apostila de direitos reais

78
Direitos Reais AULA 01 – DIREITOS REAIS Prof. Rafael de Menezes http://www.rafaeldemenezes.adv.br/index.php Aula do dia 12.08.04 INTRODUÇÃO O curso de direito civil é uno. Desde Civil 2 é visto o Direito Patrimonial, que se divide em direito obrigacional (a maior fonte de obrigação é o contrato) e Direito Real (propriedade é o principal direito real). Nos Direito das Obrigações, nós estudamos as relações dos homens entre si. Nos Direitos Reais, nós estudamos a relação dos homens com as coisas, sempre movido por interesse econômico. Desse relacionamento econômico, com as pessoas e com as coisas, forma-se um patrimônio ao longo de nossa vida, que será transferido aos nossos herdeiros após nossa morte, de acordo com as regras do Direito das Sucessões. O interesse econômico está em todas essas relações. O Direito de Família é o menos patrimonial de todas os ramos do Direito Civil. Em suma, o Direito Patrimonial é o campo do Direito Civil onde as pessoas se relacionam entre si, através dos contratos, e onde as pessoas se relacionam com as coisas, adquirindo propriedade, com o objetivo de formar um patrimônio, que será transferido aos herdeiros após a morte.

Upload: nerobarros

Post on 18-Feb-2015

37 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Apostila de Direitos Reais

Direitos Reais

AULA 01 – DIREITOS REAIS

Prof. Rafael de Menezes

http://www.rafaeldemenezes.adv.br/index.php

Aula do dia 12.08.04 

INTRODUÇÃO

            O curso de direito civil é uno. Desde Civil 2 é visto o Direito Patrimonial, que se divide em direito obrigacional (a maior fonte de obrigação é o  contrato) e Direito Real (propriedade é o principal direito real).

            Nos Direito das Obrigações, nós estudamos as relações dos homens entre si. Nos Direitos Reais, nós estudamos a relação dos homens com as coisas, sempre movido por interesse econômico. Desse relacionamento econômico, com as pessoas e com as coisas, forma-se um patrimônio ao longo de nossa vida, que será transferido aos nossos herdeiros após nossa morte,  de acordo com as regras do Direito das Sucessões. O interesse econômico está em todas essas relações.

            O Direito de Família é o menos patrimonial de todas os ramos do Direito Civil.

            Em suma, o Direito Patrimonial é o campo do Direito Civil onde as pessoas se relacionam entre si, através dos contratos, e onde as pessoas se relacionam com as coisas, adquirindo propriedade, com o objetivo de formar um patrimônio,  que será transferido aos herdeiros após a morte. 

No direito patrimonial predomina a autonomia privada, onde a liberdade dos particulares é grande, não há a presença marcante do Estado. É permitido fazer tudo o que a lei não proíbe, diferentemente do direito público (Administrativo - onde só se faz o que a lei permite). 

DIREITO REAL

Conceito:

             É o campo do direito patrimonial cujas regras tratam do poder dos homens sobre as coisas apropriáveis.

Objeto:

As coisas apropriáveis são aquelas que podem ser objeto de propriedade. A princípio, todas as coisas  úteis e raras podem ser objeto de propriedade, diante do interesse   econômico   que   elas   despertam.  Excluem-se   os   bens   abundantes,   sem valoração econômica  (ex:  água do mar,  o  ar  que se respira,   luz do sol).  A coisa 

Page 2: Apostila de Direitos Reais

pública não é apropriável. (revisar bens públicos, arts 98 a 103)   Uma ilha pode ser particular, mas a praia sempre é pública (ex: ilha de Santo Aleixo, em Sirinhaém-PE)

            As coisas podem ser apropriadas devido a uma relação jurídica contratual (ex: A  vende  a  B  e  B  se   torna  dono  da  coisa  e  A  do  dinheiro)  ou  pela  captura   (  = ocupação, onde não há relação com pessoas, ex: pegar uma concha na praia, pescar um peixe).   A aquisição decorrente de contrato se diz  derivada, porque a coisa  já pertenceu a outrem; a aquisição derivada da ocupação se diz  originária  porque a coisa nunca teve dono. 

Assim, as coisas apropriáveis são objeto de propriedade, que é o mais amplo direito real. Sinônimo de propriedade é o domínio (alguns autores enxergam diferença entre propriedade e domínio mas eu não). O conceito de propriedade já foi absoluto no Direito Romano. Atualmente, esse direito é relativo. Por exemplo: a propriedade rural,  antigamente,  poderia  ser   improdutiva pois  o  dono poderia   fazer  o  que bem entendesse com seus bens.  Atualmente,  com a CF-88,  existe  a   função social  da propriedade,   vedando-se   ao  dono   deixa-la   improdutiva.  VER  ART.   1228,  CAPUT (caráter   absoluto   da   propriedade   –   caracterizado   pelo   poder   de   disposição). Acrescentou-se o §1º ao art. 1228, relativizando o caráter absoluto da propriedade. É a   função   social   da   propriedade   (que   pode   ser   urbana   ou   rural).   Interessa   à coletividade que seja respeitada a função social da propriedade.

Características dos direitos reais:

a)     seqüela

b)     preferência

Seqüela, por exemplo é a reivindicação do art. 1228. É o direito de reaver a coisa de quem quer  que  injustamente  a  detenha.  Vem do verbo  “seguir”.  Dá-se quando o proprietário persegue a coisa para recuperá-la, não importando com quem a coisa esteja.  É um poder do titular do direito real de seguir a cosia para recuperá-la de quem injustamente a possua. É uma característica fundamental dos direitos reais, e não só da propriedade,  mas do usufruto,  superfície,  hipoteca, etc.  Não existe nos direitos obrigacionais, e é por isso que os direitos reais são mais fortes/poderosos do que os direitos pessoais. 

Preferência   interessa   aos   direitos   reais   de   garantia   (penhor,   hipoteca,   e alienação   fiduciária).   É   uma   grande   vantagem   sobre   as   garantias pessoais/obrigacionais   como   aval   e   fiança.   Veremos   no   próximo   semestre.   VER ARTS. 961, 1419 e 1422 (a título de curiosidade).

Diferenças entre os Direitos Reais e os Direitos Obrigacionais:

-         objeto

DR: é determinado; é corpóreo (via de regra)*

Page 3: Apostila de Direitos Reais

DO:   indeterminado   até   a   satisfação   do   crédito;   incorpóreo   (regra   geral,   a prestação, o serviço, a omissão)

* exceções à regra da materialidade do objeto dos direitos reais são os chamados direitos autorais. É a propriedade intelectual.

-         violação:

DR: por ação ex: invadir propriedade alheia

DO: por omissão (em geral)* ex: deixar de pagar a dívida

* exceção à regra da omissão é a obrigação de não-fazer: cumpre-a o devedor que se omite.

-         duração:

DR: permanentes*

DO: temporários

*quanto mais é exercido mais forte o direito real se torna, através da ostensibilidade, ou seja,  a  sociedade sabe.  Exercer  o  direito  obrigacional  é  extingui-lo.  Exercer  o direito real é fortalecê-lo. 

-         usucapião:

DR: usucapíveis

DO: não se adquirem pela usucapião*

* usucapião é a aquisição da propriedade pela posse prolongada, respeitando-se os requisitos legais, em determinado período de tempo, continuamente. 

-         sujeito passivo:

DR: absoluto (toda a sociedade)  ERGA OMNES* pois toda a sociedade precisa respeitar minha propriedade sobre meus bens

DO: relativo (o devedor); só posso cobrar a dívida do devedor e não de todos

* a característica erga omnes acarreta a oposição a toda e qualquer pessoa.

-         tipicidade: 

DR: típicos (criados pela lei tão somente)*

DO: atípicos (art. 425 – criação de contratos)

Page 4: Apostila de Direitos Reais

* art. 1225 – são os direitos reais existentes. Artigo de enumeração taxativa. Além destes   dez   incisos,   acrescentem   apenas  mais   dois:   o   direito   de   preferência   do inquilino, do art. 33 da lei 8245/91, e a alienação fiduciária em garantia, do DL 911/69 e dos arts. 1361 a 1368 do CC

DA POSSE

Vimos na aula passada que só existe direito real se criado pela lei, pois as partes não podem criar direitos reais. Sabemos que as partes podem criar direitos obrigacionais, podem criar contratos (art. 425 do CC), mas não podem criar direitos reais porque os direitos reais são mais poderosos, são juridicamente mais fortes, mais seguros, por isso só a lei pode criá-los. 

O art. 1225 tipifica os direitos reais em dez incisos. Além destes dez, incluam mais dois: o direito de preferência do inquilino, previsto no art. 33 da lei 8245/91, e a alienação fiduciária, prevista no DL 911/69 e no art.1361 do próprio CC. Mas tudo isso será visto no próximo semestre. Para este semestre vamos estudar apenas o inciso I que é  a propriedade, o mais amplo, complexo e importante direito real. 

Propriedade é sinônimo de domínio, mas é muito diferente de posse. E o que é posse? Bem, posse não é direito, pois não está relacionado como tal pelo art. 1225. O legislador   inclusive  trata  a  posse em título  anterior  ao  título  dos DIREITOS reais. Alguns juristas entendem que a posse é um direito, mas eu me filio à corrente que considera a posse um FATO e não um direito.  

Se a posse não é um direito por que  precisa ser estudada? Porque a posse é muito importante pelos seguintes motivos:

1 – a posse é a exteriorização da propriedade, que é o principal direito real; existe uma presunção de que o possuidor é o proprietário da coisa. Olhando para vocês eu presumo  que  estas   roupas  e   livros  que   vocês  estão  usando   (possuindo)   são  de propriedade de vocês, embora possam não ser, possam apenas ser emprestadas, ou alugadas, por exemplo. A aparência é a de que o possuidor é o dono, embora possa não ser. 

2 -   a posse precisa ser estudada e protegida para evitar violência e manter a paz social; assim se você não defende seus bens (§ 1o do 1210) e perde a posse deles, você não pode usar a força para recuperá-los, precisa pedir à Justiça. Você continua proprietário   dos   seus  bens,  mas  para   recuperar   a  posse  da   coisa   esbulhada   só através do Juiz, para evitar violência. 

3 – a posse existe no mundo antes da propriedade, afinal a posse é um fato que está na natureza, enquanto a propriedade é um direito criado pela sociedade; os homens primitivos tinham a posse dos seus bens, a propriedade só surgiu com a organização da sociedade e o desenvolvimento do direito. 

Conceito   de   posse:   é   o   estado   de   fato   que   corresponde   ao   direito   de propriedade.

Page 5: Apostila de Direitos Reais

Como a posse não é  direito,  a  propriedade é  mais   forte  do que a  posse. Dizemos que a posse é uma relação  de fato transitória, enquanto a propriedade é uma relação  de direito permanente, e que a propriedade prevalece sobre a posse (súmula 487 do STF: será deferida a posse a quem tiver a propriedade).  

DA DETENÇÃO

Então posse é menos do que propriedade, e DETENÇÃO é menos do que posse. Sim, existe um estado de fato inferior à posse que é a detenção. 

Conceito de detenção: estado de fato que não corresponde a nenhum direito (art 1198). Ex: o motorista de ônibus; o motorista particular em relação ao carro do patrão; o bibliotecário em relação aos livros, o caseiro de nossa granja, casa de praia, etc. Tais pessoas não têm posse, mas mera detenção por isso jamais podem adquirir a propriedade pela usucapião dos bens que ocupam, pois só a posse prolongada enseja usucapião, a detenção prolongada não enseja nenhum direito. O detentor é o fâmulo,   ou   seja,   aquele   que   possui   a   coisa   em   nome   do   verdadeiro   possuidor, obedecendo ordens dele. Vide ainda art. 1208 que se refere ao ladrão, ao invasor, àquela pessoa que atravessa nosso terreno para encurtar caminho, etc. Voltaremos a esse art 1208 nas próximas aulas.  

TEORIAS DA POSSE:

Dois juristas alemães fizeram estudos profundos sobre a posse que merecem nosso conhecimento:

1 – Teoria Subjetiva: elaborada por Savigny em 1803, que elaborou um tratado sobre a posse afirmando que a posse seria a soma de dois elementos: o “corpus” e o “animus”. O corpus é o elemento material, é o poder físico da pessoa sobre a coisa, é o elemento externo/objetivo, é a ocupação da coisa pela pessoa. Já o animus é o elemento  interno/subjetivo,  é a vontade de ser  dono daquela coisa possuída,  é  a vontade   de   ter   aquela   coisa   como   sua.   Assim,   para   este   jurista,   o   locatário,   o usufrutuário, o comodatário não teriam posse pois sabem que não são donos. Tais pessoas teriam apenas detenção, não poderiam sequer se proteger como autoriza o 1210 e § 1o. (ex: o inquilino não poderia defender a casa onde mora contra um ladrão, pois o  inquilino seria mero detentor). Savigny errou ao valorizar demais o animus. Conceito   de   posse   de   Savigny:   posse   é   o   poder   que   tem   a   pessoa   de   dispor fisicamente de uma coisa (corpus) com a intenção de tê-la para si (animus).

2 – Teoria Objetiva de Ihering: criticou Savigny e deu destaque à propriedade. Diz Ihering que se o proprietário tem a posse, não há necessidade de distinção entre elas. Porém,  o   proprietário   pode   transferir   sua  posse  a   terceiros  para   um melhor   uso econômico   (ex:   um   médico/professor   que   herda   uma   fazenda   não   vai   saber administrá-la, é melhor então alugá-la/arrendá-la a um agricultor/empresário). Assim a posse   se   fragmenta   em   posse   indireta   (do   proprietário)   e   posse   direta   (do locatário/usufrutuário/comodatário).  Ambos  os  possuidores   têm direito  a  exercer  a 

Page 6: Apostila de Direitos Reais

proteção possessória do art 1210. Nosso Código adotou a Teoria de Ihering como se vê dos arts. 1196 e 1197. Ihering veio depois de Savigny e pôde aperfeiçoar a Teoria Subjetiva. Na prática, a diferença entre as teorias é porque para Ihering o proprietário e   o   possuidor   direto   podem  defender   a   posse,   já   que   o   proprietário   permanece possuidor indireto (ex: o MST invade uma fazenda alugada, então tanto o proprietário como   o   arrendatário   podem   defender   as   terras   e/ou   acionar   a   Justiça).   Ihering desprezou o animus e deu importância à fragmentação do corpus para uma melhor exploração econômica da coisa. Conceito de posse de Ihering: posse é a relação de fato entre pessoa e coisa para fim de sua utilização econômica, seja para si, seja cedendo-a para outrem. 

OBJETO DA POSSE

Pode ser toda coisa material, corpórea, que ocupa lugar no espaço. Como diziam os romanos, “res qui tangit possum”, ou coisa que pode ser tocada.   Assim, todas as coisas  móveis   e   imóveis   que   ocupam   lugar   no   espaço   podem   ser   possuídas   e protegidas. Essa é a regra geral, embora admita-se com controvérsias a possibilidade de posse de coisas imateriais como linha telefônica, energia elétrica, sinal de TV por assinatura, marcas e patentes protegidas pela propriedade intelectual, etc. Não há posse nos direitos autorais, nos direitos de crédito, nas obrigações de fazer e de não-fazer, entre outros. Mas alguns contratos exigem a transferência da posse para sua formação como locação, depósito e comodato. Outros contratos não transferem só a posse, mas também a propriedade da coisa como compra e venda, doação e mútuo.

