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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO
SHIRLLEY DEISY DE FREITAS DA SILVEIRA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR NAS LINGUAGENS DA ARTE NA EDUCAÇÃO DE
CRIANÇAS BRASILEIRAS
Tubarão
2014
SHIRLLEY DEISY DE FREITAS DA SILVEIRA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR NAS LINGUAGENS DA ARTE NA EDUCAÇÃO DE
CRIANÇAS BRASILEIRAS
Dissertação apresentada à Banca de Defesa do
Curso de Mestrado em Educação da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em Educação, na linha de pesquisa Educação,
Relações Culturais e Históricas na Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Vera Lúcia Chacon
Valença
Tubarão
2014
10
Silveira, Shirlley Deisy de Freitas da, 1966-
S59 Formação do professor nas linguagens da arte na educação
de crianças brasileiras / Shirlley Deisy de Freitas da Silveira;
-- 2014.
127 f.; il. color. ; 30 cm
Orientadora : Vera Lúcia Chacon Valença.
Dissertação (mestrado)–Universidade do Sul de Santa
Catarina, Tubarão, 2014. Inclui bibliografias.
1. Professores – Formação. 2. Educação de crianças.
3. Arte – estudo e ensino. I. Valença, Vera Lúcia Chacon.
II. Universidade do Sul de Santa Catarina - Mestrado em
Ciências da Educação. III. Título.
CDD (21. ed.) 371.12
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Dedico este trabalho, primeiramente, a DEUS,
ao qual devo a alegria da minha vida. A minha
filha Ritielen, seguidora desta linda profissão
de “ser professor”. A minha filha Renata, por
estar junto comigo nesta caminhada. Ao meu
filho Rafael, pelas vezes que o incomodei com
falta de habilidade com o computador e seu
valor humano em prestar-me ajuda. Ao meu
pequeno filho Djefi, meu presente divino que
encanta meus momentos. A minha querida
mãe Maria e ao meu esposo Romildo, que
souberam praticar a paciência em situações
que, por vezes, nem entendiam a minha falta.
Ao meu genro Diego, por agregar carinho a
nossa família. E, com toda a minha admiração,
à querida orientadora Vera Lúcia Chacon
Valença, pelo respeito, pelos seus
conhecimentos socializados, pela pessoa
humana na profissional que existe na mesma.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha querida amiga e orientadora Professora Dra. Vera Lúcia
Chacon Valença, pela compreensão e por acreditar em mim, apoiando-me nos momentos em
que mais precisei, durante esta caminhada e por compartilhar comigo seus conhecimentos,
sendo mediadora no processo desta minha pesquisa.
A minha irmã Simone, por ser sempre minha companheira e por não cansar de
lutar na vida e dividir comigo os assuntos da educação.
Às minhas amigas e meus colegas de trabalho do CESJT, pela compreensão na
minha falta à escola, pelas vezes que tive que trocar o atendimento a eles enquanto horas
passava em cima de meus estudos nesta pesquisa.
A todo colegiado do Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL), pela competência profissional, responsabilidade com a formação
profissional e pelo acolhimento a mim prestado nos momentos difíceis de saúde em que
passei e precisei.
À minha amiga Zélia, com a qual dividi momentos durante o Mestrado, nos
intervalos, em que dialogávamos sobre diversos assuntos.
Ao meu querido Tio João, pelas conversas de “professor para professor” e por
sempre se preocupar em apontar para que eu cuidasse de mim, para que eu vivesse mais o
meu lado pessoal pelo fato de me entregar muito ao profissional.
Aos artistas que me ajudaram a pesquisar sobre suas obras e suas histórias,
oportunizando-me refletir, apropriar de conhecimentos, transformando-os em sabedoria de
mundo (sociedade e cultura).
Às minhas eternas amigas Alba Rosa, Ieda Monteiro e Lucimara Mafrei, por
acreditar na força de vontade em defender as linguagens da arte na educação e por ter me
dado a oportunidade de socializar meus conhecimentos com os docentes do curso de Pós-
Graduação durante quase 12 anos.
À minha amiga Nelita, diante do seu ser tão solidário com a minha pessoa, dando-
me força no término desta investigação.
A todas as crianças brasileiras, minhas musas motivadoras da minha preocupação,
em especial aos meus alunos e ex-alunos, por serem solidários e por me darem a oportunidade
de compreender o processo de desenvolvimento da expressividade infantil e o encantamento
no trabalho com as linguagens da arte.
RESUMO
A presente dissertação teve por objetivo problematizar, compreender e analisar a formação do
professor com relação às linguagens da arte na educação de crianças brasileiras. Embora os
teóricos e pesquisadores tenham voltado seus estudos, com maiores atenções ao fazer
pedagógico na infância, a ausência ou uso inadequado das linguagens da arte na infância tem
sido uma preocupação da autora deste projeto. Percebeu-se, no cotidiano escolar, limite
quanto à participação das crianças na cultura e história da arte, o que poderá interferir,
negativamente, na produção cultural. Partiu-se da suposição de que a maioria dos professores
possui dificuldade para incluir no seu fazer pedagógico as linguagens da arte. Nesse sentido,
pergunta-se: os professores estão com propriedades de conhecimento em sua formação para
oportunizar e mediar uma educação coerente à infância de crianças brasileiras, no que diz
respeito às várias linguagens das artes? Desenvolveu-se uma pesquisa quanti-qualitativa,
realizada em duas etapas: na primeira foram aplicados questionários visando a traçar um perfil
dos professores com relação à sua prática quanto às linguagens da arte. Fizeram parte dessa
etapa 78 professores. A segunda etapa constituiu-se de vivências realizadas sobre a temática
com um grupo de 68 professores. Os resultados confirmaram as suposições: os professores
não possuem formação específica nas linguagens da arte e, entre eles, ainda predomina a
pedagogia tradicional, escola novista (com atividades de livre expressão, como o desenho
livre) e tecnicista (uso de atividades mecânicas, meramente manuais, sem reflexão crítica). Os
questionários apontaram dificuldades conceituais e as vivências possibilitaram aprendizagens
e mudanças no comportamento (encantados pelo conteúdo estético), apontando para a
necessidade de uma formação continuada para os professores na qual, além de ampliarem seu
conhecimento, há possibilidade de assumir uma postura crítico-reflexiva de suas práticas.
Palavras-chave: Educação Infantil. Linguagens da Arte. Vivências.
ABSTRACT
This dissertation is to set out the problems, understand and analyse the teacher training in
relation to the languages of art in education of Brazilian children. Although theoreticians and
researchers have returned to their studies with greater attention of doing pedagogy in
childhood, the absence or unsuitable use of languages of art in childhood have been a concern
of the author of this project. In everyday school life, a limit has been seen of the participation
of children in culture and the history of art, which may interfere negatively in cultural
production. We started from the assumption that most teachers have difficulty in including the
languages of art in their pedagogy. In this sense, we ask: do teachers have the knowledge
through their training to provide and mediate a coherent education to Brazilian children in
relation to the various languages of the arts? A quantitative-qualitative study was prepared
and carried out in two stages: firstly questionnaires were applied aiming to trace a profile of
teachers in relation to their practice of the languages of art. In this first stage, 78 teachers took
part. The second stage consisted of workshops held on this topic with a group of 68 teachers.
The results confirm the assumptions: teachers have no specific training in the languages of art,
and amongst these, traditional pedagogy predominates, “new school” (with free expression
activities such as free drawing) and technical (use of merely manual mechanical activities,
with no critical reflection). The questionnaires indicated conceptual difficulties and the
workshops enabled learning and changes of behaviour (delighted with the aesthetic content),
pointing towards a need for continuous training for teachers in which, besides expanding their
knowledge, there is the possibility of taking a posture of critical reflection of their practices.
Keywords: Childhood Education. Languages of Art. Workshops.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Número de sujeitos, considerando aqui os professores participantes da pesquisa e
nível de formação ..................................................................................................................... 43
Quadro 2 - Rede de ensino em que leciona .............................................................................. 43
Quadro 3 - Tempo (anos) de exercício da profissão (na educação de crianças) ...................... 44
Quadro 4 - Nível de aproximação do professor com arte ......................................................... 45
Quadro 5 - Nível de conhecimento que os participantes (professores) possuem sobre a arte na
educação ................................................................................................................................... 47
Quadro 6 - A possibilidade de participar de cursos de formação continuada sobre os
conhecimentos das linguagens da arte ...................................................................................... 47
Quadro 7 - Descrição da faixa etária dos alunos e dos professores .......................................... 48
Quadro 8 - O conceito de arte predominante ............................................................................ 49
Quadro 9 - Conteúdos específicos da arte obtidos pelo professor na sua formação ................ 52
Quadro 10 - “A arte é cultura”! “Arte é conhecimento” “Arte é lazer!” Diante dessas
afirmativas, como você se situa, em termos de apreciação, reflexão e criação em arte ........... 55
Quadro 11 - O que impede o professor de ter acesso aos conteúdos da arte ou espaços onde
encontra as obras de arte? ......................................................................................................... 56
Quadro 12 - Quais os conteúdos de arte são identificados no seu trabalho? ............................ 57
Quadro 13 - Grau de dificuldade para responder a este questionário ....................................... 60
Figura 1 - Vivência com a linguagem musical: som do corpo ................................................. 71
Figura 2 - Vivência com professores parte integrante desta pesquisa. Linguagem dramática,
com trecho musical ................................................................................................................... 78
Figura 3 - Teatro musical.......................................................................................................... 78
Figura 4 - Vivências com o primeiro grupo de professores do sul do Estado de Santa Catarina
.................................................................................................................................................. 79
Figura 5 - Linguagem dramática e musical .............................................................................. 79
Figura 6 - Releitura da linguagem cênica, na linguagem visual (recorte colagem) ................. 83
Figura 7 - Articulando teoria e prática a partir de análise frente às obras realizadas com
crianças ..................................................................................................................................... 84
Figura 8 - Reflexão da apresentação da proposta triangular para o ensino da arte .................. 86
Figura 9 - Abaporu ................................................................................................................... 94
Figura 10 - Personagens invertidos .......................................................................................... 95
Figura 11 - Guernica ................................................................................................................. 96
Figura 12 – Pomba da Paz ........................................................................................................ 97
Figura 13 – Pomba da Paz... ................................................................................................... 101
Figura 14 – Guernica .............................................................................................................. 102
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
2 IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO PARA O ENSINO DAS LINGUAGENS DA
ARTE CONSIDERANDO AS CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY .............................. 21
3 AS LINGUAGENS DA ARTE... ........................................................................................ 28
3.1 AS LINGUAGENS DA ARTE: UMA PEQUENA REFLEXÃO ..................................... 33
3.2 AS LINGUAGENS DA ARTE E OS LIMITES DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
COM BASE NOS QUESTIONÁRIOS .................................................................................... 41
3.3 AS VIVÊNCIAS COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA ........... 61
3.3.1 Organização do trabalho com linguagem .................................................................... 66
3.3.2 Estética na linguagem cênica e corporal...................................................................... 75
3.3.3 Obras de arte: linguagem plástica ............................................................................... 82
3.3.4 Estudo: corpos, a dança não é só lazer, é arte ............................................................. 87
4 ARTE... CONHECIMENTO, LINGUAGEM E ESTÉTICA ........................................ 91
5 CONSIDERAÇOES FINAIS ............................................................................................ 104
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 109
APÈNDICES ......................................................................................................................... 113
APÊNDICE A - Questionário .............................................................................................. 114
APÊNDICE B - Projeto: Vivência Arte com Professores ................................................. 118
APÊNDICE C – Diário de campo ....................................................................................... 123
APÊNDICE D – Atividade produzida na vivência: linguagem poética ........................... 125
10
1 INTRODUÇÃO
Quando criança (trago vivo na memória), o meu primeiro contato com as
linguagens foi o desenho. Os pedaços de papel encontrados na marcenaria do meu pai,
Haroldo Freitas, contendo rascunhos de projetos de móveis em que meu pai, sem formação
em arte - arquitetura, já deixava aparente a tridimensionalidade do objeto, me chamavam
atenção; sem ao menos entender, tentava reproduzir seus desenhos, reconstruindo, com
detalhes, objetos decorativos que copiava de seu rascunho. Com um banco de marceneiro, lixa
de uso manual, formões, ainda com serrote e martelo, meu pai era capaz de construir, com
beleza e exatidão de medidas, móveis que, aos meus olhos de criança, pareciam gigantescos.
Entendo hoje que ali eu estava tendo contato com a proporção, volume, perspectiva, dimensão
e estética do objeto produzido pelo meu pai; além disso, tenho clareza de que ia sendo
instigado o meu interesse por essas linguagens. Eu percebia o mundo em minha volta com
ricas proporções e percepções dos detalhes.
Sabemos que o desenho é uma linguagem específica de comunicação da criança,
porém o meu contato passava a ser mais aguçador. Da parte de minha mãe, eu costumava
observar os desenhos de roupas que ela fazia para suas clientes conforme elas descreviam os
detalhes. Eram desenhos simples, com traços ingênuos, porém eu os considerava lindos e
gostava de fazer o mesmo; ela me inspirava a imitá-la. Aos olhos de uma criança, tudo parecia
encantador: o uso das formas e cores, o repertório de uma linguagem que no mundo adulto
tende a esmorecer.
Durante toda minha vida escolar não foi possível obter informações acerca do
conhecimento específico no campo da arte, pois o que era visto na escola, na época da minha
infância, era desenho de sopro no canudinho (com anilina), recorte e colagem livres e desenho
livre. Recordo-me, ainda, que fui ter, pela primeira vez, contato com grandes painéis de
pintura na casa de minha madrinha (Graça); achava bonita a maneira como ela materializava
as cores, misturando-as e fazendo sua arte com um pincel tomado pelas próprias mãos. São
lembranças de fatos que, com certeza, fizeram a diferença na minha vida com relação à minha
apreciação, reflexão e fruição. Com o tempo, meus traços foram delineando outros desejos,
como um olhar sobre o mar e a natureza. Lembro-me que fiquei anos de minha infância
desenhando pássaros, talvez pelo significado de voar, liberdade, mas, em seguida, comecei a
destacar em meus traços os desenhos surrealistas. Hoje é possível compreender os meus
desenhos nesse estilo, movimento da arte.
Hoje sei que era um estilo de desenho, conheço sua concepção e artistas que se
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destacaram nesse gênero de pintura, um dos maiores foi Salvador Dali. Só na vida adulta fui
compreender esta escola artística e literária que nasceu no interior dos movimentos de
vanguarda modernistas, englobando antigos adeptos do Dadaísmo – linguagem cultural
nascida em Zurique, em 1916, que primava pela irracionalidade, pela censura a toda atitude
moderada e era marcada por uma descrença total e um negativismo radical. Diria que o
surrealismo procura expressar a ausência de racionalidade humana e as manifestações do
subconsciente. (SURREALISMO, 2011).
A falta desses conhecimentos, elaborados a partir da História da Arte
(contextualização) na escola, com certeza, naquela época, impediu-me uma maior inserção na
cultura e a compreensão dos conhecimentos específicos da arte. Daí para frente, a necessidade
da arte se fez presente em toda minha formação. Aprender arte sempre foi como uma luz que
me permitia ver um mundo novo com outros olhos ultrapassava a referência real do objeto.
Guardo, nas minhas lembranças do primário, duas professoras inesquecíveis, que faziam de
suas aulas um encantamento, com uso das linguagens da arte; como também professores do
antigo ginásio, que marcaram toda minha trajetória escolar e com sua prática voltada para a
linguagem musical e lúdica, posteriormente, minha formação acadêmica. Nos cursos de
formação de professores aprendemos a teoria, que conta com grau de importância superior à
prática, já que é ela que deve determinar os rumos que esta segunda deve obedecer,
configurando-se no momento da ação pedagógica.
Esse modelo dicotomizado entre teoria e prática traz grande dificuldade para o
professor: ele não consegue compreender a dinâmica da realidade escolar que a ele se
apresenta bastante diferenciada dos modelos prescritivos (teóricos) que visavam a fornecer-
lhe uma receita para a solução dos possíveis problemas a serem encontrados. Foi quando
necessitei investir na minha formação profissional, nos cursos de formação continuada, na
busca interminável com as pesquisas autônomas, para a compreensão daquilo que me
incomodava no contexto escola/aluno/aprendizagem/conhecimento. As linguagens da arte
passaram a ser um ideal para minha formação, então busquei, na pesquisa, conhecer a história
da arte, compreender suas manifestações na cultura da humanidade.
Percebi a necessidade de as linguagens da arte serem administradas pelo professor
dotado de conhecimentos sobre as mesmas, dentro de um contexto amplo, histórico e cultural,
que, a meu ver, faria toda uma diferença na vida de seus alunos. E foi nos livros de história da
arte que fui, gradativamente, mergulhando neste universo de informações artístico-culturais.
Através da minha busca pela criticidade dos conteúdos ensinados na escola, especificamente
no tocante ao conteúdo de arte ensinado na escola, verifiquei que a atividade docente tem
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caráter meramente técnico. Por desconsiderar a definição de objetivos e as escolhas que se
estabelecem em relação aos procedimentos de ensino e aprendizagem, tais abordagens causam
consequência desastrosa no processo ensino aprendizagem.
Foi trabalhando no curso de pós-graduação que veio à tona minha preocupação
com o ensino de crianças, com a mediação do professor no dia a dia em sala de aula.
Considerando os relatos angustiantes dos professores por não conhecerem a arte presente na
infância, por não saber trabalhar, passei a me interessar cada vez mais pelo tema. Eles
destacavam situações em que, na grande maioria das vezes, reproduziam, na sua prática
pedagógica, as suas histórias pessoais e escolares com relação ao encontro com a arte e suas
linguagens. Mencionavam as experiências com a “livre expressão”, “modelos para
reproduzirem” ou ainda com desenhos estereotipados, reproduzidos por copiadoras Xerox na
escola, que lhes eram fornecidos para que treinassem a coordenação motora e aprendessem a
pintar no limite do contorno das figuras. Os que atuavam em escolas particulares sentiam-se
ainda mais desconfortáveis porque tinham que dar conta de um material (apostilado), por
exigências da instituição “devido ao valor pago pelos pais”. Mesmo com orientações anexadas
ao material (orientações pedagógicas), por não possuírem qualquer conhecimento nem
vivências sobre a importância e a natureza dos conteúdos das linguagens da arte, cumprir tais
obrigações era algo muito preocupante.
Nas turmas de pós-graduação em que lecionei, havia professores de disciplinas
afins (história, literatura, etc.), os quais comentavam que seus livros didáticos traziam muitas
obras de arte, porém faziam uma leitura superficial, preocupando-se com os conteúdos das
suas disciplinas, relatando que já tinham muito conteúdo para ensinar. Quando se falava em
outras linguagens, como a cênica, diziam (professores das classes infantis e fundamental I)
não saber trabalhar, alegando que as crianças “não decoravam as falas” por serem pequenas.
Aqui se percebe que ignoraram, inclusive, o contexto vivenciado na educação infantil, o "faz
de conta”.
As teorias que sustentaram minha prática pedagógica, baseadas nas concepções
que permeiam o processo ensino e aprendizagem de arte, faziam com que eu me sentisse
incomodada, eu diria desconfortável, pois eu queria muito compreender essas dificuldades
descritas pelos professores. Com 31 anos de profissão, buscando, nos últimos treze, um
contato maior com professores, ministrando aulas no curso de pós-graduação, curso de
formação continuada e oficinas lúdicas e de linguagens da arte, como também atuando na
coordenação de professores do nível infantil ao médio, percebi a necessidade desta pesquisa,
que me possibilitaria compreender a formação do professor.
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Tenho a convicção de que o aprendizado da docência, desde os primeiros anos,
implica num processo marcado pelo enfrentamento de desafios e insegurança, que impulsiona
a busca por fontes de conhecimento e requer a existência de apoios articulados à experiência e
espaços onde as práticas possam ser discutidas e partilhadas, tirando o professor da zona de
conforto. É preciso possibilitar uma aprendizagem significativa aos alunos, o que exige a
ressignificação do processo de aprender do próprio professor e provoca a necessidade de um
processo formativo que oportunize uma trajetória de apropriação de conhecimento e de
reflexão sobre sua prática.
Novas alternativas foram se desencadeando no meu saber e refletir quando eu
preparava minhas aulas, vislumbrando uma perspectiva que toma a prática como referência, a
lógica da racionalidade prática, alternativa para o enfrentamento do real e das complexidades
nele existentes. Foi quando fui possibilitando a construção de uma prática pedagógica
coerente pela superação da relação “de mão única” entre o conhecimento científico e a prática
pedagógica através da pesquisa e reflexão sobre esta, possibilitando ao professor (o meu
aluno) a apropriação de conhecimentos. Nesta pesquisa, trago informação do meu acervo
pessoal, pois, enquanto professora, sempre procurei estabelecer na escola um lugar permeado
pelas linguagens da arte, considerando que, quando somos crianças, procuramos conhecer o
mundo e seu entorno. E a melhor maneira de conhecer ocorre através de um conteúdo crítico e
expressivo, relacionado à história ao artista e ao objeto da arte.
Busco, nesta pesquisa, evidenciar uma articulação dos referenciais teóricos
discutidos no exercício profissional dentro do espaço escolar, tornando possível um duplo
movimento preciso da prática, que permita uma apropriação mais reflexiva dos conteúdos
trabalhados na universidade. Ao mesmo tempo, sei que os conhecimentos teóricos favorecem
uma consciência crítica sobre a própria prática. A consciência crítica sobre a práxis do
professor, por sua vez, favorece a sistematização dos conhecimentos a serem transmitidos.
As linguagens da arte têm sua origem na natureza e manifestação humana, são
produtos da história e da cultura que permeiam todos os espaços sociais e produtos culturais.
Foi pensando nisso que me interroguei: “Em que medida a formação de professores contribui
para oportunizar uma educação coerente à infância de crianças no que diz respeito às várias
linguagens da arte?” Essa questão levou-me a definir o seguinte objetivo geral para minha
investigação: problematizar, compreender e refletir sobre a formação do professor com
relação ao uso das linguagens da arte na educação infantil. Para atingir tal objetivo, faz-se
necessário procurar identificar a formação dos professores, detectar as particularidades de
suas experiências pessoais sobre as linguagens da arte; conhecer suas necessidades e limites
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na formação para desempenhar a função de professor conhecedor da arte; perceber seu
interesse pelo assunto e o conhecimento dele próprio com relação ao desenvolvimento infantil
no que diz respeito à arte. Isso significa realizar um perfil dos professores sobre esses
assuntos. Porém, ciente da relação teoria – prática, compreendi que era preciso viabilizar
vivências nas quais poderiam ser discutidos conteúdos e, ao mesmo tempo, realizadas
reflexões a respeito de situações pessoais e de formação, vinculadas à prática pedagógica.
Assim, busquei obter informações, identificar conteúdos e saberes sobre as
linguagens da arte na formação do professor, como o professor conhece arte, que concepção
fundamenta seu olhar sobre as obras de arte. Os dados coletados foram obtidos primeiramente
por questionários, que foram assim distribuídos: 75 para estudantes do curso de pós-
graduação no ano 2010 e 68 para professores em 2011. Marcada a data para a devolução
desses questionários, foi possível ter em mãos, respondidos, apenas 78 da soma de 143,
aproximadamente 70%. Considerei os questionários um instrumento de pesquisas bem
significativo, visto que, de um lado, há a possibilidade de se ter profissionais graduados e
especialistas com mais tempo de profissão e, de outro, um grupo de professores formados
com pouca experiência em sala de aula, como também aqueles que só possuem o magistério
de segundo grau.
Optei por uma pesquisa quanti-qualitativa. Quantitativa pela ideia de rigor, com
os dados precisos em números de participantes e respostas, análise dos números, mensurando
quantidade (questionários), sendo a prevalência das respostas que o recurso utilizado
represente. Já a pesquisa qualitativa, segundo Minayo e Sanches (1993, p. 77), “[...] trabalha
com universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que
exige distanciamento crítico”. Considerando tais aspectos, a pesquisa qualitativa objetivou
conhecer as concepções dos sujeitos pesquisados acerca da situação-problema da
investigação, levando em conta os aspectos da subjetividade. Nessa perspectiva das pesquisas
qualitativas, cito Ludke e André, que as caracterizam como ocorrendo num “ambiente
natural” como fonte de dados, sendo o pesquisador seu principal instrumento, em que
predominam os dados “descritivos” (1986). Nelas, a atenção volta-se, portanto, muito mais
para o processo do que para o resultado. Pela pesquisa qualitativa podemos conhecer as
crenças e os pontos de vista dos participantes, para depois analisá-los, discuti-los e confrontá-
los. Não há uma preocupação em buscar evidências ou provas para hipóteses definidas.
A opção de ir a campo teve o intuito de buscar a informação diretamente com a
população pesquisada, o que possibilita ao pesquisador um encontro mais direto. “Nesse caso,
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o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, reunindo um conjunto de
informações a serem documentadas”, como afirma Gonçalves (2001, p. 66). Considero uma
pesquisa ação e participante, pois estreita a relação da pesquisadora com o problema aparente,
envolvendo-o de modo cooperativo, propondo metas para a realidade. Conforme Gil (2002, p.
149), na pesquisa ação e pesquisa participante, “[...] o pesquisador tem que necessariamente
propor metas para alterar a realidade observada, não apenas constatar o problema”.
O embasamento teórico adveio de pesquisa bibliográfica, os estudos e a
experiências desenvolvidas por mim como professora universitária e coordenadora há mais de
vinte anos de uma escola de ensino infantil, fundamental e médio, por isso faço algumas
pinceladas autobibliográficas no início desta introdução.
Na primeira etapa da investigação, elaborei e entreguei os questionários; na
segunda fase, convidei os professores que retornaram com os questionários respondidos (78)
para participar das vivências nas linguagens da arte (atividades que envolvem teatro, música,
dança e linguagem plástico-visual) programadas por mim. Os questionários me possibilitaram
ter acesso ao perfil dos professores e também me deram pistas para elaborar os projetos das
vivências, que me permitiriam, além de transmitir conteúdos e esclarecimentos, ampliar o
repertório dos professores sobre a arte, articulando teoria e prática, e viabilizar a expressão
das inseguranças, angústias e desconfortos dos professores com relação à sua prática. A
pesquisa de campo foi iniciada no ano de 2010 (segundo semestre), sendo continuada nos
anos de 2011 e 2012, no Mestrado em Educação, pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL). O foco foi a “formação do professor nas linguagens da arte no ensino de crianças
brasileiras”.
Minha profunda preocupação com a situação do conhecimento sobre as
linguagens da arte, no fazer saber, fazer e refletir nas suas ações pedagógicas junto às crianças
provocou uma intensa busca por teóricos que me ajudassem a problematizar, compreender e
analisar a realidade. Nas vivências utilizei o conhecimento de Ana Mae Barbosa, autora
renomada no país sobre o ensino de artes. Lancei mão da abordagem triangular para o ensino
de artes, defendida por ela. Trata-se de um “marco histórico no ensino de arte no Brasil”, por
enfatizar a decodificação e apreciação da cultura e do ambiente natural, considerando a leitura
crítica, contextualização e produção. Importante salientar que a Abordagem Triangular não é
uma metodologia, como às vezes é chamada; ela se compõe de três eixos de aprendizagem
que delimitam possíveis ações complementares e interconectadas. De acordo com Machado,
“a abordagem triangular é, assim, um ponto de partida, e principalmente uma espécie de
bússola, e não uma bula, o que faz toda diferença”. (2010, p. 73).
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Apoiada em teóricos especializados nos conhecimentos das linguagens da arte e,
humildemente, na minha experiência profissional, debrucei-me neste estudo, buscando
estabelecer conteúdos para compreender significativamente a problemática da minha
investigação. Para obter algumas informações foi preciso identificar conteúdos e saberes
sobre as linguagens da arte que estão envolvidos na formação do professor. Eu precisaria
despojar-me do meu conhecimento já obtido durante minha trajetória profissional, não
poderia sequer permitir concluir previamente, partindo de situações já vistas por mim.
A arte é um importante elemento cultural na vida das pessoas e, desse modo, é
necessário que a escola, sendo uma instituição corresponsável pela formação intelectual e
humana das pessoas, cumpra também essa missão: explore suas várias linguagens em respeito
à cultura infantil. Assim, este trabalho aborda as linguagens da arte na formação do professor
considerando seu conteúdo como componente crítico e coerente na educação de crianças
brasileiras, desde as classes de educação infantil. Há uma grande necessidade de se
incorporar, na educação das crianças de hoje, as linguagens da arte na educação, para que se
expressem e se apropriem da cultura produzida pela humanidade.
Por conseguinte, adotei a seguinte estratégia: só entraria com meus argumentos
durante a análise de dados. Então, trabalhei em mim uma postura neutra, que é a exigência de
uma pesquisa científica. Assim, optei por uma estratégia de registro, criando uma ficha
(instrumento), utilizando alguns códigos para facilitar minhas observações após cada encontro
(vivência), objetivando não afastar-me da zona de mediação do grupo e também para que não
fosse vista fazendo anotações durante as vivências.
Venho observando, como professora da área, uma grande necessidade de rever
alguns conceitos sobre o ensino das linguagens da arte na formação do pedagogo. É este
profissional que passa o maior tempo com a criança em classes infantis. Em função disso,
friso que, na maioria das ações dos professores de classe de educação de crianças, ocorre o
“fazer pelo fazer.” O trabalho em questão é relevante pela debilidade com que se verifica a
valorização das linguagens da arte na educação, pela falta de conhecimento de sua
importância para o desenvolvimento das crianças no que diz respeito ao conhecimento
cultural, histórico, expressivo e estético que essas linguagens lhes proporcionam. A arte, para
a qual se encontram vários conceitos, torna instigante uma pesquisa sobre os seus
significados, sua essência, seu conteúdo, sobre sua função na formação do professor e sua
importância para o conhecimento infantil. A arte está presente na vida das pessoas,
diariamente, nas suas mais variadas formas, seja na dança, na música, na pintura, na literatura,
na arquitetura, no teatro.
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De alguma forma, a arte se faz presente no cotidiano, mesmo que não se perceba,
a arte instiga os sentidos, a imaginação e os desejos, e causa inquietação. A sociedade
contemporânea, com suas características de homogeneização e de transformação constante em
todos os setores das atividades humanas, não leva os indivíduos a refletir sobre os
acontecimentos ou sobre si mesmos. A arte tem a função, dentre tantas outras, de superar os
limites do tempo. É nesse sentido que defendo a presença de conhecimento específico das
linguagens da arte, particularmente na formação do professor (pedagogo), pois é este
profissional que vai mediar o processo ensino aprendizagem e desenvolvimento da criança. A
educação infantil é a fase em que se inicia a construção do saber, do fazer, do inventar, do
apreciar, alicerce para a construção da vida.
Considero que um olhar diferente para o conhecimento das linguagens da arte, na
formação do professor e na educação da criança, poderá contribuir para a superação da
simples transmissão de conhecimentos ou informações (inclusive sobre arte) de forma
mecanizada, oferecida tantas vezes no cotidiano escolar. É necessário transformar o conceito
de arte e seu status na grade curricular, inclusive porque as suas linguagens possibilitam um
fazer e saber passíveis de reflexão, direcionando um olhar consciente, oportunizando uma
educação coerente à infância brasileira.
Entre os teóricos destaco, entre outros, as contribuições de Vygotsky, por tratar a
arte como linguagens diferentes e o processo de mediação(intervenção pedagógica) no ensino
dessas linguagens, Rosa Iavelberg, Ana Mae, Feraz e Fusari. E, no que diz respeito às
linguagens da arte e à formação dos professores, fui guiada pelas pesquisas de Ostetto e outras
como referências de apoio.
Por fim, faço uma observação: esta investigação não pretende, em momento
algum, fazer qualquer julgamento negativo com relação à postura dos professores e às
instituições formadoras desses profissionais na área, mas, sim, problematizar e compreender a
formação do professor, e comprometer-me com a educação de crianças brasileiras, movida
pelo desejo de querer contribuir com a pesquisa na formação inicial e continuada para
professores no desenvolvimento de projetos voltados para a utilização das linguagens da arte
com propriedade de conhecimentos sobre essas linguagens, favorecendo o seu fazer
pedagógico na educação infantil no Brasil.
Este trabalho é composto por três capítulos. O primeiro apresenta esta introdução.
O segundo capítulo busca reconhecer o professor na função de mediador também nas
linguagens da arte, discutindo-se o processo de mediação presente na função do professor nas
zonas de desenvolvimento.
