theodor adorno e a crítica à indústria cultural

296
8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 1/296 FRANCISCO RUDIGER THEODOR  ORNO E  CRÍTICA À INDÚSTRIA CULTURAL comunicação e teoria crítica da sociedade

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FRANCISCORUDIGER

THEODOR

 ORNOE 

CRÍTICA

ÀINDÚSTRIA

CULTURAL

comunicação

e teoria crítica

dasociedade

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N

stes

tempos

sombrios, marca

do s por análises fragmentadas

e

fragmentadoras,

em

que se

proclama

a

explosão das

velhas totalidades -

das

velhas

n a r r a t i v a s ,

para

se

usar o jargão

atual

-

e i s

um

ensaio

que

re t oma

a

b oa

tradição dialética

sem

concessões à

f l a c i d e z i n t e l e c t u a l vigente. E com um

traço

de

ousadia:

recupera

como

categoria de análise

a noção

de

i n d ú s t r i a c u l t u r a l .

Seguindo sugestão de

Habermas,

o autor

assume, com

plena

consciência

dos

r i s c o s ,

a

tarefa

de

reconstruir

as

proposições c r i t i c a s que se inscrevem

naquela categoria, ainda que

soterradas

s ob

o p e s o

de

leituras

p a r c i a i s equivocadas.

Com o propósito de retomar

o

sentido o r i g i n a l , c r i t i c o e d i a l é t i c o

do

conceito,

Francisco

Rúdiger

realiza

ampla e cuidadosa l e i t u r a da Teoria

C r i t i c a . O autor centra sua análise em

Adorno,

considerado fora

de moda,

apocalíptico e

nostálgico da a l t a

c u l t u r a

burguesa, segundo

os ideólogos do

neopopulismo

de mercado

e os

defensores

do

relativismo valorativo no

plano c u l t u r a l .

Questão essencial:

a indústria

cultural não s e

confunde com

as

empresas produtoras

e

nem com

as

técnicas

de difusão

dos

bens c u l t u r a i s ,

dizendo

respeito,

antes de tudo, à

extensão das

relações mercantis ao

conjunto da vida

s o c i a l , nas

condições

de

crescente

monopolização

do

c a p i t a l .

Hoje

se

vive o estágio

f i n a l

de um

processo

em

que, segundo Adorno,

o

mundo

i n t e i r o é

forçado a pas sar pelo

f i l t r o da máquina p u b l i c i t á r i a

que

se

t o r nou

a

indústria cultural,

desaparecendo

a di fe re nç a e nt re

cultura e vida p r á t i c a .

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TheodorAdorno

e

a

crítica

à

indústriacultural

Comunicaçãoe teoria crítica da sociedade

Th1 s One

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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler:

Dom Dadeus G r i n g s

R e i t o r :

N o r b e r t o

F r a n c i s c o

Rauch

V i c e - R e i t o r :

Joaquim C l o t e t

Conselho E d i t o r i a l :

Antoninho

Muza Naime

A n t o n i o Mário P a s c u a l

B i a n c h i

D é l c i a

E n r i c o n e

Helena Noronha Cury

Jayme P a v i a n i

J u s s a r a

Maria

Rosa

Mendes

L u i z A n t o n i o d e A s s i s B ra s il e S i l v a

M a r í l i a

Gerhardt

d e

O l i v e i r a

M í r i a n

O l i v e i r a

Urbano

Z i l l e s ( P r e s i d e n t e )

D i r e t o r

da

EDIPUCRS:

Antoninho Muza Naime

Page 7: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Francisco Riidiger

TheodorAdorno

ea

crítica

àindústriacultural

Comunicaçãoe

teoria

crítica

da

sociedade

Coleção

Comunicação

-

19

3 a

Edição

REVISTA E ATUALIZADA

P or t o Ale gr e , 2004

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©

EDIPUCRS,

2 a e d i ç ã o

2 0 0 2 ;

3 a

e d i ç ã o : 2004

Capa: Samir

Machado

d e

Machado

Preparação

d e

o r i g i n a i s :

E u r i c o

S a l d a n h a d e Lemos

E d i t o r a ç ã o

e

c o m p o s i ç ã o : S u l i a n i

E d i t o g r a f i a

R e v i s ã o d e

normas:

Anaí

Zubik

Camargo

d e

Souza

R e v i s ã o : do

a u t o r

I m p r e s s ã o e acabamento:

G r á f i c a

EPECE

Coleção

Comunicação

- v o l . 1 9

Coordenador

da c o l e ç ã o : F r an c i s c o Menezes

M a r t i n s

Dados I n t e r n a c i o n a i s

d e

C a t a l o g a ç ã o

n a

P u b l i c a ç ã o

( C I P )

R916t

R i i d i g e r ,

F r a n c i s c o

Theodor Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l : c o

municação e t e o r i a c r í t i c a d a

s o c i e d a d e

/ F r a n c i s c o R i i

d i g e r .

-

3 . e d .

r e v .

e a t u a l . - P o r t o

A l e g r e :

EDIPUCRS,

2 0 0 4 .

288 p . - ( C o l e ç ã o Comunicação

;

1 9 )

A p r i m e i r a e s e g u n d a e d i ç ã o foram p u b l i c a d a s com

o t í t u l o : Comunicação e t e o r i a c r í t i c a

d a s o c i e d a d e :

fundamentos d a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

e m

A d o r n o .

ISBN

8 5 - 7 4 3 0 - 4 8 0 - 8

1 .

Comunicação

d e

Massa -

A s p e c t o s C u l t u r a i s . 2 .

I n d ú s t r i a C u l t u r a l . 3 . A d o r n o .

Theodor

W.

-

C r í t i c a e

I n t e r p r e t a ç ã o . 4 . C u l t u r a e M í d i a . 5 . C u l t u r a e

S o c i o l o

g i a .

I . T í t u l o .

I I .

T í t u l o :

Comunicação e t e or i a c r í t i c a d a

s o c i e d a d e : f u n d a m e n t o s

d a

c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

e m A d o r n o . I I I . S é r i e .

CDD

3 0 1 . 1 6

3 0 1 . 2

F i c h a C a t a l o g r á f i c a e l a b o r a d a p e l o

S e t o r

d e

P r o c e s s a m e n t o T é c n i c o

d a BC-PUCRS

P r o i b i d a a

r e p r o d u ç ã o

t o t a l ou p a r c i a l d e s t a o b r a

sem a u t o r i z a ç ã o e x p r e s s a

d a

E d i t o r a .

EDIPUCRS

A v . I pi ra n ga ,

6681 - P r é d i o

33

Caixa P o s t a l 1429

90619-900 - P o r t o

A l e g r e - RS

B r a s i l

F o n e / f a x : (51)3320.3523

E - m a i l :

e d i p u c r s @ p u c r s . b r

www.pucrs. b r .

e d i p u c r s

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Sumário

Prefácio à

3

edição / 7

Apresentação / 9

1 Premissas da c r í t i c a

à indústria cultural

/ 19

1 . 1 Capitalismo e c u l t u r a

moderna

/

2 0

1 . 2 Fetichismo e fantasmagoria / 3 5

1 . 3 A sociedade

administrada / 4 4

2 El e m e n t o s originadores da

problemática

/ 6 3

2 . 1 Os i n t e l e c t u a i s e a c r i s e da cultura /

6 4

2.2 Benjamin, Kracauer e Bloch / 75

3 Perspectivas da concepção adorniana / 95

3 . 1

Réplicas à visão progressista

/

95

3.2

Cultura e barbárie

tecnológica

/

1 10

4 A

dialética

da

arte: utopia

e tragédia / 127

4 . 1 A

a r t e

na e r a

da

técnica

/ 1

3 0

4.2 Técnica, a r t e e entretenimento / 141

5 Cultura e ideologia:

o vé u

tecnológico / 16 5

5 . 1 Tecnicismo e r e i f i c a ç ã o / 166

5.2 Esquematismo e

mercantilização

/

18 6

6 Destinações do s u j e i t o : regressão e assujeitamento / 199

6 . 1 Resistência e assujeitamento / 2 0 0

6.2

A regressão

da consciência / 2 15

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7 Programa de pesquisa: premissas

e

discurso

do

método / 2 3 7

7 .

1 Linhas

g e r a i s

de investigação /

2 3 9

7. 2 Ciência s o c i a l c r í t i c a e

cultura

de mercado / 2 5 3

7 . 3

Limites

da

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

/

2 6 2

Conclusão

/

2 6 9

Referências / 2 8

1

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Prefácio

à

3a

edição

Comunicação e teoria crítica da sociedade aparecia nas edi

ções

anteriores

como

t í t u l o principal

desta

obra.

Convertendo

a

expr e s são

em

subtítulo

do

volume,

busca-se

agora

ajustar

s ua

chamada

e

conteúdo. Afinal, o texto assume plenamente, nesta

edição, a condição ambígua de não s e r , em essência, nem recons

tituição

histórica, nem relato crítico da reflexão

adorniana

so b r e

a

indústria cultural.

Baseando-se no s escritos dess e autor, o trabalho procede,

como

d i t o , ao

que se

poderia

chamar

de

reconstrução epistê-

mica

e

reflexiva

do

s e u

espólio.

Importante

no

texto é

a

pr e m i s sa

ou

hipótese de

que o

reordenamento

dessa reflexão

é

capaz

de

nos

fornecer uma

fundamentação historicamente esclarecida

e

potencialmente

produtiva com que, cr e mo s , po de - se

fazer avan

çar o pensamento no

campo

do s chamados

estudos de

mídia e

cultura.

Caberá

ao l e i t o r

julgar

o

m é r i to

dos

resultados obtidos,

consciente

de

que

não

se

t r a t a

aqui

de

uma simples

restauração,

ortodoxa ou não, do legado

dess e

pensador frankfurtiano. Para

nós,

a c r í t i c a

à indústria cultural

não

tem

por que

ser menos

dia-

lética do que

a

crítica

cultural

com que

podíamos

analisar as

obras de a r t e , quer isso

t enha

ou não sido admitido por Adorno.

A

fisiognomia

sociológica ou c r í t i c a social da cultura que

se encontra nes sa última linha de análise, a da c r í t i c a da cultura,

também se aplica, em princípio, ao campo da produção cultural

para as massas.

O

ent endimento

apriorístico das

operações

do

capitalismo em

relação às

atividades culturais não precisa

ser

visto como uma

fatalidade

para a

c r í t i c a

da indústria

cultural.

A

autonomia relativa da c r í t i c a social da cultura não

a

isola dessa

última c r í t i c a , porque - agora - é e s sa -

a

c r í t i c a à indústria

cul

t u r a l -

que ocupa

o

lugar em que

antes

atuava

a c r í t i c a cultural,

fosse reacionária ou progressista.

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8

F r a n c i s c o R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Destarte,

apresenta-se

a c r í t i c a à

indústria

cultural

aqui

em

conexão com

a reflexão

c r í t i c a sobre o

racionalismo moderno e

com

as

propostas

fundamentadoras

de

uma

ciência

social

c r í t i c a .

Deseja-se pensar que é válido vê-la como

uma

espécie de rein

terpretação pós-moderna

da

velha c r í t i c a

cultural

em chave de

teoria c r í t i c a da sociedade. Sobre isso tudo, pode-se consultar, de

r e s t o , no s s o trabalho Ciência social crítica e

pesquisa

em comu

nicação ( 2 0 0 2 ) .

Continuam inéditos, ainda hoje, v ár io s t ext os de

interesse

para a di scus s ã o

levada

a

cabo

nestas

páginas.

Sobretudo

o con

junto, h á mui t o em

vias

de publicação, intitulado Current ofmu-

s i c : el em ent s of a radio

theory

( Ado rno , 1 93 8 - 19 4 4, org. de Ro-

bert Hullot-Kentor).

Levando

isso

em conta,

pode-se

afirmar que tanto

a

c r í t i c a

à

indústria cultural quanto

a

ciência social c r í t i c a que ela funda

menta conservam um interesse que, passando pelas pesquisas

que

essas

disciplinas

podem

orientar,

incide também

no que diz

respeito ao

aprofundamento

historiográfico mas, também, re-

construtivo

de suas

proposições

filosóficas.

As

alterações

no texto feitas nesta edição limitam-se a

acrescentar

referências

bibliográficas, a corrigir erros

gramati

c a i s ,

a mover parágrafos e a melhorar

o

e s t i l o de certas passa

gens.

Francisco

Rudiger

3 0 / 0 6 / 2 0 0 4

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 presentação

Em

969,

Adorno fazia notar

que

  tive ram de se passar

t r i n t a

anos para que a teoria c r í t i c a da indústria cultural se afirmasse;

[ e ]

ainda

hoje

numerosas

instâncias

e

agências

tentam

sufocá-la,

por prejudicar os negócios .1

O panorama atual

não

só mudou pouco como re ve la a conso

lidação do recuo

em

relação

à aceitação dessa teoria

no

pensa

mento

publicístico

contemporâneo.

A reflexão c r í t i c a

perdeu t e r

reno diante do discurso entusiasta, quer em relação ao pr ogr e ss o

técnico,

quer

em

relação ao

bom

s en so das

massas.

A

própria

c r í t i c a

à

utopia

mergulhou

hoje

no

a r s e n a l

ideológico,

enquanto,

ao

mesmo tempo, o t r i u n f o da técnica serve para

ence

nar que

a u t o p i a ,

i r r e c o n c i l i á v e l com a s a t u a i s relações

de produ

ção,

j á

e s t a r i a realizada

e concretizada

no âmbito dessas

r e l a ç õ e s . 2

Chegada

a era pós-moderna -

vislumbrada

pelos

velhos

frankfurtianos, como se v ê pela nota acima, a c r í t i c a à indústria

da cultura parece t e r sido jogada às t raças pela maior parte dos

praticantes

dos

estudos

culturais

e

pesquisadores

da

comunica

ção.

Nas palavras de Lo wenthal, so b r evi vente do

grupo

original,

a relativização dos valores e o niilismo moral chegaram a t a l

ponto que seus formadores tornaram-se

  alvo

de manobras que

v i sa m a

colocá-los

na posição de completos reacionários, apenas

porque mantiveram firm e m e n t e a idéia de a r t e autónoma e

c r i t i

cam

a

cultura

de

massa. 3

1

ADORNO, T .

S e r i a i

s o c i o l o g i c i . T u r i m : E in au di , 1 9 7 6 , p . 2 8 7 . D o r a v a n t e , a c o l e t â -

n e a

s e r á c i t a d a n o c o r p o d o t e x t o , e n t r e p a r ê n t e s e s , como E s c r i t o s .

2

ADORNO,

T . S o c i o l o g i a

( O r g . d e

G . C o h n ) .

S ã o P a u l o :

Á t i c a , 1 9 8 6 , p . 6 9 .

D o r a v a n

t e ,

a

c o l e t â n e a s e r á

c i t a d a ,

n o c o r p o

d o t e x t o , como

S o c i o l o g i a .

3 LOWENTHAL, L . An

u n m a s t e r e d

p a s t . B e r k e le y ( C A ) : The

U n i v e r s i t y

o f

C a l i f o r n i a

P r e s s ,

1 9 8 7 ,

p .

2 5 3 .

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1

0 F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

A tendência agora é legitimar a cultura de massa e

saudar

o

advento

da sociedade de

comunicação. O recurso à

teoria c r í t i c a

s oa

como

um

anacronismo

ou

expediente

e l i t i s t a ,

carregado

de

esquematismo

e

visão e s t r e i t a ,

promovido por

modernistas

nos

tálgicos, saudosos da suposta cultura autêntica

gestada

nos p r i

mórdios da

era burguesa.

Acusada de

não

t e r

legitimidade

e provir

de um horizonte

fo

ra

de

moda, a

c r í t i c a

à

indústria cultural tornou-se

para

muitos

denuncismo rancoroso e espécie

de

discurso depressivo, metodo

logicamente de s p ro v ido do s

m e i o s

para

compreender

as

ben e s s e s

da técnica e as contradições

da

sociedade, a

cultura no

plural e as

m e di aç õe s n a co m un icaç ã o.

Adorno e Hor kh ei m er

raciocinaram

como s e a i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

de

massa i n s t a l a s s e

para todo o sempre uma coletividade

monolítica,

d e s t i t u í d a de raciocínio c r í t i c o e uniformizada pelos

mesmos

gos

t o s . Parecia

que haviam chegado ao fim de todas

a s

transformações

s o c i a i s .

Não levaram

em

consideração

o

constante devir

das

d i f e

renciações

i n t e r n a s da sociedade, em relação

à s

quais o progresso

tecnológico age

também

como um

f a t o r

de v a r i a ç õ e s . 4

Destarte, co ns ide ra- se h oj e que

  s eu tempo

passou. Ainda

que po ss uí s s e algo r ele vant e a dizer,

nós teríamos

m e i o s melho

res de fazê-lo. Persistir

com o

e nfo que da Escola de Frankfurt

significa [portanto]

ficar preso a

um enfoque que

é

ao

mesmo

tempo

estreito

e ultrapassado .5

A

perspectiva do presente ensaio é d i s t i n t a , insere-se em uma

direção contrária,

ao

propor-se a fazer

uma

revisão menos sumá

r i a e

mais

positiva,

em

comparação

com

as usuais,

da c r í t i c a

à

indústria cultural proposta pela referida escola. O principal m o ti

vo que no s i mpuls i ona

é romper

o

consenso esboçado acima;

não

po rque h á e s s e consenso, mas pelo fato

do

mesmo ser f a l s o ,

manter-se através de clichês

e

simplificações.

Parafraseando

Adorno,

revisar

as

proposições

originárias

da

c r í t i c a à indústria cultural significa aqui uma tentativa de fazer

4

PUTERMAN, P . I n d ú s t r i a

cultural : a g o n i a d e

um c o n c e i t o .

S ã o

P a u l o : P e r s p e c t i v a .

1 9 9 4 , p . 2 1 - 2 2 .

STRINATI, D . An i n t r o d u c t i o n t o t h e t h e o r i e s o f p o p u l a r c u l t u r e .

L o n d r e s :

R o u t l e d g e , 1 9 9 5 ,

p .

5 2 . C f . J i m C o l l i n s : Uncommon

c u l t u r e s

- p o p u l a r

c u l t u r e

and

p o s t m o d e r n i s m . L o n d r e s :

R o u t l e d g e ,

1 9 8 7 .

Page 15: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A p r e s e n t a ç ã o

1 1

ve r

ao

l e i t o r o que, segundo n o s s o juízo, subjaz à rejeição

de

suas teses ou, pelo menos um esforço no sentido de colocar à

disposição desse

outros

e l e m e n t o s

para

examinar

as

postulações

do filósofo e ,

assim, a

talvez

formar

um juízo menos

mecânico

sobre

a natureza e os problemas

dos quais

a

referida c r í t i c a se

ocupa

h á

mais de meio século.

Nos anos 1970, Umberto Eco difundiu entre

nós

uma distin

ç ão e nt re t eó ri co s

apocalípticos e

integrados

que, válida

como

resumo de uma trama urdida de

m ane i ra m ui t o

mais complexa,

todavia

t er m inou

se

tornando

um

código

de

contato

e

um

esque

ma

de realidade entre os pesquisadores da comun icaç ã o . Nela, os

pensadores

frankfurtianos foram

classificados como apocalípti

cos e a compreensão de s eu pensamento passou a

ser

dada como

encerrada com

a leitura rasteira

de um ou

dois

textos (geralmente

o  Resumo d ' a indústria cultural [Adorno] e

A

ideologia da s o

ciedade industrial [Marcuse]).

Os frankfurtianos várias v ez e s fiz e ram

afirmações

grosseiras

e

taxativas sobre o significado das

comunicações

na

sociedade,

como,

por

exemplo,

as de que   o entretenimento popular r e s pon

de em realidade

a

uma necessidade criada artificialmente pela

indústria

cultural, manipulada e

por

conseguinte

depravada por

ela ;

de que

  os produtos da cultura de

massa

carecem de todos

os traços

da

genuína

a r t e , limitando-se a reproduzir

a

realidade

através do us o de instrumentos tomados de e m pr é s t im o ; 7 ou, e n

fim,

de

que

o

si s t ema

da indústria cultural

como

um

t odo m as si

fica e  impede a formação de indivíduos autónomos e indepen

dentes, capazes de

julgar

e de

decidir

por s i mesmos .8

A colaboração

e incentivo

que

idéias

como essas

deram

ao

en t end i m en t o

mecanicista -

defendido

dentro

e

fora do meio i n

t e l e c t u a l , de que a mídia exerce um poder

direto

sobre o p en sa

mento e a

ação dos seres humanos não devem

ser

subestimados.

6 HORKHEIMER,

M.

T e o r i a c r i t i c a . B a r c e l o n a : B a r r a l . 1 9 7 4 , p . 1 3 4 .

7

LOWENTHAL, L . L i t e r a t u r e and

mass

c u l t u r e .

Ne w B r u n s w i c k ( N J ) :

T r a n s a c t i o n ,

1 9 8 4 ,

p .

7 .

8

ADORNO,

T .

T h e

C u l t u r e I n d u s t r y

  E d i t .

p o r J . B e r n s t e i n ) .

L o n d r e s :

R o u t l e d g e ,

1 9 9 1 ,

p . 9 2 .

D o r a v a n t e , a c o l e t â n e a

s e r á c i t a d a ,

n o c o r p o d o t e x t o ,

como I n d ú s t r i a .

S o b r e o p r o b l e m a d o

j a z z e m

A d o r n o , e p i c e n t r o d a s r é p l i c a s a o s s e u s

j u í z o s

s o b r e a

a r t e l e v e , e x i s t e

h á

a n o s a m p l a l i t e r a t u r a , c u j o s m o t i v o s n ã o t ê m p e r d i d o i n t e r e s s e e m

s e d i s c u t i r , a o q u e p a r e c e . C f . C h r i s t i a n B é t h u n e : Adorno e t l e j a z z . P a r i s :

K l i n c k s i e c k ,

2 0 0 3 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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12 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Entretanto, não

justificam

a

aceitação

acrítica

de que

o conjunto

de

s ua o b ra sobre a mat éria

baseia-se

em supersimplificações,

  especialmente

a

ênfase

na mane ira

como a

cultura

de

massa

manipula seus consumidores .9

O pensamento crítico não está

menos

imune à

reificação

do

que qualquer outra e xpre s s ã o da vida s o c i a l . No

correr

do s anos,

vários

juí zo s s eus

passaram a

fazer

parte da consciência coletiva

como ideologia. As c r í t i c a s à indústria cultural tornaram-se em

boa

parte

fórmulas ocas

para contestar um ou outro

emprego

das

comunicações.

As

proposições

condenatórias

do

fenómeno

que

elas ensejaram assim, embora portadoras de certa razão,10 s ão

tão

falsas

e irracionais quanto a miserável

louvação populista

da cul

tura

de massa: 1

1

os conceitos críticos só

o s ão

quando eles mes

mos não se absolutizam, levando em conta o que

realmente de

signam

e até

onde se estende s e u â m b i t o de validade.

A

recepção de s s e s conce i t os

por muitos

estudiosos

da

maté

r i a todavia também não escapa desse processo, na medida em

que, tomando a c r í t i c a à indústria cultural pelo valor de face, co s

tuma proceder, malgrado s ua própria vontade, a uma leitura line

a r , logocêntrica mesmo,

de

um conjunto de idéias que não s ó

re

mete a um contexto

teórico mais amplo

mas, seguindo o

impulso

dess e

pano de fundo, pede para ser lido

pelas

margens

e

com es

p í r i t o negativo.12

MODLESKI,

T .

  o r g . ) .

S t u d i e s

i n

e n t e r t a i n m e n t .

B l o o m i n g t o n

  I N ) :

I n d i a n a

U n i v .

P r e s s ,

1 9 8 6 ,

p . x .

1 0

A

c r e n ç a

v i g e n t e

h o j e d e

q u e nenhuma i d é i a v e i c u l a d a p e l a m í d i a c o i n c i d e

co m

a

c o n v i c ç ã o p r i v a d a d e quem f a l a , s e m p r e h á uma

s e g u n d a

i n t e n ç ã o o u

p r o p ó s i t o e s

c o n d i d o , b a s e i a - s e sem

d ú v i d a n o c o n h e c i m e n t o

-

a m p l a m e n t e

d i f u n d i d o - d o f a t o

d e

q u e

a s c o m u n i c a ç õ e s p a s s a m

p o r

um p r o c e s s o

d e

c o n c e n t r a ç ã o e

a s

e m p r e s a s

q u e a s

c o n t r o l a m

d e t ê m f o r m i d á v e l p o d e r

n a

s o c i e d a d e .

  Adorno c h e g o u a a fi rm ar d u ra n te s u a p o l ê m i c a co m o s e s t u d a n t e s n o f i n a l d o s a n o s

1 9 6 0 q u e o s c o n c e i t o s p o r e l e s e m p r e g a d o s , v i s t o o c u n h o p o p u l i s t a , d e v i a m m a i s à

i n d ú s t r i a

d a

c u l t u r a

d o

q u e

à

s u a

t e o r i a

c r í t i c a .1 2

C f . THEODOR ADORNO: D i a l é c t i c a n e g a t i v a [ 1 9 6 6 ] .

M a d r i :

T a u r u s , 1 9 7 5 .

Simon

J a r v i s : A d o r n o : a c r i t i c a l i n t r o d u c t i o n . Nova Y o r k : R o u t l e d g e , 1 9 9 8 .

F r a n c e s c a

A j e l -

l o : C o n o s c e n z a e i m m a g i n a z i o n e n e l p e n s i e r o d i T h e o d o r W . A d o r n o . Roma: C a r o c c i ,

2 0 0 1 .

M á r c i o

S e l i g m a n n - S i l v a :

A d o r n o . S ã o P a u l o : P u b l i f o l h a ,

2 0 0 3 . De

Bruno H e i n -

l e i n :

M a s s e n k u l t u r i n d e r K r i t i c h e n T h e o r i e ( E r l a n g e n : Palm   E n k e ,

1 9 8 5 )

a R o d r i

g o D u a r t e :

T e o r i a

c r í t i c a d a

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

( B e l o

H o r i z o n t e :

U F M G , 2 0 0 3 )

n ã o

f a l t a m e x e g e s e s q u e ,

e m b o r a c u id a do s a s, l i mi t am - s e a r e p e t i r

c a n t i l e n a monótona s o

b r e o s

p e r i g o s d a

i n d ú s t r i a c u l t u r a l p a r a a

s o c i e d a d e .

R e a v al ia ç ã o d e c o nj un t o

d o p e n

s am e n t o d o a u t o r e m r e l a ç ã o a o t e m a a q u i e s t u d a d o

t e m

s e u p o n t o d e

p a r t i d a

n o e n

s a i o

d e

A n d r e a s

H u y s s e n :

 Adorno

i n

r e v e r s e

I n :

A f t e r

t h e

g r e a t

d i v i d e

-

B l o o m i n g -

Page 17: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A p r e s e n t a ç ã o

13

Diante da

i m p r e s s ã o

duradoura que,

percebeu,

o

ensaio

sobre

a indústria

cultural estava causando em seus l e i t o r e s ,

Adorno e s

creveu

a

Horkheimer

dizendo

que

ambos

deviam

 pro videnciar

na

elaboração

de

uma

teoria social

realmente concisa

e

integra

dora de todo o complexo .13

Contudo,

o

trabalho

jamais

saiu

de

s ua

intenção,

em que pese o volume

de

material

inédito

reunido

pelo pensador, hoje ainda em processo de publicação

por

Suhr-

kamp

Verlag (Frankfurt).

Apesar

disso,

parece-nos injustificado o t rat ame nt o que

a

o b ra

disponível

sobre

a

matéria

tem

merecido

por

parte

dos

es

pecialistas

em

comunicação. O pretendido s i mpli s mo da c r í t i c a à

indústria

cultural se

transmitiu a seus adversários, responsáveis

pela criação de uma familiaridade enganosa

a respeito

da maté

r i a , a qual, a l i á s , nunca se deram o trabalho de analisar mais

a

fundo,

nem que fosse para demarcar s ua linha

de

investigação.

Os estereótipos que a

referida

c r í t i c a ajudou

a

nutrir não s ão

pio

res

dos que surgiram a s e u

respeito

e levaram o coro

de

seus

c r i

adores a caracterizar os frankfurtianos com proposições que estes

- paradoxalmente

- dirigiram a

seus adversários.

Segundo

e s s e s

autores,

os

pensadores do grupo, por exem

plo:

- defendem

a cult ura e rudi ta

com uma postura nostálgica

e

i d e a l i s t a , s ile nciando s obre a oposição manifestada pelo grupo

frankfurtiano

à

cantilena

dos

críticos culturais,

desconhecedore s

do fato de que  a e xaltaç ão da cultura em detrimento da cultura

de massa

e

do

consumo diligente dos b e ns

culturais

como prova

t o n

( I N ) ,

I n d i a n a

U n i v e r s i t y

P r e s s ,

1 9 8 6 ) .

C o n f i r a ,

s o b r e t u d o ,

D e b o r a h C o o k :

T h e

c u l t u r e i n d u s t r y r e v i s i t e d . Lanham ( M L ) :

Rowman   L i t t l e f i e l d . 1 9 9 6 . Wolfgang

R i

v e r o : Modernidad

y

i n d u s t r i a c u l t u r a l .

México [ D F ] :

P l a z a

y V a l d e z, 1 9 9 9 . B l a n c a

Munoz:

T h e o d o r

A d o r n o : t e o r i a

c r i t i c a

e c u l t u r a d e m a s u s . M a d r i : F u n d a m e n t o s ,

2 0 0 0 .

D i e t e r P r o k o p :

M i t Adorno g e g e n Adorno - N e g a t i v e

D i a l e t i k

d e r K u l t u r i n d u s -

t r i e . B e r l i m : VSA, 2 0 0 2 . R o b e r t W i t k i n : Adorno o n p o p u l a r c u l t u r e . L o n d r e s :

R o u t l e d g e ,

2 0 0 3 . H e i n z S t e i n e r t : C u l t u r e i n d u s t r y . C a m b r i d g e ( U K ) : P o l i t y P r e s s ,

2 0 0 3

( n e s s a o b r a e n c o n t r a m - s e i m p o r t a n t e s o b s e r v a ç õ e s m e t o d o l ó g i c a s , p . 3 9 - 6 0 ,

e s p .

3 9 - 4 6 ) .

 

WIGGERSHAUS, R o l f .

T h e

F r a n k f u r t S c h o o l . Cambridge (MA): MIT

P r e s s ,

1 9 9 5 .

p .

4 0 2 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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14

F r a n c i s c o

R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o e

a c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

de

uma vida psíquica elevada está inseparavelmente conectada à

decadência da civilização ;14

-

conceberam

uma

visão

monolítica

do

processo

cultural

na

sociedade moderna,

esquecendo que

os frankfurtianos alertaram

contra os pensadores

que,

ao   invés

de

antagonismos,

enxergam

nela alguma coisa

como

uma razão técnica

t o t a l

e intrinsecamen

t e não-contraditória ;15

-

enfim, rejeitam

totalmente a cultura de

massa, quando os

expo ent e s

da

teoria c r í t i c a chegaram a dizer

que

as expressões

dessa

cultura,

mal ou

bem,

ajudaram

a tornar

valores

como

liber

dade , b ele z a

e felicidade tão concretos e universais

que eles

se

prenderam

à vida de

todo

o ser humano e , assim, poderiam

até

mesmo

  levar

a novas fo rm as de individualização .16

Os pontos sugerem que o

enfoque

em t e l a é bem menos s i m

ples do

que parece

e que

para

dar conta dele

em

s ua inteireza é

preciso, antes de

mais

nada, retomar

os

textos em

s eu conjunto,

construir

uma

amostra

documental

mais

abrangente

e

s u b m e t e r

o

material

a

uma análise

menos preconcebida. A c r í t i c a à indústria

cultural não

se

e sg o ta na rigidez das proposições negativas por

que, no método dialético, a contradição é tão essencial quanto a

identidade para conhecer e interagir com a realidade.

O

conhecimento

da coisificação da sociedade não deveria c o i s i f i -

c a r - s e

t a n t o

que s e

torne impossível

pensar qualquer i d é i a que s a i a

do

âmbito

da

c o i s i f i c a ç ã o :

neste

caso

s e

c a i r i a

no pe ns am e nt o

me

c a n i c i s t a . 1 7

Adorno não surge nestas páginas como nome de santo, mas

s e n ha de

uma forma

de pensar o

chamado

campo

da

comunica-

1 4

HORKHEIMER,

M.

S t u d i d i

f i l o s o f i a d e l i a

s o c i e t à .

T u r i m : E i n a u d i ,

1 9 8 2 ,

p . 2 2 2 . P a

r a

A d o r n o , a s p r é d i c a s e m f a v o r d a

a r t e

e r a m

j á ,

c o n s i d e r a n d o a d a t a d e h o j e , r e a c i o -

n á r i a s h á

um

s é c u l o ( M ú s i c a e t éc ni c a h o y .

I n :

K o s t a A x e l o s

e t

a l . E l a r t e e n

l a

s o c i e -

dad

i n d u s t r i a l . B u e n o s A i r e s :

A lv ar e z , 1 9 7 3 , p .

1 4 9 ) .

1 5

ADORNO,

T .

P r i s m s

[ 1 9 5 5 ] .

C a m b r i d g e ( M A ) :

MIT

P r e s s .

1 9 6 9 , p . 1

1 4 . D o r a v a n t e ,

o

l i v r o s e r á c i t a d o ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o ,

como P r i s m a s .

1 0 MARCUSE, H . Some s o c i a l

i m p l i c a t i o n s

o f m o d e r n t e c h n o l o g y . I n : S t u d i e s i n

P h i l o s o p h y and

s o c i a l

s c i e n c e , v . 9

( 4 1 4 - 4 3 9 ) 1 9 4 1 ,

p . 4 3 6 - 4 3 8 .

1 7 ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n

a l a

s o c i o l o g i a [ 1 9 7 3 ] .

B a r ce l o n a: G e di sa , 1 9 9 6 ,

p . 1 9 9 .

 A

f i l o s o f i a s e m p r e

r e m e t e a t e n d ê n c i a s e

n ã o

c o n s i s t e e m

a f i r m a ç õ e s f a c t u a i s ,

e s

c r e v e o f i l ó s o f o e m M e t a p h y s i c s :

c o n c e p t s

and p r o b l e m s

( S t a n f o r d

[ C A ] : S t a n f o r d

U n i v e r s i t y

P r e s s ,

2 0 0 0 ,

p .

1

1 0 ) .

Page 19: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A p r e s e n t a ç ã o 15

ção. Como ele mesmo d i z i a , a filosofia c r í t i c a é t a l à revelia do s

que a reclamam. Também esses, muitas

vezes,

vêem-se forçados

a

fazer

coisas,

a

empreender

tarefas

e

a

t omar

decisões

  que

não

se conciliam com o conceito

de

filosofia que e u [por

exemplo]

represento nem com minha teoria [ c r í t i c a da sociedade] .18

A

sustentação

de uma

postura

c r í t i c a e o

reconhecimento

de

certas linhas de força não

negam,

antes supõem, a natureza con

t r a d i t ó r i a ,

ambígua e , em

princípio, abe rt a à mudança dos

fenó

menos

de

indústria c u l t u r a l .

A manipulação das massas

e

a pleni

tude mundial,

promovidas

por s eu intermédio, constituem ideo

logia, na

medida

em

que s ão

aparência

socialmente

necessária.

A

estabilidade das condições histór icas é algo sempre muito r e l a t i

vo, mas por

isso

mesmo  sempre há a

possibilidade

de

que

uma

catástrofe radical no curso de no s sa vida seja

evitada .19

Significa que os processos referidos não s ão ficções - exis

tem fora da cabeça das pessoas, mas ao mesmo tempo s ão f a l s o s ,

porque realmente não s ão criados

s ó

por esse agenciamento (o da

indústria c u l t u r a l ) .

As massas s ó se

encaixam nesse

processo

porque, mal

ou bem,

ele conta

com

s eu consentimento. A prática

da indústria

cultural não

tem

o

poder

que

lh e apregoam: em sín

t e s e ,

é

e s sa

a principal

mensagem

da c r í t i c a a

e s sa indústria f e i t a

pela

Escola

de

Frankfurt.

Segundo Habermas, um programa de

pesquisa teórico

pode

ser restaurado, retornando-se às proposições fundamentais

que

o

emprego

sistemático

por

parte

seus

seguidores

corroeu;

revivido,

fazendo-o

s a i r

da

poeira

do

t e m p o ,

que o v ot ou ao e s que ci me nt o;

ou reconstruído,  remontando a teoria de modo novo, a fim de

melhor atingir

a meta que

ela

própria

se

fixou .20

A

c r í t i c a

à

indústria

cultural precisa

passar

por

um

tratamen

t o em que

int ervenham esses t r ê s

expedientes, visto que, embora

1 8

ADORNO,

T . T e r m i n o l o g i a

f i l o s ó f i c a .

M a d r i :

T a u r u s ,

1 9 7 6 ,

tomo

1 ,

p .

1 4 6 - 1 4 7 .

C f .

S t e f a n

M i i I l e r - D o o h m : A d o r n o , u ne

b i o g r a p h i e .

P a r i s : G a l l i m a r d , 2 0 0 4 , p . 1 8 3 - 1 8 4

(com

n o t a s ) , s o br e o s f i a s c o s d o

a u t o r

n o s c a s o s d a p r o i b i ç ã o d o

j a z z p e l o s n a z i s t a s ,

d a

j u s t i f i c a t i v a

d a s u a

p o l í t i c a a u t o r i t á r i a d e r a d i o d i f u s ã o

e

d o

e l o g i o a o s

poemas f o l

c l ó r i c o s

d e B a l d u r Von S c h i r a c h . V e r a i n d a L o r e n z

J a g e r :

A d o r n o , a p o l i t i c a i b i o g r a -

p h y .

Ne w

Haven ( C O ) :

Y a l e

U n i v e r s i t y

P r e s s ,

2 0 0 4 .

  C a r t a

a Thomas

Mann, 1 3 / 0 4 / 1 9 5 2 . / / m e t o d o d e i m o n t a g g i o . M i l ã o : A r c h i n t o ,

2 0 0 3 .

p . 7 0 .

2 0 HABERMAS, J . P a r a a r e c o n s t r u ç ã o do m a t e r i a l i s m o h i s t ó r i c o . S ã o

P a u l o :

B r a s i l i

e n s e ,

1 9 8 3 ,

p .

1 1 .

Page 20: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 F r a n c i s c o R i i d i g e r

□ T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

po ssa progredir em diversos

aspectos,

suas idéias originais con

servam um potencial de estímulo à pesquisa e r e fle xã o bas tant e

c r í t i c o ,

rico

e

complexo

que,

segundo

no s

parece,

ainda

pode

ser

recuperado e explorado com proveito

pelo pensamento

publicís-

tico crítico con t e mpor ân e o .

Umberto Eco relata

conv ersa

com

Adorno

em que e s s e

con-

fidenciou-lhe que   se a Dialética do Esclarecimento não tivesse

sido escrita

no s

Estados Unidos

dos ano s

1940 [ . . . ] mas

na

Ale

manha do pós-guerra, e se s ua

análise

considerasse a televisão

nes s e

país,

seus

juízos

seriam

menos

pessimistas

e

radicais . 1

Como ele

mesmo

escreveu a Thomas Mann, a experiência mos-

trou-lhe  que nem

t udo h av ia caído

na

barbárie . Vários

fatos o

fizeram abandonar de vista  inclusive

a

tese da extinção da cul-

5 >

2 2

tura

 

Quaisquer que

s e jam

os

pronunciamentos pessoais

sobre

o

assunto, p o r é m , o

ponto a

notar

é

que proposições

teóricas

não

se

deixam

reduzir em

s ua v ali dade a

juízos pessoais.

Lembremos,

de r e s t o , que

os

frankfurtianos e scr e v e ram sobre

a

matéria com

a

convicção de

que

nenhuma

circunstância externa tornaria suas

concepções

ultrapassadas,

dentro

de

determinado

horizonte

his

tórico, porque,

segundo

e l e s ,   a

ênfase

do

que estavam fazendo

n ão de s cans av a no material ef ême ro, mas em uma teoria da

s o

ciedade . 23

A

vinculação

de

suas análises

ao

que se denomina hoje de

r e g im e

fordista, embora correta do

ponto

de

vista histórico, não

significa

que elas tenham

perdido validade de

princípio, conside

rando

que a substituição desse r e g im e

por

novas matrizes de es

truturação

do ser

social não

cancela,

antes

expõe, de modo ainda

2 1

UMBERTO

ECO

a p u d

J o s t e i n

G r i s p r u d :

T h e

D i n a s t y

y e a r s .

L o n d re s : R o ut le d g e ,

1 9 9 5 , p .

7 .

 A a t m o s f e r a c h e i a d e d i g n i d a d e humana e , s o b r e t u d o ,

a

c o m p l e t a l i b e r d a

d e d e

e x p r e s s ã o e o a n d a m e n t o sem

c o a ç ã o

d e

tempo

d a d i s c u s s ã o

p e r m i t i r a m co m

q u e a p a r e c e s s e uma

e s p é c i e

d e e s p o n t a n e i d a d e , uma a l t e r n â n c i a e n t r e o s

momentos

d e

t e n s ã o e r e l a x a m e n t o como j a m a i s s e e n c o n t r a n a t e l e v i sã o , r e p o r t o u o f i l ó s o f o s o b r e

e x p e r i ê n c i a

s u a

com

o v e í c u l o e m

1 9 6 8   c f .

S t e f a n M i i l l e r - D o o h m : A d o r n o , u n e

b i o g r a p h i e ,

p . 3 6 7 ) .

2 2 C a r t a a Thomas Mann, 1 d e z . 1 9 5 2 . / / m e t o d o d e l m o n t a g g i o , o p . c i t . , p . 8 9 .

2 1

THEODOR ADORNO

a p u d

Le o

L o w e n t h a l : C r i t i c a l t h e o r y

and F r a n k f u r t T h e o r i s t s .

Ne w

B r u n s w i c k

( N J ) : T r an sa ct io n , 1 9 8 9 , p . 1 4 5 .

C f .

R o b e r t W i t k i n : Adorno

o n

popu

l a r

c u l t u r e ,

o p .

c i t . ,

p .

3 .

Page 21: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A p r e s e n t a ç ã o

17

mais

claro, o processo

de

conv ersão da cultura

em

mercadoria

que constitui o cerne da

reflexão

em juízo

nestas páginas.

Áxel

Honneth

por

certo

tem

razão

ao

dizer

que

qualquer

ten

tativa

de

reordenamento   dessa

teoria terá de p a r t i r das constata

ções

c r í t i c a s que têm sido f e i t a s nos últimos anos. Somente com

uma percepção

de todas as suas

deficiências se pode hoje

conti

nuar

a

tradição teórica o ri unda de Ho rk h e im e r . 2 4

A

reconstrução

com intenção sistemática

da

c r í t i c a à indús

t r i a cultural que se ensaia

nestas

páginas não

passa

o ponto pelo

a l t o ,

considerando-o

em cada

um

de

seus

procedimentos.

A

pre

m i s s a em que se assenta é

a

de que   e s sa teoria ainda é

relevante

para

t r a t a r

do s problemas

cont emporâneos, desde

que suas pro

postas s e jam

encaradas s e riamen t e

e aplicadas

às nossas

circuns

tâncias históricas .25 A l e i t u r a , todavia, não visa e v idenciar s eus

prejuízos ou expor suas tensões, assumindo uma ótica filológica.

Procura,

antes

revelar

a

maneira

como

e até onde o método

c r í t i

co

e dialético

que embasa

a referida

c r í t i c a leva em conta e s s e s

aspectos problemáticos.

Partindo do

princípio

de que o texto

que a veicula, embora

redigido

em

distintos momentos,

forma

uma

s ó constelação ( a -

porética) de i d é i a s , procura-se, em suma, explicá-la melhor do

que o fizeram

seus

próprios criadores, através de um exame mais

amplo

e

pr o fundo de seus t e mas

nucleares e principais proposi

ções doutrinárias.26

HONNETH. A . C r i t i c a i T h e o r y . I n : Anthony G i d d e n s   J o h n T u r n e r   o r g s . ) . S o c i a l

t h e o r y t o d a y . O x f o r d : P o l i t y P r e s s , 1 9 8 7 , p . 3 4 8 . C f . P e t e r H o h e n d h a l : R e a d i n g m a s s

c u l t u r e .

I n :

P r i s m a t i c

t h o u g h t .

L i n c o l n

( N E ) : U n i v e r s i t y o f N e b r a s k a

P r e s s ,

1 9 9 5 .

STEINERT, H . C u l t u r e

I n d u s t r y .

Cambridge

( U K ) : P o l i t y P r e s s ,

2 0 0 3 , p . 5 .

O l e v a n t a m e n t o

d o c u m e n t a l

n ã o p r e t e n d e s e r e x a u s t i v o , e m b o r a

p r o c u r e

c o n s i d e r a r

um número d e t e x t o s be m m a i o r q u e o c o s t u m e i r o . A b a r r e i r a d a l í n g u a a l e m ã f i x o u

o s

l i m i t e s

d a a m o s t r a g e m .

Page 22: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Premissas

dacrítica

à indústria cultural

Onstituto

de

Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923,

começou

a

se tornar

influente oito

anos mais tarde,

quando sua

direção f o i entregue

ao

filósofo Max H o r k h e i m e r . O coletivo

re

unido à s ua

v olta decidiu, ent ão,

elaborar

um programa de

pe s

quisa

social

interdisciplinar,

estruturado

para

servir

de

base

a

uma teoria c r í t i c a da sociedade. Continuado no plano da reflexão

histórico-filosófica

durante

o exílio de seus membros

no s

Esta

dos

Unidos,

o

trabalho

encetado construiu ao longo dos anos um

conjunto

de

idéias que, no transcurso

dos

196 0 , pe rm it iu que se

passasse

a

falar em uma Escola de Frankfurt.1

O

de s e n v ol v im e n t o da

referida teoria c r í t i c a

da

sociedade,

com

a qual

se liga o

pensamento

de s s e gr upo ,

formado

por

dis

t i n t a s pessoas

conforme a época,

pode ser dividido em t r ê s mo

mentos principais.

O

materialismo interdisciplinar

do

primeiro período

propós-

se a

desenvolver

um trabalho

de

pesquisa e

análise do s

proble

mas

colocados

po r uma t e oria social fundada na crítica da e co

nomia política marxista. Em resumo, tratava-se de uma empresa

onde se

esperava

que

pudessem s e i nt e grar   de

maneira dialética,

contínua

e

fecunda,

a

t eor ia filo sófica e

a

prática

científica

e sp e

cializada .2

 

C f .

R OL F W IG G E RHA U S: T h e

F r a n k f u r t S c h o o l . C a m b r i d g e

(MA): MIT

P r e s s ,

1 9 9 5 . M a r t i n

J a y :

T h e d i a l e c t i c a l i m a g i n a t i o n . 2 . e d . B e r k e le y ( C A ) : U n i v e r s i t y o f

C a l i f o r n i a P r e s s , 1 9 9 6 . D a v i d H e l d : I n t r o d u c t i o n t o c r i t i c a l t h e o r y . B e r k e l e y ( C A ) :

U n i v e r s i t y

o f

C a l i f o r n i a

P r e s s , 1 9 8 0 . D o u g l a s

K e l l n e r : C r i t i c a l T h e o r y , m a r x i s m

and

m o d e r n i t y . B a l t i m o r e ( N C ) :

J o h n s H o p k i n s

U n i v . P r e s s , 1 9 8 9 .

2 HORKHEIMER, M. S t u d i d i f i l o s o f i a d e l l a s o c i e t à , p .

3 7 .

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2 0

F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o

e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Entre 1 9 4 0/19 5 1 seguiu-lhe

um

programa

de

pesquisa

de

ca-

ráter histórico e

filosófico,

através

do

qual e s s e s problemas pas

saram a ser

reinterpretados

no

marco de

uma crítica da razão

moderna. O obje to da c r í t i c a torna-se o racionalismo ocidental,

desde

suas origens primitivas até

a

época

contemporânea.

O terceiro e último momento a s s i s t e , enfim, entre outras

op

ç õe s , v ar iáv ei s conforme o

pensador enfocado,

à retomada

do

projeto original, via idéia

de uma ciência

social

crítica, cujo

ponto

de

partida remonta

ao famoso

ensaio T e oria crítica e t eo

ria

tradicional

(H o r k h e i m e r ,

1937).

A c r í t i c a à indústria cultural,

conforme

a e n t e nd e mo s , consti

t u i um capítulo teórico possível dessa ciência

social

c r í t i c a , em

b o ra seus conceitos tenham origem

no

segundo

momento,

na

análise

c r í t i c a dos tempos modernos pr o po s t a po r

seus

criadores.

Nos anos 1940, Horkheimer

e

Adorno transladaram os fun

damentos

da teoria

c r í t i c a

da

sociedade desenvolvida

do

materia

lismo

histórico para uma filosofia c r í t i c a da h i s t ó r i a .

O

programa

original

supunha

uma

unidade

entre

pesquisa

s o c i a l ,

análise

c r í t i

ca e ação revolucionária.

As

transformações no

capitalismo e a

experiência

t o t a l i t á r i a levaram

os

autores

a

abandonar e s sa idéia

e , em s e u lugar, a empreender uma h ermenêutica radical

da

mo

dernidade, em

cujo contexto acabaram criando a ci tada discipli

na, devedora sobretudo das idéias de Theodor Adorno.

1   1 Capitalismo e cultura moderna

Horkheimer e

Adorno

forjaram a

expr e s são

indústria cultu

ral

e a

empregaram

pela primeira v e z no contexto da c r í t i c a à ra

z ão

moderna que propuseram

no livro Dialética

do Iluminismo.*

A I I Guerra estava em

curso;

não havia mais o Estado Liberal.

Na

Europa,

a

barbárie

nazista

ainda

não

terminara,

e

o

socialis-

S e g u i m o s

d e

p e r t o

co m

a p e r i o d i z a ç ã o a c i m a - embora n ã o

d e t o d o ,

a

p r o p o s t a

p o r

H e l m u t D u b i e l : T h e o r y and p o l i t i c s . C a m b r i d g e ( M A ) : MIT P r e s s , 1 9 8 5 .

ADORNO, T .   HORKHEIMER,

M. D i a l é t i c a

do E s c l a r e c i m e n t o [ 1 9 4 4 ] . R i o d e J a

n e i r o : Z a h ar , 1 9 8 5 . D o r a v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como D i a l é t i c a .

Embora

a r e d a ç ã o t e n h a s id o d it ad a

e m

c o n j u n t o ,

o c a p í t u l o

s o b r e a i n d ú s t r i a c u l t u r a l

f o i

e l a b o r a do s o b r e t u d o

co m

b a s e

e m

m a t e r i a i s r e u ni do s p o r A d o r n o .

Horkheimer

u s o u

a e x p r e s s ã o

p e l a

p r i m e i r a

v e z e m A r t e moderna

e c u l t u r a

d e

massa [ 1 9 4 1 ] .

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P r e m i s s a s d a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

2 1

moconsumira-se no

si s t ema

t o t a l i t á r i o . Resumidamente,

a s s i s t i a -

se ao que

os autores

chamaram de colapso da

e ra moderna.

O

problema

para

eles

consistia

não

em

saber os

m o t i v o s

h i s t ó r i

cos,

mas em situar e s s e

momento,

de sentido universal,

no

plano

do

processo civilizatório.

O

diagnóstico

que

os

pensadores elaboraram se

tornou clás

sico: a

civilização

nos tirou do barbarismo mas,

também,

o pro

moveu

em

novo

plano e

continua

a

fazê-lo,

em virtude

da

força

repressiva

do princípio

em

que

se baseia,

a

dominação da

natureza.