CLASSIFICAÇÃO DA POSSE

a)      OBJETIVA:  esta  classificação  leva  em conta  elementos  externos,  visíveis,  e divide a posse em justa e  injusta. A posse  injusta é a violenta, clandestina ou precária, a posse justa é o contrário (art. 1.200). A posse violenta nasce da força (ex: invasão de uma fazenda, de um terreno urbano, o roubo de um bem). A posse clandestina é adquirida na ocultação (ex: o furto), às escondidas, e o dono nem percebe o desapossamento para tentar reagir como permite o § 1o do art. 1.210. A posse precária  é  a  posse  injusta  mais  odiosa porque ela  nasce do  abuso de confiança   (ex:   o   comodatário   que   findo  o   empréstimo  não  devolve   o  bem;  o inquilino que não devolve a casa ao término da locação; A pede a B para entregar um livro a C, porém B não cumpre o prometido e fica com o livro, abusando da confiança de A). Todas essas três espécies de posse injusta na verdade não são posse, mas detenção (art. 1208). O relevante é porque a detenção violenta e a clandestina podem convalescer, ou seja, podem se curar e virar posse quando cessar   a   violência   ou   a   clandestinidade,   e   o   ladrão   passar   a   usar   a   coisa publicamente,   sem   oposição   ou   contestação   do   proprietário.   Já   a   detenção precária jamais convalesce, nunca quem age com abuso de confiança pode ter a posse da coisa para com o passar  do  tempo   se beneficiar  pela  usucapião e adquirir a propriedade. O ladrão e o invasor até podem se tornar proprietários, mas   quem  age   com   abuso   de   confiança   nunca.   Voltaremos   a   esse   assunto quando formos estudar usucapião em breve. 

Page 7: Apostila de Direitos Reais

b)    SUBJETIVA: a classificação subjetiva leva em conta a condição psicológica do possuidor, ou seja, elementos internos/íntimos do possuidor, e divide a posse em de boa-fé e de má-fé. A posse é de boa-fé quando o possuidor tem a convicção de que sua posse não prejudica ninguém (1201).  A  posse é  de má-fé  quando o possuidor  sabe que   tem vício.  A  posse  de  boa-fé,  embora   íntima,  admite  um elemento   externo   para   facilitar   a   sua   comprovação.  Este   elemento   externo   é chamado   de   “justo   título”,   ou   seja   um   documento   adequado   para   trazer verossimilhança à boa-fé do possuidor. (ver pú do 1201; ex: comprar bem de um menor  que   tinha   identidade   falsa;   outro  ex:  A  aluga  uma casa  a  B  e  proíbe sublocação; C não sabe de nada, e B subloca a C; C está de boa-fé pois tem um contrato com B, porém sua boa-fé cessa quando A comunicar a C que B não podia sublocar – art. 1202).   

Em geral a posse injusta é de má-fé e a posse justa é de boa-fé, porém admite-se posse   injusta  de  boa-fé   (ex:   comprar  coisa  do   ladrão,  1203;  é   injusta  porque nasceu da violência, mas o comprador não sabia que era roubada), e posse justa de má-fé (ex: o tutor comprar bem do órfão, o Juiz comprar o bem que ele mandou penhorar,  mesmo pagando o preço correto, é vedado pelo art.  497; a posse é justa porque foi pago o preço correto, mas é de má-fé porque tem vício, porque viola a ética, a moral, e a própria lei, afinal o tutor, o Juiz não basta ser honesto, também tem que parecer honesto). 

COMPOSSE: é a posse exercida por duas ou mais pessoas, como o condomínio é a propriedade exercida por duas ou mais pessoas (1199). A composse pode ser tanto na posse direta como na indireta (ex: dois irmãos herdam um apartamento e alugam a um casal, hipótese em que os irmãos condôminos terão composse indireta e o casal a composse direta).

AQUISIÇÃO DA POSSE

         Já sabemos que nosso legislador adotou a teoria objetiva da posse de Ihering. Então possuidor é todo aquele que ocupa a coisa, seja ou não dono dessa coisa (1196), salvo os casos de detenção já vistos (art.  1198). Sabemos também que o proprietário, mesmo que deixe de ocupar a coisa, mesmo que perca o contato físico sobre   a   coisa,   continua   por   uma   ficção   jurídica   seu   possuidor   indireto,   podendo proteger a coisa contra agressões de terceiros (1197).

         Quais são os poderes inerentes à propriedade referidos no art. 1196? São três: o uso, a fruição (ou gozo) e a disposição, conforme art. 1228. Então todo aquele que usa, frui ou dispõe de um bem é seu possuidor (1196). É por isso que eu chamo a propriedade   de   um   direito   complexo,   porque   é   a   soma   de   três atributos/poderes/faculdades.   Voltaremos   a   esse   assunto   breve   quando   formos estudar propriedade.

         Para adquirir a posse de um bem, basta usar, fruir ou dispor desse bem. Pode ter apenas um, dois ou os três poderes inerentes à propriedade que será possuidor da coisa (1204: “em nome próprio” para diferenciar a posse da detenção do 1198). É por 

Page 8: Apostila de Direitos Reais

isso que pode haver dois possuidores (o direto e o indireto) pois a posse pertence a quem tem o exercício de algum dos três poderes inerentes ao domínio. 

         Exemplos de aquisição da posse: através da ocupação ou apreensão (pescar um peixe,  pegar  uma concha  na  praia,  pegar  um sofá  abandonado  na  calçada), através de alguns contratos (compra e venda, doação, troca, mútuo – vão transferir posse  e  propriedade;   já  na   locação,   comodato  e  depósito  só  se  adquire  posse), através dos direitos reais (usufruto, superfície, habitação, alienação fiduciária), através do direito sucessório (1784).

          Na hipótese de ocupação (ou apreensão) se diz que a aquisição da posse é originária,   pois  não  existe   vínculo   com o  possuidor  anterior.  Nos  demais   caos  a aquisição da posse é derivada de alguém, ou seja, a coisa passa de uma pessoa para outra com os eventuais vícios do 1203 e 1206 (ex: comprar coisa de um ladrão não gera   posse,  mas   sim   detenção   violenta,   salvo   vindo   a   detenção   a   convalescer, virando posse e depois propriedade pela usucapião; 1208 e 1261). 

         É importante saber o dia em que a posse foi adquirida para contagem do prazo da usucapião, bem como para caracterizar a posse velha (mais de um ano e um dia) do art. 924 do CPC. Falaremos de usucapião em breve e de posse velha na próxima aula. 

         O incapaz pode adquirir posse? Uns dizem que não face ao art. 104, I. Outros dizem que sim pois posse não é direito, mas apenas fato (vide 542 e 543 – aceitação ficta). 

PERDA DA POSSE

Perde-se a posse quando a pessoa deixa de exercer sobre a coisa qualquer dos três poderes inerentes ao domínio (= propriedade), conforme 1223, 1196 e 1204. 

Exemplificando, perde-se a posse por 1 ) abandono (significa renunciar à posse, é a res derelictae = coisa abandonada, como colocar na calçada um sofá velho; mas tijolo na calçada em  frente  de uma casa em obra não é coisa abandonada,  é  preciso sempre agir com razoabilidade); 2 ) tradição (entrega da coisa a outrem com ânimo de se  desfazer   da  posse,   como  ocorre   nos   contratos  de   locação,   compra  e   venda, comodato,   etc;   entregar   a   chave   do   carro   ao  motorista/manobrista   não   transfere posse, só detenção);  3 ) perda    da coisa (=  res amissa;  a perda é  involuntária e permanente;   ocorre   quando   a   pessoa   não   encontra   a   coisa   perdida   e   quem   a encontrou não a devolve – 1233);  4)  pela sua colocação  fora do comércio  (ex:  o governo decide proibir o cigarro, 104, II); 5) pela posse de outrem (invasor, ladrão) superior a um ano e um dia, mesmo contra a vontade do legítimo possuidor; antes de um ano e um dia (924 do CPC) o invasor/ladrão só tem detenção - 1208; após esse prazo já tem posse, e após alguns anos terá propriedade através da usucapião, isso tudo se o proprietário permitir e não estiver questionando na Justiça a perda do seu bem; isso parece absurdo, proteger o ladrão/invasor, mas o efeito do tempo é tão importante para o direito, e a posse é tão importante para presumir (dar aparência) a propriedade, que, nas palavras de Ihering, citado por Silvio Rodrigues “mais vale que 

Page 9: Apostila de Direitos Reais

um velhaco,  excepcionalmente,  partilhe  de  um benefício  da   lei,   do  que  ver  esse benefício negado a quem o merece”; é mais ou menos como aquele refrão que se houve no Tribunal  do Júri  Penal:  é melhor  um culpado solto do que um inocente preso.

EFEITOS DA POSSE

             Quais os efeitos, quais as conseqüências jurídicas da posse? São muitas, é por isso que precisamos estudar a posse. Embora não se trate de um direito, a posse é a exteriorização de um direito complexo e importantíssimo (a propriedade), por isso a  posse  tem conseqüências   jurídicas,  por   isso  a  posse é  um  fato  protegido  pelo direito.Vejamos os efeitos da posse: 

            1 – direito à legítima defesa, ou desforço imediato, ou autodefesa da posse do § 1o do 1210, afinal quem não defende seus bens, móveis ou imóveis, não é digno de possuí-los. Se o possuidor não age “logo” precisa recorrer ao Poder Judiciário, para não incidir no 345 do Código Penal. Os limites desta autodefesa são os mesmos da legítima defesa do direito penal, ou seja, deve-se agir com moderação mas usando os meios necessários. 

            2 – direito aos interditos: interdito é uma ordem do Juiz e são três as ações possessórias que se pode pedir ao Juiz quando o possuidor não tem sucesso através do desforço imediato. Esta matéria é de interesse processual, vocês vão aprofundar esse assunto em processo civil, mas eu considero prudente adiantar alguma coisa:

             - ação de interdito proibitório: é uma ação preventiva usada pelo possuidor diante de uma  séria ameaça  a sua posse (ex: os jornais divulgam que o MST vai invadir   a   fazenda   X   nos   próximos   dias).   O   dono   (ou   possuidor,   ex: arrendatário/locatário)  da fazenda  ingressa então com a ação e pede ao Juiz que proíba os réus de fazerem a invasão sob pena de prisão e sob pena de multa em favor do autor da ação. (vejam a parte final do art. 1210, caput)

            - ação de manutenção de posse: esta ação é cabível quando houve turbação, ou seja, quando já houve violência à posse (ex: derrubada da cerca, corte do arame, cerco à fazenda, fechamento da estrada de acesso). O possuidor não perdeu sua posse, mas está com dificuldade para exerce-la livremente conforme os exemplos. (vide art 1210 parte inicial). O possuidor pede ao Juiz para ser mantido na posse, para que cesse a violência e para ser indenizado dos prejuízos sofridos. 

            - ação de reintegração de posse: esta ação vai ter lugar em caso de esbulho, ou seja, quando o possuidor efetivamente perdeu a posse da coisa pela violência de terceiros. O possuidor pede ao Juiz que devolva o que lhe foi tomado. Esta ação cabe também quando o inquilino não devolve a coisa ao término do contrato, ou quando o comodatário não devolve ao  término do empréstimo. A violência do  inquilino e do comodatário surge ao término do contrato,  ao não devolver a coisa, abusando da confiança do locador/comodante. (vide 1210 no meio). O possuidor pede ao Juiz para ser reintegrado na posse. 

Page 10: Apostila de Direitos Reais

            Estas três ações cabem para defender móveis e imóveis, sendo fungíveis, ou seja, se o advogado erra a ação não tem problema pois uma ação pode substituir a outra (ex: entra com o interdito mas quando o Juiz vai despachar já houve esbulho, não   tem problema,   920  CPC),   além disso  o  direito   é  mais   importante  do  que  o processo. Se sua posse foi violada e o direito protege a posse das pessoas, existe uma ação para garantir essa proteção, afinal o direito é mais importante do que o processo.   Para   qualquer   direito   existe   uma   ação   (processual)   para   assegurar, garantir, esse direito. 

            Outra coisa muito importante: estas ações devem ser propostas no prazo de até um ano e um dia da agressão (art 924 do CPC), pois dentro deste prazo o Juiz pode LIMINARMENTE determinar o afastamento dos réus que só tem detenção; após esse prazo, o  invasor  já tem POSSE VELHA e o Juiz não pode mais deferir  uma liminar, e o autor vai ter que esperar a sentença que demora muito. A liminar é uma decisão que o Juiz concede no começo do processo, já a sentença é uma decisão que só vem no final do processo, após muitos prazos, audiências, etc. E nesse tempo todo os réus estarão ocupando a coisa. Por isso é preciso agir dentro do prazo de um ano  e um dia (DETENÇÃO ou POSSE NOVA) para se obter uma grande eficácia na prática. Se o réu tem POSSE VELHA, o Juiz deve negar a liminar, mantendo o estado de fato, até que após formar todo o processo o Juiz julgue o estado de direito (art 1211, súmula 487 STF). O proprietário sempre vence o possuidor, afinal a posse é um fato provisório e a propriedade é um direito permanente. 

            3 – direito aos frutos e aos produtos: O possuidor  de boa-fé  tem direito aos frutos e aos produtos da coisa possuída (art 95 e 1214). Então o arrendatário de uma fazenda pode retirar os  frutos  e os  produtos  da coisa durante o contrato. Os frutos diferem dos produtos pois estes são esgotáveis, são exauríveis (ex: uma pedreira), enquanto os frutos se renovam. Os frutos podem ser naturais (ex: crias dos animais, frutas  das  árvores,  safra  de uma plantação)  ou   industriais   (ex:  produção de uma fábrica de carros) ou civis (ex: rendimentos provenientes de capital como os juros). (ver pu do 1214, e 1215). O possuidor de má-fé não tem esses direitos (1216), salvo os da parte final do 1216 afinal, mesmo de má-fé, gerou riqueza na coisa. 

            Veremos ainda outros efeitos na próxima aula.

Direitos Reais

EFEITOS DA POSSE (continuação) – Aula 06 de 31.08.04 

4   -     Direito   à   indenização   e   retenção   por   benfeitorias:   Se   o   possuidor   realiza benfeitorias (= melhoramentos, obras, despesas, plantações, construções) na coisa deve ser indenizado pelo proprietário da coisa, afinal a coisa sofreu uma valorização com tais melhoramentos. Se o proprietário não indenizar, o possuidor poderá exercer o direito de retenção, ou seja, terá o direito de reter (= conservar, manter) a coisa em seu poder em garantia dessa indenização (desse crédito) contra o proprietário. 

         Mas tais direitos de indenização e de retenção não são permitidos pela lei em todos os casos.

