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TRABALHO DOCENTE COM USO DE TECNOLOGIAS: QUESTÕES EMERGENTES Os programas oficiais para integração de tecnologias na educação e a expansão da oferta de cursos a distância, indica a necessidade de investigação que ofereça elementos para compreender o possível estabelecimento de uma outra lógica para o trabalho docente com uso de tecnologias digitais. Este painel se propõe a levantar questões emergentes de pesquisas dedicadas a esta ampla temática, que será tratada segundo diferentes abordagens. O primeiro trabalho, fruto de pesquisa empírica com professores da educação básica do estado de Goiás, investiga as relações entre os percursos de formação, a construção das aprendizagens profissionais dos professores e a transformação progressiva de suas práticas e de suas representações. Com base no materialismo histórico-dialético (MARX, 2003; VÁZQUEZ, 2011), adota a contradição e a práxis como categorias para analisar a emergência de uma racionalidade docente quanto ao uso de tecnologias na educação. O segundo, apresenta resultados de pesquisas sobre a docência virtual, as quais analisam a base de conhecimento docente para a EaD e a aprendizagem da docência virtual. Toma como referência Tardif (2012) e Shulman (1986, 2005) no que diz respeito à base de conhecimentos necessária à prática docente e Mishra e Koehler (2006), para caracterizar os saberes construídos pelos professores em suas experiências como docentes em cursos mediados pelas tecnologias digitais. Identifica tendências e convergências na produção acadêmica sobre o tema, indicando que houve uma ampliação dos saberes constituintes da base de conhecimento a partir da experiência na docência virtual. O terceiro trabalho problematiza a formação continuada de professores em um contexto de uma suposta cultura digital. Analisa uma experiência de formação continuada de professores indígenas na rede social Facebook, utilizando a netnografia como procedimento metodológico (KOZINETS, 1998). Este estudo aponta que os modos de usar as tecnologias é que atribuem sentido às tecnologias nas práticas docentes. Palavras-chave: Tecnologias E Educação, Educação A Distância, Trabalho Docente XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 4398 ISSN 2177-336X

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TRABALHO DOCENTE COM USO DE TECNOLOGIAS: QUESTÕES

EMERGENTES

Os programas oficiais para integração de tecnologias na educação e a expansão da

oferta de cursos a distância, indica a necessidade de investigação que ofereça elementos

para compreender o possível estabelecimento de uma outra lógica para o trabalho

docente com uso de tecnologias digitais. Este painel se propõe a levantar questões

emergentes de pesquisas dedicadas a esta ampla temática, que será tratada segundo

diferentes abordagens. O primeiro trabalho, fruto de pesquisa empírica com professores

da educação básica do estado de Goiás, investiga as relações entre os percursos de

formação, a construção das aprendizagens profissionais dos professores e a

transformação progressiva de suas práticas e de suas representações. Com base no materialismo histórico-dialético (MARX, 2003; VÁZQUEZ, 2011), adota a contradição e a

práxis como categorias para analisar a emergência de uma racionalidade docente quanto ao

uso de tecnologias na educação. O segundo, apresenta resultados de pesquisas sobre a

docência virtual, as quais analisam a base de conhecimento docente para a EaD e a

aprendizagem da docência virtual. Toma como referência Tardif (2012) e Shulman (1986,

2005) no que diz respeito à base de conhecimentos necessária à prática docente e Mishra e

Koehler (2006), para caracterizar os saberes construídos pelos professores em suas

experiências como docentes em cursos mediados pelas tecnologias digitais. Identifica

tendências e convergências na produção acadêmica sobre o tema, indicando que houve uma

ampliação dos saberes constituintes da base de conhecimento a partir da experiência na

docência virtual. O terceiro trabalho problematiza a formação continuada de professores em

um contexto de uma suposta cultura digital. Analisa uma experiência de formação

continuada de professores indígenas na rede social Facebook, utilizando a netnografia como

procedimento metodológico (KOZINETS, 1998). Este estudo aponta que os modos de usar

as tecnologias é que atribuem sentido às tecnologias nas práticas docentes.

Palavras-chave: Tecnologias E Educação, Educação A Distância, Trabalho Docente

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO FACEBOOK:

DIÁLOGO, EXPERIÊNCIAS, FAZERES, INOVAÇÕES E PROTAGONISMO

Maria Cristina Lima Paniago (UCDB)

Rosimeire Martins Régis dos Santos (UCDB)

Katia Alexandra de Godoi e Silva (UCDB)

Resumo: O artigo reside na análise de uma formação continuada de professores

indígenas e não indígenas na rede social Facebook, em um grupo intitulado “Formação

continuada tecnológica: Linguagens, Saberes e Interculturalidade”, mais

especificamente a formação desses professores com foco em suas práticas, que

contemplem, discutam e problematizem os conceitos relacionados à viagem

(transformação, descobertas, reflexão) por meio de diferentes registros (narrativas,

histórias, lembranças, marcas, fatos) no contexto de uma suposta cultura digital. O

contexto desta formação é parte do projeto subsidiado pelo CNPq e FUNDECT (MS),

que vem sendo desenvolvida, desde o ano de 2011, por alguns pesquisadores membros

do Grupo de Estudos e Pesquisas em Tecnologia Educacional e Educação a Distância

(GETED). Metodologicamente, é uma pesquisa qualitativa, que utiliza os

procedimentos do estudo etnográfico para apresentar o percurso da referida formação e

pesquisa, além de utilizar as narrativas para analisar e interpretar temáticas relacionadas

aos textos e imagens postadas no Facebook, no decorrer do ano de 2015, as quais fazem

referência à promoção do diálogo, as reflexões das experiências vividas, os fazeres

docentes, as inovações do dia-a-dia e o protagonismo. De forma geral, os resultados

apontam que os professores participantes da formação buscam outros modos de fazer e

entender as tecnologias que estão presentes no nosso cotidiano, o diálogo parece ser um

dos elementos fundamentais quando se discute a prática docente, pois propicia abertura

à contribuição do outro. Por fim, soma-se a esta discussão e problematização

relacionadas à formação continuada de professores em um contexto de uma suposta

cultura digital, o protagonismo, a narração em nossas próprias histórias, o entendimento

de que somos essenciais na construção de uma educação com mais significado.

Palavras-Chave: Formação continuada; Rede social Facebook; Cultura digital.

Introdução

O objetivo deste estudo reside na análise de uma formação continuada de

professores indígenas na rede social Facebook, mais especificamente a formação desses

professores com foco em suas práticas, que contemplem, discutam e problematizem os

conceitos relacionados à viagem (transformação, descobertas, reflexão) por meio de

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diferentes registros (narrativas, histórias, lembranças, marcas, fatos) no contexto de uma

suposta cultura digital.

Vale destacar que, a referida formação combina momentos presenciais e virtuais

com o foco na discussão, problematização, partilha de experiências, conceitos, teorias e

práticas relacionadas à inserção das tecnologias e redes sociais no contexto educacional.

Os participantes desta formação são professores e alunos pesquisadores de uma

universidade privada do Estado de Mato Grosso do Sul (MS), pertencentes ao Grupo de

Estudos e Pesquisas em Tecnologia Educacional e Educação a Distância (GETED), e

professores de uma escola indígena do distrito de Taunay, município de

Aquidauana/MS, da etnia Terena.

O recorte aqui estabelecido volta-se aos momentos virtuais, ou seja, as conversas

desenvolvidas na rede social Facebook, no grupo intitulado “Formação continuada

tecnológica: Linguagens, Saberes e Interculturalidade”, durante o ano de 2015.

Assim, antes mesmo de explicar o recorte estabelecido, tratamos da

contextualização, para em seguida, explicarmos a metodologia. Por fim, iniciamos a

análise das conversações realizadas no contexto da formação continuada.

Contextualização

A formação continuada de professores indígenas e não indígenas, presencial e

em redes sociais é parte do projeto “Formação Tecnológica Continuada de Professores

Indígenas e não indígenas em Comunidade Virtual e Multicultural: interconectividade e

colaboração”, subsidiada pelo CNPq e FUNDECT (MS), que vem sendo desenvolvida,

desde o ano de 2011, por alguns pesquisadores membros do grupo de pesquisa GETED.

A formação é oferecida para um grupo de professores que pertencem à

comunidade indígena da Escola Indígena General Rondon, localizada na Aldeia

Bananal, Distrito de Taunay, distante aproximadamente 60 km do Município de

Aquidauana/MS e 190 km de Campo Grande, capital do estado de MS. No grupo há

professores indígenas da etnia Terena residentes nas proximidades da escola indígena

no Distrito de Taunay e pesquisadores formadores não indígenas residentes na cidade de

Aquidauana e Campo Grande no Estado de MS.

