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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA Emmily Cristine Carvalho Langer TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Acidente ofídico: Revisão bibliográfica e relato de caso CURITIBA JUNHO 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Emmily Cristine Carvalho Langer

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Acidente ofídico: Revisão bibliográfica e relato de caso

CURITIBA

JUNHO 2015

2

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à

Coordenação de Estágio como requisito parcial de

Avaliação do Estágio Curricular Obrigatório do

Curso de Medicina Veterinária da Universidade

Tuiuti do Paraná.

Orientadora: Profº. Rhéa Cassuli Lima dos Santos

CURITIBA

JUNHO 2015

3

TERMO DE APROVAÇÃO

Emmily Cristine Carvalho Langer

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção de título de Médico Veterinário por uma banca examinadora do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 18 de junho de 2015.

__________________________________ Medicina Veterinária

Universidade Tuiuti do Paraná

__________________________________ Orientador: Prof. Rhéa Cassuli lima dos Santos

Universidade Tuiuti do Paraná.

__________________________________ Prof. MSc. Jessea de Fatima França

Universidade Tuiuti do Paraná.

__________________________________ Prof. MSc. Lucyenne Gisele Popp Brasil

Universidade Tuiuti do Paraná.

4

DEDICATÓRIA

Aqueles que tornaram meu sonho possível, pai e mãe, obrigada por tudo!

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, pois sem a força e a proteção dele tudo

ficaria mais difícil. Aos meus pais, que durante esse período não mediram esforços

para me ajudar, sempre me incentivando, para conseguir realizar meu sonho de ser

Médica Veterinária.

Ao namorado por todo amor, carinho, muita paciência e apoio nos momentos

difíceis e estressantes.

A todos os mestres da Faculdade Evangélica do Paraná, em especial

Professor Evandro Zacche, e ao Dr. Albano Rutz Jr (e toda sua equipe), que tiveram

paciência e se dedicaram a transmitir conhecimento teórico-prático para acrescentar

no meu crescimento pessoal e profissional, e que me fizeram ter ainda mais orgulho

da profissão que escolhi.

Gostaria de lembrar também de toda equipe UHAC da Pontifícia

Universidade Católica do Paraná, onde pude aprender muito e criei um novo grupo

de amigos, e sinto muito orgulho de todos pela dedicação que tem com os animais.

6

“Nunca deixe o medo de errar impedir que você jogue.”

Albert Einstein

7

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo descrever as

atividades realizadas na área de clínica médica de pequenos animais durante o

período de estágio obrigatório na Unidade Hospitalar de Animais de Companhia –

PUC-Pr, no município de São José dos Pinhais, referente ao primeiro trimestre de

2015. Além disso, haverá uma revisão bibliográfica e um relato de caso referente a

acidente ofídico em cão.

Palavras-chave: intoxicação; soro antiofídico; serpentes peçonhentas; Bothrops spp.;

tempo de coagulação; acidente ofídico; cão.

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIMBOLOS

PUC-Pr: Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

UHAC: Unidade Hospitalar de Animais de Companhia.

ECG: eletrocardiograma.

%: porcento.

FUNASA: Fundação Nacional de Saúde.

MS: Ministério da Saúde.

IV: intravenosa.

SAV: soro antiveneno.

ALT: alanina aminotransferase.

FA: fosfatase alcalina.

CK: creatina quinase.

LDH: desidrogenase lática

AST: aspartato aminotransferase.

IRA: insuficiência renal aguda.

SC: subcutânea.

CID: coagulação intravascular disseminada

mg: miligrama.

g: grama.

Kg: quilograma

ml: mililitros

mpm: movimentos respiratórios por minuto

VGM: volume globular médio

HGM: hemácia globular média

CHGM: concentração de hemoglobina globular média

mm³: milímetros cúbicos

dL: decilitros

fL: fentolitros

pg: picograma

U: unidade.

L: litro

UI: unidade internacional de medida.

BID: “Bis in die” – duas vezes ao dia

9

TID: “Tis in die” – três vezes ao dia

SID: “Semeal in die” – uma vez ao dia

TP: tempo de protrombina

TTPa: tempo de tromboplastina parcial ativada

10

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – (A)Fachada; (B)Dispensário e farmácia; (C)Sala de espera; (D)Sala de

emergência. FONTE: Unidade Hospitalar de animais de Companhia (UHAC) – PUC-

Pr 2015 ................................................................................................................. 18

FIGURA 2 – (A)Consultório; (B)Internamento Clínico; (C)Sala de pré-operatório;

(D)Internamento e pós-operatório. FONTE: Unidade Hospitalar de animais de

Companhia (UHAC) – PUC-Pr 2015 .................................................................... 19

FIGURA 3 – (A)Centro Cirúrgico; (B)Sala de procedimentos odontológicos; (C)Sala

de Ultrassom; (D)Sala de Radiologia. FONTE: Unidade Hospitalar de animais de

Companhia (UHAC) – PUC-Pr 2015 .................................................................... 20

FIGURA 4 – (A)Laboratório de Análises Clinicas; (B)Laboratório de Microbiologia;

(C)Sala de Laudos; (D)Isolamento. FONTE: Unidade Hospitalar de animais de

Companhia (UHAC) – PUC-Pr 2015 .................................................................... 21

FIGURA 5 – Característica da cabeça das espécies de serpentes peçonhentas.

FONTE: FUNASA, 2001 ....................................................................................... 29

FIGURA 6 – Característica da cauda e critério de diferenciação entre as serpentes

peçonhentas. FONTE: FUNASA, 2001 ................................................................ 29

FIGURA 7 – Características das serpentes com ausência da fosseta loreal. FONTE:

FUNASA, 2001 ..................................................................................................... 29

FIGURA 8 – Foto da lesão do animal acometido por acidente ofídico, após

tricotomia da área atingida, no dia 10 de abril de 2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC

– PUC-Pr, 2015 .................................................................................................... 39

FIGURA 9 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 13 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 41

FIGURA 10 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 14 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 43

FIGURA 11 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 15 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 44

FIGURA 12 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 20 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 46

FIGURA 13 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 15 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 47

11

FIGURA 14 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico do dia 29 de abril de

2015. FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015 ........................................... 49

12

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Casuística das principais afecções dos 136 casos acompanhados na

Unidade Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr) no período entre 02 de

Fevereiro a 30 de Abril de 2015 ........................................................................... 23

TABELA 2 – Idade dos animais, caninos e felinos, entre os 136 casos

acompanhados na Unidade Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr) no

período entre 02 de Fevereiro a 30 de Abril de 2015..... ...................................... 24

TABELA 3 – Resultados de exames hematológicos e bioquímicos. FONTE:

GONÇALVES, 2010 ............................................................................................. 38

TABELA 4 – Resultados de exames hematológicos do dia 13 de Abril de 2015 .

............................................................................................................................. 40

TABELA 5 – Resultados de exames hematológicos do dia 14 de Abril de 2015

............................................................................................................................. 42

TABELA 6 – Resultados de exames hematológicos do dia 16 de Abril de 2015

............................................................................................................................. 45

TABELA 7 – Resultados de exames hematológicos do dia 29 de Abril de 2015

............................................................................................................................. 48

13

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Distribuição entre as espécies, dos casos acompanhados na Unidade

Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr)................................................... 24

14

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 16

2 DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DO ESTÁGIO ............................ 17

3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ...................................... 22

3.1 CASUÍSTICA ..................................................................................... 23

4 ACIDENTE OFÍDICO EM CÃO – REVISÃO ..................................................... 24

4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 24

4.2 CARACTERÍSTICAS DAS SERPENTES PEÇONHENTAS DO

BRASIL ................................................................................................................ 26

4.2.1 Gênero Bothrops .......................................................................... 26

4.2.2 Gênero Crotalus ............................................................................ 27

4.2.3 Gênero Lachesis ........................................................................... 27

4.2.4 Gênero Micrurus ........................................................................... 27

4.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS........................................................... 29

