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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA MENDONÇA DEVER DO CONSELHO TUTELAR DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CONFORME O ARTIGO 131 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Tubarão 2019

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

LUCIANA MENDONÇA

DEVER DO CONSELHO TUTELAR DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CONFORME O ARTIGO 131 DO

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tubarão

2019

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LUCIANA MENDONÇA

DEVER DO CONSELHO TUTELAR DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CONFORME O ARTIGO 131 DO

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Direito da Universidade do Sul de

Santa Catarina como requisito parcial à

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Terezinha Damian Antonio, MSc

Tubarão

2019

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me dado saúde e força para superar as dificuldades.

Aos meus pais Rainério (in memorian) e Noeli, que me ensinaram a nunca desistir

dos meus sonhos, e que nunca é tarde para recomeçar.

Ao meu esposo Clodoaldo, pelo amor, apoio e muita paciência ao longo de todo

esse meu percurso, por segurar a minha mão nos momentos de desespero na construção deste

trabalho e que não mediu esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

Aos meus filhos Bruno e Beatriz, por compreenderem a minha ausência pelo tempo

dedicado aos estudos, pela força e amor incondicional. Sem vocês a realização deste sonho não

seria possível.

A minha orientadora Profa. Terezinha Damian Antonio, pelo empenho, dedicação

e paciência ao longo da elaboração desta monografia.

Agradeço também aos professores do curso de Direito da Universidade do Sul de

Santa Catarina, que com todo o seu esforço e dedicação constroem um curso de excelência.

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“Na vida real não lidamos com deuses, mas com humanos tão comuns quanto nós

mesmos. São homens e mulheres cheios de contradições, que são instáveis e inconstantes, fortes

e fracos, famosos e infames”. Nelson Mandela (In “Conversas que tive comigo”).

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RESUMO

OBJETIVO: Analisar o artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente segundo o qual

cabe ao Conselho Tutelar o dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do

adolescente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. MÉTODO: Quanto ao nível, a

pesquisa é exploratória, pois o principal objetivo é proporcionar afinidade com o objeto de

estudo. Quanto à abordagem, o presente estudo tem caráter qualitativo, trabalha com o universo

de significados, motivos, valores e atitudes, o que corresponde ao estudo mais profundo das

relações. O procedimento de coletas de dados ocorreu por meio da pesquisa bibliográfica, em

que busca responder a situação problema utilizando-se fontes já publicadas sobre o tema, como

doutrinas e artigos científicos, e da pesquisa documental, baseada na legislação.

RESULTADOS: Os direitos da criança e do adolescente passaram a ser valorizados e

respeitados a partir das conquistas sociais de movimentos internacionais que buscavam a

proteção e a efetivação dos direitos humanos. No Brasil, as crianças abandonadas ficavam sob

a responsabilidade dos municípios, até meados do século XIX, quando surgiu o Código de

Menores do Brasil. A partir da Constituição Federal/1988 e do Estatuto da Criança e do

Adolescente/1990 passou-se a garantir os direitos da criança e do adolescente. Criança é a

pessoa que tem até 12 anos incompletos e adolescente é o que tem entre 12 anos e 18 anos de

idade, completos. CONCLUSÃO: Pode-se verificar que são muitas as atribuições do Conselho

Tutelar, o que exige uma capacitação continuada, além de conhecimento profundo das

demandas e necessidades da comunidade específica à qual está vinculado. O dever do Conselho

tutelar de zelar pelo cumprimento dos direitos fundamentais da criança e do adolescente,

estabelecido pelo artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste em proteger os

interesses da Criança e do Adolescente, sempre que os Direitos reconhecidos em Lei forem

ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade, do Estado, abuso dos pais ou

responsável.

Palavras-chave: Criança e adolescente. Estatuto da Criança e do Adolescente. Conselho Tutelar.

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ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze article 131 of the Statute of the Child and Adolescent, according to

which it is the responsibility of the Guardianship Council to ensure the fulfillment of the rights

of children and adolescents provided for in the Statute of the Child and Adolescent. METHOD:

Regarding the level, the research is exploratory, since the main objective is to provide affinity

with the object of study. As for the approach, the present study has a qualitative character, it

works with the universe of meanings, motives, values and attitudes, which corresponds to the

deeper study of the relations. The data collection procedure was carried out through

bibliographic research, in which it seeks to respond to the problem situation using already

published sources on the subject, such as doctrines and scientific articles, and documenetal

research, based on legislation. RESULTS: The rights of children and adolescents began to be

valued and respected based on the social achievements of international movements that sought

to protect and fulfill human rights. In Brazil, abandoned children were under the responsibility

of municipalities until the mid-nineteenth century, when the Children's Code of Brazil. From

the Federal Constitution/1988 and the Statute of the Child and Adolescent/1990, the rights of

children and adolescents were guaranteed. Child is the person who is 12 years old incomplete

and teenager is the one who is between 12 years and 18 years of age, complete. CONCLUSION:

It can be verified that there are many responsibilities of the Tutelary Council, which requires

continuous training, as well as a deep knowledge of the demands and needs of the specific

community to which it is linked. The duty of the Board of Trustees to ensure the fulfillment of

the fundamental rights of the child and the adolescent, established by article 131 of the Statute

of the Child and Adolescent, is to protect the interests of the Child and Adolescent, whenever

the Rights recognized in Law are threatened or violated by action or omission of society, the

State, abuse of parents or responsible.

Keywords: Child and teenager. Child and Adolescent Statute. Tutelary Council.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 9

1.1 DESCRIÇÃO DO TEMA .................................................................................................... 9

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ................................................................................... 12

1.3 HIPÓTESE ......................................................................................................................... 12

1.4 DEFINIÇÃO DO CONCEITO OPERACIONAL ............................................................. 12

1.5 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 12

1.6 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 13

1.6.1 Objetivo geral .............................................................................................................. 13

1.6.2 Objetivos específicos ................................................................................................... 13

1.7 DELINEAMENTO DA PESQUISA .................................................................................. 14

1.8 ESTRUTURA DO RELATÓRIO FINAL ......................................................................... 15

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE .............................................................................................................. 16

2.1 EVOLUÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

.......................................................................................................................................... 16

2.2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL ....... 18

2.3 DOUTRINAS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ............................ 21

2.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ...

.......................................................................................................................................... 23

3 PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE (ECA) .................................................................................................. 28

3.1 CONCEITO JURÍDICO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE .................................... 28

3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ........................... 29

3.2.1 Do direito à vida e à saúde .......................................................................................... 29

3.2.2 Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade ..................................................... 30

3.2.3 Direito à convivência familiar e comunitária ........................................................... 32

3.2.4 Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer ............................................ 33

3.2.5 Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho ........................................ 34

3.3 DA PREVENÇÃO DE OCORRÊNCIA DE AMEAÇA OU VIOLAÇÃO DOS DIREITOS

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ............................................................................ 34

3.4 DEMAIS PREVISÕES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADELESCENTE ......... 36

3.4.1 Da política de atendimento ......................................................................................... 36

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3.4.2 Da prática de ato infracional ...................................................................................... 37

3.4.3 Das medidas de proteção ............................................................................................ 37

3.4.4 Das medidas socioeducativas......................................................................................39

3.4.5 Das medidas em relação aos pais ou responsáveis ................................................... 42

3.4.6 Do acesso à justiça ....................................................................................................... 43

4 O CONSELHO TUTELAR E O DEVER DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PREVISTOS NO ESTATUTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ......................................................................... 44

4.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE A ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR ...................... 44

4.1.1 Conceito e características do Conselho Tutelar ....................................................... 44

4.1.2 Atribuições do Conselho Tutelar ............................................................................... 45

4.1.3 Competências do Conselho Tutelar ........................................................................... 46

4.1.4 Requisitos e impedimentos para escolha dos Conselheiros ..................................... 48

4.2 PAPEL DO CONSELHO TUTELAR NA GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA

E DO ADOLESCENTE ..................................................................................................... 50

5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 57

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1 INTRODUÇÃO

Essa monografia trata do dever do Conselho Tutelar de zelar pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente, conforme o artigo 131 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, como se passa a expor.

1.1 DESCRIÇÃO DO TEMA

É dever do Estado, da família e da sociedade livrar a criança e o adolescente de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Crianças e

adolescentes possuem primazia em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias,

precedência no atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, destinação

privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude,

programas de prevenção e atendimento especializado aos jovens dependentes de entorpecentes

e drogas afins.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) definiu que

o Conselho Tutelar, órgão permanente, autônomo e não jurisdicional é encarregado pela

sociedade do dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,

conforme disposição do artigo 131 de referido diploma legal. Dessa forma, esse órgão, deve

atuar dentro dos objetivos de citado diploma legal, visando alcançar a proteção integral dos

infantes (BRASIL, 1990).

Destaca-se que o Conselho Tutelar, conforme Liberati e Cyrino (2003, p. 125) é

“um espaço que protege e garante os direitos da criança e do adolescente no âmbito Municipal.

É a ferramenta e o instrumento de trabalho nas mãos da comunidade, que fiscalizará e tomará

providências para tanto”. Entretanto, esse importante órgão não foi devidamente disciplinado

pelo legislador, de forma que questões relativas à estruturação, condições de funcionamento e,

principalmente, aquelas que tratam das relações com os demais órgãos do Sistema de Garantia,

muitas vezes, acabam presas a lacunas jurídicas.

Cabe ressaltar que a problemática enfrentada quando se trata deste assunto, é,

primeiramente, de responsabilidade dos pais e responsáveis por buscar no seu núcleo essa ajuda,

esgotando todas as possibilidades internas para resolução do problema. Os pais e responsáveis

pelas crianças e adolescentes possuem como dever garantir os direitos que lhe foram delegados,

não ferindo o direito alheio. No entanto, ocorrendo descaso ao zelo da criança e ao adolescente

caberá ao Conselho Tutelar agir de modo interventivo imputando a responsabilidade a quem a

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detém, impondo as medidas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme

art. 136 (BRASIL, 1990).

As restrições existentes ao direito de liberdade da criança e do adolescente

objetivam garantir a esses uma proteção integral, observando aspectos importantes para o

desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, como o direito à liberdade de

brincar, fazer esportes, divertir-se, participar da vida comunitária e familiar. Compete ao

Estado, ao Município, à comunidade e à família propiciarem assistência das mais variadas

maneiras às esses não deixando de cumprir com as suas obrigações, conforme estabelece o

artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 18. É dever de todos velar pela

dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,

violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL, 1990).

Desse modo, outorga-se a todos a legitimidade ativa para que se empenhem na

defesa dos direitos que garantam à criança e ao adolescente a proteção integral, contudo, atribui-

se ao Conselho Tutelar o dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do

adolescente, conforme disposição do artigo 131 de referido diploma legal, devendo referido

órgão se comprometer em maior grau, por ter sob sua autoridade, a guarda ou a vigilância da

criança e do adolescente, não podendo, em nenhuma hipótese, expô-los a vexame ou

constrangimento, sob pena de ser responsabilizado.

Segundo Elias (1994, p. 18), o direito ao respeito consiste na obrigação de garantir

a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. No que se refere à integridade

física, explicita que, além dos maus tratos e lesões, deve-se ter cuidado com a privação de tudo

o que é necessário para a preservação e o desenvolvimento do corpo. Uma criança ou

adolescente vivendo uma situação de ameaça ou violação de direitos será, sempre, um caso de

configuração única, com identidade própria, mesmo que as ameaças ou violações observadas

sejam comuns na sociedade. Por isso, vale reafirmar, cada caso é um caso e requer um

atendimento personalizado, sem os vícios das padronizações e dos automatismos.

Vale repetir as palavras de Digiácomo (2018, p. 73):

[...] o Conselho Tutelar não é e não pode funcionar como “programa de atendimento”

(mesmo quando do exercício da atribuição prevista no art. 136, inciso VI, do ECA,

não quis o legislador que o Conselho Tutelar “executasse” a medida de proteção

aplicada pela autoridade judiciária, mas sim providenciasse sua execução, através do

encaminhamento do adolescente ao programa de atendimento correspondente), o que

além de representar num desvirtuamento de suas atribuições, acaba sendo altamente

prejudicial aos próprios adolescentes, seja por não ter o órgão a estrutura e mesmo o

preparo adequados para prestar tal atendimento (que demanda, antes de mais nada, a

intervenção de profissionais de diversas áreas, como psicologia, pedagogia,

assistência social), resultando assim na ineficácia da intervenção realizada, seja por,

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com sua atuação indevida, contribuir para que uma verdadeira política socioeducativa

jamais seja implementada.

Muitas vezes os conselheiros tutelares são surpreendidos por determinações

judiciais ou requisições ministeriais que solicitam a realização de visitas periódicas, transporte

de crianças e adolescentes e outras deliberações estranhas às atribuições do Conselho Tutelar,

como a produção de relatórios sobre vínculos afetivos entre crianças e adolescentes e seus

genitores. Contudo, as atribuições do Conselho Tutelar estão elencadas no artigo 136 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulamenta o atendimento direcionado às crianças

e adolescentes e as penalidades impostas àqueles que deixarem de observá-las, conforme artigo

101, incisos I a VII de mencionado normativo legal.

Ainda, referido Estatuto, em seu artigo 136, prevê a possibilidade de o Conselho

Tutelar requisitar serviços, na área da educação, saúde, trabalho e segurança, podendo exigir

vaga em escolas infantis ou de ensino fundamental; consultas, exames e tratamento médico;

fiscalização das empresas onde os adolescentes prestam serviços, por parte do Ministério

Público que, por sua vez, poderá requerer diligências, instauração de inquérito policial ou

oferecer denúncia (BRASIL, 1990). O Conselho Tutelar poderá notificar pais, adolescentes,

servidores públicos, e, também, responsáveis por entidades, como também adotar providências

para fazer-se cumprir os direitos da criança e do adolescente, ou para fazer cessar a violação a

tais direitos, podendo atuar, para tanto, em parceria com o Ministério Público na apuração de

abusos de pais contra seus filhos e aplicação das adequadas medidas protetivas.

