trabalhando conhecimentos conceituais, · procedimentais e atitudinais na construÇÃo da horta...

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TRABALHANDO CONHECIMENTOS CONCEITUAIS, PROCEDIMENTAIS E ATITUDINAIS NA CONSTRUÇÃO DA HORTA

ESCOLAR: ENFOQUE PARA O SOLO

Hildebrando Lemos1

Juliana Moreira Prudente de Oliveira2

RESUMO

O presente artigo sintetiza um trabalho desenvolvido no contexto do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE - 2012) do Paraná, a partir da perspectiva da Educação Ambiental. O enfoque dado foi em relação à construção dos canteiros de uma horta escolar orgânica, visando investigar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais que os alunos tinham sobre o tema solo antes do trabalho, bem como quais construíram após a realização deste. Sendo assim, os sujeitos envolvidos foram 19 (dezenove) alunos do 6º ano C, vespertino, da Escola Estadual Antônio Franco Ferreira da Costa - Ensino Fundamental, em Formosa do Oeste/PR. Para a coleta de dados utilizou-se questionários, atividades realizadas pelos alunos e observação participante, uma vez que o trabalho trata-se de uma pesquisa-ação. Dessa forma, observou-se que houve construção de conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais nos alunos, comparando o antes e o depois da efetivação da horta. Por exemplo: os tipos de solo, os procedimentos para se construir uma composteira e a atitude de não utilizar agrotóxico. Concluiu-se então, que a horta escolar orgânica é uma estratégia viável para se trabalhar o conteúdo solo, pois organiza a aprendizagem de forma diferenciada, sistêmica e processual, contemplando assim o desenvolvimento pleno do educando e inserindo-os em práticas ambientais sustentáveis, que os habilitem a mudança de suas práticas sociais. Práticas como essa possibilitam discutir a noção de sociedade sustentável, fazendo dos alunos multiplicadores dos conhecimentos, na medida em que podem levar a ideia da construção de horta orgânica para suas respectivas casas e/ou outros locais.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Horta Orgânica. Solo.

1. INTRODUÇÃO

As aulas de Ciências na grade de ensino básico geralmente abordam o

conhecimento científico sobre o solo, a natureza e os ecossistemas a partir de

abordagens conceituais (CAMPOS; NIGRO, 1999). É comum o educador apresentar

listas de conteúdos desse campo semântico e descrevê-los no quadro de giz.

Todavia, na tentativa de fazer diferente, neste trabalho se buscou, por meio da

contextualização com as questões ambientais, trabalhar o tema solo por através da

1 Professor Pedagogo. Escola Estadual Antônio Franco Ferreira da Costa. Formosa do Oeste, PR.

2 Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática, Licenciada em Ciências Biológicas, Professora

Assistente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

construção de uma horta orgânica, mais especificamente dos canteiros e preparação

de produtos “caseiros” para serem utilizados no combate à pragas. Uma vez que,

outra professora PDE trabalhou na mesma escola, com sua turma, a parte da

plantação, replante e colheita. Porém, a degustação envolveu ambas as turmas.

A necessidade de levar o aluno a fazer essa relação de forma contextualizada

insere-se na problemática ambiental encontrada na realidade de Formosa do Oeste,

município do oeste do Paraná. Sabe-se que nesse contexto situacional, existe alto

grau de desinformação dos horticultores quanto ao uso de fertilizantes e inseticidas,

o que gera a utilização de aditivos químicos, sem preocupação com a qualidade e

quantidade dos mesmos. Sendo assim, a proposta da construção de uma horta

orgânica, enfocou a necessidade da utilização de produtos “caseiros” no combate às

pragas de forma orgânica e adubação do solo por meio da compostagem.

Justifica-se esse estudo pelo fato de que é uma proposta contrária ao trabalho

com o conteúdo „solo‟ somente em aulas teóricas, como geralmente acontece, com

conceitos descontextualizados e sem significado para o aluno. A ênfase dessas

aulas, geralmente é nos conteúdos conceituais, na descrição abstrata de elementos

da natureza. Mas ao relacioná-lo com a horta, especificamente na construção dos

canteiros, tornou-se viável contornar essa limitação, pois se realizou um trabalho

articulado com a questão ambiental, possibilitando estudar e gerenciar a construção

da horta, além de refletir sobre a importância da mesma, culminando em construção

de conhecimento.

