trabalho de direito tributário art 116 pu
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Unidade De Ensino Superior Do Sul Do Maranhão - UNISULMA
Curso de Direito – 9º Período – Noturno
Disciplina de Direito Tributário II
Professor: Bruno Roberto Soares
Aluno: Carlos Olivar de Farias Júnior
A CONSTITUCIONALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE DO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO
NACIONAL
Imperatriz-MA
DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
2011
I NTRODUÇÃO
O questionamento sobre a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário
Nacional – CTN (Lei no 5.172,de 1966), surgiu com as alterações advindas
da Lei Complementar no 104, de 2001, a qual efetivou a introdução
explícita, no sistema tributário pátrio, de uma norma geral antielisiva. A
regra foi alojada no dispositivo legal objeto do presente trabalho científico,
passando assim, este artigo a possuir a seguinte redação:
"Art. 116 - Salvo disposição de lei em contrário, considera-se
ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que
se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que
produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se da situação jurídica, desde o momento em
que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito
aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária, observados os
procedimentos a serem estabelecidos na lei
ordinária."
(grifos pessoais)
Antes de qualquer explanação, é importante deixar claro que a norma
antielisiva e trata-se de uma norma que pretende combater os
procedimentos de planejamento tributário adotados com abuso de forma ou
de direito, como pode-se observar da leitura do supramencionado artigo.
Desde seu advento a referida norma vem causando grandes
controvérsias entre doutrinadores por ser muito genérica e admitir
interpretações diversas, já que se fundamenta na intenção do contribuinte
em dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos
que constituem a obrigação tributária, deixando a desejar no que diz
respeito à sua legalidade e até mesmo ao fato de ser ou não necessária ao
ordenamento jurídico brasileiro.
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
Através desta pesquisa pretende-se analisar, esclarecer e explicitar
diversas correntes sobre a constitucionalidade da norma objeto da presente
pesquisa, abrangendo aspectos individuais em relação a sua interpretação
tributária e literalidade, já que provoca atritos sobre conceitos que
aparecem vagos.
C ONCEITO
Como analisado nas linhas anteriores, a norma antielisiva consiste em
um instrumento de combate aos riscos fiscais e para isso, tem o apoio do
princípio da transparência. Visa punir os contribuintes que deturpam a
interpretação do direito tributário, praticando abuso de forma sobre o
conteúdo jurídico da operação sujeita ao imposto ou pela manipulação da
forma societária da empresa sob o manto da liberdade de iniciativa.
A referida norma tem por finalidade evitar o favorecimento injusto
dos que praticam elisão abusiva em relação àqueles que nada têm a elidir,
garantindo igualdade e dando transparência às relações jurídico-tributárias.
Sendo sua eficácia condicionada à legislação ordinária de cada Ente
Federativo.
Alguns insistem em afirmar que evasão e elisão são sinônimas. Mas
não é possível dar continuidade ao estudo da norma antielisiva sem fazer
esta distinção, que, com o apoio de renomados autores, consubstancio
neste trabalho.
No caso da evasão, o contribuinte atua numa área não sujeita à
incidência da norma impositiva. Ou seja, o contribuinte deixa de praticar ato
que esteja sobre a incidência da obrigação tributária. Ricardo Lobo Torres
conceitua evasão como:
“a economia de imposto obtida ao se evitar a prática do ato
ou o surgimento do fato jurídico ou da situação de direito
suficientes à ocorrência do fato gerador tributário” Op. Cit.,
p. 246
Abster-se de adquirir um automóvel para não pagar IPVA e não ser
proprietário de bem imóvel para não pagar IPTU são exemplos de evasão,
ou seja, há uma verdadeira abstenção de incidência.
A elisão fiscal é também economia tributária de acordo com o
ordenamento jurídico. Amílcar de Araújo Falcão explica:
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
“Pode ocorrer que o contribuinte disponha seus negócios, de
modo a pagar menos tributos. Nada o impede, desde que
não ocorra aquela manipulação do fato gerador, no que toca
ao seu revestimento jurídico. A doutrina reconhece como
válido e perfeitamente legítimo aquilo que se denomina de
economia fiscal (...) Cada um pode administrar seu
patrimônio ou seus negócios de tal maneira que o imposto
tenha o menos de peso possível. O dever moral, não mais
que o dever cívico, não pode ter o efeito de obriga-lo a
escolher o caminho mais proveitoso ao Tesouro” Op. Cit., p.
