totalidade e emancipação na teoria social crítica de theodor w adorno_andreaazevedo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Totalidade e emancipação na teoria social crítica de Theodor W. Adorno Andrea Bárbara Lopes de Azevedo Orientador: Rúrion Soares Melo Guarulhos Outubro de 2012

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Page 1: Totalidade e Emancipação na teoria social crítica de Theodor W Adorno_AndreaAzevedo

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Totalidade e emancipação na teoria social crítica de Theodor

W. Adorno

Andrea Bárbara Lopes de Azevedo

Orientador: Rúrion Soares Melo

Guarulhos

Outubro de 2012

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Sumário

I. Resumo ........................................................................................................................ 2

II. Justificativa .................................................................................................................. 3

III. Objetivos .................................................................................................................... 14

IV. Métodos ...................................................................................................................... 14

V. Referências Bibliográficas ......................................................................................... 16

I. Resumo

Produzida no exílio por Max Horkheimer e Theodor W. Adorno, os principais pensadores

da chamada primeira geração da teoria crítica, a Dialética do Esclarecimento apresentava

diagnóstico da sociedade capitalista do século XX como completamente administrada, em que

a racionalização da sociedade havia se expandido da esfera da produção para todas as esferas

da vida, constituindo o sistema capitalista como uma totalidade que impossibilitava quaisquer

resistências a seu domínio. Esse diagnóstico colocava em questionamento a orientação para a

emancipação que se daria na análise crítica da totalidade social pelo marxismo interdisciplinar

como propunha o projeto da teoria crítica da sociedade. Apesar disso, em escritos posteriores,

Adorno buscou realizar a continuidade da teoria crítica, direcionando-a para uma análise da

arte e da filosofia, em que, muitas vezes, nuances a sobre emancipação parecem surgir

articuladas com sua crítica à totalidade.

O interesse dessa pesquisa é entender como e em que medida o diagnóstico crítico à

totalidade social elaborado por Theodor W. Adorno vislumbra potenciais emancipatórios, e

assim, compreender como se articulam totalidade e emancipação em sua teoria social crítica.

Palavras-chaves: Theodor W. Adorno, emancipação, totalidade, teoria crítica da sociedade,

teoria social.

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II. Justificativa

Teoria crítica da sociedade e totalidade

Inicialmente dedicado a estudar a história do movimento proletário, o Instituto de

Pesquisas Sociais da Universidade de Frankfurt teve seus objetivos modificados com a posse

de Max Horkheimer como diretor em 1930. O filósofo estabeleceu um projeto audacioso,

reunindo pesquisadores de diversas áreas a fim de constituir a denominada teoria crítica da

sociedade, que, com base na teoria marxista, visava produzir uma análise social

interdisciplinar do capitalismo no século XX (Honneth, 1999; Nobre, 2008a, 2008b).

Tendo sua origem vinculada ao Instituto, a teoria crítica – muitas vezes apresentada como

Escola de Frankfurt1 – desenvolveu-se enquanto projeto teórico fora dele. Já no início dos

anos 1930, os pesquisadores coordenados por Horkheimer deixaram Frankfurt em virtude da

ascensão do nazismo na Alemanha (Jay, 2008). A existência da teoria crítica como plataforma

teórica esteve, desse modo, intrinsecamente relacionada com a história do século XX que

vivenciou o grupo2. O totalitarismo nazista e stalinista, bem como a ascensão da sociedade de

massas nos moldes americanos, foram analisados e, ao mesmo tempo, constitutivos do

desenvolvimento da teoria. O projeto teórico de uma teoria crítica da sociedade deve, desse

modo, ser compreendido em relação ao período histórico vivenciado por esses intelectuais e a

própria posição desse projeto face aos embates intelectuais e políticos desse século.

Em 1937, Horkheimer, em artigo intitulado “Teoria tradicional e teoria crítica”, lançou os

princípios do que viria a ser o projeto teórico crítico. Apoiando-se em Marx e Lukács,

Horkheimer propunha uma teoria que realizasse análise da sociedade e de sua racionalização

progressiva, porém, não se apartasse de vislumbrar a emancipação imanente nesse processo.

O projeto buscava diferenciar-se da ciência positivista e também construir um modelo teórico

alternativo ao colocado pelo marxismo oriental de uma ciência marxista do proletariado. A

1 Marcos Nobre (2004, 2008a) reitera o uso indevido do termo “Escola de Frankfurt” para se referir ao

núcleo de pesquisadores que constituiu a teoria crítica. Além de argumentar que o referido nome só foi vinculado

a esse pensamento teórico após 1950 no retorno do exílio desses pensadores à Frankfurt, argumenta ainda que a

utilização do termo “escola” que parece dar uma unicidade aos diversos pensamentos presente no “grupo”, a qual

há dificuldades de ser estabelecida. 2 Compreende-se a dificuldade de identificar quais autores estariam vinculados a este projeto teórico.