Diante deste contexto de formação continuada na rede social Facebook, optamos

por utilizar a metodologia da netnografia, a qual explicamos no tópico a seguir.

Formas e procedimentos metodológicos adotados no estudo etnográfico

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A metodologia da netnografia, inicialmente explorada pela área de Marketing

(KOZINETS, 1998, 2002) e Comunicação (HINE, 2004). Na área de Educação no

Brasil, autores como Nogueira, Gomes e Soares (2011), corroborando com seus

antecessores, têm contribuído para a discussão e utilização desta metodologia,

apresentando as formas de estudos que abarcam a netnografia e os seus procedimentos

utilizados.

Neste tópico, o nosso foco consiste em apresentar o percurso de formação e

pesquisa, especificamente a partir das formas de estudo e os procedimentos utilizados

no estudo etnográfico.

Para Kozinets (1998), a netnografia pode abarcar três formas de estudos: (1)

metodologia para estudar culturas cibernéticas e comunidades virtuais “puras”; (2)

metodologia para estudar culturas cibernéticas e comunidades virtuais “derivadas”; (3)

uma ferramenta exploratória para estudar tópicos em geral.

Optamos pela segunda forma de estudo, ou seja, a utilização da netnografia

como metodologia que investiga comunidades virtuais derivadas. Nesta forma de

utilização da netnografia é possível articular o trabalho de campo, com o trabalho

realizado na comunidade virtual.

Como em outras metodologias de pesquisa, a netnografia possui um corpo de

procedimentos organizado por Kozinets (2002) e corroborado por outros autores

(MONTARDO; PASSERINO, 2006; AMARAL; NATAL; VIANA, 2009;

NOGUEIRA; GOMES; SOARES, 2011). Esses procedimentos são: (1) ingresso

cultural (entrée); (2) coleta de dados; (3) análise e interpretação; (4) ética de pesquisa;

(5) validação com os membros pesquisados (member checks). Vale destacar que, esses

procedimentos são dinâmicos e podem acontecer simultaneamente.

O procedimento de ingresso cultural consiste na identificação da comunidade

virtual de interesse para o estudo e a formulação da pergunta de pesquisa. Conforme

explicamos anteriormente, nosso procedimento de ingresso iniciou no ano de 2011, por

alguns pesquisadores membros do grupo de pesquisa, o GETED. Desde então,

colaboramos com uma formação continuada presencial e a distância, por meio da rede

social Facebook, para um grupo de professores que pertence à Escola Municipal

Indígena General Rondon, localizada na Aldeia Bananal, Distrito de Taunay.

Nesta formação continuada não há um currículo fechado, ela se desenvolve de

acordo com as necessidades e características dos participantes do grupo. Desta forma, as

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formulações das nossas perguntas de pesquisa são constantemente (re)significadas e

(re)contextualizadas.

Para este estudo, especificamente, nossa pergunta consiste em: Como se

constitui a formação dos professores indígenas com foco em suas práticas que

contemplem, discutam e problematizem os conceitos relacionados à viagem

(transformação, descobertas, reflexão), em diferentes registros (narrativas, histórias,

lembranças, marcas, fatos), no contexto de uma suposta cultura digital?

Para responder tal questão, precisamos iniciar a coleta de dados, observar as

interações, para em seguida, copiar diretamente os dados do Facebook. Os dados podem

conter notas de campo das experiências na comunidade virtual, que devem ser

combinados com textos, imagens, além de arquivos de áudio e de vídeo (KOZINETS,

1998).

Neste estudo, optamos por selecionar imagens e textos referentes a algumas

postagens do ano de 2015. A partir dessas escolhas, elaboramos as seguintes temáticas

para reflexão neste estudo: a promoção do diálogo; as reflexões das experiências

vividas; os fazeres docentes; as inovações do dia-a-dia; o protagonismo.

Essas temáticas são analisadas e interpretadas, por meio de narrativas de

textos e imagens. Amaral et al. (2009) esclarecem que a netnografia, por vezes demanda

aproximações com outros aparatos teórico-metodológicos e instrumentos.

Segundo Bruner (1997), as narrativas dão sentido à própria vida, à experiência

do tempo vivido, compreensão à realidade construída, considerando a subjetividade, o

ambiente cultural e seus instrumentos. Seria uma nova forma de contar uma história ou

experiência, a partir de pontos de vista pessoais, com diversas versões.

Desenvolver narrativas pode ser uma forma de reconstruir nossas experiências.

Para Almeida e Valente (2012, p. 63), “Narrar a experiência remete ao registro da

memória sobre o cotidiano da vida social; ao específico do sujeito; ao coletivo de um

grupo; aos significados que os sujeitos atribuem aos acontecimentos”.

Retomando os procedimentos da netnografia, no que diz respeito à ética de

pesquisa, no decorrer da formação, buscamos sempre garantir a idoneidade da pesquisa,

como por exemplo: o diálogo com a comunidade indígena, para compor o currículo da

formação; a garantia da confiabilidade, do anonimato e do consentimento dos

participantes dessa formação; a busca constante dos retornos à comunidade, como por

exemplo, encontros virtuais promovidos no Facebook.

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Por fim, em relação à verificação dos participantes (member check), no

decorrer das formações, procuramos realizar a validação das nossas pesquisas junto aos

participantes, no intuito de ouvi-los e também apresentarmos nossas opiniões sobre as

postagens realizadas no Facebook, se estão coerentes ou não com a realidade que eles

vivem.

A partir desse conjunto de procedimentos propostos por Kozinets (2002),

acreditamos que estamos desenvolvendo uma pesquisa netnográfica e avançando na

pesquisa. Desta forma, a seguir, passamos a refletir sobre as temáticas propostas

anteriormente.

Tecendo a análise dos dados

Os professores em formação utilizam-se de diferentes textos, como poesias,

narrativas, imagens, charges e fotos para expressarem suas concepções sobre suas

práticas docentes no contexto de uma suposta cultura digital.

Iniciamos com uma poesia de Fernando Pessoa postada no Facebook, em que o

autor retrata o “educar”. Perguntamo-nos alguns sentidos que podem ter sido

estabelecidos pelo grupo de professores ao se deparar com tal poesia. Nela, há sinais de

que o educar é transformação, libertação, reflexão, recomeço. Na poesia, há o uso de

uma metáfora, um “viajar no mundo do outro sem nunca penetrar nele”. Também, nesta

poesia, há referências ao professor que é um educador, não controlador, mas libertador,

aquele que “não […] desiste facilmente, mas o que estimula sempre a começar de

novo”. Por fim, há a adjetivação do professor : “um bom educador abraça quando todos

rejeitam; anima quando todos condenam; aplaude os que nunca subiram ao pódio […]”

e a poesia se finaliza com o questionamento de que “Educador daria conta desta

missão?”.

Podemos problematizar o “ideal” que se constitui tal professor, sob quais

condições este educador se depara, sua formação, desenvolvimento profissional,

condições para o exercício da docência. Parece-nos uma visão um pouco romantizada,

em que o educador é um “missionário” acima dos obstáculos vividos na prática docente.

Por um outro lado, talvez a professora, ao partilhar tal poesia tivesse a intenção de

chamar a atenção ao que, algumas vezes, é esquecido ou negligenciado quando se

discute as práticas dos professores: a promoção do diálogo, algo caro e importante em

uma formação de seres que compartilham algo. Para Freire (2005), o diálogo é parte da

história do desenvolvimento da consciência humana, é uma exigência existencial e é o

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momento em que os homens se encontram para refletir sobre o mundo a ser

transformado e humanizado. O autor ainda explica que não é possível dialogar se não

tivermos a humildade de estarmos abertos à contribuição dos outros sem temer ou sofrer

a superação do velho, o que seria na poesia de Fernando Pessoa o recomeçar.

Esta discussão vai ao encontro de outra postagem feita no Facebook, uma

imagem de uma cabeça aberta e dentro dela várias coisas: avião, prédios, animais,

equação matemática, arco-íris, letras musicais, lâmpada, livro, planetas, etc. Junto à esta

imagem, apresenta-se uma citação de Augusto Cury; “Muitos viajaram pelo mundo

todo, mas nunca tiveram coragem ou habilidade para viajar para dentro de si mesmos”.

Ao refletir sobre esta postagem, entendemos que o uso de metáforas é uma

constante no grupo, talvez uma estratégia de comunicação que propicia uma maior

amplitude de interpretações e de significados e que atinja um nível de reflexão

relacionado ao que se partilha. Novamente, a abertura da cabeça na imagem pode estar

relacionada à abertura às mudanças, ao novo, ao inacabado, às transformações que

podem emergir nas práticas educativas. Neste sentido, o viajar, não só para fora, mas

para dentro de nós mesmos, pode nos possibilitar novas descobertas, outros encontros e

desenvolvimentos. Parece-nos uma apelação ao professor para se descobrir, entender

quem ele é, desvendar o que ele já vivenciou como educador, buscar em suas

experiências vividas reflexões que o possam fazer avançar. O professor reflexivo

baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e reflexão que o caracteriza

como criativo e não como mero reprodutor de ideias e práticas (ALARCÃO, 2003),

possibilitando-o a recontextualizar e ressignificar sua praxis educativa.