Page 11: Apostila de Direitos Reais

         Inicialmente precisamos identificar o tipo de benfeitoria realizada. Pelo art. 96 do CC as benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis e necessárias. Os parágrafos desse artigo conceituam tais espécies de benfeitorias, então exemplificando a voluptuária seria uma estátua ou uma fonte no jardim de um casa, ou então um piso de mármore, ou  uma  torneira  dourada;   já  a  útil   seria  uma piscina,  uma garagem coberta,  um pomar,   fruteiras;   finalmente,   a   benfeitoria   necessária   seria   consertar   uma  parede rachada, reparar um telhado com goteiras, trocar uma porta cheia de cupim. 

          Precisamos também identificar a condição subjetiva da posse, ou seja, se o possuidor está de boa-fé ou de má-fé (vide aulas passadas sobre classificação da posse).

          Pois   bem,   se   o   possuidor   está   de   boa-fé   (ex:   inquilino,   comodatário, usufrutuário,  etc)   terá  sempre  direito  à   indenização  e   retenção pelas   benfeitorias necessárias; já as benfeitorias voluptuárias poderão ser levantadas (=retiradas) pelo possuidor,   se  a   coisa  puder   ser   retirada  sem estragar   e   se  o  dono  não  preferir comprá-las,   não   cabendo   indenização   ou   retenção;   quanto   às   benfeitorias   úteis, existe   mais   um   detalhe:   é   preciso   saber   se   tais   benfeitorias   úteis   foram expressamente autorizadas pelo proprietário para ensejar a indenização e retenção.

          Numa  leitura   isolada do  art.  1219,   fica  a   impressão  de  que  as  benfeitorias necessárias   e   úteis   têm o  mesmo   tratamento.  Mas   isso  não  é   verdade  por   três motivos:

          Primeiro por uma questão de justiça afinal, como já vimos, são diferentes as benfeitorias úteis e necessárias, e estas são mais importantes do que aquelas. Não se pode comparar a necessidade de reparar uma parede rachada (que ameaçava derrubar o imóvel) com a simples utilidade de uma garagem coberta (é bom, evita que o   carro   fique   quente,   facilita   o   embarque   das   pessoas   sob   chuva,   mas   não   é imprescindível). 

          Segundo por que os arts. 505 e 578 do CC exigem autorização expressa do proprietário para autorizar a indenização e retenção por benfeitorias úteis. Realmente, quem garante que o proprietário da casa alugada/emprestada queria um pomar no quintal plantado pelo possuidor/inquilino? E se o dono lá tivesse intenção de construir uma  piscina  ao   término  do   contrato?  Teria   que   comprar   as  árvores   para  depois derrubá-las???? 

          Terceiro  porque  os  direitos   reais  e  os  direitos  obrigacionais   se   completam, ambos integram a nossa conhecida autonomia privada, formando o direito patrimonial, por isso não se pode interpretar o 1219 sem o 505 e principalmente o 578, que se refere à transmissão da posse decorrente da locação. 

          Em suma, em todos os casos de transmissão da posse (locação, comodato, usufruto), o possuidor de boa-fé terá sempre direito à indenização e retenção pelas benfeitorias   necessárias;   nunca   terá   tal   direito   com   relação   às   benfeitorias voluptuárias; e terá tal direito com relação às benfeitorias úteis se foi expressamente autorizado pelo proprietário a realizá-las. 

Page 12: Apostila de Direitos Reais

          Já ao possuidor  de má-fé se aplica o 1220,  ou seja,  nunca cabe direito de retenção,  não  pode   retirar  as   voluptuárias  e   só   tem direito  de   indenização  pelas benfeitorias necessárias. Não pode nem retirar as voluptuárias até para compensar o tempo em que de má-fé ocupou a coisa e impediu sua exploração econômica pelo proprietário (= melhor possuidor). 

5 – Direito a usucapir (= captar pelo uso = usucapião)  

Para alguns autores este é o principal efeito da posse, o direito de adquirir a propriedade  pela   posse   durante   certo   tempo.  A   posse  é   o   principal   requisito   da usucapião, mas não é o único, veremos usucapião em breve. 

6 – Responsabilidade do possuidor pela deterioração da coisa 

         Vocês sabem que, de regra, res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Assim, se eu empresto meu carro a José (posse de boa-fé) e o carro é furtado ou atingida por um raio, o prejuízo é meu e não do possuidor (1217). O possuidor de boa-fé tem responsabilidade subjetiva, só indeniza o proprietário se agiu com culpa para a deterioração da coisa (ex: deixou a chave na ignição e facilitou o furto). 

          Já o possuidor de má-fé pode ser responsabilizado mesmo por um acidente sofrido pela coisa, conforme 1218, salvo se provar a parte final do 1218 (ex: um raio atinge minha casa que estava invadida, o invasor não tem responsabilidade pois o raio teria caído de todo jeito, estivesse a casa na posse do dono ou do invasor). O possuidor de má-fé tem, de regra, responsabilidade objetiva, independente de culpa (ex: A empresta o carro a B para fazer a feira, mas B passa dois dias com o carro que termina sendo furtado no trabalho de B). 

         Por analogia ao 1218, lembrem-se do 399.  

7 – Direito a inversão do ônus da prova 

          A aparência   (presunção)  é a de que o possuidor  é  o dono,  assim cabe ao terceiro reivindicante provar sua melhor posse ou sua condição de verdadeiro dono (1211).  Na dúvida, se mantém a coisa com quem já estiver.  

Próxima aula: Propriedade, dia 09.09, pois dia 02.09 teremos atividade extra-classe (seminário) e dia 07 será feriado. 

Direitos Reais

PROPRIEDADE - aula 7 em 09.09.04 

             É o mais importante e complexo direito real. É o único direito real sobre a coisa própria (sobre os nossos bens), pois os demais direitos reais do art. 1225 são direitos reais sobre as coisas alheias, sobre os bens de terceiros (é o assunto do próximo semestre = os direitos reais na coisa alheia). 

Page 13: Apostila de Direitos Reais

            A importância da propriedade é imensa na nossa vida,  afinal nosso principal interesse na vida é no acúmulo de bens,  na  formação de um patrimônio (alguém discorda?).

             Quanto  mais   se   protege   a   propriedade  mais   se   estimula   o   trabalho   e   a produção de  riquezas em toda a sociedade;  negar esse direito  representaria  uma atrofia no desenvolvimento sócio-econômico; por que estudar e trabalhar tanto se  o que eu ganhar e produzir não vai ficar para mim e para meus filhos? É da natureza humana, desde o homem primitivo, de se apoderar da caça, de peles, de armas e ferramentas. 

            Nosso ordenamento protege a propriedade a nível constitucional (arts. 5º, XXII e 170, II) 

            A propriedade é mais difícil de ser percebida do que a posse, pois a posse está  no mundo da natureza,  enquanto  o  domínio   (=  propriedade)  está no mundo jurídico. Eu sei que vocês têm a posse das roupas, livros e relógios que estão usando agora, mas não tenho certeza se vocês são realmente donos desses objetos. 

             Conceito: há vários: 1) propriedade é o poder pleno sobre a coisa; 2) é a submissão de uma coisa a uma pessoa; 3) é o direito real sobre a coisa própria, etc. 4) Adotemos o conceito do código, que é muito bom e a lei está sempre ao nosso alcance: ver art. 1228.

            Então a propriedade é o poder de usar, fruir (=gozar) e dispor de um bem (três faculdades/atributos/poderes do domínio) e mais o direito de reaver essa coisa do poder de quem injustamente a ocupe.             

            CARACTERÍSTICAS DA PROPRIEDADE 

            1 – Complexidade: pelo conceito legal de propriedade se percebe porque se trata de um direito complexo, como dito na primeira frase de hoje. A complexidade é justamente porque a propriedade é a soma de três faculdades e mais esse direito de reaver de terceiros.  Expliquemos estas três faculdades e este direito de reaver:

            Uso – é o jus utendi, ou seja, o proprietário pode usar a coisa, pode ocupá-la para o fim a que se destina. Ex: morar numa casa; usar um carro para trabalho/lazer

            Fruição (ou gozo) – jus fruendi; o proprietário pode também explorar a coisa economicamente, auferindo seus benefícios e vantagens. Ex: vender os frutos das árvores do quintal; ficar com as crias dos animais da fazenda. 

             Disposição –   jus  abutendi;  é  o  poder  de  abusar  da coisa,  de  modificá-la, reformá-la,   vendê-la,   consumi-la,   e   até   destruí-la.   A   disposição   é   o   poder  mais abrangente. 

Page 14: Apostila de Direitos Reais

            Exemplo: se eu sou dono de um quadro eu posso pendurá-lo na minha parede (jus utendi), posso alugá-lo para uma exposição (jus fruendi) e posso também vendê-lo (jus abutendi).

            O dono pode também ceder a terceiros só o uso da coisa (ex: direito real de habitação do 1414); pode ceder o uso e a fruição (ex: usufruto do 1394 e superfície do 1369); pode ceder só a disposição (ex: contrato estimatório do 537). O proprietário tem as três faculdades, já o possuidor tem pelo menos uma dessas três (1196, 1204). 

            Além de ser a soma destas três faculdades, a propriedade produz um efeito, que é justamente o direito de reaver a coisa (parte final do 1228). Como se faz isso, como se recuperam nossos bens que injustamente estejam com terceiros? 

Através  da  ação   reivindicatória.  Esta   é  a   ação  do  proprietário   sem posse contra o possuidor sem título. Esta ação serve ao dono contra o possuidor injusto, contra o possuidor de má-fé ou contra o detentor. 

Não confundam com a ação possessória, já estudada. A possessória é a ação do possuidor contra o invasor, que inclusive pode ser o proprietário (ex: locador quer entrar a qualquer hora na casa do inquilino, alegando ser o dono; não pode. Mas o proprietário  que  aluga  uma  fazenda  também pode usar  a  possessória  se  o  MST ameaça   invadir  e  o  arrendatário  não   toma providências,   afinal  o  proprietário   tem posse indireta). A vantagem da possessória é a possibilidade de concessão de liminar pelo Juiz. Na reivindicatória não cabe liminar. 

Este direito de reaver é conseqüência da  seqüela, aquela característica dos direitos reais que nós vimos na primeira aula, e que permite que o titular do direito real o exerça contra qualquer pessoa. 

2 – É direito absoluto: se o proprietário pode dispor, pode abusar da coisa (jus abutendi), pode vendê-la, reformá-la e até destruí-la. Esse absolutismo não é mais pleno pois o direito moderno exige que a coisa cumpra uma função social, exige um desenvolvimento sustentável do produzir evitando poluir (ver § 1º do 1228). 

Respeitar a função social é um limite ao direito de propriedade; outro limite são os direitos de vizinhança, que veremos em breve. 

Lembro que, quando uma propriedade não cumpre sua função social, o Estado a desapropria não para si (o que seria comunismo ou socialismo), mas para outros particulares que possam melhor utilizá-la. Isso só comprova que nosso direito valoriza a propriedade privada. 

É absoluto também porque se exerce contra todos, é direito erga omnes, todos vocês têm que respeitar minha propriedade sobre meus bens e vice-versa. Já falamos disso quando vimos na primeira aulas a distinção entre direitos pessoais e reais. 

3 – Perpetuidade: os direitos de crédito prescrevem, mas a propriedade dura para sempre,  passa  inclusive para nossos  filhos através do direito das sucessões 

Page 15: Apostila de Direitos Reais

(Civil 7). Quanto mais o dono usa a coisa, mais o direito de propriedade se fortalece. A propriedade não se extingue pelo não-uso do dono, mas sim pelo uso de terceiros. Então eu posso guardar meu relógio na gaveta que ele continuará meu para sempre. Eu posso passar décadas sem ir ao meu terreno na praia. Mas se alguém começar a usá-lo, poderá adquiri-lo pela usucapião. 

4 – Exclusividade: ver 1231; o proprietário pode proibir que terceiros se sirvam do seu bem; a presunção é a de que cada bem só tem um dono exclusivo, mas nosso ordenamento   admite   o   condomínio   (veremos   condomínio   em   breve,   e   veremos também como a lei facilita a extinção do condomínio justamente porque a propriedade é um direito tão amplo e complexo que não é fácil ser exercido por duas pessoas sobre uma única coisa). 

5 – Elasticidade: a propriedade se contrai e se dilata, é elástica como uma sanfona; por exemplo, tenho uma fazenda e cedo em usufruto para José; eu perco as faculdades de uso e de fruição, minha propriedade antes plena (completa) vai diminuir para   apenas   disposição   e   posse   indireta;   mas   ao   término   do   usufruto,   minha propriedade se dilata e torna-se plena novamente.  

SUJEITOS  

Quais os sujeitos no direito de propriedade? De um  lado o  sujeito ativo,  o proprietário,  qualquer  pessoa  física  ou   jurídica,  desde  que  capaz.  O menor  pode adquirir mediante representação do pai ou do tutor (vocês estudaram representação em Civil 1 e voltarão a ver em Direito de Família; depois vejam o art. 1º, 1634, V, 1747,  I).  Do outro  lado o  sujeito passivo  indeterminado, ou seja,  todas as demais pessoas da sociedade que devem respeitar o meu direito de propriedade. 

OBJETO 

O objeto da propriedade é toda coisa corpórea, móvel ou imóvel. Admite-se propriedade   de   coisas   incorpóreas   como   o   direito   autoral   (estudaremos   neste semestre) e o fundo de comércio (vocês vão estudar em Direito Comercial). Lembrem-se que a pessoa mais rica do mundo hoje (Bill Gates) possui propriedade incorpórea protegida pelo direito do autor (os softwares). 

Direitos Reais

Aula 8 de 14 de setembro de 2004 

 

ESPÉCIES DE PROPRIEDADE

a)   plena   ou   ilimitada:   quando   as   três   faculdades   do   domínio   (uso,   fruição   e disposição) estão concentradas nas mãos do proprietário e não existe nenhuma restrição. 1231

Page 16: Apostila de Direitos Reais

b) limitada:  subdivide-se em 1) restrita: quando a propriedade está gravada com um ônus real, como a hipoteca e o penhor (direitos reais de garantia que veremos no próximo semestre), ou quando o proprietário, por exemplo, cedeu a coisa em usufruto para outrem e ficou apenas com a disposição e posse indireta do bem; 2 ) resolúvel:  propriedade resolúvel  é aquela que pode ser   resolvida,  ou seja,  que pode ser extinta, e só se tornará plena após certo tempo ou certa condição. Como? Na hipótese de retrovenda do 505; na alienação fiduciária em garantia do 1361; no fideicomisso do 1953. Ver ainda o 1359. 

 

EXTENSÃO DA PROPRIEDADE

Até onde se extende a propriedade? Até onde vai o poder do dono sobre a coisa? Se a coisa é móvel, é mais fácil responder pois o poder varia de acordo com o tamanho da coisa (ex: uma caneta, um carro, uma lancha, o dono sabe perfeitamente onde começa e termina seu bem, é fácil de identificá-lo no espaço). 