Autores como Assoun (1991), Honneth (1999), Jay (2008), Nobre (2004; 2008a) trabalharam sobre esse tema,

no qual essa pesquisa não irá se dedicar. Theodor W. Adorno, que pensamento e trajetória são centrais nesta

pesquisa, é reconhecido por todos os autores referidos como pertencente à primeira geração que compôs o grupo

da teoria crítca.

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teoria crítica se propunha, nesse sentido, a superação do distanciamento entre pesquisa

empírica e pensamento filosófico que predominava no pensamento pós-hegeliano, se

contrapondo ao que nomeou Horkheimer de teoria tradicional (Honneth, 1999; Jay, 1984). A

teoria tradicional, identificada no artigo com o positivismo e o pragmatismo, partiria do

constante manejo da natureza física em busca das identidades dos fenômenos para “enformá-

los” e classificá-los como conceitos, a fim de constituírem um sistema universal único, em

que todas as partes deviam se apresentar como “conectadas ininterruptamente e livres de

contradição” (Horkheimer, 1980, p. 118). Essa identidade entre as ciências da sociedade e

ciências naturais e matemáticas foi criticada por Horkheimer por tornar a elaboração teórica

somente possível pela acumulação de dados empíricos e por compreender as categorias como

puramente lógicas, afastadas do processo social real e a-históricas.

Influenciado por Georg Lukács e sua problematização da reificação da consciência de

classe3, Horkheimer questionava a aparência de universalidade e tentativa de neutralização da

teoria tradicional. Lukács, apoiando-se nos escritos da juventude de Marx e também em Max

Weber, concebe o progresso do modo de produção capitalista e a expansão da forma

mercadoria como responsáveis pelo processo de racionalização de todas as esferas da vida. A

racionalização baseada no cálculo e no planejamento racional dos resultados foi responsável

pela transformação das relações sociais em relações entre coisas, de modo que aparecem aos

indivíduos como “formas puras, verdadeiras e autênticas” encobrindo seu caráter concreto e

qualitativo (Lukács, 2012, p. 211). A expansão da racionalização produziu a reificação da

consciência; a forma mercadoria não apenas constituiu o mundo objetivo, mas também o

subjetivo, fixando-se na consciência como uma “segunda natureza”. Em virtude disso, os

indivíduos se considerariam seres autônomos e livres, quando, de fato, teriam um arbítrio

individual limitado, dado nas escolhas permitidas pelo cálculo racional das oportunidades,

que já seria estabelecido socialmente pelo sistema capitalista. Sua liberdade seria de “grau de

autonomia seria relativa” ou “de subserviência completa com que as ‘leis’ são aplicadas”

(Lukács, 2012, p. 219). A racionalização do mundo constitui-se, desse modo, como totalidade

social que aparenta unicidade e coesão. Essa aparência é, no entanto, ilusória e oculta as

contradições do processo social.

3 Presente no artigo “A reificação e a consciência do proletariado” do livro História e Consciência de

Classe, publicado em 1923. Esta obra, considerada pertencente ao período de juventude de Lukács, foi repudiada

pelo autor quando este filiou-se ao Partido Comunista. Apesar disso, a obra, juntamente com Marxismo e

filosofia de Karl Korsch, foi inspiração fundamental tanto aos estudiosos da teoria crítica, como ao que

comumente foi chamado de marxismo ocidental (Jay, 2008; Musse, 1998).

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O mesmo processo de reificação foi apontado por Hokheimer como presente na teoria

tradicional: além de assumir o cálculo como método lógico da ciência, a representação

científica não era pensada como parte da divisão do trabalho, mas apresentada como livre,

como autônoma, e seus resultados eram tomados como universais. Esse aparente fazer

científico seria ilusório e esconderia sua essência, que revelaria o entrelaçamento da teoria

tradicional na sociedade burguesa e seu condicionamento histórico. A teoria crítica, em

contraposição, não tentava se constituir como neutra ou universal, mas sim afirmaria que sua

teoria viria da parcialidade histórica tomada da práxis. O teórico crítico deveria entender o

mundo e a própria teoria como resultado inseparável do processo de vida social, não advindo

da autonomia do sujeito, mas de seu caráter histórico-social.

Partindo do sentido de crítica da dialética da economia política (e não no sentido idealista

kantiano), a teoria crítica da sociedade não apenas se diferenciaria do pensamento que se

conceberia como autônomo e independente do mundo, mas também se apartaria do

determinismo que pressuporia sociedade como generalidade de indivíduos funcionais ao

mecanismo social. O pensamento crítico consideraria o indivíduo como sujeito determinado

em seus relacionamentos pelo todo social, assumindo a contradição da relação entre indivíduo

e sociedade (Horkheimer, 1980, p. 132). No entanto, não seria a mera análise dessa

contradição social na qual os indivíduos estão inseridos que estabeleceria a crítica, mas sim a

percepção de que essa sociedade teria um formato da qual teria que se emancipar e, portanto,

a análise assumiria um comportamento crítico que estaria orientado à emancipação, tendo por

meta “a transformação do todo [...] tal como ocorre dentro da ordem existente” (Horkheimer,

1980, p. 131).