4.3.1 Gênero Bothrops .......................................................................... 29

4.3.2 Gênero Crotalus ............................................................................ 30

4.3.3 Gênero Lachesis ........................................................................... 30

4.3.4 Gênero Micrurus ........................................................................... 31

4.4 DIAGNÓSTICO .................................................................................. 31

4.4.1 Gênero Bothrops .......................................................................... 31

4.4.2 Gênero Crotalus ............................................................................ 31

4.4.3 Gênero Lachesis ........................................................................... 32

4.4.4 Gênero Micrurus ........................................................................... 32

4.5 TRATAMENTO .................................................................................. 33

4.5.1 Gênero Bothrops .......................................................................... 34

4.5.2 Gênero Crotalus ............................................................................ 34

4.5.3 Gênero Lachesis ........................................................................... 35

4.5.4 Gênero Micrurus ........................................................................... 35

5 ACIDENTE OFÍDICO POR SERPENTE DO GÊNERO BOTHROPS EM CÃO –

RELATO DE CASO ............................................................................................. 37

6 DISCUSSÃO ..................................................................................................... 50

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 52

8 CONCLUSÃO ................................................................................................... 53

15

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 54

16

1 INTRODUÇÃO

O estágio obrigatório foi realizado na Unidade Hospitalar de Animais de

Companhia, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-Pr), na área de

Clínica Médica de Pequenos Animais no período de 02/02/2015 a 30/04/2015, com

carga horária de 8 horas diárias, totalizando 464 horas. Foi supervisionado pelo

Professor Marconi Rodrigues de Farias e Ana Paula Lopes Sarraf sob a orientação

da Professora Rhéa Cassuli Lima dos Santos. O estágio teve como principal objetivo

o aperfeiçoamento dos conhecimentos obtidos durante o curso de graduação, além

de agregar experiência para a vida pessoal e profissional.

Este trabalho tem como objetivo descrever a unidade concedente de estágio,

as atividades realizadas, apresentar a casuística acompanhada e relatar um caso

clínico sobre acidente ofídico em cão, com discussão do caso.

17

2 DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DO ESTÁGIO

A PUC-Pr foi fundada em 14 de março de 1959 como Universidade Católica

do Paraná, por Dom Manuel da Silveira D’Elboux, Arcebispo de Curtiba. Em 1991 foi

fundado o Câmpus da PUC-PR em São José dos Pinhais, localizado na Rodovia BR

– 376, quilômetro 14. O câmpus conta com um Hospital Veterinário para

atendimento de animais de companhia (UHAC), hospital escola, que realiza

atendimento de segunda a sexta-feira, das 8 horas às 10 horas e 30 minutos e das

14 horas às 17 horas, prestando atendimento nas áreas de clínica médica e

cirúrgica de pequenos animais, nas especialidades de dermatologia, cardiologia,

oncologia, neurologia, ortopedia, endocrinologia, diagnóstico por imagem, patologia

clínica e anestesiologia veterinária.

Possui corpo docente interdisciplinar, médicos veterinários residentes (4 na

clínica médica, 3 na clínica cirúrgica, 2 em diagnóstico por imagem, 1 de laboratório

clínico e 2 de anestesiologia), técnicos de laboratórios, colaboradores auxiliando na

clínica médica e cirúrgica e, do setor administrativo.

A estrutura é composta por uma recepção, sala de espera, dispensário e

farmácia, internamento clínico, sala de triagem, três consultórios e uma sala de

emergência, sala de ultrassonografia e radiologia, sala de elaboração de laudos,

laboratório de análises clínicas e hematológicas, laboratório de microbiologia, sala

de pré – operatório, centro cirúrgico, internamento pós-cirúrgico, ala de limpeza e

esterilização de materiais e vestiário, anexo a este uma sala para procedimentos

odontológicos e realização de limpezas de feridas e curativos. Externo ao hospital

existe um internamento para isolamento e canis para animais de médio a grande

porte mantidos pela PUC-Pr, conta ainda com uma estrutura com acesso para

funcionários e colaboradores com uma cozinha, copa e banheiros.

Nas figuras a seguir (1), (2), (3) e (4) pode-se observar a estrutura do Hospital

Veterinário.

18

FIGURA 1 – (A)Fachada; (B)Dispensário e farmácia; (C)Sala de espera; (D)Sala de emergência.

FONTE: UHAC – PUC-Pr (2015).

19

FIGURA 2 – (A)Consultório; (B)Internamento Clínico; (C)Sala de pré-operatório; (D)Internamento e

pós-operatório.

FONTE: UHAC – PUC-Pr (2015).

20

FIGURA 3 – (A)Centro Cirúrgico; (B)Sala de procedimentos odontológicos; (C)Sala de Ultrassom;

(D)Sala de Radiologia.

FONTE: UHAC – PUC-Pr (2015).

21

FIGURA 4 – (A)Laboratório de Análises Clinicas; (B)Laboratório de Microbiologia; (C)Sala de Laudos;

(D)Isolamento.

FONTE: UHAC – PUC-Pr (2015).

22

3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

O estágio obrigatório foi realizado na área de clínica médica de pequenos

animais no período entre 02/02/2015 a 30/04/2015. Os estagiários iniciavam as

consultas, realizando anamnese completa e exame físico de novos casos ou

retornos. Em seguida, o médico veterinário residente responsável pelo caso,

conduzia o restante da consulta encaminhando o paciente para realização de

exames complementares, se necessário. O paciente era acompanhado até o fim de

todos os procedimentos, sendo assim, os estagiários auxiliavam também em

radiografias, ultrassonografias e colheita de material para exames. Se o paciente

necessitasse de internamento e medicações parenterais, o estagiário preparava os

frascos de fluidoterapia, fazia o acesso venoso e aplicava as medicações, sempre

orientado pelo médico veterinário responsável.

Nas consultas de dermatologia veterinária, as lesões cutâneas eram

descritas para posterior acompanhamento. O estagiário realizava raspado cutâneo,

observação com lâmpada de Wood e colheita de material para citologia, cultura e

antibiograma. No caso do raspado e da citologia, o estagiário identificava os ácaros,

fungos ou bactérias no microscópio, seguido de confirmação do resultado do exame

pelo médico veterinário responsável.

Nas consultas de cardiologia, o estagiário acompanhava o professor

responsável, realizando ecocardiografia, e o residente responsável no exame de

eletrocardiograma (ECG).

Foi possível acompanhar testes de schirmer e de fluoresceína nas consultas

de oftalmologia, bem como testes neurológicos e ortopédicos nas consultas de

neurologia e ortopedia, realizados junto aos residentes.

Ao final de cada consulta, o estagiário auxiliava a redigir receitas, sempre

sob orientação, carimbo e assinatura de veterinário responsável.

Durante os casos de emergência, os estagiários ajudavam, quando

requeridos, na fluidoterapia, oxigenoterapia, coleta de material para exame ou

qualquer outra atividade determinada pelo veterinário responsável. Após

estabilização do paciente, o estagiário deveria realizar anamnese junto ao tutor, bem

como monitorar o paciente constantemente e repassar as informações ao

veterinário.

23

Demais atividades dos estagiários envolviam colheita de material biológico,

como sangue ou urina, toracocentese, abdominocentese, aferição de pressão

arterial, ajuda na contenção de pacientes e realização de requisição de cada exame

solicitado.

3.1 CASUÍSTICA

Durante o estágio curricular foi possível acompanhar 136 casos, sendo que

a maioria (21,32%) foram afecções dermatológicas, seguido pelas oncológicas

(17,65%). Todos os casos acompanhados seguem listados na tabela 1 conforme os

sistemas afetados, de acordo com o diagnóstico presuntivo ou definitivo.

TABELA 1 – Casuística das principais afecções acompanhadas

na Unidade Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr).