Dessa forma, o presente estudo objetivou verificar que conhecimentos

conceituais, procedimentais e atitudinais o aluno tinha sobre o solo em relação à

horta orgânica antes do projeto e quais permanecem e/ou foram construídos após.

2. HORTA ESCOLAR E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONSTRUINDO

DIFERENTES CONHECIMENTOS SOBRE O SOLO

A construção da horta orgânica na Escola envolvendo toda a comunidade

escolar visa à produção de alimentos livres de agrotóxicos, contribuindo para

sensibilizar os alunos acerca da temática ambiental, estreitando as relações

estabelecidas com o meio ambiente através da experiência com a horta por meio do

tema solo.

Parte-se do pressuposto de que educação ambiental é:

[...] processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999).

Se é necessário criar esses processos, também é fato que o mundo atual tem

um ritmo rápido, tecnológico e consumista. Segundo Kaufman e Serafini (1998, p.

153-154):

As cidades estão cada vez mais longe do meio natural, e, por sua vez, os ciclos da natureza são longos, lentos e poucos cotidiana, diante dessa situação, a realização da horta dentro do prédio escolar e, portanto, no meio urbano- oferece diversas possibilidades para abordar o processo de ensino-aprendizagem das ciências naturais. A horta é um espaço onde os alunos podem trabalhar de maneira espontânea, autônoma em relação a direção do professor, e os professores se encontram diante de um novo desafio: compartilhar a jornada de trabalho com as crianças muito interessadas na aprendizagem.

Para Souza et al. (2008) com a implantação da horta orgânica o aluno irá

aprender a preparar o solo e os canteiros, verificar se o solo está pobre em matéria

orgânica, plantar, selecionar o que plantar, planejar o que plantar, transplantar

mudas, visando melhorar a relação das pessoas com o ambiente em que vivem,

estimulando a construção dos princípios de responsabilidade e comprometimento

com a natureza, ambiente escolar, comunidade, sustentabilidade do planeta e

valorização das inter-relações dos seres vivos entre si.

Observa-se o desconhecimento dos alunos e seus familiares de métodos

alternativos, como a produção orgânica, em relação aos benefícios deste tipo de

atividade agrícola, tanto para o meio ambiente, como para a saúde deles próprios e

dos consumidores. Souza et al. (2008) afirmam que devido ao uso contínuo e em

grande escala de agrotóxicos, há um crescimento do número de produtos utilizados

pela falta de conscientização por parte dos horticultores, tanto no uso como na

comercialização, feita sem controle, que contribuem para o desenvolvimento de

espécies de pragas resistentes, causando problemas de saúde humana, ambientais,

contaminação de solos, interferindo de forma nociva sobre a fauna e a flora.

Concordando com esses autores, Melo et al. (2007) afirmam que:

A contaminação de produtos hortícolas por resíduos de agrotóxicos tem sido alvo da mídia causando impactos negativos à cadeia produtiva das frutas e hortaliças. Como exemplos de produtos relacionados a esse

problema são citados com frequência, o tomate de mesa, a batata, o morango e o mamão papaia. Na raiz desse problema, está a aplicação de agrotóxicos em dosagem excessiva ou de produtos não recomendados.

Lacreu (1998), nessa mesma linha discute a questão dos perigos da utilização

de tecnologias contaminadoras, bem com a exploração indiscriminada dos recursos

naturais e a falta de políticas adequadas para a preservação do ambiente que

podem até mesmo colocar em perigo o futuro do planeta. Por isso, segundo o autor:

[...] é indiscutível a necessidade de encontrar alternativas e estratégica profundamente condicionada que leve a uma reversão dessa situação. No entanto, devemos descartar que a problemática ambiental é complexa e está profundamente condicionada por fatores econômicos, políticos e sociais (LACREU, 1998, p. 128).