Se Lukács percebia a racionalização como processo de constituição de uma totalidade

social, também apontava que era dessa totalidade que poderia vir o potencial transformador

do capitalismo. O proletariado seria o sujeito que vivenciaria a totalização do mundo em

mercadoria e, em virtude dessa posição específica, sua ação seria orientada para a

transformação dessa realidade (Lukács, 2012, p.352). Horkheimer, embora afirmasse que a

crítica e o potencial emancipador se dava intrinsecamente à ordem existente produzida pela

condição do trabalho humano e o proletariado seria a classe que produz, reproduz e vivencia

as misérias da dessa condição, o pensamento crítico orientado para a emancipação não viria

do proletariado. A teoria crítica não se restringiria a ser a “ciência” do proletariado; se o

fizesse, estaria apenas realizando o projeto científico tradicional de outra classe que não a

dominante e, não teria diferença estrutural em relação à teoria tradicional. Contrariamente a

uma visão de ciência proletária, o pensamento crítico teria a função de realizar a crítica a

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dominantes e dominados, concebendo a teoria como “momento da práxis que conduz[iria] a

novas formas sociais” (Horkheimer, 1980, p. 136).

A universalidade da mercadoria, que constituiu a totalidade social, era fruto do trabalho

operário, assim, a emancipação estava intrínseca a essa totalidade reificada que era, portanto,

falsa. Para Lukács, originado por essa totalidade, o proletariado seria único que poderia pela

práxis conduzir a busca da totalidade verdadeira que seria a emancipada. O proletariado

surgia aí como sujeito universal da história. Horkheimer, em contrapartida, aceitava a

totalidade social dada pelo trabalho como reificada e falsa tal como concebia Lukács, mas, no

projeto de teoria crítica, a orientação para emancipação não estava no proletariado como

sujeito emancipador, mas na totalidade verdadeira a ser buscada pelo projeto de marxismo

interdisciplinar que produziria análises críticas das várias dimensões da totalidade (Jay, 1984).

Para alcançar este objetivo, a teoria crítica não se contraporia a teoria tradicional; se

apoiaria em seus mecanismos, porém, indo para além dessa por orientar sua análise crítica

pelo interesse da supressão da dominação de classe. Esse interesse é apontado por

Horkheimer como “o conteúdo materialista do conceito idealista de razão” (Horkheimer,

1980, p. 154). A eliminação da dominação seria, desse modo, alcançada na realização do

projeto racional de uma visão crítico-materialsita que analisasse a totalidade social.

O projeto anunciado situava a teoria crítica da sociedade entre as ciências sociais e a

filosofia prática: para compreensão da totalidade, realizava pesquisas empíricas tal como a

sociologia positivista e preservava a dimensão normativa buscada pela filosofia prática

(Benhabib, 1986). Esse projeto progrediu e realizou diversas pesquisas nos anos de exílio dos

intelectuais do Instituto, porém, no apogeu da Segunda Guerra Mundial, exilados nos Estados

Unidos, Horkheimer e Theodor Wiesengrund Adorno, a partir do diagnóstico de Friedrich

Pollock sobre o desenvolvimento da relação entre Estado e capitalismo no nazismo e no

fascismo, realizam análise do desenvolvimento na razão no capitalismo nos Estados

totalitários, nazista e stalinista, e no Estado democrático. Essa análise constituiu os ensaios

que compuseram Dialética do Esclarecimento, que acabou por questionar o projeto de teoria

crítica como concebida na década de 1930 e modificou os trabalhos do Instituto.

Esclarecimento e totalidade social

O estudo de Pollock, “Capitalismo de Estado: Suas possibilidades e limitações”,

apresentava mudanças fundamentais do capitalismo privado para um novo tipo de

capitalismo, denominado de capitalismo de Estado. Embora o estudo partisse do exame do

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desenvolvimento econômico dos Estados totalitários, o teórico ressaltava que nada,

aparentemente, contradizia ser o mesmo diagnóstico pertinente aos modelos democráticos.

Enquanto no capitalismo privado as relações sociais eram mediadas pelo mercado, a

economia e o trabalho obedeciam às leis de mercado e os interesses que prevaleciam eram dos

pequenos grupos particulares e individuais; no capitalismo de Estado, o Estado se estabelecia

o grande mediador das relações sociais, o definidor da economia e do trabalho pela elaboração

de planos gerais e os interesses da coletividade enquanto interesses gerais permaneciam

superiores perante aos particulares. Nesse modelo, o Plano Geral seria a instância superior

que estabeleceria e coordenaria as funções nas quais o mercado havia sido deposto: controle,

coordenação e distribuição da produção e regulação do consumo (Pollock, 1982, p. 73).