A

modernidade

coincide,

como

e r a ,

com

o

progresso

do

pro-

jeto de tornar o homem sujeito e co ns t rui r uma sociedade capaz

de permitir

sua realização como indivíduo. N ou t r o s t e rmos ,

l i

bertá-lo

das

autoridades

míticas e das

opressões do tradiciona

lismo. A realização dess e projeto, todavia, revelou-se problemá

t i c a .

O progresso

da razão

é

gerador de um avanço que não

pode

ser separado

da

criação

de nov as sujeições

e

dependências, res

ponsáveis pelo aparecimento de

sintomas

regressivos na cultura

e de

uma silenciosa

coisificação da

humanidade.

A racionalização instrumental das condições de existência

(reificação)

é um

processo cuja

origem

remonta ao s primórdios

da vida

s ocial e do emprego de meios

técnicos

na

luta

pela

s o

brevivência. Durante milênios, desenvolveu-se à

sombra

das nar

rativas míticas e do s controles comunitários. As circunstâncias

históricas que presidiram ao aparecimento do capitalismo

tam

bém

procederam

à

s ua

progressiva

liberação.

Vendo

bem,

elas

encetaram um processo através

do qual

a racionalidade instru

mental, transformada em paradigma,

passou

a dominar todas

as

esferas

da sociedade. A formidável crise cultural em que no s

achamos provém do fato de que,

através

desse percurso, os valo

r e s , anteriormente articulados pelas

narrativas

míticas, passaram

a

ser

operados

de

maneira

instrumental.

A

categoria

da

indústria

cultural

é

uma

expr e s são

desse pro

cesso, precipitado

pela

mudança

estrutural

da vida moderna que

teve lugar na passagem

do

século XIX para o XX. O capitalismo

passara então do estágio da livre iniciativa para o da compe t i ç ã o

corporativa.

Paulatinamente, o Estado

tornara-se intervencionis

t a . A categoria reinante na sociedade, por s ua vez, não era

mais

só o

mercado;

associara-se

a

ele um poderoso

e crescente

si s t ema

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 2 F r a n c i s c o R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

técnico-administrativo. A

estrutura

de classe surgida com a as

censão da

burguesia estava

abalada,

em virtude das

mudanças

políticas

e

económicas:

desencadeara-se

por

t oda a

parte

um

pro

cesso, ainda não concluído, de massificação. Finalmente, surgira

também uma

cultura popular industrial de

cujos

e squemas,

pouco

a pouco , pas s ou a depender a formação

da subjetividade da maioria

da

população.

No

capitalismo avançado,

segundo os frankfurtianos, v e r i f i -

ca-se,

portanto,

que cultura e economia perderam s ua autonomia

r e l a t i v a ,

encontram-se

cada

ve z

mais

fundidas

e

de s en vo lv e m - s e

em um só movimento. A explicação materialista do s fatos sociais

perdeu

a força à medida que as idéias passaram a ser industriali

zadas. Em virtude disso, a c r í t i c a

da

economia

política

precisa

ser

suplementada por

uma c r í t i c a da indústria

cultural. Somente

assi m

poderemos entender devidamente a sociedade

contempo

rânea.

 Horkheimer

e

Adorno

usam

o

t e r m o indústria

cultural

para

referirem-se, de

maneira geral,

às indústrias interessadas

na

pro

dução em massa de b ens

culturais .5 A proposição

exprime o

primeiro mal-entendido do

qual

precisamos

nos

desvencilhar, se

quisermos entender o fenómeno de acordo com a

segunda

teoria

c r í t i c a

da

sociedade.6 Em essência, a expr e s são

não

se

refere

às

e m p r e sa s

produtoras nem

às

técnicas

de difusão

do s b e ns

cultu

r a i s ; representa, antes de mais nada, um movimento histórico-

universal:

a

transformação

da

mercadoria

em

matriz

do

modo

de

vida

e ,

assim, da cultura em

mercadoria, conforme ocorrido

na

baixa modernidade.

THOMPSON, J . B . I d e o l o g i a e

c u l t u r a

m o d e r n a . P e t r ó p o l i s : V o z e s , 1 9 9 5 . p .

1 3 5 .

A p a r e n t e m e n t e ,

P a u l

H i r s c h

f o i

o p r i m e i r o a e m p r e g a r o c o n ce it o d e s sa f o r ma , v a l e n -

d o - s e

d e l e

p ar a d e sc re v er

um

s i s t e m a

d e

p r o d u ç ã o

c u l t u r a l

( P r o c e s s i n g

f a d s

a n d

f a -

s h i o n s : An o r g a n i z a t i o n a l a n a l y s i s o f c u l t u r a l i n d u s t r i e s s y s t e m . I n : A m e r i c a n j o u r -

n a l

o f s o c i o l o g y 7 7

[ 6 3 9 - 6 5 9 ]

1 9 7 2 ) . Coube

à E s c o l a

d e

G r e n o b l e

( B e r n a r d

Miége e t

a l l i :

C a p i t a l i s m e

e t i n d u s t r i e s c u l t u r e l l e s .

P a r i s : UGE, 1 9 7 6 ) c o n sa gr ar e s s e u s o

d o

t e r m o e m c h a v e d e c r i t i c a à e c o n o m i a

p o l í t i c a ,

a b r i n d o c a m i n h o , com o d a d o a n t e s ,

p a r a s e u emprego d e s c r i t i v o p o r

p a r t e

d o s o r g a n i s m o s culturais e u r o p e u s , a

p a r t i r d o

f i n a l a n o s 1 9 7 0   C f . L e s i n d u s t r i e s c u l t u r e l l e s . P a r i s : U n e s c o . 1 9 8 2 ; D a v i d Hesmond-

h a l g h : T h e

c u l t u r a l

i n d u s t r i e s . L o n d r e s : S a g e , 2 0 0 2 ) .

 Marx

e E n g e l s c o n c e b e r a m a

t e o r i a

c r i t i c a d a

s o c i e d a d e (ADORNO, T .

HORKHEIMER, M. S o c i o l o g i c a . M a d r i : T a u r u s . 1 9 6 6 , p .

2 65 ) . C f. S e y l a

B e n h a b i b :

C r i t i q u e ,

norm and

u t o p i a .

N e w

Y o r k :

C o l u m b i a

U n i v .

P r e s s ,

1 9 8 6 .

Page 27: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l 2 3

N ou t r o s termos, o conceito de indústria cultural tem a ve r

com a expansão das relações mercantis pelo conjunto da vida s o

c i a l ,

em

condições

de

crescente

monopolização,

verificadas a

partir das primeiras décadas do século XX. No princípio, o fe

nómeno

consiste

em produzir

ou adaptar

obras de

arte segundo

um padrão de gosto bem-sucedido e desenvolver as técnicas para

colocá-las no

mercado.

A colonização

pela

publicidade, pouco a

po uco , o tornou

veículo

da cultura de consumo: ele assume então

um caráter

sistêmico.

O

estágio f i n a l

chega

com

s ua conv ersão

em

mecanismo

de

mediação

estética

do

conjunto

da

produção

mercantil, momento este

em que

  o

mundo

inteiro é forçado a

passar pelo f i l t r o da indústria cultural [enquanto máquina de pu

blicidade]

(Dialética, p . 118).

Nessa fase,   o

caráter

comercial

da

cultura faz com que a di

ferença entre a

cultura e

a vida prática

desapareça

(Indústria, p .

53).

A

produção

estética i nt e gra- se à

produção

mercantil

em

ge

r a l ,

permitindo

o surgimento da idéia de que

é

possível

fazer-se

por meio da compra de b en s de consumo. O capital se apropria

da atividade cultural  como um parque natural de preservação de

comportamentos i n f a n t i s , em meio a uma sociedade que perce

beu há muito tempo

que

s ó

pode ser

suportável se

conceder

ao s

seus prisioneiros uma quota de controlada felicidade infantil

(Prismas, p .

146).

Os conglomerados

privados

passam

a conferir

um poder

ca

da

ve z

maior

às

tecnologias

de

reprodução

e

difusão

de

bens

cul

t u r a i s ,

encaixando-as

na

estratégia de u t i l i z a r

plenament e a

capa

cidade

de produção de acordo com o

princípio

 do consumo

e s

tético

massificado

(Dialética,

p .

130).

Argumenta-se por

v e z e s

que o processo de

mercantilização

da

cultura

seria em

s i

mesmo

distinto daquele verificado com o ut ro s b ens , não at ing indo a

cul

tura em s ua substância. A especificidade que os produtos cultu

r a i s

possuiriam

proviria

do

fato

de

que,

em

s eu

caso,

a

compra

visa o conteúdo específico ( o texto), e não a coisa (o l i v r o ) . Po r

i s s o , a dependência à

marca comercial

do produto

que

o veicula

s e r i a , de f a t o , menos importante do que s e u sentido.

Conforme veremos

adiante, as

proposições da c r í t i c a ,

embo

ra

atentas a

e s sa observação, vão em direção

contrária a

e s s e e n

tendimento,

na medida em que

a

tendência que molda o

fenóme

Page 28: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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24

F r a n c i s c o

R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

no em

questão

é

bem o

oposto.

A

compulsão

que o processo da

indústria cultural f om e nt a, ai nda que sem o lograr como preten

de ,

é ,

como

em

qualquer

outra

empresa,

a

de

fazer,

de

um

modo

ou de outro,

o

sujeito se tornar cativo da coisa, subme tida à ima

gem da

marca, muito

mais

do

que da o b ra em

s eu

significado pu

rament e a r t í s t i c o e intelectual.

Ninguém deixaria

de

a s s i s t i r a um filme ou comprar um dis

co com seus astros ou m o t i v o s preferidos por

t e r e m sido

produ

zidos

por

e s sa ou aquela empresa;

mas por

isso mesmo, cada

uma

delas

se

esforça

por

t e r

o

controle

e xclus i v o s o b re os

a r t i s t a s

mais populares e produzir as obras mais afinadas com o

g ên e r o

do

momento.

O marketing de cada

uma

delas

está

sempre volta

do à elaboração de um pacote

de

produtos capaz de induzir

o

consumidor a associar suas

preferências

às marcas por elas e x

ploradas.

Variam as

formas,

mas o processo

é co ns t ant e , baseando-se

principalmente no

aperfeiçoamento e diferenciação

do

suporte

t ecn ol óg ico ( s o b r e tudo

na radiodifusão

e ,

doravante,

no s

m e i o s

t e le m át i co s ) e

no

condicionamento publicitário e promocional da

mercadoria

(sobretudo

no caso

de b en s singulares,

como

livros

e

discos:

vide

as s é r i e s ,

selos e

coleções

de editoras e

gravadoras).

O

controle das cadeias

de exibição e , hoje, de distribuição de

filmes, que tiveram no passado os grandes estúdios americanos,

também é

exemplo de expediente

do qual, silenciosamente, pro

cura

valer-se a indústria

cultural para,

via

obra,

prender o

cliente

à

coisa

e suas marcas comerciais.

Acontece, assim, que Batman,

por e x e mpl o,

é hoje

menos

um personagem de ficção do que uma linha de

produtos,

que

começa com as histórias em quadrinhos, de s e n h o s animados,

brinquedos e filmes, passa pelo us o de suas figuras em lanches

rápidos, camisetas,

bolas

e outros

produtos de

consumo, e de

semboca

nas

matérias

editoriais

em

jornais

e

revistas,

reporta

gens ilustradas

e

músicas populares, além

do

próprio negócio da

publicidade. Na verdade,

ocorrem

do is pr oce s so s, como nota a

pesquisa

c r í t i c a a t u a l :

Batman

s erve de motivo central de uma

l i

nha de produtos que se desdobra em motivo espiritual de uma sé

r i e

de o pe r aç õe s

mercadológicas.

Page 29: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à indústria c u l t u r a l 2 5

O lançamento do

f i l m e ,

apenas

para

exemplificar, f o i cuidadosa

mente calculado para s e a j u s t a r a essas operações e todas a s suas

demais

repercussões. Dentro

dessa

s i n e r g i a é

que

os consumidores

empregam

sua sensibilidade c u l t u r a l , criada e aprendida

de

nossa

posição

no

contexto socioeconómico,

a

fim

de

montar seu próprio

Batman.7

Em Toy St ory ( J oh n

Lasseter,

1995), então,

não

h á mai s dife

rença entre

criação ficcional

e prática

mercadológica: o filme

pode se r vis to como anúnci o de

uma

nova linha de

produtos

i n

f a n t i s .

Pinóquio

serviu

de

nome

para

bonecos

de

madeira,

e x

pressão do

trabalho artesanal e

da

era da

manufatura.

Buzz Li-

ghtyear, Woody e os outros

brinquedos

de matéria

plástica

que

protagonizam o

desenho

animado

citado são,

li te ralm ent e e de s

de

o i n í c i o , be ns de consumo, criados pelo

novo

espírito

tecnoló

gico.

No jornalismo,

a

virada

se

com s ua integração empresa

r i a l ao si s t ema da indústria cultural e à

conv ersão

do público

l e i

tor em

consumidor

de informação sobre atualidades. A

formação

da

o pi ni ão pas s a

da

condição

de proces so

vivido como idéia e

ideologia por intermédio da i mp r en sa à s it uaç ão de consumo v i

sando orientação prática ou funcional. Conforme escreve Ciro

Marcondes Filho,  O jornalismo

que

se fazia antes e ra de peque

no porte, com

centenas de

t í t u l o s

diferentes, e

funcionava

como

uma

espécie

de pr odut o

informativo

num grande mercado de

opiniões .

A

variedade de

o pi ni õe s pe r mi t ia

que se agisse sobre

o

pro

cesso

político,

as pessoas alimentass em

boatos e ,

mal ou bem, se

articulasse uma opinião pública. O esclarecimento

produzido

pe

l a i mpr e n sa era na maior parte retórico, porque nem antes nem

agora

a informação

deixou de

ser

usada

com objetivos

espúrios.

A

notícia, em

algum

grau,

po r é m ,

impunha-se politicamente e ,

mais

tarde,

como

instrumento

de

acesso

mais

pluralista

ao

co

nh eci m en t o sobre

o

que

acontecia

à

sociedade.

A situação atual do jornalismo tende, ao invés, a projetá-lo

como

 meio

de regulação e i nt e graç ão s i st ê mica à sociedade .

7

MEEHAN, E .

MOSCO,

V . WASCO

J .

  R e t h i k i n g p o l i t i c a i e c o n o m y .

I n :

M i c h a e l

G u r e v i t c h

 

Mark L e v y   o r g s . ) : D e f i n i n g Media S t u d i e s . O x f o r d : O x f o r d U n i v .

P r e s s ,

1 9 9 4 ,

p .

3 4 7 - 3 5 8 ,

p .

3 5 4 .

Page 30: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 6

F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r Adorno

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Os processos

de

formação da opinião não somem de

v i s t a ,

mas

retiram-se para

os

bastidores

e

já não

refletem uma

opinião

fo r

mada.

Foram

subordinados

à

publicidade

de

opiniões

ou

opinião

publicada do s

grupos

de

pressão mais organizados. As

decisões

editoriais

s ão

cada v e z mais influenciadas não apenas pelos re

sultados e análises das pesquisas

de

mercado, mas pelos concei

tos e práticas mercadológicas, a ponto de a habilidade em saber

fazer negócios t e r

se

tornado um e l e m e n t o altamente valorizado

neste

mercado profissional8.

Segundo

Negt

e

Kluge,

a s it uação a

que

se

chega

desse modo

coincide com o

estágio

da

indústria da

consciência.

O

capital i n

vade

o processo

de construção social do sentido

e , assim,

subme

t e a própria consciência à l e i do valor, pondo

fim

à di s ti nção

e n

t r e base e superestrutura. Os consumidores tornam-se parte de

um único complexo mercantil,

formado pelo

conjunto

das corpo

rações privadas e m e i o s de comunicação e

através

do qual

se

processa e estrutura

s ua

subjetividade e experiência do mundo.

As mercadorias se transformam, como imagens, no próprio con

teúdo da mídia, passando a constituir um s ó

processo

com e l a ,

no s

diversos contextos

da vida

em

sociedade.

A

produção cultural, noutros termos, deixa

de

ser sinónimo

de criações a r t í s t i c a s e

l i t e r á r i a s , englobando

a partir de então o

conjunto

da

atividade

económica. O movimento

da

indústria

cul

t u r a l como um todo

processa

o

conceito

que

os

b e ns de consumo

adquirem

no

mercado.

A

criatividade social

não

é

suprimida,

mas

posta na depe ndência e explorada

pelos

esquemas mercantis.

Po r

um

lado,

a capacidade

inventiva

das pe s so as mais e mais se

submete às diretrizes desses últimos; por outro, ela se

t o rna o bj e -

t o

de pesquisa

por parte

de

empregados de e m p r e sa s especializa

das em

sua

exploração

mercadológica

9 .

Claramente

pensado, porque por

ele

agenciado, o processo

f o i

resumido

no s

seguintes

t e r m o s por

Henry

F ord

em

1922:

Queremos a r t i s t a s em relações i n d u s t r i a i s , mestres no m é todo i n

d u s t r i a l , s e j a do pont o de v i s t a do produto, s e j a do ponto de v i s t a

MARCONDES, C .

J o r n a l i s m o f i n - d e - s i è c l e .

S ã o

P a u l o :

S c r i t t a ,

1 9 9 3 .

p . 1 2 3 - 1 4 4 . C f .

J a m e s McMannus: M a r k e t - d r i v e n j o u r n a l i s m . Thousand Oaks ( C A ) : S a g e , 1 9 9 4 . Le

a n d r o M a r s h a l l : O j o r n a l i s m o n a e r a d a p u b l i c i d a d e . S ã o P a u l o : Summus, 2 0 0 3 .

9

C f .

DEREK GARTMAN:

A u t o

o p i u m .

L o n d r e s : R o u t l e d g e ,

1 9 9 4 .

Page 31: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s

d a c r í t i c a à indústria

c u l t u r a l 2 7

do

produtor: queremos

aqueles

que

possam

modelar

a s dimensões

p o l í t i c a ,

s o c i a l ,

i n d u s t r i a l e

moral

das

massas

em

uma t o t a l i d a d e

s ó l i d a

e

d e f i n i d a . 1 0

Destarte, o conhecimento

do

mundo se amplia

e

se

difunde

por

entre todas as classes

e

em todas as partes

do globo, e s t i m u

lando o

de s e n v ol v im e n t o da capacidade

de escolha

individual.

Porém tanto e s sa quanto

aquele

tendem a

ficar

circunscritos ao s

t e r r i t ó r i o s

colonizados pela forma

mercadoria. Em

linhas

gerais,

automóveis, calçados e outros

bens,

a exemplo

de l i v r o s , filmes

e

discos,

ensejam

seus

pr ópr io s s ab e re s

e

começam

a ser

consumi

do s

como veículos de determinados valores comuns, promovidos

publicamente através dos

m e i o s

de comunicação.

Os

produtos da

indústria passam

a

ser produzidos e vendidos como b ens simbó

licos

e , pouco a pouco, assumem o caráter de m e r cado r ias

cultu

r a i s

tecnológicas.

Na chamada indústria cultural, portanto,  não se

deve

tomar

de

maneira

l i t e r a l

o

t e r m o

indústria .

A

conceituação

não

depen

de de

s ua

base tecnológica: refere-se sobretudo ao emprego mer

c a n t i l dos veículos de comunicação, ao manejo

das

técnicas de

marketing ( p r o m o ç ão ) e à

padr oni z aç ão do s b ens

a r t í s t i c o s e

i n

t e l e c t u a i s . A cultura não

pode ser motivo

de indústria.1' As

tec

nologias

de

comunicação,

o cine ma, o

rádio,

o

vídeo, os

cassetes,

os

programas de computador,

etc, considerados

como um

  con

jun t o [ fo r mado r ]

de

[ . . . ] experiências entre s i relacionadas, e no

1 0 HENRY

FORD

a p u d J u l i a n

S t a l l a b r a s s :

G a rg a n t u a : m a n u f a c t ur e d

mass c u l t u r e .

L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 6 , p . 2 2 4 . Em P e t e r S l o t e r d i j k : C r i t i c a l o f c y n i c a l r e a s o n ( L o n

d r e s : V e r s o , 1 9 8 7 ,

p .

4 3 4 - 4 4 0 ) ,

e n c o n t r a m - s e

c o m e n t á r i o s s o b r e

a

v i s ã o d e mundo d e

o u t ra l id e ra nç a c ri ad o ra

d e s s e

n o v o m u n d o ,

W a l t h e r

R a t h e n a u .

 

NEGT,

O .   KLUGE, A . P u b l i c s p h e r e and e x p e r i e n c e [ 1 9 7 2 ] . M i n n e a p o l i s (MN):

M i n n e s o t a U n i v . P r e s s , 1 9 9 3 ,

p .

1 3 3 . Na

i n d ú s t r i a c u l t u r a l   n ã o

s ó

a

p r o p a g a n d a

c o

m e r c i a l

m a s , i n d i r e t a m e n t e , o s p r o g r a m a s p r o p r i a m e n t e d i t o s e x e r c e m a f u n ç ã o d e

p u b l i c i d a d e ( T h e o d o r A d o r n o :   A na l y ti ca l s t ud y

o f

NBC M u s i c

Hour

A p p r e c i a t i o n

[ 1 9 4 0 ] .

I n :

T h e m u s i c a l q u a r t e r l y 7 8 [ 3 2 5 - 3 7 7 ]

1 9 9 4 , p .

3 6 3 ) .

C o n f i r a

a

c o m p l e x a p a s s a g e m s o b r e o p r o b l e m a q u e s e e n c o n t r a e m   T h e

s e r i e m a

o f

m a s s

c u l t u r e

[ 1 9 4 2 ] ( I n d ú s t r i a ,

p .

6 8 - 6 9 ) . P u b l i c a d o s ó

a p ó s a

m o r t e d o

a u t o r ,

e s t e

t e x t o

t r o u x e

a

p ú b l i c o

a s s e ç õ e s q u e f i c a r a m

f o r a

d o m a t e r i a l p u b l i c a d o

s o b r e

a i n d ú s

t r i a

c u l t u r a l

e m D i a l é t i c a d o I l um i ni s mo . C u lt ur e a n d a d m i n i s t r a t i o n [ 1 9 6 0 ] d e s e n

v o l v e

a

m a t é r i a

s e g u n d o

um

p o n t o d e

v i s t a

m a i s

a b r a n g e n t e

  o p .

c i t . ,

p .

9 3 - 1

1 3 ) .

Page 32: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

entanto diferentes por s ua t écnica e e f e i t o s , constituem

[ m e r a

me nt e ] o clima da indústria da cultura .13

Entretanto,

incorreríamos

em

erro,

também,

reduzindo

o

t e r

reno

do conceito às empresas

que

produzem e difundem

os

bens

culturais para a sociedade. O

fundamental aqui

é o

processo so

c i a l que transforma a cultura

em

bem de

consumo.

O esquema, e

não

a

coisa.

Os empreendimentos culturai s e os conglomerados

multimídia s ão um

momento

do

processo, e

não

a

s ua totalidade.

O

capitalismo

não se confunde com

a

soma das

indústrias

que

abastecem

o

mercado,

t ratando -s e ant e s

de

uma

relação

s o c i a l ,

cuja dinâmica condiciona toda a sociedade.

A

perspectiva é

igualmente válida para a indústria cultural. O conceito designa,

basicamente, o co nj unt o de práticas, de produção e

consumo,

através das quais se expressam as relações sociais que

os

homens

en t re t êm com a cultura

no

capitalismo avançado.

Theodor Adorno

e Max Horkheimer

criaram

o t e r m o para

fugir

das as s o ciaçõe s ideológicas contidas no t e r m o

cultura de

massas. Queriam

contestar

a

idéia

de

que

esta é uma expr e s são

que surge de maneira e sp on t â n ea da alma do povo. As mercado

r i a s

culturais da indústria, embora

adequadas

à c l i e n t e l a , distan-

ciam-se

dela

ao máximo do

ponto

de vista do processo

produtivo

e dos interesses que representam.14 O propósito

declarado,

toda

v i a ,

não explica s eu conteúdo concreto e s eu sentido gnosiológi-

co. Indústria cultural

não

é

um

conceito empírico-descritivo. A

categoria

tem

um

sentido

dialético

e ,

em

essência,

exprime,

sim,

o movimento real do capitalismo avançado como um todo, s ob o

aspecto dos

sentimentos, valores e subjetividade encarnados

nas

pessoas e instituições.

Portanto, no fenómeno em foco,   a preocupação primária

não

é

com

as

massas, nem com

as técnicas

de comunicação, mas

com o

espírito que

lhes

é

insuflado : o

fetichismo da mercadoria

(Indústria,

p .

85).

1 3 ADORNO, T . I n t e r v e n c i o n e s [ 1 9 6 3 ] . C a r a c a s ,

Monte

Á v i l a , 1 9 7 6 , p . 6 4 . D o r a v a n t e , a

c o l e t â n e a

s e r á

c i t a d a ,

n o c o r p o

d o

t e x t o ,

como

I n t e r v e n ç õ e s .

1 4 ADORNO,

T .  

EISLER, H . E l c i n e y l a m u s i c a [ 1 9 4 4 ] . M a d r i , F u n d a m e n t o s , 1 9 7 6 ,

p . 7 8. Segundo A d o r n o , p e r t e n c e a e l e a a u t o r i a d e 90 % d o t e xt o ( V .   E d i t o r i s c h e N a -

c h b e m e r k u n g .

I n :

G e s a m m e l t e

S c h r i f t e n

[ v .

1 5 ] : F r a n k f u r t :

S u h r k a m p , 1 9 7 6 ) . D o r a

v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como C i n e m a .

Page 33: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a

à

indústria

c u l t u r a l

2 9

Segundo

Adorno

e H o r k h e i m e r , a civilização moderna con

duz

à subsunção

dos processos de feitura dos b e ns culturais

à

di

visão

do

trabalho

e

ao

modo

de

produção

c a p i t a l i s t a .

O

progresso

material introduziu a

cultura

no domínio da administração. As

exigências económicas levaram a

razão instrumental

a

tornar-se

modelo dominante, expandindo s eu campo de ação para todas as

áreas da vida s o c i a l , i nclusi ve a esfera da cultura. O caráter

mer

cantil da arte conduziu

a s eu

preparo com

vistas

ao

mercado.

No princípio,

o mercado

f o i

uma

condição para que as

a t i v i -

dades

estéticas

o b t i v e s s e m

s ua

autonomia

na

sociedade.

O

de

s e n v ol v im e n t o

das

técnicas de

e s c r i t a ,

som e imagem, subm e ti

dos ao

comando

do s m ono pó li os ,

levou

e s sa

autonomia

ao e x

tr em o; completou a separação da arte da praxis pr odut i va das

pessoas, reduzindo-a a um

bem de

consumo, à forma do

espe-

táculo.

As

expressões a r t í s t i c a s mais

puras sempre

foram ao

mesmo

tempo mercadorias: o

conceito

de obra

original, por

e x e mpl o, r e -

laciona-se de m ane ir a

negativa

com

a

venda de b e ns similares,

que devem fazer

crer

na

s ua

novidade para a t r a i r os consumido

r e s . No

contexto

de

s ua indústria,

  o

novo

não

é

o caráter mer

cantil da

o b ra

de a r t e ,

mas o

fato de que

hoje,

ele se declara deli

beradamente como t a l ,

e é

o

fato

de que

a arte

r enega

s ua

própria

autonomia,

incluindo-se orgulhosament e entre os bens de con

sumo,

que

lh e

confere o e ncant o da novidade (Dialética, p .

147).

O

mercado do s b ens culturais, surgido no

começo

do s

tem

po s m ode r no s , promoveu uma mudança histórica

importante,

ao

possibilitar a circulação e distribuição desse tipo de pr oduç ão . A

situação

histórica

criada por ele acabou

com

o exclusivismo

do s

mecenas

e

da

aristocracia em

relação

a

es s e s

bens. Através de

s ua mediação,

engendraram-s e

as

condições necessárias

para

o

surgimento

da

criação

espiritual

autónoma.

 O

mercado

do s

b ens

culturais [contudo] assume novas funç õe s na

configuração

mais

ampla do mercado do lazer [ que s urge no capitalismo avança

do] .15 Os valores mercantis começam então a transcender

o

pro-

1 5 HABERMAS. J . Mudança e s t r u t u r a l d a e s f e r a p ú b l i c a

[

1 9 6 2 ] . R i o d e J a n e i r o :

T e m

p o B r a s i l e i r o , 1 9 8 4 , p . 1 9 5 . D o r a v a n t e , a o b r a s e r á c i t a d a , n o c o r p o d o t e x t o , como

Mudança

e s t r u t u r a l .

Page 34: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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3 0 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

cesso de troca, passando a penetrar na substância das

obras

como

um

princípio estrutural.

 A própria

criação delas se

orienta, nos

setores

amplos

da

cultura

de

consumo, conforme

pontos de

vista

da estratégia de

vendas

no mercado (Mudança estrutural, p .

195).

O

capitalismo

avançado colocou a

cultura na dependência

da

economia e administração, produzindo uma cultura industrial de

massas. No período

anterior, a

formação

era mediada pelo valor

de

troca;

agora

ela

se

tornou

um

aspecto

da própria forma mer

cadoria.

A

codificação

das

relações

sociais

pela

l e i

do

valor

a l

cançou o terreno da formação da

consciência.

O

conjunto

da vida

cultural se encontra dominado

pelo

valor de troca. Os programas

de rádio servem para v ender cerveja e , os

filmes,

no

mínimo,

pa

ra v ender

f i t a s de

vídeo

e

s e s sões de cinema.

Conforme declaram

os

executivos

do

negócio,

os

videoclips

s ão

instrumentos de v e n

da de discos, cuja m i s s ã o é fazer com que o a r t i s t a cause boa im

pressão no mercado.  O videoclip, em s i , não é uma a r t e , mas um

meio

de

promover sua

venda , de modo

que, nele, não é

possível

distinguir o que

é arte e

o que

é anúncio.16

Em

síntese, o significado disso é que

  a

cultura converteu-se

totalmente numa mercadoria, difundida como uma informação,

[através de no vas

tecnologias

maquinísticas]

(Dialética,

p .

184).

Durante

bom

tempo os programas de rádio e

televisão,

po r

exemplo, foram não apenas patrocinados por outras empresas,

mas

criados

por

agências

de

publicidade.

Nos

anos

1950,

as

em

presas do setor descobriram que podiam gerar maiores receitas

passando a

controlar

a

programação.

Porém

isso não

mudou

o

sistema. As mercadorias não

s ó continuaram a ser colocadas

den

t r o

do s

programas, seguindo uma tendência que

o

cinema e a im

prensa já conheciam,

mas

passaram a ser objeto de novas técni

cas

de

publicidade, evidenciando a

interpenetração

do

conteúdo

dos anúncios

com

o

do s

programas.

Constata-se, em última

instância,

pois,

que

h á cada

v e z

me

nos diferença

entre

a fr ui ção

que se

tem ao ouvir

uma canção

da

moda

ou

ve r um filme de sucesso e aquela desencadeada por

uma

campanha

de

publicidade.

A

linguagem

da m ídia

tornou-se,

no l i m i t e , meio onde

tudo é permutável

com

a retórica

mercantil.

1 6

C f .

SU T

JHALLY:

Os

c ó d i g o s

d a

p u b li c id a de . L i s b o a:

ASA,

1 9 9 5 ,

p .

1 2 8 .

Page 35: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s

d a

c r í t i c a

à indústria

c u l t u r a l

3 1

Atualmente,

publicitários

se tornam cineastas,

e

cineastas se tor

nam publicitários, sem dramas de consciência. A mercadoria im

pó s

s ua

forma

às

obras

de

arte

e ,

essas

obras,

converteram-se

como

um

todo

em veículos de publicidade. A cultura

mercantil

adotou

os

preceitos da

arte popular

mas, também, da

arte

de v an

guarda

do

passado. Central para as vanguardas modernistas,

a

fu

s ão entre arte e vida

passou

a ser

promovida

como

farsa pela i n

dústria

cultural, como viu

bem

Adorno.

Historicamente, o

de s e n v ol v im e n t o

da indústria cultural co

incide

com

a

formação

de

grupos

económicos

interessados

na

exploração

das

atividades culturais

e

o formidável crescimento

do

mercado de b e ns de consumo

ocorrido nas pr im e iras

décadas

do século XX.

A comercialização da cultura

vai

ao

encontro

do s

interesses do

capital ao mesmo tempo em que os

capitalistas co

meçam

a

t e r interesse

em

criar uma

nova

cultura. A

publicidade é

o principal

motor

desse processo, na

medida

em que

tanto lhe

serve

de

estímulo como fornece as

técnicas

com as quais a indús

t r i a da cultura se

apresenta

à sociedade.

Os empreendimentos jornalísticos foram os prime iros a e x

plorar o mercado

dos

b en s simbólicos como indústrias organiza

das. Os primeiros

jornais m e r ecedor e s

do conceito

  resguarda

vam para as suas redações aquela espécie

de

liberdade que e r a ,

de um modo geral, característica para

a

comunicação

das

pessoas

privadas enquanto público

[na e ra

burguesa] (Mudança

estrutu

r a l , p .

21 5).

A

possibilidade

de

t r a t a r

o

público como

clientela

e

a demanda

por

veículos

de

publicidade para expandir os negó

cios

conduziram,

por é m , à

comercialização da imprensa,

r e spon

sável por s ua

crescente concentração

nas mãos de

umas

poucas

empresas

e

conglomerados.

Acontece, então, de as matérias

redacionais

de relevância

pública, colonizadas pelo valor

de troca

no mercado, recuarem

diante

das

de

interesse

humano,

assistirem

ao

surgimento

de

um entretenimento ao mesmo t empo agradável e facilmente d i -

g e r í v e l , que tende a

s u b s t i t u i r

a captação

do

r e a l po r aquilo que

es

t á pronto

para

o consumo e

que

mais desvia

para

o consumo de es

tímulos destinados a d i s t r a i r do

que leva para o

us o público da r a

z ão (Mudança e s t r u t u r a l , p . 198-202).

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3 2

F r a n c i s c o R i i d i g e r □

T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Nas primeiras décadas do

século

XX, o

processo continuou

na mesma direção, mas em escala cada v e z mais ampla e diversi

ficada.

As

tecnologias

de

comunicação

que

então

estavam

se

de

s e n v o lv endo foram

postas

a

serviço

dos interesses económicos

dominantes. O teatro de r e v i s t a , o folhetim e o circo, expressões

da economia mercantil simples, terminaram po r ce de r lugar ao s

vários

tipos de shows distribuídos a

domicílio,

expr e s são do

po

derio t écnico subjacente à ascensão do capital monopolista.

Os progressos

técnicos que levaram

à

invenção

do cinema,

do

rádio,

do

disco,

da

televisão

e

da

mídia

i mpr e n sa

ilustrada

permitiram o

surgimento

de

um

mercado de

massa

para

os bens

culturais. Os monopólios empregaram os

recursos

criados

pela

tecnologia para

explorar

os esquemas da

cultura

popular e , c r i

ando novos mecanismos de promoção, venderem as

obras

de arte

como

mercadorias.

Holly wood estabeleceu

extensas

relações com anunciantes e de

monstrou

seu

desejo

de

permitir

o

ingresso

de

discursos

comerciais

externos em suas n a r r a t i v a s de aparência autónoma muito t e m p o

antes de começar a produzir especialmente para a t e l e v i s ã o . Suas

mensagens comerciais podem t e r

sido m eno s

e x p l í c i t a s do que

a s

do s sistemas de rádio e t e l e v i s ã o , mas não foram m eno s i n f l u e n t e s

na

ascensão

da cultura de consumo.17

Atualmente,

as

comunicações

se

encontram

em

processo de

convergência cada

v e z mai s extensa

e profunda, seja criando i n

terfaces

entre seus

div e rs os produtos ,

seja integrando

seus vários

recursos

tecnológicos. Os capitais re v e s t e m-s e mais e mais

de

ca-

ráter abstrato ou informático, não

no sentido de

que

os

servi

ços

tendem

a assumir a

condição

de setor económico

dominante

1 7 ANDERSON, C .  Hollyw ood i n t h e h o m e . I n : N a r e m o r e , J .   B r a n t l i n g e r , P . Mod-

e r n i t y

and mass

c u l t u r e . B l o o m i n g t o n

  I N ) :

I n d i a n a

U n i v e r s i t y

P r e s s .

1 9 9 1 . p .

9 1 . C f .

J a n e t W a s c o :  Hollywood m e e t s M a d i s o n A v e n u e . I n :

H o l l y w o o d

i n t h e i n f o r m a t i o n

a g e . A u s t i n ( T E ) : U n i v e r s i t y o f

T e x a s

P r e s s ,

1 9 9 5 .

D e i x a r e m o s

d e

t r a t a r

n e s t e

e s t u d o

a

m a n e i r a

como

o p r o c e s s o e m

f o co c o lo n i z o u

a

v i d a p o l í t i c a ; c o m o ,

p o r e x e m p l o , o

c o m í c i o e m p r a ç a

p ú b l i c a e a

r e u n i ã o co m o e l e i t o r a d o ,

f i g u r a s

d a s o c i e d a d e l i b e r a l

b u r g u e s a , f o r a m c e d e n d o l u g a r , c h e g a d a n o s s a e r a , a o s p r o g r a m a s d e e n t r e v i s t a e

à

p r o p a g a n d a p e l o r á d i o e

t e l e v i s ã o .

A

c o n t r i b u i ç ã o f r a n k f u r t i a n a

e n c o n t r a - s e , s o b r e t u

d o , e m J U r g e n H a b e r m a s : Mudança e s t r u t u r a l d a e s f e r a p ú b l i c a [ 1 9 6 2 ] , O s k a r N e g t

 

A l e x a n d e r K l u g e : E s f e r a p ú b l i c a

e

e x pe r i ê nc ia [ 1 9 7 2 ]

e

Ú r s u l a J a e r i s c h :

Uber

R e -

z e p t i o n r e c h e x t r e m e r Propaganda

[ 1 9 7 5 ] f o r n e c e m

o

e s s e n c i a l d a c o n t r i b u i ç ã o f r a n k

f u r t i a n a . T h e o d o r Adorno l a n ç a p i s t a s s o b r e o p o n t o e m Ó f f e n t l i c h e Meinung und Me -

i n u n g s f o r c h u n g

[ 1 9 5 2 ]

e

M e i n u n g s f o r c h u n g

und

Ó f f e n t l i c h k e i t

1

1 9 6 5 ] .

Page 37: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a

à

indústria c u l t u r a l

33

mas, ainda, no de que a geração e apropriação de

riqueza

v ão se

tornando imateriais.

Os

m o v i m en t o s

do s

conglomerados

de

mídia,

entretenimento

e

t e

lecomunicações expressam uma

monumental

concentração de po

de r - tanto por controlarem dois t e r ç o s do que s e divulga no plane

t a , quanto pela aglomeração

de atividades, patrimónios e

a t i v o s .

Através de

a l i a n ç a s

e f u s õ e s , a concorrência

praticamente r e s t r i n -

ge-se

ao clube de players,

dotados de f o r t e s reservas

de

c a p i t a l ,

de

know-how tecnológico e de capacidade de a r t i c u l a r consórcios para

vultosos

negócios transoceânicos.18

O movimento da indústria cultural, convém notar, vem s e ndo

gestado há muito tempo: no s sa era

deu-lhe

apenas a

estrutura

monopolis ta e

os princípios de

administração. Os fundamentos

de suas

várias

figuras

não s ão novos , ao contrário das

técnicas,

que

permitiram

s ua

integração em

um

sistema.19 Os

esquemas

em que

se

baseia

na atualidade já

estavam

contidos

em

embrião

no

mercado

de

bens

culturais

que

surge

ainda

na

a l t a

modernida

de

( f i n a l do

século XVIII a

inícios do

século XX).

Conforme

Adorno

repetiu

diversas

vezes, valendo-se de es

tudos

de terceiros,

a prática da

indústria

cultural surgiu

junto

com o conceito de a r t e : tanto

e s s e

quanto aquela s ão as pe ct o s do

processo

de

formação

da

sociedade

burguesa.  A prática dos ar

ranjos musicais,

[comum

na

música

popular,] procede

da

música

de

s alão [ do

f i n a l

do

século

18] 20

e ,

 quando

se

lêem

certos

ro

mances de entretenimento do século [seguinte], como os de Coo

per, encontra-se

neles

s ob uma forma rudimentar

todo

o

esquema

de Hollywood .21

  MORAES, D . O P l a n e t a M í d i a . Campo G r a n d e : L e t r a L i v r e , 1 9 9 8 , p . 2 4 8 . C f . H e r

m a n .

Edward

  R o b e r t McChesney: T h e G l o b a l

M e d i a . L o n d r e s : C a s s e l l , 1 9 9 7 .

Dan

S c h i l l e r :

D i g i t a l c a p i t a l i s m .

C a m b r i d g e

(MA):

MIT

P r e s s ,

2 0 0 0 .

  ADORNO.

T .  

HORKHEIMER. M. Temas b á s i c o s d a

s o c i o l o g i a

1 1 9 5 6 ] . S ã o P a u

l o : C u l t r i x .

1 9 7 8 . p . 2 0 1 .

D o r a v a n t e a o b r a

s er á c it ad a n o c o r p o

d o

t e x t o como

T e m a s .

:

ADORNO. T . D i s o n a n c i a s

[ 1 9 5 6 ] .

M a d r i : R i a l p , 1 9 6 6 , p . 4 1 . D o r a v a n t e , a c o l e t â n e a

s e r á

c i t a d a ,

n o

c o r p o d o t e x t o , como D i s s o n â n c i a s .

2 1 ADORNO, T . Minima M o r a l i a [ 1 9 5 1 ] . S ã o P a u l o : Á t i c a , 1 9 9 2 , p . 1 3 0 . D o r a v a n t e , a

o b r a

s e r á

c i t a d a , n o c o r p o

d o

t e x t o , como

Minima

m o r a l i a . Adorno b a s e i a s u a p r o p o

s i ç ã o

s o b r e t u d o e m

I a n W a t t : A a s c e n s ã o d o r o m a n c e . S ã o

P a u l o :

C i a .

d a s

L e i r a s ,

1 9 9 0 .

Le o L o w e n t h a l

a n a l i s o u

o s u r g i m e n t o d o s s u p r a c i t a d o s e s q u e m a s e m   T h e d e

b a t e o v e r a i l

a n d p o p u l a r

c u l t u r e : E i g h t e e n - c e n t u r y E n g l a n d a s c as e s tu dy [ 1

9 5 7 ] .

I n :

L i t e r a t u r e

and

mass

c u l t u r e .

Ne w

B r u n s w i c k

( N J ) :

T r an sa ct io n , 1 9 8 4 ,

p .

7 5 - 1 5

1 .

Page 38: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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34

F r a n c i s c o

R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

O

capitalismo

moderno

criou um mercado de be ns culturais

(sérios e ligeiros) que permitiu ao s a r t i s t a s e intelectuais

l i b e r t a -

r e m - s e

das

autoridades

políticas

e religiosas

e

passarem,

onde

puderam, a

viver

por

conta

de s ua atividade

criadora. A autono

mia da produção a r t í s t i c a e l i t e r á r i a é algo que devemos

ao

s eu

caráter mercantil. A perspectiva não deve nos fazer esquecer,

po

r é m , que,

desde

o i n í c i o , e s s e

mercado

en s e j ou

a

idéia de

indús

t r i a , como

bem

viu muito cedo, por t e r vivido a situação, Sõren

Kierkegaard.22

A

situação também

levou

ao

aparecimento

de

atividades

ar

t í s t i c a s

e l i t e r á r i a s voltadas

para

a exploração desse mercado, e

não

à

criação

cultural

em condições

de liberdade.

A

l i t e r a t u r a ,

por

e x e mpl o, conquistou espaço no s

jornais

por meio

do

folhe

tim, mas isso não se fez sem mácula, quando se

l e m b ra

que até

mesmo escritores de renome foram pouco escrupulosos com

s ua

assinatura.

Em Londres, Paris e

Berlim,

havia um ne gó ci o de livros po

pulares bastante lucrativo, s obre tudo para

alguns

editores,

cujo

mercado abrangia

desde

o proletário até as famílias da a l t a bur

guesia.

O mercado da cultura sempre f o i ambivalente,

na

medida

em que permitiu a liberdade de criação

do

a r t i s t a e facilidade de

acesso ao s b en s culturais mas , por outro lado, s us ci tou a ne ce s si

dade desses b ens

darem lucro

para os que com

eles negociavam,

levando à

s ua

adapt aç ão ao padrão de gosto dos compradores

(Mudança estrutural, p . 196-197).

Desde o i n í c i o ,

a separação

entre arte leve e

arte

séria f o i re

l a t i v a , na medida em que, conforme comentaremos, tanto uma

quanto a outra s ão facetas de um único processo. D e trás das

duas existe um

mesmo processo

económico e , secundariamente,

tecnológico, que as faz convergir, embora não linearmente. A

sensibilidade simbolista,

convertida

hoje em e s o t e ris mo barato,

originou-se,

como

não

poderia

deixar

de

s e r ,

da

esfera

do merca

do:   a dignidade do indivíduo f o i e mpre s tada àquela pelas man

chetes do s j o r n a i s . . . que at ri bue m o genericamente importante

à

esfera privada (Prismas, p . 210).

2 2 KELLNER, D .

  BEST,

S . T h e p o s t m o d e r n t u m . C re sk il l ( NJ ): H a m p t o n , 1 9 9 7 , p .

4 0 - 5 0 .

Page 39: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a

à indústria

c u l t u r a l

35

Entretanto,

precisamos distinguir o

momento

em que o

fe

nómeno adquire

s ua

forma t o t a l do s

estágios

em que e s sa forma

se

esboça.

A

configuração

plena

e abe rt a

do

mesmo

s ó

veio

mais

tarde, quando as

novas técnicas permitiram às

e m p r e sa s assumi

rem o caráter de corporações e

controlar

o mercado da cultura.

Nesse estágio, apenas, a prática da indústria cultural se converte

em sistema. O fetichismo do

produto

cultural é uma expr e s são

tardia do pr ogr es s o das

relações mercantis entre

a sociedade. A

prete ndida apropriação das faculdades humanas através da com

pra

de

b ens

de

consumo

é

um

estágio

superior

de

alienação,

em

relação

ao

fetichismo da mercadoria

estudado

por Marx.

1.2

Fetichismo

e fantasmagoria

Procedendo

à

contextualização histórica do problema, o p r i

m e i r o ponto

a

observar

é

que

a

conv ersão

da

indústria

cultural

em s i s t e m a não

é resultado de

qualquer conspiração de uma

mi

noria interessada. O fenómeno

é

produto de uma série de agen

ciamentos coletivos,

em parte

planejados,

em parte

derivados das

circunstâncias. Através de tudo i s s o , os seres humanos procuram

lidar

com

suas

aspirações,

t e m o r e s e problemas, enquanto outros

disso se valem com objetivo de exploração

económica.23

A e x

ploração da cultura como força de consumo dependeu da capaci

dade

do s

representantes do capital responderem às demandas

dos

possíveis c l i e n t e s ,

dentro

de

condições

históricas

determinadas.

Em

linhas

gerais,

o fascínio com

os

mistérios

do

valor e o

poder

do dinheiro

s obre os

homens foram, a

princípio,

expr e s são

do

caráter

alienado

da

produção, reflexo subjetivo

da

separação

entre s ua

capacidade de trabalho e a m ane i ra de se apropriar dos

seus resultados na

sociedade

c a p i t a l i s t a .

A mercadoria é misteriosa simplesmente po r encobrir a s

c a r a c t e r í s

t i c a s

s o c i a i s

do

próprio trabalho humano, apresentando-as como

c a r a c t e r í s t i c a s

materiais

e

propriedades s o c i a i s

inerentes aos pro

dutos

do t r a b a l h o ;

por

ocultar

portanto a relação

s o c i a l

e n t r e o

t r a

balho individual do s produtores e o trabalho t o t a l , ao r e f l e t i - l a s

C f .

STUART,

E .

C a p t a i n s

o f

c o n s c i o u s n e s s .

Nova

Y o r k :

M c G r a w - H i l l ,

1 9 7 6 .

Page 40: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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36 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

como

relação s o c i a l e x i s t e n t e ,

à

margem d e l e s , entre

os

produtos

do

seu próprio t r a b a l h o . 2 4

O

fetichismo

da

mercadoria, noutros

termos,

é

um

aspecto

inseparável das co ndi ç õe s de produção e t roca modernas: através

dele,

as

relações

sociais

criadas pelos

homens

assumem a forma

de

coisas, passam a

possuir

uma fantasmagoria. O

capitalismo

engendra el e m en t o s que o b je ti vam ent e assumem a

forma

de i l u

sões

e

que

s ão

elaborados esteticamente

das

mais variadas

fo r

mas, pelo menos desde o r o man t i s m o . A necessidade sem conte

údo

ideológico

e

ideal

de

b ele za

que

consiste,

para

e s s e

sistema,

o

livrar-se

do

antigo,

gera

uma série

de expressões sensíveis, por

meio das quais a t é cni ca busca assumir a

forma

de obra de arte e

meio de gratificação e s t é t i c a .

Walter Benjamin viu

bem que

o

de s en vo lvi m en t o

das forças

produtivas

promovido

pelo

capitalismo

não está isento,

em

toda

a s ua

ambiguidade, de

re fle xos e projeções

no

plano

da

cultura

vivida.

Como

escreve

uma

comentadora,

a

síntese

de

imagens

para consumo s ob a forma de mercadorias e bens serviu para i n

troduzir

a

consciência

das massas

no

modo de

produção

em que

e s tavam sendo enquadradas cada ve z mais inconscientemente.

As exposições u n i v e r s a i s ,

com

suas mostras de

a r t e

e tecnologia

maquinísticas,

moda e canhões, objetos de prazer e negócio, expu

nham [ao

público]

uma

p o l í t i c a fantasmagórica,

cuja base é a

iden

t i f i c a ç ã o

da

industrialização

com

o

progresso.

A

tecnologia

e

a

industrialização

são

apresentadas

nelas como capazes de

produzir

um

futuro de paz e harmonizar a s diferenças de c l a s s e s ,

quando

de

f a t o

esses

'símbolos

de

boa

vontade', a s

promessas do capitalismo,

estão s e convertendo em t r a l h a e sendo postos

no

l i x o pelo correla

t o

desenvolvimento das forças produtivas

ainda antes de

os

mo

numentos

que

a s tinham revelado s e r e m derrubados.25

O

caráter

por as si m

dizer

fantasmagórico

das

imagens que

pouco a pouco se associa ao s produtos mercantis é fruto de uma

espécie de reunião entre

o

pr og r e s s i s m o material desse s i s t e m a

2 4

MARX, K . O c a p i t a l :

c r í t i c a

d a e c o n o m i a

p o l í t i c a .

6 . e d .

R i o

d e J a n e i r o :

C i v i l i z a ç ã o

B r a s i l e i r a ,

1 9 8 0 ,

v . I , p . 8 1 . C f .

G e o r g

L u k á c s : H i s t ó r i a e c o n s c i ê n c i a

d e c l a s s e . P o r

t o : E s c o r p i ã o , 1 9 7 4 , p . 9 7 - 1 1 8 .

2 5

LESLIE, E . W a l t e r

B e n j a m i n . L o n d r e s :

P l u t o ,

2 0 0 0 , p . 1 1 9 . S tu ar t e E l i z a b e t h Ewen

e s c r e v e m c a p í t u l o s s o b r e como e s s e p r o c e s s o o c o r r e u n o s E s t a d o s U n i d o s d o f i n a l d o

s é c u l o

XIX

e m

C h a n n e l s

o f D e s i r e .