Nessa linha de pensamento, Martins (2017, p. 01) define que “zelar pressupõe

vigiar; proteger; tomar conta de alguém ou de algo com toda atenção, cuidado e interesse; velar,

interessar-se por defender; administrar; defender ou tratar algo com empenho, diligência,

precisão; ter especial empenho na execução de alguma tarefa”, buscando-se uma sociedade

mais justa. No mesmo sentido, considerando a relevância constitucional sobre o assunto e a

necessidade em se regulamentar e por em prática a execução da lei, o Estatuto da Criança e do

Adolescente tem a nobre e difícil tarefa de materializar o preceito constitucional (VERONESE,

1999).

Desse modo, as atribuições desempenhadas pelo Conselho Tutelar devem

corresponder ao dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, como

está estabelecido no artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por isso, é importante

definir em que consiste referido dever tão importante na garantia dos direitos da criança e do

adolescente.

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12

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Em que consiste o dever do Conselho Tutelar de zelar pelo cumprimento dos

direitos da Criança e do Adolescente?

1.3 HIPÓTESE

O dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente

atribuído pelo artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente consiste em desempenhar

um papel decisivo na defesa dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, sendo que

para o exercício dessa função, o Conselho Tutelar é dotado de parcela da soberania do Estado,

traduzida em poderes e atribuições próprias, que coloca referido órgão na condição de

autoridade pública que desenvolve serviço público relevante, dada absoluta autonomia e

independência funcional do órgão face à Administração Pública municipal, da qual não faz

parte (DIGIÁCOMO, 2018).

1.4 DEFINIÇÃO DO CONCEITO OPERACIONAL

Visando aclarar o tema, apresenta-se a definição do seguinte conceito operacional:

Dever do Conselho Tutelar de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança

e do adolescente: Trata-se da obrigação de órgão autônomo da administração pública

municipal brasileira, destituído de função jurisdicional, que possui a atribuição de proteger os

direitos da criança, para os efeitos legais, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e do

adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade.

1.5 JUSTIFICATIVA

O interesse pelo tema abordado na pesquisa surgiu dos estudos relacionados a

grandes e oportunas inovações estabelecidas pela Lei n. 8.069/90 para a sistemática de

atendimento à criança e ao adolescente, que prevê a criação, em todos os municípios brasileiros,

de, ao menos, um Conselho Tutelar definido pela legislação em comento, como o órgão

permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Este estudo também se mostra importante para a sociedade, tendo em vista que se

trata de assunto que interessa às famílias porque o Conselho Tutelar é o órgão que deve

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13

participar ativa e diretamente na garantia dos direitos e na solução dos problemas envolvendo

suas crianças e adolescentes.

Por se tratar de uma Universidade comunitária, este trabalho é relevante para as

famílias, pois pode constituir fonte de pesquisa e conhecimento aos leitores, e, nesse caso, tendo

a oportunidade de saber e entender a função do Conselho Tutelar na sociedade, como também,

conhecer o papel do conselheiro tutelar, enquanto ocupante de cargo público e dotado de

autonomia e independência funcional em face da Administração Pública municipal, da qual não

faz parte.

Também é relevante para o meio profissional porque esta monografia destaca as

atribuições do Conselho Tutelar e demonstra que se retiram, na perspectiva da sistemática então

vigente, determinadas responsabilidades da pessoa do Juiz competente para demandas na área,

descentralizando decisões e desafogando o judiciário. Este estudo se justifica para o meio

acadêmico, porque o tema tem sido pouco debatido e são poucos os trabalhos realizados nessa

área. Pretende-se, com o presente estudo, destacar a atualidade do tema proposto, bem como

sua relevância social, por se tratar de um tema eminentemente de interesse público, e assim

evidenciar as benesses trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.6 OBJETIVOS

1.6.1 Objetivo geral

Analisar o artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente segundo o qual cabe

ao Conselho Tutelar o dever de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente

previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.6.2 Objetivos específicos

Destacar a evolução, as doutrinas e as normas do Direito da Criança e do

Adolescente.

Apresentar os princípios norteadores do Direito da criança e do adolescente.

Conceituar juridicamente criança e adolescente.

Apresentar as principais disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Destacar os direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Descrever sobre as características e as atribuições do conselho tutelar.

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14

Discutir sobre o papel do conselho tutelar na garantia dos direitos da criança e do

adolescente, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme o artigo 131 de

referido diploma legal.

1.7 DELINEAMENTO DA PESQUISA

Quanto ao nível, trata-se de pesquisa exploratória, pois o principal objetivo,

segundo Motta e Leonel (2011, p. 101), é proporcionar afinidade com o objeto do estudo,

fundamentando-se na ausência de conhecimento suficiente para formular, de forma adequada,

um problema ou elaborar mais precisamente uma hipótese. Citando Köche (1997, p. 126), o

referido autor afirma que, na pesquisa exploratória, é necessário “desencadear um processo de

investigação que identifique a natureza do fenômeno e aponte as características essenciais das

variáveis que se quer estudar”.

Em relação à abordagem, o presente estudo tem caráter qualitativo, sendo que,

segundo Motta e Leonel (2011, p. 111), o pesquisador “apresenta as questões de pesquisa,

procura estabelecer estratégias, no âmbito da pesquisa exploratória para poder sistematizar as

ideias e, assim, construir suas categorias de análise”.

Por outro lado, quanto ao procedimento utilizado para coleta de dados, trata-se de

pesquisa bibliográfica, porquanto busca responder a situação problema utilizando-se de fontes

já publicadas sobre o tema, como doutrinas e artigos científicos. Nesse sentido, nas palavras de

Leonel e Motta (2011, p. 112), a pesquisa bibliográfica “(...) se desenvolve tentando explicar

um problema a partir das teorias publicadas em diversos tipos de fontes: livros, artigos,

manuais, enciclopédias, anais, meios eletrônicos etc.”. As fontes de pesquisa usadas para coleta

de dados consistiram essencialmente na legislação brasileira, em livros publicados por

respeitáveis autores e doutrinadores, bem como artigos científicos correlatos à temática.

Também, efetuou-se uma pesquisa documental que é aquela baseada em dados

primários, ainda não publicados, como as que foram empregadas neste trabalho monográfico,

coletadas na legislação sobre o assunto.

Por se tratar de pesquisa qualitativa, o processo de análise de dados consistiu na

análise de conteúdo, uma vez que se buscou coletar informações em materiais e documentos já

publicados, interpretando-as a fim de construir o conhecimento teórico e formular um

raciocínio, buscando trazer respostas à problemática que envolve a pesquisa.

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15

1.8 ESTRUTURA DO RELATÓRIO FINAL

Esta monografia está estruturada em cinco capítulos. No primeiro capítulo, têm-se

a introdução, na qual se contextualiza o tema e apresentam-se os objetivos deste trabalho.

O segundo capítulo traz as considerações iniciais sobre os direitos da criança e do

adolescente no Direito brasileiro, com a evolução do Direito da criança e do adolescente no

exterior e no Brasil, assim como as doutrinas e os princípios norteadores dos direitos das

crianças e adolescente.

O terceiro capítulo tem como foco as principais disposições do Estatuto da Criança

e do Adolescente – ECA (Lei n. 8069/1990). Nele contém a definição dos termos criança e

adolescente; os deveres da família, da sociedade e do Poder Público; os direitos das crianças e

adolescentes, e, também, outras previsões relacionadas à política de atendimento de crianças e

de adolescentes.

No capítulo quarto, descreve-se o Conselho Tutelar, ou seja, a sua forma de

composição, as suas características, as suas atribuições e a sua competência, bem como os

critérios de escolha dos conselheiros e os impedimentos à função. Enfatiza-se o papel do

Conselho Tutelar na garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Finalizando, no quinto capítulo têm-se a conclusão, e, após, as referências.

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16

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Neste capítulo abordam-se a evolução histórica, as normas, os princípios e as

doutrinas que formaram o conteúdo do Direito da criança e do adolescente no Direito brasileiro.

Durante muito tempo, a criança e o adolescente permaneceram bem mais distantes dos

interesses sociais, e, consequentemente, das expectativas para a realização concreta de seus

direitos. Nem sempre tiveram suas imagens tão divulgadas na sociedade como nos últimos anos.

A esse respeito, é preciso considerar que:

Levados ao esquecimento social e dos escopos político-econômicos, perdem

prioridade para minoria privilegiada que direciona o desenvolvimento do país. Nesse

contexto são induzidos a, em nome da fome, deixarem se explorar, violentar...sem

quaisquer restrições (VERONESE, 2001, p. 9).

Dessa forma, somente após as conquistas socias de movimentos de caráter

internacional comprometidos com a proteção e a efetivação dos direitos humanos na sua luta

pelo exercício da cidadania e as frequentes denúncias de violência infanto-juvenil, as crianças

e adolescentes alcançaram a singela posição que ocupam hoje. Mesmo assim, ainda travam a

difícil tarefa de conquistarem um patamar político, jurídico e social mais justo (VERONESE,

1994).

2.1 EVOLUÇÃO INTERNACIONAL DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O sistema internacional de direitos de proteção aos direitos humanos de crianças e

adolescentes é firmado por dois tipos: homogêneo e heterogêneo. O sistema homogêneo é a

universalidade, pois há documentos internacionais que tratam dos direitos de todos os seres

humanos, mas que também se referem à criança, como, por exemplo, a Declaração Universal

dos Direitos do Homem (DUDH) que trata de todos os seres humanos e não somente de um

grupo. O sistema heterogêneo é paralelo ao sistema homogêneo, nele há documentos

internacionais que têm como objetivo um grupo específico, como, por exemplos, a Convenção

sobre os direitos das pessoas com deficiência e a Convenção sobre os direitos da criança, da

ONU/1989 (LIMA, 2015).

No sistema internacional heterogêneo o estudo é realizado por meio de grupos que

tutelam interesses das minorias (grupos que merecem atenção especial) como o grupo da

infância, sendo que esse tratamento desigual (heterogeneidade) se justifica pela situação de

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17

hipossuficiência, é um grupo que necessita de cuidados especiais. Representam documentos do

sistema internacional heterogêneo na evolução internacional dos direitos da criança e do

adolescente, segundo Lima (2015):

Convenções da OIT, de 1919. Nas convenções da Organização Internacional do

Trabalho (OIT)/1919 foram aprovadas seis convenções e duas delas tratavam de direitos da

criança: Convenção sobre idade mínima para o trabalho na indústria; e a Convenção sobre a

proibição do trabalho de crianças em certas atividades. Nos anos de 1917 e 1918, houve várias

greves na Europa, inclusive com a participação de crianças que eram utilizadas como mão-de-

obra e trabalhavam quase à exaustão, além de receberem salários menores quando comparados

aos pagos aos adultos.

Declaração de Genebra, de 1924 ou Carta da Liga sobre a criança. Em 1919, foi

criada a primeira associação para a tutela dos interesses das crianças, existente até hoje:

Associação Salve as Crianças, a qual surgiu na Inglaterra devido ao trabalho de duas irmãs,

após os horrores sofridos na 1ª Guerra Mundial, sendo que no pós-guerra, várias crianças

ficaram órfãs. A declaração foi encampada pela Liga das Nações (atual Organização das Nações

Unidas - ONU). Essa declaração foi o primeiro documento de caráter genérico voltado ao

tratamento da infância, e não apenas ao trabalho infantil.

Declaração dos direitos da criança, de 1959: Essa declaração contém regras

específicas, reforçando a ideia da vulnerabilidade da criança, adotando, em âmbito

internacional, a doutrina da proteção integral, passando a referir-se às crianças como sujeitos

de direitos. O Brasil estava quase 20 anos atrasado em relação ao tratamento internacional sobre

o tema por pura opção legislativa, pois em 1979 instituiu o Código de Menores (direito do

menor), muito embora o legislador já pudesse ter adotado a doutrina da proteção integral. Essa

declaração encampou dez princípios, mas se verificou o mesmo problema ocorrido com a

Declaração Univeral dos Direito Humanos que exigiu a elaboração de pactos para lhe conferir

efetividade. A edição de um documento internacional que conferisse força jurídica obrigatória

era imprescindível, pois até então os já existentes careciam de coercibilidade.

Convenção sobre os direitos da criança. Os debates sobre a Convenção dos direitos

das criança teve início no ano de 1979, mas só foi aprovada dez anos depois. Essa convenção,

aprovada em 1989, possui várias características, como: acolhe a concepção do desenvolvimento

integral da criança; reconhece a absoluta prioridade e o superior interesse da criança, os quais

passam a ser a regra de ouro do direito da criança e do adolescente. Todas as decisões a serem

tomadas devem respeitá-los, têm reflexos nas políticas públicas, relações familiares, decisões

judiciais, trata-se de regra que relativiza todas as demais previstas no Estatuto da Criança e do

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18

Adolescente. Todavia, com o passar do tempo, percebeu-se a necessidade da implementação de

outros documentos relativos aos direitos da criança e do adolescente, pois somente a Convenção

era insuficiente. Verificou-se a importância de aprofundamento em relação a alguns temas

específicos, como os relacionados à exploração infantil; envolvimento de crianças e

adolescentes em confrontos armados; e autores de ilícitos penais; prevenção da delinquência

juvenil; administração da justiça da infância e da juventude e privação da liberdade de crianças

e adolescentes.

2.2 EVOLUÇÃO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

Os direitos da criança e do adolescente no Brasil, ao longo dos tempos, vêm

avançando, embora se tenham poucos registros e referências até o início do século XX.