Mas se a coisa é imóvel surgem alguns problemas quanto ao limite vertical. O limite horizontal do terreno/fazenda será o muro, a cerca, o rio, etc. E o limite vertical? Até que altura e profundidade do solo o proprietário é dono? Diziam os romanos “qui dominus est soli dominus est usque ad caelum et usque ad inferos” (quem é dono do solo é dono até o céu e até o inferior). Mas com a aviação e a importância  estratégica dos minerais,  o  espaço aéreo e o subsolo passaram a pertencer ao Estado, assim o dono não pode impedir que um avião passe bem alto por cima de seu terreno, e nem pode explorar os recursos minerais do subsolo (ver 1230  CC  e   176  CF).  No   final,   predomina   a   razoabilidade/bom  senso/utilidade prática  do art. 1229 que usa as expressões “úteis ao exercício” e “interesse em impedir”,  de modo que o proprietário não pode  impedir  que o metrô passe por baixo de seu terreno, mas pode impedir que o vizinho construa uma garagem por baixo de sua casa; o proprietário não pode impedir o sobrevôo de um avião lá no alto, mas pode impedir vôos rasantes sobre sua casa. 

LIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE

 

          Como sabemos, a  lei   limita o direito de propriedade   que não é mais  tão absoluto.   O   código   velho   no   art.   527   considerava   a   propriedade   um   direito ilimitado. Mas atualmente já vimos que a propriedade precisa cumprir uma função social; já vimos que os minerais do subsolo pertencem à União. Há também outros limites ao direito real de propriedade:

a) limitação legal, em respeito ao interesse da sociedade:  tal limitação legal se dá por força de leis de direito privado (são os direitos de vizinhança, que veremos em breve) e por força de leis de direito público  (ex: desapropriação, requisição para as eleições,   segurança   nacional,   tombamento,   urbanização,   leis   ambientais,   a 

Page 17: Apostila de Direitos Reais

questão   da   função   social   e   da   exploração   dos  minerais,   assuntos   que   vocês estudarão em direito administrativo/constitucional/eleitoral; ver §§ 3º, 4º e 5º  do art 1228). Nas limitações privadas existe reciprocidade (um vizinho tem que respeitar os limites do outro e vice-versa), já nas limitações públicas não há reciprocidade (o particular  não pode desapropriar  bens do Estado),  mas sempre se pode exigir indenização e brigar na Justiça contra abusos dos governantes. 

b) limitação jurídica, em respeito ao direito natural, em respeito ao que é justo para viver   honestamente,   não   enganar   os   outros   e   dar   a   cada   um   o   que   é   seu. Exemplos de limitações jurídicas: o abuso de direito do § 2º do 1228 c/c 187; a desapropriação privada do 1258 e 1259.

c) limitação voluntária,  em respeito à autonomia privada: tal limitação decorre da vontade do dono, ou seja, é o dono da coisa que resolve limitá-la em troca de alguma vantagem  financeira,  por  exemplo:  servidão de não construir  mais  alto para garantir vista e ventilação para o terreno de trás, se dispondo os donos do terreno de trás a pagar por essa vantagem (veremos servidões prediais no próximo semestre);   o  dono da coisa pode  também  limitar  a propriedade por motivo de ordem pessoal (ex: herança com inalienabilidade do 1911; o pai deixa para o filho uma casa proibindo o filho de vendê-la porque sabe que o filho é descontrolado e gasta tudo; veremos em Civil 7). 

Direitos Reais

Aula 9 de 16 de setembro de 2004  

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE 

A   aquisição   da   propriedade   pode   ser  originária  ou  derivada;   é  originária quando a propriedade é adquirida sem vínculo com o dono anterior, de modo que o proprietário   sempre   vai   adquirir   propriedade   plena,   sem   nenhuma   restrição,   sem nenhum ônus (ex: acessão, usucapião e ocupação); a aquisição é  derivada quando decorre   do   relacionamento   entre   pessoas   (ex:   contrato   registrado   para   imóveis, contrato com tradição para móveis, sucessão hereditária) e o novo dono vai adquirir nas  mesmas   condições  do  anterior   (ex:   se   compra  uma  casa   com hipoteca,   vai responder perante o Banco; se herda um apartamento com servidão de vista, vai se beneficiar da vantagem) 

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL   

          Depois estudaremos a aquisição da propriedade dos móveis, por hoje vamos conhecer como é possível se tornar dono de bens imóveis: são quatro os modos, previstos no art. 530 do código velho. Destes quatro modos, apenas a aquisição pelo direito hereditário  não vai  nos  interessar  neste semestre,  mas apenas em Civil  7. Vamos conhecer logo os outros três modos: 

Page 18: Apostila de Direitos Reais

1 – Registro: antigamente chamava-se de transcrição; é aquisição derivada. O registro é o modo  mais comum de aquisição de imóveis. Conceito:  se trata da inscrição do contrato no cartório de registro do lugar do imóvel.  Existem cartórios de notas (onde se faz escritura pública, testamento, reconhecimento de firma, cópia autenticada) e cartórios   de   registro   de   imóveis  em   nossa   cidade.   Cada   imóvel   (casa,   terreno, apartamento) tem um número (= matrícula) próprio e está devidamente registrado no cartório de imóveis do seu bairro (se a cidade for pequena só tem um). O cartório de imóveis tem a função pública de organizar os registros de propriedade e verificar a regularidade tributária dos imóveis, pois não se podem registrar imóveis com dívidas de impostos. A função é pública, mas a atividade é privada, sendo fiscalizada pelo Poder  Judiciário.  A   lei  6.015/73 dispõe sobre  os  registros  públicos.  Quando você compra/doa/troca  um  imóvel  você precisa celebrar  o contrato através de escritura pública (arts. 108 e 215) e depois inscrever essa escritura no cartório do lugar do imóvel. Só o contrato/entrega das chaves/pagamento do preço não basta, é preciso também fazer o registro tendo em vista a importância da propriedade imóvel na nossa vida.  O  registro  confirma o contrato e dá publicidade ao negócio e segurança na circulação dos imóveis. A escritura pode ser feita em qualquer cartório de notas do país, mas o registro só pode ser feito no cartório do lugar do imóvel, que é um só.  Ver 1245 e §§. O título translativo a que se refere o § 1º em geral é o contrato.  O registro de imóveis em nosso país não é perfeito, afinal o Brasil é um país jovem e continental, e muitos terrenos ainda não têm registro, mas o ideal é que cada imóvel tenha sua matrícula com suas dimensões, sua história, seus eventuais ônus reais (ex: hipoteca, servidão, superfície, usufruto, etc) e o nome de seus proprietários.   No cartório de imóveis se registra  não só a propriedade,  mas qualquer  direito  real   (ex:  hipoteca, servidão, superfície, usufruto, etc). Antes do registro do contrato não há direito real, não há propriedade, não há   seqüela ainda em favor do comprador (§ 1º do 1245), mas apenas direito pessoal, de modo que se o vendedor desiste, a regra é o contrato se resolver em perdas e danos (art. 389 é a regra, e o 475 é a exceção, lembram desses artigos, não é?) 

           Observação: carro tem registro no DETRAN, mas carro não é imóvel, mas bem móvel, por isso para se tornar dono do carro não é necessário o registro. Voltaremos a esse assunto quando formos estudar a aquisição da propriedade móvel através da tradição (1267). 

          Características do  registro:  fé  pública  (presume-se que o  registro  exprima a verdade; o cartório deve ser bem organizado e os livros bem cuidados, cabendo ao Juiz   fiscalizar   o   serviço;   os   livros   são   acessíveis   a   qualquer   pessoa,   1246); possibilidade de retificação  (se o registro está errado, o Juiz pode determinar sua correção, 1247);  obrigatoriedade  (o registro é obrigatório no cartório de imóveis do lugar do imóvel: § 1º do 1245) e continuidade (o registro obedece a uma seqüência lógica, sem omissão, de modo que não se pode registrar em nome do comprador se o vendedor que consta no contrato não é o dono que consta no registro; muita gente desconhece a importância do registro, ou então para não pagar as custas, só celebra o contrato de compra e venda; aí fica transmitindo posse de um para outro; quando finalmente alguém resolve registrar, não encontra mais o dono, aí o jeito é partir para a usucapião).     

Page 19: Apostila de Direitos Reais

2 – aquisição da propriedade imóvel pela acessão 

         É aquisição originária. Adquire-se por acessão tudo aquilo que adere ao solo e não   pode   ser   retirado   sem   danificação.   Através   da   acessão   a   coisa   imóvel   vai aumentar  por  alguma das  cinco  hipóteses  do  art.   1248.  As  quatro  primeiras  são acessões   naturais   e   horizontais   (dependem   da   natureza,  mais   precisamente   da atividade fluvial/dos rios, do movimento de areia feito pelos rios) e a quinta é acessão humana e vertical (decorre da atividade artificial do homem ao plantar e construir).

a)    formação de ilhas: 1249

b)      aluvião: é o acréscimo lento de um terreno ribeirinho; a parte do terreno que aumenta passa a pertencer ao dono do terreno, 1250

c)      avulsão: difere da aluvião pois a avulsão é brusca: 1251

d)      álveo abandonado: trata-se do leito do rio que secou; este rio seco torna-se propriedade do dono do terreno onde ele passava: 1252

e)      construções e plantações: esta é a acessão humana, pois é o homem que constrói e planta num terreno; a regra é o acessório seguir o principal, então tais benfeitorias serão de propriedade do dono do terreno, 1253; porém, se o dono   do   material   e   das   sementes   não   for   o   dono   do   terreno   surgirão problemas sobre o domínio das acessões e indenização ao prejudicado. Como resolver   isso   para   evitar   enriquecimento   ilícito   do   dono   do   terreno?   Vai depender da boa fé ou da má fé  dos envolvidos, bem como vai depender da espécie   de  benfeitoria,   com as  mesmas   regras   que  nós   já   vimos  quando tratamos dos efeitos da posse. 

3 – aquisição da propriedade imóvel pela usucapião (próxima aula).

Direitos Reais

Aula 10   

 AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL (CONTINUAÇÃO)

 3 –   A  usucapião; a palavra é feminina porque vem do latim “usus” + “capere”, ou seja,  é  a captação/tomada/aquisição pelo uso.  Conceito:  é  modo de aquisição da propriedade  pela  posse  prolongada   sob   determinadas   condições.   Não   só   a propriedade se adquire pela usucapião, mas outros direitos reais como superfície, usufruto  e  servidão predial   também (veremos no próximo semestre).  A  usucapião exige  posse  prolongada  (elemento  objetivo)  com a  vontade  de  ser  dono   (animus domini - elemento subjetivo). 

Fundamento: por que nosso direito aceita a usucapião? 1) para prestigiar a pessoa que usa e se serve da coisa para morar  e   trabalhar;  a  propriedade é  um direito importantíssimo e a posse é um fato muito relevante, como já vimos nas primeiras 

Page 20: Apostila de Direitos Reais

aulas. 2) para punir o proprietário desidioso/preguiçoso/irresponsável, que não cuida dos seus bens, afinal “dormientibus non sucurrit jus”; além disso, quem não defende e cuida  dos  seus  bens,  não  é  digno  de   tê-los;  mas   lembrem que  não  se  perde  a propriedade pelo simples não-uso, é preciso que alguém esteja usando no lugar do proprietário; 3) por uma questão de paz social, pois a usucapião vai regularizar, vai sanar   os   vícios   de   uma   posse   violenta   ou   clandestina   (a   posse   precária   não convalesce nunca, lembrem do 1200 e do 1208); a usucapião transforma a posse, um fato   provisório,   em  propriedade,   um   direito   permanente;   a   usucapião   vai   dar juridicidade a uma situação de fato amadurecida pelo tempo, mesmo que o possuidor seja um ladrão ou um invasor.

Observação:  tem Juiz que admite até usucapião de maternidade, na esteira do 3º fundamento visto acima, vejamos esta decisão do STJ: “Ao se casar, o pai declarou ter três filhos, todos do casamento com a esposa. Na verdade são eles filhos só do pai com outras mulheres, fato de conhecimento de toda a sociedade à época. Com o falecimento da esposa, o viúvo promoveu a abertura do inventário dos bens por ela deixados,   declarando   como  herdeiros   todos  os   treze   filhos   do   casal.  Os   demais irmãos entenderam que os três primeiros réus, por serem filhos apenas do pai, só têm direito à herança do pai e não sobre os bens deixados pela mãe, não obstante se acharem   relacionados   como   herdeiros   da   falecida.  O   pleito   é   pela   anulação   ou reforma de seus registros de nascimento,  a  fim de que deles sejam excluídos os nomes da mãe e  dos avós maternos.  Há mais  de quarenta  anos  tal  situação se consolidou no seio da família e da sociedade. Há, no caso, a necessidade de proteger situações familiares reconhecidas e consolidadas. Tal situação fática merece a tutela do Poder Judiciário”. Precedentes citados: REsp 215.249-MG, DJ 2/12/2002, e REsp 91.825-MG, DJ 1º/8/2000. REsp 119.346-GO, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 1º/4/2003 pelo STJ.

Outro conceito:  a  usucapião é modo originário   (  não é derivado)  de aquisição do domínio através da posse mansa e pacífica, exercida com “animus domini” por certo tempo, fixado em lei.    Por ser modo originário, é irrelevante que a coisa tenha um proprietário registrado no cartório de imóveis, pois pela usucapião a coisa se adquire do tempo e não de outra pessoa. 

Requisitos: 

1) capacidade do adquirente: o incapaz não pode adquirir pela usucapião (104, I), e também não pode perder pela usucapião, caso seu representante (pai, tutor, curador) não defenda seus bens (198, I – a usucapião, como a prescrição, é também efeito do tempo no direito; diz-se que a prescrição do art 189 é prescrição extintiva, enquanto a usucapião é prescrição aquisitiva). Ver art. 1244

2)  a coisa usucapienda precisa estar no comércio (ex: 102, drogas). 

3) a posse: não é qualquer posse, mas a posse para ensejar a usucapião precisa ser mansa, pacífica, pública, contínua e com intenção de dono  da parte do possuidor; para a posse reunir essas características, o proprietário precisa se omitir e colaborar com   o   amadurecimento   desta   posse;   como   já   vimos,   a   detenção   violenta   e 

Page 21: Apostila de Direitos Reais

clandestina   pode   convalescer   e   virar   posse,   mas   a   detenção   precária   jamais; empregado,   caseiro,   também   não   tem   posse,   mas   mera   detenção   (1198); inquilino/comodatário, durante o contrato, tem posse mas não tem animus domini, e depois   do   contrato,   caso  não  desocupem a   coisa,   sua   situação  passa  a   ser   de detentor,   por   isso   em   nenhum   caso   inquilino/comodatário   podem   adquirir   pela usucapião.  Acessão de posses: é a soma da posse do sucessor com a posse do antecessor  para  atingir   o   tempo  exigido  em  lei   para  a  usucapião,  desde  que  as posses tenham as mesmas características (1243). 

4) o tempo: o tempo varia de cinco a quinze anos, conforme a espécie da usucapião que veremos a seguir.