Nesse sentido, a horta pode possibilitar que os conhecimentos assimilados

sejam socializados na escola e transportados para a vida familiar dos alunos,

gerando mudanças na cultura alimentar, ambiental e educacional. A

contextualização pode ser um ponto de partida, fazendo com que a abordagem do

conteúdo seja realizada de forma mais próxima à realidade do estudante.

Falando em contextualização, no trabalho com a horta não basta somente

que o conteúdo seja contextualizado, mas que o aluno seja ativo na aula e que o

professor seja o agente do processo ensino-aprendizagem e mediador do trabalho

pedagógico. Sua intervenção será essencial para a superação da observação como

simples ação empírica e de descoberta (PARANÁ, 2008). As atividades

experimentais que podem ser realizadas na horta podem possibilitar ao professor

gerar dúvidas, problematizar o conteúdo que pretende ensinar e contribuir para que

o estudante construa suas hipóteses. Ao propor atividade experimental, ressalta-se

a importância de contextualização do conteúdo especifico de ciências, bem como da

discussão das possíveis relações conceituais interdisciplinares.

Considerando esses pressupostos e ainda, que segundo Weissman (1998, p.

36) o professor deve “criar as condições para que os alunos demonstrem

explicitamente necessidade ou interesse pela abordagem de um assunto

determinado”, faz sentido trabalhar com a horta relacionada ao tema solo.

Conforme Campos e Nigro (1999), ao trabalhar os conteúdos o professor

deve trabalhar tanto aspectos conceituais, como procedimentais e atitudinais. Os

conceituais são aqueles que remetem ao conhecimento construído pela humanidade

ao longo da história. Referem-se a fatos, princípios e conceitos. Os procedimentais

referem-se ao saber fazer, ou seja, as técnicas, métodos e destrezas e os atitudinais

são as atitudes que se esperam dos alunos em sala de aula, remete em geral aos

comportamentos que se acreditam favorecer o aprendizado de conteúdos

procedimentais e conceituais.

O projeto da horta vai ao encontro do que propõe os Parâmetros Curriculares

Nacionais do Ensino Fundamental (1998), pois salientam atividades que

contemplam o caráter conceitual, tais como: ensino de conteúdos sobre composição

do solo, compostagem, microorganismos úteis e nocivos, nutrientes, rotação de

culturas, adubação verde, horta orgânica. Para o conhecimento procedimental:

construção dos canteiros, da composteira, técnicas de plantio/replantio, de

adubação e técnicas de compostagem. Já como conhecimento atitudinal: trabalho

em equipe, cooperação, conscientização sobre a geração de lixo, perceber o perigo

da utilização de agrotóxicos e o mal que estas substâncias causam à saúde

humana, aos animais, aos ecossistemas e o reaproveitamento de resíduos

orgânicos (BRASIL,1998).

Com atividades através da horta, visa-se à disseminação, instigando os

alunos sobre a construção de horta em suas respectivas casas, sem uso de

agrotóxicos, ou seja, herbicidas, inseticidas, fungicidas, etc.; e sim com controle

natural, através de produtos produzidos pela própria família, sem adubos químicos,

e sim com adubação verde, aproveitamento de estercos de gado e frango e/ou

resultado de compostagem.

Sendo assim, a construção de uma horta configura-se uma estratégia de

ensino que culmina na exemplificação de uma prática ambiental sustentável.

Apresenta-se como um exemplo perfeito de como introduzir, acompanhar e discutir

conteúdos de ciências, de forma que os conceitos abstratos (conhecimentos

conceituais) ganham vida no plantio, cuidado e acompanhamento da horta

(conhecimentos procedimentais/processuais), possibilitando também a reflexão

sobre a própria prática humana (conhecimentos atitudinais). Esse encaminhamento

é primordial nas aulas de ciências e também na observação das práticas em

Educação Ambiental.

3. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS E DESENVOLVIMENTO DO

TRABALHO

Para o desenvolvimento deste projeto, utilizou-se a pesquisa de campo, com

abordagem quanti-qualitativa, de modo complementar, pois:

[...] essas categorias modificam-se, complementam-se e transformam-se uma na outra e vice-versa, quando aplicadas a um mesmo fenômeno. De fato as duas dimensões não se opõem, mas se inter-relacionam como duas fases do real num movimento cumulativo e transformador, de tal maneira que não podemos concebê-las uma sem a outra, nem uma separada da outra (SANTOS FILHO; GAMBOA, 2009, p. 105).