18
O terceiro capítulo aborda a arte e os limites da formação do professor, há uma
grande necessidade do professor apropriar-se do conhecimento científico das linguagens da
arte, ter a condição de saber organizá-lo e articulá-lo, mas inicialmente ele precisa dar-se
conta de que sua prática depende da atitude que ele tem que tomar frente ao conhecimento,
despindo-se de uma postura positivista, superando o fragmento do saber necessário em arte,
em busca de uma objetividade necessária que possibilite uma compreensão global da
realidade cultural e artística. É preciso entender também que os saberes nas linguagens da arte
não se restringem à sala de aula, mas ultrapassam o limite do saber escolar e vão se
fortalecendo à medida que ganham amplitude na vida social e cultural.
Sabemos que as linguagens da arte apresentam-se como um grande desafio para
compreender a realidade concreta por meio de imagens, sons, gestos, etc. e abstrair os
conhecimentos que as obras de arte nos oferecem, sejam elas musicais, cênicas, visuais,
plásticas e corporais. A arte, no que se refere ao seu conhecimento científico,
intencionalmente explica o passado e o hoje histórico e as transformações a que o espaço está
submetido, não apenas sentida, mas entendida nas suas diversas dimensões culturais, classes
sociais. Esses aspectos correlacionados à formação do professor nas linguagens da arte
ganham força nesta pesquisa. Com base nos questionários dos sujeitos envolvidos no processo
da pesquisa, as considerações anotadas e observadas no Diário de campo fornecem todo o
diferencial, pois comunicam e possibilitam uma maior compreensão dos questionários, uma
vez que referenciam a população pesquisada e o contexto de suas ações. Os quadros
demonstrativos possibilitaram-me fazer breves comentários baseados nas respostas e
relacionando-as com a literatura científica de grandes teóricos do assunto.
Neste mesmo capítulo também apresento as vivências, que, além de considerar
seus dados como conteúdo de investigação deste estudo, oportunizaram uma reflexão acerca
dos achados da pesquisa, transformando-se em subsídios para a base de uma proposta de
formação continuada para professores nas linguagens da arte, estudo e saberes expressivos da
arte no processo de formação e atuação profissional (professor) como área de conhecimento e
enriquecimento cultural. A escolha pelas vivências nas linguagens da arte com os
participantes (professores) como proposta de investigação deu-se pela possibilidade de
aproximação da metodologia dialética, pois expressa a totalidade do processo, dá o centro e a
direção na construção e reconstrução do conhecimento. Segundo Demerval Saviani, ao
correlacionar a dialética com o ensino aprendizagem, expressa sua totalidade, visto que “[...] o
movimento que vai da síncrese à síntese, pela mediação da análise constitui uma
orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos como para o
19
processo de transmissão – assimilação de conhecimento.” (SAVIANI, 1999, p. 83).
Considerando a contribuição do autor, em relação à produção dos conhecimentos
em arte, em seu processo dinâmico de mudança permanente, o aprendiz em arte passa por um
processo de abstração, que vai do conhecimento empírico das obras ao conhecimento teórico-
científico. Dessa forma, este método aplicado à educação de crianças e nas vivências com os
professores é o processo pelo qual o conhecimento científico realiza o movimento: síncrese-
análise-síntese, onde síncrese significa o conhecimento concreto-empírico, enquanto análise
expressa a teorização, as abstrações, a reflexão, e síntese é o novo conhecimento elaborado, o
concreto pensado, visto em suas múltiplas determinações, e esta dinâmica se dá pelo
confronto do sujeito (participante da vivência) e o objeto (obra de arte) do conhecimento, num
processo mediado. Em outras palavras, do concreto real empírico, pelas mediações da
abstração, chegamos ao concreto pensado. Nas vivências, tendo como processo a dialética do
conhecimento partindo da prática social, a teoria em na função do conhecimento científico das
linguagens da arte e sua natureza produzida pelo homem e a importância do conhecimento
dessas linguagens na formação do professor (pedagogo). Considerei a contribuição da
Abordagem Triangular como compreensão para o ensino das imagens da arte nas vivências
(obras de arte trabalhadas), preocupada com o verdadeiro significado da arte em nossa vida,
numa postura crítica e reflexiva do conhecimento. Portanto, as vivências com a arte
desenvolvidas com os professores apresentaram resultados significativos, sendo estes
importantes para este estudo investigativo.
Na práxis das vivências, o fornecimento de dados que apontaram a importância da
necessidade do conhecimento das linguagens da arte na formação inicial e continuada do
professor foi igualmente significativo. O entusiasmo, as descobertas e a satisfação foram
descritas nos relatos por professores durante o momento de conversação e no contexto das
atividades desenvolvidas. Os temas desenvolvidos nas vivências com os participantes desta
pesquisa foram: organização do trabalho com linguagem musical, estética da linguagem
cênica, obras de plástica e visual, estudo do corpo, a dança não é lazer, é arte.
Em seguida, nas considerações finais, faço um percurso sobre a necessidade dos
conhecimentos das linguagens da arte na formação do professor, compreendendo que o
objetivo maior do presente estudo é a pretensão de problematizar e compreender a realidade
na formação dos professores, auxiliando-os na sua atuação junto às crianças. Busco também
oferecer a possibilidade de outras investigações presentes na natureza deste assunto.
Finalmente, apresento as referências e os apêndices. As referências são as obras
selecionadas que me auxiliaram no estudo e reflexão, oportunizaram-me compreender e
20
confrontar com os dados achados antes, durante e no término da investigação. No contexto
atual, percebo que há uma necessidade de se incorporar, na educação das crianças de hoje,
sentidos, sonhos, expressão própria e criação, que é justamente o que se constrói com as
linguagens da arte, sejam como artista ou espectador. Os apêndices fazem parte de um
processo histórico e do contexto deste estudo investigativo, possibilitando, com as vivências,
que o professor (participante) mergulhe nessas linguagens, a fim de compreender a
necessidade destas na sua atuação pedagógica dentro de uma visão teórica – prática. No
processo pedagógico de intervenção aponta como base a Abordagem Triangular segundo as
referências de Ana Mae Barbosa, uma proposta para contextualizar, fruir e fazer arte. Os
apêndices são os seguintes: A- Questionário; B - Projeto: Vivência Arte com Professores; C-
Diário de campo; D- Atividade produzida na vivência: linguagem poética.
As fotografias durante o texto documentam a pesquisa. Dá o direito dos
professores conhecerem as linguagens da arte e proporciona-lhes um mergulho para dentro
desse fazer, fluir e contextualizar refletindo. As fotos são documentos valiosos, atestam a
descrição através de imagens e documentam a escrita no caminho percorrido.
21
2 IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO PARA O ENSINO DAS LINGUAGENS DA
ARTE CONSIDERANDO AS CONTRIBUIÇÕES DE VYGOTSKY
“A arte dirá a palavra decisiva e de maior peso. Sem a
nova arte não haverá o novo homem.”
(VYGOTSKY, 1999).
Neste capítulo, considerei as contribuições da abordagem histórico-cultural como
suporte teórico para esta pesquisa, reconhecendo-as como sendo de fundamental importância
para o presente estudo e para a formação do professor. Esse mesmo referencial, que
caracteriza a arte enquanto linguagem, sendo ela verbal ou não verbal, é importante para o
entendimento da necessidade de conceber a arte dentro das várias linguagens na educação de
crianças, considerando que o prazer e o conhecimento estético são cultivados e ampliados por
mediação educativa feita pelo professor e pela cultura. Foi necessário dedicar este capítulo ao
entendimento sobre as contribuições de Vygotsky (1991, 1998, 1999, 2001) para compreender
melhor o processo de mediação do conhecimento, mas para isso é preciso situar a arte
enquanto “linguagem”.
A mediação na aprendizagem do aluno no universo das linguagens da arte
também implica no conhecimento sobre as bases das funções psicológicas elementares e as
funções psicológicas superiores no processo do conhecimento, sendo estas as funções mais
complexas do pensamento. Dependendo da profundidade que o professor alcança naquilo que
ensina, necessita também, desvelar o homem em relação com o mundo, considerando os
signos e instrumentos de mediação cultural.
Vygostky é um dos principais autores da perspectiva histórico-cultural. A questão
fundamental, considerada como central por este autor, é saber como se constitui a
consciência, isto é, como as funções psicológicas elementares, de origem biológica, mesclam-
se com a cultura e produzem as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural,
funções mais complexas, que diferenciam os homens dos animais, direcionando-os à atividade
consciente, ao controle do comportamento, à ação intencional e à capacidade de planejar.
Vygotsky defende três pressupostos básicos, como afirma Oliveira (1993). O primeiro deles é
que “as funções psicológicas têm um suporte biológico, sendo elas produtos da atividade
cerebral”. (OLIVEIRA, 1993, p. 23). Vygotsky entende que o cérebro humano é a base
22
biológica do funcionamento psicológico, dotado de grande plasticidade, e com isso facilita a
adaptação do sujeito às mais diferentes condições culturais.
Outra ideia básica de Vygotsky é que “o funcionamento psicológico fundamenta-
se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior”. (OLIVEIRA, 1993, p. 23).
Sabemos que isso se dá num processo histórico, pois acontece na interação do contexto social
e histórico. Diante dessa questão só é possível compreender os sujeitos levando em conta o
contexto cultural, social e histórico do qual fazem parte. Por final, o terceiro pressuposto de
Vygotsky, na afirmação de Oliveira, é que “a relação homem/mundo é uma relação mediada
por sistemas simbólicos”. (OLIVEIRA, 1993, p. 23). Portanto, a relação do homem com o
mundo não é direta, mas mediada. A ideia central defendida por Vygotsky é o referencial
histórico-cultural, é a influência das condições históricas, culturais e sociais na constituição
do sujeito.
É importante destacar que Vygotsky não recusa a existência do biológico, porém
alega ser predominante nos primeiros anos de vida e, progressivamente, os determinantes
sociais e culturais assumem maior relevância, e o sujeito biológico constitui-se como um
sujeito sócio-histórico, desenvolvendo-se através da interação com o meio social e com outros
sujeitos mais experientes (o outro). Na relação do homem/outro e homem/mundo destaca-se
um dos conceitos fundamentais na teoria de Vygotsky, que é o de mediação, pois, de acordo
com Oliveira (1993), no embasamento teórico de Vygotsky, a relação do homem com o meio
não é direta, mas fundamentalmente mediada. Há um elo intermediário nessa relação entre
sujeito e objeto, tornando-se uma complexidade.
A mediação pode ocorrer pela presença do outro, por meio de signos ou por
instrumentos. Conforme Vygotsky (1999), tanto o signo como o instrumento consistem em
elementos mediadores, mas se diferem quanto ao modo como orientam o comportamento
humano. Podemos dizer que o instrumento é orientado externamente (vem de fora), e
possibilita ao homem manifestar suas ações de controlar, dominar e transformar a natureza e
os objetos. Por outro lado, nesta mesma relação o signo é orientado internamente (para dentro
do sujeito), permitindo a este o controle do comportamento e das ações psicológicas. Enfatiza
o autor que a função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o
objeto da atividade. Ele é orientado externamente e deve, necessariamente, levar a mudanças
nos objetos. O signo, por sua vez, não modifica em nada o objeto da operação psicológica,
visto que é orientado internamente. Os signos são os principais mediadores na relação do
homem com o mundo e auxiliam o homem a se manifestar em diversas atividades, como as
que envolvem memória. O homem utiliza os signos a fim de ampliar a capacidade de
23
memória. No processo de internalização, ocorre uma reconstrução interna das marcas externas
dos objetos da realidade.
Segundo Vygotsky (1999), o desenvolvimento humano consiste na apropriação
das formas culturais, e envolve um processo de internalização. Nesse processo, uma operação
que, de início, representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer
internamente. Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as
funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e,
depois, no nível individual: primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da
criança (intrapsicológica). Assim, no processo de desenvolvimento, a princípio as atividades
ocorrem no plano interpessoal. Pela mediação, vão se internalizando e tornam-se
intrapessoais. Dessa forma, o desenvolvimento se dá do social para o individual.
Vygotsky (1999) também discute sobre a existência de dois níveis de
desenvolvimento: o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O
primeiro diz respeito às atividades que o indivíduo tem possibilidade de fazer sozinho, sem o
auxílio de outra pessoa. Já o nível de desenvolvimento potencial, consiste nos processos
emergentes, que ainda estão em formação; são as ações que o indivíduo só consegue realizar
com a ajuda do outro. Sabemos que entre um nível de desenvolvimento e outro, há uma
distância que Vygotsky denominou de zona de desenvolvimento proximal; esta distância entre
o real e o potencial é determinada através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou com a colaboração de companheiros mais capazes (1991, p. 112), ou seja, necessita
do processo de mediação. Portanto, a zona de desenvolvimento proximal, por caracterizar o
desenvolvimento mental de maneira prospectiva, é um instrumento valioso para professores,
uma vez que indica os espaços de intervenção do adulto, tendo em vista o desenvolvimento
das funções que estão começando a se desenvolver.
O professor é o profissional da escola. Nela ocorrem as mais variadas experiências
vividas pelas crianças. É na escola que os conteúdos sistematicamente elaborados são
abordados. A escola tem um papel imprescindível no desenvolvimento infantil. Sabemos que
para ministrar uma boa aula para as crianças, é fundamental que o professor esteja seguro em
relação ao conteúdo, aqui especificamente da arte, de modo que favoreça o processo ensino
aprendizagem. Torna-se primordial considerar que um dos aspectos essenciais do objeto da
arte é a “interpretação”, que é pessoal e necessita que o professor possibilite a ampliação dos
significados acerca do objeto da arte. Cada sala de aula da educação infantil é distinta e cada
professor, em sua prática, desenvolve uma forma específica de lidar com ela.
As questões da arte perpassam além da filosofia, ações mais complexas da
24
humanidade. Isso significa que a arte não está necessariamente no objeto que se apresenta,
mas sim no que ele significa para determinada região, tempo e cultura. Contudo, exige do
professor ações que possibilitem a articulação de conhecimentos ligadas ao todo da arte,
diferentes técnicas, críticas, históricas e sociais, unindo aos significados para os alunos
(criança), exigindo um professor mediador. Ser mediador, na etimologia da palavra, significa
criar, alimentar, instruir, e, para isso, é preciso estar ativo no processo. Mediar é estar entre,
no meio do processo ensino aprendizagem, não é propor situação de aprendizagem apenas,
estando inerte, ou ser somente uma ponte que interliga extremos.
Para Vygotsky (1991), a escola desempenha um papel fundamental no
desenvolvimento do sujeito, pois tem como objetivo a aprendizagem, que impulsiona o
desenvolvimento e cria a zona de desenvolvimento proximal. O autor também ressalta a
função da escola na formação dos conceitos científicos: enquanto os conceitos espontâneos
surgem da experiência pessoal da criança, por ora os conceitos científicos são aqueles
aprendidos em sala de aula, transmitidos de forma sistemática. Assim, o ensino e a
aprendizagem são essenciais para a aquisição desse tipo de conceito, segundo as colocações
de Vygotsky. “O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade
escolar, e é também uma poderosa forma que direciona a seu desenvolvimento, determinando
o destino de todo o seu desenvolvimento mental.” (VYGOTSKY, 1991, p. 74).
A aprendizagem ocorre na interação com o espaço (ambiente), com o outro e com
o objeto de conhecimento, e não é em uma ação direta, mas sim mediada. É importante frisar
que é na interação com o outro que o sujeito se apropria dos conhecimentos produzidos
culturalmente. No âmbito educacional, o principal mediador é o professor. A intervenção do
professor é essencial no processo educacional para garantir as condições de interação entre o
sujeito e o objeto de conhecimento e, dessa forma, promover a aprendizagem. Considerar que
a criança não tem condições de percorrer, sozinha, o caminho do aprendizado fornece dados
importantes para a relação entre aluno e professor; deste esperamos um saber apurado sobre
os conteúdos e fundamentos para a contextualização dos mesmos. O conhecimento do
professor deve ser significativo para dar suporte ao processo de intervenção, dando condições
para que a criança percorra o caminho da aprendizagem. À intervenção do professor frente a
seu aluno (mediação) damos o nome de intervenção pedagógica, que, no entanto tem mais
impacto quando ocorre na zona de desenvolvimento proximal da criança, pois ela irá
impulsionar a aquisição de novas conquistas que não ocorreriam espontaneamente.
Vygotsky (1999) critica, assim, a intervenção pedagógica que se volta para
funções já amadurecidas, ao invés de se ater às funções que estão em formação. O que, na
25
verdade, o autor quer dizer é que o professor deve ter, como ponto de partida, o nível de
desenvolvimento real dos alunos e, como meta, promover o desenvolvimento potencial das
crianças. Seguindo os pressupostos de Vygotsky (1999), os professores devem objetivar as
funções não alcançadas ainda. Analisando desse modo, o processo de avaliação passa a ter
outro sentido. A avaliação mediadora deve ser processual e fornecer pistas para que o
professor possa atuar na zona de desenvolvimento proximal, pois os dados obtidos através
desse processo darão clareza sobre o nível de desenvolvimento real e potencial dos alunos.
Assim, com certeza, o professor saberá desempenhar ações necessárias, saindo do que já sabe
para potencializar o conhecimento do aluno naquilo que ele não consegue realizar sozinho. O
papel do professor migra de uma intervenção autoritária para o reconhecimento do papel ativo
do aluno. Segundo Oliveira (1993, p. 42), “ao invés de apenas receber aquilo que lhe é
transmitido pelo outro, em uma atitude passiva, o educando assume um papel ativo,
reelaborando em nível pessoal aquilo que lhe é ensinado pelo outro.”
No cotidiano da escola, muitas vidas se cruzam, levando um pouco de si e
deixando muitas coisas para o outro. Podemos, então, dizer que, apesar de o professor ser o
principal mediador, as crianças também podem atuar como mediadoras umas das outras,
sendo elas também provedoras de desenvolvimento. No que diz respeito ao processo de
aquisição de conhecimento, as brincadeiras de faz de conta assumem um papel primordial, já
que também possuem um caráter representativo. Nesse tipo de brincadeira, a criança cria uma
situação imaginária, relaciona-se com os objetos de acordo com os significados que atribui
aos mesmos, e não de acordo com a função que possuem na realidade. Concluindo: na
brincadeira de faz de conta, a criança se envolve em um mundo imaginário e liberta-se das
condições situacionais, o que contribui para o desenvolvimento da função simbó1ica e da
representação. No final desse processo, que inclui o gesto, a fala, o desenho e o faz de conta,
aparece a escrita, uma forma mais complexa de expressão.
Para Vygotsky (1998, p. 51), “o desenhar e o brincar são estágios preparatórios
para o desenvolvimento de outras funções”. Refletindo sobre a teoria de Vygotsky, é
interessante pensar o desenho e o faz de conta como estágios preparatórios para a aquisição da
escrita, considerando que, em muitas instituições de educação infantil, a preocupação com o
ensino da leitura e da escrita restringe o tempo de brincadeiras, desenhos e outras linguagens
da arte. Essa complexidade evidencia que é preciso trabalhar com as crianças outras formas de
expressão, como o desenho, o faz de conta, a pintura, a modelagem, a dança, a música, etc.
Conforme pesquisas apresentadas por muitos estudiosos, é preciso estimular nas crianças o
desejo e o exercício de expressão, possibilitando que utilizem muitas linguagens. Certamente,
26
o papel da escola de um modo geral, e da escola da infância em particular, é proporcionar às
crianças um mergulho no mundo da cultura, onde estão as linguagens da arte.
Consideramos isso algo de grande relevância, já que, de acordo com a perspectiva
histórico-cultural, o desenvolvimento da criança consiste na apropriação da cultura. Assim, se
a educação infantil tem a função de promover o desenvolvimento integral da criança, é
fundamental que ela tenha a oportunidade de participar das atividades com arte e conhecer
vários aspectos da cultura. As linguagens da arte devem estar em pauta no ensino das crianças
de hoje, para instigar seus sentidos, sonhos, expressão própria e criação, que é justamente o
que se constrói com as linguagens da arte, seja como artista ou espectador. A arte instiga os
sentidos, a imaginação e os desejos, e causa inquietação.
A sociedade contemporânea, com suas características de homogeneização e de
transformação constante em todos os setores das atividades humanas, não leva os indivíduos a
refletir sobre os acontecimentos ou sobre si mesmos. As linguagens da arte têm a função,
dentre tantas outras, de superar limite e tempo. É no fazer pedagógico do professor que ocorre
a reflexão, favorecendo a propriedade de conhecimento como componente crítico, dando
oportunidade a um processo educacional coerente, especificamente na educação de crianças,
fase em que se inicia e se fundamenta a construção do saber, do fazer, do inventar, do apreciar
e refletir, alicerce para a aquisição e elaboração do conhecimento.
Vygotsky (2001) discorreu sobre a psicologia da arte, no seu livro Psicologia da
arte, alicerçada em uma perspectiva teórico-crítica, fundamentada nas principais categorias do
materialismo histórico, considerando a arte como um instrumento de mediação humana
produzido historicamente. A sociedade atual emerge uma cultura visual, imagética, portanto, é
necessária a interação da criança num processo de compreensão e produção artístico-cultural.
E a interação tem uma função central no processo de internalização.
Os estudos de Vygotsky (1991) sobre o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores demonstram que o caminho do objeto do conhecimento (da arte) até a
criança, e desta até o objeto, passa por outra pessoa. Assim, ao considerar o conceito de
aprendizagem mediada, confere um papel privilegiado ao professor, que representa um elo
intermediário no início da infância. Corroborando a reflexão vygotskyana sobre a necessidade
dessa mediação, cito Cunha (2002, p. 170), ao ressaltar que o professor, tomando como
exemplo a linguagem gráfico-plástica, muitas vezes, espera que a criança faça produções
semelhantes ao real, no entanto, esquece ele que, para que a criança venha a constituir um
vocabulário visual, como linhas, formas, cores e pontos, é preciso que seja mediada no uso
dos instrumentos, como pincéis, esponjas, argilas, etc., e que entre em contato com os
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conteúdos e conceitos dessa linguagem. Desse modo, para Vygotsky, o professor deve
promover a abertura da zona de desenvolvimento proximal, afirmando, ainda, o autor (1998,
p. 117), que “o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento”.
Assim, a intervenção do professor é essencial para garantir a interação entre o aprendiz e o
conhecimento das linguagens da arte.
28
3 AS LINGUAGENS DA ARTE...
“A arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o
intraduzível.” (DA VINCI)
A finalidade deste capítulo é apresentar uma reflexão sobre a arte, mostrar a
importância do seu conteúdo na formação dos professores que atuam como mediadores e
interventores no processo ensino aprendizagem dos alunos (crianças) das classes de educação
infantil. E assim considerar a arte como os outros componentes curriculares: relevante no
processo de formação. O destaque dado neste texto é sobre as linguagens da arte, procurando
ampliar o conhecimento dos professores para que possam garantir o conhecimento e
sensibilidade estética às crianças através das reflexões durante as oficinas de arte e nos
espaços das vivências.
Com o objetivo de refletir uma coerência na educação de crianças brasileiras
abordo o resultado que o trabalho com essas linguagens proporciona, principalmente
tornando-as indivíduos criativos, críticos e dinâmicos inseridos no contexto da sociedade.
Para tanto, há necessidade de o professor, em sua formação, ter conhecimento dessas
linguagens e utilizá-las de forma crítica e coerente em suas ações. Quanto ao termo coerência,
considero que a prática educativa precisa se adequar às características apresentadas pelas
crianças. Elas são seres ativos, criativos e participativos.
Para oportunizar uma educação coerente à infância, é necessário atender aos
princípios do desenvolvimento e da aprendizagem infantil e sua expressividade. Sabemos que
há uma grande necessidade de rever alguns conceitos sobre o ensino das linguagens da arte
nos cursos de formação de professores, entre eles os que defendem a articulação entre a teoria
e a prática. Este aspecto a ser considerado deve-se ao fato de perceber que a grande maioria
das mediações do ensino dessas linguagens está pautada numa visão de que arte é somente
livre expressão ou apoio ao desenvolvimento de habilidades motoras, subjugada em um único
aspecto: “fazer pelo fazer.”
Doutora em artes e mestre em educação, Rosa Iavelberg, professora da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (USP), defende o ensino das artes articulando-se
teoria e prática, inclusive a importância das experiências de vivências nesta pesquisa. Essa
autora afirma (2010) que “o que se aprende no teórico, afeta o que se faz na prática criativa e
vice-versa”. Iavelberg esclarece que “saber como os alunos aprendem para orientar o ensino e
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ter vivências em práticas artísticas nas linguagens que ensina é fundamental”. (IAVELBERG,
2010). A mesma autora ainda destaca que:
Arte é uma forma de conhecimento e expressão. Seu ensino tem como objetivo
garantir aos alunos acesso ao patrimônio cultural e histórico e possibilitar atos de
criação e conhecimento em diferentes linguagens da arte. Fazendo e conhecendo arte
na escola o aluno se reconhecerá como leitor competente das obras dos artistas e
valorizará o papel da arte na sociedade e na vida dos indivíduos. (IAVELBERG,
2010).
É primordial, então, que os professores tenham suporte teórico que lhes permita
compreender a importância da arte. Ela é uma forma de conhecimento e expressão que pode
garantir aos alunos acesso ao patrimônio cultural e histórico e possibilitar atos de criação e
conhecimento em suas diferentes linguagens. Para isso os mediadores devem ter a
propriedade do conhecimento. Fazendo e conhecendo arte na escola, a criança se reconhecerá
como leitor competente das obras dos artistas e valorizará o papel da arte na sociedade e na
vida dos indivíduos.
No Brasil, a arte foi ensinada, por muito tempo, nos moldes da escola tradicional,
com cópia de modelos e treino de habilidades. Ensinamos também arte a partir do paradigma
da escola renovada, que focava a livre expressão. Atualmente, entendemos como relevante a
influência da cultura no ensino de arte. Acredito que a aprendizagem em linguagens da arte se
dê por intermédio de atos criativos associados à interação com a produção social e histórica da
arte. Teoria e prática articulam-se na aprendizagem e no ensino da arte. Conhecer a produção
dos artistas na história situa o aluno no universo das linguagens da arte. Evidentemente que os
conteúdos devem adequar-se ao ciclo escolar, principalmente no tratamento didático que
oportunizamos a eles. Portanto, compreendemos que a formação do professor precisa ser
teórica e prática. É necessário conhecer as linguagens da arte, ter domínio didático das
mesmas, ou seja, saber como os alunos aprendem para orientar o ensino, sendo que o
professor precisa ter vivências em práticas artísticas nas linguagens que ensina. Isso é
essencial. Um professor que não tem experiências de criação em arte, que não frui arte no
cotidiano, não saberá orientar o percurso de criação e menos ainda despertar o entusiasmo das
crianças (aluno) para conhecê-la. Gosto da reflexão de Ostetto e Leite (2004), quando
encontra na música de Marisa Monte, “Gentileza”, significados para vislumbrar várias razões
para um início de conversa sobre linguagem, imaginação e prática pedagógica na educação
infantil. A frase: “Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza” refere-se à escola, às instituições
de educação infantil, na escola apagaram tudo e deixaram sem cor; quando os professores
30
impõem às crianças uma única forma de ver e dizer o mundo, quando propõem o ensino da
língua apartando da vida, baseado em modelos rígidos, quando utilizam a cópia do desenho
mimeografado, os exercícios de prontidão. (OSTETTO; LEITE, 2004, p. 81). Entre outras
razões, torna-se significante refletir sobre as causas e efeitos que assombram o pedagógico na
infância.
Mais do que nunca, tenho a certeza de que as linguagens da arte não podem ser
ensinadas como mero contexto de técnicas ou modelos prontos, objetivando, como, por
exemplo, desenvolver a fala através da musicalização, e a coordenação motora através do
desenho, pintura tão somente. A arte implica em várias formas de expressão, ou seja, há várias
linguagens da arte, como o desenho, as artes plásticas, a dança, as artes visuais, teatro,
arquitetura, música. São muitas as linguagens da arte, porém elas se diferenciam entre si e,
por vezes, estão relacionadas, como, por exemplo, a linguagem arquitetônica e a do desenho.
A escola deve priorizar o ensino do maior número de linguagens que puder,
contanto que elas possam ser aprendidas com profundidade em sua especificidade,
privilegiando a educação integral das crianças. Uma das principais falhas no ensino da arte,
para crianças brasileiras, é a falta dos saberes específicos nesta área de conhecimento e o
tempo que é destinado ao trabalho com essas linguagens, tornando-se importante expandir o
tempo didático para cada linguagem (teatro, danças, música, artes visuais). No contexto geral,
em muitas instituições infantis e até mesmo nas citadas nos relatos desta pesquisa, a fuga do
professor em suas ações didático-pedagógicas, no sentido de oportunizar às crianças algumas
dessas linguagens que lhes são necessárias, ocorre, sem dúvidas, pelo desconhecimento do
conteúdo e aprendizagens específicas sobre as mesmas. Muitos desconhecem, por exemplo, o
valor de linguagens como a música, a dança e o teatro para a formação das crianças e, em
consequência, os conteúdos das aulas ministradas a elas ficam defasados, incompletos.
Para quem ensinar? O que ensinar? Por que ensinar? Como ensinar? O contexto
de criação, conhecimento dos processos de aprendizagem em arte e da produção social e
histórica da arte fica oculto nessa reflexão por falta de conhecimento dos
professores/mediadores na infância. Sabemos que o ensino de arte está inserido na área de
linguagens, códigos e suas tecnologias, que têm como eixo as faculdades de representação e
de comunicação. Assim, para o emissor transmitir uma mensagem (“texto”) ao receptor sobre
qualquer tema de seu contexto, ele precisa dispor de algum código e de algum canal. Do
mesmo modo, o objetivo do ensino de linguagens é desenvolver as capacidades de produzir
textos (emissor) e interpretá-los (receptor). Para isso, é importante conhecer os códigos (os
elementos e as estruturas básicas das diversas linguagens: verbal, visual, sonora, corporal e
31
suas mixagens), os canais (materiais, suportes, veículos, isto é, os meios de comunicação
antigos e atuais, tradicionais e tecnológicos) e, principalmente, conhecer o contexto (o artista,
a história, o tempo e o lugar), considerando, assim, a arte como comunicação. Entendo que
quanto mais a criança (aluno) e o professor conhecem, vivenciam experiências e
compreendem seu contexto e o dos outros, percebem as possibilidades dos códigos, das
medidas e dos materiais, desenvolvem maior interesse e aprendizagem torna-se significativa.
Por conseguinte, a linguagem tem uma função instrumental, mediando, de modo transversal, a
experiência cotidiana, bem como realizando a sistematização do conhecimento científico,
filosófico, religioso e também o artístico. As linguagens da arte são um tipo particular de
narrativa sobre o ser humano, a natureza e o cosmos, sintetizando as visões de mundo de cada
época e cultura.
O modo de ação do homem, produtivamente, também é um fenômeno social e
parte da cultura, relacionado com a existência humana e se mantém conectado à história do
homem, um processo histórico que, na verdade, possui sua própria história. Analisando os
princípios histórico-filosóficos e os fundamentos com relação às linguagens da arte,
constatamos que eles têm a mesma importância que as demais atividades do ensino de
crianças. Assim também o trânsito entre as diversas linguagens da arte deve ser
cuidadosamente planejado e desenvolvido junto às crianças, evitando as abordagens
superficiais e o uso de múltiplas modalidades sem aprofundamento consistente. No contexto
real, a escola deve permitir a prática interdisciplinar, pois é mais coerente ao ensino de
crianças já que essas linguagens fazem parte do repertório da relação criança - mundo.
Concentrar os conteúdos no campo da formação docente, ou seja, em música,
dança, teatro ou artes visuais, tendo como meta a ampliação das oportunidades de acordo com
o interesse da cultura infantil e as possibilidades da formação docente, ampliará as
oportunidades de inclusão dos conteúdos artísticos, sendo estes um direito, patrimônio
cultural da humanidade. Para a escola certamente significa um grande avanço para a educação
infantil a possibilidade de ter o profissional com propriedade de tais conhecimentos na
mediação do processo de ensino aprendizagem. Este deve estar em consonância com o pleno
desenvolvimento do ensino dessas linguagens. O projeto pedagógico da escola infantil
constitui instrumento das relações integradoras entre teoria e prática. Sabemos que o grau de
conhecimento dos professores sobre as linguagens da arte interfere no planejamento tendo em
vista o aprofundamento do processo educativo ao longo do desenvolvimento infantil. A partir
do momento em que o professor tem conhecimento dessas linguagens no contexto
educativo, através de suas ações, compartilhará com a criança conceitos da arte de maneira
32
contextualizada e significativa.
