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TRAINEE MUNICIPAL: UM CAMINHO PARA PROFISSIONALIZAÇÃO DO QUADRO
TÉCNICO DAS PREFEITURAS.
Rafael Lincoln Lisboa
Rosane Cristina Santiago Wilson de Souza Ribeiro Junior
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Painel 09/002 Caminhos e Inovações para Profissionalização da Gestão Pública Municipal
TRAINEE MUNICIPAL: UM CAMINHO PARA PROFISSIONALIZAÇÃO DO QUADRO TÉCNICO DAS PREFEITURAS
Isidro-Filho
Rafael Lincoln Lisboa Rosane Cristina Santiago
Wilson de Souza Ribeiro Junior
RESUMO
O presente artigo percorre brevemente a trajetória de institucionalização e
consolidação do modelo federativo no Brasil, com um olhar especial para os
municípios, e apresenta as principais indagações que orientam o desenvolvimento da
discussão acerca do aumento da capacidade governamental para liderar processos
de transformações sistêmicas a partir de um novo modelo de inserção profissional
para formandos e recém-graduados do Campo de Públicas em pequenos e médios
municípios. Para tanto, o presente artigo está estruturado em três principais áreas: (i)
à luz das experiências democráticas recentes, apresentamos as expectativas e
limitações do modelo federativo brasileiro; (ii) em segundo momento, discute-se
cenário da profissionalização do quadro das prefeituras frente aos desafios atuais da
gestão pública municipal; (iii) passando na terceira etapa para uma breve revisão de
algumas iniciativas e discussões similares, tais como o projeto Conexão Local da FGV,
o Projeto RONDON do Ministério da Defesa; o Projeto Prefeitos Paulistas e
Unicidades da EACH – USP, Mais Gestores do Campo de Públicas, entre outros (iv)
em seguida exploramos o conceito de Trainee e as oportunidades de inserção no setor
público em pequenos e médios municípios; e, por fim (v) apresentamos um ensaio
metodológico para inovação junto aos municípios.
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1. INTRODUÇÃO
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou um marco no
estabelecimento de um novo panorama de relacionamento federativo e de gestão do
Estado brasileiro, especialmente no tocante ao papel dos municípios nessa relação.
A histórica centralização do poder no governo federal cede lugar a novos anseios,
traduzidos pela carta cidadã, que configuram um modelo de federação brasileira
baseada em princípios de descentralização (ABRUCIO et al, 2010). Nota-se que a
“descentralização, em sua concepção mais ampla, constitui um processo de
redistribuição de poder e, assim, de direitos, responsabilidades e recursos” (BROSE,
2002, p. 98).
A descentralização garantiu direitos, deveres e reformulações nos mecanismos
de financiamento à figura dos municípios. Em termos de direitos, assumiu-se os
municípios brasileiros como entes federados, dotados de autonomia frente a outros
governos em matérias legislativas e na elaboração de políticas públicas próprias
(BLOCH e BALASSIANO; 2000). Já as responsabilidades ficaram a cargo do
significativo aumento de competências diretas na execução das políticas sociais
(SOUZA, 1996; ABRUCIO et al, 2010); processo esse iniciado pelas áreas de
Educação e Saúde e expandido rapidamente para diversos setores (BROSE, 2002, p.
95). Já no que se refere a recursos, coube aos municípios o direito sobre a cobrança
de impostos e, posteriormente, o benefício decorrente da instituição de regras que
aumentaram sua receita, oriunda de fontes de transferências correntes como o FPM
(Fundo de Participação Municipal) e a cota parte do ICMS 1 (MELLO, 2002).
Como efeitos do cenário de redemocratização e descentralização, muitas
expectativas recaíram sobre os entes municipais, os quais passaram a ser olhados
como potencial espaço de inovação (DANIEL, 1996, p. 138), principalmente pela
maior proximidade com a sociedade civil, creditando a eles a capacidade de produzir
“respostas múltiplas, específicas e diferenciadas frente aos diversos problemas das
1 ICMS - Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação.
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populações a seu cargo, (...) [desde que realizado] um esforço de conhecimento da
realidade local e de descrição de cada grupo (BLOCH e BALASSIANO; 2000, p. 149).
Ainda que muitas das expectativas tenham se materializado ao longo dos
últimos 25 anos e novas tenham surgido, a literatura – e a experiência profissional
daqueles que atuam na área social, dentro ou fora de governo – argumenta que o
processo de descentralização, na realidade, tem sido muito mais complexo (GRAEF,
2010). Alcançar o poder na forma de direitos, responsabilidades e recursos, significou,
na maioria dos casos, assumir grande parcela dos encargos de forma desorganizada,
com baixo nível de cooperação federativa, chegando até mesmo ao aumento da
competição entre entes da mesma esfera (ABRUCIO; FRANZESE, 2007, p.7). Sobre
isso Abrucio (2005, p. 50) afirma que houve “a conformação de um federalismo
compartimentalizado, em que cada nível de governo procurava encontrar o seu papel
especifico”, sem que fossem promovidos estímulos reais para as práticas
associativistas. Isso é ainda “mais perverso no terreno das políticas públicas, já que
(...) o entrelaçamento dos níveis de governo e a regra básica na produção e
gerenciamento de programas públicos, especialmente na área social”.
Diante dessas assertivas, nota-se uma clara contradição: apesar de os
municípios serem compreendidos como o ator central na promoção da justiça social –
ao menos no que era reivindicado pelos constituintes –, a experiência democrática
recente vivida demonstra desfavorecê-los. Essa situação se torna ainda mais difícil
para aqueles municípios de pequeno e médio porte que, em geral, são menos
desenvolvidos (baixos indicadores sociais, baixo nível de capacidade de geração de
emprego e renda e alto nível de dependência das transferências constitucionais e
suplementares).
A trajetória de consolidação dos municípios enquanto entes promotores de
políticas públicas, portanto, provoca um conjunto de inquietações. Essas e algumas
outras, evidentemente, faz com que a partir de meados dos anos 90 seja observada
uma crescente percepção da necessidade de mudanças, culminando com a Reforma
de Estado, a despeito de todas as controversas críticas e resultados que aqui não
cabem aprofundar.
5
À luz destes elementos, poderíamos dizer que os municípios, ao longo da
democracia recente, têm tido suficientes capacidades governativas para implementar
suas políticas sociais de modo eficiente, eficaz e efetivo?