Destacam-se as seguintes fases do direito da criança e do adolescente, no Brasil, segundo

Andrade (2018):

Abandono das crianças no Brasil Colônia. No Brasil Colônia, as crianças

abandonadas eram de responsabilidade dos municípios, que não tinham nenhuma ação efetiva

para assumirem responsabilidades, pois alegavam a falta de recursos econômicos e logísticos,

sendo que, na realidade, o que ocorria era um verdadeiro descaso para com esse serviço. Diante

dessa situação, surgiu no Brasil, a roda dos expostos.

Roda dos expostos. Baseada em uma instituição originária da Europa medieval, a

Roda dos expostos permaneceu no Brasil durante os três grandes regimes do período colonial,

e, somente no período republicano, por volta da década de 1950, teve fim. Essa roda era uma

tábua cilíndrica dividida ao meio, que ficava fixa em um muro ou janela das instituições

(mosteiros e hospitais), no qual o expositor colocava a criança que pretendia abandonar, e

impulsionava a forma cilíndrica que girava, consequentemente, colocando o infante para

dentro da instituição, e posteriormente, acionando um sino que alertava o responsável pela

vigia que ali chegara uma criança, dando, nesse meio tempo, oportunidade de fuga e de

garantia do anonimato do expositor que abandonava o infante na instituição. Esse sitema,

conforme define Marcílio (2001 apud ANDRADE, 2018, p. 01):

[...] Seria um meio encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim

estimulá-lo a levar o bebê que não desejava para a roda, em lugar de abandoná-lo

pelos caminhos, bosques, lixo, portas de igreja ou de casas de família, como era o

costume, na falta de outra opção. Assim procedendo, a maioria das criancinhas morria

de fome, de frio, ou era comida por animais, antes de serem encontradas e recolhidas

por almas caridosas.

Page 20: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

19

Essas rodas multiplicaram-se, e acolheram as crianças até meados do século XIX,

quando os médicos passaram a revelar os inúmeros casos de mortalidade nessas instituições de

acolhimentos ao infante abandonado, quando, então, iniciou-se uma campanha para a extinção

de tais rodas, as quais foram abolidas formalmente em 1927. Todavia, em São Paulo, funcionou

até 1948; no Rio de Janeiro, até 1935; e em Santa Catarina, de 1828 a 1950.

Código de Menores do Brasil de 1927. Apesar das crianças da época não receberem

pela legislação nenhuma forma de direito, garantia ou proteção, já havia preocupação, mesmo

que de uma forma não tão impactante, como nos dias atuais, de se protegê-las, a começar pela

liberdade dos infantes que eram tratados, na lógica de que, quanto mais pobres, mais

delinquentes, tendo então que receber tratamento do controle policial, de forma a serem

recolhidas e utilizadas para o trabalho, para acarretar riqueza para o país. Neste sentido, afirma

Custódio (2009 apud Andrade, 2018, p. 01) que “a consequência disso ficou a cargo do direito

penal, para solucionar essa problemática sobreposta, pelo discurso de que se as crianças eram

o futuro do país, elas deveriam ser corrigidas a fim de se tornarem adultos bons e honestos”.

Assim começa a criminalização e o Código Penal da República surgiu para reprimir

a infância pobre brasileira, tornando a legislação penal uma verdadeira forma de controle das

classes sociais, sendo promulgado o Decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de 1923, a primeira

norma de proteção aos menores e delinquentes, vítimas da pobreza; em 1º de dezembro de 1926,

criou-se o primeiro Código de Menores do Brasil, aprovado e instituído em 12 de outubro de

1927, sendo o primeiro da América Latina, e a primeira lei de forma oficial no Brasil que tratava

da criança e do adolescente, arbitrado pelo Juiz de menores, instituindo-se a doutrina da situação

irregular e estabelecendo critérios para a identificação de menores em situação irregular.

Para Oliveira (2013 apud ANDRADE, 2018), essa mudança de entendimento

quanto à culpa, responsabilidade e a capacidade de entendimento das crianças e adolescentes,

modificou o termo menor, não de forma expressiva, mas utilizado para designar crianças e

adolescentes em situação de carência moral e material, e os infratores. Diante dessa perspectiva,

pode-se dizer que o Estado falhou diversas vezes ao tentar dar as crianças e aos adolescentes

uma política de assistência, apenas estimulou a inserção dos infantes nas atividades trabalhistas.

Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). Trata-se de instituição

criada para solucionar o problema do menor, modificando a idéia de que as crianças e os

adolescentes abandonados, afetiva e economicamente, eram uma ameaça social, tendo como

prerrogativa a maneira autônoma de elaborar e introduzir uma política nacional.

Código de menores de 1968. Trata-se de normativo que apesar de trazer poucas

inovações em relação ao Código anterior de 1927, mantém a repressão, mas passa a tratar o

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20

menor como infrator e não mais como delinquente. Todavia, apesar de ter sido criado com

promessas de melhor proteção ao menor carente, abandonado e infrator, provocou muitas

discussões entre os especialistas e a situação das crianças e dos adolescentes não teve especial

atenção dos governantes e da sociedade. Assim, esse código, em 1979, foi substituído hoje pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente.

Constituição Federal/1988. A legislação pátria resguarda o direito da criança e do

adolescente, dispondo o dever de todos em assegurar a esses os seus direitos fundamentais,

confome o art. 227, pelo qual:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo

de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão (BRASIL, 1988).

A Carta Magna também garante a defesa do direitos da criança e do adolescente,

determinando que: “Art. 228: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,

sujeitos às normas da legislação especial (BRASIL, 1988).

Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei n. 8069, de 13 de julho de1990,

instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, que nasceu dos momentos democráticos de

elaboração do artigo 227 da Constituição Federal/1988, os quais propuseram novos paradigmas

para a proteção desses, que hoje são sujeitos de direitos, pessoas em fase peculiar de

desenvolvimento, destinatários de prioridade absoluta. Os dispositivos de referido Estatuto

visam tutelar os direitos das crianças e dos adolescentes, de forma exclusiva, e de forma mais

ampla, definindo ações e procedimentos para manutenção e aprimoramento dos seus direitos,

conforme dispõe o art. 3° do citado Estatuto, como segue:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-

se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes

facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de

liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e

adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça,

etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e

aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou

outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem

(BRASIL, 1990).

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21

Lei 13.431/2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do

adolescente vítima ou testemunha de violência. Esta lei, assegura mecanismos de prevenção à

violência contra as criança e os adolescentes, bem como, cria medidas que protegem e

estabelecem procedimentos para a tomada de depoimentos dos menores nas esferas policial e

judiciária. Referida lei, como forma de resguardar o menor das mais constrangedoras situações,

determina que em caso de prestar depoimentos, seja aos órgãos de proteção, nas delegacias, ou

ainda nos fóruns judiciais, a criança deve ser ouvida/inquirida por escuta especializada, a fim

de minimizar as consequências do ato, como segue:

Art. 7º Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência

com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato

estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.

Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente

vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

Art. 9º A criança ou o adolescente será resguardado de qualquer contato, ainda que

visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça,

coação ou constrangimento.

Art. 10 A escuta especializada e o depoimento especial serão realizados em local

apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade

da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência (BRASIL, 2017).

Assim, tem-se que, atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro está devidamente

amparado por normas que garantem e asseguram os direitos da criança e do adolescente.

2.3 DOUTRINAS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

As três doutrinas básicas da criança e do adolescente correspondem a três etapas

históricas: etapa de caráter penal indiferenciado, etapa de cautela tutelar e etapa de caráter penal

juvenil. São elas, a doutrina do direito penal do menor; a doutrina da situação irregular; e a

doutrina da proteção integral, como se passa a expor.

A doutrina do direito penal do menor teve início no Brasil, no começo do século

XIX. Nesse caso, a imputabilidade penal iniciava aos sete anos de idade, a doutrina de direito

penal justificava a imposição das mesmas penas a todos, sem distinção de idade, apenas com

sanções atenuadas para os menores de idade; havia apenas uma lei penal, que servia tanto para

o adulto como para a criança e ao adolescente. Os menores eram tratados como adultos,

recebiam as mesmas penas pelos mesmos delitos e eram recolhidos nos mesmos

estabelecimentos (LIBERATI, 1991). Em 1830, com o primeiro Código Penal do Brasil

independente, adotou-se o critério biopsicológico, baseado no discernimento, entre sete e

quatorze anos. O Código Republicano de 1890 continuou com o mesmo critério, assim com

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22

quatorze anos o adolescente estava sujeito aos rigores da lei penal geral, aplicada aos adultos,

a qual podia retroagir até aos nove anos. Nesta etapa os menores era tratados praticamente da

mesma maneira que os adultos (CURY, 2005).

A doutrina da situação irregular do menor, de caráter tutelar, fundada no binômio

carência e delinquência, iniciou-se a partir do primeiro juizado de menores realizado em 1923;

as crianças e os adolescentes deixaram de ser tratados como adultos, pelo rigor da lei penal;

entretanto, começou a se admitir a criminalização da pobreza e a forte tendência a sua

institucionalização (ISHIDA, 2011). Com o Código de Menores de 1979, mesmo indo contra

as diretrizes internacionais, a doutrina da situação irregular foi definitivamente implantada no

Brasil, esta lei tratava o menor infrator como se fosse um portador de certa patologia social,

deixando de lado suas necessidades de proteção e segurança. São apresentados, principalmente,

mecanismos de defesa contra os jovens, dificultando sua reinserção social. Depois de muitas

críticas a esse tipo de tratamento às crianças e aos adolescentes, essa doutrina foi totalmente

superada pela doutrina da proteção integral (SPOSATO, 2006 apud HOLANDA, 2012).

A doutrina na proteção integral e o direito da criança e do adolescente decorreu

de longo processo histórico, com vários documentos internacionais que trataram da matéria,

que demonstravam a preocupação da comunidade internacional com os direitos da criança e do

adolescente. Desse modo, a Lei n. 8.069/90 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente no

Brasil, revolucionando o direito infanto-juvenil ao implantar a doutrina da proteção integral. É

integral, porque segue o preceito da Constituição Federal/1988, em seu artigo 227 que

determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem

discriminação de qualquer tipo (LIBERATI, 1991), elevando a criança e o adolescente à

condição de cidadãos, como sujeitos de direitos e deveres. No âmbito mundial, essa etapa

iniciou-se em 1959, com a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Essa doutrina está

prevista no art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando determina que se deve

assegurar, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim facultar à

criança e ao adolescente o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em

condições de liberdade e de dignidade, sendo esta uma ordem sequencial de prioridades

(BRASIL, 1990).

Para Vasconcellos [s/d] no âmbito do poder familiar que tem como finalidade

proteger a criança e o adolescente, o direito dos pais não mais se sobrepõe aos dos filhos, pois

a prioridade é a proteção dos interesses da criança, considerando sua pouca idade e a

incapacidade de discernir. A lei estabelece como os pais devem desempenhar suas funções;

desse modo, o direito traça limites de conduta na relação entre pais e filhos. O afeto é

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23

fundamental no contexto familiar, mas a formalidade do vínculo jurídico é ineficaz. Não cabe

ao direito decidir de que forma os pais devem agir em relação a seus filhos, mas as relações

familiares devem se limitar ao controle dos princípios orientadores, porém sem dificultar a

autonomia dos pais.

2.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do

Adolescente é formada por um conjunto de princípios e regras que regem diversos aspectos da

vida infanto-juvenil, desde o nascimento da criança até a maioridade, num sistema aberto que

traz a segurança necessária para delimitação das condutas. Esses princípios, são essenciais para

as relações jurídicas por estabelecerem equilíbrio e justiça entre as partes; têm por finalidade

assegurar os direitos fundamentais da criança e do adolescente com normas protetivas diferentes

das aplicadas aos adultos, embasadas na Constituição Federal/1988 e consignados pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente (CANOTILHO, 1998).

Dentre os princípios que norteam o direito da criança e do adolescente, destacam-

se: princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; princípio da prioridade absoluta;

princípio da municipalização; princípio da brevidade e princípio da convivência familiar, como

se apresenta a seguir.

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é originário do

instituto protetivo do direito anglo-saxônico, pelo qual o Estado outorgava para si a guarda

dos indivíduos juridicamente limitados (menores e loucos). No século XVIII, o instituto foi

desmembrado para que se separasse a proteção infantil da do louco, oficializando-se pelo

sistema jurídico inglês, em 1836, o princípio do melhor interesse. A aplicação desse princípio

limitava-se à criança e aos adolescentes, mas esse paradigma mudou quando a Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança adotou a doutrina da proteção integral e reconheceu

os direitos fundamentais para a infância e a adolescência, incorporada pelo artigo 227 da

Constituição Federal/1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de princípio

orientador que tem como objetivo determinar a primazia das necessidades da criança e do

adolescente como critério de interpretação da lei, para solução de conflitos ou elaboração de

futuras normas; esse princípio assegura que, em qualquer situação ou problema que envolva

crianças e adolescentes, seja sempre buscada a alternativa mais apta a satisfazer seus direitos,

para que seus interesses estejam sempre em primeiro lugar (PEREIRA, 1999).

Page 25: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

24

Entretanto, nem sempre o objetivo do melhor interesse prevalece na prática. É

comum que os profissionais que atuam na área da infância e da juventude se esqueçam de que

os destinatários finais da doutrina protetiva são a criança e o adolescente e não o pai, a mãe,

os avós ou outros parentes. Dessa forma, o melhor interesse da criança e do adolescente nem

sempre é atingido, uma vez que as equipes técnicas insistem em buscar vínculo jurídico em

vez de afeto, algo essencial para o crescimento na infância e na juventude. Privar a criança e

o adolescente do direito fundamental à convivência familiar é desrespeitar o princípio do

melhor interesse. Para que haja a aplicação do princípio é imprescindível que o direito goze

de proteção constitucional em primazia, ainda que colidam com o direito dos próprios

familiares (NOGUEIRA, 1991).