ÁREAS DE ATENDIMENTO N (136) %

Dermatológicas 29 21,32

Oncológicas 24 17,65

Ortopédicas 12 8,82

Traumatologia 5 3,68

Digestórias 13 9,56

Neurológicas 5 3,68

Genitourinárias 17 12,5

Infecto-contagiosas 7 5,15

Parasitárias 6 4,41

Toxicológicas 2 1,47

Endócrinas 4 2,94

Outras 12 8,82 Outras: afecções cardiovasculares, oftalmológicas, anemia a esclarecer, ovariosalpingohisterectomia eletiva, hérnia inguinal, respiratórias, emagrecimento progressivo, inflamação da glândula adanal,

O percentual entre o sexo dos animais atendidos foi de 63% de fêmeas e

37% de machos. A proporção das espécies atendidas, canina e felina, (gráfico 2) e a

idade dos pacientes seguem descritos na sequência.

24

GRÁFICO 1 - Distribuição entre as espécies, Canina e Felina, acompanhados na Unidade

Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr).

Can: canina; Fel: felina

TABELA 2 – Idade dos animais, caninos e felinos, atendidos na

Unidade Hospitalar de Animais de Companhia (PUC-Pr).

Idade N %

Até 1 ano 15 11,03

De 1,1 a 5 anos 32 23,53

De 5,1 a 10 anos 68 50 Acima de 10 anos 21 15,44

4 ACIDENTE OFÍDICO EM CÃO – REVISÃO

4.1 INTRODUÇÃO

No Brasil os acidentes ofídicos, são problemas relacionados a ambientes

rurais, estendendo-se aos animais de companhia e aos rebanhos bovinos, pela alta

ligação e envolvimento com os humanos (MISE et al., 2007; TOKARNIA e

PEIXOTO, 2006).

Existem quatro gêneros de serpentes peçonhentas no país, compreendendo

inúmeras sub-espécies reconhecidas, que por meio de um mecanismo de caça ou

defesa injetam através de suas presas uma substância tóxica. Os gêneros Bothrops

86%

14%

Can

Fel

25

(jararaca) e Micrurus (coral) podem ser encontradas em todo território nacional,

enquanto o gênero Crotalus (cascavel) se distribui pelas regiões Sul e Sudeste,

preferencialmente, e Lachesis (surucucu), na região Amazônica (AZEVEDO-

MARQUES et al.,2003).

Durante o período de janeiro de 1990 a dezembro de 1993, foram notificados

à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), do Ministério da Saúde (MS), 20.000

casos/ano no país, sendo a sua maioria notificada nas regiões Sul e Sudeste, e a

serpente do gênero Bothrops reconhecida em 90,5% dos casos. Os locais do corpo

de maior incidência da picada são pernas e pés por estarem mais próximos ao chão,

seguidos de mão e antebraço, pela utilização destes para funções manuais

(FUNASA, 2001). Em estudo, realizado por AZEVEDO-MARQUES et al., (2003), os

dados levantados foram semelhantes, mostrando o gênero Bothrops com maior

incidência de acidentes dentro das espécies peçonhentas.

Os cães são altamente suscetíveis a acidentes ofídicos devido a seu

comportamento curioso, e os locais que normalmente são atingidos são o focinho e

o pescoço (DALMOLIN, 2010). Os animais de companhia são tratados somente

algumas horas após a picada quando os sinais são bem evidentes, sendo este um

fator decisivo para o prognóstico do paciente (NUNES et al., 2013).

Os venenos possuem ações proteolíticas, hemorrágicas, miotóxicas,

nefrotóxicas e neurotóxicas (HIRSCHMANN et al., 2010), as manifestações clínicas

variam de acordo com a quantidade de veneno inoculado, com o local da picada e o

próprio estado do animal (MICHAELSEN et al., 2013), como normalmente o animal é

atingido em região de cabeça o risco de dificuldades respiratórias aumenta pelo

edema local de vias aéreas superiores (PEREIRA, 2006).

O diagnóstico é baseado no histórico de exposição, sinais clínicos e achados

laboratoriais (HIRSCHMANN et al., 2010). O tratamento inclui a aplicação

intravenosa (IV) de soro antiveneno (SAV), específico para cada gênero de

serpente, incluindo fluidoterapia, antibióticoterapia, analgesia, corticóides ou anti-

histamínicos com o intuito de reduzir ou evitar reações de hipersensibilidade,

limpeza da ferida e todo suporte necessário (AZEVEDO-MARQUES et al., 2003).

Visando a importância do diagnóstico precoce do acidente ofídico para um

prognóstico mais favorável em animais de companhia, o presente trabalho tem como

objetivo auxiliar na identificação do envenenamento por serpentes peçonhentas do

Brasil através dos sinais clínicos, e na terapia mais adequada a ser instituída nesses

26

casos. Em seguida será relatado o caso de um cão picado por jararaca,

acompanhado durante o período de estágio obrigatório.

4.2 CARACTERÍSTICAS DAS SERPENTES PEÇONHENTAS DO BRASIL

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por

Animais Peçonhentos, realizado pela Fundação Nacional de Saúde no ano de 2001,

as serpentes peçonhentas se caracterizam da seguinte forma:

4.2.1 Gênero Bothrops

Possui fosseta loreal (figura 5), que é um órgão sensorial termorreceptor e

está conectada ao encéfalo, localizada entre o olho e a narina é utilizada para

detectar presas ou qualquer indivíduo que tenha a temperatura corporal maior do

que a serpente. As extremidades da cauda lisa (figura 6) com escamas e cor

geralmente parda, e desenhos em seu corpo formando um “V” invertido (FUNASA,

2001; PEREIRA, 2006).

O veneno dessa espécie possui ação proteolítica, onde as enzimas

proteases, hialuronidases e fosfolipases induzem a liberação de substâncias

vasoativas como bradicinina e histamina, responsáveis pela ação local ocasionando

dor, edema, bolhas e necrose. A ação coagulante ativa o fator X de coagulação e da

protrombina, com a ação semelhante ao da trombina que transforma o fibrinogênio

em fibrina, também ocorre o consumo dos fatores V, VIII e plaquetas, produzindo um

quadro semelhante ao da coagulação intravascular disseminada, com formação de

microcoágulos (PEREIRA, 2006), fator predisponente a coagulação intravascular

disseminada, onde ocorre a formação de microtrombos em múltiplos órgãos e

hemorragia por inativação ou excessivo consumo de plaquetas e de fatores de

coagulação, como resultado do aumento da fibrinólise (NELSON & COUTO, 2010).

Quanto a ação hemorrágica, origina a destruição de membrana dos capilares por

ação vasotóxica das hemorraginas com posterior ruptura dos vasos, associada a

redução de plaquetas e alteração de coagulação, provocando hemorragias (NUNES

et al., 2013).

27

4.2.2 Gênero Crotalus

Presença de fosseta loreal, com extremidade de cauda apresentando ou não

guizo ou chocalho de cor amarelada, com manchas em aspecto de “X” ou rede pelo

corpo de coloração branca. Veneno com ação neurotóxica, toxina que atua nas

terminações nervosas realizando bloqueio neuromuscular pela inibição da liberação

de acetilcolina na pré-sinapse, ocasionando paralisia motora ou respiratória

(MOTTA, 2008). A ação miotóxica, é responsável por lesões de fibras musculares

esqueléticas, produzindo rabdomiólise, podendo ocasionar insuficiência renal aguda

pela toxicidade da mioglobina ao passar pelos rins (NELSON & COUTO, 2010). Em

sua ação coagulante, diferente da Bothrops, não ocorre redução do número de

plaquetas, normalmente é decorrente da atividade do tipo trombina, responsável

pela conversão do fibrinogênio em fibrina (FUNASA, 2001; FERNANDES et al.,

2008).

4.2.3 Gênero Lachesis

Presença de fosseta loreal, e cauda com escamas eriçadas (figura 6), com

manchas geométricas em formato de “Z” pelo corpo. A ação do veneno é

semelhante ao gênero Bothrops (FUNASA, 2001). Possui ação proteolítica, que

induz a liberação de substâncias vasoativas, tais como bradicinina e histamina, que

podem levar o animal ao choque. Outro efeito é o de anticoagulante, pela presença

de hemorraginas, e ainda ação neurotóxica ocasionando estimulação vagal

(CINTRA et al., 2014).