Neste mesmo bojo, surge a partir de 2003, um número crescente de cursos de
graduação denominado atualmente de Campo de Públicas. A Associação Nacional de
Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas (ANEPCP) o descreve com um campo
multidisciplinar de ensino, pesquisa e fazeres técnico-políticos, no âmbito das
Ciências Sociais e Humanas, que se volta para questões de interesse público, em
perspectiva republicana, ao encarar as ações governamentais, dos movimentos da
sociedade civil organizada e das interações entre governo e sociedade, na busca do
desenvolvimento socioeconômico sustentável e aprofundamento da democracia.
Considerando este cenário mais amplo, o presente trabalho tem como objetivo
uma discussão exploratória alicerçada em um tripé: de um lado a capacidade
governativa dos municípios, de outro a ascensão do Campo de Públicas, ambos
convergindo para um terceiro que se refere a uma alternativa de profissionalização e
fortalecimento da gestão pública municipal - uma proposta de programa de Trainee
para egressos do Campo de Públicas com enfoque na gestão municipal. Para isso,
iniciamos a construção argumentativa apresentando alguns dados e reflexões sobre
a profissionalização do quadro técnico das prefeituras. Em seguida, descrevemos o
processo histórico de desenvolvimento dos cursos de graduação do Campo de
Públicas. E, por fim, articulamos elementos para um programa de Trainee Municipal,
sob a égide conceitual de uma tecnologia social, enquanto um caminho para
profissionalização do quadro técnico das prefeituras, porém centrada, neste primeiro
momento, no desenvolvimento dos cursos de graduação do Campo de Públicas.
2. O CENÁRIO ATUAL DE PROFISSIONALIZAÇÃO DO QUADRO TÉCNICO DAS PREFEITURAS
Assumir a premissa de que o Estado é ator central na promoção do
desenvolvimento socioeconômico implica discutir sua capacidade em desempenhar
esse papel, assim como assumir que o município é o ente federativo mais importante
6
para a promoção da justiça social pode motivar a investigação sobre sua capacidade
em concretizá-la.
O modelo de “municipalismo autárquico” vigente, em que a forma de autonomia
se traduz em competição e provimento de suas responsabilidades de modo individual
(DANIEL, 1999; apud ABRUCIO; FRANZESE, 2007), não tem se mostrado
sustentável e condizente em relação às demandas societais e à consequente
necessidade de produzir soluções para problemas cada vez mais complexos e
multifacetados.
De um lado, por exemplo, assistimos a progressiva redução do potencial de
investimento dos entes e contínuo aumento da dependência dos repasses
suplementares da União. Esfera que, por sua vez, vem vivenciando, na área da
Saúde, um quadro de insuficiência orçamentária por dois anos consecutivos (2014 e
2015), enquanto na área de Educação tem-se realizado fortes cortes de gastos nas
verbas suplementares aos estados e municípios, restringindo a capacidade de os
sistemas subnacionais investirem em questões pedagógicas e estruturais, visto que o
FUNDEB das esferas subnacionais tem, basicamente, suprido tão somente a folha de
pagamento.
Contudo, esse olhar somente através da lupa econômica sobre um passado
recente é válido, mas simplista. Se contrapusermos o volume de recursos versus
resultados alcançados, na educação, por exemplo – e não diferentemente na saúde,
verificamos que a complementação de recursos da União para os demais entes
federados passou, num período de quatro anos (2006-2010), de 300 milhões para 7,6
bilhões (SINOPSE DE AÇOES DO MEC, 2010). Já em termos de alcance das metas
educacionais, não observamos a resposta esperada. Por esta razão análises
conjugadas se mostram mais contributivas.
Do lado do federalismo há uma dupla tratativa para a dimensão fiscal: enquanto
os economistas privilegiam essa dimensão, as ciências sociais desviam o olhar. Por
isso adotamos aqui uma abordagem sob a lógica das capacidades governativas,
entendida como ora constituídas (...) “pelas capacidades econômico-fiscais, ora pelas
7
capacidades político-institucionais prevalecentes nas esferas de governo” (NETO,
2014, p. 14).
Na perspectiva das capacidades político-institucionais, voltamos nosso olhar
para a evolução dessa transformação organizacional na estrutura federativa a partir
do comportamento dos empregos públicos nas diferentes esferas de governo no
período entre 1992 e 2007.
Emprego público entre 1992 – 2007 (em milhares)
Esfera 1992 1995 1999 2002 2007
Federal 1.477 1.443 1.440 1.247 1.565
Estadual 3.362 3.442 3.154 3.265 3.502
Municipal 2.666 2.858 3.228 4.101 5.205
Total 7.505 7.843 7.949 8.613 10.279
Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicilio (PNAD) – 1992, 1995, 1999, 2002 e 2007 – in Burocracia
e Ocupação (IPEA 2011 apud Mais Gestores Públicos 2016)
No período exposto, o número de empregos públicos nas esferas Federal e
Estadual manteve-se praticamente o mesmo, enquanto que na esfera municipal esse
número dobrou, representando em 2007 quase 50% do universo de empregos
públicos no país. Essa informação evidencia numericamente a transferência do
protagonismo da gestão pública das esferas Federal e Estadual para os municípios.
Todavia, a transferência de responsabilidades para os municípios não se deu
de forma equânime, considerando as especificidades dos diversos municípios que
conformam o território brasileiro. Segundo o documento Mais Gestores Públicos, isso
ocasionou um cenário em que “o rol de obrigações dos pequenos e médios
municípios2 e quase o mesmo dos grandes, entretanto, a disponibilidade de recursos
e a capacidade de operacionalização da máquina e desigual”(Mais Gestores Públicos,
2016) – muito baixa nos pequenos e médios municípios que, além de dependerem de
2 A divisão de faixas populacionais utilizadas se advém das empregadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) na Análise do Perfil e Evolução das Finanças dos Municípios Brasileiros (STN, 2008), utilizada aqui unicamente com a finalidade de parametrização do segmento populacional de municípios analisado. A primeira faixa definida pela STN e de municípios com menos de 50.000 habitantes, o que ela chama de pequenas e médias cidades.
8
transferências intergovernamentais como fonte de recursos financeiros por conta da
insuficiência da arrecadação através dos tributos próprios, ainda tem mínima a base
de um corpo técnico.
Olhar para questões de recursos humanos também significa ter claro se tratar
de tema estrutural e com retorno de médio e longo prazo. Segundo o IBGE 2014,
quando observamos a ocupação na administração direta, por vínculo empregatício e
escolaridade, nota-se que a média nacional é de 36,26% dos servidores públicos com
escolaridade equivalente ao ensino superior e pós-graduação. Empreender mudanças
sistêmicas com este quadro de recursos humanos tem seus limites.