73-74
A elisão é mecanismo essencial de economia para os contribuintes e
fonte de preocupação para os governos, já que corresponde à economia de
imposto mediante um planejamento fiscal.
Segundo Ricardo Lobo Torres, os que defendem a licitude da elisão
fiscal pensam que:
“Será lícita qualquer conceptualização jurídica do fato sujeito
ao imposto, eis que à aptidão lógica do conceito para
revestir juridicamente certos fatos repugnam a idéia de
abuso de forma jurídica” Op. Cit., p. 246
Já aqueles que defendem a ilicitude da elisão, tese hoje brutalmente
minoritária, são adeptos da consideração econômica do fato gerador e da
autonomia do direito tributário. Este pensamento remete à idéia de
“escravidão econômica”, ou seja, de imposição exclusivamente arbitrária,
como se a obrigação tributária fosse uma norma outorgada ao contribuinte,
proibindo-lhe qualquer forma de economia tributária, mesmo aquelas
previstas em lei ou permitidas pelas lacunas favoráveis a ele. Não se deve
esquecer da liberdade de planejamento tributário, já mencionada.
Sendo assim, a elisão é inteiramente lícita, desde que não haja abuso
de direito. Ou seja, a conduta do contribuinte será atípica e ilícita se visar o
não pagamento do tributo ou pagar a menor. Não pode o contribuinte
manipular a forma prescrita na lei para a prática do ato. Ricardo Lobo
Torres explicita:
“A elisão ilícita se restringe ao abuso da possibilidade
expressiva da letra da lei e dos conceitos jurídicos abertos
ou indeterminados; inicia-se com a manipulação de formas
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
jurídicas lícitas para culminar na ilicitude ínsita ao abuso de
direito; mas é sempre difícil de se caracterizar e o combate à
ilicitude redunda, não raro, no emprego da analogia,
inclusive pela jurisprudência, disfarçadamente, ou da contra-
analogia e da redução teleológica inerente às normas gerais
antielisivas. Se não se faz na via legislativa por meio de
conceitos determinados e cláusulas específicas” Op. Cit., p.
247
O doutrinador Luiz Emygdio F. da Rosa Junior, exemplifica a elisão
ilícita:
“A conduta será ilícita, por exemplo, quando a pessoa
pretende fazer doação de um bem imóvel, mas considerando
que o imposto será mais gravoso que a alienação onerosa,
adota a forma jurídica de compra e venda para revestir o
ato, pagando menos imposto” Op. Cit., p. 750
C ONSTITUCIONALIDADE
É fato que a norma antielisiva foi criada pelo legislador com uma
finalidade teoricamente útil, mas a grande questão é que ela foi elaborada e
introduzida no CTN de forma genérica, já que o legislador não se
aprofundou no assunto, deixando a cargo da doutrina e da jurisprudência os
esclarecimentos necessários sobre o instituto. Por este motivo, grandes
discussões e controvérsias existem sobre a incidência da norma nos casos
concretos, o que dificulta a consolidação de um posicionamento definitivo
sobre seu verdadeiro objetivo.
O que mais dificulta a aplicação da norma é o fato de ela não ser
específica, permitindo diversas interpretações. Mas, de qualquer forma,
seria muito difícil discriminar na lei todas as situações da vida prática sobre
as quais incidiriam a norma. Sempre haverá uma situação diferente que
poderá, ou não, ser considerada abusiva aos olhos da lei.
Parte da doutrina discute a constitucionalidade da norma antielisiva.
Alegam que há conflito de princípios constitucionais acerca do assunto, pois,
de um lado, há o princípio da legalidade tributária fechada, e de outro lado,
o princípio da capacidade contributiva. A solução deste impasse é o
equilíbrio, como para a maioria dos problemas sempre o é. O grande
problema é atingir o tal equilíbrio, quando não há como garantir o direito de
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um, sem limitar parcialmente o de outro. A intenção é não prejudicar o
contribuinte e não prejudicar da mesma forma, o Fisco.
O contribuinte é protegido pelo princípio da igualdade, presente na
Constituição Federal.
“Art. 5° (...): II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”
Desta forma, conclui-se que não é a autoridade administrativa que
pode desconsiderar o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte,
mas sim a lei. E, para isso, a situação que comporte essa desconsideração
deve estar prevista em lei, caso contrário , haverá violação de uma garantia
fundamental da Lei Maior. Fica claro que a timidez do legislador, ao criar o
parágrafo único do art. 116 do CTN, prejudicou a correta aplicação da
norma antielisiva aos casos concretos.