Espécies de usucapião:

1) extraordinária: é a do art. 1238 mesmo que o possuidor esteja de má-fé; esta é a usucapião que beneficia o ladrão e o invasor (ver p.ú.); não há limite para o tamanho do terreno e a pessoa pode já ter um imóvel e mesmo assim usucapir outro; o tempo para esta espécie já foi de 30 anos, depois caiu para 20 e agora é de 15 ou apenas 10 anos conforme p.ú.; isto é uma prova da importância da posse para o direito; o artigo fala em “juiz declarar por sentença” pois o juiz não constitui a propriedade para o autor, o juiz apenas reconhece/declara que a pessoa adquiriu aquela propriedade do tempo. Com a sentença, o autor fará o registro no cartório de imóveis, mas repito, o autor terá adquirido pelo tempo e não pelo registro. Porém o registro é importante para dar publicidade e para permitir que o autor depois possa fazer uma hipoteca, servidão, superfície, vender o bem a terceiros, etc. A sentença  aqui é o título a que se refere o 1245, ao invés do tradicional contrato mediante escritura pública.  

2) ordinária: art. 1242; o prazo é menor, de dez anos, pois exige título e boa-fé do possuidor, além da posse mansa, pacífica, etc.; já explicamos boa-fé e título justo na classificação da posse; exemplos de título  justo seriam um contrato particular,  um recibo, uma promessa de compra e venda, etc. 

3) especial rural: art. 1239: o prazo é de apenas cinco anos, mas existe um limite para o tamanho do terreno usucapiendo e o proprietário lá tem que trabalhar e não pode ter outro imóvel; beneficia os sem terra. 

4) especial urbano: art. 1240; semelhante ao rural; beneficia os sem teto.

Observação processual: o Ministério Público deve ser ouvido pelo Juiz na ação de usucapião; é um dos poucos temas de direito patrimonial privado que o MP participa. Outros temas são: herança com testamento e reintegração de posse contra sem terra. 

Este é o último assunto do 1º GQ. Atendendo a pedidos, 5ª feira não teremos aula tendo em vista a semana de provas, mas fiquem tranqüilos que não haverá prejuízo ao cumprimento do programa. 

Direitos Reais

Page 22: Apostila de Direitos Reais

Aula 11 - AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

Vocês   já   conhecem os  quatro  modos  de  aquisição  da  propriedade   imóvel   (530  do   velho   CC).   Quanto   à   propriedade   móvel,   esta   se   adquire   pela:1   -   Tradição:   é   a   entrega   efetiva   da   coisa   móvel   feita   pelo  proprietário-alienante   ao   adquirente,   em   virtude   de   um   contrato,   com   a  intenção   de   transferir   o   domínio.   A   tradição   completa   o   contrato,   pois   tenda  em   vista   a   importância   da   propriedade   para   o   direito,   é   necessário   que,   para  se   desfazer   de   um   bem,   além   de   um   contrato,   a   coisa   seja   concretamente  entregue   ao   adquirente   (ex:   comprador,   donatário),   confirmando   o   contrato  (1226   e   1267).   Com   a   tradição,   o   direito   pessoal   decorrente   do   contrato,  torna-se   direito   real.   O   alienante   (vendedor,   doador)   tem   que   ser   dono   da  coisa   (1268,   parte   inicial),   e   essa   alienação   pode   ser   gratuita   (doação)   ou  onerosa   (compra   e   venda).   O   contrato   tem   que   ser   válido   para   eficácia   da  tradição   (§   2º   do   1268).   Conseqüências   práticas   da   tradição:   se   eu   compro  uma   TV   para   pagar   a   prazo,   coloco   a   TV   no  meu   carro   e   sou   roubado   na  esquina,   não  posso  deixar   de  pagar  as  prestações  pois   a  TV   já   era  minha,   já  tinha   ocorrido   a   tradição;   ao   contrário,   se   eu   compro   uma   geladeira   a   vista  e aguardo em casa o caminhão da  loja chegar,  e o caminhão é roubado, a  loja  vai   ter   que   me   entregar   outra   geladeira   pois   a   tradição   não   tinha   ocorrido  ainda.  Em ambos os exemplos predomina o princípio   "res  perit  domino  (a coisa  perece   para   o   dono)".   A   tradição   é   ato   externo/público   e   corresponde   ao  registro   para   aquisição   da   propriedade   imóvel.   Diz-se   que   a   tradição   é   o  registro   informal/sem   solenidades.   Só   após   a   tradição   é   que   haverá  propriedade   com   todos   os   atributos   do   1228.   Seria   possível   seqüela   sem  tradição? Excepcionalmente sim, conforme nosso conhecido art. 475.

2   -  Ocupação:  ocupar  é  se   tornar  proprietário  de  coisa  móvel  sem dono ou  de  coisa abandonada.  Ressalto  que ocupar  coisa  imóvel  sem dono ou abandonada  gera   posse   e   não   propriedade,   posse   que   pode   virar   propriedade   pela  usucapião,  como  já vimos.  Essa diferença é porque as coisas  imóveis  têm mais  importância   econômica   do   que   as  móveis,   então   a   aquisição   dos   imóveis   pela  ocupação exige mais requisitos. Coisa sem dono e coisa abandonada são coisas  diferentes:a)   coisa   sem   dono   (res   nulius),   como   a   concha   na   praia   ou   o   peixe   no  mar  (1263).b)   coisa   abandonada   (res   derelictae),   como   o   sofá   deixado   na   calçada   (1275,  III)Atenção   para   não   confundir   estas   duas   espécies   de   coisas   com   uma   terceira  espécie,   a   coisa  perdida   (res  amissa),   pois   as   coisas  perdidas   não  podem ser  apropriadas pela ocupação, mas sim devem ser devolvidas ao dono. A perda da  coisa   não   implica   perda   da   propriedade.   O   ditado   popular   "achado   não   é  roubado"   é   falso,   e   a   coisa   perdida   não   pode   ser   ocupada   pelo   descobridor  sob  pena  de   crime   (art.   169,   pú,   II   do  CP).  O  descobridor   deve  agir   conforme  art. 1233 mas tem direito a uma recompensa do 1234 (achádego é o nome dessa  recompensa),   salvo   se   o   dono   da   coisa   preferir   abandoná-la,   hipótese   em  que  

Page 23: Apostila de Direitos Reais

o   descobridor   pode   ocupar   a   coisa   por   se   tratar,   agora,   de   res   derelictae.  Este   art.   1234   consagra   uma   obrigação   facultativa   do   dono   da   coisa/devedor  da   recompensa.  Agora  é  evidente  que  se  o  descobridor  passar  a  usar  a   coisa  terminará   adquirindo-a   pela   usucapião   e   o   passar   do   tempo   irá   também  beneficiá-lo com a prescrição do aludido crime do CP.

3   -   Achado   do   tesouro:   isto   é   hipótese   de   filme,   prevista   no   art.   1264.   São  quatro   os   requisitos   do   tesouro:   ser   antigo,   estar   escondido   (oculto,  enterrado),   o   dono   ser   desconhecido   e   o   descobridor   ter   encontrado  casualmente (sem querer).  O tesouro se divide ao meio com o dono do terreno.  Se   o   descobridor   estava   propositadamente   procurando   o   tesouro   em   terreno  alheio sem autorização, não terá direito a nada (1265).

4   -  Especificação:  ocorre  quando  alguém manipulando  matéria  prima de  outrem  (ex:   pedra,   madeira,   couro,   barro,   ferro)   obtém   espécie   nova   (ex:  escultura,   carranca,   sapato,   boneco,   ferramenta).   Esta   coisa   nova   pertencerá  ao   especificador/artífice   que   pelo   seu   trabalho/criatividade   transformou   a  matéria   prima   de   outrem   em   espécie   nova.   Mas   o   especificador/artífice   terá  que   indenizar  o  dono  da  matéria  prima.  Se  a  matéria  prima  é  do  especificador  não   há   problema.   A   lei   faz   prevalecer   a   inteligência/criatividade/o   trabalho  intelectual/manual sobre a matéria prima (§ 2º do 1270).

5   -   Confusão,   comistão   e   adjunção:   são   três   modos   diferentes   e   raros   de  aquisição   da   propriedade,   tratados   pelo   CC   numa   seção   única.   Tratam-se   da  mistura   de   coisas   de   proprietários   diferentes   e   que   depois   não   podem   ser  separadas.   A   confusão   é   a   mistura   de   coisas   líquidas   (ex:   vinho   com  refrigerante,   álcool   com   água   -   obs:   não   confundir   com   a   confusão   de  direitos  do  381  pois   aqui   a   confusão  é  de  coisas).  A   comistão  é  a  mistura  de  coisas   sólidas   (ex:   sal   com   açúcar;   sal   com   areia).   E   a   adjunção   é   a   união  de   coisas,   não   seria   a  mistura,  mas   a   união,   a   justaposição   de   coisas   que  não   podem   ser   separadas   sem   estragar   (ex:   selo   colado   num   álbum,   peça  soldada   num  motor,   diamante   incrustado   num   anel).   As   coisas   sob   confusão,  comistão   ou   adjunção,   obedecem   a   três   regras:   a)   as   coisas   vão   pertencer  aos   respectivos   donos   se   puderem   ser   separadas   sem   danificação   (1272,  caput);   b)   se   a   separação   for   impossível   ou   muito   onerosa   surgirá   um  condomínio   forçado  entre  os  donos  das  coisas   (§  1o  do  1272);   c)   se  uma das  coisas   puder   ser   considerada   principal   (ex:   sal   com   areia   mas   que   ainda  serve para alimento do gado;  diamante em relação ao anel),  o  dono desta será  dono   do   todo   e   indenizará   os   demais   (§   2o   do   1272).   Estas   regras   são  supletivas,   ou   seja,   tais   regras   não   são   imperativas   (=   obrigatórias)   e  podem   ser   modificadas   pelas   partes,   pois   no   direito   patrimonial   privado  predomina   a   autonomia   da   vontade.   Ressalto   que   tal   fenômeno   tem   que   ser  involuntário   (=   acidental,   ex:   caminhão   de   açúcar   que   virou   em   cima   da   areia  de   uma   construção),   pois   se   for   voluntário,   os   donos   das   coisas   têm   que  disciplinar   isso   em   contrato   (ex:   experiência   para   fazer   nova   bebida   da  

Page 24: Apostila de Direitos Reais

mistura   de   vinho   com   cerveja).   Se   ocorrer   má-fé   (ex:   virar   o   caminhão   de  propósito em cima da areia), aplica-se o 1273.

Direitos Reais

Aula 12  

AQUISIÇÃO   DA   PROPRIEDADE   MÓVEL   (continuação)1 - Tradição    

2 – Ocupação  

3 - Achado do tesouro 

4 – Especificação 

5 - Confusão, comistão e adjunção     

6   -   Usucapião   de   coisa   móvel:   Aplica-se   aos   móveis   e   também   aos semoventes (bens suscetíveis de movimento próprio, como um boi, um cavalo, art 82).  Esta  usucapião de móveis  mantem os  mesmos  fundamentos  e   requisitos  da usucapião de imóveis (vide aula 10). A usucapião de móveis é mais rara e é menor o tempo   previsto   em   lei   para   sua   aquisição   tendo   em   vista   a   maior   importância econômica dos imóveis na nossa vida.  Para os imóveis a usucapião se dá entre cinco e quinze anos, já para os móveis se dá entre três e cinco anos. 

Espécies de usucapião móvel: a)  ordinária: 1260: exige posse, então não é possível a mera detenção do 1198 ou a tolerância do 1208; exige animus domini, o que corresponde ao “como sua” do 1260; “incontestadamente”, que significa mansa, pacífica e pública; também exige justo título e boa-fé, pois o prazo é menor, apenas três anos. b)  extraordinária: tem as mesmas exigências da ordinária (posse mansa, pacífica e pública com animus domini) , só que  o prazo é maior, de cinco anos, pois dispensa a boa-fé -1261; esta é a usucapião de móveis que beneficia o ladrão e o descobridor de coisa perdida.  

PERDA DA PROPRIEDADE MÓVEL E IMÓVEL 

            O Código Civil disciplina separadamente a aquisição dos imóveis (capítulo 2) da aquisição dos móveis (cap. 3), mas a perda da propriedade é tratada num único capítulo,   tanto   para  os  móveis   como  para  os   imóveis.  Em geral,   aos  modos  de aquisição,   correspondem  modos   de   perda,   pois   enquanto   uns   adquirem,   outros perdem (ex: A perde pelo abandono um sofá velho, B pega este sofá e adquire pela ocupação: é o mesmo fenômeno visto de lados opostos). Vejamos os casos:

             a)   a   morte:   o   falecido   perde   a   propriedade   dos   seus   bens,   que automaticamente se transferem para seus herdeiros; 1784 

Page 25: Apostila de Direitos Reais

            b) a usucapião: a usucapião é modo de aquisição para um, e modo de perda para o proprietário desidioso; é o outro lado do mesmo fenômeno. 

             c)  a  dissolução do  casamento:  veremos  isso em Dir.  de  Família,  como o divórcio  pode  levar  à  perda de bens  (ou aquisição,  depende do  regime de bens, depende de qual dos cônjuges é mais rico) . 

            d) a alienação: é modo voluntário de perda, e a alienação pode ser gratuita (ex: doação) ou onerosa (ex: compra e venda, troca, dação em pagamento). 

            e) renúncia: não confundir com abandono que veremos adiante; a renúncia é uma declaração de vontade expressa onde o proprietário afirma que não mais quer aquele bem, mas sem transferi-lo a outrém; a renúncia de imóveis exige escritura pública (108) e registro em cartório (pú do 1275); vide renúncia de herança no 1806 (veremos no 1813  que a renúncia da herança não prejudicar o credor do herdeiro); a renúncia é rara, o mais comum é o simples abandono. 

             f) abandono:  é um gesto, um comportamento   inequívoco de se desfazer da coisa (obs: os loucos e os menores não podem abandonar, pois não podem dispor de seus bens); atenção para não confundir coisa abandonada (res derelictae) com coisa perdida (res amissa), pois a coisa perdida deve ser devolvida ao dono,  já a coisa abandonada pode ser apropriada pela ocupação. As coisas móveis abandonadas não preocupam   ao   Direito;   as   semoventes   preocupam   porque   animais   soltos   pelas ruas/estradas   provocam   acidentes;   as   coisas   imóveis   abandonadas   também preocupam ao Direito por causa da função social da propriedade (ver 1276 e §§). Lembrem também que ocupar coisa imóvel abandonada só gera posse (vide aula 11). 

            g) perecimento da coisa: não há direito sem objeto, e o objeto do direito real é a coisa; se a coisa se extingue, perece também o direito real. (ex: anel que cai no mar; terreno que é invadido pelo mar; carro que sofre um incêndio); o perecimento pode ser voluntário (ex: o dono destruir seu relógio). 

             h)  desapropriação:  é  a   interferência  do poder  público no domínio privado, assunto que vocês estudarão em dir. administrativo (DL 3365/41); a desapropriação é involuntária. 

             i) execução: assunto de processo civil; se dá a perda da propriedade, pois o Juiz retira bens do devedor e os vende em leilão para satisfazer o credor; é perda involuntária. 

             j) advento da condução resolutiva: extingue a propriedade resolúvel (1359); ex: compro uma casa com cláusula de retrovenda, então se o vendedor exercer a opção de recompra, eu perderei a casa (505); outro ex: o fideicomisso, que veremos em Civil 7 (1951 e 1953);  o titular da propriedade resolúvel sabe que sua propriedade pode extinguir-se por uma cláusula no título aquisitivo.  

