e limitada. No terceiro Capítulo, abordam-se as normas

programáticas a partir de José Joaquim Gomes Canotilho desde a 1ª edição de

sua obra ‘Constituição Dirigente e a Vinculação do Legislador’, e após, com sua

virada de pensamento, quando do lançamento da 2ª edição, e por fim, os

trabalhos recentes do autor português, quando fica demonstrado que ele abdicou

de sua teoria. No quarto e último Capítulo, faz-se referência ao surgimento do

Neoconstitucionalismo, e algumas outras teorias importantes para o Direito

Constitucional, como a teoria garantista de Luigi Ferrajoli, fechando o capítulo,

demonstrando a importância da Constituição da República para aplicação e

interpretação do direito brasileiro. As Considerações Finais trazem em seu bojo a

importância de se valorizar a Constituição da República em razão de que nelas

estão os valores e princípios de um povo.

Palavras-chaves: Aplicabilidade, Constituição Federal,

Garantismo, Neoconstitucionalismo.

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ABSTRACT

The present essay has the objective to discuss about the new

approaching that must be given to the Theory of the Applicability of the

Constitutional rules, especially due to the appearing of the new constitutionalism.

To start this research, in the first chapter, to present the philosophical construction

and existing until today the Theory of the Rule of Law and the Legal System.

The second chapter is dedicated to approach the Jose

Alfonso da Silva's Theory on the Applicability of the Constitutional rules created in

1967, which exists until today in his 7th edition, and is being distinguished

nowadays as his classification of full effectiveness, contained and limited rules.

In the third Chapter, is shown the programming rules from

Jose Joaquin Gomes Canotilho since the 1st edition of his work "Leading

Constitution and the Entailing of Legislator", are approached and, even after his

turn of thought, when the 2nd edition came out, and finally, the recent works of the

Portuguese author, when it is demonstrated that he abdicated of his theory.

In the 4th and last Chapter, it is referred to the sprouting of

the new constitutionalism, and some other important theories for the Constitutional

law, as the guarantee theory of Luigi Ferrajoli, closing the chapter, demonstrating

the importance of the Federal Constitution for application and interpretation of the

Brazilian laws. The Final considerations bring in their midst the importance of

developing the value of the Federal Constitution because in it, lies the values and

principles of a nation.

Key-Words: Applicability, Federal Constitution, Guarantor,

New Constitutional.

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como objeto1 a análise da

Aplicabilidade das Normas Constitucionais procurando demonstrar que uma teoria

por mais perfeita que possa aparecer, nunca pode ser estática quando tem como

tema o direito.

Falar em direito pressupõe um movimento dinâmico sobre

suas fórmulas e seus conteúdos, pois, os tempos mudam e com eles mudam

também as concepções e valores do homem, sobre o que deve ser regulado pelo

direito.

Esta dissertação foi produzida no Programa de Mestrado em

Ciência Jurídica do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica-

CPCJ/UNIVALI, na área de Concentração Fundamentos do Direito Positivo, Linha

de Pesquisa Hermenêutica e Principiologia Constitucional, junto ao Projeto de

Pesquisa Fundamentos Teóricos Contemporâneos dos Princípios e Garantias

Constitucionais, e o objetivo institucional é a obtenção do Título de Mestre em

Ciência Jurídica pelo referido Programa de Mestrado.

O objetivo geral é o estudo do surgimento de Teorias

Constitucionais como o Garantismo e o Neoconstitucionalismo que passam a ser

ferramentas para a aplicabilidade das normas da Constituição da República.

Os objetivos específicos serão distribuídos da seguinte

forma: no primeiro capítulo discorrer-se-á sobre as normas constitucionais e sua

1 Nesta introdução, cumpre-se as orientações metodológicas previstas em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8ª ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003. p. 170.

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aplicabilidade, onde tratar-se-à das normas jurídicas e do ordenamento jurídico.

Sobre a norma jurídica, procurar-se-á demonstrar qual é a diferença da norma

jurídica para os demais tipos de normas, e após, delimitá-la, demonstrar-se-á

como se compõe um ordenamento jurídico.

Ainda sobre as normas, apresentar-se-á um tema que foi

muito discutido e ainda hoje merece atenção, que é a diferença existente das

normas princípios e das normas regras.

Aproveitando esta discussão, discorrer-se-á também ainda

no primeiro capítulo, sobre a diferença entre validade, vigência, eficácia e

aplicabilidade;

No segundo capítulo: apresentar-se-á, a teoria da

‘Aplicabilidade das Normas Constitucionais’ formulada por José Afonso da Silva, e

que ainda hoje é muito aplicada, inclusive em Tribunais Superiores.

Sobre este teoria, tratar-se-á das normas chamadas de

eficácia plena, contida e limitada, e nesta ultima, trataremos especialmente as

normas programáticas e sua aplicabilidade segundo o referido autor.

Procurar-se-á demonstrar o alcance do § 1º do art. 5º da

Constituição, em razão da afirmação que o referido parágrafo faz da aplicabilidade

imediata das normas de direitos fundamentais, tentando estendê-lo a todas as

normas constitucionais;

No terceiro capítulo: demonstrar-se-á a relevância dos

estudos do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, quando da

publicação de sua obra clássica ‘Constituição Dirigente e Vinculação do

Legislador’, e depois, com o lançamento da sua 2ª edição, onde muitos autores

interpretaram que Canotilho teria dito que a sua Constituição Dirigente estaria

morta, o que lhe rendeu o apelido de Canotilho II.

Mas a discussão sobre os trabalhos do professor português

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prosseguem ainda no mesmo capítulo, onde se apresentará textos novos do autor,

demonstrando um novo olhar sobre o tema, agora já mais liberal do que seu

pensamento anterior.

No quarto capítulo: discutir-se-á o avanço da Constituição,

com o surgimento do movimento neoconstitucionalista, que vem como uma teoria

de revigoramento e de uma crítica ao modelo positivo das normas constitucionais.

Demonstraremos também a existência de outras correntes,

como a teoria garantista, que lapidada por Luigi Ferrajoli, acabou sendo muito bem

acatada em terras brasilis, em especial, pela corrente do direito alternativo, que a

modelaram para viabilizar sua aplicação junto aos Tribunais de nosso país.

Por fim, será discutida a relevância que o texto constitucional

possui neste novo milênio, como instrumento de garantia as pessoas, frente à

omissão dos Estados nacionais e internacionais.

O tema surge da preocupação com a inaplicabilidade das

normas constitucionais, principalmente pelo Poder Judiciário que usando teorias e

correntes não mais apropriadas, acabam por esvaziar de conteúdo e ilogicidade a

Constituição da República, quando na verdade, existem teorias modernas e

adequadas que dão conta do problema hermenêutico do texto Constitucional.

O presente trabalho tem como fundamento aprofundar os

conhecimentos sobre as Teorias de Aplicabilidade das Normas Constitucionais

nestes novos tempos pós-modernos.

Assim, diante dos objetivos traçados, foram levantadas as

seguintes hipóteses:

a) Os Direitos previstos na Constituição da República são

valores e princípios de um povo, e como tal, merecem o respeito necessário;

b) Com a promulgação da CRFB/88, os Direitos

Fundamentais e neles incluídos os Direitos Sociais passaram a ter proteção

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constitucional, atribuindo-se-lhes fundamentabilidade formal e material;

c) Os Direitos Fundamentais possuem um caráter prima facie

de princípios;

d) A Teoria de José Afonso da Silva não se sustenta mais,

em face de que hoje vigora a máxima da prevalência das Normas Constitucionais,

em especial, a máxima de que uma lei só é válida se o seu conteúdo também

respeitar o texto Constitucional;

e) O garantismo – respeitando seus limites – é uma teoria

que serve para valorizar a aplicabilidade da Constituição;

f) O presente estudo se encerrará com as considerações

finais, nas quais serão apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da

estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o

Neoconstitucionalismo como teoria de superação da inaplicabilidade das normas

constitucionais programáticas.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase

de Investigação, utilizar-se-á o método indutivo2, na fase de tratamento de dados o

método cartesiano; e o relatório dos resultados, expresso na presente dissertação,

é composto na base lógica indutiva3. Nas diversas fases da pesquisa, foram

acionadas as técnicas do referente e da pesquisa bibliográfica.

2 Forma de “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. p. 87.

3 Sobre os Métodos e Técnicas nas diversas Fases da Pesquisa Científica, vide: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. p. 86-106.

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CAPÍTULO 1

NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUA APLICABILIDADE

1.1 NORMA JURÍDICA E ORDENAMENTO JURÍDICO

O papel e a função do Direito no contexto democrático atual

não podem se perder em breves e frágeis divagações sobre contextos históricos,

justamente porque este trabalho procura se focar num ponto muito preciso: o

impacto do discurso neoconstitucionalista no campo da aplicação das normas

constitucionais, em especial, no discurso da (não) auto-aplicabilidade, buscando a

superação deste discurso. De qualquer forma, sabe-se que o Direito proporciona o

estabelecimento de normas de convivência, não só em relação aos privados,

naquilo que hoje se denomina de eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais,

como também, e especialmente, no campo das relações verticais entre os sujeitos

e o Estado. Neste contexto, pois, a Constituição assume um papel de

protagonismo na definição da cartografia democrática a ser implementada4.

De qualquer forma, cabe destacar que a Revolução Francesa

foi o marco divisório a partir do qual os direitos e garantias individuais passaram a

ser o fator preponderante da legitimidade do uso do poder pelo Estado.

Atualmente, o discurso liberal encontra-se no dilema democrático entre o eixo do

sujeito e o do coletivo, consoante se verifica nas novas perspectivas totalitárias

pós 11 de setembro. Por isto, o direito deve ser visto, cada vez mais, como um

instrumento de garantia.5

4 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

5 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley de más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez y Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999.

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O direito, assim, é um complexo de normas jurídicas

(ordenamento), capaz de criar, modificar e extinguir deveres e obrigações entre

particulares ou com entes públicos, sem prejuízo de se acolher um certo

pluralismo6. Com esta limitação, pois, passa-se, então, a discorrer como se

organiza e se aplica a norma jurídica, de cariz constitucional.

Para se viver em sociedade, como visto acima,

‘dependemos’ de regula(menta)ção, e quem desempenha este papel é a norma

jurídica. Mas, o que é uma norma jurídica? É uma obrigação prevista (expressa)

em uma lei, que tem por objetivo regular um fato da vida, que interessa para o

direito, sendo isto, uma das tantas diferenças das demais normas (moral,

social/ética, religiosa, etc.).

Um jurista que tratou bem da difícil missão de diferenciar a

norma jurídica das demais normas foi Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria da

Norma Jurídica”7.

Para este autor, “o melhor modo para aproximar-se da

experiência jurídica e aprender seus traços característicos é considerar o direito

como um conjunto de normas, ou regras de conduta”8. Acresce o autor ainda:

“Acreditamos ser livres, mas na realidade, estamos envoltos em uma rede muito

espessa de regras de conduta”.9

Para Bobbio, vivemos num mundo de normatizações10, e as

“normas jurídicas (...) não passam de uma parte da experiência normativa11”. Este

autor citando ROMANO, diz que, os elementos constitutivos do conceito de direito

6 Neste trabalho, ainda que reconhecida a existência do denominado “pluralismo jurídico”, a abordagem será interna ao ordenamento jurídico. Ver: WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico. São Paulo: Alfa-Ômega, 1997.

7 Título Original: Teoria della norma giuridica (G. Giappichelli Editore, Torino, 1993).

8 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: EDIPRO, 3ª ed, 2005, p. 23.

9 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 23.

10 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 24.

11 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 25.

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são três: sociedade, ordem e organização, e a “sociedade ordenada e organizada

é aquilo que Romano chama de instituição”12, porém, Bobbio, faz uma crítica a

esta concepção, dizendo que: “a produção de regras é sempre o fenômeno

originário (...) para a constituição de uma instituição”13, em outras palavras, as

normas vem antes da organização, e arremata Bobbio: “..., o direito não é norma,

mas conjunto coordenado de normas (...) uma norma jurídica não se encontra

nunca sozinha, mas é ligada a outras normas com as quais forma um sistema

normativo”.14

Uma das facetas que faz uma norma ser jurídica é o fato da

mesma pertencer a um ordenamento jurídico, e isto é dito por Bobbio:

“O problema da caracterização do direito não reside sobre o plano

da relação; se encontra somente sobre o plano das normas que

regulam a relação (...) nós não diríamos que uma norma é jurídica

porque regula uma relação jurídica, mas sim que uma relação é

jurídica porque é regulada por uma norma jurídica. Não existe, na

natureza, ou melhor, no campo das relações humanas, uma

relação que seja por si mesma, isto é, ratione materiae, jurídica: há

relações econômicas, sociais, morais, culturais, religiosas, há

relações de amizade, indiferença, inimizade, há relações de

coordenação, de subordinação, de integração. Mas nenhuma

dessas relações é naturalmente jurídica. Relação jurídica é aquela

que, qualquer que seja o seu conteúdo, é tomada em

consideração por uma norma jurídica, é subsumida por um

ordenamento jurídico, é qualificada por uma ou mais normas

pertencentes a um ordenamento jurídico.”15

Logo, uma primeira distinção entre a norma jurídica e os

outros tipos de normas é que as normas jurídicas regulam relações jurídicas, ou

seja, criam, modificam ou extinguem direitos. É importante não esquecer que

12 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 29.

13 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 37.

14 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 37.

15 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 43.

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quando Bobbio desenvolve sua idéia de norma jurídica, o faz sob uma perspectiva

formal16, assim, como Kelsen o fez em sua ‘Teoria Pura do Direito’17.

Bobbio percebe porém, que buscar a distinção das normas

jurídicas das demais normas, apenas pelo critério formal, é uma tarefa ‘destinada

ao fracasso’18, e com isto tenta analisar outros critérios capazes de solucionar o

problema, chegando a apresentar “Um novo critério: a resposta a violação da

norma”19.

Bobbio procura construir sua teoria, assim, demonstrando

que a norma jurídica é uma proposição20 prescritiva21, mas, o autor apresenta

duas significantes ressalvas sobre esta afirmação, a primeira, é a de que: “Quando

defino uma proposição como um conjunto de palavras que possuem um

significado em sua unidade, entendo excluir do uso deste termo conjuntos de

palavras sem significado22”, e a segunda ressalva, é que:

“Quando dizemos que uma norma jurídica é uma proposição,

queremos dizer que é um conjunto de palavras que têm um

significado. Com base no que dissemos acima, a mesma

proposição pode ser formulada com enunciados diversos. O que

interessa ao jurista, quando interpreta uma lei, é o seu

significado”.23

16 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 69.

17 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

18 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 147.

19 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 152.

20 Para ele, proposição é “um conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 73.

21 Quanto ao segundo elemento a prescrição, Bobbio procura explicar assim: “(...), a função prescritiva, própria da linguagem normativa, consiste em dar comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e modificá-lo, em suma, no fazer fazer”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 78. Ainda: “A linguagem prescritiva é a que tem maiores pretensões, porque tende a modificar o comportamento alheio”. (p.79).

22 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 74.

23 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 74.

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Com o objetivo de justificar o porquê a função prescritiva se

adequa melhor a norma jurídica, o autor procura apresentar as diferenças com a

proposição descritiva, dizendo sobre três modos:

Quanto à função, a proposição descritiva informa, enquanto

que a proposição prescritiva modifica o comportamento alheio. Quanto ao

destinatário, à proposição descritiva em regra faz com que o receptor creia na

veracidade da proposição, enquanto que na proposição prescritiva, ele receptor

apenas executa.

Mas, o que chama a atenção de Bobbio, e que para ele

realmente distingue as proposições é o critério de valoração. Vejamos sua

explicação:

“Sobre as proposições descritivas, pode-se dizer que são

verdadeiras ou falsas; sobre as prescritivas, não. As proposições

prescritivas não são nem verdadeiras nem falsas, no sentido em

que não estão sujeitas à valoração de verdade ou falsidade. (...)

Verdade e falsidade não são atributos das proposições

prescritivas, mas somente das descritivas (...).”24

O ponto nevrálgico da distinção de uma norma jurídica de

outros tipos de normas é a existência de uma sanção. Como se defende no

imaginário social, em razão do pacto social, o Estado é o único legitimado a usar

da força (violência) física – se necessário e em último caso é claro - para impor a

ordem/paz (o direito). Sendo assim, a sanção é a punição dada ao agente pelo

seu descumprimento a uma ordem estatal, que muitas vezes ocorre, pelo simples

descumprimento de uma norma jurídica. É importante destacar, que existem

normas jurídicas que são apenas declaratórias, e estas normas não interessam

para o presente trabalho.

Para Bobbio:

24 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 81.

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“ordenar implica sempre a ameaça de uma sanção; em outras

palavras, a força do comando, o que o torna um conjunto de

palavras significantes cuja função é modificar o comportamento

alheio, reside nas conseqüências desagradáveis que o destinatário

deve esperar de sua inexecução”25.

Esta afirmação fica mais visível, quando lidamos com o

direito penal, que possui seus preceitos secundários nos tipos penais, mas não

nos percebemos que – praticamente - toda norma possui - direta ou indiretamente

- uma sanção pelo seu não cumprimento.

Este é o traço distintivo e marcante da norma jurídica, a

obrigatoriedade de seu cumprimento. Quando não se cumpre uma norma moral,

sabe-se que é possível a existência de conseqüências, mas, em todos os casos, o

agente pode mensurar o alcance destas conseqüências, e optar pelo não

cumprimento da norma, ou seja, a obrigatoriedade não lhe é exigida. Muitos fatos

são legais, mas imorais, e vice-versa.

Bobbio afirma que “só o direito obriga; a moral se limita a

aconselhar, a dar recomendações que deixam o indivíduo livre (isto é, apenas ele

responsável) de segui-las ou não”26, e complementa o autor:

“..., os imperativos (ou comandos) são aquelas prescrições que

têm maior força vinculante. Esta maior força vinculante se exprime

dizendo que o comportamento previsto pelo imperativo é

obrigatório, ou, em outras palavras, o imperativo gera uma

obrigação à pessoa a quem se dirige. Imperativo e obrigação são

dois termos correlativos: onde existe um, existe o outro.”27

O referido autor tratando das teorias restritivas, que

entendem que a norma jurídica não é prescritiva, demonstra a seu ver, a

25 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 83.

26 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 79.

27 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 96.

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inexatidão daqueles que apontam a teoria de Hans Kelsen, como uma teoria

negativista, pois, inclusive Kelsen, apresentava-se como um negativista, vejamos:

“Se o proprium da norma jurídica é, como dissemos até agora,

pertencer à categoria das proposições prescritivas, a teoria de

Kelsen, para quem a norma jurídica se converte em juízo

hipotético, não é uma teoria contrária à tese da norma jurídica

como prescrição, porque o juízo em que se expressa a norma é

sempre um juízo hipotético prescritivo e não descritivo, isto é, um

juízo que na sua segunda parte contém uma prescrição (“... deve

ser B”). Em suma, a teoria antimperativista de Kelsen não pode ser

considerada uma teoria negativa no sentido em que, negando às

normas jurídicas a qualificação das prescrições, faz delas

asserções, mas só no sentido limitado, e para a tese sustentada

até aqui irrelevante, que faz delas prescrições distintas das morais,

mas sempre, prescrições, e isto é o que mais importa até o fim da

nossa investigação”.28

Bobbio, prosseguindo a apresentação sobre a existência de

teorias negativistas, aponta outro vertente da teoria antimperativista segundo a

qual as normas jurídicas são juízos de valoração. Para esta corrente formada por

autores italianos como Perassi e Giuliano, as normas jurídicas são “cânones que

valoram uma conduta do indivíduo na vida em sociedade (T. Perassi, Introduzione

alle scienze giuridiche [Introdução às Ciências Jurídicas], Pádua, Cedam, 1953, p.

31)29”, sendo ainda, “juízos sobre o comportamento (e sobre a conduta) de

determinados cidadãos diante da (ou dependentemente da) verificação de

determinadas situações, de determinados eventos, mas genericamente de

determinados fatos (M. Giuliano, I diritti e gli obbligui degli stati [Os direitos e as

Obrigações do Estado], I, Pádua, Cedam, 1956, p. 8)30”.

Porém, alerta Bobbio, que se equivocam estes autores, a

não reconhecerem nestas teorias a existência da função prescritiva, pois, para ele:

28 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 139. 29 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 140. 30 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 140.

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“Quando os autores acima lembrados dizem que a norma é a

valoração de certos fatos, querem dizer que a norma jurídica

qualifica certos fatos como jurídicos, isto é, coliga a certos fatos

conseqüências, chamadas de conseqüências jurídicas (...) A mais

importante e mais freqüente destas conseqüências jurídicas é o

surgimento de uma obrigação (...) o fato é a condição para o

surgimento de uma obrigação. Mas a obrigação reenvia para uma

prescrição. Por isso, dizer que certos fatos têm certas

conseqüências jurídicas significa reconhecer que certos

comportamentos, mais do que outros, são obrigatórios enquanto

são prescritos”.31

Analisando esta teoria de forma inversa, nota-se que a

prescrição da norma surge da obrigação desta, e a obrigação é a conseqüência

jurídica do fato valorado, logo, os fatos são o núcleo da norma, e possuem vinculo

direto com a prescrição, que nada mais é do que obrigar o cidadão a cumprir a

norma. Concluindo, esta teoria também não retira a função prescritiva da norma.

A norma jurídica é uma proposição prescritiva, com a

sanção como elemento de cumprimento da norma, em razão de sua

obrigatoriedade, pois, para Bobbio a “tarefa de uma norma não é a de descrever

as conseqüências que derivam de certos fatos, mas de colocá-las em ação”.32

Quando o agente pratica seus atos de acordo com o que

dispõe a norma, ele esta praticando como deve ser, mas, na prática o ideário

social, nem sempre corresponde com a realidade (o que é), e isto é notado por

Bobbio, quando diz:

“Uma norma prescreve o que deve ser. Mas aquilo que deve ser

não corresponde sempre com o que é. Se a ação real não

corresponde à ação prescrita, afirma-se que a norma foi violada. É

31 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 141. 32 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 142.

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da natureza de toda prescrição ser violada, enquanto exprime não

o que é, mas o que deve ser. À violação, dá-se o nome de ilícito.”33

A possibilidade de se praticar o ilícito - não importando em

qual seara -, é um fator marcante da norma jurídica, o que a distingue da norma

científica, pois, nesta não se admite exceções, enquanto naquela (norma jurídica),

as exceções (descumprimento da norma) são partes integrantes do sistema, pois,

caso contrário, não teria validade alguma à sanção34.

Ronald Dworkin, explicando a definição de obrigação jurídica

para John Austin, diz que “temos uma obrigação jurídica se nos encontramos

entre os destinatários de alguma ordem de caráter geral do soberano e se

corremos o risco de sofrer uma sanção caso não a obedeçamos”.35

Já para Bobbio, a sanção é a resposta à violação36:

“A ação que é cumprida sobre a conduta não conforme para anulá-

la, ou pelo menos para eliminar suas conseqüências danosas, é

precisamente aquilo que se chama de sanção. A sanção pode ser

definida, por este ponto de vista, como o expediente através do

qual se busca, em um sistema normativo, salvaguardar a lei da

erosão das ações contrárias; é, portanto, uma conseqüência do

fato de que em um sistema normativo, diferentemente do que

ocorre em um sistema científico, os princípios dominam os fatos,

ao invés dos fatos os princípios”.37

Para ele, o que diferencia estes dois sistemas, é que no

sistema científico, prevalece o critério da verificação empírica, enquanto que no

sistema normativo, é o princípio da autoridade.

33 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 152. 34 “Em um sistema científico, no caso em que os fatos desmintam uma lei, nos orientamos no sentido da modificação da lei; em um sistema normativo, no caso em que a ação que deveria ocorrer não ocorre, nos orientamos sobretudo no sentido de modificar a ação e salvar a norma”. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 153. 35 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. Martins Fontes. São Paulo: 2002, p. 29. 36 Este é o novo critério criado por Bobbio, quando abdica os critérios apresentados por outros autores. 37 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 153

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Falar que o critério que diferencia a norma jurídica das

demais é a sanção, caí num grande problema, qual seja, existem outras normas

(moral, social/ética, religiosa), que também possuem sanção.

Por exemplo, quando o agente pratica um fato grave, que

atente contra os dogmas da igreja, a pena para ele, pode ser a excomungação da

igreja, ou seja, a proibição de freqüentar as atividades religiosas, bem como, os

representantes daquela instituição, não consideram mais aquela pessoa como um

membro.

Bobbio explicando esta distinção diz: “Afirma-se que são

morais aquelas normas cuja sanção é puramente interior”. E prossegue no seu

intento: “A única conseqüência desagradável da violação de uma norma moral

seria o sentimento de culpa, um estado de incômodo, de perturbação, às vezes de

angustia, que se diz, na linguagem da ética, “remorso” ou “arrependimento”.”38

Para ele, a sanção interior, é ineficaz muitas vezes, pois, só

tem efeito naqueles destinatários “capazes de provar satisfação e insatisfação

íntimas”39, e na prática são estes que respeitam as normas morais, logo, quase

não haverá aplicação de sanção.

