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O Teatro Transgressor Uma análise comparativa entre o teatro profissional elisabetano de Londres e o Kabuki japonês de Edo RODRIGO SEIDL * Uma performance de teatro pode acontecer em quase qualquer espaço. Em algum momento, uma escolha é feita sobre o local e a hora de uma performance. Existem várias motivações e forças em ação por trás dessa escolha que, quando investigadas, revelam muito sobre os artistas, seu ofício e a sociedade da qual fazem parte. Em alguns contextos históricos, o teatro recebeu um lugar de prestígio na cidade, perto do centro e de das instituições de poder. Em outros contextos, o mesmo não teve muita escolha e foi forçado para as margens da cidade, onde lutou para sobreviver. Este estudo tem como objetivo comparar o teatro profissional elisabetano em Londres ao teatro Kabuki do Japão em Edo (atual Tóquio) no início do período Tokugawa. Isso será feito através da análise do espaço: tanto a localização geográfica do teatro em ambos os períodos quanto a composição física dos próprios espaços performáticos. Essas observações nos permitirão considerar qual era o lugar social do teatro em ambas as sociedades e a relação do teatro com as instituições de poder em cada contexto histórico e cultural. O lugar do teatro em Londres e Edo Na Inglaterra elisabetana, um processo de profissionalização das companhias teatrais de Londres pode ser observado na década de 1570. Isto é claramente marcado pela construção dos dois primeiros espaços teatrais permanentes: o Theatre em 1576 e o Curtain em 1577. Essas foram novidades históricas. Anteriormente, as companhias atuantes tinham que ser flexíveis o suficiente para viajar em busca do público e se adaptar a diferentes espaços, como salões das sedes das guildas ou pátios das hospedarias. Com os novos teatros fixos, as companhias poderiam permanecer em um lugar e o público teria que ir até o espaço dos atores. Essa inovação permitiu que o teatro se tornasse um negócio muito lucrativo. Por exemplo, estima-se * Professor de história e teatro da Escola Britânica de São Paulo (St. Paul’s School) e diretor da companhia teatral da mesma. Mestre em história social pela PUC-SP.

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O Teatro Transgressor

Uma análise comparativa entre o teatro profissional elisabetano de Londres e o Kabuki

japonês de Edo

RODRIGO SEIDL*

Uma performance de teatro pode acontecer em quase qualquer espaço. Em algum

momento, uma escolha é feita sobre o local e a hora de uma performance. Existem várias

motivações e forças em ação por trás dessa escolha que, quando investigadas, revelam muito

sobre os artistas, seu ofício e a sociedade da qual fazem parte. Em alguns contextos históricos,

o teatro recebeu um lugar de prestígio na cidade, perto do centro e de das instituições de poder.

Em outros contextos, o mesmo não teve muita escolha e foi forçado para as margens da cidade,

onde lutou para sobreviver. Este estudo tem como objetivo comparar o teatro profissional

elisabetano em Londres ao teatro Kabuki do Japão em Edo (atual Tóquio) no início do período

Tokugawa. Isso será feito através da análise do espaço: tanto a localização geográfica do teatro

em ambos os períodos quanto a composição física dos próprios espaços performáticos. Essas

observações nos permitirão considerar qual era o lugar social do teatro em ambas as sociedades

e a relação do teatro com as instituições de poder em cada contexto histórico e cultural.

O lugar do teatro em Londres e Edo

Na Inglaterra elisabetana, um processo de profissionalização das companhias teatrais de

Londres pode ser observado na década de 1570. Isto é claramente marcado pela construção dos

dois primeiros espaços teatrais permanentes: o Theatre em 1576 e o Curtain em 1577. Essas

foram novidades históricas. Anteriormente, as companhias atuantes tinham que ser flexíveis o

suficiente para viajar em busca do público e se adaptar a diferentes espaços, como salões das

sedes das guildas ou pátios das hospedarias. Com os novos teatros fixos, as companhias

poderiam permanecer em um lugar e o público teria que ir até o espaço dos atores. Essa

inovação permitiu que o teatro se tornasse um negócio muito lucrativo. Por exemplo, estima-se

* Professor de história e teatro da Escola Britânica de São Paulo (St. Paul’s School) e diretor da companhia teatral

da mesma. Mestre em história social pela PUC-SP.

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que a renda média diária nos teatros Globe e Blackfriars era de £23,25, e isso equivalia a 1,6

anos do salário médio de um artesão (DILLON, 2006: 59). A mudança para os espaços fixos

foi perfeitamente compreensível em Londres, uma vez que era um dos maiores e mais bem-

sucedido centro comercial da Europa na época.