Marco Aurélio Greco, embora admita a norma antielisão cercada de
cautelas, assevera que:
“A própria noção de Estado Democrático de Direito repele
uma norma antielisão no perfil meramente atributivo de
competência ao Fisco para desqualificar operações dos
contribuintes para o fim de assegurar de forma absoluta a
capacidade contributiva. O fato gerador é qualificado pela lei
e uma pura norma de competência não convive com a
tipicidade, ainda que aberta.” Op. Cit., p. 10
E Hugo de Brito Machado completa brilhantemente:
“Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo,
por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o
ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo
consente que o Estado invada seu patrimônio para dele
retirar os meios indispensáveis à satisfação das
necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo
a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento
popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a
segurança nas relações do particular (contribuinte) com o
Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente
disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como
o sujeito ativo da relação obrigacional tributária.” Op. Cit., p.
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
O princípio da legalidade é essencial à realização da segurança
jurídica, a que todos têm direito. Aí está a importância e a necessidade de
serem tipificadas as situações sobre as quais incidem a norma antielisiva.
Caso contrário, pode-se considerar uma limitação ilegal da liberdade e
democracia assegurada pela Constituição Federal, havendo favorecimento
do Estado em detrimento do contribuinte, que perde seu direito de
economia tributária. Há, ainda, a violação do princípio da capacidade
contributiva. Assim como no direito penal existem os tipos penais, é de
suma importância a definição precisa desses tipos tributários, para garantir
a segurança jurídica, como afirma com propriedade João Dácio Rolim:
“Quanto maior a precisão desses tipos, menor a margem de
incerteza e a possibilidade de arbitrariedade por parte do
intérprete da lei ou das próprias regras surgidas da
jurisprudência.” Op. Cit., p 44
O Código Tributário Nacional estabelece:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela
Constituição Federal, pelas Constituições dos estados, ou
pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios,
para definir ou limitar competências tributárias.”
Sendo assim, se nem o legislador pode alterar institutos, conceitos e
formas de direito privado, é inadmissível que a autoridade administrativa
possa simplesmente desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
pelos contribuintes.
Os defensores da norma geral antielisiva sustentam que ela existe
para assegurar o princípio da capacidade contributiva e da isonomia. Porém,
o que estes princípios, por sua vez, asseguram, é o direito do contribuinte
de ser tratado com justiça e igualdade, de acordo com suas riquezas. O
legislador, a rigor, não quis proteger o contribuinte ao editar a norma
antielisiva, e esta não é uma interpretação vã. Com a leitura do parágrafo
único do art. 116 do CTN percebe-se claramente a abertura dada a
diferentes interpretações contrárias aos interesses do particular
contribuinte.
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
Os argumentos que justificam a existência da norma antielisiva, quais
sejam, o princípio da capacidade contributiva e o princípio da igualdade, não
são suficientes para sustenta-la, já que vão de encontro ao princípio da
legalidade. Não é possível argüir o princípio da isonomia para defender a
norma antielisiva, até porque está em dissonância com o próprio CTN:
“Art. 108, §1° O emprego da analogia não poderá resultar na
exigência de tributo não previsto em lei.”
Ou seja, não é a administração tributária que deve realizar os
princípios da capacidade contributiva e da isonomia, e sim o legislador. Da
mesma forma, ressalta Pedro Anan Jr.:
“A maneira que a norma está redigida dá poderes ao fisco de
fazer o que bem entender em relação à desconsideração,
não havendo critérios objetivos nem limites para a atuação
do mesmo. Estamos diante da violação do princípio da
legalidade e tipicidade tributária, pois a norma deve definir
claramente o fato gerador do tributo, não podendo se aplicar
a analogia para esse fim, nos termos do artigo 108 do CTN”.
Op. Cit.