Diferente da sanção interna, o autor trata da sanção social40,

que se expressa de forma externa, ou seja, pelo modo como reagem as pessoas

daquele convívio social. A crítica apresentada a esta sanção, é a falta de

previsibilidade (ausência de regulação) de qual será a sanção aplicada para cada

fato, pois, a norma social é pré-disposta a todos, mas suas punições não.

Para Bobbio, “... a resposta pode ser desproporcional à

gravidade da violação (...) pode-se dizer que os defeitos da sanção social são

representados pela incerteza do seu êxito, pela inconstância da sua aplicação e

38 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 155. 39 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 156. 40 Que pode ser compreendida como a ética.

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pela falta de medida na relação entre violação e resposta”.41 Pois, o problema

deste tipo de sanção, é que na maioria das vezes, o grupo social não é

institucionalizado, e para o autor “um grupo se organiza quando passa da fase da

sanção incontrolada à da sanção controlada. E usualmente denomina-se grupo

jurídico, ordenamento jurídico, com uma palavra forte como “instituição”, um grupo

com sanção institucionalizada”.42

Neste compasso, a sanção jurídica, vem, para evitar a

escassa eficácia da sanção interna e a falta de proporção da punição na sanção

externa, diferenciando-se também da moral, por ser externa sua sanção e da

social por ser institucionalizada. Nas palavras do autor, “Trata-se das normas cuja

violação tem por conseqüência uma resposta externa e institucionalizada”43, e esta

é uma marca distintiva da norma jurídica.

O ordenamento jurídico neste viés é a criação pelos grupos

sociais de sanções institucionalizadas, em outras palavras, quando se criam

sanções institucionalizadas, esta se construindo um ordenamento jurídico.

Dworkin tratando do positivismo jurídico a partir de Austin e

Hart apresenta a crítica deste último àquele quando trata da obrigação do

cumprimento da regra:

“Austin havia dito que toda regra é uma ordem de caráter geral e

que um individuo está submetido a uma regra se ele for passível

de penalidade caso a desobedeça. Hart assinala que isso oblitera

a distinção entre ser compelido (being obliged) a fazer alguma

coisa e ser obrigado (being obligated) a fazê-lo. Se alguém está

submetido a uma regra, não está simplesmente compelido, mas

obrigado a fazer o que a regra determina. Portanto, estar

submetido a uma regra deve ser diferente de estar sujeito a um

dano, caso se desobedeça a uma ordem. Entre outras coisas, uma

regra difere de uma ordem por ser normativa, por estabelecer um

41 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 159. 42 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 159. 43 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 160.

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padrão de comportamento que se impõe aos que a ela estão

submetidos, para além da ameaça que pode garantir sua

aplicação. Uma regra nunca pode ser obrigatória somente porque

um indivíduo dotado de força física quer que seja assim. Ela deve

ter autoridade para promulgar essa regra ou não se tratará de uma

regra; tal autoridade somente pode derivar de outra regra que já é

obrigatória para aqueles aos quais ele se dirige. Essa é a diferença

entre uma lei válida e as ordens de um pistoleiro”.44

Na concepção de Hart, uma regra é jurídica por dois

motivos: o primeiro é o fato de advir de uma autoridade com competência para

criá-la; e, o segundo é o dever de cumprir a regra, ou seja, estar obrigado45.

Por fim, Bobbio conclui sua distinção dizendo que “o caráter

das normas jurídicas está no fato de serem normas, em confronto com as morais e

sociais, com eficácia reforçada” (máximo de eficácia)46, e que mesmo assim a

realidade social faz com que umas tenham mais ou menos aceitação, e deixa

claro que seu objetivo é apresentar esquemas de classificação, e não definições

de essências puras.47

1.2 NORMAS PRINCÍPIOS (CONSTITUCIONAIS) E NORMAS REGRAS (INFRA-

CONSTITUCIONAIS)

“A diferença entre princípios jurídicos e regras

jurídicas é de natureza lógica” (Dworkin)

Não é possível falar em normas (no caso constitucionais),

sem preceder um estudo para demonstrar a existência – doutrinária e prática - de

uma divisão entre normas-regras e normas-princípios.

44 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 32. 45 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 33. 46 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 161 47 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. p. 162

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Sendo assim, já é possível deduzir que a doutrina48 (Alexy)

aponta a regra e os princípios como espécies do gênero norma.

Sobre a validade desta distinção, Robert Alexy discorrendo

sobre o estudo da norma – em especial de direito fundamental - diz:

“Esta distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito

dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de

problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem

ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições

a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre

colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos

fundamentais no sistema jurídico. Essa distinção constitui um

elemento fundamental não somente da dogmática dos direitos de

liberdade e igualdade, mas também dos direitos a proteção, a

organização e procedimento e a prestações em sentido estrito.

Com sua ajuda, problemas como os efeitos dos direitos

fundamentais perante terceiros e a repartição de competências

entre tribunal constitucional e parlamento podem ser mais bem

esclarecidos. A distinção entre regras e princípios constitui, além

disso, a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos

fundamentais e, com isso, um ponto de partida para a resposta à

pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no

âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido, a distinção entre

regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria

dos direitos fundamentais”.49

48 “Já se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito contemporânea, que, em uma fase “pós-positivista” (GUERRA FILHO, 1996; BONAVIDES, 1977, p. 247), com a superação dialética a antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade”. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 2ª edição. Celso Bastos: São Paulo. 2001. p. 52-53.

49 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. Malheiros: São Paulo. 2008. p. 85.

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Autores nacionais como Guerra Filho50 entre outros51

atestam que quem apresentou primeiramente esta distinção entre normas-regras e

normas-princípios, foi Ronald Dworkin, no seu ensaio intitulado ‘Levando os

direitos a sério’52.

Nesta obra Dworkin explica - sob sua ótica e tradição do

commow law - o surgimento do ‘positivismo jurídico’ através de John Austin (The

Province of Jurisprudence Determined, 1832), e sua reformulação – com as

devidas correções – feitas por H. L. A. Hart (The Concept of Law, 1961).

Na análise de J. Austin (segundo Dworkin), “o direito é um

conjunto de regras especialmente selecionadas para reger a ordem pública”.53

Esta afirmação, peca pela sua simplicidade, o que obriga Dworkin a criticar Austin,

fazendo duas objeções: sendo a primeira, de que esta afirmação não se aplica nas

sociedades complexas, em razão da pluralidade e mutabilidade política; e, a

segunda que “a análise de Austin falha por completo em explicar, e até mesmo

reconhecer, certos fatos surpreendentes sobre as atitudes que tomamos com

relação ao “direito”54.”

50 “Na teoria do direito anglo-saxônica, e de um modo geral, quem deu o maior impulso para o reconhecimento da natureza diferenciadora dos princípios enquanto norma jurídica foi, a nosso ver, conforme salientado anteriormente, RONALD DWORKIN, com sua tentativa de superação do conceito de ordenamento jurídico como um conjunto de regras primárias e secundárias, devida a H. L. A. HART (1994 esp. Postscript, p. 238 a 276). Cf., v.g., DWORKIN (1977, p. 38 s., esp. p. 45 s.; 1985, The Fórum of Principles e Principle, Policy, Procedure, p. 33 s.). GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 53, em nota de roda pé nº 40.

51 Virgílio Afonso da Silva, em sua obra ‘A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares’, não aceita esta teoria da distinção da forma como é dada, mas reconhece que Dworkin e Alexy são os pioneiros desta doutrina, e cita a teoria de Alexy apenas para ilustrar sua existência.

52 O próprio Ronald Dworkin assume que sua distinção é genuína, na pág. 113 de sua obra Levando os direitos a sério.

53 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 30 54 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 30.

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Austin e Hart não diferenciam as normas em regras e

princípios, pois, esta classificação parte de Dworkin55.

Tratando ainda sobre as versões do positivismo em Austin e

Hart, Dworkin faz o seguinte alerta: “A versão do positivismo de H. L. A. Hart é

mais complexa que a de Austin (...) ele reconhece (...) que regras podem ser de

tipos lógicos diferentes (...) ele rejeita a teoria de Austin segundo a qual uma regra

é uma espécie de ordem e a substitui por uma análise mais elaborada e geral do

que são regras”56. E conclui a teoria de Hart dizendo que: “podemos registrar a

distinção fundamental de Hart da seguinte maneira: uma regra pode ser

obrigatória porque é aceita57 ou porque é válida58.”

Dworkin ataca o positivismo – usando a teoria de Hart -, pois,

entende que esta corrente não atende os reclamos do direito, quando se esta

diante dos casos difíceis (hard cases59).

55 Porém, Dworkin explica que para Hart, ele “... fala apenas a respeito de regras, mas não define “regra” da maneira limitada que defino esse termo no capítulo 2. Portanto, ele pode ser entendido, quando fala de regras, como se elas incluíssem tanto princípios como regras em um sentido restrito”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 93

56 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 31. 57 “(a) uma regra pode tornar-se obrigatória para um grupo de pessoas porque, através de suas práticas, esse grupo aceita a regra como um padrão de conduta. Não basta simplesmente que o grupo se ajuste a um padrão de comportamento. Ainda que a maioria dos ingleses possa ir ao cinema no sábado à noite, eles não aceitaram uma regra que exige que eles façam isso. Uma prática contém a aceitação de uma regra somente quando os que seguem essa prática reconhecem a regra como sendo obrigatória e como uma razão para criticar o comportamento daqueles que não a obedecem”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 32.

58 “(b) Uma regra também pode tornar-se obrigatória de uma maneira muito diferente, isto é, ao ser promulgada de acordo com uma regra secundária que estipula que regras assim promulgadas serão obrigatórias. Por exemplo, se o contrato de fundação de um clube estipula que os estatutos poderão ser adotados pela maioria de seus membros, então os estatutos particulares que forem aprovados dessa maneira serão obrigatórios para todos os membros, não devido a qualquer prática de aceitação desses estatutos particulares, mas porque o contrato de fundação assim estabelece. Nesse contexto, usamos o conceito de validade: regras obrigatórias que tiverem sido criadas de acordo com uma maneira estipulada por alguma regra secundária são denominadas regras “válidas”.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 33.

59 Dworkin destaca que: “o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 36

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Durante sua obra, o autor delimita o que são as regras60, e

passa a tratar com mais ênfase aquilo que não são regras, que chama de

“princípios, políticas e outros tipos de padrões”61, explicando que ora vai tratar dos

princípios de forma genérica – lato sensu -, e em outros casos, o especificará.

Quanto às distinções de regras e princípios, Dworkin62 e

Virgílio Afonso da Silva63 dizem ser de natureza lógica: “As regras são aplicáveis à

maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipulam, então ou a

regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é

válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”.64

Dworkin defende ainda, que as regras possuem exceções, e

não é certo citar a regra e omitir as exceções, pois, estas irão enunciar melhor a

regra. Já com os princípios – a regra é outra -, pois, se as condições são dadas, a

norma prevista no princípio a de ser aplicada. Além disto, outra diferença é que os

princípios possuem a dimensão do peso ou da importância65, dimensão esta que

as regras não têm66 (lembra é tudo-ou-nada sempre).

60 Um padrão normativo criado pelo positivismo 61 Segundo Dworkin: “Denomino “política” aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (...) Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerável desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 36

62 ‘... distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 39.

63 “Estrutura lógica diversa significa também, como será visto adiante (...) forma de aplicação diversa”. SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31, nota de roda-pé nº 6.

64 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 39. 65 “..., essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é”. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43.

66 “As regras não têm essa dimensão. Podemos dizer que as regras são funcionalmente importantes ou desimportantes (...) Nesse sentido, uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento. Mas não podemos dizer que uma regra é mais importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão em conflito, uma

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Da forma como Dworkin coloca sua tese, ele minimiza o

problema das antinomias de regras, pois, para ele: “Se duas regras entram em

conflito, uma delas não pode ser válida”.67 O autor sustenta ainda que: “...

somente regras ditam resultados. Quando se obtém um resultado contrário, a

regra é abandonada ou mudada. Os princípios não funcionam dessa maneira; eles

inclinam a decisão em uma direção, embora de maneira não conclusiva. E

sobrevivem intactos quando não prevalecem”68. Um princípio não é tirado do

sistema, mas, apenas deslocado num caso concreto, quando se escolhe outro

princípio mais adequado aquele caso69.

As regras não possuem graus de elevação uma da outra, já

os princípios é quase uma exigência que uns sejam mais importantes que

outros70.

Num segundo momento de sua obra, o autor procura

responder as críticas de Sartorius e Raz, procurando defender a – sua – distinção

entre regras e princípios.

suplanta a outra em virtude de sua importância maior.” DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43.

67 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 43. 68 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 57. 69 Tratando deste assunto, Guerra Filho diz: “Uma constatação que se faz absolutamente necessária, no que toca a natureza diversa de regras e princípios, dá-se quando ocorre um choque entre suas disposições. Assim, caso sejam duas regras que dispõem diferentemente sobre uma mesma situação ocorre um excesso normativo, uma antinomia jurídica, que deve ser afastada com base em critérios que, em geral, são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, para que se mantenha sua unidade e coerência. Essas, aliás, são exigências que se pode fazer decorrer da própria isonomia, com seu imperativo de que se regule igualmente situações idênticas. Já com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois eles, na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica específica, considerados da forma abstrata como se apresentam para nós, no texto constitucional, não entram em choque diretamente, são compatíveis (ou “compatibilizáveis”) uns com os outros. Contudo, ao procuramos solucionar um caso concreto, que não é resolvido de modo satisfatório aplicando-se as regras pertinentes ao mesmo, inquirindo dos princípios envolvidos no caso, logo se percebe que esses princípios se acham em um estado de tensão conflitiva, ou mesmo, em rota de colisão. A decisão tomada, em tais casos, sempre irá privilegiar um (ou alguns) dos princípios, em detrimento de outro (s), embora todos eles se mantenham íntegros em sua validade e apenas diminuídos, circunstancial e pontualmente, em sua eficácia.” GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 55.

70 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 60.

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Dentre as várias críticas, apontemos apenas uma delas, para

ilustrar que Dworkin, diz em verdade, que Raz não entendeu sua teoria:

“Raz tem outro argumento contra minha distinção, um argumento

que não entendo integralmente. Afirma que ela é solapada pelo

fato de que as regras podem conflitar com os princípios; as regras

de usucapião de bem imóvel, por exemplo, podem ser pensadas

como conflitantes com o princípio de que nenhum homem pode

beneficiar-se de seus próprios delitos. Não me parece

esclarecedor recorrer à noção de conflito para descrever a relação

entre essas regras e esses princípios como sendo uma de conflito.

O fato de tais regras existirem é, como já disse, uma prova de que

o princípio de que ninguém pode beneficiar-se de seus próprios

delitos é, de fato, um princípio, e não uma regra. Se as regras de

usucapião de bens imóveis forem um dia emendadas, seja por um

ato legislativo explícito ou por uma reinterpretação judicial, uma

razão para isso poderá ser que o princípio passou a ser

considerado mais importante do que era, quando da adoção das

regras. Não obstante isso, pode-se afirmar que, mesmo a esta

altura, as regras que regem o usucapião de bens imóveis antes

refletem o princípio do que conflitam com ele. Isso se deve ao fato

de que essas regras têm uma forma diferente da que teriam, caso

nenhum peso fosse atribuído ao princípio, quando da decisão”.71

Após, responder esta crítica, Dworkin, justifica que na

verdade:

“... uma das minhas razões para estabelecer a distinção entre

regras e princípios foi exatamente mostrar quão costumeiramente

as regras representam uma espécie de compromisso – que toma

essa forma – entre princípios concorrentes e como esse ponto

pode perder-se ou submergir, quando falamos muito

imprecisamente sobre como regras conflitam com princípios”.72

71 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 121 72 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. p. 121

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Para Robert Alexy, existem diversos critérios73 para se

distinguir regras de princípios, sendo o mais freqüente a generalidade74.

Analisando esse critério, “... princípios são normas com grau de generalidade

relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente

baixo”.75

O autor acima discorrendo sobre os critérios pontua:

“Com base nesses critérios, são possíveis três teses inteiramente diversas acerca da distinção entre regras e princípios. A primeira sustenta que toda tentativa de diferenciar as normas em duas classes, a das regras e dos princípios, seria, diante da diversidade existente, fadada ao fracasso. (...) Diante disso, é necessário atentar para as diversas convergências e diferenças, semelhanças e dessemelhanças, que são encontradas no interior da classe das normas, algo que seria mais bem captado com a ajuda do conceito de wittgensteiniano de semelhança de família que por meio de uma divisão em duas classes. A segunda tese é defendida por aqueles que, embora aceitem que as normas possam ser divididas de forma relevante em regras e princípios, salientam que essa diferenciação é somente de grau. Os adeptos dessa tese são sobretudo aqueles vários autores que vêem no grau de generalidade o critério decisivo para a distinção. A terceira tese, por sua vez, sustenta que as normas podem ser distinguidas em regras e princípios e que entre ambos não existe apenas uma diferença gradual, mas uma diferença qualitativa. Essa tese é correta.”76

E a diferença qualitativa narrada é entender o princípio como

mandamento de otimização, isto é:

73 Exemplos de critérios de distinção: a determinabilidade dos casos de aplicação; forma de seu surgimento; o caráter explícito de seu conteúdo axiológico; referência a idéia de direito; entre outros.

74 “Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. (...) O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração .” GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 53-54.

75 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 87 76 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 89-90

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“princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas

existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de

otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em

graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua

satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas

também das possibilidades jurídicas”.77

E as regras:

“... são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas.

(...) Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo

que é fática e jurídicamente possível. Isso significa que a distinção

entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma

distinção de grau”.78

No Brasil, Virgílio Afonso da Silva apresenta uma

classificação em três grandes categorias sobre a distinção entre regras e

princípios denominados de: distinção forte; distinção débil e teorias que rejeitam a

distinção. Nas palavras deste autor:

“Segundo a teoria da distinção forte, princípios e regras são

normas que têm estruturas lógicas diversas. (...)

As teorias que propõe uma diferenciação débil entre regras e

princípios partem do pressuposto de que a diferença entre ambos

não é assim tão marcada como propõe a teoria acima

mencionada. Entre princípios e regras haveria, portanto, somente

uma diferença de grau.

Já as teorias que rejeitam a possibilidade de distinção entre

princípios e regras sustentam que todas as qualidades lógico-

deônticas presentes nos princípios estão presentes também nas

regras. Por isso, ou são princípios e regras absolutamente

idênticos, ou o grau de semelhança é tão grande que uma

diferenciação definitiva se torna impossível”.79

77 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 90 78 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 91. 79 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31.

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Segundo Joseph Raz, citado por Virgílio, “o termo “princípio”

denota uma maior generalidade e uma maior importância do que o termo “regra”.80

1.3 A DISTINÇÃO ENTRE VIGÊNCIA, VALIDADE, EFETIVIDADE E

APLICABILIDADE

Por muito tempo a doutrina discutia – e ainda hoje discute -,

sobre a existência de diferenças entre vigência e validade, efetividade e

aplicabilidade. Sem dúvida, são temas que merecem serem discutidos, pois, além

da importância para o direito, em especial a aplicabilidade é tema do trabalho.

Trilhando pela corrente do garantismo, buscaremos as

explicações de Luigi Ferrajoli, sobre estas distinções, ou seja, na proposta

apresentada por Ferrajoli, há um terceiro elemento lógico que é trazido à baila.

Enquanto para o modelo positivista não se fazia distinção entre vigência e

validade, o garantismo de Ferrajoli propugnará uma distinção entre estes atributos.

Assim é que a vigência81 decorre de um processo legislativo formal, ou seja,

mediante o cumprimento de todas as etapas legais da produção legislativa. A

validade82, por sua vez, encontra-se situada no juízo de pertinência material com o

80 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito. p. 31, nota de roda-pé 8. 81 “El problema de la vigencia es, pues, el problema de la existencia de la regla en cuanto tal, independientmente del juicio de valor sobre su contenido de justicia y del juicio social sobre su eficacia. Vigencia jurídica de una norma equivale a existencia de esa norma como norma juridica”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia: la aportación garantista de la norma jurídica. Madrid: Trotta, 1999, p. 23.

82 “El problema de la validez está muy vinculado al problema de la vigencia, pero no muy lejos – como veremos – del problema de la justicia. Si vigencia es igual a mera existencia, la validez ‘de forma más oscura’ – como sostiene Delgado (1990: 132) – parece involucrar existencia y obligatoriedad. La validez sería definible provisionalmente como la cualidad o estatus de aquellas normas vigentes que reúnem los requisitos establecidos en otra norma vigente en un sistema jurídico. Se dice, por tanto, que una norma determinada es válida cuando además de cumplir las condiciones formales de procedimiento y competencia, es decir, cuando además de estar vigente, cumple otras condiciones de validez substancial que se refieren a su sentido, a sua significado coherente con reglas de rango superior o con reglas del mismo rango y posteriores en el tiempo. Tanto las condiciones formales (competencia y procedimiento) como las sustanciales (coherencia) están establecidas por normas jurídicas que disciplinan su producción en un nivel superior, pero mientras las condiciones formales constituyen requisitos de hecho en ausencia de los cuales el acto normativo es imperfecto y la norma dictada por él no llega a existir, las condiciones substanciales de la validez constituen normalmente en el respeto de valores – igualdad, libertad, garantía – cuya lesión produce una antinomia, es decir, in conflicto entre

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conteúdo da Constituição e dos Direitos Fundamentais83. Assim, embora se possa

falar de norma jurídica vigente, nem por isso ela pode ser considerada válida. A

validade, portanto, desde o ponto de vista interno, exige um processo de

compreensão em que possa, ou não, se situar no contexto constitucional

democrático84. A eficácia85, em todos os casos, fica vinculada ao cumprimento da

norma no plano fático. A aplicabilidade – que se deixará para tratar mais a frente –

nas palavras de José Luis Serrano é a qualidade em virtude da qual uma norma

pertence a um sistema momentâneo, e resulta, portanto, aplicável a um caso

dado86. Para Serrano não se pode falar em aplicabilidade, sem que se faça uma

analise prévia de vigência. Nas palavras do autor:

“... los critérios de aplicabilidad son tales sólo porque están

vigentes, esto es, porque pertenecen al ordenamiento jurídico. El

juez puede execpcionar la aplicación de una norma vigente y

seguir, por ejemplo, el criterio de aplicabilidad de la lex favorabilis,

normas de contenido o significado incompatible”, SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 24.

83 “Enquanto os juízos sobre a vigência ou não de normas apresentam um caráter fortemente descritivo, eis que dizem respeito a fatos concretos, tais como a promulgação daquelas por autoridades competentes e a observância do devido procedimento de edição, os juízos sobre a validade – pelo fato de pretenderem verificar processos de adequação valorativa – trazem uma acentuada carga axiológica. (...) No entanto, enquanto as condições formais constituem requisitos de fato em cuja ausência as normas não chegam juridicamente a existir, as condições substanciais de validade – e de forma especial as da validade constitucional – consistem no respeito de valores – tais como a igualdade, a liberdade e as garantias dos direitos dos cidadãos – cuja lesão produz uma antinomia, isto é, um conflito entre normas de significados incompatíveis.” CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 83.

84 “Juicio de vigencia es aquel que va referido a la mera constatación de la existencia de una norma en el interior de un sistema jurídico. Es un juicio de hecho o técnico, pues se limita a constatar que la norma cumple los requisitos formales de competencia, procedimiento, espacio, tiempo, materia y destinatario; y como tal juicio de hecho es susceptible de verdad y falsedad.” SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 51.

85 “Los fines expresados por una norma se alcanzan. Esta primera acepción de la eficacia, a la que llamaremos efectividad, implica una concepción instrumental del ordenamiento jurídico al servicio de determinados fines y caracteriza a la norma jurídica desde el punto de vista de sua virtualidad para alcanzar un fin, su idoneidad como instrumento para lograr determinado objetivo”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 20.

86 “... pertenencia – cualidad en virtude de la cual una norma pertenece a un orden jurídico y es susceptible de pertenecer, por lo tanto, a los sistemas momentáneos que de él se deriven. El sistema de normas aplicables serían, pues, en principio, un subconjunto del sistema de normas pertenecientes a un ordem jurídico”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia. p. 88.

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porque y sólo porque este criterio está vigente en el momento de la

aplicación.

En este sentido las normas que contienen criterios de aplicabilidad

(...) requieren de un juicio de vigencia previo”.87

A grande sofisticação do discurso jurídico foi o de dissociar a

validade da vigência e com esta distinção propiciar uma maior efetividade no

controle de constitucionalidade, a qual não fica mais à mercê de uma

compreensão simplificada, ou seja, entre válida e não válida, mas propiciando que

o complexo mundo da vida se possa modular a validade, inclusive com os

mecanismos de controle de constitucionalidade. Em todos os casos, esta nova

compreensão se mostra importantíssima quando se procura estabelecer o sentido

democrático dos princípios e das normas constitucionais ditas programáticas.