Fonte: Quadro de pessoal ocupado na administração direta, por vínculo empregatício e escolaridade,
segundo as Grandes Regiões e as classes de tamanho da população dos municípios (IBGE, 2014)
2.1. O CONTEXTO DOS PEQUENOS E MÉDIOS MUNICÍPIOS A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DE DISPONIBILIDADE E DEMANDA
9
E possível considerar, para estabelecimento de métrica, a correlação entre a
existência de um corpo técnico qualificado em um determinado município e seu
impacto positivo no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal3 (IDH-M) dessa
municipalidade. Essa possibilidade advém da suposição de que esse corpo técnico
qualificado, atuando de forma efetiva no município, desenvolve de melhor forma a
gestão pública e a gestão das políticas públicas, alcançando resultados melhores no
que tange as dimensões observadas pelo IDH-M.
Dessa forma, com os números disponíveis do IDH-M, podemos observar que
dentre os municípios de até 50 mil habitantes a média do índice e de 0,652, enquanto
nos municípios maiores o índice salta para 0,714 (PNUD 2016 apud Mais Gestores
Públicos 2016). Do ponto de vista da correlação proposta, isso indica que a formação
de um corpo técnico qualificado e um problema mais latente aos pequenos e médios
municípios. A dificuldade de formação do corpo técnico qualificado e um problema
que, do ponto de vista desses municípios, pode ser observado a partir de duas
perspectivas distintas, de disponibilidade e de demanda.
De maneira geral, as pequenas e médias cidades encontram dificuldade em
estabelecer seus quadros técnicos por conta da indisponibilidade de profissionais
qualificados nessas localidades. Jovens em busca de melhores níveis de formação
tendem a migrar das pequenas e médias cidades para os grandes centros urbanos,
onde a disponibilidade de instrumentos, públicos ou privados, de educação são
maiores. Depois, dado que a economia mais dinâmica proporciona o pagamento de
salários maiores nesses grandes centros urbanos, esses indivíduos tendem a se
estabelecer de maneira permanente nesses locais.
Como evidencia o Censo de 2010, as cidades com menos de 50 mil habitantes
possuem em média 5% de pessoas com mais de 25 anos com ensino superior. Esse
número aumenta gradativamente conforme o porte do município. Em cidades com
3 O IDH-M e medida que contempla as perspectivas de longevidade, educação e renda, sintetizadas numa escala que varia de 0 a 1, classificada por faixas da seguinte maneira: 0,000 – 0,499, muito baixo; 0,500 – 0,599, baixo; 0,600 – 0,699, médio; 0,700 – 0,799, alto; 0,800 – 1,000, muito alto. Uma vez que o IDH-M contempla 3 perspectivas de análise, utilizá-lo como forma de seleção e uma maneira de simplificar sem perder a qualidade da análise proposta.
10
mais de 1 milhão de pessoas essa média salta para mais de 20% (IBGE 2011 apud
Mais Gestores Públicos).
Cabe atentar ainda que a atratividade do emprego público nos pequenos e
médios municípios também rivaliza com o emprego público nos entes Estadual e
Federal que, comparativamente, além de também pagarem maiores salários
(MARCONI, 2003), ainda contam com uma estrutura, plano de cargos e plano de
carreira que comumente inexistem nos pequenos e médios municípios.
Pela perspectiva da demanda, temos que o ingresso de profissionais em suas
organizações ocorre por spoil system e/ou concursos públicos (processo impessoal e
meritocratico). Spoil system e o privilégio da distribuição dos cargos públicos entre
membros de um grupo político, prevalecendo, portanto, indicações partidárias que,
muitas vezes, desconsideram o domínio técnico dos favorecidos. (LONGO, 2007).
Desta maneira, considerando que cargos de livre provimento (popularmente
conhecidos como “cargos de confiança) são os que possibilitam nomeação por
indicação do ocupante de cargo eletivo, e que esses cargos são exclusivos para
funções de chefia e/ou liderança, temos como resultado que posições estratégicas
para a gestão pública são ocupadas por indivíduos com pouca ou nenhuma
capacidade técnica, comprometendo a efetividade da gestão.
Sobre os concursos públicos, consideramos preliminarmente, como ja exposto,
que as prefeituras dos pequenos e médios municípios não contam com planos de
cargo e, muitas vezes, a inexistência mesmo da descrição dos cargos de sua
estrutura. Dessa maneira, torna-se impossível para a administração pública a
elaboração de um processo de seleção efetivo para o preenchimento desses cargos
e para que os mesmos tenham funcionalidade na dinâmica administrativa municipal.
Ademais, temos também que os escassos recursos financeiros dos pequenos e
médios municípios são fator crucial para que o próprio processo seletivo em si seja
falho e/ou inadequado na seleção de profissionais com conhecimento técnico
necessário para a atuação na administração pública.
Ainda tratando da perspectiva da demanda, podemos considerar também a
dimensão da capacitação e treinamento dos servidores das pequenas e médias
11
prefeituras. Como afirmam ABRUCIO e GAETANI (2005 e 2008), “os ganhos
produzidos pela modernização administrativa são difusos e de longo prazo”, dessa
forma, esses processos “costumam ser caracterizados por baixíssimo apelo eleitoral
e baixo status político”, o que faz com que os prefeitos dessas municipalidades, diante
da limitada disponibilidade de recursos financeiros, optem por ignorar o investimento
no desenvolvimento profissional dos servidores.
3. O DESENVOLVIMENTO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DO CAMPO DE PUBLICAS
Dada a caracterização do cenário da profissionalização do quadro técnico e os
desafios atuais da gestão pública municipal, o presente artigo aborda um contexto
específico de análise e proposição que requer também revisarmos brevemente a
história da formação acadêmica de ensino superior, atualmente conhecido como
Campo de Públicas.
Para tal, Coelho e Nicolini (2013) propõe uma periodização da história do
ensino de graduação em Administração Pública no Brasil para o período de 1952 a
1994. O primeiro ciclo ocorre entre os anos de 1952 e 1965, no qual ocorre a
“irradiação do ensino de graduação em Administração Pública no Brasil”, favorecido
pela assistência técnica norte-americana e em um contexto de forte atuação estatal
para o desenvolvimento tanto econômico quanto social. O primeiro curso surge na
Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (EBAP-FGV)
no Rio de Janeiro. Mas já em meados dos anos 60 alcança dois terços dos 31 cursos
de Administração do pais, criando uma identidade coletiva para a formação para a
burocracia estatal.