Nesse tipo de capitalismo, novos métodos racionalizadores baseados em modelos

científicos se revelavam: estabelecimento do Plano Geral, planejamento constante da

economia pelo Estado definindo fins a partir de cálculo dos recursos disponíveis,

estabelecimento de políticas com ações e custos planejados e calculados, utilização de

políticas governamentais de gerenciamento por resultados, uso de métodos estatísticos e de

quantitativos para a definição da produção. No capitalismo de Estado, haveria o comando

governamental dos interesses coletivos e de todo processo econômico, o que resultava na

subordinação dos interesses individuais aos comuns e no controle dos indivíduos e constante

repressão de sua criatividade e liberdade (Pollock, 1982, p. 81).

O que o diagnóstico de Pollock revelava era a primazia da política sobre o econômico no

desenvolvimento capitalista que, ao contrário do que se esperava, não havia se convertido no

socialismo, o Estado emancipado, mas sim, havia consolidado formas totalitárias e

democráticas de capitalismo (Rugitsky, 2008, p. 67). Se na publicação de “Teoria tradicional

e teoria crítica” a perspectiva transformadora possível pela política era vislumbrada, o

capitalismo de Estado apontava que a racionalização havia levado a constituição de uma

totalidade sem contradições, em que o momento político transformador havia se perdido.

Influenciada pelo diagnóstico de Pollock e dedicada a ele, a Dialética do Esclarecimento,

escrita por Horkheimer e Adorno durante a II Guerra Mundial e publicada em 1947, visava

fazer um diagnóstico da razão na civilização ocidental para tentar compreender por que a

humanidade caminhava para a barbárie e não para um estágio emancipado (Horkheimer;

Adorno, 2006, p. 11). A obra demonstrava mudanças radicais no projeto da teoria crítica:

anunciava o fim das pesquisas interdisciplinares do Instituto e revelava o abandono da relação

entre teoria e práxis radical e ainda a descrença quanto às possibilidades de mudanças

significativas (Jay, 2008). Foram, desse modo, a abordagem metodológica interdisciplinar da

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teoria crítica e sua orientação para a emancipação, pontos fundamentais do projeto, colocados

em questionamento.

O que a Dialética revelou foi que a confiança na tendência do progresso histórico, isto é,

no progresso das forças produtivas, de superar a dominação social – que seria aspecto central

da análise marxista, cujo projeto de teoria crítica da década antecedente incluía – foi

declarado pelos autores como não realizado e não passível de realização. O progresso técnico

irrefreável na sociedade não havia eliminado a dominação, mas havia produzido formas de

dominação totalitárias. Se o projeto de esclarecimento intentava a superação do mito e a

condução dos indivíduos à autonomia, a progressiva dominação da natureza interna e externa

como “fim absoluto em si”, consequência do trabalho humano, havia convertido a própria

razão em mito (Horkheimer; Adorno, 2006, p. 38).

A relação entre dominação, trabalho e mito, para os pensadores, já se encontrava na

Odisseia de Homero no duodécimo canto, em que Ulisses resistia à sedução das sereias

atando-se ao mastro do navio, enquanto ordenava aos servos à continuidade do trabalho com

os ouvidos tampados para não ouvirem a canção sedutora. Assim, a constituição do “eu”

anunciava já nesse momento como vinda do domínio objetivo da natureza e da subjetividade,

possível de ser realizado pela divisão do trabalho. (Horkheimer; Adorno, 2006, p. 41).

A razão havia se tornado mitológica porque se constituiria como cálculo racional da

autopreservação, dando espaço para o estabelecimento dos regimes totalitários e progressivo

afastamento das perspectivas utópicas. A dominação não era externa, mas estava presente

“dentro do próprio pensamento” (Horkheimer; Adorno, 2006, p. 45).

Da mesma forma que Pollock analisou a coincidência entre as esferas da produção e do

Estado e, que Lukács diagnosticou a progressiva reificação das consciências pela expansão da

forma mercadoria no processo de racionalização, Horkheimer e Adorno esmiuçaram a

produção cultural no século XX, o que os levou a elaborar o conceito de indústria cultural. A

cultura havia passado a ser produzida segundo critérios gerenciais e racionais, demonstrando

intrinsecamente padrões repetitivos e mercadológicos. Não era mais a expressão da

individualidade ou da autonomia, mas expressão de padrões industriais, sendo ela própria

parte constituinte do processo produtivo, o que demonstrava – como Pollock já havia feito – a

justaposição das esferas. Nesse sentido, o proletariado não podia ser o sujeito da emancipação

– e nesse ponto, discordavam do diagnóstico de Lukács de 1923 – porque toda sua vivência,

inclusive o seu tempo livre, não era mais autônomo ou apartado do trabalho, mas sim

permeado pela lógica de produção do trabalho e, consequentemente, da troca e da mercadoria,

reiterando a análise de reificação das consciências dos proletários produzida por Lukács.

