trabalho de reais

28
INTRODUÇÃO O presente trabalho, enquadrado na cadeira de Direitos Reais, ministrada no 5.º ano do Curso de Direito da Faculdade de Direito, da Universidade Eduardo Mondlane, tem como objectivo aferir “se o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) é ou não um novo Direito Real?”. Deste modo, importante será esclarecer a natureza jurídica do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra, no contexto da ordem jurídica moçambicana, especificamente face ao quadro legislativo específico dos Direitos Reais. É um trabalho importante para nós, na qualidade de estudantes, uma vez que nos permite um estudo mais aprofundado e a possibilidade de maior divulgação da matéria, tratando-se de um novo termo, por um lado. Por outro, por que trata-se de um tema de actualidade se tomarmos em consideração que hoje tem levantado acesos debates e até grandes conflitos nas comunidades moçambicanas. O trabalho está dividido em cinco capítulos, em que, no primeiro vamos discutir os conceitos dos Direitos Reais e do DUAT, no segundo, as características próprias dos Direitos Reais e do DUAT, no terceiro, o regime jurídico dos Direitos Reais e sua comparação com o do DUAT, no quarto capítulo, a natureza jurídica 1

Upload: antonio-nhantumbo

Post on 06-Jun-2015

238 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Trabalho de reais

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, enquadrado na cadeira de Direitos Reais, ministrada no 5.º ano do Curso de

Direito da Faculdade de Direito, da Universidade Eduardo Mondlane, tem como objectivo aferir

“se o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) é ou não um novo Direito Real?”.

Deste modo, importante será esclarecer a natureza jurídica do Direito de Uso e Aproveitamento

da Terra, no contexto da ordem jurídica moçambicana, especificamente face ao quadro

legislativo específico dos Direitos Reais.

É um trabalho importante para nós, na qualidade de estudantes, uma vez que nos permite um

estudo mais aprofundado e a possibilidade de maior divulgação da matéria, tratando-se de um

novo termo, por um lado. Por outro, por que trata-se de um tema de actualidade se tomarmos em

consideração que hoje tem levantado acesos debates e até grandes conflitos nas comunidades

moçambicanas.

O trabalho está dividido em cinco capítulos, em que, no primeiro vamos discutir os conceitos dos

Direitos Reais e do DUAT, no segundo, as características próprias dos Direitos Reais e do

DUAT, no terceiro, o regime jurídico dos Direitos Reais e sua comparação com o do DUAT, no

quarto capítulo, a natureza jurídica do DUAT comparando-a com a natureza jurídica dos Direitos

Reais, e no quinto e último, está destinado às conclusões.

1

Page 2: Trabalho de reais

PLANO ANALÍTICO

INTRODUÇÃOCAPITULO I1. Conceito dos Direitos Reais e do Direito de uso e aproveitamento de terra (DUAT);1.1. Comparação dos dois conceitos. 1.1.1. Do conceito de direito reais. 1.1.2. Do conceito do DUAT 1.1.3. Comparação dos dois conceitos

CAPÍTULO II2. Características próprias dos Direitos Reais e do Duat2.1. Características dos Direitos Reais2.1.1. Da Inerência2.1.2. Da Sequela 2.1.3. Prevalência2.2. Características próprias do DUAT2.3. Comparação das características dos Direitos Reais e do DUAT

CAPÍTULO III3. Regime jurídico dos Direitos Reais, sua comparação com a do DUAT3.1. Regime jurídico dos Direitos Reais 3.2. Regime jurídico do DUAT 3.3. Comparação da posse nos Direitos Reais e no DUAT 3.3. Comparação entre o direito de Propriedade nos Direitos Reais e no DUAT.

CAPÍTULO IV4. Natureza Jurídico do DUAT comparando com a Natureza Jurídica do Direito Real 4.1. Do Conceito do DUAT comparando com o dos Direito Real4. 2. Dos Sujeitos do DUAT comparando com os dos Direito Real4.3. Das Formas de Aquisição ou Constituição, incluindo Âmbito, Transmissão e Extinção do DUAT em comparação com a dos Direito Real, 4.3.1. Da Aquisição ou Constituição4.3.2. Do Âmbito4.3.4. Da Transmissão e Extinção em Comparação a Transmissão e Extinção dos Direito Real.4.4. Será que DUAT é um direito real?