87 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 89.

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CAPÍTULO 2

A CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE ACORDO COM JOSÉ AFONSO DA SILVA

2.1 A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A PARTIR DE

JOSÉ AFONSO DA SILVA

Em 1967 José Afonso da Silva lança uma obra intitulada

“APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS”, trazendo o debate sobre

a eficácia das normas constitucionais.

Na referida obra, o autor explica em linhas gerais o que

reinava anteriormente nos Estados Unidos sobre a idéia de que poucas normas

constitucionais seriam auto-executáveis, em face da necessidade de legislações

para melhor explicitá-las na ordem jurídica88.

Mesmo passados mais de quatro décadas, a doutrina e a –

conservadora - jurisprudência, insistem em dizer que a maioria das normas

constitucionais tem aplicabilidade, porém algumas mais outras menos, mas todas

88 José Afonso citando ensinamentos de Ruy Barbosa diz: “Como acontece com quase todos os grandes temas do direito constitucional, foram a jurisprudência e a doutrina constitucional norte-americanas que conceberam e elaboraram a classificação das normas constitucionais, do ponto de vista de sua aplicabilidade, em self-executing provisions e not self-executing provisions, que os autores divulgaram, entre nós, pela tradução, respectivamente, de disposições (normas, cláusulas) auto-aplicáveis ou auto-executáveis, ou aplicáveis por si mesmas, ou, ainda, bastantes em si, e disposições não auto-aplicáveis, ou não auto-executáveis, ou não-executáveis por si mesmas, ou, ainda, não-bastantes em si”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73. A nosso ver, ocorre que a jurisprudência pode ser modificada, e, é isto que se espera, que os julgados passem a admitir a aplicabilidade das normas, mesmo que não existam as normas que deveriam ter sido criadas (ulteriores), pois, o que vale é o valor contido na Carta Magna. Concordamos com José Afonso quando ele diz: “A classificação pura e simples das normas constitucionais em auto-aplicáveis e não auto-aplicáveis não corresponde, com efeito, à realidade das coisas e às exigências da ciência jurídica, ...” (p. 75).

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têm certo grau de efetividade89, dividindo as referidas normas em normas de

eficácia plena, contida e limitada.

É importante destacar que José Afonso da Silva na referida

obra citada, faz a ênfase de que para seu estudo, interessa a Constituição na sua

perspectiva formal90, ou seja, como “fonte formal do direito constitucional”91.

A idéia de fonte formal apresentada por José Afonso se

aproxima da idéia de Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, onde basta que a

norma seja válida em razão de obedecidos seus requisitos formais de criação,

independerá seu conteúdo (material).

Isto se confirma quando o autor diz: “Importa, pois, apenas o

conceito de normas constitucionais formais, assim consideradas, como vimos,

todas as que integram uma constituição rígida, nada interessando seu conteúdo

efetivo, porque só elas constituem fundamento de validade do ordenamento

jurídico”.92

O foco de estudo de José Afonso na obra é a aplicabilidade93

das normas:

89 “..., a jurisprudência e a doutrina italianas formularam uma classificação das normas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, que assim se apresenta: a) normas diretivas, ou programáticas, dirigidas essencialmente ao legislador;b) normas preceptivas, obrigatórias, de aplicabilidade imediata; c) normas preceptivas, obrigatórias, mas não de aplicabilidade imediata”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 80: E ainda: “Se todas têm eficácia, sua distinção, sob esse aspecto, deve ressaltar essa característica básica e ater-se à circunstância de que se diferenciam tão-só quanto ao grau de seus efeitos jurídicos”. (p. 82) A nosso ver, um dos problemas de se copiar normas alienígenas é que muitas vezes estas não se enquadram no ordenamento jurídico (sistema) interno, isto quer dizer, que não é o fato de que na jurisprudência norte americana ou italiana uma norma não é auto-aplicável, que a sua importação deva seguir os mesmos moldes, pelo contrário, devemos importar aquilo que é bom é modificá-lo de acordo com as nossas exigências/necessidades.

90 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 36, 37 e 45. 91 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 16. 92 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 45. 93 “O problema da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais começa com as incertezas terminológicas, o que dificulta ainda mais sua solução e até mesmo sua formulação científica”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 80. A nosso ver, não é só a terminologia, mas, sim a falta de vontade (política) de efetivação.

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“Nossa tese situa-se precisamente neste terreno árduo da ciência

do Direito em geral e da ciência do direito constitucional em

particular. Queremos demonstrar a improcedência daquela posição

negativista, não só reafirmando a eficácia jurídica, maior ou menor,

de todas as disposições constitucionais, e especialmente

destacando o importante papel que as chamadas normas

programáticas exercem na ordem jurídica e no regime político do

país”.

O problema de José Afonso da Silva, é que ele combate à

tese negativista, mas, apresenta uma tese intermediária, onde admite graus de

aplicabilidade, e no que se refere às normas programáticas, diz que o grau é

diminuto, o que significa quase à mesma coisa que não aplicável.

Sendo assim, o autor apresenta a ‘sua’ classificação:

“Em vez, pois, de dividir as normas constitucionais, quanto à

eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado

considerá-las sob tríplice característica, discriminando-as em três

categorias:

I – normas constitucionais de eficácia plena;

II – normas constitucionais de eficácia contida;

III – normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.

Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a

entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos

essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os

objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou,

desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo

direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O

segundo grupo também se constitui de normas que incidem

imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos

queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter

sua eficácia contida em certos limites, dada certas circunstâncias.

Ao contrário, as normas de terceiro grupo são todas as que não

produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos

essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo,

não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso

bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro

órgão do Estado.

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Por isso, pode-se dizer que as normas de eficácia plena sejam de

aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objeto

de sua regulamentação jurídica, enquanto as normas de eficácia

limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque

somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma

normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto

tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não-

essenciais, ou, melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma,

mas apenas a certos valores-meios e condicionantes, como

melhor se esclarecerá depois. As normas de eficácia contida

também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral,

porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de

regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade.”94.

Isto para nós será o problema a ser enfrentado, pois, José

Afonso sustenta a divisão daquilo que venho de fora em três categorias, e que

passados mais de 20 anos, da promulgação da Constituição de 1988, manteve

seu posicionamento, ou seja, ainda admite a mesma classificação para nossa

atual Constituição95.

2.1.1 Normas de Eficácia Plena

Na busca dessa eficácia, o doutrinador Jose Afonso diz que:

“A Constituição Federal, no entanto, revelou acentuada tendência para deixar ao

legislador ordinário a integração e complementação de suas normas. Mesmo

assim, uma simples análise mostra que a maioria de seus dispositivos acolhe

normas de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata”.96

Buscando conceituar e distinguir as normas de eficácia plena

das demais, o referido autor, busca inspiração na fórmula americana através das

lições de Rui Barbosa, que diz que uma lei é auto-executável (o que significa “de

94 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 82/83. 95 Basta ver a sua última edição da obra (7ª, 2007). 96 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 88.

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eficácia plena”): “quando, completa no que determina, lhe é supérfluo o auxilio

supletivo da lei, para exprimir tudo o que intenta, e realizar tudo o que exprime.”97.

O sentido da palavra completa significa que o texto tem todos

os elementos inerentes a um pronto entendimento, não necessitando de mais

nada para completá-lo. Portanto, quando a norma prevê determinado

mandamento positivo e negativo, em determinado caso futuro e concreto,

regrando-o de forma a não gerar dúvidas, estaríamos diante de uma norma de

eficácia imediata, o que não significa dizer de eficácia social, que significa a

aceitação das pessoas sobre o seu texto.

Na opinião do doutrinador98, são de eficácia plena as normas

que:

“a) contenham vedações ou proibições; b) configuram isenções,

imunidades e prerrogativas; c) não designem órgãos ou

autoridades especiais a que incumbam especificamente sua

execução; d) não indiquem processos especiais de sua execução;

e) não exijam a elaboração de novas normas legislativas que lhe

completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo,

porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição

dos interesses nelas regulados”.

Com isto o autor convalida a clássica explicação norte

americana.

A natureza destas normas constitucionais se baseia na idéia

de estabelecerem condutas jurídicas positivas ou negativas com comando certo e

definido, e que desde a entrada da Constituição têm possibilidade de produzir,

97 Para José Afonso, o conceito de eficácia plena é o seguinte: “... aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101

98 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101.

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todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses e situações que o

constituinte quis regular99.

Para serem logo aplicáveis100, basta serem invocadas pelo

interessado ao judiciário, que evidenciando estarem de posse de todos os seus

elementos, as traduzirá ao caso concreto, sem maiores delongas ou empecilhos,

isto claro, num Estado que possua os órgãos jurisdicionais completos e equipados

para atender estes fins.

2.1.2 Normas de Eficácia Contida

Esta definição de normas de eficácia contida é uma criação

do autor, que buscando distinguir as demais normas se preocupou em não igualá-

las, face algumas peculiaridades, explicando-a da seguinte forma101:

“Muitas dessas normas fazem menção a uma legislação futura,

motivo por que alguns as incluem entre as normas de eficácia

limitada, que não as programáticas, ou seja, aquelas que Crisafulli

denomina normas de legislação. Trata-se, a nosso ver, de

equívoco manifesto, porquanto o fato de remeterem a uma

legislação futura não autoriza equipará-las a outras que exigem

uma normatividade ulterior integrativa de sua eficácia. O contrário

é que se verifica – conforme mostraremos daqui a pouco -, pois,

com relação a elas, a legislação futura, antes de completar-lhes a

eficácia, virá impedir a expansão da integridade de seu comando

jurídico.”

Além do que, estas normas trazem termos gerais, como

utilidade pública, interesse público, segurança nacional, que visam limitar a

99 “Uma constituição é um conjunto sistemático e orgânico de normas. Em regra, apresenta-se como um todo unitário, uma codificação de normas, organizadas coerentemente, que o poder constituinte julgou fundamentais para a coletividade estatal”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 179. A nosso ver, não é o constituinte, mas sim, o povo que julgou fundamental.

100 “São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 101/102.

101 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 103.

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incidência de leis geradoras de situações subjetivas ativas ou de vantagens, em

desconformidade com os princípios gerais da Constituição.

São apontadas algumas características peculiares como:

a) serem normas que solicitam a intervenção do legislador

ordinário, fazendo remissão a uma legislação futura, fazendo com que o legislador

ordinário regulamente os direitos subjetivos englobados na norma;

b) fazem com que se tornem plenas até a promulgação da

lei posterior, que virá a dar seus contornos mais exatos;

c) serem normas de eficácia imediata e plena, em face do

constituinte ter apresentado elementos mínimos porém satisfatórios para sua

concretização; e,

d) trazem conceitos societários, que servem para

preservar sua intenção, no tocante a limitação de sua eficácia.

É exemplo deste tipo de norma, a hipótese do inciso XIII do

art. 5º. que diz: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Isto quer dizer que

cabe ao legislador ordinário vir a regular as profissões e ofícios, porém, enquanto

não criada a lei que regulamentará determinado trabalho, pode o cidadão invocar

este dispositivo para si, num caso concreto, onde esteja sendo cerceado de

exercer seu mister, através do mandado de injunção.

Quanto à natureza destas normas, são entendidas como

sendo “normas imperativas, positivas ou negativas, limitadoras do poder

público,...”102, que em outras palavras tende a significar que são normas que

lisonjeiam os direitos subjetivos dos indivíduos ou de entidades públicas ou

privadas.

102 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 116.

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Portanto como dito, são normas de eficácia imediata, e

plena103, enquanto não existirem legislações que venham a regular o exercício

destes direitos, daí a denominação de contida, que significa dizer dentro de limites

fixados na lei.

Por fim, é possível resumir estas normas como sendo:

“aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente

os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem

à atuação restritiva por parte da competência discricionária do

Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de

conceitos gerais nelas enunciados”.104

2.1.3 Normas de Eficácia Limitada

No tocante a esta definição de normas de eficácia limitada o

doutrinador desdobra em três seguimentos, como sendo normas de eficácia

limitada de princípio; institutivo e programático.

Quanto às primeiras denominadas de normas constitucionais

de princípios, estas não são propriamente fundamentais, mais contêm princípios

gerais, como forma de diretrizes a serem seguidas pela ordem jurídica nacional,

como aquelas que consagram o princípio à isonomia, legalidade, entre outras.

Estes princípios tendem a formar um tema de uma teoria

geral do direito constitucional, pois envolvem conceitos gerais, como o do

federalismo, socialismo entre outros.

Já a norma chamada de princípios institutivos tem por base a

indicação de uma legislação futura que lhes complete a eficácia e lhe dê efetiva

aplicação. Umas deixam boa margem ao legislador ordinário, outras já limitam

103 “São de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente ...”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 104.

104 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 116.

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mais o campo material da lei ulterior, bem como, outras deixam para o legislador

ordinário apenas aspectos secundários.

José Afonso citando a tese de Azzariri, diz que:

“as normas de princípios institutivos são consideradas como

precepitivas, dotadas de comandos jurídicos de aplicação direta,

mas não imediata, porque requerem outras normas jurídicas

integrativas, com o quê, salvo a terminologia, podemos concordar,

e as programáticas seriam diretivas, destituídas de preceito

concreto, mas dando só indicações ao legislador futuro105”.

O constituinte no momento da criação da Constituição

reconheceu a necessidade de disciplinar às matérias relativas à organização de

instituições constitucionais, mas por outras razões, limitou-se a traçar esquemas

gerais, sobre o assunto, fazendo com que o legislador ordinário, termine o serviço

iniciado por aqueles. Portanto, de acordo com a matéria, fica certo campo de

discricionariedade ao legislador ordinário a regulamentação destas instituições106.

Quanto a sua eficácia, estas normas podem ser impositivas

ou facultativas.

Impositivas são as normas que determinam ao legislador, em

termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa, como: “A lei

disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios” (art. 33 da

CR).

105 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 125. 106 “As normas de eficácia limitada, em geral, não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legislador ordinário a tarefa de completar a regulamentação da matéria nelas traçada em princípio ou esquema. As de princípio institutivo encontram-se principalmente na parte orgânica da constituição, enquanto as de princípio programático compõem os elementos sócio-ideológicos que caracterizam as cartas magnas contemporâneas. Todas elas possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 262.

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Por sua vez, as facultativas não impõem uma obrigação,

limitando-se apenas a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instruir ou

regular a situação nelas delineadas. Exemplo: “A lei estadual poderá criar,

mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual” (art. 125, §

3º). Como visto, não impõe nada ao legislador, deixando a cargo deste a criação

ou não do cerne do dispositivo explícito na norma.

José Afonso diz que:

”(...) as normas impositivas estatuem a obrigatoriedade de o

legislador emitir uma lei, complementar ou ordinária, na forma,

condições e para os fins previstos; as normas facultativas apenas

lhe atribuem poderes para disciplinar o assunto, se achar

conveniente (...)”107.

Sustenta também o doutrinador que estas normas são de

aplicação imediata no que tange a legislação anterior, bem como, as legislações

futuras que com ela devem se moldar.

Por fim, apresenta as normas de princípio programático,

como normas que prevêem compromissos do Estado, com as pessoas de forma a

não serem autoritários os governos, dando, direitos de ordem principalmente

econômicos e sociais.

Sobre as normas programáticas, pontua o autor:

“Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica

imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:

I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;

II – condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem

inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;

III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram

sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais,

proteção dos valores da justiça social e revelação dos

componentes do bem comum;

107 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 128.

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IV – constituem sentido teleológico para a interpretação,

integração e aplicação das normas jurídicas;

V – condicionam a atividade discricionária da Administração e do

Judiciário;

VI – criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de

desvantagem, ....”108

Com o devido respeito, isto é pouco, pois, deveriam e devem

ter aplicabilidade imediata. A razão da existência de destas normas, é que não

basta haver direitos fundamentais, sem um mínimo de condição de realização

destes direitos (não há direitos sem garantias, FERRAJOLI), ou seja, não adianta

estar escrito na Constituição que todos têm direito fundamental a vida, se ao

mesmo tempo, as pessoas não têm o que comer, e, portanto, sem comida, não

haverá forma de manter a vida.

As constituições anteriores previam apenas direitos

fundamentais, que sempre foram de aplicação imediata, portanto, é possível

concluir que não existiam problemas referentes a efetividades das normas em face

o seu conteúdo, ser da vontade de todo o mundo. Porém, com as inserções de

programas – México 1917 e Alemanha 1919 - a serem cumpridos na ordem social,

começaram a surgir problemas de cunho referente à aplicação destas normas, em

virtude de fatores externos ao texto (previsão orçamentária), o que acabou por

culminar pela inaplicabilidade imediata destas normas, o que se virá com mais

ênfase à frente.

Apenas com o fim de entender seu significado é possível

entendê-las na conceituação de Meireles Teixeira na citação de José Afonso como

normas:

“através das quais o constituinte, em vez de regular, direita e

imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes

os princípios para serem cumpridos pelos seu órgãos (legislativos,

executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das

108 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 164.

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respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do

Estado”.109

2.2 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS E SUA EFETIVIDADE

Para o professor português, Jorge Miranda110, as normas

programáticas:

“são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução

imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comandos-

valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm

como destinatário primacial – embora não único – o legislador, a

cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a

ser revestidas de plena eficácia (e nisto consiste a

discricionariedade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer

cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em

vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só

por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas

constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de

expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem,

muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou

parcialmente indeterminados”.

Como o seu nome já diz, são programas a serem atingidos

pelo governo, principalmente, tratando-se de direitos sociais.

Por sua vez, José Afonso da Silva, buscando as explicações

do italiano Crisafulli, diz que programáticas são:

“aquelas normas constitucionais com as quais um programa de

ação é assumido pelo Estado e assinalado aos seus órgãos,

legislativos, de direção política e administrativos, precisamente

109 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p.138. 110 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo 1, 4ª ed., Editora Coimbra, 1990, p. 218

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como um programa que a eles incumbe a obrigação de realizar

nos modos e nas formas das respectivas atividades”.111

A relevância de se estudar este tema, foi muito bem

analisado pelo constitucionalista José Afonso ao apontar pelo menos três motivos,

quais sejam:

“1ª.) é que ainda se ouve falar que a Constituição de 1988, está repleta de normas de intenção, como se jurídicas e imperativas não fossem; 2ª.) outro motivo é o fato de que tais normas traduzem os elementos sócio-ideológicos da constituição, onde se acham os direitos sociais, num sentido abrangente também de direitos econômicos e culturais; e, o 3º.) tendo para o jurista como de grande importância o fato de indicarem fins e objetivos do Estado, como forma de indicar o sentido geral da ordem jurídica.”112

José Afonso da Silva sustenta que todas as normas

constitucionais têm eficácia, porém, com graus diferentes, e o que se buscará

identificar é qual a escala desse grau, e que se esta efetividade poderá assegurar

a aplicação dos direitos postos na norma.

Isto é tratado por Regina Ferrari, que afirma categoricamente

que: “(...) não é possível questionar a sua imperatividade, mas apenas a sua

efetividade”.113

Como afirmado acima, não se pode negar que são

imperativas, pois caso não as fossem, nem seriam motivos de discussão pelos

estudiosos, e já não estariam no texto constitucional. Quanto à hierarquia, também

não resta discussão, pois, está dentro de uma Carta Magna, o que só por isto

eleva ao seu grau de hierarquia constitucional, frente às legislações de cunho

ordinário.

111 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 137. 112 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 139. 113 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. São Paulo: RT, 1991, p. 172.

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Em verdade, isto só não basta, pois na lição de Konrad

Hesse, as normas constitucionais:

“ao impor tarefas estas devem ser efetivamente observadas, o que

só acontecerá se existir “vontade de constituição”, embasada em

três vertentes: a compreensão da necessidade de uma ordem

normativa contra o arbítrio, a constatação de que essa ordem não

é eficaz sem o concurso da vontade humana e que a ordem

normativa adquire e mantém sua vigência sempre mediante atos

de vontade. Assim, a força normativa da Constituição não depende

apenas de seu conteúdo, mas, também, de sua prática”.114

Numa espécie de distinção das normas, José Afonso diz que:

“as declarações dos direitos fundamentais do homem, do século

XVII, postularam a realização dos valores jurídicos da segurança,

da ordem e da certeza, enquanto as declarações constitucionais

dos direitos econômicos e sociais pretendem a realização do valor-

fim do Direito: a justiça social, que por uma aspiração do nosso

tempo, em luta aberta contra as injustiças do individualismo

capitalista115”.

Esses aspectos que influenciaram os direitos sociais se

refletem na reivindicação da população mais carente, na busca de uma maior

igualdade de condições, com o fim de erradicar a pobreza, e acabar com as

injustiças sociais que assolavam o país.

Porém, o Estado antes liberal e não intervencionista, não

havia se preparado suficientemente e nem adequado suas condições para a nova

ordem constitucional, acabando por editar inúmeros direitos sociais, sem nenhuma

condição de efetividade, alegando falaciosamente a falta de recursos e previsões

orçamentárias para concretizar estes direitos.116

114 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 19-20. 115 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 146. 116 NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 32-34.

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O motivo pelo qual se institui estes direitos sociais em nosso

texto, foi a necessidade de apresentar um elenco de direitos sociais compatíveis

com as demais ordens constitucionais internacionais, até mesmo, para que o

nosso país não sofresse qualquer retaliação de ordem internacional.

Outro fator que desencadeou para a inclusão destes direitos

foi o fato de que a assembléia constituinte em sua maioria se revestia de ex-

congressistas, que buscando resguardar e manter suas posições frente a novas e

futuras eleições preferiram demonstrar que se preocupavam com a população.

Não se esta defendendo que os direitos sociais não deveriam

estar no texto constitucional, mas se estes direitos, não forem possíveis de serem

exercidos, a Constituição seria apenas um pedaço de papel como afirmou

Ferdinand Lassale na sua época.

Estas afirmações por mais que pareçam radicais, não podem

ser desprezadas, face o que temos visto, no campo social, onde a cada dia se

dificulta mais a efetividade destas normas, face a escassez de recursos, fazendo

com que o governo, apresente incessantes Medidas Provisórias, como forma de

criar tributos, como foi com a CPMF, e com isso, angarie mais verbas para a

implantação dos programas previstos na Constituição.

É possível observar na obra de Luis Roberto Barroso, que há

uma enorme incongruência na terminologia empregada às estas normas,

assinalando que: “se é norma, comando imperativo, não pode ser programa, que

tem cunho dispositivo.”117

Na verdade é uma norma programa, prevê de forma

imperativa a observância do Estado para sua atuação futura, objetivando com isto,

o bem estar social, como meta a ser seguida.

117 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. p. 119.

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Os pessimistas alegam que o Brasil, por ser um país

subdesenvolvido, nem sempre terá as condições exigíveis para efetivar estes

direitos, seja por questões da verba nacional estar comprometida com a divida

externa, ou com obrigações estrangeiras, que foram necessárias serem feitas,

com o objetivo de assegurar um amplo desenvolvimento econômico no mercado

internacional. A outros fatores também que podem gerar dificuldade no exercício

destes direitos, como a corrupção – mal que assola os países subdesenvolvidos

ou em desenvolvimento como o Brasil, que faz com muitos valores destinados aos

fins sociais seja desviado comprometendo assim a implantação de políticas

públicas.

Clémerson Cléve, tratando dos direitos fundamentais sociais,

diz: “É necessário ter clareza quanto a isso, são direitos de satisfação progressiva,

cuja realização encontra-se estreitamente ligada ao PIB (Produto Interno Bruto) e,

portanto, à riqueza do país.”118

Acrescenta ainda:

“No plano da dimensão subjetiva os direitos fundamentais

desempenham, pelo menos, três funções: - defesa, prestação e

não discriminação. Ou seja, os direitos fundamentais (i) situam o

particular em condição de opor-se à atuação do poder público em

desconformidade com o mandamento constitucional, (ii) exigem do

poder público a atuação necessária para a realização desses

direitos, e, por fim, (iii) reclamam que o Estado coloque à

disposição do particular, de modo igual, sem discriminação (exceto

aquelas necessárias para bem cumprir o princípio da igualdade),

os bens e serviços indispensáveis ao seu cumprimento.”119

Para Luis Roberto Barroso é neste prisma que se configura a

sua inefetividade, pois, se não podemos exigi-las pela falta de um aparato próprio,

não podemos conceber que tenham algum grau de efetividade.

118 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. Crítica Jurídica: Revista Latinoamericana de Política, Filosofia y Derecho. Unibrasil, nº 22, p. 22.

119 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 22.

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Nem sempre podemos acreditar que o simples fato do

legislador ordinário, ou até mesmo, o constituinte originário ou derivado, inserir

alguma norma no ordenamento jurídico pátrio, faz com que, um dia após a sua

publicação todos comecem a obedecer aquele regramento. Apesar de ser norma,

e por isto ter condão de imperatividade, as normas sofrem desgastes se o seu

conteúdo não for coadunado com os costumes e modos da época, pelo qual foram

criadas. É necessária a vontade de Constituição!