            Vide art. 1275, que é apenas exemplificativo (não é taxativo/exaustivo), pois vimos acima que há outros casos além dos cinco casos do 1275. 

Page 26: Apostila de Direitos Reais

Direitos Reais

Aula 13  

 DIREITOS DE VIZINHANÇA 

            Já sabemos que a propriedade é um direito que se presume pleno, ou seja, completo com suas três faculdades de uso, fruição e disposição (1231); além disso, a propriedade é um direito absoluto (vide características da propriedade), assim o dono pode fazer o que quiser com seus bens, o que corresponde ao jus abutendi (= direito de dispor, de abusar da coisa). 

             Mas   a   própria   lei   restringe   esse   absolutismo   da   propriedade;   uma   das restrições, já vista, é a da função social da propriedade (§ 1º do 1228); outra já vista é a do abuso de direito (§ 2º do 1228); uma terceira restrição que vamos conhecer hoje são os direitos de vizinhança.

             Conceito:   DV   são   dir.   de   convivência   decorrentes   da   interferência   entre prédios, limítrofes ou não. Juridicamente falando, os vizinhos podem morar no mesmo quarteirão ou no mesmo bairro, não é apenas aquele que mora contíguo, que é seu confinante/limítrofe. 

             Fundamento:   os  DV   existem  para   limitar   a   propriedade   em  prol   do   bom convívio   social   entre   vizinhos,   afinal   o   Poder   Público   tem   interesse   em   que   os cidadãos vivam em harmonia. Quanto pior e mais amontoadas as pessoas vivem, mais  surgem conflitos  que  sempre  deságuam no  Judiciário.  O  Governo  gosta  de criticar o Judiciário, reclamar da lentidão da Justiça, etc.,  mas o Governo não investe numa política rural que mantenha o homem no campo, pois nas cidades os conflitos de vizinhança são muito maiores, sobrecarregando os Juízes. 

            Características dos DV: 1) as normas dos DV são recíprocas, ou seja, o que eu não posso fazer, meu vizinho também não pode. É a lei que obriga, ao invés das servidões   prediais,   que   veremos   no   próximo   semestre,   pois   as   SP   resultam   de contrato e não são recíprocas, mas beneficiam um imóvel e prejudicam outro (ex: servidão de vista, de passagem, etc). 2) os DV correspondem a uma obrigação real,  que está vinculada à coisa, aplicando-se a qualquer proprietário,  inquilino, detentor, etc. (ex: 1297: eu compro uma fazenda com a cerca quebrada, eu serei obrigado a reparar a cerca, não vou poder cobrar isso do ex-dono, mesmo que a cerca tenha se quebrado na época dele). 

            Regras dos Direitos de Vizinhança:

1  –  Do uso  anormal  da  propriedade:  é  o  uso  nocivo  da  propriedade  de  modo a perturbar a saúde, o sossego e a segurança dos vizinhos (1277 e pú); ex: cachorro brabo/latindo, fumaça, venda de fogos,  esgoto, árvore velha ameaçando cair, etc. O que é sossego do vizinho? O que é limite ordinário de tolerância? A norma é muito ampla  e   subjetiva,   depende   sempre  do  caso  concreto  e  do  bom senso  do   Juiz. (observem que não é só a correção da prova que é subjetiva, a  lei  muitas vezes 

Page 27: Apostila de Direitos Reais

também o é!). Em algumas situações, o uso nocivo precisa ser tolerado pelo interesse público (ex: hospital que emite fumaça, escola que faz muito barulho, os vizinhos vão ter   que   aguentar   os   inconvenientes,   mas   terão   direito   a   uma   indenização   do hospital/escola, 1278, 1279). 

            O critério de “pré-ocupação” (de quem chegou primeiro), pode ajudar o Juiz a decidir, assim se você vai morar perto de um canil, terá que aguentar a cachorrada. Mas se acabaram de inventar um filtro para chaminé e você vai morar perto de uma fábrica, pode o Juiz determinar a instalação do filtro para acabar com o pó.  Outro critério   objetivo   para   ajudar   o   Juiz   é   analisar   o  destino   do   bairro,   residencial, comercial, social (barzinhos). 

             Sanções para o  infrator   -  o  vizinho que perturba a saúde,  o sossego e a segurança dos outros deverá ser condenado a uma indenização por danos materiais e morais,  bem como a fazer cessar o inconveniente, sob pena de multa diária; outra sanção   é   a  prestação   de   caução  (=   garantia,   ex:   fiança,   hipoteca,   depósito   de dinheiro,  etc)  para garantir  a  indenização do vizinho caso o dano  iminente ocorra (1280,   1281,   937,   938).   Vejam   que   a   questão   é   civil,   podendo   resolver-se   nos Juizados Especiais Cíveis, então não sobrecarreguem a polícia com brigas com seus vizinhos.  

2 – Das árvores limítrofes: estas regras se aplicam às árvores próximas ou no meio de dois  terrenos. A árvore que está no meio dos terrenos pertence aos dois vizinhos (1282), é o que se chama de  condomínio forçado. A árvore que está num terreno pertence ao dono do  terreno  (79,  92),  mas se seus galhos passam para o outro terreno, o vizinho poderá pegar os frutos que caírem naturalmente (1284 – não pode derrubar os  frutos) e o vizinho ainda pode cortar  os galhos (1283 – caso raro de justiça privada/com as próprias mãos no nosso direito).  Se os frutos caem em via pública (rua, praça), os frutos são do dono da árvore, pois nesse caso ele não terá que pedir autorização a nenhum vizinho para pegá-los, não gerando assim nenhum incômodo de ter que ficar entrando na casa dos outros.

3 – Da passagem forçada: um prédio (lembrem-se que “prédio” em direito significa imóvel, rural ou urbano, edificado ou não) sem saída é inútil pois fica sem acesso para moradia e exploração econômica. Se a saída existe mas é muito ruim (ex: no inverno fica intrasitável), também prejudica a exploração do prédio. Então nestas condições o proprietário  terá direito a pedir  para passar pelo terreno do vizinho, pagando uma indenização.   É um ato lícito com dano, lícito porque autorizado pela lei, mas causa um dano/transtorno ao vizinho, que por isso deve ser indenizado. 

Conceito de passagem forçada: direito do dono do prédio encravado de pagar para passar pelo terreno vizinho, a fim de ter acesso a via pública (1285).

Fundamento:  é de  interesse público que todos os prédios  tenham um bom acesso para serem melhor explorados economicamente, gerando lucros, empregos e impostos. 

Page 28: Apostila de Direitos Reais

Ressalto que a passagem não é gratuita  mas onerosa,  e o proprietário  do prédio   encravado,   além   de   pagar   a   indenização,   também   terá   que   conservar   o caminho. A passagem deve ser fixada no caminho mais curto, no prédio mais próximo e  de  forma mais  barata  para  ambos os  vizinhos  (§  1º  do 1285).  A  PF difere  da servidão predial   pois esta decorre de contrato (acordo), seja o prédio encravado ou não, enquanto a PF é imposta pela lei apenas para prédios sem saída. Se o prédio tem   saída  mas   o   proprietário   quer   apenas   encurtar   caminho,   não   cabe   impor   a passagem   forçada,  mas   sim   celebrar   através   de   contrato   a   servidão   predial   de passagem.  

4 – Da passagem de cabos e tubulações (próxima aula). 

Direitos Reais

Aula 14 

 DIREITOS DE VIZINHANÇA 

            Regras dos Direitos de Vizinhança: (continuação) 

4 – Da passagem de cabos e tubulações: 

             Trata-se de obrigação de tolerar que um vizinho tem para beneficiar outro vizinho com a passagem de cabos e tubulações subterrâneos pelo seu terreno. É uma novidade do Código de 2002, importante tendo em vista o avanço da tecnologia e a existência   de   cabos   de   internet,   gás   encanado,   TV   por   assinatura,   etc.   (1286) Também é possível a construção de aquedutos para transporte canalizado de água (1293 a 1296). Assemelha-se a uma desapropriação privada, pois é preciso pagar indenização. 

5 – Das águas: 

            Cresce a cada dia no mundo moderno a importância das águas, e se diz que no futuro próximo os países vão brigar por água potável, e não mais por territórios ou petróleo.  A água é um bem maior de sobrevivência esgotável  e é  importante sua regulamentação para evitar poluição e desperdício (1291). 

            Nosso CC traz algumas regras importantes sobre as águas, vejamos:

-1288: toda água corre naturalmente de cima para baixo, do rio para o mar, então um vizinho não pode reclamar do estrago que as águas vindas do terreno de cima façam no   seu;   o   proprietário   de   baixo   deve  usar   a   criatividade  e   se   beneficiar   da   sua condição inferior, construindo uma bica, um moinho, etc.

-1290: as águas que cortam meu terreno podem ser utilizadas para consumo, mas o curso natural das águas não pode ser interrompido. (obs: quando a água é muita, o vizinho inferior prefere que o superior impeça seu fluxo, mas em época de seca é o contrário). 

Page 29: Apostila de Direitos Reais

- 1292: a lei estimula que as pessoas/fazendas construam barragens para represar água de chuva, afinal  trata-se de uma água limpa. Parece existir  uma contradição entre este artigo e o 1290, mas isso se resolve com bom senso, coibindo-se o abuso, e estimulando o maior aproveitamento da água para as pessoas e para a agricultura. 

- 187 e § 2º do 1228 : abuso de direito - a lei proíbe o uso da água para fins egoístas ou inúteis 

            Vejam também sobre águas o Código de Águas (Decreto 24.643/34) e a Lei dos Recursos Hídricos (lei 9.433/97) 

6 – Dos limites entre prédios

             O Estado  tem  interesse que os  limites entre prédios (lembrem-se que um prédio é qualquer imóvel, rural ou urbano, edificado ou não) sejam corretos para a devida tributação. O proprietário tem o direito de cercar/murar seu terreno dividindo as despesas com seu vizinho (1297). Este direito chama-se de  direito de tapagem e o muro   pertencerá a ambos em condomínio forçado (§ 1º do 1297). Os limites podem ser fixados por marcos naturais, como um rio, uma serra, uma árvore, etc. (§ 2º do 1297). Se você quiser exercer este direito, faça um acordo com seu vizinho. Se o vizinho  não  quiser   conversa,   pegue   três  orçamentos  do  muro,   faça  o  muro  pelo orçamento mais baixo e vá cobrar   judicialmente do vizinho a metade do custo.  É permitido incluir no custo do muro a colocação de ofendículas para impedir a invasão (ex: pregos, cacos de vidro, cercas elétricas, etc., depende do costume do lugar e das normas municipais). Se você tem dúvida sobre os limites do seu terreno, antes de murar entre com uma ação de demarcação  (1298 CC e 946, I, CPC).  

7 – Do direito de construir:

             O   proprietário   pode   dispor   (jus   abutendi),   então   pode   reformar,   demolir, escavar, aterrar e construir no seu terreno. O direito de construir tem limites no CC e em   regulamentos   administrativos   municipais   que   variam   muito   (1299).   O   Juiz geralmente precisa de um engenheiro civil para aplicar estes artigos. 

             O   poder   público   municipal   é   quem   autoriza,   organiza   e   fiscaliza   as construções  para  a  devida cobrança de  impostos,  para  zelar  pela  segurança das obras,  pelo   respeito  aos direitos de vizinhança,  pela  arquitetura  da cidade e pela intimidade da família.  Esta autorização é necessária, mas a burocracia poderia ser menor para estimular as construções e a geração de empregos, afinal a construção civil emprega muita mão de obra sem qualificação. 

            A regra geral é a da liberdade de construir, mas não se pode:

- despejar goteiras sobre o terreno/teto do vizinho (1300)

- não se pode abrir janelas a menos de um metro e meio do terreno vizinho, de modo que entre uma janela e outra deve haver três metros (1,5 m de recuo de cada lado, art. 1301); se você não vai fazer uma janela, pode construir na zona urbana até o 

Page 30: Apostila de Direitos Reais

limite do terreno, mas na zona rural tem que deixar três metros, mesmo sem abrir janela, afinal os terrenos rurais são maiores (1303). 

- não se pode encostar na parede divisória fornos muito grandes para não incomodar o vizinho (1308 e pú).

- não se pode construir fossa junto de poço de água (1309).

- não se pode executar obras arriscadas (1311)

            Sanção para o vizinho que violar estas regras: 1.312. 

            Por outro lado, o vizinho pode:

- exercer o direito de travejar ou madeirar (1304), ou seja, em casas alinhadas pode-se construir apoiando na parede divisória do vizinho, pagando a devida indenização.

- pode colocar armário até o meio da parede divisória, se já não tiver armário do outro lado (1306). 

- pode entrar na casa do vizinho para fazer as obras na sua casa com segurança (1313, I e § 1º); trata-se de uma norma inconveniente que traz muito problema na prática, pois ninguém gosta de ver os vizinhos dentro de sua casa.  

Final dos Direitos de Vizinhança, na próxima aula veremos Condomínio  

Aula 15 

AINDA “DAS ÁGUAS” 

             Antes   de   começarmos   condomínio,   tomem   conhecimento   de   algumas observações sobre as águas (assunto da aula passada),   conforme evento do qual participei   em   São   Paulo   semana   passada,   palestra   sobre   o   uso   da   água   do Procurador   de   Justiça   em   SP   Daniel   Fink,   no   Congresso   da   Federação Interamericana de Advogados – FIA, tema “A Metrópole e o Direito no séc. XXI”, dia 27.10.04: segundo o palestrante, diante da escassez do produto, em 2025 começará a  guerra  mundial  pelo  uso  da  água.  Hoje  se  sabe  que  70% do  planeta  Terra  é formado por água, mas dessa água toda apenas 2,5% é água doce, e apenas 1% está acessível, pois os outros 1,5% estão nas calotas polares. Desse 1% de água doce, 70% é usado para irrigação (agricultura), 20% para a indústria e 10% para o consumo. Nos EUA, para irrigação, indústria e consumo, se gastam em média 666 litros por habitante por dia; no Canadá 431; no Japão 355, no Sudeste do Brasil 360 e aqui no Nordeste 170 litros por habitante por dia para irrigação, indústria e consumo. O Sudeste   tem  índice   igual  ao  de  um país   rico  como o  Japão,  pois   tem muitas indústrias   e   plantações,   e   também   tem   mais   água   disponível   do   que   aqui   no Nordeste.  Vamos economizar!             

CONDOMÍNIO GERAL 

Page 31: Apostila de Direitos Reais

             Conceito: é a sujeição de uma coisa, divisível ou  indivisível, à propriedade simultânea e concorrente de mais de uma pessoa. 

             Este   é   o   condomínio   GERAL,   pois   existe   o   condomínio   EDILÍCIO   (em edifícios) que veremos na próxima aula.