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A crítica que realizaram ao esclarecimento não era, apesar disso, antirracional. Como

anunciam no prefácio da obra, a concretização da liberdade “é inseparável do pensamento

esclarecedor” (Horkheimer; Adorno, 2006, p. 13). A razão, para os pensadores, havia sido

afastada de sua capacidade reflexiva, resultando no ofuscamento dos sujeitos. Disso resultava

a expansão do “pensar em bloco”, em que restaria aos indivíduos somente a escolha entre

totalidades, responsável por perda do pensamento reflexivo dos sujeitos, constituindo-os

como personalidades autoritárias, incapazes de pensar o outro, reduzindo o outro a um objeto

passível de dominação e, consequente, constituição de si próprio como ser reificado (Cohn,

1998).

A Dialética do Esclarecimento colocava em questão o princípio central do marxismo que

era a crença na emancipação da sociedade capitalista pelo trabalho, o qual o projeto da teoria

crítica formulado por Horkheimer aceitava afirmativamente. O trabalho, afirmava a Dialética,

produziu a crescente dominação da natureza pelos indivíduos, o que resultou na repressão e

dominação de si, o que, além de gerar supressão da capacidade criadora, produziu a constante

identidade dos sujeitos com o todo social da sociedade capitalista. A sociedade se constituiu

como totalidade, como mundo totalmente administrado. Se surgissem resistências a essa

totalidade, todas eram facilmente assimiláveis pelo sistema, destruindo qualquer capacidade

de não-identidade. Nesse sentido, se o trabalho não era potencialmente emancipador,

tampouco se perceberia de forma imanente possibilidade de emancipação em outra categoria

sob essa totalização da sociedade.

O entendimento da sociedade pelo marxismo como a relação entre base e estrutura4, sendo

a base, em que se localizariam as forças produtivas e relações de produção, determinante sob

a formação da superestrutura, resultou, muitas vezes, numa interpretação mecanicista dessa

relação. A teoria crítica, em seu projeto traçado por Horkheimer, compreendia tal relação a

partir da dialética, possível pelo entendimento da contradição entre essas esferas. Porém, o

que o estudo de Pollock sobre o capitalismo de Estado e a Dialética do Esclarecimento

4 Conforme Marx apresenta a existência é produzida pelos homens que entram em relações determinadas

apartadas de sua vontade. Essas relações são relações de produção que se veiculam às forças produtivas e “o

conjunto das relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva

uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência” (Marx,

1992, p. 82). Assim, enfatiza Marx que a superestrutura está determinada pelas condições da base material: “as

relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada

evolução geral do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de

existência” (Idem, p. 82).

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anunciaram, foi a justaposição entre base e superestrutura. O Estado, a razão, a ideologia, a

cultura, que eram concebidas como parte da superestrutura, estavam sendo diagnosticadas

como partes do sistema produtivo da sociedade e, assim, parte da base, parte estrutural do que

consistiria a todo social. Se o projeto de teoria crítica de 1930 percebia a contradição entre

indivíduo e sociedade, a análise crítica presente na Dialética revela a diluição dessa

contradição e, consequente, coincidência do indivíduo com o todo social e contínua

objetivação da subjetividade.

Além disso, o potencial de emancipação – presente no projeto da teoria crítica de 1930 –,

que se situava na crítica à totalidade da sociedade possível de ser articulada no marxismo

interdisciplinar como totalidade positiva, apresentava-se como obstruído na Dialética em

virtude da práxis se revelar como dominada. Mesmo o positivismo, que havia estado presente

nas pesquisas até aquele momento, havia sido ele mesmo destruidor da “última instância

intermediária entre a ação individual e a norma social” (Horkheimer; Adorno, 2006, p. 37).

Assim, as pesquisas empíricas e interdisciplinares não poderiam ser continuadas. O fim da

percepção de possibilidade imanente de emancipação tornava qualquer perspectiva de crítica à

totalidade social impraticável e, portanto, o próprio projeto de teoria crítica se anunciava

impossível de prosseguir5.

A totalidade, que era percebida por um caráter duplo desde Lukács como constituída pela

reificação progressiva como falsa e pelo potencial emancipador como verdadeira, estava

tendo seu caráter falso sendo diagnosticado como o único. Dada pela interpretação das

condições sociais reais do período, a totalidade se pronunciava como totalitária e, desse modo,

não apresentaria mais orientação para a emancipação.