4.2.4 Gênero Micrurus

Não possui fosseta loreal (figura 7), coloração em anéis vermelhos, pretos,

brancos e amarelos, a verdadeira coral com anéis completos, diferente das falsas

corais que possuem anéis incompletos e o ventre branco. Seu veneno é desprovido

de atividade proteolítica, não produzindo efeitos locais, sua ação é principalmente

neurotóxica atuando nas junções neuromusculares de ação pré e pós-sinápticas

(CINTRA et al., 2014). Essas toxinas são peptídeos de baixo peso molecular, o que

permite sua rápida distribuição pelo organismo. Atacam o sistema nervoso central

28

nos pares de núcleos dos nervos cranianos, afetando o terceiro e o quarto par

cranial, provavelmente nos núcleo bulbares (BOFF, 2006). As neurotoxinas de ação

pré-sináptica atuam nas terminações axônicas sobre o metabolismo do cálcio,

impedindo a liberação de acetilcolina na fenda sináptica dos nervos motores, já as

de ação pós-sinápticas atuam por fixação competitiva dos receptores colinérgicos

das membranas pós-sinápticas nas junções neuromusculares dos nervos motores,

ocorrendo, portanto mialgias, fraqueza muscular progressiva e dificuldades

respiratórias pela paralisia diafragmática e musculaturas torácicas. (FUNASA, 2001;

BOFF, 2006).

FIGURA 5 – Característica da cabeça das espécies de serpentes peçonhentas.

FONTE: FUNASA, 2001

FIGURA 6 – Característica da cauda e critério de diferenciação entre as serpentes peçonhentas.

FONTE: FUNASA, 2001

29

FIGURA 7 – Características das serpentes com ausência da fosseta loreal.

FONTE: FUNASA, 2001.

4.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Os sinais clínicos podem ser classificados como leve, moderado ou grave,

analisando o tempo após o acidente, aumentando a gravidade com o tempo, e

dependendo dos sinais apresentados, do local atingido e da quantidade de veneno

inoculado, quanto mais sistemas envolvidos, mais grave o quadro do animal

(AZEVEDO-MARQUES et al., 2003)

4.3.1 Gênero Bothrops

Os animais envenenados apresentam inicialmente prostração, inapetência,

apatia e taquipnéia. As reações locais são edema, equimose e hemorragias, que

aparecem rapidamente juntamente com intensa sensibilidade dolorosa. De maneira

geral eles mantêm os membros flexionados até que a dor do local da picada diminua

de intensidade (SPINOSA et al., 2008). De forma sistêmica, o animal apresenta

vômitos, hipotermia, sangramento pelo nariz, hipotensão, oligúria ou anúria

(AZEVEDO-MARQUES et al., 2003).

Em casos de picada na cabeça ou região de plano nasal, há evidência de

dispneia e insuficiência respiratória decorrentes do edema local, em casos graves os

animais precisam de traqueostomia, que deve ser realizada com cautela, pois eles

não apresentam coagulação sanguínea normal em razão da intoxicação botrópica

(GOMES, 2008). Podem apresentar também dificuldade na alimentação, sendo

necessária a passagem de sonda nasogástrica. (SPINOSA et al., 2008)

30

Como complicação é comum a contaminação bacteriana no local da picada

(PEREIRA, 2006), com a formação de abcessos (AZEVEDO-MARQUES et al.,

2003).

4.3.2 Gênero Crotalus

O local da inoculação apresenta-se com uma área delimitada com coloração

esbranquiçada em razão da degeneração e da necrose (SPINOSA et al., 2008), não

há dor local, e quando existe é de baixa intensidade, além da presença de

parestesia local ou regional. Na área da inoculação pode-se encontrar desde um

pequeno arranhão até marca puntiforme única ou dupla e edema local pequeno

(GOMES, 2008).

De forma geral o paciente pode apresentar prostração, náuseas, êmese,

inquietação (FERNANDES et al., 2008), transtornos de locomoção, fasciculações

musculares, flacidez da musculatura facial, sialorréia, ptose palpebral uni ou

bilateral, midríase, oftalmoplegia, disfagia, alteração na fonação, insuficiência

respiratória aguda e depressão neurológica, dispnéia, paralisia facial flácida, ptose

mandibular, dificuldade de deglutição e atonia vesical com retenção urinária

(SPINOSA et al., 2008). Intensa mialgia pelas lesões nas fibras musculares, que

aparecem precocemente, e rabdomiólise causando mioglobinúria (CINTRA et al.,

2014), que pode ser evidenciada pela alteração na cor da urina, estando esta

avermelhada ou até marrom escuro (FERNANDES et al., 2008). Na hematologia

pode haver aumento de tempo de coagulação. Podem surgir complicações como

insuficiência renal aguda, caracterizada por necrose tubular, após 48 horas do

acidente (MOTTA, 2008).

4.3.3 Gênero Lachesis

O veneno tem efeito tóxico semelhante ao botrópico, porém também tem

efeito no sistema parassimpático, apresentando quadros gastrointestinais como

vômito e diarréia (“síndrome vagal”), hipotensão, bradicardia, sangramento nos olhos

e ouvidos, sangramento nasal e gengival (SPINOSA et al., 2008).

31

4.3.4 Gênero Micrurus

Como o veneno dessa serpente tem efeito neurotóxico, pré e pós-sinápticos,

causa paralisia muscular flácida severa, e se o animal não for tratado rapidamente

pode vir a óbito pela paralisação do diafragma e músculos do tórax (SPINOSA et al.,

2008; BOFF, 2006). Não há manifestações clínicas no local da picada (AZEVEDO-

MARQUES et al., 2003).

4.4 DIAGNÓSTICO

Os dados da anamnese, tais como presença de serpentes no local e a

ocorrência prévia ou não de acidentes ofídicos (SPINOSA et al., 2008) Porém o

diagnóstico só é efetivo quando se faz o reconhecimento do gênero da serpente,

caso o proprietário não traga o animal ou não reconheça, o diagnóstico é baseado

nos sinais clínicos característicos de cada espécie (FERNANDES et al., 2008).

4.4.1 Gênero Bothrops

A presença de edema no local da picada é um bom indicador para acidente

botrópico por ser uma característica dessa espécie as alterações locais evidentes

(BOFF, 2005), dados laboratoriais e resposta positiva para soroterapia confirmam a

suspeita. (SPINOSA et al., 2008)

Os animais acometidos apresentam leucocitose com neutrofilia, linfopenia,

eosinopenia, monocitose e trombocitopenia, com consequente aumento no tempo de

coagulação (SPINOSA et al., 2008). Há diminuição do número de hemácias, do

volume globular, do fibrinogênio, da hemoglobina, da proteína plasmática total, das

proteínas séricas e da albumina. A alanina aminotransferase (ALT), fosfatase

alcalina (FA) e creatina quinase (CK) podem estar aumentadas (ARAGÃO et al.,

2010).

4.4.2 Gênero Crotalus

Nos achados laboratoriais, a rabdomiólise pode ser comprovada pela

existência de mioglobina presente na urina e no soro, detectáveis por tiras reagentes

para urinálise ou métodos imonuhistoquímicos (AZEVEDO-MARQUES et al., 2003).

32

Pode haver aumento de valores séricos de CK de 4 a 8 horas após o acidente,

atingindo seu pico máximo após 24 horas, a desidrogenase lática (LDH) aumenta

mais lentamente sendo utilizada para diagnóstico tardio, alanina aminotransferase,

aspartato amino transferase (AST) e fosfatase alcalina também se encontram

aumentados. O tempo de coagulação geralmente encontra-se prolongado, porém

normaliza-se após 12 horas da instituição da terapia (GOMES; FERNANDES et al.,

2008)

No hemograma pode-se encontrar leucocitose com neutrofilia e desvio a

esquerda nos dois primeiros dias e eosinofilia a partir do terceiro dia do acidente.

(FERNANDES et al., 2008) O plasma pode apresentar-se com uma coloração

avermelhada nas primeiras horas após o acidente, provavelmente em decorrência

da hemólise (SPINOSA et al., 2008).