A coleta de dados foi realizada mediante a aplicação de questionários antes e

depois do desenvolvimento do projeto. Estes questionários (inicial e final) foram

aplicados aos 19 (dezenove) alunos do 6º ano que participaram do desenvolvimento

de todas as atividades. Os questionários apresentaram questões abertas e de

múltipla escolha, relacionadas com aspecto do solo, manejo e utilização de aditivos

químicos. Dessa forma, com base em Ludke e André (1986) ao longo do estudo é

possível ao pesquisador reexaminar o tema, permitindo ao investigador as

adaptações necessárias, modificar planos e selecionar outras estratégias, sem

limitar-se a roteiros rígidos ou a encaminhamentos prescritos. Por isso o questionário

configura-se uma técnica ou instrumento de pesquisa extremamente útil, que pode

permitir o aprofundamento da temática e de pontos levantados pelo investigador.

Também foi realizada a observação participante, durante o desenvolvimento

do trabalho. Conforme Valladares (2007) a observação participante supõe a

interação pesquisador/pesquisado. Então, as informações obtidas, as respostas que

foram dadas às suas indagações, se relacionaram, ao final das contas, com o seu

comportamento e com as relações que desenvolveu com o grupo estudado. Ao

participar desse grupo, o pesquisador se tornou também parte do contexto sob

observação. Foram analisados ainda materiais produzidos pelos alunos como:

anotações, esquematizações, cartazes, entre outros; os quais foram produzidos

durante aulas teóricas dialogadas em sala de aula e que também contribuíram para

o encaminhamento do trabalho.

Por fim, para o desenvolvimento da implantação dos canteiros foram

realizados os seguintes procedimentos: definiram-se os espaços a ser utilizados, a

preparação da terra, a adubação orgânica, a escolha do formato dos canteiros e em

seguida efetivou-se construção dos mesmos. Foi indicado semanalmente um grupo

de alunos para a manutenção da caixa de compostagem, a qual foi utilizada para

adubação da terra. Esse mesmo grupo semanal realizou o trabalho de proteção e

cuidado com a horta, evitando excesso de plantas e animais invasores, na medida

em que os canteiros foram construídos.

Essas atividades concluíram 32 horas aulas com os educandos, aulas teórico-

práticas que possibilitaram trabalhar os conhecimentos conceituais, processuais e

atitudinais dos alunos sobre o solo.

Para manter o anonimato dos sujeitos envolvidos, suas falas e/ou descrições

estão sinalizadas no texto pela letra A, sucedidas de números arábicos (A1, A2, etc.)

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

No desenvolvimento deste trabalho foi possível perceber que os

conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais que os alunos

demonstravam antes da efetivação da horta escolar orgânica foram mudando e/ou

se reconfigurando em novos conhecimentos, procedimentos e atitudes, a partir do

enfoque „solo‟.

Sendo assim, no início do trabalho observou-se que os alunos tinham poucos

conhecimentos conceituais sobre o solo, pois confundiam esse conteúdo com outros

conteúdos estruturantes com aspectos similares (estudo das rochas, aspectos da

geografia e informações sobre curiosidades lidas geralmente em textos de

divulgação científica). Essa verificação aconteceu durante os questionamentos

realizados antes da introdução do conteúdo em sala, bem como respostas

explicativas e opinativas, legendas de desenhos e resumos colhidos durante as

atividades, como pode ser observado nas descrições abaixo:

Solo é terra, é pedra, é onde vivemos. (A1) Solo é a natureza, mas tem que ser preservada. (A2) Horta usa solo, é um lugar para plantar verduras e outras plantas e não deve ser contaminada. (A3)

É evidente que esse conhecimento precisa ser trabalhado, de forma que o

aluno saia do senso comum e construa novos conhecimentos. Isso também se

evidenciou nas descrições dos educandos, nas quais revelaram não terem

conhecimento adequado em relação a como plantar, quais componentes o solo

necessita para ser produtivo, como demonstram os próximos depoimentos:

Para plantar a planta no chão, tem que tirar do pratinho ou do saquinho e fazer um buraco e daí é só cuidar. (A4) Planta precisa só de sol e água. (A5) O solo é terra e parece tudo igual. (A6)

A fragilidade no conhecimento de Educação Ambiental e uso dos agrotóxicos

também se confirmaram, pois os educandos foram superficiais em suas descrições,

como pode ser visto abaixo:

Não podemos usar agrotóxico, é veneno. (A7) Agressão ambiental é plástico no chão, madeira e outras coisas. (A8) Para o mundo melhorar, tem que preservar a natureza. Um solo bom não tem química. Tem só coisas saudáveis. (A9)

Nestas descrições é perceptível que os eles remetem agrotóxico a veneno,

mas não há uma relação maior entre benefícios e malefícios, por exemplo. Também

não conseguiam elencar, sistematicamente, como acontece a construção de uma

horta orgânica. Demonstraram que sabiam que há a possiblidade de solos

orgânicos, mas que não tinham conhecimentos conceituais para descrevê-los.

É nesse ponto que a educação transforma o indivíduo, tirando-o do senso

comum e proporcionando-lhe sistematização de fatos, categorias e ideias que

possibilitem assimilar conceitos. “Conceitos são representados por palavras que têm

um significado específico e, quando ouvidos, produzem uma imagem mental”

(CAMPOS; NIGRO, 1999, p.45). Então, é necessário trabalhar de forma a

aprofundar, teorizar conceitos práticos que os alunos demonstram. Esse é o papel

da escola, que ele não só saiba que o solo é o “chão”, mas que também tenha, em

sua imagem mental, do que o solo é constituído, que tipos de alimentos pode

produzir, bem como seu impacto na agricultura e nas organizações econômicas e

políticas.

Seguindo esse raciocínio, enquanto conhecimento procedimental percebeu-se

que os alunos não sabiam como manusear corretamente o solo para o plantio da

horta. Não conheciam a prática de construção de canteiros. Também não sabiam

como evitar os agrotóxicos ou que alternativas sustentáveis poderiam suprir essas.

Tinham vagas informações que remetiam a isso advinda, principalmente de

programas televisivos e informações dispersas. Além disso, os educandos não

conheciam quais as etapas para construir uma horta e qual a sequência correta de

manejo desse solo. Tais afirmações foram extraídas da observação participativa,

durante os momentos em que a turma foi deixada livre para tomar a iniciativa em

relação à construção dos canteiros e também quanto ao que fazer para não utilizar

agrotóxicos.

Quanto aos conhecimentos atitudinais, quando indagados sobre a relação

solo, horta e Educação Ambiental, observou-se que há uma contradição entre o que

se faz e o que se acredita, enquanto postura. Tomando como base um dos

questionários iniciais, observou-se que os alunos se diziam preservadores do meio

ambiente, mas se contradiziam em suas ações reais para preservá-lo, pois não

apresentaram procedimentos para a real preservação em questões posteriores. O

quadro (1), logo abaixo, apresenta estes dados:

Aspectos enfocados Resposta afirmativa

Resposta negativa

Você preserva o meio ambiente 100% 0%

Tem horta em casa 77% 23%

Pratica a reciclagem 69% 31%

Há necessidade de melhorar o trabalho ambiental em nossa própria casa

69% 31%

No caminho da escola, você percebe a degradação ambiental

62% 38%

É possível afirmar que a natureza de nosso entorno sofreu drásticas modificações ambientais

39% 61%

Quadro 1: Como os educandos se percebem em relação ao meio ambiente. Fonte: Dados da intervenção pedagógica – PDE

As contradições no pensamento do educando estão no fato de eles não

percebem que a degradação ambiental que veem está modificando o ambiente. Se

consideram preservadores do meio ambiente e por isso mesmo acreditam que o seu

entorno não sofreu alterações. Isso revela também que por serem alunos com uma

média de idade entre 10 e 12 anos, podem ter vivenciado apenas mudanças sutis no

seu entorno, não fazendo relação com algo maior, referente ao passar do tempo, ou

seja, ainda não refletem quanto a um passado, uma historicidade no meio ambiente.