A norma antielisiva não foi genérica apenas no que diz respeito às
situações sujeitas a ela, mas também no que concerne aos limites e
critérios de atuação do fisco. A autoridade administrativa teve seus poderes
aumentados em matéria tributária, o que vai de encontro aos preceitos da
própria Constituição federal. Ficou esclarecido que há princípios
constitucionais em colisão. Neste caso, o intérprete da lei deve utilizar a
ponderação de interesses para solucionar o conflito. Assim, deve-se buscar
o equilíbrio, sem negar por completo a eficácia de quaisquer princípios em
questão. Gomes J. J. Canotilho assegura:
“Neste passo, o princípio da Unidade obriga o intérprete a
considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar
harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas
constitucionais a concretizar” Op. Cit., p. 232
O jurista Luiz Roberto Barroso, em sua obra, entende tratar-se de:
“Uma linha de raciocínio que procura identificar o bem
jurídico tutelado por cada uma delas (normas), associá-lo a
determinado valor, isto é, ao princípio constitucional ao qual
se reconduz, para, então, traçar o âmbito de incidência de
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
cada norma, sempre tendo como referência máxima as
decisões fundamentais do constituinte” Op. Cit., p. 185
Para solucionar o conflito, o juiz deverá aplicar o princípio da
proporcionalidade na sua tríplice dimensão (adequação, necessidade e
proporcionalidade estrita). Com a lei de ponderação, devem ser analisadas
três fases: a) determinar a intensidade da intervenção; b) determinar as
razões que a justificam; e c) ponderação estrita, por meio de atribuição de
pesos específicos aos interesses em jogo. É por este motivo que a elisão
permitida não é causa que justifique a intervenção do estado na liberdade
do contribuinte. Mas, pode acontecer de uma situação que caracterize
elisão abusiva, através da ponderação de interesses, seja considerada lícita,
na medida em que, proporcionalmente, através da aplicação da ponderação
de interesses, se transforme numa situação eqüitativa. Esta situação de
relatividade foi criada pelo próprio legislador, ao admitir a hipérbole da
interpretação tributária.
André Luiz Carvalho Estrella sustenta que:
“De acordo com nosso ordenamento, há espaço para
aplicação da norma antielisiva, nos moldes aqui
apresentados. Dentro das interpretações possíveis, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem fazendo uso
da técnica alemã da interpretação conforme a Constituição,
o que afirmará a constitucionalidade da norma antielisiva.
Contudo, fora de dúvidas é que a intervenção do fisco,
autorizada por lei antielisiva, na busca de potenciais
econômicos, deve estar plenamente justificada. As razões da
intervenção precisam ser claras. A relação fisco e
contribuinte deve ser transparente.” Op. Cit.
Isso que dizer que, para que o fisco intervenha economicamente na
vida do contribuinte, deve haver razões claras e comprovadas que
justifiquem essa intervenção. Os cidadãos trabalham para adquirir salário,
propriedade, alimentos. Não é justo que a autoridade administrativa
intervenha no seu patrimônio se ainda restar qualquer dúvida de que isso é
necessário. Para isso, deve ser concretizada a parte final do parágrafo único
do art116 do CTN: “... observados os procedimentos a serem estabelecidos
em lei ordinária”. Enquanto não for criada lei ordinária que estabeleça
claramente os critérios, métodos e limites a serem adotados pelo fisco, não
poderá haver desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados
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pelos contribuintes, já que uma lei depende de outra para ser aplicada
corretamente.
O Código Tributário Nacional estabelece normas gerais em matéria de
legislação tributária, conforme prevê a Constituição Federal:
“Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas
gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem
como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento
tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e
favorecido para as microempresas e para as empresas de
pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados
no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições
previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que
se refere o art. 239”.
Sendo assim, cabe à lei ordinária de cada ente federativo elencar as
hipóteses de elisão que devem ser proibidas, para que se cumpra o disposto
na parte final do parágrafo único do art. 116 do CTN.
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;”
Outro questionamento quanto à norma antielisiva é que ela fala em
“...dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária...”. Vale ressaltar que
dissimulação não se confunde com simulação, posto que a primeira significa
o encobrimento de algo que existe, ou seja, realmente ocorreu o fato
gerador, já a segunda significa fingir o que não aconteceu. E o que ocorre
desde a inserção desta norma no ordenamento jurídico é justamente essa
confusão. Ora, a norma antielisiva é contra-analógica e não anti-simulação,
senão seria antievasiva e não antielisiva. Mas os que, apesar desta distinção
clara, aplicam o conceito de simulação à norma em tela, representam
doutrina minoritária.
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Aspecto importante a ser ressaltado é o fato de que a norma
antielisiva não anula o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte,
mas apenas os desconsidera, diferentemente da simulação, como reza o
Código Civil vigente:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá
o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.”