Quanto à urina, pode haver proteinúria discreta e ausência de hematúria,

quando não há insuficiência renal aguda (IRA) (FERNANDES et al., 2008). As

lesões renais produzem oligúria e anúria, verificando-se a elevação sérica de uréia,

creatinina, ácido úrico, fósforo e potássio (MOTTA, 2008).

4.4.3 Gênero Lachesis

O diagnóstico deste tipo de acidente baseia-se basicamente nos sinais

clínicos, diferenciando-se do acidente botrópico pelos sinais de síndrome vagal, e no

exame de determinação do tempo de coagulação, juntamente com todo histórico e

anamnese do animal, e com a possível identificação da serpente pelo proprietário

(FUNASA, 2001).

4.4.4 Gênero Micrurus

O diagnóstico do acidente elapídico se dá através dos sinais clínicos e do

histórico animal, o exame hematológico não é sugestivo e nem especifico

(AZEVEDO-MARQUES et al., 2003).

33

4.5 TRATAMENTO

Consiste na aplicação precoce, em dose adequada de soro antiveneno

espécie específico, por via intravenosa (IV) ou subcutânea (SC), incluindo terapia de

suporte e cuidados básicos de enfermagem (BOFF, 2005). Antes da administração

do soro, devem ser realizadas medidas profiláticas, visando impedir ou atenuar as

possíveis reações de hipersensibilidade imediata, reação anafilática (AZEVEDO-

MARQUES et al., 2003), como urticária, prurido, tremores musculares, dispnéia,

tosse e náusea, e após um período podem apresentar taquicardia, edema de

órgãos, coagulação intravascular disseminada (CID), hipotermia, e na fase final do

choque, falência múltipla de órgãos.(SPINOSA et al.; GOMES, 2008) .

Pelo menos 15 minutos antes da aplicação do soro antiveneno deve-se

administrar antagonistas dos receptores H1 da histamina (prometazina),

antagonistas dos receptores H2 da histamina (ranitidina) ou hidrocortisona para

prevenir choque anafilático e auxiliar na redução de edema local ou de vias

respiratórias (PEREIRA, 2006). Vigilância contínua do paciente e se necessário,

usar imediatamente adrenalina, oxigênio e material de entubação, bloquear a

aplicação ou gotejamento do soro antiveneno e aumentar a infusão da solução

fisiológica (AZEVEDO-MARQUES et al., 2003).

Tanto os animais de produção quanto os animais de companhia devem

receber a mesma dose do soro antiveneno, pois não é o peso corporal que indica o

cálculo da dose e sim a quantidade total do veneno inoculado (SPINOSA et al.,

2008).

Não se recomenda a sutura do local da picada, pois existe a possibilidade de

contaminação bacteriana, recomenda-se cloranfenicol na dose de 25-50mg/Kg/TID

por via IV/IM/SC, e amoxicilina associada com ácido clavulânico na dose de 10-

20mg/Kg/BID por via IM ou SC, ou qualquer outra associação de antibióticos de

amplo espectro, não se recomenda o uso de antibiótico de forma preventiva,

somente quando há sinais flogísticos (PEREIRA, 2006). Para o edema recomenda-

se antiinflamatórios, esteróides ou não, porém com cautela, pois podem agravar o

risco de sangramentos, e diuréticos, este por sua vez pode agravar os sintomas em

animais desidratados (NUNES et al., 2013). Para dor, utilizam-se analgésicos como

dipirona em casos leves e até opióides em casos mais graves, e não se recomenda

34

o uso de depressores do sistema nervoso central e morfina, pois sua ação análoga a

histamina pode mimetizar anafilaxia (CINTRA et al., 2014).

Devem ser realizadas assistência respiratória e prevenção do choque

(SPINOSA et al., 2008). Restaurar a volemia com hidratação adequada como soro

fisiológico ou ringer com lactato. Se necessário realizar transfusão sanguínea, porém

somente após a estabilização do paciente e 24 horas após a administração do soro

antiveneno, pois enquanto o veneno não for neutralizado haverá destruição dos

fatores de coagulação (PEREIRA, 2006).

4.5.1 Gênero Bothrops

A melhor opção para o tratamento é a aplicação do soro antiofídico, dentre

as formas disponíveis para utilização encontra-se soro antibotrópico, antibotrópico-

crotálico ou antibotrópico-laquético, devendo ser administrado em uma dose que

neutralize no mínimo 100 mg do veneno, 2 a 4 ampolas em casos leves, podendo

chegar a 12 ampolas em casos severos (FUNASA, 2001), por via intravenosa

aplicado lentamente (AZEVEDO-MARQUES et al., 2003). Essa soroterapia deve ser

instituída precocemente mas também é indicado nos casos em que há evolução de

mais de 24 horas. Administrações adicionais com a metade da dose inicial são

indicadas quando o sangue permanece incoagulável após 12 horas do início do

tratamento. (SPINOSA et al., 2008)

O animal ainda deve ser mantido na fluidoterapia com solução fisiológica ou

Ringer com lactato até que o mesmo tenha condição própria de ingerir água

(FUNASA, 2001). O tempo de internação deve se estender até no mínimo 72 horas

após o acidente, em casos mais severos para observação do paciente (SPINOSA et

al., 2008) e monitoração do debito urinário (PEREIRA, 2006).

4.5.2 Gênero Crotalus

O único tratamento eficaz é a aplicação do soro anticrotálico ou

antibotrópico-crotálico. A dose do soro deve ser capaz de neutralizar no mínimo 50

mg de veneno, 5 a 15 ampolas, dependendo da gravidade dos sinais (FUNASA,

2001), deve-se repetir a metade da dose inicial se o animal não apresentar melhora,

principalmente em relação ao tempo de coagulação e à depressão neurológica,

35

mesmo após 8 a 12 horas do inicio do tratamento (GOMES, 2008). Importante a

hidratação, tendo atenção à função renal e observação do débito urinário. Se

necessário administrar diuréticos, antieméticos, antibióticos para infecção

secundária, analgésicos, e ainda fazer limpeza da ferida com solução fisiológica

0,9%, deixar o animal em ambiente calmo e tranquilo e aquecido se a temperatura

estiver baixa (FERNANDES et al., 2008).

O paciente deve permanecer internado por no mínimo uma semana. A

produção e a coloração urinária devem ser monitoradas por meio da sondagem

vesical, evitando a atonia vesical. A solução de manitol a 20% na dose de 1 a 2g/kg,

a cada 6 horas, por via intravenosa, pode ser utilizada para induzir a diurese. Caso a

oligúria persista, indica-se o uso de diurético de alça, como o furosemida na dose de

2 a 6 mg/kg, a cada 8 a 12 horas por via IV (SPINOSA et al., 2008).

A água deve ser oferecida por meio de seringa, várias vezes ao dia e a

alimentação enteral ou parenteral pode ser necessária em virtude da dificuldade de

deglutição e do próprio estado neurológico de depressão (CINTRA et al., 2014).

Cuidados com olhos são importantes para evitar ressecamento da córnea e posterior

aparecimento de úlcera de córnea por causa da paralisia ocular, havendo

necessidade de umedecê-los com solução fisiológica e protegê-los com gaze. Trocar

periodicamente o decúbito do animal também é importante para evitar escaras. A

analgesia deve ser feita com opióides para aliviar a mialgia generalizada (SPINOSA

et al., 2008).

4.5.3 Gênero Lachesis

O tratamento é feito com soro antilaquético ou antibotrópico-laquético na

dose neutralizante 250 a 400 mg do veneno, aproximadamente 10 a 20 ampolas

(FUNASA, 2001), naqueles animais que apresentam clinicamente sinais mais

severos do sistema parassimpático, deve-se realizar a aplicação de atropina

(SPINOSA et al., 2008).