No entanto, os locais escolhidos em Londres para esses novos espaços performáticos

são muito reveladores quanto às atitudes em relação ao teatro. Apesar do sucesso comercial das

companhias profissionais e da qualidade das peças produzidas, elas não se estabeleceram nas

áreas mais prestigiadas da cidade. Muito pelo contrário, os novos teatros foram construídos nas

áreas conhecidas como as “liberties de Londres”. Estas áreas eram um fenômeno curioso da

cidade do início da era moderna, pois eram e, ao mesmo tempo, não eram parte integrante da

cidade. O que era de fato considerado Londres era apenas a área cercada pelas antigas muralhas

medievais e uma pequena extensão das áreas urbanas do lado de fora delas. O resto das liberties

eram expansões urbanas mais recentes. Eles eram terras da Igreja, mas foram confiscadas

durante a Reforma, vendidas e "liberadas para novos usos pelos chamados Novos Homens que

não tinham vínculos nem aos costumes feudais nem às hierarquias das guildas" (MULLANEY,

2007: 44, tradução nossa). Portanto, as autoridades municipais tinham controle limitado sobre

as liberties, e foi talvez por essa razão que elas se tornaram o lugar das coisas que não eram

consideradas aceitáveis na comunidade da Cidade (MULLANEY, 2007: 43). As liberties eram

os lugares dos bordéis, arenas de lutas entre animais, tabernas, lazaretos, prisões e também o

lar de muitos novos cidadãos que tinham sido deslocados das áreas rurais pelas leis de

cercamento (enclosures). A partir de 1576, as liberties também eram os lugares do teatro.

Apesar de as companhias teatrais terem preferido estar mais próximas às áreas centrais,

não havia muita escolha no assunto. As autoridades de Londres eram hostis ao teatro e muitas

vezes tentaram banir as performances na cidade. A única escolha de fato era construir os

espaços performáticos nas liberties, fora do alcance da jurisdição da Cidade. É interessante e

muito relevante que, apesar do sucesso comercial das companhias teatrais e da qualidade das

peças produzidas, elas fossem localizadas nas margens de Londres.

O teatro Kabuki, no Japão, também teve pouca escolha quanto ao lugar onde poderia ser

realizado. O Xogunato Tokugawa, ou bakufu, determinou que o teatro só seria permitido em

3

dois distritos específicos de Edo. Além disso, só era permitido haver quatro1 ‘teatros grandes’

e oito ‘teatros pequenos’. Ademais, o número de templos e santuários em que poderiam haver

performances teatrais também foi restrito a oito, mas, para usar estes espaços, era necessária a

permissão do comissário da cidade. É revelador que esses distritos teatrais fossem afastados das

áreas reservadas para as classes sociais mais altas. Eles eram localizados nas áreas de classe

baixa, perto de Yoshiwara - o ‘distrito da luz vermelha’, a única área da cidade onde a

prostituição era oficialmente permitida.

Embora as restrições de lugar do teatro sejam semelhantes nos dois casos neste estudo,

havia uma diferença fundamental em relação ao movimento dos atores em cada país. Na

Inglaterra, embora muitas companhias teatrais procurassem estabelecer-se em teatros

permanentes em Londres, ainda eram livres para se apresentarem em outros lugares. Muitas

vezes, as companhias faziam turnês pelo país, visitando outras cidades, e também eram

chamadas para se apresentarem nas residências de membros da nobreza ou para a própria rainha

- uma oportunidade muito lucrativa.

Entretanto, no Japão, as leis tinham como objetivo conter os próprios atores nos distritos

teatrais licenciados. Por exemplo, em 1655, dizia a seguinte ordem: “leis foram emitidas, vez

após vez, que, mesmo que atores de kabuki sejam convidados às residências de senhores

feudais, eles não podem ir (...) nem se apresentar” (SHIVELY, 2002: 44, tradução nossa). Até

nos próprios teatros, o bakufu tentou limitar a interação excessiva entre os atores e o público:

“depois que os atores de Sakai-chō e Kobiki-chō2 terminarem as peças no palco, eles não podem

se encontrar com funcionários do governo [samurai]; os camponeses e cidadãos não devem

visitá-los indiscriminadamente e nem permanecer por muito tempo” (SHIVELY, 2002: 44,

tradução nossa). Portanto, o bakufu claramente queria restringir qualquer performance de

Kabuki aos distritos licenciados. A intenção era limitar a interação entre os atores e o público.

Há até uma sutileza na segunda ordem de que, assim que as peças terminassem, os atores não

deveriam se misturar por muito tempo com aqueles que os assistiram. Há também uma

preocupação importante nessas ordens quanto ao contato de atores com membros de grupos

sociais mais elevados, como os samurais e senhores feudais (daimyō). Entretanto, visto que

1 Este foi posteriormente reduzido para três depois que um dos teatros grandes foi fechado e destruído como

punição por certas violações das leis que regulavam a prática teatral. 2 Sakai-chō e Kobiki-chō eram os dois distritos licenciados de teatro em Edo.

4

estas ordens tiveram de ser repetidas por várias vezes, podemos perceber duas coisas: primeiro,

que era difícil para o bakufu controlar as ações dos atores em residências privadas (SHIVELY,

2002: 43); e, segundo, que o Kabuki era popular com os senhores feudais e samurais apesar dos

esforços do governo.