Sobre o tema, Luis Roberto Barroso confirma:

“Como regra, um preceito legal é observado voluntariamente. A

efetividade das normas jurídicas resulta, comumente, do seu

cumprimento espontâneo. Sem embargo, descartados os

comportamentos individuais isolados, há casos de insubmissão

numericamente expressiva, quando não generalizada, aos

preceitos normativos, inclusive os de hierarquia constitucional.

Assim se passa, por exemplo, quando uma norma se confronta

com um sentimento social arraigado, contrariando tendências

prevalecentes na sociedade. Quando isso ocorre, ou a norma cairá

em desuso ou sua efetivação dependerá da freqüente utilização do

aparelho estatal. De outra vez, resultará difícil a concretização de

uma norma que contrarie interesses particularmente poderosos,

influentes sobre os próprios organismos estatais, os quais, por

acumpliciamento ou impotência, relutarão em acionar os

mecanismos para impor sua observância compulsória”.120

Não podemos negar que o fato dela impedir que sejam

criadas ulteriormente normas ordinárias que venham a conflitar com as mesmas

não deixe de ser um argumento para justificar seu grau de efetividade.

Esta é uma das explicações de Barroso, que diz:

“Delas não resulta para o indivíduo o direito subjetivo, em sua

versão positiva, de exigir uma determinada prestação. Todavia,

fazem nascer um direito subjetivo “negativo” de exigir do Poder

120 BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 248.

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Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os

seus ditames. Em verdade, as normas programáticas não se

confundem, por sua estrutura e projeção no ordenamento, com as

normas definidoras de direitos. Elas não prescrevem,

detalhadamente, um conduta exigível, vale dizer: não existe,

tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um direito

subjetivo. Mas, indiretamente, como efeito, por assim dizer, atípico,

elas invalidam determinados comportamentos que lhe sejam

antagônicos. Nesse sentido, é possível dizer-se que existe um

dever de abstenção, ao qual corresponde um direito subjetivo de

exigi-la.”121

Para Regina Ferrari122, estas normas têm destinatários

específicos, quais sejam: em primeiro lugar o Legislativo, como forma de criar as

normas necessárias a sua regulamentação, e por destinatário final o Poder

Público, a quem cabe colocá-las em prática, para atender os seus fins, vindo a

prestigiar a população carente que precisa de atividades sociais do Estado, para

que alcance os mínimos necessários à sobrevivência.

A autora defendendo a tese de sua efetividade aponta para

alguns aspectos importantes, que merecem atenção:

“Outra característica da norma constitucional programática que deve ser analisada, é a que diz respeito a quem são elas endereçadas, o que não autoriza desconsiderar quem ao deixar liberdade de agir aos órgãos do Poder Público, pode propiciar, pela eleição da oportunidade de agir de acordo com a conveniência ou oportunidade, a caracterização de uma omissão inconstitucional, em virtude de uma dilação de tempo que ultrapasse o campo do razoável. Portanto, não é aceitável argumentar para o seu não cumprimento a falta de desenvolvimento socioeconômico. A obrigatoriedade de sua observância é imperativa, ainda quando o seu destinatário, originário e direto, seja o Poder Público e, com certeza, pelo menos os órgãos legislativos.”123

Sustenta ainda a autora que:

121 BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e Aplicação da Constituição. p. 121. 122 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 187. 123 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 188.

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“O Estado, nessa nova realidade, de simples árbitro da paz, da ordem e da segurança, passa a buscar o bem-estar coletivo dentro de uma nova visão de Estado, mediante a estatuição do salário mínimo, do direito de greve, da repressão do abuso do poder econômico, da previdência social e onde a propriedade privada, a livre iniciativa, a ação econômica dos empreendedores passam a ter que observar um objetivo comum.”

Muitos autores124 procuram trabalhar a idéia de direitos

fundamentais sociais, atrelados à questão do mínimo existencial, ou seja, tentando

salvaguardar a efetividade destes direitos, através de valores humanos como o

direito da dignidade humana.

Para Vicente de Paulo Barreto125, existem algumas formas

de discurso que procuram retirar a fundamentalidade dos direitos sociais. Ele

explica:

“Existem diferentes formas de argumentação que sustentam a

inconsistência dos direitos sociais como direitos humanos

fundamentais, vale dizer, afirmados universalmente e consagrados

no sistema jurídico nacional. Todas partem do pressuposto de que

os direitos fundamentais sociais não são reconhecidos “como

verdadeiros direitos” (Krell, 2002:23). Uma das formas mais

comuns de se negar efetividade aos direitos sociais é retirar-lhes a

característica de direitos fundamentais. Afastados da esfera de

direitos fundamentais, ficam privados da aplicabilidade imediata,

excluídos da garantia das cláusulas pétreas, e se tornam assim

meras pautas programáticas, submetidas à “reserva do possível”

ou restritos à objetivação de um “padrão mínimo social”. A doutrina

jurídica contemporânea oscila entre esses dois pólos

argumentativos, servindo, a nosso ver, para justificar modelos

políticos e sociais que se antepõem à idéia central do estado

democrático de direito, que afirma ser a observância dos direitos

sociais uma exigência ética, não sujeita a negociações políticas

(Campilongo, 1995:135).”126

124 Entre eles: Ingo W. Sarlet e Clémerson Merlin Cléve. 125 BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões Sobre os Direitos Sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais Sociais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 112.

126 BARRETO, Vicente de Paulo. Direitos Fundamentais Sociais. p. 112.

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Clémerson Merlin Cléve, defendendo a tese de um mínimo

de eficácia dos direitos sociais, diz:

“Os direitos sociais não tem a finalidade de dar ao brasileiro,

apenas, o mínimo. Ao contrário, eles reclamam um horizonte

eficacial progressivamente mais vasto, dependendo isso apenas

do comprometimento da sociedade e do governo e da riqueza

produzida pelo país. Aponta, a Constituição, portanto, para a idéia

de máximo, mas de máximo possível (o problema da

possibilidade). O conceito do mínimo existencial, do mínimo

necessário indispensável, do mínimo último, aponta para uma

obrigação mínima do poder público, desde logo sindicável, tudo

para evitar que o ser humano por falta de emprego, de saúde, de

previdência, de educação, de lazer, de assistência, vê confiscados

seus desejos, vê combalida sua vontade, vê destruída sua

autonomia, resultando num ente perdido no cipoal das

contingências, que fica a mercê das forças terríveis do destino.”127

Como pode ser visto, através dos pontos de vista dos

doutrinadores, o problema das normas programáticas constitucionais, consiste na

sua efetividade, pois, ninguém dúvida que ela seja imperativa, mas não consegue

ter o alcance das outras normas de aplicação imediata, que dispensam legislação

ulterior, e a boa vontade dos parlamentares.

Regina Ferrari aponta com bastante atenção este problema

da efetividade em sua obra, quando explica:

“Quando se trata de normas constitucionais programáticas, o

principal problema que decorre da sua existência é a sua

efetividade, isto é, a possibilidade de serem alcançados os

objetivos previstos na norma, a sua real concretização no mundo

fático, “os efeitos que a regra suscita através do seu

cumprimento”, seu cumprimento efetivo, o que depende de sua

aptidão para incidir e, dessa forma, reger as situações de vida.

Já foi tratado, anteriormente, no curso deste estudo, o problema

do mínimo do universo eficácial das normas constitucionais

programáticas e aceito que o seu simples surgir no sistema

127 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 27.

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constitucional acarreta, como conseqüência, o informar a atuação

do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, de tal modo que

quaisquer de seus atos que se desviem da diretriz prevista no

comando normativo da Lei Fundamental, viciam-se por

inconstitucionalidade.

Tratando dos efeitos das normas programáticas, Luís Roberto

BARROSO, depois de ponderar que se bipartem em imediatos e

diferidos, afirma que, em relação aos segundos, a produção dos

resultados é transposta para um momento futuro, fato que propicia

que o controle exercitável sobre a sua efetivação seja frágil,

porque estando a sua realização na dependência de uma atividade

estatal, desenvolvida por critérios de conveniência ou

oportunidade, tal discricionariedade exclui a intervenção judicial

para sua concretização que surja para o indivíduo o direito de

exigir uma determinada prestação. Portanto, “por não

prescreverem, detalhadamente, uma conduta exigível, vale dizer:

não existe, tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um

direito subjetivo.”128

Portanto, para certa corrente da doutrina129, todas as normas

constitucionais, inclusive as programáticas, tem efetividade. Porém, estes

doutrinadores esclarecem através de seus conceitos a existência de um grau que

diferencia esta efetividade, informando que a norma programática tem o grau

mínimo de eficácia, expondo que um dos fatores que demonstram esta efetividade

é a obrigação dos parlamentares em respeitar os ditames constitucionais, e com

isto, não criar leis que venham em desencontro com estes preceitos, bem como,

determinar ao Poder Executivo que cumpra o programa estabelecido pela

Constituição. Estes são as maiores bandeiras em defesa das normas

programáticas constitucionais, onde se enquadram à maioria dos direitos sociais.

2.3 A PREVISÃO DO § 1º DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Um dos maiores motivos que acabaram por desencadear

toda esta discussão doutrinária, que não havia anteriormente, foi a inclusão do

128 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas Constitucionais Programáticas. p. 220. 129 Entre eles, José Afonso, Regina Ferrari, Barroso entre outros.

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parágrafo primeiro no art. 5o da Constituição Federal que diz: “As normas

definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Aparentemente, o problema não aparece, mas basta

olharmos a localização do referido parágrafo para entendermos a grande

discussão.

No sumário de nossa Constituição, temos o Título I que é

chamado de “DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS”, que enquadram o art. 1o ao

art. 4o. Logo em seguida, surge o Título II denominado de “DOS DIREITOS E

GARANTIAS FUNDAMENTAIS”, englobando por sua vez o art. 5o ao art. 17, que

em outras palavras trata de todos os direitos fundamentais.

Em face da enormidade de artigos e incisos, o constituinte

originário preferiu dividir este título em cinco capítulos, compreendendo no

primeiro capítulo: “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, e no capítulo II:

“Dos Direitos Sociais”.

Porém, a norma que prevê que os direitos fundamentais têm

aplicação imediata, foi colocada somente no Capítulo I, o que implica dizer que, o

constituinte originário neste momento acabou por distinguir aqueles direitos

previstos no art. 5o dos demais direitos previstos no mesmo título. Logo, numa

interpretação simplista, pode-se entender que os demais direitos previstos no

mesmo título não teriam aplicação imediata.

Ocorre, porém, que o Título II trata dos “Direitos

Fundamentais”, dando a entender que todos os artigos previstos neste Título

teriam que ter aplicação imediata por tratarem de direitos fundamentais, o que na

prática – infelizmente - não é assim, e será visto com mais atenção à frente.

Logo, esta localização - geográfica - do parágrafo primeiro,

traz uma conotação de distinção de aplicabilidade das normas, que não existiam

antes, mas que foram inovados pela Constituição de 1988, que trouxe uma

infinidade de direitos sociais, em face dos reclamos da população em geral.

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Daí surge à dúvida, se a Constituição de 1988 foi à carta

política que mais trouxe direitos sociais entre todas as outras cartas, teria

propositalmente feito a diferenciação entre os direitos fundamentais do art. 5o, com

os direitos sociais do art. 6o?

José Afonso aponta que o mandado de injunção seria “... o

instrumento que, correlacionado com o citado § 1º do art. 5º da Constituição, torna

todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente”.130

Para os incautos, os direitos sociais não são direitos

fundamentais, e para eles, as normas constitucionais que tratam de educação e

saúde, não têm aplicação imediata.

Clémerson Merlin Cléve131, adverte que:

“Há teorias que sustentam que os direitos sociais não são

verdadeiros direitos, constituindo, na verdade, meros programas

de ação governamental. Afinal, as disposições constitucionais

respectivas não apontam o responsável por sua efetivação, não

definindo ademais, e concretamente, a prestação devida. Não

definem sequer, de uma maneira geral, a precisa prestação

reclamada do Estado para a sua solução.”

Podemos ver nitidamente que a nossa Constituição não traz

diferença no regime dos direitos sociais e fundamentais, apenas, existindo esta

diferença na doutrina e na aplicação do direito pelos Tribunais, que demonstram

de forma evidente a distinção na aplicação destas normas.

Clevé, explica que em Portugal existe esta diferença entre

direitos, liberdades e garantias (direitos de defesa), dos direitos sociais e

econômicos (direitos prestacionais), dizendo que:

130 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 165. 131 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p.22.

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“Em tese, no direito constitucional brasileiro, o regime dos direitos

fundamentais clássicos é o mesmo dos direitos fundamentais

exigentes de uma atuação positiva do poder público. Por isso, o

dispositivo nos parágrafos primeiro e segundo do art. quinto da

Constituição incide sobre ambos os territórios (direitos de defesa e

direitos sociais prestacionais).

Ora, se é verdade que a Constituição não aparta os direitos

(clássicos ou prestacionais) em regimes distintos, não é menos

verdade que apontados direitos decorrem de disposições

constitucionais dotadas de estruturas normativas distintas. Não é

possível deixar de considerar que a estrutura das normas que

tratam de direitos sociais é diferente daquela própria dos direitos

de defesa.

No sítio dos direitos de defesa, ocorrendo hipótese de violação, o

papel do juiz como guardião da ordem constitucional não exige, no

geral, uma autuação além da censura judicial à ação do poder

público.

A situação muda em relação aos direitos prestacionais, exigentes

de uma atuação positiva do poder público, em particular porque o

âmbito material definitivo desses direitos depende de uma

manifestação legislativa (e material) do Estado. Além disso, esses

direitos são insuscetíveis de realização integral (o horizonte é

sempre infinito), pois o seu cumprimento implica uma caminha

progressiva sempre dependente do ambiente social no qual se

inserem, do grau de riqueza da sociedade e da eficiência e

elasticidade dos mecanismos de explicação (da sociedade, pelo

Estado) e de alocação (justiça distributiva) de recursos.”132

É notório que na prática exista uma diferença de aplicação

dos direitos fundamentais quanto aos direitos sociais, pois aqueles são

indiscutíveis sua efetividade em face de sua aplicabilidade imediata, pela própria

previsão expressa no texto constitucional, enquanto este, apesar de trazer temas

considerados fundamentais (saúde), se obriga a ter que esperar um melhor

afirmamento nos Tribunais para sua aplicação, em face da necessidade de

legislações ulteriores, ou mesmo, de verbas orçamentárias, para atingirem o fim

de suas disposições.

132 CLÉVE, Clémerson Merlin. A Eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. p. 21.

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CAPÍTULO 3

NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO

3.1 AS NORMAS PROGRAMÁTICAS A PARTIR DE CANOTILHO

A importância do tema – normas constitucionais {em especial

programáticas} – despertou interesse – ultramares - em doutrinadores

constitucionalistas. Um destes doutrinadores merece destaque, pois, escreveu sua

tese de doutorado sobre o assunto, e estamos falando de José Joaquim Gomes

Canotilho.

A tese do citado constitucionalista transformou-se em livro,

intitulado ‘Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador’: Contributo para a

compreensão das normas constitucionais programáticas.

A 1ª edição da referida obra foi escrita em 1982, e

reimpressa em 1994, pela editora Coimbra, surgindo uma 2ª edição em 2001, sob

o pretexto de ‘corrigir’ a 1ª edição, em razão das muitas críticas sofridas.

Passemos a tratar as referidas obras, bem como, outros

trabalhos escritos do referido autor, focando as normas constitucionais

programáticas.

3.1.1 A 1ª edição de ‘Constituição Dirigente’ de Canotilho133

O jurista lusitano apresenta uma variedade de assuntos em

sua obra, mas, o que interessa ao nosso trabalho, é o item 4 da 2ª parte, quando o

133 Citamos 1ª edição, mas na verdade é a tese de doutorado, pois, só passa a ser entendida como 1ª edição, quando do surgimento da 2ª edição em 2001. Importante informar o leitor, que trabalhamos com a reimpressão de 1994.

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mesmo trata da ‘Vinculação do legislador’, ao cumprimento dos direitos

fundamentais.

Fazendo uma ligação com o item 2.2.1 do presente trabalho,

J. J. Gomes Canotilho diz: “A eficácia jurídica imediata que hoje se reconhece aos

direitos fundamentais traduz a mutação operada nas relações entre a lei e os

direitos do cidadão: de direitos fundamentais apenas no âmbito da lei transitou-se

para a idéia de lei apenas no âmbito dos direitos fundamentais”.134

Já de inicio, o autor pontua, que os direitos fundamentais

estão na norma constitucional e não na lei posterior, e isto por si só, traz

conseqüências positivas, como a indisponibilidade135 destes direitos, ou seja, “a

problemática dos direitos fundamentais não se sintetiza hoje na fórmula: “a lei

apenas no âmbito dos direitos fundamentais”; exige um complemento; “a lei como

exigência de realização concreta dos direitos fundamentais”.136

Canotilho vincula os direitos sociais, econômicos e culturais a

direitos fundamentais a prestação. Sobre este ponto o autor destaca:

“A força dirigente e determinante dos direitos a prestações

(económicos, sociais e culturais) inverte, desde logo, o objecto

clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjectivo: de

uma pretensão de omissão dos poderes públicos (...) transita-se

para uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado

134 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Reimpressão. Coimbra, 1994.

135 “... de acordo com a concepção liberal de direitos fundamentais como direitos de defesa perante os poderes, a “actualidade vinculante” significa indisponibilidade (pelo menos no seu cerne essencial) destes direitos pelo legislador e possibilidade de invocação dos mesmos contra as próprias entidades legiferantes”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 363. É importante destacar que Ferrajoli na obra ‘Derechos y garantias’, compartilha com a concepção de que os direitos fundamentais são indisponíveis.

136 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 363-364.

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intervenha activamente no sentido de assegurar prestações aos

cidadãos).”137

Uma questão muito bem pontuada pelo autor – na qual

concordamos - é que o Estado não se estruturou quando da mutação do período

Liberal para o Social, acarretando uma insuficiência da estrutura política,

constitucional e jurídica do Estado Liberal, gerando os subseqüentes problemas

que a substituição ou complementação da arquitectónica do Estado Liberal coloca

quando se deseja efectivamente transitar para um Estado Democrático-

Constitucional.138

Canotilho procura dissipar a dúvida esclarecendo que as

normas programáticas possuem duas dimensões, sendo uma subjetiva139 e outra

objetiva140. Além disto, o autor também explica que normas programáticas e

imposições constitucionais são coisas diversas141, dizendo assim:

137 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 365

138 Ainda merece destaque: “No campo dos direitos a prestações se evidencia, igualmente, a aporia da constituição dirigente: a um máximo de “desejabilidade constitucional” de direitos económicos, sociais e culturais, corresponde, em geral, uma relativização dos mesmos direitos, derivada da interpositio necessária do legislador e da subordinação da efectividade constitucional à proclamada reserva do possível (em termos económicos, sociais e, naturalmente, também políticos).” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 365

139 “No plano subjectivo: os direitos sociais, económicos e culturais, consideram-se inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exequibilidade imediata”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 367.

140 “No plano objectivo: (1) em muitos casos, as normas consagradoras dos direitos fundamentais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de o legislador actuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos; (2) algumas das imposições constitucionais traduzem-se na vinculação do legislador a fornecer prestações aos cidadãos”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 367.

141 “Direito subjectivo social, econômico e cultural – imposições legiferantes – prestações não devem confundir-se.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 368. Ainda: “A confusão resulta do facto de a imposição constitucional legiferante e o direito subjetivo à prestação poderem visar fins idênticos e destinar-se a prosseguir os mesmos interesses.” (pág. 367). Mas o que importa de tudo isto, é que as normas são direitos – também – subjetivos.

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“Como as prestações têm, igualmente, uma dimensão subjectiva e

uma dimensão objectiva, considera-se que, em geral, esta

prestação é o objecto da pretensão dos particulares e do dever

concretamente imposto ao legislador através das imposições

constitucionais. Todavia, como a pretensão não pode ser

judicialmente exigida, não se enquadrando, pois, no modelo

clássico de direito subjectivo, a doutrina tende a salientar apenas o

dever objectivo da prestação pelos entes públicos e a minimizar o

seu conteúdo subjectivo. Ainda aqui a caracterização material de

um direito fundamental não tolera esta inversão de planos: os

direitos à educação, saúde e assistência não deixam de ser

direitos subjectivos pelo facto de não serem criadas as condições

materiais e institucionais necessárias a fruição desses direitos. Por

sua vez, o direito à prestação não corresponde, rigorosamente, ao

dever de prestação do Estado, contido na imposição legiferante: o

âmbito normativo daquele direito pode ser mais amplo ou mais

restrito que o deste dever”.142

Como dito anteriormente, o direito fundamental não está na

lei – ulterior – mas sim, está na norma constitucional143. Não é porque não se criou

a lei, que o direito deva deixar de ser reconhecido, ou, mesmo de existir. Nas

palavras de Canotilho:

“A realização dos direitos fundamentais é, neste sentido, um

importante problema de competência constitucional: ao legislador

compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos

econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do

país, garantir as “prestações” integradoras dos direitos sociais,

económicos e culturais. Paradoxalmente, parece vir a cair-se no

esquema relacional lei-direitos fundamentais que vigorou no século

passado: os direitos fundamentais apenas se reconhecem no

142 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 368.

143 “O “acto de transformação do legislador democrático” surge, assim, não tanto como um acto que “transforma” as pretensões subjectivas individuais, mas como acto criador de pressupostos concretos, necessários ao exercício de um direito social.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 369.

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âmbito da lei; a lei é “dona” dos direitos fundamentais. Só na

aparência, porém.”144

E arremata o autor, mais a frente:

“A força dirigente dos direitos fundamentais justifica que se

ultrapasse a degradação dos direitos sociais, econômicos e

culturais (...) em “simples direitos legais”145.”

Neste sentido é possível ver uma possível falha do Supremo

Tribunal Federal quando – em alguns casos - deixou de aplicar o antigo §3º do art.

192 da CR, pois, o direito fundamental econômico de limitar os juros em 12% ao

ano, estava na dimensão constitucional, e não na dimensão legal, e portanto, não

necessariamente precisava de regulamentação.

O doutrinador lusitano desponta em apontar a problemática

da omissão legislativa, como causa predominante para a não concretização dos

direitos fundamentais, in casu, dos direitos sociais, sendo esta omissão uma

verdadeira violação dos direitos fundamentais:146

“Não há dúvida que a falta de dinamização legislativa dos direitos

a prestações se situa nos terrenos do constitucionalmente

relevante: não-cumprimento inconstitucional. A omissão legislativa

em sentido restrito só ocorrerá, porém, quando a norma

consagradora do direito fundamental contiver uma imposição

constitucional concreta. Tal como na concepção dos direitos

144 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 369.

145 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 370.

146 “Como na fixação de uma omissão legislativa existe sempre, per definitionem, a violação de uma norma impositivo-constitucional (Gebotsnorm) e de um dever jurídico desta decorrente, e como as normas impositivas estão consagradas em preceitos constitucionais, segue-se que uma omissão juridicamente relevante (normwidriges Unterlassen) terá de ser também uma omissão constitucionalmente ilícita (verfassungswidriges Unterlassen). A omissão legislativa é ainda violadora dos direitos fundamentais (grundrechtswirig) quando o não cumprimento do dever legislativo de actuação implica, de modo necessário, a violação de um direito fundamental”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 373.

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originários a prestações visa-se assegurar um estatuto subjectivo,

haja ou não uma concretização legal”.147

É interessante notar, que em alguns pontos, Canotilho e

Ferrajoli, convergem, sendo um destes pontos, a concepção de que os direitos

fundamentais são do cidadão148/pessoa149. Nas lições de Canotilho:

“Dimensão subjectiva, que resulta: a) da consagração

constitucional destes direitos como direitos fundamentais dos

cidadãos e não apenas como “direito objectivo” expresso através

de “normas programáticas” ou de <<imposições constitucionais

(direitos originários de prestações); b) da radicação subjectiva de

direitos através da criação por lei, actos administrativos, etc., de

prestações, instituições e garantias necessárias à concretização

dos direitos constitucionalmente reconhecidos. É neste segundo

sentido que se fala de direitos derivados a prestações (assistência

social, subsídio de desemprego, etc.) que justificam o direito de

judicialmente ser reclamada a manutenção do nível de realização

e de se proibir qualquer tentativa de retrocesso social”.150

Sabendo-se que o Estado – Prestacional - Social não estava

preparado para dar conta dos reclamos sociais, surgiram as teses do governo e

dos seus defensores que o Estado não pode tudo, que o Estado tem um limite, e

este limite é o orçamento, e logo, há uma reserva do possível. Contra este

discurso que virou moda, Canotilho explica:

“A “perda de justiciabilidade” e a colocação dos direitos a

prestações dentro da “reserva do possível” e da “reserva de lei”

devem ser compensadas por uma intensificação de participação

democrática na política dos direitos fundamentais. A liberdade de

147 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 373.