4.5.4 Gênero Micrurus

O ideal é a utilização de soro antielapídico, no entanto médicos veterinários

tem grande dificuldade na obtenção deste soro, por ser produzido pelo Instituto

36

Butantan e ter destino direto para o Ministério da saúde, no entanto o tratamento de

suporte pode ser realizado utilizando medicamentos anticolinesterásicos

(neostigmina na dose de 1 a 2 mg por via IM ou fisotigmina) para promoção de uma

melhora rápida nos sinais clínicos (SPINOSA et al., 2008). Esses fármacos têm de

ser utilizados com cautela, administrando sempre atropina antes, pois podem

promover a hipersecreção brônquica e bradicardia (BOFF, 2006)

O soro antielapídico produzido no Brasil para uso humano é apresentado na

forma de ampolas, contendo 10 ml de solução injetável de um concentrado de

imunoglobulinas específicas purificadas obtidas no plasma de equinos imunizados,

cada ampola de antiveneno é capaz de neutralizar 15 mg do veneno (GOMES,

2008), indica-se a utilização de aproximadamente 10 ampolas (FUNASA, 2001).

Porém não se tem este soro disponível no mercado veterinário (BOFF, 2006).

37

5 ACIDENTE OFÍDICO POR SERPENTE DO GÊNERO BOTHROPS EM CÃO –

RELATO DE CASO

Foi atendido na Unidade Hospitalar de Animais de Companhia – PUC-Pr, um

cão, macho adulto, sem raça definida, pesando 15,5Kg, castrado. Em primeira

consulta, o animal foi atendido em estado de emergência e o proprietário relatou na

anamnese que o mesmo foi encontrado em decúbito lateral e prostrado no mesmo

dia pela manhã em área de mata. Referiu possível acidente ofídico por jararaca, pois

na propriedade houve histórico de serpentes dessa espécie. Proprietário relatou que

administrou leite e pão, porém nega êmese, diarréia, síncope ou convulsão.

Ao exame físico observou-se os parâmetros de frequência cardíaca

aumentada (taquicardia), frequência respiratória com 36 mpm (movimentos

respiratórios por minuto), pulso não observado, pois o animal sentia muita dor em

região pélvica, tempo de preenchimento capilar 1 segundo, mucosas normocoradas

e hidratação satisfatória. Observou-se face interna de membro pélvico esquerdo com

presença de sangue, lesão ulcerada próximo ao prepúcio com discreto

sangramento, edema subcutâneo em região abdominal esquerdo e hematoma

abdominal. Na auscultação pulmonar foi identificado aumento de sons pulmonares e

crepitação e na auscultação cardíaca abafamento de sons cardíacos.

Como exames complementares foram requisitados hemograma,

coagulograma, dosagem de fibrinogênio e de bioquímico séricos foram solicitados

creatina quinase, ureia, creatinina, transaminase pirúvica, albumina, bilirrubinas e

fosfatase alcalina, descritos na tabela 3:

38

TABELA 3 – Resultados de exames hematológicos e bioquímicos.

ERITROGRAMA RESULTADO VALOR DE REFERÊNCIA

Eritrócitos 6.570 milhões/mm³ 5,5 - 8,5 milhões/mm³

Hemoglobina 16.20 g/dL 12 - 18 g/dL

Hematócrito 49% 37 - 55 %

VGM 74.58 fL 60 - 77 fL

HGM 24.66 pg 19,5 - 24,5 pg

CHGM 33.06 % 32 - 36 %

LEUCOGRAMA Leucócitos 18500 /mm³ 6000 - 17000 /mm³

Eosinófilos 0 /mm³ 100 - 1250 /mm³

Basófilos 0 /mm³ Raros

Linfócitos 1665 /mm³ 1000 - 4800 /mm³

Linfócitos atipícos 0 /mm³ 0 /mm³

Monócitos 1480 /mm³ 150 - 1250 /mm³

Mielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Metamielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Bastonete 0 /mm³ 0 - 300 /mm³

Segmentados 15355 /mm³ 3000 - 11500 /mm³

Neutrófilos 15355 /mm³ 3000 - 11800 /mm³

PROTEÍNA PLASMÁTICA 5.4 g/dL 5,8 - 7,8 g/dL

CONTAGEM DE PLAQUETAS Agregados plaquetários /mm³ 200.000 - 500.000 /mm³

FIBRINOGÊNIO 400 mg/dL 180 - 400 mg/dL

COAGULOGRAMA TP 6,8 segundos 5,47 - 8,25 segundos

TTPA 12,0 segundos 13,5 - 16,7 segundos

CREATINA KINASE >200 U/L 20 - 220 U/L

URÉIA 46.39 mg/dL 21 - 60 mg/dL

CREATININA 1.19 mg/dL 0,5 - 1,5 mg/dL

TRANSAMINASE PIRÚVICA 23.20 UI 0 - 102 UI

ALBUMINA 1.19 g/dL 2,6 - 3,3 g/dL

BILIRRUBINA DIRETA Amostra inviável para dosagem 0,06 - 0,3 mg/dL

BILIRRUBINA INDIRETA Amostra inviável para dosagem 0,01 - 0,5 mg/dL

BILIRRUBINA TOTAL Amostra inviável para dosagem 0,1 - 0,7 mg/dL

FOSFATASE ALCALINA 97 UI 0 - 156 UI

FONTE: GONÇALVES, 2010.

Como resultados foram observados leucocitose com neutrofilia, monocitose,

eosinopenia e redução de proteínas plasmáticas, sem demais alterações

importantes.

Para estabilização do paciente foi utilizado fluidoterapia com Solução de

Ringer com Lactato na dose de 300ml/hora, por via intravenosa, e foram

administrados Metronidazol (30mg/Kg/IV/BID), Amoxicilina + Clavulanato de

39

Potássio (22mg/Kg/SC/BID), Prometazina (1mg/Kg/IV/BID), Furosemida

(3mg/Kg/IV/TID) e algumas horas após a estabilização 40ml de soro antiofídico

(Master Soro Plus - Polivalente, do laboratório Vencofarma) por via IV, na sequência

foi feita a sondagem urinária para monitoração de produção de urina.

A figura 8 demonstra a lesão encontrada no animal com presença de sangue

e hematoma em face interna de membro pélvico esquerdo, além de hematoma em

região abdominal.

FIGURA 8 – Foto da lesão, após depilação da área atingida, no dia 10 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

40

O animal foi mantido sob monitoração e encaminhado para uma clínica

veterinária para internação aonde permaneceu por dois dias, recebendo todas as

medicações prescritas nas mesmas doses, acrescentando-se Dexametasona

(1ml/animal/IV/SID), e o debito urinário sendo monitorado, retornando a UHAC na

segunda feira para dar continuidade ao tratamento.

No segundo dia de internamento, ao retornar ao Hospital da PUC, foi

acrescentado a sua prescrição Dipirona (25mg/kg/SC/BID), Meloxicam 0,2%

(0,2mg/kg/SC/SID) e Tramadol (5mg/kg/SC/BID), mantiveram-se a limpeza das

feridas duas vezes ao dia por se tratar de uma ferida aberta, reduzindo a

susceptibilidade de uma contaminação secundária, e quando suspendeu-se a

Prometazina e a Dexametasona, os parâmetros vitais mantiveram-se estáveis.

Neste dia foram realizados novos exames hematológicos para comparação

com o primeiro dia de atendimento, podendo assim monitorar o paciente, com os

resultados demonstrados na tabela 4.

TABELA 4 – Resultados de exames hematológicos do dia 13 de Abril de 2015.