O princípio da prioridade absoluta, conforme Ishida (2011), é um marco na

mudança ao tratamento da criança e dos adolescentes e se trata de uma conquista da sociedade

brasileira. Isso só ocorreu devido a mobilização da sociedade civil que levou à assembleia

constituinte de 1987 duas propostas de iniciativa popular: Criança e Constituinte e Criança:

Prioridade Nacional – que deram origem ao texto do artigo 227, da Constituição Federal/1988,

pelo qual:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao

jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,

1988, grifo nosso).

O termo absoluta, presente no artigo 227, da Constituição Federal/1988, confere

uma necessidade de aplicação invariável e incondicionada dessa norma em todos os casos que

envolvam crianças e adolescentes, redigida de forma compatível com as peculiaridades da

infância; é bastante abrangente e impõe ao Estado, à sociedade e à família o dever de assegurar,

com prioridade absoluta, todos seus direitos e garantias. Referido artigo constitucional está

repetido no artigo 4º do ECA, detalhando a norma da prioridade absoluta para facilitar sua

aplicação, como segue:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

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25

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção

à infância e à juventude (ISHIDA, 2011, p. 9; BRASIL, 1990).

Não poderia ser diferente, uma vez que a condição de desenvolvimento da criança

impõe a necessidade de coordenação dos diferentes atores para garantia plena dos direitos das

crianças. Em diversos casos, como no direito de receber o aleitamento materno, apenas a mãe

(família) é capaz de amamentar; no entanto, sem uma tutela estatal que garanta à mãe licença

maternidade remunerada, tal direito estaria prejudicado. O mesmo ocorre em casos de extrema

vulnerabilidade social, em que o apoio do Estado e da sociedade é necessário para que a família

tenha condição de garantir a convivência familiar saudável, essencial ao desenvolvimento da

criança. Da mesma forma como a prioridade absoluta consta no texto constitucional porque a

sociedade se organizou e pleiteou essa transformação, é pela ação da sociedade, juntamente à

família e o Estado, que esta prioridade vem ganhando maior relevância e efetividade com o

passar do tempo (NOGUEIRA, 1991).

O princípio da municipalização se aplica na política assistêncial e descentralizada

das ações governamentais; tem como objetivo facilitar o atendimento dos programas

assistenciais às crianças e aos adolescentes, uma vez que o município tem papel fundamental

na percepção das necessidades infanto-juvenis e na aplicação da doutrina da proteção integral,

sem prejuízo da responsabilidade solidária dos Estados e da União (ISHIDA, 2011). Nesse

sentido, o ECA, em seu artigo 88, inciso I, prevê a municipalização do atendimento à criança

e ao adolescente, conforme previsão do artigo 227, parágrafo 7º, da Constituição Federal

(BRASIL,1988). Esse princípio foi adotado a fim de melhor atender as necessidades das

crianças e adolescentes, uma vez que cada região apresenta características específicas. Para

que seja assegurada a prioridade das crianças e dos adolescentes nos programas sociais e para

que a destinação de recursos para programações culturais, esportivas e de lazer seja voltada

para a infância e a juventude, mostra-se indispensável que a municipalização se torne real,

devendo ser exigido dos municípios que criem seus conselhos (inclusive com a atuação do

Ministério Público) e que fiscalizem a elaboração da lei orçamentária. Destaca-se que é

importante que os Estados e a União sejam solidários aos Municípios, para que os direitos

fundamentais infantojuvenis sejam tutelados e resguardados de fato, e que todos os membros

da sociedade, especialmente o Poder Público, disponibilizem os meios necessários para tanto

(LIBERATI, 1991).

O princípio da brevidade, para Veronese (2001), é um dos basilares na aplicação

da medida socioeducativa privativa de liberdade; consiste no limite de tempo da manutenção

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26

da medida aplicada que deverá ser o mais breve possível, ou seja, apenas o necessário para

reintegrar na sociedade o adolescente em conflito com a lei, uma vez que esta deverá ser

cumprida em estabelecimento fechado com duração mínima de seis meses e máxima de três

anos conforme art. 121, §§ 2º e 3º do ECA (BRASIL, 1990).

A privação de liberdade deverá ser cumprida numa entidade exclusiva para

adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo (art 123, caput, 1ª parte), já o brigo

este previsto no art 101,VII, é a medida específica de proteção. A ideia é não por juntos o

adolescente que precisa ser internado e o que precisou abrigar-se; o primeiro, responsabilizado

por ato infracional grave, e o segundo, carecedor de cuidados, apenas. A separação entre

internados, tendo por critério a gravidade dos atos infracionais, corpo físico e idade, busca

afastar dos mais violentos os mais pacatos, e dos mais fortes os mais fracos. Pelos objetivos que

visa o Estatuto, essa medida deve resultar em proteção ao reeducando, possibilitando-lhe a

realização de atividades educacionais institucionalizadas que lhe forneça novos paradigmas

para o convício social, uma vez que o ideal é a permanência destes no seu lar, junto com seus

familiares, por força do preceito constitucional, conforme o art. 227 da CF (ELIAS, 1994).

Segundo o princípio da convivência familiar, é um direito fundamental da criança

e do adolescente viver junto à sua família natural ou subsidiariamente à sua família extensa. A

garantia da convivência familiar se perfaz por meio de dois princípios basilares:o da proteção

integral e o da prioridade absoluta, segundo Cury (2005). Esse direito é reconhecido

constitucionalmente no art. 227 da CF (BRASIL, 1988) que impõe à família, à sociedade e ao

Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação,

à educação, inclusive à convivência familiar e comunitária, colocando-os a salvo de toda forma

de negligência, violência e crueldade; é assegurado no plano infraconstitucional assim como

pelo art. 19, do ECA, pelo qual a criança ou o adolescente tem o direito de ser criado pela sua

própria família, como regra geral, e excepcionalmente, por família substituta (BRASIL, 1990).

Para Cury (2005), a família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de

se aprender o uso adequado da liberdade, e onde há a iniciação gradativa no mundo do trabalho.

É o local em que o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde é lançado

para a sociedade e para o universo. É fundamental que o Estado coopere nesse papel, que

embora, entregue à família, é função de toda a sociedade. Por isso, a criança ou o adolescente

que estiver, por qualquer motivo, retirado do convívio da família, em razão de programa de

acolhimento familiar ou institucional, deverá ter sua situação reavaliada, no máximo a cada seis

meses, cabendo ao juiz decidir pela sua reintegração familiar, ou colocação em família

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substituta. Essa decisão deve ser fundamentada, com base nos laudos e relatórios de uma equipe

multidisciplinar.

Feitas essas considerações, passa ao capítulo 3.

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28

3 PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE (ECA)

Este capítulo apresenta as principais disposições do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) (Lei 8069/1990), que trata, preliminarmente, da definição de criança e de

adolescente; dos deveres da família, da sociedade e do Poder Público; e da forma como os

cidadãos e as entidades que trabalham por essa matéria exigirão que em qualquer circunstância

crianças e adolescentes sejam corretamente tratados. Referido Estatuto dá poderes aos cidadãos,

às entidades governamentais e não-governamentais e às autoridades, para se fazer valer os

direitos fundamentais da criança e do adolescentes e impedir que sejam violados.

3.1 CONCEITO JURÍDICO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art. 2º, distingue o

atendimento sócio-educativo com base no conceito de criança e de adolescente, que é baseado

na idade não considerando os aspectos psicológico e social. Desse modo, criança é aquela

pessoa que tem até 12 anos incompletos; já adolescente é o que tem entre 12 anos e 18 anos de

idade, completos. Assim, estabelece referida legislação: “Art. 2º Considera-se criança, [...] a

pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de

idade” (BRASIL, 1990).

Alguns autores fazem restrições à colocação do limite de 12 anos para o início da

adolescência, pelo fato de a distinção pretendida pelo legislador não coincidir com a evolução

biológica de uma fase para outra (LIBERATI, 1991). Entretanto, essa distinção é importante

porque “a infância é o período decisivo em que se desenvolve a pessoa humana. A socialização

que se inicia na infância prossegue na adolescência para a aquisição da consciência moral”

(ALBERGARIA, 1991, p. 24).

No entendimento de Nogueira (1991, p. 9) “a fixação do início da adolescência pelo

Estatuto, aos 12 anos completos, principalmente para responder por ato infracional, pelo

processo contraditório com ampla defesa, não deixa, salvo melhor juízo, de ser uma temeridade,

pois aos 12 anos a pessoa ainda é criança”. Já para Ishida (2011, p. 4) “a doutrina da proteção

integral e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescednte acabam necessariamente

incluindo também o nascituro dentro dessa proteção”. Nesse caso, é certo que a interpretação

do ECA leva à inclusão do nascituro na expressão criança, pois quis caracterizar aqueles seres

humanos em peculiares condições de desenvolvimento, devendo ser em todas as hipóteses

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29

respeitadas. Excepcionalmente, de acordo com o disposto no ECA (art. 2º § único), nos casos

expressos em lei, aplicam-se as disposições de citado Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte

e um anos de idade (BRASIL, 1990).

No entanto, a legislação brasileira prevê a responsabilidade penal a partir dos 18

anos, conforme o art. 228 da Constituição Federal/1988, pois a intenção do legislador era

preservar a criança até os 12 anos de idade; já o adolescente (de 12 aos 18 anos completos)

também necessita de amparo legal, mas essa diferença na lei entre criança e adolescente é

importante quando se trata da aplicação das medidas pela prática de uma ato infracional, que,

se for o caso, aplicam-se as medidas sócioeducativas previstas no art. 112, I a VII do ECA

(BRASIL/1990).

3.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais garantidos por

lei ou por outros meios à pessoa humana, assim como todas as oportunidades e facilidades, a

fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições

de liberdade e dignidade (NOGUEIRA, 1991). Esses direitos estão garantidos no artigo 5º da

Constituição Federal/1988 e consignados no Estatuto, tais como: o direito à vida, à saúde, à

educação, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à cultura,

ao lazer, ao esporte, à profissionalização e à proteção no trabalho (LIBERATI, 1991). Tais

direitos devem ser assegurados com absoluta prioridade, justamente em se tratando da criança

e do adolescente, pela família, pela comunidade, pela sociedade e pelo Poder Público, devendo

todos contribuírem com sua parcela para o desenvolvimento e proteção integral da criança e do

adolescente (NOGUEIRA, 1991).

Destacam-se a seguir, os principais direitos constitucionais assegurados à criança e

ao adolescente: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à

convivência familiar e comunitária; direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; direito

à profissionalização e à proteção no trabalho, como se explana na sequência.

3.2.1 Do direito à vida e à saúde

Dentre os direitos fundamentais protegidos e assegurados pela Lei, o direito à vida

e à saúde destaca-se por sua importância. Para assegurar o desenvolvimento das crianças e dos

adolescentes, é dever do Estado efetivar políticas públicas voltadas ao atendimento e cuidado

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30

desses. Nesse contexto, dispõe o artigo 7º do ECA, como segue: “Art. 7º A criança e o

adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais

públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições

dignas de existência” (BRASIL, 1990).

Corroborando, Liberati (1991) esclarece que a criança e o adolescente, que estão

em fase de desenvolvimento merecem a proteção especial da família, da sociedade e do Poder

Público, devendo este criar condições e programas específicos que permitam seu nascimento e

desenvolvimento de forma sadia e harmoniosa. Ainda, de acordo com os ensinamentos do autor:

O respeito que se deve dar a manutenção da vida constitui-se a pilastra central de toda

a formação física e emocional da criança, O simples fato de ter sua mãe ao seu lado,

no leito de um hospital, a criança mostrará rápida recuperação de sua enfermidade,

pois além da ciência, o amor desempanha importante papel terapêutico (LIBERATI,

1991, p. 7).

Para Liberati, (1991), as condições dignas de atendimento à saúde são também

asseguradas à gestante e à parturiente, com o acompanhamento de profissional competente e

pelo Sistema Único de Saúde, como prevê o artigo 8º do ECA:

Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de

saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada,

atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal,

perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL 1990).

Referido artigo remete à ampla proteção ao nascituro, pois a tutela do direito à saúde

começa com uma saudável gestação (BRASIL, 1990).

3.2.2 Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito à liberdade, ao respeito e

à dignidade das crianças e adolescentes. Compreender o significado destas previsões legais

exige entender a base ideológica sobre a qual o ECA foi edificado, pois os artigos representam

as ideias que embasaram a elaboração desta Lei.

Nesse sentido, para Maçura, Cury e Garrido de Paula (199l) apud Ishida (2011), o

direito à liberdade é uma faculdade que uma pessoa possui de fazer ou não fazer alguma coisa.

No caso da criança e do adolescente há uma compatibilização com a doutrina da proteção

integral, abrangendo o direito de estar nos logradouros públicos como espaços ao ar livre, como

as praças; o direito à opinião e à expressão; o direito de crença e culto; o direito de lazer; o

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31

direito de participação da vida familiar e da comunidade; o direito de participar da vida política;

o direito de refúgio, de auxílio e de orientação. Ademais, a criança e o adolescente gozam da

liberdade de locomoção, ainda que limitada, pois necessitam de autorização dos pais ou

responsáveis para se locomoverem nos logradouros públicos, e dos critérios de conveniência e

de educação por eles definidos. Assim, de acordo com o art. 106 do ECA, a criança não pode

ser privada de sua liberdade, conforme dispõe: “Art. 106. Nenhum adolescente será privado de

sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da

autoridade judiciária competente” (BRASIL, 1990; ISHIDA, 2011).

Para Cury (2005, p. 88), a lei protege a criança e o adolescente contra qualquer

ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, abrangendo a

preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços

e objetos pessoais, tendo em vista a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. O direito

ao respeito abrange a “preservação da imagem e da identidade pessoal”; tal particularização

decorre de a lei reconhecer que a criança e o adolescente “gozam de todos os direitos

fundamentais inerentes à pessoa humana”; assim, estão protegidos por um direito de

personalidade peculiar.