A metáfora da viagem parece ser recorrente nas postagens no Facebook,

buscando compreender contribuições que vêm sendo trazidas pelos estudos sobre

nossos múltiplos contextos cotidianos. Mais uma imagem é disponibilizada na qual

aparece uma moça de costas com o pé na estrada, segurando em uma mão uma mala e

na outra vários balões coloridos. Isto nos faz pensar que os professores participantes da

formação tendem a estabelecer relações de movimentação, de busca, de riscos e desafios

entre seus fazeres docentes, uma (re)construção permanente, com múltiplas

possibilidades de diferentes caminhos. Estas relações nos remetem ao que Freire pontua

sobre o “quefazer educativo”. Para ele, “[…] o conteúdo do quefazer educativo nasce

das relações com o mundo e vai se transformando, ampliando, na medida em que este

mundo se lhes vai desvelando” (FREIRE, 1979, p.88).

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A imagem da mala carrega, segundo a postagem de uma professora, registros

daquilo que vivenciamos, inclusive nossas experiências: “[…] no trajeto de nossa vida

estamos sempre experimentando diversas viagens nos encontros e desencontros de ver,

ouvir, falar e viver que nos permitem acumular uma bagagem de experiências que vão

sendo registradas […]”. Além disto, uma outra professora acrescenta que “[…] todos os

dias estamos viajando rumo a novas conquistas, conhecimentos e descobertas que nos

permite refletir sobre os erros e acertos […]”, o que enfatiza a necessidade da reflexão

sobre as diferentes práticas que adotamos diante das inovações que surgem no nosso

dia-a-dia, aprendendo com acertos e erros.

Sobre inovações, os professores participantes da formação utilizaram-se de duas

imagens. A primeira, sobre um grupo de passageiros de dentro de um avião tirando

fotos com seus celulares de um único passageiro lendo um livro e, a segunda, de várias

pessoas assistindo a um espetáculo, todas com os seus celulares registrando o momento

e apenas uma pessoa olhando e apreciando o show com seus próprios olhos, sem

celular. Ambas imagens nos provocam a pensar o quanto somos influenciados e

implicados com o uso das tecnologias digitais em nossas vidas. Segundo o

questionamento de um participante do grupo, “[…] Será que estamos deixando de curtir

o momento, como fez essa simpática senhora em meio à um mar de celulares? Vale a

pena refletir.” A outra professora complementa : “[…] Eu creio que sim , pois as vezes

deixamos passar coisas importantes nos preocupamos em registrar .” Tais críticas são

problematizadas por uma professora, a qual parece evidenciar a possibilidade da

socialização e de registros quando se utiliza os celulares, “[…] as fotos registradas ou

vídeos gravados pelo celular é ao mesmo tempo um objeto de observação (olhar e

registrar) e imagino que esses registros pelos jovens, logo estarão nas redes sociais em

suas páginas de perfil […]” e uma outra que argumenta a favor das lembranças , “[…] é

estamos sempre registrando fatos que poderão ficar marcados e registrados de várias

maneiras, o que importa são as boas lembranças !!! ”. Neste sentido, uma possibilidade

de uso das tecnologias digitais é oportunizar seus usuários a tornarem-se ou

desenvolverem-se como protagonistas e narradores de suas próprias histórias.

Considerações

Os estudos possibilitaram compreender que os professores participantes da

formação buscam outros modos de fazer e entender as tecnologias que estão presentes

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no nosso cotidiano, são os modos de usar as tecnologias que dão sentido para realmente

interpretar as maneiras como as tecnologias estão presentes na formação dos

professores, na nossa vida e consequentemente na escola.

Segundo os professores participantes da formação, o diálogo parece ser um dos

elementos fundamentais quando se discute a prática docente, pois propicia abertura à

contribuição do outro. Além disto, a reflexão também emerge como elemento

constituinte no contexto educacional, possibilitando a recontextualização de nossas

práxis. Por fim, soma-se a esta discussão e problematização relacionadas à formação

continuada de professores em um contexto de uma suposta cultura digital, o

protagonismo, a narração em nossas próprias histórias, o entendimento de que somos

essenciais na construção de uma educação com mais significado.

Referências

ALMEIDA, M. E. B.; VALENTE, J. A. Integração currículo e tecnologias e a produção

de narrativas digitais. Currículo sem Fronteiras, v.12, n. 3, p. 57,82, Set/Dez 2012.

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Editora

Cortez, 2003.

AMARAL, A.; NATAL, G.; VIANA, L. Apontamentos metodológicos iniciais sobre a

netnografia no contexto pesquisa em comunicação digital e cibercultura. In:

CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 32., 2009,

Curitiba. Actas. Curitiba, 2009.

BRUNER, J. Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre, RS: Artes Médicas,

1997.

FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra 2005.

HINE, C. Etnografía virtual. México: Editorial UOC, 2004. Disponível em:

<https://seminariosocioantropologia.files.wordpress.com/2014/03/hine-christine-

etnografia-virtual-uoc.pdf>. Acesso em: Jan. 2016.

KOZINETS, R. On netnography: inicial reflections on consumer research investigations

of cyberculture. Advances in Consumer Research, 1998, v. 25, pp. 366-371.

Disponível em: <http://www.acrwebsite.org/search/view-conference-

proceedings.aspx?Id=8180>. Acesso em: Jan. 2016.

KOZINETS, R. The field behind the screen: using netnography for marketing research

in online communities. Journal of marketing research, 2002, v. 39, n. 1, pp. 61-72.

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MONTARDO, S. P.; PASSERINO, L. M. Estudo dos blogs a partir da netnografia:

possibilidades e limitações. Novas Tecnologias na Educação, v. 4, n. 2, Dezembro,

2006.

NOGUEIRA, E. J.; GOMES, L. F.; SOARES, M. L. A. Netnografia: considerações

iniciais para pesquisas em educação. Quaestio, Sorocaba, SP, v. 13, n. 2, p. 185-202,

nov. 2011.

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TRANSFORMAÇÕES DA PROFISSÃO DOCENTE NA CULTURA DIGITAL:

UMA ANÁLISE DAS NUANÇAS DA DOCÊNCIA VIRTUAL

Daniel Mill

Luciane Chaquime

André Corrêa

Resumo: Por ser profissão, a docência possui um conjunto de saberes necessários ao

seu exercício. Tais saberes constituem a base de conhecimento docente, base essa que

começa a ser constituída na formação inicial e vai se ampliando ao longo da carreira.

Devido à rápida expansão da Educação a Distância (EaD) no contexto atual,

especialmente a Educação Virtual, surgem novas possibilidades ao exercício da

docência. Contudo, essas novas possibilidades exigem novos saberes relacionados ao

uso e interação por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação, os quais

não fazem parte da formação inicial dos docentes, mas são construídos durante a

experiência na modalidade. Sendo assim, este artigo busca responder a seguinte

questão: ao analisar diferentes investigações sobre docência virtual, o que é possível

verificar a respeito da base de conhecimento docente para EaD e aprendizagem da

docência virtual? Para tanto, analisa pesquisas realizadas entre os anos de 2013 e 2015

focando em: identificar o referencial teórico utilizado nessas pesquisas; procurar o que

os resultados destas investigações têm a dizer sobre base de conhecimento docente na

EaD e aprendizagem da docência virtual; identificar os pontos em comum nos

resultados das investigações. As pesquisas analisadas utilizaram metodologias

quantitativa e qualitativa somadas ou somente qualitativa. Os procedimentos

metodológicos para a coleta de dados foram análise documental, questionários online

via plataforma LimeSurvey para dados quantitativos e qualitativos além de entrevistas

semiestruturadas para dados qualitativos. As investigações tiveram como suporte

referenciais teóricos de Educação, especificamente na área de formação de professores e

de EaD. Dentre os principais resultados da análise, verificou-se que a prática da

docência virtual contribui para a aprendizagem da profissão ao permitir a construção de

saberes experienciais que ampliam a base de conhecimento docente.

Palavras-chave: Docência Virtual; Formação de Professores; Base de conhecimento

docente.