O lugar da performance teatral

A formação básica dos anfiteatros elisabetanos pode ser vista no desenho do Johannes

de Witt, um viajante Holandês.3 Cercando palco, havia um pátio interno onde o público assistia

aos espetáculos de pé – os lugares mais baratos. Comida e bebida eram vendidas no pátio

durantes os espetáculos. Em volta do pátio ficavam as galerias onde o público poderia pagar

mais para assistir à peça sentado. Os teatros elisabetanos costumavam ter três níveis nas

galerias, sendo que o mais alto também era o mais caro. Era possível alugar almofadas para

mais conforto. Portanto, os anfiteatros eram lugares onde pessoas de vários níveis sociais

poderiam se juntar no mesmo espaço. Os pobres poderiam dar conta do preço mínimo para ficar

de pé no pátio, enquanto os mais ricos poderiam pagar pelos melhores e mais confortáveis

lugares. É interessante que os lugares no nível mais alto das galerias eram desejados, não

somente pela visão melhor do palco, mas também porque eram os melhores lugares para ‘ser

visto’ (GURR, 1994: 214). Portanto, apesar da hostilidade das autoridades municipais ter

afastado os teatros para os subúrbios de Londres, o lugar dos indesejados, os anfiteatros eram

bastante populares tanto paras os pobres quanto para os ricos.

Também havia outro tipo de espaço teatral em Londres, que eram os teatros fechados.

Estes não eram construídos sob encomenda como foram os anfiteatros. Eram geralmente

grandes salões já existentes que originalmente tiveram outros usos, mas que haviam sido

convertidos para o uso teatral. O público inteiro ficava sentado na frente do palco, e também

haviam lugares nas galerias laterais. Diferentemente dos anfiteatros, os teatros fechados eram

localizados nas liberties que estavam por dentro das muralhas da cidade. Estes teatros eram

3 O desenho do de Witt tem muito valor histórico por ser a única imagem contemporânea por dentro de um

anfiteatro de Londres. Para uma boa reprodução eletronica da imagem citada, sugerimos o seguinte site: “Van

Buchel's Copy of De Witt's Drawing of the Swan Playhouse.” The British Library, The British Library, 26 Jan.

2016, www.bl.uk/collection-items/van-buchels-copy-of-de-witts-drawing-of-the-swan-playhouse. Acesso em: 29

jul. 2018.

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mais caros. A entrada básica para os lugares mais baratos era equivalente a um duodécimo do

que um artesão de Londres ganharia em uma semana de trabalho (GURR, 1994: 215).

Portanto, as companhias teatrais de Londres tinham espaços diferentes destinados a

diferentes públicos. Os anfiteatros abertos eram frequentados tanto por ricos como por pobres

e, por essa razão, eram chamados de ‘teatros públicos’ em inglês. E os teatros fechados eram

destinados exclusivamente para os ricos. Podemos, então, observar na concepção dos espaços

performáticos que o teatro era um entretenimento popular para todos, independentemente do

nível social.

Os teatros de kabuki pareciam uma mistura dos dois tipos de teatro elisabetano. Como

pode ser visto na xilogravura de Okumura Masanobu que mostra o interior do Ichimura-za de

Edo,4 esses teatros eram construções retangulares. Originalmente, não eram cobertos, mas os

empresários teatrais eventualmente adicionaram tetos para poder apresentar as peças ainda com

tempo ruim. Os tetos eram proibidos pelo bakufu mas, depois da insistências dos empresários

teatrais, aos teatros de kabuki foi-lhes oficialmente permitido terem tetos a partir de 1718. Havia

um espaço no chão, em frente ao palco, onde a maior parte do público assistia às peças sentada.

Mais tarde, essa área foi dividida em setores por pequenos muros, em cima dos quais atendentes

andavam e vendiam comida e bebida ao público de maneira parecida com os teatros

elisabetanos. Ao redor da plateia no chão ficavam as galerias compostas por camarotes onde

estavam os lugares mais caros e exclusivos. O número de níveis nas galerias variava.

Oficialmente, o bakufu só permita um nível, mas os empresários de kabuki muitas vezes

conseguiam burlar a regra. Em 1723, depois de muita negociação, ficou acertado por lei que os

teatros poderiam ter apenas dois níveis nas galerias. Estes eram os lugares cobiçados pelos

membros mais ricos da sociedade japonesa, assim como comerciantes bem-sucedidos e

membros da classe dominante.