5 As gerações seguintes buscaram prosseguir com o projeto a partir de análise dos déficits produzidos pelo

diagnóstico da Dialética do Esclarecimento. Destacam-se, nessa tentativa, a teoria crítica de Jürgen Habermas na

segunda geração e de Axel Honneth, na terceira. Habermas tentou superar o fim da normatividade para o qual a

teoria crítica de Horkheimer e Adorno conduziram, ao propor considerar a sociedade não apenas a partir da égide

da categoria trabalho, mas também da ação comunicativa. Se a categoria trabalho revelava somente uma

racionalidade ausente de reflexividade, a categoria do agir comunicativo revelava uma razão comunicativa

pautada no agir cotidiano e não no agir voltado para fins vinculado à economia (Habermas, 2012, p. 588-589).

Honneth, partindo do diagnóstico do déficit normativo e sociológico que afirmou que havia sucumbido a

primeira geração e dos impasses que a ação comunicativa de Habermas levou (Honneth, 1991), Honneth propõe

partir do conflito social para compreender a sociedade, não da dominação, e a luta por reconhecimento como

forma estrutural da relações sociais (Honneth, 2009).

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Theodor W. Adorno, crítica à totalidade e emancipação

Apesar das aporias que chegaram, os teóricos críticos continuaram a produzir teoria. As

obras posteriores, elaboradas após o retorno à Frankfurt em 1950, se mantinham em diálogo

com os diagnósticos da Dialética, embora mudanças se nuançassem. Horkheimer,

continuamente preocupado com os movimentos econômicos e políticos, passou a expressar

pessimismo extremado, influenciado por Schopenhauer, sobre o progresso da civilização e

nos movimentos que intentavam qualquer resistência (Jay, 2008). Adorno, no entanto, volta

sua produção teórica para a crítica estética que tinha afinidade.

Músico e filósofo, Adorno contribuiu para a revista do Instituto de Pesquisa Social, mas se

vinculou de fato a este no período de imigração para os EUA (Jay, 1988; 2008). Seus estudos

anteriores, ensaios críticos sobre cultura e música e também sobre a filosofia da existência,

apresentavam sua proximidade com temas que eram e foram centrais à teoria crítica.

Tendo conhecido Horkheimer quando ambos eram estudantes, Adorno dividia com ele a

mesma preocupação com a Lebensphilosophie, realizando a crítica materialista dessa filosofia

que, ao enfatizar a subjetividade e a interioridade, minimizava a ação histórica, estabelecendo

uma teoria da identidade. A conclusão de sua habilitação em Filosofia intitulada

Kieerkegaard – A construção do estético, defendida em 1931, continha elementos da

concepção materialista-histórica que adotaria, além de revelar influência do marxismo de

Walter Benjamin (Jay, 2008). Em seu texto “O fetichismo na música e a regressão na

audição” de 1938, Adorno faz a crítica do caráter mercadológico que a cultura adquiriu,

assumindo a própria música, no caso a música ligeira, o caráter fetichista em que o valor de

troca aparece ilusoriamente como valor de uso (Adorno, 1996). Apesar dessas proximidades

com as análises materialistas, muitos comentadores da obra de Adorno ressaltam que o

filósofo pareceu nunca ter, de fato, aderido a certos pressupostos marxistas, como a ênfase no

trabalho e no proletariado ou o proletariado como condutor da emancipação (Buck-Morss,

1981; Jay, 1988).

Seu ensaio sobre a regressão da audição já anunciava a totalização da sociedade pela

coletivização constante, que liquidava a individualidade prosseguindo para um momento sem

retorno, diagnóstico que seria aprofundado na Dialética do Esclarecimento (Adorno, 1996, p.

108). Produzida com Horkheimer nos Estados Unidos, a Dialética declara o abandono da

antiga esperança do projeto interdisciplinar de buscar pela compreensão da totalidade os

potenciais emancipatórios, ao afirmar o que a barbárie da dominação total havia se instalado

na sociedade capitalista, tanto nas totalitárias quanto nas democráticas. O pensamento

reificado, identificado com o todo social, não tinha diferenças estruturais na Alemanha, na

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Rússia ou na América. Nas primeiras era conduzido pelos partidos, na última, pela indústria

cultural. A sociedade ocidental havia se constituído numa totalidade, em que todas as partes

estavam unidas e identificadas com o todo, formando o domínio social total, sem

possibilidade de contradição, excluindo qualquer negação do sistema. Cada indivíduo havia se

tornado o “ser genérico”, “o puro nada” abandonado à coletividade (Horkheimer; Adorno,

2006, p.120). Confirmou-se na Dialética o que antes era potencial, o indivíduo havia sido

eliminado (Horkheimer, Adorno, 2006, p. 127).