O segundo ciclo, de 1966 a 1982, retrata o auge do ensino de graduação com
o reconhecimento pelo Ministério da Educação (MEC) e a regulamentação da
profissão, além da ampliação de vagas e ajustes dos currículos. Contudo, no contexto
histórico do milagre econômico que culmina nos anos 70 e do fortalecimento da ideia
de Estado mínimo, inicia-se o crescimento vertiginoso do ensino de Administração de
Empresas e a retração do ensino de Administração Pública. De tal modo que,
12
Administração passa a ser sinônimo de Administração de Empresas e o mimetismo
das teorias, técnicas e ferramentas da gestão empresarial para a gestão pública torna-
se a visão predominante no desenho de soluções para os problemas público-estatais.
Um novo ciclo inicia-se em 1983, a partir do encerramento do pioneiro curso da
EBAP-FGV em 1982. Denominada pelos autores como “letargia ao realento do ensino
de Administração Pública”, tal momento começa gradualmente a se reverter com a
Constituição Federal de 1988, na qual se redefine a atuação do Estado e cria-se os
cursos de graduação nas Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Escola de
Governo na Fundação João Pinheiro (EG-FJP) nos anos de 1989 e 1994,
respectivamente.
Dando continuidade à linha do tempo, o artigo Dossiê - Campo de Públicas no
Brasil: definição, movimento constitutivo e desafios atuais (PIRES et al., 2014), resulta
da reflexão do surgimento e extraordinário avanço do Campo de Públicas a partir do
ano de 2002 até o presente momento, divididos em cinco períodos. No ano de 2002,
ocorreram dois eventos constitutivos do Campo de Públicas. No primeiro evento, o II
Encontro Nacional sobre Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em
Administração, foi proposta a discordância de manutenção da equiparação dos cursos
de Administração Pública aos de Administração de Empresas. O Outro evento foi o I
Encontro Nacional dos Estudantes de Administração Pública (Eneap), que pela
primeira vez juntou cerca de 150 estudantes de várias instituições em um único
evento. Quatro anos depois da distinção entre os bacharelados de Administração e
Administração Pública pelo MEC, juntamente ao cenário de expansão das
universidades públicas, novos cursos começam a surgir, como o de Administração
Pública no Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas da Universidade
Estadual de Santa Catarina (Esag-Udesc) e o de Gestão de Políticas Pública da
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-
USP), nos anos de 2004 e 2005, respectivamente. Vale salientar que este é o primeiro
curso interdisciplinar em gestão/políticas pública (s) e/ou social.
O segundo período, de 2006 a 2009, marca o nascimento do Campo de
Públicas, cujos marcos estão ligados a continuidade ininterrupta do Eneap, que em
2007 oficializa a criação do Federação Nacional dos Estudantes de Administração
13
Pública (Feneap) e do Fórum dos Coordenadores dos Cursos de Administração
Pública. Em consequência da expansão do movimento os nomes foram
posteriormente alterados para Federação Nacional dos Estudantes dos Cursos do
Campo de Públicas (Feneap) e Fórum de Professores e Coordenadores dos Cursos
do Campo de Públicas (FP3CP) nos anos de 2013 e 2011, respectivamente. O
documento que iniciou esta guinada para uma identidade mais ampla que
Administração Pública foi a denominada Carta de Balneário Camboriú, elaborada
durante o IX Eneap pelo IV Fórum de Coordenadores. Nela são exploradas as
fronteiras epistemológicas dos cursos do Campo de Públicas, ampliando “a demanda
por diretrizes próprias, não só para a AP, mas para os cursos da área de Públicas que
formam profissionais que atuarão na esfera pública, dada a interdisciplinaridade,
amplitude e complexidade do campo” (VENDRAMINI, 2013:81 apud PIRES et al.,
2014:114). A partir deste momento, o movimento do Campo de Públicas passa a atuar
de forma mais coesa junto às instâncias reguladoras da Educação Superior, como o
CNE e o MEC.
O terceiro período, que compreende o ano de 2010 até novembro de 2013, é
marcado pelo crescimento do Campo de Públicas e a ameaça de retrocesso visto a
batalha travada com o Conselho Federal de Administração (CFA) e a Associação
Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Angrad) para a aprovação das
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) próprias. Em outubro de 2013, ocorre a
oficialização do reconhecimento do Campo de Públicas como uma área de
conhecimento autônoma e diferenciada na organização do ensino de graduação. Dois
meses depois, o MEC homologou e o CNE instituiu as DCN de Administração Pública,
englobando os cursos do Campo de Públicas. Com o reconhecimento das instâncias
reguladoras da Educação Superior, o quarto e atual período caracteriza-se pela busca
da consolidação do Campo e seu reconhecimento no âmbito do sistema de avaliação
educacional. Como também de respeitabilidade acadêmico-profissional como área
autônoma, caracterizada por uma multidisciplinaridade que inclui diversas áreas do
conhecimento.
Diante disso, os atores e documentos que o balizam define que o Campo de
Públicas é:
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“uma expressão utilizada por professores, pesquisadores, estudantes, egressos-profissionais e dirigentes de cursos de Administração Pública, Gestão de Políticas Públicas, Gestão Pública, Gestão Social e Políticas Públicas, de universidades brasileiras, para designar, essencialmente, um campo multidisciplinar de ensino, pesquisa e fazeres técnico-políticos, no âmbito das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas, que se volta para assuntos, temas, problemas e questões de interesse público, de bem-estar coletivo e de políticas públicas inclusivas, em uma renovada perspectiva republicana ao encarar as ações governamentais, dos movimentos da sociedade civil organizada e das interações entre governo e sociedade, na busca do desenvolvimento socioeconômico sustentável, em contexto de aprofundamento da democracia” (PIRES et al., 2014:112).
Durante o I Fórum do Campo de Públicas, realizado no XIV ENEAP em
setembro de 2015, professores, egressos e estudantes discutiram o crescimento
destes cursos de graduação – bacharelado e tecnológicos –, demonstrados pelo
Censo da Educação Superior de 2013 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Foram mapeados 184 cursos, sendo 40,22% de
bacharelados e 58,15% de tecnológicos (em 1,63% essa classificação foi inaplicável).
Estes cursos estão espalhados em 88 municípios por todo o território brasileiro. Como
vimos aqui, o surgimento de novos cursos no Campo de Públicas é um fenômeno
recente – 94 deles entre 2010 e 2013 -, o que denota um período de amadurecimento
e construção dos pilares. De tal forma que, “a disseminação de projetos de imersão
na realidade da gestão pública, particularmente a municipal, já encontra um ambiente
profícuo de experimentação e enriquecimento, tanto da Universidade – seja dos
alunos, dos professores e do curso, de uma forma geral – quanto do Município,
enquanto ente federativo mais fragilizado na qualidade da gestão da res pública e
locus da realidade e da dinâmica social. ” (COELHO et al.in SILVA, 2015:218).