1. Introdução

A rápida expansão da Educação a Distância (EaD) no contexto atual abre novas

possibilidades ao exercício da profissão docente, especialmente quando se considera a

Educação Virtual. Conforme Mill (2012), a Educação Virtual pode ser compreendida

como a EaD que utiliza intensamente as tecnologias digitais de comunicação e

informação (TDIC) para promover um processo de ensino-aprendizagem mais flexível e

aberto em termos de tempo e espaço. Dessa maneira, os cursos mediados por

tecnologias digitais exigem o engajamento de diferentes profissionais, especialmente

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docentes, em suas diferentes fases, desde o planejamento até a oferta. Mas ser docente

na EaD mediada pelas tecnologias digitais é o mesmo que ser docente na educação

presencial? Os saberes docentes da Educação Virtual são iguais aos saberes docentes da

educação presencial? Que conhecimentos um docente da EaD precisa ter? Como o

docente virtual constrói seus conhecimentos para sua prática na modalidade?

Partindo dessas indagações, este artigo analisa pesquisas realizadas por

integrantes do Grupo Horizonte entre os anos de 2013 e 2015, buscando responder a

seguinte questão: ao analisar diferentes investigações sobre docência virtual, o que é

possível verificar a respeito da base de conhecimento docente para EaD e

aprendizagem da docência virtual?

Para tanto, foram formulados os seguintes objetivos:

Verificar as metodologias, os objetivos e os sujeitos investigados em

pesquisas acerca da docência virtual;

Identificar o referencial teórico utilizado nessas pesquisas;

Procurar o que os resultados destas investigações têm a dizer sobre base de

conhecimento docente na EaD e aprendizagem da docência virtual;

Identificar os pontos em comum nos resultados das investigações.

Os estudos analisados tiveram diferentes sujeitos, como tutores virtuais da Rede

e-Tec Brasil e professores de cursos de graduação na modalidade EaD e utilizaram

metodologias quantitativa e qualitativa. As questões norteadoras das pesquisas diziam

respeito às influências da EaD na prática pedagógica dos sujeitos, ao processo de

aprendizagem da docência virtual na EaD, aos saberes produzidos pela prática docente e

às particularidades da base de conhecimento docente para EaD.

O texto está organizado em três segmentos. No primeiro, apresentaremos o

referencial teórico sobre base de conhecimento docente e docência virtual. Em seguida,

traremos os resultados encontrados nas investigações analisadas. Por fim, no terceiro

segmento, teceremos algumas considerações procurando responder a questão que

norteou a elaboração deste artigo.

2. Base de Conhecimento Docente e Docência Virtual

A docência em cursos mediados por TDIC se dá de maneira diferente dos cursos

presenciais. Essa especificidade, decorrente da dinâmica da EaD, leva a uma

fragmentação das tarefas docentes (planejamento das aulas, preparação de materiais,

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elaboração de atividades, avaliação dos alunos etc.) entre diversos profissionais que, no

entanto, devem atuar de forma colaborativa na implementação dos cursos. Nesse

sentido, a docência na EaD desenvolve-se como polidocência (MILL, 2014), que se

constitui pelas relações entre o professor formador, professor conteudista ou autor, tutor

presencial e tutor virtual, auxiliados pelo projetista educacional (ou designer

instrucional) e pelo editor de ambiente virtual de aprendizagem.

Independente do papel assumido pelo docente na polidocência, ele necessita

contar com um arcabouço de conhecimentos básicos para o exercício da profissão, além

de outros específicos para a atuação em cursos EaD.

Em que consistem esses saberes que o docente, atuando presencialmente ou não,

deve ter para exercer sua profissão? Segundo a categorização que Mizukami (2004)

propõe a partir de Shulman (1986, 2005), a base de conhecimento necessária à docência

é composta por:

Conhecimento do conteúdo específico: refere-se ao conteúdo da

disciplina que o professor ministra e inclui a compreensão de fatos, conceitos e

processos de determinada área. A importância desse conhecimento está no fato

de que quanto mais o professor o domina, mais pode diversificar suas aulas;

Conhecimento pedagógico geral: vai além de uma área específica,

abarcando teorias e princípios do processo de ensino-aprendizagem, além de

conhecimentos relativos às características dos alunos, de como eles aprendem e

da forma como se estabelecem as interações em sala de aula. Também engloba

conhecimentos referentes aos contextos educacionais; conhecimentos sobre

outras disciplinas os quais podem ser trabalhados cointerdisciplinarmente;

conhecimentos acerca do currículo e da política educacional; e conhecimentos

das finalidades, metas e dos fundamentos históricos e filosóficos da educação

(MIZUKAMI, 2004). Segundo Shulman (1986), esses conhecimentos são

importantes para que os professores, especialmente os mais experientes,

possuam compreensões sobre alternativas curriculares disponíveis para o ensino

ou, em outras palavras, estratégias e instrumentos diferentes para promover o

processo de ensino-aprendizagem.

Conhecimento pedagógico do conteúdo: constitui-se num amálgama

entre o conhecimento de conteúdo específico e o conhecimento pedagógico

geral, ou seja, uma mistura entre a disciplina e a didática. Do conhecimento

pedagógico do conteúdo fazem parte as ideias, as analogias, as ilustrações, os

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exemplos, as demonstrações, entre outras representações que podem ser

elaboradas para tornar os conhecimentos de determinada área acessíveis aos

alunos. É durante o exercício profissional que os professores acabam

construindo este tipo de conhecimento constantemente enriquecido

(MIZUKAMI, 2004). O conhecimento pedagógico do conteúdo pode ser

compreendido como sendo os saberes experienciais no sentido em que surgem

da prática e são, por ela mesma, validados (TARDIF, 2012).

No entanto, devido ao fato da EaD ser mediada por TDIC, especialmente pelos

ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), e da polidocência fragmentar os saberes

docentes entre professores e tutores, apenas a base de conhecimento descrita por

Shulman (1986, 2005) é insuficiente, sendo necessários, também, saberes relacionados

às tecnologias e às interações na modalidade EaD.

Conforme Kenski (1998), o docente virtual necessita saber planejar

detalhadamente como serão todos os momentos do processo de ensino; acolher o aluno

para que ele se sinta parte do processo; atentar para o processo de comunicabilidade da

informação, especialmente no que diz respeito ao conteúdo e à interação; ter

disponibilidade para trabalhar em equipe; ter condições de compreender e atuar em

diferentes fases do processo de organização dos cursos mediados por TDIC.

Nesse sentido, a articulação entre os conhecimentos disciplinares, os

conhecimentos para ensinar e os conhecimentos tecnológicos que devem compor a base

de conhecimento para a docência virtual foi denominada por Mishra e Koehler (2006)

como Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK) ou Conhecimento

Tecnológico Pedagógico do Conteúdo. Tal conhecimento consiste em relacionar o

recurso tecnológico mais adequado a um determinado conhecimento curricular, ou seja,

implica na compreensão da representação de conceitos usando tecnologias.

Conforme nos esclarece Tardif (2012), os saberes docentes são plurais e

heterogêneos e são construídos em diferentes momentos e contextos. Parte considerável

desses saberes, os docentes constituem durante sua formação inicial ou mesmo antes de

ingressar na graduação, a partir da observação dos seus professores, do seu contexto

social e por suas histórias de vida. Outra parcela é construída em cursos de formação

continuada, uma vez que a aprendizagem profissional se dá continuamente, ao longo da

vida e da prática pedagógica. Uma terceira parte desse conhecimento necessário à

profissão é constituída, contudo, no dia a dia a partir das experiências profissionais

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vivenciadas durante a carreira (TARDIF, 2012), ou seja, durante o processo de

aprendizagem da docência.

A aprendizagem da docência a partir da experiência profissional implica a

noção de professor reflexivo compreendido como aquele capaz de tomar decisões para

melhor desenvolver o processo de ensino-aprendizagem e baseando-se, para isso, nos

objetivos e contextos educacionais e nas necessidades dos alunos (ZEICHNER, 2008).

Nesse sentido, ao buscarem de forma refletida e objetivada soluções para os

desafios e problemas encontrados na interação com os alunos, os professores mobilizam

os conhecimentos pedagógicos e de conteúdo construídos em sua formação inicial

ressignificando-os ou formando novos e, assim, ampliam seu arcabouço de saberes

sobre a profissão.

Quando se trata da docência virtual, em virtude da rápida expansão da

modalidade, os saberes que docente necessita para suas interações nos AVA,

especialmente os relacionados ao domínio das tecnologias digitais, não fazem parte da

formação inicial decorrente dos cursos de graduação. Sendo assim, esses saberes são

construídos no processo de aprendizagem da docência, por meio da reflexão sobre a

prática.

3. Análises de pesquisas sobre base de conhecimento docente para EaD e

aprendizagem da docência virtual

Apresentamos aqui os resultados de cinco pesquisas de mestrado defendidas

entre 2013 e 2015 (BRITO, 2014; CESARIO, 2015; CHAQUIME, 2014; CORRÊA,

2013; MARTINS, 2015). As investigações focaram como sujeitos de investigação os

membros da polidocência: tutores virtuais da Rede e-Tec Brasili e do sistema

Universidade Aberta do Brasilii (UAB); professores e tutores virtuais de diversas cursos

de graduação na modalidade EaD (Pedagogia, Engenharia Ambiental e Educação

Musical, Sistemas de Informação e outros) ofertados por diferentes Instituições de

Ensino Superior (IES) parceiras do Sistema UAB.