148 Nomeclatura usado por Canotilho, ver p. 374 da obra ‘Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador’.

149 Nomeclatura usado por Ferrajoli, na obra ‘Derechos y garantías’: la ley de más débil. Trad. Perfecto Andres Ibanez y Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999, p. 27.

150 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 374.

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conformação do legislador na concretização (ou não

concretização) dos direitos a prestações sofre aqui a

“compreensão democrática” constitucional de forma a evitar-se

que: (1) a pretexto de não haver “meios jurídicos”, os direitos

fundamentais se tornem “fórmulas vazias”, em virtude de o

legislador “não ter vontade” ou “ser incapaz” de “actualizar” os

direitos econômicos, sociais e culturais, constitucionalmente

garantido; (2) o “conhecimento jurídico” e as “valorações políticas”

dos recursos necessários à “efectivação dos direitos fundamentais”

não resvale para o “arbítrio” e completa desconformidade com os

“princípios de realização” constantes de normas constitucionais.

Eis porque os direitos econômicos, sociais e culturais, ao

transformarem-se em “modelos de acção” para o Estado e os

cidadãos, exigem uma compreensão material quer dos direitos

fundamentais, quer da liberdade de conformação do legislador”.151

E arremata o autor:

“A realização legislativa dos direitos fundamentais pressupõe a

“desvinculação” do princípio constitucional da reserva de lei de um

unidimensional conceito de liberdade, aliado a uma função

exclusivamente negativa da legislação. Compreender a reserva de

lei, no âmbito dos direitos fundamentais, como simples

“autorização de ingerência” ou como “norma de competência” com

base na qual o legislador pode, excepcionalmente, “coagir” uma

esfera individual preexistente e predeterminada, significaria

continuar a entender a legislação e os direitos fundamentais como

antíteses autônomas”.152

Ao legislador cabe obedecer a Constituição, e criar a lei para

regulamentar o direito fundamental previsto na norma Constitucional. Não se trata

de uma mera discricionariedade, ou um simples convite ao legislativo, mas sim, de

uma imposição constitucional constituindo a mora legislativa, num total

151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.

152 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.

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desrespeito ao Constituinte Originário – que nada mais é do que povo brasileiro -,

bem como, um verdadeiro atentado/violação aos direitos fundamentais.153

É inaceitável o Supremo Tribunal Federal, não dar o devido

valor ao mandado de injunção, ou mesmo a ADIn por Omissão, sob o argumento

que a interferência do Judiciário fere o princípio da independência dos poderes,

pois, sendo a Constituição Federal a lei maior, todos os poderes devem obedecê-

la, e nisto entra também o legislativo, com a obrigação de criar as leis que a Carta

Magna manda.

Portanto, o Judiciário quando é provocado num caso onde o

legislativo foi omisso, deveria ordenar que o legislador fizesse o seu dever, e não

vemos isto como ingerência, mas sim, como papel do STF, de fazer a verdadeira

guarda da CR (art. 102, I da CR). Por este motivo cada vez se mostra mais

importante discutir-se a democratização do acesso ao STF, pois a livre escolha do

Presidente apresenta elementos que não se perfectibilizam com a transparência

de uma República.

Canotilho para justificar a possibilidade de concretização dos

direitos fundamentais a prestação, vai buscar como um dos seus fundamentos, o

princípio da igualdade154.

Acredita o autor - e nisto não deixa de ter razão – que o

princípio da igualdade, implica numa obrigação do legislador, de não deixar

ocorrer desigualdades sociais155, e para isto, necessita o legislativo de uma firme

153 “Fundamentando originariamente direitos a prestações, não é legítimo dizer-se que as normas consagradoras destes direitos são leges imperfectae, sem qualquer conteúdo jurídico-constitucional antes da sua concretização legislativa”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 379.

154 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Para Canotilho, o princípio da igualdade perante a lei significa “igualdade na aplicação do direito” (pág. 380), que é igual a “igualdade através da lei” (pág. 381).

155 “..., o princípio da igualdade, como elemento constitutivo de uma imposição constitucional concreta, fundamenta inequivocadamente um dever legislativo de actuação”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 387.

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atuação, criando as leis – ulteriores – para suprimir qualquer discriminação

atentatória ao ser humano.156

Finaliza o autor este ponto – que é ponto que nos interessa

nesta 1ª edição – defendendo sua Constituição Dirigente, dizendo:

“A constituição dirigente pressupõe que aos poderes públicos –

designadamente legislador e órgãos de direcção política – se deve

assegurar uma capacidade de acção necessária para o

cumprimento do “programa constitucional” e das “imposições

legiferantes”. Todavia, o direito a prestações e a efectividade da

igualdade de oportunidades não atentam, segundo alguns, num

problema crucial da democracia: o reconhecimento destas

prestações implica uma tendência para “expectativas escalantes” e

reivindicações progressivas, inevitavelmente conducentes à

“sobrecarga do governo” e à “ingovernabilidade”. Estas referências

descritivas justificam, segundo se crê, aquilo que se começou por

se afirmar em sede de pré-compreensão: a teoria da constituição

dirigente é indissociável, como qualquer outra teoria, da pré-

compreensão do Estado e da sociedade157.”.

Lendo a 1ª edição, nota-se um autor empolgado que escreve

sobre sua Constituição Portuguesa - mas que em verdade aproveita-se

praticamente tudo o que ele fala em terra brasilis – demonstrando os ‘problemas’ e

‘falhas’ na aplicação das normas constitucionais.

Aquilo que se deduz sejam problemas, para o autor não

passa de uma má interpretação, pois, como bem dito, o direito está na norma

constitucional, e não na lei posterior, e não é porque não se cria a lei que não se

pode aplicar o direito, ou mesmo, dizer que o direito é inexistente.

156 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 384.

157 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. p. 392.

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A omissão legislativa inverte a ordem das coisas, pois, ao

legislador só cabe uma coisa, qual seja, cumprir a Carta Constitucional, e legislar

segundo seus termos.

O texto coerente e sábio da 1ª edição sofre críticas lá em

Portugal e aqui no Brasil, e o autor volta atrás sobre o seu posicionamento, e

relativiza sua ‘Constituição Dirigente’, lançando a 2ª edição, conforme se verá

abaixo.

3.1.2 A 2ª edição de ‘Constituição Dirigente’ de Canotilho

Na 2ª edição de Constituição Dirigente, o autor português

demonstra certa preocupação com as críticas recebidas e procura no prefácio

dissipá-las.

Chamando a sua obra de um filho enjeitado158, o autor quer

com isto “explicar, mesmo per suma capita, a actual situação do dirigismo e

programaticidade constitucionais”.159 O autor descreve ainda que as décadas de

setenta e oitenta apresentavam acontecimentos políticos contraditórios e os textos

constitucionais se circundavam num movimento da modernidade projetante.160

Nas palavras do autor:

“(...) as constituições dirigentes registravam o momento epigonal

da modernidade num tempo em que ganhavam estatuto de

158 “Esta 2ª edição da nossa tese de doutoramento tem uma história. Vale a pena ser contada porque ela justifica o aparecimento de uma nova edição e a relativa mudança da opinião do autor relativamente ao livro em referência. A idéia reiterada em várias reimpressões da obra reconduzia-se ao seguinte: é irrevisível o livro que, com as suas qualidades e defeitos, representa as posições do autor numa certa época. O texto e o contexto são indissociáveis e, por isso, mais valia deixar em repouso a narrativa de 1982 do que procurar insuflar-lhe um novo sopro de pós-modernidade”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador: Contributo para a compreensão das normas programáticas. 2ª edição: Coimbra, 2001, pág. V.

159 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. V.

160 “Não admira, assim, que os textos constitucionais dirigentes se viessem a defrontar com uma radical mudança na compreensão dos problemas políticos, econômicos e culturais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. VI.

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ideologia dominante as significações retóricas e retoricizantes do

pós-modernismo. (...) é inegável que todo o constitucionalismo –

do liberal ao programático-social – se insere no projecto da

modernidade. As constituições eram corolários da razão política e

humanista, constituíam propostas do devir político e social (...) as

constituições liberais e sociais, mas mais estas do que aquelas,

escondem no seu bojo um pecado mortal – a lógica da

narratividade emancipatória, a ideia de progresso do homem, a

utopia da desalienação, a promessa da felicidade para as

mulheres e o homem do presente e das próximas gerações

futuras. O desafio que se coloca aos cultores do direito

constitucional não pode ser outro que não o de tentar compreender

as novas lógicas, as novas razões, os novos mitos.”161

Mais à frente o autor expõe que a Constituição Dirigente,

possui problemas atuais, como de: inclusão; referência; reflexividade;

universalização; materialização do direito; reinvenção do território;

fundamentação162; e, simbolização.

É possível verificar que o cerne do prefácio da 2º edição de

Canotilho, foi transformado em um artigo intitulado ‘Rever ou Romper com a

Constituição Dirigente’, que será tratado mais a frente num momento adequado. O

que nos interessa deste prefácio, é a conclusão das explicações dada pelo autor,

na seguinte forma:

“Em jeito de conclusão, dir-se-ia que a Constituição dirigente está

morta se o dirigismo constitucional for entendido como

normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si,

operar transformações emancipatórias. Também suportará

impulsos tanáticos qualquer texto constitucional dirigente

introvertidamente vergado sobre si próprio e alheio aos processos

161 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. VI-VII.

162 “A constituição dirigente lidava com fins, tarefas, encargos, missões, valores. Hoje argumentava-se racionalmente em termos de paradoxos, de dilemas e de teoremas. A racionalização argumentativa – muitas vezes em termos matemáticos – causa aqui alguns dos problemas sentidos em economia. A idéia dirigente compatibiliza-se com uma lógica material de valores mas coaduna-se pouco com a razão lógica dos discursos analíticos.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. XXV.

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de abertura do direito constitucional ao direito internacional e aos

direitos supranacionais. Numa época de cidadanias múltiplas e de

múltiplos de cidadania seria prejudicial aos próprios cidadãos o

fecho da constituição, erguendo-se à categoria de <<linha de

Maginot>> contra invasões agressivas dos direitos fundamentais.

Alguma coisa ficou, porém, da programaticidade constitucional.

Contra os que ergueram as normas programáticas a <<linha de

caminho de ferro>> neutralizadora dos caminhos plurais da

implantação da cidadania, acreditamos que os textos

constitucionais devem estabelecer as premissas materiais

fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade

que se pretendem continuar a chamar de direito, democráticos e

sociais.”163

Apesar de já terem se passado mais de duas décadas e

meia, da 1ª edição da Constituição Dirigente de Canotilho, sua obra ainda gera

muita discussão, em especial a modificação de pensamento, explanada no

prefácio da 2ª edição, que gerou a denominação de Canotilho II.164

Esta virada de pensamento, inclusive gerou motivo para um

diálogo, no estilo do século XXI, através de vídeo conferência, que acabou virando

livro chamado ‘Canotilho e Constituição Dirigente’.165

No referido diálogo, Eros Roberto Grau, procura de pronto

buscar o significado dado por Canotilho sobre “Constituição dirigente”, dizendo

assim:

163 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. 2ª ed., p. XXX.

164 Eros Roberto Grau - numa espécie de resenha de um prefácio, in “Canotilho e a Constituição Dirigente” - assim fala: “Tem-se falado, ora para criticar, ora com certa afetuosidade, em um “CANOTILHO II”. É bom que seja assim, porque o verdadeiro intelectual é aquele que se renova saturnianamente, devorando suas próprias idéias, para reconstruí-las incessante e permanentemente. A pausa na reflexão, ela sim é a morte absoluta do que se julga sábio. Também por ser já um outro CANOTILHO – e porque há de serem outros, amanhã e depois – todos eles permanecem a nos ensinar.” COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 21-22.

165 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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“Diz ele [2001:11] que o título do seu livro – Constituição dirigente

e vinculação do legislador – “aponta já para o núcleo essencial do

debate a empreender: o que deve (e pode) uma constituição

ordenar aos órgãos legiferantes e o que deve (como e quando

deve) fazer o legislador para cumprir, de forma regular, adequada

e oportuna, as imposições constitucionais”.

(...)

Mais adiante [2001:224], o CANOTILHO afirma que, no seu

trabalho, a constituição dirigente “é entendida como o bloco de

normas constitucionais em que se definem fins e tarefas do

Estado, se estabelecem directivas e estatuem imposições. A

constituição dirigente aproxima-se, pois, da noção de constituição

programática”.166

Para Eros Grau, a alegada morte da Constituição Dirigente, é

relativa167, e que a Constituição quando elaborada é fruto de um tempo, que nem

sempre caminha em paralelo com a realidade do tempo em evolução, pois, nas

palavras de Eros Grau: ”Quem escreveu o texto da Constituição não é o mesmo

que o interpreta/aplica, que o concretiza.”.168

Ainda Eros Grau, diz que a terminologia “normas

programáticas”, traz “vícios ideológicos perniciosos”, pois, o “adjetivo não

desqualifica o substantivo a que vem acoplada”169, e reconhece que acabou

revendo seu posicionamento sobre o tema, se reportando a uma decisão do

Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, que, em acórdão já de

29 de janeiro de 1969 [NJW 1969, Heft 14, págs. 597-604], assumiu o

entendimento nos seguintes termos enunciado, parcialmente, na síntese de

ROLANDO E. PINA [1973:72 e ss]:

166 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.

167 Fazendo a ressalva o autor de que: “se é que se pode morrer não em termos absolutos”. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.

168 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p.XXIII. 169 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.

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“a) quando a teoria sobre normas constitucionais programáticas

pretende que na ausência de lei expressamente reguladora da

norma esta não tenha eficácia, desenvolve uma estratégia mal

expressada de não vigência (da norma constitucional), visto que, a

fim de justificar-se uma orientação de política legislativa – que

levou à omissão do Legislativo – vulnera-se a hierarquia máxima

normativa da Constituição;

b) o argumento de que a norma programática só opera seus

efeitos quando editada a lei ordinária que a implemente implica,

em última instância, a transferência de função constituinte ao

Poder Legislativo, eis que a omissão deste retiraria de vigência,

até a sua ação, o preceito constitucional;

c) não dependendo a vigência da norma constitucional

programática da ação do Poder Legislativo, quando – atribuível a

este a edição de lei ordinária -, dentro de um prazo razoável, não

resultar implementado o preceito, sua mora implica em violação da

ordem constitucional;

d) neste caso, tal mora pode ser declarada inconstitucional pelo

Poder Judiciário, competindo a este ajustar a solução do caso sub

judice ao preceito constitucional não implementado pelo legislador,

sem prejuízo de que o Legislativo, no futuro, exerça suas

atribuições constitucionais.

(...)

É contudo essencial, para a conservação da República, a

vinculação do legislador, pois não há governo constitucional sem

essa sua vinculação à Constituição, ainda que conforme diferentes

graus de intensidade vinculativa.

Pois é certo que o normativismo constitucional revolucionário e a

programaticidade constitucional (vinculação do legislador) não

estão no mesmo plano, seqüencialmente, mas superpostos, de

modo que a exclusão do primeiro não significa qualquer

necessária amputação na idéia de Constituição dirigente. Ainda

que o primeiro seja ultrapassado, há de ficar a vinculação do

legislador como condição indispensável da conservação da

República.”170

Veja-se como é importante para o cenário jurídico nacional,

que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, tenha revisto seu posicionamento e

170 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XXIII.

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passado a adotar a efetividade/aplicabilidade das normas constitucionais,

fundamentando-se em pensamento jurisprudencial europeu.

Um dos responsáveis pela possibilidade do diálogo que viu

livro, foi um orientando brasileiro do Professor Canotilho, chamado Néviton

Guedes, que respondendo em parte os questionamentos acima, argumentando o

motivo da criação da 1ª edição da obra de Canotilho dizendo:

“Para dar resposta a esses graves problemas é que o Professor

Canotilho se colocou a tarefa de, com a sua tese de doutoramento,

produzir um estudo – com suficiência teórica e dogmática – apto a

oferecer respostas juridicamente convincentes às objeções

levantadas por uma reação jurídica (e política) que se mostrava

excessivamente conservadora. É nesse contexto que surge a sua

“Constituição Dirigente”. A obra, como se vê, buscava a afastar de

vez as dúvidas quanto à inquestionável aplicabilidade das normas

ditas programáticas.

(...)

... Constituição Dirigente e a Vinculação do Legislador oferece ao

leitor desde uma construção de uma Teoria da Constituição

constitucionalmente adequada, passando por uma brilhante

recuperação de todas as grandes teorias da Constituição então

existentes, avança pelos estudos dos mais importantes teóricos do

direito da época (jurista ou não), até alcançar o seu núcleo

essencial, que é a discussão sobre a discricionariedade do

legislador, onde oferece limites convincentes – tanto negativos,

como positivos – à atuação do poder legislativo.”171

Néviton Guedes afirma ainda que diferente do que ocorre no

Brasil, lá em Portugal a obra entre outros fatores, surtiu seu efeito172, e as normas

171 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. XIV. 172 “(...), diferentemente do que ocorre em nosso país, onde o âmbito normativo dito programático da Constituição ainda enfrenta severa resistência conservadora, como avalia o próprio professor Canotilho, o livro, em Portugal, juntamente com outros fatores (entre os quais, certamente se situam as reformas que foram promovidas na Constituição Portuguesa de 1976), já alcançou adequadamente os seus objetivos. Infelizmente, porém, como se disse, essa não é a realidade brasileira. Como todos sabem, tácita ou expressamente, ainda se cultiva uma nada desprezível oposição, tanto de setores políticos como acadêmicos, no que se refere ao cumprimento das normas constitucionais que impõem objetivos, tarefas e finalidades ao legislador. Aliás, bem avaliada a questão, os grupos hegemônicos, no Brasil, manifestam uma especial vocação para o

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programáticas, tiveram seu reconhecimento, afirmando ainda ao final de seu

apontamento, que não há que falar-se de “antinomia ou contradição entre um e

outro Canotilho.”173

Eros Grau, pergunta a Canotilho no referido diálogo, se “o

sentido diretivo teria se deslocado da Constituição e rumado para os Tratados

Internacionais”, sendo respondido por Canotilho que:

“(...) a Constituição dirigente era um projecto da modernidade, um

projecto de transformação, um projecto com sujeitos históricos (até

em termos hegelianos), sujeitos que, que no caso da Constituição

portuguesa, eram os trabalhadores, as classes trabalhadoras, o

Movimento das Forças Armadas.

(...)

Quer queiramos quer não, quanto a essa Constituição dirigente

temos de ser humildes e dizer que ela acabou. Mas isto não pode

significar que não sobrevivam algumas dimensões importantes da

programaticidade constitucional e do dirigismo constitucional.”.

(...) a Constituição Portuguesa trouxe o direito a igualdade, e não

se deu o devido valor a esta norma, mas, bastou Portugal assinar

tratados internacionais que constassem o mesmo direito, para

todos erguerem a bandeira da importância da igualdade. Foi neste

sentido que Canotilho disse haver migrado a diretividade, pois, se

dá mais valor aos tratados do que o próprio texto

Constitucional.”174

Não podemos esquecer que um tratado para ser convalidado

como norma aplicável internamente, tem que ser aprovado pelo Congresso, e

estar conforme a Carta Constitucional interna, sob pena de não ser vigente.

É importante entender esta resposta dada por Canotilho, que

na verdade, o que faltou para a concretização da Constituição Dirigente foi o

não-cumprimento da Constituição que não se restringe ao seu âmbito programático. Somem-se a essa constatação particular à nossa realidade – de que os objetivos visados com Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador não foram aqui ainda totalmente conquistados”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 07-08.

173 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 09. 174 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 08.

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movimento do povo para efetivação das normas, houve uma ausência de

reivindicação do cidadão português de seus direitos. Willis Santiago Guerra Filho

diz que a ‘Constituição é um processo’175, onde o primeiro passo é o texto e o

segundo a vontade popular de transformar aquele texto em realidade, quem sabe

seja isto que faltou em Portugal, pois, aquele ‘sujeito’ não existia mais, conforme

afirmou Canotilho.

Um dos interlocutores do diálogo foi o professor Lênio Luiz

Streck, que destacou sobre a visão procedimentalista de Canotilho em desfavor da

substancialista, sendo-lhe respondido por Canotilho assim:

“Bem. Eu tenho escrito e dito que não sou muito defensor da idéia

de total judicialização da vida política. Aqui, na Europa, parece que

se considera que os tribunais constitucionais e os outros tribunais

são a últimas etapas do aperfeiçoamento político. As últimas

sugestões feitas aqui mesmo, na minha Faculdade, vão no sentido

de que a visão principialista só tem sentido numa visão

jurisprudencialista do direito.

A isso eu respondo: pelo contrário, as grandes etapas do homem

não foram os juízes que as fizeram, foi o povo, com outros

esquemas organizativos e com outras propostas de actuação.”176

Não se discorda do autor, que o povo é o responsável pela

efetivação dos direitos, mas quando o povo é omisso, como foi em Portugal, é

necessário à intervenção do Judiciário, para não se perder a força diretiva da

Constituição.

O movimento procedimentalista em nossa visão, só serve

quando as pessoas têm total noção de seus direitos e efetivamente participação

das decisões. No Brasil, a mídia e outros setores manipulam a vontade popular, e

o povo é uma marionete que dança de acordo com as notas tocadas, logo, em

nosso país, o movimento substancialista é o ideal na atualidade, não querendo

175 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. p. 20. 176 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 26.

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dizer que após o amadurecimento mental da população, não possamos trocar de

modelo.

O idealizador do encontro, o professor Jacinto Nelson de

Miranda Coutinho, pergunta ao professor lusitano, sobre o que ele pensa sobre o

discurso apresentando pelos neoliberais, que afirmam que a Constituição

Dirigente estaria morta, como forma de atacar diretamente o Estado Social, e

sobre isto Canotilho assim responde:

“... quando alguns atacam o estado social e a idéia de socialidade

do estado, a idéia de direitos econômicos, sociais e culturais,

muitas vezes não sabem do que falam. Quando atacam estas

premissas da sociedade em nome de maior eficácia, de maior

eficiência, estão a pôr em causa uma outra luta, a luta contra essa

outra violência que é a pobreza. Eu tenho afirmado aí no Brasil

que o problema da pobreza se coloca sobretudo com grande

acuidade nestas situações, em que milhões de pessoas são

pobres e não têm culpa de terem nascido pobres. Ora os

esquemas neo-liberais parecem desconhecer esta questão, ou

seja, desconhecem que a socialidade implica ainda uma

positividade do poder, uma positividade do Estado, um

compromisso do Estado que não pode ser facilmente substituído

por esquemas difusos, por esquemas outros que podem já ser

operacionais em determinados contextos culturais, mas

dificilmente o são noutras formas de evolução”.

(...) quando coloca essas questões da ‘morte da constituição

dirigente’, o importante é averiguar por que é que se ataca o

dirigismo constitucional. Uma coisa é dizer que estes princípios

não valem e outra é dizer que, afinal de contas, a Constituição já

não serve para nada, já não limita nada. O que se pretende é uma

coisa completamente diferente da problematização que vimos

efectuando: é escancarar as portas dessas políticas sociais e

econômicas a outros esquemas que, muitas vezes, não são

transparentes, não são controláveis. Então eu digo que a

constituição dirigente não morreu.

(...)

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Não sei se respondi às vossas angústias, mas, neste aspecto, eu

sou firme quanto ao dirigismo constitucional”.177

Canotilho com esta resposta, esta a demonstrar que o papel

da Constituição Dirigente que ainda não se transformou não deixa de ter seu valor,

pois, o Estado Social Democrático de Direito, ainda existe nos tempos de

modernidade, e cabem a este Estado algumas tarefas que são primordiais, e uma

delas é respeitar o texto Constitucional, e fazer valer seu dirigismo constitucional.

3.1.3 O pensamento de Canotilho no séc. XXI

Em 2006, José Joaquim Gomes Canotilho, lança um livro da

Coleção “O Tempo e a Norma”, da Editora Almedina de Coimbra, organizada por

Rui Cunha Martins, na forma de coletânea de seus artigos anteriormente escritos,

intitulado “Brancosos” e Interconstitucionalidade: Itinerários dos Discursos sobre a

Historicidade Constitucional”.178

Na referida obra, existe um artigo chamado “O dirigismo

constitucional e sua crise”, o que demonstra que para o autor, o seu pensamento

do inicio da década de 80 não teria dado certo.

Canotilho inicia o artigo explicando-se:

“Esta expressão – “Constituição dirigente” – revelou-se,

posteriormente, um termo equívoco. Em primeiro lugar, a

Constituição dirigente passou a ser identificada com dirigismo

programático-constitucional. As críticas movidas contra este

dirigismo ganharam grande virulência quando a programaticidade

constitucional era reconduzida à idéia de narratividade

emancipatória. O texto constitucional deixava de ser uma lei para

se transformar numa “bíblia de promessas” de “novas sociedades”

(“transição para outra sociedade”, “sociedade mais justa”). Em

segundo lugar, a Constituição dirigente pressupunha uma

177 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 26. 178 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade: ITINERÁRIOS DOS DISCURSOS SOBRE A HISTORICIDADE CONSTITUCIONAL”. Coleção “O Tempo e a Norma”. Coimbra: Almedina, 2006.