Nova

Y o r k :

M c G r a w - H i l l ,

1 9 8 2 .

Page 41: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 3 7

com

a regressão espiritual arcaizante,

s enão

da

própria ruína

hu

mana, que

ele

não

pára de provocar na

sociedade.

Para

Adorno,

fan tas mag or ias s ã o

essas

imagens

nas

quais

a

aparência

estética

se torna

função

do caráter de fetiche da merca

doria,

por

mais que a

es s e

processo também se ligue, pelo lado

do pr ogr e s s o das

condições materiais de

vida,

ao

desenvolvimen

t o dos meios e possibilidades de

esclarecimento.

As

fantasmagorias

nascem quando, coagidos

por s eus próprio s

l i

m i t e s , os últ imos produtos

da

modernidade s e aproximam do a r

c a i c o ,

quando

cada

passo

à

f r e n t e

é

ao

mesmo

t e mpo

um

passo

pa

r a dentro

do

passado remoto. A sociedade burguesa percebe que

seu

avanço necessita

da camuflagem

de i l u s õ e s a

fim

de s u b s i s t i r ,

porque só

com

disfarce e l a

s e

aventura a parecer que carrega o no

vo em

sua

f a c e . 2 6

Posteriormente, p o r é m , e s s e esquema f o i subsumido num

contexto económico e tecnológico mais

avançado, no

interior do

qual

o

homem

pouco

a

pouco

é

expropriado

da

própria

capacida

de

de trabalho.

Durante as

primeiras décadas do século XX, o

in

di ví duo pas s a a ser inserido em processos produtivos e sociais

cada

v e z

m ai s f rag me n t ado s e desprovidos de sentido, que con

duzem

à desintegração

de

sua própria subjetividade.

O capitalismo produz em s eu avanço sujeitos que, embora

desenvolvam a especialidade de trabalho

necessária

à manuten

ç ão

do

sistema,

tornam-se

cada

v e z

menos

capaz e s de

sintetizar

s uas v iv ênci as i nt e ri or me nt e de mane ira individual, integrada e

consequente. As pessoas

precisam de

ajuda ou apoio permanente

de

recursos coletivos

que, devido

à

própria

situação

criada, r e -

produzem-se

de

maneira

independente

ou externalizada

s o b

a

forma

de

distintos

capitais culturais

(bancos

de dados,

bibliote

cas, discotecas, filmes, revistas, programas,

etc).

7

A

transformação do conjunto

da

produção material em

b ens

simbólicos, promovida pela indústria

da

consciência,

constitui ao

2 6 ADORNO, T .

V e r s u c h i i b e r W a g n e r . T r a d . i n g l e s a : L o n d r e s ,

V e r s o ,

1 9 9 1 ,

p . 9 5 . Do

r a v a n t e a o b r a

s e r á

c i t a d a n o c o r p o d o t e x t o como W a g n e r . Adorno d e v e m u i to d e s e u

u s o d o t e r m o f a n t a s m a g o r i a

a B e n j a m i n . As

f a n t a s m a g o r i a s s ã o ,

p a r a

o ú l t i m o , r e s u l

t a d o

o u p o n t o

d e

c o n d e n s a ç ã o

d o

d e s c o m p a s s o

e n t r e o

p r o g r e s s o

t é c n i c o e a s

r e l a ç õ e s

s o c i a i s ,

e n t r e a

e v o l u ç ã o

d o

h ome m

e d a m á q u i n a s o b o

c a p i t a l i s m o

( E s t h e r

L e s l i e :

W a l t e r B e n j am i n , p . 1 9 3 ) .

2 7

NEGT,

O .

 

KLUGE,

A .

P u b l i c

s p h e r e

and

e x p e r i e n c e ,

p .

1 3 3 .

Page 42: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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38 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r

Adorno e

a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

mesmo tempo

um

re fle xo e

um

esquema de

solução

dess e pro

blema. O processo permite, até certo ponto, que as fantasias i n

dividuais,

as

necessidades

sociais

e

os

imperativos

sistêmicos

formem

uma

s ó economia e ,

assim,

viabilizem

socialmente

o

processo de acumulação do c a p i t a l .

O

fetichismo

dos bens culturais

que

se descobre nes s e con

texto,

convém

que

fique

claro

po r é m ,

existe

desde que a cultura

surgiu como esfera autónoma da sociedade: o filisteísmo é um

aspecto característico

da pré-história

da indústria cultural. O e n

tendimento

de

que o

consumo

dos be ns

culturais

pode

em

s i

mesmo

nos

fornecer

determinadas

faculdades humanas e valores

espirituais

não

é

uma

ilusão

social

nova.

A

burguesia é uma

c l a s s e

que, em essência, não c r ê . . .

Existe

em

um t e m p o no qual

não

s e

a c r e d i t a

realmente

nos

valores

c u l t u r a i s :

os

quadros pendurados em

suas

mansões estão

a l i

porque engen

dram p r e s t í g i o

s o c i a l . 2 8

Inclusive

no

s eu

t e m p o ,

e ra

em

parte

inapropriado

o

conceito

de

arte

pura, sendo pois, também, ideologia. Os indivíduos com

acesso à coisa, em alguma

medida,

sempre consumiram valores

estéticos

sem que

os mesmos fossem devidamente

apropriados.

A

pretensão

de que

a simples po ss e desses

bens implicasse no

cultivo (valor

de uso) de s eu

espírito

incluía-se entre

as

razões de

s ua

aura,

para valermo-nos

da

expr e s são de W. Benjamin.

No

capitalismo

avançado,

o

fenómeno se

generalizou

de

t a l

modo que

o

valor de us o do s

bens

culturais parece t e r virtual

mente

desaparecido.

O consumo desses

be ns e nv olv e

cada

v e z

menos s ua interação viva com as pessoas. O

sentido

dos mesmos

depende, antes de mai s nada, das suas co ndi çõe s de produção i n

dustrial e de difusão

mercadológica.  Numa

sociedade onde a ar

t e

já não

tem nenhum lugar e que está

abalada

em

toda

a reação

contra

e l a ,

a

arte

cinde-se

em

propriedade

cultural

coisificada

e

entorpecida e

em

o b t e n ç ã o de prazer que o cliente recupera e

que,

na maior parte dos casos, pouco tem a ver com o objeto . 9

2 8 HORKHEIMER, M.   ADORNO. T . / S e m i n a r i d e l i a S c u o l a d i F r an co f o rt e . M i lã o :

F r a n c o A n g e l i ,

1 9 9 9 ,

p .

1 6 0 .

2 9

ADORNO,

T . T e o r i a e s t é t i c a [ 1 9 7 0 ] . S ã o P a u l o : M a r t i n s F o nt e s. 1 9 82 , p .

2 7 .

D o r a

v a n t e ,

a

o b r a

s e r á

c i t a d a ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o ,

como

E s t é t i c a .

Page 43: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

39

As tecnologias de reprodução das obras de a r t e , exploradas

pelos interesses económicos,

tornaram

corrente ou passaram a

le git im ar a

suposição

cotidiana

de

que

os

estímulos

estéticos

se

destinam à diversão mercantil e de que os valores espirituais po

dem

ser

comprados, le v ando ao

eclipse as

próprias idéias de

cul

tura e

educação

(formação). A contrapartida da expropriação das

condições para

cultivarem

suas vidas,

a

que o

si s t ema

submeteu

a maior parte dos indivíduos, é , a princípio, a ext ensão dessa i l u

são, cada ve z mais fugaz,

para

o conjunto da população.

A verdadeira novidade se o ri gi na po is do fato

de

os consu

midore s encontrarem-se mais e mais

na

situação

de

se bastarem

apenas com a compra do bem cultural.  O principal

valor adora

do pelos consumidores é o caráter

fetichista de

s eu valor mercan

t i l

[t he spe ll of

the commodity] . 30

A

prete ndida assimilação

do

conteúdo

dessa espécie

de bem se

esvaneceu, quer

no

campo

r i o , quer no

campo leve

da

produção

a r t í s t i c a

e intelectual.

A

crescente reificação das relações sociais leva a um embotamento

dos sentidos:

[ Gros so modo] não

lugar para

qualquer relação

viva com a obra

em

questão, qualquer compreensão

d i r e t a

e

espontânea

de sua fun

ção como expressão a r t í s t i c a , qualquer sentimento de sua t o t a l i d a

de como

uma

imagem do

que outrora s e chamava verdade.31

Desde algum tempo, desencadeou-se um

processo

por meio

do

qual

o

conteúdo

objetivo

dos be ns

culturais está

se

tornando

mais e mais indiferente à subjetividade. Os

indivíduos

quase não

se relacionam

mais com

a coisa

em

s e u

valor

de us o mas,

em es

cala

cada

v e z maior, com os efeitos

de

s e u valor

de

troca, defini

do através do trabalho

direto

e indireto

da propaganda

via meca

ni s m o s da indústria cultural.

O mistério

poético

do

produto,

através do qual

v a i

além de s i

mesmo,

consiste

no

f a t o

de

p a r t i c i p a r

da

natureza

sem-fim

da

pro

dução e

de

o t e mor reverenciai

inspirado pela

realidade a j u s t a r - s e

suavemente ao e squema da publicidade ( I n d ú s t r i a , p . 5 5 ) .

ADORNO,

T

  T h e

R a d i o Symphony . I n : P au l L a z ar sf e l d   F r a n k S t a n t o n

  o r g s . ) :

R a d i o

R e s e a r c h 1 9 4 1 . Nova Y o r k : D u e l l , S l o a n   P e a r c e , 1 9 4 2 , p . 1 3 5 . A g r a d e ç o a

o b t e n ç ã o

d o

t e x t o a C a r l o s J a h n ( U n i s i n o s ) .

HORKHEIMER.

M.

E c l i p s e

d a

r a z ã o

[ 1 9 4 7 ] .

R i o

d e

J a n e i r o :

L á b o r ,

1 9 7 6 ,

p .

4 8 - 4 9 .

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40 F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r Adorno e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

No estágio

da

cultura de m e rcado , a capacidade de desenvol

ve r e e xpre ss ar a subjetividade tende pois a se

identificar com

a

posse

das

coisas:

o

cultivo

se

confunde

com

o

consumo.

O

f e t i -

chismo da mercadoria baseia-se no fato de que as pessoas trans

f e r e m para s i , mais do que o valor

monetário,

a gratificação ps i

cológica advinda do

reconhecimento

de um valor dado à coisa

socialmente, atribuindo à compra ou po ss e dela

o

prazer daquilo

que na verdade f o i produto de s ua própria atividade sensível e n

quanto coletividade.

Explorando

os

proce s s o s

psíquicos

de

reconhecimento,

identificação

e propriedade, a prática

da

indústria cultural   atinge

simultaneamente o próprio objeto, revestindo-o, na consciência

[do consumidor],

com todas

aquelas qualidades

que, na

realida

de , s ão

em

grande parte de v idas ao s

mecanismos

de identificação

[com os valores dominantes na

sociedade]

(Sociologia,

p .

134).32

As comunicações não s ão pois apenas um meio de estender o

poder de sujeição do público ao capital mas, também, um meio

de

o público

satisfazer (ativamente)

uma

espécie de

vontade

de

poder criada e mantida

pela

sociedade

c a p i t a l i s t a . Os

produtos

culturais que

consomem agenciam vários

processos, entre

os

quais a formação de fantasias de poder, sobretudo vicárias e es-

cópicas, como vêm revelando alguns e s tudos recentes. As fanta

s i a s que criamos não fornecem apenas a matéria-prima com que

elaboramos a imagem de uma realidade diferente: s e u caráter

transgressivo também pode ser direcionado

socialmente em

s e n

tido conformista

ou

mesmo regressivo, como veremos

no

penúl

t i m o capítulo.

Conforme Adorno nota, o movimento da indústria

cultural

não

por

acaso

coincide

com o da

publicidade: a

publicidade

é o

e l i x i r da vida

da

indústria

cultural.

A linguagem e

as

técnicas que

e s sa

u t i l i z a

têm

origem

na

esfera

da

circulação.

As

campanhas,

os slogans e os truques de publicidade foram de início procedi

mentos externos

às

finalidades

das o br as

de a r t e . O

caráter

a r t í s -

O

p e n s a d o r e n c o n t r o u s u p o r t e

e m p í r i c o

p a r a e s s a i d é i a n a

a n á l i s e d a

c o r r e s p o n d ê n c i a

e n v i a d a

p a r a

e m i s s o r a s d e r á d i o .

C f .

  S o c i a l c r i t i q u e

o f

r a d i o

m u s i c [

1 9 4 5 ] .

I n :

N e i l

S t r a u s s   o r g . ) R a d i o t e x t ( e ) .

Nova Y o r k :

S e m i o t e x t ( e )

1 9 9 3 .

Devo

a o b t e n ç ã o

d e s s e

t e xt o a

V a l e i

Z u c u l o t o

( U F S C ) .

Page 45: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 4 1

tico

do qual, em

certas

ocasiões,

se revestiam

estava

subordinado

ao imperativo

da

eficácia

psicológica.

O

de s en vo lvi m en t o

da

indústria

cultural

não

somente

trans

plantou essas

técnicas para

a

produção dos bens culturais, mas

fe z

com

que

s ua

própria recepção

se

colocasse

s o b s ua

depen

dência.

O resultado é o progressivo eclipse do s eu valor

de

uso.

As técnicas

de

promoção

conferem

sentido

e

definem e s s e valor

de us o antes mesmo do consumo

os

pór em

contato

v iv o com as

pessoas em

um contexto determinado.33

Atualmente,

a e xpe r iê nci a

estética

está

se

tornando

mais

e

mais

fechada,

na medida

em que a

relação com as

obras de

arte

e

todas as

coisas

é

sempre

mais

mediada pelas

diversas técnicas de

promoção

do

produto

empregadas pelo conjunto do

aparato

pu

b l i c i t á r i o . O comportamento contemporâneo perante a arte é es

tacionário porque as pessoas conferem às obras um valor

muito

maior do que elas crêem que essas

obras

po s sue m . Ojulgamento

público se deixou colonizar

pelos

esquemas

da indústria

cultural

(Estética, p . 29). Os fenómenos culturais s ão

pré-consumidos:

o

indivíduo se

relaciona de

maneira

cada ve z menos imediata com

a própria coisa,

consumindo,

ao invés, sobretudo a aura ou ima

gem

social

que

lh e de u a máquina de

propaganda.

Celebridades

de todos os t i p o s , incluindo ex-chefes de Esta

do, apresentam-se como palestrantes

sobre qualquer

assunto

pe

rante platéias de

todo

o mundo

em troca

de de z enas de milhares

de dólares por

no

máximo

uma

hora: nisso tudo não

valor de

us o para ninguém.

Apenas

agenciam-se valores de t r o c a . Confe

rencistas,

promo t o r e s e

público

engajam-se na coisa

porque

ela é

m ei o ,

pago,

para

acessar outra

(prestígio s o c i a l ,  publicity ,

con-

t a t o s , honorários):

o conteúdo

tende a ser

simples

pretexto.

A

exemplo das

liquidações

promovidas pelo comércio varejista,

e v ento s

como esses, todavia, cumpre notar, também podem en s e

jar

tanta

diversão

quanto

os

programas

de

sorteio

pela

televisão

e

os

anúncios

das

campanhas

de publicidade.

A p u b l i c i d a d e e

a

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

convergem

e

t e n d e m

a

s e

f u n d i r

e x a t a m e n t e n e s s e

s e n t i d o ; a p r i m e i r a n ã o s e l i m i t a a o s a n ú n c i o s e m a té r i as c o m e r c i a is , e n c o n t r a n d o r e s

p a l d o

e m t o d a s

a s f o r m a s

d e

e x p r e s s ã o

s i m b ó l i c a ;

a

s e g u n d a , c a d a v e z m a i s s e v a l e

d a

l i n g u a g e m

e

d a s

t é c n i c a s

d a

p u b l i c i d a d e

e

p r o p a g a n d a .

Page 46: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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42 F r a n c i s c o R í i d i g e r □ T h e o d o r

A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Destarte, verifica-se que mais e mais os indivíduos tendem a

t e r

prazer

com o valor de troca

das mercadorias:

A

mulh e r que

possui dinheiro

para

i r

à s

compras

s e

embriaga

com

o próprio ato

de

comprar. Having a good

t i m e ,

é a expressão

ge

ralmente usada no senso comum norte-americano

para

a s

situações

em que o

indivíduo s e regozija tão-somente

em e s t a r presente

ao

regozijo

do s

outros (Dissonâncias,

p .

2 0 ) .

Anteriormente, os sujeitos pelo menos pautavam

s ua

conduta

pelo ideal de se assemelhar às obras de a r t e . As representações

estéticas

colidiam

com

a

vida

e ,

via

de

regra,

era

mais

essencial

para

o público

burguês,

ao menos

em projeção, aprender a apre

ciar as obras

do

que

encontrar

obras que

os

agradassem de ma

neira direta

e

imediata.

Os protagonistas das

grandes

criações

de

todos

os tempos

foram

f i g u r a s

i d e a i s , utopias e

modelos,

que o público contemplava e ,

amiúde,

invejava.

No

período que

precedeu

o romantismo,

nunca

ocorreria

a

nenhum

mortal

comum

medir-se com

e l e s

e

arrogar-se

seus

d i r e i t o s , pretender c o r r i g i r ou melhorar sua própria v i d a , i m

p e r f e i t a

ou

i n s a t i s f e i t a ,

com

sua

imagem.34

A prática sistemática da

indústria cultural,

ao

contrário, con

sagrou

e s sa atitude, prenunciada

pelo

romantismo, desenvolven

do

uma preocupação em agradar o público que age

no sentido

(ideológico) de fazer os b ens simbólicos se assemelharem ao s su

jeitos t a l

e

qual s ão

definidos

modalmente

pelo

sistema.

O consumidor pode à

vontade

p r o j e t a r a s

suas

emoções, os seus

resquícios miméticos, no que l h e é apresentado [ . . . ]

As

mercado

r i a s

fazem

aparecer como próximo, como sua

pertença,

o que

l h e s

f o i alienado e que

s e

pode dispor heteronomamente [ s i c ] na r e s t i

tuição ( E s t é t i c a ,

p .

2 9 ) .

Adorno,

certo

ou

não,

deseja

dizer

com

isso

que

a

satisfação

das nece s s idade s pas s a a

coincidir com o

exercício -

direto ou

indireto

-

do poder

de

compra,

numa época em que

a

cultura

vem

se reduzindo

à agência

de

centralização

da

vida

na atividade

de

consumo.

Trocando em outras

palavras, as

atividades de

com-

3 4 HAUSER,

A . S o c i o l o g ia

d e l

A r t e . B a r ce l o n a: L á bo r , 1 9 7 7 .

p . 7 6 5 . C f .

C o l l i n

Camp

b e l l :

T h e r o m u n t i c e t h i c and t h e s p i r i t o f

modern

c o n s u m e r i s m .

O x f o r d :

B l a c k w e l l ,

1 9 8 7 .

Page 47: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l 43

pra conv e rt e m-s e , em s i mesmas, na maneira pela qual os sujei

tos crêem que podem se apropriar das faculdades

humanas que

o

s i s t e m a os

impede

de

desenvolv er

ou,

então,

mutila

mais

ou

me

nos dolorosamente.

A mercadoria coloca ao

alcance

de todos como

imagem

aquilo que

as

pessoas cada v e z menos recebem de f a t o .

[Através

d e l a ]

a s pessoas compensam a consciência de sua impo

t ê n c i a

s o c i a l [ . . . ]

e

ao

mesmo

t e m p o

a

sensação de

culpa pelo f a t o

de

não

s e r e m

nem fazer o que

em

seu juízo devem

s e r

e

fazer [ s e

gundo

suas

inclinações

i n s t i n t i v a s

i n d i v i d u a i s ] ,

considerando-se

-

realmente ou

po r m ei o

da

imaginação - membros

de

um s e r mais

elevado e amplo, ao qual conferem

os

atributos de tudo aquilo

que

l h e s

f a l t a e do qual recebem de v o l t a , do modo s i g i l o s o , algo

parecido

como

uma participação naquelas qualidades.'

Os valores culturais passam

a ser

gerados

pe lo pr ópr io

mer

cado, através

dos

mecanismos

de

oferta e

procura

e da

ação da

publicidade.

A

espirituosidade,

elegância

e

bom-gosto

que

as

pessoas pretendem trazer

para

s i

através

da

compra

de

um

pe r

fume,

por exemplo, associam-se à coisa

porque,

bem ou

mal,

es

sas mesmas pessoas a figuram e negociam de s s a mane i ra, e não

porque esta sempre

os

possui objetivamente. A situação a que

chegamos hoje torna

cada

ve z mais d i f í c i l precisar e s sa e spé ci e

de relação,

não

s ó porque a mediação reificada

que

representa a

prática

da

indústria

cultural

nela

se

interpós,

mas

também

porque

somos nós mesmos mais e mais por ela agenciados.

O

fetichismo da

mercadoria cultural

tecnológica não g i r a ,

portanto, em torno

da

obra,

mas

do processo que confere marca

ao pr odut o e , assim, enseja s eu at o de consumo como sinal de

exercício de

poder

ou capacidade de apropriação por parte de um

sujeito

s o c i a l . A

hipótese forte em que se baseia

sua pos tulação

é

a de

que,

qualquer

que

seja s ua natureza, material ou e s p i r i t u a l , o

consumo e

desfrute

da primeira visam ou dependem mais da

imagem

sintetizada

pelo marketing do que do contato

relativa

mente

mais

e s pon t ân e o

com

a coisa em

uma

situação de

mercado

ou de algum processo social de descoberta individual.

 

ADORNO, T .

  T e o r i a

d e l a

p s e u d o c u l t u r a [ 1 9 5 9 ] .

I n : T h e o d o r Adorno   Max

H o r -

k h e i m e r :

S o c i o l o g i c a . M a d r i :

T a u r u s . 1 9 6 6 . p . 2 5 9 . D o r a v a n t e , o

e n s a i o

s e r á c i t a d o ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o ,

como

P s e u d o c u l t u r a .

Page 48: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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44

F r a n c i s c o

R i i d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

O

e nt e ndi me nt o nã o exclui

a

possibilidade

de as

mercadorias

t e r e m valor de us o para as

pessoas. Definindo

o consumismo

como

desfrute

de

s eu

valor

de

t r o c a ,

não

se

pretende

negar

que

  muitos indivíduos

conseguem ser

bastante criativos em

s e u

bitos de consumo e podem inclusive se desenvolv er como seres

humanos

através do consumo .3 6 As contradições sociais per

meiam o modo de pr oduç ã o, e xpr e s sando - s e no corpo dos b e ns

simbólicos,

e ,

talvez por i s s o , nenhum deles po ssa ser

totalmente

blindado a um us o produtivo.

A

concessão

f e i t a

assim,

por

outro

lado,

não

deveria

nos

l e

var a esquecer que, na atualidade, v i rtualm e nt e t o do s os hábitos

de

consumo do homem moderno

encontram-se precondicionados

pelos

esquemas

da cultura mercadológica. Os indivíduos que,

pretensamente e , de f a t o , articulam s ua subjetividade por meio

deles, não

s ão

mais meros consumidores.

Em virtude do

processo

histórico, praticamente todos nó s já nos tornamos hoje, deseje

mos

ou não, filhos

da indústria

cultural.

1.3

A

sociedade administrada

Segundo

Adorno

e H o r k h e i m e r , a

formidável

expansão

da

indústria

cultural

ocorrida em no s sa era dev e

ser

vista como um

momento do processo de transição para o que chamaram de

mundo administrado (Dialética p . 9 ) . O capitalismo moderno de

sencadeou

um processo de racionalização

das

condições

de vida

cujo horizonte,

até

onde

pode ser

vis ualiz ado, é a sub m i s s ã o do

ser humano a uma espécie de tecnoestrutura. O pr ogr es s o das

técnicas

e das forças

produtivas

leva à

formação de uma socieda

de onde o correlato da progressiva

perda

de sentido da experiên

cia aparentemente tende a ser o e nfre nt ame nt o técnico do

conjunto

dos

pr ob le m as da

vida

social

e

individual.37

KELLNER, D . C r i ti c al t h e o r y,

m a r x i s m and

m o d e r n i t y , p . 1 6 1 .

C f .

P o ll o ck : S ta t e

c a p i t a l i s m : I t s p o s s i b i l i t i e s a n d l i m i t a t i o n s

( 1 9 4 1 ) ; M a r c u s e :

 Some

s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f modern t e c h n o l o g y ( 1 9 4 1 ) ;

H o r k h e i m e r :

  T h e a u t h o r i -

t a r i a n s t a t e ( 1 9 4 2 ) ; A d o r n o :   R e f l e x i o n e n z ur K l a ss e nt h e o ri e ( 1 9 4 2 ) ; e H o r k h e i m e r

 

A d o r n o :   A

I n d ú s t r i a

c u l t u r a l ( 1 9 4 4 )

-

t e xt o s e a u t o r e s c o n s t i t u e m a s r e f e r ê n c i a s

f u n d a d o r a s

d a t e o r i a s o c i a l

d o

c a p i t a l i s m o a v a n ç a d o

p r o p o s t a p e l o

g r u p o

f r a n k f u r t i a -

n o .

P r o c u r a n d o

e x p l i c i t a r

a

v i s ã o

d e

A d o r n o ,

a

l e i t u r a

q u e

s e g u e

s a l i e n t a

a s

l i n h a s

d e

Page 49: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a á indústria c u l t u r a l 45

O predomínio

da tendência,

todavia,

não

de v e ser

visto de

forma l i n e a r :

h á

forças que agem

em sentido

contrário, não s e ndo

i ne xpr e s s iva a

subsistência

dos

valores

modernos

e a

capacidade

de

resistência

ativa

e

passiva do indivíduo.

A

t o t a l i d a d e é uma categoria de mediação nos países de

adminis

tração

democrática da sociedade i n d u s t r i a l , sem

s e r

diretamente

dominadora e

subjugadora.

I s s o implica dizer que na sociedade

i n d u s t r i a l de

t r o c a

nem

tudo

que pertence

à

sociedade pode

s e r

imediatamente

deduzido

de seu p r i n c í p i o . Ela

encerra inúmeros

enclaves não

c a p i t a l i s t a s (Sociologia, p . 4 8 ) .

Adorno percebeu

com o

tempo, embora não

de todo, que

a

transformação

das estruturas societárias capitalistas que teve l u

gar nas

primeiras décadas

do

século passado

não conduz de

mo

do necessário

ao

estado

t o t a l i t á r i o .

A sociedade totalmente admi

nistrada,

anunciada

por e l e , pressupõe uma superação das

con

tradições

económicas e sociais que não pode acontecer

dentro

do

capitalismo.

Os antagonismos c a p i t a l i s t a s realmente aumentaram, apesar da co

erência evolutiva que a

t e o r i a

t e m chance

de

c o l h e r , da lógica na

sucessão de

cada

época s o c i a l , do crescimento das

forças

mate

r i a i s , do s

métodos

e

da capacidade

de

produção. Em última i n s t â n

c i a , são esses antagonismos que de fi ne m os

s e r e s

humanos. Atu-

almente, e l e s s e tornaram

ao

mesmo

t e mpo mai s capaze s

e ainda

mais incapazes de s e

l i b e r t a r e m .

Subsiste não apenas

a

p o s s i b i l i d a

de de

uma

l i b e r t a ç ã o , mas

também a

criação de no vas fo rmas

de

opressão

no f u t u r o . 3 8

Em virtude disso, o capitalismo de Estado, que s urge ne ss a

época,

precisa

ser visto

como

uma figura

política

cuja hegemonia

não é constante e varia conforme a época e contexto histórico.

 A sociedade é contraditória e mesmo assim determinada; a um

s ó

tempo

racional e

irracional,

sistemática

e

caótica,

natur eza ce

ga

e mediada

pela

consciência

(Sociologia, p . 47). A concentra-

f o r ç a h i st ó r ic o - un i ve r s ai s q u e formam o c e n á r i o

d e

e n t e n d i m e n t o d o

p r o b l e m a

d a i n

d ú s t r i a c u l t u r a l s e g u n d o e ss e a ut or e , p o r t a n t o ,

n ã o

p r e t e n d e t e r

um

c a r á t e r m a i s

c r í t i -

c o - f i l o l ó g i c o ,

como t e m a q u e l a f e i t a

p o r

P e t e r H o h e n d h a l ( R c a d i n g

m a s s

c u l t u r e ,

P r i s m a t i c t h o u g h t , p . 1 1 9 - 1 4 9 ) .

HORKHEIMER, M. L a

s o c i e t à d i t r a n s i z i o n e [ 1 9 7 2 ] . T u r i m : E in au di , 1 9 7 9 .

p .

1 9 -

2 1 .

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46 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

ç ão do poder económico e as estratégias públicas e privadas de

controle do

mercado não

levam

à liquidação

deste último, con

f o r m e

supunham

no

i n í c i o ,

mas

a

novas

formas

de

crise

e

pa

drões

de concorrência.39

O

capitalismo

avançado é dominado pelas corporações

transnacionais

e a formação

de blocos

político-económicos. Em

função disso, não deve ser visto com um r eg i m e t o t a l i t á r i o : cons

t i t u i

um

momento de

transição, caracterizado

por

uma

dialética,

cuia

tendência

dominante,

vista

em

t e r m o s

v i r t u a i s , é

a

domina

ç ão

totalmente

burocrática, mas

o

curso

-

de

fato -

não

é

linear

nem estável,

apresentando-se

mundialmente como uma  procis

s ão duradoura e ininterrupta de catástrofes,

caos

e crueldades ao

mesmo tempo que abre a possibilidade de uma revolução .40

Na

situação p r e s e n t e , v e r i f i c a - s e que

uma

forma s u p e r i o r , para a

qual a

sociedade dever-se-ia

m o v e r de aco rdo

com o pensamento

p r o g r e s s i s t a , não pode mais s e r l i d a como tendência concreta da

r e a l i d a d e . 4 1

Herbert Marcuse nos dá conta do caráter sombrio

dess e

pro

cesso lembrando o fato de que as

possibilidades

utópicas conti

das

na

tecnologia maquinística e na

cultura

de mercado enco

brem a crescente banalização

da

violência, a mis é ria moral e os

massacres em países distantes

dos

centros

afluentes.

O progresso

responsável pelo

relativo aumento da segurança pessoal e nível

de

vida

da p opulaç ã o

e s bar ra nas

paisagens

de

devastação

da

na

tureza, na marginalização da vida produtiva i mpo s ta às

pessoas,

Segundo F r i e d r i c h P o l l o c k ( S t a te c ap it al is m: U s p o s s i b i l i t i e s a n d l i m i t a t i o n s .

I n :

S t u d i e s

i n p h i l o s o p h y

and

s o c i a l

s c i e n c e s 2

[ 2 0 0 - 2 2 5] 1 9 4 1 )

o

c a p i t a l i s m o d e

E s t a d o

c o r r e s p o n d e , n a e c o n o m i a ,

à

s u b s t i t u i ç ã o d o s m e c a n i s m o s d e m e r c a d o p o r um s i s t e m a

d e c o n t r o l e s p o l í t i c o s

e

a d m i n i s t r a t i v o s . H o r k h e i m e r e Adorno a c e i t a r a m co m

r e s s a l

v a s e s s e e n t e n d i m e n t o m a s ,

m a i s

t a r d e , r e vi s ar am s u a

p o s i ç ã o ,

p a s s a n d o a s u s t e n t a r

a

t e s e

d a

t r a n s i ç ã o

p a r a

o

mundo

a d m i n i s t r a d o .

P a r a

A d o r n o ,

e m

e s p e c i a l ,

o

c o n c e i t o

m a i s a d e q u a d o p a r a e n t e n d e r

a e r a

a t u a l

e r a

o

d e

  s o c i e d a d e i n d u s t r i a l d e t r o c a .

A

c o n s t i t u i ç ã o d e uma d o m i n a ç ã o i n d e p e n d e n t e d o s m e c a n i s m o s d e m e r c a d o d e v i a

s e r

v i s t a como um t e l o s e

n ã o

co mo um a r e a l i d a d e n o c o n t e x t o h i s t ó r i c o

c o n t e m p o r â n e o

( S o c i o l o g i a , p . 7 3 ) . C f . S t e f a n o P e t r u c c i a n i : R a g i o n e e d o m í n i o . Roma: S a l e r n o ,

1 9 8 4 ,

p .

3 2 9 - 3 3 2 .

4 0 THEODOR ADORNO a p u d D o u g l a s K e l l n e r : C r i t i c a l

T h e o r y ,

m a r x i s m , and m o d e r -

n i t y , p . 7 8 . C f . T h e o d o r A d o r n o : C o n s i g n a s [ 1 9 6 9 ] . B u e n o s A i r e s : A m o r r o r t u , 1 9 7 3 ,

p . 3 9 . D o r a v a n t e , e s t a o b r a s e r á

c i t a d a ,

n o c o r p o d o

t e x t o ,

como

I n d i c a d o r e s .

4 1 ADORNO, T

  C r i t i q u e [ 1 9 6 9 ] .

I n :

C r i t i c a l m o d e l s .

Nova Y o r k : C o l u m b i a U n i v e r -

s i t y

P r e s s ,

1 9 9 8 ,

p .

2 8 5 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

47

nas t e ndê ncias

à autodestruição e

condutas regressivas, na pro

dução em massa de

bens

sem

valor

universal, no empobrecimen

to

espiritual

e

na

deterioração

das

condições

de

vida urbana.

Enquanto a estrutura social que mais e mais se reveste de

feições sistêmicas e mundiais conservar-se antagonística

e ,

as

sim,

continue a

perpetuar

as

contradições que

definem s eu

modo

de

s e r ,

todavia deve-se

considerar também

que

h á

uma

possibili

dade de mudança.

 Dentro

do presente estado de

coisas,

hoje

ou amanhã podem surgir situações que, provavelmente, venham

a ser

catastróficas,

mas também podem

restaurar

a possibilidade

de uma ação

prática hoje

obstruída .42

A

sociedade

contemporânea procura

preservar

a estrutura

de

compromisso da e ra burguesa, embora disponha dos m e i o s para

se impor

ditatorialmente.

A assistência burocrática converge com

o interesse individual. O crescente tempo l i v r e disponível de uma

forma

ou de

outra

por

todos

nó s

é

ocupado com atividades que

os reencadeiam ao si s t ema económico e , assim, às exigências de

seus princípios de socialização. A

reprodução

do sempre o

mesmo

significa,

porém,

que os

perigos

e risco s s ociai s ainda

rondam a vida

da

maior parte dos indivíduos.

Para

a Teoria C r í t i c a , i s s o levanta a questão

de

s e a

d e s i n d u s t r i a l i -

zação envolve uma reversão das tendências em curso na sociedade

de

consumo e

de

s e o indivíduo a c e i t a r á uma redução do consumo,

depois de t e r sido levado

a c r e r que

esse

é

um

d i r e i t o s e u , e

passará

a p r i v i l e g i a r a

expectativa de que aquele

continuará

crescendo,

en

quanto

recompensa

para o f a t o

de

trabalhar e p r e s t a r lealdade à so

ciedade c a p i t a l i s t a

que t e m

pouca

coisa

mais

preciosa a dar do que

i s t o ,

crescimento do s padrões

de consumo, em troca de legitima

ç ã o . 4 3

A

concentração

do poder económico e a formação de con

glomerados

modificam

o caráter, mas

não podem

estancar

as

c r i

ses

nem

s upr im ir t ot alm ent e o s

mecanismos

de

mercado.

A

com

petição económica se perpetua e r e pr oduz de m an e ir a cada ve z

mais s ev era através -

e

não ao invés

-

do progresso

tecnológico.

As circunstâncias apenas redimensionaram s ua escala, reservan

do

seus

principais

lances

para os

grandes e

poderosos. Precisa-

a

THEODOR

ADORNO a p u d R o l f W i g g e r s h a us :

T h e

F r a n f u r k t S c h o o l , p . 5 6 6 .

4 1

KELLNER,

D .

C r i t i c a i

t h e o r y ,

m a r x i s m

a t u i

m o d e r n i t y ,

p .

1 8 0 .

Page 52: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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48

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e

a c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

mente por i s s o , a sociedade contemporânea é geradora de con

tradições que produzem

uma conduta

ambivalente, - tecnicista e

regressiva

ao

mesmo

tempo

-

que,

se

por

um

lado,

favorece

o

progresso do sistema, também pode levá-lo à

mudança, crise

ou

involução, por intermédio das mais diversas alternativas.

Adorno

sugere sem

dúvida que,

 no capitalismo

tardio,

apenas os meios

administrativos

de força

dire ta e

indireta

conju

gam

as

ações individuais, ordenando-as

num s i s t e m a social ,

ca

indo por isso

num

reducionismo

sociológico

que

  passa

por alto

o

plano

cultural

da

ação

s o c i a l ,

a e sfe ra

da

ação

social

em

geral,

e por isso se confina entre os pólos do

indivíduo

e da

organiza

ção .44

As

proposições

do

autor

f e i t a s nes s e

sentido,

no

entanto, de

vem ser entendidas de aco r do

com

s e u m é t odo, dialeticamente; o

que significa que devem ser vistas como expressando tendências.

A práxis instrumental hoje dominante fazem frente não

as

formas de ação social legadas pelo passado quanto as condutas

regressivas

e irracionais que

se geram no

confronto

com o avan

ç o da racionalização.

O de s en vo lvi m en t o das forças produtivas e a concomitante

concentração do capital pelos monopólios públicos e privados

provocaram uma profunda m odi fi caç ão na estrutura e nos pa

drões

da

socialização. A tecnologia maquinística moderna e a i n

tervenção e s t a t a l produziram um aumento

do

padrão

de v i da para

a maioria da população. Entretanto,  em virtude disso, os

homens

passaram a

se

diferenciar cada v e z menos

no

contexto funcional

da sociedade,

ainda

que  nem mesmo diante do aparelho de t e l e

visão se

po ssa afirmar seriamente que as partículas

sociais,

os

indivíduos, s e jam iguais,

no

sentido

estreito

em que se pode falar

de igualdade r e lat i vam e nt e ao s átomos estudados pela f í s i c a e a

química (Escritos, p . 2 0 0 ) .

A

sociedade

burguesa

f o i

expr e s são

do

capitalismo

l i b e r a l .

A

centralização do

poder

político e económico, a complicação da

vida urbana

e

o progresso técnico

conduziram à s ub li maç ão da

estrutura de

classe, que ela

nos

legou, numa

sociedade de

massa.

A

socialização, por outro lado, atingiu, assim,

um

ponto em

que

o s i s t e m a

começou

a

se

tornar t o t a l ; os homens perderam

as

con-

4 4

HONNETH,

A .

T h e

c r i t i q u e

o f p o w e r ,

p .

5 7 - 9 6 .

Page 53: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s

d a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 49

dições objetivas

para controlar o

sistema,

se

é que alguma v e z

as

tiveram durante o curso da história passada.

A

concentração

do

poder

político

e

económico

transformou

a

ratio em meio de dominação. O conhecimento científico reduziu-

se

à

tecnologia

e

passou

a ser usado como meio de domínio não

apenas

da

natureza

mas,

também,

da vida s o c i a l .

Os

serviços pú

blicos,

a

escola,

o hospital, a fáb rica e

outras instituições

passa

ram,

nesta época, a se dotar

de

técnicas

cada

v e z mais eficientes

para atingir seus objetivos. Os procedimentos instrumentais o r i

ginados

da

economia

de

mercado

penetraram

nesses

ambient e s

e

ens ejaram a criação

de controles

cujo

sentido é fazer

dos

homens

mónadas reificadas

do sistema. Os indivíduos,

paulatinamente,

vão

s e ndo

enquadrados

em disciplinas, que fragmentam

os pro

cessos v i t a i s e , assim, os

levam

à

massificação.45

Horkheimer

e Adorno

não

nos deram

um

relato

da

maneira

como

e s s e

processo ocorreu, valendo-se do diagnóstico

w e b e ria-

no

sobre

a

modernidade, sem

le var a cabo análises

mai s cuidado

sas do

problema. Coube

a Foucault, admite-se hoje,

remediar

es

sa lacuna da teoria c r í t i c a da sociedade, chamando a atenção para

o fato de

que

a racionalidade técnica deve ser

estudada

de manei

ra

mais

matizada

historicamente.46

Os terrenos

em que

a razão se

e xe rce s ão tão distintos quanto as próprias formas que ela assu

me.

O fenómeno

existe

no

plural

e

para

estudá-lo precisamos

pesquisar

 as

diferentes

fundações, criações e modificações

atra

vé s das

quais

as racionalidades engendram outras, opõem-se

e

buscam a o u t r a s . . .

sem

serem um único f enó m eno . 4 7

Adorno certamente

concordaria

com e s s e

enfoque,

partindo

do suposto de que, para e l e , a vida social não s ó obedece a

vários

ritmos, mas permite

que se

divise

pelo menos

duas formas

de r a -

4 5

C f .

HERBERT

MARCUSE:

 Some

s o c i a l

i m p l i c a t i o n s

o f

m o d e r n

t e c h n o l o g y

( 1 9 4 2 ) . I n : Andrew A r a t o   E s t h e r G e b h a r d t   E d i t o r e s ) : T h e e s s e n t i a l F r a n k f u r t

S c h o o l R e a i l e r .

Nova

Y o r k ,

C o n t i n u u m ,

1 9 8 2 .

Os

c o n t r o l e s

s o c i a i s

q u e emergem

a s

s i m n ã o s ã o

e m h i p ó t e s e a l g u m a f r u t o d e uma c o n s p i r a ç ã o :

  e s t ã o

e s p a l h a d o s

p o r

t o d a

a s o c i e d a d e ,

s e n d o a pl ic ad o s p e l o s v i z i n h o s ,

a

c o m u n i d a d e ,

a s

g r a n d e s s o c i e d a d e s

a n ó n i m a s ,

o s

m e i o s d e

c o m u n i c a ç ã o e ( t a l v e z e m menor m e d i d a ) p e l o s

g o v e r n o s

( H e r b e r t M a r c u s e : La a g r e s i v i d a d e n l a s o c i e d ad a v a n z a d a . M a d r i : A l i a n z a , 1 9 8 1 , p .

1 0 6 ) .

4 6

FOUCAULT,

M.

Remaria

o n

M a r x .

Nova Y o r k , S e mi o t e x t , 1 9 9 1 , p .

1 2 4 - 1 2 8 .

4 7 FOUCAULT, M. P o l i t i c s ,

p h i l o s o p h y

and c u l t u r e .

Nova

Y o r k , R o u t l e d g e , 1 9 8 8 , p .

2 8 - 2 9 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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50

F r a n c i s c o R u d i g e r

□ T h e o d o r

Adorno

e a

c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

cionalização da cultura: a proposta pelo trabalho e a proposta

pe

l a educação, elas mesmas variáveis de acordo com

a

época

e s o

ciedade.

Diverge,

p o r é m ,

ao

recusar-se a

abrir

mão

da

idéia

de

totalidade. O processo de posição do diverso conserva uma uni

dade, na medida em que as esferas que resultam dele s ão media

das umas pelas outras e

de

uma maneira que deve ser analisada

particularmente. O movimento

histórico

caracteriza-se, assim,

como

uma totalidade

cindida

e cada v e z m ai s f r ag me n t ada que -

não obstante - apresenta

tendências

dominantes, como é o caso,

na

m o de r n idade , da

racionalização

mercantil.

Segundo a Es co la de Frankfurt, as conexões existentes entre

a cult ura e

poder

na era da técnica

não

devem ser entendidas em

t e r mo s de interesse de classe e condicionamento

pelo

modo de

produção.

O fundamental é a subsunção da produção cultural à

forma mercadoria.  Atualmente em fase de desagregação

na

es

fera da produção material, o

mecanismo

da oferta e da procura

continua atuante

na

superestrutura como

mecanismo

de controle

em favor dos dominante s (Dialética, p . 125).

As estratégias

de

controle social

postas em prática em nos sa

era

relacionam-se com

a preocupação

cada v e z maior em v i a b i l i

zar os circuitos mercantis

nas

mais

distintas

esferas da

vida coti-

diana.  O princípio [básico]

no

qual se disfarça a dominação [ r a

cional]

é

o

da troca (Estética, p . 2 5 5 ) .

A

racionalização das r e

lações

de

poder

no s

diversos

campos

sociais

não

pode ser s epa

rada

da

s ua

crescente mediação pela forma

mercadoria.

Os s i s

t e mas de dominação e controle social estão migrando para dentro

do próprio homem, fazendo-o s u j e i t o , embora não

de

todo, em

todos os

campos

sociais, na medida em que

-

cada

v e z

mais -

depende

disso s ua

própria sobrevivência.

Acompanhando mais ou menos de perto, embora sem saber,

os resultados das pe squis as le vadas a cabo um pouco antes

por

Nor b er t

Elias,

os frankfurtianos

perceberam

que,

conforme

a

era

moderna progride , a reprodução das estruturas sociais pouco a

pouco se

de s lo ca par a o

â m b i t o

interior

do indivíduo, desvane

cendo

seus estímulos

externos.

 A racionalidade

técnica

inculca

da naqueles que se prendem ao

s eu

aparato transforma numero

Page 55: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

5 1

sas formas de autoridade e compulsão externa em for mas de au

tocontrole e autodisciplinamento .48

Paulatinamente,

os

t e m o r e s

do

indivíduo

perante

a

realidade

se interiorizam, passando a ser mediados por s ua capacidade de

cálculo racional. Em resumo, con v e r t e m - s e numa segunda natu

reza, sancionada pelos poderes

constituídos. Destarte,

po r é m , os

prejuízos que  atuam sobre os civilizados, s ob o po de r do s mo

nopólios,

passaram a

coincidir com

a s ua

civilização (Escritos,

p . 3 4 8 ) .

O

declínio

do

caráter

pessoal antes

associado

à autoridade e

a correlata

criação

de mecanismos de controle anónimos em to

das

as

instâncias sociais

que se

verificaram assim

privaram

os

indivíduos da experiência da

opr e s são

nas regiões onde o

capita

lismo

acabou

melhor implantado. Na modernidade avançada,

acontece de fato que as relações de

classe

perderam s ua v i s i b i l i

dade, tornando-se despersonalizadas. Os empresários individuais

não se

contrapõem

m ai s pe s s o alm e nt e

aos trabalhadores enquan

to encarnação viva dos interesses c a p i t a l i s t a s .

Conforme Marcuse observaria em A ideologia da sociedade

industrial,  O

de s en vo lvi m en t o

capitalista alterou essas duas

classes de t a l modo que elas não mais parecem ser agentes de

transformação

histórica. 49 As camadas dominantes perderam

parte

de

s ua

identidade de

classe, passando a

exercer

o mando

através de variados mecanismos sistêmicos, dos quais também

não

estão

l i v r e s

totalmente

(Escritos,

p .

180).

A

massificação

provocada

pela racionalização

instrumental

rompeu

o tecido s ocial e não poupou nenhuma classe. A filiação

subjetiva a uma ou

outra

classe é sempre mais flutuante. O im

portante é desenvolver uma postura positiva e uma mentalidade

tecnocrática, passando por uma

s ã

consciência realista da

ordem

das coisas na vida s o c i a l .

4 8

MARCUSE, H .

 Some

s o c i a l

i m p l i c a t i o n s o f

m o d e r n t e c h n o l o g y , p . 4 2 4 . C f . N o r -

b e r t

E l i a s :

O

p r o c e s s o c i v i l i z a d o r [ 1 9 3 9 ] .

R i o

d e J a n e i r o : Z a h ar , 1 9 9 0 / 9 3 . B o g ne r , A .

  E l i a s a n d t h e F r a n k f u r t S c h o o l . I n :

T h e o r y , C u l t u r e

 

S o c i e t y

4 ( 2 4 9 - 2 8 5 ) 1 9 8 7 .

Documentos r e c e n t e m e n t e t r a z i d o s

à l uz

c o n f i r m a m e s s e

c o n h e c i m e n t o r e c í p r o c o d o s

a u t o r e s , a i n d a

q u e n ã o

o r e c o n h e c i m e n t o d a c o n v e r g ê n c i a t e ó r i c a d e s e u s p r o j e t o s d e

p e s q u i s a : c f . D e t l e v

S c h o t t k e r :   N o r b e r t

E l i a s a n d W a l t e r B e n j a m i n : a n unknown e x -

c h a n g e o f l e t t e r s a n d i t s c o n t e x t . I n : H i s t o r y ofHuman S c i e n ce s 2 ( 4 5 - 59 ) 1 9 9 8 .

J 9 STALLABRASS,

J .

G a r g a n t u a : m a n u f a c t u r e i H i a s s c u l t u r e , o p . c i t . , p . 9 .

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52

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Consequentemente,

  a

estrutura de

dominação de classe pas

s ou a s ob re v iv e r de forma anónima (idem, p . 3 3 5 ) . A autoridade

se

transferiu

do s

patrões

para

o

conjunto do s

mecanismos

de

so

cialização. As lutas de classe não deram adeus à história, mas

passaram a ser controladas, na medida em que foram inseridas no

contexto funcional das instituições e , por conseguinte, tornaram-

se matéria de

administração

(idem,

p . 76).

A

reestruturação do conjunto das

relações

sociais ocorrida

assim

t e r m in ou

colaborando para fazer de

t odos os homens

obje-

tos

das corporações

e m pr e s ar iai s ( ide m ,

p .

344). Os

trabalhado

res começaram a ser tratados como consumidores, via

que lhes

deu

a cidadania,

passando

a formar s ua

consciência

conforme

o

modelo

da mercadoria. A consciência de

classe cedeu lugar à

mentalidade

de classe média num processo através do qual   a

tendência do

capital

a expandir-se

sobre as

esferas do espírito e

da

opinião

t e r m i nou

ocupando

a consciência e inconsciência da

queles que haviam sido o quarto e s tado (idem,

p .

176-177).

O processo de divisão da c l a s s e trabalhadora

e n t r e , por

um l a d o ,

um grupo

de empregados qualificados e os trabalhadores autóno

mos,

que compartilham

de m ui to s

do s

i n t e r e s s e s

da

c l a s s e média e ,

por

o u t r o ,

uma

subclasse

que nada

d i v i d e ,

criou

um

bom fundo de

i n t e r e s s e

comum, assentado

no

que t e m

sido chamado de  classes

do conforto , no

plano

mais amplo do

consumo

e de

seu ambiência

e x i s t e n c i a l . 5 0

A conv ersão da indústria cultural em sistema, ocorrida

no

s é culo pas sado , é expr e s são

desse processo e , em especial, da

instauração do caráter social das

classes

médias

assalariadas

co

mo padrão

espiritual

dominante.

As

personagens

modais

em que

se baseia s ua produção não

por

acaso s ão os tipo s ideai s da nova

classe

média dependente.  As camadas de consumidores em que

as novas formas

de

cultura de massa primeiro penetraram não

p e r t enc e m

nem

à camada culta

nem

às

camadas

sociais inferio

r e s ,

mas com uma

certa frequência aos grupos em processo

de

ascensão (Mudança estrutural, p . 205).51

, 0 MARCUSE, H .

A

i d e o l o g i a d a

s o c i e d a d e

i n d u s t r i l

[ 1 9 6 4 ] . R i o

d e

J a n e i r o : Z a h a r .

1 9 6 8 ,

p .

1 6 .