Brito (2014) procurou analisar o processo de aprendizagem da docência virtual

de professores iniciantes na modalidade a distância e os saberes por eles produzidos a

partir dessa experiência. Seus sujeitos de pesquisa foram professores do curso de

Sistemas de Informação, Educação Musical, Engenharia Ambiental e Pedagogia da

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) na modalidade a distância. Seu método

de coleta de dados foi de entrevistas semiestruturadas.

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Paralelamente, Cesário (2015) também investigou como se desenvolve a

aprendizagem da docência pela prática virtual, mas tendo os tutores virtuais como

sujeitos da investigação. Partiu da hipótese que a aprendizagem da docência nessa

modalidade de ensino seja diretamente influenciada pela prática da tutoria virtual. Os

sujeitos foram 461 tutores virtuais e coordenadores de quatro Instituições de Ensino

Superior (IES) integrantes do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Coletou

dados por meio de questionários online e entrevistas semiestruturadas.

Por seu turno, Chaquime (2014) analisou as principais transformações que

podem ser observadas na docência ao longo dos anos de prática pedagógica na EaD.

Teve como hipótese que, ao longo do tempo, a prática pedagógica na EaD atua sobre o

docente, transformando a docência. Os sujeitos foram docentes virtuais (tutores) que

atuam nos cursos de Administração, Informática para a internet e Profuncionário

oferecidos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo

(IFSP) por meio da Rede e-Tec Brasil. Coletou dados por meio de questionário online,

sessões coletivas de bate-papo e entrevistas individuais.

Corrêa (2013) analisou as particularidades dos saberes docentes e conhecimentos

específicos de professores da modalidade EaD em Educação Musical. Seus sujeitos

foram professores de disciplinas que envolviam práticas musicais do curso de Educação

Musical da UFSCar na modalidade EaD. Também coletou dados com questionários

online e entrevistas semiestruturadas.

Buscando identificar as principais implicações percebidas na prática docente

presencial após experiências de ensino na Educação a Distância, Martins (2015)

analisou dados de professores de quatro universidades que integram o sistema UAB e

que trabalhavam concomitantemente com EaD e Educação Presencial. Também fez uso

de questionários online e entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados.

Conforme dito na seção anterior, Mill (2014) propõe o conceito de polidocência

para a análise da docência na EaD mediada pelas TDIC. Tendo como pressuposto que a

docência é uma categoria profissional e que, enquanto tal, possui um arcabouço de

saberes inerentes ao seu exercício, o autor argumenta que a docência na EaD é

caracterizada pela divisão das tarefas e dos saberes docentes entre um coletivo de

trabalhadores com formações diversas. Nesse sentido, a polidocência constitui-se como

categoria de análise que envolve, principalmente, as relações entre: os professores

responsáveis pelo conteúdo que será abordado nos materiais didáticos (docentes-

conteudistas ou autores); os docentes que ofertam as disciplinas, acompanhando os

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estudantes e gerencia os tutores (denominados por docentes-formadores); e os

profissionais que acompanham cotidianamente os alunos em suas atividades nos AVA

(docentes-tutores virtuais) e nos Polos de Apoio Presencial (docentes-tutores

presenciais). Sendo assim, nesse texto usaremos o termo “docente virtual” para nos

referir tanto ao professor conteudista ou autor, ao professor formador e ao tutor virtual,

uma vez que as investigações enfocadas baseiam-se na polidocência como categoria

analítica.

Como mencionamos, as pesquisas ora apresentadas utilizaram metodologias

qualiquantitativa ou somente qualitativa. Em algumas das investigações, a amostragem

foi mais ampla, com um número de sujeitos maior espalhados em cursos de uma ou

mais instituições, enquanto que outras focaram em dados qualitativos com uma

amostragem menor de sujeitos ou de nichos específicos como a Educação Musical. As

questões norteadoras das pesquisas diziam respeito à influências da EaD na prática

pedagógica dos sujeitos, o processo de aprendizagem da docência virtual na EaD e os

saberes produzidos pela prática docente, particularidades da Base de Conhecimento

Docente para EaD.

As investigações tiveram como suporte referenciais teóricos de Educação,

especificamente na área de formação de professores, e de EaD. Shulman (1996, 2005) e

Tardif (2012) aparecem como pilares centrais das investigações para o referencial de

formação de professores, enquanto Moore e Kearsley (2008), Kenski (1998) e Mill

(2014, 2012) dão o embasamento teórico sobre EaD para as investigações.

Quanto aos resultados destas pesquisas, é possível assinalar diversos pontos em

comum entre elas. Estes pontos são aqui destacados por serem, principalmente,

momentos de interseção entre as investigações. Dados encontrados em pesquisas ainda

que com sujeitos distintos pertencentes a diversas áreas de atuação, IES diferentes e

espalhados geograficamente. Essa recorrência de dados encontrados em diversas

pesquisas mostra a consistência dos fatos levantados bem como joga luz sobre o tema

da aprendizagem da docência na EaD e o perfil dos profissionais envolvidos com a

modalidade no Ensino Superior.

Sobre aprendizagem da docência virtual, as investigações destacaram que a

prática em EaD influencia a prática na Educação Presencial dos sujeitos investigados

(BRITO, 2014, CHAQUIME, 2014, MARTINS, 2015 e CORRÊA, 2013). As pesquisas

mostraram que os sujeitos alteravam suas práticas com os conhecimentos adquiridos

para a docência virtual. Martins (2015) aponta que os docentes virtuais relataram maior

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uso das TDIC para a mediação de construção do conhecimento em aulas presenciais,

maior preocupação com o envolvimento e motivação do aluno, trabalho em equipe,

menos aulas expositivas.

Em todas as pesquisas analisadas, a prática na EaD aparece como fonte de

construção de conhecimentos para a Base de Conhecimento para a docência virtual. Os

docentes virtuais investigados necessitam de diversos novos saberes que precisam ser

[re]construídos para a modalidade a distância e é por meio da prática que boa parte

desta [re]construção acontece. As pesquisas que se aprofundaram sobre o perfil do

docente virtual mostram que ele, muitas vezes, está em sua primeira experiência em

EaD (CHAQUIME, 2014 e CORRÊA, 2013), além de ser um imigrante digitaliii

(CORRÊA, 2013 e CESÁRIO, 2015). Além do mais, um número reduzido de docentes

investigados também tinha a EaD como objeto de pesquisa (MARTINS, 2015 e

CORRÊA, 2013). Esses dados sobre o perfil vão ao encontro sobre os dados de como a

prática ainda é muito necessária, pois os conhecimentos pedagógicos formais sobre EaD

dos docentes sujeitos destas investigações ainda são muito reduzidos, se limitando a

cursos de pequena duração ofertados pelas IES onde trabalham com docência virtual.

A formação continuada dos professores também aparece como uma importante

fonte de conhecimentos e saberes para a base (CHAQUIME, 2014, CORRÊA, 2013 e

CESÁRIO, 2015), bem como a troca de experiências entre docentes virtuais

(CESÁRIO, 2015 e MARTINS, 2015), mas a prática da docência virtual ainda ocupa

papel de destaque quando queremos explicar como ocorre a aprendizagem da docência

virtual.

Brito (2014) e Corrêa (2013) apontam que os conhecimentos construídos por

meio da reflexão sobre a prática têm uma dinâmica diferente da modalidade presencial:

os resultados da reflexão sobre a prática docente virtual não são implementados

imediatamente. O modelo de EaD analisado pelas pesquisas não permite muitas

mudanças ao longo da oferta e o docente só consegue implementá-las no planejamento

para ofertas seguintes.

Por fim, um dado importante nos trabalhos de Cesário (2015) e Martins (2015) é

que os docentes virtuais dizem acreditar que a educação no futuro será híbrida,

mesclando práticas virtuais a distância e presenciais. Este dado ajuda a corroborar a

hipótese que os saberes construídos para a EaD influenciam as práticas na modalidade

Presencial. Suas práticas na modalidade Presencial se alteraram de tal forma a

acreditarem que no futuro ambas as modalidades se fundirão.

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4. Considerações finais

No início deste texto, nos propusemos a responder a seguinte questão: ao

analisar diferentes investigações sobre docência virtual, o que é possível verificar a

respeito da base de conhecimento docente para EaD e aprendizagem da docência

virtual?