CAPÍTULO VCONCLUSÃO

2

Page 3: Trabalho de reais

CAPITULO I

1. Conceito dos Direitos Reais e do Direito de uso e aproveitamento de terra (DUAT);

1.1. Comparação dos dois conceitos.

1.1.1. Do conceito de direito reais.

Relativamente ao conceito dos direitos reais, é relevante, indicar que existe discussão na doutrina

consubstanciada na teoria clássica e na teoria personalista uma vez que, na referida Discussão

doutrinária, por um lado, a teoria clássica, define o direito Real, como um poder directo e

imediato sobre determinada coisa, partindo do facto de, nas situações jurídicas patrimoniais

surgir uma coisa e uma ligação entre esta e o titular do direito.1

Nesta discussão doutrinária coloca-se a pergunta segundo a qual “se o facto de um determinado

sujeito possuir determinado bem conferir-lhe-ia, à partida, a posse dos direitos subjacentes que

incida sobre esse bem? ”.

Mesmo assim tal posição da teoria clássica sofre duas críticas a nível da doutrina:

Que o facto de o sujeito possuir a coisa não implica necessariamente que seja o dono

deste, na medida em que, tal facto não esgota, toda situação do direito real. Pois nem

sempre a posse duma coisa implica a posse imediata e directa sobre a mesma.

Que o poder jurídico sobre a coisa personaliza a coisa, criando uma relação entre a pessoa

e a coisa, apesar de o direito regular relações entre pessoas humanas.

Ademais, independentemente das coisas mencionadas a teoria clássica é assumida pelo nosso

código civil ao consagra-la no Art.º408 CC onde se estabelece que os direitos reais

constituem-se ou transferem-se com a celebração do contrato;

Por outro lado, a teoria personalista define o direito real, como uma relação não entre

uma coisa e uma pessoa, mas entre uma pessoa e todas outras.

Aos poderes do titular activo, contra poem-se uma obrigação passiva universal de não perturbar

o exercício do poder sobre a coisa.

1 MOREIRA, Álvaro etal, Direitos Reais, 2o ano as prelecções do Prof., C. A. Mota Pinto, ao 4o jurídico 1970-1971. Pág. 28,

Coimbra, 1971

3

Page 4: Trabalho de reais

Esta teoria tem como fundamento o conceito de ralação jurídica. Só que também esta teoria

personalista é objecto de críticas ao nível da doutrina, isto porque, a relação que se estabelece

entre os titulares e os demais é do tipo absoluto.

Em relação a esta matéria, o professor Oliveira Ascensão, ensina que não se pode constituir o

conceito de direitos reais na base de relação jurídica se tomarmos em consideração que o direito

real é um direito absoluto e, portanto, não depende de relação jurídica tal como acontece nos

direitos relativos2, o que significa que os direitos reais são oponíveis erga omns.

Outrossim, o direito real é um direito inerente, facto que pressupõem uma ligação entre um

direito e uma determinada coisa, de tal sorte que, faltando ou quebrando a tal ligação dentro da

relação, estaremos fora do âmbito dos direitos reais.

O professor Meneses Cordeiro, ensina que os direitos reais, não podem ser diferenciados através

do poder jurídico, mas sim, da faculdade normativa ou de permissão que a lei oferece às pessoas

para que estas tirem vantagens das coisas e diz mais que o poder jurídico está associado ao

direito público e não privado.3

1.1.2. Do conceito do DUAT

O DUAT é o “direito que as pessoas singulares ou colectivas e as comunidades locais adquirem

sobre a terra, com as exigências e limitações na presente lei”.4

1.1.3. Comparação dos dois conceitos

Como facilmente se pode depreender dos dois conceitos (Direitos Reais e DUAT), “Direito

Real” por um lado expressão significa na sua acepção subjectiva “um direito subjectivo referente

a um bem material ou, numa formulação técnica, uma permissão normativa específica de

aproveitamento de uma coisa corpórea”.5

Desta noção conclui-se que o direito real, enquanto permissão normativa, constitui um direito

subjectivo que implica, de alguma forma, a presença de uma coisa, sendo que, para concepção do

2 ASCENÇÃO, Oliveira, Direito Civil/ Reais 5a Edição. Revista e Ampliada, Pág. 42, Coimbra, 1993.3 Direitos Reais, Pág. 220, Lisboa, Repriting, 1997 4 Cfr no 2 do Art.º 1 da lei da terra (LT);5 António Meneses, Direito Real, in Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Vulume II, Pág. 554.