Ademais, o art. 18 do ECA, repetindo o disposto no art. 227 da Constituição

Federal/1988, reconhece o direito à dignidade da criança e do adolescente, protengendo-os de

qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, sendo, por

isso, um grande avanço, pois demonstra claramente a preocupação do legislador quanto à

necessidade de se defender o status dignatitis do menor. Assim, dispõe referido Estatuto: “Art.

18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de

qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (BRASIL,

1990).

O desrespeito ao direito à dignidade da criança e do adolescente poderá dar margem

às ações civis públicas que serão propostas pelo Ministério Público, órgão que tem a

incumbência de zelar por esses direitos e aos crimes previstos no Estatuto. Destaca-se que é

dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente. Esta função não se limita aos

pais e aos responsáveis legais, entendendo-se a qualquer pessoa que tenha conhecimento de

algum abuso ou desrespeito à dignidade da criança e ao adolescente, devendo comunicá-lo ao

Ministério Público, que tem a obrigação legal de propor as medidas judiciais e extrajudiciais

necessárias. Na verdade, a intenção foi de co-responsabilizar toda a sociedade pela garantia do

direito da criança e do adolescente quando usou a expressão “é dever de todos [...]”. Desse

modo, a norma legal existe e sua aplicação depende da mobilização de toda a sociedade, da

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32

vontade política do governo e da atuação do Ministério Público, incumbido de zelar pelo efetivo

cumprimento da mesma junto a Justiça da Infância e da Juventude (MARQUES, 2005 apud

CURY, 2005).

3.2.3 Direito à convivência familiar e comunitária

Trata-se de direito fundamental para a criança e para o adolescente viver junto à sua

família natural ou subsidiariamente à sua família extensa. Para Ishida (2011) a garantia da

convivência familiar se perfaz por intermédio de dois princípios basilares: o da proteção integral

e o da prioridade absoluta. A família natural é considerada prioritária, pois é a entidade na qual

a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada a absoluta impossibilidade, devendo

existir decisão judicialmente fundamentada. Para Nogueira (1991, p. 33) o ideal é que sejam

criados no seio de sua família natural ainda que a família seja pobre, carente de recursos

materiais. A família, quer de direito, quer de fato, não deixa de ser realmente o lugar ideal para

a criação e educação da criança ou adolescente, pois será justamente em companhia de seus

pais e demais membros que eles terão condições de um melhor desenvolvimento. A educação

na família, desperta valores para enfrentar os desafios do cotidiano, é nela que está a base do

pátrio poder. Só em casos excepcionais, mormente de abandono, é que devem ser colocados em

família substituta, assegurando-lhes, no entanto, um ambiente sadio, ainda que modesto

desenvolvimento (NOGUEIRA, 1991).

Nessa linha, Maçura, Cury e Garrido de Paula (199l) apud Ishida (2011) afirmam

que somente na hipótese de direitos fundamentais ameaçados ou violados, permite-se a

colocação da criança e do adolescente em família substituta. Ademais esses têm o direito de

serem criados em ambientes saudáveis, livres de entorpecentes, podendo, no caso, serem

afastados do genitor ou do responsável legal, conforme disposto no art. 130 do ECA: “Art. 130.

Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou

responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento

do agressor da moradia comum” (BRASIL, 1990).

Destaca-se que as atividades de prevenção do uso indevido de drogas relativas a

criança e ao adolescente estabelecidas na Lei n. 11.343 (art. 19 e § único) devem ser

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33

compatibilizadas com as diretrizes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CONANDA)1.

Além do direito à convivência familiar, para Ishida (2011, p. 34), “a criança e o

adolescente possuem o direito fundamental de conviver na comunidade, ou seja, na

coletividade, abrangendo os mais variados locais, como o bairro onde residem, a escola, o clube

etc”, o que é fundamental para o seu perfeito desenvolvimento.

3.2.4 Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer

A educação é um direito subjetivo da criança e do adolescente, e deve ser garantido

pelo Estado. O art. 205 da Constituição Federal/1988 vincula a educação ao preparo para o

exercício da cidadania, pois existe um objetivo que é de preparar o jovem para o mercado de

trabalho. Assim, quanto mais educados a criança e o adolescente, mais capacidade terão de lutar

e exigir os seus direitos (FERREIRA, 2001). A educação é um direito fundamental da criança

e do adolescente, visando o seu pleno desenvolvimento como pessoa. Nesse sentido, Liberati

(1991) afirma que a Carta Magna (arts. 205 a 214) assegura e disciplina a distribuição e a

implementação do direito à educação, extensivo a todos os brasileiros e, em especial, à criança

e ao adolescente. Nesse caso, é dever do Estado e da família promover sua distribuição e

implementação, visando o pleno exercício da pessoa, seu preparo para a vida, para o exercício

da cidadania e à sua qualificação profissional, sendo obrigação dos pais ou responsável a

matrícula de seus filhos na rede regular de ensino.

Cury (2005) defende que o processo educacional que se dá na escola, para ser de

qualidade, deve ser compreendido como complementar ao que cada um traz de sua história

individual e coletiva, além de respeitar e valorizar os valores culturais próprios do contexto da

criança e do adolescente, pois é importante dar-lhes condições de acesso à cultura de outros

grupos sociais possuidores de outras histórias diferentes, mas igualmente importantes, pois a

possibilidade de conhecer e trocar experiências e idéias que enriquece a todos faz acontecer os

avanços sociais. A cultura, o esporte e o lazer constituem-se, também, direitos fundamentais da

formação infanto juvenil, e é nos Municípios que as programações devem ser efetivamente

desenvolvidas e contarem com o apoio do Estado e da União.

1 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) foi criado em 1991, pela Lei n. 8.242/1991, tendo sido previsto

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como o principal órgão do sistema de garantia de direitos. Por meio da gestão compartilhada,

governo e sociedade civil definem, no âmbito do Conselho, as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (BRASIL, [2017], p. 01).

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34

3.2.5 Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho

O trabalho é fonte de produção e geração de empregos, e o desemprego afeta a faixa

etária dos quatorze aos dezoitos anos, quando apresentam desvios de condutas motivados pela

ociosidade. Para Ferreira (2001), o ECA segue o que dispõe o art. 7º, XXXlll da Constituição

Federal que veda o trabalho de menor de quatorze anos, eminentemente pela necessidade de

escolarização. Essa proibição impõe um desgaste prematuro à pessoa em formação, logo,

evidentemente, não está abrangida pela proibição legal a participação dos filhos nos afazeres

domésticos.

3.3 DA PREVENÇÃO DE OCORRÊNCIA DE AMEAÇA OU VIOLAÇÃO DOS DIREITOS

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O ECA (art. 70) impõe à sociedade o dever de evitar ameaça ou violação aos direitos

da criança e do adolescente. Assim, reza referido Estatuto: “Art. 70. É dever de todos prevenir

a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (BRASIL, 1990).

Para tanto, a sociedade aparece representada por todos os seus integrantes, pessoas físicas ou

jurídicas, poderes, instituições e entidades. A prevenção ocorre pela abstenção da prática de

atos nocivos ao desenvolvimento da criança ou adolescente, mediante iniciativas tendentes a

promover referidos direitos fundamentas e, também, por meio do cumprimento espontâneo de

obrigações relacionadas à prevenção especial (BENGEL DE PAULA, 2005 apud CURY,

2005).

Nos ensinamentos de Liberati (1991) consta que, a previsão geral de que trata o

Estatuto (arts. 70 a 73) tem fundamento no conjunto de medidas sociais e jurídicas, colocadas

à disposição da família e da sociedade para a garantia e respeito dos direitos da criança e do

adolescente. Essa prevenção deve assegurar todos os direitos infanto-juvenis, pela adoção de

medidas e programas de atendimento que evitem a marginalização, a discriminação e a

caracterização da situação de risco pessoal. Essa prevenção geral, para Nogueira (1991) consiste

em adotar medidas de atendimento que evitem a desagregação da família e, consequentemente,

a marginalização dos filhos, os quais, sem recursos e meios de subsistência, enveredam pelos

caminhos do abandono e da delinquência juvenil. A ação preventiva se faz por meios de creches,

parques infantis, grupos escolares localizados nos bairros, com o objetivo de manter infantes e

jovens sempre em atividades, desviando-os das ruas, pois é uma grande escola de

marginalização.

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35

Desse modo, “a prevenção deve ser feita através de um serviço que tenha efeitos

sobre o pauperismo existente e a desorganização social da família, que são as causas primordiais

da marginalização de crianças e adolescentes” (NOGUEIRA,1991, p. 80). O importante é

participar da realização de algum trabalho comunitário, executar alguma tarefa concreta e

efetiva em benefício desses infantes e jovens carentes, abandonados e delinquentes.

Destaca-se que o Estatuto (art. 75) estabelece, ainda, uma prevenção especial, pela

qual: “Art. 75. Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos públicos

classificados como adequados à sua faixa etária” (BRASIL, 1990). Desse modo, na opinião de

Nogueira (1991), compete ao Poder Público a função de regulamentar as diversões e

espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se

recomendem, os locais e horários de sua apresentação, ou seja, essa responsabilidade se limita

a indicar e recomendar a classificação das diversões públicas, programas de rádio e de televisão,

sendo transferida aos pais ou responsável a missão de escolher os programas transmitidos pela

televisão que seriam mais adequados aos seus filhos.

O Estatuto (art. 78 e 79) também disciplinou a comercialização de revistas e

publicações que contêm material impróprio ou inadequado às crianças e aos adolescentes;

deverão ser vendidas em embalagens lacradas com a advertência de seu conteúdo; as editoras

devem cuidar para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam

protegidas com embalagem opaca. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-

juvenil não podem conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas

alcoólicas, armas e munições, devendo, ainda, respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e

da família (BRASIL, 1990).

Além disso, é proibida a entrada ou permanência de criança ou adolescente em

estabelecimentos que explorem comercialmente bilhar, sinuca ou congêneres; o proprietário do

estabelecimento deverá afixar cartaz avisando sobre a proibição (art. 80, ECA). A causa da

proibição está ligada à exploração comercial feita pela cobrança, e as características do

ambiente onde tais jogos são realizados.

Ainda, dentre os produtos e serviços disciplinados pelo Estatuto (art. 81, I a VI),

está proibido também a venda de armas, munições e explosivos, também disciplinada na Lei de

contravenções penais. Os produtos cujos componentes possam causar dependência física ou

psíquica, como bebidas alcoólicas são proibidos a menores de 18 anos ( BRASIL, 1990).

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36

3.4 DEMAIS PREVISÕES DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta outras previsões que dizem

respeito à política de atendimento, que visa superar as lacunas e as controvérsias decorrentes

da complexidade de situações vivenciadas pelas crianças e pelos adolescentes; às medidas de

proteção da prática de ato infracional por partes desses infantes e jovens; às medidas que devem

ser aplicadas em relação aos pais e responsáveis desses; e à garantia ao acesso à Justiça de toda

criança ou adolescente, por meio da Defensoria Pública, Ministério Público e do Poder

Judiciário, como se revela no próximo tópico.

3.4.1 Da política de atendimento

A complexidade das situações vivenciadas pelas crianças e adolescentes exige a

articulação da política de atendimento como forma de superar as lacunas e atitudes

contraditórias encontradas. O ECA (art. 86) estabelece essa importância nas organizações

governamentais e não governamentais e na legitimidade de sua atuação em prol da defesa dos

direitos da criança e do adolescente.

Nesse sentido, as políticas sociais básicas são determinadas por ações que

representam a qualidade de vida e devem ser estendidas a toda a população. São aquelas

entendidas como as de primeira necessidade, ou seja, o trabalho, a educação a saúde, o

transporte, o esporte, o meio ambiente e o lazer. Para entender melhor o assunto, Liberati (1991)

diz que a implementação das políticas sociais básicas reveste-se de urgência e de prioridade

absoluta por parte dos órgãos governamentais que detêm o poder de distribuição de verbas

públicas; da família e da sociedade, na elaboração de ações e programas mais adequados às

necessidades da comunidade. As políticas e programas assistenciais são constituídos pelo

conjunto de bens e serviços destinados às pessoas que em razão da sua vulnerabilidade, são

credoras de formas específicas de apoio.

É com dimensão jurídica, que o Estatuto da Criança e do adolescente dispõe que,

mesmo que haja pleno atendimento à população infanto-juvenil, pelas políticas públicas da

assistência social aos que dela necessitem, ainda assim, se nelas houver falhas, estas devem ser

sanadas pela via administrativa ou pela via judicial, e os responsáveis devidamente sancionados.

Para que se cumpra essa exigência o Estatuto não se satisfaz com a mera declaração de direitos

nesta área. Estatui esta lei que crianças e adolescentes devem contar, em sua comunidade, com

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37

serviços públicos de prevenção às vítimas de todo o tipo de negligência, maus tratos,

exploração, abuso, crueldade e opressão (SEDA, 2005 apud CURY, 2005).

Dessa forma, cada município tem sua Secretaria de Promoção Social, com

programas de assistência social para as famílias necessitadas, para crianças e adolescentes

carentes, abandonados e delinquentes, como forma para enfrentar o problema diretamente, pois

a União e os Estados apenas distribuem as verbas necessárias. Há também em cada município

o Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, encarregado de zelar pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente, composto por cinco membros, de que será de grande

importância no atendimento desses. Para Nogueira (1991, p. 101), “a diretriz fundamental da

política de atendimento à infância e à adolescência é a municipalização do atendimento com a

participação da comunidade na solução dos problemas”.

3.4.2 Da prática de ato infracional

O art.103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera ato infracional a

conduta descrita como crime ou contravenção penal, assim, não há difença entre crime e ato

infracional, pois ambos constituem condutas contrárias ao direito positivo, já que se situam na

categoria do ilícito jurídico (NOGUEIRA, 1991). Assim, como ensina Fragoso (1986, p. 147),

“o conceito formal oferecido pela doutrina é análogo às definições legais a que já aludimos:

crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena”.