Diferentemente dos teatros elisabetanos, os camarotes nas galerias não eram feitos para

seus ocupantes serem vistos por todos. Um tipo de biombo era colocado na frente, o que

escondia a identidade do ocupante do camarote. Além disso, passagens eram construídas

4 Para uma boa reprodução eletronica da imagem citada, sugerimos o seguinte site: “Scene from the Play

Kanadehon Chûshingura at the Ichimura Theater.” Museum of Fine Arts, Boston, 28 May 2018, www.mfa.org/collections/object/scene-from-the-play-kanadehon-ch%C3%BBshingura-at-the-ichimura-theater-

212307. Acesso em: 29 jul. 2018.

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interligando as galerias às casas de chá do teatro (shibai-jaya) onde os atores e seus patronos

poderiam se encontrar em particular. Estas medidas indicam que, para alguns, era uma

transgressão ir ao teatro. Como vimos acima, o bakufu tentou separar o Kabuki da classe dos

samurais e dos senhores feudais. Em várias ocasiões, ordens foram dadas para removerem os

biombos e fecharem as passagens para as casas de chá, certamente para permitir que os oficiais

do governo pudessem ver quem estava frequentando os teatros. Entretanto, apesar das

restrições, os empresários teatrais continuaram a achar formas de transgredir às regras,

buscando garantir que seus patronos da classe dominante pudessem continuar a frequentar os

teatros.

Portanto, uma grande semelhança entre os teatros de Londres e Edo é que eram lugares

onde pessoas de diferentes classes sociais podiam se encontrar e assistir aos mesmos

espetáculos. A própria concepção do espaço teatral tinha como objetivo atrair diferentes

públicos, e, por isso, em ambas as cidades, o teatro era bastante popular. Entretanto, as

autoridades, nos dois casos, não eram favoráveis à prática teatral. Como vimos, os teatros eram

restritos a certos locais nas cidades, talvez numa tentativa de limitar o acesso geral a eles.

Portanto, podemos observar que o lugar social do teatro nos dois casos era ambíguo. Enquanto

havia muitas pessoas favoráveis ao teatro, também havia muitos que eram contra. E isso, muitas

vezes, gerava certa tensão nas duas cidades mencionadas acerca da questão do teatro.

O lugar social do teatro

O governo da Inglaterra era, na maior parte, favorável ao teatro, embora houvessem

regras a serem cumpridas. Temas religiosos e políticos já eram proibidos desde a reforma

religiosa do Henrique VIII, e esta proibição continuou sob Elizabeth I. Com o Ato pela punição

dos vagabundos de 1572, os atores eram obrigados por lei a terem vínculos feudais a “qualquer

barão” ou “qualquer outra pessoa importante e honrosa de grau maior” (DILLON, 2006: 68,

tradução nossa). Isto lhes garantiam legitimidade e proteção num sistema institucionalizado de

patronagem (WILLIAMS, 1995: 41). Esta proteção foi afirmada depois de 1574 quando

Elizabeth começou a emitir licenças reais às companhias teatrais. Isto lhes dava a mais alta

permissão da rainha para se apresentarem em qualquer lugar da Inglaterra para o entretenimento

de seus súditos – e também para seu deleite pessoal (GURR, 1994: 30). Foi por esse motivo

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que as companhias teatrais conseguiram se estabelecer nas liberties de Londres. Entretanto, as

licenças reais obrigavam todas a companhias a mostrarem as peças que pretendiam apresentar

ao Mestre das Festividades da rainha. Ele consentia a autorização oficial para as performances,

assim censurando qualquer assunto subversivo antes de chegar aos palcos. Portanto, da

perspectiva do governo, contanto que os requisitos legais fossem atendidos, as companhias

teatrais tinham a liberdade para trabalharem. As autoridades somente intervinham em resposta

aos casos em que consideravam excessivo o comportamento dos atores ou dramaturgos.

A hostilidade real veio de Londres, principalmente após a construção dos primeiros

teatros permanentes. O tipo de reclamação feita pela Cidade pode ser observado no trecho a

seguir da lei de 1574 sobre o regulamento do teatro:

[...] até agora várias grandes desordens e inconveniências têm ocorrido nesta cidade

por causa da desenfreada visitação de grandes multidões de pessoas, especialmente

jovens, a peças, interlúdios, e shows; em outras palavras, lugares de brigas e

discussões, práticas más de incontinência; em grandes tabernas, tendo salas e

lugares secretos conectados aos seus palcos abertos e galerias, seduzem e atraem

moças, especialmente órfãs, e bons cidadãos, crianças menores, a contratos privados

e inapropriados, tornam públicos discursos e ações não castas, imodestas, e

inapropriadas, retirando os súditos da Rainha do serviço divino aos domingos e

feriados: em tais momentos tais peças foram geralmente usadas como um gasto

desnecessário de dinheiro dos pobres e de pessoas tolas, diversos roubos de bolsas

de dinheiro, expressão de assuntos intrometidos e sediciosos, e muitas outras

corrupções da juventude e outros escândalos, além de várias mortes [...] dos súditos

da Rainha por causa do colapso de estruturas, armações e palcos; [...] quando Deus

se manifesta por meio de uma praga, tais aglomerações apertadas têm sido muito

perigosas por espalharem a infecção (COURT OF COMMON COUNCIL, 2004:

305, tradução nossa).