A recepção, a apreciação e a crítica das produções desenvolvidas na escola pelos
professores junto aos seus alunos são fatores que contribuem para a integração e o
reconhecimento do eu, do outro e do mundo, uma vez que as linguagens da arte são
instrumentos de comunicação, usados pelas crianças em suas ações em desvendar o mundo e
o mundo do outro. Torna-se necessário também criar possibilidades de conectarem-se com
artistas, artesãos, palhaços, malabaristas, participantes de manifestações culturais, pois
favorecem a aprendizagem significativa, além da ampliação das oportunidades de
envolvimento com as linguagens da arte. A postura conhecedora do professor sobre as
linguagens da arte no contexto sala de aula com crianças dá ênfase à preservação da cultura
das mesmas, na discussão sobre diversidade (étnico-raciais, sociais, religiosas, de gênero,
etc.).
No entanto, consideramos que no ensino dessas linguagens (artísticas) ainda
vigora o padrão eurocêntrico, por isso faz-se necessário questionar os jogos de poder que
legitimam as diferenças como verdades artísticas, estéticas e culturais. O processo artístico-
cultural de diversas etnias deve ser respeitado e valorizado, a começar pela arte do contexto
local no qual a criança (aluno) está inserida.
A articulação mencionada na construção deste texto favorece o desenvolvimento
de ações de educação na formação dos professores – pedagogos, pois a realidade da educação
no Brasil mostra que a grande maioria de suas instituições não possui um professor específico
de arte na infância com formação e conhecimento das diversas linguagens. E quando existe,
há um problema de tempo ligado à falta de espaço. Uma aula semanal de 45 ou 50 minutos é
um tempo muito curto para atender ao desenvolvimento integral da criança. Ainda, há o
problema de local/espaço, ou seja, o espaço destinado interfere, muitas vezes, no bom
desempenho das atividades com crianças. O espaço pode dificultar desde a disposição dos
materiais (tintas, água, som, etc.) como também a disposição dos móveis, pois a posição das
carteiras (enfileiradas) e o tempo de aula para organização resultam na falta de tempo, e o
professor fica incapacitado de atender às necessidades que o trabalho exige com a criança e a
arte.
Diferente quando este profissional é o professor de todos os dias (pedagogo das
classes infantis), pois é com este profissional que a criança (educação infantil) passa o seu
maior tempo destinado ao ensino e aprendizagem, e tem contato com os conteúdos
sistematicamente elaborados. Quando este professor, na sua formação inicial e na natureza da
sua formação continuada, detém propriedade de conhecimento sobre os conceitos destas
33
linguagens, o tempo e o espaço não representam problema, visto que é no planejamento que
irá contemplar tais atividades, resultando no ambiente adequado para o dia. A flexibilidade na
disposição de atividades diárias com criança, atendendo às necessidades expressivas dela, faz
toda a diferença para um trabalho de qualidade e coerência à infância brasileira.
Compreendo que o valor desta pesquisa esvazia-se sem o acompanhamento de
uma política de formação docente. Vale lembrar que há, ainda, um grande número de
professores atuando de forma incoerente ao desenvolvimento infantil, apontados nos achados
nesta pesquisa, sobretudo nos conceitos ligados aos aspectos da linguagem da arte infantil, da
própria cultura da criança. Sabemos que a atualização pedagógica, científica e artística dos
professores contempla papéis sociais que transcendem o perfil estritamente relacionado aos
profissionais da educação, possibilitando abordagens não menos importantes como a
artista/docente/pesquisador de sua própria cultura, mediador de relações.
Parece ser necessário garantir coerência mediante as várias instâncias do sistema
educacional no nível infantil, socializar as discussões, as pesquisas e as recomendações sobre
a necessidade de fundamentar a proposta de um ensino infantil voltado para uma educação
interdisciplinar das linguagens da arte como fundamento para um ensino crítico e coerente de
crianças brasileiras.
3.1 AS LINGUAGENS DA ARTE: UMA PEQUENA REFLEXÃO
Depois de realizada uma revisão bibliográfica, foram selecionadas publicações
para resumir o texto a seguir sobre as linguagens da arte. Em linhas gerais, foram adotadas as
contribuições de Ferraz e Fusari (1993) no que diz respeito às linguagens da arte, para
estimular o conhecimento mais aprofundado das mesmas. Reporto-me a uma reflexão com
relação às linguagens do teatro, como código de estruturas morfológicas, como movimento,
voz e gesto dentro de um espaço cênico. Como estruturas sintáticas, existem os jogos
tradicionais, jogos teatrais, improvisação, interpretação e recepção de cenas.
A experimentação da linguagem teatral dá-se mediante o envolvimento da criança
com os elementos referentes à estrutura dramática (ação/espaço/personagem/público – outras
crianças, seu professor e convidados) conforme indicam os elementos que exaurem as
inúmeras possibilidades que viabilizam esse tipo de atividade – linguagem. Assim, não se
define um ponto de partida nem muito menos de chegada, uma vez que o que interessa é o
processo. A escolha de um conteúdo ou de um determinado agrupamento de conteúdos para
trabalhar a linguagem cênica com crianças favorece o compartilhamento de descobertas,
34
trocas e, com isso, fundamentamos a base para reflexão e análises das propostas de trabalho
do professor.
Na cultura do ensinar e aprender teatro na educação de crianças, o que mais
importa é a organicidade na abordagem dos códigos da linguagem teatral e buscar o canal de
exploração de procedimentos e formas a ser remetido à reflexão estética e pedagógica,
envolvendo, nos jogos de faz de conta, dialogicamente, a participação direta dos jogadores
atuantes e dos observadores.
Além disso, tal como ocorre nas demais linguagens da arte, a interação entre
forma e conteúdo, materiais e suportes, processo e produto são faces de uma mesma moeda,
bem como estratégias de construção cotidiana curricular nas classes de educação infantil. O
processo do aprender a estudar e a explorar a linguagem teatral traduz, por si, os objetivos
referentes ao desenvolvimento do currículo na sala de aula. A elaboração de trabalhos no
contexto da sala de aula, a leitura e a adaptação de textos dramáticos de acordo com a faixa
etária dentro de diferentes gêneros, estilos, épocas, bem como a experimentação de diferentes
formas de montagem cênica (tradicionais, tecnológicas, etc.), são algumas das possibilidades
que se apresentam ao trabalho docente.
Na recepção de trabalhos cênicos, a participação do processo dessa linguagem
artística com as crianças, o professor amplia as oportunidades de aprendizagem dos
participantes, fazendo uso das diversas situações em que a linguagem teatral possa manifestar-
se. Assim, conhecer as manifestações da cultura local, refletir sobre conceitos e reportagem,
ou outros dados do contexto sociocultural, favorece a mediação e intervenção do professor,
contextualizando a relação texto e a realidade vivida.
A linguagem musical apresenta seu código específico, suas estruturas
morfológicas, o som, o silêncio e seus recursos expressivos, qualidades sonoras (alturas,
timbres, intensidades, durações), movimento, imaginação sonora, ideia de música. As
estruturas sintéticas são as modalidades de organização musical, como: organizações
sucessivas: de sons e/ou ruídos, linhas rítmicas, melódicas, etc.; organizações simultâneas: de
sons e/ou ruídos, sobreposições rítmicas, melódicas, harmonias, etc. As estruturas estéticas
são os estilos e gêneros de organização sonora criados ao longo da história humana nas
diversas sociedades e culturas, como também criação, execução e escuta de músicas.
Tomando como base o processo de comunicação que sustenta a estrutura da importância da
música no contexto do trabalho com criança, oportunizamos a produção de música e
interpretação. Falo de música implicando ações musicais, tais como, por exemplo, improvisar,
explorar nas oficinas de música a linha rítmica do canto falado, o som rítmico de uma bateria
35
de escola de samba. Nesse processo, destaco a ideia de iniciar o trabalho com a exploração
sonora e as qualidades desses sons (altura, timbres, intensidades, durações). Qualquer
estrutura pode ser desencadeadora de um processo de aprendizagem musical. (FERRAZ;
FUSARI, 1993).
O que procuramos garantir nas tendências pedagógicas atuais é que a
aprendizagem seja significativa, isto é, que tenha sentido para quem aprende. Outra tendência
refere-se ao trabalho no contexto e a partir de contextos musicais, e não a partir de estruturas
isoladas. Trabalhar no contexto musical implica processos musicais, como, por exemplo,
improvisar com ritmos e explorar nessa improvisação, além de estruturas rítmicas, diferentes
timbres, ou seja, trabalhar com base em produtos musicais. Exemplificando: depois da escuta
de determinada música, discutir seus vários níveis de organizações de acordo com o canal de
diversas fontes de criação musical: o corpo, a voz; sons da natureza; sons do cotidiano,
paisagens sonoras; objetos sonoros diversos, movimentos, texturas; instrumentos musicais nas
diversas culturas: acústicos, eletroacústicos, eletrônicos, novas mídias; criação de novas
fontes sonoras nas várias estéticas e estilos musicais: instrumentos no rock, no rap, na
orquestra, na capoeira, no samba, no choro, etc.
Em diferentes momentos históricos e em diversas culturas, foram eleitos
materiais, suportes e veículos que implicaram o tipo de criação musical e foram, por sua vez,
eleitos pelas próprias criações musicais. A música concreta elegeu ruídos e sons do cotidiano
que resultaram numa nova estética. O mesmo pode ser observado no rap, no tecno e em
outras estéticas. Portanto, qualquer estrutura pode ser desencadeadora de um processo de
aprendizagem musical. Refletir sobre o contexto das músicas reforça consideravelmente a
necessidade de compreender em que contexto as músicas são criadas, praticadas e
consumidas, o que se torna extremamente relevante em uma abordagem pedagógica que
valoriza a diversidade da produção humana. Isso servirá de suporte específico ao trabalho do
professor.
Assim, os questionamentos junto às crianças favorecem as necessidades do
conhecimento da criança com relação a um produto musical. No contexto do questionamento,
podemos exemplificar desta forma: quem os produziu? Quando? Onde? As ideias, os valores,
as crenças, os conhecimentos são importantes para compreendermos a diversidade humana?
Na relação da criança (aluno) com o professor, ouvir música, tocar, cantar, criar, falar sobre
música, ir a shows, fazer parte de um grupo musical são algumas das maneiras mediante as
quais acontece a interação entre a criança e música, porém esse processo também deve
ser construído tendo em vista o contexto e as características da escola e da região em que
36
está situada.
A dança apresenta um código de elementos morfológicos, o corpo humano,
entendido como totalidade (mente e físico), ativado e capacitado para explorar suas
possibilidades de movimento e assim desenvolverem-se como inteligência múltipla os
movimentos ritmados. É importante observar o tempo e o espaço coreográficos e a qualidade
do movimento como também considerar os seus componentes espaciais (direções, pianos,
dimensão, caminho realizado), seus componentes temporais (velocidade, duração, acentuação
e periodicidade de incidência desses fatores) e os componentes de sua intensidade.
As estruturas sintáticas referem-se à organização do movimento a partir da
priorização de um dos seus elementos, como desenho simétrico/assimétrico, velocidade
rápida/moderada, moderada/lenta, etc. A organização do movimento a partir da combinação
desses elementos resulta em ações básicas, como empurrar, saltar, torcer, deslizar, etc. Os
movimentos são criação a partir de diversos estímulos: materiais, imaginários, emocionais,
factuais, individualmente ou em grupo. Tradicionalmente, o tempo, o espaço, a forma e o
movimento sempre foram considerados como sendo elementos da dança. Os movimentos
rítmicos dos gestos e do corpo oportunizam à criança manifestar-se.
A disposição dos elementos da dança compõe a estética da obra, e essa ordenação
variou ao longo da história, por vezes caracterizando escolas, por vezes desconstruindo essas
caracterizações. Na organização espaço-temporal da dança, a criança revela sua relação com o
mundo: a dança constitui, então, além de um instrumento para o autoconhecimento, um
instrumento para o conhecimento do outro em seu espaço para a compreensão vivencial da
natureza e, consequentemente, para a compreensão da própria sociedade e cultura.
Suponho que não basta viver no mundo para saber conhecê-lo, é preciso sentir e
perceber como se relacionar com ele, como imaginar essa relação, traduzindo tudo isso em
uma criação expressiva. O conhecimento do mundo passa, pois, pela vivência corporal nos
aspectos físico-objetivos, sensoriais e simbó1icos. Daí a importância do estudo corporal-
criativo do tempo, de espaço, da intensidade do movimento e da forma deles resultante na
educação escolar com crianças em fase de desenvolvimento e aprendizagem. Constatamos,
por conseguinte, que não basta conhecer. É preciso que a criança vivencie corporalmente,
sinta como se relacionar com o mundo, como pode organizá-lo, reorganizá-lo, transformá-lo
por meio do sensível, por meio de uma consciência estética.
Há uma grande necessidade de o professor conhecer o canal de exploração, sendo
o corpo humano virtualizado, digitalizado pelas diversas mídias contemporâneas: televisão,
vídeo, cinema, computador. Estando em contato com as obras dessa linguagem (dança), é
37
possível identificar o contexto em que elas são criadas, o que é fundamental para ampliar a
compreensão das relações existentes entre esse contexto e a organização dos movimentos na
obra.
Além de oferecermos conhecimento da história da dança, sua origem, seus
determinantes socioculturais e sua evolução, é também possível instrumentalizar a criança
desde pequena para a compreensão do seu próprio saber na dança, e seu reconhecimento
cultural e social. Dialogar com o legado das danças populares tradicionais e dos festejos, das
práticas contemporâneas se faz necessário ao conhecimento do professor. Isso irá abrir espaço
na escola para a experiência da oralidade, do saber formal e não formal, das tradições e dos
movimentos que dão identidade a essa mesma comunidade. Torna-se importante não privar a
criança do processo criativo dos movimentos rítmicos do corpo em movimento.
Considerando a teoria e a prática das artes visuais, destacamos as estruturas
morfológicas como sendo o estudo do ponto, linha, forma, plano, textura, cores (primária,
secundária, complementar, quente, fria) etc. Ainda como conhecimento de linguagem
artística, as estruturas sintáticas envolvem os efeitos de movimento, ritmo, peso e direção
visual, como também os efeitos de volume, profundidade espacial, representação em
perspectiva, entre outros.
Ostrower (1990), em seus estudos, propõe que esse tema ou, melhor dizendo,
esses conceitos devam ser vistos de forma contextualizada. Para ela, seu canal de exploração
ocorre através das expressões tradicionais (desenho, pintura, gravura, escultura). O
aprendizado sobre a fabricação de tintas e de outros materiais, atualmente com emprego de
outros materiais do cotidiano, os reciclados, também é importante. A parede da caverna
pintada, a famosa arte rupestre, com terra e gordura animal na pré-história, é um exemplo dos
múltiplos materiais da linguagem visual.
Na arte ocidental, os artistas e as academias do passado elegeram certos materiais
e suportes como exclusivos devido às técnicas aprendidas, caso especial da tinta a óleo sobre
tela, enquanto os artistas modernos e contemporâneos demoliram tais conceitos de arte, dando
oportunidade de utilização de diversos materiais. Na linguagem das artes visuais os conteúdos
só são efetivamente compreendidos nos usos culturais e históricos das imagens.
Contextualizar o texto da obra na sua representação, seja ela o registro fotográfico de uma
cena ou através de um desenho representando tal cena, é excelente estratégia de compreensão
dessa linguagem. Para tanto, não existe um modo de representação superior a outro. Os estilos
mudam de acordo com sua função, ou seja, o contexto e as intenções de cada obra. Artistas e
profissionais da arquitetura, designers, etc., possuem visões diferenciadas de mundo.
38
A escola costuma negligenciar, aos alunos, o repertório cultural presente nas
diversas linguagens (verbal, visual, musical, corporal). No campo da linguagem visual isso é
perceptível nos modos de vestir, nas estampas das camisetas, nas capas dos cadernos, nas
histórias em quadrinhos, etc. A criança inicia seu aprendizado sobre a linguagem visual pela
produção de seus primeiros borrões de tinta na educação infantil, bem como pela recepção das
ilustrações da literatura infantil, dos livros didáticos, das imagens da televisão e de outros.
Esses aprendizados vão progressivamente sendo aprofundados ao longo do Ensino
Fundamental e devem tornar-se ainda mais consistentes e sistemáticos no Ensino Médio. Para
interpretar os textos e as narrativas culturais, devemos analisar as características
(morfológicas e sintáticas) da imagem ou da obra de arte. Acredito que o objetivo da escola é
ampliar e aprofundar esse olhar, alimentando-o com outras referências, em um processo de
aprendizagem significativa. Com certeza devemos estimular o espírito de pesquisa por meio
de entrevistas com artistas locais, visitas a exposições, consultas à internet, aos livros, além de
relacionar esses temas com as demais disciplinas do currículo.
As considerações expressas acima me levaram a valorizar, na pesquisa de campo,
a recepção. A apreciação deve estar sempre aliada à produção na linguagem visual, por meio
das oficinas da linguagem visual, favorecendo a criatividade. Creio ser importante adaptar o
contexto de aprendizagem de acordo com a faixa etária (literatura: mestres da pintura, em
destaque Pablo Picasso, Portinari, entre outros), adotando estratégias como contação de
história bibliográfica de artistas para crianças e discussão de textos críticos (jornal, catálogos
de exposição, livros) sobre as biografias dos artistas.
Além da linguagem poética, os objetos, os elementos visuais e conceituais de seus
trabalhos, apreciação de imagens mediada por jogos, tais como: quebra-cabeça das principais
obras presentes no trabalho com as vivências, como as obras da artista Tarsila do Amaral, de
Picasso, Miró, entre outros conteúdos das vivências descritas nessas obras, os alunos
deveriam ser desafiados a vivenciar experiências com a delicadeza, com a memória, com o
afeto e o lúdico presentes nas obras dos artistas. Nas vivências, foi necessário, em primeiro
lugar, promover a contextualização das obras discutindo a biografia dos artistas e a opinião de
outras pessoas (críticos) sobre seus trabalhos. Posteriormente, procedemos à apreciação das
obras estimulando o reconhecimento do código (manchas, linhas, cores, etc.) e dos estilos e
materiais usados pelos artistas.
Na arte, há aspectos que merecem atenção na formação do professor, como o de
“conhecer a arte como linguagem”, implicando conhecimentos do campo da arte que são
vivenciados como linguagem que têm algo em comum com outras linguagens. As linguagens
39
artísticas têm uma estrutura que lhes dá significação e faz com que possam ser diferenciadas
de outras linguagens. Esse processo significante é, ao mesmo tempo, cultural e pessoal.
Cultural porque as pessoas estão imersas em referências, vivências e experiências que
acessam quando estão diante da arte; pessoal porque cada um o faz de forma única,
subjetivamente individual. Além do aspecto comunicativo, o que há de comum entre as
linguagens artísticas é a sua pertença ao campo estético.
Como também a “arte e a cultura”, pois ao favorecer o contato das crianças com
as manifestações artísticas, é possível possibilitar experiências com a diversidade cultural do
mundo contemporâneo. No momento da produção, distribuição ou apreciação, há
possibilidade de a arte ser influenciada pela cultura. Como ensinar os conteúdos de arte?
Podemos recorrer a temáticas ou organizadores curriculares. Quando organizamos este
currículo por temáticas, elas acabam por adequar-se à faixa etária e à realidade da turma; aqui,
em se tratando do nível infantil, seriam interessantes as culturas infantis e as culturas
regionais brasileiras. A própria sala de aula já traz uma diversidade cultural, pois numa
mesma turma é possível encontrar diferentes práticas culturais e diferentes estéticas que
podem ser exploradas. Como exemplos, temos as brincadeiras de rua associadas à história e
arte de artistas como Portinari, as manifestações de festejos populares, como a “Folia de
Reis”, artesanatos, músicas, visitas de artistas locais à escola para que as crianças possam
desvelar um universo mágico artístico-cultural da sua comunidade, entre outros que, por
organização, possam fazer parte do repertório cultural das crianças. E, principalmente, o
professor e o aluno devem procurar saber quantos objetos podem ser criados com o
conhecimento da cultura de um povo. Podemos verificar, a partir das análises das produções,
as marcas e influências dessas culturas na sua produção artística. Nesse sentido, constatamos
o quanto uma arte-educação pós-moderna se faz presente, onde a cultura popular pode
dialogar e se fazer presente na produção contemporânea da arte.
Enfim, temos a “arte, como conhecimento”. Como qualquer outra área do
conhecimento humano, a arte como manifestações do povo e das gerações passadas
permanece viva no seu contexto histórico, com repertório próprio, que pode ser vivenciado
pelas crianças em situações de ensino mediadas pelo professor. Entendemos que a
manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico
seu caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas
de conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam,
num constante processo de transformação do homem e da realidade circundante.
O produto da ação criadora, a inovação, é resultante do acréscimo de novos
40
elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela necessidade básica de
ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir por meio de
manifestações diversas. O ser humano sempre organizou e classificou os fenômenos da
natureza, o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes plantas e animais, as relações
sociais, políticas econômicas, para compreender seu lugar no universo, buscando a
significação da vida.
Tanto a ciência quanto a arte respondem a essa necessidade mediante a construção
de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas,
sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbó1icas de uma
determinada cultura. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações
imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso
da história humana. A própria ideia de ciência como disciplina autônoma, distinta da arte, é
produto recente da cultura ocidental. Nas antigas sociedades tradicionais não havia essa
distinção: a arte integrava a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e
objetos de uso cotidiano; a ciência era exercida por curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de
um modo mítico de compreensão da realidade.
Dependendo da maneira como a arte for concebida e, consequentemente,
trabalhada, ela assumirá diferentes papéis na sociedade. Se limitarmos a arte a uma concepção
positivista ao estilo “Arte é:”, limitaremos também seu papel no processo de socialização de
crianças e adolescentes. É preciso caminhar para uma reflexão epistemológica: o que não é
arte, o que pode ser e buscar métodos para pesquisar e ensinar...
Ana Mae Barbosa, em seu livro Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte,
deixa bem claro o potencial desta via de conhecimento ao dizer que:
Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a
realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao
indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a
mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2003, p. 18).
Diante disso, podemos entender que a diferença se faz nas escolhas, nos métodos,
no conteúdo artístico a ser abordado e na ação do professor junto às crianças. Segundo as
reflexões de Freitas (2005), podemos diferenciar percepção estética de percepção científica. A
última apenas manipula as coisas, enquanto a primeira é causadora de uma experiência
singular e poderosa, com presença ativa e pensante do sujeito no mundo. Ao praticar a arte
de alguma maneira, consideramos no processo de ensino e aprendizagem que ela também é
41
expressão com conteúdos e objetivos. Assim,
a educação através da arte como expressão instiga a interação com o conhecimento,
como também uma capacidade de reaprender através da sensibilidade e da percepção
de mundo, dando vazão no ato de criar com uma liberdade inovadora, indo além de
conhecimento pessoal. (FREITAS, 2005, p. 16).
Corroborando a autora, cabe destacar a frase sábia de Vygotsky (1999, p. 308): “A
arte está para a vida como o vinho para a uva.” A comparação feita por Vygotsky explica que
a natureza da arte sempre implica a transformação que supera o sentimento do senso comum.
No entanto, faz entender que a arte transforma quem “faz”, quem a “olha” e “transforma” a
própria matéria usada, por isso ela é conhecimento.
Numa sociedade em que há o predomínio do cientificismo, o reconhecimento da
arte e de suas especificidades de linguagens acaba não existindo e ela passa despercebida no
seu conteúdo humano, histórico e cultural. Entendemos que arte e ciência são faces do
conhecimento, então há uma complementaridade na compreensão do mundo. A arte não é o
contrário da ciência, todavia faz entender alguns aspectos do mundo das pessoas e das coisas
que a ciência, por sua vez, não consegue compreender e fazer por si só. Por isso, desconstruir
saberes que foram ensinados sobre o que é arte faz com que nos aproximemos da arte como
um todo, sendo mais completa, num ideal que considera o homem na sua totalidade, que
possui três dimensões: a afetiva, a cognitiva e a social.
3.2 AS LINGUAGENS DA ARTE E OS LIMITES DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR
COM BASE NOS QUESTIONÁRIOS
“Aquele que duvida e não pesquisa torna-se não só infeliz,
mas também injusto.” (PASCAL)
Afastada há dois anos dos trabalhos com o curso de pós-graduação, iniciei a
jornada de visitas a professores na tentativa de conseguir um número significativo de
participantes para constituir os sujeitos da pesquisa. Foi redigida uma carta-aceite e, ao
entregá-la aos professores, estes participaram por vontade própria. Para minha alegria e
motivação, um grande número aceitou participar.
A pesquisa foi de natureza quanti-qualitativa e as técnicas utilizadas foram
42
questionários e vivências. A intenção era a obtenção de dados em diferentes localidades do
estado de Santa Catarina, destaco aqui alguns profissionais – professores do município de
Palhoça, São Ludgero, Imbituba, Garopaba, Urussanga, Araranguá, São José. A escolha em
distribuir os questionários em diferentes municípios seria pela possibilidade de alcançar
diferentes dados relacionados para a pesquisa. O questionário foi previamente elaborado com
perguntas desde dados pessoais (formação e tempo de serviço, etc.) a perguntas sobre os
assuntos diretamente ligados à arte e ao olhar do professor frente a tais conteúdos e
atividades.
Optei, primeiramente, trabalhar com questionário como instrumento de pesquisa
por acreditar que seja o primeiro passo para conhecer as pessoas com as quais eu teria mais
aproximação durante a pesquisa. Além disso, este instrumento agregaria um grande número
de informações que iria possibilitar a obtenção de dados significativos para a pesquisa, na
compreensão dos fatos, além de favorecer na elaboração do projeto das vivências que,
posteriormente, seria a segunda etapa de coleta de dados. Portanto, neste subtópico, foi feito o
estudo com base nos questionários, com foco nos professores que atuam na área. Após a
coleta dos dados, a análise referenciou situações de compreensão, confirmando resultados na
pesquisa, fundamentando-se em teorias de autores consagrados no universo dessas linguagens
(História da arte e a arte comentada, como também conteúdos específicos de cada linguagem,
teorias de formação pedagógica e específicas da arte).
No primeiro momento, foi entregue a carta-aceite a participar, apontando que em
seguida seria enviado aos mesmos o questionário individual. Dos questionários recebidos de
diferentes municípios entregues no ano de 2010-2011 para professores atuantes em classes de
educação infantil, sendo estes distribuídos entre ensino público e privado, foi possível obter
aproximadamente 70% respondidos e entregues na data, segundo a publicação na carta-aceite
o retorno dos mesmos.
Os questionários foram construídos por mim com questões abertas e fechadas, isto
é, foram desenvolvidos a partir de um roteiro básico que continha os principais tópicos a
serem explorados referentes ao trabalho pedagógico com crianças e sobre o conhecimento da
linguagem da arte por parte do professor, a sua formação e as dificuldades encontradas na
profissão. Também busquei obter dados sobre a formação do professor, a idade das crianças
com as quais trabalha, o tempo em que atua na educação infantil e os conhecimentos sobre
arte que davam suporte à sua organização didático-pedagógico com relação às linguagens da
arte e à importância no trabalho com criança.
Feitos e obtidos em mãos os questionários, e após analisados os mesmos, foi
43
possível registrar, neste estudo, apontamentos surpreendentes. Busquei suporte no estudo de
grandes teóricos para a análise do contexto. Quanto à determinação das técnicas de coleta de
dados mais apropriadas, foi preciso escolher, dentro de uma proposta de natureza qualitativa,
a definição das técnicas que seriam empregadas para o registro e análise.
Na análise dos dados obtidos nos questionários respondidos, foi estabelecido um
demonstrativo com quadros, sendo fonte de dados desta pesquisa. Estes quadros foram
colocados próximos ao texto para que favoreça o reconhecimento do leitor, relacionando os
questionamentos feitos aos sujeitos (professores) da pesquisa.
Quadro 1 - Número de sujeitos, considerando aqui os professores participantes da pesquisa e
nível de formação
Sujeitos/professores Quantidade
Graduado em pedagogia e cursando pós-graduação 34
Especialistas (pós-graduados) 20
Magistério (2º grau) cursando ensino superior a distância 19
Somente com a formação do magistério (2º grau) 05
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Procurei, no quadro 1, apresentar o número de participantes da pesquisa, como
também reunir dados sobre a formação dos mesmos. Ao tabular os dados, os apontamentos
contidos nas informações, os resultados mostraram-se bem positivos: somente 05, da
população pesquisada, estão em sala na condição de formação de magistério de 2º grau, e
quase 50% estão cursando pós-graduação. Considerando também que muitos desses
professores são oriundos da formação docente no curso a distancia em diferentes
universidades. Faz-se necessário compreender que no Brasil, a partir da década de 1990, a
tecnologia passou a vista como forte aliada no processo de ensino aprendizagem,
consolidando a formação superior para estes docentes.
Quadro 2 - Rede de ensino em que leciona
Rede de ensino N º de professores
Particular 15
Pública 50
Particular e pública 13
Total de participantes 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
44
O demonstrativo no quadro 2 aponta que a maioria dos participantes está em ativa
na rede de ensino público.
Considerando a localidade onde se deu a distribuição dos questionários aos
professores, percebi também que há um número menor de escolas privadas, talvez seja um
dado que possa vir a justificar tais resultados, preferências, maior número de aluno
concentrado na escola pública. Conhecer a população pesquisada, o ambiente em que ela
reside e atua profissionalmente, para compreender questões posteriores, é um fator
indispensável na pesquisa.
Quadro 3 - Tempo (anos) de exercício da profissão (na educação de crianças)
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Os professores que participaram da pesquisa apontaram o tempo de trabalho
(serviço na educação de crianças), conforme apresentado no quadro 3. Torna-se importante
destacar que a experiência profissional, em muitos casos, não é um fator determinante de
qualidade na atuação, se este profissional não agrega, ao tempo e à sua formação, reflexão,
estudo, pesquisa, aspectos esses essenciais à formação continuada. Tratando-se de conceito da
arte, como é a natureza deste estudo para a formação do professor, o reconhecimento da
disciplina está há pouco tempo amparado pela sua obrigatoriedade e a reestruturação do
currículo escolar que, por sinal, vem sofrendo ao longo dos anos grandes transformação, é um
novo olhar por parte de pesquisadores. Sabemos, no entanto, que grande parcela desta
produção teórica não chega a muitos professores do país. E este é um dado circunstancial para
mim, objetivando a compreensão histórico-social do sujeito da população pesquisada.
Foi feito um breve recorte, em se tratando da história social do sujeito e a relação
com a arte, entre o antigo e o novo (aquilo que o professor foi no início de sua formação e o
que é) e o que se pode vir a ser com o tempo de formação. Busquei a contribuição de
Vigotsky (2001), quando se refere que a arte, por integrar o racional e o sensível, pode
contribuir de maneira efetiva na busca e criação de soluções para as dificuldades de
comunicação vivenciadas nas escolas.
A criatividade não existe apenas na origem de importantes inventos científicos ou
Tempo na função Nº de professores
Menos de dois anos 12
Há quase quatro anos 15
Mais de 5 anos 31
Total 78
45
nas realizações de gênios da arte. Ao contrário, ela surge, segundo Vygotsky (citado em
KRAMER, 1999, p. 87), onde quer que exista um homem (professor) imaginando,
descobrindo, ou seja, “em tudo o que ultrapassa a rotina repetitiva, existe uma ínfima partícula
de novidade e de processo criador humano, estando as bases da criação assentadas na
faculdade de combinar o antigo e o novo”. Portanto, não é o tempo de profissão e as
limitações da formação inicial que determinarão, necessariamente, a qualidade da ação
produtiva do profissional. O processo criador do homem de combinar o que aprendeu a novos
conhecimentos para fazer a diferença e o apoio dos governantes em oferecer aos professores
uma formação continuada é fundamental na melhoria da qualidade dos profissionais da
educação.
Quadro 4 - Nível de aproximação do professor com arte
Afirmações Nº de
professores
Muito próxima, pelo gosto da arte. 22
Aproximação por obrigação, exigência da profissão ou pelo lazer com a
família.
10
Nenhuma aproximação por falta de tempo. 12
Pouca aproximação, por não entender arte. 20
Nenhuma, por não gostar muito de arte. 05
Sem repostas 09
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Observando o quadro 4, cabe realçar que a maior porcentagem dos participantes
(professores) fez a opção por dois dos argumentos (respostas do questionário), embora tenha
utilizado diferentes argumentos. A aproximação com a arte explica-se por “gostar de arte”,
enquanto o outro argumento contrapõe: “Nenhuma aproximação, por não entender arte”.
Assim, 60% dos professores gostam porque apreciam os objetivos artísticos pela beleza, mas
não tinham conhecimento sobre arte, por isso se afastavam de qualquer atividade que exigisse
tais conhecimentos.
Alguns ainda deram exemplo (“Gosto de ver um quadro, mas não sei que tipo de
arte é, como misturas das cores.”), como também 40% ficaram entre os que afirmaram “não
gostar de arte” e “sem respostas”. No questionário havia um espaço para justificativa da
afirmação, e ali escreveram não ter “dom” para esta “habilidade”; muitos deles falaram não
ter criatividade, não saber desenhar ou pintar.