Os menores de dezoito anos não cometem crime, e sim ato infracional. São

submetidos ao procedimento especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicando-lhes,

até os doze anos incompletos, as medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA, e aos

adolescentes de doze anos completos a dezoito anos completos, as medidas socioeducativas

previstas no art. 112, I a VII (BRASIL, 1990).

3.4.3 Das medidas de proteção

As medidas de proteção são aquelas que deverão ser utilizadas para a garantia e

restabelecimento do pleno exercício do direito da criança e do adolescente. Nesse sentido, o

ECA (art. 98, I a III) determina que algumas medidas de proteção são aplicáveis sempre que os

direitos reconhecidos no Estatuto forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da

sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em decorrência

de conduta do infante ou do jovem (BRASIL, 1990). Assim estabelece referido Estatuto:

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38

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que

os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou

omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou

responsável; III - em razão de sua conduta (BRASIL, 1990).

Nesses casos, as medidas específicas de proteção podem ser aplicadas isoladas ou

cumulativamente, e podem também ser substituídas a qualquer tempo. Na aplicação das

medidas, deve-se levar em conta as necessidades pedagógicas, preferencialmente aquelas que

visem ao fortalecimento dos vículos familiares e comunitários (BRASIL,1990). Em alguns

casos, essas medidas são aplicadas pelo Conselho Tutelar, a quem a criança e o adolescente

recorrem ou sejam encaminhadas por pessoas e entidades, sempre que os direitos forem

ameaçados ou violados e não se tratarem de casos típicos da Justiça da Infância e da Juventude.

Em quaisquer das hipóteses previstas no Estatuto (art. 98, I a III), a autoridade competente

poderá aplicar as seguintes medidas previstas no ECA (art. 101, I a IX), como segue:

Art. 101 [...]

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental;

IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e

promoção da família, da criança e do adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento

a alcoólatras e toxicômanos;

VII - acolhimento institucional;

VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;

IX - colocação em família substituta (BRASIL, 1990).

Liberati (1991) defende que a primeira medida é o encaminhamento aos pais ou

responsável mediante termo de responsabilidade, devendo essa medida ter preferência entre as

outras, pois permite que a criança e o adolescente permaneçam em seu meio natural, junto à

família e à comunidade, destacando que o ambiente familiar é o mais proprício para a sua

formação e integração comunitária. Dos ensinamentos de Nogueira (1991) extrai-se que, muitas

vezes, há conflitos e desajustes entre pais e filhos, não só em virtude de desvios de conduta

destes, como dos próprios pais, que levam uma vida irregular, sem ter condições de orientar os

próprios filhos, os quais abandonados, são internados. Em casos como este deve haver, portanto,

um acompanhamento da família do menor, para verificação das deficiências que influem na sua

conduta.

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39

3.4.4 Das medidas socioeducativas

As medidas socioeducativas consistem em: advertência, obrigação de reparar o

dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de

semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, podendo também ser aplicadas as

medidas de proteção prescritas no art. 101, I a VI (CUNHA, 2017).

Quanto às medidas socioeducativas, assim dispõe o art. 112, I a VII do Estatuto da

Criança e do Adolescente:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá

aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 1990).

A Advertência é um ato de autoridade, aplicada verbalmente pelo Juiz, ao

adolescente autor da infração penal perante seus pais ou responsáveis, orientando, incutindo

valores, e induzindo comportamentos; é uma técnica de controle social aplicada ao adolescente

infrator somente quando comprovada a materialidade do fato e indícios da sua autoria, com

plena convicção. Como não terá o procedimento contraditório por se tratar de atos infracionácio

leves, a medida será aplicada em audiência judicial, quando constarão as exigências e

orientações que deverão ser cumpridas pelo adolescente e receberá a assinatura do juiz, do

promotor, do adolescente e de seus pais ou responsáveis. A evidência é essencial e deverá ser

exigida pelo juiz e pelo promotor, pois terão que avaliar com muito critério os casos

apresentados, não ultrapassando os limites da lei, tendo em vista as circunstâncias e

consequências do fato, o contexto social, a personalidade do adolescente e sua maior ou menor

participação no ato infracional, conforme os ensinamentos de Liberati (1991).

Obrigação de reparar o dano. Quando o ato infracional tiver reflexos patrimoniais,

a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o

ressarcimento do dano ou compense o prejuízo da vítima. Esta medida será em procedimento

contraditório, em que sejam assegurados ao adolescente os direitos constitucionais de ampla

defesa, de igualdade processual, da presunção de inocência. Para Liberati (1991), o

cumprimento dessa medida tem finalidade educativa e deverá suscitar no adolescente, tanto

pela restituição quanto pela indenização do dano, o desenvolvimento do senso de

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40

responsabilidade daquilo que não é seu. Nos ensinamentos de Ishida (2017) consta que, a

obrigação de reparar o dano, como medida socioeducativa, deve ser suficiente para despertar

no adolescente o senso de responsabilidade social e econômica em face do bem alheio; a medida

deve buscar a reparação do dano causado a vítima tendo sempre em vista a orientação educativa

a que se presta. Na falta de recurso financeiro, o juiz poderá substituir essa medida por outra,

pois poucos adolescentes trabalham e possuem renda própria para ressarcir a vítima.

Prestação de serviços à comunidade consiste na realização de serviços

comunitários, tarefas gratuitas de interesse geral, por um período não excedente a seis meses,

numa jornade de oito horas semanais, de modo a não prejudicar a frequência na escola ou a

jornado de trabalho, e será realizada nas entidades assistenciais, hospitais, escolas ou em

programas governamentais. Liberati (1991) destaca que o intuito desta medida é reintegrá-lo à

sua comunidade, é uma ação alternativa da prisão ou da internação, permitindo que o infrator

cumpra junto à família, no emprego e na comunidade, as imposições restritivas de seus direitos.

É indispensável a fiscalização de seu cumprimento pela comunidade, para não se tornar uma

medida sem resultado.

A Liberdade assistida é aplicada ao adolescente, autor do ato infracional, sujeito à

orientação e assistência social por técnicos especializados, com ampla abrangência na linha de

acompanhamentos, auxílio e orientação ao adolescente visando a sua integração familiar e

comunitária. Na visão de Liberati (1991), o melhor resultado para esta medida será conseguido

pela especialização do pessoal ou entidade que desenvolverá o tratamento tutelar com o jovem,

e que desempenhará sua missão por meio de estudo de caso, de métodos de abordagem,

organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz.

Segundo menciona Nogueira (1991), a liberdade assistida deve ser aplicada aos

adolescentes reincidentes ou habituais na prática de atos infracionais e que demonstrem

tendência para reincidir, já que os primários devem ser apenas advertidos, pois este tipo de

medida não tem sido devidamente aplicado por falta de meios imprescindíveis à sua

concretização, através de um trabalho de acompanhamento de pessoa capacitada e de programa

de atendimento.

Inserção em regime de semi-liberdade. Trata-se de medida socioeducativa restritiva

de liberdade pela qual o adolescente permanece internado no período noturno, podendo realizar

atividades externas como escolarização e profissionalização durante o dia. É aplicada pela

autoridade judicial como forma de transição para o meio aberto. Não há prazo de duração

determinado, mas tem que haver uma avaliação a cada seis meses pelo setor técnico, e está

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41

sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento.

Nos entendimentos de Liberati (1991), a semiliberdade é um dos tratamentos

tutelares realizados em meio aberto, implicando, necessariamente, na possibilidade de

realização de atividades externas, como a frequência à escola, às relações de emprego etc. Se

não houver este tipo de atividade, a medida socioeducativa perde sua finalidade. E no período

noturno, quando o adolescente recolher-se à entidade de atendimento, os técnicos sociais

deverão complementar o trabalho de acompanhamento, auxílio e orientação, sempre

verificando a possibilidade do término do tratamento. O espaço físico destinado a esta medida

é caracterizado como uma moradia e deve reproduzir o modelo de uma residência, visando

proporcionar um ambiente socioeducacional que permita, ao adolescente, desenvolver um novo

código de convivência, e garanta-lhe a segurança pessoal, com limites espaciais definidos

(PARANÁ, 2019).

Internação em estabelecimento educacional. Ressalta-se que, dentre as medidas

socioeducativas, a internação em estabelecimento educacional (art. 112, VI, ECA) constitui

medida privativa de liberdade, e está sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e

respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Portanto, a internação como

medida socioeducativa de privação de liberdade, deve ser cumprida em estabelecimento que

adote o regime fechado. Entretanto, o adolescente pode realizar atividades externas, e após

cumprido o prazo máximo de três anos o adolescente deverá ser liberado ou colocado em regime

de semiliberdade ou liberdade assistida conforme art. 121 §§ 1º a 7º do ECA (BRASIL, 1990).

Vale salientar que a medida de internação será necessária somente naqueles casos em que a

natureza da infração supõe que, sem um afastamento temporário do convívio social a que está

habituado, ele não será atingido por nenhuma medida terapêutica ou pedagógica e poderá, além

disso, representar risco para outras pessoas da comunidade (LIBERATI, 1991). Aos vinte e um

anos, o adolescente internado pela prática do ato infracional, quando menor de dezoito anos,

será imediatamente liberado, sendo que após essa idade não será possível a aplicação de

qualquer medida socioeducatica, pela autoridade judiciária como previne o art. 121 § 5º do ECA

(BRASIL, 1990).

Desse modo, o ato infracional praticado pelo adolescente estará sujeito a processo

contraditório com ampla defesa, pois poderá receber uma sanção, chamada de medida

socioeducativa (art. 112); no caso da criança que praticar ato infracional estará sujeita às

medidas de proteção (art. 101, BRASIL, 1990). Assim, Liberati (1991, p. 48) explica que

embora as crianças cometam infração penal, não são processadas e punidas como os

Page 43: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

42

adolescentes e os adultos. Para as crianças autoras de infração penal o tratamento começa com

a apreensão, pela polícia, que a conduz ao Conselho Tutelar ou à autoridade Judiciária, que fará

juízo de valor sobre o ato praticado e aplicará uma das medidas de proteção (art. 101 do ECA).

3.4.5 Das medidas em relação aos pais ou responsáveis

A família é base essencial e indispensável para uma sociedade organizada. A

responsabilidade dos pais é muito grande na formação dos filhos, já que lhes cabe, mais pelo

exemplo do que pelas palavras, a devida orientação e acompanhamento. No entanto, a família

tem sido atingida, nos tempos modernos pela estabilidade econômica, moral e social

(NOGUEIRA, 1991). Segundo afirma Liberati (1991), o melhor ambiente para o

aperfeiçoamento e crescimento infanto-juvenil é a família, e deve ser fortalecida com respeito

e moralização, depois com programas de auxílio comunitário ou governamental. Caso não se

verifique um reordenamento da família, caberá a intervenção do Estado como nos casos

evidentes em que a criança é vitima de maus tratos, opressão ou abuso sexual. A constatação

de crianças e adolescentes, em situação de risco, revela a carência, a desassistência e o

enfraquecimento moral e financeiro da sociedade familiar.

O Estatuto (art. 129 I a X) estabelece a aplicação das seguintes medidas em relação

aos pais ou responsáveis, como segue:

Art. 129 [...]: I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção,

apoio e promoção da família II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento

a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e

aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do poder familiar (BRASIL, 1990).

Para Nogueira (1991), a primeira medida a ser aplicada aos pais ou responsáveis

deve ser a advertência, como forma de tomada de consciência e de alerta, tanto para os pais

como para a criança e o adolescente. A advertência é a medida mais adequada para os pais em

qualquer condição social. A suspensão e a destituição do pátrio poder são institutos do direito

civil que constituem verdadeiras sansões aplicáveis aos pais por infração aos deveres que tem

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43

para com os filhos. Essas sanções visam mais ao interesse dos filhos do que propriamente punir

os pais (NOGUEIRA, 1991).

3.4.6 Do acesso à justiça

É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao

Ministério Público e ao Poder Judiciário (na Justiça da Infância e da Juventude), por quaisquer

de seus órgãos como disposto no art. 141 do ECA (BRASIL, 1990). O acesso da criança ou do

jovem é livre e incondicional, e qualquer obstáculo que se verifique à sua vontade, será

caracterizado como abusivo e ilegal. Se o Estado protege e garante os direitos dos cidadãos,

com igualdade e sem discriminação, com mais razão deverá assegurar os direitos da criança e

do adolescente, que gozam de absoluta prioridade no atendimento de qualquer necessidade ou

direitos (LIBERATI, 1991). De acordo com o pensamento de Ishida (2011), as ações da Vara

da Infância e da Juventude são isentas de custos e emolumentos, para facilitar o acesso,

ressalvadas as ações de litigância de má fé. Essa regra de isenção é de aplicação restrita às

crianças e aos adolescentes quando partes, autoras ou rés em ações movidas perante a Justiça

da Infância e da Juventude.

Conforme o ECA (BRASIL, 1990): “Art. 142. Os menores de dezesseis anos serão

representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais,

tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual”. Por sua vez, o artigo 143 do

citado Estatuto dispõe que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos

que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional; qualquer

notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou o adolescente, vedando-se

fotografia, nome, apelido, filiação, parentesco ou residência (art. 143 § único, ECA). Nogueira

(1991) entende que, a não divulgação de certos crimes tem repercussão negativa no meio social,

o que causa sérios danos à tranquilidade pública, e é uma ofensa ao decoro e à moralidade, pois

submeter alguém à execração pública, antes de ser julgado, constitui verdadeiro atentado a sua

imagem. No entanto, nada impede que se noticie a ocorrência de fato que envolva crianças e

adolescentes, desde que se omita o nome, endereço, ou outros dados que possam identificá-los.

Feitas essas considerações, passa-se ao capítulo 4.