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indiscutida autosuficiência normativa parecendo indicar que

bastavam as suas imposições legiferantes e as suas ordens de

legislar para os seus comandos programáticos adquirirem

automaticamente força normativa. O problema central da

constituição dirigente consistia (e consiste) em saber se através de

“programas”, tarefas e directivas constitucionais se conseguiria

uma imediaticidade actuativa e concretizável das normas e

princípios constitucionais de forma a acabar com os queixumes

constitucionais da “constituição não cumprida” ou da “não

concretização da constituição”. Em terceiro lugar, a teoria da

constituição dirigente procurava fornecer arrimos jurídico-

dogmáticos a uma fundamentação dos limites materiais-

constitucionais vinculativos do legislador. Diversamente do que

entendia a doutrina tradicional arreigada à idéia de constituição

dirigente procurava extrair das normas constitucionais as

determinantes positivas da actividade legislativa. No fundo, a

doutrina explicava mal o enigma de um legislador desvinculado

nos fins, quando, na verdade, alguns preceitos da constituição se

revelavam suficientemente densos e determinantes para limitarem,

em termos jurídicos, os “excessos” do poder legislativo”.179

Para aqueles que acreditavam e sonhavam na força da

Constituição Dirigente – como nós que ainda acreditamos -, receberam um banho

de água fria, pois, o próprio autor, não lhe dava o merecido valor180.

Na mesma linha de discussão, Canotilho escreveu outro

trabalho181 chamado “Rever ou Romper com a Constituição Dirigente: Defesa de

um Constitucionalimo Moralmente Reflexivo”, onde procura neste trabalho,

flexibilizar a sua Constituição Dirigente, já traçando seu novo pensamento, qual

179 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 31-32. 180 “Teremos oportunidade de analisar (...) algumas das razões justificativas do nosso aparente desencanto perante o dirigismo normativo-constitucional. Aparente desencanto, repita-se. Continuamos a defender a Constituição como lei-quadro fundamental condensadora de premissas materialmente políticas, econômicas e sociais (...) Nuns casos, é razoável admitir que o conhecimento emancipatório do Estado auxilie a articulação do pensamento de realidade com o pensamento de possibilidade”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 34-35.

181 A primeira publicação deste artigo foi feita pela Revista dos Tribunais, na 15ª edição dos Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, em 1996. Referido artigo, foi republicado na Coletânea “BRANCOSOS” em 2006.

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seja, um governo responsável através de um constitucionalismo moralmente

reflexivo.182

Demonstrando não mais acreditar em sua teoria, o autor diz:

“A Constituição dirigente, ou melhor, os textos constitucionais carregados de

programaticidade (...) estão num “fosso” sob o olhar implacável de muitos

escárneos e mal-dizeres”.183 Ainda complementa o autor: “... os olhares políticos,

doutrinários e teoríticos de vários quadrantes (...) não se cansam de proclamar a

falência dos “Códigos dirigentes” num mundo caracterizado pela conjuntura, a

circularidade, os particularismos e os riscos”.184

Procurando apresentar uma nova serventia a Constituição, o

autor explica que:

“(...) subjaente ao programa constitucional está toda uma filosofia

do sujeito e uma teoria da sociedade cujo voluntarismo desmedido

e o holismo planetário condizirão à arrogância de fixar a própria

órbita das estrelas e dos planetas. A Constituição será, desta

forma, o caminho de ferro social e espiritual através da qual vai

peregrinar a subjetividade projectante (...) a ideia de directividade

constitucional terá ainda hoje sentido quando inserida numa

compreensão crítica próxima do chamado constitucionalismo

moralmente reflexivo”.185

Uma Constituição serve antes de tudo, para regular a relação

vertical entre Estado e cidadão186, e nem sempre isto pode ser visto como uma

regulação desnecessária, se fazendo às vezes, como um caminho seguro. Porém,

182 Em verdade, este trabalho faz parte do meio do prefácio da 2ª edição de Constituição Dirigente de Canotilho.

183 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 08. 184 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente, p. 08. 185 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 09. 186 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente, a nota de roda-pé na página 08, diz o seguinte: Paulo, Convivium, n. 6, 1988: Nessa linha – escreve esse autor – a Constituição deve ser mais de que uma organização limitativa do poder: Deve ser um grande programa de transformações políticas, mas sobretudo econômicas e sociais.

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o autor demonstra neste artigo certo descontentamento com esta regulação,

dizendo:

“As constituição dirigentes, entendidas como constituições

programático-estatais não padecem apenas de um pecado original

– o da má utopia do sujeito projectante, como dissemos; elas

ergueram o Estado a “homem de direcção” exclusiva ou quase

exclusiva da sociedade e converteram o direito em instrumento

funcional dessa direcção. Deste modo, o Estado e o direito são

ambos arrastados para a crise da política regulativa”187.

É sabido que existem fatores externos a ordem jurídica, que

exercem pressão – ás vezes incontrolável – na organização e funcionamento do

Estado. O legislador e o aplicador do direito, não podem ser tolos em

desconsiderar estas forças. Porém, o que discordamos, é que na maioria das

vezes os princípios da Constituição, tenham sempre que ceder a estes

fenômenos188. O autor ainda aponta a força da globalização na ordem jurídica, e

diz:

“Mesmo que as constituições continuem a ser simbolicamente a

magna carta da identidade nacional, a sua força normativa terá

parcialmente de ceder perante novos fenótipos político-

organizatórios, e adequar-se, no plano político e no plano

normativo, aos esquemas regulativos das novas “associações

abertas de estados nacionais abertos”189

Por outro lado, em vários pontos de seus artigos, o autor

procura demonstrar que não abandonou sua tese, ou seja, o que ele busca é rever

187 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 8-9. 188 “Outra das fragilidades epistémicas de um texto constitucional dirigente consistiria no seu autismo nacionalista e patriótico. Se bem compreendemos as coisas, o défice epistémico da programaticidade constitucional não estaria apenas na conversão irrealista de uma simples folha de papel em instrumento dirigente da sociedade. Para além disso, a Constituição arrogar-se-ia ao papel de alavanca de Arquimedes com força para transformar o mundo, mas sem atender ao facto de ela estar cercada por outros mundos. Por outras palavras: o dirigismo normativo-constitucional repousa no dogma “Estado-soberano”, constituindo a “soberania constitucional” um corolário lógico desde mesmo dogma”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10.

189 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10.

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sua Constituição Dirigente, e assim ele aponta aos seus críticos dizendo “... os

“pecados” e “maldades” apontados com justeza ao dirigismo normativo-

constitucional não tolhem totalmente a razoabilidade racional do discurso jurídico –

dogmático em torno da “constituição dirigente190”.”

A Constituição Dirigente, teria assim, um papel de apresentar

as tarefas do Estado191, e os órgãos do Poder Público, deveriam assim, apenas

cumprir as referidas tarefas. Não cabe ao aplicador e ao legislador

discricionariedade, mas sim, cumprir de acordo com os mandamentos da

Constituição. Isto é dito implicitamente por Canotilho quando declara que:

“O outro “modelo” responde à questão do Estado em sentido

diametralmente oposto: é a Constituição que pertence “decidir”

vinculativamente sobre as tarefas do Estado. O fundamento e

medidas jurídicos para o exercício de tarefas é a Constituição.

Neste sentido, as tarefas do Estado são tarefas constitucionais”192.

Mas de todo o seu texto, o que traz complexidade, e

demonstra – pelo menos para nós – que realmente Canotilho não reviu, mas sim,

rompeu com sua tese, é quando o autor afirma que é errôneo acreditar na

imediatividade do texto constitucional, vejamos:

“Uma outra incompreensão teórica relacionada com a constituição

dirigente é suscitada pela expressão “directamente aplicável”

oriunda da Constituição de Bona e posteriormente transferida para

os textos constitucionais de Portugal, Espanha e Brasil (art. 5º,

LXXVII, 1º). Como é sabido, através da idéia de direito

directamente aplicável expressamente plasmada no art. 1º/3 da

Grundgesetz (Ünmittelhar geltendes Recht”) pretende-se afirmar

que a Constituição se impõe como lei mesmo no âmbito dos

direitos fundamentais, que, desta forma, não podem ser

190 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 10. 191 “A teoria da Constituição dirigente procurou associar o recorte categorial de tipos de normas constitucionais – normas-fim, normas-tarefa, imposições constitucionais – a uma teoria das tarefas do Estado”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 11.

192 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12.

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rebaixados a simples declarações ou normas programáticas ou até

a simples fórmulas de oportunidade política. Todavia, a expressa

afirmação da vinculatividade não significa nem significa que as

normas consagradoras de direitos fundamentais excluam a

necessidade de uma maior densificação operada sobretudo

através da lei”.193

E prossegue o autor:

“O problema está (...) no alargamento não sustentável da força

normativa directa das normas constitucionais a situações

necessariamente carecedoras da interpositio legislativa. É o que

acontece, a nosso ver, com a acrítica transferência do princípio da

aplicabilidade imediata consagrado no art. 5º, LXXVII, 1º da

Constituição Brasileira a todos os direitos e garantias fundamentais

de forma a abranger indiscriminadamente os direitos sociais

consagrados no Capítulo II no caso de existência de omissões

inconstitucionais”.194

Alega o autor, que o próprio Constituinte originário, quando

da criação do texto, não acredita na força dele195. Daí surge à indagação: então

porque existe o texto? Pensamos que esta concepção do autor é pessimista de

mais, pois, a nossa Constituição Cidadã, teve a participação de todos os

193 Em outro trecho, na p. 15, se vê esta posição desacredita do autor, quando diz: “... o livre desenvolvimento da personalidade e a defesa da dignidade da pessoa humana postulam ética e juridicamente a positivação constitucional dos chamados “direitos sociais”, mas uma coisa é recortar juridicamente um catálago de direitos da terceira geração e, outra, fazer acompanhar a positivação dos direitos de um complexo de imposições constitucionais tendencialmente conformadoras de políticas públicas de direitos econômicos, sociais e culturais”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12-13.

194 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 12-13.

195 “Nestas linhas condensam-se alguns dos problemas levantados pela hipertrofia de imposições constitucionais (...) Os constituintes moderados aceitam, no momento fundacional, compromissos emancipatórios semanticamente formulados, mas na acreditam neles, nem tencionam levá-los à prática (...) é preciso parcimônia normativa quanto a positivação constitucional de imposições (...) o instituto da inconstitucionalidade por omissão deve manter-se, não para deslegitimar governos e assembleias inertes, mas para assegurar uma via de publicidade crítica e processual contra a constituição não cumprida”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 14.

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membros, grupos e classes da sociedade, e o seu conteúdo, não é uma simples

folha de papel (Lassale), mas sim, um caminho a seguir196.

Canotilho sustenta que um mínimo da Constituição deva ser

preservado e aplicado:

“Qualquer constituição possui um núcleo de identidade aberto ao

desenvolvimento constitucional. Entendemos por núcleo de

identidade o conjunto de normas e princípios estruturantes de uma

determinada ordem jurídico-constitucional. Desenvolvimento

constitucional significa o conjunto de formas de evoluções da

Constituição (nova compreensão dos princípios, propostas

interpretativas, alargamento da disciplina constitucional a novos

problemas). A articulação da identidade com desenvolvimento

constitucional leva-nos ao conceito de identidade reflexiva que

significa a capacidade de prestação da magna carta constitucional

face à sociedade e os cidadãos”.197

Demonstrando então o autor, que é necessário rever seu

posicionamento, apresenta uma teoria flexibilizadora da Constituição Dirigente,

denominando de ‘constitucionalismo reflexivo’, e assim a defende:

“... a teoria da Constituição deverá continuar a ser uma instância

crítica de um constitucionalismo reflexivo que evite duas

unilateralidades:

1. o peso do discurso da metanarratividade que hoje só poderia

subsistir como relíquia da má utopia do sujeito do domínio e da

razão emancipatória;

2. a desestruturação moral dos pactos fundadores escondidos,

muitas vezes, num simples esquema processual da razão cínica

econômico-tecnocrática.”198

Continua o autor: 196 Nos dizeres de Willis Santiago Guerra Filho, a “Constituição é um processo”, ou seja, é um processo de transformação social. Primeiro surge o texto, depois, as pessoas seguem o texto, até a sua concretização total. A Constituição seria assim, um ‘ponta pé’ inicial, para um novo tempo de prevalência do direito.

197 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 14. 198 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 15.

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“Um dos desafios com que se defronta este constitucionalismo

moralmente reflexivo consiste na substituição de um direito

autoritariamente dirigente mas ineficaz através de outras fórmulas

que permitam completar o projeto da modernidade (...) nas

condições complexas de pós-modernidade. Nesta perspectiva,

certas formas já apontadas de “eficácia reflexiva” ou de “direcção

indireta” – subsidiariedade, neocorporativismo, delegação – podem

apontar para o desenvolvimento de instrumentos coorporativos

que reforçando a eficácia, recuperem as dimensões justas do

princípio da responsabilidade apoiando e encorajando a dinâmica

da sociedade civil”.199

Canotilho, em certo momento pontua que:

“Uma constituição deve estabelecer os fundamentos adequados a

uma teoria da justiça, definindo as estruturas básicas da sociedade

sem se comprometer com situações particulares (...) a

Constituição não teria de incorporar um projeto emancipatório sob

a forma de “constitucionalização dos excluídos”, mas uma teoria a

justiça edificada sobre a indiferença das condições particulares”.200

Discordamos do autor neste ponto, pois, uma Constituição

quando estiver desacreditada perde sua força e sua razão de existir. Não há como

desconfigurar o sentido da criação de uma Carta Magna, pois, o fim precípuo dela

é ser o instrumento de organização do Estado, e de proteção do cidadão contra o

Estado, e por isto, sua força deve ser suprema.

Nesta onda de constitucionalismo reflexivo, o autor, aponta

um norte a ser seguido, qual seja, um Governo Responsável com suas

obrigações, e com este slogan, o autor apresenta um artigo intitulado:

“Constitucionalismo e Geologia da Good Governace”.201

199 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 16. 200 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Rever ou Romper com a Constituição Dirigente. p. 16. 201 “Good governance significa, numa compreensão normativa, a condução responsável dos assuntos do Estado. Trata-se, pois, não apenas da direcção de assuntos do governo/administração mas também da prática responsável de actos por parte de outros poderes do Estado como o poder legislativo e o poder jurisdicional. (...) a good governance insiste

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No referido trabalho, o autor, apresenta uma comparação um

tanto estranha num primeiro olhar, mas que é explicada pormenorizadamente na

seqüência: “... tal como na geologia, a ciência do direito constitucional aumenta a

sua massa rochosa como resultado das teorias da constituição, da metódica das

normas, da ponderação de princípios, da concretização de direitos fundamentais,

da radicação da democracia, do estear do Estado de direito”.202 E ainda: “O que se

detecta, no dealbar do novo milênio, é uma nova estratificação cujos movimentos

e contornos não são fáceis de recortar. Propomo-nos abrir algumas pistas”.203

Neste novo pensamento, a Constituição possui um papel

regulatório do atuar do governo204, o que de certa forma, esbarra no princípio da

separação de poderes, o qual não entendemos absoluto, com uma única ressalva,

que o Poder Judiciário possa interferir no Executivo e Legislativo, quando estes

desrespeitarem a Constituição205.

Já que tocamos em princípios, o autor afirma ser essencial

para a aplicação desta tese o cumprimento dos seguintes princípios:

“Esta estatalidade aponta para novos princípios: princípio da

transparência dos trabalhos das instituições (...) o princípio da

coerência entre as diferentes políticas e acções que um Estado

promove no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental

e internacional (...) o princípio da eficácia em que se coloca a

novamente em questões politicamente fortes como as da governabilidade, da responsabilidade (accountability) e da legitimação”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 327. E ainda, p. 328: “... a “governação responsável” diz respeito também à “essência do Estado”, pois o desenvolvimento sustentável, centrado na pessoa humana, envolve como elementos essenciais o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, incluindo o respeito pelos direitos sociais fundamentais”.

202 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326. 203 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326. 204 “... a Constituição deve ser considerada como lei regulatória em que a good governance assume uma dimensão básica não apenas de “Estado administrativo” mas de um verdadeiro Estado Constitucional”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 326.

205 “... à nova ciência do direito constitucional. Colocar no centro das investigações o princípio da condução responsável dos assuntos do Estado”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 329.

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questão central de um Estado promover políticas que dêem

resposta às necessidades sociais com base em objectivos claros

(...) por fim, o princípio da democracia participativa em que as

instituições políticas têm o dever fundamental de dialogar com os

cidadãos e outras associações representativas”.206

Ainda:

“O princípio da proporcionalidade (...) deve agora ser articulado

com uma outra idéia de justa medida na condução dos assuntos

do Estado (...) Mas, como se vê, a “good governance” não é uma

constituição nacional, supranacional ou global. Talvez se possa

dizer que é um novo princípio estruturante do multilevel

constitutionalism”.207

Por fim arremata o autor, a percepção que devemos ter ao

surgimento de uma nova cidadania, dizendo:

“Muitas das sugestões anteriores apontam decididamente para

novos conceitos de cidadania. Em primeiro lugar, uma cidadania

centrada também na pessoa humana e não apenas em liberdades

econômicas (liberdade de circulação de pessoas, produtos,

capitais). Em segundo lugar, uma cidadania que, ao pressupor a

accountability (dever de cuidado dos poderes públicos e o dever

de prestar contas) e a responsiveness (sintonia profunda da

actuação dos poderes públicos com as aspirações dos cidadãos),

retoma as dimensões da cidadania activa e participativa e não

apenas da cidadania representativa. Em terceiro lugar, uma

cidadania para além da “cidadania estatal”, pois a condução

responsável e sustentável dos recursos aponta para uma

cidadania cosmopolita, apta a lidar com as novas constelações

pós-nacionais. Em quarto-lugar, uma cidadania grupal que

complementa os múltiplos individuais da cidadania (associações

de ambiente, organizações não governamentais, comissões de

avaliação, etc).”208

206 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 331-332. 207 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p. 333. 208 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Brancosos” e Interconstitucionalidade. p.334.

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Eros Roberto Grau por sua vez, entende que é importante

um dinamismo teórico, onde o doutrinador pode repensar sua obra e mudá-la,

caso se convença que aquilo que escreveu não serve mais em outro tempo.

Porém, para nós, a virada (flexibilização) de pensamento do professor português,

era desnecessária, pois, se aquele sujeito projetante da modernidade, apesar de

não constar mais no texto permanece vivo - quem sabe inerte, mas vivo, precisaria

apenas um movimento de conscientização popular, e isto quem faz não é só o

texto, mas, pessoas interessados.

Acreditamos que Canotilho não precisava flexibilizar seu

pensamento (movimento que se denominou ‘Canotilho II’), mas sim, precisava

provocar este sujeito, para que este saísse da inércia, e passa-se a buscar aquilo

que o texto lhe previa. E não podemos deixar de nos preocupar, com aquilo que

Canotilho vem escrevendo no século XXI, pois, nos parece que nada mais existe

daquele Canotilho da tese de doutorado.

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CAPÍTULO 4

A FORÇA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

4.1 O NEOCONSTITUCIONALISMO

No item 3.2 apresentamos um diálogo em forma de livro feito

entre vários professores aqui do Brasil através de teleconferência com o Professor

Canotilho lá em Portugal. Fazendo um gancho/link com a resposta dada por

Canotilho a pergunta de Eros Grau se a diretiva constitucional havia sido

transferida para os tratados internacionais, vimos que Canotilho frisou que não,

explicando que, o que ocorre, é que se passou a dar valor aos tratados, sem

perceber que o tema/matéria do tratado também consta na Constituição209, em

outras palavras, não se dava valor ao texto constitucional, mas se dava aos

tratados, mesmo quando o direito em si era o mesmo.

O link feito acima, serve para demonstrar que por muito

tempo a Constituição não merecia a atenção necessária, e só aos poucos foi

sendo reconhecida como um Estatuto Político Fundamental.

209 “Quando, por exemplo, se dizia no texto constitucional que era preciso assegurar a igualdade real entre os portugueses, a igualdade entre homens e mulheres, a coesão constitucional, diziam alguns: “isto é programaticidade, isto é um aleluia jurídico, isto não tem vinculatividade”. Pelo simples facto de estarem consagrados na Constituição da República Portuguesa – suspeita em termos ideológicos – não faltaram vozes a considerar aqueles objectivos como um entulho programático, sem qualquer força vinculativa. Agora, quando esses mesmos objectivos constam de tratados internacionais, toda a gente vem dizer que é preciso levá-los a sério, dada a imperatividade e normatividade das cláusulas dos Tratados que apontam para a igualdade entre homens e mulheres. Agora, aquelas mesmas vozes reconhecem e sublinham a imperatividade dos textos que apontam para a igualdade real e para a coesão econômica e social. E não discutem a imperatividade do Tratado de Amesterdão quando consagra direitos sociais dos trabalhadores”. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de (org.). Canotilho e a Constituição Dirigente. p. 15.

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A Constituição atualmente – pelo menos doutrinariamente –

possui lugar de destaque, pois, a maioria das obras jurídicas do momento, passam

a focar o direito a partir da Constituição. Exemplo disso é vermos doutrinas de

Direito Civil com um enfoque Constitucional. Assim a Constituição torna-se um

topói.

Mas daí surge o questionamento: o que motivou esta

valorização repentina da Constituição?

Tentando responder esta questão, verificamos que a

Constituição da República Federativa do Brasil outorgada em 05/10/1988, trouxe

já no seu início, um Título inteiro chamado “DOS DIREITOS E GARANTIAS

FUNDAMENTAIS”, com mais de setenta incisos consagrando direitos e garantias

aos brasileiros. Isto nunca havia ocorrido na história do Constitucionalismo

nacional. Houve um despertar das pessoas ao tomarem ciência, que eram

portadoras de direitos e podiam exigi-los do Estado, através dos instrumentos de

garantias, que a própria Constituição lhe outorgava.

Em artigo intitulado “Direitos fundamentais sociais na

Constituição de 1988”, publicado na imprensa, Clémerson Mérlin Cléve assim

disse:

“A Constituição que está a completar vinte anos de vigência foi

generosa com os direitos fundamentais e, entre eles, com os

sociais. E é fácil compreender a razão. A Constituição vigente

pode ser compreendida como resposta a um passado de arbítrio (a

ditadura militar), apresentando-se com a pretensão de reordenar o

futuro do país a partir de novos princípios e fundamentos. Uma

normatividade capaz de diminuir os contrastes encontráveis na

sociedade brasileira desde o início de seu processo de formação.

Trata-se, portanto, de construir uma sociedade emancipada

constituída por cidadãos livres e iguais. Há, no discurso

constitucional, portanto, uma conexão evidente entre as idéias de

democracia (auto-governo), dignidade da pessoa humana,

liberdade (autonomias pública e privada) e igualdade (respeito,

reconhecimento, alteridade), tudo para conformar aquilo que

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podemos chamar de Estado Democrático de Direito. O que haverá

de unir os brasileiros, para além de nossa história, de nossa

cultura, de nossa gastronomia, de nossa música ou de nossa arte,

é o sentimento de pertencimento a uma comunidade de destino,

chamada Brasil, fundada a partir de certos valores, de certos

princípios, de certos direitos.

Os direitos sociais, foram, disse antes, generosamente

contemplados na Constituição. Além daqueles vinculados ao

mundo do trabalho, o texto constitucional reporta-se,

particularmente no art. 6º, aos direitos à educação, saúde, moradia

(incluído pela Emenda Constitucional 26/2000), lazer, segurança,

previdência social, proteção à maternidade e infância e à

assistência aos desamparados. São todos direitos de eficácia

progressiva, que expandem o seu horizonte de realização à

medida que a sociedade progride, que novas políticas públicas são

implementadas e que a sociedade os reivindica. Um componente

essencial da política, hoje, no contexto desta Constituição, é fazer

valer as promessas constitucionais, diminuindo a distância entre a

normatividade e a realidade constitucionais.

Há mecanismos jurídicos previstos no direito brasileiro para a

efetivação desses direitos. O Judiciário, neste particular, embora

criticado aqui e acolá, vai assumindo certo papel antagônico

(ativismo) nesse campo. Mesmo à falta de regulamentação, ou da

insuficiência das políticas públicas, tais direitos podem ser

reclamados judicialmente pelo menos para a garantia daquilo que

se convencionou chamar de mínimo existencial. De outro ângulo, é

preciso ver que os movimentos sociais, hoje, no país, levantam as

suas bandeiras reclamando uma específica interpretação da

Constituição. Não atuam contra ela, como no passado. É a

solução. Da dinâmica reivindicante da sociedade, muitas vezes

contraditória, serve-se a Constituição para reforçar a sua

legitimidade e atualizar o seu sentido, inclusive no campo dos

direitos sociais.