Os problemas relatados variam entre considerações da segurança dos cidadãos nos teatros até

preocupações morais sobre a influência corruptora das performances. É interessante que o texto

desta lei faz breves referências à performance teatral em si, apenas citando os assuntos

inapropriados das peças. A maior parte do questionamento moral da lei é direcionado à

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atmosfera geral dos teatros, tanto dentro quanto fora. É como se apenas a grande aglomeração

de pessoas nos teatros fosse o suficiente para desviar os ‘bons cidadãos’ de Londres para

comportamentos ‘inadequados’, principalmente em relação à incontinência sexual. Por esse

motivo, essa lei de 1574 visava impor restrições à prática teatral em Londres, fazendo assim

uma oposição às permissões dadas às companhias teatrais pela rainha.

Porém, as autoridades municipais tinham pouco espaço real para agir contra o teatro.

Elas não tinham poder legal sobre as liberties, principalmente aquelas que ficavam do lado de

fora da muralha, e só poderiam apelar ao Conselho Privado (Privy Council) da rainha para

pedirem uma intervenção do governo. Visto que muitos dos patronos das companhias teatrais

faziam parte do Conselho, as reclamações da Cidade eram frequentemente ignoradas. Por causa

disso, a oposição mais feroz contra o teatro veio dos observadores sociais, que expressavam

suas opiniões por meio da publicação de tratados antiteatrais. Estes autores, que geralmente

eram puritanos, podiam expressar suas opiniões mais livremente do que as autoridades da

Cidade, pois estas estavam numa desvantagem política em relação à Corte. Enquanto a oposição

da Cidade se baseava em questões cívicas, os críticos antiteatrais atacavam as próprias

performances das peças, assim como o comportamento dos atores dentro e fora dos teatros.

Uma questão central nos tratados antiteatrais era a influência que o teatro tinha sobre

seu público. As performances eram, para os críticos, de uma natureza sedutora. Por causa disso,

elas provocavam reações emocionais e sensuais no público, levando à sua transformação, o que

levava a comportamentos que não eram aceitos segundo as visões políticas e morais dos

puritanos. Stephen Gosson, um dos prinicipais críticos antiteatrias, escreveu bastante sobre a

natureza corruptora do teatro, descrevendo performances que eram compostas de:

melodia, para agradar a orelha; roupas caras, para lisonjear a vista; gestos

efeminados, para extasiar os sentidos; e falas lascivas, para estimular o desejo para

a luxúria desordenada [...] [que], pelas entradas privadas das orelhas, descem para

dentro do coração, e, como um tiro de afeição, ferem a mente onde a razão e virtude

devem governar (GOSSON, 2004a: 25, tradução nossa).

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Para Gosson, o teatro era uma prática que, na sua essência, ia contra os ideais puritanos de

moderação e austeridade. Ele defendia o ponto de vista de que o teatro poderia ser usado para

o bem somente pela leitura de textos bem escritos, e nunca pela performance.

Além de afetar as emoções, outros autores reclamavam dos maus exemplos que eram

encenados. A preocupação era a de o público imitar os comportamentos que assistiam nos

palcos. John Northbrooke uma vez descreveu as ações no palco como “de mau gosto e

desonestas”, que ensinavam o “prazer descontrolado” no público e incentivavam a “luxúria

carnal, apetites ilegais e desejos, com suas falas lascivas e obscenas” (NORTHBROOKE, 2004:

7, tradução nossa). Junto com isso, havia muita preocupação com as inversões de gênero que

eram comuns, visto que todas as personagens femininas eram encenadas por meninos. Gosson

escreveu que os “trajes são estabelecidos como sinais que distinguem os sexos” e que o

travestismo (o uso das roupas femininas pelos atores, assim como a imitação da voz e

comportamento de mulheres) era “contrário à palavra expressa de Deus, que o proíbe com

ameaças de maldições” (GOSSON, 2004b: 101-2, tradução nossa). Assim como escreveu um

autor na época, o teatro era um “espelho de monstros” (POLLARD, 2004: 124). Isto é diferente

da metáfora de Shakespeare da arte sendo um “espelho à natureza” (SHAKESPEARE,

William; ORGEL, Stephen (Ed.); BRAUMULLER, A.R (Ed.), 2002: 1367, linha 22,

tradução nossa), onde o teatro refletia a vida. Para os autores antiteatrais, era o público que

refletia os maus exemplos que eram encenados nos palcos.

Finalmente, até os próprios atores eram vistos como maus exemplos para a sociedade

em geral. De acordo com os críticos antiteatrais, os atores eram parasitas sociais: eles já haviam

exercido trabalhos "adequados", mas depois os abandonaram para virarem atores, o que nada

mais é do que uma forma de se aproveitar dos trabalhadores honestos. Estes últimos gastavam

seu dinheiro, ganho de forma honesta pelo trabalho, nas peças que eram consideradas

inapropriadas. Além disso, um ponto muito sério para os críticos antiteatrais era que estes

atores, de baixa escalão social, assumiram os papéis de seus superiores sociais nas encenações.