A b o r d a g e n s m a t i z a d a s d a c u l t u r a

p ó s - m o d e r n a vêm r e f o r ç a n d o

a

i d é i a

d e q u e a c u l t u

r a

d e

m e r c a d o

n ã o

é

p r o d u t o

d e

m e r a

mudança

e s p i r i t u a l ,

t e n d o

a

v e r ,

t a m b é m ,

com

a s

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 53

No transcurso

do

século

passado,

o proletariado

f o i integrado

socialmente

ao sistema, progressivamente privado das condições

favoráveis

ao

aparecimento

da

consciência

de

classe

e ,

enfim,

dissolvido numa

massa mais

ou menos

indiferenciada

pelo pro

gresso tecnológico. As forças de o po s iç ão foram se tornando par

tidos

de massa

e , suas lideranças,

burocracias inseridas no jogo

político-institucional. Entr em ent e s, a expansão das atividades

nos

setores de

comércio e

serviços

criou

uma nova

e vasta classe

de

empregados,

enquanto a burguesia perdia s ua identidade his

t ó r i c a ,

passando

a exercer

o

poder enquanto

uma

classe

de

e xe

cutivos. A estrutura

de

dominação

passou

a coincidir com a divi

s ão técnica do trabalho, através da qual se exercem agora os inte

resses dos poderosos.

A racionalização instrumental das co ndi ç õe s de vida

pouco

a

pouco f o i e

vem dissolvendo as mediações

ideológicas que

uma

v e z

existiram

entre dominantes e dominados, engendrando cons

telações

de

interesse

e

padrões

de

conduta

que

não

agem

desde

fora, mas

sobretudo

desde dentro dos

próprios

indivíduos.  A

consciência se torna

cada

v e z

mais

um

mero

momento

de

transi

ç ão no processo de correlação do

todo

(Sociologia, p . 88).

O

primado

do valor

de troca s e inclina

a

reduzir

os homens a

simples veículos do processo de acumulação. O capital s ó paga

àqueles que

s ão

como

ele

exige

e podem ser contados

entre

s ua

base

de

massas.

[As pessoas] manifestam a tendência a submeter-se a qualquer au

t o r i d a d e , s e j a qual

f o r

o seu conteúdo, desde que

e l a

ofereça prote

ção,

s a t i s f a ç ã o n a r c i s i s t a , vantagens materiais

e a

possibilidade de

descarregar sobre outros

o sadismo, em que a desorientação

i n

consciente e o desespero encontram uma cobertura

(Temas,

p .

1 4 5 ) .

Destarte,

  o

ajustamento

é

o

pr eço

que

o s i ndi v í duo s

e

as as

sociações

devem

pagar

para

prosperar s ob

o

capitalismo .52 Hoje

mudanças

s o c i a i s o c o r r i d a s

e n t r e a s

c a m a d a s

m é d i a s u r b a n a s , como n o c a s o e m

t e l a ,

o n d e n ã o s e

t r a t a

s ó d a

p r o l i f e r a ç ã o

d e i m a g e n s p r o m o v i d a

p e l a s n o v a s

t e c n o l o g i a s

m a s , t a m b é m , d o

s u r g i m e n t o d a chamada c l a s s e

d e s e r v i ç o s o u

n o v a

p e q u e n a

b u r g u e

s i a .

C f . Mike

F e a t h e r s t o n e :

C u l t u r a d e consumo e

p ó s - m o d e r n i s m o . S ã o P a u l o :

No

b e l ,

1 9 9 5 ,

p . 1 2 0 ;

W r i g h t

M i l l s : A n o v a c l a s s e m é d i a .

R i o

d e J a n e i r o ; Z a h a r ,

1 9 7 9 .

P a u l B e a u d : La s o c i e t é d e c o n n i v e n c e . P a r i s : A ub ie r , 1 9 84 .

n

HORKHEIMER,

M.

La

s o c i e t à

d i

t r a n s i z i o n e ,

p . 7 .

Page 58: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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54 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

em

d i a , passamos,

nós

todos, a

no s

relacionarmos de

acordo com

os critérios do si s t ema de mercado. A

prontidão em

ve r o

outro

como

potencial

competidor

ou

parceiro

comercial

tornou-se

habitual em

amplos

estratos s o c i a i s .

As

pessoas assumem mais e

mais em face das outras uma postura racional e calculista e ,

curadas

de

velhas ilusões, cada

v e z

mais

  julgam s eu

próprio

e u

segundo

o

valor

de

t roca e aprendem o que

s ão a

partir do que se

passa com elas na economia capitalista (Dialética, p . 197).

 A socialização afeta o homem

como

pretensa individualida

de

exclusivamente

biológica,

não

tanto

desde

f o r a ,

mas

sobretu

do na medida em que envolve o indivíduo em

s ua

própria i n t e

rioridade e faz dele uma mónada da totalidade social . O proces

s o , observar-se-á, tem duas mã o s .  A racionalização progressiva

[ . . . ] faz-se acompanhar

de

uma regressão igualmente progressi

va . A expansão dos controles internos ao indivíduo

por entre

amplos setores

sociais não ocorre sem a t r i t o s ,

engendrando r e s i s

tências e conflitos de

toda

a

o rde m ,

que

ameaçam

de

destruição

várias

formas de

vida social

mas,

também, os próprios indiví

duos. Em

suma,

situações

que

colocam em

pe rigo a esfera obje-

tiva

mas também

a subje t iva

da sociedade

( T e mas , p .

41).

A

seguinte

passagem parece-nos

extremamente

ilustrativa

com

relação ao

último

ponto, no qual

o

filósofo viu

um

aspecto

do que chamou de   contínuo

crescimento

da composição orgâni

ca

do ser humano

no

capitalismo avançado (o crescimento i n

v e r sa m en t e

proporcional entre suas predisposições sistêmicas e

suas finalidades individuais):

A

manipulação planejada

da fama e da lembrança conduz de

ma

n e i r a i n e l u t á v e l ao nada, cujo gosto pode s e r antecipado na a g i t a

ção f e b r i l de todas a s celebridades. Os famosos

não

s e

s en t em

be m . Eles transformaram-se em a r t i g o s de marca r e g i s t r a d a , e s t r a

nhos e incompreensíveis a s i m e s m o s , e como imagens vivas de s i

mesmos

são

como mortos.

Na

preocupação

pretensiosa

com

suas

auréolas, e l e s desperdiçam a sóbria energia, que s e r i a a única coisa

capaz

de perdurar. A desumana indiferença e

desprezo

voltado aos

ídolos caídos

da i n d ú s t r i a c u l t u r a l revelam

a

verdade sobre

sua

f a

ma, o

que não

quer dizer

que

aqueles

que

desdenham

tomar

p a r t e

nela possam n u t r i r uma esperança melhor em relação à posteridade

(Minima, p . 8 7 ) .

Page 59: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l 55

A

liberdade individual

crescente - que conquistamos com o

progresso económico e a democracia política - f o i paga com

n o s s o

enredamento

em

situações

cada

ve z

mais

reificadas,

que

mudaram

o

próprio

sentido original

dessa

liberdade. A progres

siva

colonização da

família pelos podere s

públicos

e privados

agiu em conjunto

com

a fragmentação das condições de existên

cia para

restringir

as condições favoráveis ao de s en vo lvi m en t o

da individualidade, ao mesmo tempo

em

que desencadeou um

processo de at o mi z aç ão

interna

e externa do conjunto

da

popula

ção.

No industrialismo t a r d i o , a s funções de mediação s o c i a l que

podi

am s e r desenvolvidas numa esfera relativamente independente do

comércio e do t r á f i c o perdem importância, mas não t ê m s o r t e dife

r e n t e , em

g e r a l , os [indivíduos]

e

grupos historicamente

dados,

aqueles que car ece m de uma administração racional e não são a l -

t e r d i r i g i d o s

(Temas, p . 7 3 ) .

A

categoria

do

indivíduo

emancipou-se

com

a

ruptura

das

estruturas tradicionalistas que marcou o adv e nt o da economia de

mercado. A cultura burguesa que

mediou e s s e

processo permitiu

ao s seus filhos tomarem consciência de s i mesmos como indiví

duos. Por outro lado, a

referida cultura

sempre teve um caráter

ideológico. As

relações económicas

mantiveram

cada

um no

es

tágio de

ser genérico, fazendo

de

seus

juízos

um veículo das re

lações

de po de r

que

elas

ensejaram.

R eal me n t e , ape nas

o

sujeito

burguês se beneficiou da

nova situação: a população em geral

permaneceu em

estado

de indiferenciação.

A

concentração do

poder

polí tico e económico que

ocorreu

mais

tarde resultou, ao mesmo t e mpo,

na

progressiva individua

lização do

conjunto

da população e na desintegração da idéia de

individualidade: na massificação

da

sociedade. O indivíduo mais

e

mais

se

volta

para

s i

mesmo

do

po nt o de

vista

subjetivo

em

um

s i s t e ma

onde ele é

um

e l e m e n t o

fungível,

s ó e que em s i mesmo

não tem importância.

A

massa

é

uma forma

de associação de indivíduos que fo ram p r i

vados de suas diferenças pessoais e

n a t u r a i s

e reduzidos à

expres

são

mais comum de

sua

individualidade

a b s t r a t a ,

i s t o é , a

procura

do i n t e r e s s e

i n d i v i d u a l . Enquanto membro da massa, o homem s e

torna puro e simples

objeto

de autoconservação [ . . . ] A

massa

une

Page 60: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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5 6

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

mas une s u j e i t o s

atomizados,

que s e encontram

separados

de

tudo

o que

transcende seus

impulsos

e i n t e r e s s e s

e g o í s t i c o s . 5 3

Os

fatores culturais

que

permitiram

a

formação

e

progresso

do

indivíduo como categoria da sociedade burguesa: a liberdade

de e s p í r i t o ,

a

sublimação dos

impulsos,

o cultivo de um modo de

ser

separado

e

distinto

- isso tudo cada

ve z

tem menos sentido

e ,

onde

existe, continua sendo privilégio. As

possibilidades

se co

locam a curto prazo e de m ane ir a imediata, dificultando a elabo

ração da

experiência para

a maior

parte das pessoas.

A sociedade de t r o c a impele suas crianças a perseguirem

sempre

f i n s imediatos, a viver obstinadamente em função

d e s t e s ,

pr o

curando com os olhos unicamente a s vantagens a s quais pos sam

a g a r r a r - s e , sem olhar para a

d i r e i t a

ou

para

a

esquerda.

Quem s a i

deste caminho corre

o

r i s c o de sucumbir. A imediaticidade forçada

impede que o

homem perceba conscientemente e s t e mecanismo

que o m u t i l a , pois e l e s e reproduz em sua consciência submissa

(Prismas,

p .

212).

Precisando sobreviver, os indivíduos

desenvolvem

uma ca

pacidade

de

adaptação

que consiste em conduzir-se

de maneira

u t i l i t á r i a , em saber

colaborar,

trabalhar em equipe

e

aproveitar as

oportunidades.

O destino de

s ua vida

depende

de estruturas que

ninguém mais domina e que os condenam a procurar s ua realiza

ç ão

de modo

privado, carente de

conteúdo comunitário.

As

i n s t i

tuições

conferem-lhes

cada

v e z

mais

tempo

l i v r e

em

pagamento

pelo que têm de suportar

em s eu â mbit o. A

contrapartida,

po r é m ,

é que,

por

e s sa v i a , eles

acabam

sendo presas de

pseudo-

atividades.

Conforme Horkheimer e Adorno concluíram durante suas

discussões nos Estados Unidos:

Os

mecanismos de concorrência

funcionam

de

maneira

tão d i s t o r

cida

que não

mais

permitem

a

formação

da

mónada

e

permitem

ao homem a afirmação da conduta r a c i o n a l em

e s t r a t o s muito

l i m i

tados de sua conduta.54

A condução

da

vida

no sentido da auto-realização individual

supõe uma liberdade de ação

e

uma praxis produtiva que

conti-

MARCUSE, H .  Some s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f m o d e r n t e c h n o l o g y ,

p .

4 2 6 .

5 4

HORKHEIMER.

M . ;

ADORNO,

T .

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d i

F r a n c o f o r t e ,

p .

8 3 .

Page 61: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

5 7

nua

a

não e x i s t i r para

a

maior

parte das

pessoas na

sociedade

l i

beral administrada. A

esmagadora maioria

das

pessoas

passa a

vida

inteira

fazendo

coisas

que não

apenas

têm

pouquíssimo

sig

nificado individual

como

dificilmente permitem transcender

a s i

tuação particular em que

se

vêem posicionadas.

As

pseudo-atividades

são

ficções

e

paródias

dess a produtividade

que, po r

um l a d o ,

a

sociedade reclama sem cessar e , de

o u t r o ,

f r e i a , e que os indivíduos não vêem só com bons o l h o s . . . porque

pressentem

em

s i l ê n c i o

o quanto

é d i f í c i l

mudar o que

l h e s

an

gustia

(Indicadores,

p .

6 1 ) .

Resumidamente,

constituem práticas

através

das quais

o

ho

mem

moderno procura satisfazer seus impulsos espontâneos, re

primidos

durante

a rotina cotidiana, sem no entanto acertar o a l

vo, pelo

fato deles

serem

ocupados com tarefas que não têm rela

ç ão

orgânica com

o

modo

de vida

do s u j e i t o .

Através delas, o homem pratica um realismo i r r e a l , e scre v eu

Adorno.

Considerando o ponto

de vista do indivíduo,

atividades de s sa

espécie

são,

por e x e mpl o, as

competiçõe s esportivas

de fim de

semana a que se

dedicam

os empregados

de

escritório, os even

tos sociais que os intelectuais teimam em frequentar, os roteiros

turísticos que

levam

os caçadores de pechinchas ao s

museus de

arte

no s dias em que o

comércio

está fechado mas, também,

pas

sar

todo

um

dia

ouvindo música

pelo

rádio

ou

matar

o

tempo

com

j ogos

eletrónicos. Em

linhas

gerais, pode-se dizer

que

caem

nesse

â m b i t o todas as

práticas que,

para o s u j e i t o ,

representam

um passatempo,

permitem

que se ocupe de

maneira

mais

ou

me

nos

prazerosa e

arbitrária durante o tempo em que não está

sendo

entregue às

tarefas

que lh e exige a

sociedade.

A

racionalização mercantil das

condições

de

vida

e

o

pe s o

que

e s sa

conferiu

ao s

pr o ce di m e nt o s de

domínio

técnico

em

to

das as searas da vida pública determinam que o indivíduo repri

ma

suas

inclinações

subjetivas, constitua-se

em

sujeito, a

fi m de

assegurar sua sobrevivência. Os

consumidores de b e ns

culturais,

incluindo

a informação,

não

s ão mui t o diferentes

do s

seus produ

t o r e s ,

na medida em que  tendem a

se

comportar

como um

repór

t e r , que corre atrás de e v en t os sensacionais, assi m como

os

con

correntes económicos correm atrás de lucro (Prismas, p .

212).

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58 F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r

Adorno e

a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

O

processo assim

acionado engendra por o ut r o lado o

desejo

desse homem não ser um eu, entregar-se a situações passivas,

onde

ele

pode

se

l i v r a r da

carga

que

se

tornou

o

fato

dele

t e r

uma

identidade individual. As atividades em foco frequentem ente se

r e v e s t e m desse caráter, podendo chegar

em casos

e x t r e m o s à

própria

dissolução do eu, como no caso do consumo de drogas e

nas explosões de violência autodestrutiva. A possibilidade de a

p a r t i r

da

conversão em sujeito cada

um

desenvolver-se em senti

do progressivo permanece

bloqueada ou

r e s t r i t a a

uns

poucos i n

divíduos,

na

medida

em

que

qualquer

progressão

nes s e

campo

supõe uma socialização não t o t a l i t á r i a ou totalizante que colide

com

os

princípios sistêmicos da

economia

de mercado c a p i t a l i s t a .

As contradições da

subjetividade contemporânea

a

que dão

e scoamento, por

outro

lado, estão na base de um fenómeno com

o qual se

confundem

e com o qual compartilham igual depen

dência à indústria

da

cultura: o chamado pseudo-individualismo.

Segundo

Adorno, a

manutenção do

equilíbrio

entre

as

diver

sas

exigências

que

se

colocam

ao

sujeito na era

da

t écnica é obti

da

tanto pela

ocupação enganosa da espontaneidade quanto pela

síntese mais ou menos criativa de s uce dâ ne o s da individualidade.

Os indivíduos estão cada

v e z

mais

separados

e distantes

uns dos

outros, fechados em suas próprias vivências, na medida em que

se

i n t e r põ e m

entre

eles

uma

vasta tecnoestrutura.

Simultaneamente,

encontram-se cada v e z mais sujeitos a

processos de

nivelamento

e fragmentação das condições de

vida

que deixam pouco espaço para o cultivo de suas diferenças. A

desintegração

da

vida

interior

provocada

por

eles é correlata

ao

surgimento

de um

e u mínimo, acossado por pressões internas e

externas,

que procura manter

s ua

identidade através

da

manipu

lação

instrumental das características elementares de s ua

própria

personalidade.

[Atualmente] o

s u j e i t o

s e decompõe em

um prolongamento

interno

do mecanismo de produção s o c i a l e em um resíduo i n s o l ú v e l , co n

denado à

curiosidade, que

s e contrapõe ao componente

racional

dominante

de

maneira reservada

e impotente

( E s c r i t o s ,

p .

5 2 ) .

O de s en vo lvi m en t o de uma pseudo-individualidade é a ma

neira

através da qual ele procura fazer

valer suas

diferenças para

s i

e

para

os

outros

no

mercado

de

trabalho

e

em

todas

as

outras

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s

d a c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

5 9

esferas da vida social em tempos de massificação. A continuida

de entre

a

sociedade

l i b e r a l

avançada

e os

r e g im e s autoritários

não

é

uma

linha

r e t a :

é

preciso

haver

um

salto

para

se

chegar

  ao s átomos

sociais pós-psicológicos e desindividualizados

que

formam as coletividades [ t o t a l i t á r i a s ] (Indústria, p . 131).

Entr em ent e s, os indivíduos descobriram que expressões

de

ordem natural

ou totalmente

irracionais,

como

a hiperatividade

f í s i c a , as

fixações

objetais,

o cabelo,

as

vestes, o sorriso, as ma

n i a s ,

uma tatuagem, etc, podiam

ser

usadas em t e r m o s

económi

co s

e

psicológicos.

A

exploração

mercantil

direta

ou

indireta

dos

caracteres

naturais e

o consumo de be ns culturais pseudo-

individuados não s ão apenas uma alternativa mais vantajosa em

comparação com o

coletivismo

burocrático.

Também podem servir

de

sucedâneo das antigas formas de

cultivo

e valorização

da

individualidade

que não lograram se

manter ou se democratizarem. Numa e ra em que se tende a

nive

l a r

os

seres e

as

coisas, privando-as

de pr o cur ar e m

e

encontrarem

s e u pr ópr io caminho de realização, o

princípio

de individualiza

ç ão reluz de maneira n a r c i s i s t a , sintética e fetichizada, tendendo

a carecer de sentido pr ogr e s si s ta e

caráter construtivo

para a pe r

sonalidade.

Na medida em que

  o

mercado

de

bens estilizados colocou à

disposição dos consumidores um vasto leque de sentidos simbó

l i c o s , destinados a

serem selecionados

e

justapostos quando da

montagem

do e u

público ,55

desenvolv eu-se a possibilidade de

t ornar a personalidade motivo

de

uma construção

mercantil,

su

jeita ao s

ritmos da

moda e at ravé s

da qual, pouco

a

pouco, vem

se processando uma mercantilização da subjetividade em amplas

camadas

da

população.

Em virtude do progresso

do s meios

de

transporte e das

técnicas de

comunicação, da descentralização

i n d u s t r i a l e

tecnológica previsí

v e l , entre

outras c o i s a s , a

socialização da humanidade está se

aproximando

de um novo

ponto

culminante;

e o que

parece

e s t a r

de fora

mantém-se

ne ss a s ua

e x t r a t e r r i t o r i a l i d a d e

mais como algo

que é tolerado

ou

que

s e

s i t u a

num

plano

mai s amplo , do

que em

virtude

de uma

autêntica e

i n d i s c u t í v e l

manutenção

do exótico

(Temas, p . 3 9 ) .

5 5

EWEN,

S .

A l i

c o n s u m i n g

i m a g e s .

Nova

Y o r k :

B a s i c

B o o k s ,

1 9 8 9 ,

p .

7 9 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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6 0

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Segundo Adorno,

os fundamentos históricos

e

antropológi

co s da indústria

cultural

se encontram nos

problemas

humanos

surgidos

n e s sa

conjuntura.

A

mercantilização

dos

meios

de

co

municação precisa

ser

entendida no

contexto

de

mudança

social

e descoberta

de

novos padrões

de

integração: é

um produto da

convergência das n ece s s idade s humanas criadas por e s sa situa

ç ão

com

os interesses comerciais

c a p i t a l i s t a s .

Os processos

de

pseudo-individuação,

por e xe m plo , nã o podem

ser

separados dos

procedimentos

através

dos quais

os indivíduos

procuram fazer

valer a

s ua

identidade

no

mercado,

explorando

suas

idiossincra

s i a s :

tanto uns

quanto

os outros s ão agenciados pela indústria

cultural (Dialética,

p .

1 44-1 4 5 ) .

A

contrapartida da

majoração do nível de vida

promovida

pelo s i s t e ma capitalista

f o i

uma

ressignificação

da

miséria

surgi

da

com a

Revolução

Industrial. O

prognóstico

marxiano a

respei

to da cr e s ce nt e di vi s ão da sociedade entre um pequeno número

de poderosos e

uma massa

miserável

se realizou,

ainda

que não

da

maneira imaginada.

No capitalismo avançado,

a miséria

t o r -

nou-se sinónimo

de

impotência

p o l í t i c a ,

social e

individual.

O

processo de divisão social não s ó

continua evoluindo

de m ane ir a

cega e anónima, mas vem se tornando mais forte e estável

em

t o

das as

esferas

da vida, passando a

ser

sentido dentro da própria

pessoa. O nivelamento espiritual e a massificação não s ão suce

dâneos das profundas divisões

que

marcam a vida social

desde

o

s eu

princípio

mas,

talvez,

s eu

último

estágio

de

manifestação.

A progressiva

interiorização

dos fundamentos materiais da

dominação não significa a superação das contradições

sociais,

mas

s ua

mudança

parcial

de direção,

canalizada

cada

v e z

mais

para o plano

imediato

e

microscópico da

sociedade. O

processo

de integração social não logr ou supr i mi r os problemas e lutas s o

c i a i s . As estruturas económicas e sociais

que

os

produzem

foram

deixadas

intactas.

O

s i s t e ma

não

s ó

continua

a

produzir

exceden

t e s populacionais, conflitos políticos e lutas sociais, mas esten

deu

s e u âmbit o,

passando

a compreender os

conflitos que eclo

dem na

família,

no esporte e ,

mesmo,

no

interior

do indivíduo.

O pagamento

exigido

pela socialização t o t a l é a

transforma

ç ão de t odos os

conflitos singulares em expressões

das contradi

ções da

sociedade

(Escritos, p .

78). As

circunstâncias transplan

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r e m i s s a s d a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

6 1

taram-nas mais

e

mais

para o

â m b i t o

das

relações

humanas e da

economia psíquica do

s u j e i t o .

 A desagregação das

relações

s o

ciais

em

partículas

centrífugas

é

o

reverso

da

integração

coleti-

va

(idem,

p . 182). A racionalidade instrumental

atua

irracional

m ent e: a contraface

da

pretendida integração é a ruptura do t e c i

do social e a desintegração moral do indivíduo. A socialização

racional

cada v e z m ai s pr o funda

é potencialmente

destrutiva não

s ó na esfera das relações travadas entre os seres humanos mas,

ainda, na esfera da subjetividade.56

Para

a

Adorno,

em re sumo,

a

transformação

global

da

cultu

ra em mercadoria é uma figura histórica que precisa ser compre

endida

n e s s e

marco contextual.

Em poucas palavras, podemos

afirmar que os fenómenos que lh e s ão conexos têm origem nas

relações

que

as pessoas

travam

entre

s i no capitalismo avançado.

Porém, não s ó . Também têm a ve r com a resistência que os gru

pos e indivíduos engendrados por s e u intermédio opõem à prepo

tência do processo civilizatório. A

subjetividade

é o limite da

r e i -

ficação. Os indivíduos resistem a

ser

patrolados e consumidos de

todo

pelas rotinas da vida burocrática e do

s i s t e ma

empresarial,

incluindo abrir mão da liberdade de

consciência

conquistada no

curso

da

era moderna.

Os fenómenos de indústria cultural s ão o principal palco de s

se antagonismo: o comportamento consumista,

a

procura de d i

versão, os lazeres sintéticos e outros

hábitos

s ão ambíguos por

que, embora dependam

da

ratio burocrática e

mercantil,

também

podem ser considerados como uma forma de

resistência

ao s pro

cessos

de

mecanização em curso

na

sociedade.

Portanto, os indivíduos não se

sujeitam às

práticas da indús

t r i a

cultural por causa das

idéias que

seus

veículos

difundem e

logram inculcar em

seus

grupos mas, antes, porque a expansão

das relações

de

troca e o avanço da

divisão

do trabalho, modifi

cando

suas

i d é i a s ,

se

inseriram

entre

os

homens

e

s ua

cultura.

O

progresso separa e individua as pessoas. As

mercadorias

cultu

r a i s surgiram

no

cur so de s se

processo e acabaram por

se

tornar

matriz

de

novas relações sociais,

na

medida em que se revelaram

capazes de lhes fornecer um

mínimo

de assimilação.

C f . LASCH, C .

O

mínimo e u .

S ã o

P a u l o : B r a s i l i e n s e . 1 9 8 6 .

p .

1 5 - 8 8 .

A r l i e

H o c h c h i l d :

T h e

managed

h e a r t .

B e r k e l e y ( C A ) :

U n i v e r s i t y

o f

C a l i f o r n i a

P r e s s ,

1 9 8 3 .

Page 66: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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6 2

F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

Adorno

e a c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

A

explicação, todavia,

precisa ser

levada

mais adiante. O

consumo

de

bens

culturais

é também uma forma por meio

da

qual os

homens

procuram

pr es e rv ar s eus

impulsos

internos

e

percepção sensível,

conformando a subjetividade às condições de

vida criadas com o avanço do

capitalismo.

  Simbolicamente, é

um

processo através do qual é celebrada uma

espécie de conci

liação

entre

o

corpo i mpo t ent e e

a engrenagem, entre o átomo

humano e a violência

coletiva .57

5 7

ADORNO, T .

I n t r o d u z i o n e a l a

s o c i o l o g i a d e l i a m u s i c a .

T u r i m : E in a u d i , 1 9 71 ,

p .

2 4 7 .

D o r a v a n t e ,

a

o b r a

s e r á

c i t a d a ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o ,

como

M ú s i c a .

Page 67: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Elementos

originadores

daproblemática

Patrick Brantlinger escreve que o problema da massificação

e

nivelamento da cultura promovida

pelas novas

tecnologias origi-

nou-se das dis cus sõe s s obre os fenómenos de

multidão e

os su

postos

efeitos

das

campanhas de

propaganda,

do

rádio

e

do c i

nema

durante

o

decênio

que

antecedeu

à

eclosão

da

I I

G u e r r a

Mundial.

Naquela

época houve

uma

convergência

entre

as

preo

cupações

dos homens de cultura

europeus

com essas novas mí

dias

e a

vertiginosa

ascensão

do s

movimentos t o t a l i t á r i o s

na

I t á

l i a , Alemanha

e União

Soviética.1

  Conquistar as

massas e r a , na

época,   o

lema

comum tanto

do s co muni st as quant o dos nazistas , como disse Er ns t J unge r.

Os pensadores locais acreditavam, como seus pares norte -

americanos, que havia

uma

relação direta

entre

as técnicas de se

d i r i g i r

às

massas

e

o comportamento dos

indivíduos.

As

pessoas

podiam

ser manipuladas e

levadas

a

agir

em

determinadas

dire-

ções

através

dos m e i o s de propaganda, considerada então como

a

 arte de influenciar as multidões (Franz

Schõnemann,

1924).

A comunicação

estava começando a ser vista como o

primei

ro e mais

importante

instrumento

de

mobilização

política dos

tempos

modernos

por

parte

dos

governos,

que procuram

contro

l a r e empregar os

equipamentos

de formação da opinião pública

visando obter uma

mentalidade patriótica e

obediente n a po pula

ção.

BRANTLINGER.

P .

B r e a d and c i r c u s . I t h a c a ( N Y ) : C o r ne l l U n i ve r si ty P r e s s .

1 9 8 3 ,

p .

3 0 - 3 1 .

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6 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Em círculos intelectuais dos mai s variados,

supunha-se

que,

qualquer que

fosse o lado,

era f á c i l desenvolv er

  o manejo da

imprensa,

rádio

e

todas

as

demais

técnicas

para

o

domínio

da

a l

ma das massas

que

a sociedade democrática colocou à disposição

do homem comum para, com essas técnicas, formar outros ho

mens sem elhantes

e , assim, multiplicar ao s

milhares

s eu próprio

tipo humano .2

Divergindo dos

publicistas

do outro

lado do Atlântico, os e u

ropeus, todavia,

não mostravam

um

s en ti m ento

positivo em

rela

ç ão

à m at é ri a,

relacionando

as

novas

tecnologias

antes

a

uma

c r i

se

da

cultura do que à suposição, corrente entre aqueles

outros,

de

que elas eram em

s i

mesmas benéficas e

não

s ó   permitiriam

o

aparecimento

de

um tipo

mais humano e inteligente

de

socie

dade quanto

continham

  el e m en t o s

para

realizar

a unidade polí

t i c a quase tanto como f o i possível um dia

nas

menores cidades

da

península

Ática .3

A

c r í t i c a

à indústria cultural pode ser melhor entendida

se

remontarmos a e s s e co nt e xt o, desencadeador de

um

debate sobre

o destino da cultura

na era

da técnica cujos t e r m o s não

somente

ai nda s ão os no s so s como estão longe de t e r e m

sido exauridos

pelo pensamento con t e mpor ân e o .

2. 1

Os

Intelectuais

e a

crise da

cultura

Theodor Adorno conheceu as primitivas e xpre s sõe s da cha

mada

cultura

de

massa

ainda na Europa (UFA estúdios, Hugen-

b erg K on z e rn ,

a febre jazzística).

Durante as primeiras

décadas

do século XX, houve um

formidável

avanço nas tecnologias de

reprodução audiovisual.

O

cinema,

o rádio,

os discos

e

outros

m e i o s começaram a modificar a relação dos homens

com

a cultu

r a . O contato com as obras de arte pouco a pouco f o i se tornando

motivo de

prática

cotidiana. Os co s tum e s por s ua v e z

passavam

2 MANNHEIM, K . E l hombre y l a s o c i e d a d e n é p o c a d e e r i s i s [ 1 9 3 6 ] .

B u e n o s

A i r e s :

L e v i a t a n , 1 9 8 4 , p . 6 2 . C f . Dan

S c h i l l e r :

T h e o r i z i n g

c o m m u n i c a t i o n .

Nova Y o r k :

Ox

f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , 1 9 9 6 , p .

3 9 - 7 2 .

3 MUMFORD,

L . T e c h n i c s

and c i v i l i z a t i o n

[ 1 9 3 4 ] .

Nova Y o r k :

H a r c o u r t ,

B r a c e  

W o r l d ,

1 9 6 3 ,

p .

2 9 7 .

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s

d a

p r o b l e m á t i c a 6 5

por uma

mudança,

com o surgimento de uma

vigorosa

indústria

da diversão.

A l e i t u r a

de revistas tornara-se hábito

corrente,

e a

veiculação

de

anúnci os po r

toda

a

parte

criava

as

bases

de

onde

surgiria a futura cultura de consumo.

Nessa

época,

o autor pode ve r também a maneira como e s s e s

meios e situação foram habilmente explorados, com

objetivos

políticos, pelos movimentos t o t a l i t á r i o s . Conforme ele ajudou a

entender

mais

tarde, no

período entre-guerras

as

técnicas

de

promoção

da

primitiva cultura de massa

foram

colocadas a servi

ço

do

Estado.

A

manipulação

da

psicologia

de

massas

tomou

o

lugar da

ideologia. O cinema e

o rádio foram reduzidos

a ve í

culos de

propaganda. O folclore nacional popular de

diversos

pa

íses f o i reciclado industrialmente. Na Alemanha, especialmente,

o s e s pe t áculo s esportivos forneceram o

modelo

para a organiza

ç ão das

cerimónias

de celebração do r eg i m e nazista.

Fredric Jameson

o b s e r v a com

razão

que

conta-se

entre

os

principais

fatores

de escândalo suscitados pelo pensamento do

autor o

fato

dele

t e r relacionado ambos os f enó m eno s . I s t o é ,

considerar a cultur a de

massa uma

das condições históricas

de

aparecimento do fascismo.4 A

conexão, de

f a t o ,

aparece diversas

vezes, sobretudo

em seus

ainda pouco

conhecidos

e s tudo s s ob re

a propaganda:

Possivelmente o segredo da propaganda f a s c i s t a é o f a t o

de

que e l a

s e l i m i t a

a

t r a t a r

os

homens

como

realmente

s ã o :

verdadeiros

f i l h o s

da cultura de

massa

padronizada de hoje em d i a , pessoas privadas

de

autonomia

e espontaneidade, ao invés de propor metas cuja rea

lização

e x i g i r i a

a

transcendência do

s t a t u s

quo s o c i a l

e

psicológico

( I n d ú s t r i a , p . 1 2 9 ) .

Por

outro

lado, as práticas da

indústria cultural,

entre

outras

coisas, se caracterizam por

atribuir

às estrelas

que

por meio delas

se

cristalizam

  características

que,

em

outros

países,

foram

re

servadas

ao s

ditadores [de direita e

de

esquerda] .5

Em

última

instância, o pensador,

vê-se pois,

enxergou no fascismo

tanto

quanto na indústria da cultura formas - não obstante distintas -

de totalitarismo, radicalizando certas idéias correntes no

período,

4 JAMESON, F . L a t e

m a r x i s m : A d o rn o . Nova Y o r k : V e r s o ,

1 9 9 0 . p . 1 4 0 .

 

ADORNO,

T .

  A n a l y t i c a l

s t u d y

o f

NBC ,

p .

3 7 6 .

Page 70: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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66 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

embora não devamos exagerar o grau

em

que procedeu a e s s a

aproximação.6

Seguindo

o

anúnci o de

Nietz sche,

os

intelectuais

europeus

da época haviam como um todo e há algum tempo chegado à

conclusão de que a

cultura

moderna estava em c r i s e :

a chamada

rebelião das m as s as , o progresso da técnica e as mudanças nos

padrões

culturais

importavam em

uma

mudança

no próprio pro

cesso civilizatório. A avaliação do fato - porém -

não

f o i unâni

me,

 sendo

muito

desigual

o modo

como os intelectuais

se

divi

dem

em

dois

campos,

até

a

década

de

3 0 .

7

A

esmagadora

maioria acreditava

que

o progresso técnico

e ra um fator

de

embrutecimento cultural. Os

conhecimentos

vei

culados por ele s ó podiam assumir a forma de clichês. A propa

ganda,

o

rádio e

o

cinema

estavam

a

empobrecer o

e s p í r i t o , ofe

recendo

  satisfações

estéticas do pior nível , que reafirmavam a

pertença

de

s e u público a uma massa

 complacente ,

bitolada

e

i r

racional . As camadas cultas

haviam

caído

em isolamento

e j u l -

gavam-se

em

perigo

de

extinção, numa era

em que

os s e n t i m e n

tos e hábitos mentais do chamado grande

público

eram por

ele

tomados dos jornalistas e homens de propaganda.

D e star te , v ia- se na produção

em

massa e na técnica moderna

fatores que tendiam a

solapar as

bases

da estrutura

espiritual em

que

se assentava a tradição ocidental.

As revistas,

os filmes e

os

discos, favorecendo   a di ve rs ão pas s iv a

e

brutal , eram acusadas

de produzir uma

subver são

dos valores

culturais

mais autênticos,

cujo pior fruto porém   po ssi velm ent e seria - [segundo a maneira

de ve r desses intelectuais] - a ruína t o t a l da arte e da l i t e r a t u r a . 8

6

Segundo

J a m e s o n ( l o c c i t . ) , a c i r c u n s t â n c i a d e   a I I G u e r r a M u n d i a l t e r s e e n c e r r a d o

com a v i t ó r i a d a

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

s o b r e s e u r i v a l

e

c o m p e t i d o r

n a z i s t a f o i

e n t e n d i d a

p o r

e l e s co mo um a

v a r i a ç ã o

d e n t r o d e um ú n i c o p a r a d i g m a , a o i n v é s d e uma

v i t ó r i a

s o b r e

o u t r o .

7 HAUSER, A . H i s t ó r i a s o c i a l d a l i t e r a t u r a e d a a r t e   3 . e d . ) . S ã o

P a u l o :

M e s t r e J o u .

1 9 8 2 . V o l . 2 , p . 1 1 1 7 . D u r a n t e

e ss e s a n o s ,

e s t u d i o s o s b e m - i n t e n c i o n a d o s t e n t a

ram e x a m i n a r

a

e s t é t i c a e d i s c u t i r o e s t a t u t o d e a r t e d a s n o v a s t e c n o l o g i a s .

E n t r e t a n t o ,

o v e r d a d e i r o p o n t o e m

q u e s t ã o e r a

o s i g n i f i c a d o

c u l t u r a l

d a s

mudanças

q u e e l a s

e s t a

vam i n t r o d u z i n d o n a

s o c i e d a d e .

C o n f i r a d e t o d o modo G i l b e r t S e l d e s

( T h e

s e v e n

l i -

v e l y a r t s , 1 9 2 4 ) , A b e l Gance ( A a r t e c i n e m a t o g r á f i c a , 1 9 2 7 ) , R u d o l f Arnheim ( A a r t e

d o c i n e m a , 1 9 3 2 ) K u r t London ( F i l m M u s i c , 1 9 3 6 ) , R u d o l f Arnheim ( E s t é t i c a

r a d i o

f ó n i c a , 1 9 3 6 )

e C l e m e n t G r e e n b e r g ( K i t s c h

e v a n g u a r d a , 1 9 3 9 ) .

8 C f . JOHN

CAREY:

Os

i n t e l e c t u a i s

e

a s

m a s s a s . S ã o P a u l o :

A r s

P o é t i c a , 1 9 9 3 , p . 1 1 -

2 8 .

S a l v a d o r

G i n e r :

La

s o c i e d a d

m a s a .

B a r c e l o n a :

P e n í n s u l a , 1 9 7 9 .

Andrew

R o s s :

No

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s

d a

p r o b l e m á t i c a 6 7

Johan Huizinga

r e su miu e s s e

entendimento,

bastante disse

minado entre a intelectualidade tradicional, julgando que   a

substituição

da

cultura

por

um

gigantesco

aparato

expedidor de

ordens em massa ,

enfraquecedor da capacidade julgar, ainda

que difundindo conh ecimentos, estava le vando ao fim do tipo

humano criado pelo ociden t e moderno.

Entre

os e x t r e m o s da r e

dução dos valores

que

dele provêm e o nivelamento social exigi

do pelo r e s se nt i me nt o das camadas subalternas

estava

surgindo,

via tecnologia, uma  inim izade para com a cultura ou   processo

de

barbarização ,

que

poderia

 re duzir

a

tudo

o

que

até

então

ela

criara

em t e r m o s de civilização .

A reprodução mecânica do espetáculo e do som exclui virtualmen

t e o elemento de rendição e absorção

da

alma; não

ê x t a s e , não

há clima, não há comunhão

com

o

eu

í n t i m o , êxtase

e

comunhão

que são a s verdadeiras coisas sem a s quais não po de haver verda

deira c u l t u r a . 9

No

período

em

seguida

à

I

Guerra

Mundial,

também

houve

v o z e s

porém

que, em

contraponto,

saudaram

a

chegada

dos no

vos meios e

artes industriais.

Intelectuais de vanguarda

bastante

diversos proclamaram o advento de uma

nova

era

cultural, base

ada nas imagens e no

contato

com as

massas.

D e s en v o lv eu- s e a

convicção

de

que a tecnologia

estava

destinada a ser a nova força

espiritual dominante. A cultura burguesa perdera a legi ti midade

para aqueles

que

viam

em

s eu

tempo

o

momento

de

afirmação

da

era

da

máquina.10

r e s p e c t :

i n t e l l e c t u a l s

and

p o p u l a r

e u l t u r e .

Nova Y o r k : R o u t l e d g e .

1 9 8 9 . P a r a

Geor

g e s Duhamel ( S c è n e s d e l a v i e

f u t u r e .

1 9 3 0 ) ,   o c i n e m a

é

p a s s a t e m p o p a r a p á r i a s , d is

s ip aç ã o p ar a i l e t r a d o s , p a r a c r i a t u r a s m i s e r á v e i s a t u r d i d a s p o r s u a s p r e o c u p a ç õ e s . J á

Whyndham L e w i s c u l p a v a o r á d i o

e

o s a n ú n c i o s p e l a d e s t r u i ç ã o d o s

e l e m e n t o s f o r

m a d o r e s

d a

i n d i v i d u a l i d a d e , r e f o r ç a n d o uma c o n s c i ê n c i a d e n a t u r e z a c o l e t i v i s t a ,  um

r e b a i x a m e n t o

s i s t e m á t i c o

e

f o r ç a d o

d o s

p a d r õ e s

c i v i l i z a d o s

( T i m e

and

w e s t e r n

m a n ,

1 9 2 8 ) .

HUIZINGA, J . Nas

s o m b r a s do amanhã [ 1 9 3 5 ] .

S ã o

P a u l o :

A c a d ê m i c a ,

1 9 4 6 , p . 1 7 6 .

D e s d e N i e t z s c h e , s e n ã o d e T o c q u e v i l l e , v e r i f i c a - s e , n a m o d e r n i d a d e , a p r e s e n ç a d e

uma c r í t i c a d a

c u l t u r a

d e s e n t i d o

a n t i m o d e r n o .

J e a n F r a n ç o i s M a t t e i n o s d á

e x e m p l o

r ec e nt e d e la e m A

b a r b á r i e i n t e r i o r

( S ã o

P a u l o :

U n e s p ,

2 0 0 1 ) .

Reunimos n o s s a r e f l e

x ã o

s o b r e a mesma

e m

C r í t i c a d a r a z ã o

a n t i m o d e r n a

( S ã o

P a u l o :

E d i c o n .

2 0 0 3 ) .

P a r a a B a u h a u s , p o r e x e m p l o , c h e g a r a a h o r a d e a i m a g i n a ç ã o p a s s a r

a s e r

tratada p e l a

t é c n i c a

i n d u s t r i a l : s ó a s s i m s e p o d e r i a a p r o x i m a r

a

a r t e d o c o t i d i a n o .

A

r e d e n ç ã o d a

c a t e g o r i a

e s t a v a a

d e p e n d e r d a

f e i t u r a

d e

n o v a s i m a g e n s ,

m a i s c o m p a t í v e i s com

a s

a s

p i r a ç õ e s p o p u l a r e s .

Segundo

Moholy-Nagy

( 1 9 3 2 ) ,

p o r t a - v o z

d o

g r u p o :

 A

c â m e r a

é

Page 72: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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68 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Influenciados

pelas

experiências de vanguarda promovidas

durante o s pr im ei ro s anos da Revolução Russa, os intelectuais de

esquerda

procuravam

ve r

sobretudo

o

significado

libertário

e

o

caráter

de m o cr át i co do s novos m e i o s de comunicação.

Segundo

e l e s , as

técnicas

de reprodução da obra de arte s ão forças produ

tivas que,

se bem veiculam uma nova

forma

de   ópio

do povo ,

desde o pont o de vista técnico conduzem a

uma democratização

jamais suspeitada da capacidade

de fruição tanto quanto

do pró

prio s i s t e ma

de

produção dos bens culturais.

Destarte,

Bertold

Brecht

  tentou

revelar

ainda

no

período

i n i c i a l

da

história do

rádio as

co ndi çõe s s ob

as quais e s s e

meio

poderia

se

tornar parte de

um

processo produtivo de mudança

das

relações entre

as

pessoas ,11

enquanto outros

cogitavam em

suprimir a

contradição

e xi s te nt e e nt r e

o

cinema e a educação,

fa

zendo

o

primeiro mais realista e a segunda

mais

divertida; tor

nando   o divertimento uma arma

para a educação coletiva, liber

tada

da

guarda do

pedagogo

e do hábito cansativo

da moraliza

ção .1 Acreditava-se

que

a cultura burguesa perdera s eu poten

c i a l

de

estímulo

e

se condenara ao

esclerosamento. O

progresso

das

forças

produtivas

conduzira à

s ua

crise

ao mesmo tempo

em

um a r t e f a t o t é c n i c o q u e i n f l u i e m n o s s a

m a n e i r a

d e

v e r

e c r i a um novo o l h a r . P o r i s

s o ,

s e u

emprego

c o n s c i e n t e

c

e s c l a r e c i d o

  s e r á

t ã o

i m p o r t a n t e

q u a n t o

o

c o n h e c i m e n t o

d o a l f a b e t o : o s a n a l f a b e t o s d o f u t u r o s e rã o o s q u e n ã o s o u b e r e m u s a r

a

c a n e t a

t a n t o

q u a n t o uma c â m e r a .

C f .

L a z l o M o h o l y - N a g y : M o h o l y - N a g y : a n a n t h o l o g y ( O r g . p o r

R e i n h a r d t K o s t e l a n e t z ) , Nova Y o r k : Da C a p o , 1 9 7 0 .

NEGT, O .  Mass m e d i a : t o o l s o f

d o m i n a t i o n o r i n s t r u m e n t s

o f l i b e r a t i o n ? .

I n :

Ne w

German C r i t i q u e 5

( 6 1 - 8 0 ) 1 9 7 8 ,

p . 7 1 . C f . B e r t o l d B r e c h t :

  T e o r i a

d e l a

r a d i o

[ 1 9 2 8 - 1 9 3 2 ] .

I n : E l compromiso

e n l i t e r a t u r a y

a r t e .

B a r c e l o n a :

P e n í n s u l a ,

1 9 7 3 ,

p .

8 1 - 9 2 .

Leon

T r o t s k y a p u d A l a n Swingewood, O m i t o

d a

c u l t u r a d e m a s s a . R i o d e J a n e i r o :

I n t e r c i ê n c i a , 1 9 7 8 , p .

2 7 . C f .

T r o t s k y , L .   V o d k a ,

t h e

C h u r c h a n d

t h e

Cinema

( 1 9 2 3 ) .

I n :

P r o b l e m s

o f e v e r y d a y

l i f e .

Nova

Y o r k :

Monad,

1 9 7 7 .

C h a r l e s

Madge,

p o r

e x e m p l o , c r i t i c a v a n e s s a é p o c a o

c a r á t e r d e

m a s s a s

d a i m p r e n s a m o d e r n a ,

p o r s u a d e

p e n d ê n c i a à

f o r m a

e m p r e s a r i a l ,

e

a

r a d i o d i f u s ã o p e l a p o b r e z a e s p i r i t u a l .

R e s s a l t a v a ,

p o r é m ,

a

s u p e r i o r i d a d e p o l i t i c a

e s o c i a l

q u e ambas r e p r e s e n t a v a m h i st o ri ca me n te s o

b r e

a

c r i a ç ã o

i nd iv id ua l e como n e s s e s n o v o s m e i o s

a n u n c i a v a - s e

um

f u t u r o e m q u e

  a s

m a s s a s s e r i a m l i v r e s p a r a e x p r e s s a r s e u s d e s e j o s c o n t i n u a m e n t e ( C f . S t e p h e n

E a s t o n

[ o r g . ] : D i s o r d e r

and d i s c i p l i n e .

A l d e r s h o t :

Temple S m i t h , 1 9 8 8 , p . 1 2 6 ) .

A c r e d i t a v a - s e , e m s u m a , q u e uma

c u l t u r a

e s t a v a m o r r e n d o

e a o u t r a ,

p o r n a s c e r , s e r i a

m a i s p l e n a e m p o s s i b i l i d a d e s d e c r i a ç ã o c ol et iv a e r e al iz aç ã o i nd iv id ua l d o q u e a a n

t e r i o r , g r a ç a s

a o s

r e c u r s o s t é c n i c o s co m q u e p o d e r i a d i s p o r , como

n o t a v a

C h r i s t o p h e r

C a l d w e l l

  c f .

S t u d i e s

i n

a

d y i n g

c u l t u r e ,

Nova

Y o r k :

M o n t h l y

R e v i e w ,

1 9 7 1 ) .

Page 73: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s

d a p r o b l e m á t i c a 69

que as novas fo rm as de expr e s são libertavam as massas de s ua

ascendência

ideológica.

Para

outros,

  a

concepção

do

mundo

como

meio

de

fruição,

conforme a

encontramos

na época de auge da música

burguesa,

extinguira-se totalmente. Na atualidade, j ul gav am , o entendimen

to

do desfrute

dos bens

culturais passara

da forma

contemplativa

para a de estímulo momentâneo.  O entretenimento... tornou-se

um meio de distração

carente de

compromisso... servindo apenas

para r epr oduz i r a força de trabalho . Costuma-se ve r isso com

pesar.

Na

verdade,

não

é

a

melhor ó t i c a .

O

fenómeno

tem

um

sentido progressista porque, ao arruinar a estética burguesa e os

m i to s da arte

e

do a r t i s t a , representa antes um

caminho através

do qual poderá

avançar   a luta dos

trabalhadores

por uma nova

cultura [ . . . ] de acordo

com

s ua

posição

classista , dizia

Hanns

Eislerem 1928 . 1 3

O Instituto de Pesquisa Social

não

ficou alh ei o à maté ria,

tendo em vista que

o

problema

de

fundo

de s ua

proposta de estu

do da vida social f o i , desde o i n í c i o ,   o

problema

da conexão que

sub s is t e e nt r e

a base

económica

da sociedade, o de s en vo lvi m en t o

psíquico do indivíduo e as mudanças que têm lugar na esfera da

cultura . A investigação dos fundamentos económicos da vida

social requeria, para seus membros, não somente

uma

psicologia

social que analisasse os mecanismos de integração do indivíduo

às suas

demandas, mas um

e s t udo das formas

culturais

em que

se

materializavam.

Destarte, o

t e r r i t ó r i o da pesquisa

social não se

deveria limitar

à estrutura económica

e s i s t e m a

de

classe,

preci

sando compreender ainda

  a

esfera

da cultura

e

do

modo de

v i

da , onde

se

incluem

não s ó a religião, a arte e a ciência, mas   os

costumes, a moda, o esporte, a opinião pública, o e s t i l o de vida,

as

formas

de

diversão .14

Conforme

o b s e r v a Rolf Wiggerhaus, o

interesse

dos estu

diosos

que

circulavam

à

s ua

volta

em

 promover

uma

detalhada

discussão

do problema e aplicar s ua

t eor ia às formas populares

1 3 EISLER,

H . E s c r i t o s

s o b r e

e l

a r t e .

H a v a n a : A r t e s

y

L e t r a s ,

1 9 9 0 ,

p . 1 0 1 . W i l l y B o l l e

c o m e n t a a c ul tu ra p ro gr es si st a d e m a s sa s d a é p o c a e m F i s i o g n o m i a d a m e t r ó p o l e

m o d e r n a . São P a u l o : E d u s p , 1 9 9 4 , p . 1 4 8 . A

p r o p ó s i t o

d a m a t é r i a e m f o c o , p o d e - s e

c o n s u l t a r

 Mass

c u l t u r e i n

i m p e r i a l Germany - 1 8 7 1 - 1 9 1 8 (New German

C r i t i q u e ,

v . 2 9 , 1 98 3 ) .

1 4

HORKHEIMER,

M.

S t u d i

d i

f i l o s o f i a

d e l l a

s o c i e t à ,

p .

3 9 .