Nunca é demais lembrar que uma sociedade autônoma, que

constrói o seu próprio destino, que delibera sobre a sua

experiência política e existencial, é constituída por mulheres e

homens emancipados, não dependentes, reivindicantes e

responsáveis ao mesmo tempo. Há condições necessárias para a

deliberação pública e o amadurecimento da democracia. Entre

eles, indispensáveis são os direitos sociais. Sem eles, a condição

humana apresenta apenas os horizontes limitados da dependência

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e da fragilidade, que o Brasil precisa urgentemente superar, se

quer mesmo apresentar-se no futuro como sociedade exemplar.

Em síntese, nesse campo a nova Constituição avançou

enormemente. Mas é apenas um começo. A ponta do iceberg. Há

muito, ainda, a fazer. A Constituição não é apenas texto. É

também experiência, vivência, dinâmica política. Ela é construída

todos os dias. A novidade é que, agora, temos uma Constituição

capaz de orientar a construção de uma sociedade emancipada, e

não o contrário.”210

Concorda-se com o Constitucionalista paranaense que muito

foi feito, mas, sem dúvida há muito mais a fazer, e é esta vontade política de se ter

uma ‘sociedade emancipada’, é o que dá força para acreditarmos na efetividade

constitucional.

Atualmente – após os vinte anos de Constituição – a Carta

Magna passou a ter um valor imenso, sendo a cruz de Cristo, onde todos se

curvam – ou deveriam se curvar -, pois, esta no topo da cadeia do ordenamento

jurídico, irradiando sua luz para toda a órbita jurídica nacional.

Este revigoramento da Constituição é aquilo que foi batizado

como Neoconstitucionalismo, ou seja, um ‘novo movimento constitucional’, um

‘novo olhar’ – quem sabe despertar – para o texto constitucional.

A força normativa da Constituição (Hesse) trouxe muito

interesse da doutrina, em especial estrangeira, que passou a se debruçar sobre

uma nova forma de atuar do texto Constitucional. Uma das pessoas que se

dedicaram a este estudo foi Susanna Pozzolo, que é Professora de Teoria do

Direito da Universidade de Gênova na Itália, e tem um livro sobre o

‘Neocostituzionalismo e positivismo giuridico’, o qual não tem tradução no Brasil.

O trabalho mais conhecido da autora em nosso país é o seu

artigo chamado ‘Un Constitucionalismo Ambiguo’, que faz parte da coletânea:

210 Caderno ‘Direito e Justiça’ do Jornal Estado do Paraná - publicada coincidentemente no dia 05 de outubro de 2008, quando a Constituição estava fazendo vinte anos -, p. 8.

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‘NEOCONSTITUCIONALISMO(S)’, publicado pela Trotta, que foi organizado por

Michel Carbonell. Na referida obra, a autora procura circunscrever a noção de

‘neoconstitucionalismo’ como teoria do Direito do Estado Constitucional211.

A autora afirma que o termo ‘neoconstitucionalismo’ não

possui um significado único, sendo possíveis várias interpretações212, dizendo

ainda:

“<Neoconstitucionalismo> es un término que ha entrado en el

léxico de los juristas hace poco tiempo y que, si bien no tiene un

significado unívoco, ha logrado una gran aceptación. En las

páginas que siguen, el término ‘neoconstitucionalismo’ será

empleado para indicar una precisa prospectiva iusfilosófica que se

caracteriza por ser constitucionalista (o sea, por insertarse en la

corriente iusfilosófica dedicada a la formulación y predisposición de

los límites jurídicos al poder político) y antipositivista. El

neoconstitucionalismo tiene como objeto específico el análisis de

los modernos ordenamientos constitucionales y democráticos de

Occidente”.213

Um dos traços marcantes do ‘neoconstitucionalismo’ para

Susanna é a colocação da lei numa posição de subordinação e introdução, junto

aos critérios de validez formal já presentes, os critérios de validez material

capazes de condicionar a atividade legislativa inclusive em seus conteúdos e não

só em suas formas214. É a demonstração dita anteriormente, e que será inúmeras

211 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editora TROTTA, 2003. p. 187.

212 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 189. 213 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 188 214 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 189. Vide também, p. 190, onde diz: “Quizá una de las más relevantes se refiere a la noción de validez jurídica que aquélla presupondría: la que se entiende como estricta o exclusivamente formal, que se revelaría inadecuada para ser empleada por el Derecho del Estado constitucional, cuyas normas serían válidas, antes que nada, por satisfacer critérios materiales, o sea, por su contenido”. Mas Susanna não esta sozinha, pois, este pensamento é muito forte em Ferrajoli, e também é seguido por Serrano que diz: “La diferencia conceptual validez/vigência rompe completamente con esta imagem analítica, mecanicista y atômica de la norma jurídica. La norma ya no es el enunciado general y abstracto, puesto y positivo, em virtude del cual ‘si ilícito, entonces debe de ser sanción’. La norma es ahora ese elemento, precepto o proposición promulgada, más un juicio de coherencia con el sistema jurídico, incluidos en él los valores

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vezes repetidas neste trabalho, que uma lei para ser válida não precisa somente

ter sido respeitado o seu processo legislativo, mas antes de tudo, deve estar

conformado o seu conteúdo com os preceitos da Constituição, ou seja, só valerá

se o seu conteúdo não contrariar o texto da Magna Carta.

Ainda sobre a terminologia ‘neoconstitucionalismo’, Susanna

apresenta de forma inédita, as lições apreendidas em sala de aula – através de

anotações/apontamentos – com o Professor T. Mazzarese, no curso de filosofia do

Direito da Universitá degli Studi di Brescia, que diz haver três possíveis sentidos

de neoconstitucionalismo, sendo eles:

“a) en un primer sentido, ‘neoconstitucionalismo’ indicaria un rasgo

caracterizador de algunos ordenamientos jurídicos: en particular, el

dato positivo por el cual el ordenamiento presenta una Constitución

que, además de contener las reglas de individualización y de

acción de los órganos principales del Estado, presenta un elenco

más o menos amplio de derechos fundamentales; b) en un

segundo sentido, ‘neoconstitucionalismo’ indicaria un cierto modelo

explicativo del contenido de determinados ordenamientos jurídicos

(los indicados en el punto precedente), o sea, el término indicaria

un cierto paradigma del Derecho, de sus formas de aplicación y de

conocimiento; en este segundo sentido ‘neoconstitucionalismo’ no

indica por tanto nada en el mundo, sino que más bien representa

un modelo teórico; c) en un tercer sentido, el término

‘neoconstitucionalismo’ indicaria un modelo axiológico-normativo

del Derecho, un modelo ideal al que el Derecho positivo debería

tender. Este ideal, sin embargo, no sería el mero desarrolo y la

mera concretización del Derecho real, sobre la base de los

princípios y de los valores que en este último están expresamente

enunciados”.215

positivizados en su plano más alto: la constitución histórica, indisponible para cualquiera de sus tres poderes incluido el legislativo. La norma ya no es una unidad dada, sino una cadena de unidades argumentadas dinámica (competencia y procedimiento) y estáticamente (coherencia)”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 102.

215 Esta citação, esta na nota de roda-pé nº 02 da pág. 188-189, de: POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s).

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Para Susanna Pozzolo, há distintas razões para a superação

da metodologia juspositivista, onde o neoconstitucionalismo teria como função o

reconhecimento de um grande número de princípios de justiça, e também sociais,

pois, num Estado Constitucional, os direitos fundamentais são efetivamente

jurídicos e por isto, devem ser aplicados pelo Poder Judiciário216. Nas palavras da

autora: “Esta función de concretización sería una de las que la legislación y la

jurisdición (en particular el Tribunal Constitucional), pero también la ciencia

jurídica, deberían llevar a cabo”.217 A Constituição para a autora seria um valor em

si mesma.218

A Professora de Gênova é firme em reconhecer que o

sistema jurídico deveria necessariamente apresentar um conteúdo justo para

poder ser considerado como Direito219, pois só seria possível “calificar como

‘jurídico’ un sistema normativo o una norma singular, por tanto, sería el contenido

de justicia que expresaran (...) el neoconstitucionalismo entiende que tal contenido

de justicia es interno al Derecho, es decir, positivado”.220

A importância da correta interpretação da Constituição221, foi

objeto de analise de Susanna que disse:

216 Na terminologia de Susanna: “son justiciables”, op. cit., p. 190. 217 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 190. 218 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 192. 219 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 191. 220 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 191. 221 “..., a tese da abertura na determinação de sentido se impõe não apenas devido ao processo de aquisição de verdades descrito pela cadeia psicanalítica de significações, onde se intentou mostrar a natureza do princípio enquanto motivo conceitual e a primazia do significante determinado pelo “grande Outro”, mas também pela própria impossibilidade, na esteira analítica existencial do Dasein, de o sujeito se livrar de sua pré-estrutura de compreensão ao se deparar com o texto. Nessa perspectiva, os postulados da hermenêutica filosófica, a unidade da applicatio e o constante reconstruir do sentido em função da projeção do Dasein, desenhado na figura do círculo hermenêutico, que não pode ser vicioso e nem se fechar em si, permitem inferir que em toda a interpretação jurídica há uma inescapável determinação de aspectos individuais e subjetivos”. MARRAFON, Marco Aurélio. Hermenêutica e Sistema Constitucional: a decisão judicial “entre” o sentido da estrutura e a estrutura do sentido. Florianópolis : Habitus Editora, 2008, p. 183.

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“El intérprete, en el fondo, deberá elegir entre la estricta legalidad y

la justicia sustancial, adoptando la solución menos traumática y

más compatible con la realidad (ocasional) y con el sistema

jurídico en su conjunto, haciendo así prevalecer uno u otro valor

contingentemente relevante. Es claro que el intérprete privilegiado,

que de este modo asume también la tarea de custodio del

constitucionalismo moderno, será el juez de las leyes. Este último,

al que le está confiada la tarea de ‘garantizar’ la Constitucióin,

abandonado, si es que alguma vez la ha ejercido, el papel de

‘legislador negativo’, se transforma en ‘legislador concurrente’ y,

con una actividad extensa y penetrante, se empuja a remodelar la

ley sobre los contenidos de la Constitución, formulando así, al

mismo tiempo, la ‘Constituição-norma’, o sea, la específica

concepción (elegida de entre las contenidas en el texto) del

significado de las normas constitucionales, que se afirma

positivamente en el Derecho concreto. Desde la prospectiva

neoconstitucionalista, sin embargo, la actividad que permite el

paso de la ‘Constitución-documento’ a la ‘Constitución-norma’ no

se caracteriza como discrecional, ya que el ideal jurídico al que se

adecua sería interno al Derecho positivo mismo y de ese modo tal

actividad resultaría completamente vinculada. Presupuestos estos

datos, a la ley no sólo le quedaría una posición subordinada al

dictado constitucional, sino un papel en cierta forma residual, ya

que se convertiría en mero instrumento de actuación (más

concreto) de los princípios constitucionales, perdiendo así su

carácter de libre expresión del poder político. No habrá más

espacio para meras political questions, puesto que cada elección

legislativa, debiendo conformarse al desarrolo de los valores

constitucionalizados, será necesariamente justiciable sobre la base

de la ‘Constitución-norma’ que se ha afirmado como Derecho

concreto”.222

Para ela o que diferencia a Constituição do direito

infraconstitucional, não seria somente a questão de hierarquia normativa, mas sim,

222 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 193-194.

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há existência de um conteúdo qualificado.223 Sobre esta diferença, a autora ainda

fala:

“Si no me equívoco, entonces, la contraposición entre

iuspositivismo y neoconstitucionalismo no parece basarse tanto

sobre la relevancia de una diferencia estructural del objeto

estudiado (...) sino más bien en la diferente teoría del Derecho y de

sus tareas que se entiende como propria del uno y del otro. Según

el neoconstitucionalismo, en sustancia, las tareas meramente

descriptivas que el iuspositivismo requiere al teórico no serían

escindibles de las tareas normativas que el Derecho del Estado

constitucional prentedería del mismo. Pero si esta afirmación

puede ser fundada cuanto el sujeto que desarrolla la actividad

interpretativa (de individualización del contenido del Derecho) es el

jurista-juez, no lo es por el contrario cuando el que desarrolla esa

actividad de individualización del Derecho es el mero jurista.

Entonces, si es necesario reconocer el mérito del

neoconstitucionalismo por haber llamado la atención sobre este

punto, sobre esta diferencia, obligando al mismo tiempo al proprio

iuspositivismo a volver a discutir algunas cuestiones, es necesario

también confirmar que el neoconstitucionalismo se ha equivocado

si la conexión entre Derecho y moral (positiva) de la que habla está

referida a la actividad del mero jurista”.224

Na mesma coletânea de Miguel Carbonell, o autor italiano

Luigi Ferrajoli escreveu um artigo chamado ‘Pasado y Futuro Del Estado de

Derecho’, onde procura neste trabalho demonstrar as espécies de Estado de

Direito, e suas possíveis vias de evolução ao Estado Constitucional.225

223 “La incorporación de los valores, ahora bajo la forma de derechos fundamentales, determinaría la inseparabilidad del valor ético respecto del contenido meramente jurídico de la Constitución, determinando la especificidad de tal documento y requiriendo una interpretación moral del texto fundamental. Esto, debido a que, para atribuir un sentido a las disposiciones constitucionales, sería necesario adscribir primero un sentido concreto a los valores y, por tanto, adoptar una cierta concepción de los principios y de los derechos fundamentales”. POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 198-199.

224 POZZOLO, Susanna. Un Constitucionalismo Ambíguo, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 205. 225 Afirmação de Michel Carbonell no ‘Prólogo: Nuevos Tiempos para el Constitucionalismo’, do livro: Neoconstitucionalismo(s), Edición de Miguel Carbonell, Editora Trota: 2003, p. 10.

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Ferrajoli inicia o trabalho dizendo haver duas formas de

‘Estado de Direito’, sendo uma em sentido lato, mais fraca ou formal, que designa

qualquer ordenamento jurídico em que os poderes públicos são conferidos pela lei

e exercitado nas formas e nos procedimentos legalmente estabelecidos226. Já

outra versão do Estado de Direito, seria uma versão forte ou substancial, sendo

aqueles ordenamentos em que os poderes públicos estão ademais sujeitos a lei

(e, portanto, limitados ou vinculados por ela), não somente relativo às formas,

senão também pelos conteúdos227.

Esta segunda forma de Estado de Direito, ainda é vista na

Itália, de um modo mais restrito, sendo aqueles ordenamentos em que todos os

poderes, incluído o legislativo, estão vinculados ao respeito de princípios

substanciais, estabelecidos por normas constitucionais, como a da divisão de

poderes e dos direitos fundamentais.228

Explicando o surgimento do Estado de Direito, Ferrajoli diz:

“El Estado de Derecho moderno nace, con la forma del Estado

legislativo de Derecho, en el momento en que esta instancia

alcanza realización histórica, precisamente, con la afirmación del

Derecho válido y antes aún existente, con independencia de sua

valoración como justo. Gracias a este principio y a las

codificaciones que sons u actuación, uma norma jurídica es válida

no por ser justa, sino exclusivamente por haber sido ‘puesta’ por

uma autoridad dotada de competência normativa.”229

Esta afirmação de que uma lei é válida se posta por uma

autoridade competente, trouxe reflexos positivos naquele período para as

pessoas, pois, assim, a lei era a ‘garantia’ do povo contra as ordens dos reis

226 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13. 227 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13. 228 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 13-14. 229 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, in, Neoconstitucionalismo(s), p. 16. Ainda vale a pena destacar, p. 17: “Se evidencia el extraordinário alcance de la revolución producida con la afirmación del principio de legalidade por efecto del monopólio estatal de la producción jurídica”.

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déspotas da época. Mas fruto do seu tempo, a validade de uma lei em razão de

apenas sua formalidade, não permanece como modo válido no século XX, em

especial no século XXI. Ferrajoli explica que houve uma segunda mudança de

paradigma que seria a consideração de validez de uma lei, não só pela sua

formalidade, mas também e especialmente pelo seu conteúdo estar em

conformidade com a Constituição. Sobre isto vejamos:

“... un segundo cambio, no menos radical, es el producido en este

último medio siglo con la subordinación de la legalidad misma –

garantizada por uma específica jurisdicción de legitimidad – a

Constituciones rígidas, jerárquicamente supraordenadas a las

leyes como normas de reconocimiento de su validez (...) cambian

las condiciones de validez de las leyes, dependientes ya no solo

de la forma de su producción sino también de la coherencia de sus

contenidos con los princípios constitucionales. La existência (o

vigência) de las normas, que en el paradigma paleo-iuspositivista

se había disociado de la justicia, se disocia ahora también de la

validez, siendo posible que una norma formalmente válida, y por

consiguiente vigente, sea sustancialmente inválida por el contraste

de su significado con normas constitucionales, como por ejemplo

el principio de igualdad o los derechos fundamentales.”230

Esta sem dúvida é a virada de pensamento do Estado de

Direito para o Estado Constitucional, pois, aquelas formas de validade de uma lei

de Kelsen, cedem espaço para uma validade não só formal, mas sim, validade

substancial (conteúdo). Neste caminho, Ferrajoli diz que a Constituição passa a ter

um papel crítico e projetivo em relação com o seu próprio objeto.231 Neste viés:

“se altera el papel de la jurisdicción, que es aplicar la ley solo si es

constitucionalmente válida, y cuya interpretación y aplicación son

siempre, por esto, también, um juicio sobre la ley misma que el

230 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 18. 231 “En efecto, en el Estado constitucional de Derecho la Constitución no sólo disciplina las formas de producción legislativa sino que impone también a ésta prohibiciones y obligaciones de contenido, correlativas unas a los derechos de liberdad y las otras a los derechos sociales, cuya violación genera antinomias o lagunas que la ciencia jurídica tiene el deber de constatar para que sean eliminadas o corregidas”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 18.

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juez tiene el deber de censurar como inválida mediante la

denuncia de sua inconstitucionalidad, cuando no sea posible

interpretala em sentido constitucional. De aqui se deriva, tanto

para la cultura jurídica como para la jurisdicción, uma dimensión

pragmática y uma responsabilidad cívica, desconocidas para la

razón jurídica própria del viejo iuspositivismo formalista: el

señalamiento de las antinomias y las lagunas, y la promoción de

sua superación por médio de las garantias existentes, o la

proyección de las garantias que falten.”232

Das explicações acima, podemos observar que a fonte

primordial do direito era a lei formalmente válida. Junto com ela, haviam as

jurisprudências, as doutrinas e os costumes, mas a lei era a que imperava. Antes

da lei, os costumes exerciam o seu papel de preponderância. Porém, isto tudo

mudou e hoje a fonte principal do direito é a Constituição, isto quer dizer, a

jurisprudência, costume, doutrina, lei, ainda são fontes do direito, mas só serão

válidas, se não confrontarem com algum conteúdo da Constituição233.

Ferrajoli ainda apresenta outra mudança gerada pelo Estado

Constitucional, que sob sua ótica seria a alteração na ‘natureza da democracia’,

pelo limite imposto pela Constituição à observância de seus princípios234. O autor

232 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 18-19. 233 Este também é o pensamento de Serrano que diz: “..., una teoría garantista del derecho debe moverse en la distinción de la vigencia de la norma tanto con respecto a su validez como con respecto a sua eficácia (cf. Ferrajoli, 1989: 872). Esta diferencia conceptual validez/vigencia es una diferenciación temporal e histórica propria de la forma constitucional del estado y no un invento metodológico del garantismo. Pero precisamente por su radical historicidad, la diferencia conceptual validez/vigencia se convierte en metodológicamente esencial para comprender la estructura normativa de los estados constitucionales de derecho. Y esta dualidad entre historia y lógica de la investigación científica configura al garantismo como crítica del derecho positivo vigente, ‘no meramente externa o politica o de iure condendo sino interna jurídica o de iure condito’ (Ferrajoli, 1989: 872)”. SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 108.

234 “La subordinación de la ley a los princípios constitucionales equivale a introducir uma dimensión sustancial no sólo em las condiciones de validez de las normas, sino también en la natureza de la democracia, para la que representa um limite, a la vez que la completa. Un limite porque a los derechos constitucionales establecidos corresponden prohibiciones y obligaciones impuestas a los poderes de la mayoría, que de outra forma serían absolutos. Y la completa porque estas mismas prohibiciones y obligaciones se configuran como otras tantas garantias de los derechos de todos, frente a los abusos de tales poderes que – como la experiência enseña – podrían de outro modo arrollar, junto con los derechos, al próprio método democrático. Al mismo tiempo el constitucionalismo rígido produce el efecto de completar tanto el Estado de Derecho como el mismo positivismo jurídico, que alcanzan com él su forma última y más desarrollada: por la

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italiano distingue em três fases a produção jurídica, sendo a primeira, o

‘jusnaturalismo’ em suas muitas variantes foi à filosofia jurídica dominante na

época pré-moderna, faltando apenas o monopólio estatal da produção jurídica;

depois, o ‘juspositivismo’ havia sido a partir das codificações e o nascimento do

Estado moderno; e por último, o ‘neoconstitucionalismo’ criado a partir da

introdução da garantia jurisdicional da rigidez das Constituições.235

O motivo do trabalho de Ferrajoli é mostrar que estes

Estados – o Legislativo de Direito e o Constitucional de Direito - possuem

situações de crise, e busca a partir destas crises, apontar perspectivas para o

futuro. Sobre as crises o autor diz que uma das tantas formas que se apresenta, é

a regressão a um Direito jurisprudencial do tipo pré-moderno236.

Para Ferrajoli, o primeiro aspecto da crise afeta o princípio da

legalidade237, e tem sua origem em dois fatores: sendo num primeiro plano à

inflação legislativa e num segundo plano a disfunção da linguagem legal238. E isto

para o autor é um problema grave, pois:

“la racionalidad de la ley, que Hobbes había contrapuesto a la ‘iuris

prudentia o sabiduría de los jueces desordenados’ del viejo

Derecho común, ha sido disuelta por una legislación obra de

legisladores todavia más desordenados, que abre el camino a la

discrecionalidad de los jueces y a la formación jurisprudencial,

sujeción a la ley incluso del poder legislativo, antes absoluto, y por la positivación no solo ya del ser del Derecho, es decir, de sus condiciones de ‘existencia’, sino también de su deber ser, o sea, de las opciones que presiden su producción y, por tanto, de sus condiciones de ‘validez’”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 19.

235 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 19-20. 236 “En ambos aspectos, la crisis se manifiesta em otras tantas formas de regresión a um Derecho jurisprudencial de tipo premoderno: por um lado, el colapso de la capacidad reguladora de la ley el retorno al papel creativo de la jurisdicción; por otro, la perdida de la unidad y coherencia de las fuentes y la convivencia y superposición de diversos ordenamientos concurrentes”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 20.

237 Que lembrem-se, para Ferrajoli: “era a norma de reconhecimento própria do Estado Legislativo de Direito”, FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 20.

238 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 20.

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administrativa o privada del Derecho, según el antiguo modelo

premoderno, con la consiguiente perdida de certeza, de eficiência

y de garantías”.239

Um segundo aspecto preocupante da crise, é o papel

garantista da Constituição que esta em declínio em relação a legislação, fruto do

fim do Estado Nacional como monopólio da produção jurídica. O autor enfatiza

que o processo de integração da Europa esta deformando a estrutura

constitucional das democracias nacionais, pois, se estão deslocando para fora dos

Estados as decisões da comunidade européia. O autor aponta o risco de se

confundir fontes e de se ter incertezas quanto às competências, sendo uma dupla

forma de dissolução da modernidade jurídica.240

Por fim, no que se refere à crise do Estado, o autor trata do

risco que a globalização vem a trazer para a esfera do direito público, dizendo

assim:

“..., todo el proceso de integración econômica mundial que

llamamos ‘globalização’ bien puede ser entendido como um vacío

de Derecho público producto de la ausência de limites, reglas y

controles frente a la fuerza, tanto de los Estados com mayor

potencial militar como de los grandes poderes econômicos

privados. A falta de instituciones a la altura de las nuevas

relaciones, el Derecho de la globalización viene modelándose cada

dia más, antes que em las formas públicas, generales y abstractas

de la ley, en las privadas del contrato, signo de una primacia

incontrovertible de la economía sobre la política y del mercado

sobre la esfera pública. De tal manera que la regresión

neoabsolutista de los poderes econômicos transnacionales, un

neoabsolutismo regressivo y de retorno que se manifiesta em la

239 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 20. 240 “Así, se corre el riesgo de que se produzca, em la confusión de las fuentes y en la incertidumbre de las competências, una doble forma de disolución de la modernidad jurídica: el desarrollo de un incierto Derecho comunitário jurisprudencial, por obra de tribunales concurrentes y confluyentes entre si, y la regresión al pluralismo y a la superposición de los ordenamientos que fueron propios del Derecho premoderno. Expresiones como ‘principio de legalidad’ y ‘ reserva de ley’ tienen cada vez menos sentido”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 21.