4

Page 5: Trabalho de reais

Direito Real, são necessárias noções completas e exactas de direito subjectivo e de coisa. Por

outro lado, a expressão Direito de Uso e Aproveitamento de Terra, denuncia igualmente o poder

de uso e aproveitamento. Ainda, o DUAT revela a faculdade de realização de autoridade sobre a

terra.

CAPÍTULO II

2. Características próprias dos Direitos Reais e do DUAT

2.1. Características dos Direitos Reais

Em relação a este item, impõem-se passar em revista algumas características dos Direitos Reais

orientadas para o respectivo estudo, neste trabalho, em função do objectivo que se pretende,

conforme se segue: Inerência, Sequela e Prevalência.

2.1.1. Da Inerência

Inerência traduz uma ideia de íntima ligação do direito à coisa. O direito Real muda, em geral, se

passar a recair sobre coisa diversa, em contrapartida acompanha a coisa nas suas vicissitudes. A

inerência tem como corolário a inseparabilidade do direito e da coisa.

Exemplo: Se “A” e “B” constituíram um direito de superfície sobre o prédio “y”, agora

pretendem transferir para o prédio “W”, isso significa a extinção do primeiro direito de

superfície e a constituição de um novo direito, nº. 2, do artigo 1545º CC.

2.1.2. Da Sequela

Sequela ou direito de seguimento, significa a possibilidade de o Direito Real ser exercido sobre a

coisa que constitui o seu objecto, mesmo quando na posse ou detenção de outrém

acompanhando-a nas suas vicissitudes, ou seja, qual for a situação a que essa coisa se encontra,

daí que o titular do direito real, possa sempre exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do

seu direito, ainda que objecto entre no domínio material ou na esfera jurídica de outrém.

5

Page 6: Trabalho de reais

2.1.3. Prevalência

Prevalência, igualmente conhecida por preferência, traduz-se no facto dos Direitos Reais

constituídos sobre uma coisa sobreporem-se quer sobre os direitos de crédito relativos a essa

coisa, quer sobre os Direitos Reais Constituídos a Posterior Sobre a mesma e que se consideram

total ou parcialmente incompatíveis com as anteriores.

Nos termos do Art.º 407 CC, estamos em face de prevalência quando se trata de estabelecer a

prioridade de um direito sobre outros, se entre eles houver incompatibilidade.

2.2. Características próprias do DUAT

São características próprias do DUAT:

A inerência, que é a ligação entre titular e DUAT.

A absolutidade, que traduz se no facto de o titular de acesso e aproveitamento de terra ter

o direito de opor o seu direito aos terceiros;

A prevalência, que quer dizer que o direito de uso e aproveitamento adquire-se, por acto

administrativo ou ocupação nos termos do art.º 12 da Lei n.º 19/ 97, de 1 de Outubro (Lei

da Terra).

2.3. Comparação das características dos Direitos Reais e do DUAT

Comparando as características dos Direitos Reais e do DUAT, conclui-se que tanto nos Direitos

Reais quanto no DUAT existe claramente as características de inerência, sequela e prevalência.

CAPÍTULO III

3. Regime jurídico dos Direitos Reais em comparação com a do DUAT

3.1. Regime jurídico dos Direitos Reais

Os Direitos Reais estão presentes no livro III, do nosso código civil. Estes, podem ser, a posse

(Art.º 1251 e ss),a propriedade (1302 e ss), usufruto (1439 e ss), uso e habitação (Art.º 1484 e ss),

o direito de superfície (Art.º 1524 e ss), servidões prediais (Art. 1543 e ss), hipoteca (Art.º 686 e

ss) e o Penhor (Art.º666).