Page 45: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

44

4 O CONSELHO TUTELAR E O DEVER DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PREVISTOS NO ESTATUTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Esse capítulo trata da atribuição do Conselho Tutelar de zelar pelo cumprimento

dos direitos da criança e do adolescente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), como se passa a expor.

4.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE A ATUAÇÃO DO CONSELHO TUTELAR

Destacam-se a seguir a forma de composição, as características, as atribuições e a

competência do Conselho Tutelar, bem como os critérios de escolha dos conselheiros e os

impedimentos à função.

4.1.1 Conceito e características do Conselho Tutelar

A criação do Conselho Tutelar, no Brasil, se deu por meio de um processo

democrático, que buscava um órgão que estivesse de acordo com a teoria da proteção integral

da criança e do adolescente. Desse modo, depois de muitos avanços, o Estatuto da Criança e do

Adolescente (art. 131) criou o Conselho Tutelar, sendo definido pela legislação como “um

órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (BRASIL, 1990). Trata-se de um órgão

municipal que atua no interesse da sociedade, criado para estar à frente da política de

atendimento à criança e ao adolescente, como uma democracia participativa, em que entrega

aos representantes da comunidade orientações, apoio e garantia de direitos das crianças,

adolescentes e suas famílias. Tem por atribuição proteger e garantir os direito da criança e do

adolescente no âmbito municipal (LIBERATI, 1991).

Corroborando Costa, Penso e Conceição (2014) aduzem que o Conselho Tutelar

não é apenas uma experiência, mas uma imposição constitucional decorrente da forma de

associação política adotada, que é democracia participativa. Para Soares (2005) apud Cury

(2005), o Estatuto concretiza, define e personifica na instituição do Conselho Tutelar, o dever

abstratamente imposto à sociedade. O Conselho deve, como mandatário da sociedade, ser o

braço forte a zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Liberati (1991) afirma que o

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45

Conselho Tutelar é um órgão da sociedade, que dividirá com o Estado e a família a

responsabilidade da execução da política de atendimento social da criança e do adolescente.

Desse modo, de acordo com o art. 131, ECA, o Conselho Tutelar apresenta três

características básicas: permanente, autônomo e não jurisdicional. Dos ensinamentos de

Liberati (1991) extrai-se que o Conselho Tutelar se trata de órgão permanente, pois foi criado

para ser duradouro e ininterrupto, uma vez que não desaparece, apenas se renovam os membros;

é autônomo, porque não necessita de ordem judicial para decidir e aplicar as medidas protetivas

(art. 101, I a IV) que entender mais adequadas e convenientes às crianças e aos adolescentes,

devendo exercer sua função com independência, mas sob a fiscalização do Conselho Municipal,

da autoridade judiciária, do Ministério Público e das entidades civis que trabalham com a

população infanto-juvenil; é não jurisdicional, pois não é revestido de poder para fazer cumprir

determinações legais ou punir quem as infrinja, mas pode fiscalizar e encaminhar ao Ministério

Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da

criança e do adolescente (art. 136, IV), podendo ainda fiscalizar as entidades de atendimento

(art. 95), como também, iniciar os procedimentos judiciais de apuração de irregularidades em

entidade de atendimento, por meio de representação (art. 191) e apuração de infrações

administrativas conforme art. 194 (BRASIL, 1990).

4.1.2 Atribuições do Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar como órgão de proteção aos interesses da criança e do

adolescente deve fazer o atendimento inicial, além disso possui funções com poder de medidas

de proteção, podendo requisitar serviços na área da saúde, educação, serviço social,

previdência, trabalho e segurança (ISHIDA, 2011, p. 300). O art. 136 do Estatuto fixa as

atribuições próprias do Conselho Tutelar, e por essas atribuições verifica-se a importância que

tem esse órgão na execução da política de atendimento da criança e do adolescente, como segue:

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:

I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105,

aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art.

129, I a VII;

III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,

previdência, trabalho e segurança;

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado

de suas deliberações.

IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração

administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

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46

V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas

no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

VII - expedir notificações;

VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando

necessário;

IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para

planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos

previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do

poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do

adolescente junto à família natural;

XII - promover e incentivar, na comunidade e nos grupos profissionais, ações de

divulgação e treinamento para o reconhecimento de sintomas de maus-tratos em

crianças e adolescentes.

Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender

necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao

Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento

e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família

(BRASIL, 1990).

O Conselho Tutelar que não cumprir as atribuições definidas na legislação

específica, poderá ser acusado de prevaricação, conforme previsão no Código Penal (art. 319).

Por outro lado, ir além das atribuições, desconhecendo os limites de sua ação, representa abuso

de poder, também passível de medidas judiciais. Embora as atribuições do Conselho Tutelar

estejam definidas na Lei, é na prática do dia a dia que o seu papel na defesa dos direitos de

crianças e adolescentes se evidencia. Refletir sobre as atribuições, a sua autonomia, postura,

autoridade e limite de ação é fundamental para dar consistência às atitudes do Conselho e

fortalecer o seu papel na comunidade. O Conselho Tutelar tem a incumbência de ser agente de

transformação social, apontando as questões vividas pela comunidade, assim como o que seria

necessário em termos de atendimentos. Ao interagir, o Conselho faz diagnóstico da clientela,

dos serviços prestados e do sistema como um todo, já que vivencia a rede de serviços em seu

cotidiano (ARAUJO, 2017).

Ademais, cabe ao Conselho o papel de fiscalizar as entidades governamentais e não

governamentais, responsáveis pelo atendimento à criança e ao adolescente, como os abrigos e

internatos, estabelecimentos judiciais, delegacias especializadas, entidades sociais particulares

de atendimento à criança e ao adolescente (CARVALHO, 2005 apud CURY 2005).

4.1.3 Competências do Conselho Tutelar

A competência legal do Conselho Tutelar está determinada pelo seu limite

funcional, isto é, pelo conjunto de atribuições, previstas nos artigos 95, 105 e 136 do ECA e

Page 48: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

47

pelo limite territorial, ou seja, local onde pode atuar, sempre que os direitos reconhecidos em

Lei forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade, do Estado, abuso dos pais

ou responsável ou em razão da própria conduta. Desse modo, o Estatuto (art. 147) determina

os critérios de fixação da competência do Conselho, como segue:

Art. 147 A competência será determinada:

I - pelo domicílio dos pais ou responsável;

II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou

responsável;

§ 1º. Nos casos de ato infracional, será competente a autoridade do lugar da ação ou

omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção;

§ 2º A execução das medidas poderá ser delegada à autoridade competente da

residência dos pais ou responsável, ou do local onde sediar-se a entidade que abrigar

a criança ou adolescente;

§ 3º Em caso de infração cometida através de transmissão simultânea de rádio ou

televisão, que atinja mais de uma comarca, será competente, para aplicação da

penalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual da emissora ou rede,

tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo

Estado (BRASIL, 1990).

Desse modo, a regra geral da competência é o domicílio dos pais ou responsável

(art. 147, I, ECA); entretanto, na falta desses será pelo lugar onde se encontre a criança e o

adolescente (art. 147, II, ECA); assim como pode ser definida pelo local do ato infracional

praticado (art. 147 § 1º, ECA) ou pelo local da transmissão simultânea de rádio ou televisão

(art. 147 § 3º, ECA), conforme se passa a explicar segundo os ensinamentos de Amaral e Silva

(2005) apud Cury (2005) e de Farias (2016).

Competência pelo domicílio. O Conselho Tutelar cuja jurisdição administrativa se

estenda ao território onde os pais ou responsável tenham domicílio é competente para receber

queixas, reclamações, denúncias, conhecimento de ameaça ou violação de direitos da criança e

do adolescente; havendo um só Conselho Tutelar, é ele competente para prestar seus serviços

públicos a todos os casos em que os pais residam nesse município; caso pai e mãe residirem em

locais diferentes, em qualquer deles; ou se um deles apenas tiver a guarda, prevalece o domicílio

deste.

Competência pelo local. O Conselho Tutelar do local onde se encontre a criança ou

o adolescentes lesados é competente para receber queixa, reclamação ou denúncia, na falta dos

pais ou responsável ou não sendo possível identificá-los, de modo a evitar demora no

atendimento; atendido o caso, se a posteriori se identificarem pais ou responsável, esse

Conselho que atendeu os infantes encaminha o caso ao Conselho Tutelar da jurisdição

domiciliar, passando-lhe rapidamente a informação que porventura tenha a respeito.

Page 49: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

48

Competência pelo ato praticado. O Conselho Tutelar cuja jurisdição se estende ao

local onde o ato infracional foi praticado é competente para aplicar medidas ou requisitar

serviços; se o ato é praticado por adolescente podem ser aplicadas as medidas de proteção pelo

Judiciário, que encaminha o caso para o Conselho Tutelar tomar as providências necessárias;

se o infrator é criança (até 12 anos incompletos) também é o Conselho Tutelar cuja jurisdição

se estende ao local onde o ato foi praticado é competente para aplicar medida de proteção

relativa aos pais ou responsável (arts. 101 e 129, ECA), bem como requisitar serviços públicos.

No caso de vários atos praticados e um deles já estiver sendo apreciado por um

Conselho, os demais devem ser a ele anexados, para harmonia da proteção a ser determinada

da mesma forma; entretanto, se queixas forem feitas a Conselhos diferentes por atos praticados

pela mesma criança, as matérias devem ser unificadas num deles. De qualquer forma, a

execução das medidas aplicadas poderá sempre ser delegada ao Conselho Tutelar competente

da residência dos pais ou responsável, ou do local onde se encontra a sede da entidade que

abrigar a criança ou o adolescente como prevê o art. 147, § 2º do ECA (BRASIL, 1990).

Competência pelo local da emissão. A competência (art. 147, § 3° do ECA) em

caso de infração cometida por transmissão de rádio ou televisão é do Juiz do local da emissão,

salvo quando a transmissão atinja mais de uma comarca, caso em que a competência passa a

ser do Juiz da sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as

transmissores ou retransmissoras do respectivo Estado (BRASIL, 1990). Desse modo, recebida

a reclamação no município onde se situa, ou na área municipal sob sua jurisdição, o Conselho

Tutelar faz a representação ao Juiz da comarca se a emissão for local; e encaminha a

representação ao Juiz da Comarca da sede estadual da emissora.

4.1.4 Requisitos e impedimentos para escolha dos Conselheiros

Cada município, atendendo às suas próprias necessidades, legislará sobre a forma

como se fará a escolha, respeitando as exigências da Lei Federal: que a escolha seja feita pela

comunidade local e o processo dessa escolha seja realizado sob a responsabilidade do Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Nesse sentido, o Estatuto

assegura os direitos sociais dos membros do Conselho Tutelar e estabelece a necessidade de um

processo de escolha dos conselheiros em data unificada em todo território nacional, conduzido

pelo Conselho Munipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Ministério Público (art

139, ECA), como segue:

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49

Art. 139 O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será

estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério

Público.

§ 1º O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar ocorrerá em data

unificada em todo o território nacional a cada 4 (quatro) anos, no primeiro domingo

do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial;

§ 2º A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia 10 de janeiro do ano

subsequente ao processo de escolha;

§ 3º No processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao candidato

doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer

natureza, inclusive brindes de pequeno valor (BRASIL, 1990).

Na visão de Liberati (1991), em cada Município e em cada região administrativa do

Distrito Federal haverá no mínimo um Conselho Tutelar, composto por cinco membros, para

um mandato de quatro anos, permitido a sua recondução; essa escolha se fará mediante processo

eleitoral e quem elegerá os membros do Conselho serão os cidadãos do Município, em votação

secreta e simples que atenda as peculiaridades da comunidade local, evitando ônus

desnecessário para o erário.

Constituem requisitos para ser conselheiro: experiência comprovada ou

especialidade em trabalho com crianças e adolescentes ou formação universitária; idade de vinte

um anos, experiência no trato dos problemas humanos e familiares; idoneidade moral; residir

no município; e conhecer a realidade do Município. Nogueira (1991) enfatiza que além desses

requisitos, deveria se exigir especialização em Direito, saúde, educação, assistência social e

psicologia.

Por outro lado, o Estatuto (art. 140) estabelece os impedimentos ao posto de

Conselheiro, como seguem:

Art. 140 São impedidos de servir no mesmo Conselho marido e mulher, ascendentes

e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e

sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

Parágrafo único. Estende-se o impedimento do conselheiro, na forma deste artigo, em

relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com atuação

na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício na comarca, foro regional ou

distrital (BRASIL, 1990).

Para Ishida (2011), os impedimentos servem para se evitar o nepotismo, bem como

a influência pelo parentesco; neste caso, o Ministério Público pode impugnar a candidatura e,

se eleito, requerer a sua retirada do conselho relacionado.

Page 51: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

50

4.2 PAPEL DO CONSELHO TUTELAR NA GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA

E DO ADOLESCENTE

Na concepção de Costa, Penso e Conceição (2014), o Conselho Tutelar, na defesa

da infância e da juventude, encontra muitas dificuldades para o exercício dessa importante

função pública. Concebido para ficar à frente da política de atendimento à criança e ao

adolescente, o Conselho Tutelar materializa postulados da democracia participativa, garantindo

os direitos das crianças, adolescentes e suas famílias. Desse modo, deve buscar a efetividade na

prestação do serviço público, tais como: saúde, educação, proteção de forma adequada, mesmo

que tenha que acionar o Poder Judiciário. Para Seda (2005) apud Cury (2005), o papel do

Conselho Tutelar é ouvir queixas e reclamações sobre situações de crianças e adolescentes cujo

direitos forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por

falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; e em razão da conduta da própria criança ou

adolescente, pois seus direitos devem ser protegidos e assegurados.