4. O TRAINEE MUNICIPAL COMO UM CAMINHO PARA PROFISSIONALIZAÇÃO DO QUADRO TÉCNICO DAS PREFEITURAS
4.1. CONCEITOS
Diante de recorrentes casos de interpretação inadequada acerca da figura do
trainee e estagiário, frequentemente usadas como sinônimos, a despeito das
distinções práticas e legais existentes entre elas, cabe pequena separação. Tanto um
programa de estágio quanto de trainee busca proporcionar a prática ou educação
15
aplicadas em um campo da carreira, mais especificamente o campo de públicas no
âmbito desta discussão.
A legislação trabalhista entende que um estagiário não pode deslocar um
funcionário regular e deve ser supervisionado de perto pela equipe, além de haver
previsão de correlação entre quantidade de profissionais graduados e qualificados e
a quantidade de estagiários que uma organização pode ter. Já um trainee é aquele
treinado com a perspectiva de uma ocupação efetiva como funcionário, porém já
reconhecido como profissional qualificado.
4.2. PROJETOS DE IMERSÃO NA GESTÃO PÚBLICA
Antes de discutirmos as possibilidades e obstáculos do uso do trainee como
tecnologia social para inserção dos alunos do Campo de Públicas na gestão pública
municipal, faz-se necessário apresentar, mesmo que de forma sucinta, os projetos já
existentes de imersão na gestão pública, com ênfase local.
O primeiro e mais antigo deles é o Projeto Rondon, com sua primeira operação
realizada em 1967 e extinto em 1989. Em 2005, foi relançado após uma reestruturação
conceitual e sob a coordenação do Ministério da Defesa, que o descreve como um
projeto direcionado para a “(...) integração social que envolve a participação voluntária
de estudantes universitários na busca de soluções que contribuam para o
desenvolvimento sustentável de comunidades carentes e ampliem o bem-estar da
população” 4 . Os objetivos estabelecidos são: (a) contribuir para a formação do
universitário como cidadão; (b) integrar o universitário ao processo de
desenvolvimento nacional, por meio de ações participativas sobre a realidade do País;
(c) consolidar no universitário brasileiro o sentido de responsabilidade social, coletiva,
em prol da cidadania e; (d) estimular no universitário a produção de projetos coletivos
locais, em parceria com as comunidades assistidas. Vale destacar que as áreas
prioritárias de atuação são do Projeto Rondon são aquelas com maiores índices de
4Informações retiradas do sítio eletrônico http://projetorondon.pagina-oficial.com. Consulta em 01 de maio de 2016.
16
pobreza e exclusão social, assim como áreas isoladas do território nacional, em sua
maioria nas regiões norte e nordeste do país.
Realizado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV), o Projeto Conexão Local foi criado em 2005
com o apoio e participação deu seus centros de estudo e linhas de pesquisa e visa
“estimular o envolvimento de estudantes de graduação da GV com experiências
inovadoras de gestão social e de desenvolvimento econômico local, com foco nas
áreas de políticas públicas, combate à pobreza e promoção da cidadania” 5 . Há
participação massiva dos graduandos em Administração Pública da EAESP-FGV,
fortalecida desde 2010 com a participação da Universidade Estadual do Vale do
Acaraú (UVA), localizada no Ceará, e da Escola de Governo da Fundação João
Pinheiro (EG-FJP), de Minas Gerais.
A terceira experiência relatada é o Mais Gestores Públicos, proposta surgida
de uma intensa mobilização de alunos e profissionais e elaborada pelas novas
instituições oriundas do Movimento do Campo de Públicas, a saber: o Comitê Nacional
dos Egressos do Campo de Públicas, a Federação Nacional do Estudantes dos
Cursos do Campo de Públicas (Feneap) e a Associação Nacional de Ensino e
Pesquisa do Campo de Publicas (ANEPCP). Desenvolvida especificamente para o
portal Dialoga Brasil, de responsabilidade do Governo Federal, foi a proposta mais
votada no sub-eixo de educação superior com a seguinte estrutura: “Expandir o
conceito de residência do campo da saúde para outros setores, criando pós-
graduações em áreas de gestão pública para melhoria dos serviços públicos em
prefeituras de médio e pequeno porte” 6 . Em seu projeto executivo, seu objetivo
principal é “o aumento da capacidade institucional das prefeituras brasileiras e
execução de políticas públicas, principalmente daquelas situadas em municípios com
os mais baixos indicadores socioeconômicos” (MAIS GESTORES, 2015:10).
5Informações retiradas do sítio eletrônico http://gvpesquisa.fgv.br/projeto-conexao-local. Consulta em 01 de maio de 2016. 6 Informações retiradas do sítio eletrônico http://dialoga.gov.br/#/programas/103644. Consulta em 01 de maio de 2016.
17
Este projeto diferencia-se dos apresentados aqui tanto na perspectiva de
duração quanto de profundidade, logicamente, esta como consequência da primeira.
Em relação à duração, o projeto divide-se em cinco fases: Seleção e Recrutamento
(2 meses), Treinamento (3 meses), Alocação e Diagnóstico (2 meses), Elaboração de
Planos e Pactos (1 mês) e Desenvolvimento de Atividades (1 ano e 6 meses). Em
relação à profundidade, possui áreas de atuação e prospecto de atividades a serem
desenvolvidas de caráter obrigatório e optativo. São obrigatórias as áreas de gestão
de finanças, planejamento, transparência e demais áreas-meio correlatas. As áreas-
fim são optativas, educação, saúde, assistência social, desenvolvimento urbano,
Cultura, segurança Alimentar e desenvolvimento agrário.
A quarta experiência de imersão na gestão pública apresentada aqui é o
Programa Trainee de Gestão Pública, desenvolvido pela Vetor Brasil a partir de 2014.
Assim como o Projeto Rondon, neste caso o público-alvo não se restringe aos
egressos do Campo de Públicas, “o Programa Trainee de Gestão Pública do Vetor
Brasil não busca pessoas com qualificações específicas em administração pública.
Busca pessoas com grande capacidade analítica no entendimento e resolução de
problemas e com engajamento para fazer a diferença na área pública”7. Os trainees
são recrutados via processo seletivo e atuam em estados e municípios, que
estabelecem parceria com a organização. Nas informações disponibilizadas sobre o
programa a maior parte atuam em governos estaduais. Como colocado acima, o
objetivo é desempenharem funções analíticas e de gestão de projetos, exemplificada
em atividades como: i) realizar análises de desempenho e benchmarks, ii) identificar
problemas e suas causas-raízes, iii) discutir soluções para os problemas encontrados
e iv) gerenciar a implementação das soluções aprovadas pelo governo. A organização
sugere que o tempo de duração da vivência se adeque ao tempo de duração do
projeto no qual o trainee é alocado, variando assim de um a dois anos.