6

Page 7: Trabalho de reais

3.2. Regime jurídico do DUAT

O DUAT é regido pelos seguintes diplomas legais:

Constituição da República, art.º 82 e artº. 111. – CRM 2004;

Decreto no 10/95, de 17 de Outubro, que aprova a Política Nacional de Terras;

Lei no 19/97, de 01 de Outubro, Lei de Terra;

Decreto no 66/98, de 8 de Dezembro, aprova o Regulamento da Lei de Terra;

Decreto no 1/ 2003, de 18 de Fevereiro, que altera a redacção do art.º 20 do Regulamento

da Lei de Terra.

3.3. Comparação da posse nos Direitos Reais e no DUAT

A posse nos direitos reais consiste no poder que se manifesta quando alguém actua por forma

correspondente aos exercícios do Direito de propriedade ou de outro direito. E, no DUAT, a

posse sobre a terra não se circunscreve a esta do mesmo modo que ocorre nos Direitos Reais,

porque nestes a posse atinge qualquer coisa corpórea enquanto que, no DUAT, em regra, a posse

é mais ampla.

3.4. Comparação entre o direito de Propriedade nos Direitos Reais e no DUAT.

A propriedade nos direitos reais, constitui um direito real máximo ou maior, mediante o qual é

assegurada a certa pessoa, com exclusividade, a generalidade dos poderes de aproveitamento

global das utilidades de certa coisa, em contraposição ao DUAT, que é um direito real menor ou

limitado, na medida em que a propriedade da terra pertence ao Estado. Porém, a doutrina e o

direito comparado não fixam o conceito do Direito de propriedade se não por via descritiva. É

dai que entende-se, conforme o artigo 1302 CC, que o proprietário goza de modo pleno e

exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertence, dentro dos limites

da lei, conteúdo este que além de ser taxativamente legal é igualmente fixada pelas partes, facto

que no Direito de Uso e Aproveitamento da Terra tal não se verifica.

CAPÍTULO IV

4. Regime Jurídico do DUAT comparado com o Regime Jurídico do Direito Real

7

Page 8: Trabalho de reais

Como em regra, qualquer outro direito, o DUAT possui um regime jurídico próprio que importa

aqui apresentar.

Porém, este direito não se encontra consagrado no nosso código civil, nos precisos termos em

que a Lei de Terra (Lei 19/1997, de 1 de Outubro) o concebe. Assim, o seu regime jurídico só

pode localizar-se na própria Lei de Terra (LT) e no respectivo Regulamento (RLT). Pelo que, no

presente trabalho o seu estudo e no que concerne à matéria que deve ser tratada, baseia-se

naqueles dois diplomas.

Quanto ao regime jurídico dos Direitos Reais (DR), este consta do nosso Código Civil, Livro III,

artigo 1251 e ss.

4.1. Do Conceito do DUAT Comparando com o dos Direitos Reais

Tal como apresentamos na comparação dos conceitos entre o dos DR e o do DUAT, o deste,

conforme suficientemente já o dissemos, trata-se de uma noção legal que consiste na afectação

de uma parcela de terra à alguém para dela fazer uso e fruição, em exclusivo, perpétua ou

temporariamente, duma parcela de terra.

Assim, dizemos perpétua em consonância com o facto de a própria Lei 19/97, de 1 de Outubro o

estabelecer no nº. 2, do art. 17º. Com efeito, o artigo 25º., deste mesmo diploma, fixa que a

atribuição do DUAT poderá ser definitiva ou temporária.

4. 2. Dos Sujeitos do DUAT comparando com os dos DR

Nos termos da LT e do respectivo regulamento, podem ser adquirentes ou sujeitos do DUAT, as

pessoas nacionais singulares – homens e mulheres -, ou colectivas e as comunidades locais, as

pessoas estrangeiras que residem há mais de 5 anos em Moçambique e as pessoas colectivas

estrangeiras constituídas ou registadas no país, desde que umas e outras tenham um projecto de

investimento devidamente aprovado6.

4.3. Das Formas de Aquisição ou Constituição, incluindo Âmbito, Transmissão e Extinção

do DUAT em comparação com a dos DR,

6 Vide alis. a) e b), do artigo 12 da LT, conjugado com artigo 9 e 10 do RLT

8

Page 9: Trabalho de reais

4.3.1. Da Aquisição ou Constituição

Tendo em linha de conta a Lei moçambicana (CRM/2004) “a terra é propriedade do Estado,

cabendo a este definir as condições do seu uso e aproveitamento”. É pois, neste contexto que o

DUAT surge, podendo ser adquirido por autorização ou por ocupação. A autorização é um acto

administrativo do Estado pelo qual se afecta uma parcela de terra a uma determinada pessoa.