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ausência de reglas abiertamente asumida por el actual anarco-

capitalismo globalizado, como una suerte de nueva grundnorm del

nuevo orden econômico internacional”.241

A partir desta citação, podemos perceber que realmente não

houve um planejamento correto, quando se pensou em ‘globalização’. Certo é que

a vontade dos Estados era melhorar a sua condição de capital, através da livre

abertura das alfândegas para compra e venda de produtos, bem como, livre

acesso aos seus cidadãos. Porém, para uma convivência harmoniosa entre estes

povos, eles não poderiam esquecer que apesar de europeus, possuíam tradições

diferentes, e os valores nacionais eram também em alguma parte diferentes. Hoje

o problema esta visível, como aglutinar Estados, sem desrespeitar soberania,

poderes internos, e principalmente, direitos individuais? Impossível é claro!

Mais a frente Ferrajoli, procura demonstrar a necessidade e a

possibilidade da criação de um Estado Constitucional de Direito ampliado242,

fazendo frente aos problemas conjunturais atuais, demonstrando ainda, a

importância de uma Constituição, mesmo neste cenário mundial. Sobre isto, o

autor pontua:

“Creo que esta concepción comunitaria debe ser invertida. Una

Constitución no sirve para representar la voluntad común de um

pueblo, sino para garantizar los derechos de todos, incluso frente a

la voluntad popular. Su función no es expresar la existência de un

demos, es decir, de una homogeneidad cultural, identidad colectiva

o cohesión social, sino, al contrario, la de garantizar, a través de

aquellos derechos, la convivência pacífica entre sujetos e

interesses diversos y virtualmente en conflicto. El fundamento de

su legitimidad, a diferencia de lo que ocurre con las leyes

241 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 22.

242 “la perspectiva de este tercer modelo ampliado de Estado de Derecho, diseñada por las cartas supranacionales de derechos, suscita todavía em la cultura politológica resistencias y dudas teóricas, tanto en lo relativo a sua posibilidad como sobre que sea predecible. Faltarían, se dice, um pueblo, una sociedad civil y uma esfera pública europea, y más aún, mundial, que serían los presupuestos indispensables del constitucionalismo y del Estado de Derecho”. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s). p. 27.

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ordinarias y las opciones de gobierno, no reside en el consenso de

la mayoría, sino en un valor mucho más importante y prévio: la

igualdad de todos en las libertades fundamentales y en los

derechos sociales, o sea en derechos vitales conferidos a todos,

como limites y vínculos, precisamente, frente a las leyes y los

actos de gobierno expresados em las contingentes mayorías”.243

Por fim, conclui o autor garantista:

“Nada autoriza a afirmar que la perspectiva de un Estado

internacional de Derecho sea, en el plano teórico, irrealizable. Su

realización depende únicamente de la política y precisamente de la

voluntad de los países más fuertes em el plano econômico y

militar. Es únicamente este el verdadero problema: la crisis de

aquel proyecto de paz y de igualdad en los derechos que

precisamente la política había diseñado trás el final de la Segunda

Guerra Mundial. La paradoja es que la crisis de este proyeto ha

surgido en una momento de transición de alcance epocal, en la

que es cierto que, en el espacio de pocas décadas, los actuales

procesos de integración nos conducirán, de todos modos, a un

nuevo orden planetário. La calidad de este nuevo ordem

dependerá de la política y del Derecho”.244

Como visto, a globalização trouxe reflexos positivos para o

mercado mundial, porém, trouxe também, drásticas conseqüências, para a ordem

jurídica, em especial, para o Direito Constitucional interno. Pensamos estar certo

Ferrajoli, quando afirma que só será possível um Estado de Direito Constitucional

Ampliado, quando se colocar em pauta a necessidade de adequar num mesmo

ordenamento jurídico mundial, todos os princípios que cada povo-membro possui

internamente. Só assim, se manterá o valor de cada carta política nacional. Mas,

até chegarmos neste nível, veremos muita injustiça sendo praticada, ao mando do

mercado capitalista.

243 FERRAJOLI, Luigi. Neoconstitucionalismo(s). p. 28. 244 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y Futuro del Estado de Derecho, In: Neoconstitucionalismo(s), p. 29.

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4.2 A EPISTEME GARANTISTA COMO POSSIBILIDADE DA NOVA ORDEM

CONSTITUCIONAL EM ‘TERRA BRASILIS’

O garantismo ganha relevo no cenário jurídico mundial, com

Luigi Ferrajoli, onde este procura aquilatar a teoria já existente de garantir

efetivamente os direitos aos acusados no âmbito penal, surge assim num primeiro

momento, uma teoria apropriada ao direito penal (garantismo penal). Mas com o

passar do tempo, esta teoria passa a ser utilizada – com seus moldes necessários

– para outros ramos do direito, sendo chamado por Perfecto Ibánez de

‘garantismo dinâmico’, com ênfase no direito público, em especial no Direito

Constitucional245.

O garantismo para Perfecto Andrés Ibánez é um regime de

garantias de direitos (de primeira geração) com vocação de efetividade, fundado

na idéia de separação de poderes, sendo o Poder Judiciário, encarregado de

assegurar esta independência.246

Já para Ferrajoli o sistema garantista – que ele chama de

modelo – é o sistema de legalidade, que confere um papel de garantia em relação

com o direito ilegítimo.247 Para ele, as garantias não são outra coisa que as

técnicas previstas pelo ordenamento para reduzir a distância estrutural entre

normatividade e efetividade, e portanto, para possibilitar a máxima eficácia dos

direitos fundamentais em coerência com sua estipulação constitucional.248 Mas

sem dúvida, uma das marcas do garantismo é a valorização dos direitos

245 IBÁNES, Perfecto Andrés. Garantismo: Una teoría crítica de la jurisdicción, In: Garantismo: Estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Trotta: Madrid, 2005, p. 59.

246 IBÁNES, Perfecto Andrés. In: Garantismo, p. 59. 247 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias: La ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999, p. 19-20. 248 “..., el garantismo de un sistema jurídico es una cuestión de grado, que depende de la precisión de los vínculos positivos o negativos impuestos a los poderes públicos por las normas constitucionales y por el sistema de garantías que aseguran una tasa más o menos elevada de eficacia a tales vínculos”. FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 25.

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fundamentais, ao ponto de elevá-los a uma esfera do indecídivel249, nas palavras

do autor: “los derechos fundamentales sobre los que se asienta la democracia

sustancial están garantizados a todos y a cada uno de manera incondicionada,

incluso contra la mayoría”250.

Apesar de ser uma teoria bem apropriada, não podemos

esquecer de lembrar a cautela dita por Lênio Streck251 e Alexandre Morais da

Rosa252, que o garantismo não é uma teoria perfeita, pois, possui suas falhas,

sendo uma delas, estar ainda embutida na filosofia da consciência.

Como diz Alexandre Morais da Rosa: “Ainda assim,

cotejando-se a ‘Epistemologia Garantista’ com a maneira pela qual se

(re)produzem decisões no Processo Penal brasileiro, pode-se perceber

claramente que a proposta de Ferrajoli significa uma evolução democrática”.253

249 “Los derechos fundamentales, precisamente porque están igualmente garantizados para todos y sustraídos a la disponibilidad del mercado y de la política, forman la esfera de lo indecidible ...”. FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 25.

250 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias. p. 26.

251 “Alerte-se – por relevante – que o garantismo é visto, no âmbito e nos (bem delimitados) limites destas reflexões, como uma maneira de fazer democracia dentro do Direito e a partir do Direito. Como “tipo ideal”, o garantismo reforça a responsabilidade ética do operador do Direito. É evidente que o garantismo não se constitui em uma panacéia para a cura dos “males” decorrentes de um Estado Social que não houve no Brasil, cujos reflexos arrasados deve(ria)m indignar os lidadores do Direito. O que ocorre é que, em face da aguda crise do positivismo jurídico-normativista, não se pode desprezar um contributo para a operacionalidade do Direito do porte do garantismo, que prega, entre outras coisas, que a Constituição (em sua totalidade) deve ser o paradigma hermenêutico de definição do que seja um texto normativo válido ou inválido, propiciando toda uma filtragem dos dispositivos infraconstitucionais que, embora vigentes, perdem sua validade em face da Lei Maior. Dito de outro modo, o garantismo não significa um retorno a um “Estado bom” que já houve. Nos países avançados da Europa, beneficiários do welfare state, isso até seria possível. No Brasil, ao contrário, onde o Estado Social foi um simulacro, o garantismo pode servir de importante mecanismo na construção das condições de possibilidades para o resgate das promessas da modernidade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 5ª edição, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2004, p. 251-252.

252 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A bricolagem de significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 293.

253 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal. p. 293.

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O garantismo prega que o direito fundamental é um direito da

pessoa, enquanto ser humano, independente de sua cidadania254, rompendo com

a ideologia tradicional que só o cidadão tem direitos. Isto traz reflexos fantásticos,

pois, por si só, legitima o ser humano, como titular de direitos contra o Estado.

Outra acepção importante do garantismo é a relevância dada

ao juiz como responsável pela efetividade dos direitos fundamentais. Nas palavras

do autor:

“... los derechos fundamentales son de cada uno y de todos, su

garantía exige um juez imparcial e independiente, sustraído a

cualquier vínculo con los poderes de mayoría y en condiciones de

censurar, en su caso, como inválidos o como ilícitos, los actpos a

través de los cuales aquéllos se ejercen. (...) Su fundamento es

únicamente la intangibilidad de los derechos fundamentales. Y, sin

embargo, es una legitimación democratica de los jueces, derivada

de su función de garantía de los derechos fundamentales, ...”255

Esta imparcialidade só é possível se o acesso à magistratura

for sempre pelo modo mais transparente. Porém, isto não ocorre com todos os

tribunais, sendo que a escolha dos Ministros para o tribunal mais importante do

país (STF), ainda é por indicação.

Mesmo assim, a interferência positiva do Judiciário

(Judicialização da política), quando feita com parcimônia e nos limites da

necessidade, tem se mostrado necessária, pois, temos que reconhecer que

mesmo após 20 anos de Constituição, ainda não se efetivaram todos os direitos

fundamentais.

Concordamos com o ex-Presidente do Superior Tribunal de

Justiça, Ministro Edson Vidigal, quando este disse:

254 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias, p. 55. 255 FERRAJOLI. Luigi. Derechos y Garantias, p. 27.

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“(...) a Constituição de 1988, foi o desaguadouro das frustrações

do imaginário brasileiro e das aspirações reprimidas durante o

período autoritário. Passados apenas 17 anos da promulgação da

nova Carta, a democracia brasileira ainda vive a juventude, o que

explica os excessos, as peraltices que têm ocorrido na parte de

setores do Ministério Público e até da magistratura.”256

A mais marcante faceta do garantismo foi exigir da norma

jurídica para sua validade, a compatibilidade substancial, rompendo com a

ideologia que dominou por décadas – e que ainda teima em existir em ressuscitar

em alguns gabinetes neste país - da validade formal. Sobre este tema deixaremos

de tratar, pois, foi bastante discutido acima.

Tentando sintetizar todas as qualidades do garantismo, José

Serrano comprime na seguinte afirmação:

“El garantismo em su acepción de teoria del derecho se nos

convierte así em una nueva teoria de la unidad, de la coherencia y

de la plenitud; que impugna a la teoría general del derecho

concebida como todo compuesto de partes: la teoría de la norma,

de un lado, y la teoría del ordenamiento jurídico, de otro; y que

abre la teoría de sistemas jurídicos concebida como una teoría de

la diferenciación sistémica y como una teoría de la complejidad

jurídica. El garantismo, en suma, impugna el todo/parte y abre el

sistema/entorno. El garantismo sirve además para reprogramar

sistemas jurídicos en la orientación de los derechos fundamentales

y para ejecutar sistemas programados con otra orientación,

mejorando su eficiencia garantizadora”.257

Sendo assim, reconhecemos também, que o garantismo não

é a cura para os males que assolam a efetivação dos direitos em nosso país, mas,

é uma teoria que devidamente adequada ao sistema jurídica nacional, trouxe e

trará mais avanços para a concretização da Constituição.

256 Tema: “Espasmos Facistas” – Min. Edson Vidigal, Presidente do STJ, afirmações feitas por ocasião da inauguração da nova sede da Procuradoria Geral da República, São Paulo, Sexta-feira, 02, fonte: O ESTADO DO PARANÁ, 04/12/04, pág. 06.

257 SERRANO, José Luis. Validez y Vigencia, p. 108.

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4.3 O IMPÉRIO DA CONSTITUIÇÃO E A SUPERAÇÃO DA TEORIA DAS

NORMAS PROGRAMÁTICAS

Reconhecendo que a Constituição ganhou uma nova

roupagem através do movimento do neoconstitucionalismo, e que o garantismo

tem trazido suas benesses práticas para o Brasil do século XXI, só nos resta

manter o que está bom, e buscar efetivar os direitos faltantes de concretização.

A valorização da Constituição como topói hermenêutico foi

bem caracterizada por Lênio Streck258, quando enfatiza:

“Sendo o texto constitucional, em seu todo, dirigente e vinculativo,

é imprescindível ter em conta o fato de que todas as normas

(textos) infraconstitucionais, para terem validade, devem passar,

necessariamente, pelo processo de contaminação constitucional

(banho de imersão, se se quiser usar expressão cunhada por

Liebman, ou filtragem constitucional, no dizer de Cléve). O juiz (e o

operador jurídico lato sensu) somente está sujeito à lei enquanto

válida, quer dizer, coerente com o conteúdo material da

Constituição. Não se deve olvidar, com Ferrajoli, que é

relativamente fácil delinear um modelo garantista em abstrato e

traduzir seus princípios em normas constitucionais dotadas de

claridade e capazes de deslegitimar, com relativa certeza, as

normas inferiores que se apartem dele. Mais difícil, acrescenta, é

modelar as técnicas legislativas e judiciais adequadas para

258 “Conseqüentemente, a Constituição passa a ser, em toda a sua substancialidade, o topos hermenêutico que conformará a interpretação do restante do sistema jurídico. Alerte-se, entretanto, que a Constituição não pode ser entendida como um ente disperso “no mundo”. Tampouco pode ser entendida como uma espécie de topos conformador/subsuntivo da atividade interpretativa, o que igualmente seria resvalar em direção à metafísica, ocultando a diferença ontológica. (...) A Constituição é, assim, a materialização da ordem jurídica do contrato social, apontando para a realização da ordem política e social de uma comunidade, colocando à disposição os mecanismos para a concretização do conjunto de objetivos traçados no seu texto normativo deontológico. Por isto, as Constituições Sociais devem ser interpretadas diferentemente das Constituições Liberais. O plus normativo representado pelo Estado Democrático de Direito resulta como um marco definidor de um constitucionalismo que soma a regulação social com o resgate das promessas da modernidade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 245-246.

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assegurar efetividades aos princípios constitucionais e os Direitos

Fundamentais consagrados por eles. Isto porque, como bem

ilustra o mestre italiano, em uma perspectiva “garantista” do

Direito, “todos os direitos fundamentais – e não só os direitos

sociais e os deveres positivos por eles impostos ao Estado, mas

também os direitos de liberdade e as correspondentes proibições

negativas que limitam a intervenção daquele – equivalem a

vínculos de substância e não de forma, que condicionam a

validade substancial das normas produzidas e exprimem, ao

mesmo tempo, os fins para que está orientado esse moderno

artifício que é o Estado Constitucional de Direito. A partir desta

ótica garantista, explica Ferrajoli, o juiz está sujeito somente à lei

enquanto válida, isto é, coerente com a Constituição: “A

interpretação judicial da lei é sempre um juízo sobre a própria lei,

relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de

escolher somente os significados válidos, ou seja, (os significados

que são) compatíveis com as normas substanciais e com os

direitos fundamentais por ela estabelecidos”. Fazer isto, segundo o

mestre italiano, é fazer uma interpretação da lei conforme à

Constituição, e quando a contradição é insanável, é dever do juiz

(ou do Tribunal) declará-la inconstitucional. Portanto, conclui, já

não é uma sujeição à lei de tipo acrítico e incondicional, mas sim

sujeição, antes de mais nada, à Constituição, que impõe aos

tribunais e aos juízes a crítica das leis inválidas por meio da sua

reinterpretação em sentido constitucional (interpretação conforme)

ou a sua denúncia por inconstitucionalidade (invalidade total)”.259

Neste novo contexto260, não cabe mais querer validar o

discurso da lei, como dizem as más línguas “ta na lei”, pois, esta lei, antes de tudo,

tem que ser reconhecida como válida pela Constituição. É normal nos dias de hoje

ainda – infelizmente – a jurisprudência apontar a validade de um ato, pelo simples 259 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 250-251. 260 Neste mesmo sentido, vale a pena ler: RAMIDOFF, Mário Luiz. A Constituição ainda constitui? In: Ciência e Opinião. v. 1, n. 1 (jan./jun. 2003). Curitiba : UnicenP, 2003, p. 115-126.

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fato de ter previsão num código (seja ele civil, penal, etc.). Exemplo disto foi à

famigerada aplicação por muito tempo da lei dos crimes hediondos, no que se

referia a proibição de concessão de liberdade provisória e da progressão de

regime, que só restou vencida, quando se criou outra lei, concedendo tal direito.

Que nunca caia no esquecimento do povo, os sangues que

foram derramados para assegurarem os direitos fundamentais nos textos das

Constituições. Nos dizeres de Lênio Streck:

“A Constituição é um espaço garantidor das relações democráticas

entre o Estado e a Sociedade (...). Constituição significa constituir

alguma coisa; é fazer um pacto, um contrato, no qual toda a

sociedade é co-produtora (...) Isto porque a Constituição – em

especial a que estabelece o Estado Democrático de Direito,

oriundo de um processo constituinte originário (...) vem a ser a

explicação desse pacto social”.261

Se a Constituição tem o seu valor, por sua vez, todas as

normas da Constituição, também devem ser valorizadas, até mesmo as normas

programáticas. Nos dizeres de Bonavides:

“... atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco

importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições

desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos

sociais. O cumprimento dos cânones constitucionais pela ordem

jurídica terá dado um largo passo à frente. Já não será fácil com

respeito à Constituição tergiversar-lhe aplicabilidade e eficácia das

normas como os juristas abraçados à tese antinormativista, os

quais, alegando programaticidade de conteúdo, costumam evadir-

se ao cumprimento ou observância de regras e princípios

constitucionais”.262

Aproveitando o tema, importante também concordar com

Lenio Streck:

261 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 244-245. 262 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 211.

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“... a violação de um princípio passa a ser mais grave que a

transgressão de uma regra jurídica (no dizer de Bandeira de

Mello), representado a violação de um princípio constitucional na

ruptura da própria Constituição, tendo essa inconstitucionalidade

conseqüências muito mais graves do que a violação de um

simples dispositivo, mesmo constitucional (na acepção de Souto

Maior Borges), tudo porque – e não deveria haver qualquer

novidade nisto – todos os dispositivos constitucionais são

vinculativos e têm eficácia, podendo-se afirmar, com Canotilho,

que hoje não há normas (textos jurídicos) programáticas. As assim

denominadas “normas programáticas” não são o que lhes

assinalava a doutrina tradicional: “simples programas”, “exortações

morais”, “declarações”, “sentenças políticas”, etc., juridicamente

desprovidas de qualquer vinculariedade; às normas programáticas

é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico

ao dos restantes preceitos da Constituição”.263

O movimento constitucionalista além de buscar num primeiro

plano os direitos a liberdade, acabou por fundar as bases para as novas cartas de

direitos, num plano em que estas novas cartas, somam-se sempre aos direitos

anteriormente conquistados, com os novos direitos que vão surgindo. Hoje já se

fala em direitos de quarta geração, incluindo-se o meio ambiente, ciência e

tecnologia. A quantidade de emendas que são criadas para atualizar a

Constituição, às vezes, prejudicam o bom funcionamento dela, mas antes ampliar

os direitos do que reduzi-los264, até mesmo porque há direitos que não podem ser

extirpados da Constituição (art. 60, § 4º da CF).

Sobre a percepção de Constituição, enfatiza Lenio Streck:

“..., percebemos a Constituição “como” Constituição quando a

confrontamos com a sociedade para a qual é dirigida; percebemos

263 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 247. 264 “..., a Constituição não tem somente a tarefa de apontar par ao futuro. Tem, igualmente, a relevante função de proteger os direitos já conquistados. Desse modo, mediante a utilização da principiologia constitucional (explícita ou implícita), é possível combater alterações feitas por maiorias políticas eventuais, que, legislando na contramão da programaticidade constitucional, retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 254.

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a Constituição “como” Constituição quando examinamos os

dispositivos que determinam o resgate das promessas da

modernidade e quando, através de nossa consciência histórica,

nos damos conta da falta (ausência) de justiça social; percebemos

a Constituição “como” Constituição quando constatamos, por

exemplo, que os direitos sociais somente foram integrados ao

texto da Constituição exatamente porque a imensa maioria da

população não os têm; a Constituição, é, também, desse modo, a

própria ineficácia da expressiva maioria de seus dispositivos;

percebemos, também, que a Constituição não é somente um

documento que estabelece direitos individuais, sociais e coletivos,

mas, mais do que isto, ao estabelecê-los, a Constituição coloca a

lume a sua ausência, desnudando as mazelas da sociedade;

enfim, não é a Constituição uma mera Lei Fundamental que “toma”

lugar no mundo jurídico, estabelecendo um “novo dever-ser”, até

porque antes dela havia uma outra “Constituição” e antes desta

outras quatro na era republicana ..., mas, sim, é da Constituição

nascida do processo constituinte, como algo que constitui, que

deve exsurgir uma nova sociedade”.265

Parafraseando Ronald Dworkin, é levar a Constituição a

sério, pois, só com o desejo de constituir algo melhor266, é que poderemos ter os

nossos direitos efetivamente garantidos. E para isto, temos que crer num Poder

Judiciário da mesma forma sério e imparcial, pois, neste poder (Juiz Hércules)

depositamos todas as nossas esperanças, e se ele falhar, nos preparemos para a

volta da tirania e da ditadura.

265 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 306. 266 “A Constituição é, finalmente, o resultado de sua interpretação, uma vez que uma coisa só é (algo, uma coisa) na medida em que é interpretada (porque compreendida “como” algo)”. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, 2004, p. 306.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise e detida discussão dos temas aqui abordados,

podemos concluir que a teoria de ‘Aplicabilidade das Normas Constitucionais’ de

José Afonso da Silva, já não serve mais da forma como ainda é apresentada.

Pois, os tempos mudam e com eles mudam os valores de um povo.

Os direitos sociais não estão na Constituição como enfeites

de uma arvore de natal. Estão sim para serem aplicados, independente da

vontade do Estado, pois, se estão na Constituição é porque o povo lutou para tê-

los e agora quer vê-los aplicados.

Sabemos que o Estado tem limites, inclusive econômicos,

mas, isto não quer dizer que os direitos sociais sejam programas a serem

efetivados num futuro muito distante. A saúde, a moradia, a educação, são direitos

que necessitam ser imediatamente aplicados pelo Estado, custe o que custar.

Concordamos com Crisafuli que os direitos – sociais - estão

no texto da Constituição e não nas normas infraconstitucionais ulteriores, ou seja,

os direitos estão pré-dispostos, as normas vêm apenas para regulamentar a sua

aplicação, mas o direito já existe pelo simples fato de estar vigente a Constituição.

A Constituição é um processo nos dizeres de Guerra Filho,

onde primeiro passo da caminhada é o texto, e os demais passos, cabem ao povo

reivindicar do Estado.

Um dos grandes culpados pela inaplicabilidade dos direitos é

o Poder Judiciário, que com o seu conservadorismo acaba por cercear a

efetivação dos valores e princípios que o povo tanto lutou para conquistar.

O Poder Judiciário não sabe ainda o seu verdadeiro papel,

de garantidor dos direitos fundamentais. O princípio da inércia do Poder Judiciário

vai até o momento em que é provocado, a partir daí, o seu mister é combater a

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inércia do Poder Executivo e do Legislativo, quando estes não cumprem os

ditames da Carta Magna. Não há interferência de Poderes, há sim, aplicação da

Constituição.

Se hoje somos livres é porque pessoas lutaram e morreram

para assegurar esta liberdade. Agora em pleno século XXI, não precisamos mais

empunhar armas, pois, o instrumento de luta do povo é o direito. Cabe ao povo

reivindicar, e aos poderes públicos cumprir o que a Constituição determina. Assim,

ninguém precisará pedir ao Judiciário que interfira na política.

Mas se os poderes Legislativo e Executivo não fizerem sua

parte, caberá ao Poder Judiciário, fazer cumprir integralmente os valores e

princípios da Constituição da República, superando o discurso ultrapassado da

teoria da aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva em

face do Neoconstitucionalismo.

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