Page 74: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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70

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

da

chamada

cultura é   revelado pelo plano

de editar um volume

de e ns ai os s ob re A arte para consumo de massas [1936].  A

idéia

era

combinar

o

ensaio

de

Benjamin

sobre

a

o bra de

arte

e

o

de Adorno,

sobre

o

jazz, com um ensaio de

cunho

social e

t e ó r i

co de Kr acaue r sobre as novelas policiais, mais

trabalhos

escritos

por Bloch e outros, sobre matérias como

a

arquitetura

e

as revis

t a s ilustradas, além

de um

alentado ensaio introdutório de autoria

de Hor kh ei m er .1 5

A

coletânea

projetada

nunca saiu do papel,

entre outras

ra

zões,

devido

à

variedade

de pont os de

vista

existente

no grupo

de

colaboradores. A referência é importante, porém por dois mot i

vos. Em primeiro lugar, confirma a idéia de que,

ne s s a é po ca,

a

nova arte de m as s as havia se tornado motivo legítimo de reflexão

entre os

pensadores

europeus. Em segundo, indica a constelação

intelectual

em que se gestaram

as

idéias que, mais tarde, enseja

riam

a

pr o po s i çã o de uma análise c r í t i c a da indústria da cultura.

Adorno confirmou s ua suspeita de que a nova arte de mas

s a s ,

engendrada pelo

cinema, o rádio

e

outras técnicas, sinalizava

uma

profunda ruptura cultural

quando passou

a residir

no s E sta

do s

Unidos. Durante

o e x í l i o , o pensador

póde ver como os inte

resses empresariais

assumiram

o controle da produção cultural na

sociedade contemporânea.

A colaboração

em projetos de pesqui

sa

conduzidos

dentro do próprio si s t ema e o círculo social em

que se

inseriu forneceram-lhe

a experiência

viva

em que

se ba

seia

s ua

c r í t i c a

da indústria cultural. Conforme relata

Adorno,

  e u sabia bem o que

s ão

os grandes

trustes

e o capitalismo mo

nopolista; entretanto ignorava totalmente até que ponto o plane

jamento e a padronização racionais

impregnavam

os chamados

meios de comunicação (Indicadores, p . 109).

Em 193 7, a

Fundação

Rockfeller

dotara

a Universidade de

Princeton

de uma v e r b a para

a realização

de um vasto projeto de

pe s qui s a s o br e

o

rádio

no s Es t ado s U ni do s .

O

veículo

ainda

era

então

um

meio bastante novo, que

não havia sido

totalmente e x

plorado. Nas

palavras de

Hadley Cantril, um dos

diretores,

  a

1 5 WIGGERSHAUS, R .

T h e

F r a n k f u r t

S c h o o l , p . 2 1 3 . S t e fa n M u l l e r - D o h m : A d o r n o ,

u n e b i o g r a p h i e , p . 2 2 2 - 2 2 3 . Em 1 9 3 7 , K r a c a u e r

  d i s c u t i u um

p r o j e t o d e c o la b o r aç ã o

com

Adorno e B e n j a m i n s o b r e o t e m a a r t e d e massa e c a p i t a l i s m o m o n o p o l i s t a , q u e

f o i

r e j e i t a d o

p e l o I n s t i t u t o d e v i d o a o s e u a l t o c u s t o ( M a r t i n J a y : P e r m a n e n t e x i l e s .

Nova

Y o r k :

Columbia

U n i v e r s i t y

P r e s s .

1 9 8 5 ,

p .

2 2 4 ) .

Page 75: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s

d a

p r o b l e m á t i c a 71

principal

idéia

era

tentar

determinar

o papel

do

rádio

na

vida de

diferentes tipos de ouvintes, s eu

significado

psicológico

para as

pessoas

e

as

várias

razões

por

que

elas

apreciam-no .1

A

condu

ç ão das pesquisas mobilizou numerosa

equipe

e f o i confiada a

um

pequeno instituto

independente,

dirigido por

um

dos funda

dores

dos estudos

de

mídia no

século

passado,

Paul Lazarsfeld.

Adorno logrou engajar-se

nele

como chefe de pesquisa da

s e ção

de

música e

como t a l

realizou diversos trabalhos,

desde

o

estudo

das

cartas

que o

público

re me t ia às emissoras

e de seus

programas

até

entrevistas

com

ouvintes

e

pessoal

da

indústria

ra

diofónica. O plano era

valer-se

desses materiais para

não

apenas

comparar

s eu poder

de atração, mas também examinar

as

dife

renças

sociais entre

os

ouvintes e

correlacionar

os gos tos com o

nível social da audiência.  Os contratos comerciais com as redes,

editoras e

firmas

de marketing

forneciam

ao projeto os fundos

suplementares e importantes fontes de informação , como nota

Daniel Czitrom.17

Apesar

de

se conduzir

de m ane ir a

produtiva, e screvendo d i

versos relatórios, rapidamente começaram a estalar porém desa

venças entre ele e Lazarsfeld. A pretensão de empregar o método

dialético e elaborar

uma

  teoria social da radiodifusão choca-

ram-se com a

concepção

filosófica em que

se

baseava

o

projeto,

condenando ao

i ns uce s s o s e u

esforço de

colaboração.

Os princípios de pesquisa

eram administrativos,

i s t o é :

obje-

t ivavam coletar

dados

que

ajudassem a planificar a

aç ão do s con

troladores dos m e i o s de comunicação. Realmente não havia ne

nhum lugar

para a pesquisa social c r í t i c a :

  tudo

podia ser objeto

de análise,

menos o

próprio

sistema,

seus

supostos sociais e e co

nómicos e seus efeitos socioculturais . Destarte, Adorno

f o i

de s

ligado

do Projeto

de

Pesquisa

de

Rádio da Universidade

de Prin-

ceton em

1940.18

1 6

WIGGERSHAUS, R . T h e F r a n k f u r t S c h o o l ,

p . 2 3 9 .

  CZITROM, D . Media and

t h e

a m e r i c a n

m i n d . C h a p p e l l

H i l l [ N C ] :

U n i v e r s i t y

o f

N o r t h

C a r o l i n a ,

1 9 8 2 , p . 1 2 9 .

1 8 C f . DONALD MORRISON:   K u l t u r a n d c u l t u r e : The c a s e o f T h e o d o r Adorno a n d

P a u l

L a z a r s f e l d .

I n :

S o c i a l

r e s e a r c h 4 5 ( 3 3 1 - 3 5 5 )

1 9 7 8 .   T h e

b e gi nn in g o f

modern

m a s s c o m m u n i c a t i o n r e s e a r c h . I n : A r c h i v e s e u r o p é e n n e s d e s o c i o l o g i e 1 9 ( 3 4 7 - 3 5 9 )

1 9 7 8 . W i l l i a m T o w e r s :   L a z a r s f e l d a n d Adorno i n t h e U n i t e d S t a t e s . I n :

Communi

c a t i o n y e a r b o o k I ( 1 2 5 - 1 4 1 )

1 9 7 7 .

R o l f W i g g e r s h a us :

T h e

F r a n k f u r t S c h o o l , p . 2 3 6 -

2 4 6 .

S t e f a n

M i i l l e r - D o o h m :

A do r n o , u n e

b i o g r a p h i e ,

p .

2 4 6 - 2 5 3 .

L a z ar sf el d e

A d o r -

Page 76: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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7 2 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r Adorno e

a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Ent re t ant o, a despeito do quanto o

contato

direto e indireto

com a coisa aj udou o autor

em

suas análises,

precisamos

notar

que

os

primeiros

e s b o ç o s

e

as linhas

de

força

da c r í t i c a

da

indús

t r i a

cultural proposta em Dialética do

Iluminismo não

surgiram

ne s s a é po ca,

remontando ao s

ensaios so b r e

a situação

técnica

e

social da música, escritos por ele entre o f i n a l dos

anos

1920 e

meados

da

década de

1930. 1 9

Como

vimos

antes, as

posições

sobre o

problema

da

arte

de

massa podiam ser divididas então em

dois

grupos. Os

conserva

dores

culturais condenavam

s eu

aparecimento

pela

concepção

bárbara e dependência às técnicas

industriais, que

ameaçava os

valores

culturais

dominantes na sociedade.

Em co nt rapo nt o , o s

intelectuais

progressistas

tendiam a

saudar

a

nova cultura, e sp e

cialmente o potencial democrático

que

supunham contido

em

s ua

base

tecnológica.

Siegfried Kracauer e W. Benjamin,

expo ent e s

da posição

progressista, situavam-se naquilo que se costuma

chamar

agora

de periferia do Círculo de Frankfurt. Embora não lhes

fosse

es

tranho, mantinham  uma relação d i f í c i l e insatisfatória

com

o

I n s t i t u i

f i i r Sozialforschung . : t ) Também Adorno, po r é m ,

deve

mos notar, encontrava-se

nes sa

situação durante a década de 30.

 A

Dialektik de r Auf k l àrun g significa

em

muitos aspectos

uma

ruptura com a orientação teórica do

I n s t i t u i

f i i r

Sozialforschung

de

Frankfurt, mas

nenhuma, em

realidade, com os

pontos filosó

ficos de partida do jovem Adorno .21

Embora

dando

outra inflexão,

o

pensador comungava nes sa

época

de

posições teóricas

mui t o mais próximas

daqueles

autores

do que com as do

materialismo interdisciplinar

pr e co ni z ado po r

Ho r k h e i m e r . As contribuições à análise da nova arte

de

massas

n o

r e la ta ra m s ua s

v e r s õ e s

a

r e s p e i t o d o a s s u n t o e m F l e m i n g , D .

 

B a i l y n ,

B .

( e d i t o

r e s ) :

T h e

I n t e l l e c t u a l

m i g r a t i o n .

C a m b r i d g e ( M A ) :

H a r v a r d

U n i v .

P r e s s ,

1 9 6 9 .

 

C f .

  Z um A n b r u c h : E x p o s é ( 1 9 2 8 ) ,   Z um J a h r g a n g 1 9 2 9 d e s

A n b r u c h e

  K i t s c h

( 1 9 3 2 ) . I n : - Gesammelte S c h ri ft en [ V o l. 1 8 ] . F r a n k f u r t : S u h r k a m p , 1 9 8 4 :  On t h e

s o c i a l s i t u a t i o n

o f m u s i c

( 1 9 3 2 ) . I n : T e l o s

3 5

( 1 2 8 - 1 6 4 ) 1 9 7 8 ;  The f o r m o f t h e p h o -

n o g r a p h

r e c o r d

( 1 9 3 4 ) .

I n : O c t o b e r

5 5 ( 4 8 - 6 1 )

1 9 9 0 ;  On j a z z . I n : D i s c o u r s e , v .

1

1 ,

1

( 4 5 - 6 9 )

1 9 8 9 / 1 9 9 0 ;

  O

f e t i c h i s m o n a m ú s i c a e a r e g r e s s ã o n a a u d i ç ã o ( 1 9 3 8 ) . I n :

Max

H o r k h e i m e r

  T h e o d o r

A d o r n o :

T e x t o s e s c o l h i d o s . S ã o P a u l o :

Nova C u l t u r a l ,

1 9 9 1

( C o l . Os p e n s a d o r e s ) .

2 0

FRISBY,

D . F r a g m e n t s o f m o d e r n i t y .

C a m b r i d g e ( M A ) :

MIT P r e s s , 1 9 8 6 , p . 9 .

WELLMER,

A .

S o b r e l a d i a l é c t i c a d e m o d e r n i d a d y p o s t m o d e r n i d a d p . 1 3 7 . C f . S u -

s a n

B u c k - M o r s s :

O r í g e n e s d e

l a

d i a l é c t i c a

n e g a t i v a .

México

( D F ) :

S i g l o

X X I ,

1 9 8 1 .

Page 77: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 73

por ele proposta ao lo ngo dos anos surgiram no contexto de

uma

problemática construída em comum com o s aut or es ci tado s e que

incluía

ainda questões

vindas

de

um

grupo

formado

por

outros

marxistas

pouco

convencionais,

como

Bertold

Br ech t, Er ns t Blo

ch,

Béla Bálazs, Hanns Eisler e Georg Lukács (Círculo

de

Ber

lim).

Conforme

se

sabe

a

Escola de Frankfurt

desenvolveu,

em

s ua

segunda etapa de reflexão, um programa

cuja

nota dominante era

adorniana

e cujo sentido f o i definido como um e s fo rç o par a   pór

todos os

argumentos

reacionários

contra

a cultura ocidental

[mo

derna] a serviço do esclarecimento progressista (Mínima Mora-

l i a , p . 168).

A Dialética do Iluminismo (1944/1947),

em

especial, pode

ser vista como uma tentativa de integrar a c r í t i c a cultural

conser

vadora

em

uma teoria social c r í t i c a . Dialeticamente, Adorno, s o

bretudo, concluiu que , pe rant e

o

progresso

cego

e

desenfreado

das forças produtivas, o conservadorismo pode expressar o s eu

contrário

- a mentalidade

revolucionária.

Atualmente, portanto, a

postura c r í t i c a consiste em tomar

partido

pe lo s r e s íduo s de liber

dade

de consciência restantes, e

não

 acelerar, ainda

que

indire-

tamente,

a marcha em direção ao mundo

administrado (Dialéti

ca,

p .

1 0 ) .

Para Adorno, Nietzsche, Klages e Spengler, por e x e m plo , t i

nham tanto a

nos

ensinar e a ser contestado com relação à fortu

na da cultura

nos

tempos modernos quanto os sucessores i l u s t r a

dos de Marx e Engels. O veredito sombrio

so b r e

o

ponto e r a ,

pa

ra

o

autor,

mais

rico em ensinamento do

que

a

sadia

vontade de

viver

do

pensamento normalizado da intelectualidade esquerdista.

Na reflexão sobre a

indústria

cultural isso

fica muito

claro:

foram os reacionários

que

viram o

que

os outros

subestimaram

-

o s ur gi me nt o de um novo homem primitivo. A reelaboração c r í

t i c a

das

teses

dess e s

autores

é

detectável,

por

exemplo,

na

manei

ra como

aquela reflexão

integra

seus m ot iv os . Ent re

e l e s ,

citemos

os

da

revolta dos escravos

na moral,

o do

retorno

do

reino arcai

co das imagens e o do caráter místico

que

a tecnologia - enquan

Page 78: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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74 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

t o expr e s são

de uma

vontade

de

poder

sobre

a

natureza

- adqui

r e ,

via

máquina, entre

as

massas na

e ra

contemporânea.22

Segundo

Adorno,

os

pensadores

retrógrados

e

antimodernos

conseguiram

fugir

do ent endimento de que, em no ss o t em po , ve-

rificar-se-ia a di s s o luç ão

da

mitologia

na i m an ê nci a da

consciên

c i a .

Em

geral,

eles

contestaram

a

hipótese de que

a

mitologia

tenderia

a

se

tornar

mero s i m b oli s m o , po s t ulando

s ua realidade

em

t e r m o s

bem materialistas. Na modernidade, afirmava um

de

l e s ,   a

tecnicidade

está

se

tornando mui to m ai s digna de

atenção

do que

o

indivíduo

que,

dentro

dela,

e mit e s ua

opinião ,

porque

é   cada v e z mais

d i f í c i l

separar os e l e m e n t o s que compõem o

jornal, separar o texto dos

anúncios,

a c r í t i c a das notícias, a parte

política do caderno de

variedades .2 3

A c r í t i c a da

cultura

com

que

e ss es aut ore s se compromete

ram,  não o bs t ant e s uas categorias [mistificadoras], individuali

zam

determinados aspectos da

problemática social

que, sem dú

vida,

não

têm

como

surgir

da

c r í t i c a à economia política [pro

gressista] .24 Através dela, ele s acabaram explorando a hipótese

de

que,

migrando

para

dentro do

homem

mesmo,

as

fo rm as de

se

exercer o poder

poderiam

terminar s o b r e v i v e ndo à

progressiva

falência das fo rm as de dominação imediatas que

ocorre

no âmbi

to de nos sa sociedade. O relevante neles é

que,

em

s e us di ve rs os

escritos, encontra-se

uma

suspeita em

relação

à boa consciência

que parece reinar entre os homens modernos, uma suspeita que,

c r í t i c a

e

reflexivamente,

f o i

apropriada por Adorno.

Como e s s e nota, pensadores s o m b r i o s do ocaso da e ra bur

guesa, lograram perfidamente, eles todos, observar que

a

tendên

cia

em

curso nas condições

de

vida

urbana atuais

é a s ubs tit uição

do

potencial

criativo do intelecto pelo relaxamento distraído e

2 2

C f .

GEORGES

FRIEDMAN:

La

f i l o s o f i a

p o l i t i c a

d e

l a

Escuda

d e

F r a n k f u r t .

México

( D F ) : FCE, 1 9 8 6 , p . 2 9 - 1 1 2 .

Sigmund

F r e u d , e n q u a n t o c o n s e r v a d o r i l u s t r a d o , t a m

bé m t e m um

p a p e l

d e

d e s t a q u e n e s s a c o n s t r u ç ã o . C f .

S é r g i o P a u l o

R o u a n e t :

T e o r i a

c r í t i c a e p s ic a ná l i se .

R i o

d e J a n e i r o : Tempo B r a s i l e i r o ,

1 9 8 3 .

2 3

JÚNGER, E . E l T r a b a j a d o r [ 1 9 3 2 ] . B a r c e l o n a: T u s q u e ts , 1 9 9 0 , p . 2 4 7 . C f .

Oswald

S p e n g l e r : O homem e a t é c n i c a . M a dr i : E s pa sa - C al pe , 1 9 3 4 . Ludwig K l a g e s : L ' anima

e l o s p i r i t o . M i l ã o : B o m p i a n i , 1 9 4 0 .

F r i e d r i c h

N i e t z s c h e :

G e n e a l o g i a d a

M o r a l .

S ã o

P a u l o :

B r a s i l i e n s e ,

1 9 9 8 . M i c h e l M a f f e s o l i r e a t u a l i z a e s s a abordagem

e m s u a

a m p l a

b i b l i o g r a f i a .

C r i t i c a m o s

s u a o b r a e m C i v i l i z a ç ã o e b a r b á r i e n a c r í t i c a d a c u l t u r a c o n

t e m p o r â n e a : l e i t u r a d e M i c h e l

M a f f e s o l i .

P o r t o

A l e g r e :

E d i p u c r s , 2 0 0 2 .

: 4

HORKHE1MER,

M.

 

ADORNO,

T .

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d i

F r a n c o f o r t e ,

p .

1 4 6 .

Page 79: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s

d a

p r o b l e m á t i c a

75

u t i l i t á r i o :   a

estupidez praticada e consumida de maneira

cons

ciente

e sistemática; a sub s ti tui ção

da

tensão espiritual

pela

t en

s ão

corporal

do

esporte;

e

finalmente

a

substituição

da

tensão

corporal pela tensão sensual do prazer,

e

da tensão

espiritual

pela

excitação proporcionada

pelos

jogos

e

apostas;

[nisso

tudo]

a pu

ra lógica

do

trabalho cotidiano

é

reposta por uma mística cons

ci en t e m ent e sab o r eada (Spengler

apud

Prismas,

p . 47).

O

problema principal

com

suas idéias e r a ,

po r é m ,

a

relação

por eles

estabelecida

entre a imaginação humana e uma práxis de

tipo

zoológica;

i s t o

é ,

uma

abordagem

anti-histórica,

veiculadora

de uma

 fé

na

natureza

contrária

à

análise

social

e ,

de f a t o ,

crip-

tofascista,

que,

em

última

instância, conduz a uma espécie

de

comunidade ancorada

numa

idéia

de povo oriunda

da biologia

e

da imaginação .25

Apesar de importante na

elaboração

do diagnóstico

global

sobre a marcha da civilização em que se fundamenta, os princí

pios de construção

da

c r í t i c a à

indústria

cultural, todavia, não se

gestaram

diretamente

nessa interlocução. Embora

ela

a sirva de

maneira mediata,

s ó nos bastidores

é

que e s s e diálogo s urge co

mo figura positiva. A

primeira

v i s t a , a

gêne s e de

citada c r í t i c a

está ligada

antes

ao confronto

de Adorno

com os

textos dos

prin

cipais partidários do caráter progressista da ascensão das massas

e das novas tecnologias

de

comunicação, Siegfried Kracauer e

Walter

Benjamin.

2 . 2

Benjamin, Kracauer

e Bloch

Kracauer ( tl9 6 6 ) , Benjamin ( t l 9 4 0 ) e Bloch ( 11977 ) forne

ceram um conjunto de respostas

ambivalentes à ruptura

da

t r a d i

ç ão e

da

aur a das o br as

de

a r t e , à

crise da cultura

e dos intelec

tuais l i t e r á r i o s

e à

ascensão das massas

e

dos meios técnicos de

reprodução. Percebendo como as transformações técnico-indus-

t r i a i s estavam   produzindo uma

nova relação

entre

arte e socie

dade que, com a generalização do culto da diversão, afetou o

próprio sentido da a r t e , os pensadores

colaboraram como

pou-

2 5 C a r t a d e Adorno a B e n j a m i n . 2 2 / 9 / 3 7 . C o r r e s p o n d e n c i a ( 1 9 2 8 - 1 9 4 0 ) . M a d r i :

T r o t t a ,

1 9 9 8 ,

p .

2 1 0 .

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76 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e

a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

cos para fazer a c r í t i c a cultural avançar pelos   terrenos movedi

ços da embriaguez e da distração e   a

apropriar-se

de mundos

simbólicos

até

então

desprezados

pela

f i l o s o f i a ,

como

a

moda,

o

reclame, o filme, o kitsch, etc 26

Benjamin

procurou

aplicar a análise m ar xi s t a das contradi

ções entre

as

forças produtivas e

as

relações de

produção

às no

vas fo rm as de a r t e , dentro de um projeto cujo s e nt ido e ra a

cons

trução em perspectiva histórica

das relações

entre

mito, imagem

e dialética.

Segundo e l e ,

o de s en vo lvi m en t o das

primeiras

tem

repercussões

na

esfera

da

cultura: levam

à

perda

da

aura

que

ce r

cava as obras de arte tradicionais. Partindo de um e s t udo das fan

tasias

e ilusões que cercaram a

forma mercadoria

na pré-história

da

modernidade, o p e ns ado r de f e nde a

hipótese

de

que

a autori

dade de ss as obras s obre os homens é quebrada pelas novas técni

cas

de

reprodução.

Kracauer

f o i

pioneiro entre os

estudiosos

e urope us ao

pesquisar e r e f l e t i r sobre cultura popular urbana e a vida cotidia-

na

das camadas

médias

assalariadas

na

sociedade

de massas

mo

derna, visualizando

em suas

principais expressões o

resíduo mí

tico

de

um processo histórico-universal progressista e potencial

mente emancipatório.

 O

pensador

f o i , nota

uma

comentarista, o

primeiro a descrever a conexão funcional

entre

trabalho e l a z e r ,

entre racionalização económica e as distrações fo rnecidas pe la

indústria cultural; ele capturou em estado

nascente

a especifici

dade do processo moderno de formação da identidade, mediado

cada v e z menos pela o r ig e m e a tradição e , sim, pelos novos m e i o s

padronizados e industriais de socialização .2 7

Ernst

Bloch dividiu com ambos,

tanto

quanto eles

todos

com

Adorno, a vontade de   varrer as ruínas das culturas r ec é m -

rompidas

para

procurar o s s o n ho s esquecidos, o e xce de nt e cultu

r a l ,

que poderia

antecipar o futuro;

dividiu

com

eles

um

interesse

pela

análise

cultural

micrológica

capaz de

avaliar

o

típico

tanto

quanto o atípico . 8

MACHADO, C . E . D e b a t e s o b r e o

e x p r e s s i o n i s m o .

S ã o P a u l o : U n e s p , 1 9 9 8 , p . 6 3 -

64 .

2 7

C f . INKA MULLER-BACH, p r e f a c i a n d o

S i e g f r i e d K r a c a u e r : T h e s a l a r i e d manes.

L o n d r e s : V e rs o ,

1 9 9 8 , p . 5 .

2 8 J AY, M. Marxis m and t o t a l i t y . B e r k e le y ( C A ) : U n i v e r s i t y

o f

C a l i f o r n i a P r e s s , 1 9 8 4 ,

p .

1 8 8 .

Page 81: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 77

Parafraseando um comentário de

Adorno,

pode-se dizer que,

nos trabalhos que escreveram, completou-s e o

retorno da

filoso

f i a

à

concretude

da

vida

cultural,

uma

mudança

que

se

tornou

canónica

para t odos os descontentes com o

palavreado

improdu

tivo da epistemologia e

que

começou com Georg

Simmel.

No f i n a l do século XIX, N i e t z sche de s pe rt ar a o s europeus

para a profundidade

da crise que se avizinhava dos valores mo

dernos. A necessidade de um novo vigor por

ele

preconizada, to

davia, não teve seguidores. A c r í t i c a cultural que encetou carac-

terizou-se

entre

os

pósteros

por

um

decadentismo.

O

século

XX

passou

a se r vis to como

estágio

f i n a l de

um processo

de

declínio

cultural. A ruptura da visão

de

mundo tradicional produziu uma

pobr e za

de

e s p í r i t o . A progressiva mecanização da existência

conduzira a uma situação em que   a técnica se tornou um fim em

s i

mesmo e as pessoas não desejam s enão a tecnificação

de

to

das as atividades .30

Os

pensadores

em

foco

não

conte s tavam

e s s e

f a t o ,

mas lh e

deram uma nova avaliação, como

de

resto queria aquele filósofo.

A

desintegração

das tradições significava para

eles

o surgimento

de uma nova sensibilidade

para

com

a

realidade imediata.

O co -

tidiano

da

vida moderna

sem

dúvida se tornou

m ais po br e com

a

partida dos santos; os homens

foram

privados do s co nt e ú do s

r e

ligiosos com os

quais

preenchiam suas almas e dotavam-se

de

conteúdo.

Paralelamente,

porém

esta

mutação

engendrou novas pers

pectivas de subjetivação. Revisando os juízos dos

primeiros c r í

ticos da cultura, os pensadores entenderam s eu tempo antes

de

mais

nada como

um período de

transição. O

capitalismo

e a téc

nica criaram uma sociedade

de

massas, mas isso não tem s ó um

sentido

negativo, como diziam

em

atitude

defensiva os

intelectu

a i s cons e r v ado r e s : t raz iam consigo uma série de possibilidades

de

transformação

da

vida

do homem

em

sociedade.

Kracauer, Benjamin e Bloch, convém deixar claro, não eram

otimistas ingênuos;

todos

eles

sabiam que

a técnica moderna

2 9 ADORNO, T .

N o t e s t o

L i t e r a t u r e I I . Nova Y o r k : Columbia U n i v e r s i t y

P r e s s ,

1 9 9 2 , p .

2 1 3 . D o r a v a n t e , a

o b r a

s e r á c i t a d a ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o , como

L i t e r a t u r a

I I .

1 0 KRACAUER, S .

T h e

mass

o r n a m e n t . Cambridge

(MA):

H a r v a r d

U n i v . P r e s s , 1 9 9 5 .

p .

6 9 .

D o r a v a n t e ,

a

c o l e t ã n e a

s e r á

c i t a d a ,

n o

c o r p o

d o

t e x t o ,

como

MfUI

o r n a m e n t .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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78

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

produziu

novos banhos

de s angue

e notaram com

pesar

as perdas

irreparáveis que representa para a experiência humana o desen-

cantamento

da

realidade,

  a desintegração

da

aura

na

experiência

do choque , como

dizia

Benjamin.31 A subjetividade tende a se

desintegrar em uma época na qual os utensílios, a economia, o

esporte,

a escolástica, a g í r i a , as pessoas e tudo o mais e x i s t e m

como sensações, misturam-se em desordem e

vão

e vêm como

se

fossem um

fluxo de imagens.

Bloch,

sobretudo, sempre subli

nhou a artificialidade

da técnica

e a h e di onde z da

máquina,

sur

gidas

e

  deformadas

pelo mundo

burguês

onde

nasceram .32

A racionalização da

vida

social,

embora

positiva,

tende a

evacuar a experiência de sentido, reduzindo-a à vivência do mo

mento,

às

sensações estéticas imediatas.

A

experiência

[Erfa-

hrung] e

o

sentido s ão categorias ligadas à narração, ao hábito de

contar

estórias,

mantido por uma comunidade. A modernidade

provoca s ua

ruptura

e a t r o f i a ,

através

de

uma

série de

shocks,

produzidos pelo processo de trabalho f a b r i l , o contato com as

multidões

urbanas

e a necessidade que essas têm de novas fo r

mas

de comunicação.

Os pensadores

em

juízo reconheceram que   nos choques do

novo

am bi e nt e ur bano

massivo,

[ . . . ] o aparelho perceptivo hu

mano se v ê bombardeado de maneira continua

com

sensações e

estímulos

que já não pode integrar de m ane i ra coerente . 33 As es

truturas

narrativas

s ão quebradas

pela informação e ,

essa, pelas

sensações imediatas

que provoca

na massa atomizada, sucessora

das

velhas

coletividades. Entretanto, defendiam a idéia de que

era i n ú t i l

continuar

pensando

com as categorias

de uma e ra pas -

  BENJAMIN, W.

Obras

e s c o l h i d a s

[ 3

v . ] . S ã o

P a u l o : B r a s i l i e n s e , 1 9 8 5 / 1 9 8 7 . v . I , p .

1 4 5 . D o r a v a n t e , o s l i v r o s s e r ã o c i t a d o s n o c o rp o d o t e x t o , i n d i c a n d o - s e o v o l u m e ,

como O b r a s .

I m p o r t a n t e s

e

o r i g i n a i s

o b ra s s o b r e

a r e f l e x ã o b e n j a m i n i a n a

s o b r e

a c ul

t u r a

m e r c a n t i l

n a

e r a

d a

t é c n i c a

s ã o

S u s a n B u c k - M o r s s :

D i a l e t i c s

o f

s e e i n g .

Cambrid

g e ( M A ) : MIT P r e s , 1 9 8 9 ; W i l l y B o l l e :

F i s i o n o m i a

d a m e t r ó p o l e m o d e r n a . S ã o P a u

l o : E d u s p , 1 9 9 4 ;

K a t i a

M u r i c y : A l e g o r i a s d a d i a l é t i c a . R i o

d e J a n e i r o : Relume Duma-

r á ,

1 9 9 9 ; E s t h e r L e s l i e :

W a l t e r B e n j a m i n .

L o n d r e s : P l u t o , 2 0 0 0 ; Graeme G i l l o c h :

W a l t e r B e n j am i n. C a m b r i d g e ( U K ) :

P o l i t y P r e s s , 2 0 0 2 .

3 2

C f .

JURGEN HABERMAS: S o c i o l o g i a . S ã o P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 0 , p . 1 6 3 . E r n s t B l o c h :

H e r i t a g e

o f

o u r t i m e .

C a m b r i d g e

( M A ) : MIT P r e s s . 1 9 9 0 . A

a r g u m e n t a ç ã o

l e v a d a

a

c a b o n e s t a s p á g i n a s

p a ss a p o r a l t o

a s d i f e r e n ç a s

d e o p i n i ã o

e x i st e n te s e n t re o s

a u t o r e s

c i t a d o s ,

p r o c u r a n d o , a o

i n v é s ,

e n f a t i z a r s e u s p o n to s d e

c o n v e r g ê n c i a p a r a ,

e n t ã o ,

c o n

f r o n t á - l o s co m a s i d é i a s d e T h e o d o r A d o r n o .

 

LUNN,

E .

Marxismo

y

m o d e r n i s m o .

México

( D F ) :

FCE,

1 9 8 6 ,

p .

1 9 5 .

Page 83: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s

d a

p r o b l e m á t i c a

79

sada. Esperançosos

de que

o advento da nova cultura também

fosse

sinal de uma

mudança nas relações

sociais vigentes,

acredi

tavam que

desse

processo

também

poderia

resultar

uma

revolu

ç ão da

sociedade.

Para e l e s , a reprodutibilidade da obra de arte e a massifica

ç ão

da sociedade, em

condições

de

vida

cada

ve z

mais

tecnifica-

das, permitem antever o fim da separação entre

vida e

arte e , por

tanto, uma nova era para a humanidade.

Eles

entenderam os fe

nómenos

de

massa recém-surgidos como expressões

de

uma cul

tura

deformada

pelo

poderio

económico,

mas

também

viram

ne

l e s um potencial

de

libertação. A cultura

de

massa que estava se

gestando e ra portadora

de

bons auspícios, não de desespero. As

técnicas estavam criando no vas for mas de expressão, cujo senti

do principal era político.

Falando

de

maneira geral, progressistas como eles

defendiam

a

hipótese

de

que

elas poderiam ser ao

mesmo tempo

resquício

mitológico

e

prenúncio

de

uma

vida

realmente

humana,

distor

çõ e s

aberrantes

tanto quanto

sinal

de futuras conquistas

da

c i v i l i

zação. Fenómenos como esses poderiam adquirir sentido à medi

da que

as pessoas começassem elas

mesmas

a

procurar i r além

das novas regiões conquistadas. A massificação era, para e l e s ,

um

processo

sem volta, portador

de

um potencial emancipatório.

As tecnologias mais modernas se articulam com uma série de

e l e m e n t o s

culturais com

que

não têm

sincronia,

por pr o vi r e m do

passado, formando uma mistura contraditória, cujo sentido, rea-

cionário

ou explosivo, depende

da maneira

como é

trabalhada

pela consciência p o l í t i c a . Os e l e m e n t o s irracionais com os quais

s e m is tifica

a

técnica, tanto quanto

a

repressão racional dos

im

pulsos utópicos,

podem ser superados por

uma prática progres

s i s t a . Inclusive Ernst Bloch acreditava

que, libertada

das cadeias

míticas tanto quanto

de suas fantasias

intrínsecas,

a

técnica pode

r i a

v i r ,

no l i m i t e ,

a

se

tornar

uma

mediação

formadora

de

um

no

vo s u j e i t o , de uma nova relação entre os homens e os processos

naturais.

Benjamin seguiu

essas intuições ao analisar o processo con

jugado de declínio da aura da

obra de arte e

surgimento da

obra

de arte

tecnológica. Conforme

r e l a t a , os fenómenos artísticos

herdaram dos domínios religioso e c i v i l , dos quais derivaram,

Page 84: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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80

F r a n c i s c o

R i i d i g e r □

T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

uma dimensão de culto - a

chamada

aura,

ligada

à s ua originali

dade e nquan t o campo de

experiência.

As tecnologias de reprodu

ç ão

que

se

desenvolveram

a

p a r t i r do

século

pas s ado l e varam

à

perda

de s s a aura

que

cercava

as obras de

a r t e . A cultura burguesa

tinha

um

sentido e l i t i s t a e reacionário: s eu declínio

tem um

signi

ficado progressista. Através das novas

técnicas

os homens dão

um passo adiante em

s eu processo

de libertação da mitologia.

Na modernidade avançada verifica-se de fato que a

narrativa

se encontra em declínio perante a informação, e as artes plásticas

perderam

o

poder

diante

as

diversas

formas

de

fotografia.

Por

um

lado, a

necessidade

de passar e obter

informações sobre

aconte

cimentos próximos tirou

o

interesse

da

arte

de

narrar (Obras.

v .

I , p .

202).34

De

outro

tornou-se

mais f á c i l entender as obras

de

arte através da cópia

em imagem

do que no

contato

com a

r e a l i

dade (idem, p . 104).

As comunidades

de eleitos

que se constituíam através de

uma e de outra também estão

se

extinguindo, e

o

motivo é f á c i l

de

entender: pe rant e s eus

sucedâneos,

todos s ão especialistas. O

cinema, o

rádio

e outros

meios não

têm sentido r i t u a l

nem se

prestam

a

nenhum tipo

de culto. Cada v e z

mais

s ão parte da vida

diária das

modernas massas urbanas, criadas

com

a

evolução das

forças produtivas.

Conforme relata o

filósofo,

as técnicas

de

reprodução

surgi

ram

ainda

no mundo

antigo. Os gregos conheciam

o relevo por

pressão e a fundição de metais. Posteriormente, f o i inventada a

xilogravura e se descobriram processos similares,

que

permitiram

multiplicar manualmente o

número

de

cópias de

uma obra origi

n a l . A

primeira r e v o luç ã o aco nt ec eu

com

a

invenção da

i mpr e n sa

no

século

XV. A segunda e mais i mpo r t ant e oco r r e u com as de s

cobertas do fonógrafo e da

fotografia, base

da subsequente i n

dústria

cinematográfica.

 A n a r r a ç ã o s e o p õ e à i n f o r m a ç ã o . A i m p r e n s a e s t á i n t e r e s s a d a n a i n f o r m a ç ã o p u r a ,

q u e n ã o d e r i v a d e nenhuma

e x p e r i ê n c i a ,

nem s e e n d e r e ç a

à

e x p e r i ê n c i a d o l e i t o r . O

c a r á t e r e f ê m e r o

d a s n o t í c i a s a s i m p e d e

d e

s e r e m

i n c o r p o r a d a s à

t r a d i ç ã o ,

e a s p r ó p r i a s

c a r a c t e r í s t i c a s t é c n i c a s d a i n f o r m a ç ã o - n o v i d a d e , c o n c i s ã o , i n t e l i g i b i l i d a d e ,

f a l t a

d e

q u a l q u e r i n t e r - r e l a ç ã o e nt r e a s d i f e r e n t e s n o t í c i a s - c o n t r i b u e m p a r a q u e e l a s e man

t e n h a a l h e i a

á

e s f e r a d a e x p e r i ê n c i a ( S é r g i o P a u l o

R o u a n c t :

É d i p o e o a n j o . R i o d e

J a n e i r o :

Tempo

B r a s i l e i r o ,

1 9 8 1 ,

p .

5 0 ) .

Page 85: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 8 1

Com o século XX, a s técnicas de reprodução atingiram um t a l n í

v e l que

estão

agora em todas a s condições não só de s e aplicarem a

todas a s obras de

a r t e

do passado e de

modificarem

profundamente

seus modos

de

influência

como

também

de

que e l a s mesmas

s e

imponham

como novas formas de a r t e . 3 5

A revolução

que

tem lugar

assim

é o principal e l e m e n t o res

ponsável pela perda da

aura das o br as

de a r t e . No

princípio, a fo

tografia e

o

disco colocam a pintura e a música auráticas

próxi

mas

das pessoas. Permitem

que

elas s e ja m apropriadas como

qualquer

outra

coisa,

deslocando-as

do

terreno

da

devoção

para

o

da distração cotidiana. Finalmente, ensejam o surgimento de e x

pressões a r t í s t i c a s cujo fim é a própria reprodução, como é o ca

s o do filme e

da

radionovela,

para

c i t a r apenas dois exemplos . O

fundamental aqui, porém, não é e s sa evolução, mas entender

suas motivaçõe s

históricas.

As tecnologias de reprodução, noutros

t e rmos ,

s ão

expr e s são

do

caráter

de

massas

do

qual

vão

se

revestindo

as

forças

produti

vas da

sociedade, do

aparecimento

de uma audiência

atomizada

e

cosmopolita.

As pessoas mais e mais se unem como sujeitos

que

compram e vendem. As massas

desejam se

aproximar e apropriar

das

coisas em

s ua realidade imediata. As técnicas de r e pr o duç ão

s ão

uma forma

de viabilizar i s s o , porque

correspondem

de perto

à reprodução das

massas.

[ O

declínio

da

aura]

deriva

de duas

circunstâncias,

estreitamente

ligadas

à

crescente difusão

e

intensidade do s

m o v i m en t o s

de mas

s a s . Fazer a s coisas

ficarem

mais próximas é uma preocupação tão

apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o

c a r á t e r

único

de todos os f a t o s

através da

sua reprodutibilidade.

Cada dia

f i c a

mais i r r e s i s t í v e l a necessidade de

possuir

o o b j e t o , de

t ã o perto quanto p o s s í v e l , na

imagem,

ou

a n t e s ,

na sua cópia, na

sua reprodução (Obras, v . I , p .

1 7 0 ) .

Categoria estética central

que

emerge

nes s e contexto

é a

de

reprodução. As manifestações a r t í s t i c a s tradicionais

via de

regra

serv iam a algum tipo de culto. As reproduções têm um valor de

exposição. O primeiro

sentido

a

que elas

chamam é a percepção.

1 5 BENJAMIN, W. A o b r a d e

a r t e

n a e r a d e s u a s t é c n i c a s d e r e p ro d uç ã o [ 1 9 3 6 ] , I n :

L u i s C o s t a Lima   o r g . ) : T e o r i a d a c u l t u r a d e m a s s a . R i o d e J a n e i r o . P a z

e T er r a ,

1 9 7 8 ,

p .

2 1 2 .

Page 86: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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82 F r a n c i s c o

R u d i g e r □

T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

As

massas não

examinam

o

material

que lhes

chega

assim:

elas

procedem

ao que

o

autor chamou

de t e s t e .

No

t e a t r o ,

por

e x e m plo ,

a

relação

do

público

com

a

peça

é

mediada

ou dá lugar a

uma

aura. As encenações

repre s entam

sempre

experiências únicas

e

originais entre

os atores e a assis

tência. Em contraponto, no cinema se estabelece uma espécie de

relação t á t i l entre

o filme

e

o

público. Os espectadores s ó podem

compreender as cenas exibidas

na

t e l a se levarem em conta a su

cessão anterior,

estipulada pelo projetor. O resultado é o contato

com

uma

série

de

pequenos choques

que

têm

um

valor

de

t e s t e ,

relacionam a fruição da experiência estética com a capacidade do

sujeito

adequar

s ua percepção ao s princípios

da

aparelhagem

tecnológica que a tudo engloba

na

sociedade.

A tecnificação da vida moderna provocada pelo capitalismo

conduziu a uma superexcitação dos

sentidos. Engendrou

uma sé

r i e de

novas

tensões,

pr oduz i das po r t odo o tipo

de

maquinismo.

 O indivíduo

está

diariamente

e xp o s t o

ao s

choques da

multidão,

na qual tem que abrir s e u caminho, com gestos convulsivos, co

moum esgrimista, distribuindo estocadas,

como choques,

sem os

quais a

cidade não seria transitável .36

Resumidamente, vivenciamos e s sa situação nos processos

de

trabalho e no s

lugares

públicos mas, também, r e ce b e ndo no vas

notícias

e em contato com os

modismos,

etc: em todos os casos,

verifica-se uma sucessão acelerada e brusca

de sensações,

que se

impõe às pessoas como uma série de choques, potencialmente

traumáticos para a experiência.  A técnica submeteu o s i s t e ma

sensorial a um treinamento

de natureza

complexa até

chegar

o

dia

em que,

através dos me ios ,   a

percepção

s o b a forma de

cho

que se impós como princípio formal (Obras, v . I I I , p . 125).

Segundo Benjamin, a realidade vivida

se

torna

cada v e z

mais

complicada

e

desafiadora

na era da

técnica. O

ci ne ma, o

rádio

e a

imprensa

servem

para

exercitar

o

homem

nas re aç õe s que lhe

exige a nova forma

de

vida. Como as novelas policiais

analisadas

por Kracauer,

as

obras

de

arte

que

eles

veiculam

s ão

uma

manei

ra

de o

homem

mediar

s ua

relação com uma

realidade dominada

3 6

ROUANET,

S . P .

É d i p o

e

o

a n j o ,

p .

4 6 .

Page 87: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 83

por poderes cegos e

alienada

de um

sentido

transcendente

(Obras, v . I , p . 189).37

Benjamin

des envolve

assim

uma

linha

de

raciocínio

que

converge

em

ampla medida com

a leitura da

cultura

popular ur

bana

que

se encontra nos primeiros escritos de Kracauer. Tam

bém este

associa a t é cni ca moderna e

o lazer

industrial

ao declí

nio da cultura burguesa e à formação de

um novo

tipo de

expe

riência.

Para ambos,

os

fenómenos s ão interfaces da ascensão das

massas

ao proscênio da

sociedade. O capitalismo o s co nt rola e

explora,

mas

s eu

sentido

histórico

é

outro,

sinaliza

o

surgimento

de uma concepção de

mundo

através

do

qual

o

próprio modo de

v i da das massas passa a ser expressado para as massas.

Para Kracauer, a

modernidade constitui

uma era

em que

o

homem

se

v ê mais e mais

privado

de

um

s entido transcendente,

mas ao mesmo tempo ocorre uma que b ra da consciência mítica e

se insinua

uma nova relação do homem

com

a vida cotidiana. O

racionalismo

e

a técnica

d e s t r o e m

a

plenitude

de

sentido

do

qual

antes

s e re ve st ia

a existência.

A

população vai se

tornando

cada

v e z m ai s at o m iz ada e sem f é , sub m e t ida a ocupações mecaniza

das

e rotineiras, criadoras de ansiedades e

mal-estar,

que

não

comportam

mais um

tratamento

com

os r e m éd io s transcendentes.

Na atualidade, o trabalho e o l a z e r , a economia e a cultura, en-

contram-se num mesmo processo de racionalização.

Em Die Angellstelten

( 1 9 3 0 )

e

outros

importantes

ensaios

anteriores,

o

pensador r e l a t a , todavia, que isso

não

é um processo

apocalíptico. A

esfera

superior, os valore s recuam,

mas não

se

exaurem, refugiando-se em certas

instâncias da própria realidade.

O

profano

reveste-se do sagrado s o b a forma da diversão. A von

tade de escapar

do

cotidiano é cada

v e z

mais buscada em esferas

mundanas e condutas banais, no s divertimentos de massa, que

assim se tornam uma das instâncias exemplares dos tempos

modernos. As contradições vividas

pelo

homemcomum de no s sa

  B e n j a m i n

t r a n s p ó s

v á r i o s

p r o c e d i m e n t o s d a e x p e r i m e n t a ç ã o t e a t r a l d e B r e c h t

p a r a

o

novo m e i o d o r á d i o , p r e t e n d e n d o co m

t a n t o

  d e s e n v o l v e r uma f o r m a n o v a

e

r e v o l u

c i o n á r i a

d e

e d u c a ç ã o p o p u l a r ,

n a m e d i d a

e m q ue , à s s im pl if ic aç õ e s

d o m o d e l o

e d u

c a t i v o

t r a d i c i o n a l , o a u t o r o p u n h a

  a

e x p e r i m e n t a ç ã o o r g a n i z a d a

e m

f u n ç ã o

d a s n e

c e s s i d a d e s d o p ú b l i c o ( W i l l y

B o l l e :

F i s i o n o m i a d a m e t r ó p o l e m o d e r n a ,

o p .

c i t . , p .

2 4 4 - 2 4 9 ) .

Page 88: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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84

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

época não

encontram mais respaldo na religião, s e ndo

resolvidas

por um deslocamento de interesse do trabalho para o l a z e r , para

o

que

chamou

de

  s í t i o s

de

prazer

e

div ersão

Acompanhando os

estudos de

Weber, o pensador

argumenta

que

o

racionalismo moderno

promoveu um

desencantamento das

condições de vida humana, libertando os homens das cadeias

da

natureza tanto quanto das várias fo rmas de autoridade

tradicio

n a l . Ent re tant o, a razão

não

chegou a completar

o

s eu trabalho,

travada

por aquele

que

lh e serviu de veículo: o

capitalismo.

Pro

gressista

no

sentido

de

que engendrou

um

niv elamento

social

jamais v i s t o , colocando os homens mais ou menos na mesma s i

tuação s ocial e e s p i r i t u a l , o processo também

tem um

conteúdo

retrógrado,

na medida

em que

os

tornou

parte

de

um mecanismo

que

realmente não controlam

e ,

por i s s o ,

s ó

pode ser visto como

irracional.

Segundo e l e ,

as tecnologias

de

reprodução que surgem

em

no s sa

época

s ão

e xpre s sõe s

culturais

de

de s e n v ol v im e n t o s

e sp e

cíficos da vida prática e mat erial da sociedade,

que

devem ser

v i s t a s , por

um

lado como índices

da

pr es ença política das

massas

na

vida

social e ,

por outro

como  umas

secreções

do modo de

produção capitalista

(Mass ornament,

p . 61).

O comportamento das m ult i dõe s no s espetáculos esportivos,

os e v ento s t u r í s t i c o s ,

o

fascínio pelas imagens, a

procura

pelas

casas

de

diversão,

e t c

-

segundo

o

pensador,

todos

esses

fenó

menos s ão aspectos da transformação do indivíduo em parte de

um

vasto

mecanismo

tecnológico promovida pelo capitalismo.

A s s i m ,

as

massas

se oferecem como e s pe t áculo para s i mesmas,

articula-se

uma

nova

forma

de coletividade,

que não se

organiza

de acordo

com

os laços da comunidade e onde

não mais

estão em

foco conceitos como cultura e personalidade, como fora o caso

durante

a era

burguesa.

KRACAUER, S . T h e s al ar ie d m a ss e s .

L o n d r e s :

V e r s o , 1 9 9 8 , p 9 1 . R e l a t i v a m e n t e a

K r a c a u e r , a s o b s e r v a ç õ e s s e g u i n t e s

l i m i t a m - s e a s e u s

e s c r i t o s a t é

a n t e s

d a é p o c a d e

r e d a ç ã o

d e J a c q u e s O f f e n b a c h und d a s P a r i s s e i n e r Z e i t , 1 9 3 7   t r a d .

f r . :

P a r i s : L a

P r o m e n a d e ,

1 9 9 2 ) . C f. G e r t r u d K o c h : S i e g f r i e d K r a c a u e r .

a n

i n tr o d u ct i o n ( P r i nc e t o n

[ N J ] : P r i n c e t o n

U n i v e r s i t y

P r e s s , 2 0 0 0 )

e

Dagmar B a r n o u w : C r i t i c a l

r e a l i s m :

h i s t o r y ,

p h o t o g r a p h y and t h e w o r l d o f S i e g f r i e d K r a k a u e r ( B a l t i m o r e : J o h n s H o p k i n s U n i v .

P r e s s ,

1 9 9 4 ) .

Page 89: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a

85

O

significado

desse processo, todavia,

não

deve ser reduzido

à perda do conteúdo espiritual e à entrega das massas a um modo

de

vida

cada

ve z

mais

primário

e

mecanizado.

As

experiências

culturais que as massas consomem

mais

e mais para combater a

desolação interior provocada pelo

moderno

modo de vida urbano

seriam

ambivalentes, na

medida

em que s e ,

por um lado, aclima-

t am -nas de um modo

ou

de outro ao deserto de concreto, por ou

t r o sinalizam materialmente a chegada de um tempo em que não

estarão

mais

s ob o jugo

da

luta

pela

sobrevivência numa socie

dade

maquinizada.

Os

en tr e t enim ento s

de massas que

as

novas

técnicas

v i a b i l i

zam têm também

um

sentido e st é tico e um

conteúdo emancipató-

rio porque, apesar de fazê-lo de forma primária,

pobre

e cega,

marcada

por um

profundo

vazio, não apenas permitem às mas

s a s ,

pela primeira

vez,

desfrutarem

de

s i mesmas como

possibili

tam que elas se

vejam

como t a i s , i s t o é , virtuais sujeitos

da

histó

r i a .

 A

exagerada

importância

conferida aos

esportes

possui

um

s e nt i do e v as iv o,

mas também pode expressar uma

vontade

dos

oprimidos em assumir s eu pr ópr io destino e   o ansei o r evolucio

nário das massas por uma legislação natural capaz de se erguer

contra os desastres causados pela civilização .39

O racionalismo

moderno

produziu uma fragmentação das

co ndi ç õe s de

existência que, na

realidade,

somente logra

se

a r t i

cular

de

maneira

mecânica.

As

tecnologias

de

reprodução

servem

de corretivo

dessa

situação.