Quanto à ocupação, esta decorre do quadro do direito costumeiro ou em obediência ao princípio

e ditames de boa-fé.

Nos DR a aquisição é feita com base “na prática reiterada, com publicidade dos actos materiais

correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada

pelo anterior possuidor, por constituto possessório, por inversão do título da posse”, alíneas a),

b), c) e d), do artigo 1263º do CC.

De salientar que a aquisição do DUAT por ocupação pode não ser titulada e não carece de

registo mas deve ser provada através de um dos meios probatórios admitidos por Lei de Terra7.

Mas já a aquisição do mesmo DUAT por autorização implica ser titulada e registada 8, sendo

testemunhal ou pericial se tal aquisição for por ocupação e com base na apresentação do

respectivo título, tratando-se de aquisição por autorização

4.3.2. Do Âmbito

O DUAT compreende, para além das situações jurídicas activas previstas nas alís., a) e b), do n.º

1 do artigo 13, com os limites previstos no artigo 14, todos do RLT, os poderes de uso e fruição

da parcela, podendo assim, o titular construir ou fazer plantações naquela mesma parcela, factos

que não acontecem nos DR.

7 Vide o artigo 15 da LT, conjugado com o artigo 21 do RLT8 Vide nºs. 3 e 4, do artigo 13 da LT

9

Page 10: Trabalho de reais

4.3.4. Da Transmissão e Extinção em Comparação a Transmissão e Extinção dos DR.

No que concerne à transmissão esta constitui uma mudança de titularidade do DUAT de uma

pessoa para outra, tendo como origem a doação conforme o direito costumeiro, ou da venda de

um prédio implantado numa determinada fracção de terra, por sucessão mortis causa, daí a

posição segundo a qual o DUAT é transmissível entre vivos e mortis causa. Assim, tratando-se

de transmissão entre vivos tem-se negócio jurídico de alienação de edifícios nos centros urbanos,

facto que carece de averbamento9. Quanto à mortis causa é por herança.10 Mas, os DR são, por

regra, transmissíveis em vida ou por morte, ou seja, são susceptíveis de mudar de esfera jurídica

com permanência da sua identidade objectiva, isto é, do seu conteúdo e objecto.

Quanto à extinção do DUAT, entende-se como sendo o deixar de existir deste direito na esfera

jurídica do seu titular, tendo como base a verificação de um facto jurídico para esse efeito, isto é,

qualquer dos factos previstos nas alíneas a) a d), do nº. 1, do artigo 18 da LT e no artigo 19 do

RLT. É pois, nesta acepção que são relevados como factos extintivos do DUAT a falta de

cumprimento do plano de exploração como do projecto de investimento, tempestivamente, bem

assim como a expropriação por utilidade pública, o termo do prazo do direito nas situações em

que tal exista, ou ainda a renúncia pelo titular do respectivo DUAT. É assim que, verificando-se

qualquer daqueles factos, o titular do DUAT deixa de ser e, por via disso, fica desvinculado dos

deveres legais estabelecidos no artigo 14 da LT na medida em que da sua esfera jurídica os

direitos inerentes e previstos no artigo 13 do RTL igualmente se extinguem. Por sua vez nos DR

a extinção pode operar-se por desaparecimento objectivo da coisa, não uso, impossibilidade de

exercício e usucapião libertatis, renúncia e abandono, prescrição e caducidade, confusão, outros

factos extintivos comuns, por efeito de autoridade administrativa ou judicial, expropriação e

requisição, nacionalização e confisco.

9 Vvide nºs. 2, 3 e 4 do artigo 16 da LT10 Vide o nº 1, do artigo 16 da LT

10

Page 11: Trabalho de reais

4.4. Será que DUAT é um direito Real?

Antes porém, importa analisar juridicamente o que é DUAT. Ora da leitura do nº. 2, do artigo 1º.,

da LT conclui-se que o DUAT é um direito subjectivo na medida em que contém uma posição

jurídica de vantagem que o Estado atribui às pessoas que requerem o direito de uso e

aproveitamento duma parcela de terra ou que pelo menos lhes reconhece a legitimidade da

respectiva ocupação por via costumeira.