ERITROGRAMA RESULTADO VALOR DE REFERÊNCIA

Eritrócitos 4.140 milhões/mm³ 5,5 - 8,5 milhões/mm³

Hemoglobina 10.86 g/dL 12 - 18 g/dL

Hematócrito 33% 37 - 55 %

VGM 79.71 fL 60 - 77 fL

HGM 26.23 pg 19,5 - 24,5 pg

CHGM 32.91 % 32 - 36 %

LEUCOGRAMA Leucócitos 36600 /mm³ 6000 - 17000 /mm³

Eosinófilos 1464 /mm³ 100 - 1250 /mm³

Basófilos 0 /mm³ raros

Linfócitos 2928 /mm³ 1000 - 4800 /mm³

Linfócitos atipícos 0 /mm³ 0 /mm³

Monócitos 366 /mm³ 150 - 1250 /mm³

Mielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Metamielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Bastonete 0 /mm³ 0 - 300 /mm³

Segmentados 31842 /mm³ 3000 - 11500 /mm³

Neutrófilos* 31842 /mm³ 3000 - 11800 /mm³

PROTEÍNA PLASMÁTICA 7.6 g/dL 5,8 - 7,8 g/dL

CONTAGEM DE PLAQUETAS* 12.000 /mm³ 200.000 - 500.000 /mm³

*Plaquetas macrocíticas;

*Neutrófilos com basofilia citoplasmática (+++).

41

Observa-se discreta anemia, com diminuição dos valores de hemoglobina e

hematócrito, leucocitose com neutrofilia mais evidente, presença de eosinofilia e

trombocitopenia, quadro este característico do acidente ofídico demonstrando

alterações compatíveis com o curso da intoxicação da peçonha.

Os exames bioquímicos (Albumina, ALT, Bilirrubinas, AST, CK, Creatinina,

FA, Uréia e Kit eletrólitos) deste dia não puderam ser realizados devido ao soro estar

intensamente hemolisado.

A figura 9 demonstra a área de lesão com presença de tecido necrótico e

redução de hematoma de região perilesional.

FIGURA 9 – Foto do animal acometido pelo acidente ofídico no dia 13 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

No terceiro dia, 14 de Abril de 2015, foram mantidas as medicações, a dose

de Meloxicam foi reduzida pela metade e a limpeza da ferida realizada duas vezes

ao dia, e acrescentou-se Doxiciclina (10mg/kgIV/SID) para tratamento de uma

42

possível erlichiose inicial ou já instalada, devido a observação e retirada de

carrapatos em região de pescoço há 2 dias.

Em nova coleta de sangue para análise hematológica, foram encontrados os

resultados descritos na tabela 5.

TABELA 5 – Resultados de exames hematológicos do dia 14 de Abril de 2015.

ERITROGRAMA RESULTADO VALOR DE REFERÊNCIA

Eritrócitos 4.350 milhões/mm³ 5,5 - 8,5 milhões/mm³

Hemoglobina 10.6 g/dL 12 - 18 g/dL

Hematócrito 32% 37 - 55 %

VGM 73.56 fL 60 - 77 fL

HGM 24.37 pg 19,5 - 24,5 pg

CHGM 33.13 % 32 - 36 %

LEUCOGRAMA Leucócitos 44500 /mm³ 6000 - 17000 /mm³

Eosinófilos 1335 /mm³ 100 - 1250 /mm³

Basófilos 0 /mm³ raros

Linfócitos 3115 /mm³ 1000 - 4800 /mm³

Linfócitos atipícos 0 /mm³ 0 /mm³

Monócitos 1335 /mm³ 150 - 1250 /mm³

Mielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Metamielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Bastonete 0 /mm³ 0 - 300 /mm³

Segmentados 38715 /mm³ 3000 - 11500 /mm³

Neutrófilos 38715 /mm³ 3000 - 11800 /mm³

PROTEÍNA PLASMÁTICA 7.4 g/dL 5,8 - 7,8 g/dL

CONTAGEM DE PLAQUETAS 24.000 /mm³ 200.000 - 500.000 /mm³

RETICULÓCITOS 1,5% 0,5 - 1,0%

*Plasma moderadamente hemolisado

Como resultado foi observado que o animal permanecia com uma discreta

anemia, leucocitose com neutrofilia ainda com os valores bem aumentados,

eosinofilia, monocitose e a contagem de plaquetas com valor reduzido.

Foi realizado teste Snap para hemoparasitas para Ehrlichia canis, Borrelia

burgdorferi, Anaplasma phagocytophilum e Dirofilaria immitis, todos com resultados

negativos.

Os exames bioquímicos (Albumina, ALT, Bilirrubinas, AST, CK, Creatinina,

FA, Uréia e Kit eletrólitos) deste dia não puderam ser realizados devido ao soro estar

intensamente hemolisado.

43

Na figura 10 observa-se redução do hematoma abdominal e de região

interna de membro pélvico e perilesional, com aumento da área de necrose em

lesão e edema em prepúcio.

FIGURA 10 – Foto do animal acometido pelo acidente ofídico no dia 14 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

No quarto dia de internamento (15/04/2015), o animal se manteve estável e

as medicações mantiveram-se as mesmas. Na figura 11 é possível observar a

redução praticamente total do hematoma de abdômen e face interna de membro

esquerdo.

44

FIGURA 11 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 15 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

No dia 16 de Abril de 2015 foi realizado novamente exame hematológico,

que pode ser observado na tabela 6. O paciente mantinha-se estável.

45

TABELA 6 – Resultados de exames hematológicos do dia 16 de Abril de 2015,na UHAC – PUC-Pr.

ERITROGRAMA RESULTADO VALOR DE REFERÊNCIA

Eritrócitos 4.380 milhões/mm³ 5,5 - 8,5 milhões/mm³

Hemoglobina 10.94 g/dL 12 - 18 g/dL

Hematócrito 33% 37 - 55 %

VGM 75.34 fL 60 - 77 fL

HGM 24.98 pg 19,5 - 24,5 pg

CHGM 33.15 % 32 - 36 %

LEUCOGRAMA Leucócitos 14300 /mm³ 6000 - 17000 /mm³

Eosinófilos 286 /mm³ 100 - 1250 /mm³

Basófilos 0 /mm³ raros

Linfócitos 2145 /mm³ 1000 - 4800 /mm³

Linfócitos atipícos 0 /mm³ 0 /mm³

Monócitos 286 /mm³ 150 - 1250 /mm³

Mielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Metamielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Bastonete 715 /mm³ 0 - 300 /mm³

Segmentados 10868 /mm³ 3000 - 11500 /mm³

Neutrófilos 11583 /mm³ 3000 - 11800 /mm³

PROTEÍNA PLASMÁTICA 6.8 g/dL 5,8 - 7,8 g/dL

CONTAGEM DE PLAQUETAS 40.000 /mm³ 200.000 - 500.000 /mm³

RETICULÓCITOS 2,5% 0,5 - 1,0%

Plasma levemente hemolisado.

Moderada anisocitose e policromasia.

Nos resultados se mantiveram a leve anemia, aumento de bastonetes,

neutrófilos jovens e diminuição do numero de plaquetas, as demais alterações já

apresentavam-se dentro dos valores de referência.

Os exames bioquímicos (Albumina, ALT, Bilirrubinas, AST, CK, Creatinina, FA, Uréia

e Kit eletrólitos) deste dia não puderam ser realizados devido ao soro estar

moderadamente hemolisado.

Ao final da tarde o paciente foi liberado para casa, e pelo seu estado geral

satisfatório, não foi encaminhado para internamento em clínica veterinária durante o

final de semana.

No dia 20 de Abril de 2015, o paciente retornou para internamento,

fisicamente mostrava-se em bom estado geral, seu peso atual era de 15kg, e as

medicações administradas mantiveram-se as mesmas. O proprietário relatou que o

animal voltou a alimentar-se e a ingerir água e apresentava-se mais alerta,

realizando suas atividades normais.

A higienização da ferida continuava duas vezes ao dia, com inicio da

aplicação tópica de pomada de sulfadiazina de prata.

46

Na figura 12 pode observar-se a lesão com tecido de granulação,

demonstrando processo cicatricial, já na figura 15 observa-se de forma geral a total

redução de edema e hematoma local, com aparência visual melhorada comparado

aos primeiros dias.

FIGURA 12 – Foto da lesão do animal acometido pelo acidente ofídico no dia 20 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

47

FIGURA 13 – Foto do animal acometido pelo acidente ofidico no dia 20 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

A partir deste dia o animal recebeu alta do internamento clínico, tendo que

voltar para consulta de retorno em uma semana, aproximadamente dia 29/04/2015,

para reavaliação da ferida e dos exames hematológicos.