Através delas

a

natureza que

f o i

desintegrada

em seus elementos é oferecida

co

mo imagem a uma

consciência

que pode l i d a r

com

e l a s como qui

s e r ,

[ . . . ]

estabelecer a provisoriedade de todas a s configurações

existentes e , quem s a b e , esboçar os contornos de como o inventá

r i o da natureza

deveria

s e r estabelecido

doravante

(Mass

orna

menta

p .

6 2 ) .

O capitalismo difundiu uma m ane i ra de agir que desintegra

as co s m o v i sõ e s tradicionais tanto quanto seus sucedâneos a r t í s t i

co s

e l i t e r á r i o s ,

cr iado s pe la cultura burguesa. Entretanto, tam

bém

esses t inham

um

caráter mistificador, encobriam

das

massas

KRACAUER.

S .

T h e

s a l a r i e d

m a s s e s ,

p .

9 5 .

Page 90: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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86

F r a n c i s c o

R u d i g e r

T h e o d o r

Adorno e

a c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

a verdadeira natur eza

da

sociedade. As tecnologias de reprodu

ç ão não somente

colaboram

nes s e proces so como permitem a

elas

preencher

o

vazio

em

que foram

lançadas, pois

 elevam

a

distração ao nível

da cultura

(idem,

p .

3 2 4 ) .

A cultura burguesa era uma

espécie

de mito, continha pro

m e s sa s irrealizáveis que, mais tarde, tornaram-se i r r e a l i s t a s . Os

lazeres

industriais, ao contrário,

constituem uma experiência

imediata,

totalmente legítima, através

da

qual

as massas encon

tram s ua própria maneira de expr e s são e compensam a perda de

sentido

i mpo s ta

pela

civilização.

Destarte,

Kracauer e Benjamin,

sobretudo,   convert eram

o

culto da distração

professado

pelas

massas à

co ndi ção de força

de produção esté tica .40 Para

e l e s , o significado

revolucionário

de s eus aparatos provém da referida circunstância, na medida

em

que, por meio

deles, as massas

adquirem

o poder

de ve r

o

s e u

próprio rosto e mostrar-se ao mesmo tempo como sujeitos sociais

e font es

de

prazer

estético.

 Não

importa

o

quão

baixo

julguemos

o

valor

do s ornamentos

de massa,

s eu

grau

de

realidade é

ainda

maior

do que aquelas produções a r t í s t i c a s burguesas, que

c u l t i

vam

s en t imen t os

nobres

e fora

de

moda em formas

obsoletas

(Mass ornament, p . 79).

Vazias de sentido histórico, as mercadorias culturais iludem

os homens e encobrem o modo

mecânico

como

funciona

e s s e

sistema,

mas

ao

mesmo

tempo

ensejam o

surgimento

de

diver

sões que não podem deixar de r e f l e t i r o caráter profano e imedia

t o , potencialmente progressivo, do

modo de

vida

massivo

surgi

do através do

capitalismo.

O capitalismo e a máquina privaram

de sentido as categorias da cultura burgue sa, proj e tando-nos em

um

mundo vazio e mecânico. Os lazeres de massa s ão

uma forma

que

as ajuda a se libertar

de

s ua

mitologia,

porque através deles a

realidade se

de spe do s

seus

últimos

vestígios

sagrados.

As

fan

tasmagorias

contêm, portanto, um

s e nt ido progr e s s iv o:   o

públi

co encontra a

s i

mesmo em estado de externalidade pura; s ua

4 0 FRISBY, D .

F r a g m e n t s

o f m o d e r n i t y , p . 1 6 8 .

C f .

H e l m u t S c h l i i p m a n n :   K r a c a u e r s

W r i t i n g s

o f t h e

1 9 2 0 ' S .

I n : Ne w

German C r i t i q u e

40

( 9 8 - 1 1 4 ) 1 9 8 7 .

C f . M i r i a m

H a n s e n :   D e c e n t r i c

p e r s p e c t i v e s :

K r a c a u e r ' s e a r l y w r i t i n g s o n f i l m a n d m a s s c u l t u r e .

I n :

Ne w

German

C r i t i q u e

5 4

( 4 7 - 76 ) 1 9 9 1 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s

d a p r o b l e m á t i c a

8 7

própria realidade é revelada nas formidáv eis impre s sõe s s ens o

r i a i s

que se sucedem fragmentariamente

(idem, p . 3 2 6 ) .

Permitindo

pela

primeira

ve z

que

ele

enxergue

a

s i

mesmo

como

massa,

os

espetáculos de massas

descortinam a possibili

dade de

que

e s s e público tome a

condução

da vida s ob

suas

mão s , ao invés de

servir a

um mecanismo embrutecedor

e

mes

quinho,

que

se conduz de maneira

caótica

e

sem o

s e u

controle.

 Quanto maior é o

número

de pessoas que percebem a s i

mesmas

como massa mais rápido as massas v ão desenvolv er

seus

poderes

de mane ira

produtiva

nos

domínios

cultural e espiritual

dignos

de

s eu

financiamento (idem,

p .

3 2 5 ) .

O problema todo consistia para eles em saber

que

prazer

iriam se dar as massas,

porque s e ,

por um lado a s it uaç ão e ra

propícia para uma mudança progressiva, por

outro

lado os auto

res

não

eram

cegos

ao crescente

emprego

dos

meios com

objeti-

v os

reacionários.

O

potencial político contido

nas

no vas fo rm as

de

arte

poderia

ser

reduzido

à

simples

estetização

da

p o l í t i c a ,

conforme começava

a se

entrever com os movimentos

t o t a l i t á

r i o s .  O fascismo não apenas não suprime as massas (tarefa de

resto impossível) mas, ao contrário, reforça de m ane ir a decisiva

s ua

condiç ão de mas s as

e , através

de

medidas adequadas , pr o

cura criar a

i mpr e s s ã o

de que as

massas

foram r e inte gradas [nu

ma comunidade], via uma combinação de terror e propaganda

(idem,

p .

172-173).41

Erns t Bloch percebeu o ponto mais cedo, chamando a

atenção para o fato de que o en t re t en imen t o a que as pessoas se

devotam cada v e z mais não apon ta ap enas para o futuro. Desde o

f i n a l do s anos

1910,

o

filósofo dedicou-se

a

fazer uma leitura

po

l í t i c a da cultura,

defendendo a hipótese

de que

podemos desco

brir os prenúncios do socialismo nos resíduos do passado

com

os

quais

cada

época

tem

de

se

entender.

Contraditoriamente,

o con

temporâneo convive com o

que

não o

é :

necessidades, experiên

c i a s , s en ti m ento s e costumes herdados de períodos anteriores e

W a l t e r

B e n j a m i n

t i n h a o mesmo e n t e n d i m e n t o :

 A p r o p a g a n d a

f a s c i s t a p r e c i s a p e n e

t r a r n a

v i d a s o c i a l p o r

i n t e i r o . A

a r t e

f a s c i s t a , p o r t a n t o ,

n ã o é e x e c u t a d a

a p e n a s

p a r a

a s

m a s s a s mas também p e l a s

m a s s a s ( W i l l y

B o l l e ,

F i s i o g n o m i a

d a m e t r ó p o l e

mo

d e r n a ,

p .

2 2 7 ) .

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8 8

F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o

e

a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

que colidem com s ua

tendência

histórica progressiva. A técnica

mais moderna

não se move

com plena autonomia,

porque está

em

tensão

com

os

resíduos

mentais

mais

ancestrais

e

arcaicos.

Na sociedade c a p i t a l i s t a , acontece que o extemporâneo cons

tituído pelos e l e m e n t o s oriundos das formas de vida ainda não

liquidadas pelo progresso, mentalidade, hábitos e co s tum e s , é

apropriado pelo poder económico e

posto

à disposição das

mas

sas urbanas

como

mercadoria. As fantasias arcaicas servem de

compensação para uma maquinização cada v e z mais insuportável

do

contemporâneo .

O

entretenimento

é

um

dos

principais

exem

plos disso,

entrelaçando

passado e presente,

m i t o

e t e cno lo gi a,

como no jazz, onde   o rit mo das máquinas

introduz

o

tambor

africano .42

A racionalização tecnológica e

o

consequente desencanta-

mento da vida social que tem lugar em no s s o tempo podem se

ocultar,

ao

invés

de

se revelar,

nes s e tipo de

fenómeno, porque

a

técnica

por

s i

s ó

não

tem

um

poder

emancipatório.

A

separação entre t écnica

e

ideologia

é esquemática e

mecânica:

e l a ignora a s relações e xis te nt es e nt re o progresso t écnico e as

transformações

das formas

de

vida, das ideologias; e ignora

i gualm ent e o e f e i t o de retroação

destas

formas de vida transforma

das e das ideologias

sobre

os progressos da t é c n i c a . 4 3

O

pensador

ressaltou

que

as

formas

de

arte

leve

surgidas

com

o mercado moderno e ,

mais

tarde, anexadas à ordem indus

t r i a l ,

contêm, não

menos do que

os produtos da

a l t a cultura,

um

potencial transcendente . As e xpre s sõe s simbólicas de

um

povo

ou classe social não se esgotam nos interesses de seus criadores.

O contexto social que os origina

não

as reduz à

ideologia, na

medida

em

que s ua r es s onâ nci a entre as camadas dominadas

pressupõe

que

haja

nelas

algum ideal

universal

e

emancipatório.

A c r í t i c a cultural que

se contenta

em demons trar o conteúdo

ideológico da produção cultural passa por alto um ponto e s s e n

c i a l ; i s t o é ,

o fato de

que

ela não pode ser separada de certos con

teúdos ideais que escapam à reificação e , assim, projetam-se uto-

4 :

BLOCH,

E .  A

a r t e

e

s u a h e r a n ç a .

I n : - D e b a t e s o b r e o e x p r e s s i o n i s m o , p . 2 3 7 . O

p e n s a d o r , p a r e c e , n ã o c o g i t o u a h i p ó t e s e d e

a

t é c n i c a v i r a s e

t o r n a r

i d e o l o g i a .

E r n s t

B l o c h

a p u d

M a c h a d o ,

C .

D e b a t e

s o b r e

o

e x p r e s s i o n i s m o ,

p .

6 8 .

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a

8 9

picamente em

direção

ao

futuro. As considerações históricas e

sociológicas

sobre

as origens materiais

das

idéias

e representa

çõ e s

não

basta

para dar

conta

delas.

O

verdadeiro

critico

é

o

que

procura descobrir o s eu potencial transcendente em relação à s i

tuação

social

e

histórica,

o

que   encoraja-nos

a

procurar pelos

conteúdos progressivos e emancipatórios dos

artefatos

culturais,

mais

do

que

os meramente ideológicos e

mistificadores .44

No ofício da c r í t i c a , convém pois não esquecer de

pesquisar

as potencialidades transcendentes e possibilidades não-realizadas

presentes

nos be ns

simbólicos,

porque

s ão

nelas

que

se

acham

as

energias necessárias para buscar a

boa

sociedade. Em virtude de

não se adequarem totalmente à realidade vivida, as representa

çõ e s a r t í s t i c a s e l i t e r á r i a s de todos

os

níveis contêm, além do ca-

ráter ideológico, um sentido

radical utópico.

Bloch procurou levar a sério a

cultura

como

um todo,

contes

tando

s ua

reificação em

t erm os de

erudita

e popular:

os contos

de

fadas,

vitrines

comerciais,

devaneios

diurnos,

roupas

da

moda,

danças em voga e prédios de moradia s ão tão importantes

quanto

a f i l o s o f i a , as ciências

e

as belas-artes.

Nas

palavras de Adorno,

a simpatia do aut or pe la literatura popular e outras manifestações

do

gênero  têm

suas

raízes s is t emát icas , s e

é

possível

usar

e s s e

termo, em

s ua cumplicidade

com as camadas

inferiores, no s e n

tido

ao mesmo tempo do que não

têm

forma material

e daqueles

que

têm

de

suportar

o p e s o da sociedade , embora

daí

não se de

v e s s e concluir

que   o

estrato superior - a cultura, a forma, que

ele chamava de pólis - parece-se-lhe inevitavelmente envolvida

com o

mito, a opressão, a

dominação .45

Segundo

Bloch,

seja numa, seja

na

outra dimensão, sempre

momentos emancipatórios, que

projetam visões

de

uma vida

melhor e que põem em questão a ordem social estabelecida. No

capitalismo,

os

lazeres populares,

matéria

que nos

interessa, sig

nificam reprodução da força de

trabalho: as

relações mercantis

4 4

KELLNER,

D .   E r n s t B l o c h ,

u t o p i a

a n d i d e o l o g y

c r i t i q u e .

I n : l l l u m i n a t i o n s :

C r i t i

c a l C u l t u r a l R e s o u r c e s ( w w w . u ta . e d u /

huma/

i l l u m i n a t i o n s )

p . 2 . S t e p h e n B r o n n e r :

Da

t e o r i a

c r i t i c a

e s e u s

t e ó r i c o s . C a m p i n a s : P a p i r u s , 1 9 9 7 , p . 8 6 - 8 7 .

4 5 ADORNO. T . N o t e s

t o

L i t e r a t u r e I . Nova Y o r k : C o l u m b i a U n i v e r s i t y

P r e s s , 1 9 9 1 ,

p .

2 0 6 .

D o r a v a n t e

c i t a d o

n o

t e x t o

como

L i t e r a t u r a

L

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90 F r a n c i s c o R i i d i g e r □

T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

continuam a

se

fazer presentes após o expediente, quando

o

ho

mem

relaxa

e pensa que está l i v r e da rotina produtiva e empresa

r i a l .

A

l i t e r a t u r a ,

esportes,

música

e

filmes

com

os

quais

os

em

pregados se div ertem

possuem

um s e nt ido ide ológico, porque

contêm,

sublimados, os

princípios

competitivos

da economia

de

mercado de onde tiram s eu sustento, e os prazeres que e v e n

tualmente

e x t rae m

deles   representam um

sucedâneo

do

que

não

têm como obter na luta pela sobrevivê ncia .46

Os

fenómenos,

todavia, não se resumem a isso: veiculam

ainda uma

série

de

s on h o s

e

esquemas

que,

subterraneamente,

conectam-s e

com o sujeito

v iv o e ,

portanto, com as

forças

que

impõem

limite

à reificação. Os indivíduos consomem os

bens

mercantis

não só

porque

se deixaram reificar

mas,

também,

para

tentar criar um modo de

vida

mais

humano, para

tentar

d e s en

volver

uma

outra identidade. As fantasmagorias culturais tam

bém podem ser vistas pois como fo r mas m e di ant e as

quais

eles

procuram

transcender

as

misérias

da

vida

cotidiana

e ,

no l i m i t e ,

entendidas como   sucedâneos imaturos, porém honestos, da Re

volução (Principle,

v . I . p . 3 6 4 - 3 6 8 ) .

Bloch trabalha por e s sa via

com uma

distinção depois reto

mada por Adorno, a di s t inção

entre

os fenómenos de cultura po

pular e os de indústria cultural,

entre,

por e x e m plo , a expe r i ência

utópica que r epr e s entar ia a viagem a lugares distantes

em

com

paração

com aquela

corrompida

e

estereotipada

que

representaria

a do turismo industrializado. Outro exemplo encontrar-se-ia no

contraste entre os

livros best-sellers e o

gê ne ro de leitura popular

que ele chama de colportage.

Os primeiros

oferecem

a

promessa

sempre

frustrada

de f e l i c i d a d e

dentro das e s t r u t u r a s c a p i t a l i s t a s , s e j a na forma das matérias sobre

como fazer sucesso s e j a

através

da evocação f i c c i o n a l das h i s t ó r i a s

sobre

como subir

na

v i d a .

[ . . . ] A

l i t e r a t u r a

de colportage, ao

co n

t r á r i o , compreende a s e s t ó r i a s de

aventura

e

os contos

miraculosos

4 6 BLOCH, E . T h e p r i n c i p i e o f h o p e . Cambridge (MA): MIT P r e s s , 1 9 8 6 , v . I , p . 1 4 8 -

1 4 9 ,

v .

I I ,

p .

9 0 5 .

D o r a v a n t e , a

o b r a s e r á

c i t a d a ,

n o c o r p o

d o t e x t o , p e l o v o l u m e , como

P r i n c i p i e .

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E l e m e n t o s o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a 91

e sobrenaturais [ . . . ] possuindo

uma carga

utópica fundada no

ima

ginário popular.47

O

reconhecimento

do

ponto

não

deveria

nos

fazer

esquecer,

po r é m , que

esses

el e m en t o s podem

ser empregados em vários

sentidos, além dos que possuem no presente, para não falar das

e mpr e sas

que

sonham

com s ua

completa racionalização.

As

for

mas culturais s ão maleáveis. As potencialidades transcendentes

contidas

no património

cultural

podem

ser voltadas

para o

futuro

tanto quanto para o passado. Os passatempos culturais, tecnoló

gicos

ou

não,

precisam

s er vist os

pois

com

menos

expectativa

e

mais reserva

c r í t i c a , que o

autor

nem sempre soube conservar,

porque, deles,

pode

s a i r a

arte

do futuro

tanto quanto o

kitsch

i n

dustrial c a p i t a l i s t a .

A possibilidade desse último

caminho f o i comprovada,

a l i á s ,

com a ascensão do fascismo,

responsável pela

exploração

de uma

forma de falsa

consciência

específica, que nasce do culto ao p r i

mitivo e se expressa através

da

arte

leve reacionária. A

explosão

do irracional que ele promoveu teve um sentido ut ópico, t e v e su

cesso, porque seus líderes souberam manejar

as

esperanças que

as pessoas punham em conquistar certos

bens

postos de lado

pela

economia moderna, como abrigo, segurança e comunidade.

O fascismo

cultivou certas

fantasias imemoriais

logrando

combinar o

lamento

para com o mundo moderno com a

promo

ç ão

de um

passado t r i b a l

e

hierárquico

e a asserção de

valores

humanos

decentes

e autênticos,

baseados no sangue, na terra e no

trabalho.

A

nostalgia reacionária que ele soube articular com a

ajuda da técnica moderna,

nem

sempre bem captada

pelo

pensa

dor,

acabou valendo

como alternativa para os descontentes com

as incertezas e

pe r igo s v iv ido s no presente.

Dessa forma,

o

movimento conseguiu manter

s ob

controle a

s e ns aç ão de

vazio

e abandono à própria sorte sentido por vários

grupos

com

a

conversão do

kitsch

em m i t o tecnológico. A pro

paganda irracional de que lançou mão não

era

separável da e x

ploração

racional do passado mítico

e a

criação industrial de uma

GEOGEHAN,

V .

E r n s t

B l o c h .

L o n d r e s : R o u t l e d g e ,

1 9 9 6 ,

p .

5 8 .

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92 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

espécie de s i m b o l i s m o

utópico, como

o filósofo

procurou

mos

t r a r

em Erbschaft

dieser

Zeit

(1934).

Na

década

de

1930,

tornou-se,

de

todo

modo,

claro

para

os

autores

em juízo que a

falência

da cultura

burguesa

também

po

di a ser explorada

de

maneira regressiva. As técnicas modernas

igualmente

se prestavam à criação de

um culto

às

massas pelas

massas,

cujo

sentido

nada

tinha

de

revolucionário.

O fascismo

poderia organizar as massas proletárias recém-surgidas sem a l

terar

as

relações de produção e a propriedade

que

t a i s massas

tendem

a

a b o l i r .

Ele vê sua

salvação

no

fato

de

permitir

às mas

sas a expressão de sua natureza, mas certamente não a do s seus

direitos

[ . . . ]

conservando as

relações de produção através

de

uma

política

que

converge para a guerra

(Walter

Benjamin:

Obras,

v . I ,

p . 194-195).

As tecnologias modernas conferiram às massas o pode r de

elaborar s ua imagem e destino de aco rdo com sua vontade, mas

isso

não

passa

a

at o sem

problema.

As

potencialidades contidas

nelas, embora inerentes,

não

tinham nenhuma

teleologia. Os

i n

divíduos bem

poderiam continuar deixando

o

capital gerindo es

sa

t a r e f a ,

quando

não

oferecer-se em holocausto

ao s

movimentos

t o t a l i t á r i o s .

O espetáculo de s ua própria de s t ruição através da

guerra não

era

uma

hipótese descartável,

como ficou

provado

pouco

depois,

com

a

I I

G u er ra Mundial.

A

recordação

é importante para livrar

os

pensadores

da

imagem

de simples

entusiastas

da cultura popular urbana

e cren

t e s

no

poder

de

redenção das novas tecnologias

maquinísticas.

Ernst

Bloch, sobretudo, s e m p r e f o i reticente quanto às suas

po

tencialidades, seja no campo

da música,

seja no campo da arquitetu-

r a . Para e l e , o e s p í r i t o tecnológico fomentado pelo capitalismo im

punha o   silêncio às musas . A máquina é expressão de uma era

carregada de horrores e promessas, que s ó em parte e ns eja a forma

ção de uma figura utópica integradora. A liberação do tradiciona

lismo

proposta por

meio

dela   provocara uma

s é r i e

de prejuízos

pa

ra os corpos, as vidas, a paz e a natureza, que não se deve apenas ao

fato da tecnologia ainda ser mal adminis trada .4 8

4 8 BLOCH.

E .

T h e U t o p i a n f u n c t i o n o f

a r t

and L i t e r a t u r e . C a m b r i d g e ( M A ) : MIT P r e s s ,

1 9 8 8 ,

p .

2 0 2 .

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E l e m e n t o s

o r i g i n a d o r e s d a p r o b l e m á t i c a

93

Já Benjamin e Kracauer, embora não menos cautelosos,

principalmente nos escritos tardios, mani f e s t aram mai s esperança

em

relação

à matéria,

vendo

com

olhos

mais

simpáticos

do

que

s eu amigo a expropriação e socialização dos sentidos humanos

promovidas pelas técnicas de reprodução da a r t e . A

modernidade

significava

para

eles

a

superação da velha cultura

burguesa e

-

considerando e s sa situação uma fatalidade

-

acreditaram na idéia

de

que

a

cultura

do

futuro nasceria

de

um trabalho com

- e

não

contra

- a

tecnologia. Em

última

instância,

portanto, foram   o t i -

mistas

a re spe it o

das i m pli caç õe s

políticas

do

declínio

da

aura

tradicional que rodeava a obra de arte e celebraram s ua reunifi

cação com o mundo da vida .4 9

J AY, M. S o c i a l i s m o f i n - d e s i è c l e . Buenos A i r e s : Nueva V is i o n, 1 9 9 0 , p .

1 1 1 .

Eugene

Lunn m a t i z a m e l h o r

o

c o n j u n t o

o b s e r v a n d o

q u e

e s s e

  c o n t e m a s a n t i n o m i a s d e um a

p o s t u r a a m b i v a l e n t e .

S o b r e t u d o

n o s ú l t i m o s e s c r i t o s d e B e n j a m i n , cumpre n o t a r

a   a c e n t u a ç ã o , a l e n t a d a p e l a t e n d ê n c i a

d o s e v e n t o s

h i s t ó r i c o s ,

d a

c o r r e n t e m e l a n c ó l i

c a

e

p e s s i m i s t a

q u e s e m p r e

l h e

f o i

p r e s e n t e

( M a r x i s m o

y

m o d e r n i s m o ,

p .

1 9 6 ) .

Page 98: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Perspectivas daconcepção

adorniana

Segundo Adorno e Ho r k h e i m e r , a construção do

saber

constitui

um processo dialético, que se

baseia

na c r í t i c a dos

juízos

e idéias

que o próprio

objeto

de

estudo,

o processo

social

em foco, enseja

historicamente. O conhecimento deve ser

elaborado

seguindo a

orientação de uma reflexão c r í t i c a

sobre

o conteúdo de verdade e

os

limites de

sentido do

fenómeno. A

c r í t i c a

da

indústria cultural

proposta

pelo

primeiro autor o be de ce , cr e mo s , a

e s s e princípio,

visto os problemas

que ela se dispõe

a

t r a t a r

serem

assimilados

através de uma

discussão

com

os

teóricos

referidos no capítulo

anterior, importantes pensadores

e

amigos de Ado rno . 1

N e s t e

capítulo,

trata-se de reconstruir a réplica adorniana,

c r í t i c a

e

dialética, às teses progressistas

sobre

a fortuna da arte na

era

da

cultura

tecnológica

para,

em

seguida,

situá-la

em

s eu

e n

t endimento

do

processo civilizatório e da

dialética

do esclareci

m e n t o .

3 . 1 Réplicas

à

v is ão pr ogr e ss i st a

Conforme disse Adorno,

Kracauer

ensinou-lhe

os métodos

de estudo e

levantou m ui tas das que st õe s das

quais ele se ocupa

r i a mais

tarde. Sobretudo,

 foi um do s primeiros de nó s

a reto-

  S t e f a n M i l l l e r - D o o h m

t e m ,

e n tr e o ut ro s, o

m é r i t o

d e l e m b r a r também o s c o n f l i t o s i d i

o s s i n c r á t i c o s q u e permeavam a s r e l a ç õ e s e n t r e e s s e s p e r s o n a g e n s t o do s. C f. A d o r n o ,

u n e

b i o g r a p h i e . P a r i s :

G al li ma rd , 2 0 0 4 .

Page 100: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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96

F r a n c i s c o

R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

mar seriamente a análise dos problemas do esclarecimento .

Ernst Bloch

transmitiu-lhe

a consciência de que a técnica mais

moderna

pode

ensejar

o s urgi me nt o

do

kitsch

industrial

mas,

também,

a idéia

de que

a

cultura

dominante

não

é a única chave

de leitura

da

h i s t ó r i a . Bloch entrou  em contato com as

profun

dezas inferiores, os

e l e m e n t o s subculturais, com

os

refugos con

fessos, nos quais

e l e ,

enquanto expoent e

tardio do

esclarecimen

to

antimitológico,

supunha que

a

salvação

podia ser

encontrada

(Literatura I I , p .

2 0 2 ) .

Benjamin,

por s ua

vez,

sugeriu

ao

grupo

a

hipótese

de

que

o

capitalismo não pode passar por alto o fato de que os fenómenos

sociais se r e v e s t e m

de imagens

e , portanto,

pode ser

entendido

através

de s ua fantasmagoria. A mercadoria

é geradora

de uma

série de vivências, através das quais o poderio tecnológico da s o

ciedade é apresentado como m i t o capaz de, por s i mesmo, e n

gendrar

o futuro

dessa sociedade.

A exposição

das

mesmas atra

vé s

das

v i t r i n e s ,

f e i r a s ,

filmes,

modismos,

revistas

e

out ras font e s

de

imagens

representa um

momento

em que

o valor de troca

re

vela s ua  dimensão fantas magórica .

I s t o

é , o processo

económi

co

assume a forma

de

 festas populares c a p i t a l i s t a s , através das

quais o entretenimento de massa

se

torna

ele

próprio um grande

negócio .3

Promovidas

especialmente pela publicidade,   a artimanha

com

a qual

o

sonho se

impós

à indústria ,

as fantasmagorias mo

de rnas s ão uma

transfiguração

do valor de troca da mercadoria,

através

da

qual

os homens se

entregam ao s

prazeres industriais,

vivenciam suas fantasias

por procuração

e se

permitem

desfrutar

de s ua própria

alienação.4

Em conjunto, eles todos entendiam que uma das chaves para

entender o presente consistia em decifrar

socialmente

os

fenó-

2

C f . MARTIN JAY:  Adorno

a n d

K r a c a u e r :

N o t e s

o n a

t r o u b l c d

f r i e n d s h i p . I n :

S a l m a g u n d i

4 0

( 4 2 - 6 6 ) 1 9 7 8 .

1 BUCK-MORSS, S . T h e D i a l e c t i c s o f s e e i n g , p . 8 6 . C f . M i r i a m H a ns e n : B e nj a m i n ,

c i n e m a

a n d e x p e r i e n c e . I n : Ne w

German

C r i t i q u e

4 0 ( 1 7 9 - 2 2 4 )

1 9 8 7 .

M a t e u s

S i l v a

f o r n e c e e l e m e n t o s p a r a c o m p a r a r

a

v i s ã o d o

a u t o r

co m

a

d e Adorno

e m  Adorno e o

c i n e m a . I n :

Novos

E s t u d o s

C e b r a p

5 4 ( 1 1 4 - 1 2 6 )

1 9 9 9 . C o n f i r a também M i r i a m

H a n s e n ,   H i s t o r i e s

o f

Mice

a n d D u c k s :

B e n j a m i n

a n d

Adorno o n D i s n e y . I n : S o u t h

A t l a n t i c Q u a r t e r l y v . 9 2

( 2 7 - 6 1 )

1 9 9 3 .

4 BENJAMIN. W.

  P a r i s ,

C a p i t a l d o

s é c u l o X I X .

I n : S o c i o l o g i a

( O r g .

d e

F l á v i o

R .

K o t h e )

S ã o

P a u l o :

Á t i c a .

1 9 8 5 ,

p .

3 5 - 3 6 .

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o

a d o r n i a n a 97

menos contingentes da vida

cultural.  A

posição ocupada por

uma

época

no processo histórico pode

ser determinada de

manei

ra

mais

notável

através

da

análise

de

suas

expressões

menores

e

superficiais

do que pelos

juízos que faz acerca

de s i

mesma

(Mass

ornament,

p .

75).

A totalidade não pode ser objeto de apr e ens ão e análise, na

medida

em que s ó se

manifesta

em fragmentos.

As

expr e s sõ e s

superficiais s ão a melhor via

de ace s so ao estado de

coisas

mais

fundamental. Os

fenómenos

sociais se in scr e v e m

em

constela

ções

históricas

marcadas

por t odo

o

tipo

de

tensão

e ,

portanto,

têm vár io s aspecto s , não podendo ser esgotados pelo

pensamen

t o . Interpretar consiste na habilidade de decifrar as expr e s sõ e s da

cultura moderna como criptogramas

da

dominação e sinais do

sentido adquirido

pelo

processo civilizatório.

Theodor Adorno separava-se deles

em

t r ê s pontos

principais,

relativamente

à matéria

que

nos interessa. Primeirament e por

de

fender

uma

atitude

c r í t i c a ,

segundo

a

qual,

na

sociedade,

 nada

deve

aceitar-se

sem

exame, s ó

porque

e xis te [ ou] outrora

valeu

alguma

coisa,

mas

também

nada deve

ser eliminado

porque

[sua

época] passou: o t e mpo, por s i

s ó ,

não é nenhum critério

(Es t é

t i c a , p .

55). Em

segundo

lugar, sustentando

que

a explicação dos

fenómenos sociais requer a idéia de mediação universal: o

p a r t i

cular é

cada

v e z

mais

de todo permeado pela forma mercadoria.

Finalmente,

postulando

que o significado prospectivo desses fe

nómenos

sociais deve ser confrontado com suas condições

histó

ricas de

efetivação:

o potencial

contido

na

imagem

não nos

deve

cegar para o modo

como

e s sa

imagem

funciona na

atualidade.

Os

pontos aparecem de m ane i ra m ui t o clara na réplica que

s ua c r í t i c a à indústria cultural oferece às idéias de seus compa

nheiros.

O

filósofo concordava com

s eu

juízo sobre quais eram

os problemas em questão na cultura de mercado. Porém recusa-

va-se

a

aceitar todas

as suas

análises. Também para

ele

o declínio

da aura, a rebelião das massas e as novas técnicas colocavam-se

no centro

da crise da

cultura moderna.  Os fenómenos radiofóni

cos s ão índices de

tendências mais

abrangentes:

da decadência

das obr as tradicionais e da cultura

musical

validada pela socie

dade. 5

5

ADORNO,

T .

/ /

f i d o

m a e s t r o

s o s t i t u t o .

T u r i m :

E in au di , 1 9 6 9 ,

p .

2 5 7 .

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98

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

A convicção

que o movia era

comum

a de seus amigos, ba-

seando-se

na hipótese

de que   a disponibilidade do s

m e i o s

co r

responde

à

disponibilidade

da

consciência

e

de

que

o

presente

es

tágio histórico em que se encontram as obras de

arte requer

em

larga

medida

que

elas s e ja m

apresentadas mecanicament e . 6

O

significado das tecnologias de reprodução, admitia,

era

po

tencialmente

progressivo

e ,

secretamente, ele esperava

que um

dia não s ó e l a s , mas os maquinismos como um todo, se reconci

liassem

com os homens, produzindo um acontecimento de maior

significação humana

do

que

aquele

que

representaram

os

movi

mentos no sentido de destruição da máquina no tempo da I Revo

lução Industrial.7

Para

Adorno,

as

possibilidades utópicas

e

emancipatórias s ão

inerentes

às forças tecnológicas

do capitalismo avançado. A re

produção técnica das o br as

de

arte sem dúvida pode

ser

fecunda

em mudanças positivas na formação estética da humanidade. Nas

tecnologias

m ai s m ode r nas , estão contidos em potência os re cur

s os m at er iai s de que

os homens

precisam

para pór fim ao s mo

nopólios da

cultura e à

própria

idéia de classe ociosa (Música,

p .

1 6 4-1 6 5 ) .

Entretanto,

ressaltava, precisamos observar que  o s progre s

s os t é cnico s - com

os

quais triunfa a indústria cultural - não po

dem

ser analisados de mane ira

abstrata

(Cinema,

p . 1 5 ) . A

r e

flexão

c r í t i c a ,

entendia, não

pode

se deixar levar

pelos

aspectos

do fenómeno que apontam para um futuro

melhor, descuidando-

se da maneira como ele pesa sobre o destino dos contemporâ

neos. O correto é , antes,

o

contrário.

As

referidas técnicas preci-

  ADORNO, T .   T h e f o r m o f

p h o n o g r a p h

r e c o r d e   O p e r a a n d l o n g - p l a y

r e c o r d .

I n :

O c t o b e r

5 5

( 5 6 - 6 6 )

1 9 9 0 .

C o n f r o n t a r

o s t e x t o s com M u s i c a y

t e c n i c a

h o y ( K o s t a

A x e l o s

e t a l l i :

E l a r t e e n

l a s o c i e d

i n d u s t r i a l .

B u e n o s

A i r e s , Nueva

V i s i o n , 1 9 7 3 ) .

7

 Ao

d e s e n v o l v e r

s u as a pt id õe s

e s p e c i a i s ,

o s

p o r t a d o r e s

d o

p r o g r e s s o

t é c n i c o ,

h o j e a i n d a

m e c â n i c o s

e s p e ci a l iz a do s , a t in g ir ã o o

p o n t o ,

j á i n d i c a d o p e l a t e c n o l o g i a ,

e m

q u e

a e s p e c i a l i z a ç ã o s e

t o r n a s u p é r f l u a .

U ma v e z c o n v e r t i d a s ua c o ns ci ê n ci a e m

m e i o s

p u r o s [ s i c ] , sem nenhuma r e s t r i ç ã o , e l a p o d e r á

d e i x a r d e

s e r um m e i o e , co m

s e u a p e g o a o s o b j e t o s p a r t i c u l a r e s , r o m p e r a ú l t i m a b a r r e i r a

d a h e t e r o n o m i a ,

s u a

d e r r a d e i r a p r i s ã o n a a r m a d i l h a d a s i t u a ç ã o e x i s t e n t e , o d e r r a d e i r o f e t i c h i s m o

d o s t a t u s

q u o ,

i n c l u s i v e

o d e s eu p ró p r io e u , q u e s e

d e s f a z

e m s u a i m p l e m e n t a ç ã o r a d i c a l como

i n s t r u m e n t o .

Tomando f ô l e g o ,

f i n a l m e n t e , e l a p o d e r á a p e r c e b e r - s e d a

i n c o n g r u ê n c i a

e n t r e

s e u d e s e n v o l v i m e n t o r a c i o n a l e a

i r r a c i o n a l i d a d e d e s e u s

f i n s , e a g i r

e m

c o n s o n â n c i a

co m

i s s o (ADORNO, T .   Mensagens numa g a r r a f a . I n : S l a v o j Z i z e k

[ O r g . ] :

Um

mapa

d a

i d e o l o g i a .

R i o

d e

J a n e i r o :

C o n t r a p o n t o ,

1 9 9 6 ,

p .

4 9 ) .

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o

a d o r n i a n a

99

sam

ser

entendidas

histórica e socialmente,

situando-as na t o t a l i

dade

histórica na qual

está

e n t re laçado s eu

desenvolvimento .

Na

ótica

do

autor,

externada

bastante

cedo, os

fenómenos

de

cultura de massa necessitam

ser defendidos

contra os que os de s

prezam mas , ao mesmo

t e mpo, criticados

pe rant e s e us advoga

dos.

Por

um l a d o ,

precisamos

abandonar

a arrogância

t í p i c a de

quem

entende

a

música s é r i a e

c r ê

que s e pode ignorar totalmente

a

única

música

consumida

pela

vasta maioria

da população. O

k i t s c h deve

s e r

defendido

e

jogado

contra

todo

o

t i p o

de

música

medíocre

que

s e

quer elevada,

contra o s

i d e a i s apodrecidos

da

c u l t u r a ,

da

perso

nalidade, e tc Por outro

l a d o ,

porém,

precisamos

e v i t a r c a i r

na t e n

dência

atualmente muito

em

moda

[ . . . ] de

simplesmente

g l o r i f i c a r

o k i t s c h e considerá-lo a verdadeira a r t e de nossa época, apenas

porque desfruta de popularidade.8

Preocupado em

e xp o r as realidades regressivas do progresso

-

s ó

em

parte

liberador, Adorno

recusou-se

a

esposar

uma

visão

de

mundo   que

assume uma

atitude

positiva em relação

à técni

ca,

com

a

ressalva de que

se deve lh e dar

sentido,

[ . . . ]

mas s ó

serve para reforçar um trabalho moral afi rm at iv o que , em s i

mesmo, é altamente

questionável

(Prismas,

p .

112).9 A tecnolo

gia

maquinística,

isoladamente,

não

é boa nem

má - mas

isso é

um

truísmo: a análise da mesma não

pode

ser separada das rela

ções

sociais

em

que

surge,

é

manuseada e

extrai

significado.

O

fenómeno não

existe

de maneira

abstrata,

precisando

ser

avaliado

antes de mais nada em

s ua efetivação histórica. Resumidamente,

  não é possível

encarar de forma

separada

os as pe ct os sociais,

técnicos e

a r t í s t i c o s

[dos

meios de comunicação]

(Intervenções,

T h e o d o r Adorno

[ 1 9 2 8 ]

a p u d Thomas L e v i n :

  F o r

t he r ec or d: Adorno o n

m u s i c

i n t h e

a g e

o f i t s t c c h n o l o g i c a l r e p r o d u c t i b i l i t y .

I n :

O c t o b e r

5 5

( 2 3 - 4 7 )

1 9 9 0 ,

p .

2 9 .

  C o n s e r v o

s e m p r e

a s e n sa ç ã o d e

q u e n ã o s e

d e v e s a i r d o

n e g a t i v o

o u

s e

p a s s a r

a o

p o

s i t i v o d e f o r m a m u i t o

r á p i d a ,

s e e s se t ra ba lh o f a v o r e c e r a n ã o -v e rd a de . C a rt a a Tho

mas Mann, 0 1 / 1 2 / 1 9 5 2 , / / m e t o d o d e l m o n t a g g i o . M i l ã o : A r c h i n t o . 2 0 0 3 , p . 8 8 .

  I n t i m a m e n t e c o n t i n u o c r e n d o co m c e r t e z a

q u e

  . . . ] n o s s a é p o c a a i n d a p o s s a e n c o n

t r a r

e x pr e s sã o d e t a l

t i p o [ p o s i t i v o ] ,

mas meu

d e s e j o

c o n s i s t e

s o b r e t u d o e m   p e r g u n

t a r

s e e m t o d a e s s a

p r o b l e m á t i c a d o p o s i t i v o

e do n e g a t i v o n ã o s e a n i n h a

uma

p s e u -

d o q u e s t ã o , uma s o b r e v a l o r i z a ç ã o a b s t r a t a ,

q u e

p e r d e d e

v i s t a

o c o r a ç ã o

d o

p r o b l e m a

[ d o

c o n h e c i m e n t o ] .

I s t o

é ,

a

v e r d a d e

c o n f o r m e

a

q ua l e ss e

c o n h e c i m e n t o

s ó

p o d e

s e r

Page 104: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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10 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r

Adorno e a

c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

A concepção do autor convergia

com

a proposição

marcu-

siana,

externada contemporaneamente, de que   a tecnologia em

s i

mesma

pode

promover

o

autoritarismo

tanto

quanto

a

liberda

de, a e s cas s e z

tanto quanto

a abundância, a ext ensão

tanto quanto

a

supressão

da labuta e deve ser tratada, antes de mais

nada,

 como um processo social no qual a t é cni ca

em

s i mesma ( i s t o é ,

os instrumentos

técnicos

da indústria, transporte, comunicação) é

s ó um

fator parcial.

A

pergunta pela influência

ou

efeito

da

tec

nologia

so b r e

o s i ndi ví duo s não se coloca para nó s porque eles

s ão

parte

ou

fator integral

da

tecnologia,

não

como

seres

que

inventam

ou se

servem

da maquinaria mas, também,

enquanto

formadore s

de

grupos

sociais

que dirigem

s ua aplicação

e

uso .

Segundo

Adorno,

Kracauer e

Benjamin

praticaram

um

mate

rialismo

abstrato, ao

mesmo

tempo abusivo

e insuficiente,

por

que

não

levavam em conta e s sa

perspectiva.

Para ambos,

o

signi

ficado histórico da

arte

muda de acordo

com o caráter de seus

meios técnicos de produção. As tecnologias de r e pr oduç ão e os

lazeres industriais s ão revolucionários porque seus mecanismos

de produção têm

um

caráter coletivo, ambos s ão forças produti

vas socializadas. O cinema e o rádio dependiam do capital ape

nas no tocante às

relações

de produção. Circunstancialmente es

tavam

sendo

usados com objetivos políticos e económicos rea-

cionários, mas

isso de

modo

algum

afetava o

conteúdo progres

sivo

que

lhes era inerente. A capacidade

de

dominar os elemen

tos

da

realidade

de

acordo

com

no s sa vontade

estava,

segundo

e l e s , contida na própria essência da técnica industrial moderna.

Acreditavam

os autores

que

a fantasmagoria mercantil aca

baria s e ndo desmanchada pelas massas

com

o progresso das téc

nicas

de reprodução.

As

experiências que

essas

proporcionavam

poderiam

constituir um f e r m e n t o revolucionário.

Seguindo Bre-

c h t , viam

com s i mpat i a o s

procedimentos

de

expr e s são coletiva,

onde

havia

pouco

lugar

para

a

expr e s são

subjetiva

individual.

As

multidões

urbanas possuíam

um

potencial político idêntico ao do

a l c a n ç a d o m e d i a n t e uma   i n t u i ç ã o e f e t i v a m e n t e m a d u r a [ d a r e a l i d a de ] .

C a r t a

a

Thomas Mann, 1 / 1 2 / 1 9 5 2 , i b i d e m , p . 8 8 - 8 9 .

MARCUSE, H .  Some s o c i a l i m p l i c a t i o n s o f modern t e c h n o l o g y , p . 4 1 4 . K r a c a u e r

v e i o a c r i t i c a r

Adorno

a n o s m ai s

t a r d e ,

a c u s a n d o

s e u

  e x c e s s iv o f o rm a li sm o ,

s u a i n d i

f e r e n ç a

a o

c o n c r e t o e

a

a r r o g â n c i a

d e s r e s p e i t o s a

p a r a

co m

a s c o n t r a d i ç õ e s i n t e r n a s d e

s u a

p o s i ç ã o

( M a r t i n

J a y :

P e r m a n e n t

e x i l e s ,

o p .

c i t . ,

p .

2 2 6 ) .

Page 105: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o

a d o r n i a n a

10 1

proletariado do século anterior, porque agiam de m ane ir a análo

ga ao s trabalhadores da linha de montagem: ambos os grupos es

tavam

condicionados

para

atuar

de

forma

mecânica,

a

fi m

de

se

pr o t eg e r e m

dos choques provocados pela civilização.12

Como dizia Bloch,  as pr o m e s sa s do s anúnci os e da cultura

de consumo costumam

ser

falsas e , em geral, criam falsas neces

sidades,

contudo precisamos considerar que

s eu

poder e onipre-

s ença

revelam a

profundidade das nece s s idade s

que

o

capitalis

mo explora

e

os

desejos

por uma

outra

vida que

permeiam

e s s e

tipo

de

sociedade .13

Destarte,

embora

pudessem

haver

verdadei

ros

holocaustos

maquinísticos,

o

proletariado e as

massas

pode

riam romper

as

formas

míticas

em que

a

técnica e s tav a pr es a

e

transformá-la em   chave da felicidade .

A experiência

soviética

e r a ,

para

e s s e s homens, prova de que a

satisfação

estética de

massas

- mistificada artificialmente

pelo

fascismo, continha um

potencial revolucionário.

O

significado imanent e das transformações

nas t ecno lo gias

de comunicação

e

forças produtivas estéticas

era

o desapareci

mento

da distância entre

produção e

recepção da a r t e , entre os

homens e a humanidade. O

capitalismo

fragmentara a experiên

cia

e

as condições de vida. As tecnologias de comunicação e os

lazeres de massa

poderiam

ensejar uma

nova

síntese. Nesse d i a ,

  a

sociedade

deixar[ia] de

ser a mesma: a a r t e de massas desapa

receria] e a vida humana mesma assumir[ia] as características

dessa arte folclórica que

se

expr e s sa nas lendas, cara

a

cara com

a verdade (Mass ornament, p . 86).

Segundo

Adorno, o supracitado de s en vo lvi m en t o das forças

produtivas não pode

ser

tomado

dessa

forma,

muito acriticamen-

t e , na medida em que a r elaç ão da técnica com a

ideologia

não é

a r t i f i c i a l , mas socialmente necessária. O

problema

não

está no

mau

us o da técnica, por hipótese artificialmente explorada pelos

monopólios

da

cultura

e

o

aparato

político

t o t a l i t á r i o .

Os

resquí

cios

míticos

que as cercam não

s ão impos to s de

fora

para

dentro

à

técnica, co nt ando -s e ao

invés

entre

as

motivaçõe s

de

s eu pró

prio desenvolvimento . A r epr e s são ideológica do caráter coletivo

das

novas

técnicas pelo s i s t e ma

do

estrelato

e a

criação de novas

1 2

LUNN, E . Marxismo y m o d e r n i s m o ,

p .

2 5 7 .

1 3

KELLNER,

D .

  E r n s t

B l o c h ,

u t o p i a

a n d

i d e o l o g y

c r i t i q u e ,

p .

8 .

Page 106: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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10 2

F r a n c i s c o

R u d i g e r □ T h e o d o r

A d o r n o e a

c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

mitologias,

por

e x e m plo ,

não s ão s imple s tentativas

de

modelá-

l a s

segundo os

conceitos

putrefatos da cultura

burguesa,

como

queriam

Brecht,

Kracauer

e

Benjamin.

Baseando-se nas

hipóteses

do últ imo s ob re o caráter por as

s i m dizer epidérmico da recepção nas atuais condições

de exis

tência, o pensador elaborou o

e nt e ndi me nt o de que

a leitura su

perficial

e a

assistência distraída s ão em s i mesmas uma defesa

contra as tentativas

de

influenciar por meio da

m ídi a de

que

lan

ça mão

a sociedade c a p i t a l i s t a .

A transformação

do sentido

em

ruído

que

tende

a

se

esboçar

desse

modo

é ,

como

v e r e m o s ,

com

pensada

com

a assimilação mais ou menos mecânica de

certos

esquemas mais

profundos,

uma

espécie de treino,

que

todavia

possui, como esse deixou

de

ver, importantes

implicações

no

processo

de formação do

sujeito

r eque ri do par a a manutenção

da

ordem

mercantil

c a p i t a l i s t a .

Os procedimentos todos s ão

produto da

exploração

técnica

e

comercial

de determinadas

predisposições

que

surgem

entre

as

massas

em virtude

da própria

maneira como

elas

s ão criadas pelo

modo

de produção e

o

s i s t e ma

económico. A

contraposição

entre

fantasmagoria

mítica

e técnica

racional

deve ser pensada d i a l e t i -

camente. A primeira

pode ser explorada

de maneira técnica e a

segunda

pode se

tornar

motivo de crença, na medida

em

que

mais e

mais

o fetichismo da

mercadoria

se expr e s sa como fan

tasmagoria

tecnológica.

Adorno

sublinha

que o problema não reside

na

técnica, não

era ela a

causa da

crise da cultura, conforme

pretendiam

os c r í t i

co s

da

cultura conservadores. O movimento da

indústria

cultural

  não deve ser atribuído a nenhuma l e i evolutiva da técnica e n

quanto t a l , mas à sua função na economia atual (Dialética, p .

114).

Entretanto, também não desejavam proceder a uma extrapo

lação do historicamente realizável através da louvação abstrata

do conteúdo democrático

das

novas tecnologias,

professando

o

equívoco dos intelectuais progressistas. O des en v ol v i m en to das

forças

produtivas de v e ria ser problematizado

com atitude

c r í t i c a ,

s o b pena

de,

em não o

fazendo, transformar-se em ideologia,

fa

vorecendo

aqueles que exploram a

indústria

da cultura.

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 10 3

A tecnificação

enquanto

t a l pode

s e r v i r

à mais crua reação,

assim

que s e torna f e t i c h e

e ,

em sua [pretendida] p e r f e i ç ã o , proclama

como

realizada

em

s i mesma a

perfeição que f a l t a à

sociedade

(Dissonâncias, p . 6 5 ) .

Para o autor, não

se

t r a t a de

ser

contra ou

a

favor da

técnica,

contra ou a favor da cultura, mas de e nt e nde r s ua dialética:

[O e s p í r i t o

e a

t é c n i c a ] mantêm uma infinidade de relações e , se

po r um lado s e contradizem mutuamente, po r outro tendem a s e a s

s i m i l a r , terminando

por

produzir-se reciprocamente. O desenvol

vimento

da

técnica

a f e t a

o

e s p í r i t o ,

na

mesma

medida

em

que

e s t e

a f e t a a escolha, a direção e

a contenção

do s processos t é c n i c o s .

D e s t a r t e , contrapor inovações técnicas e reformas i n t e l e c t u a i s ,

mudanças

profundas

e

mudanças

s u p e r f i c i a i s , é tão impossível

quanto comparar a s chamadas proposições práticas com a s

propostas

d i t a s utópicas. [ I n c l u s i v e ] em

um

sistema p e t r i f i c a d o e

e s t a c i o n á r i o ,

a

i d é i a mais sensata pode parecer pretensiosa

e

os

bruscos

progressos

da técnica podem

acercar-nos

da mais f a n

t á s t i c a

f a n t a s i a

(Cinema,

p .

1 7 0 ) .

Historicamente, a máquina é

um

fenómeno

ambivalente, co

mo m o s t r a o

próprio

caso das comunicações.

Adorno sabia

que

a

mídia pode ser usada para o bem e o mal.  A técnica enquanto

técnica não

é

boa nem má: provavelmente

é

boa ,

ele d i z i a . Os

problemas e

malefícios

à máquina imputados derivam

da manei

ra como é criada, apropriada e desenvolvida pela sociedade.

Estava

claro, para

e l e , que

é bom quando

obras plásticas,

l i

terárias

e musicais s ão tornadas

acessíveis

às massas, e

que   bro

churas

esclarecidas

e objetivas, a colaboração do rádio e do c i

nema, a

elaboração dos resultados científicos

para

ensino

nas

es

colas, poderiam ser

medidas

práticas

de

combate ao perigo

da

loucura

t o t a l i t á r i a

( T e mas , p . 182).