Os resultados encontrados nas análises de cinco dissertações de mestrado acerca

do tema demonstraram que houve uma ampliação dos saberes constituintes da base de

conhecimento a partir da experiência na docência virtual. Nesse sentido, os sujeitos

investigados construíram saberes experienciais (TARDIF, 2012), além de conhecimento

tecnológico pedagógico do conteúdo (MISHRA; KOEHLER, 2006) atuando como

docentes – professores ou tutores – na educação mediada por tecnologias digitais.

No que diz respeito à aprendizagem da docência virtual, verificamos que a prática em

EaD influencia a prática na educação presencial dos sujeitos investigados, uma vez que

os resultados apontaram que os conhecimentos construídos na docência virtual foram

utilizados, também, presencialmente. Desse modo, podemos dizer que a atuação na EaD

configura-se como um processo de formação continuada para o docente que aprimora-se

profissionalmente ao longo de sua carreira (TARDIF, 2012).

Por fim, as análises realizadas apontaram a importância da reflexão sobre a

prática (ZEICHNER, 2008) no que se refere à aprendizagem da docência na EaD,

ressaltando, porém, que ocorre de forma diferente da educação presencial. Isso porque,

devido aos modelos de EaD dos cursos em que atuam os sujeitos investigados, as

alterações no planejamento das aulas só podem ser feitas na próxima oferta da disciplina

ou do próprio curso.

5. Referências

BRITO, N. D. Estudo sobre a aprendizagem da docência na educação a distância:

uma análise da percepção dos professores. 2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em

Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São

Carlos, São Carlos, 2014.

CESÁRIO, P. M. Aprendizagem da docência pela prática da tutoria virtual: um

estudo sobre formação, saberes, desafios e estratégias da docência na Educação a

Distância no âmbito da Universidade Aberta do Brasil. 2015. 219 f. Dissertação

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(Mestrado em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade

Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.

CHAQUIME, L. P. A prática pedagógica na educação a distância transformando a

docência: uma análise sobre saberes e desenvolvimento profissional de tutores virtuais.

2014. 228 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Educação e Ciências

Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014.

CORRÊA, A. G. Base de conhecimento em educação a distância: Um estudo sobre

educação musical. 2013. 136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de

Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2013.

KENSKI, V. M. Novas tecnologias, o redimensionamento do espaço e do tempo e os

impactos no trabalho docente. 1998. Disponível em: www.ufba.br/prossiga/vani.htm.

Acesso em dez./2014.

MARTINS, S. L. B. Aprendizagem da docência em experiências de educação a

distância: implicações para a prática docente presencial. 2015. 109 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade

Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.

MILL, D. Docência virtual: uma visão crítica. Campinas: Papirus, 2012.

MILL, D. Sobre o conceito de polidocência ou sobre a natureza do processo de trabalho

pedagógico na Educação a Distância. In: MILL, D.; OLIVEIRA, M. R. G.; RIBEIRO,

L. R. C. (Org.). Polidocência na educação a distância: múltiplos enfoques. 2.ed., São

Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 23-40.

MISHRA, P.; KOEHLER, M. Technological pedagogical content knowledge: A

framework for teacher knowledge. Teachers College Record, 108(6), 1017-1054, 2006.

MOORE, M. G; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. São

Paulo: Cengage Learning, 2008.

MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L. S.

Shulman. Revista do Centro de Educação, Santa Maria, v. 29, n. 2, p. 1-11, 2004.

Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2004/02/a3.htm>. Acesso em: 09

mar. 2012.

PRENSKY, M. Digital Natives, Digital immigrants. On the Horizon, MCB University

Press, Vol. 9 n. 5, Out. 2001.

SHULMAN, L. S. Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la nueva reforma.

Profesorado: Revista de currículum y formación del profesorado, Granada, v. 9, n. 2, p.

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1-28, 2005. Disponível em: <http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev92ART1.pdf>. Acesso

em: 15 maio 2012.

SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational

Researcher [on-line], v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986. Disponível em:

<http://www.fisica.uniud.it/URDF/masterDidSciUD/materiali/pdf/Shulman_1986.pdf>.

Acesso em: 15 maio 2013.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13. ed. Petrópolis: Vozes,

2012.

ZEICHNER, K. M. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante

na formação docente. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 535-554,

maio/ago. 2008. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 09 maio

2012.

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ECOS E REPERCUSÕES DAS TECNOLOGIAS NO TRABALHO DOCENTE

Joana Peixoto

Rose Mary Almas de Carvalho

Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

Resumo: Este artigo apresenta pesquisa que teve como objetivo analisar as percepções

de professores da rede pública da educação básica do estado de Goiás sobre: o papel das

tecnologias na educação e a trajetória de suas práticas pedagógicas mediadas por

tecnologias, tomando como referência os programas oficiais de integração das

tecnologias à educação. Nesta perspectiva, demos voz e ouvidos aos professores. Foram

entrevistados 76 professores de 23 escolas públicas em dez municípios do estado de

Goiás. As entrevistas semiestruturadas, predominantemente coletivas, abordaram: 1) a

formação dos professores em tecnologia e educação; 2) sua experiência e prática

pedagógica com uso de tecnologias e 3) a forma como os cursos feitos contribuíram

para as práticas docentes e pessoais. A análise dos dados se fundamentou no

materialismo histórico-dialético de maneira a possibilitar a configuração do ponto de

vista do professor e a apreensão de seu contexto. O discurso dos professores oscila entre

a visão instrumental e a determinista quanto à relação entre a tecnologia e a educação.

Tal discurso reflete a formação marcada também pela dissociação entre os aspectos

técnico e pedagógico. A racionalidade docente é uma forma de resistência ao modo

precarizado e alienante dos cursos ofertados para o uso de tecnologias no ambiente

escolar, os quais reduzem o trabalho pedagógico a operações instrumentais. A recusa

docente nos remete a uma análise fundamentada na racionalidade da práxis que

considera as contradições entre as experiências de vida e o processo formativo docente

como construção coletiva e subjetiva.

Palavras-chave: Tecnologia e educação, Trabalho docente, Práxis e racionalidade

docente.

Introdução

Este artigo se baseia na pesquisa “Ecos e repercussões dos processos formativos

nas práticas docentes mediadas pelas tecnologias”, financiada pelo CNPq e

desenvolvida entre 2012 e 2015 pelo Kadjót - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as

relações entre as tecnologias e a educação.

A pesquisa parte da preocupação com a falta de avaliação das políticas públicas

educacionais brasileiras para o uso de tecnologias na educação e teve como objetivo,

analisar as percepções de professores da rede pública da educação básica do estado de

Goiás sobre: o papel das tecnologias na educação e a trajetória de suas práticas

pedagógicas, tomando como referência os programas oficiais de integração das

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4419ISSN 2177-336X

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23

tecnologias à educação, particularmente o Programa Nacional de Informática na

Educação (ProInfo)iv

.

O percurso do estudo

Para identificar como os professores da educação básica de Goiás percebem a

trajetória de suas práticas mediadas por tecnologias em relação aos processos

formativos vivenciados, consideramos fundamental investigar o ponto de vista do

professor.

Foram entrevistados 76 professores de 23 escolas públicas em dez municípios do

estado, aqueles no quais foram implantados os 12 primeiros Núcleos de Tecnologia

Educacional (NTE)v criados no estado de Goiás: Anápolis, Catalão, Cidade de Goiás,

Formosa, Jataí, Morrinhos, Posse, Uruaçu e Iporá, além dos três NTE de Goiânia.

As entrevistas semiestruturadas, predominantemente coletivas, interrogaram os

professores quanto: 1) a sua formação em tecnologia e educação; 2) sua experiência e

prática pedagógica com uso de tecnologias e 3) a forma como os cursos feitos

contribuíram para as práticas docentes e pessoais.

O corpus textual da pesquisa é composto pelos depoimentos dos professores

(coletados por meio das entrevistas), pelas observações registradas pelos pesquisadores

durante as visitas às escolas e NTE e pelas narrativas dos professores, gestores e alunos

recolhidas durante as visitas às escolas campo da pesquisa.

O trabalho com os dados foi inspirado na análise de conteúdo. Com base em

diferentes autores que adotam este procedimento (BARDIN, 2009; CASTRO; ABS,

SARRIERA, 2011; FRANCO, 2005; OLIVEIRA, 2008). Este processo foi organizado

em três etapas: pré-análise, exploração e tratamento do material e análise.

Na etapa da pré-análise, desenvolvemos os seguintes procedimentos:

Escuta do áudio das entrevistas, leitura dos diários, relato oral dos

pesquisadores para estabelecimento das unidades de registro e de contexto;

Definição das frases, palavras, temas como Unidades de Registro e das

entrevistas completas como Unidades de contexto.

Na etapa destinada à exploração e tratamento do material, realizamos a

transcrição das entrevistas na forma de relatório, que foi estruturado a partir dos

seguintes elementos:

1. Formação para o uso de tecnologias na educação (características dos cursos

feitos).