Como se pode entender, está aqui subjacente o poder de exigir ou de pretender do Estado e de

particulares que estes se abstenham de impedir ou perturbar o titular no uso e fruição da parcela.

O DUAT incide, por via disso, sobre a terra e funciona no sentido de aproveitamento económico

da terra pelos sujeitos, retirando dela as respectivas vantagens. Assim, tomando como base o

facto de o dever jurídico do Estado e dos particulares contraporem-se a este direito que é de

observar o direito exigido, pode-se dizer seguramente que o DUAT é um direito subjectivo

propriamente dito, cujo exercício recai sobre uma coisa corpórea, susceptível de ser

individualizada.

Desta feita, o DUAT como direito subjectivo, é dotado de Absolutidade uma vez que goza de

eficácia erga omnes, que vincula os não titulares a um dever geral de respeito ou obrigação

passiva universal, de não ameaçar ou perturbar o seu exercício como acontece nos DR; é

igualmente dotado de patrimonialidade como ocorre nos DR na medida em que incidindo o

DUAT sobre um bem patrimonial que no caso sub Júdice é a terra, é susceptível de avaliação

pecuniária, pese embora, no nosso caso concreto a terra não possa ser vendida, hipotecada,

onerada ou penhorada. Outrossim, o DUAT apresenta uma situação que não ocorre nos DR, uma

natureza híbrida uma vez que tem uma relação de direito público entre o seu titular e o Estado,

este dotado do seu ius imperii e também uma relação de direito privado entre o seu titular e

outros particulares ou seja, é por um lado, um direito subjectivo público e por outro um direito

subjectivo privado, pese embora a falta de clareza no que concerne à determinação e ao conteúdo

do DUAT, além da dificuldade na escolha do melhor meio de defesa do DUAT, por parte da

administração e dos particulares.11

11 Vide “Implicações Jurídicas do debate sobre a Implementação da Legislação de Teras, pp 18; CHIZIANE, Eduardo

11

Page 12: Trabalho de reais

Esta natureza híbrida do DUAT, segundo Paulo COMOANE significa “que o DUAT se

apresenta como um direito real quando se trata de o situar no âmbito das relações jurídicas entre

particulares. Nas relações em que o Estado ou outros entes públicos, designadamente as

autarquias locais travam com o cidadão e quando estes entes agem nos termos do poder público,

o DUAT apresenta feições de um direito regulado pelo direito Público. Os litígios emergentes

destas relações devem ser dirimidos pelo Tribunal Administrativo”.12

De qualquer forma, se uma pessoa determinada possa adquirir o DUAT sobre uma parcela, seja

por ocupação ou por autorização, tal pessoa passa a ter ligação fáctica (ocupação) ou jurídica

(autorização) que aquela determinada parcela, conferindo-lhe o posicionamento de ser titular

activo do referido DUAT o que vale a que as demais pessoas se obriguem a respeitar aquele

titular no uso e fruição da mesma parcela (publicidade), situação em que, havendo uma ameaça,

perturbação ou esbulho, o titular do DUAT pode, para assegurar o seu direito, valer-se dos meios

de defesa em direito permitidos e adequados às circunstâncias, tais como, as acções reais

comuns, nomeadamente, declarativas, executivas, especiais e providências cautelares pertinentes

como os estabelecidos nos artigos 393º e 412º do CPC, as acções especiais, nomeadamente as de

prevenção, de manutenção, de reivindicação (eficácia erga omnes), de demarcação, de

preferência e possessória, assim como, acção directa conforme estabelece o art. 1314, do CC.

Ainda, com as limitações constantes da LT, do mesmo modo que ocorre em qualquer outro

direito subjectivo em que existam limites legais previstas para o seu exercício, o titular do DUAT

tem os poderes de uso, de fruição e de uma relativa disposição uma vez que pode em exclusivo,

com fundamento no DUAT, retirar da parcela a ele afecto todos os proveitos possíveis, dentre os

quais se incluía possibilidade da respectiva transmissão entre vivos – facto que igualmente

ocorre nos DR.