46
Neste momento, é oportuno fazer um recorte nas análises, lembrando que o gosto
por algo está ligado ao conhecimento deste, e quem conhece pode vir a gostar com maior
profundidade, porque terá argumento para sua escolha. Este é um dado interessante que alerta
para a necessidade desse conhecimento do professor.
Destaco, ainda, um interessante trabalho como um referencial teórico-prático
sobre a socialização, trabalho que tive a oportunidade de conhecer e agora serve de
contribuição para esta reflexão. Promovido pelo Projeto Arte na Escola e Núcleo de Arte-
Educação do Sul e Sudeste do Pará, inspirado no livro da professora Rosa Iavelberg, “Gostar
de Aprender Arte”, de 2003, este foi o tema escolhido para a realização do Seminário de
Educação Continuada. Focando nesta pesquisa com os professores das classes infantis, torna-
se relevante e notável essa ação do estado do Pará, a qual tive acesso de formação continuada.
O estado paraense possibilitou aos professores leigos em arte compreender o uso da
linguagem artística por meio de alfabetização com a imagem da arte, em cursos sobre estética
visual. Como afirma Iavelberg (2003, p. 11), “sem fascinação pela arte é difícil
empreendermos uma educação continuada. E ter acesso à arte é aprender a gostar de arte!”
Complementando,
é necessário que o professor seja um estudante fascinado por arte, pois só assim terá
que ensinar e transmitir a seus alunos a vontade de aprender. Nesse sentido, um
professor mobilizado para a aprendizagem contínua, em sua vida pessoal e
profissional, saberá ensinar essa postura a seus estudantes. (IAVELBERG, 2003, p.
11-12).
Fica evidente que o “não gostar de arte” pode estar ocultando certas limitações,
tais como as questões econômicas do profissional e do local em que reside, a falta de uma
política cultural e artística dos governantes, de instituições que fazem valer a presença da arte,
como teatros, museus, cinemas, escolas de artes na região, ou ainda a falta de formação
continuada para professores da educação infantil no que confere às linguagens da arte. A
apreciação local pelos artistas e as obras da própria criança oportunizam um rico
conhecimento diversificado, um aumento do vocabulário estético e participação artístico-
cultural.
O distanciamento dos objetos artístico-culturais acaba produzindo no professor
uma deficiência de tais conteúdos estéticos. Por conseguinte, no seu fazer pedagógico e na
opinião que ele próprio formula com relação à arte e suas linguagens, reflete sensivelmente
aos seus alunos a “exclusão da produção cultural da humanidade”.
47
Quadro 5 - Nível de conhecimento que os participantes (professores) possuem sobre a arte na
educação
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
O quadro 5 refere-se a um processo em que o participante faz uma autoavaliação,
processa medida de conhecimento sobre a arte na educação. É perceptível que a grande
maioria (mais de 50%) relatou ter pouco conhecimento sobre este assunto. Quanto a isso, vale
ressaltar a afirmação de Ana Mae Barbosa, ao enfatizar que
arte não é apenas básico, mas fundamental na educação de um país que se
desenvolve. Arte não é enfeite. Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente
da palavra para interpretar o mundo, a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como
conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano. (BARBOSA, 2001, p.
4).
Diante de palavras tão sábias, frente a esse quadro demonstrativo, através do seu
resultado, faço a seguinte reflexão: o que seria o “pouco conhecimento” em arte, sendo essa a
opção da grande maioria das respostas dos participantes, o que me faz pensar sobre a
importância do professor na vida do indivíduo, de forma determinante, sobre a necessidade de
tais conhecimentos para essa dimensão que a arte e seu trabalho podem representar na vida
dos alunos. Verifiquei, dessa maneira, a relevância que tem o ensino da arte na construção do
professor e sua inclusão na sociedade e na cultura artística.
Quadro 6 - A possibilidade de participar de cursos de formação continuada sobre os
conhecimentos das linguagens da arte
Afirmação Nº de professores
Sim, participaria 60
Não participaria 13
Sem respostas 05
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Através do quadro 6, quando questionei a possibilidade de participarem de cursos
Medida Nº de professores
Pouco conhecimento 61
Muito conhecimento 07
Prefiro não responder 02
Nenhum conhecimento 08
Total 78
48
sobre as linguagens da arte, percebemos, nas respostas de 80% dos sujeitos, que eles
gostariam e participariam de tais cursos. Porém, 15 professores ficaram entre “não
participaria” e alguns “sem respostas”. Surpreendeu-me que, na continuação do
questionamento, havia um espaço para justificar a resposta, e os que responderam que
participariam disseram gostar de arte, querer desenvolver sua criatividade para trabalhar com
crianças, por achar legal saber quem são pintores, saber ouvir e interpretar uma obra de arte,
entender quais os pontos de vista que permitem interpretar um quadro, entre outros.
No entanto, dois dos que afirmaram não ter respostas, relataram não ter “dom”
para a arte e não ter tempo. Essas negações são compreendidas frente às respostas que
apontam para a não importância da arte, desconsiderando-a no currículo e considerando a
leitura e a escrita e os cálculos como essenciais, são resultado de uma educação escolar que
sempre priorizou a linguagem oral e escrita e a lógica matemática. Além disso, também é bom
ressaltar que, para eles, a arte aparece como sendo um dom. Vale salientar a afirmação do
professor Carlos Dias:
A arte constrói, com elementos extraídos do mundo sensível, um outro mundo,
fecundo em ambiguidades. A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom,
uma graça. Pressupõe um esforço diante da cultura, a fim de interpretar os signos e
participar de seu jogo lúdico, penetrar o universo simbólico. (DIAS, 2011)
Os conteúdos de arte exigem ações diante da leitura, interpretação, compreensão,
comunicação e até cálculos, especificidade das diversas linguagens da arte, porém
demonstram que é possível ensinar arte, desenvolver e contextualizar o seu conteúdo e
trabalhar numa postura interdisciplinar. Portanto, é possível aprender arte e ampliar os
conhecimentos sobre ela (a arte).
Quadro 7 - Descrição da faixa etária dos alunos e dos professores
Faixa etária das crianças Nº de professores
Dois anos 09
3-4 anos 33
5 anos 21
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
A criança, desde pequena, depara-se com as mais variadas formas de arte; quando
ela entra na escola, cresce a necessidade de compreensão e expressão através da arte. A escola
49
deve ter por objetivo a formação de cidadãos que respeitem as diversidades culturais, dessa
forma é preciso repensar as estratégias e metodologias que cercam o ensino das crianças.
Com base nos dados da faixa etária, senti-me confortável, pois seriam ricas as
informações dos participantes para a pesquisa, visto que a maioria, aproximadamente 48%,
atua na faixa etária de 3-4 anos, fase em que, de acordo com as minhas experiências em
classes infantis, a curiosidade, os anseios, a ludicidade e as descobertas tornam-se muito
interessantes e aguçadoras. Cabe aqui a seguinte reflexão: o que essas crianças estão
aprendendo sobre arte nas tarefas escolares? Para que esta prática seja de qualidade, é preciso
que antes escola e professores reconheçam os trabalhos infantis como forma de investigação e
de atribuição de sentido que as crianças dão às suas vivências com arte. Ter os dados
referentes à faixa etária com que estes professores (participantes da pesquisa) trabalham foi
significativo para a fase posterior da pesquisa: a da elaboração do projeto das vivências. Nela
serão socializados os conceitos da arte, principalmente o entendimento do processo de
expressão e criatividade que ocorrem no desenvolvimento de crianças, especificamente de 2 a
5 anos.
Quadro 8 - O conceito de arte predominante
Reflexão e afirmação Nº de
Professores
É cultura e lazer 25
É uma disciplina de peso como outra do currículo, com conteúdo específico,
social, histórico e cultural, que possibilita refletir criticamente.
10
A arte, para mim, favorece o desenvolvimento de habilidades visomotora e
suporte para o ensino de outras disciplinas.
16
Arte, para mim, é expressar-se livremente o que se sente através do desenho, da
música, entre outras linguagens da arte.
27
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Pelo quadro 8, conforme as afirmativas dos 78 questionários respondidos, percebi
uma falta de entendimento mais específico na área da arte e suas linguagens. A maioria dos
professores reproduz o mesmo contexto no qual foram ensinados. Eles confirmam o conceito
de arte como “livre expressão e o lazer”, conceito que se originou da concepção pedagógica
“Escola Nova”. Importante mencionar a fala de Azevedo (1971), ao afirmar que a educação
da “escola nova”, na sua primeira acepção (Bovent, Claparède, Ferriê, e, entre os americanos,
J. Dewey), orienta-se pelos princípios de que à criança devemos proporcionar o
desenvolvimento natural, devemos dar mais liberdade para a criança, pela atividade livre e
50
espontânea, como também um princípio de escola ativa, com métodos ativos, cuja faculdade
infantil se desenvolve pelo exercício, surgindo a necessidade de deixar a criança se libertar
através da arte. Tal fato contribuiu, de certa forma, para compreender a expressividade
infantil, porém tardou a conceber um ensino pautado na reflexão crítica do conhecimento
infantil. Ainda a compreensão dos resultados da arte como base para o desenvolvimento da
coordenação vasomotora e desenvolvimento das habilidades manuais (escola tecnicista). Esta
concepção de trabalho com as linguagens configura a mentalidade de uma grande parcela de
educadores frente ao fazer pedagógico na escola. Com base na neutralidade científica esta
concepção pedagógica (tecnicismo) foi inspirada nos modelos de racionalidade, eficiência e
produtividade, tornando-a objetiva e operacional.
No entender de Saviani (2010, p. 382), “[...] a pedagogia tecnicista buscou
planejar a Educação de modo que a dotasse de uma organização racional capaz de minimizar
as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência.” Para esta pedagogia, o
que importa é apreender a fazer, por isso a introdução dos trabalhos manuais e modelos
prontos para cópia. Ainda refletindo sobre a teoria do mesmo autor, a pedagogia tecnicista
transpôs para escola a “forma de funcionamento fabril”, perdendo de vista a especificidade da
educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá por meio de
complexa mediação, exigindo a teoria e a prática, de forma que ocorra a mediação no
processo de aquisição do conhecimento.
Vale a pena, também, lembrar que o fato de desconsiderar a arte como peso igual
ao de outra disciplina no currículo escolar é compreensível. O percurso da arte nas escolas,
enquanto lei e obrigatoriedade, o reconhecimento da disciplina e do profissional da área tem
tardado. Nas escolas brasileiras o professor de arte não tem sido reconhecido como elemento
importante no processo da produção histórica e cultural do país. Poderia aqui esclarecer
diversos fatores que justificariam a posição dos professores frente à arte, destaco, porém,
alguns aspectos de implantação da lei, os quais possibilitam refletir em que circunstâncias
esses professores tiveram seu ensino de arte nas escolas, no antigo primário e ginásio, como
também a sua formação acadêmica.
Ainda relacionando os fatos, a pedagogia tecnicista surge na segunda metade do
século XX no mundo e no Brasil nos anos 1960/70. Cabe relatar as contribuições das autoras
Ferraz e Fusari (1993), fazendo refletir sobre as reais condições do ensino de arte no Brasil
que, por sinal, permitem compreender os dados obtidos com a maioria dos participantes,
entendendo que estes podem ser produtos desse contexto.
51
Nas aulas de arte os professores enfatizam um ‘saber construir’ reduzido a seus
aspectos técnicos e ao uso de materiais diversificados (sucata, por exemplo), e um
‘saber exprimir-se’ espontaneísmo, na maioria dos casos caracterizando poucos
compromissos com o conhecimento de linguagens artísticas. Devido à ausência de
bases teóricas mais fundamentadas, muitos valorizavam propostas e atividades dos
livros didáticos que nos anos 70/80 estão em pleno auge mercadológico, apesar de
sua discutível qualidade enquanto recurso para o aprimoramento dos conteúdos de
arte. (FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 32-33, grifos dos autores).
Nessa pedagogia o elemento principal é o sistema técnico, sem qualquer
preocupação com a produção teórica, os trabalhos manuais como o desenho técnico, etc.
Ainda no contexto tecnicista existe o uso de recursos tecnológicos e audiovisuais que sugerem
uma modernização do ensino. Os debates sobre conceitos e metodologias do ensino de arte
aconteceram no Brasil e em outros países somente a partir dos anos 1980. A luta pela inclusão
da obrigatoriedade de arte na escola começou após a Constituição Brasileira. Em 1988, com a
promulgação da Constituição iniciam-se as discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, que seria sancionada em 20 de dezembro de 1996.
Segundo Barbosa (2012), em seu livro A imagem no ensino de arte, “a lei federal
5.692 estabeleceu uma educação tecnologicamente orientada que começou a profissionalizar
crianças desde a 7ª série (anos 64 a 83)” (p. 09). De acordo com a fala da mesma autora, em
seu livro Ensino de arte: memórias e história (2008a, p. 10), “a obrigatoriedade deu-se em
1971, incluída no currículo escolar, com a lei 5.692/1971, que implantou no país a Educação
Artística”. Para atuar nessa disciplina, foram criados, no ano de 1973, cursos de licenciatura,
nas universidades. Como afirma a autora,
[...] a reforma educacional de 1971 estabeleceu um novo conceito de ensino de arte:
a prática da polivalência. Segundo esta reforma, as artes plásticas, a música e as
artes cênicas (teatro e dança) deveriam ser ensinadas conjuntamente por um mesmo
professor da primeira a oitava série do primeiro grau. (BARBOSA, 2008a, p. 10-11).
Somente a Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996,
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino
médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de
ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos. (BRASIL, 1996).
Já o parágrafo 2º dispõe que “o ensino da arte, especialmente em suas expressões
regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação
52
básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (Redação dada pela Lei
nº 12.287, de 2010).
Entendo que somente através de muitas pesquisas de teóricos sobre o ensino de
arte é que possibilitou um maior aprofundamento de experiências pedagógicas na área de arte,
sistematização de cursos ao nível de pós-graduação. Foi, então, que novas pesquisas sugiram,
como a de uma grande autora, Ana Mae Barbosa, que por meio de suas obras e de suas
posições políticas “preconizou a democratização da arte/educação, partindo de Paulo Freire,
Noêmia Varela e seus estudos de John Dewey identificados com a reconstrução educacional e
com a valorização da experiência estética”. (AZEVEDO, 2008, p. 253). Nos anos 1980,
sistematizou a Metodologia Triangular, que, após interpretação erradas, até mesmo um certo
modismo, mais tarde passou a ser renomeada por Barbosa como Abordagem Triangular do
Ensino de Arte, favorecendo a disciplina da arte, dando o devido valor para o ensino de arte,
numa proposta de compreender a arte acerca de mudanças de paradigmas para a educação. “A
Abordagem apresenta-se como fator histórico, conceitual e político que alterou sensivelmente
e intelectualmente a arte educação no Brasil.” (AZEVEDO, 2008, p. 254). Referencio os
resultados acima, dando destaque sobre a necessidade de disseminar tais conceitos sobre as
linguagens da arte pelo fato de tardar as mudanças no contexto artístico-pedagógico, nos
espaços, escolas brasileiras, analisando o professor, a sua formação, tempo de formação em
relação aos conhecimentos sobre as linguagens da arte hoje, e a concepção que ainda persiste
nos espaços sala de aula, aqui relacionando ao trabalho com as crianças. Sabemos que há
muito que caminhar, porém o processo é de estudo e reflexão, juntamente com uma postura
frente às pesquisas em educação e arte.
Quadro 9 - Conteúdos específicos da arte obtidos pelo professor na sua formação (continua)
Categorias dos conteúdos Nº de professores
Teoria e prática Insuficiente Suficiente Nenhum Total
Conheceu obra de arte, o artista e a
contextualização da obra produzida
18
11
49
78
Conceitos de imagens gráficas e visuais 31 17 33 78
Música (elementos do som, estilos musicais e
história da música) ou brincadeira cantada
24
18
36
78
História da arte 40 10 28 78
Dança, ritmo e movimento 15 12 51 78
Escultura e modelagem 09 10 59 78
53
(conclusão)
Categorias dos conteúdos Nº de professores
Teoria e prática Insuficiente Suficiente Nenhum Total
Cores (teoria e misturas) 29 15 34 78
Desenho (fase do desenho da criança) 25 20 33 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Analisando as referidas categorias de conteúdos da arte, a participação e o
aprendizado no quesito de conteúdos específicos da arte apontados no quadro 9, constatei que
aproximadamente 90% dos sujeitos afirmou não possuir nenhum conhecimento sobre as obras
de arte, a dimensão da História da Arte, tanto na origem da obra como o artista que a
produziu. Os professores também pontuaram a insuficiência de conhecimento sobre a
escultura, dança e música para as crianças.
Faço referência ao quadro 9, como também ao quadro 5, cujos aspectos merecem
atenção pela relevância, quais sejam, a relação formação inicial e continuada do professor, a
necessidade de formação inicial e a falta de política de formação continuada, respectivamente,
nas linguagens da arte para professores. As pesquisas de Ana Mae Barbosa, em sua produção
teórica, apontam que, no Brasil, nem a obrigatoriedade e o reconhecimento da necessidade
são suficientes para garantir a formação do professor, no que diz respeito à existência das
linguagens da arte nas escolas e universidades.
A preocupação de Ana Mae remete à necessidade da busca da qualidade do ensino
das linguagens da arte, com a qual a autora desta dissertação se identifica. O olhar lançado
sobre a práxis nas salas de educação infantil, com a ação, ou seja, o fazer pedagógico do
professor frente a seus alunos, com relação à concepção, conhecimentos, objetivos reais do
ensino da arte na infância de crianças brasileiras, tem deixado a desejar. Isso evidencia a
necessidade de formação continuada e corrobora a suposição que se levantava, no início do
trabalho, de que os professores não se sentem preparados para ensinar arte.
Barbosa (1978, p. 13) defende que os novos métodos de ensino de arte não são
resultantes simplesmente da junção da arte e da educação, muito menos da oposição entre
elas, mas da sua interpenetração. Porém, reforçando o que disse Barbosa, garantir o ensino de
arte no currículo não é suficiente. Como explica a autora, “leis tão pouco garantem um
ensino-aprendizagem que tornem os estudantes aptos para entender a arte ou a imagem na
condição pós-moderna contemporânea”. (1978, p. 13). O professor é o instrumento principal
54
para as transformações no ensino de arte, ele é o diferencial, o colaborador para a eficácia do
bom aproveitamento dos conteúdos. Para Barbosa (2008b, p. 50), “sua tarefa é oferecer a
comida que alimenta o aprendiz, é também organizar pistas, trilhas instigantes para
descobertas de conhecimentos, pelos alunos e visitantes, alimentando-se também”. Como tal é
necessário que ele, enquanto profissional, entenda a importância do seu posicionamento e
compromisso face à questão, buscando em parceria com as instituições de ensino possíveis
soluções para a melhoria da qualidade do ensino.
A arte, enquanto ingrediente, é essencial à formação do sujeito, e sendo este um
conhecedor da cultura, devemos exigir dos poderes públicos uma tomada de consciência,
favorecendo, assim, um olhar atento para a formação inicial e continuada dos docentes.
Barbosa (2008a) refere-se, em seus escritos, à necessidade da formação do professor de arte e
do ensino da disciplina de arte como fundamentais. Concordo com a autora, acrescentando
que também é preciso que os professores da educação infantil sejam contemplados com tal
formação.
Refletindo sobre os estudos de Ana Mae, percebemos que ainda hoje persiste, nas
aulas de arte, os modelos prontos, atividades que envolvem desenho de observação, ou a arte
existente de cunho decorativo, ou acessórios e "lembrancinhas" para eventos escolares como
Dia dos Pais e das Mães. Ana Mae, em seus estudos frequentes, faz referência ao fato de o
ensino de arte no Brasil ter uma tradição positivista. Ela afirma:
Nas artes visuais ainda domina na sala de aula o ensino de desenho geométrico,
o laissez-faire, temas banais, as folhas para colorir, a variação de técnicas e o
desenho de observação, os mesmos métodos, procedimentos e princípios ideológicos
encontrados numa pesquisa feita em programas de ensino de artes de 1971 e 1973.
(BARBOSA, 1975, p. 86-87).
Ana Mae faz crítica aos modelos de ensino pautado somente em modelos do
“fazer pelo fazer”. Diante dessa postura, traz à luz a sabedoria do professor reflexivo, sobre a
necessidade de se refletir sobre a Abordagem Triangular, que foi originalmente organizada a
partir de uma dupla triangulação: a primeira, de natureza epistemológica, ao designar os
processos de ensino e aprendizagem da arte por três ações mentais e sensorialmente básicas:
criação ou fazer artístico, leitura de imagens-apreciação e contextualização-reflexão. A
triangulação é uma modalidade de ação pedagógica, que foca, de forma integrada, a arte como
fruto do seu tempo. Enfim, o destaque que devemos dar a esses dados coletados é para a
necessidade de formação dos professores, pois não podemos dar aquilo que não possuímos.
55
Quadro 10 - “A arte é cultura”! “Arte é conhecimento” “Arte é lazer!” Diante dessas
afirmativas, como você se situa, em termos de apreciação, reflexão e criação em arte
Afirmação Nº de professores
Nunca Sempre 1 ou 2
vezes
Outra
resposta
Total
Visita a um museu para apreciar uma
exposição
28 14 26 10 78
Assisti a um espetáculo de dança ou a um
musical
25 15 38 00 78
Pintei um quadro 67 03 08 00 78
Costumo ouvir música, procuro conhecer o
cantor, o estilo musical
38 19 20 01 78
Vou ao cinema ou ao teatro 08 55 10 05 78
Já participei de uma peça teatral (igreja,
escola, etc.)
65 05 08 00 78
Uso a tecnologia para trabalhar com
imagens
08 50 20 00 78
Faço artesanato 28 10 40 00 78
Pesquiso outras culturas e formas artísticas 14 15 40 09 78
Toco ou já toquei instrumento musical 60 04 14 00 78
Tenho acesso à História da Arte 36 09 24 09 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Observando o quadro 10, deparamo-nos com a real situação frente à postura e
atitude do professor com relação à cultura e à arte. Pelas respostas, verifiquei que o maior
percentual de professores afirmou que vai ao cinema. Com relação a esta prática, considero
uma viabilização, para tanto, evidencio a contribuição da autora Maria Isabel Leite, ao
pontuar que: “As imagens cinematográficas congregam, de alguma forma, aspectos religiosos
ou políticos de uma época.” (LEITE, 2004, p. 105).
Ter acesso a essa linguagem (cinematográfica) é, para a mesma autora, um grande
aliado ao processo pedagógico na sala de aula, sem contar o desenvolvimento do repertório
produtivo de crítica ao conteúdo histórico produzido. Da mesma forma, o uso de
computadores é importante para trabalhar com imagens (LEITE, 2004), compartilhando este
pensar sobre a tecnologia, sendo realmente um dado significativo nesta pesquisa, pois 50 dos
participantes relataram usar a tecnologia para trabalhar com imagens.
Hoje o acesso à tecnologia tornou-se facilitado, mas com relação aos museus
espalhados pelo mundo, infelizmente os sites são de pouca ajuda. Segundo Barbosa (2008b, p.
108):
56
Em geral, os sites de museus e exposições são de pouca ajuda para a educação do
espectador/leitor, parece que estão preocupados somente em contar
convencionalmente a história do museu, em dar informações banais, como horário, e
em divulgação e marketing dos eventos e exposições.
A mesma autora assegura que poucos sites se preocupam com os conceitos
(definição e instituição), o que para a educação seria de grande valia. Ainda em seu
referencial teórico, contribui falando sobre alguns museus, que, como exemplo positivo
educacional, citando o Museu de Arte Contemporânea de Chicago, “dão mais atenção à
educação, oferecendo planos de aulas baseados em suas exposições.” (BARBOSA, 2005, p.
108). Espero que a possibilidade da interatividade com os museus, seguindo a possibilidade
do uso da tecnologia, seja viabilizada com qualidade, pois assim favorecerá a parcela de
professores que tem maior acesso à tecnologia.
Ainda referente ao quadro 10, é surpreendente o número de professores que se
encontra distante da arte, processo da cultura humana. A maioria não tem conhecimento e não
desfruta do prazer da apreciação da arte e, certamente, isso implica na sua atuação como
educador artístico em conceber a cultura artística frente aos alunos.
Quadro 11 - O que impede o professor de ter acesso aos conteúdos da arte ou espaços onde
encontra as obras de arte?
Afirmação/justificativa Nº de professores
Por falta de tempo 29
Situação econômica que impede 25
Não há identificação com a arte 04
Não agrega valores à minha profissão 20
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
O quadro 11 aponta explicações acerca das dificuldades encontradas pelos
docentes com relação à realização das práticas ali contidas. Observei que mais de 50% dos
questionados justificaram “falta de tempo” o seu distanciamento da arte. A jornada de
trabalho do professor, como também os afazeres escolares levados para casa, interferem nessa
situação, além das questões econômicas que os afastam da arte. No entanto, há de ser
considerada também a falta de interesse de alguns, pois existem atividades artísticas não
pagas, que sequer exigem a saída de casa.
Apesar de compreender a atual estrutura do professor neste país, sem julgar
57
qualquer atitude demonstrada no quadro acima, cito algumas possibilidades para viver e
sentir, refletir e apreciar, como as obras de pintor local, ouvir uma música no rádio e buscar
referência, acessar à internet e visitar museus virtualmente (neste caso, como mencionado nos
comentários a respeito do quadro 10, só seria possível o acesso de qualidade se houvesse uma
seleção de sites compatíveis aos objetivos educacionais). Por outro lado, fazer uso de tintas,
perceber textura e mistura, nuances e suas definições, assistir a um filme e comentar
criticamente com os alunos, enfim são tantas as possibilidades que, com certeza, vêm agregar
ao fazer pedagógico do professor, considerando ainda a busca pelo autoconhecimento
expressivo da arte. Apresento como reflexão a contribuição teórica da autora Richter (2008),
com relação à estética do cotidiano.
[...] objetos ou atividades presentes na vida comum, considerados como possuidores
do valor estético por aquela cultura, também e principalmente a subjetividade dos
sujeitos que a compõem e cuja estética se organiza a partir de múltiplas facetas do
seu processo de vida e de transformação. (p. 24).
Ainda, no entender da autora, o ser humano pode experimentar o prazer, “no
simples olhar a natureza ou objetos fabricados; o prazer em ouvir a canção dos pássaros ou
uma música; sentir um pedaço de madeira ou a textura da lã; em arrumar uma mesa atrativa
ou um canteiro de flores”. (RITCHER, 2003, p. 23).
Quadro 12 - Quais os conteúdos de arte são identificados no seu trabalho? (continua)
Descrição Nº de professores
Sempre Às
vezes
Nunca Total
Desenho livre 69 09 00 78
Desenho mimeografado para pintar 58 20 00 78
Modelagem com argila ou uso de massinha 20 50 08 78
Recorte colagem (mosaico) 26 52 00 78
Trabalho com elementos do som, ritmo, melodia,
instrumentos que produzem som, etc.
13
60
05
78
Construção de maquetes para apresentar um assunto 16 62 00 78
Brincadeiras cantadas 68 10 00 78
Desenho mediado 30 36 02 78
Plástica: pintura com guache, anilina. 20 49 09 78
58
(conclusão)
Descrição Nº de professores
Sempre Às
vezes
Nunca Total
Fotografia: fotografando e descrevendo o que vi 20 50 08 78
Exploro obras de arte: leitura e releitura 10 58 15 78
Brinquedo de sucata: reaproveitamento lúdico e criação 30 45 03 78
Linguagem teatral 11 22 45 78
Estudando a História da Arte, diferentes culturas e
produções artísticas (objetos da arte)
12
37
30
78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
O que observei no quadro 12 pode ilustrar as contribuições da história das ideias
pedagógicas no Brasil do autor Saviani (2010). Os contextos da educação remetem a um
repensar sobre a concepção de educação em diferentes tempos. Verifiquei, nas respostas dos
professores, resquícios de uma prática frequente originada na “escola tecnicista” e na “escola
nova”. Os dados apontam que, entre os 78 questionados, as atividades mais contempladas nas
práticas pedagógicas são as atividades “xerocadas para pintar”, e que as atividades de
desenho livre, “a livre expressão”, permanecem presentes. Analisando, compreendo que
tradicionalmente, no Brasil, o momento do fazer é mais priorizado nas aulas que envolvem as
linguagens da arte do que de fruir e refletir, configurando uma atividade esvaziada no sentido
de significado para o aluno, pois a grande maioria das atividades está relacionada às “datas
comemorativas”, como as decorações de salas, danças e teatro as quais servem de cunho
cívico, comercial e religioso. Mas não podemos negar que, uma vez que a prática pedagógica
é social, resultado de equipe da escola da rede educacional, não devemos atribuir tais efeitos
somente à postura do professor e ao resto da equipe da escola, já que as linguagens da arte
abordam saberes sensíveis (emoção, imaginação, criatividade), porém estão presentes os
saberes inteligíveis, como conteúdo, forma e contexto sociocultural. A arte na sua
especificidade mescla saberes sensíveis e inteligíveis.
Outro dado interessante diz respeito à frequência de opção às “brincadeiras
cantadas”, mencionadas por 68 dos 78 professores Brinquedos cantados ou brincadeiras
cantadas são formas mais elementares de dança, nas quais existem ritmo e movimento. As
rodas são consideradas também brincadeiras cantadas, sendo elas agradáveis, com ritmos e
melodias fáceis, que possibilitam o desenvolvimento da expressão corporal, estimulando a
capacidade de criar e controlar os próprios movimentos, além de discriminação de som, ritmo
59
e sucessão de ações e palavras, caracterizando um dado muito positivo no contexto dos
questionados (professores participantes). Diante dos dados obtidos, considerei um dado
preocupante com o ensino de crianças, sendo respondido pela escassez do trabalho com a
linguagem cênica ou teatral, os elementos do som e o estudo da “História da Arte”, como
também das obras de arte seus artistas.
Segundo Ferraz e Fusari (1993), o acesso do professor às linguagens da arte na
escola “aponta para necessidade de ter consciência do seu posicionamento quanto à estética e
quanto à arte, o seu entendimento e o seu posicionamento acerca dessas questões
influenciarão no modo como ele irá propor as situações de ensino e de aprendizagem dessa
área”. (p. 23). Os professores, enquanto leitores que olham para os conteúdos da arte na
escola, fazem suas escolhas movidos por seus referenciais, em que se entrelaçam
conhecimentos, crenças, desejos em experiências singulares.
Analisando ainda os dados obtidos nos questionários demonstrados nesse quadro,
faço referência à fala do autor Dewey, citado por Barbosa (2001), sobre a articulação entre
criação e apreciação, que é também o que fundamenta as propostas pós-modernas de
arte/educação. A relação ver/fazer, que é definidora das propostas pós-modernas de
arte/educação, está presente na abordagem triangular, articulando arte como expressão e arte
como cultura.
A Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa é hoje a principal referência do
ensino da arte no Brasil. Essa proposta procura envolver vários pontos de
ensino/aprendizagem ao mesmo tempo, entre os principais estão: leitura da imagem, objeto ou
campo de sentido da arte (análise, interpretação e julgamento), contextualização e prática
artística (o fazer). É uma teoria que fornece a base para compreender e ensinar a arte no seu
contexto.
Busco esse referencial teórico sobre a Abordagem Triangular do Ensino da Arte,
para possibilitar aos professores participantes da pesquisa um conhecimento nas vivências, em
outra etapa da pesquisa. Ana Mae Barbosa e outros autores têm ressaltado os significados do
contato com a arte produzida em diversas linguagens e espaços culturais. Para Barbosa
(2009), a Abordagem Triangular é um sistema cuja proposição depende da resposta que se
oferece à pergunta: como se dá o conhecimento em arte? Assim, por meio dele, qualquer
conteúdo, de qualquer natureza visual e estética, pode ser explorado, interpretado e
operacionalizado. Dessa forma, cabe ao professor fazer escolhas referentes ao que ensinar;
para tanto, precisa de conhecimentos estéticos que lhe possibilitem reconhecer os códigos e
valores culturais, seus e dos alunos.
60
Quadro 13 - Grau de dificuldade para responder ao questionário
Afirmação Nº de professores
Fácil 30
Médio 28
Difícil 12
Muito difícil 08
Total 78
Fonte: Dados coletados da pesquisa (questionários) Mestrado em Educação, 2010.
Enfim, reportando ao último quadro, percebi que os professores não encontraram
muitas dificuldades para responder ao questionário. Dos 78 questionados, 30 deles afirmaram
ser fácil, 29 dos participantes disseram que o questionário apresentou nível médio de
dificuldade para eles, e o restante ficou entre difícil e muito difícil, como mostra o quadro 13.