Desse modo, o Estatuto concretiza, define e personifica, na instituição do Conselho

Tutelar, o dever abstratamente imposto à sociedade. Assim, o Conselho deve, como mandatário

da sociedade, ser o braço forte a zelar pelos direitos da criança e do adolescente estabelecidos

no Estatuto da Criança e do Adolescente (COSTA, PENSO E CONCEIÇAO, 2014). Para tanto,

executa procedimentos administrativos, aplica medidas protetivas, encaminha representação ao

Ministério Público, dentre outras funções.

Procedimentos administrativos. O Conselho Tutelar tem participação ativa no

planejamento e formação de políticas públicas, bem como na elaboração de planos municipais

que visem atender à criança ou ao adolescente, bem como às famílias da comunidade. A ele

destinam-se as denúncias de maus tratos, abandono, e outras comunicações que partem da

sociedade e da comunidade. Assim, o Conselho sai em busca da confirmação, fazendo de forma

preliminar uma investigação e, posteriormente, se proporá a oferecer possíveis soluções, dentre

as quais o relatório na modalidade circunstanciada ao Juiz ou ao Promotor de Justiça (RAMOS,

2012).

Aplicação de medidas protetivas. As medidas protetivas são aplicadas pelo

Conselho Tutelar no caso especifico, requerendo serviços necessários para o sucesso do

atendimento de cada situação, como:

a) encaminhamento da criança ou do adolescente aos pais ou responsável, mediante

termo de responsabilidade; se os pais ou o responsável (tutor, guardião, dirigente de entidade

de abrigo) deixam de cumprir os deveres de assistir, criar e educar, podem ser comunicados

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51

(notificados) pelo Conselho Tutelar de que devem comparecer à sua sede, onde tomam

conhecimento oficial da ameaça ou violação que atingem a criança ou o adolescente e assinam

termo de responsabilidade pelo qual se comprometem a doravante zelar pelo cumprimento de

seus deveres no caso;

b) orientação, apoio, acompanhamento temporários: o Conselho Tutelar deve

prestar serviços de assistência social nos casos em que o exercício por si só do dever de criar,

educar e assistir pelos pais ou responsável for insuficiente;

c) matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental: quando os pais ou responsável deixar de fazer a matrícula e controlar a frequência

na escola, o Conselho Tutelar deve, ao tomar conhecimento da situação, aplicar a medida,

orientando a família e a escola para o devido acompanhamento do caso. Destaca-se que não é

somente os pais ou responsável que devem zelar para que a freqüência escolar seja respeitada,

mas também, o dirigente de estabelecimento de ensino fundamental (art. 56, ECA) deve

comunicar o Conselho Tutelar, assim como informar os casos de maus-tratos envolvendo seus

alunos; a repetição de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares,

e os elevados níveis de repetência;

d) inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança o ao

adolescente: em muitos casos os pais querem mas não podem, não têm condições, não têm

recursos para bem exercer os deveres do pátrio poder, devendo o Conselho Tutelar aplicar a

medida de inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio, encaminhando a família à

agência de assistência social, que a executa, para os devidos fins.

e) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial: cabe ao Conselho Tutelar entender-se com o serviço público

correspondente e chamar-lhe a atenção para a prioridade de que gozam crianças e adolescentes.

f) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento

a alcoólatras o toxicômanos: o Conselho Tutelar deve trabalhar para evitar que a juventude se

envolva com o tráfico, a criminalidade, ou sua exploração por indivíduos inescrupulosos e

quadrilhas;

g) abrigo em entidade: o abrigo em entidade é a última das formas previstas pelo

Estatuto para que em nenhum Município brasileiro se aceite que crianças e adolescentes fiquem

sem um responsável que os assista, crie e eduque, devendo o Conselho Tutelar ao aplicar a

medida de abrigo, dar imediato conhecimento ao Juiz da Infância e da Juventude para as

providências cabíveis, que por sua vez, decidirá se o afastamento da criança e/ou adolescente

da família nesse caso é justo e se o dever de assistir, criar e educar deve ser confiado àquele

Page 53: UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA LUCIANA …

52

abrigo, e, se assim o for, o responsável pela entidade que executa o programa de abrigo, nos

termos do Estatuto (art. 92 § 1º, ECA) passa a se equiparar ao guardião daquela criança ou

adolescente (SEDA, 2019).

A Representação junto ao Ministério Público é a exposição dos fatos, faltas ou

irregularidades, realizados por escrito e remetidos à autoridade competente, solicitando

providências. Trata-se de uma reclamação fundamentada, contendo a descrição detalhada dos

fatos considerados como irregulares (RAMOS, 2012). Está consubstanciado no artigo 136, IV

do ECA, o grau de responsabilidade do Conselho Tutelar na defesa do direitos da criança e do

Adolescente assegurados pelo Estatuto, pois o Conselho, de posse de informações da existência

de infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente, deve dar

ciência do fato ao Ministério Público, para que sejam tomadas as providências cabíveis

(CARVALHO, 2005 apud CURY, 2005).

Como referem Liberati e Cyrino (2003), por ter a responsabilidade de zelar, caso a

caso, pela garantia dos direitos individuais de crianças e adolescentes, e de exigir eficácia dos

deveres correspondentes, o Conselho Tutelar reveste-se de características que dão suporte e

legitimidade à sua atuação, como estabilidade, autonomia e não jurisdicionalização de seus atos.

Bragaglia (2005) argumenta que as ações realizadas pelo Conselho Tutelar são sustentadas na

Doutrina de Proteção Integral da Criança e do Adolescente e se indentificam com a realidade

de cada comunidade na diversidade da prática realizada. Isso significa que, a partir das

experiências concretas e subjetivas, comparando a situação de crianças e adolescentes do

Município com as normas do Estatuto, pode variar a forma de exercer as atribuições que lhe

são confiadas.

Nesse sentido, Costa, Penso e Conceiçao (2014) afirmam que a essência do direito

da criança e do adolescente está na atuação do Conselho Tutelar, e que, na aplicação do Direito,

deve assumir alguns compromissos como o respeito pelo outro, a capacidade de ouvi-lo, de

colocar em seu lugar, de abrir-se para um diálogo. Por isso, o Conselho Tutelar não pode ser

confundido em um executor de programas de atendimento, mas deve ser um zelador dos direitos

da criança e do adolescente: sua obrigação é fazer com que a não-oferta ou a oferta irregular

dos atendimentos necessários à população infanto-juvenil sejam corrigidos.

Para tanto, o Conselho Tutelar vai sempre requisitar serviços dos programas

públicos e tomar providências para que os serviços inexistentes sejam criados, pois a criança e

o adolescente têm prioridade absoluta e deve lhes ser assegurada a proteção integral. Dessa

forma, a pessoa que vai ser escolhida pela sociedade para zelar (cuidar) pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente, na função de conselheiro, mais do que informações

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técnicas, precisa ser vocacionada. Além dissso, o cuidado não é atribuição exclusiva do

Conselheiro Tutelar, mas ele precisa estar atento no trato do dia-a-dia da criança e do

adolescente pelos seus cuidadores (pais, professores, irmãos mais velhos, tios, avós, etc.).

(CARVALHO, 2005 apud SOUZA, 2008).

Assim, encerra-se essa monografia e passa-se à conclusão.

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54

5 CONCLUSÃO

O objetivo dessa monografia é analisar o artigo 131 do Estatuto da Criança e do

Adolescente segundo o qual cabe ao Conselho Tutelar o dever de zelar pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para

tanto delinearam-se alguns objetivos específicos, sobre os quais apresentam-se as seguintes

considerações.

Na primeira parte do trabalho, tratou-se sobre a evolução, as doutrinas e os

princípios relacionados aos direitos das crianças e dos adolescentes. Os direitos da criança e do

adolescente passaram a ser valorizados e respeitados a partir das conquistas sociais de

movimentos internacionais que buscavam a proteção e a efetivação dos direitos humanos. Nesse

aspecto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos trata dos direitos dos seres humanos de

maneira geral (sistema homogêneo), enquanto que a Convenção sobre os Direitos da Criança

da ONU/1989 trata dos objetivos de um grupo específico (sistema heterogêneo). Dentre os

sitemas internacionais heterogêneos referentes aos Direitos da criança e do adolescente,

destacam-se: Convenção da OIT, de 1919; Declaração de Genebra de 1924 ou Carta da Liga

sobre a criança; Declaração dos direitos da criança de 1959; e Convenção do direitos da criança

que iniciou em 1979 e foi aprovada em 1989, trazendo significativos avanços no

reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente.

No Brasil, as crianças abandonadas ficavam sob a responsabilidade dos municípios,

que negligenciavam nos cuidados com elas, até que surgiram as Rodas dos expostos, por meio

das quais o expositor colocava o infante dentro de uma tábua cilíndrica instalada em mosteiros

ou hospitais para que fosse acolhido pela instituição, mantendo assim seu anonimato. Essas

rodas se multiplicaram até meados do século XIX, quando foram extintas formalmente (em

1927). Surgiu então o Código de Menores do Brasil, primeira lei oficial brasileira que tratava

da criança e do adolescente e instituía a doutrina de situação irregular. Ao invés de criar uma

política de assistência, estimulou a inserção dos infantes nas atividades trabalhistas. Para

solucionar o problema do menor, criou-se a Fundação Nacional do Bem–Estar do Menor

(FUNABEM), e, em 1968, surgiu o Código de Menores, com promessas de melhor proteção ao

menor carente, porém provocou muita discussão e foi substituído pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (1990), elaborado após a Constituição Federal de 1988 (art. 227), passando a

garantir a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Desse modo, os cuidados com a

criança e adolescentes passaram a constituir um dever da família, do Estado e da sociedade,

devendo estar atentos para coibir toda forma de negligência, discriminação, exploração,

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violência, crueldade e opressão, conforme prescrito na Constituição brasileira. Para auxiliar

nesse mister, em 1990, instituiu-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 131) pelo qual

foi definido o dever do Conselho Tutelar de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e

do adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de tutelar seus direitos, definiu ações

e procedimentos para manutenção e aprimoramento dos direitos fundamentais dos infantes,

ampliando o sistema de garantias de direitos fundamentais e estabelecendo, a partir da Lei n.

13.431/2017, mecanismos de prevenção e proteção das crianças e adolescentes.

Ademais, foram apresentadas as três doutrinas básicas do Direito da criança e do

adolescente, quais sejam: a doutrina do direito penal do menor, em que os menores eram

tratados como adultos, recebiam as mesmas penas pelos mesmos delitos e eram recolhidos aos

mesmos estabelecimento; a doutrina da situação irregular do menor, em que se tratava o menor

infrator como se fosse o portador de uma patologia social, e acabava optando por sua

institucionalização; e a doutrina da proteção integral, em que se determinam e se asseguram os

direitos da criança e do adolescente, elevando-os à condição de cidadãos, como sujeitos de

direitos e deveres. Destacam-se, ainda, os princípios norteadores do Direito da criança e do

adolescente, entre os quais: o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; o

princípio da prioridade absoluta; o princípio da municipalização; o princípio da brevidade, e o

princípio da convivência familiar, como marcos de mudança no tratamento das crianças e

adolescentes e uma conquista para a sociedade.

No terceiro capítulo, conceituou-se juridicamente criança e adolescente, sendo

considerada criança aquela pessoa que tem até 12 anos incompletos e adolescente é o que tem

entre 12 anos e 18 anos de idade, completos. Destacaram-se os principais direitos

constitucionais assegurados à criança e ao adolescente: direito à vida e à saúde; direito à

liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; direito à

educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

Ademais, apresentaram-se outras disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, como a

política de atendimento, as medidas de prevenção, a prática de ato infracional, as medidas em

relação aos pais e responsáveis, e o acesso à justiça.

O quarto capítulo tratou da questão principal dessa monografia, destacando-se as

características e as atribuições do Conselho Tutelar, incluindo-se também uma discussão sobre

o papel desse órgão na garantia dos direitos da criança e do adolescente, previstos no Estatuto

da Criança e do Adolescente (art. 131). Constata-se que são muitas as atribuições dos

conselheiros, o que exige uma capacitação continuada, além de conhecimento profundo das

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demandas e necessidades da comunidade específica à qual estão vinculadas. O conselheiro

também precisa conhecer a situação de vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes e suas

famílias, na sua área de atuação, pois é ele que faz o elo entre famílias e os setores responsáveis

pela garantia de direitos, isso pressupõe habilidade e disponibilidade para ouvir e conversar

com os diferentes atores envolvidos, buscando melhor compreensão da situação. Essa

habilidade para conversar e ouvir, precisa ser ancorada em conhecimentos específicos sobre o

desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes, na diversidade de modelos

familiares. Portanto, apenas alguém altamente preparado será capaz de exercer essa função com

eficiência, mas, sua atuação somente produzirá resultados se ele estiver inserido numa rede

eficaz e se comunicar de forma clara, objetiva e constante.

O Conselho Tutelar é a instituição que deve aplicar medidas especiais para garantir

os direitos fundamentais da criança e do adolescente, pois é dotado de parcela da soberania do

Estado, com poderes e atribuições próprias, que lhe capacita desempenhar serviço público

relevante, com autonomia e independência. Nesse sentido, busca o conhecimento da realidade

cultural das crianças, dos adolescentes, das famílias e da sociedade, sendo capaz de apreciar os

casos concretos e tomar as providências necessárias para preservar ou restabelecer os direitos

das crianças e dos adolescentes ameaçados ou violados.

Ao final, confirma-se a hipótese desse trabalho pela qual o dever do Conselho

Tutelar de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, atribuído pelo artigo

131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste em desempenhar um papel decisivo na

defesa dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, sendo que para o exercício dessa

função, o Conselho Tutelar é dotado de parcela da soberania do Estado, traduzida em poderes

e atribuições próprias, que coloca referido órgão na condição de autoridade pública que

desenvolve serviço público relevante, devido à absoluta autonomia e independência funcional

do órgão face à Administração Pública municipal, da qual não faz parte.

Assim, encerra-se essa monografia.

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