Dos factos supra mencionados, nos leva a entender que estamos em presença de um direito real,

dado este que é reforçado pela constatação de que no DUAT manifestam-se de forma notória os

princípios de especialidade, transmissibilidade, elasticidade, publicidade, consensualidade e da

12 Vide, Paulo COMOANE “ A natureza jurídica do direito de uso e aproveitamento da terra”. Comunicação apresentada na Conferência Comemorativa dos 10 anos da Lei de Terras, p. 27.

12

Page 13: Trabalho de reais

tipicidade. Pois, verificam-se no DUAT como ocorre nos DR a incidência sobre uma coisa que

neste caso tal coisa se chama terra, a ligação entre o seu titular e a coisa, objecto do direito, a

eficácia erga omnes dessa titularidade e a publicidade do seu exercício que implica notoriedade e

conhecimento pelos potenciais interessados na coisa que claramente, a autoridade pública, a

autoridade comunitária e os cidadãos, a sequela, a prevalência e a tipicidade.

O DUAT é um direito real menor ou limitado que admite a titularidade singular e plural uma vez

que enquadra-se perfeitamente no âmbito das classificações dos DR, decorrente dos critérios e

fins, concretamente aos critérios de conteúdo e da função. Ainda, o DUAT é um direito real de

gozo porque confere ao seu titular, por contraposição aos direitos reais de garantia e de

aquisição, o gozo da parcela que lhe está afecta, facto este que está consubstanciado nos poderes

de uso e aproveitamento. Admitindo esta realidade fica claro que o DUAT é um direito que pode

ser violado tanto pelo Estado, quanto pelos particulares. Porém, perante a violação pelo Estado, a

sua tutela é assegurada nas garantias constitucionais e nos dos administrados. As garantias

constitucionais são nomeadamente, o exercício pleno dos direitos consagrados na Constituição e

na legislação avulsa, o acesso aos tribunais para realização da justiça, o direito de propriedade e a

responsabilidade civil do Estado.13 Quanto às garantias dos administrados, são, por hipótese, o

direito de petição e o direito de resistência.14 Por contraposição às garantias graciosas como

sejam, o recurso hierárquico e a reclamação.15 As garantias contenciosas traduzem-se no recurso

ao poder jurisdicional, para fazer valer o direito da vítima de lesão pelo Estado. Relativamente à

violação pelos particulares, a respectiva tutela do DUAT pode ser feita de forma preventiva ou

correctiva, através dos meios judiciais e extra judiciais que o Direito admite para tal.16

13 vide arts. 68,81,82,86,96,97 e 100 da CRM de 200414 vide nº. 1 e 2 do art. 80 da CRM de 200415 vide arts. 220 e 221 EGFAE16 vide al. c), do art. 12, da LT, conjugado com art. 11 do RLT, art. 15 da LT conjugado com art. 21 do respectivo RLT; nºs 3 e 4 do art. 13 da LT

13

Page 14: Trabalho de reais

CAPÍTULO V

CONCLUSÃO

Em jeito de conclusão e depois do estudo feito em torno do tema, entendemos tratar-se de um

tema nada fácil, sobretudo, por um lado, devido ao facto de o DUAT, ser uma figura nova no

direito moçambicano, que, como se sabe, tem a sua génese na Independência Nacional de

Moçambique, conforme se pode constatar das referências do texto constitucional de 1975, e

reafirmado nas Constituições posteriores, consagrando que a terra é propriedade de Estado, e na

Lei nº. 6/79, de 3 de Julho. Por outro lado, devido a aparente falta de clareza sobre a natureza

jurídica do DUAT.

Essa falta da clareza, tal como tivemos a possibilidade de referenciar ao longo do trabalho

encontra a sua fundamentação no que diz respeito a determinação da essência e conteúdo do

DUAT, incluindo a dificuldade para os particulares e os órgãos da Administração da Justiça de

escolher o meio certo para a defesa do DUAT.

Ora, esta situação veio alterar todo um tipo de propriedade até então vigorante que embora não

alterasse a legislação vigente, concretamente o Código Civil, no que concerne aos direitos reais o

DUAT como um direito, aliás um direito real, se mostra claramente atípico, mas típico na nossa

ordem jurídica, uma vez que tem um regime jurídico próprio e funcional no nosso País, como se

pode depreende do estudo demonstrado pelo grupo, no presente trabalho.