Esse conhecimento atitudinal precisa ser superado, porque esses alunos necessitam

ter sensibilidade às consequências. E isso deve ser trabalhado como processo

educativo.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, desde

cedo é indispensável que a escola proporcione que:

[...] as crianças tenham contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo, sejam instigadas por questões significativas para observá-los e explicá-los e tenham acesso a modos variados de compreendê-los e representá-los.(BRASIL, 1998, p. 166).

A citação aponta para a Educação Infantil, mas isso não deve ser esquecido

no Ensino Fundamental. Nesse sentido, trabalhar com a horta pode além de

desenvolver os diferentes conteúdos no processo, colocar o aluno é diretamente

como um elemento do sistema natural. Ele pode, mediante a construção da horta,

plantar e acompanhar sua ação, produzir seu próprio alimento e refletir sobre essas

práticas.

Isso foi perceptível no desenvolvimento do projeto, pois foi possível perceber

que após a execução deste os educandos construíram conhecimentos sistemáticos

sobre o que é solo, o que são agrotóxicos e o que é orgânico (conhecimentos

conceituais). A relação desses conceitos na prática da horta possibilitou que os

alunos entendessem o processo da natureza, como os diferentes elementos se

combinam em harmonia para permanecerem vivos. Assim, os alunos adquiriram

conhecimentos conceituais de cadeia alimentar (por meio do controle biológico de

pragas), de tipos de solos (durante o plantio observaram como determinadas

sementes reagem ou não a determinados solos), como pode ser observado nas

descrições abaixo:

Solo é a camada da superfície terrestre onde nascem e crescem diversas plantas, onde vivem pessoas e animais. (A10) Tem solo arenoso, argiloso, com calcário e humoso. (A11) Solo sem minerais precisa de correção e solo seco de irrigação. (A12) Solo se corrige com calcário e adubo orgânico para fazer a horta. (A13) Corrigir o solo de maneira orgânica é remexer a terra com enxadão, misturando o produto da composteira, “lisar” a terra e não usar produto químico. Só arrancar o mato com a mão. (A14)

Essa diferença de conceituação, o que se sabia e antes e o que se elaborou

durante o processo, é o que se espera que o educando seja capaz de atingir, na

medida em que trabalha, através do ensino, com processos de investigação da

natureza (CAMPOS; NIGRO, 1999).

Observando a conceituação que os alunos foram elaborando sobre o solo,

também foi possível detectar que os mesmos, ao final do projeto, já conseguiam

descrever com precisão como preparar a terra e como evitar os agrotóxicos

(conhecimento procedimental). A relação desses conceitos na prática da horta

possibilitou que os alunos entendessem, então, o ciclo e os processos da natureza,

contextualizados com a Educação Ambiental, como pode ser observado nas

seguintes falas dos educandos:

Rotação de cultura é plantar cada vez uma coisa diferente. (A15) As plantas são sensíveis como nós, têm que ser cuidadas desde a época da semente até o florescer. (A16) Eu aprendi a fazer canteiros. Eu usei a própria natureza para controlar os insetos. (A17) E tem a compostagem. Nós podemos por uma camada de terra e de coisas como restos de folhas, lixo, menos plástico e vidro. (A18)

Ao pensar nesse processo, no aprender a fazer, o professor lida diretamente

com a técnica, que aqui advém do próprio contexto ambiental. “A força da natureza

sensibilizava cada uma das crianças de acordo com sua personalidade, sua

percepção de mundo e sua curiosidade” (SAMPAIO, 2007, p. 16). É por isso que

falar da Educação Ambiental precisa ser algo fácil, concreto e dinâmico, sem, no

entanto ser ou parecer simplista.