Resumindo, constatei que a carência de conceitos teórico-práticos está presente na ação,
atitude e postura dessa parcela docente estudada e que provavelmente deve ser a questão de
muitos professores atuando em classes infantis com relação às diversas linguagens da arte.
Diante dos dados dos questionários, posso dizer que a clientela de professores
participantes da pesquisa apontou limitações sobre a compreensão em arte, sua prática com as
linguagens da arte. A isso se misturaram alguns comportamentos de descaso, conflito, e
esforço para cumprir mais uma “obrigação”.
A ausência da verdadeira arte no fazer pedagógico do professor foi expressa no
descaso: a arte sendo percebida como “uma disciplina obrigatória” e “perda de tempo”. Por
outro lado, em determinadas posturas, ela está presente, mas o professor sente-se em conflito
por desconhecer a natureza do conteúdo artístico da obra. Considerando e analisando com
criticidade as respostas dos professores investigados, fica evidente a falta de participação,
teórica e prática, do professor com relação aos conteúdos e apreciação pela arte, cultura
produzida pelo homem local e pela humanidade, o que influencia a sua práxis e emerge a
exclusão dos conceitos artístico-culturais.
Pude verificar, ainda, a falta de um componente crítico sobre a arte nos
professores investigados. Sendo essa uma preocupação antiga, aprofundei-me no interior das
vivências, pois muitos professores carecem mergulhar no universo dessas linguagens, através
das vivências, segunda etapa da investigação, nesse conteúdo.
Com base nos questionários, foram feitas análises, com anotações a partir dos
dados coletados, para uma maior compreensão do assunto investigado e estudado. Foram
registradas algumas observações que resumidamente mostram que a clientela de professores
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participantes da pesquisa encontra limitações diante da compreensão em arte, sua prática com
as linguagens da arte, caracterizando um misto de posturas, como: ausência e descaso,
presença e conflito e, por outro lado, existência de obrigação.
Ponderei também que há, em algumas instituições, como citado por alguns dos
professores entrevistados, que há professores que acreditam não ser de responsabilidade deles
saber arte. E há aquelas escolas que não têm professor de arte e precisam dar o conteúdo do
material que trabalham. Foi relatado por alguns destes professores investigados que eles
fazem uso do material didático por obrigação, pois está no currículo, tem que ser dado.
Recaem naqueles mesmos modelos, ultrapassados, mas também na prática, em sala de aula,
realizam atividades extras ao material, fazendo uso da arte pela "livre expressão" e a arte
como "técnica", o fazer pelo fazer, com atividades de reprodução (o mesmo desenho
“xerocado” para todos - iguais e em escala de técnica para aprender a desenhar, ou respeitar o
limite do desenho na pintura). Uma produção sem reflexão.
Constatando todos esses aspectos no decorrer desta investigação, que possibilitou,
no segundo momento, oportunizar as vivências com arte, pela necessidade de compreender
melhor a relação entre o sujeito da pesquisa e as linguagens da arte em seu conteúdo estético,
artístico e filosófico, presumindo, ainda, que só se tem descaso por algo quando não se tem
conhecimento de causa, os conflitos surgem como problematização, mas são necessários
instrumentos (conhecimento) para transpor, transformar o que incomoda. Por fim, a obrigação
sem conhecimento da necessidade não torna a lei importante e respeitada com seu teor de
satisfação e realização plena. Em resumo, há, portanto, a necessidade de conhecer a arte para
fazer, apreciar e refletir, contextualizando-a.
3.3 AS VIVÊNCIAS COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Neste subtópico, busco fazer uma apresentação dos resultados, produto da análise
de dados sobre as vivências. Com base nos dados e resultados dos questionários, 68 (sessenta
e oito) aceitaram dar continuidade à sua participação na pesquisa, receberam a carta-convite,
retornando-a assinada. Os 68 participantes (professores) foram divididos em dois grupos, o
primeiro grupo, que iniciou o primeiro encontro, ficou estabelecido em 35 professores, e o
segundo formou-se com 33. As vivências ocorreram em diferentes dias entre os anos de 2010,
2011 e 2012, uma vez por mês e semanalmente nos 15 dias nos meses de julho (férias do
professor), por sugestão do grupo, devido à possibilidade de participação. Foi possível
oportunizar aos professores, nesses encontros, acesso aos conteúdos teóricos e a interação de
62
tais conteúdos nas suas práticas desenvolvidas nas mencionadas vivências. Estas foram
escolhidas como procedimento mais importante desta investigação exatamente por possibilitar
experiências teórico-práticas. (ver projeto – apêndice B).
As vivências forneceram contextos para análise, através dos relatos e depoimentos
dos participantes, realizados após as atividades, em rodas de conversação sobre a atividade
realizada, assim como durante o processo de interação com a arte e com o grupo. As
observações realizadas por ocasião das vivências foram registradas por mim em um Diário de
campo (apêndice C), onde criei códigos, para uso pessoal, possibilitando as anotações.
Nesse contexto, cito algumas respostas frente à atividade de reflexão proposta,
sendo selecionadas apenas algumas delas devido à impossibilidade de transcrição de todas. Os
participantes da pesquisa e suas falas são identificados através de um código linguístico (letras
maiúsculas do alfabeto, sendo a letra do início do seu nome e, em seguida, a rede de ensino na
qual este profissional atua).
Os momentos de reflexão compartilhada sobre a prática foram expressos em
diálogos, relatos sobre os saberes. Por ocasião, foi também garantida a promoção de encontros
sistemáticos sobre temas de estudos, definidos conjuntamente. A realização das vivências
evidenciou que as atividades com linguagens da arte podem ser significadas de formas
diversas dependendo da relação entre a intencionalidade do professor e o contexto em que são
propostas às crianças para as quais se destinam.
Houve um momento durante as vivências que favoreceu relatos de práticas de
professores com crianças (seus alunos). Foi feita a análise, em conjunto, das referidas práticas,
e nelas notei um desinteresse, uma falta de postura pedagógica de alguns participantes. Isso
ocorreu particularmente sobre o conteúdo da linguagem estética e artística das crianças e o
desenvolvimento das possibilidades de leitura e expressão em linguagens da arte. O curioso é
que esse descaso, esse desinteresse, sempre era justificado pelos participantes pela ausência
do conhecimento sobre o assunto.
Nesse sentido, constatei com as teorias estudadas de autores como Ana Mae
Barbosa, Fusari e Ferraz, Teca Alencar Brito, Pillar, Ostetto e Leite, entre outros, para
compreender as linguagens da arte e sua especificidade, como também a teoria vygotskyana,
pensamento e linguagem, para compreender o processo ensino aprendizagem “interior” das
vivências com possibilidade de reflexão a respeito da formação do professor frente às
mesmas, de compreender a formação inicial problematizando as limitações e possibilidades,
favorecendo uma formação continuada. Para tanto, era necessário, aos poucos, ir introduzindo
conteúdos desses autores acima referenciados.
63
As discussões foram iniciadas mostrando que a educação infantil é um campo de
conhecimento composto por linguagens que são significadas pelas crianças em situações de
leituras das representações artísticas nas artes visuais, teatro, música, dança, entre outras.
Portanto, a contextualização e o fazer prazeroso e criativo de atividades que envolvem tais
linguagens/conhecimentos é muito importante. A problematização de um conteúdo de
linguagem da arte abarca questões de análise dos elementos formais que compõem uma obra
de arte e, também, questões relativas ao contexto da produção da obra, que são aspectos
pertinentes ao conhecimento do professor.
Os significados atribuídos às linguagens da arte no contexto das ações de
professores investigados apontaram, através dos questionários, para a necessidade de permitir
um referencial, mais amplo, de leitura de práticas docentes para o ensino das linguagens da
arte na infância de crianças brasileiras, por isso, na postura de pesquisadora, percebi e senti a
necessidade das vivências, pois somente os questionários não dariam conta da complexidade
da pesquisa.
Ficou claro que o posicionamento dos professores participantes das vivências, no
contexto de atuação dos mesmos em relação aos conhecimentos sobre as linguagens da arte,
influencia o seu fazer e atuar.
Os temas das atividades propostas nas vivências foram emergindo a partir da
compreensão das necessidades e desejos infantis. Assim, foram analisados o objeto e o
conteúdo da arte frente à necessidade da criança. Fazia-se necessário ampliar o repertório de
saberes dos professores, pois favoreceria a aprendizagem que envolve conceitos das
linguagens da arte; assim, estariam sendo articulados processos de mediação com consciência
e intencionalidade, e de modo coerente ao atendimento à infância.
Para organizar os encontros das vivências, partimos das reflexões sobre as
linguagens da arte e seu ensino e da criança em desenvolvimento. Os relatos e estudos
levaram a olhar para as dimensões do universo artístico presentes na sala de aula: a arte como
linguagem, a arte como expressão da cultura e a arte como conhecimento. Tal classificação
vem sendo explorada, entre outros, por autores como Freitas (2005).
Durante as vivências, foram produzidos trabalhos que versaram sobre diferentes
aspectos do ensino de arte na infância: teoria, a organização curricular e a formação de
professores para oportunizarem música na educação infantil, jogo teatral, ensino de dança,
mediação em artes visuais, o desenho e a expressividade da criança, entre outras linguagens,
na educação infantil.
64
Através dos estudos dos temas citados, o diálogo continuou com o grupo de
professores participantes da pesquisa, ou seja, na prática das vivências, produzindo novos
questionamentos como também relatos, por partes deles (os professores), conduzindo a uma
nova maneira de pensar sobre o trabalho com crianças nas ações do grupo de professores.
Em uma primeira parte, apresento os resultados referentes às mudanças descritas
no relato das professoras com relação ao processo pedagógico na relação das crianças com as
linguagens da arte. Estabeleci possíveis relações sobre as práticas pedagógicas e a interação
do professor com os conteúdos e contexto das linguagens da arte desenvolvidas na escola. O
conhecimento específico sobre os conceitos (artísticos) é de suma importância para uma
prática educativa de qualidade e coerente com o ensino de arte para crianças.
Em seguida, apresentei os resultados referentes às mudanças descritas no relato
das professoras com relação ao processo pedagógico. Socializo algumas fotografias que
ilustram as vivências.
Nesta parte, também estabeleci possíveis relações entre as mudanças percebidas e
as práticas pedagógicas, faço comentários sobre a interação do professor nos conteúdos e
contextos das linguagens da arte desenvolvidas nas vivências. Destaco abaixo os quatro
subtemas que serviram de base nas discussões e reflexões do grupo, por ocasião das
vivências:
1. Organização do trabalho com linguagens musicais através dos objetos sonoros,
construção dos objetos sonoros pelo professor, através da elaboração da
paródia;
2. Estética na linguagem cênica e corporal;
3. Leitura e releitura de obras de arte na educação infantil, sob a visão crítica do
professor, contribuição das obras realizadas por crianças;
4. Natureza das vivências com os sujeitos envolvidos na pesquisa.
Os professores apontaram dificuldades de enfrentar os grandes desafios no que se
refere ao fazer pedagógico com os conhecimentos artístico-culturais, exigidos na profissão do
professor. Um desses desafios estava ligado ao conhecimento sobre o conceito estético e arte
na realidade, desafios da contemporaneidade. Nos encontros posteriores das vivências,
abordei questões na relação entre o entendimento contemporâneo de estética e das linguagens
da arte, e como a estética perpassa as nossas ações junto às crianças, considerando a
capacidade que nos permite vivenciar experiências lúdicas que, de forma muito parecida com
as experiências estéticas, fazem-nos sentir energizados.
Admitindo que a manifestação artística esteja ligada aos sentimentos, ao
65
emocional, à sensibilidade, explorei essas questões. Em toda atividade artística há emoções. É
na ação da arte que a emoção se organiza. A criança é pura emoção, com curiosidade
desvenda o mundo através da expressividade do fazer artístico, organiza seu pensamento a
partir do desenvolvimento das funções superiores. As atividades, nesta faixa etária da vida,
devem ser estimuladoras e diversificadas na sua expressividade. Faço uma breve reflexão,
reportando-me às autoras Ferraz e Fusari (1993):
As práticas educativas surgem de mobilizações sociais, pedagógicas, filosóficas, e,
no caso de arte, também artísticas e estéticas. Quando caracterizadas em seus
diferentes momentos históricos, ajudam a compreender melhor a questão do
processo educacional e sua relação com a própria vida. (FERRAZ; FUSARI, 1993,
p. 27).
No entendimento das autoras, é preciso dar ênfase à prática dos professores que
precisam estar atentos, no seu tempo real, a uma prática educativa contextualizada, inserida na
história e na cultura, relacionando o ser e estar no mundo, num processo também estético.
Outro componente teórico que considero importante trazer à luz para a reflexão
nesta investigação são as contribuições do educador norte-americano John Dewey, importante
referência quando o assunto é educação democrática e “Escola Nova”. Dewey (1980) afirma
que o processo educativo ocorre na interação entre a criança, ser em desenvolvimento, a
experiência e os valores e ideias acumuladas pelos adultos. Enquanto experiência, tem um
caráter prático e articula-se com a vida e com a cultura. Conforme Barbosa (2001),
Dewey assegura que o processo educativo ocorre na interação entre a criança, ser em
desenvolvimento, a experiência e os valores e ideias acumuladas pelos adultos. Enquanto
experiência, tem um caráter prático e articula-se com a vida e com a cultura. Para Dewey
(1980), uma experiência possui uma unidade que a identifica. A existência dessa unidade está
constituída por uma qualidade que penetra toda a experiência, apesar das diferenças de suas
partes constitutivas. Essa unidade não é somente emocional, prática ou intelectual, é um
conjunto disso tudo.
As experiências com objetos artísticos têm, como característica predominante, a
qualidade estética. Dewey (1980) explica que a qualidade estética está presente em todas as
experiências e a oportunidade de professores e crianças enriquecerem seu repertório estético
na infância é uma riqueza para o desenvolvimento humano.
A influência das ideias de Dewey penetrou o meio intelectual brasileiro a partir de
1927, através de um intercâmbio com a Universidade de Columbia, o qual levou alguns
professores a frequentarem o Teacher’s College, onde Dewey atuava. Mas é na obra de
66
Anísio Teixeira, que também esteve em Columbia em 1928, que essas influências se tornam
mais explícita. Teixeira não trata, entretanto, especificamente da problemática da arte e de sua
importância para a educação, assunto tão extensamente abordado por Dewey, tudo deveria ser
sentido, experienciado, não reduzindo à função instrumental. Os conceitos de Dewey e sua
aplicação na arte-educação foram por vezes mal-entendidos, sendo feitas interpretações
errôneas. De uma maneira geral, os grupos ligados ao Movimento da Escola Nova atribuíram
à arte uma função instrumental, reduzindo-a a um mero auxiliar de outras disciplinas, cuja
função seria lhes dar um fecho, auxiliá-las em sua compreensão e conclusão.
A reflexão sobre o valor estético, como tal, leva a repensar o sujeito e as
transformações ao longo de sua história. Segundo as reflexões de Rocha (2010), “o sujeito
assume diferentes diretrizes ideológicas durante sua vida”. Portanto, abordar o tema de arte e
estética favoreceu, nas vivências, as situações de aprendizagem para os professores, visto que
eles próprios podiam expressar suas percepções e conhecimentos sobre as imagens, obras de
arte.
Os conteúdos trabalhados nas vivências foram expressivos do universo das
linguagens artísticas, além de serem vivenciados os relatos de professores e de crianças por
eles atendidas. As discussões visaram a estimular não só a socialização das atividades
realizadas, mas também a expressão de uma postura crítica em face à prática. Assim, tratei de
compreender o espaço das vivências como espaço de ampliação de experiências, de
construção de olhares, escutas e movimentos sensíveis. Fui percebendo que a cada contato
com estes profissionais (participantes das vivências), nos dois grupos de diferentes pessoas, as
reações denotavam o mesmo aprisionamento (alguns até reprimidos) na sua forma inventiva e
dimensão criadora, com dificuldade de ousar. Em certas atividades, como a linguagem
musical e corporal, notei certa timidez, como movimentos contidos, as cantigas apresentadas
por uns em partes até esquecidas, necessitando da ajuda do outro para fazer lembrar os gestos.
3.3.1 Organização do trabalho com linguagem
O primeiro conceito de linguagem da arte a ser explorado foi a Organização do
trabalho com linguagem musical. Foram abordados conceitos sobre música: parâmetros do
som; noções de harmonia, melodia e ritmo; parlendas; músicas do cancioneiro popular;
cirandas e cantigas de roda, como também o som produzido pelo corpo e instrumentos
confeccionados com materiais alternativos pelos participantes das vivências.
Com relação ao trabalho da escola e do professor, esta linguagem (a música)
67
possibilita ter conhecimentos específicos da mesma, além de oportunizar um aprender a
escutar. E aprender a escutar é fator que reafirma a importância da criança experimentar os
sabores das brincadeiras musicais de maneira expressiva e criativa. Brito (2003, p. 187)
chama atenção para a percepção do som, o ouvir como parte da integração entre o homem e o
meio em que vive.
Considerei importante questionar aquilo que parece óbvio: a música na escola,
estimulando um empenho coletivo em ocupar esse espaço escolar com esse tipo de
linguagem. Sugeri buscar propostas pedagógicas e metodológicas adequadas para uso dessa
linguagem.
Assim, para uma análise crítica a respeito da educação musical nas escolas de
educação infantil, tomei como base dados coletados nos questionários e durante as vivências.
Os estudos e encontros se desenrolaram no sentido de problematizar a temática das vivências
com a música, especialmente, o tratamento da formação inicial do pedagogo no tocante à
linguagem musical. Esse profissional lida frequentemente com a música no ambiente escolar,
realiza atividades cantadas (brincadeiras cantadas), canta com os alunos melodias que
favoreçam o momento do lanche, da higiene pessoal, da oração; remete-os a sons com
determinado trecho musical para que uma brincadeira seja realizada; prepara-os com canções
para festividades da escola. Enfim, poderia citar aqui inúmeras situações em que o pedagogo
se utiliza de expedientes musicais em sua rotina escolar.
A música é utilizada com finalidades lúdicas, como recurso pedagógico para outra
área do saber, como mecanismo de controle, porém dificilmente trabalhada enquanto
disciplina autônoma dotada de especificidades: objeto de estudo próprio, conteúdos, técnicas,
referenciais e metodologias particulares que possam ampliar o contexto ensino aprendizagem
com relação aos elementos dos sons, e códigos da cultura musical. A explicação para isso
pode levar a um leque de possibilidades, todavia o problema maior parece residir na
insuficiência da preparação musical em cursos de Pedagogia; a deficiência de tais
conhecimentos faz perder-se no processo educativo, pois como ensinar algo que não se tem
propriedade de conhecimento.
Durante as vivências de sons foi possível estabelecer conhecimento sobre seus
elementos e a efetivação de um diálogo consciente e construtivo entre o professor (pedagogo)
e a música. Sabe-se a presença da música na vida das pessoas é incontestável, uma vez que ela
tem acompanhado a história da humanidade, ao longo dos tempos, exercendo as mais
diferentes funções.
Portanto, também é importante salientar que ouvir música, aprender uma canção,
68
brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos, são atividades que despertam, estimulam e
desenvolvem o gosto pela atividade musical, além de propiciar a vivência de elementos
estruturais dessa linguagem. Ressalto a reflexão sobre a formação do professor crítico-
reflexiva, urgente e necessária, para que forneça ao professor os meios de um pensamento e
que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Partindo dessa reflexão, destaco as
vivências com a música como possibilidades de discutir e trabalhar a música com professores,
fornecendo subsídios para refletirem e sentirem a música.
Após as discussões acerca dos conteúdos que envolvem a música, foi possível
oportunizar momentos de conversação (em roda, sentados no chão) e registrar alguns diálogos
frente ao novo, o desconhecido, para alguns participantes, que, no momento da conversação e
no trabalho ativo nas vivências: “[...] Confesso que não tenho conhecimento e me sinto
despreparada para explorar o potencial das crianças, com relação aos elementos do som e
ao ensino de música.” (prof.ª M., Ens. Públ.)
Fica evidente que a falta de conhecimentos sobre a linguagem musical é o maior
obstáculo encontrado pelas professoras que atuam nas classes infantis, exceto pelo ato de
cantar, como “brincadeiras cantadas”, “cantigas”. A fala da professora M. aponta para a falta
de conhecimentos teóricos e práticos, para trabalhar com os elementos do som. Isso faz com
que sinta insegurança para realizar o ensino de música.
“[...] Gostaria de participar de oficinas ou vivências específicas nessa área, para
aprofundar melhor meus conhecimentos sobre como trabalhar sons com as crianças e saber
mais sobre a influência da música na aprendizagem da criança.” (Prof.ª J., Ens. Públ.)
Atualmente, no Brasil, muito tem se feito a favor do pedagógico nas classes
infantis, pesquisas, estudos frequentes, leis que expressam o direito da infância, porém aquele
que seria, a meu ver, o principal interessado, o que vai intervir no seu processo ensino
aprendizagem, o professor, conta muito pouco com este preparo. Os cursos de formação
continuada, oferecidos pelos municípios, considerando relatos da grande maioria dos
participantes da pesquisa, chegam de uma forma em que os temas não vêm ao encontro das
necessidades dos interessados, inclusive sobre as linguagens da arte, como citados por alguns,
é pouco oferecido. Os temas mais frequentes são (citados pelos participantes das vivências)
sobre inclusão (mencionado por eles como sendo um pouco fora da realidade), “pois o estado
e município não dão conta da acessibilidade do necessitado” (fala da profª. J., Ens. Públ.),
sobre “projeto” e “alfabetização e letramento”. Questionei sobre as linguagens estarem sendo
abordadas nestes temas, já que o projeto é desenvolvido de forma interdisciplinar, então
recebi muitas respostas, mas quero dar destaque a esta da professora: “[...] acho que a pessoa
69
que ensina a fazer o projeto, nos cursos, sabe todos os passos do projeto, formulação de
objetivos, etc., porém parece saber detalhadamente aquele assunto. E tem mais, muitas
pessoas não conhecem a arte de verdade.” (Profª. R., Ensino Públ.).
A cada relato, após as atividades teórico-práticas com as linguagens da arte, ia
compondo o “quebra cabeça” dos meus achados na pesquisa. Dando continuidade, segue mais
uma fala da mesma professora. Observei que a expressão da professora demonstra uma
postura criativa e interessada, em querer saber mais para melhorar a qualidade de seu
trabalho: “[...] Era bom se as secretarias ou o MEC disponibilizassem, para todos os CEI, um
professor especializado em música, para ensinar a nós, professores, que carecemos de
embasamento teórico-prático, para saber a importância de cada item da música que for
trabalhado. Outro dia fiz com minhas crianças um chocalho com pet e grãos de milho, pois
estou sempre buscando na internet modelos de atividades. Mas na hora ‘H’, onde eu teria
que produzir diferentes sons com as crianças, eu tocava de qualquer jeito, pois eu não
conseguia fazer os movimentos que diferenciassem os sons, acho que são os ‘ritmos’. Mas
para minha surpresa, de repente o meu aluno J., de 4 anos, produziu sons diferenciados com
o mesmo objeto, e as crianças diziam que era a música da novela da noite. ‘Igual à música
que toca na TV’, falou a M., 4 anos.” (Prof.ª R. Ens. Públ. e Part.)
Sugiram também alguns argumentos segundo os quais não era necessário ensinar
os elementos da música para as crianças. Não posso deixar de dizer que, além dos
depoimentos, também observei cuidadosamente os olhares, a postura, a curiosidade dos
professores. Percebi que, ao manifestar desejo de ampliar seus conhecimentos musicais e
demonstrar preocupação com a educação musical, as professoras também explicitaram, na sua
maioria, desejo em melhorar sua prática.
Partindo para a vivência com arte na prática, foram oportunizados encontros com
os professores, conforme o Projeto Vivências com Arte com Professores (apêndice B). Tais
encontros foram destinados a:
a) confecção de instrumentos de sucata que produzem som (material: garrafa pet,
lata, lacre da lata (refrigerante), cabo de vassoura, pedrisco ou sementes, etc.);
b) construção de paródia, envolvendo o som do corpo, estalar dedos, bater palma
(grave, estrela, estalada, pingo), envolver a respiração, bater os pés, mãos no
peito, etc.).
Tanto na linguagem musical como teatral procurei dar destaque para alguns
autores que considero coerentes com as necessidades das vivências, como Spolin (1992), com
o jogo da improvisação (linguagem teatral), do “faz de conta”, e as contribuições de Brito
70
(2003), abordando as questões relacionadas à música na educação infantil, como o grupo
Barbatuques, que favorece o trabalho, produzindo música, utilizando o corpo na educação
infantil. Conforme meus conhecimentos, é um grupo brasileiro de percussão corporal, criado,
em 1995, pelo músico paulistano Fernando Barba. O Barbatuques tem como tema central sons
gerados unicamente através do corpo, vem desenvolvendo pesquisas, oficinas, palestras e
apresentações em São Paulo com sede pelo Brasil e países como Líbano, Rússia, Colômbia,
França e USA. Com quatorze componentes fixos, esse grupo, através de batuques e, algumas
vezes, voz, valoriza a cultura brasileira no palco e mostra a importância da coletividade, pois
os sons são produzidos no coletivo.
Após abordarmos aos participantes sobre Barbatuques, dialogamos sobre o gosto
pelas linguagens da arte, o envolvimento em expressar com conhecimento e gosto essas
linguagens, e destacamos, nesta vivência, a linguagem musical. Antes de iniciarmos o
processo de interação entre professor e a linguagem musical, discutimos sobre o papel do
professor frente à arte. Torna-se importante que os alunos aprendam a fazer arte e gostar dela.
Interessante que dentro dessa premissa, posso descrever a observação da seguinte professora
“[...] Então será que a certeza do gosto da criança por aprender arte advém também da
qualidade da mediação que o professor realiza durante o processo de aprendizagem da
criança, as novidades e atrativos no seu fazer e refletir a arte?” (Profª. M., Ens. Part.)
Corroborando a reflexão em torno dessa observação, Iavelberg explica que a
“ação envolve aspectos cognitivos e afetivos que passam pela relação professor/aluno e
aluno/aluno, estendendo-se a todos os tipos de relações que se articulam no ambiente escolar”.
(IAVELBERG, 2003, p. 10). Ainda destacando as reflexões da autora frente a esse contexto,
cabe acentuar que o professor precisa acreditar em si, tendo a consciência de si próprio (no ato
de aprender arte). Deve também ser conhecedor do outro (o aluno), oportunizando à criança
ter consciência de si própria, como uma pessoa que é capaz de aprender (arte). Esta
capacidade de aprender pode ser construída ou destruída na sala de aula, e é de
responsabilidade do professor no ato de ensinar a gostar de aprender arte. (IAVELBERG,
2003, p. 10).
Iniciamos nossas atividades práticas em julho de 2011, no friozinho do inverno,
um convite para envolver os movimentos corporais e produções sonoras.
71
Figura 1 – Vivência com a linguagem musical: som do corpo
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2011.
Nas vivências da música, nas atividades desenvolvidas com a música, cito as
reflexões de Jeandot (1993) e Borges (1994). Jeandot (1993) relata que a receptividade à
música é um fenômeno corporal. De acordo com a autora, a criança, ao nascer, passa a ter
contato com um universo sonoro que se localiza em torno dela, ou seja, os sons produzidos
pelos objetos e pelos seres vivos. Assim, torna-se imediata a relação da criança com a música,
seja através dos aparelhos que produzem sons, seja através das músicas cantadas por outras
pessoas ou música de ninar cantada pela mãe. Ainda a autora enfatiza o fato das crianças
gostarem de acompanhar as músicas com movimentos corporais, seja com palmas,
sapateados, volteios de cabeça, danças, entre outros, sendo a partir dessa relação entre o som e
o ser e o gesto da criança que ela constrói seu conhecimento sobre música. Borges (1994), por
sua vez, explica que, embora se concorde com a importância que a música tem na educação
das crianças, é frequente se deparar, nas classes pré-escolares, com atividades musicais
limitadas exclusivamente à reprodução de cantigas utilizadas com finalidades apenas
didáticas, quando as mesmas deveriam ligar-se primordialmente às emoções, no sentido de
proporcionar um momento de prazer ao ouvir, cantar, tocar e inventar sons e ritmos. Segundo
essa mesma autora, se a música for trabalhada na educação infantil somente com o objetivo de
ensinar conceitos matemáticos, anunciar o momento da história ou do lanche, ou reforçar
hábitos de higiene, a função primeira da mesma estará sendo desvirtuada.
Fornecer essas reflexões das autoras para o início das nossas vivências provocou
um grande debate sobre as questões relacionadas à especificidade da música e à formação
72
pedagógica do professor, produzindo diálogos e depoimentos pertinentes ao contexto
explorado pelo grupo nas vivências. Conhecer a realidade dos professores implica em fazer
um mapeamento, um levantamento das representações do conhecimento sobre o tema de
estudo das vivências, ou seja, a concepção que estes professores/participantes têm a respeito
do objeto do conhecimento. Esta concepção é uma expressão da vida concreta e particular do
educador, daquilo que vivenciam cotidianamente de maneira próxima, mas também se
reproduz na prática social do educador. Dessa forma, os conceitos dos elementos do som,
como ritmo, intensidade, volume, entre outros, foram levados para a vivência, oportunizando
ao professor aprofundar e enriquecer a compreensão e reconceituá-los em termos de uso
diário. Como era de hábito, a cada atividade trabalhada com as linguagens da arte nas
vivências, era possível o fechamento com a roda de debate. Diante do contexto em destaque
sobre o ensino da linguagem musical para crianças, dou destaque ao depoimento abaixo da
professora A: “[...] Às vezes até encontro conteúdos sobre a música e elementos do som,
porém o problema está em como trabalhar estes conteúdos com as crianças, cada escola tem
seus planos diferentes, na mesma escola o planejamento da educação infantil fica por conta
do educador, tem às vezes duas turmas da mesma classe (turma GT2, ou jardim II) e cada
professor faz seu planejamento diferente. Agora quando se trabalha com a apostila na
educação infantil, todos trabalham o mesmo conteúdo, pois é sequência das páginas, então
precisa as duas turmas estarem juntas.” (Profª. A. Ens. Públ. e Part.).
O depoimento acima leva a refletir sobre uma questão teórico-prática que envolve
muitos aspectos no cotidiano da escola. A maior dificuldade para os docentes não se encontra
justamente no conceitual – científico do conteúdo que, de certa forma, poderão vir a ter acesso
ao aprendizado e dominá-lo, o que foi percebido durante esta vivência, mas nas outras
dimensões que provavelmente não foram trabalhadas em seu curso de formação, ou seja, a
resolução desses na prática social. Contudo, penso que os conteúdos escolares, aqui se
tratando dos conteúdos da linguagem musical, serão sempre um conteúdo de compreensão da
realidade em que professor e aluno estão inseridos. Acredito que os livros (apostilados)
didáticos não devem ser retirados da escola, é a partir desse instrumento que deve ser
questionado o seu valor social. Com isso, torna-se necessário que as questões de ensino e
aprendizagem sejam desafiadoras para a criança, a fim de que a dimensão científica seja
contrastada com a espontânea, e a criança, por sua vez, nesta comparação desenvolva seu
conhecimento e apreenda.
Faço um recorte e reporto-me à história sobre a preocupação com ensino de
música para crianças, como afirma a autora Rita Fucci, que em questão de ensino da música
73
para crianças na escola, na época entre as décadas de 1930 e 1950, já tinha como figura ilustre
e marcante Villa-Lobos. Ele alcançou um certo nível de conhecimento e sucesso, uma
vivência possibilitada pela aprendizagem do canto, confiando à escola um papel de grande
relevância na formação cultural dos indivíduos (FUCCI-AMATO, 2012). A autora ainda
afirma que “[...] é inegável o fato de que Villa-Lobos foi responsável por desenvolver o
principal projeto de educação musical já efetuado no Brasil, legando aos educadores musicais
que hoje buscam novas alternativas para estruturação do ensino musical na educação regular.”
(FUCCI-AMATO, 2012, p. 68-69).
Villa-Lobos, criador de inúmeras obras exclusivamente sobre o canto orfeônico,
via a arte pela perspectiva do desenvolvimento do cidadão brasileiro. Para Villa-Lobos, a
música é um fator ligado à coletividade, “uma vez que é um fenômeno vivo da criação de um
povo”. (VILLA-LOBOS, 1987, p. 80).
Conhecer essa realidade da conquista de Heitor Villa-Lobos, compreender que as
conquistas chegaram a uma organização da música vocal na rede oficial de ensino, veio
permitindo uma maior veiculação da música brasileira por muitas gerações, em um processo
de democratização e valorização da cultura, mesmo que apresentando deficiências
pedagógicas oriundas de uma empobrecida política no Brasil. Sendo assim, diante de tantas
leis insistindo em mudanças e permanecendo a música no contexto educacional, foi possível
chegar à década de 1970, quando, através da Lei nº 5.692/71 (BRASIL, 1971), o Conselho
Federal de Educação instituiu o curso de licenciatura em educação artística, alterando o
currículo (Parecer nº 1.284/73) do curso de educação musical, passando o currículo constar as
quatro áreas distintas: música, artes plásticas, cênicas e desenho, assim seria uma atividade
obrigatória no currículo escolar do 1º e 2º graus.