Quanto à legalidade da norma, também há diversas ponderações,
posto que a LC 104/01, ao asseverar “... com a finalidade de assegurar a
ocorrência do fato gerador...”, põe em cheque a intenção do contribuinte.
A obrigação de pagar tributos é uma norma impositiva de rejeição
social em todo o mundo, apesar de haver sua necessidade. O contribuinte
paga porque há uma sanção para o não cumprimento da obrigação.
Seguindo este raciocínio, não é justo punir o contribuinte por querer realizar
economia tributária, já que o aspecto subjetivo da elisão tributária é
explícito na norma. Nesta vertente, Oliver Holmes, citado por Antônio
Roberto Sampaio Dória, esclarece nobremente:
“Desejar elidir a lei é irrelevante, porquanto o verdadeiro
significado de uma linha traçada pela norma é o de que o
agente pode intencionalmente dela se aproximar até o ponto
em que não a ultrapasse” Op. Cit., p. 73
O contribuinte tem todo o direito de utilizar artifícios lícitos, até seus
estritos limites legais, para realizar seu planejamento e economia tributária.
Reservar parte de sua remuneração todo mês para dar ao governo, quando
se tem suas próprias necessidades pessoais, já é algo que o contribuinte faz
contra a sua própria vontade, não por falta de pretensão cooperativa, mas
por necessidade financeira.
Quanto ao fundamento da norma antielisiva, alguns doutrinadores
são até radicais em afirmar que ela nada inovou no sentido antielisivo, já
que além de ser incompleta e confusa, não trouxe novidades e não é
necessária. Neste sentido, Hugo de Brito Machado brilhantemente assevera:
“Parece-nos que essa norma geral antielisão, se interpretada
em harmonia com a Constituição, e assim aplicada apenas
aos casos nos quais esteja configurado evidente abuso de
direito, nada vai acrescentar, posto que nossa jurisprudência
já admite a desconsideração de atos ou negócios em tal
situação. Por outro lado, se interpretada de forma mais
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
ampla, com alcance capaz de emprestar à autoridade
administrativa o poder para desqualificar qualquer ato ou
negócio jurídico apenas porque o seu conteúdo econômico
poderia estar contido em ato mais oneroso do ponto de vista
tributário, estará em flagrante conflito com o princípio da
legalidade e em aberta contradição com as normas
constantes do próprio Código Tributário Nacional,
especialmente as dos artigos 108, § 1º, e 116, caput, inciso
I.” Op. Cit.
Ou seja, além do fato de que a norma antielisão só deve ser aplicada
quando ficar claro o abuso de direito do contribuinte, a jurisprudência e o
próprio CTN já prevê procedimentos a serem adotados pela autoridade
administrativa nos casos de dolo, fraude ou simulação:
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela
autoridade administrativa nos seguintes casos: VII - quando
se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício
daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;”
Esta corrente considera a dissimulação como mera simulação
relativa, por isso acusa a desnecessidade da norma antielisiva, por ser
repetitiva e não atingir a sua finalidade, que é proibir a elisão. Pela
literalidade da norma, defendem que, se o objetivo é proibir a economia
tributária ilícita, então a norma não é antielisiva, já que a redução ilícita de
impostos se trata de fraude ou sonegação. Concluem que, se dissimular a
ocorrência do fato gerador significa ocultar sua ocorrência e que esta é a
linha divisória entre a elisão e a fraude: a ocorrência do fato gerador.
Uma corrente mais branda e ponderada entende que a norma
antielisiva deve ser interpretada de acordo com pluralismo de valores,
equilibrando liberdade, justiça e segurança jurídica. Ou seja, primeiro, deve
haver a criação da lei ordinária determinando os procedimentos a serem
adotados pela autoridade administrativa. Em segundo lugar, cada ente
federativo deve elaborar sua norma antielisiva, onde conterá a lista dos
negócios inoponíveis ao Fisco. O que se pode concluir é que, até a mais
compreensível das correntes acha que a norma antielisiva é em demasiado
genérica e que, para ser aplicada, devem ser levados em consideração
diversos aspectos que garantam liberdade, justiça e segurança jurídica.
Estes aspectos, já mencionados em outros posicionamentos são,
basicamente: a utilização da técnica de ponderação de interesses para
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solução de conflitos, a certeza da real necessidade de intervenção do Fisco,
a obediência às regras meramente procedimentais da lei ordinária de cada
ente federativo e a existência de ampla defesa e contraditório.