             No condomínio  temos mais  de um sujeito  ativo,  que são os proprietários, exercendo o domínio sobre um mesmo objeto, móvel ou imóvel, divisível ou indivisível (ex: carro, barco, casa, roupa, apartamento, fazenda, terreno, etc).

            Trata-se de uma propriedade simultânea e concorrente, de modo que todos são donos ao mesmo tempo (por isso é simultânea), e todos podem usar a coisa toda (por isso é concorrente), dentro dos limites da convivência harmônica. Esta harmonia é dificílima, tanto que os romanos chamavam o condomínio de “mater discordiarum” (mãe das discórdias), e realmente basta a gente se lembrar de como é difícil dividir um carro/roupa com um irmão, pra gente saber como o condomínio é inviável. Um direito amplo/complexo/importante como a propriedade não dá para ser exercido por mais de uma pessoa sobre a mesma coisa, e é por  isso que veremos como a lei facilita e incentiva a extinção do condomínio. 

            Mas a lei permite o condomínio e para isto criou-se uma ficção jurídica, de modo que cada condomínio na verdade só é dono de uma fração ideal, de uma cota (ex: 50% se são dois donos, 33% se são três donos, ou 30% pra um e 70% pra outro, etc). Embora cada um seja dono de uma cota, para viabilizar o condomínio pode usar a coisa toda (1314). 

            O condomínio é uma exceção à regra pela qual toda propriedade é exclusiva (1231). O condomínio também impede o exercício pleno da propriedade, trata-se de um   limite   à   propriedade,   pois   embora   cada   condômino  possa   usar   a   coisa   toda (1314), é preciso respeitar a vontade dos outros condôminos (pú do 1314). 

             Não   confundam   comunhão   com   condomínio;   esta   é   espécie   e   aquela   é gênero, então todo condomínio será uma comunhão, mas nem toda comunhão será condomínio.  A  comunhão  é  de  qualquer  direito   (ex:   pai   e  mãe   têm o  direito  em comunhão   de   educar   os   filhos),   enquanto   condomínio   é   apenas   do   direito   de propriedade.  

Espécies de condomínio: 

a)       voluntário:  quando duas ou mais pessoas adquirem um mesmo bem, ou quando   duas   ou   mais   pessoas   exercem   composse   e   todas   adquirem   a propriedade da coisa pela usucapião. 

b)      forçado: ocorre sem, ou mesmo contra a vontade dos sujeitos: ex: doação a várias pessoas, herança para vários filhos, os muros e árvores comuns (1327, § 1º do 1297, 1282), etc.  

Direitos e deveres dos condôminos:  

Page 32: Apostila de Direitos Reais

            - utilização livre e defesa da coisa conforme sua destinação (1314), cujo limite é o direito  dos demais condôminos (pú do 1314),   resolvendo-se os  impasses por maioria de votos (1325). 

            - arcar proporcionalmente com as despesas para conservação da coisa (1315)

            - os frutos da coisa devem ser divididos entre os condôminos, e o condômino que causar dano à coisa deve indenizar os demais (1319, 1326). 

            - a qualquer momento o condômino pode pedir a divisão ou alienação da coisa (1320 e  §§);  esta   regra  se   justifica  para  extinguir  o  condomínio,   fonte  de  muitas discórdias. Assim, se dez pessoas têm um barco e uma delas quiser vender, sua vontade vai prevalecer sobre a dos outros nove, e a coisa será vendida para dividir o dinheiro, salvo se estes nove quiserem comprar a parte do que quer vender (1322). Ressalto  que o 1325,  que  trata  do poder  da maioria,  não prevalece em caso de venda,  mas  apenas  em casos  de  administração   (ex:   explorar   uma   fazenda  para pecuária ou agricultura, alugar, emprestar, etc, 1323). Para vender basta um querer, para administrar, prevalece a vontade da maioria. 

             - dar preferência a outro condômino quando alguém quiser vender sua cota em coisa indivisível; se a coisa é divisível (ex: terreno grande) não precisa dar essa preferência (504) 

Administração  do  condomínio:   é   fundamental,   pois  uma  coisa   com muitos  donos termina   ficando   acéfala   e   o   caos   se   instala.   Hierarquia   e   direção   são   muito importantes   para   o   sucesso   de   qualquer   negócio.   Se   os   condôminos   não   se entendem, o jeito é pedir a intervenção do Juiz.  

Extinção do condomínio: se dá por duas formas:  a) divisão da coisa: quando a coisa é   divisível   (ex:   uma   fazenda   grande),   então   a   qualquer   momento,   em   ação imprescritível, o condômino pode pedir a divisão e cada um fica com a propriedade exclusiva de uma parte proporcional  a seu quinhão; b)  alienação da coisa: seja a coisa divisível ou indivisível, pode ser alienada a qualquer tempo para se dividir o dinheiro, e acabar com o condomínio, fonte de discórdias. 

Aula 16 

CONDOMÍNIO EDILÍCIO 

         1 – Introdução: 

          Este   é   o   condomínio   em   edifícios,   conjuntos   residenciais,   loteamentos fechados e clubes de campo.

          O aumento da população urbana,  o  alto  preço  do solo  nas cidades e  a moderna tecnologia de engenharia fizeram crescer a importância do condomínio em edifício, e o direito não poderia deixar de regulá-lo. 

Page 33: Apostila de Direitos Reais

         Não só nas metrópoles, mas nas cidades de médio porte (ex: Caruaru) já se vêem vários edifícios.

         Além do novo CC, a matéria está regulada pela lei 4.591/64. O velho CC não previa pois não existiam edifícios cem anos trás. A recente lei 10.931/04 já mudou alguns artigos do CC sobre condomínio, procurem esta lei e atualizem o código de vocês. 

          No condomínio edilício existe duplicidade de direitos reais: 1) propriedade plena e exclusiva dos apartamentos, lojas, casas e garagens; 2) condomínio das áreas   comuns,   disciplinada   pela   vontade   coletiva   prevista   em   convenção   e regimento interno, como portaria, escada, circulação, playground, piscina, salão de festas, etc, com uma fração ideal para cada condômino (1331, §§ 1º e 2º).  

         2 - Personalidade: o condomínio edilício não é uma pessoa jurídica e nem é pessoa física, sua personalidade é  anômala, e o novo CC manteve essa dúvida, apesar do condomínio celebrar muitos contratos na vida moderna. No fundo, o condomínio está mais perto de ser uma pessoa jurídica do que uma pessoa física, sendo   representado   pelo   síndico   (1347,   1348).   Ao   síndico   cabe   também administrar o condomínio e prestar contas à assembléia geral. 

          3 - Instituição: surge o condomínio pela vontade das partes (1332), sendo muito comuns os condomínios por  incorporação  (trata-se de um contrato de dir. comercial que prevê a construção de um edifício para a venda dos apartamentos; é o que fazem as construtoras em toda a cidade; ver lei 4.591/64, a partir do art. 28). 

          4   -  Regulamentação:  além da  lei,  a  vontade coletiva que predomina nos condomínios edilícios está sujeita a uma convenção e a um regimento interno. A convenção   é   mais   ampla,   dispõe   sobre   questões   fixas   de   formação   e funcionamento do condomínio  (1334), e para ser mudada se exige aprovação de 2/3   dos   votos   dos   condôminos   (1351).   Já   o   regimento   interno   deve   ser   feito separado e dispõe sobre questões menores, dinâmicas (ex: funções do zelador, proibir cachorro, uso da piscina, carrinho de feira só pelo elevador de serviço, etc) e pode ser alterado por maioria simples presente na assembléia convocada para este  fim (a aludida  lei  10.931 alterou o quorum do art.  1351 para o regimento interno). 

          5  –  Direitos  e  deveres dos condôminos:  os  direitos  estão  no 1335 e  os deveres são obedecer à convenção e ao regimento interno, além do 1336. Dívidas antigas de condomínio são de responsabilidade do atual dono, é obrigação real do 1345, que vincula a coisa, e não a pessoa do devedor. Fazer seguro é obrigatório, seu   edifício   tem   seguro   (1346)?   O   descumprimento   dos   deveres   implica   em sanções variadas previstas na lei e na convenção. O § 1º do 1336 é muito criticado por   estimular   a   inadimplência,   porque   só   permite   uma  multa   de   2%   para   a contribuição condominial paga em atraso. Em compensação, uma sanção grave para o condômino que descumpre suas obrigações ou tem comportamento anti-social está no 1337 e pú, mas deve-se assegurar sempre ampla defesa. 

Page 34: Apostila de Direitos Reais

         6 – Obras no condomínio: 1341; percebam que as benfeitorias úteis sempre exigem prévia autorização, como eu defendo e expliquei a vocês desde os efeitos da posse. Vejam aula sobre os efeitos da posse e indenização de benfeitorias. 

          7  – Assembléia  Geral:  é  o  Poder  Legislativo do condomínio,  enquanto o síndico representa o Poder Executivo. A AG é a última instância do condomínio, depois dela só o Poder Judiciário. Todos os condôminos têm que ser convocados para as assembléias (1354). Existem assembléias ordinárias (todo ano, 1350), e extraordinárias (sempre que houver necessidade, 1355), que decidem por maioria, conforme as frações ideais (1352 e pú). 

          8   –  Extinção  do   condomínio:   1)   por   perecimento  do  bem  (1357)   2)   por desapropriação do edifício (1358) 3) por venda de todas as unidades a uma só pessoa, caso todas as pessoas queiram vender; aqui é o contrário do condomínio geral, visto na aula passada, pois para vender é necessário o consentimento de todos, enquanto no condomínio geral basta um querer vender para se impor aos demais (1320). 

Aula 17

PROPRIEDADE INTELECTUAL 

1 – Introdução 

             É de extrema importância o estudo da  propriedade intelectual  bem como o 

registro destas criações intelectuais como fonte de riqueza. São poucos os advogados 

especialistas nesta área de registro e de proteção  intelectual,  apesar das marcas, 

invenções   e   demais   criações   da   inteligência   representarem  muito   dinheiro   (obs: 

lembrem-se que Bill Gates é o homem mais rico do mundo e sua maior riqueza é a 

inteligência   que   ele   usa   para   desenvolver   programas   de   computador/softwares 

protegidos pelo Direito Autoral).   Este assunto é muito bom para uma monografia de 

fim de curso, bem como para a advocacia de vocês. 

             O   PIB   (produto   interno   bruto)   de   um   país   é   formado   também   pelo   seu 

patrimônio intelectual,  intangível (que não se toca), e não apenas pelos seus bens 

corpóreos (tangíveis); a riqueza de um país está atualmente ligada à tecnologia e à 

informação que ele dispõe; assim, o Brasil tem perdido muito dinheiro pois nossos 

Page 35: Apostila de Direitos Reais

cientistas não protegem suas criações, permitindo que estrangeiros copiem nossas 

idéias e registrem-nas em primeiro lugar, auferindo para eles os devidos “royalties”. 

            A importância atual do patrimônio intangível é tanta que, por exemplo, a marca 

“Coca-Cola” corresponde a 95% do valor da empresa, enquanto as fábricas e demais 

bens corpóreos do refrigerante valem apenas 5%.

             Idem é a marca “Jaguar”, que foi recentemente comprada pela Ford por um 

valor   sete   vezes  maior   do   que   foi   pago   pela   fábrica   de   automóveis   em   si   (as 

máquinas, fábricas, prédios, etc). 

             E as marcas Kodak, McDonalds, Gilete, a “vírgula” da Nike, quanto valem? 

Fortunas! 

             Tais exemplos são uma prova de que a fidelidade do consumidor por uma 

marca não tem preço, ou melhor, tem um alto preço, afinal a marca é extremamente 

importante para a empresa chegar ao consumidor num mercado tão competitivo como 

o atual. 

            É após a criação da marca, do produto, da invenção que pode vir o sucesso 

da empresa, mas não basta apenas criar, é preciso proteger a obra intelectual através 

do registro.  

2 – Sobre a Propriedade Intelectual 

A propriedade intelectual é objeto de estudo do Direito Privado e tem duas espécies: 1)  a propriedade industrial (direito do  inventor) e 2) os direitos do autor. Ambos são criações do espírito   e precisam de proteção pois a propriedade é um direito extremamente  importante,   responsável pelo desenvolvimento da sociedade. Já   sabemos   que   quanto  mais   se   protege   a   propriedade,  mais   as   pessoas   têm estímulo   para   trabalhar,   produzir,   gerar   empregos,   recolher   impostos,   trazendo riqueza para a sociedade como um todo. 

Page 36: Apostila de Direitos Reais

A   propriedade   é   o   mais   amplo,   importante   e   complexo   direito   real, compreendendo a propriedade corpórea (res qui tangit possum = coisa que pode ser tocada)   e   a   propriedade   incorpórea   (intangível).   A   propriedade   corpórea   são   as casas, roupas, carros, jóias, etc. Já a propriedade incorpórea tem como exemplos os direitos do autor, os direitos do inventor e o fundo de comércio (ex: a clientela de um posto   de   gasolina,   assim   quando   o   posto   é   vendido   o   comprador   paga   pelas instalações físicas, bombas, tanques, terreno, lojas, e também pelo sucesso/clientela daquele posto entre os consumidores da região que têm o hábito de parar ali). 

A  propriedade corpórea é  um direito  permanente   (dura  para  sempre),   já  a 

propriedade   intelectual   (direito   do   autor   e   do   inventor)   só   é   protegida 

temporariamente,   afinal   a   coletividade   também   precisa   fruir   daquela   invenção, 

daquela  idéia,  daquele  livro,  daquela música.  Os Direitos do Autor são protegidos 

durante a vida do seu criador e por até setenta anos após a sua morte, quando caem 

em domínio  público   (voltaremos a  esse   tema na  próxima aula);   já  os  direitos  do 

inventor/criador da marca duram por apenas dez anos (mas podem ser renovados por 

outros dez anos  indefinidamente);  por sua vez a patente de  invenção vale por no 

máximo vinte anos.  Mais  detalhes sobre os prazos/características  de proteção ao 

direito do inventor vocês verão em Direito Comercial.  

A propriedade  industrial   interessa assim ao Direito Comercial   (Empresarial), vocês vão estudar naquela disciplina, e tem por objeto as patentes de invenção, os modelos industriais, as marcas de fábrica ou comércio, o nome comercial, o desenho industrial e a repressão da concorrência desleal, sendo protegida pelo art. 5o, XXIX da CF e pela  lei  9.279/96; ao nosso redor,  em qualquer ambiente,  há sempre vários objetos que não se encontram na natureza e  foram  inventados pelo homem para satisfazer suas necessidades e compensar suas limitações (ex: ventilador, microfone, celular, relógio). 

            Já os direitos do autor (DA) interessam aqui ao Direito Civil, sendo garantido pelo art. 5o, XXVII, da CF, e  pela lei 9.610/98, que veremos na próxima aula, e os DA se diferenciam da propriedade industrial (DI – direito do inventor) por dois motivos: 

             I   -   o  DA   decorre   basicamente   das   obras   intelectuais   no   campo   literário, científico e artístico (ex: livros, conferências, músicas, filmes, fotografias, desenhos, 

Page 37: Apostila de Direitos Reais

pinturas,   software,   entre   outros   –   ver   art.   7o  da   LDA);   já   o  DI   (ou   propriedade industrial) tem por objeto as patentes de invenção, os modelos industriais, as marcas de  fábrica ou comércio, o nome comercial,  o desenho  industrial  e a repressão da concorrência desleal (vide art. 5o, XXIX da CF e lei 9.279/96). 