Segundo

Adorno, o planejamento das t r ans m i s s õe s de

t e l e v i

s ão

visando

os

pontos

nevrálgicos

das

presentes

condições

de

consciência e o

emprego

criativo de s e us r e cur s os  poderiam até

mesmo abrir uma

brecha na

barreira do conformismo .14

1 4

ADORNO. T . Educação e

e m a n c i p a ç ã o [ 1 9 7 1 ] . S ã o

P a u l o : P a z e T e r r a . 1 9 9 5 , p . 9 3 ;

M ú s i c a ,

p .

1 6 4 .

E m p r e g a r o s r e cu r so s d e

c o m u n i c a ç ã o a l t e r n a t i v a m e n t e p o d e r i a

s e r

 uma v a c i n a c o n t r a a i d i o t i a q u e provém d e c a d a

f i l m e , d e

c a d a

p r o g r a m a d e t e l e v i

s ã o , d e c a d a r e v i s t a i l u s t r a d a [ e n q u a n t o v e í c u l o s d a i n d ú s t r i a c u l t u r a l ] , p o d e r i a s e r

 um

f r a g m e n t o

d e

p r a x i s

t r a n s f o r m a d o r a

d o

i n d i v í d u o

c o n t e m p o r â n e o

( I n d i v i d u o

e

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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10 4

F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Entretanto, o

filósofo não desejava construir uma análise

ba

seada nessas

trivialidades,

aceitáveis

por

qualquer

pe s s oa

de bom

s en s o

e

visão

esclarecida. O

problema

em

foco

não

era

esse.

O

ponto em questão e r a ,

antes,

o fato de o potencial estético e cog

nitivo do rádio, do filme, da t v e out ras mídias t e r sido acorren

tado às fo rm as da

economia política

c a p i t a l i s t a .

O lamento sobre a situação

a t u a l

é t ã o pouco f r u t í f e r o quanto, ao

c o n t r á r i o , dizer

que o aspecto f i l o l ó g i c o - h i s t ó r i c o proíbe sua

s a l

vação

atualmente. O reajuste

aproximativo

é a única forma de

questionamento

possível

e x i s t e n t e

h o j e :

o que

s e r á

do s

homens

e

de sua

percepção

e s t é t i c a pelo f a t o de estarem submetidos à s co n

dições do capitalismo monopolista ? 1 5

Conforme sabemos hoje, Horkheimer e Adorno chegaram a

discutir   os aspectos positivos da cultura de massa nas  e x t e n

sas s e çõ e s

que

ficaram

de fora

do texto de s ua

obra maior,

Dia-

lética

do Iluminismo. Pode-se l e r nestes trechos que, para e l e s , o

engajamento

polí tico e

ação

social

s ão

algo

deve

ser

buscado

com todas as for ças , sempre que não implique na traição da ver

dade.16

Assumindo

o

risco de

parecerem negativistas, o

pensador

em

foco neste estudo chegou, por é m , à conclusão de que a confi

ança no homem não se demonstra  acrescentando um parágrafo

positivo

àqueles onde se

mostraram

os momentos s o m b r i o s do

progresso mas, antes, usando suas eventuai s idéias para proceder

à

análise

c r í t i c a

da

modernidade.17

O

pensamento c r í t i c o

não de ve t e r função de consolo, elabo

rando de m ane ir a equilibrada as características emancipatórias e

criadoras com

as

características

r epr es s iv as e destrutivas da

civi

lização. O reconhecimento

da

revolução que, por ex empl o,

o

dis

co t rouxe para os ouvintes que des ejam escutar e ,

mesmo,

estu-

o r g a n i z z a z i o n e .

I n :

L a

s o c i e t á

d e g li i n di vi d ui

v .

9

[ 3 ]

2 0 0 0 ) .

Nos

1 9 6 0 .

Adorno

c o l a

b o r o u com a i m p r e n s a

e s p e c i a l i z a d a

e p r o d u z i u uma s é r i e

d e

p r o g r a m a s d e r á d i o s o

b r e

m ú s i c a , c h e g a n d o mesmo

a a t u a r

como d i s c - j o c k e y

( S c h õ n e

S t e l l e n , R a d i o E s

t a t a l d e H e s s e , 1 9 6 5 ) .

C a r t a

d e

Adorno a B e n j a m i n , 0 1 / 0 2 / 1 9 3 9

( C o r r e s p o n d ê n c i a ,

p . 2 9 4 ) .

1 6

Le o L o w e n t h a l , c o l a b o r a d o r d o t r a b a l h o , e s c r e v e u n e s s a

é p o c a

q u e d i v e r s a s

e x p r e s

s õ e s d o fenómeno

  r e p r e s e n t a m

u t o p i a s d i s t o r c i d a s d o

c o n c e i t o

d e h ome m p a r a o

q u a l

n o s p o s i c i o n a m o s d e m a ne i r a a f i r m a t i v a , p o r q u e r e c o n h e c e m i m p o r t â n c i a

i n c o n d i c i o

n a l a o i n d i v í d u o

e x i s t e n t e ,

v i v o e

r e a l ,

à d i g n i d a d e e à f e l i c i d a d e ( a p u d

M a r t i n

J a y :

D i a l e c t i c a l i m a g i n a t i o n , p . 2 1 3 ) .

 

WIGGERSHAUS,

R .

T h e

F r a n k f u r t S c h o o l ,

p .

3 2 1 - 3 2 2 .

Page 109: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o

a d o r n i a n a

10 5

dar

música quando

bem

entenderem

não

precisa ser alardeado: é

evidente.

As comunicações todo-poderosas já

têm

defensores

mais

do que

suficientes

para

apregoarem

s ua

contribuição

ao

es

clarecimento, carecendo, isso

sim, de uma consciência c r í t i c a

de

seus próprios limites como momento através

do

qual a sociedade

se reproduz e perpetua via a forma da mercadoria.

Benjamim re spondeu

às c r í t i c a s

de

Adorno afirmando que as

divergências entre ambos

eram

apenas aparentes.

Segundo e l e ,

enquanto um t e r i a visto o momento negativo, o outro preferira

deter-se

no

aspecto

positivo

de

algo

que,

visto

bem,

era

um

mesmo processo.  Dizendo em

t e r m o s

muito gerais,

parece-me

que nossas

investigações,

como se

f o s s e m dois focos de l u z ,

d i -

rigem-se a um mesmo objeto

a

p a r t i r de do is lado s opostos, dan

do

a

conhecer o p e r f i l e a dimensão da

arte

atual

de

uma maneira

totalmente inovadora .18

Para e l e , os pontos fortes de um eram

os

fracos do

outro

e se

ambos l e va s s e m em conta s ua soma chegar-se-ia a uma visão

mais plástica

da

h i s t ó r i a , poder-se-ía

concretizar

a mediação dia-

l é t i c a

entre

as

duas visões,

a cuja

indicação recomendar-se-ia em

especial

a película

s o n o ra h oll y w o odiana.

O

entendimento, toda

v i a , é só parcialmente correto, porque embora s eu interlocutor

pudesse aceitá-la isso não livrava de prejuízo

a

hipótese que de

fendia, ou s e j a : a hipótese

do

conteúdo democrático

e

em s i

mesmo progressista das tecnologias

de

reprodução.

Para Adorno, o caráter coletivo do qual as forças

produtivas

se

r e v e s t e m

em

no s s o

tempo não pode ser considerado fora do

contexto

das relações

sociais

de

produção e

troca que

se

consoli

dam através da forma mercadoria. Baseado nisso é que duvidava

que  a reprodução técnica de fato [pudesse dar] à pe ss oa o a pri

ori

do filme ,

i s t o

é :

pudesse fornecer

uma apropriação

c r í t i c a

das

suas condições de existência - conforme reclamava

Benja-

1 8 C o n f i r a a c o rr e s p o n d ê n c i a d e

3 0 / 0 6 / 1 9 3 6

e d e

0 9 / 1 2 ; 1 9 3 8 ( C o r r e s p o n d ê n c i a ,

p . 1 4 9 e

2 8 9 ) .

1 9 ADORNO, T . S o b r e W a l t e r B e n j a m i n . M a d r i : C at e dr a , 1 9 9 5, p . 1 4 3 . S a b i n e W i l k e

d e f e n d e o p o n t o d e v i s t a d e B e n j a m i n e m   T o r n h a l v e s o f a n i n t e g r a l f r e e d o m : Ador

no^ a n d B e n j a m i n ' s

r e a d i n g s o f m a s s

c u l t u r e .

I n : R o b e r t R o b li n

  e d i t o r ) : T h e

A e s -

t h e t i c s

o f

t h e

c r i t i c a i

t h e o r i s t s .

L c w i n s t o n ( N Y ) :

Edwin

M e l l e n ,

1 9 9 0 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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10 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Segundo Adorno, a antítese entre o b ra de arte artesanal e

obra

de

arte

tecnológica

de

que

s eu

colega

e

amigo

se valia

de s

cuida

de s ua d i a l é t i c a .  O principal defeito de s ua grandiosa

teo

r i a da reprodução

é

que

as

suas categorias bipolares não permi

tem

distinguir entre

a

concepção

de

uma arte desideologizada

até

ao

s eu estrato

fundamental

e

o abuso da

racionalidade

estética

para

a exploração e a

dominação das

massas:

[nele]

a

alternativa

s ó dificilmente

é aflorada

(Estética,

p . 71-72).

Benjamin

não

t r a t o u

de

quão

profundamente

v á r i a s

de

suas

catego

r i a s

postuladas

para o cinema - valor de exposição, t e s t e -

estão

comprometidas

com

o c a r á t e r de mercadoria, contra

o

qual sua t e o

r i a

não

obstante

s e v o l t a (Sociologia, p .

1 0 4 ) .

Entendia Adorno que

o

declínio da

aura das obras de arte

não significa

a erradicação dessa

aura do

palco da

sociedade. Os

contrários

podem se trocar

no

curso da h i s t ó r i a .

A

obra

arte

mo

derna

é

que

se

desestetiza,

à

medida

que

os

produtos

da

indústria

cultural vão se revestindo da aura que pertenceu às

obras

artesa

nais do passado.

O

conceito de obra aurática

é

devedor - embora

não totalmente

-

do fetichismo do qual se reveste

a obra

de arte

na

era burguesa. O

sucedâneo dessa aura na sociedade

atual é

o

fetichismo da mercadoria cultural tecnológica.

Replicando

a

Benjamin,

o pensador escreve

que

  o valor

de

exposição,

que a í

[na

modernidade

avançada]

deve

substituir

o

valor cultural

aurático, [visto mais de perto] é

uma

imago

do

processo

de troca

(Estética, p .

59).

A capacidade de

fazer

expe

riências que

se

perde com

a desintegração

das

tradições,

s e u pré-

requisito, historicamente não deu lugar à reapropriação da vida

s o c i a l , mas

à

pse udocultura mer cadológica.

O fenómeno da aura d e s c r i t o

po r

Benjamin com uma negação

nos

t á l g i c a

perverteu-se

onde

e l e

s e

a p l i c a e

deste

modo

simula;

onde

produtos, que após a produção e a reprodução s e opõem ao h i c e t

nunc, s e baseiam na

aparência

de um t a l h i c e t nunc, como é o

caso

do

filme comercial (idem,

p . 5 9 ) .

A oposição entre as categorias de valor de troca e valor de

culto precisa ser entendida de mane ira

dialética, na

medida em

que

a

relação entre as esferas

antagónicas

da

arte

séria e da

arte

média

deve

ser

pensada

incessantemente

como

mediação

de

uma

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 10 7

pela outra. At ualm e nt e , o valor

de culto

das obras

de

a r t e ,

que

parece

t e r

se perdido, na

verdade

reaparece

no culto

pr ofano do s

be ns de

consumo.

O

conceito

de

aura

tornou-se

 um

molho

uni

forme, que

a

indústria

cultural

deita ao mesmo

tempo

nos

seus

produtos e no s estímulos sensoriais individuais (idem, p . 3 4 2 ) .

Em contrapartida, as capacidades redentoras do cotidiano,

que estavam associadas

à

aura

das

obras

artesanais, passaram a

fazer

parte da

experiência

que

os homens têm

com

a

nova a r t e ,

na medida em que ela re cus a a aura que passou a fazer parte do

comércio

cotidiano.

Quanto

mais a todo-poderosa i n d ú s t r i a c u l t u r a l invoca o princípio

esclarecedor e

o corrompe numa manipulação do humano,

a fim

de

fazer prolongar

o obscuro, tanto mais a

a r t e opõe, ao onipotente

e s t i l o a t u a l

das

luzes de néon, configurações dessa obscuridade

que s e quer eliminar

e

serve para esclarecer

s omen t e

enquanto

convence conscientemente o

mundo,

t ã o luminoso

na aparência, de

suas

próprias t r e v a s . 2 0

Segundo

Kracauer

e Benjamin, o esclarecimento

não se

de s

viou de s ua rota ao ensejar o aparecimento

da

cultura

de

massa,

por

mais que

se po s sa

t e r

nostalgia do

passado.

 O processo

[ h i s

tórico]

conduz diretamente ao

centro

do

ornamento de

massas, e

não para fora dele . A cultura burguesa tentou oferecer um suce

dâneo

das

velhas

imagens do mundo,

mas pouco

a

pouco todos

eles

foram

se

tornando

i r r e a i s , em

função

do

caráter

cada

v e z

mais racional

das suas condições

de

existência ( c f .

Mass

orna-

m ent, p . 86).

D i v e r sa m en t e ,

Adorno

distinguiu de

maneira

dialética entre

modernidade e modernismo, época e atitude, considerando a pre

tensão

de

esgotar a

primeira na

segunda um caminho para a bar

bárie. Para e l e , e s s e não era um meio de superar o caráter afirma

tivo

da

cultura

e

suas

ligações

com

a

dominação.

Enquanto

seus

interlocutores viram nos lazeres urbanos uma maneira

de

conter

o de s en vo lvi m en t o

das

técnicas de reprodução, o pensador

visua

lizou no

racionalismo

técnico moderno uma forma de retorno à

mitologia.

Através

dele,

os

impulsos arcaicos não

s ão recalcados

mas, antes, liberados pelas mesmas forças que durante tanto

: o

ADORNO,

T . F i l o s o f i a

d a n o v a

m ú s i c a .

S ã o

P a u l o :

P e r s p e c t i v a ,

1 9 7 4 ,

p .

2 2 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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10 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

tempo os reprimiram para, a p a r t i r de então, fazê-las servir-lhes

política e economicamente.

Como

Ernst

Bloch,

Adorno

viu

que

a

consciência

cotidiana

no capitalismo é atravessada por

e l e m e n t o s

arcaicos

pré-

industriais que, se bem contêm

desejos,

anseios e fantasias cujo

potencial pode transcender a estrutura social vigente, por outro

lado possuem uma dinâmica que, conforme perceberam acerta

damente

os

críticos culturais reacionários, não

s ó é acionada

pela

técnica moderna como pode ser utilizada com finalidades con

servadoras

e

antiiluministas.21

A concordância com

a

idéia blochiana de que

 as pr o m e s sa s

não cumpridas do passado e

as

fontes de consciência não apro

veitadas do presente impedem toda negação absoluta da utopia

do futuro 22 precisa ser acompanhada, po r é m , da ressalva de que

a esperança ou sonho de uma v ida m e lh or , a cuja

pesquisa

o f i l ó

sofo em questão dedicou s ua carreira de

pensador,

não

ocupa

sempre

a

mesma

posição

na

subjetividade.

Para Adorno,

as

possibilidades utópicas

ainda

não realizadas

contidas nas var i edade s

de

arte leve

que

aquele analisou

não

po

dem

ser

estendidas sem

ressalvas à

prática da indústria cultural,

como, mais mal do que bem, não passou de s p e rce b i do ao próprio

Bloch.

 Kits ch

é a s e n ha com

que

este se refere ao s fenómenos

que ele procurou conceituar e entender com s ua c r í t i c a a e s sa

prática.

Em O Principio da Esperança, desse autor, a contestação

política e estética

está

tão presente

quanto

o elogio

da

fantasia

cotidiana e popular. Enquanto Hollywood - e scr eveu s eu autor -

é responsável

pela transformação da

fábrica

de

s o nho s

em

fábri

ca de v en eno , expulsando do s filmes os

impulsos

críticos

que

eles tiveram no princípio, a

música popular da

e ra do rádio

não

passa do us o do kitsch como estupefaciente ideológico, cuj o o b-

jetivo

último

é

formar

uma

legião

de

seguidores

do

capitalismo

monopolis ta

( v .

I ,

p . 4 0 9 - 4 1 1 ) .

No

entendimento do

filósofo da

esperança,

  a totalidade

existente, o todo em l a t i t u d e ,

é

irredutível ao modo de

produção,

2 1

C f . OSWALD

SPENGLER:

O homem e

a

t é c n i c a .

P o r t o A l e g r e : G l o b o ,

1 9 4 2 .

J e f f r e y

H e r f :

O

modernismo

r e a c i o n á r i o . S ã o P a u l o :

E ns ai o, 1 9 9 3.

 

BRONNER,

S .

Da

t e o r i a

c r í t i c a

e

s e u s

t e ó r i c o s .

C a m p i n a s :

P a p i r u s ,

1 9 9 7 ,

p .

89 .

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o adomiana 10 9

enquanto conjunto de relações e funções

homólogas

possuidor

de

um centro de gravidade, [ . . . p o r q u e . . . ] ainda contém umas i n t u i

ções

explosivas

do

futuro,

traços

que

fi gur am o

ainda

não

r e a l i

zado e minam as tendências do m inan t e s na atualidade .23

Adorno nota, contudo,

que

e s s e poder é relativo: as proje-

ções

utópicas podem

ser não apenas aprisionadas mas reificadas,

ao passarem a depender das formas mercantis e burocráticas de

controle

e

exploração.

As condições para o

aparecimento

dos r e

feridos

traços não

s ão constantes,

variando de acordo com

a

épo

ca

histórica. A

capacidade

que

o

cinema

como

técnica

nos

de

visualizar o movimento social, de redimir a realidade concreta e

estimular

no s so s s o n ho s

utópicos,

por

exemplo,

não pode ser se

parada do s e u contexto social de inserção e , no l i m i t e , da possi

bilidade

desses s o nh os pas s ar e m a

coincidir

com as

utopias

do

c a p i t a l .

Ernst

Bloch

não logrou

estabelecer

de maneira

legítima os

limites

de

validade

de

s eu

conceito

de

utopia,

pois

não

é claro

em

seus

textos,

ou então é ó b v i o

na

h i s t ó r i a , que os conteúdos utópi

co s predominam nos momentos de efervescência revolucionária,

e

os ideológicos nos momentos de

declínio

da

ordem social do

minante.

Aparent ement e, o filósofo empregou e s s e

esquema de

filosofia da história como

fachada

legitimadora das motivaçõe s

pouco

legítimas que

o levaram a

defender

o realismo socialista

como

utópico,

e a cultura de massa

ocidental

como

ideológica

em seus escritos do período intermediário.

Em

virtude

desse problema, a consideração do e l e m e n t o ut ó

pico presente em s eu pensamento tende a assumir um caráter

abstrato,

s enão

idealista (Literatura

I I , p .

2 0 5 ) ,

s e melhante

àque

l a avaliação puramente formal da tecnologia que os frankfurtia-

nos

tanto criticaram.

A positividade da

existência é ,

por

um lado,

reduzida à esperança e projetada para um futuro distante, e n

quanto,

de

outro, torna-se passível

de

associação

com todo

o

tipo

de pesadelo histórico.

Segundo Adorno, a

perspectiva precisa

ser

matizada

da

mesma

forma

como

se deve matizar a questão dos

aparatos téc

nicos. A modernidade é portadora de contradições que devem ser

superadas,

mas

isso não quer dizer s ua abolição,

na

medida em

2 3

JAY, M.

Marxism and

t o t a l i t y ,

p .

1 8 7 .

Page 114: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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110 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

que, no s eu modo ver, o conceito de cultura, se é para ser con

servado no

pensamento,

o

dev e

criticamente.

O

pensador

tam

bém

era

da

opinião

de

que,

hoje

em

d i a ,

é sem

sentido

procurar

atingir uma forma superior

de

vida fora do mundo tecnológico.

No entanto, opunha-se

à

idéia de que devemos

pura e simples

mente aceitá-lo como fato consumado,

sem empreender uma

c r í

t i c a radical e constante

de

s eu processo

de

posição. A cultura não

deve

ser negada de m ane ir a abstrata pela técnica nem pela utopia

mas, sim, examinada sem ingenuidade, de acordo com

s ua

situa

ç ão

histórica

concreta,

tendo

em

vista

-

antes

de

mais nada

-

os

eventuais prejuízos que impõem ao sujeito vivo existente.

A seguinte passagem, embora extensa, merece ser citada por

i n t e i r o , considerando

o

quanto

esclarece a

perspectiva adorniana:

A a n á l i s e c r í t i c a da i n d ú s t r i a da cultura não implica uma celebra

ção

romântica do

passado.

[ . . . ] As possibilidades

que os

d i s p o s i t i

vos técnicos

podem

oferecer à

a r t e no futuro

são

imprevisíveis,

e

a t é

no

filme

mais

detestável

momentos

em

que

e s t a s p o s s i b i l i

dades irrompem de forma p a t e n t e . [ . . . ] Entretanto, o mesmo p r i n

cípio que de u

vida à s

r e f e r i d a s

possibilidades a s mantêm

s u j e i t a s

ao mundo do big bussiness. [Por i s s o ] , a a n á l i s e da cultura de mas

s a deve

t e r como objetivo

mostrar a conexão existente entre o

po

t e n c i a l e s t é t i c o da

a r t e

de

massas em uma

sociedade l i v r e e seu ca-

r á t e r

ideológico

na sociedade a t u a l (Cinema, p . 1 5 ) .

Resumidamente,

significa

que, teoricamente,

os

fenómenos

de

indústria cultural não deveriam ser motivo de

entusiasmo,

mas matéria de análise c r í t i c a , orientada de acordo com a idéia

de uma

totalidade

não integradora, nem abstraída da

experiência

pessoal, supostamente a única capaz de permitir o desenvolvi

mento

da subjetividade ao

mesmo

tempo que

a

interação humana

externa e individualizada.24

3 . 2

Cultura

e

barbárie

tecnológica

Vista em esquema, a ci vi li zaç ão é um processo histórico-

universal

que se

opõe à selvageria e cujo

sentido

valorativo ima-

2 4

LUNN,

E .

Marxismo

y

m o d e r n i s m o ,

p .

1 3 6 .

Page 115: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a

c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a

111

nente,

diferente conforme o estágio,

é l i v r a r

os homens dos pode

res

naturais

e

permitir

a

s ua realização

como seres

humanos.

Modernamente,

e s s e

desígnio

secreto

da

atividade

social

se

con

verte no

projeto

mais ou menos consciente de desencantar o

mundo, investindo os

homens

na

condição

de sujeitos.

O conhe

ci m en t o cie nt ífico e a práxis mate rial passam

a

ser entendidos

como

fundamento de um

movimento

emancipatório que deve l e

var à pacificação

da e xi st ê ncia e

à

conquista da

autodetermina

ção.

Segundo

Adorno

e

H o r k h e i m e r ,

o

entendimento

da

indústria

cultural em s eu sentido

e

valor deve

ser

situado nes s e

processo

-

cuj o cur s o eles e x ig e m ,

po r é m ,

que vejamos com

suspeita,

assu-

mindo-se

uma

atitude c r í t i c a , de

maneira

dialética, como uma

marcha   que

r eno va ao mesmo tempo

a

dominação

e a

perspecti

va de

s eu

abrandamento (Dialética, p . 50). A modernidade

nos

promete o progresso geral da humanidade.

A experiência

históri

ca

mostra,

no

entanto,

que

o

esclarecimento

também

engendra

o

s eu

contrário:

o

controle

repressivo da natureza

e a reificação

dos

seres humanos. A civilização

tem

como meta nos

trazer a

paz

e a

auto-realização;

contudo, também pode culminar com o advento

de uma barbárie tecnológica.

O capitalismo e a

tecnologia

moderna

promoveram uma

formidável

melhoria

nas

condições de

existência de

um

número

cada

v e z

maior de pessoas, mas

ao

mesmo tempo as submetem a

um modo

de vida

cada

v e z

mais complexo, anónimo e mecânico.

A racionalização atua com irracionalidade, e isso não passa de s

percebido. As promessas que a cultura moderna fez não se r e a l i

zaram

conforme o

prometido.

As

relações sociais e as

exigências

f e i t a s pela civilização maquinística pesam s obre

o

indivíduo de

maneira cada vez mais urgente e

incontrolável, fazendo-se

acompanhar de uma regressão cultural igualmente progressiva

( T e mas ,

p . 40-41).

Para Adorno,  quem se dedicasse a situar o s i s t e ma da indús

t r i a cultural

nas

grandes

perspectivas

da

história

universal, t e r i a

que defini-lo como

a

exploração planificada

da

ruptura

primordi

a l entre os homens e s ua cultura (Minima Moralia, p . 129).

O

capitalismo

-

que mantém

a

divisão entre espontaneidade e t r a

balho e ,

ao

mesmo

t e mpo,

nutre o sonho

de fazê-los

coincidir - é

Page 116: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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112 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

o estágio f i n a l de um processo milenar, através do qual

a divisão

do trabalho inscreveu

e s sa

divisão na subjetividade.

O

comportamento

estético e

a

ação

instrumental

para os

quais

e s sa

distinção

r e m e t e

em

sentido mais amplo não s ão fa

culdades separáveis

de

forma

absoluta.

As categorias

mantêm-se

ligadas em cada

ser

humano, mesmo quando s ã o fo rçadas

a

atuar

de mane ira

mais

estanque pela sociedade .

O re sultado dis s o

é ,

po r é m , o engendramento de uma série de mutilações, que o ho

mem arrasta consigo

como

espécie de herança geracional. A i n

dústria

cultural

é a

tentativa

frustrada

de

reparar

os

prejuízos

ad

vindos desse processo de

separação,

que p e sa s obre

a

v ida das

massas desde

os

tempos arcaicos.

Conforme

explica

o pensador, a civilização é produzida, ao

mesmo t e mpo, pelo trabalho e

pelo

cultivo plástico e

criador de

no s sa

humanidade,

coincidindo

com o nos s o esforço

de

domínio

externo

e

interno da natureza informe (selvageria).

Nesse

senti

do,

apresenta-se

como

uma

disciplina

dos corpos

(de

s i

e

dos

ou

t r o s ) e um projeto de formação do e s p í r i t o , como atividade ins

trumental e expressão

do

que podemos chamar de princípio ut ó

pico.

O trabalho é

o

veículo histórico da primeira: através dele,

o

homem se torna sujeito ( no

sentido

de

ser que

está preso

em

s i

e

a outro).

A formação

(cultural)

é , ao

contrário,

o

meio

do

segun

do: veicula o

anseio

humano de negar a reificação

( externa e

in

terna),

expressar

criativamente

s ua

subjetividade. O trabalho e a

cultura adquirem

consciência

de

s i no

momento

em que os ho

mens

começam

a

reagir ao que lh e s oa como sendo

a

barbárie e a

selvageria.25

O

contraponto

entre as

categorias

- note-se - não é ab so lut o,

porque

a

formação do sujeito

pela

cultura

é mediada

por uma

disciplina,

e a

cultura, por

mais distante que esteja

das tarefas ob-

jetivas, de m ane ir a nenhuma se

ausenta

da realização do trabalho

(Indústria, p . 112). A verdadeira cultura não se exaure no puro e

simples domínio dos i mpuls os naturais, procurando antes os

meios de conciliá-los com

a

vida, mas ao mesmo tempo não pode

HORKHEIMER, M.  

ADORNO, T .

/

S e m i n a r i d e l i a S c u o l a

d i

F r a n c o f o r t e ,

p .

1 8 0 .

 A

c u l t u r a

[ é ] a t e n t a t i v a

d e domar

o

p r i n c í p i o

b á r b a r o d a f o r ç a

c o r p o r a l

como v i o

l ê n c i a

i m e d i a t a (Max

H o r k h e i m e r : E c l i p s e d a

r a z ã o , p . 1 6 1 ) . A

p e r s p e c t i v a

d e e n

t e n d i m e n t o e m f o c o , o b s e r v e - s e , é

b a s t a n t e d e v e d o r a d a s i d e i a s s o b r e

a m a t é r i a

e x t e r

n a d a s

p o r

K a n t .

Page 117: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s

d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a

113

ser separada do controle racional

dess e s

mesmos impulsos, que

está

na

base da

ação instrumental.

Na

Escola

de

Frankfurt,

constata-se

de

todo

jeito

que,

e n

quanto momento do processo civilizatório, a cultura não designa

apenas o co nj unt o de saberes,

ciências

e a r t e s , de técnicas e re

cursos

materiais

criados

pelo homem, re fe rindo-s e ant es à rela

ç ão viva

de

todos

e s s e s e l e m e n t o s

com

a praxi s formativa

do

i n

divíduo.

A cultura exige alguma consciência reflexiva.

Também

para seus membros valia a idéia de Simmel de acordo com a

qual

a

categoria

compreende

a criação

de be ns

simbólicos

tanto

quan

to o cultivo de s i mesmo por

s eu intermédio

e , portanto,   o

ho

mem

não está cultivado

enquanto estes bens

objetivos de

tipo

es

p i r i t u a l , ou

externo,

não passem

a

formar parte de sua personali

dade, de t a l modo que

lh e permitam

progredir num sentido supe

rior

à medida possível por s ua [simples] natureza .

D i v e r sa m e n t e em relação ao pensador, no entanto, o conceito

tem um sentido crítico para Adorno. O processo

civilizatório

r e

freia

a

barbárie

e

engendra

a perspectiva

de um bem

viver

que

se

perpetua através da cultura

-

mas e s sa também é um meio em

que

se conserva

a dominação da natureza

e

da

sociedade.

A cate

goria não pode ser entendida sem relação de dependência com a

estrutura social de s ua época e , no entanto, tampouco pode

ser

concebida

sem o momento em que

a

ultrapassa.  A cultura e n

quanto

algo

que vai além do s i s t e ma de sobrevivência da espécie

contém um irrevogável impulso crítico contra

o status quo

e

to

das

as suas instituições

(Indústria, p .

100).27

A proposição significa,

por

um lado, que e s sa esfera escapa à

condição de

simples

meio de s u b m i s s ã o

e

domínio

da natureza,

sendo vista antes como

a maneira

de o homem

mantê-la

viva

dentro

de

s i

e ,

assim, reconciliar-se

livremente consigo

mesmo.

A

cultura

r e m e t e ao

mundo estético

do s sons

e

das

imagens,

às

figuras

que

os

homens

põem

entre

eles

e a

realidade,

à

capacida

de de fantasiar e , assim, transcender o estado

de

coisas existente.

 O comportamento

e st ét ico é [em e s sê ncia] a

capacidade

de

per-

* SIMMEL, G . E t i n d i v i d u o y l a l i b e r i a d .

B a r c e l o n a :

P e n í n s u l a , 1 9 8 6 ,

p .

1 3 0 .

: 7 Segundo n o s s o modo

d e

v e r , a

h i p ó t e s e d e

q u e a E s c o l a

d e

F r a n k f u r t n ã o

d i s p õ e

d e

uma t e o r i a

d a

c u l t u r a ,

l e v a n t a d a

p o r

F r e d r i c

J a m e s o n , n ã o t e m

a b s o l u t a m e n t e

nenhum

f u n d a m e n t o

( L a t e

m a r x i s m :

A d o r n o ,

p .

1 0 6 - 1 0 8 ) .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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114 F r a n c i s c o R í i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

ceber nas

coisas mais do que elas

são; o olhar s o b o

qual o que é

se transforma em imagem

(Estética, p .

363).28

Conforme

ele

o b s e r v a

em

relação

às

a r t e s ,

em

particular,

  todas elas

se caracterizam po r se

destacarem da realidade empí

r i c a , todas tendem

a

formar um

universo

que se opõe qualitati

vamente a e s sa última: através da evolução histórica, as artes se-

cularizam o universo mágico

e

sagrado .29

No entanto, pr e ci s am os , po r isso mesmo, conservar em vista

também s e u sentido

afirmativo:

significa, então, um e l e m e n t o

que

auxilia

a

manter

as

relações

de

domínio,

na

medida

em

que,

a de spe it o dos

efeitos positivos,

verifica-se

que

os progressos

n e s s e

campo sempre

i mpli car am na afirmação

dessas

mesmas

relações

no

âmbito

da

sociedade.

O significado

s o c i a l

mais

importante da

cultura

afirmativa [ e m

ge

r a l ] provém da

contradição que e x i s t e entre

a fugacidade sem pra

zer de uma existência i ns a t i s fa t ó r i a e a necessidade de s a t i s f a ç õ e s

que t or ne m

essa

existência

suportável

[para

os

i n d i v í d u o s ] . 3 0

Durante

milênios, a

formação

e a

cultura

foram

obtidas por

uma minoria às custas do trabalho

das

massas. O tratamento de s i

mesmo como uma

o bra de arte

era privilégio de

uns

poucos

indi

víduos.

Populações

inteiras

foram

escravizadas ou

mantidas na

barbárie para que se pudesse t e r progresso e s p i r i t u a l .

A

coletivi-

dade

f o i privada

da devida formação, para que uns poucos a t i

v e s s e m .

Os

indivíduos,

em

s ua

maioria,

tiveram

suas

vidas

muti

ladas, para que se pudesse avançar na h i s t ó r i a .

Em

algumas

fases

h i s t ó r i c a s

da a g r i c u l t u r a

e

da economia

mercan

t i l simples, a

produção não

esteve

radicalmente

submetida ao valor

de t r o c a , estava mais próxima

do s

trabalhadores, e a s relações en

t r e e s t e s não eram de

todo c o i s i f i c a d a s . . .

mas provavelmente [ e s s a s

As

a t i v i d a d e s

a r t í s t i c a s

s ã o

uma

d a s f o r m a s a t r a v é s d a s q u a i s s e d á a

r a c i o n a l i z a ç ã o

d a s i m a g e n s

( t é c n i c a

a r t í s t i c a ) .

As

p r á t i c a s

e d u c a t i v a s possuem

i g u a l s e n t i d o e t a m

bé m m e r e c e r a m a t e n ç ã o

p o r p a r t e d e A d o r n o .

O p a p e l

d a p r a x i s p o l í t i c a n e s se p ro c e s

s o

r e a l m e n t e

s ó f o i

e x p l i c i t a d o

p o r

H a b e r m a s .

2 9

ADORNO, T .   L ' a r t e t

l e s

a r t s . I n : L ' a r t

d a n s

l a s o c i e t é d ' a u j o u r d ' h u i .

B o u d r y -

N e u c h a t e l :

B a c o n n i è r e , 1 9 6 7 , p .

5 2 .

3 0 MARCUSE, H .   R é f l e x i o n s u r l e c a r a c t è r e a f f i r m a t i v e

d e

l a c u l t u r e . I n :

C u l t u r e

e t

s o c i e t é .

P a r i s :

M in ui t, 1 9 70 ,

p .

1 3 4 .

Page 119: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 1 15

épocas] infligiram aos que viviam nelas mais brutalidades do que

a s ocorridas em grandes períodos do c a p i t a l i s m o . 3 1

A

separação

entre

o

u t i l i t á r i o

e

o

prazeroso,

o

necessário

e

o

supérfluo,

o

trabalho e a cultura, promovida de todo

modo

pela

civilização,

todavia, ingressou numa nova etapa com o advento

do s tempos m ode r no s .

A sociedade burguesa e s t endeu a todos os homens

o

direito

de t e r e m uma formação, cultivarem s eu modo de ser e serem fe

l i z e s como indivíduos. O sentido do t e r m o  formação se huma

nizou

e

adquiriu

s ua

própria

autonomia,

perdendo o

caráter

es-

tamental

e o fundamento

supramundano.

A escola

tomou para s i

a tarefa de

aprimorá-la,

tornando-se complemento

da m i s s ã o

formativa

que de imediato

assumiu a família. A cultura passou,

então,

a coincidir

mais

e mais

com

o

cultivo privado

do espírito,

um

conjunto de práticas

sociais

destinado a desenvolv er

o

indi

víduo, não obstante o crescente

e n v o lvi m en t o desse

indivíduo

com

um

mundo

cada

v e z

mais

materialista.

Convém

no t ar que ,

por um

lado, isso f o i

um avanço, porque

assim a idéia de cultura atingiu consciência de s i mesma. Nou

tros termos, consagrou-se o princípio de

que

cada indivíduo deve

ser formado por

s i

mesmo e livremente. No

entanto, o

ocorrido

também

implicou em

um

atraso porque, até certo ponto,

l e g i t i

mou

a v e l ha s e paraç ã o

entre

cultura e trabalho. A privação física

e a

servidão

exterior

foram

postas

à

sombra

da

b ele za

da

alma

e

da liberdade

e s p i r i t u a l .  Na espiritualização

da

cultura que

ocor

reu dessa

maneira

[portanto] está virtualmente confirmada s ua

impotência e a

entrega da

vida real dos homens a relações mate

r i a i s que e x i s t e m e

mudam

cegamente (Pseudocultura, p . 2 3 5 ) .

O processo

que

emancipou a idéia de formação

separou-a

das demais esferas da vida social e condicionou s eu acesso ao

consumo de mercadorias, conferindo à

cultura

burguesa s eu cará

t e r

de

ideologia.

A

proclamação

do direito

ao cultivo individual

não modificou o modo de vida da maioria da

população.

A r e

produção das suas condições

materiais de existência

não

f o i

t o

cada pela

cultura e continuou ocorrendo na

mais

completa

barbá-

ADORNO,

T .

Im

i d e o l o g i a

como

l e n g u a j e .

M a d r i : T a u r u s ,

1 9 7 1 ,

p .

8 2 .

Page 120: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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116 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e

a c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

r i e ,

se

comparada

com

aquela lograda,

com crescente

refinamen

t o , pelas camadas dominantes.

 No

século

XVIII,

o

conceito

de

cultura

popular

m o v ia- s e

no

sentido de

uma

emancipação das tradições

semifeudais

e absolu

t i s t a s , possuía um

sentido

progressista,

que sublinhava

a auto

nomia do indivíduo como ser

capaz

de tomar suas

próprias

deci

sõ e s e , por

i s s o , as

fronteiras entre suas e xpre s sõe s e

as da arte

séria eram mais fluídas

do

que

se tornaram no século

XIX (In

dústria, p . 15 2 e 140). Depois, e s sa abertura começou a ser cana

lizada.

Os

vigorosos

progressos

verificados

nesses

campos

pas

saram a beneficiar ape nas o público burguês, chegando mesmo a

se t ornarem uma forma de legitimar o mando de s ua classe

sobre

a

sociedade.

Os proprietários do s meios

de

produção

continuaram possuindo

o

monopólio da

formação

c u l t u r a l inclusive

na s ocie dade formal

mente i g u a l i t á r i a : a desumanização causada pelo processo capita

l i s t a

de

produção

denegou

aos

trabalhadores

os

supostos

necessá

r i o s

para

s e

educarem,

a começar pelo ócio (Pseudocultura, p .

240).

A expansão das forças produtivas promoveu

uma

mudança

nes s e panorama, permitindo

uma sensível

elevação

no

padr ão de

vida das m as sas , mas ao

mesmo

tempo

provocou

uma

crise

na

velha idéia de cultura. A transformação de seus meios

em

bens

de

consumo

privou

a

formação

de

seus

fundamentos,

s u b m e t e n -

do -a ao fetichismo da mercadoria. A burguesia pouco a pouco f o i

perdendo

a

condição

funcional

e

espiritual de

classe

dominante

e ,

s ua cultura, deixando

de ser

a

cultura heg emónica.

Entretanto,

assim,

o

próprio

processo

de

formação das

cama

das popular e s f o i abortado, na medida em que seus m o t i v o s po

tenciais

passaram a ser canalizados para o consumo de diversão e

a

prática

do

lazer

industrial.

 A

fantasmagoria

de

um

mundo

es

tético

não

perv e rt ido pelos fins passou a servir de á l i b i ao mundo

subestético [das relações de mercado] (Estética, p . 2 8 8 ) .

Noutros t e rmos ,

o progresso começou a se converter no s eu

contrário, separando-se das finalidades

que

lh e foram

atribuídas

na

aurora da mode rn idade . Immanuel

Kant

escrevera n e s sa

época

que   o homem tem necessidade

de cuidado

e cultur a (Sob r e

a

pedagogia, 1786).

Acreditava-se

que

o esclarecimento

s ó seria

Page 121: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s

d a

c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 117

promovido

se h ouv e s s e uma verdadeira

educação

da espécie. A

realização do

indivíduo

pressupunha o

cultivo

de

suas

faculda

des,

um

processo

formativo,

através

da

apropriação

prática

e

in

telectual dos valores criados pela civilização.

A consciência da

distinção

ent r e cultura superior

e

cultura

popular era acompanhada da crença de que poder-se-ia chegar a

um estágio

mais

avançado. A educação dos sentidos permitiria

conciliar

os impulsos corporais com

a

moralidade,

ligando-se

be

leza e liberdade. O estado de plenitude estética e moral era visua

lizado

pelos

pensadores

de

vanguarda como uma

condição aces

sível

a

todos

e

através

do qual

todos poderiam

tornar-se

l i v r e s

e

realizados

individualmente.

A concepção moderna

da

cultura como

criação

a r t í s t i c a e

f i

losófica

emancipadora acreditava

na

possibilidade

de

superar a

reificação da consciência e relações sociais promovida pelo ra

cionalismo tecnológico, através do

engajamento

do ser humano

em certos

valores

estéticos

e

intelectuais,

conforme se pode

cons

t a t a r folheando as pág inas das

Cartas

so b r e a educação estética

do

homem, de Schiller

(1795).

A transformação estrutural do mercado da cultura, provocada

pela formação do s monopólios, subordinou e s sa concepção

à

idéia de

divertimento.

No

cinema, nas l e t r a s e

na

música apareci

dos de sde então não faltam provas de que a referida

concepção

sobrevive.

No entanto,

s eu processo

de

posição já não tem mais

força expressiva e um caráter hegemónico. A necessidade

de

e x

pandir o consumo conduziu à reciclagem industrial do s valores

estéticos

superiores mas, também,

da

cultura popular.

Nas

primeiras décadas

do

século

XX, a an t iquí s s i m a o po s i

ç ão entre arte leve e arte s é r i a 3 2 ,

tornada

consciente apenas na

modernidade,

começou

a envelhecer,

na medida em que ambas

foram s e ndo reduzidas, como matéria de diversão, a meros bens

culturais.

Em

síntese,

a cultura

superior

f o i

fundida

às

fo rm as de

1 2 Segundo L o w e n t h a l , b a s t a

p e n s a r ,

e m r e l a ç ã o à

m a t é r i a ,

n a d i f e r e n c i a ç ã o

  e n t r e

a s

f o r m a s

d e

t ra gé di a e

c o m é d i a

a l t a e

b a i x a n o s p a l c o s d a

a n t i g a G r é c i a e Roma, n o a -

b i s m o

q u e e x i s t i a

e n t r e

a s e l i t e s

f i l o s o f a n t e s

d a s c o r t e s i m p e r i a i s r o m a n a s e

o

c i r c o

p r o m o v i d o

p o r e s s a s mesmas e l i t e s , n o s

f e r i a d o s

e d i a s

s a n t o s d o

p e r í o d o m e d i e v a l ,

co m s u a s p e r f o r m a n c e s h i e r a r q u i z a d a s n a c a t e d r a l e o s d i v e r t i m e n t o s p le b e us d as f e i

r a s

p o p u l a r e s ,

p a r a a s q u a i s a m u l t i d ã o

a c o r r i a l o g o

a p ó s p a r t i c i p a r d o s

s e r v i ç o s r e l i

g i o s o s

( L i t e r a i u r e

and

mass

c u l t u r e ,

p . x i ) .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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118 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

diversão

popular

enquanto

mercadoria.

A racionalização da pró

pria

arte e

o

cultivo da

subjetividade

foram desviados de s ua me

t a

por

uma

nova

relação

de

forças

sociais

e ins er idos

no

â m b i t o

do

cálculo

da eficácia

económica,

sustando-se

socialmente o

progresso

espiritual do

indivíduo (Cinema,

p . 73).

Segundo Adorno,   os

desprovidos

de subjetividade, os cultu

r alm e nt e de s er dado s, s ão os genuínos herdeiros da cultura (Mí

nima

Moralia,

p . 130). A célebre frase quer dizer que as camadas

exploradas,

pouco a pouco, foram passando a ser a base da vida

do

e spí rit o e

assimilação

dos

estímulos

estéticos.

N e s t e

estágio,

a

cultura

deixa de

ser parcialmente

ideologia para, virtualmente,

tornar-se t a l

coisa na totalidade. O e l e m e n t o de esperança

que

ela

continha passa a se confundir com o puro e

simples consumo

de

bens.33 As preferências

estéticas que

a sub m i s s ã o

social produziu

s ão

doravante legitimadas publicamente. O

planejamento mer

cantil

da

satisfação

sensorial

e a estilização industrial

da

arte

bárbara tornam-se

o

princípio

central da criação

a r t í s t i c a e inte

lectual contemporânea.

Conforme

o b s e r v a

Adorno, o

componente bárbaro,

variável

com

a é po ca, é um

aspecto

ine re nt e à marcha

da cultura. Embora

o pensador

faça

remontar as

origens

da indústria

cultural

ao

século

XVII,34

sinais

de

s ua prática

já se encontram

na

Antiguidade.

Os

el e m en t o s estéticos

que a caracterizam e x i s t i

ram mui t o tempo antes

dela

se

converter em

sistema. Pode-s e

afirmar que s ão tão velhos quanto o homem ocidental: a comédia

ática

em

s eu período f i n a l , o artesanato helenístico, o

circo

romano

e as tapeçarias

medievais

já s ão kitsch,

indícios

da

prática da indústria cultural.

Para Adorno, a espontaneidade dos

impulsos

corporais e a

procura

de

satisfação sensorial

imediata com as

quais

se

vin

culam jamais

puderam

ser totalmente liquidadas da civilização.

Durante

mui t o

t e mpo,

inclusive,

eles

serviram

à

liberdade,

ainda

que

de

maneira indireta

à

dominação.

A

subordinação social de

certos grupos era geradora de uma

brutalidade

que, embora ú t i l

ao s poderosos

durante

as guerras, por e x e m plo ,

deixava

livre s ua

ADORNO, T .

M e t a p h y s i c s :

c o n c e p t s

and p r o b l e m s .

S t a n f o r d ( C A ) : S t a n f o r d

U n i v e r -

s i t y

P r e s s . 2 0 0 0 ,

p . 1 1 9 .

3 4

ADORNO,

T .

Vart

e t l e s a r t s .

P a r i s :

D e sc lé e d e

B r o u w e r ,

2 0 0 2 ,

p .

1 0 7 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 119

subjetividade. A estreiteza das suas experiências estéticas

servia

de e l e m e n t o de resistência inconsciente à dominação. A explora

ç ão

económica

por

parte

das

classes dirigentes

era

facilitada

pelo

caráter

embrutecido

da

consciência

das

massas, mas

em compen

sação

era

superficial

s ua fidelidade

ideológica

ao s poderosos. A

consciência das

massas permanecia

um e l e m e n t o

alheio à

manei

ra como se estruturava o

modo

de vida dominante ( c f . Minima

Moralia, p .

179).

Hoje em d i a , ch e go u- s e ao ponto em que o s i s t e ma de poder

 já

não

pr eci sa r e bai xar o s

bárbaros

que

criou:

basta-lhe

reforçar

por meio dos seus r i t u a i s a barbárie, que se s e d i m e n t o u subjeti-

vamente, desde há séculos (Estética, p . 2 69) . O capital colocou

o

e l e m e n t o bárbaro

a s eu

serviço

e passou a administrá-lo como

estímulo estético de consumo. As camadas populares foram con

vertidas em mercados, e o espírito da arte leve integrado ao f e t i -

chismo

da mercadoria.

Os co nh e ce do r es de obras de

arte

e ho

mens de cultura, f or m ado r es de

um círculo

e s t r e i t o , cederam l u

gar

como

modelo

a todos que podem comprar

um

aparelho

de

som ou pagar

o

ingresso em uma

sala

de diversão.

A cultura das camadas superiores, cos tume irament e bas eada em

desigualdades,

precisa

agora

acomodar-se à s

demandas

da nova

sociedade de

massa,

que

s e espalha

do s

países

altamente i n d u s t r i a

lizados

para

todo o r e s t o do mundo.35

Resumidamente,

a

subjetividade

de

camadas

cada

v e z

mais

amplas

da po pulaç ão f o i alçada ao consumo de

bens

culturais

mas, ao

mesmo t e m p o ,

passou

a

sofrer um

processo de

desinte

gração. A formação geral da consciência começou a depender

de

sínteses imediatas e

passageiras,

realizadas

de m ane ir a

cada ve z

mais

rápida

e ampla, de acordo com

os esquemas

da indústria

cultural. O resultado é a

exaustão

do

conceito

de

cultura

e o sur

gimento

de

o que

o

pensador

chamou

de p s eudocultura

em

um

célebre

ensaio.

[Atualmente] A seriedade

animal

do possuidor de c u l t u r a , que s e

a f e r r a

cegamente

à

dignidade

da música [por exemplo],

consegue

HORKHEIMER.

M.

C r i t i q u e

o f

i n s tr u m e nt a l r e a so n ,

p .

2 7.

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12 0 F r a n c i s c o

R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

sem querer fazer r i d í c u l a a f é na cultura que essa e a ideologia c u l

t u r a l [doravante] o impedem de expressar.36

A

consciência postulada

em

outro

tempo

pela

classe

domi

nante

reclamava idealmente a possibilidade

de cada

indivíduo

cultivar s e u

modo de

ser e

conduzir

s ua

vida com

autonomia.

A

cultura burguesa, noutros termos, não e ra mera

ideologia,

por

quanto o raciocínio

das

pessoas que

consumiam obras

de a r t e ,

dedicavam-se à leitura e , assim, podiam se formar baseava-se em

valores que e v entualment e permitiam

a

algumas delas conduzir-

se

de m ane ir a

autónoma

e

se

emancipar

do

modo

de

vida

domi

nante.

A resistência que o indivíduo falsamente separado das suas

condições

naturais de existência opunha

à

sociedade

não e ra

apenas resistência do indivíduo egoísta à sociedade. As práticas

culturais legitimadas possuíam

recursos morais

bastantes

para,

v e z por outra, fazer dessa conduta uma negação determinada.

Nesse

cas o, a

supracitada

resistência

transformava-se

em

  oposi

ç ão do indivíduo a uma

det erminada

sociedade, precisamente em

nome dos valores e n car nado s p or

outra

comunidade

(mesmo

que

s ó

relativamente), ou do s

valores

ideais

de uma

comunidade

que

existiu no passado e que talvez seja agora postulada para o futu

ro , para

valermo-nos

das palavras de Agnes Heller.

A penetração do

capital n e s s e

campo alterou a paisagem, l i

quidando

as

condições

favoráveis

a

e s sa

apropriação.

O

seques

tro

da produção cultural

pelos negócios

solapou as bases em que

se

assentava

o referido modelo de consciência.

Os

conceitos que

surgiram com aquela produção pouco a pouco foram e s van ec en

do

e ,

aos empurrões, se reduzindo à ideologia.

No limite

do pro

cesso, virtualmente antevisto,

s ão pura

e

s i m pl e s m en t e postos de

lado pela

maioria

da sociedade. O

consumo

de

estímulos

e s t é t i

cos

e

informações

toma

o

lugar

da

idéia

de fo rm aç ão ,

e

a

cultura

passa a

se confundir com

o divertimento

mercantilizado.

A arte

s é r i a , não menos

que

a popular, é declarada extravagância

fora

de

moda

ou ininteligível pela

consciência

imediata da socieda-

de.38

3 6 ADORNO, T . S o b r e l a m ú s i c a . B a r c e l o n a : P a i d ó s , 2 0 0 0 .