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4420ISSN 2177-336X

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2. Experiência e prática docente quanto ao uso das tecnologias na educação

(Formas e tipos de usos didático pedagógicos das tecnologias).

3. Papel ou função do uso das tecnologias na educação.

4. Prática pessoal.

5. Relação entre a formação, a prática docente e o papel atribuído às tecnologias

na educação.

Na etapa da análise, definimos o que denominamos de Unidades de Análise, que

foram organizadas em temas e subtemas, conforme quadro a seguir:

Quadro 1 - Tratamento do corpus textual em Unidades de Análise

Unidades de Análise Temas Subtemas

Formação

Cenário político educacional

-x- Caracterização dos cursos

Modelo epistemológico dos cursos

Práticas pedagógicas

mediadas por tecnologias

Usos didático pedagógicos das

tecnologias

Formas de uso

Recursos utilizados

Condições de uso

Equipamentos e infraestrutura

Condições didático pedagógicas

Intervenções políticas

Visão do professor

Determinista-tecnocêntrica

-x- Instrumental

Fonte: Echalar; Peixoto; Carvalho, 2015, p. 64.

O materialismo histórico-dialético (MARX, 2003; VÁZQUEZ, 2011) se

apresentou como a perspectiva para a análise da trajetória de formação dos professores e

suas práticas, de maneira a possibilitar, ao mesmo tempo: a configuração de seu olhar, a

apreensão de seu contexto e também o levantamento de elementos que permitissem a

crítica à precariedade e à instrumentalidade já tão conhecida.

Dando voz e ouvido ao professor na dinâmica de seu contexto: uma questão de

método

O exercício de „dar voz e ouvido‟ aos professores considerou que esses

sujeitos são marcados pelo contexto e pelas contradições inerentes à realidade

concreta. Ao tomar o ponto de vista dos professores como fundamento analítico

sabíamos das consequências de redundar na mera reprodução do discurso

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4421ISSN 2177-336X

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hegemônico ou na sua negação ingênua, mantendo a dicotomia própria à lógica

formal (KOSIK, 1976; LEFEBVRE, 1983).

Não estamos de acordo com a condenação ao discurso ora lamentativo ora

ingênuo do professor, mas também não queremos limitar essa análise ao seu

discurso parcial. A oposição entre o professor crítico e o professor ingênuo, o

professor competente e o professor despreparado, o professor politicamente

combativo e o professor acomodado, o professor com habilidades técnicas e o

professor com competências pedagógicas se baseia numa lógica excludente.

“Diferentemente, a lógica dialética própria à epistemologia marxiana não é

excludente [...] Não se trata de reconhecer opostos confrontados exteriormente, mas

tê-los como interiores um ao outro [...]” (MARTINS, 2006, p. 9). Adotado como

referência na pesquisa em educação, o método materialista histórico-dialético exercita o

pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade.

Assim, na presente pesquisa,

As trajetórias formativas mediadas pelas tecnologias são compreendidas com

base nas circunstâncias nas quais estão inseridas. Assim, o exercício para a

compreensão das percepções dos professores quanto ao seu processo de

formação levou em conta o contexto histórico-político-social das políticas

públicas de formação continuada de professores para o uso das tecnologias na

educação. (PEIXOTO; CARVALHO, 2014, p. 579).

O necessário exercício de abstração (reflexão) percorre os caminhos entre o

empírico (real aparente) e o concreto (real pensado), em busca da totalidade

(VÁZQUEZ, 2011). Por isto se fez primordial conhecermos a formação do professor em

seus diversos aspectos: as políticas educacionais locais e nacionais, em articulação às

políticas globais e os cursos realizados.

As políticas públicas para uso das tecnologias na educação, conciliadas com as

demandas econômicas de um mercado globalizado, repercutem em programas de

formação de professores que dissociam o domínio técnico dos equipamentos das

funções didático-pedagógicas que se espera que tais equipamentos desempenhem. Esta

racionalidade instrumental, que separa os meios dos fins, fundamenta a epistemologia

do processo formativo de nossos professores desde a formação inicial até a formação

continuada específica proposta pelos programas oficiais para as tecnologias na

educação. (PEIXOTO; CARVALHO, 2014, p. 594).

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Pensar sobre a realidade implica em aceitar a dinâmica da contradição. Por essa

razão, a contradição entre o empírico, o concreto e o abstrato foi tomada como categoria

fundamental desta pesquisa.

Para explicar o que é singular no processo formativo dos professores goianos

para o uso das tecnologias e atingir o universal desta realidade, o pensamento deve

partir do particular (MARX, 2003; VÁZQUEZ, 2011). A busca da totalidade partiu,

então, de um aspecto particular da realidade: a visão do professor goiano que participou

das ações formativas por meio de políticas públicas locais para tal fim. O exercício de

análise das múltiplas relações entre a parte estudada e a realidade social - vista como

uma totalidade - nos remeteu à singularidade de um sujeito existente: o professor da

rede pública da educação básica do estado de Goiás.

Assim, exercitamo-nos na compreensão do real, buscando atingir, por meio de

abstrações, um conjunto de relações entre as particularidades que puderam ser

observadas. O exercício de abstração colocou-se como uma etapa para que pudéssemos

captar mais do que a realidade aparente, fragmentada, superficial e marcada por

estereótipos.

Tecnologias e trabalho docente: uma racionalidade emergente

As reformas educacionais a partir dos anos 1980 se impuseram como contexto

para a nossa análise, pois observamos que estão alinhadas às políticas neoliberais que se

revelaram como substrato material e ideológico das experiências vividas pelos

professores. Cabe destacar que as políticas e ações públicas para a inserção das

tecnologias na educação têm acontecido em uma perspectiva unificadora e

homogeneizadora (BARRETO, 2003, 2004).

Os discursos e as políticas educativas para uso de tecnologias se fundamentam

em uma racionalidade técnica que prioriza os resultados e a eficiência com um mínimo

de investimentos. O objetivo principal das reformas educativas nos últimos anos tem

sido o de responder aos imperativos do desenvolvimento econômico e à demanda

crescente - quantitativa e qualitativa – por números, “inovação”, compra de aparatos,

ranqueamento de posições educacionais e não de formação docente. As tecnologias tem

sido propostas como recurso indispensável para responder a tais demandas

(EVANGELISTA; SHIROMA, 2007; MAUÉS, 2003).

Por vezes recomendações, por vezes imposições, as tecnologias estão na agenda

obrigatória dos organismos internacionais e se traduzem nas condicionalidades para o

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investimento financeiro em nosso país. Verificamos a consolidação de um modelo de

disponibilização de equipamentos e tecnologias em que escolas e professores são meros

consumidores destes artefatos caros e sofisticados. Ou seja, os meios tecnológicos

digitais se colocam mais como aparatos a serem consumidos do que como objeto da

intencionalidade docente (BARRETO, 2003, 2004).

Isto se traduz em orientações pedagógicas e em delineamentos formativos muito

específicos já que para cada inovação há uma opção teórica, uma tendência pedagógica

explicitada. A cada inovação tecnológica se associam argumentos pedagogicamente

duvidosos, mas que têm se revelado ideologicamente convincentes. A tecnologia digital

em rede é proposta pelo governo e pelas empresas e aceita pelos professores como uma

fatalidade, como algo inevitável porque constitui-se enquanto sinal de uma modernidade

e progresso ao qual devemos nos submeter (DINIZ-PEREIRA, 2011; COSTA; LEME,

2014).

Além disso, as tecnologias são consideradas facilitadoras do trabalho do

professor e da aprendizagem dos alunos, tendo como justificativa o seu efeito

motivador: à tecnologia é atribuído o poder de motivar o aluno no seu processo de

aprendizagem. As tecnologias também são associadas às transformações e inovações

das práticas educativas (PEIXOTO, 2015).

Ora consideradas como neutras, ora como portadoras de valores que se

transmitem automaticamente para o seu uso, prevalece uma perspectiva tecnocêntrica

que, entretanto, não pode aparecer como tal. O discurso prevalente coloca as tecnologias

no centro, mas não assume a sua perspectiva instrumental, porque as esvaziam de seu

conteúdo histórico-cultural. As tecnologias são símbolo de um progresso inequívoco em

direção ao bem comum e não uma produção humana marcada pelas determinações

históricas do contexto.