O conceito do palco como um espaço transgressivo, onde gêneros e papéis sociais podiam ser

invertidos, foi considerado como um potencial perigo pelos oponentes do teatro:

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Se relutarmos a aceitar a sabedoria do nosso criador e desprezarmos a vocação que

estabeleceu para nós com a aspiração de estar mais alto do que devemos estar, assim

como no corpo; quando os pés quiserem ser braços; os braços ser olhos; o intestino

ser veias; as veias ser nervos; os músculos ser carne; a carne ser espírito; a confusão

da ordem enfraquece a cabeça: assim também na nação (GOSSON, 2004b: 110,

tradução nossa).

Portanto, como vimos na discussão sobre o lugar do teatro em Londres, havia

claramente atitudes complexas em relação à prática teatral na Inglaterra. Enquanto os atores

tinham o reconhecimento da própria rainha, e eram frequentemente chamados para

providenciarem o entretenimento da corte, eles também eram veemente atacados por outros

observadores sociais em Londres. É interessante que as críticas eram destinadas ao teatro como

um todo, desde as peças até os atores envolvidos, e também toda a atmosfera dento e fora dos

teatros. A última citação sugere que a preocupação fundamental era com a ideia de que toda a

ordem social estava sob ameaça pelo teatro. As ideias entre os críticos antiteatrais variavam um

pouco: alguns pediam a proibição total da prática do teatro enquanto outros enxergavam alguma

virtude no teatro se fosse encenado de outra forma. Os oponentes mais radicais tiveram sua

vontade realizada em 1642 quando o parlamento, dominado pelos puritanos, depôs o Carlos I e

ordenou o fechamento dos teatros para “apaziguar e evitar a ira de Deus” (STYAN, 1996: 237,

tradução nossa). O teatro na Inglaterra somente voltaria em 1660 com a restauração da

monarquia.

No Japão, a atitude do xogunato para com o Kabuki era diferente do tratamento dado

pela Elizabeth I para com o teatro na Inglaterra. O bakufu não confiava na nova forma teatral

emergente e a enxergava como uma prática transgressiva. Isso pode ser notado pelo fato de que

foi dado o nome de ‘kabuki’, uma palavra derivada do verbo ‘kabuku’ que literalmente significa

“inclinar ou enviesar perigosamente para um lado” (ZARRILLI et al, 2006: 201, tradução

nossa). Portanto, ‘kabuki’ depois veio a indicar qualquer comportamento que era fora das

normas sociais ou “pessoas da contracultura” (ZARRILLI et al, 2006: 201, tradução nossa) que

“desafiavam as convenções e as regras de comportamento adequadas” (ORTOLANI, 1995:

164, tradução nossa). A palavra ‘kabuki’ já tinha sido empregado para descrever grupos de

samurais sem-mestres que, do fim do século XVI até o início do XVII, protestavam contra a

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ordem estabelecida por meio das formas chocantes com que se vestiam e se apresentavam,

assim como pelos atos violentos. Eram conhecidos como os ‘kabuki mono’. Então, em 1603,

uma nova forma de performance de dança foi oficialmente registrada como ‘kabuki odori’

(literalmente significando ‘dança estranha’ ou ‘transgressiva’). Era esta dança que depois

evoluiria até virar o teatro Kabuki, e que, já nesse estágio inicial, podemos observar já era

identificado como algo fora da norma.

Pode ter sido a mistura dos elementos tradicionais e novos no kabuki odori que atraiu a

atenção das autoridades. Criada pela sacerdote e dançarina budista chamada Okuni, a nova

performance era baseada numa dança religiosa tradicional, mas com novidades, tais como: a

mistura de roupas ocidentais com as tradicionais do Japão; o travestismo no ato dos homens

representando as personagens femininas e vice-versa; e, também, danças sensuais mostrando

mulheres seduzindo homens. Certamente foi um grande sucesso na época, pois formaram-se

muitos grupos de Kabuki, tanto que a nova tendência foi identificada como um “distúrbio

nacional” em 1608 (ORTOLANI, 1995: 176, tradução nossa). Portanto, podemos observar que,

enquanto o governo elisabetano favoreceu e até protegeu o teatro, o bakufu enxergou o Kabuki

no Japão como um problema e uma transgressão.

Entretanto, podemos questionar por quê o bakufu permitiu o Kabuki, já que foi

identificado como um distúrbio. A resposta pode ser achada na seguinte citação atribuída ao

Ieyasu, o primeiro xógum da família Tokugawa:

Cortesãs, dançarinas,5 catamitas, prostitutas e afins sempre vêm para as cidades e

lugares prósperos do país. Embora a conduta de muitos seja corrompida por eles, se

forem rigorosamente reprimidos, crimes sérios ocorrerão diariamente, haverá

punições para jogos de azar, frenesi de bebedeira e comportamentos lascivos

(SHIVELY, 2002: 41, tradução nossa).

O Kabuki, juntamente com a prostituição (feminina e masculina), era identificado como

elementos que espalhavam a corrupção social. Contudo, na opinião de Ieyasu, estas práticas

5 As “dançarinas” mencionadas aqui provavelmente se refere ao Kabuki, pois, neste momento histórico, as

performances se pareciam mais como uma dança com alguns momentos e elementos dramáticos.