Atualmente, a educação musical está de volta à escola de modo sistemático e
substancial, com a aprovação da Lei nº 11.769/08, mas ainda persiste a dificuldade da
formação do profissional. (BRASIL, 2008). Este assunto sobre a formação do educador
musical tem sido um assunto muito discutido. Barbosa relata que “[...] o professor-educador
que não é capaz de lidar internamente e em profundidade consigo mesmo não se encontra
aparelhado para proporcionar experiência semelhante a outra pessoa humana”. (BARBOSA,
1998, p. 9).
Apresento essa reflexão, apoiada em estudo de grandes teóricos, sobre o acesso
dos conhecimentos da música e a relação da mesma no processo formação do professor, que
se sente tão distante desse processo educativo. Percebi que, durante as vivências, os
professores desconheciam a necessidade dos jogos musicais na infância.
74
Tratando-se de professor da educação infantil, no qual se caracterizava o trabalho
realizado pelos participantes da pesquisa (professores), enfatizo a contribuição da autora
Jeandot (1993), possibilitando o trabalho com o grupo (nas vivências); algumas das sugestões
fornecidas pela autora, no desenvolvimento de jogos musicais, vêm ao encontro do relato da
participante (professora A.), assim como a necessidade da vivência com esta linguagem
(musical), como a noção de movimento/som e silêncio, experiência sonora: exploração de
possibilidades sonoras com o som da boca e do corpo, reações a estímulo sonoro e noção de
tempo e espaço, entre outras atividades que envolvem o corpo sonoro.
Com os dois grupos relacionados nas vivências, nos quatro encontros, além dos
instrumentos confeccionados, o som trabalhado com o corpo, com improvisação de canções,
produções de paródia, foi possível, ainda, fazer um estudo sobre os elementos do som, sua
composição, como ritmo, harmonia, entre outros. Diante desse trabalho gratificante no interior
das vivências, pude perceber o entusiasmo e compreensão dos professores acerca dos
conhecimentos dialeticamente abordados, inclusive teorizar a prática observando a diferença
entre composição e improvisação. A roda de conversação frente ao conteúdo de linguagem da
arte musical vivenciado propiciou e favoreceu o relato da professora B., em que demonstra a
sua responsabilidade em participar do processo das vivências, assegurando um conhecimento
que confirmasse sua compreensão e clareza nas diferenças contidas entre as duas atividades:
“[...] Gostei de participar das atividades de improvisação, com percussão corporal e com os
materiais de sucata, ficou claro [sic] para mim a diferença da improvisação, quando
livremente experimentava a produção do som do meu corpo, diferente da interpretação,
quando reproduzíamos as canções, como a do ‘Ilibum’, e a composição quando assistimos ao
CD-ROM, como quando o músico tentava compor uma melodia, lembrei até de um filme que
assisti, acho que o nome é ‘O som do coração’.” (Profª. B., Ens. Part.).
Esse contexto experimentado na teoria e prática das vivências, com a linguagem
musical, com certeza fará toda diferença na vida dos participantes da mesma. Cabe mencionar
o trabalho realizado com a música do “Ilibum”, uma Brincadeira Cantada, da autora Lú
Chamusca (Salvador/BA), professora, arte-educadora e produtora, a quem tive o grande
prazer de conhecê-la no Congresso de Educação (PUC- Paraná). Essa Brincadeira Cantada,
que envolve a música (o canto) e os sons do corpo, num jogo de gestos e sons, refere-se a uma
canção que fascina as crianças de todas as idades, inclusive adultos, quando trabalhei em
muitas turmas no curso de pós-graduação e todos se sentiam contagiados pela melodia e letra
da música, como também o jogo teatral (faz de conta, que é o animal mencionado) que
apresenta. Reproduzimos a canção, cantando-a e encenando-a, pois a música sugere gestos e
75
sons, como: o bater com as mãos (ritmando), o estalar dos dedos (com harmonia), além do
processo imitativo, envolvendo o corpo atuando como personagens, os animais (elefante,
formiga, macaco, bicho preguiça e coelho), incorporando suas características e sons.
3.3.2 Estética na linguagem cênica e corporal
No contexto da vivência cênica e corporal, referenciei as autoras Ferraz e Fusari,
em seu livro “Arte na Educação Escolar”, onde abordam a educação estética, pontuando que o
ensino de arte (nos cursos):
Seja pensado também pelos caminhos da Educação Estética, a qual deverá articular-
se com esse ‘fazer’, partindo do contexto da percepção, do uso, conhecimento,
apreciação e crítica. A apreciação estética irá contribuir para a ampliação das
habilidades já existentes, estabelecendo no processo educacional a ponte entre o
fazer e o refletir (pensar). (2010, p. 58, grifos das autoras).
Desde o princípio desta investigação e, consequentemente, durante os momentos
das vivências, venho registrando as discussões tendo como base um posicionamento segundo
o qual a arte possui em seu valor um intenso vigor pedagógico. As vivências com a linguagem
teatral possibilitaram aos participantes problematizar reflexões em torno da arte e,
especificamente, a aprendizagem da estética do sujeito (participante-professor). Para discorrer
sobre essas questões em torno da arte, ressalto a relevância dos autores Barbosa (2003) e
Duarte Júnior (1998), sobre o estudo e a apreciação da arte, em que apresentam objetivos
diversos em torno de uma educação estética, compreendidas como ciência das sensações, ou
seja, o ato de conhecer é medido pela percepção sensorial e corporal do ser humano através
dos sentidos.
Utilizei essas referências teóricas e exponho agora um dos momentos registrados
sobre a “vivência cênica”.
Abordei o “Mito da Caverna”, de Platão, como possibilidade de levar o grupo a
um reconhecimento do corpo no ato cênico. Tal mito sustenta que o corpo é o cárcere da
alma, então estabeleci que a caverna (simulando com metros de Tecido Não Tecido (TNT), na
formação de uma caverna) seria o mundo sensível, o interior que existe dentro de cada um de
nós. Já o exterior da caverna, seria o mundo real, o mundo das ideias, como é estabelecido na
filosofia platônica. Assim, foi possível problematizar um debate sobre o corpo, o espaço, os
sentidos, o mundo das ideias, resultando que o homem é feito de corpo e alma e, assim,
pertencemos ao mesmo tempo a esses dois mundos. Trouxe essa reflexão para que
76
compreendessem a importância do homem de estar no mundo, podendo se colocar sob outra
atitude, reconstruindo um novo olhar sobre si, sobre o espaço, isto é: ilustrei como ocorre a
relação do homem com o mundo e com seu corpo.
Oportunizei que desejassem entrar na “caverna” ou não e ali solicitei que
refletissem sobre seu corpo, possibilitando que interagissem com o seu interior. Essa foi uma
atividade fascinante, conforme os depoimentos que surgiram dos professores participantes da
atividade. As vivências cênicas exigem do corpo o movimento, os gestos, a plasticidade
expressiva facial envolvida por um sentir interior. O corpo é, na verdade, o primeiro e maior
instrumento natural do homem e os movimentos deste corpo podem ser vistos como
traduzindo os elementos de uma cultura ou sociedade.
Meu objetivo e desejo, como mediadora, foi evidenciar que a matéria-prima
principal reflexiva e estética da linguagem cênica era o próprio corpo: a voz, o gesto e o
movimento de cada um. Isso era o que permitia ao mundo interior e exterior que as ações
emergissem em representações. Ao contracenar em uma peça ou atividade de improvisação
teatral, um sentir reflexivo e sensível e a possibilidade de exercício corporal e mental podem
favorecer o desenvolvimento infantil. Como observamos nos relatos a seguir: “Quando entrei
na caverna, e tentei sentir o meu corpo, parece que minhas pernas ficaram pesadas, pois
tentei sentir e ouvir a mim mesmo e o corpo parece que as pernas pararam, nunca tinha
parado para sentir meu corpo.” (Profª. O., Ens. Públ.). “[...] Eu fiquei agoniada, pois queria
saber o que estavam acontecendo aqui fora e pensado de mim aqui fora, ouvia as vozes mais
não via os rostos, só as pernas passado de um lado para o outro. O pior ainda é que fiquei
desconfiada, achando que iam dar algum susto em mim.” (Profª. M., Ens. Públ.).
A linguagem cênica constitui expressões simbólicas, reveladoras de anseios,
medos, buscas e evolução inerentes à condição humana, e a exploração dessa linguagem,
pelos profissionais da área, instiga questões existenciais. Além disso, promove o resgate dos
registros de experiências vividas, de imagens, sons, percepções; todas as expressões exigem
do corpo de quem está contracenando um redescobrir do próprio “eu”, reconhecendo-se na
própria história do homem e da sociedade.
Se o conhecimento se produz no âmbito mais complexo da investigação, de
acordo com Vygotsky (2001), os instrumentos disponíveis do sujeito são a razão, sentido-
corpo, intuição, sendo esses o ato de aprender nas interações sociais. (VYGOTSKY, 2001).
Portanto, entendemos a arte como pensamento e ação, na sua complexidade, articulando
intelecto (cognição), afetividade e psicomotricidade. Esses três aspectos da dimensão humana
foram a base do trabalho nas vivências com a linguagem cênica. As experiências que foram
77
oportunizadas favoreceram o exercício da exploração do sensível, crítico-reflexivo, o
movimento, o estímulo e a imaginação.
Segundo autora Viola Spolin, tem lugar de destaque a linguagem dramática.
Define o jogo teatral como fundamental para o desenvolvimento desse tipo de linguagem da
arte, como envolvimento, estimulação da criatividade, liberdade criadora, através da
experiência dessa linguagem. A experiência é, para Spolin (1992, p. 4), resultado do jogo, e,
considerando qualquer pessoa capaz de experimentar, ela afasta do seu programa de oficinas
qualquer suposição que pretenda relacionar o jogo à presença ou à ausência do talento, sendo
que toda pessoa pode experimentar. Quanto ao ensino à criança, poderíamos aqui pensar sobre
a necessidade do professor não relacionar esta atividade com talento para representar. Ainda
na compreensão da autora, se o ambiente permitir, a criança pode aprender qualquer coisa, o
ambiente lhe ensinará tudo que ele tem para ensinar. Portanto, “talento” ou a “falta de talento”
tem muito pouco a ver com esse processo de aprender arte teatral. (SPOLIN, 1992, p. 4).
Diante do exposto (fotos relacionadas no texto - 2, 3 e 4), a proposta das vivências
forneceu instrumentos significativos e desafiadores para a educação do sensível, o prazer
estético, criar, interagir, e expressar-se, ou seja, recriar transformando a realidade social,
histórica e cultural.
Foi oportunizado aos grupos trabalhar com a peça de teatro “O Rabo do Gato”, da
autora Lú Chamusca, professora, musicista e arte-educadora da Bahia/Salvador. Esta peça
infantil, de gênero dramático, é composta de um enredo musical, referente à parte falada (não
cantada) da peça; entretanto, o "enredo" pode também se referir à parte dramática do
espetáculo, quando ocorre uma interpretação teatral se relacionando com as performances de
dança, encenação e canto. O “Rabo do gato” conta a história dos animais, dando asas à
imaginação do universo infantil, pois dá voz aos animais, que dialogam. Foi possível compor
um grupo de participantes da vivência, para que fizessem uso de alguns instrumentos
confeccionados nas vivências da linguagem musical (reco-reco/garrafa de água, chocalho/lata
de refrigerante e pedrinhas, como tambor/lata de alumínio), confecção de instrumentos
rítmicos (figura 2) com os quais produziram sons e acompanharam o texto cantado. Esta peça
proporciona uma linguagem teatral que, diretamente, é vista (fruída e apreciada). A
participação do grupo foi encantadora e intenso o esforço do grupo do som em encontrar o
ritmo para o trecho cantado.
O mergulho na linguagem cênica com a peça “O Rabo do gato” buscou
possibilitar um repensar o mundo. O movimento e expressão física, improvisação, criação e
78
composição de personagens, cenário e figurino, tudo foi produzido pelos próprios
participantes do grupo, o que considerei um trabalho muito importante.
Figura 2 – Linguagem dramática, com trecho musical
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2011.
Figura 3 – Teatro musical
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2011.
79
Figura 4 – Vivências com o primeiro grupo de professores
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2011.
Figura 5 – Linguagem dramática e musical
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2011.
A seguir, apresento relatos e reflexões dos participantes do grupo das vivências da
linguagem cênica.
“[...] Eu nunca pensei sobre a arte, ou seja, aqui referindo à linguagem do teatro,
como um grande valor pedagógico cultural, jamais parei para pensar que o processo
cognitivo está relacionado nesta linguagem, favorecendo o pensamento e a ação, eu pensava
80
no teatro como uma forma de extravasar as angústia e a timidez, mas ao mesmo tempo
pensava na dificuldade de trabalhar com esta atividade.” (Profª. L., Ens. Públ.).
A fala da professora L. demonstra que ela deve ter recebido, em sua formação, a
arte como uma forma de liberação emocional, pensamento que permeou o movimento de
valorização da arte da criança após a queda do ‘Estado Novo’, responsável pelo entrave ao
desenvolvimento da Arte/Educação no Brasil, quando solidificou atitudes e procedimentos
antilibertários já ensaiados na educação brasileira anteriormente, como o desenho geométrico
na escola secundária e primária (BARBOSA, 2008b, p. 04). Essa concepção ainda permeia as
salas de aula até os dias de hoje, apesar de sabermos que o teatro possui sua especificidade,
seu conteúdo dramático, mesmo assim é concebido como catarse, utilizado somente para
favorecer a liberação de emoções, como no processo de apoio a outra atividade ou área de
conhecimento. Nesse contexto, o seu verdadeiro valor é desprezado, no entanto ele pode sim
favorecer esses aspectos, porém seu conteúdo não deve ser restrito à atividade relacionada às
emoções, mas ir além, num pensar mais filosófico de sua concepção crítica e reflexiva,
histórica e social, tendo como base a história do teatro nas práticas sociais da humanidade.
“[...] Quando fizemos um teatro, sempre é para eventos, então escolhemos as
crianças menos tímidas, que saibam falar alto e decorem as falas. Enfim, tenho a certeza que
não aprendi nada de arte na minha formação.” (Profª. O., Esc. Públ.).
Nesse segundo depoimento, faço as críticas necessárias para esta reflexão tendo
como base a década 1947, quando ocorreu uma supervalorização da arte como livre-
expressão. Essa ideia, antes introduzida no Brasil pela Escola Nova (BARBOSA, 1975, p.
44), tinha como principal finalidade permitir à criança o expressar de sentimentos, sem
perspectivas de aprendizagens relevantes em artes (BARBOSA, 2008b, p. 5). Compreendendo
ainda mais essa realidade no ensino de arte e a formação deste profissional participante da
pesquisa, busco situar, como já mencionado, o Movimento Escola Nova, originado no final do
século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, teve seus reflexos no Brasil por volta de 1930,
e, segundo Saviani (apud FERRAZ; FUSARI (2009, p. 33), a partir disso, deslocou-se o eixo
da questão pedagógica do intelecto para o sentimento, do aspecto lógico para o psicológico,
dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos, do professor para o
aluno, da disciplina para a espontaneidade.
“[...] Eu raramente trabalho teatro, somente para eventos na escola, quando a
opção é para teatro e não a dança, pois ensaiar a dança é melhor do que teatro. Nunca parei
para pensar no propósito pedagógico de ensinar teatro para criança, penso que minhas
crianças são muito pequenas para atividades de teatro.” (Profª. J., Ens. Part.).
81
Conforme a fala da professora, percebi que ainda se encontra na postura do
professor a dificuldade da mediação e adaptação das atividades de acordo com a faixa etária
que se trabalha. Acredito que o maior entrave no processo sala de aula hoje é saber para quem
irá ensinar, o que vai ensinar e, consequentemente, “como” e “quando” o professor deve
intervir no processo de mediação, como também adaptar o conhecimento sistematizado na
produção do conhecimento infantil.
“[...] Sempre busquei informações sobre arte, pois, além de ser recreativa,
deixando a criança feliz, com o uso de fantasias, no jogo lúdico do diálogo ‘faz de conta’.
Tanto para quem assiste como para quem vive os personagens, ainda, possibilita, para as
crianças, o conjunto de conhecimentos e produção de arte nesta área, que foi constituída
historicamente. E trabalhar estes conhecimentos com as crianças é valorizar a nossa cultura,
inserindo a criança no enredo ensinado, aumentamos o seu vocabulário e a apreciação da
mesma à dramaturgia [...]” (Prof.ª. L., Esc. Públ. e Part.)
Através dessa fala, notei que a necessidade do conhecimento na formação do
professor, as bases teóricas, nunca foram tão emergentes. Analisando os depoimentos,
percebo a diferença de postura, a compreensão lógica e sensível diante de uma proposta de
trabalho, pois saber quando o professor é parte do processo educativo emerge um saber
teoricamente elaborado à sua prática.
Refletindo sobre os depoimentos registrados nas fichas no Diário de campo do
interior das vivências, acentuo que se torna importante analisá-los dentro uma visão holística,
na qual o ser humano é um ser por inteiro, integral, não há como dissociar sua maneira de
pensar e sentir (ambas as potências se relacionam constantemente no processo ensino
aprendizagem). Houve um clima de estímulo e de aceitação mútua, gerando relatos
emocionantes, em que as informações fluíram de maneira notável e autêntica e os
participantes puderam vencer os obstáculos ao mergulhar nas atividades de arte propostas nas
vivências.
Além disso, o ser humano do professor sofre influência de várias instâncias, é
produto da história e produz história transformando ou reproduzindo-a sob a ótica da sua
cultura e da realidade já vivida e ainda vivendo. A sua formação também está inserida nesse
processo. O detalhe a considerar é o seguinte: quanto mais se aprende, mais o ser humano tem
bagagens de instrumentos para problematizar e transformar. É aqui que a arte entra com seu
poder de crítica à realidade vivida. O recriar parte da combinação do que já existe, utiliza
dados novos, transformando-os em sabedoria.
82
3.3.3 Obras de arte: linguagem plástica
O encontro destinado à vivência com a linguagem plástica remete à importância
de o professor conhecer os elementos significativos dessa linguagem, desde o ponto de vista
estético, técnico, expressivo e factual, dentro de uma postura criativa e reflexiva. Um dos
conteúdos é a leitura e releitura de obras de arte na educação infantil, sob a visão crítica do
professor, com a contribuição das obras realizadas por crianças. Esse foi o outro ponto
explorado nas vivências, buscando, ao mesmo tempo, compreender a realidade do professor
diante do seu repertório artístico e a possibilidade de formação continuada.
Um breve recorte na história mostra que, desde meados de 1990, implanta-se nas
escolas brasileiras a releitura, uma prática do fazer artístico. Segundo explica Rosa Iavelberg,
em seu livro “Para Gostar de Aprender Arte”, tal atividade foi indicada como um único fazer
artístico, e o mais grave é que, quando se falava em releitura, entendia-se como copiar as
obras. (IAVELBERG, 2003).
Com base na abordagem acerca da releitura da obra de arte que Barbosa
apresenta, faço a seguinte contribuição para reflexão sobre esta atividade: “releitura”. “O que
quer dizer releitura? Reler, ler novamente, dar novo significado, reinterpretar, pensar mais
uma vez.” (BARBOSA, 2005, p. 145). A autora acrescenta que releitura é quando o leitor se
apropria de uma obra (imagem) de outro artista e ela está contida inteira ou desconstruída,
mas está presente, como também pode significar criar o mundo ao nosso redor e criar a partir
de tantas coisas que vemos.
Durante o nosso diálogo, nas vivências, foi possível anotar alguns argumentos e
relatos sobre essa questão, no que diz respeito sobre “quem é o professor”. A professora M.
(Esc. Part.) argumentou ter feito esse tipo de trabalho em uma oficina de arte, proporcionada
pela Secretaria da Educação do seu município, na semana de capacitação docente. Uma das
atividades propostas era que fizessem a releitura da obra de Tarsila do Amaral, “A Família”,
Foi lhe dado material: cartolina, guache e pincéis. A proposta seria que relessem a obra,
observando suas formas e cores e tentassem desenhar e pintar com guache. Ainda completou
seu relato argumentando que “[...] No início achei chato, pois não tenho dom para o desenho,
não tenho firmeza nos traços, mas depois quando cheguei ao uso das tintas, o tempo passou e
eu estava mergulhada em cobrir meu desenho com as cores que ali estavam sem contar a paz
que sentia enquanto eu deslizava o pincel!” (Prof.ª M., Esc. Part.).
Ana Mae Barbosa (2010), com seu referencial sobre a Abordagem Triangular para
o ensino de arte, explica o que é uma leitura e releitura de obras de arte, discutidas também
83
nas vivências com professores. Ela diz que a releitura faz recriar uma obra de arte, o estilo de
quem relê, é uma prática muito comum no mundo das artes, artistas também fazem esta
atividade, criando um percurso poético, inspirando em obras conhecidas para elaborar a suas
próprias. Isso significa uma forma de intertextualidade, um diálogo entre uma obra e outra.
O exercício praticado com esta vivência era uma releitura de uma peça de teatro
apresentada pelo grupo, com fantoches. Em seguida, os participantes, em pequenos grupos,
fizeram uma releitura para a linguagem plástica, com recorte, colagem e uso de tintas, se fosse
necessário.
Figura 6 - Releitura da linguagem cênica, na linguagem visual (recorte colagem)
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2012.
Os conteúdos dessas linguagens forneceram inúmeros objetos artísticos
identificados pelos professores no seu cotidiano. Neste momento, incentivei-os a olhar com
intencionalidade estética para os objetos sensíveis do seu entorno, destacando a presença deles
no cotidiano do professor.
Em leitura e releitura em arte, refleti sobre as estratégias de leitura de arte com
professores em contextos diferentes, com as representações das linguagens artísticas do
desenho da colagem e da linguagem plástica.
Levei-os a perceber que propor situações de leitura de obras de arte para crianças
envolve os posicionamentos estético-artísticos dos professores. Esse tema possibilitou refletir
sobre a arte enquanto linguagem expressiva construída culturalmente. Foram feitos alguns
apontamentos frente às obras de arte com relação à necessidade de se pensar o quanto ela
84
(obra) desafia a criança quanto ao seu significado. As experiências de leitura e releituras de
arte podem significar para crianças e professores situações discursivas de construção de
sentidos para esta linguagem plástica e/ou visual de exercício de criação em linguagens
artísticas. Dessa forma, a concepção de releitura estendeu-se das artes visuais para uma
transposição de linguagens em que é possível transformar o texto visual em dança, música,
teatro, entre outras, como no caso da vivência (foto 5).
Foi importante elencar, durante as vivências, aspectos importantes para a
mediação do professor por turma. Procurei, nesta etapa das vivências, fazer algumas
considerações a respeito da relação entre as linguagens da arte e o atendimento à infância em
suas possibilidades de acesso à cultura.
Sendo crítica, era necessário propor-lhe um ensino coerente. Contatei a falta de
conhecimento específico, portanto necessitei ir além, trazer para as vivências embasamento
teórico, tanto no que diz respeito à História da Arte como textos de grandes teóricos da
educação e arte-educação, dividindo os professores, em cada momento distinto, em pequenos
grupos de trabalhos, propondo discussão, reflexão e socialização em grande grupo (Foto 6).
Figura 7 - Articulando teoria e prática a partir de análise frente às obras realizadas com
crianças
Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora, 2012.
85
O objetivo deste estudo foi dar destaque à formação do professor (pedagogo).
Acredito que não basta o acesso aos referenciais de ensino da arte. É preciso que eles
vivenciem as linguagens da arte, ao mesmo tempo em que refletem sobre experiências
estéticas e artísticas. Assim, penso que eles poderão tornar-se críticos com relação ao seu
fazer pedagógico.
Durante o processo das vivências, fui me convencendo de que a falta de interesse
de alguns estava associada à falta de conhecimento sobre o assunto. A maioria dos
professores, na sua prática, não tinha fundamentos crítico-filosóficos sobre uma obra de arte.
Para o estudo sobre imagens “Obras de arte”, oportunizei, então, espaços de
discussões acerca da teoria de Barbosa (1998), A Abordagem Triangular, concordando com
ela sobre o fato de que, no Brasil, nem a obrigatoriedade e o reconhecimento da necessidade
são suficientes para garantir, tanto na formação do professor quanto a existência das
linguagens da arte nas escolas e universidades.
A preocupação de Ana Mae é com a ação, ou seja, com o fazer pedagógico do
professor frente a seus alunos, com relação à concepção, conhecimentos, objetivos reais do
ensino da arte nas escolas. Porém, nesta pesquisa, acrescento a formação do professor da
educação infantil que trabalha com a infância, considerando que precisa estar qualificando no
campo dessas linguagens. O problema está na mentalidade, ação e reflexão sobre o que se
sabe sobre arte e a empatia que este professor tem com estas linguagens, que são variadas.
O processo da Abordagem Triangular teve início na década de 1980 e foi
sistematizado no período de 1987/1993 no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da
Universidade de São Paulo (USP). Surge da necessidade de uma prática de ensino pós-
moderno de arte e da procura de uma alternativa para prática de livre expressão do ensino
moderno de arte que já não corresponde às inúmeras tendências e aspectos da realidade
contemporânea.
A Abordagem Triangular está baseada nos princípios de três outras abordagens: as
Escuelas AL Aire Libre, do México; Critical Studies, da Inglaterra, e no Movimento de
Apreciação Estética aliado ao Discipline Based Art Education (DBAE), dos Estados Unidos.
(BARBOSA, 1998). As Escuelas AL Aire Libre, surgidas depois da Revolução Mexicana de
1910, constituíam um movimento educacional que pretendia a recuperação do padrão. A
Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa, é hoje a principal referência do ensino da arte
no Brasil. Essa proposta procura envolver vários pontos de ensino/aprendizagem ao mesmo
tempo, entre os principais estão: leitura da imagem, objeto ou campo de sentido da arte
(análise, interpretação e julgamento), contextualização e prática artística (o fazer).
86
Figura 8 – Reflexão da apresentação da proposta triangular para o ensino da arte
Fonte: Elaboração da autora, 2012.
Nesse contexto, podemos dizer que esta abordagem para o ensino das linguagens
da arte favorece a ampliação de fronteiras culturais e interdisciplinares, pelo fato de a arte ser
compreendida dentro dos aspectos histórico, social e cultural, pela arte nas sociedades e a
experimentação das linguagens artísticas. A Abordagem Triangular, assim definida, é uma
possibilidade concreta de um trabalho complexo em arte. Como afirma Ana Mae,
“contextualizar” é estabelecer relações no processo de ensino para que ele possa ser uma porta
aberta para a interdisciplinaridade. (BARBOSA, 1998, p. 38). Ainda sobre esse movimento,
Barbosa (2005) diz-se influenciada, principalmente, pelo inter-relacionamento entre arte como
expressão e arte como cultura na situação de ensino e aprendizagem. A autora destaca
também a influência do que foi colocado pelo movimento de apreciação estética, defendido
no DBAE, nos Estados Unidos.
Ana Mae, como pesquisadora, reuniu as vertentes da crítica e da estética na
“leitura de imagens”, para sistematizar a Abordagem Triangular, ressaltando ações a serem
observadas ao propor o acesso à arte: fazer/ler/contextualizar. No entender dessa mesma
autora (1998), a “contextualização” é marcada pela busca de reconstruir, junto aos alunos, o
contexto no qual o trabalho de arte aconteceu, situando-o em relação às experiências do
entorno desses alunos. “Contextualizar” envolve o universo estético vivencial que cerca a
obra, envolvendo a cultura e a pluralidade dessa cultura. A leitura de imagens diz respeito à
atribuição de significados tanto das obras de arte como das imagens do cotidiano por meio da
análise estética e crítica dessas produções. O “fazer” engloba as situações de produção, a
dimensão expressiva – emerge num processo criativo que é pessoal, e, ao mesmo tempo,
cultivado. Pessoal, porque o sujeito está diante do desafio de dar forma a seus pensamentos,
Refletir - Refletir – contextualizar sobre objeto da arte necessita do observador a
apreciação sobre este objeto, envolve contextos históricos, sociais e culturais.
Apreciar - O exercício da apreciação implica analisar a obra: por
onde começar? Como pensar a obra? Fazer - Você só faz arte, se aprecia, mas
para apreciar é preciso contextualizar a arte,
objetivando compreende-la. O fazer aqui, não se
esvazia na simples habilidade de ”fazer pelo
fazer”.
87
sentimentos e desejos; cultivado porque este processo está sempre sendo enriquecido pelas
informações culturais (contextualização) e pela leitura de imagens.
Dewey (1982) já defendia a articulação entre criação e apreciação, é também o
que fundamenta as propostas pós-modernas de arte/educação. A relação ver/fazer, definidora
das propostas pós-modernas de arte/educação, está presente na Abordagem Triangular,
articulando arte como expressão e arte como cultura. Barbosa (2009), por sua vez, salienta
que preparar as crianças para o entendimento das artes visuais é prepará-las para o
entendimento de qualquer imagem. Para isso, exigirá um currículo que interligue o fazer
artístico, a análise da obra de arte e a contextualização, organizado de maneira que a criança,
suas necessidades, seus interesses e seu desenvolvimento sejam respeitados. Dessa forma,
cabe ao professor fazer escolhas referentes ao que ensinar; para tanto, precisa de
conhecimentos estéticos que lhe possibilitem reconhecer os códigos e valores culturais, seus e
dos alunos. Barbosa (1998, p. 41) elucida:
[...] a educação estética não é ensinar estética no sentido de formulação sistemática
de classificações de teorias que produzem definições de arte e análise acerca da
beleza e da natureza. Este não é o principal propósito da educação estética. O que
chamamos de educação estética de crianças, adolescentes e adultos é principalmente
a formação do apreciador de arte.
Assim, para compreender o fazer artístico, é preciso observar as mudanças que
ocorreram na passagem do campo moderno para o campo contemporâneo de arte: no
entendimento de arte, na figura do artista, na imagem da criação artística, no modo da arte ser
apresentada social e culturalmente. Desse modo, a concepção estética deixa de estar atrelada
ao ideal de beleza para mostrar a significação contextual do objeto artístico. O artista deixa de
ser o mágico criador e passa a ser o propositor de situações, que exigem a interferência dos
que têm acesso a elas.
Ferraz e Fusari (1993), ao tratar de situações de acesso às linguagens da arte na
escola, apontam a necessidade de o professor ter consciência do seu posicionamento quanto à
estética e à arte, visto que o seu entendimento e o seu posicionamento quanto a essas questões
influenciarão no modo como ele proporá as situações de ensino e de aprendizagem dessa área.
3.3.4 Estudo: corpos, a dança não é só lazer, é arte
O trabalho artístico na vivência com professores foi essencialmente lúdico. Como
o grupo ficou envergonhado de exibir seus corpos cênicos, então foram propostas, no primeiro
88
encontro deste tema, brincadeiras musicadas chamadas também de brincadeiras cantadas.
Segundo minhas observações e relatos, foi possível perceber a animação de alguns e a timidez
de outros. No entanto, aos poucos foram deixando contagiar-se pelos estímulos na interação.
Fui registrando as impressões sobre eles no Diário de campo. Por isso, posso afirmar que a
fruição mobiliza os sentidos e diversas funções cognitivas ou processos mentais que
mobilizam a conhecimento. Esta foi a experiência que mais revolucionou o ambiente da sala
em que estávamos, pois trouxe para o interior das vivências, não só as “brincadeiras cantadas”
com uso de “cangas” nos movimentos das danças africanas, mas as culturas regionais
brasileiras, como também apreciamos um espetáculo de dança no vídeo projetado no
datashow.
As danças fazem parte da história humana social, populares como as festas
familiares. Ao apresentar o vídeo com um trecho do espetáculo que gravei do festival de
dança, em outubro de 2010, no Shopping Itaguaçu, tinha um desejo de provocar um olhar
acerca dos movimentos infantis. As características dos movimentos expressivos presentes na
dança ajudou a perceber os gestos contidos e expansivos, o ritmo do corpo, os movimentos
lentos ou rápidos. A dança aborda questões de integração de quatro princípios: a
problematização, a articulação, a crítica e a transformação.
Tentando favorecer a melhor interação entre os professores, percebi entraves
devido à sua dificuldade de deixar-se envolver pela melodia e bailar o corpo. Em outro
momento, sentados em círculo, fizeram relatos de experiências com a dança. Foram surgindo
muitas situações do professor com relação à “exibição do corpo”. A seguir algumas
declarações: “[...] Shirlley, espero que os meus colegas não vão rir do que vou falar, pois se
rirem eu vou parar de falar!” (Profª. M., Ens. Públ.).