No dia do retorno novos exames hematológicos foram realizados para

monitoração das alterações sanguíneas provocadas pelo acidente ofídico,

resultados demonstrados na tabela 7.

48

TABELA 7 – Resultados de exames hematológicos do dia 29 de Abril de 2015.

ERITROGRAMA RESULTADO VALOR DE REFERÊNCIA

Eritrócitos 5.300 milhões/mm³ 5,5 - 8,5 milhões/mm³

Hemoglobina 14.6 g/dL 12 - 18 g/dL

Hematócrito 44% 37 - 55 %

VGM 83 fL 60 - 77 fL

HGM 27.6 pg 19,5 - 24,5 pg

CHGM 33.2 % 32 - 36 %

LEUCOGRAMA Leucócitos 10600 /mm³ 6000 - 17000 /mm³

Eosinófilos 742 /mm³ 100 - 1250 /mm³

Basófilos 0 /mm³ raros

Linfócitos 4770 /mm³ 1000 - 4800 /mm³

Linfócitos atipícos 0 /mm³ 0 /mm³

Monócitos 530 /mm³ 150 - 1250 /mm³

Mielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Metamielócitos 0 /mm³ 0 /mm³

Bastonete 0 /mm³ 0 - 300 /mm³

Segmentados 4458 /mm³ 3000 - 11500 /mm³

Neutrófilos 4458 /mm³ 3000 - 11800 /mm³

PROTEÍNA PLASMÁTICA 7.4 g/dL 5,8 - 7,8 g/dL

CONTAGEM DE PLAQUETAS 150.000 /mm³ 200.000 - 500.000 /mm³

Com base nesses resultados pode-se observar a normalização de todas as

alterações anteriormente citadas, exceto a contagem de plaquetas que ainda

mantinha-se abaixo do valor normal de referencia. O retorno dos parâmetros

hematológicos aos valores normais é esperado após alguns dias de tratamento, o

que confirma o acidente com posterior cura.

A figura 14 representa a lesão do animal com os tecidos afetados

praticamente recuperados, ainda com uma pequena área em processo de

reepitalização.

49

FIGURA 14 – Foto do animal acometido pelo acidente ofídico do dia 29 de abril de 2015.

FONTE: RUBERTI, B. UHAC – PUC-Pr, 2015

50

6 DISCUSSÃO

Com base nas literaturas observadas, para um prognóstico favorável é

necessário que o diagnóstico e a terapêutica sejam o mais precoce possível,

diagnóstico esse realizado através das manifestações clínicas, da identificação da

serpente, juntamente com o auxílio de exames laboratoriais, o que se assemelha

com o caso acompanhado, onde o animal apresentou como reação local edema,

hematoma e necrose, e nos exames laboratoriais alterações características desse

tipo de acidente, como mencionado por CINTRA (2014), MISE (2007) e SPINOSA et

al., (2008).

Durante o diagnóstico, a realização do teste de tempo de coagulação

sanguínea é de suma importância em suspeita de acidente botrópico, além da

simplicidade, facilidade e rapidez da técnica (GOMES, 2008), proporcionando sua

realização a campo, associando com dados do histórico e sintomatologia do animal

acometido (PEREIRA, 2006), e segundo MICHAELSEN (2013) e GONÇALVES

(2010), este parâmetro deve estar aumentado por conta da ação de destruição dos

fatores de coagulação sanguíneos, o que não foi identificado nesse paciente pois os

valores de PT (tempo de protrombina) e PTTa (tempo de tromboplastina parcial

ativada) estavam dentro do valor de referência.

Com relação ao hemograma, é esperado encontrar diminuição de

eritrócitos, de hemoglobina, de volume globular e de hematócrito, no leucograma,

encontra-se leucocitose por neutrofilia, esporadicamente com desvio a esquerda o

que indica reação inflamatória normal, diminuição ou não de linfócitos, monócitos e

eosinófilos (SANTOS, 2003; CINTRA, 2014), e no caso atendido esses valores são

confirmados, sendo observado que na média dos dias os valores de hematócrito,

hemoglobina e eritrócitos se mantiveram levemente reduzidos, mostrando uma

discreta anemia regenerativa e transitória, pois o valor de reticulócitos estava

aumentado, semelhante ao citado por SANTOS (2003) e que após alguns dias o

valor de hematócrito tende a voltar ao normal. Leucocitose por neutrofilia também

foram evidenciadas no paciente, devido a reação inflamatória e liberação de

mediadores inflamatórios como citado por SPINOSA (2008) e ARAGÃO et al. (2010).

Segundo FUNASA (2001), devido a ação anticoagulante do veneno, um baixo valor

da quantidade de plaquetas pode ser observado, sendo compatível com o resultado

51

do animal, o que explica também o soro que seria utilizado para realização de

exames bioquímicos estar na maioria dos dias hemolisado.

Porém, apesar das diversas alterações sanguíneas observadas em casos de

acidentes ofídicos, não existe um teste diagnóstico específico que confirme a picada

(GOMES, 2008).

Todos os valores hematológicos alterados tendem a voltar a sua

normalidade dentro de alguns dias após o inicio do tratamento, parâmetro observado

por SANTOS (2003) e confirmado através dos exames desse caso, que no dia 29 de

Abril de 2015, praticamente todos os valores encontravam-se dentro dos padrões de

referência.

Em relação ao tratamento instituído, este corrobora com MICHAELSEN

(2013) e SPINOSA et al., (2008), pois conta com a aplicação do soro antiofídico e

todo o suporte necessário para regressão das manifestações clínicas.

52

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acidentes por picada de serpentes peçonhentas são comuns em animais

domésticos de pequeno porte e também em animais de produção, ou que tenham

acesso a zona rural, ocasionando sérias manifestações locais e sistêmicas os quais

podem levar o paciente a óbito.

O tratamento específico muitas vezes demora devido a dificuldade do

proprietário em reconhecer o acidente e encaminhar o animal a uma clínica

veterinária. O único tratamento eficaz é o soro antiofídico específico para o gênero

de serpente envolvida, e deve estar de acordo com as necessidades da

classificação do acidente, baseada nos sintomas clínicos e associada aos resultados

da análise do tempo de coagulação sanguínea.

Na linha veterinária existe comercialização de soro anti-botrópico, anti-

crotálico e anti-laquético, na forma de soro polivalente, mas não existe

comercialização de soro anti-elapídico, portanto a maioria dos animais picados por

cobras do gênero Micrurus acabam indo à óbito por falta de tratamento específico.

A determinação da fatalidade de uma vítima animal diante do acidente

ofídico está relacionada à quantidade de veneno que a serpente inoculou, do local

da inoculação e o tempo entre a picada e início do tratamento. Nesse sentido, a

expulsão do veneno da glândula é de ação voluntária da serpente e não depende da

quantidade disponível para eliminação. Desse modo, o volume de veneno inoculado

na vítima é completamente variável e imprevisível e não existe imunidade adquirida

contra o veneno. Esses dados reforçam a importância do conhecimento sobre a

epidemiologia regional dos envenenamentos para facilitar a identificação do acidente

e o tratamento das vítimas através dos sinais característicos, pois o prognóstico do

quadro tende a ser melhor quanto mais rápido houver a identificação do acidente e o

início da terapia.

53

8 CONCLUSÃO

O estágio curricular obrigatório permite a ampliação de conhecimentos

teóricos e práticos, avaliando outras maneiras de atuação no meio profissional, que

não as da própria instituição de ensino à que pertence, através do acompanhamento

diário da rotina local, possibilitando afinidades à determinada área. Da mesma

maneira, que o trabalho em equipe e a conduta profissional, possibilitam maior

experiência e crescimento pessoal.

E com base no estudo realizado, pode-se concluir que as condutas adotadas

de estabilização e tratamento para este paciente foram de grande eficácia, pois

durante o processo observou-se a evolução do mesmo com a regressão dos sinais

clínicos até a cura total, obtendo-se assim um prognóstico favorável.

54

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