Horkheimer e Adorno, nos anos 1930, tinham preocupações aproximadas com a filosofia

da existência que exagerava na concepção de subjetividade, porém, após as experiências

totalitárias, ambos passaram a criticar o que aparentava maior risco à sociedade, que seria a

supressão da individualidade pela totalidade falsa. Apesar dessas semelhanças, haviam

distinções na produção teórica entre os dois em ambos os períodos. Antes da Dialética,

Horkheimer defendia que uma sociedade melhor poderia advir vir da revolução e a totalidade

também como positiva no que dizia respeito ao projeto interdisciplinar da teoria crítica; após,

seu diagnóstico é do desaparecimento do indivíduo e da constituição do mundo totalmente

administrado, da unicidade da totalidade falsa sobre a sociedade (Matos, 1990). Adorno, no

entanto, parece jamais mencionar a revolução como possibilidade mesmo na década de 1930

e, embora participasse das pesquisas do Instituto, seus textos nunca parecem defender a ideia

de totalidade como positiva; posteriormente a Dialética, o diagnóstico de Adorno é

semelhante ao de Horkheimer sobre o mundo administrado, mas parece se mover em

constante crítica a essa totalidade e, assim, esforçar-se para constituir uma teoria que fosse

práxis no sentido de evitar que Auschwitz se sucedesse novamente (Gagnebin, 2009). Parece,

desse modo, que as obras de Adorno posteriores a 1950 levantam alguns indícios de

possibilidades emancipatórias a partir da crítica à totalidade.

Em seus ensaios sobre sociologia das décadas de 1950 e 1960, Adorno analisa a sociedade

como funcional, em que os indivíduos “se encontram cada vez mais identificados, como

triunfo da integração, até em suas mais íntimas formas de comportamento com o que lhes

ocorre” (Adorno, 2004, p. 17, tradução própria). No entanto, o filósofo ressalta que a

sociedade não deveria ser vista como “petrificada” e que não se deveria “eternizar a vida

falsa” (Adorno, 2004, p. 18, tradução própria). Se “o todo é o não-verdadeiro”, seria preciso

criticar essa totalização e ressaltar, pelo que é fragmentário, o que resta nesse de negação à

integração (Adorno, 2008, p. 46). Adorno aborda, a partir desse período, possíveis

contraposições a essa integração social, enfatizadas na arte e na dialética negativa.

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Adorno parece se voltar ao estudos críticos da estética no período pós-Dialética, por

vislumbrar nas obras de arte, principalmente, na arte moderna, possibilidades utópicas (Jay,

1988; Paddison, 2004). Em sua última obra, Teoria Estética, Adorno enfatiza que a arte

moderna, pela sua negatividade absoluta, expressaria a utopia pela “recusa intransigente da

aparência de reconciliação” (Adorno, 1982, p. 46). Teria a estética o potencial em si de conter

o não-idêntico, rejeitando a identificação com a “experiência externa coisificante” (Adorno,

1982, p. 15). Na arte, a objetividade se daria pela conservação da experiência humana

individual, que preservaria a coesão pela esperança e desilusão (Adorno, 2003, p. 23).

Além disso, seus ensaios do mesmo período apresentam reformulação das concepções

defendidas na tese da indústria cultural presente na Dialética do Esclarecimento. Esses

ensaios parecem apontar a “descontinuidade entre a intenção com que o produto é concebido

e seu efeito sobre a consciência dos espectadores” (Gatti, 2008, p. 91). No ensaio “Tempo

livre”, por exemplo, Adorno apresenta que apesar do grande o índice de espectadores do

casamento da princesa da Holanda, que havia sido televisionado, alguns estudos

demonstraram que poucas pessoas atribuíram importância ao fato, parecendo indicar que as

pessoas consumiam o que a indústria cultural lhe oferecia, no entanto, “com um tipo de

reserva”. Adorno, surpreso com os dados, declara que seria evidente que “ainda não se

alcançou inteiramente a integração da consciência e do tempo livre. Os interesses reais do

indivíduo ainda são suficientemente fortes para, dentro de certos limites, resistir à apreensão”

(Adorno, 1995, p. 81).

Na Dialética Negativa, o filósofo se propõe a realizar crítica à dialética hegeliana que,

apesar de pretender-se negativa, sua negatividade se colocava como afirmação, como

reconciliação e rejeitava o não-idêntico (Repa, 2011). Ao fundamentar-se sobre o princípio da

identidade, a dialética hegeliana – que era base das teorias de Marx e Lukács – enfatizava à

integração com a totalidade social (Nobre, 1998; Repa, 2011). Adorno buscava sair dessa

identidade pela dialética negativa, que recusava a reconciliação, tomando toda a realidade

como ilusão socialmente necessária e, portanto, não tendo qualquer função afirmativa,

restando a ela somente “expressar incessantemente a dor sufocada do indivíduo e da natureza

em cada célula do corpo social” (Repa, 2011, p. 282).