7 Informações retiradas do sítio eletrônico http://www.vetorbrasil.com. Consulta em 01 de maio
de 2016.
18
A última experiência a ser relatada inspirou e orientou a construção do presente
trabalho. Consiste na junção de três projetos, Prefeitos Paulista, Unicidade e Trainee
Municipal. O Prefeitos Paulistas trata-se de um projeto de extensão originado no curso
de graduação em Administração Pública da Universidade Estadual de São Paulo
(UNESP) pelo Prof. Dr. Valdemir Pires em 2009 e posteriormente estendido para os
cursos de graduação em Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP e da FCA-
UNICAMP. O projeto consiste na realização de entrevistas em auditórios dos espaços
da Universidade com prefeitos de pequenos municípios de São Paulo para a
comunidade acadêmica interessada, permitindo assim que os participantes possam
conhecer o perfil pessoal de diferentes chefes do executivo municipal.
Neste momento, prospecta-se a viabilidade de realização do segundo projeto,
o Unicidade. Desenvolvido pelo Prof. Dr. Fernando Coelho e realizado pela primeira
vez em 2012 como atividade de extensão e cultura universitária, torna-se, a partir do
ano seguinte, disciplina optativa de imersão no curso de graduação em Gestão de
Políticas Públicas da EACH-USP. A partir de demandas específicas estabelecidas em
diálogo com o prefeito, durante o período de uma semana, os alunos, orientados por
docentes, dividem-se em equipes para realizar assistência técnica ao município. Em
publicação sobre esta experiência, aponta-se que “com a atividade de imersão, os
alunos ganham a experiência prática do cotidiano da gestão pública local e as cidades
recebem a contribuição de diagnósticos setoriais ou temáticos, como a elaboração de
planos municipais in loco” (COELHO et al.in SILVA, 2015:219).
O mesmo docente, com a colaboração de formandos e egressos do curso,
Rafael Prado, Renato Eliseu e Thiago Juremeira, propuseram um modelo de inserção
de graduados e formandos em cursos de Gestão Pública em cargos de comissão em
municípios de médio e pequeno portes, através de um programa de trainee em órgãos
públicos.
4.3. PEQUENOS E MÉDIOS MUNICÍPIOS COMO JANELA DE OPORTUNIDADES PARA INSERÇÃO DE TRAINEES
19
A primeira parte deste artigo demonstrou um quadro de necessidades das
gestões municipais frente ao quadro de profissionalização versus a demanda de
soluções complexas, cujo cenário é agravado naqueles de pequeno e médio porte.
Por outro lado, o ano de 2016 é caracterizado pelo cenário eleitoral,
particularmente propício para a abertura de discussões como esta, mas
principalmente por ser um pleito dos mais adversos dos últimos anos, no qual
deveremos ter um número recorde de prefeitos candidatos à reeleição, como
consequência da crise política e pressão social por renovação dos quadros dirigentes
da res pública. Segundo muitos cientistas políticos têm afirmado, dentre eles Eduardo
Raposo da PUC-Rio, em entrevista para a Agência o Globo,
"Esse cenário que temos colocado para 2016 é muito pouco favorável a reeleições. Essa dificuldade generalizada mostra que a insatisfação é geral e que eles [os prefeitos], por estarem no poder, vão carregar o ônus de serem situação. Uma das maiores reclamações da população, que ficaram evidentes nos protestos de 2013, é a insatisfação com os serviços públicos. Os prefeitos são os titulares do poder mais próximos do povo. Existe um acúmulo extraordinário de insatisfação, e isso vai desembocar em 2016.8
De maneira geral, isso se dá devido a necessidade de gerir esta nova gama de
políticas e, principalmente, pela crescente demanda da sociedade por maior eficácia
na gestão de projetos sociais e políticas públicas.
Em verdade, a capacidade de gestão destes municípios apenas pode ser
otimizada a partir do momento que se tem a visão do município como um grande
sistema. Neste aspecto, revela-se uma grande dificuldade destas estruturas em
entender sistema como um conjunto de fatores ancorados em aspectos sociais,
políticos e econômicos. A presença de projetos que tratam individualmente cada uma
destas partes, inviabilizam uma solução efetiva.
A provisão de soluções através da elaboração de novas políticas deve partir do
pressuposto que a sociedade é uma rede sistêmica, alavancando a necessidade de
profissionais com a capacidade de lidar com problemas neste nível de abstração.
Desta forma, a inserção dos Trainnes como profissionais responsáveis por este
8http://www.valor.com.br/politica/4325770/eleicao-de-2016
20
diálogo para a provisão de soluções efetivas gera uma necessidade que pode ser
satisfeita frente a implantação desta solução.
Enfrentar esta discussão, buscar inovar na gestão de recursos com vistas a
melhoria da qualidade dos serviços públicos ofertados, se configura em pauta
proeminente e coerente com os anseios societais.
Outro ponto que recebe destaque, diz respeito a disponibilidade de receita para
investimentos em novas políticas. De maneira geral, principalmente os pequenos
municípios, enfrentam dificuldades no que se refere a gestão orçamentária e
disponibilidade de recursos para a promoção de políticas sociais. Neste aspecto, por
possuir conhecimentos em finanças e contabilidade, o Trainee pode auxiliar no
desenho de uma melhor gestão orçamentária – porém, este não é o ponto a ser
discutido. O governo federal, bem como fundações estatais ou não, abrem
anualmente diversos editais para financiamento de projetos em setores correlatos a
sustentabilidade, cultura e inclusão. Entrevista com prefeitos revela que o grande
problema não está no fato de se ter recursos limitados para a elaboração de políticas
públicas, grande parte dos municípios compartilha esta mesma situação – mas sim, a
ausência de profissionais que saibam elaborar projetos para a captação de recursos.
Este ponto é crucial, pois revela a baixa capacidade de se elaborar bons
projetos para a captação de recursos. Geralmente, ou os projetos não são aprovados,
ou sequer são submetidos uma vez que não se tem profissionais com o know-how
necessário para traduzir a necessidade da sociedade em um projeto formal. Em
verdade, esta é a situação, hoje, de algumas dezenas de municípios apenas no
Estado de São Paulo. No Brasil, há centenas – que talvez ultrapasse a casa dos
milhares.