Outrossim, DUAT, para nós, é um direito de natureza híbrida que, conforme propugna Dr. Paulo

COMOANE, apresenta-se como direito real quando se trata de o situar no âmbito das relações

jurídicas entre particulares. Os litígios emergentes destas relações devem ser dirimidos pelos

Tribunais Comuns. E, nas relações em que o Estado ou outros entes públicos, designadamente as

autarquias locais, travam com o cidadão e quando estes entes agem nos termos de poder público,

o DUAT apresenta feições de um direito regulado pelo direito público. Os litígios emergentes

destas relações devem ser dirimidos pelo Tribunal Administrativo, como demonstramos ao longo

do estudo.

14

Page 15: Trabalho de reais

BIBLIOGRAFIA

A – DOUTRINA

ASCENSÃO, José de Oliveira – Direito civil Reais, 5.ª Edição, Revista e Ampliada, coimbra

Editora, 1993.

CALENGO, André Jaime – Natureza Jurídica do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra,

Imprensa Universitária, 2003.

COMOANE, Paulo “ A natureza jurídica do direito de uso e aproveitamento da terra”.

Comunicação apresentada na Conferência Comemorativa dos 10 anos da Lei de terras

CORDEIRO, António Menezes, Direitos Reais, Reprint, Edições Lex, Lisboa, 1993.

QUADROS, Maria Conceição, Manual de Direito de Terras, CFJJ, 2004.

MOREIRA, Alvaro, Direitos Reais, Almedina, Coimbra.

PINTO, Rui, Direitos Reais de Moçambique, Almedina.

B – LEGISLAÇÃO

Lei nº 6/79, de 3 de Julho, que aprova a Lei de Terras;

Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro, que aprova a Lei de Terras;

Decreto n.º 66/98, de 8 de Dezembro, aprova o Regulamento da Lei de Terras;

Resolução, do Conselho de Ministros, n.º 10/95, de 17 de Outubro, aprova a Política Nacional de

Terras;

Decreto do Conselho de Ministros nº 66/98, de 8 de Dezembro, aprova o Regulamento da Lei de

Terras e revoga o Decreto nº 16/87, de 15 de Julho;

Lei n.º 14//2009, de 17 de Março, que aprova o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do

Estado

15

Page 16: Trabalho de reais

ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1PLANO ANALÍTICO 2CAPITULO I 31. Conceito dos Direitos Reais e do Direito de uso e aproveitamento de terra (DUAT); 31.1. Comparação dos dois conceitos. 31.1.1. Do conceito de direito reais. 31.1.2. Do conceito do DUAT. 41.1.3. Comparação dos dois conceitos 4

CAPÍTULO II 52. Características próprias dos Direitos Reais e do DUAT 52.1. Características dos Direitos Reais 52.1.1. Da Inerência 52.1.4. Da Sequela 52.1.5. Prevalência 62.2. Características próprias do DUAT 62.3. Comparação das características dos Direitos Reais e do DUAT 6

CAPÍTULO III3. Regime jurídico dos Direitos Reais, sua comparação com a do DUAT 63.1. Regime jurídico dos Direitos Reais 63.2. Regime jurídico do DUAT 73.3. Comparação da posse nos Direitos Reais e no DUAT 73.3. Comparação entre o direito de Propriedade nos Direitos Reais e no DUAT. 7

CAPÍTULO IV4. Natureza Jurídico do DUAT comparando com a Natureza Jurídica do Direito Real 84.1. Do Conceito do DUAT comparando com o dos Direito Real 84. 2. Dos Sujeitos do DUAT comparando com os dos Direito Real 84.3. Das Formas de Aquisição ou Constituição, incluindo Âmbito, Transmissão e Extinção do DUAT em comparação com a dos Direito Real 94.3.1. Da Aquisição ou Constituição 94.3.2. Do Âmbito 94.3.4. Da Transmissão e Extinção em Comparação a Transmissão e Extinção dos Direito Real. 104.4. Será que DUAT é um direito real? 10

CAPÍTULO VConclusão 14

Bibliografia 15

16