Sendo assim, presumida a constitucionalidade da norma geral
antielisão, a autoridade administrativa poderá exercer os poderes
concedidos por ela, nos estritos limites que permitam sua atuação.
C ONCLUSÃO
O legislador, na tentativa de combater a elisão abusiva e reduzir o
déficit fiscal, criou a norma geral antielisiva, introduzida no Código
Tributário Nacional pela LC n° 104/01. Porém, ao tentar solucionar um
problema, acabou gerando dúvidas quanto à aplicação da norma, pela sua
generalidade e imprecisão. A norma foi criada para dar mais transparência
na relação entre o Estado e o particular.
A finalidade da norma é desconsiderar atos ou negócios praticados
pelo contribuinte com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, o que gerou discussões sobre o fato de que se está julgando a
intenção do particular. O objetivo da norma é alcançar os atos dos
contribuintes que pretendem burlar a lei, ocultando a ocorrência do fato
gerador para se esquivar da obrigação tributária. Por este motivo é que não
se pode confundir dissimulação com simulação, já que na última, o fato
gerador não ocorreu, não se aplicando a norma nos casos de simulação.
Alguns doutrinadores alegam que a norma geral antielisiva é
desnecessária. Estes são adeptos da teoria de que a dissimulação nada
mais é do que uma simulação relativa e que este fenômeno já está
disciplinado na legislação civil e tributária, tornando o parágrafo único do
art. 116 do CTN inútil ao ordenamento jurídico brasileiro.
O planejamento e a economia tributária são direitos do contribuinte e
suas obrigações tributárias devem ser impostas de acordo com o princípio
da capacidade contributiva, ou seja, os limites econômicos de cada um
devem ser respeitados. A partir do momento que se dá ao Fisco autorização
para desconsiderar os atos ou negócios praticados pelo contribuinte, há
uma intimidação que limita o planejamento tributário de cada um.
Outro grande questionamento é o poder que foi concedido pela lei à
autoridade administrativa de desconsiderar os atos do contribuinte. Muitos
questionam a constitucionalidade deste aumento de poder, já que o próprio
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CTN veda a alteração pela lei tributária de definição, conteúdo e alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado que limite competências
tributárias.
O CTN é uma Lei que estabelece normas gerais em matéria tributária,
cabendo aos Entes Federados criar normas específicas que tratem de
maneira individual cada caso. Para que a norma geral antielisão seja
aplicada com efetividade e gere os efeitos desejados, cada Ente Federativo
deve criar lei ordinária estabelecendo os procedimentos que a autoridade
administrativa deve adotar para realizar a desconsideração do ato ou
negócio praticado pelo contribuinte.
Os defensores da norma geral antielisiva alegam que seu fundamento
constitucional está na defesa dos princípios da capacidade contributiva e da
isonomia, porém, o que se vê claramente, é uma tentativa extremista de
limitar a economia tributária do contribuinte para evitar riscos fiscais.
Assim, surge o conflito de princípios constitucionais, pois os opositores da
norma antielisiva alegam que ela está em dissonância com o princípio da
legalidade, já que não há tipos legais delimitados que realmente provem a
ilicitude do ato ou negócio praticado pelo contribuinte. Realmente, não
parece haver justiça e segurança jurídica no fato de ser o contribuinte
submetido às conseqüências da norma geral antielisiva, quando não há na
lei previsão da ilicitude do ato praticado por ele, sendo deixado a cargo da
autoridade administrativa analisar cada caso e desconsiderar seu ato.
A norma geral antielisiva tem finalidades plausíveis, tais como:
conferir transparência às relações dos contribuintes com o Estado; evitar
riscos fiscais decorrentes da má-fé do contribuinte; e respeitar os princípios
da isonomia e da capacidade contributiva. O fato é que o legislador foi
sucinto ao extremo, abrindo portas a discussões sobre sua
constitucionalidade, legalidade e aplicabilidade, o que só será solucionado
quando os Entes Federativos criarem leis ordinárias procedimentais para as
autoridades administrativas e quando os tipos legais evidenciando os casos
sujeitos à norma antielisiva forem criados. Ainda assim, haverá
controvérsias sobre a atuação do Fisco sobre o contribuinte.
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DIREITO TRIBUTÁRIO IIA CONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN
R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
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