Para tanto, a presença destes Trainees, visa também auxiliar no
desenvolvimento de projetos cujo foco seja a captação de recursos - ampliando, desta
forma, o potencial destes municípios em relação ao capital disponível para o
investimento em educação, saúde, cultura e infraestrutura.
21
4.4. INSERÇÃO DE TRAINEES NO SETOR PÚBLICO NA PERSPECTIVA DE UMA PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO DE CAPACIDADES
Considerando essa descrição das competências necessárias para avançarmos
na profissionalização da gestão pública municipal, entendemos ser necessário
extrapolar a ideia de que liderança é sinônimo de cargo ou autoridade. Cremos que a
demanda por formação de líderes se dá desde a camada média da burocracia, além
de que se faz necessário romper com as percepções que meramente transportam
conceitos de modelos business de liderança para o setor público. Diante disso,
também comungamos do Campo de Públicas ao ter claro que a formação destes
atores deve ser pautada pela formação técnico-política, mas principalmente por
princípios. Sendo eles:
Pessoas: desenvolvimento que implique em melhoria da vida dos indivíduos e o fortalecimento de suas liberdades, influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras.
Ética e Transparência: todos os atores (indivíduos e instituições) com os quais nos relacionamos são tratamos igualmente, com respeito e verdade, mesmo em situações de conflito.
Corresponsabilidade e Colaboração: nossos atos têm consequências, por isso somos todos responsáveis pela sociedade que gerimos. Juntos somos mais fortes.
Inovação Catalítica: mudança do status quo a partir da geração de bens ou serviços públicos que criam novas práticas e modelos que desestabilizam os dominantes, de forma simples, eficiente, e capaz de atender públicos sem acesso anteriormente.
Foco em resultados: a certeza de que não há nada mais impróprio para as administrações públicas do que fazer com eficiência o que simplesmente não precisa ser feito. Resultados somente são efetivos em função do equilíbrio de capacidade e poder entre as três esferas, e/ou a partir de parcerias e alianças na provisão de serviços de relevância social.
4.5. ESTRUTURA E MODELO DE IMPLANTAÇÃO
A fundamentação teórica deste artigo tem como produto o modelo instrumental
do projeto para sua implementação em PMM’s. Neste contexto, o modelo de
implantação do projeto está estruturado em oito marcos principais que correspondem,
respectivamente: (i) a escolha de um pool de prefeituras interessadas em implantar o
22
projeto; (ii) lançamento do Edital de inscrição; (iii) Recrutamento e Seleção dos
Trainees; (iv) Treinamento e Desenvolvimento dos selecionados; (v) Imersão; (vi)
Inserção profissional do Trainee em um cargo de livre-provimento; (vii) e, por fim, (viii)
avaliação dos resultados do projeto.
Esta estrutura visa organizar o projeto através de uma metodologia que
possibilite sua implantação em diferentes realidades. Este escopo de projeto, tem
como objetivo servir como base tanto para o projeto piloto quanto para futuras
implementações em sua estrutura instrumental.
Em primeira instancia, a escolha de um pool de prefeituras interessadas visa
identificar municípios que buscam otimizar seus processos além de capacitar seu
quadro de profissionais. O resultado direto da incorporação deste escopo de projeto
em sua estrutura diz respeito à garantia de uma maior burocracia técnica, bem como
visão sistêmica para gerir projetos e políticas públicas. A escolha deste pool de
prefeituras será realizada com o apoio dos órgãos parceiros do projeto, estando
circunscrita à seleção a municípios com até 100 mil habitantes.
A atribuição destes critérios visa garantir que o futuro trainee, poderá –
efetivamente – contribuir com novas ideias e auxiliar no desenvolvimento de novos
projetos. Municípios fora deste critério ficará de fora, pois presume-se que já possuem
uma estrutura técnico-política formada e que, a realidade de seus problemas, insere-
se em outro conjunto de fatores.
O lançamento do Edital de Inscrição, tem por objetivo oficializar, legitimar e
tornar público o lançamento do projeto. A partir dele são definidos os critérios para
que as partes interessadas possam se inscrever em seu processo seletivos. Além
disso, divulga-se os prazos, cronograma de atividades, breve resumo do programa,
prefeituras participantes e demais informações que se julguem necessárias. Outro
aspecto importante, refere-se a análise quantitativa do número de jovens inscritos no
programa. De maneira geral, este tipo de análise possibilita traçar estimativas entre a
oferta de vagas x demanda dos interessados, que em resumo revela a necessidade
de possíveis ajustes para futuras edições do projeto.
23
A etapa de Recrutamento & Seleção (R&S) tem por objetivo identificar jovens
com perfil empreendedor, visão sistêmica, foco em resultados, facilidade de
adaptação e espírito inovador. Para tanto, em primeiro momento, prevê-se uma
triagem de currículos que visa conhecer sobre a trajetória profissional/acadêmica de
cada candidato. É importante ressaltar que, a triagem dos currículos não possui
caráter eliminatório, pois, acredita-se o potencial destes jovens profissionais pode ir
muito além do que está expresso em seus currículos. A comprovação de suas
habilidades interpessoais, capacidade de liderança e trabalho em equipe será
analisada através de dinâmicas de grupo e, posteriormente, a entrevista com o Corpo
Diretor do Projeto que irá analisar um conjunto de outras características em favor de
identificar os jovens com perfil mais adequado à necessidade das prefeituras
selecionadas.
Antes de serem alocados nas prefeituras, os Trainees classificados passarão
pela etapa de Treinamento e Desenvolvimento (T&D). De modo geral, o
Desenvolvimento representa um conjunto de atividades que objetiva explorar o
potencial de aprendizagem e a capacidade produtiva dos selecionados, visando
mudanças de comportamentais bem como a aquisição de novas habilidades e
conhecimentos. O Treinamento, por sua vez, visa o aperfeiçoamento do desempenho,
aumento da produtividade e das relações interpessoais. Para isso, prepara o potencial
de cada indivíduo frente as inovações tecnológicas e as constantes mudanças que
estes profissionais terão que enfrentar. Desta forma, esta etapa tem como objetivo
preparar os selecionados frente aos possíveis problemas que serão enfrentados ao
longo de sua vida profissional, e dar a eles ferramentas para que seja possível resolver
estes problemas de forma eficaz. Tais competências serão adquiridas através de
treinamentos e workshops especializados sobre gestão pública; simulação, análise e
resolução de problemas sobre cases reais da esfera pública; bem como contato com
os prefeitos e assessores das prefeituras selecionadas.