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sociais teriam de ser toleradas, pois a repressão total geraria maiores problemas sociais. A

estratégia proposta era permitir vias de escape para certas paixões humanas inevitáveis, e,

assim, manter a ordem geral e evitar a perda de controle. Portanto, o Kabuki, assim como a

prostituição, eram permitidos e licenciados, porém eram fortemente regulados por lei para que

o controle fosse mantido.6

Todavia, havia uma preocupação sobre a influencia negativa do Kabuki. Isto pode ser

notado na seguinte observação do conselheiro do oitavo xógum dos Tokugawa:

As pessoas são facilmente influenciadas pelo comportamento de atores e prostitutas.

Recentemente, tem existido até uma tendência entre pessoas de alto escalão a usarem

o jargão dos atores e das prostitutas. (…) Tal tendência resultará no colapso da

ordem social. Portanto, é necessário segregar atores e prostitutas da sociedade

comum (ERNST, 1974: 6, tradução nossa).

É interessante que o mesmo medo pode ser visto nos dois estudos de caso: que as performances

teatrais podem afetar o público de tal maneira que toda a ordem social estaria sob ameaça.

A preocupação principal em relação ao Kabuki eram os excessos praticados pelos atores

nas performances. Neste aspecto, há muitas semelhanças com as queixas contra o teatro

elisabetano de Londres. Para conter qualquer assunto potencialmente subversivo, foram

emitidas leis que proibiam: temas políticos; a menção de nomes de qualquer membro

importante da classe samurai ou acima; e também a representação de qualquer evento ocorrendo

depois que a família Tokugawa chegou ao poder em 1600. No entanto, não foram apenas as

ideias discutidas nas peças, mas também a performance em si que era vista como uma influência

negativa. Houve reclamações sobre a vulgaridade e a sensualidade das encenações que, até

certo ponto, têm alguma base real, pois o Kabuki no seu início estava de fato ligado à

prostituição feminina e masculina. As performances eram usadas como uma forma de atrair

6 A mesma ideia era presente nas cidades europeias e, por consequência, Londres. São Tomás de Aquino, citado

pelo Mullaney (2007: 42), compara a prostituição ao esgoto de um palácio: “Se retirar o esgoto, o palácio fica

cheio de poluição [...] se remover a prostituição dos assuntos humanos, você irá poluir todas as coisas com a

luxúria” (tradução nossa).

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potenciais clientes. Entretanto, as reclamações sobre a vulgaridade das performances

continuaram mesmo depois que o Kabuki e a prostituição foram separados por meio de leis que

proibiam mulheres do palco em 1629 e, em seguida, meninos em 1652.7 Além disso, os

excessos nos materiais utilizados para os figurinos e na construção dos teatros também foram

criticados. Havia certas expectativas em relação aos materiais que poderiam ser usados, no

vestuário e nas casas, por cada grupo social dentro da hierarquia estabelecida no Japão

(SHIVELY, 2002: 47), e isso era semelhante na Inglaterra. Os atores em ambos os países eram

acusados de se apresentarem de uma tal maneira que não era condizente a sua real posição

social, e isso era uma transgressão perigosa aos olhos dos setores conservadores.

Na verdade, mais do que uma preocupação sobre o assunto das peças, a verdadeira

questão para as autoridades parece ser o efeito de encantamento que o teatro tinha sobre o

público, o que levava a comportamentos excessivos. Há relatos de membros do público se

apaixonando pelos atores e as atrizes (antes da proibição de 1629), e isto levava a casos

amorosos entre pessoas de diferentes classes sociais. Alguns desses casos acabavam no duplo

suicídio - uma ocorrência comum no Japão na época e também um tema popular em peças de

kabuki que foi proibido em 1723, por ser considerado "sugestivo demais para amantes

frustrados" (SHIVELY, 2002: 53, tradução nossa). No entanto, esse efeito de encantamento

nem sempre era relacionado a relacionamentos românticos entre atores e membros da audiência.

Há reclamações na época da obsessão pelo teatro que levava alguns a gastarem muito dinheiro

nos distritos teatrais (isso incluía a compra dos ingressos, mas também os gastos com comida e

bebida visto que as performances de kabuki às vezes duravam um dia inteiro). Um observador

revelou uma preocupação que estes gastos eram “piores para aqueles cuja fortuna era pequena”

(SHIVELY, 2002: 37, tradução nossa). Além disso, alguns relatos apontam que oficiais

religiosos também se encantavam tanto pelo Kabuki que gastavam seu dinheiro, obtido por

meio de doações ou a venda de objetos religiosos, para poderem também assistirem aos

espetáculos. Por fim, houve muitos relatos de brigas nos teatros, que foram atribuídos à agitação

das paixões causadas pelas peças e pelos próprios atores. O que une todas essas preocupações

7 Visto que muitas prostitutas acabaram se envolvendo nos grupos de Kabuki, o bakufu entendeu que a proibição

das mulheres dos palcos iria resolver o problema e separar a prostituição do Kabuki. No entanto, muitos dos

meninos que passaram a representar os papéis femininos acabaram se prostituindo também. A lei de 1652 obrigava

qualquer ator de Kabuki a raspar o cabelo segundo a moda dos homens adultos. Segundo opiniões da época, isto

reduzia a beleza dos atores, e, desta forma, a mistura entre Kabuki e a prostituição foi resolvida.