Ainda cabe ressaltar que, nos estudos desse período, Adorno faz crítica à sociologia

positivista como dominação e teoria da identidade, ressaltando, por vezes, que o papel da

sociologia deveria ser o de preservar a autenticidade da vida humana, sua integridade pela

negação à identificação (Adorno, 2008). Em sentido similar, no “Ensaio como forma”, o

filósofo enaltece a não-identidade da vida aos conceitos que o formato de ensaio auxiliaria a

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manter e apresenta o formato como possível de recusa à cientificidade, à totalização e à

verdade afirmativa pelo seu formato não-conclusivo (Adorno, 2003).

O que esta pesquisa pretende entender é como e em que medida a teoria social crítica de

Adorno concebe esses potenciais de emancipação e se, desse modo, desvincularia-se de um

diagnóstico pessimista e ausente de normatividade conforme costumam associar sua obra.

Além disso, cabe perguntar que, se há vislumbres sobre emancipação na produção teórica

posterior à Dialética, no que foi alterado no diagnóstico histórico-social de Adorno nos anos

posteriores ao período do totalitarismo que possibilitaram essa modificação. A fim de atingir

tais objetivos, a investigação intentará articular os conceitos de totalidade e emancipação

partindo do diagnóstico na Dialética do Esclarecimento, momento que é considerado

emblemático pela produção de aporias que levaram a impossibilidade de continuar a teoria

crítica da sociedade, para as obras posteriores do filósofo , considerando a relação da teoria

com o contexto histórico-cultural em que foram articulados.

III. Objetivos

O objetivo central dessa pesquisa é entender como e em que medida o diagnóstico crítico

à totalidade social elaborado por Theodor W. Adorno vislumbra potenciais emancipatórios a

fim de compreender como se articulam totalidade e emancipação em sua teoria social crítica.

Entendendo os conceitos de totalidade e emancipação como aspecto fundamental ao

problema central dessa pesquisa, a investigação pretende analisar o desenvolvimento desses

conceitos por toda a produção teórica de Adorno, e ainda seguir as influências teóricas

presentes na elaboração desses conceitos pelo pensador.

Constituem ainda objetivos específicos da pesquisa: a compreensão histórica e cultural da

construção da teoria social crítica de Adorno, a relação da teoria elaborada por Adorno e o

projeto de teoria crítica, a crítica à sociologia tradicional e a concepção de sociologia de

Adorno, a recepção e interpretação da obra de Adorno pelas gerações posteriores da teoria

crítica.

IV. Métodos

A leitura mais pertinente dos textos de Adorno deve privilegiar a relação entre

historicidade e teoria, que é própria da reformulação necessária do diagnóstico social que se

propõe a teoria crítica. A ênfase ensaística do pensador e sua preocupação com o estilo na

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composição textual também não podem ser ignoradas na compreensão de seu pensamento

(Gatti, 2008). A pesquisa, nesse sentido, buscará se orientar pela articulação entre

pensamento, história e linguagem para compreender e analisar a teoria social crítica elaborada

por Adorno.

Esse trabalho não se prenderá somente a uma análise interna, partindo dos textos,

conceitos e da análise da história que foi produzida na teoria, ou uma análise externa, partindo

da posição social e intelectual em que o pensador estava colocado, mas intentará apreender a

produção teórica de forma dialética entre ambas as posições. Assim, embora a análise

pretendida seja sobre os conceitos de totalidade e emancipação elaborados por Adorno, essa

realização não será apartada de uma análise social e cultural, investigando ideias e atividades

tanto manifestas quanto implícitas. Igualmente fundamental será conceber a pertença do

pensador, teórica e socialmente, ao conjunto de intelectuais que se denominaram portadores

do projeto da teoria crítica da sociedade, a chamada também Escola de Frankfurt,

considerando que o estabelecimento de qualquer grupo pressupõe a existência de “mundo

externo” e de ideias e ações partilhadas que constitui a sua distinção como grupo e, ainda

revela para fatores sociais e culturais mais amplos do estabelecimento dessa associação

(Williams, 2011).

Considerando a extensão da produção teórica de Adorno, a análise bibliográfica a ser

realizada nessa pesquisa enfatizará os textos produzidos pelo pensador após 1947, data de

publicação da Dialética do Esclarecimento, obra escrita em colaboração com Horkheimer que

é fundamental no tratamento do tema totalidade e emancipação, cerne dessa pesquisa. Serão

investigadas com rigor as obras Dialética do Esclarecimento e Minima Moralia, obras

publicadas no período de exílio de Adorno, bem como seus ensaios produzidos durante as

décadas de 1950 e 1960 no retorno à Alemanha, e ainda não serão negligenciadas as obras

Dialética Negativa e Teoria Estética consideradas obras de maturidade.

Os textos anteriores a Dialética do Esclarecimento serão abordados para examinar como a

crítica a totalidade e as possibilidades emancipatórias são trabalhados nesse período, mas

também com a finalidade de compreender o percurso teórico do autor a fim de resgatar o

sentido do conjunto de suas contribuições teóricas.

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