Por fim, na observação da caminhada da turma, enquanto conhecimento

atitudinal houve a mudança de postura dos alunos, pois o questionário aplicado pós-

trabalho demonstrou que, com a implantação da horta orgânica, os alunos passaram

a pensar na importância do solo, no uso dos adubos e da compostagem e,

sobretudo sobre a necessidade de comer alimentos sem agrotóxicos, uma vez que

também participaram da etapa final, ou seja, puderam ver o fim de um ciclo se

alimentando das hortaliças produzidas por eles mesmos. Os conhecimentos

referentes a isso estão sistematizados no gráfico (1) a seguir:

Gráfico 1 : O que os educandos apontaram que aprenderam com a construção dos canteiros Fonte: Dados da intervenção pedagógica – PDE

Pelo gráfico acima, é evidente que a eliminação dos agrotóxicos da

alimentação foi a mais perceptível (39%), destacada inclusive em outros momentos

da prática pedagógica, como nos debates realizados em sala, nos quais afirmaram

que participar da construção da horta escolar orgânica foi fundamental para ensinar-

lhes a comer sem agrotóxicos e que atualmente, alimentam-se de mais verduras e

hortaliças por terem vivenciado essa prática durante o projeto. Também vale

destacar no gráfico outro item bastante apontado, que foi pensar nos adubos e na

compostagem (31%). Algo que ficou bem claro para eles, pois construíram a

composteira e viram que o preparo é fácil, requer apenas atitude. Os outros dois

itens apontados por quantidade igual de alunos (15%) dizem respeito a cuidar do

solo e a importância dos canteiros, itens que remetem a mesma questão que está

diretamente ligada às outras, pois se cuidar do solo, os canteiros serão bem

construídos, sem agrotóxicos.

Outra importante observação foi que todos os alunos afirmaram que a horta

escolar construída nesse estudo deve continuar, como exemplo de prática de

educação ambiental, por demonstrar que é possível e deve-se buscar a

sustentabilidade. Parafraseando Dias (2003), a educação ambiental deve

desenvolver o conhecimento, a compreensão, as habilidades e a motivação do

homem para adquirir valores, mentalidades e atitudes necessárias para lidar com

questões e problemas ambientais e encontrar soluções sustentáveis.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste trabalho com ênfase no solo para a construção da horta

escolar demonstrou que as aulas precisam seguir outra lógica para além da já

conhecida aula expositiva. Também seguindo os pressupostos de Campos e Nigro

(1999) evidenciou que os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais

precisam ser contemplados no processo educativo. Isso implica trabalhar com

propostas baseadas na investigação científica, na observação participativa

sistemática e no questionamento constante sobre os fenômenos do mundo natural.

Dessa forma, percebe-se que os encaminhamentos pedagógicos das aulas

precisam ser revistos, pois quando se enfatiza apenas os conhecimentos

conceituais, estes isolados perdem sentido, culminando em aulas e avaliações

baseadas apenas na memorização de dados.

Na análise das atividades realizadas com os alunos, foi possível perceber

várias possibilidades de trabalho teórico juntamente com realização de atividades

práticas e a interação entre os participantes. Nesse sentido, percebe-se que o

trabalho com a horta promoveu aprendizagem de conhecimento conceitual (por ex.

tipos de solo/compostagem/micro-organismos), procedimental (por ex. construção e

manutenção da composteira e canteiros) e atitudinal (por ex. sensibilização sobre o

lixo gerado/ingestão de alimentos mais saudáveis/trabalho cooperativo).

Portanto, o desenvolvimento desse estudo demonstrou que é possível ensinar

diferente, sinalizando que a didática para a aula de ciências deve priorizar a

curiosidade, a interação entre os alunos e a reflexão sobre a aplicação prática dos

conteúdos. Só assim se chega a novas posturas cidadãs.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9795. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional

de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília: 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14 set. 2013. _____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1998. 138p.

_____. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Ministério da

Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 3 v. CAMPOS, M. C. da C.; NIGRO R. G. Didática de Ciências: o ensino –

aprendizagem como investigação. São Paulo: FTD, 1999. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 8. ed. São Paulo: Gaia, 2003. KAUFMAN, S; SERAFINI, C. A Horta: Um Sistema Ecológico. In: WEISSMANN. H. Didática das ciências Naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 153 – 173. LACREU, L. I. Ecologia, ecologismo e abordagem ecológica no Ensino das Ciências Natuiaris: Variações sobre um tema. In: WEISSMANN.H. Didática das ciências Naturais: contribuições e reflexões. Porto Alegre: ArtMed, 1998. p. 127-151.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.

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