             II  –  o   registro  da obra   intelectual  no campo do DA  não constitui   (apenas 

presume) a autoria (art. 18 da LDA), ao contrário da propriedade industrial, onde a 

formalidade do registro válido  importa na atribuição do direito ao titular do  invento 

(modelo ou marca) de usá-lo com privilégio; o DA nasce da criação e da utilização da 

obra, e não do seu registro. A lei autoral protege a inteligência, a criação do espírito, e 

não a formalidade do registro. O registro é importante, mas não é imprescindível como 

é no Direito do Inventor.   Em nosso país, a concessão de patentes de invenção e o 

registro das marcas é feito pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, 

uma autarquia   federal,   com sede  no  Rio  de  Janeiro,   cujo  objetivo  é  promover  a 

criatividade pela sua proteção. Já o registro facultativo das obras autorais é feito em 

lugares variados conforme art. 19 da lei 9610.      

 3 – Da importância da propriedade intelectual para o país               

            Nosso país precisa investir em tecnologia nas empresas e nas universidades. 

Mais  até  nas  empresas  pois  nas  universidades  os  estudos   limitam-se  ao   campo 

teórico, enquanto nas empresas os inventos são colocados na prática do mercado de 

consumo.  Como o mercado interno aumenta lentamente, a única maneira de um país 

crescer   rapidamente   é   exportando,   e   para   isso   é   preciso   ter   tecnologia   para 

desenvolver nossos produtos, ser competitivo, e ganhar mercado internacional.

            Só que o Brasil tem investido mais em pesquisa universitária em nível de pós-

graduação,   quando   deveria   investir   mais   no   desenvolvimento   tecnológico   das 

empresas para ganhar mercado e exportar.

Page 38: Apostila de Direitos Reais

             Investindo nas universidades nós até geramos ciência, mas não produzimos 

tecnologia,   já   que   a   missão   das   universidades   é   fornecer  recursos   humanos 

qualificados para a pesquisa nas indústrias. 

            Coréia do Sul e Taiwan são exemplos de países em desenvolvimento como o 

nosso, mas que optaram pelo investimento no setor produtivo (empresas e indústrias), 

desenvolveram tecnologia, estão exportando bilhões de dólares por ano e alcançando 

altos níveis de desenvolvimento social. 

            Deve ser ressaltado que tais países asiáticos não inventaram novos produtos, 

apenas   inovaram,   desenvolveram,   aperfeiçoaram   produtos   já   existentes:   é   a  

chamada inovação tecnológica que é fonte de proteção intelectual e de registro.

            O § 1o do art. 39 da recente lei 10.637/02, considera inovação tecnológica a

concepção de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de

novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique

melhorias incrementais e no efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando

maior competitividade no mercado.

             Em outras palavras,  o  que é  inovação  tecnológica? Em contraste com as invenções revolucionárias, geradoras de produtos totalmente novos, a inovação pode-se dar  pela  simples  melhoria  incremental,  em que avanços  tecnológicos  graduais agregam valor a produtos já existentes. Foi adotando essa estratégia que a Índia, por exemplo, acabou de se converter no maior exportador de medicamentos genéricos e o segundo de software, criando mais de um milhão de empregos diretos de alto valor. 

            Referindo-se aos EUA, o país mais rico do mundo, 70% da pesquisa é feita 

pelo setor produtivo (empresas) enquanto as universidades representam apenas 10%; 

as empresas norte-americanas contam inclusive com o apoio de institutos mantidos 

com recursos públicos, que desenvolvem pesquisas e transmitem tecnologia para as 

empresas melhorarem seus produtos e venderem mais. 

Page 39: Apostila de Direitos Reais

             Quando   a   indústria   vende,   o   empresário   tem   lucro,   os   consumidores   se 

equipam,   empregos   são  gerados   e   impostos   são   arrecadados,   ganhando   toda   a 

sociedade.

             O   Estado   brasileiro   deve   investir   no   setor   produtivo   sem   discriminar   o 

empresário pelo seu lucro, como se o lucro do trabalho lícito fosse imoral. Isto é na 

verdade   parte   da   nossa   cultura   latina/católica   (Portugal,   Espanha,   Itália)   de 

discriminar   o   empresário   e   condenar   o   lucro,   ao   contrário   dos   países 

anglo-saxões/protestantes (EUA, Inglaterra, Alemanha, Suiça) que vêem no lucro e no 

trabalho uma benção divina. 

             O Brasil   têm exemplos de sucesso na  indústria   internacional  com o agro-

business   (açúcar,   soja,  gado,   frango,   frutas)  e  com a  Embraer,  cujos  aviões   tem 

mercado   em   todo   o   mundo,   mas   fora   desses   poucos   casos,   estamos   sempre 

adquirindo tecnologia pronta de outros países, pagando “royalties” para estrangeiros. 

             Mais   sobre   este   assunto,   consultem   o   site  www.protec.org.br  da   Sociedade 

Brasileira pró-Inovação Tecnológica.  

4 – Conclusão 

            Nesse mundo automatizado do séc. XXI, cada vez mais a riqueza depende de 

criatividade, informação e tecnologia, ao invés de territórios e pedras preciosas, como 

no passado.

            A propriedade intelectual, incorpórea, é mais valiosa do que os bens materiais. 

             O   país   rico   é   aquele   que   detém   tecnologia   e   a   transforma   em   riqueza, 

desenvolvendo produtos inovadores para exportação.

Page 40: Apostila de Direitos Reais

            Como a atividade produtiva deve ser desenvolvida pelo particular, e não pelo 

Estado  (sempre  burocrata  e  às  vezes  corrupto),  é   fundamental  que as  empresas 

tenham recursos para  investir  em pesquisa e  tecnologia,  no exemplo moderno de 

países como a Coréia do Sul e Taiwan, e mesmo a China e a Índia. 

            O Brasil deu um passo recente nesse caminho com a edição da lei 10.637/02, 

que prevê incentivos fiscais para as empresas que efetuarem despesas com pesquisa 

e desenvolvimento de inovação tecnológica de produtos. 

             Desenvolvido o produto ou criada a marca, o passo seguinte é  investir  no 

registro para a proteção legal, o reconhecimento internacional e o recebimento dos 

devidos royalties, permitindo mais pesquisas e trazendo mais riquezas. 

             Estudem Propriedade   Intelectual   (=  direito  do   inventor  +  direito  do  autor), 

saibam fazer registro de marcas, patentes, invenções, livros, músicas, programas de 

computador e tenham uma opção para sua monografia de final de curso, e para toda 

sua vida na advocacia. 

             Na   próxima   aula   vamos   nos   concentrar   em  Direito   do  Autor.   Direito   do 

Inventor fica para o Direito Comercial.  Tragam a lei 9.610/98 na próxima aula. 

Aula 18 – última 

DIREITO AUTORAL 

Como   dito   na   aula   passada,   o   direito   do   autor   também   é   objeto   de propriedade, e por  isso devemos estudar este semestre,  afinal  o DA faz parte do patrimônio incorpóreo das pessoas.  

Histórico: o direito do autor vem desde meados do século XV, com a invenção da imprensa por Gutemberg e a sua evolução teve início em 1824, com a primeira referência ao fato, passando por alterações de leis em várias datas, como em 1830, 1890, 1898, 1916, 1924, até 1998, chegando aos dias atuais, com a adesão do Brasil aos tratados internacionais. A Convenção de Berna é o instrumento de direito do autor 

Page 41: Apostila de Direitos Reais

mais antigo, datado de 1886, e o Brasil foi o primeiro país da América Latina a aderir, em 1922, quando se firmaram os direitos, morais e patrimoniais.   A Convenção de Roma, de 1961,  com vigência a partir  de 1964,  é administrada pela Organização Internacional   do   Trabalho   –   OIT,   Unesco   e   OMPI   –   Organização   Mundial   de Propriedade   Intelectual   www.wipo.int   (WIPO   -   World   Intellectual   Property Organization) e dá proteção aos artistas intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão. Já o tratado TRIPS, sigla inglesa para ADPIC – Associação de Direito e Propriedade Intelectual e Cultural, é o responsável pelo impacto da propriedade intelectual no comércio: a pirataria, as novas tecnologias e   a   globalização   dos  mercados,   incluindo   os   softwares   como   obras   literárias.  O Tratado da OMPI   (WIPO)  veio   fortalecer  a  agenda digital  e  o  campo da  Internet. Aprovado em 1996, encontra-se em plena vigência,  e alguns de seus artigos foram incorporados no Brasil pela lei 9610/98 do direito do autor.

Fundamento:  é  muito   importante  proteger  o  DA pois  premia  a  criatividade, estimula as pessoas a pensar/criar/trabalhar mais, e no final toda a sociedade ganha com   aquele   ótimo   livro,   aquela   bela   música,   aquele   filme   emocionante,   aquele eficiente programa de computador.   Se o DA não fosse protegido, a sociedade até teria  mais   liberdade para usar  as obras,  em compensação os autores não  teriam recompensa   financeira   e   as   criações   seriam   reduzidas/atrofiadas.   Proteger   e remunerar o autor estimula a cultura, a educação e a tecnologia de um país. 

            O DA tende a se tornar uma matéria autônoma (como o Dir do Consumidor e o Dir do Trabalho, filhos também do Dir Civil), pois cada vez se mostra mais  complexo neste mundo moderno com transmissões via satélite, máquinas copiadoras de livros e discos, além do avanço da informática (art. 29, X da LDA 9610/98). 

             Nosso ordenamento considera os direitos autorais coisas móveis (83, III do CC e 3º da lei 9610).

            Requisitos: para ser protegida, uma obra precisa de criatividade (inteligência), originalidade  (ser   diferente   de   outra)   e  exteriorização  (uma   obra   desconhecida inexiste  para  o  direito).  São  obras  protegidas  aquelas  do  art.   7º  da   lei  9610;  ao contrário, não são protegidas aquelas do art. 8º.   Mesmo com tantos incisos nestes dois artigos, surgem controvérsias  em saber se uma obra é ou não protegida diante do vasto campo de criação intelectual. 

Conceito: direito autoral é o direito de propriedade que tem o autor da obra literária-artístico-científica   de  ligar   seu   nome  às   produções   de   seu espírito/alma/criatividade/inteligência, explorando-as economicamente. 

Neste conceito, percebemos que o DA se divide em dois: 1) o direito moral, que é o direito do autor de ligar seu nome à obra; 2) o direito patrimonial, que é o direito do autor de explorar economicamente a obra. (art 22)

1 - Direito moral do autor: art. 24 da lei, que consiste no direito à paternidade (incisos I, II e VII), direito ao inédito (III), direito à integridade (IV), direito à modificação 

Page 42: Apostila de Direitos Reais

(V) e direito ao arrependimento (VI).  Os direitos morais duram para sempre (art 27 – acrescentem neste artigo as expressões “impenhoráveis, absolutos e imprescritíveis”). 

2 - Direito patrimonial do autor: diz respeito à repercussão econômica do uso da obra, ou seja, refere-se à venda, publicação, reprodução, execução, tradução e divulgação  da  obra   (art.   28).  O  autor   pode   vender   seu  direito  patrimonial,   assim músicos vendem suas canções a gravadoras, autores vendem seus livros às editoras, fotógrafos vendem fotos  às revistas, etc (49).  Se o autor não vender a ninguém, o dir patrimonial sobre sua obra passa para seus herdeiros. Em qualquer caso, o direito patrimonial não dura para sempre, mas apenas por 70 anos (art 41), depois as obras caem em domínio público, ou seja, todos podem usar/copiar/exibir/distribuir/divulgar sem pagar, mas sempre respeitando o direito moral que é permanente (45).  Assim eu posso fazer cópias das músicas de Mozart, mas não posso dizer que a música é de minha autoria. 

Registro: já sabemos que o registro da obra intelectual é importante, mas no DA   o   registro   não   é   imprescindível   como   no  Direito   do   Inventor   (=  Propriedade Industrial), vejam o art. 18 da LDA. Isto porque a lei autoral protege a criatividade das pessoas   e   não   a   formalidade/solenidade   do   registro.   A   obra   nasce   da alma/inteligência do artista, e não do registro. Já as invenções sempre precisam de patentes   e   as  marcas   sempre   precisam   de   registro   por   uma   questão   de  maior segurança internacional. Onde se faz o registro da obra autoral? Em vários lugares, a depender da espécie da criação, conforme art. 19.  Mas se você cria uma música/livro e não registra, precisa pelo menos  utilizá-la (dar publicidade)  para querer gozar da proteção da lei. Imaginem que um favelado compõe uma música e toca em festas populares, aparece então um artista famoso registra e lança essa música como sua, o favelado poderá protestar e terá muitas testemunhas em seu favor. Por outro lado, criar e não divulgar/usar a obra, e nem registrá-la, assim fica difícil protegê-la. 

Limitação aos DA: o que se pode fazer sem desrespeitar o DA? Os arts. 46 a 48 respondem, bem como o art. 8º. Conheçam estes artigos e não violem o DA.   A democracia é um regime que tolera um pouco de ilegalidade, mas espero que vocês não façam cópias de livros e músicas, vocês agora sabem que não podem fazê-lo. Direitos conexos: Os direitos conexos (próximos/relacionados) aos direitos autorais são os direitos dos intérpretes e executantes das obras, conforme art. 89. Ex: existem muitos personagens de novela que são criados pelos escritores, mas que fazem mais sucesso  pela   interpretação  dos  atores.  Então  se  diz  que  o  escritor   tem o  direito autoral, e o ator o direito conexo, ambos protegidos pela lei, afinal o ator é o veículo para a divulgação do personagem. 

Proteção ao DA:  quem protege os direitos  autorais  é  o  ECAD – Escritório Central de Arrecadação  e Distribuição. O ECAD não tem lucro para si e sim para os autores associados (97). Pode haver várias associações de autores, mas o ECAD é um só (99).   O ECAD fiscaliza e arrecada para os autores. 

Sanções: quem viola o DA fica sujeito a sanções de ordem civil e penal (101). No Direito Penal, é crime violar direito do autor (art. 184 do CP). No Direito Civil as sanções são várias, então um autor que se sentir prejudicado, civilmente pode: a) 

Page 43: Apostila de Direitos Reais

pedir ao Juiz indenização material e moral contra quem reproduziu/divulgou sua obra sem autorização; b) pedir a busca e apreensão de cópias falsas; c) pedir ao Juiz que impeça ou suspenda a divulgação   de obra sem autorização (arts. 102, 103, 108 e 110).  Chama-se contrafação a reprodução não autorizada de obra intelectual, e a pior espécie de contrafação é o plágio, que é a apresentação de obra alheia como própria. 

Obrigado a vocês todos pela convivência neste semestre e vamos em frente!