Assim que todos os Trainnes finalizarem o período de T&D, estes serão
alocados nas devidas prefeituras com uma bolsa-auxílio compatível com o mercado
além de auxílio moradia, transporte e alimentação custeados pelos fundos do projeto
em conjunto com a prefeitura contratante. Neste momento inicia-se a fase de Imersão
24
dos Trainees, onde estes terão a oportunidade de aplicar os conhecimentos e técnicas
adquiridas através da fase de T&D em projetos e vivencias reais frente às
necessidades da sociedade e estrutura organizacional da prefeitura como um todo.
A primeira fase da etapa de Imersão se dá através da elaboração de um projeto
que visa trabalhar em cima de uma determinada necessidade da sociedade. O
problema em questão será definido com o auxílio da prefeitura e representantes da
comunidade local. Para o desenvolvimento deste projeto, o Trainee irá ser
responsável por uma equipe composta por graduandos em cursos de nível superior
em diferentes áreas de conhecimento, em favor de garantir a interdisciplinaridade de
conhecimento. Os membros desta equipe serão selecionados pelo próprio Trainee,
em favor do desenvolvimento de suas habilidades gerenciais bem como visão
sistêmica para a resolução problemas. Para os graduandos interessados e
selecionados, o projeto será interpretado como atividade de extensão universitária
com reconhecimento das atividades prestadas.
De maneira geral, esta primeira etapa está intimamente ligada ao conceito de
learning by doing, em que o Trainee vivencia experiências reais dentro da gestão
pública podendo auxiliar prefeitos e secretários no desenvolvimento de novos projetos
bem como tomadas de decisão. O retorno esperado através desta prática de Imersão
corrobora para uma maior aproximação entre Trainee e sociedade, além de promover
a extensão universitária e contribuir para o desenvolvimento da sociedade como um
todo. Estas vivências são de suma importância para que o Trainee possa adquirir a
maturidade necessária no exercício direto de atribuições técnico-políticas.
Assim que o Trainee completar este primeiro desafio, o processo de Imersão
assume uma nova característica que corresponde a vivencia deste profissional em
cada setor da prefeitura. No setor privado esta atividade é conhecida como job-
rotation, cujo objetivo é consolidar uma visão integrada dos processos bem como
expandir o capital social do profissional conhecendo os principais responsáveis por
cada uma das áreas.
Finalizado o processo de Imersão, espera-se que o Trainee possa ser
contratado pela prefeitura e alocado em um cargo de livre-provimento. Para além da
25
contratação do Trainee – o programa visa demonstrar para estas prefeituras que a
presença deste profissional gera grande diferencial na gestão das políticas e projetos
locais. A contratação deste profissional deve ocorrer mediante a este reconhecimento.
A missão deste projeto não termina com a contratação do Trainee. Pelo
contrário, há de se garantir que o sucesso de suas atividades possa perpetuar ao
longo de sua contratação como assessor técnico-político. Para tanto, este profissional
será acompanhado por um ano através do programa de coaching do projeto, que visa
garantir continuidade de desenvolvimento bem como feedback de seu crescimento ao
longo de sua trajetória profissional.
Por fim, a avaliação do projeto tem como objetivo desenvolver um banco de
dados que analise os sucessos e pontos a melhorar do programa para que este possa
ser aperfeiçoado de maneira contínua. Além disso, tem por objetivo analisar o retorno
para a sociedade como um todo frente aos conceitos de inovação e tecnologia social
– comprovando, empiricamente, que as atividades do projeto são fatores de
resultados efetivos no que se refere a articulação sociedade-município, sociedade-
universidade e universidade-poder público. O processo de avaliação também prevê a
elaboração de mecanismos que garantam a manutenção e continuidade de políticas
e projetos de sucesso bem como sua replicação em diferentes realidades.
Em uma perspectiva mais ampla, de um programa de construção de
capacidades, poderíamos pensar em agrupar algumas frentes que conformam um
longo ciclo de formação de recursos humanos conforme demonstra a figura abaixo:
Fonte: elaboração própria
26
Neste cenário, o processo poderia ser modulado e em função da maturidade
local, bem como das necessidades do município. O estágio poderia ser a porta de
entrada no programa, com foco no desenvolvimento pessoal, finalização da
graduação e preparação para um processo seletivo de trainees mais complexo e
seletivo, que prioriza a excelência daqueles que formamos ao invés de escala.
Todas as etapas de progressão estariam vinculadas a proposição e
desenvolvimento de projetos e baseadas em modernas técnicas de (Design Thinking,
Gov Jam, e correlatos), assumindo na etapa do trainee não mais um olhar sobre o seu
desenvolvimento próprio, mas principalmente dele sob a perspectiva da construção
de capacidades governativas no município. Nesta perspectiva ampliada, a articulação
com as universidades se faz ainda mais necessária, podendo transformar a etapa de
formação do trainee em estrutura de especialização semipresencial, que o dará dupla
oportunidade: ampliação de titulação e aumento de potencial de empregabilidade a
partir da vivência da gestão, ao passo que permite a criação de alternativas de
sustentação do modelo no tempo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a perspectiva exposta, este artigo buscou discutir parâmetros
para um programa de trainee cujo objetivo é promover a diminuição de assimetria de
informações entre os órgãos públicos (e os mandatários políticos) dos médios e
pequenos municípios em relação aos formandos e recém-graduados em cursos
superiores de gestão pública (e correlatos) propondo um processo de inserção
profissional que incorpore (e legitime) a figura desses indivíduos como assessores
técnico-políticos de prefeituras.
De maneira geral, buscou-se apresentar condições para constituição de um
programa de trainee para o setor público municipal que: (i) identifique jovens
tecnicamente competentes a partir de um processo seletivo focado no Campo de
Públicas; (ii) garanta um programa de treinamento e desenvolvimento técnico-
comportamental; (iii) aloque estes jovens em programas de imersão (estágio
probatório) ofertados por um pool de prefeituras; e, por fim, (iv) espera-se que ao
27
término desta experiência, esses jovens possam – potencialmente – ser contratados
em cargos de livre-provimento com o objetivo de refinar o potencial técnico-político
destas prefeituras e, a partir da efetiva gestão de suas políticas, propiciar
desenvolvimento social em escala.
Para tanto, é de suma importância a observação de mecanismos que
conformem um sistema de contratação pautado pela impessoalidade, transparência,
sustentabilidade e interesse público. Defendemos aqui mais do que um programa de
trainee que olha para apenas para os tão importantes jovens, mas também a
conformação de um sistema de construção de capacidade estatal com foco em
recursos humanos e fortalecimento da carreira pública.
28
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