Pudemos identificar que o discurso dos professores se aproxima de uma

abordagem tecnocêntrica, tanto em seu viés determinista como instrumental

(FEENBERG, 2010; PEIXOTO, 2015). Na perspectiva instrumental, as tecnologias são

vistas como inteiramente neutras. Neste caso, o mesmo recurso tecnológico pode ser

utilizado segundo distintas abordagens pedagógicas. Por exemplo: a internet pode ser

utilizada como fonte de consulta a informações que serão memorizadas pelo aluno. Ou a

internet será utilizada como fonte de pesquisa para a análise comparativa entre

diferentes conceitos. Numa visão determinista, as tecnologias são portadoras de valores

que se transferem automaticamente para os usos que delas são feitos, o que significa

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“[...] imputar à tecnologia a capacidade de provocar, por si mesma, mudanças

socioorganizacionais, políticas e culturais” (PEIXOTO, 2009, p. 220). O que pode ser

verificado, por exemplo, “[...] quando se afirma que a internet é um meio pedagógico

interativo e que essa possibilidade interativa, inerente à rede, se transfere

automaticamente para as práticas educativas que nela se realizam” (PEIXOTO, 2015, p.

321).

Segundo o nosso entendimento, as tecnologias não são inteiramente neutras e

nem completamente determinadas pelo contexto. Da mesma forma, os sujeitos sociais

não podem ser nem totalmente submissos, nem inteiramente autônomos diante das

tecnologias, que são produtos e construções histórico-culturais. Propomos então o

deslocamento das abordagens tecnocentradas para aquelas que se voltam para as

relações dialéticas entre o homem e o meio histórico-cultural.

Apontamos o caráter a-histórico das abordagens tecnocentradas e exercitamos

um olhar diacrônico e histórico sobre as tecnologias, evitando subtrair destas os sinais

da experiência e do trabalho humano coletivo. E, desta forma, pretendemos discernir os

diferentes estratos que elas recobrem e compreendem a fim de colocar em questão sua

origem e finalidade social e, nesta perspectiva, o seu papel didático pedagógico.

Uma decorrência de ordem pedagógica desta visão a-histórica das tecnologias se

reflete na distinção marcante entre as dimensões técnica e pedagógica de seu uso. Na

formação de professores, o preparo técnico é pouco ou quase nada articulado aos

estudos de ordem pedagógica. A tecnologia é considerada meio técnico complementar

(SÁ; ENDLISCH, 2014) e não um instrumento cultural portador de significados.

Assim como na formação, os usos também são marcados pela dissociação entre

os aspectos técnico e pedagógico. O trabalho pedagógico tem sido reduzido a operações

instrumentais que são impostas ao professor, sujeito do processo pedagógico. O “[...]

trabalho pedagógico, como atividade humano-intelectual, entendido como práxis

humana” [é reduzido a um] “protocolo de atividades, meramente burocráticas, que

podem ser executadas por qualquer indivíduo, desde que seja treinado para isso [...]”

(BEZERRA; SILVA, 2006, p. 3).

Estranho ao processo de objetivação de seu trabalho, o professor é dele alienado.

O trabalho alienado do professor o aliena da sua relação fundamental com a vida, que é

o trabalho. O trabalho alienado leva o professor “[...] a trabalhar [...] em uma atividade

fora da sua liberdade consciente” (BARBOSA, 2014, p. 295). Isto pode explicar as

poucas referências que os professores entrevistados fizeram a alguns aspectos de sua

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4425ISSN 2177-336X

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formação. Por exemplo, eles pouco se lembravam de conteúdos abordados ou de autores

adotados além de revelarem dificuldades em descrever suas experiências com o uso de

tecnologias.

Mas, assim como a alienação é “[...] imanente ao metabolismo do capital”

(BARBOSA, 2014, p. 292), o sujeito alienado não sofre uma subsunção total a este

regime. O trabalho alienado resulta e cria uma contradição. O professor possui relativo

controle sobre o ensino que desenvolve e manifesta uma resistência que não pode ser

inteiramente interpretada como um ato negligente de recusa ao novo, como pretende

certo discurso.

Dito isso, a resistência do professor a se submeter a orientações e mesmo

imposições governamentais pode representar a sua recusa a este processo que separa a

concepção da execução a qual tem como base a distinção entre a teoria e a prática. E a

crítica ao dualismo idealista representa a possibilidade de emancipação do sujeito

alienado. Se a alienação e a divisão em classes são estruturais, a sua superação só

poderá ocorrer a partir de uma radical revisão da lógica que a sustenta, explica e

justifica.

Trata-se de uma racionalidade da práxisvi (VÁSQUEZ, 2011) que recusa os

dualismos e as unilateralidades. Por isto recusamos a dicotomia que orienta a crítica ao

professor despreparado e resistente às mudanças e faz a apologia do professor

competente e comprometido com uma transformação incessante de suas práticas. A

dialética é a racionalidade da práxis e tal racionalidade é construção e determinação

tanto quanto a alienação, visto que nesta perspectiva as contradições não se eliminam,

mas se comportam e se constroem. Tal racionalidade constitui-se, portanto, em

construção coletiva e subjetiva de uma teoria que se insere na própria práxis.

Algumas considerações

A dimensão transformadora da práxis implica em superar o dualismo de uma

racionalidade de interpretação do mundo (para os intelectuais ou os gestores e

detentores do poder) contra a racionalidade dos que executam as tarefas. Ao mesmo

tempo, a possibilidade de uma formação autônoma não se fundamenta em prescrições

de ordem economicista, nem em pedagogias „salvacionistas‟, mas no próprio trabalho,

que “[...] é mediação entre homem e natureza, [da qual] deriva todo o processo de

formação humana [...]” (RANIERI, 2001, p. 14).

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4426ISSN 2177-336X

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Nesta perspectiva, a formação não pode se reduzir à lógica de adaptação a uma

racionalidade técnica. O domínio técnico é importante e necessário, mas sua ênfase

pode se constituir num projeto de educação que corre o risco de ser submetido a uma

racionalidade que reduz a razão ao simples atendimento das demandas econômicas e do

mercado do trabalho.

A perspectiva a-histórica gera aquela desesperança que queremos evitar, pois

fortalece os argumentos da tecnologia inteiramente neutra ou portadora de valores a ela

intrínsecos. Além de colocar a tecnologia como imposição de um modelo pedagógico.

Realizamos uma pesquisa com foco na racionalidade docente. Recusamo-nos a

idealizar o professor, evitando definir o nosso olhar pela separação entre a teoria e a

empiria. Da alienação a uma racionalidade da práxis: encontramos tal possibilidade na

articulação entre a fala dos professores, as observações que fizemos nas escolas e o

conjunto de conceitos adotados.

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i A Rede Escola Técnica Aberta do Brasil (Rede e-Tec Brasil) consiste numa política pública que visa

ampliar e democratizar o acesso a cursos técnicos de formação profissional, utilizando, para isso, a

modalidade EaD. Para saber mais a respeito, consultar: http://redeetec.mec.gov.br/index.php/home ii A Universidade Aberta do Brasil (UAB) é um sistema integrado por universidades públicas que oferece

cursos de nível superior na modalidade EaD para parcelas da população com dificuldades de acesso a essa

escolaridade. Para mais informações, recomenda-se a consulta ao endereço: http://www.uab.capes.gov.br iii

Conforme Prensky (2001), o imigrante digital faz parte da geração que não nasceu no mundo das

tecnologias digitais, mas adotou, em determinado momento de sua vida, essas tecnologias. iv O ProInfo foi criado por meio da Portaria n. 522, em 09 de abril de 1997, pela extinta Secretaria de

Educação a Distância (SEED), com o objetivo de promover o uso da tecnologia como recurso didático-

pedagógico no ensino público fundamental e médio. A partir do Decreto n. 6.300, de 12 de dezembro de

2007 ele mantém a sigla mas o ProInfo passou a ser Programa Nacional de Tecnologia Educacional. v Os NTE foram criados pelo ProInfo em 1997. Suas atribuições eram: a capacitação de professores

multiplicadores e o suporte técnico para a integração das tecnologias às unidades escolares. Em 2012, os

NTE foram transformados em polos das Escolas de Formação, voltados para a preparação dos professores

em todas as áreas do conhecimento e não apenas nos temas referentes ao uso das tecnologias na educação.

Mais recentemente, em 2015, o NTE voltou a compor o organograma da então Secretaria de Estado de

Educação, Cultura e Esporte. (Fonte:

<http://portal.seduc.go.gov.br/SiteAssets/Paginas/Institucional/Organograma/Organograma.jpg>. Acesso

em 2 jul. 2015) vi No sentido marxista, práxis é “atividade humana como atividade objetiva” (MARX, 1987, p. 160), quer

dizer, atividade orientada para a transformação de um objeto (natureza ou sociedade) enquanto fim

traçado pela subjetividade consciente e ativa dos homens e, consequentemente, atividade - numa unidade

indissolúvel - entre a objetividade e a subjetividade. O que é determinante neste processo prático não é a

transformação objetiva mas a unidade destes dois momentos: o objetivo e o subjetivo.

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4429ISSN 2177-336X