Quando a professora M. iniciou sua fala, seu rosto foi tomado por uma rosácea
vermelha em cada face. Tentei, neste momento, passar-lhe segurança, afinal havia 33 pessoas
(34 comigo), claro que a grande maioria não fazia parte do seu círculo de trabalho, mas outros
sim. Olhei firmemente passando a mensagem: “Estamos juntos neste momento!!” E para os
outros, foi como um chamado: “Olhem, estamos juntos, vamos respeitar o diálogo aqui
estabelecido”. Pareceu que naquela sala havia isso escrito, pois um grupo muito brincalhão
respeitou piamente a colega. Não foi preciso dizer nada, pois ela recomeçou seu relato, e
diante dos outros notou que também havia outras situações parecidas com a dela. Então
continuou a sua fala:
“[...] Vou contar, acreditem, acho lindo quem dança, mas sempre fui muito
envergonhada. Quando garota me escondia para que a professora não me chamasse para as
89
apresentações juninas na escola; quando jovem, ia para um canto no clube e me esbanjava a
dançar, porém me afastava das pessoas que me conheciam, somente duas amigas me
acompanhavam, com elas eu me sentia livre de preconceito, pois afinal sempre fui ‘gordinha’
e certos tipos de movimentos, como mexer com os quadris, girar, fica esquisito. E isto sempre
foi meu problema, limitava o meu gosto pela dança. Casei, tive os filhos, os quadris
alargaram mais e junto também a minha vergonha. Meu esposo já desistiu de me convidar
para ir a bailes, pois ficamos sempre sentados, fico sempre preocupada com o que os outros
vão dizer. Lá na escola todos falam que meus alunos adoram apresentar danças, eles
aprendem os movimentos rapidamente. Geralmente uma vez por mês duas turmas apresentam
um número artístico no pátio na hora do recreio, e eles foram muito aplaudidos. Trabalhei a
música do Guilherme Arantes “Deixa chover”, com tiras de papel celofane, eles
movimentavam-se como se fosse a chuva, ensinei-os a trançar as tiras de um corpo para o
outro. Ficou muito legal. Agora adivinhem como eu danço com eles, fecho a porta para
ninguém ver, com as crianças perco a vergonha e volto a ser criança. Vou deixar claro que o
fato de eu me esconder não quer dizer que faço movimentos não corretos para crianças, diria
erotizando o corpo, ao contrário, me preocupo com os valores e os movimentos para
desenvolver a ação motora. Meus alunos têm entre 4 e 5 anos. Na verdade, o que me faz
esconder é que uma pessoa magra, na atividade da dança, ao fazer movimentos rápidos, não
espalha muito as gorduras do corpo porque não as tem, assim não chama muita atenção e, se
chama, é no aspecto da beleza. Já a pessoa gorda, é assim como me sinto, só o fato de
sambar, parece que espalha tudo e eu não quero ser julgada em estar manifestando meu
corpo para a criança. De porta fechada, eu danço com eles ponho um agasalho neste dia,
parte de cima mais comprida e vamos embora, eles acham um máximo, recebo até muitas
cartinhas quando faço aulas assim animadas. Ufa, falei, já foi!!” (Profª. M., Ens. Públ.).
O que posso entender desse contexto é que na nossa relação com arte, aqui
falando da linguagem corporal, no embalo, podemos enfrentar qualquer ritmo, em suas mais
diversas manifestações, e torna-se extremamente confuso quando nos prendemos a
julgamentos pré-concebidos durante toda a trajetória de vida. Existe um corpo que se envolve
e, ao mesmo tempo, existe um controle social sobre este mesmo corpo. As emoções
interferem significativamente na participação do ser humano nas atividades motoras; sentir
emoções, transmitir vontades, decidir sobre o que fazer e explorar as potencialidades com
vigor são mensagens emitidas pelo ser humano. E o professor, enquanto ser humano, também
sofre, pensa sobre suas negações, incluindo aqui o seu próprio preconceito e, nesse caso,
acredito estar mais relacionado ao “corpo feminino”, pelo tabu que a sociedade imprimiu no
90
sujeito-feminino, num processo histórico social e sexual, envolvendo este sujeito numa
trajetória de repressão quanto à liberação movimento e corpo. Considero a necessidade da
motivação profissional, pois o professor precisa educar-se emocionalmente, libertando-se do
preconceito generalizado. Entendo que o professor necessita ter uma postura adequada frente
à sua posição de educador ético e cidadão, mas deve enxergar suas necessidades de aceitação
e satisfação no viver e estar com seus alunos, ainda mais em se tratando de crianças, para não
influenciá-las negativamente. (FRANCHIN; BARRETO, 2009).
Segundo os mesmos autores (2009), a análise da motivação relacionada com a
psicologia é tida como uma força propulsora (desejo) por trás de todas as ações de um
organismo, podemos dizer que é destacada como o sentimento de uma necessidade, ou seja,
um conjunto de fatores psicológicos (conscientes ou inconscientes) de ordem fisiológica,
intelectual ou afetiva, os quais agem entre si e determinam a conduta de um indivíduo,
despertando sua vontade e interesse para uma tarefa ou ação conjunta. A motivação surge de
dentro das pessoas, não há como ser imposta. Despertar o interesse para a qualidade é
fundamental, uma vez que não se implanta qualidade por exortação, decretos ou quaisquer
mecanismos coercivos. Ainda esses mesmos autores argumentam que o comportamento
internamente motivado é aquele em que a pessoa dirige-se à atividade voluntariamente,
empenhando em sentir-se competente e autodeterminada.
Portanto, os motivos intrínsecos são resultantes da própria vontade do indivíduo,
enquanto os extrínsecos dependem de fatores externos, sendo assim é necessário que o
professor desprenda-se de preconceitos com o seu próprio “eu”, envolvendo-se plenamente,
libertando-se de julgamentos alheios.
Faço essa observação porque a arte é tão importante para nós e, por outro lado,
dependendo da situação de como nós nos damos a conhecer os próprios anseios e a si próprio,
a linguagem artística determinará as sensações que causarão (constrangimento, receio e até
temor) ou potencializarão nossa relação com o outro, motivação e satisfação.
Para aprender e ensinar a arte com propriedade de conhecimento, no caso da
dança, é importante sentir o seu processo contagiante, liberto de preconceito no que se refere
ao corpo. Como já discutido neste texto (linguagem musical e cênica), o corpo é o primeiro
instrumento de aprendizagem sobre o mundo e sobre nós mesmos. É preciso dissipar qualquer
preconceito sobre nós mesmos, mergulhar nas linguagens da arte, dar a conhecer os conteúdos
dessa linguagem, destruir alguns conceitos do senso comum. Conforme já mencionado, o
processo de ensinar e aprender arte compreende três ações didáticas: fruir, refletir e fazer arte.
(BARBOSA; CUNHA, 2010).
91
4 ARTE... CONHECIMENTO, LINGUAGEM E ESTÉTICA
Já apresentei algumas ideias a respeito da compreensão da arte como comunicação
e estética, mas essa não é a única alternativa para compreendê-la. Se considerarmos a arte
como conhecimento, linguagem e estética, isso possibilitará uma compreensão da síntese
entre cognição, emoção e corporeidade. Esses aspectos não se separam na arte, como não se
separam na ação das crianças.
A relação estética com o mundo é comum a qualquer ser humano: todos nós
somos capazes de exercer a leitura, que vai além do conteúdo e do objeto. Através dela
buscamos descortinar a percepção de formas, sons e movimentos, para, a partir dessas
experiências, criar imagens que as signifiquem e abram outros significados. Nesse sentido, a
dimensão estética da arte oferece uma possibilidade especial que caracteriza a realidade. Ela
vai além dos objetos artísticos e estende sua abrangência a outros campos do conhecimento, e
é nessa concepção que vai se constituindo mais uma forma de entender, explorar e conhecer o
mundo.
Através dos objetos e conteúdos das linguagens da arte é que se possibilita às
crianças o estabelecimento de leituras abertas à realidade, vistas de forma estética. A partir
daí, elas veem além aquilo que é observável, desvendando possibilidades de imaginação. De
acordo com Oliveira e Bossa (2001), ver o mundo de forma estética é ver diversas dimensões.
Destaco que o jogo estético está presente na origem das representações humanas, conciliando
a matéria aos sentidos, como ato de pensamento, o que não exclui o horizonte sensível da
construção de conhecimentos.
Entendo que as linguagens da arte vão possibilitar ir-se além da leitura e
representação. Elas oferecem um repertório de conhecimento, mobilizam as possibilidades de
criação de significados. Assim, a arte extrapola as explicações que a instituição escolar tem
apontado para ela, viabilizando mudanças na ação do professor não só diante do repertório
dos seus objetos de conhecimento, mas também perante outras produções humanas.
Com relação à Abordagem Triangular, somente 6, dos 68 professores das
vivências, haviam ouvido falar a respeito. Isso é perfeitamente compreensível por ser um
referencial que somente é discutido em cursos de formação de professores de arte. Porém,
quando queremos pesquisar sobre como ensinar a respeito de leitura de imagem e obras de
arte, tanto os sites de pesquisa como os livros destinados ao professor, com referência a esta
linguagem, é comum a citação das contribuições de Ana Mae Barbosa e da Abordagem
Triangular. Como podemos verificar em algumas declarações de professoras nas vivências:
92
“Confesso a vocês, em todos esses 10 (dez) anos de profissão nunca ouvi falar
dessa mulher (Ana Mae Barbosa), de quem passei a gostar a partir hoje, pois me fez entender
que a arte não é somente a obra produzida, para decorar. Não via graça ir a um museu para
ver quadros que eu não entendia, apesar de ser óbvio, mas só agora percebo que posso
aumentar o meu exercício de perceber melhor, vejo com outros olhos a arte, apreciar,
descobrir o seu contexto, quem sabe até fazer arte.” (Prof.ª L., Esc. Públ.).
“[...] Pois é, Shirlley, agora gostaria de ouvi-la, falam de tantos autores no curso
de formação, autores estrangeiros, e se tratando de referências para educação infantil no
universo da arte, por que nunca foi falado sobre a mesma, que é brasileira e preocupada com
o ensino no Brasil? Este é o nosso Brasil, começando pela educação, dão valor ao que tem lá
fora e fazem descaso com os nossos teóricos. Enquanto eles são países de primeiro mundo,
nós ficamos à mercê dos seus modelos e valorizando o que eles produzem.” (Profª. L., Esc.
Públ.).
“[...] Eu tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente, num debate apresentado,
não lembro se foi em 2008 ou 2009, na UDESC, em Florianópolis, inclusive ela fez o que
você fez aqui: desenhos e pinturas de crianças para que pudéssemos ver e refletir. O mais
interessante é que, em pouco tempo, ela referenciou toda a luta travada para que o ensino de
arte fosse valorizado e amparado por lei. Vi nela uma pessoa muito comprometida com a
cultura artística do país, a mulher é ‘fera’, com um conhecimento extraordinário falou-nos
sobre a valorização que devemos dar à cultura local (região), nacional e conhecer diversas
culturas (internacional). Falou-nos também sobre essa abordagem, inclusive nos salientou
sobre a má interpretação que ocorre por alguns educadores, mas confesso que não lembro
muito, pois foi a única vez que estive num curso que falasse de arte, a maioria sempre foi
superficial, e ela me ensinou tantas coisas comuns num curto tempo de sua fala, na qual não
me detive aos detalhes, mas lembro muito bem desta triangulação para compreender uma
obra de arte.” (Profª P., Ens. Públ.).
“[...] Meus colegas, estou formada há quase 8 (oito) anos, e trabalhei com
produções teóricas de Ana Mae no meu curso de pedagogia a distância(UDESC). Tínhamos
os vídeos das disciplinas e ‘O caderno’, assim chamávamos nosso material, trazia muito das
suas citações e suas teorias, inclusive, vídeo e trabalhamos com a obra da ‘Tarsila’, A
Família, em que foi discutida esta abordagem para a leitura de imagens. Na época precisei
fazer um projeto interdisciplinar a partir da obra. Achei um máximo fazer aquele trabalho,
cheguei a aplicar com a minha classe de GT-2.” (Profª. D., Ens. Part.).
Esses relatos foram possibilitados através do processo de conversação nas
93
vivências com arte, atividade teórico-prática desenvolvida neste estudo investigativo, como
propriedade de coleta de dados e participação, por isso senti a necessidade de levar
informações sobre a biografia e teorias de Ana Mae Barbosa. Foi só no final da redação desta
dissertação que me oportunizei a transcrever o que li em uma reportagem que, além de trazer
um conhecimento sobre a autora, faz um repensar sobre o processo de superação humana, que
com certeza se deu através do seu conhecimento e sabedoria. Sabemos que esse aspecto vem
ao encontro da arte também como possibilidade de transpor a obra de arte para além do que
está visível aos olhos, através da reflexão crítica.
Segue o trecho extraído da reportagem do Jornal Campus (2013) a respeito de
Ana Mae Barbosa, uma arte-educadora comprometida com seu tempo:
[...] Mae é referência no Brasil para o ensino de arte nas escolas. Nasceu no Rio de
Janeiro, mas ainda pequena foi morar em Recife. Perdeu o pai com três anos e a mãe
com seis, sendo criada pela avó materna. Fez graduação em direito, contra a vontade
da avó. Precisava trabalhar e por isso foi fazer um curso com Paulo Freire para
prestar um concurso de professora primária. ‘Na época, esse era o único emprego
decente para mulher’, comenta. Ana Mae conta que na primeira aula ele pediu para
os alunos escreverem porque queriam ser professores. ‘Escrevi que não queria, mas
estava sendo obrigada’. Paulo Freire chamou Ana Mae para uma conversa e provou
que a educação poderia ser libertadora. ‘Foi então que me encantei com a educação’,
conta. Foi nesse curso que ela teve o primeiro contato com Arte-educação. Fez
mestrado na Universidade Yale, onde deu aulas de cultura brasileira para pagar os
estudos, e doutorado na Universidade de Boston. Para o ensino da arte, Ana Mae
introduziu uma abordagem metodológica que envolve a análise de obras, o fazer
artístico e uma contextualização teórica. Ela também acredita que a arte tem grande
importância intelectual e cognitiva e que é preciso investir em arte nas escolas, com
um professor para cada área (artes visuais, música, dança e teatro). ‘Sei que isso
demanda dinheiro, mas enquanto se economizar com educação, mais dinheiro vai se
gastar com prisão’, afirma.
Há dez anos, sua filha Ana Amália Barbosa teve um AVC no tronco cerebral, ficou
tetraplégica e muda. ‘A primeira coisa que eu resolvi combater foi a ideia de que
somos vítimas da vida’, afirma. Ana Amália tem a cognição e a memória
preservadas. ‘Ano passado, com o movimento do queixo e um programa de
computador desenvolvido para ela, minha filha defendeu um doutorado na ECA’,
conta a mãe cheia de orgulho.
O projeto das vivências, apoiado na Abordagem Triangular de Ensino de Arte de
Barbosa (1998), sugere ampliar as experiências estéticas dos professores envolvendo, entre
outras coisas, um contato com artistas, seja pelas suas obras impressas em papel ou projetadas
em slides. Torna-se, assim, importante relatar o processo vivido com o grupo de professores
mergulhados na vivência com arte: obras de arte e seus artistas. Curioso constatar que, em
pleno século XXI, obras de arte com fácil acesso (tecnologia e impressa) possam causar
espanto e desconhecimento por parte de muitos professores.
Acredito que não somos polivalentes em conhecimento, saber tudo e saber bem,
94
porém as obras utilizadas nestas vivências aparecem frequentemente nos livros didáticos,
folhas de meses, nos copos de requeijão (de vidro), entre outros, e ainda permanecem tão
desconhecidas, alguns ilustraram a Semana da Arte Moderna do ano de 1922 e outros vêm
construindo a história da cultura do Brasil e do próprio local (região, estado, cidade e bairro).
Parti, então, da necessidade de oportunizar aos professores essa prática na vivência com a arte
plástica com base em uma obra que eles conhecessem (Apêndice C); os professores foram
convidados a observar, no centro da sala, algumas obras, reproduzidas de artistas famosos no
mundo e no Brasil.
Nestes encontros, os professores vivenciaram experiências de formação do olhar
sobre produção de imagens e o exercício de leituras de obras e criação de suas próprias
representações na pintura. Propus aos participantes que observassem as obras (REVISTA
CARAS, 2007) e sugeri uma proposta de escolha: “Qual destas obras você levaria para sua
casa?” Interessante que muitos ficaram em dúvida, e outros ainda questionaram sobre quem
seria o artista, apesar do nome estar exposto na obra. Quando sentamos para a conversação
sobre as escolhas feitas, oportunizamos espaço para que os professores falassem e, depois,
questionei o porquê da escolha de cada um. Em função da variedade de respostas, fiz
intervenções no momento dos questionamentos. Em seguida, no decorrer desta análise, no
corpo do texto (folha com questionamento - sem retorno só para a finalidade do trabalho nas
vivências), foram anotadas, no Diário de campo as falas dos participantes.
Figura 9 – Abaporu
Fonte: Abaporu, 2011.
95
“Abaporu” foi uma das obras escolhidas. Foram feitas as seguintes colocações,
uma delas associando a obra à deformação e outra a um prévio conhecimento cultural:
“[...] Escolhi esta obra, pois achei as cores lindas e parece com um desenho de
uma criança, assim meio deformado, já vi esta obra, mas não lembro quando e o nome dela.
Os pés grandes, e cabeça pequena.” (Profª. B., Ens. Públ.) (associando à deformação).
“[...] Minha escolha pelo Abaporu, pois já conhecia a obra e já ouvi falar
qualquer coisa sobre quem pintou. Foi Tarsila ou Anita? Sei que é a marca da cultura
brasileira.” (Profª. C, Ens. Públ.).
Figura 10 – Personagens invertidos
Fonte: História da Arte, 2011.
Na obra escolhida “Personagens invertidos”, foram apontados o gosto pelo estilo
da obra e a ludicidade que esta expressa. A professoras fizeram a seguinte colocação com
relação à justificativa pela escollha da obra:
“[...] Gostei deste pela cores fortes, parece traços de criança, já conhecia esta
obra e gosto muito pelos desenhos feitos em forma geométrica.” (Profª. C., Ens. Públ.).
“[...] Escolhi a obra de Miró pelo lado lúdico que expressa, já trabalhei com
outra obra dele (não lembrou qual obra), mas não sei muito sobre ele.” (Profª. D., Ens.
Públ.).
Nesse contexto ainda das vivências com a arte plástica, era necessário que os
olhares estéticos dos professores também se sensibilizassem para as manifestações da arte,
96
pois, enquanto história e conhecimento, as vivências oportunizam aos participantes
contextualizar essas obras. Desse modo, dentro de uma postura e atitude interdisciplinar,
possibilitei aos mesmos um olhar sobre a história do pintor, período vivido e influências
histórico-sociais do seu tempo. O processo desta vivência deu-se em três encontros distintos
e, ao término deles, foi possível enxergar uma mudança de postura na busca pelo
desconhecido, pois curiosidades foram surgindo, inclusive a autopesquisa, montando álbum
por professores com obras e contextos com o conteúdo das mesmas para o trabalho docente.
Trabalhei um último momento do encontro desta vivência com a possibilidade de
projeto interdisciplinar partindo das questões sociais contidas nas obras. Cito, como exemplo
deste trabalho, a escolha do grupo pela leitura da obra de Picasso, a “Guernica”, pintada em
1937 em Paris. A comunicação entre temas sociais, política e a história do artista está
expressa na obra de Pablo Picasso.
Figura 11 – Guernica
Fonte: Guernica, 2001.
Foram desenvolvidas atividades transformadoras de autorreflexão, desde o ensino
da História da Arte, do estilo da obra, do artista, sua técnica (Cubismo), passando por
sofrimento humano, o uso do poder esmagador dos que estão no poder (pintura em forma de
denúncia). Além dos trabalhos interpretativos, consideramos a leitura da obra fazendo uma
comparação entre “Guernica” e “Pomba da Paz”. A imagem da “Pomba da Paz”, de 1949, de
autoria do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), foi um bom ponto de partida para os
participantes refletirem sobre estética, valores e ideologia.
Por fim, foi trabalhada a expressão gráfico-plástica dos participantes da vivência,
através da sugestão de que poderiam escolher uma ou outra das duas obras apresentadas em
97
slides e em cartaz e painel (REVISTA CARAS, 2007), e da proposta de fazer a leitura da obra
e releitura para linguagem (escrita – literária), o mesmo foi dito da linguagem cênica, feita a
releitura para a linguagem visual (uso de produção de desenho, recorte e colagem). Como
resultado, os professores produziram suas poesias e poemas através das suas escolhas. O
ponto culminante foi uma exposição dos trabalhos realizados no uso da linguagem poética e
as obras.
Os jogos de palavras, as rimas que iam construindo tinham suas bases na história
e técnica e filosofia, da arte e do pintor Pablo Picasso. Esta atividade realizada com os
participantes teve que retornar para mim, mediadora da vivência, com a finalidade de análise
e exposição realizada no corpo do texto.
A obra abaixo fez parte da atividade de escolha e exploração dos recursos que ela
ia fornecendo enquanto a intenção do pintor Pablo Picasso era o protesto contra a guerra em
favor da paz.
Figura 12 – Pomba da Paz
Fonte: Pomba da Paz, 2011.
Oportunizar ao professor um mergulho na história da arte (obras e artistas)
favorece os aspectos da ressignificação das inúmeras possibilidades que as linguagens da arte
oferecem ao trabalho docente e ao aluno em formação, talvez pelo conteúdo crítico que está
inserido no contexto histórico-social e cultural da obra. A linguagem não é expressão apenas,
é muito mais do que isso; quando usamos a linguagem interpretamos o mundo, percebemos o
nosso entorno, tomando-nos pelos sentidos.
Vale destacar as contribuições de Vygotsky (1999), para entender o processo,
pensamento e linguagem na pesquisa realizada. Nas linguagens da arte, elaboramos uma
98
percepção acerca do mundo e das coisas, usando funções centrais do pensamento, como
função simbólica, a memória e a imaginação e só depois expressamos o resultante deste
processo mental. Sabemos que a linguagem visual é estruturada por signos visuais (formas,
cores, texturas, etc.) e, para tanto, exige do telespectador uma observação concentrada, ou
seja, é preciso reeducar nosso olhar para ver.
A autora Analice Dutra Pillar faz considerações sobre a educação do olhar,
atribuindo aspectos notórios sobre o ato de ler imagens, explicando que, quando passamos do
olhar para o ver, realizamos um ato de leitura e de reflexão. Segundo ela:
[...] não conseguimos aprender o mundo tal qual é. Construímos mediações, filtros,
sistemas simbólicos para conhecer o nosso entorno e nos conhecer. Ver é atribuir
significado, está relacionado às nossas experiências e o que estamos vendo. O que se
vê não é dado real, mas aquilo que se consegue captar e interpretar e o que nos é
significativo. (PILLAR, 1999, p. 13).
Tratando-se de trabalho com crianças, é necessário pensarmos sobre a educação
do olhar. Estudos de outros autores sobre leituras de obras de arte levam à necessidade de se
compreender como a criança lê imagens, e essas imagens contêm conteúdo estético nos seus
diferentes significados, portanto torna-se considerável conceber os aspectos artísticos e
estéticos como conhecimento, sendo que a estética tem um lugar específico na arte.
Cada teórico, no seu tempo e no seu estudo, atribui significados relevantes à
leitura de obras de arte, porém Pillar compreende que ler uma obra de arte implica ver
construtivamente a articulação de seus elementos, tonalidades, linhas e volumes e não
somente o que está frente aos olhos, mas também frente ao “sensível”, como afirma a autora,
referindo-se a certas considerações à educação estética. (PILLAR, 1999, p. 71-72).
Somos constantemente invadidos por imagens; quanto mais produzimos imagens,
menos tempo nos detemos diante delas; os elementos visuais estão carregados de
informações, porém a dificuldade do ser humano diante desta prática é deficitária. É preciso
que se faça a diferença entre olhar e ver. Por conseguinte, as contribuições de Pillar (1999),
através de seus estudos e pesquisa, faz perceber e entender a complexidade da chamada
“leitura de imagens”, apontando a reflexão frente àquilo que olhamos e considerando a
diferença entre “olhar” e “ver”, existe a possibilidade de direcionar o olhar limiar para ver, o
grau desse olhar torna-se aprofundado no sentido mais amplo da questão. Percebemos o
objeto e o relacionamos ao sistema simbólico que lhe possibilita dar significados. A autora
explica que possuímos uma visão limitada, vemos somente o que compreendemos, só vemos
os conceitos relacionados com os sentidos e o prazer, pois “[...] nosso olhar não é instantâneo,
99
ele capta apenas algumas das múltiplas informações visuais presentes no cotidiano e precisa
de processos intelectuais complexos para ver”. (PILLAR, 1999, p. 13-14).
Enfim, ler uma imagem seria compreender suas formas, texturas, cores, volumes,
entre outros aspectos, compreender expressões de forma e símbolo, atribuindo significado,
contextualizando-a, quer seja um texto, ou uma imagem (plástica, visual), considerando as
obras de outras linguagens: a dramaturgia, a musical, entre outras. Nesse sentido, Pillar
elucida:
Ao ler, estamos entrelaçando informações do objeto, suas características formais,
cromáticas, topológicas; e informações do leitor, seu conhecimento acerca de objeto,
suas interferências, sua imaginação. Assim, a leitura depende do que está em frente e
atrás dos nossos olhos. (PILLAR, 1999, p. 12).
Observando a minha trajetória profissional com o trabalho com leitura de
imagens, percebia o diálogo estabelecido entre a o observador/espectador e a obra, pois as
mais simples colocações sobre a mesma ganhavam uma proporção maior, dimensão de troca e
conhecimento. Num processo de jogar com a nossa percepção, os questionamentos, erros e
acertos, jogamos com nosso conhecimento estético, a subjetividade e a objetividade se
misturam. São as nossas vivências e percepções de mundo que nos farão compreender a
imagem através do nosso olhar. Por isso a necessidade de oportunizar as vivências com arte,
tanto com as crianças como também com os professores em formação inicial e continuada.
Dar a possibilidade de a criança interagir com as obras de arte, definindo e
deixando bem clara a diferença entre leitura, releitura e cópia, é essencial para inseri-la no
processo de inclusão cultural e artística. Esta possibilidade de poetizar uma obra de arte é
fantástica, a produção artística/intelectual produzida pela humanidade não pode “morrer na
praia”.
Além da professora C., outras também escolheram a obra de arte, também de
Picasso, intitulada Pomba da Paz. Após explorarmos a vida do pintor (como o contexto da
obra), antes da produção poética, foram entregues aos participantes folhas com os seguintes
questionamentos:
a) O que você esta vendo nesta imagem?
b) Já viu imagens semelhantes?
c) Quais são as formas mais curvas ou mais retas e quanto às linhas (são curvas,
retas, espiraladas, verticais, etc.). Há pontos?
d) Sobre as cores, quais mais se destacam e quais menos predominam na obra?
100
e) A imagem leva seus olhos para qual direção?
f) Nos espaços da imagem, você percebe mais luz ou sombras?
g) Ao observar a obra no todo, ela provoca seus sentimentos? Quais?
Projetadas no datashow e ainda com referência impressa (REVISTA CARAS,
2007), foi possível um trabalho significativo nas vivências. O resultado foi maravilhoso
enquanto produção crítica da obra.
Faço referência a Read (2013), cuja obra conheci durante o curso de Mestrado,
através do seu livro Educação pela Arte, primeira edição em 1963. Saliento o capítulo
intitulado A Forma de Educação, referindo três aspectos do ensino de arte: 1) atividade de
autoexpressão, 2) atividade de observação, 3) atividade de apreciação. Considerando que são
três atividades distintas, com assuntos diferentes, elas estão categorizadas no mesmo processo
pedagógico do ensino de arte. O ato de ver uma obra de arte exige do indivíduo a
autoexpressão, comunicar-se com seus pensamentos, sentimentos emoções. A observação
segue o rumo do desejo de registrar suas impressões sensoriais, esclarecendo seus
conhecimentos e seus conceitos sobre a mesma. Já a apreciação, quem vê a obra, “o sujeito”,
dá respostas quanto ao modo de expressão de quem fez a mediação, dirigiu o processo de
conhecer. Seria, assim, como a resposta do sujeito, ou seja, a reação no aspecto qualitativo aos
resultados quantitativos da atividade de autoexpressão e observação.
Em seguida destaco algumas expressões (falas) das professoras com relação ao
seu trabalho (na vivência):
“[...] Encontro dificuldade para trabalhar com as crianças com leitura de
imagens ‘Obras verdadeiras’, uma porque você não encontra as obras em tamanho grande,
eu nem sabia que tinha essas na banca, como a coleção da Revista Caras e quando a gente vê
na internet, a escola não tem datashow. Até chegaram alguns livros sobre pintores na
biblioteca, mas estes são proibidos de tirar da biblioteca, pois alegam que as crianças são
pequenas e podem rasgar. Então recorto gravuras de revista, colo em papelão e peço que as
crianças me digam o que veem.” (Profª. J., Ens. Públ.).
“[...] Você tem razão, professora, pois fica muito caro imprimir, para turma toda,
várias cópias da mesma imagem, sendo que não vai se trabalhar só com uma obra, e também
não tem, não tem datashow na escola. Eu também já fiz uma vez um trabalho com recorte de
revista, mas não sei como explorar estes elementos visuais, por isso só peço que eles falem o
que veem, é como uma descrição, há casa, há flores, etc [...]” (Profª. L., Ens. Públ.).
“[...] Gostei da atividade que você trouxe na vivência anterior, o jogo da
memória artista e obra, conheci obras brasileiras e artistas que nem sabia que existiam,
101
assim o custo fica menor, pois posso trabalhar em grupo de quatro, com obras regionais,
nacionais e algumas internacionais, depois podemos explorar nas pesquisas sobre elas, assim
as crianças passarão a conhecê-las. Posso até plastificá-las para não extraviar, assim
poderei usar com outra turma.” (Profª. L., Ens. Part. e outras corroboraram o argumento).
“Eu penso que eu devo me preocupar com isto, pois deveria ser responsabilidade
do professor de arte, e não tem na educação infantil, apesar que nem daria tempo, vejo pela
quantidade de aula que o fundamental tem por semana, não ia adiantar nada, pois minhas
crianças têm 3 anos, quando tiro as tintas do armário até organizar a sala, já passou quase a
metade da aula. Confesso que trabalho com a arte, a pintura raramente, pois a sala fica
muito desorganizada.” (Profª. M., Ens. Públ.).
Após nossos diálogos, chegou a hora da nossa produção cultural, as linguagens
poéticas frente às obras escolhidas para serem feitos os trabalhos em dupla. As professoras F.
e R. (Ens. Públ. e Part.) e L. e J. (Ens. Part.) escolheram as obras individualmente e,
posteriormente, foram agrupadas em duplas para a realização da atividade em amostra:
Figura 13 – Pomba da Paz
Encontrar a Paz
Oh! Irreverente Picasso
Na simples marca de seus traços
Em forma de desabafo
Desenhou uma pomba a voar!
Oh! Se o mundo soubesse
Que tantos são os corações
Carecendo de paz nas nações
Por que não a pomba feliz a voar?
Símbolo da paz desenhada num cartaz
Deixando a criança Sonhar! ! (Apresentação do poema: Da linguagem não verbal para linguagem
escrita - das professoras F. e R. Obra escolhida nas vivências realizadas
com professores no ano de 2012).
102
As professoras L. e J. (Ens. Part.), participantes das vivências, escolheram esta
obra:
Figura 14 – Guernica
Denúncia de Picasso
Diante de um quadro famoso
Sinto um grande arrepio
Tomado por uma sensação eletrizante,
Com o estilo da arte Cubista
No quadro geometrizante
É corpo? Não!
Mas há pedido de socorro no levantar das mãos!
Custei a entender
Faltou-me a possibilidade da arte aprender e compreender!
Será que há alguém cuja mente era sã?
Resta então me lamentar!
Mas com certeza não quero me calar
E o horror da guerra denunciar. (Professoras J. e L., participantes das vivências, 2012).