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é a ideia de que as performances do Kabuki tinham algum tipo de efeito sobre o público, o que

causava uma perda de controle e um comportamento que estava além das expectativas do que

era considerado correto. Essencialmente, esta é também a mesma ideia presente nas queixas

contra o teatro elisabetano de Londres.

A grande quantidade de leis promulgadas pelo bakufu para a regular o Kabuki indica

uma preocupação clara com o potencial transgressor desta forma teatral. Segundo Donald

Shively, não havia outro tipo de performance no Japão que "fosse tão descaradamente contra

os princípios sociais e morais adotados pelo governo Tokugawa (...) nem que fosse mais

prejudicial para a estrutura de relações baseadas no confucionismo que o bakufu se esforçava

para manter" (SHIVELY, 2002: 33, tradução nossa). Entretanto, o xogunato tolerava o Kabuki,

pois tudo na sociedade Tokugawa tinha seu lugar: os samurais e senhores feudais tinham o

teatro Nō, enquanto o lugar do Kabuki era o entretenimento apto para os grupos sociais mais

baixos. As leis asseguravam que essa forma teatral refletisse o grupo social a que pertencia:

temas políticos não podiam ser discutidos; cenários e figurinos não podiam parecer muito ricos

ou caros; e, da mesma forma, os próprios teatros tinham que ser construções simples e não

demonstrar muita extravagância. Os atores de kabuki estavam restringidos aos seus próprios

distritos e não se esperasse que grupos sociais mais elevados fossem assisti-los. O princípio

fundamental por trás dessas leis era manter tudo no seu lugar e, dessa forma, manter o controle

sob a ordem social estabelecida.

Considerações finais

Como vimos neste estudo, há algumas semelhanças marcantes entre o teatro profissional

elisabetano e o Kabuki. Um aspecto particular que chama a atenção é que nenhuma das duas

formas artísticas foi abertamente crítica em relação às peças escritas. Devido às

regulamentações governamentais, os autores ingleses e japoneses não foram autorizados a

questionar a ordem social dominante em nenhum dos contextos. Claro, havia algum espaço para

contornar a censura, e alguns dramaturgos conseguiram produzir peças que faziam comentários

sociais sem sofrer nenhuma repressão. No entanto, era necessário ter cautela, porque qualquer

transgressão flagrante teria sido firmemente reprimida.

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Embora os assuntos das peças não fossem abertamente críticos, vimos muitos exemplos

da forma hostil como o teatro foi tratado. Nos dois casos, temos fontes citando a grande ameaça

do teatro, que poderia quebrar toda a ordem e estabilidade social. Se os assuntos das peças não

eram de caráter crítico, então era a forma pela qual o teatro era praticado e encenado que

causava tamanho incômodo. Como foi visto, muitas escolhas envolvidas no processo teatral

nos dois estudos de caso eram transgressivas de acordo com o contexto social a que pertenciam.

Além disso, apesar dos esforços das autoridades em limitar o acesso aos teatros, eles eram,

entretanto, extremamente populares, atraindo um grande número de pessoas para os distritos

teatrais. Além disso, a popularidade do teatro se estendeu a todos os grupos sociais, como

observamos na construção dos teatros e como foram concebidos para receber tanto os ricos

quanto os pobres. A grande popularidade do teatro em Londres e Edo sugere que sua influência

reverberou em muitas pessoas, talvez dialogando com uma insatisfação subjacente com a ordem

social dominante. Portanto, o teatro teve um papel em ambos os contextos como agente de

mudança social. Foi esse potencial que muitas pessoas reconheceram e que queriam reprimir.

Esses dois momentos históricos são valiosos para uma reflexão geral sobre o teatro

como um processo social transformador. Acreditamos que isso foi alcançado de certa forma

nos dois casos desse estudo. No entanto, isso aconteceu por causa das escolhas específicas feitas

por aqueles envolvidos com o teatro, e também por aqueles que assistiram. Os regulamentos e

expectativas das ordens sociais dominantes eram conhecidos e muito claros. Teria sido possível

para os envolvidos com essas formas teatrais fazerem escolhas diferentes e evitarem qualquer

consequência negativa. Mesmo assim, escolheram um caminho transgressivo, como o fez o

público que escolheu assistir a este teatro. Ao refletir sobre a situação atual das artes na nossa

sociedade, e compará-la com o que foi dito sobre os dos contextos aqui analisados, podemos

observar como algumas coisas parecem não ter mudado tanto ao longo dos anos. Pelo menos

há dois exemplos históricos aqui que, talvez, possam nos dar algumas ideias sobre como

proceder

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