O que resulta da análise das minhas anotações referentes a este relato não deixam
dúvidas com relação à riqueza de experiência como essa aqui descrita. Se, no início da
investigação, alguns professores queriam “zona de conforto”, “está bom assim”, “não dá para
se fazer de outro jeito”, ficou comprovado que, na realidade, não era exatamente com relação
aos aprendizados com arte que ia predominar até o final da pesquisa. Percebeu-se, pelo menos
entre a maioria dos participantes, que não havia má vontade do professor. De alguma forma,
ele apresenta sua responsabilidade na condução do ato pedagógico, na importância dessa
linguagem na formação da criança. No entanto, ele fica estagnado pela falta de conhecimento,
e, nesse ponto, retorno o problema da pesquisa sobre o real conteúdo de arte. Reforço a
necessidade da formação continuada dos professores de sala de aula de educação infantil,
103
como o acesso à cultura artística e a disponibilidade de materiais necessários ao seu trabalho
docente.
Na verdade, como visto nas vivências, alguns dos materiais podem ser produzidos
com baixo custo, o que é melhor, principalmente, no caso de o projeto precisar ser financiado,
ou custeado. Também é melhor que o professor produza seus próprios materiais do que
continuar a se apoiar em processos de produção voltados ao tecnicismo, fazendo moldes e
modelos de objetos para serem copiados pelas crianças. É necessário que o professor possa
teorizar a prática, produzir com critério e possibilitar a criatividade e criticidade das nossas
crianças.
Percebi que quanto mais os professores eram mergulhados no “fazer”,
“contextualizar” e estavam expostos à “fruição” nas linguagens da arte, mais variavam suas
escolhas, tornando amplo o repertório cultural artístico. O que era desconhecido e novo
passava a ser administrado, entendendo que a criatividade não é um dom, não é um talento
inato, e que o conhecimento de arte depende do repertório cultural e instrumental de que o
sujeito dispõe para criar e refletir sobre novos mundos, objetos e imagens. O gosto estético
não vem primeiro da fruição da obra de arte, mas devido à contextualização da obra, pois à
medida que o sujeito professor entra em contato com as produções estéticas, vai resultando
uma educação estética e plural. Cada professor (participante das vivências) respondeu seu
modo da fruição estética, porém cabe aqui salientar que não foi resultado de um processo com
atividade de “livre expressão”, mas um processo que envolveu emoção e razão.
104
5 CONSIDERAÇOES FINAIS
Na presente pesquisa, tive como objetivo descrever e analisar as práticas
pedagógicas com relação às linguagens da arte desenvolvidas por professores de educação
infantil, identificar as deficiências de conhecimento sobre as tais linguagens e os possíveis
impactos que isso acarretaria ao processo pedagógico dessas práticas, principalmente na
relação das crianças com o universo artístico-cultural e a compreensão, por parte do professor,
quanto à expressividade infantil como também sobre o professor em contato com a arte e a
sua própria maneira de fazer e apreciar a arte. Por mais que haja ideias novas, reflexões
filosóficas, competência acadêmica, saberes diversos, muitos professores participando e
contribuindo para a amplitude desta pesquisa, a falta do conhecimento dessas linguagens na
práxis do professor nega a reflexão e resulta em implicações. Mas o que fica é o foco,
sobretudo dos próprios professores, em considerar que tais metodologias estão defasadas em
relação aos modernos mecanismos de interações com o campo das linguagens da arte e o
desejo e o interesse de uma formação continuada nessa área.
Neste processo da investigação, constatei que as metodologias não se ajustam à
relação da criança com a arte na escola; através dos relatos, percebi a presença da arte de uma
forma desinteressada ou com deficiência do seu próprio conteúdo. Desde cedo a criança
mantém relação com o universo imagético e a falta de reflexão sobre componentes teóricos de
seu conteúdo, definitivamente, tolhe o impulso criativo e conhecedor do público infantil. Foi
possível analisar junto ao grupo, nas vivências, a real situação da formação do pedagogo
“professor”, o que demonstra que o ensino das nossas crianças nas regiões do Brasil visa a
uma práxis que se baseia em preparar o aluno “criança” somente para que ele possa escrever
com a devida coordenação motora, ou conquistar o dom de delinear com eficiência os
códigos: letras e números.
Percebi que a infância, não apenas na dimensão biológica, mas como fator social
que reflete as variações da cultura humana, é heterogênea. Compreender a necessidade e a
possibilidade de repensar sobre a expressão e aprendizagem infantil e a necessidade da
mediação do adulto (o professor) exigem uma cautelosa observação, estudo e pesquisa.
Verifiquei, como resultados encontrados e analisados durante as vivências, que o tempo e
espaço evidenciados são de extrema necessidade de compreensão, por parte do professor, no
sentido de que ele precisa ser consciente e conhecedor do que está fazendo. Dentro desta
dimensão é o sujeito que ensina e qualifica o tempo, pois proporciona a redução do tempo de
espera da criança. É preciso que ele saiba o que faz e por que o faz. Os resultados das
105
vivências atestaram a necessidade de uma análise sobre a parceria criança-adulto (professor)
com vistas a uma nova forma de ver o mundo, de assegurar a função mediadora do professor,
sendo que ele próprio precisa reeducar o “olhar” sobre o mundo e sobre si mesmo.
A investigação e o processo de realização das vivências realçaram, na fala e na
postura dos professores, a importância da exclusão do seu planejamento pautado e estruturado
em “disciplinas” que fragmentam o conhecimento das nossas crianças, submetendo-as às
ações dominantes, impondo modelos prontos, descontextualizados, voltados à reprodução e
estereótipos. Já é comprovado que é por meio das linguagens da arte que a criança aprende e
se expressa de forma mais significativa, sendo um canal aberto do humano ao social e do
social ao humano. A postura do professor, que está presente na interação com as necessidades,
desejos, produção e descobertas infantis, é de efetivar uma prática num tempo e num
determinado espaço de forma totalizante e integradora. Quando o professor é conhecedor das
diferentes linguagens e expressividade infantis, vivenciá-las no tempo e no espaço/ambientes,
disponibilizando materiais com base em critérios pedagógicos, qualifica a aprendizagem.
Tendo qualificado essas aprendizagens durante as vivências, percebi que os
professores que se tornaram interessados, criativos e criadores de novas formas de agir frente
ao objeto do conhecimento. Os espaços vividos ganharam cores, sons, cheiros e memórias,
promotores do fazer sentir, pensar e agir em diferentes linguagens. Um exemplo dessa
afirmativa está na linguagem poética, como nas fotografias e relatos. Vale relembrar aqui a
releitura poética de obras de arte de pintores, recomendados nas vivências por oferecerem ao
professor um modo de autoexpressão e um meio de interpretar sua apreciação do que vê no
mundo. Concluí que o trabalho desenvolvido com as linguagens da arte com professores,
além de envolvê-los com os conteúdos dessas linguagens em práticas reais de exploração do
mundo em que vivem, do universo artístico, permitiu aos professores comunicar-se através
dessas linguagens e desenvolver-se contraindo um novo olhar sobre a cultura, além de
demonstrar a necessidade da formação continuada sobre esses aspectos no seu fazer
pedagógico, pois confirmou minha preocupação, enquanto pesquisadora, com a falta de
conhecimento específico sobre esta área de conhecimento, o que se traduz na postura errada
do professor como mediador do conhecimento.
Pude verificar, durante o processo de observação, que a maioria dos professores
oportuniza aos alunos, com mais frequência, alguns tipos de linguagem e outros não. Percebi
que somente em datas comemorativas, em eventos, eram possibilitados às crianças as danças e
o teatro, privando-as de um contato frequente e mais apurado com a arte através do fazer
pedagógico do professor. Quanto aos impactos dessas práticas pedagógicas, apesar de termos
106
como objetivo identificar as mudanças na relação da criança com a arte fora do ambiente
escolar, onde cantar, dramatizar e dançar são práticas autônomas, também havia a intenção de
que pudesse se tornar mais evidente a necessidade desse processo em sala de aula.
Tornou-se essencial, porém, fazermos algumas considerações na relação da
criança com a arte. Como pude observar, o levantamento dos dados referentes aos
questionamentos (através dos questionários) com professores seria para situar-me na falta de
conhecimento do fazer pedagógico através do conhecimento, conceitos e objetos da arte.
Sendo assim, os resultados encontrados neste estudo demonstraram-me, diante dos achados
teórico-práticos, a necessidade de o ambiente escolar ser bastante favorável à aquisição do
conhecimento nas aprendizagens das crianças em relação às linguagens da arte, e que o
professor tenha conhecimento das diversidades cultural-artísticas, como a presença abundante
de materiais de arte, favorecendo o desenvolvimento da criança, garantindo um ensino
coerente à cultura infantil e ao meio como ela se expressa durante o processo do
conhecimento, permitindo o conhecimento sobre as funções e os usos dessas linguagens,
teatro, dança, música, artes visuais e plásticas. É fundamental que possa haver uma mediação
que marque efetivamente, de forma positiva, a relação da criança com a inserção nessas
linguagens.
De acordo com Oliveira (1996), a escola, enquanto criação cultural da sociedade,
tem um papel singular na construção do desenvolvimento pleno dos membros dessas
sociedades. Vygotsky (1998) explica que a escola é um lugar social onde o contato com o
sistema da linguagem, enquanto modalidade de construção de conhecimento, dá-se de forma
sistemática e intensa, potencializando os efeitos dessas outras conquistas culturais sobre os
modos de pensamento. Sabemos que a escola tem como função promover o desenvolvimento,
e que esse processo consiste na apropriação da cultura.
A linguagem da arte, assim como a escrita, faz parte da cultura. Assim, a escola
deve possibilitar às crianças um mergulho na cultura. Torna-se necessário que o professor
favoreça uma educação do ver, observar desvelando nuanças e características do próprio
cotidiano; temos como exemplo o ensino da linguagem visual, ir além, propondo rupturas ao
instituído. Os resultados deste estudo investigativo, a título de Mestrado, apontaram que os
professores têm pouco conhecimento sobre o repertório das linguagens artísticas para
intervirem na escola (junto às crianças) e ainda necessitam trazer à tona seu próprio universo
expressivo, romper com seus próprios estereótipos para poderem organizar seu planejamento
de modo a favorecer a expressividade artística infantil.
Neste estudo investigativo, os questionários foram importantes para principiar
107
conhecimentos sobre os sujeitos da pesquisa, no entanto as vivências com os mesmos foram
muito significativas em função da postura dos professores frente às linguagens da arte, pois
estas favoreceram o aprofundamento na observação e os conteúdos expostos pelos próprios
sujeitos a cada encontro. As fotografias (as quais foram utilizadas somente algumas devido ao
direito de imagens) representam os espaços e atividades que circularam no interior das
vivências, envolvendo as linguagens da arte descritas. Foi possível ter componentes teóricos
para redação do texto da pesquisa, sendo estes confrontados e apoiados por literatura em
evidência de estudo no referido aspecto da arte e a formação do professor. Os registros
possibilitaram a relação existente em função de suas percepções (dos participantes), crenças,
sentimentos e valores, sua visão sobre os conhecimentos do universo artístico, resultando
também na práxis pedagógica do professor com relação aos conhecimentos da arte. A
dificuldade dos participantes estava presente na postura dos mesmos, a falta de conhecimento
não foi revelada de imediato, foi preciso ser desvelada e explorada a cada encontro (vivência
com as linguagens da arte), para que produzissem um conhecimento sistemático com relação
à arte.
Analisando com um olhar compreensivo da arte na formação do professor, no
decorrer do encontro com as vivências, houve a necessidade de componentes teóricos desse
conhecimento para que fossem incentivados (sujeitos da pesquisa) a pensarem numa postura
reflexivo-crítica sobre algum tema, objeto ou conceito da arte, emergindo os aspectos
subjetivos dos sujeitos e atingindo certo nível de motivação a participarem das atividades
propostas nas vivências, como também encorajando-os a relatar histórias pessoais, de
formação e exclusão dos conceitos da arte. Tais procedimentos foram fontes riquíssimas para
a compreensão da real situação que envolve o professor e a arte, produzindo conteúdo
significativo ao texto final desta dissertação.
Nesse sentido, espero que esta pesquisa possa contribuir para compreender a real
situação na formação do professor a respeito desta temática, para o desenvolvimento de um
trabalho de qualidade envolvendo os conteúdos de arte, numa proposta triangular de ensino,
tanto para a formação do professor como também das nossas crianças, pautada no
conhecimento do professor em sua formação, sobretudo com propriedade de conhecimento
em favor do desenvolvimento infantil. A análise e a discussão do trabalho por mim realizado
podem apontar alternativas de atuação pedagógica para os educadores que trabalham nesta
área, ajudando-os a elaborar uma mediação mais eficaz.
Enfim, comunico a possibilidade aberta a novas investigações, Então, cabe
perguntar: como oportunizar vivência com a arte? É preciso uma política de formação
108
continuada para professores das escolas infantis brasileiras, oportunizando o público de
professores da educação infantil; aqui me refiro aos pedagogos, pela carência de tais
conteúdos em sua formação, pois estes não percebem a aproximação dos conteúdos artístico-
culturais.
109
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114
APÊNDICE A - Questionário
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA - UNISUL
PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado
Questionário
Querido entrevistado, preciso da sinceridade nestas respostas, para que se faça cumprir a
necessidade desta investigação, pois você estará fazendo parte desta pesquisa. Para isso, quero
deixar claro que, em nenhum momento, mencionarei seu nome, tanto na parte escrita como na
apresentação (qualificação e defesa), ou detalhes que possam identificar você e sua
instituição.
Caso você queria somente estar nas fotos desta pesquisa, favor assinar:
Ass_______________________________________________________________.
Dados do professor:
01. Em qual destas instituições de ensino você trabalha?
Pública (__) Privada (__) Nas duas (__)
02. Qual seu tempo de profissão?
Resposta:__________________________________________________
03. Qual seu nível de formação e curso?
Resposta:______________________________________________________.
O professor e a arte:
04. Pinte ou sublinhe a frase que venha responder a sua aproximação com a arte:
Gosto de arte.
Obrigação pela profissão e lazer com a família.
Nenhuma, porque não entendo arte, obra e artista.
Não gosto de arte.
Prefiro não responder.
115
05. Se fosse medir seu conhecimento em arte na educação, qual seria sua afirmativa?
(___) Pouco conhecimento
(___) Muito conhecimento
(___) Nenhum conhecimento
(___) Prefiro não responder
06. Se você fosse convidada(o) a participar de um curso de formação continuada nas
linguagens da arte, o que você responderia?
(___) Participaria
(___) Não participaria
(___) Sem respostas
07. Qual a faixa etária de crianças que você trabalha?
Resposta:_________________________________________________________
08. Refletindo sobre a função da arte na escola enquanto disciplina e conhecimento,
o que você afirmaria?
(___) Arte é cultura e lazer.
(___) Arte é uma disciplina, que se ensina como qualquer outra disciplina, possui conteúdo
específico social, histórico e cultural, que possibilita fazer, apreciar e refletir criticamente.
(___) A arte, para mim, favorece o desenvolvimento de habilidades vasomotoras e ajuda a
entender outras disciplinas.
(___) Arte, para mim, é expressar livremente o que se sente através do desenho, da música,
entre outras linguagens.
09. Tenho conhecimento sobre os conteúdos das linguagens de arte, recebi na minha
formação no curso de Pedagogia, com relação ao trabalho com criança. Dê sua resposta
com uma das palavras abaixo:
Insuficiente. Suficiente. Nenhum.
Leituras de obras de arte, biografia do artista e contextualização da obra: ____________.
Imagens gráficas e visuais: ____________________.
Música (elementos da música, estilos e história da música): ______________.
História da arte: __________________________.
Dança, ritmo e movimento: _____________________________.
Escultura e modelagem: _____________________________.
Cores, teoria e misturas: _____________________.
Desenho, fase do desenho da criança: _____________________________.
10. “A arte é cultura”. “Arte é conhecimento”. “Arte é lazer”. Sendo professor, como
você se situa nos aspectos abaixo, em termos de apreciação e criação? Para cada item,
coloque:
116
(S- Sempre), (V- Uma ou duas vezes), (N- Nenhuma vez) ou (P- Prefiro não responder)
Visitei um museu, para apreciar exposição. (_____)
Assisti a um espetáculo (de dança ou a um musical). (_____)
Pintei quadro (artes plásticas). (_____)
Coloquei minha mão na argila e modelei algo. (_____)
Ouço música e procuro conhecer o cantor e o estilo, pesquisando. (_____)
Vou ao cinema ou a teatro (_____)
Já participei de uma peça teatral (igreja, escola, etc.). (_____)
Uso a tecnologia para trabalhar com imagens. (_____)
Faço artesanato. (_____)
Pesquiso sobre outras culturas e formas artísticas. (_____)
Toco ou já toquei um instrumento musical. (_____)
Tenho acesso à história da arte. (_____)
11. O que o impede participar de eventos, ir a museu, etc. Coloque: Sim, nenhuma das
questões. Sublinhe a afirmativa.
1. Falta de tempo.
2. Situação econômica.
3. Não há identificação com a arte.
4. Não agrega valor à profissão.
12. Quais atividades ou conteúdo você contempla no seu planejamento, com o trabalho
com as crianças.
Coloque: SF - Sempre faço AVF - Às veze faço NF - Nunca faço
Desenho livre. _______________.
Desenho mimeografado para pintar. _________________.
Modelagem com argila ou massinha. __________________.
Recorte e colagem (mosaico). ______________.
Trabalho com elementos do som, ritmo, melodia, instrumentos que produzem som, etc.
________________.
Construção de maquete para apresentar um assunto.________________.
Brincadeiras cantadas. ________________.
Desenho mediado. ______________.
Plástica: pintura com guache e com anilina. ______________.
Fotografia: fotografando e descrevendo o que vi. ___________________.
Exploro obras de arte: leituras e releituras. __________________.
Brinquedos de sucata (criação). ____________________.
Linguagem teatral.__________________.
Estudando a história da arte, cultura e objetos da arte. ________________.
13. Obtive um grau de dificuldade para responder a este questionário.
(____) Muito difícil.
(____) Não tive dificuldade, foi fácil.
(____) Mediano.
117
Memória pessoal da criança que foi o professor
Professor, você deve guardar ainda na memória o seu desenho de criança, que, apesar dos
anos terem passado, há aquelas figuras que todas as crianças costumam fazer. Então, você
gostaria de deixá-lo aqui neste espaço especial para você?
Muito obrigada pelas suas respostas, com certeza serão de grande valia a esta
pesquisa.
Shirlley Deisy de Freitas da Silveira
118
APÊNDICE B - Projeto: Vivência Arte com Professores
“Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca
inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem
do mundo, com o mundo e com os outros.”
(PAULO FREIRE)
Shirlley Deisy de Freitas da Silveira
Autora do Projeto
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO
Pretende-se, neste texto, apresentar a justificativa e introduzir sua natureza. O
presente projeto Vivência com Arte oportunizará ao professor, no campo das linguagens da
arte, compreender a realidade na formação destes que trabalham e analisam as
expressividades infantis.
A arte tem um poder expressivo de representar ideias através de linguagens
particulares, como a literatura, a dança, a música, o teatro entre outras. A arte faz com que o
ser humano possa conhecer um pouco da sua história, dos processos criativos de cada uma das
linguagens da arte. Ensinar as linguagens da arte na escola torna-se importante para o
desenvolvimento cognitivo dos alunos, pois o conhecimento em arte amplia as possibilidades
de compreensão do mundo.
Justifica-se a importância deste projeto Vivência com Arte pela possibilidade de
oportunizar um espaço (encontro) frente à elaboração de conceitos sobre os conteúdos da arte.
Pretende-se que professores participantes da pesquisa e que participaram dos questionamentos
(questionário) referenciados na pesquisa possam participar dos encontros/vivências com arte.
Portanto, este projeto a ser executado durante o processo de investigação servirá para análise
da pesquisadora, no intuito de agregar dados qualitativos à pesquisa do Mestrado.
A autora Maria Cristina da Rosa, nascida em Florianópolis, em seu livro
Formação de Professores de Arte, Diversidade e complexidade pedagógica faz a seguinte
afirmação: “Fundamentalmente a história de vida do professor é determinante para o seu
engajamento político-pedagógico. Sua formação com o mundo e com outras pessoas contribui
para uma consciência crítica.” (ROSA, 2005). Considerando essa fala de Rosa, cabe lembrar
que se pretende refletir com pedagogos no sentido de estender a eles tal concepção, visto que
permanecem o maior tempo com criança e que 95% das instituições no Brasil não têm
professor na educação infantil e, se tivesse, seria uma disciplina isolada, de uma ou duas
vezes por semana, enquanto o currículo e os planos diários contemplam tais atividades com as
linguagens da arte.
Outro aspecto o qual a citação de Rosa corrobora é sobre quem é este professor
que influenciará a formação do aluno. Tratando-se da linguagem da arte, faz com que se
reflita sobre a atitude e postura frente à aplicabilidade, a teorização da prática, destes
119
componentes críticos que a arte exprime na criança. Olhando por esse ângulo, na afirmação
mais simples, considerando até numa linguagem ingênua, mas carregada de significados,
poder-se-ia dizer que “não se dá aquilo que não se possui”.
Torna-se visível, na prática com crianças, uma parcela maior de crianças nas
escolas infantis excluídas do processo histórico de produções artísticas e sujeitas à exclusão
das suas próprias criações e produções, em função da não qualificação específica do professor
frente a essas linguagens. Desse modo, eles reproduzem um ensino pautado na “livre
expressão” ou meramente atividades manuais para o desenvolvimento da coordenação
vasomotora.
A busca por uma educação de crianças brasileiras coerente com a produção da
cultura infantil se faz necessária. Para tanto, justifica a necessidade de discutir arte dentro da
Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa, dar ao professor possibilidades para apreciar,
fazer e refletir arte, contextualizada no seu tempo, espaço e local.
Destina-se às vivências em dois tipos de sujeitos distintos; primeiro, com crianças,
o que já vem ocorrendo em anos anteriores. Importante destacar que a natureza das
observações sobre as vivências com arte, com criança, não tem destaque investigativo da
pesquisa, serão dados para a reflexão e conhecimento da pesquisadora, a fim de obter
material/conteúdo a ser levantado nas vivências.
O professor necessita mergulhar no interior das linguagens da arte. O processo de
conhecer, refletir e fazer arte é estar incluso na dinâmica cultural artística. Fazer parte da
história da humanidade é algo extraordinário, mais ainda, conhecer com propriedade as
produções e manifestações registradas pela humanidade é magnífico. Para tanto, procurar-se-
á, dentro de um espaço local, contemplar os conhecimentos das linguagens da arte,
aprendendo com a possibilidade de aprofundamento, principalmente as linguagens de
natureza mais distante do ato pedagógico dos professores participantes da pesquisa.
As linguagens que serão contempladas são: música (elementos do som, som do
corpo e materiais que produzem sons), teatro (musical, e confecção de figurinos), danças
(construção de paródias, cultura popular, brincadeiras cantadas), obras de arte (leitura e
releitura), como também a possibilidade de elaborar atividades para as crianças, numa prática
interdisciplinar do ensino voltado a elas.
Durante o processo das vivências, será contextualizada a história da arte, será feito
estudo acerca das linguagens da arte para a reflexão do professor participante, assim como
conteúdos (teorias científicas já elaboradas), tendo como fundamento concepções quanto ao
desenvolvimento infantil, expressividade, imaginação, criatividade e a participação do
processo cultural artístico.
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo geral
“Todas as crianças nascem artistas, mas a dificuldade
está em continuar a sê-lo quando crescem.” (PABLO
PICASSO)
Oportunizar um espaço criativo e reflexivo para professores, mergulhar no prazer
da arte enquanto conhecimento, “apreciar”, “refletir” e “fazer” arte, considerando a
120
necessidade da investigação, pesquisa de Mestrado em Educação, quanto à qualificação do
professor frente ao seu fazer pedagógico, uma oportunidade de formação continuada.
1.1.2 Objetivos específicos
a) Oportunizar e possibilitar um espaço de diálogo para conhecer a história e
memória pessoal dos participantes com relação ao contato com a arte;
b) oportunizar conhecimentos teórico-práticos sobre o desenvolvimento infantil e
a influência das linguagens da arte;
c) distinguir, na prática, as linguagens da arte, conteúdos e atividades
relacionadas a elas, teatro, música, artes visuais, artes plásticas;
d) interagir com as linguagens da arte, considerando-a como área de
conhecimento que também se aprende;
e) propiciar “fazeres artísticos”, considerando o conhecimento produzido pela
humanidade acerca destas linguagens;
f) apreciar as obras de arte numa postura e atitude disciplinar no ensino para
crianças;
g) resgatar nos professores a apreciação da arte e o poder crítico-reflexivo de que
as mesmas são carregadas;
h) refletir sobre as vivências numa perspectiva avaliativa, para contribuição com a
pesquisa.
1.2 SUJEITOS ENVOLVIDOS
Destina-se aos professores participantes da pesquisa e vivências.
Unidade I
Memória e história dos professores (espaço de conversação).
Textos para trabalho: A linguagem do teatro.
Unidade II
Obras de arte e artistas internacionais e brasileiros.
Tarsila e suas obras: “Abaporu”, “O Porto”, “A Família”, “O Ovo”, “O Engenho”, “O Morro
e a Favela”, “Operários”.
Pablo Picasso e suas obras: “Guernica”, “A Pomba da Paz”.
Portinari e suas obras: “Os Retirantes”, “Futebol no Brodosqui”.
Renoir e suas obras: “Mulher amamentando”, “A dança em Bougival”.
Unidade III
Música: Historia e contexto livro: História geral da arte no Brasil.
Produção de instrumentos que produzem som.
Danças: contextualização e ritmos com o corpo (danças e tradição cultural).
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Serão feitos trabalhos teórico-práticos individuais e em grupos.
121
2.1 LINGUAGEM TEATRAL (6 ENCONTROS)
Trabalhar com texto para estudo: leitura, discussão e compreensão da “História do
Teatro”.
Prática:
- releitura da obra da autora Lú Chamusca “Rabo do Gato”. Trabalho com a
diversidade e diferença dos animais, pois a peça mistura diálogo e expressão
musical;
- construção de figurinos (uso de TNT, corpo, EVA ou prato de papelão, para o
rosto: máscaras);
- dinâmica de conversação e discussão sobre a atividade realizada.
2.2 LINGUAGEM MUSICAL (6 ENCONTROS EM 2013)
2.2.1 Pesquisa: uso da tecnologia
Estudo: Leitura, discussão e compreensão – slide: “Origem da música e contribuição africana
e indígena nos instrumentos musicais” e “Elementos do som” (site: www.arte.seed.pr.gov.br).
2.2.1 Trabalho com atividade prática
- Conversação sobre a teoria estudada;
- confecção de instrumento de sucata que produzem som (material: garrafa pet, lata, lacre da
lata de refrigerante, cabo de vassoura, pedrisco ou sementes, etc.);
- construção de paródia, envolvendo o som do corpo (estalar dedos, bater palma, envolver a
respiração, bater os pés, etc.).
2.3 LINGUAGEM CORPORAL - DANÇA (8 ENCONTROS)
2.3.1 Estudo: trechos do Livro de Isabel A. Marques, editora Cortez.
- Corpos cênicos.
- Funcionalidade e expressividade.
- Dança não é só brincadeira, é arte.
- Componentes da linguagem da dança.
Esta atividade buscará, junto os professores, a reflexão sobre a dança no “contexto onde
aborda questões de integração de quatro princípios: a problematização, a articulação, a crítica
e a transformação”.
2.3.2 Atividades práticas: danças típicas tradicionais, CD Lú Chamusca “Arte Educadora”,
da Bahia. “Dança africana” (uso de cangas de praia).
Multiculturalismo: CD Lú Chamusca “Trenzinho do Chinês” Movimentos rítmicos.
2.4 LINGUAGEM PLÁSTICA (6 ENCONTROS)
2.4.1 Dinâmica de acolhimento professor frente à obra:
- Qual mais gosta...
- Qual delas levaria para casa...
- O que vê na obra...
- O que sente frente à obra...
- Uso das técnicas: cores, formas, linhas, etc.
122
2.4.2 Texto para estudo: livros diversos para pesquisar biografia dos artistas, estilo da obra e
contexto histórico-social no qual foi pintada.
Leitura e releitura da obra: utilização de recorte e colagem para representar o contexto da
história da linguagem cênica “O Rabo do gato”, e a paródia que será construída pelos
professores.
2.4.3 Técnica: será explorada a técnica empregada, uso de cores, traços e formas.
Conversação sobre o trabalho desenvolvido para o fechamento do projeto.
3 MATERIAIS PARA DINAMIZAÇÃO DO PROJETO
a) Materiais utilizados: serão empregues cartolina, papel pardo, TNT, EVA, pincel atômico,
tintas guaches, tesouras, fita métrica, potes para colocar água, panos velhos, cabo de vassoura,
latas, lacres de lata de refrigerante, garrafas de água vazia, refil de cola quente, 4 pistolas para
uso das colas, régua, lápis de cor, entre outros que se fizerem necessários entre um encontro e
outro.
b) Recursos de ensino: livros de arte para pesquisa, datashow, slides, obras impressas (fonte:
Revista Caras: Coleção 24 Obras Mais Valiosas no Mundo, editora Abril), aparelho de som,
notebook, CD da autora Lú Chamusca.
4 AVALIAÇÃO
Avaliação será qualitativa e processual, seguindo de análise e interpretação das
ações e postura dos participantes, sendo feitos os registros para agregar à investigação
(Pesquisa do Mestrado). Obs.: os resultados farão parte da investigação, o texto estará no
contexto do trabalho.
123
APÊNDICE C – Diário de campo
DIÁRIO DE CAMPO
A
B
C
D
E
F
Investigação: Pesquisa de Mestrado
Mestranda: Shirlley Deisy de Freitas da Silveira
Vivência com arte nº__________
Tema:____________________________________________________________________
______
Grupo de participantes (_____) das quartas-feiras (____) das quintas-feiras
Data:___________/_____________-_____________
Anotações/problematização
Códigos de comunicação do dia
(pesquisadora com os registros)
124
Registro/análise e compreensão, com contribuições teóricas para compreender a realidade
vivenciada na pesquisa.
Como está organizado o Diário de Campo
O Diário de Campo foi personalizado pela pesquisadora para favorecer a sua interação com
o grupo nas vivências e facilitar suas anotações.
Cada vivência contém uma folha do Diário de Campo:
1 - Quadro dos códigos - uma técnica que a pesquisadora criou para favorecer sua
coleta de informações, um registro mais rápido, mas rico de detalhes no seu
significado, momentos difíceis para pegar a caneta e escrever, devido à mediação
nas vivências. Segue cada código com seu referencial significativo para análise.
Significando os códigos:
Significa: o grupo se manteve alheio a propostas vivenciadas, da pouca
participação. Sem se envolver muito (não se molhar). Faltas de participantes.
Significa: muita dificuldade para relacionar a arte com a filosofia, a cultura e
seu fazer pedagógico, reclamando que este tipo de conhecimento não altera seu
dia a dia na escola.
Significa: estavam dispostos, interessados, questionavam, argumentavam,
humildes em relatar o que sabiam e o que não sabiam. Cada roda de
conversa mais pessoas iam aderindo, relatando suas vivências com arte.
Satisfação.
Significa: acreditam que este tipo de atividade faz diferença no seu
fazer pedagógico, e que encontram dificuldade no seu dia a dia na escola quanto
ao tempo, local e materiais disponíveis.
Não foi possível desenvolver algumas atividades da vivência por falta
de participação.
Significa: ao discutir os componentes teóricos e nas análises das obras,
saímos de uma atividade para outra e depois para a roda de diálogo,
com satisfação percebida no próprio ambiente e as interações frequentes
entre os participantes.
2 - Problematização/ provocações; resultado das provocações que cada atividade
confrontava entre a pesquisa e a realidade da parcela (professores) que
vivenciavam os momentos dos encontros.
3 - Análise dos códigos utilizados - registro. Após retornar para casa das
vivências, a pesquisadora irá fazer o levantamento dos códigos para análise,
confronto com os dados dos questionários, estudo das teorias que embasam a
pesquisa e assim problematizar a real situação.
125
APÊNDICE D – Atividade produzida na vivência: linguagem poética
2 cópias de participação da construção da linguagem poética a partir da obra de arte
escolhida pelos participantes (grupo 1 e grupo 2).
Além de referências expressadas naturalmente, procurei observar o grupo: a
postura frente às vivencias, como estar ou não alheio a propostas das vivências, na
participação da temática pouca participação. A presença de dificuldades para relacionar a arte
com a filosofia, a cultura e seu fazer pedagógico, disposição, interesses, questionavam,
argumentava, relato das suas vivências pessoais e profissionais a arte. Se não foi possível
desenvolver algumas atividades da vivência, foi por falta de participação. Ao discutir os
componentes teóricos e na análise da obra, foi objeto de análise o interesse na saída de uma
atividade para outra e depois para a roda de diálogo, como também as interações frequentes
entre os participantes.
Atividade integrante da vivência, obras de ARTE (favor devolver no término da
vivência)
Professoras participantes :_____________________________________________
Obra escolhida:______________________________________________________
Data:__________/____________/__________.