3 7 C f . O

c o ti di an o e a h i s t ó r i a . R i o

d e J a n e i r o :

P a z

e T e r r a ,

1 9 8 5 ,

p . 8 4 .

3 8

ADORNO,

T .

S o b r e

l a

m ú s i c a ,

p .

6 7 .

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P e r s p e c t i v a s

d a

c o n c e p ç ã o

adomiana 12 1

O

entretenimento e

a

informação, cada

v e z

mais

fundidos,

con v e r t e m - s e

em

s uce dâ ne o s do s velhos

ideais e

dos bens supe

riores,

expulsando-os

mais

ou

menos

totalmente

das mas s as ,

através de

uma

repetição tão estereotipada quanto a dos anúncios

publicitários (lndústria, p .

70-73).

O raciocínio público,

embora

ampliado, estendido

em

escala

de

m as s a, t e rm ina se convert endo

em hábito

de

compra e e s s e em   porta aberta

por

onde entram

as

forças

sociais sustentadas

pela

esfera

pública

do

consumismo

cultural

dos meios

de comunicação (Mudança

estrutural, p .

191-192).

Em Adorno e

H o r k h e i m e r ,

a sublimação do e l e m e n t o

bárba

ro com

os

conceitos da

cultura burguesa verificada nes s e contex

to

relaciona-se

com o surgimento

de

uma pseudocultura

entre a

população

que,

segundo

no s s o modo ver,

representa para

os

au

tores

o

principal subproduto

da

chamada tragédia

da

cultura mo

derna. Para Georg Simmel, criador da expressão, a modernidade

colocou

ao

alcance

das

massas

refinamentos

de

vida

e comodi

dades que

vistos

mai s de

perto nada

têm a ve r

com

a cultura, na

medida em que

os

homens

não

têm como

extrair

deles

meios de

melhor

proverem s eu

modo

de s e r , de se cultivarem.

Atualmente, o des envolvim ento

individual pode

e x t r a i r

das normas

s o c i a i s

tão-somente

a

conduta

socialmente boa,

das

a r t e s

t ã o -

somente

o desfrute improdutivo,

do s progressos técnicos t ã o -

somente

o negativo da f a c i l i d a d e e l i s u r a do

transcurso cotidiano;

surge

pois uma espécie de

cultura subjetivo-formal, sem

aquele

e n

trelaçamento

interno com

o e le me nt o objetivo em

virtude

do qual

de f a t o

s e

s a t i s f a z

o r e a l conceito

de

c u l t u r a . 3 9

Desenvolvendo s ua própria leitura

da

tragédia que sucede as

sim, os frankfurtianos observam que a possibilidade de se c u l t i

var

não

se extinguiu

mas

- como

antes - continua

r e s t r i t a a

um

pequeno

número

de

privilegiados,

salientando

ainda

que

a

razão

para

tanto

não é a f a l t a

de m e i o s que se colocaria

às massas mas,

antes, o fato de as condições sociais para

tanto

continuarem s e n

do antagónicas.

N ou t r o s

termos, a e x pli caç ão par a o apareci

mento da pseudocultura não deve ser dada de cima para baixo,

procurando culpados, mas considerando o respectivo contexto

 

SIMMEL,

G .

S o b r e

l a

a ve n tu ra . B a rc e l o na :

P en ín su la , 1 9 8 8,

p .

2 1 4 .

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12 2 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r Adorno

e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

histórico.

O

capitalismo avançado

e a democracia

moderna

emanciparam as massas das nece s s idade s materiais imediatas e

das

relações

de

dominação

tradicional.

A

possibilidade

de

se cul

tivarem, entretanto, f o i abortada pelo

surgimento de

condições

de

vida

  que

dificilmente toleram o

tipo de

experiência

com que

se sintonizavam antes os conteúdos formativos tradicionais

(Pseudocultura, p . 2 4 2 ) .

 A popularização

[da cultura] s ó tem conotação

positiva

quando

amplia

a experiência daqueles para quem está s e ndo po

pularizada ,

pressupondo

um

esforço

educacional

que

acabou

abortado para a

maioria.

Carecendo desse

apoio, reduz-se

a

um

processo de fachada, no qual raras v e z e s se dá um enriquecimen

to da

subjetividade4 .

O problema central, po r é m , e s tá alhur es .

Tradicionalmente,

a formação provinha

da

capacidade de

de s e n

volver

a

experiência, ultrapassando o sentido r e s t r i t o que

lh e

da

vam a

escola,

os

museus,

a biblioteca, e t c O cultivo

através

do

consumo

de

obras

de

arte

e

dos

estudos

l i t e r á r i o s

era

apenas

um

complemento. O capitalismo moderno, e nt re me nt es , dis solv eu a

experiência

na

vivência imediata, transformando   a vida numa

sucessão

intemporal

de

choques,

entre os quais se

rasgam

l a

cunas,

intervalos

paralisados .

[Nesse

quadro]

O indivíduo que

s e

dispersa não

é

mais que

a

t o t a

lidade

das vivências

pontuais

que, i n f l a d a s , converteram-se nos

sucedâneos da

experiência

concreta:

e l e

mesmo

não

pode

dominar

essa

e x p e r i ê n c i a . 4 1

As técnicas

se

curvaram perante a

vontade do s

consórcios

empresariais e passaram a processar, conforme a ratio

mercantil,

os estímulos que ocupam o aparato sensorial

das

massas.

Os ho

mens

pararam de agir juntos

e

já não

se conhecem, relacionando-

se cada v e z mais através

do

intercâmbio de

mercadorias. A

con

sequência

é

o

desencadeamento

de

uma

crise espiritual

mais

ou

menos

silenciosa,

o solapamento dos fatores favoráveis para as

pessoas se cultivarem na era da técnica. A fragmentação das

condições de vida produziu um

rompimento

das

tradições

cultu

r a i s que conferiam sentido à realidade.

4 0 LOWENTHAL, L . An u n m a s t e r e d p a s t , p . 2 5 6 .

4 1

ADORNO,

T .

M e t a c r i t i c a

d e l a t e o r i a d e l c o n o c i m i e m o . C a r a c a s :

Monte Á v i l a ,

1 9 7 4 .

p .

1 1 7 .

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o a d o r n i a n a 12 3

Weber t e r i a tido pois razão em dizer que o processo

de

ra

cionalização da sociedade, promovido

às custas

da racionalidade

axiológica,

é

correlato à

progressiva

pe r da de

sentido

na

vida.

A

civilização racionalmente estruturada em função da profissiona

lização da

existência

cotidiana restringiu a esfera dos

valores

morais a parcelas pouco expressivas da vida, dando lugar às di

versas formas

de

mal-estar

na

cultura.

Para e l e , vale lembrar, a burocracia e o mercado representam

processos

de socialização que despersonalizam massas inteiras

da

população,

retirando

todo

sentido

dos

processos

de

auto-

racionalização por ambos requeridos. As formações sociais que a

burocracia

e

o

mercado encarnam s ão criadoras

de um

s i s t e ma

de

vida em que a f a l t a

de

solidariedade e valor humano e s tá e s trutu

ralmente enraizada, em que as

concepções

religiosas e

humanís

t i c a s , carecem de sentido prático

e funcional.

Destarte, os sacrifícios feitos para a s ua manutenção tendem

a

parecer

sempre

mais

absurdos.

Nas

palavras

do

pensador,

o

ca

pitalismo não

representa o  pacífico

trabalho da

civilidade . Tra-

ta-se

de

 um

aspecto

da luta do

homem contra

o homem,

pela

qual

não mais

milhões,

mas

centenas

de milhõe s

de

homens, ano

a

ano,

se atrofiam f í s i c a e

psiquicamente,

se embrutecem e arras

tam, de todos os modos, uma existência na qual todo o sentido

reconhecido

é em

realidade cada

v e z

mais

est ranho .4

Theodor Adorno

fez suas

essas teses em s ua

análise

da cultu

ra

contemporânea. Segundo

s eu

pont o de

v i s t a , a

civilização

ca

p i t a l i s t a

provocou

um

  desencantamento do mundo e

o surgi

mento de um estado de carência de imagens e visões de mundo .

Passado

o

interregno

da a l t a

modernidade, o b s e r va

s eu comenta

r i s t a ,

  a liquidação

das

antigas

fontes de s e nt ido pr iv a de l e g i t i

midade

o

ordenamento social

sem oferecer uma ver são seculari-

zada

de

seus conteúdos, enquanto seus marcos explicativos se

vêem

substituídos

por

um

forte

vazio

interpretativo

[no

plano

co -

tidiano] . 43

4 2 WEBER, M. E s c r i t o s p o l í t i c o s . México ( D F ) : F o l i o s ,

1 9 8 2 ,

v . I , p . 3 3 .

4 3 ÁLVAREZ,

P . E s p a c i o s d e

n e g a c i ó n .

M a d r i : N u e v a , 2 0 0 0 , p .

1 0 . Adorno

p a r e c e t e r

s i d o i nf lu e nc ia do n e ss e s e n t i d o p e l o s j u í z o s ,

q u e c o n h e c i a

m u i t o b e m , d e K i e r k e g a -

a r d .

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12 4

F r a n c i s c o

R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Em

última

instância, os projetos

de criação

de

uma

sociedade

c i v i l emancipada,

formação

de

indivíduos esclarecidos e

instala

ç ão

de

uma

ordem

livre

e

cosmopolita

dissolvem - s e

como

narra

tivas ocas

em

meio a

um s i s t e ma que submete

os

problemas

hu

manos e sociais a um

enfrentamento

tecnológico. A compensa

ç ão para os pre juí zo s s ubje tivo s daí resultantes se dá mais ou

menos precariamente com o aparecimento

de uma

indústria cul

t u r a l , através da qual os homens procuram se dotar dos meios pa

ra

fazer

frente à situação,

e

os interesses

económicos terminaram

promovendo

uma

espécie

de

retorno

à

mitologia

( c f .

Pseudocul-

tura,

p .

2 4 7 - 2 4 8 ) .

A

fragmentação

das co ndi çõe s de

existência

e a crescente

reificação das relações sociais

promovidas

pelo capi talism o cria

ram uma necessidade de substituir as velhas imagens e valores -

em

que,

de v ido ao próprio proces so ,

ninguém

mais acredita - por

alguma coisa

que

o valha ou

preencha

o

tempo

l i v r e do

indiví

duo.

O

sucedâneo encontrado

f o i a distração:

[Atualmente] não mais importam tanto os conteúdos ideológicos

específicos

quanto

o f a t o de que simplesmente

haja

algo

preen

chendo o vácuo da consciência expropriada

e

desviando

a

atenção

do manifesto segredo. É presumivelmente bem menos importante

para o contexto s o c i a l dominante quais

a s

doutrinas ideológicas

específicas

que

um

filme sugere a seus espectadores do que o

f a t o

de que e s t e s , ao voltarem para c a s a , estão

mais

interessados

nos

nomes

do s

a t o r e s e

nos

seus

casamentos

e

casos

amorosos

(Socio

l o g i a , p . 8 7 ) .

A racionalização da consciência das massas f o i paga com a

perda

das condições

favoráveis

para

a

educação ou cultivo da

subjetividade e , po r caus a

disso,

s i m pl e s m en t e

se

passou de uma

h e t e r o n o m i a a outra, trocando-se,

apenas

para c i t a r um e x e m plo ,

o

culto dos santos pelo das

celebridades

dos meios de

comunica

ção. A cultura tornou-se motivo de

paródia.

Os

indivíduos

en-

co nt r am - s e ag or a

cada

v e z menos dotados das condições para es

tabelecer

uma

relação viva

com

a cultura, cultivarem s eu

modo

de

ser

e , assim, conduzir s ua vida de m ane ir a

autónoma e

indivi

dual mas, ao

mesmo

t e mpo, cada v e z mais a consomem e reivin

dicam

em função

do

desejo de

serem

contados

como

pessoas im

portantes, e st are m na moda ou meramente s e di st raír em , extrain

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P e r s p e c t i v a s d a c o n c e p ç ã o

a d o r n i a n a

12 5

do suas satisfações do caráter

de fetiche da mercadoria

cultural

tecnológica (Estética,

p .

29).

A

formidável

regressão

espiritual

que tem

lugar

assim

pode

ser v i s t a ,

portanto,

como

um reencantamento

do mundo

promo

vido pelo c a p i t a l :

representa

uma

  consolação

do desencanto

do

qual falava

Weber

(idem,

p . 30).

O

fetichismo

das

supracitadas

mercadorias

é

uma projeção do desejo de suprimir o fosso exis

tente entre a arte e a vida que as pessoas vivenciam com

desgos

to mas, ao

mesmo

t e mpo, percebem o quanto é d i f í c i l

mudar

na

realidade.

O

decisivo

está

no

fato

de

que

  o

sujeito

privado

de

forças extrai prazer de s ua

própria

fraqueza,

quase

que como se

d ev e s s e ser

recompensado

por se

adaptar

à coletividade

que

o

enfraqueceu e

cujos padrões

de e x ig ência sua f raque za

não logra

satisfazer .44

Através do

consumo

de be ns culturais, as pessoas t entam

es

quecer

as

exigências racionais de que s ã o po r tado ras

e

que fize

ram

não

por

apenas

as

t e r e m

escolhido,

mas

sobretudo

devido

à

pressão da sociedade. O esforço da consciência por se ajustar a

uma

ordem

desencantada

é re tribuí do pe las

mercadorias que

lh e

prometem a satisfação

de

certas

fantasias.

A s s i m , os

seres

huma

nos procuram,

em síntese, conferir sentido

e

se apropriar de suas

próprias

vidas s o b

condições

sociais

submetidas a

uma crescente

mecanização,

conforme examinaremos

com mais detalhe,

depois

de ve r

os reflexos

dessa situação no campo

da

produção a r t í s t i c a .

4 4

ADORNO,

T .

 On

J a z z .

I n :

D i s c o u r s e

v .

1 1 .

1

[ 4 5 - 6 9 ]

1 9 8 9 .

p .

66 .

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4

Aialéticadaarte:

utopia

e tragédia

Segundo Adorno, as

comunicações modernas

se

desenvolvem

no marco

de uma

dialética: conscientizam e reificam

ao

mesmo

t e mpo .

Con s t i tue m e xp r e s s ã o do enredamento

entre

progr e s so e

barbárie. Contra e las s eria o caso de opor menos   o espírito de

r e f or ma

e

purificação ,

ou

a

nostalgia

do

  retorno

ao

mimeógra-

fo , com

a qual ele

às v e z e s brinca,

do

que uma vigorosa

ascese

c r í t i c a à s ua

 falsa

riqueza

(Mínima

Moralia, p . 43).

1

Em t e r m o s i d e a i s , o programa do pensador consistia em fa

z er

a

coisa

avançar em dois

domínios.

Por um

lado, desenvol

vendo

a dimensão estética da mídia

de

acordo

com

suas

possibi

lidades

técnicas intrínsecas. Po r outro, empreendendo um esforço

sólido

e

consistente

para entender criticamente s e u processo s o

c i a l e histórico

de

posição no

âmbito de

no s sa sociedade.

Provav elmente, observava, o esclarecimento   se encontra

mais difundido hoje do que em tempos passados, e i s t o significa

que na atualidade

camadas

da população que em outra época não

tinham

acesso à

cultura

e ao

saber estão em

contato

com as

artes

e as ciências graças ao s

meios

de co m un i caç ã o . Em contraparti

da, verifica-se at ravé s de le s uma transformação estrutural

na

consciência esclarecida, cujo principal aspecto - no plano cogni-

  P o s s o me c o n s i d e r a r t u d o ,

menos um

d e r r o t i s t a ,

p o r i s s o ,

j u s t i f i c a n d o

s u a

c o l a b o r a

ç ã o

co m

o s

m e i o s

d e

c o m u n i c a ç ã o ,

o

f i l ó s o f o

d i s s e q u e   r e nu nc ia r à

m í d i a ,

p a r a s e

d e d i c a r i n g e n u a m e n t e

a

e s c r e v e r

e m f o l h a s

s o l t a s ,

n ã o é

s e n ã o

a f e r r a r - s e à e

a d e r i r

a

um

c o n s e r v a d o r i s m o c u l t u r a l

q u e , e m ú l t i m a

i n s t â n c i a ,

a p e n a s b e n e f i c i a

a

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l ( C o n v e r s a co m Hans Magnus E n z e r n s b e r g e r , c i t a d a

e m

S t e f a n

M i i l l e r -

Doohm,

A d o r n o : u ne

b i o g r a p h i e ,

p .

4 2 0 ) .

Page 132: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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12 8 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

tivo

-

é a perda do

e le me nt o de

síntese

que

poderia torná-la pro

dutiva

entre as

massas.

 A contradição

entre

a

moderna

emancipação do

espírito

c r í

tico e s eu

concomi tant e e n fraquecim e nt o

é

característica de

todo

o período burguês da história ,2 na medida em que nele a m e r -

cantilização das relações

que

possibilita o aparecimento do p r i

m e i r o acaba por se imiscuir em s ua própria esfera e , assim, a fa

z er

com que

  a

informação

tenda a substituir a

penetração

e a re

flexão intelectuais .3

Conforme se

pode

l e r

na

Dialética

do

Iluminismo,

a

forma

ç ão das redes

de

comunicação é um produto do progresso, que

 desperta e idiot iz a

as

pessoas ao mesmo tempo

( p .

1 5 ) . A ava

liação

do processo não pode ser

abstrata.

A

verdade

a

respeito

de

um fenómeno não reside apenas em s eu núcleo racional. As figu

ras que aquela assume na realidade histórica também precisam

sem levadas em conta. A s s i m , as re fe ridas re de s, por um lado,

colaboraram

para

tornar

o

homem

adulto,

fazendo-o

mais

racio

n a l ,

lúcido,

informado e habilidoso.  As pessoas modernas [ . . . ]

aceitam o que

tem

de s e r ace it o, e rejeitam o que não pode ser

provado como

supersticioso

ou romantismo descartável .4 Por

outro lado, porém os homens, em s ua maioria, passaram a de

pender,

assim, de uma

indústria da cultura, no

contexto

da qual

essas

redes servem

de meio para distraí-los da própria vida, afas

tando

de

suas

mentes

as

mudanças

que

teriam de fazer em s eu

mundo e s eu

modo de

s e r ,

para

viver

de acordo com

suas

i n c l i

nações mais

individuais.

Adorno forneceu-nos, sem dúvida, um relato parcial da

transformação estrutural do mercado da

cultura,

exagerando a

ext ensão em

que

os chamados bens culturais perderam s eu valor

de us o ao se t ornarem fonte de diversão mercantil. A comprova

ç ão não refutada da

formação

dos monopólios da

mídia e

da

i n

dústria cultural, todavia, estava certa a re spe it o de s ua

complexi

dade.  A

concepção

dialética

não se

engana

sobre a ambiguidade

: ADORNO, T . C ri ti qu e . C r i t i c a l M o d e l s , o p . c i t , p . 2 8 3 .

1 ADORNO, T .

B a j o e l

s i g n o d e lo s

a s t r o s

[ 1 9 5 7 ] . B a r c e l o n a ,

L a i a , 1 9 8 6 , p . 1 2 0 - 1 2 1 .

4 HORKHEIMER, M.

C r i t i q u e

o f

i n s t r u m e n t a l r e a s o n .

Nova

Y o r k : C o n t i n u u m ,

1 9 9 4 ,

p .

9 6 .

Page 133: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 12 9

do

progresso

em plena totalidade repressiva (Pseudocultura,

2 5 5 ) .

Para

o

aut or, as

comunicações

ajudaram

o

indivíduo

a

con

quistar a liberdade de opinião e servem de veículo de

uma

opi

ni ão púb lica que,

  apesar

de tudo,

várias

v e z e s evitou

o

pior

e ,

ainda hoje,   conserva

[ . . . ] parte

da função

que t ev e em

s ua luta

contra

o

absolutismo

(Intervenções,

p . 153). No

entanto, preci

samos considerá-las criticamente, sem ilusões. Cer ta m en t e elas

contêm

um

momento de liberdade, permitindo ao

indivíduo

pos

suir

suas

próprias

idéias,

não

professar

o

cr e do do m inan t e .

Por

outro lado, elas

s ão

expr e s são de relações objetivas, que mode

lam s ua

existência

e pensamento, antes mesmo dessas idéias

chegarem à sua

consciência.

Precisamente por

i s t o ,

argumenta,

  a opinião pública deve ser ao mesmo tempo respeitada e de s

prezada (idem, p .

155).

O

jornalismo, por exemplo,

sem dúvida f o i e ainda é um ve í

culo de inform aç ão de

massas

e , portanto,

um

fator de esclareci

m en t o . O

conceito

de

informação

não

se e sg o ta

no

plano

dos

fa

t o s , sempre que não se perde o poder de reflexão

so b r e

a mat é r ia.

A s s i m ,  certamente o b t é m - s e uma exposição

so b r e

o assunto [em

pauta] que

possibilita um melhor juízo a s eu respeito do

que

quaisquer

longos discursos .5 Contudo,

isso

não

pode

ser en t en

dido

de m ane ir a

abstrata. O

conhecimento

imediato

que as

a t i v i -

dades jornalísticas no s pr o po rci o na precisa ser situado

em

seus

diversos contextos

de

intervenção, abstraído dos

quais

é

uma

ca

tegoria descarnada e sem sentido histórico determinado6. Atual-

m ent e, o fenómeno não pode ser

entendido

fora da tendência   às

informações

se

con v e r t e r e m em

b e ns de consumo, produzirem

um certo prazer, ou melhor: um prazer substitutivo, entre aqueles

para

as quais estão destinadas .7

ADORNO, T . Educação e

e m a n c i p a ç ã o ,

p . 7 9 .

C o n f i r a r a c i o c í n i o n a

c o n t r a m ã o

e m

Adelmo

Genro F i l h o : O s e g r e d o d a p i r â m i d e .

P o rt o A le g r e : T c h ê , 1 9 8 8 .

ADORNO, T .

I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p -

6 9 .

Em r e s u m o ,

i m p o r t a n t e

  n ã o

é

o

f a t o d o s c i d a d ã o s

t e r e m a i n f o r m a ç ã o a d e q u a d a (nem a e x is tê n ci a

d e

a l g u m a

f o r m a

d e

c o m u n i c a ç ã o não

d i s t o r c i d a ) ,

mas

n o s s a h a b i l i d a d e

e m e x p e r i e n c i a r o

mundo t r a b a

l h a n d o com e l e . . . [ a l g o q u e ] . . . embora a i n d a p o s s a s e r a l c a n ç a d o mesmo n o c a p i t a l i s

m o , o p e n s a d o r t e m i a q u e

p u d e s s e

n ã o t e r

s ua s o b r e vi v ê n c ia

c o n t i n u a d a ( H e i n z

S t e i

n e r t :

C u l t u r e

l n d u s t r y ,

o p . c i t . ,

p .

2 4 - 2 5 ) .

Page 134: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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13 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r Adorno

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

As comunicações e a opinião

pública,

a exemplo do s

juízos

pessoais, das

quais

deriva aquela última, constituem categorias

que

devem

ser tratadas

com

espírito

c r í t i c o ,

ainda

que

isso

seja

o

que tende a ser bloqueado pela no s sa sociedade. O esclarecimen

to não

t e r i a

se

propagado

sem o

de s en vo lvi m en t o das

comunica

ções.

A r e pr oduç ão do s ideais iluministas po r parte

da

indústria

cultural, todavia, não pode

ser separada

de s ua crescente r e i f i c a -

ção. Liberdade não é usar uma calça azul e desbotada; nem uma

marca de

cigarro

pode servir

de

mínimo denominador

de

no s sa

igualdade,

conforme

pretende

a

publicidade.

A confusão, no entanto, existe e se encontra no centro da

tragédia da cultura que ocorre na

sociedade

contemporânea. No

século

passado,

o capitalismo começou a se imiscuir

diretamente

no

campo

da cultura e fundiu t odo s os

seus

e l e m e n t o s em um s ó

movimento. O

resultado

f o i a eclosão

de

uma crise cultural sem

precedentes,

e

a ascensão de uma

indústria

da cultura

cada

v e z

mais

poderosa.

A

democratização

da

cultura possibilitada

pela

economia

de

mercado

f o i

redirecionada, e a

contrapartida de s ua

difusão em massa

f o i

a perda

de

s eu conteúdo formativo e senti

do emancipatório, conforme

se pode

ve r

examinando

a fortuna

da

arte na contemporaneidade.

4 . 1

A

Arte

na

e ra

da

técnica

Desde os 1970 , os críticos da abordagem adorniana, taxada

de

apocalíptica,

tornaram

corrente o juízo

de que

ela se baseia

em uma

concepção

e l i t i s t a da

cultura e alimenta

preconceitos em

relação

às formas

de arte tecnológicas. Para eles,

s e u

criador

opõe de mane ira preconceituosa

e mecânica a  forma alta à

 forma

baixa

(popular)

da

cultura,

considerando

a

primeira

mais

valiosa

do

que

a

segunda.

Para e l e ,

segundo e s s e s autores,

a for

ma superior

conteria

um

potencial cognitivo c r í t i c o , enquanto a

outra não apenas conduz a

um

estado

de

paralisia

ideológica co

mo resulta

na

degradação

da

a l t a

cultura.

Resumidamente, pode-se dizer

que

o ponto comum

entre

os

de fe ns or es de ss e juízo

é

o e n t endi m en t o

da

c r í t i c a

à indústria

cultural como expr e s são

de

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a

d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 13 1

um

aristocratismo

c u l t u r a l que s e nega

a

a c e i t a r

a

existência de

uma pluralidade de experiências e s t é t i c a s , uma pluralidade de mo

do s

de

fazer

e

usar

socialmente

a

a r t e .

Estamos

diante

de

uma

t e o

r i a

da cultura que não

faz da

a r t e

seu único paradigma,

mas

a

i d e n t i f i c a com

seu

conceito:

um

conceito

u n i t á r i o , que relega a

simples e

alienante diversão

qualquer t i p o

de

p r á t i c a

ou

us o

da a r t e

que não possa derivar-se de aquele conceito e que termina fazendo

da

a r t e

o único

lugar de

acesso à

verdade da sociedade.8

A

proposição

não passa sem problema, visto

que,

obs ervan

do

mais

de

perto, os

frankfurtianos criticaram

a cultura

em todas

as

suas

formas e níveis de expressão. A criação cultural serve ao

espírito de utopia ao mesmo tempo em que o põe

a

serviço

do

mercado. O resultado disso é que

mesmo

  a arte autónoma não

está completamente isenta do insulto autoritário da indústria

cul

tural

(Estética,

p . 29).

A polêmica

se

dirige

igualmente àqueles

que defendem

a

arte

pela

arte e àqueles que defendem seus vários subprodutos m e r -

cadológicos.  A c r í t i c a do kitsch nada deve descurar, mas , e n

quanto, t a l ,

avança

pela arte adentro ,

escreve

Adorno

(idem,

p .

3 4 6 )

As p l a t i t u d e s a r e s p e i t o do progresso

e s p i r i t u a l ,

particularmente da

a r t e , procedem

desde o

princípio contra

a

vontade

da maioria, pos

s i b i l i t a n d o

aos

inimigos

mortais de todo o progresso entrincheira-

rem-se a t r á s daqueles que, realmente

sem t e r

nenhuma culpa, são

excluídos

do s

meios para expressar vitalment e s eus próprios

pro

blemas ( I n d ú s t r i a , p . 1 1 1 ) .

Segundo

a visão do pensador,

também

as obras de arte sérias

s ão uma forma

de ideologia,

porque s e u

modo de

ser tem como

condição o caráter

de

fetiche

da mercadoria.

Hoje

há que

se opor

à arte

f á c i l

e não menos, po r é m , à ambiciosa, pois ambas s ão fa

ce s

do

processo

de

reificação. A

pretensão

de

impor

os

chamados

valores culturais superiores ao s seres humanos é sempre uma

pretensão

ideológica, porque,

em

última instância,

as

necessida

de s primárias da maioria deles não se encontra n e s sa direção,

8 BARBERO, J . M . De lo s m e d i o s a l a s m e d i a c i o n e s . México ( D F ) : G . G i l l i .

1 9 8 7 ,

p .

5 4 . E u g e n e

Lunn

f o r n e c e , a o c o n t r á r i o , um r e l a t o e q u i l i b r a d o d a m a t é r i a e m  The

F r a n k f u r t S c h o o l i n t h e d e v e l o p m e n t

o f

t h e

m a s s

c u l t u r e

d e b a t e

I n :

R i c h a r d R o b l i n :

T h e

A e s t h e t i c s

o f

t h e

c r i t i c a l

t h e o r i s t s ,

p .

2 6 - 8 4 ) .

Page 136: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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13 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r

A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

mas na reprodução de

suas

condições materiais de

vida

em

situa

ção de não-violência.

As

satisfações

estéticas

proporcionadas

pelas

artes

s ão

ape

nas um sinal dessa situação:

se

elas não existissem, as artes não

teriam sido

capazes

de

sobreviver às r ealidade s a que elas

resis

tem e contradizem. Promessas

de

felicidade,

não

a

própria, as

obras de

arte

representam uma

espécie de

liberdade imaginária

em meio à escravidão. A violência mais ou menos sublimada que

a realidade nos impinge é o

primeiro objeto

de c r í t i c a

visado

por

todo

e

qualquer

e xp e r i m en t o

a r t í s t i c o

(Literatura

I I ,

p .

2 4 8 ) .

As gratificações estéticas que

as

artes nos proporcionam não

s ão

o que, na arte

s é r i a ,

realmente importa,

porque,

em

qualquer

caso, o que está em jogo, para o

autor,

não é a função,

mas

a

própria

existência

das

obras de a r t e .

A

criação

estética

especiali

zada,

baixa ou

sublime,

é sinal

de algo que não corre bem na v i

da s o c i a l .

O

r ec onh eci m en t o

e a procura de profundidade ou

d i

versão,

mesmo

quando

subsumidos

ao

cálculo

mercantil, corres

pondem

no

público ao

que

é , entre os a r t i s t a s , o trabalho de cria

ção: indícios, mais ou

menos

integrados, mais ou

menos

perver

sos, mais ou menos criativos, da dificuldade humana em s e e n

caixar

no modo

de

vida

coletivo dominante.

Como diz Martin

Jay,

os comentários que

o

autor fe z contra

a cultura

de

massa

também

se dirigem

contra

boa

parte

da

cha

mada

a l t a cultura porque, em

s eu modo de

v e r , o

consumo dessa

última,

como da

primeira,

não

se distingue

totalmente

dos

praze

res do consumo de qualquer outro bem disponível no mercado:

  toda

cultura,

elevada

ou não,

contém um

momento de

barbá-

r i e . 9

Salvador

Dali,

Stravinski, Sartre

e Stefan G e o r g e , por exem

plo,

lograram

criar

obras de arte

autónomas

e bem-sucedidas já

na

era

da

indústria cultural.

No

entanto,

isso não

as isenta de

um

fe t i ch i s mo culpáv e l

e

de

contradições

ideológicas. Em

última

instância, também elas per t encem a

um

mundo

em que nada

mais

se

situa fora de

um

contexto de culpabilidade. Pertencem todas

elas a

e s s e mundo,

e , por i s s o , a

um

contexto que nos

impede

de

J AY, M. A d o r n o . S ã o P a u l o : C u l t r i x . 1 9 8 4 , p .

1 0 8 .

Conforme s e s a b e , a p r o p o s i ç ã o

e m f o c o provém

d e

B e n j a m i n . C f . H o r k h e i m e r  

A d o r n o :

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d i

F r a n c o f o r t e ,

p .

1 5 8 .

Page 137: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o p i a

e t r a g é d i a

13 3

 criticar a

indústria

da

cultura sem ao mesmo tempo

c r i t i c a r a ar

t e [autónoma] .10

Na

verdade,

a

pretendida

distinção

entre

cultura

e rudit a e

popular,

arte

séria e a r t e leve, é falsa e verdadeira do pont o de

vista histórico.

A

part ilha é falsa porque ambas dependem do

mercado,

emergem dentro de

certa

alienação,

embora

s o b dife

rentes

máscaras,

e

de

resto estão em curso

de

superação. Enquan

t o a primeira refugia-se no e s t i l o , a segunda

procura resguardar-

se através da popularidade.

Quer

numa,

quer

noutra,

pode

haver

tanto

a

sublimação

quanto a de p r avaç ã o da criatividade.

 Os

sons f r i o s e o vermelho

maligno

de modo algum s ão muito distintos do s

materiais

nobres

com que se tecem os vestidos de batik da ginástica rítmica que

embala

a

juventude (Dissonâncias, p . 171). A resistência

à

pressão

violentíssima sobre a pretensão de integridade de um es

forço

criativo

ou de uma

obra

de arte

f e i t a tantas

ve z es por parte

do mercado

não

é

privilégio, embora nem sempre haja mérito, da

arte s é r i a ,

como deixa

claro

a trajetória do personagem I r a

Mur-

doch no

romance

Casei-me

com

um

comunista,

de

Philip

Roth.

Entretanto, conviria,

po r outro

lado,

conservar

a

parcela

de

verdade da

distinção,

na medida em que, geralmente,

a

arte leve

tende

a

se esgotar na

diversão,

enquanto

a pesquisa à

qual

a

arte

séria se

liga tende

a conferir-lhe uma

relativa

liberdade em rela

ç ão ao s

ditames

da sociedade.

O conteúdo de verdade

das

obras

de

a r t e , que

é também a sua ver

dade s o c i a l , t e m

como

condição o

seu

c a r á t e r f e t i c h i s t a , mas

esse

pode s e r

distinguido do

puro e

simples

fetichismo

da

mercadoria

( E s t é t i c a , p .

255- 256 ).

Queiramos ou não,

  a

seriedade estética e

a

tendência à d i

ver são (cuja preponderância

nem sequer

é

de hoje)

apontam em

direções

opostas

(Sociologia,

p .

148).

Trata-se

de

um

movimen

to possuidor de legalidade, por mais que restos da comunicação

entre

essas tendências se det ectem mesmo na era da indústria

ADORNO, T . A e s t h e t i c

T h e o r y .

L o n d r e s : R o u t l e d g e . 1 9 8 4 , p . 3 9 . Segundo o p e n s a

d o r , a f i l o s o f i a e x i s t e n c i a l também p o d i a s e r v i s t a como e x p r e s s ã o d a p r á t i c a d a i n

d ú s t r i a c u l t u r a l , e r a uma d e s u a s   f o r m a s d e r e f l e x ã o ( J a r g o n d e r E i g e n t l i c h k e i t ,

1 9 6 7 .

T r a d .

e s p . :

M a d r i :

T a u r u s ,

1 9 7 1 ,

p .

4 2 ) .

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1 34 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

cultural.

Os

happenings

seriam uma prova

disso, que t ev e

s eu

auge no século passado:

Em desajuste

clownesco

com

a s finalidades

u t i l i t á r i a s

da vida r e a l

em m ei o a qual s e

realizam, os

happenings são em essência

uma

paródia [do mundo administrado], que e l e s praticam de uma ma

neira

que,

t o d a v i a ,

p r e s t a - s e à

confusão,

quando

po r exemplo são

alvo do s mass media.n

Conforme Adorno

nota

em

s ua polêmica com

Benjamin, tan

to a arte leve quanto a arte

séria

carregam   o e s t i g ma do capita

lismo,

ambas

contêm

el e m en t o s

de

troca;

ambas

s ão

as

metades

arrancadas da liberdade i n t e i r a , que não se deixa somar a p a r t i r

delas: sacrificar uma à outra seria romântico, seja o romantismo

burguês da conservação

da personalidade e

da

magia,

seja

o

anarquista,

da confiança

ce ga na autonomia

do proletariado no

processo

histórico . 12

As

experiências

de cada

uma movem-se

como uma s ó coisa,

pautada

pela

forma

mercadoria

e

s ua

conversão em bens

cultu

r a i s

da

indústria, que, todavia,

não

deveria nos fazer esquecer

ou

perder de vista   a diferença entre u t i l i z a r

uma

vulgar canção s en

timental,

na qual nada

h á para compre ender, como pantalha

para

as mais

diversas

projeções psicológicas, e compreender uma obra

de modo

a

subm e t er - s e

à s ua própria disciplina

(Estética,

p .

296) .

As

artes

sempre

foram,

em

qualquer

escala,

produtos

feitos

para

abrandar

o

tédio

ou

excitar

os sentidos do s

seres humanos,

mas

isso

não quer dizer que

faltem obras

que

buscam i r ,

e vão,

além

dessa

funç ão co s mé t i ca

ou

gastronómica. Os fenómenos

que hoje determinam suas possibilidades transformadoras em re

lação à imagem do homem e à criação do sentido da existência se

di st ingue m ape nas po r s ua capacidade de difundirem e amplia

rem

socialmente

em

benefício

do

poder

económico

essas

funções

imemoriais.

Cumpre notar de resto que, conforme a indústria cultural se

converte em sistema,

as

próprias figuras

da

arte

leve

e

da

arte

r i a entram em processo de dissolução. A leveza tende a se tornar

1

1 ADORNO, T .

  L ' A rt

e t l e s a r t s , o p . c i t . , p . 5 7.

1 2 ADORNO, T .

S o b r e W a l t e r

B e n j a m i n , p . 1 4 2 . O p e n s a d o r l e v a n t o u

o

p o n t o

e m

  S o

c i a l

s i t u a t i o n

o f

m u s i c ,

p .

1 3 2 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a

d a

a r t e :

u t o pi a e

t r a g é d i a

13 5

cinismo; e a

seriedade,

incomunicação. O princípio que se im

põe, numa e

noutra,

é o

do

en tr e t enim ento mercantilizado.

As

chamadas

necessidades

superiores

s ã o ,

em

escala

mais

v a s t a ,

produto do processo

de renúncia

[da

s a t i s f a ç ã o material imediata]

e desempenham uma função

diversionista

através da

h i s t ó r i a . A

contraposição das

mesmas à

superficialidade

é

desde sempre uma

operação problemática,

porque

já há

algum

t e mpo os

monopólios

s e apropriaram do

profundo

da mesma f or ma que o fizeram

com

o

s u p e r f i c i a l . Dirigidas po r

Toscanini,

a s

Sinfonias de

B e e t h ov en

não

são

melhores do que

o último filme de

entretenimento:

sua

s í n

t e s e

é

um filme com Bette Davis.1

A problemática assim aparecida não tem a ver, por outro l a

do, com a clas se social do s que lh e s ão sujeitos, porque, na era

da

indústria cultural, não há mais

como

deduzir

a

essência da ar

t e da fração do público

que

a produz ou, mesmo, a consome.

Como antes, o

popular

não exclui o educado

e , desde

há algum

tempo

o

culto

se

democratizou

economicamente.

O mercado

atua cada v e z mais de mane i ra integrada e está aberto a

quem

puder pagar

e

tiver interesse,

tendo

passado

a

lidar com uma c l i

entela

que,

embora segmentada, raras v e z e s faz

distinção entre

o

que

é

leve

e o

que

é

s é r i o ,

entre formação e

entretenimento.

O contraponto vulgarmente feito entre as artes leve e erudita,

entre arte

e indústria cultural,

conforme

verificado

em n o s s o

t e mpo,

precisa

ser

visto

pois

como

ideologia,

encontrando

s eu

conteúdo

de v e r dade ape nas em algumas obras de

arte

de van

guarda, que sobrevivem

exoticamente, de modo

antiestético, nos

confins da

sociedade

estabelecida. A produção

a r t í s t i c a de

van

guarda é a única

que

tende a se opor ao

consumo

estético massi

ficado, por mais que ela mesma pareça

condenada

socialmente,

na

medida

em que,

pressionada, s e u de s pr opó s it o

se

transforma

cada v e z

mais em programa

idolátrico.

Em contato com a consciência dominante, as

vanguardas de

finham

engendrando um

tipo

de

obra que, via

de

regra,

não

tem

como ser ideológica mas, em compensação, tem pouca ou

ne

nhuma ressonância na esfera pública, convertida em mercado dos

bens

culturais e

e spaç o de publicidade. No l i m i t e ,

converte-se

1 3

HORKHEIMER,

M.

 

ADORNO,

T .

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d l

F r a n c o f o r t e ,

p .

1 6 6 .

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13 6 T h e o d o r A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

r a n c i s c o

R i i d i g e r J

hoje a arte

séria em algo

do qual

t e m o s menos

uma

lembrança

do

que uma indicação social

e

histórica,

mas

que

não sabemos bem

o

que

é

e ,

portanto,

se

o

que

temos

diante

de nó s

é

ou

não

é

a r t e

Durante séculos, houve

apenas

as

obras de arte

artesanais.

As

expr e s sõ e s

a r t í s t i c a s (pintura,

música,

teatro)

tinham

um

cará-

t e r único, ligado

ao

momento

de

contato

com

a obra em s ua o r i

ginalidade.

O pr og re s s o das

forças produtivas não s ó en s ejou os

meios

para reproduzi-las (cinema, rádio, vídeo) como levou ao

aparecimento

de no vas fo rm as

(filme de

ficção, folhetim, música

eletrónica),

que

conferiram

ao

conjunto

a

condição

de

obras

de

arte tecnológicas.

O conceito

de arte

nova (moderna) refere-se

às (poucas)

obras que

vêm procurando r e s i s t i r à liquidação dos valores esté

ticos que ocorre jun to

com

e s s e

fenómeno,

na

medida em

que

es

s e , conforme a teoria c r í t i c a , confunde-se com o processo de

co nv e rs ão da cultura em mercadoria. A condição não requer que

s e ja m

artesanais.

Devemos

distinguir

a

indústria

cultural

dos

re

cursos técnicos de que se u t i l i z a .

Pode-se, querendo, escutar música r a d i c a l moderna no r á d i o ,

mas

diante

da ideologia dominante

na

i n d ú s t r i a da

canção e

diante

do

f a t o

de

que

o importante é

que

a cantora

canta

Rose a l l e Hawaii,

quem,

perante t a l

bombardeio, ainda é capaz

de

s e ocupar

com

os

estímulos extraordinariamente

diferenciados,

individualizados e ,

sobretudo,

i n t e l e c t u a l i z a d o s da mús ica realmente progressiva?14

A circunstância de , atualmente, as obras de a r t e , quaisquer

que sejam, serem conhecidas ou mesmo produzidas através de

gravações, filmes e

outros meios

técnicos,

em s i

mesma, é

t o t a l

mente

irrelevante,

pertencendo às

condições de n o s s o contexto

histórico. Os e l e m e n t o s

essenciais

da

atividade

a r t í s t i c a conse

quente

estão

potencialmente

presentes em qualquer m e i o ,

mesmo

quando

não

podem

se

desenvolv er

autonomamente,

em

função

de s ua dependência a forças e x t r a - a r t í s t i c a s .

Embora

o

filme procure

s e

despojar de

seu aspecto a r t í s t i c o

em

função de sua necessidade [ s o c i a l ] imanente -

quase

que como

s e

esse aspecto contradissesse seu princípio

a r t í s t i c o ,

e l e segue sendo

u ADORNO, T .   GEHLEN, A .   L a

s o c i o l o g i a

è u n a s c i e n z a d e l l ' u o m o

?

[

1 9 6 4 ] .

I n :

U b a l d o

F a d i n i

  o r g . ) :

D e s i d e r i o

d i

v i t a .

M i l ã o :

M i m e s i s ,

1 9 9 5 ,

p .

9 2 .

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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a e t r a g é d i a 13 7

a r t e e uma ampliação de seu conceito i n c l u s i v e através dessa rebe

l i ã o

[contra o

princípio a r t í s t i c o ] . 1 5

O

problema

é

que

a

transformação

da

cultura

em mercadoria

que se esconde por t r á s do

progresso

dos

m e i o s

técnicos privou a

arte séria de

s ua

relativa

autonomia,

enquanto

as mudanças

na

estrutura social

condenavam as

formas de

a r t e burguesas,

como a

narrativa, ao

esclerosamento ideológico.

Os estímulos

estéticos

tornaram-se

um motivo

de

finalização especializada e passaram a

ser

empacotados

de

acordo com

as

médias

de gos t o

descobertas

no

mercado.

As formas que a isso resistiam tomaram, ao invés, o caminho

da

marginalidade.

 A

satisfação sensorial,

por

v e z e s

punida de

modo ascé t ico e autoritário, to rnou- se hi s to r icam ente inimiga

d i -

reta da a r t e ,

na

medida em que a eufonia dos sons, a harmonia

das cores, a suavidade tornaram-se kitsch

e

marcas distintivas da

indústria cultural (Estética, p . 307).

A

consciência

e s t é t i c a ,

todavia,

não

sucumbiu

de

todo

diante

desse processo, inclusive

onde

os

a r t i s t a s não tomaram o cami

nho

da

resistência. As

vanguardas

realmente sérias

se

negaram a

ser coniventes com o mercado e a abrir mão de s ua autonomia,

conforme

exigido pelos novos aparatos de

publicidade.

Cocteau

não

f o i

o

primeiro

a apontar

que,

a p a r t i r do impressio

nismo, o

desenvolvimento da

nova pintura s ó pode ria

s e r

entendi

do

em

sua

relação

com

a

f o t o g r a f i a .

Em

termo

de

estruturação

é t i

c a ,

a pintura

torna-se

aquilo que escapa à técnica fotográfica e , ao

mesmo

tempo,

torna-se

uma r e s i s t ê n c i a contra

a metamorfose do

mundo em seu decalque f o t o g r á f i c o , que hoje s e

v a i

completando.

Análoga

é a

relação da música a r t í s t i c a com

a

música l i g e i r a [ . . . ]

na medida em que, para não fazer o jogo do rebanho

g e r a l ,

s e v o l t a

contra o ouvinte, contestando a s costumeiras concepções

de

imedi-

a t e z e naturalidade (Sociologia, p .

1 5 2 ) .

A

estratégia

de posicionamento adotada pela arte séria f o i ,

noutros termos, reclamar a reificação para s e u próprio trabalho, a

fim

de

que, na f a l t a

de

outra opção, e s sa surgisse de s e u próprio

impulso, ao invés de lh e ser i mpo s ta pela sociedade. A produção

1 5 ADORNO. T .   L ' A r t e t l e s A r t s , p . 5 6 - 5 7 . C f . Hauke B r u n k h o r s t :

T h e o d o r

A d o r n o ,

a n

i n t r o d u c t i o n .

L o n dr e s : F al me r , 2 0 0 0 ,

p .

1 3 3 .

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13 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

estética

que

não quis

ser

cooptada

passou a ser desestetizada,

despojou-se de s e u aspecto

 culinário ,

como dizia o pensador;

e ,

pouco

a

pouco,

f o i

assumindo

uma

forma

cada

v e z

mais

enig

mática. Os

a r t i s t a s

não tiveram o ut r o r ecur s o s enão despojar suas

obras da aparência

do belo

e

do

agradável e , tendo em vista

s ua

nova forma de atuação, colocar-se a distância dos m e i o s de difu

s ão

que,

noutro contexto,

talvez pudessem aproximá-los da

população

(Estética,

p .

272).

1 6

A

contraposição

entre

vanguarda

séria

e

indústria cultural

que,

apesar

de

hoje

superada,

ensaiou-se

assim,

no

entanto,

não

ocorreu

no

plano da

técnica.

O

rádio

viu-se privado

em

boa

p a r t e

de

seu d i r e i t o

mais l e g í t i m o ,

que s e r i a

t r a n s m i t i r à s residências

p a r t i c u l a r e s

uma

música

que,

devido à sua própria e s t r u t u r a , seguisse os princípios mais apropri

ados àquelas condições de

e s c u t a : i s s o

s e

explica sociologica

mente.17

Para

Adorno,

o

conceito

de

arte

moderna

deve

ser

reservado

ao s procedimentos

técnicos que, em

s eu

próprio modo de s e r ,

convertem as obras em imagem da sociedade c a p i t a l i s t a , e

não

àqueles da produção

em

massa que querem

servir a

e s sa mesma

sociedade. A perspectiva não

significa, po r é m ,

que

essas

obras

não possam

se

valer da

técnica,

porque

nada

o bs t a par a que dela

se

utilizem. Durante

vários anos, o pensador

sustentou

que

as

técnicas

a r t í s t i c a s

e

industriais

divergiam,

não

tendo

o

mesmo

sentido em n o s s o

contexto

histórico (Cinema, p . 24).

Segundo Adorno, a criação e emprego das técnicas de repro

dução eram expressão

de

uma era em que

o

progresso técnico se

encontra

fora de controle

s o c i a l . As

pessoas

estão

sujeitas à téc

nica maquinística por

força económica. Com base

nisso,

argu

mentou que as

novas

mídias

não poderiam

ser veículos a r t í s t i c o s

autónomos.

O

cinema

e

o

disco,

para

ficar

neles

apenas,

eram,

1 6 P a r a d o x a l m e n t e ,

p o r é m , a

p r o d u ç ã o

a u t ó n o m a

p a s s o u

a d e p e n d e r

d o

a p o io d e ó r g ã o s p ú

b l i c o s e p r i v a d o s - q u e , e m b o r a e l a

d e n u n c i e ,

t o r n a r a m - s e s e u ú n i c o m e i o d e

s u b s i s t ê n c i a

  I n d ú s t r i a ,

p .

1 0 2 ) . Q u a l q u e r

um q u e

q u e i r a f a z e r a l g o

t e m   d e s e

s u b m e t e r

e

c o l a b o r a r ,

a d a p t a n d o - s e d e a l g u m modo a o p r i n c í p i o i m p e r a n t e , o u a o menos c o lo c ar -s e à f r e n t e d e

l i g a s e s e i t a s f a n t á s t i c a s p a r a c o n v e r t e r - s e , p r o t e s t a n d o c o nt r a a c o l e t i v i z a ç ã o , e m o b j e t o

d e o u t r a ,

n ã o

menos d u v i d o s a

d o q u e a q u e l a p r i m e i r a

( D i s s o n â n c i a s ,

p .

1 8 9 ) .

1 7

ADORNO.

T .

/ /

f i d o

m a e s t r o

s o s t i t u t o ,

p .

2 7 0 .

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A

D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o p i a

e t r a g é d i a

13 9

antes de mai s nada, formas

do recém-estabelecido

imperialismo

cultural da tecnologia maquinística.

A

tecnificação

da

arte e r a ,

em

s ua

ó t i c a ,

um

subproduto

do

  fascínio

que exerce o pr ogr e s s o am b ivale nt e , que,

à

expensa do

possível, considera seus supostos efetivos como garantia de i r r e -

futabilidade - para neles se acantonar; [desse progresso

que]

em-

purra-nos

para

o estado

de

coisas existente e , assim,

converte-se

secretamente em regressão, para a qual

tende po r

ora o conjunto

da sociedade industrial

tardia .18 A possibilidade

de dessacralizar

as

obras

de

arte que

se

escondia

no s

m e i o s

técnicos,

na

medida

em que e s s e s m e i o s poderiam reproduzi-la da m ane i ra menos es

p i r i t u a l possível, fora virtualmente

neutralizada

pela s ua e x plo ra

ç ão económica no â m b i t o da indústria da

cultura.

As tecnologias de

comunicação surgiram e passaram

a

atuar

no

bojo

da

expansão

das

relações mercantis e , assim,

viram-se

impedidas

de

ensejar a

criação de formas de arte

adequadas às

suas

condições

mat e ri ai s e

históricas.

 O

cinema

e

o

rádio

foram

determinados

artisticamente pelos que chegaram primeiro e

de s

cobriram o aspecto comercial

das novas

técnicas

(idem,

p . 66).

Os esforços no sentido

antes

referido abortaram,

e

não houve

outra opção

para

essas técnicas s enão se

curvarem

à ratio comer

c i a l . O caminho seguido f o i , em regra, a adaptação de

velhas

formas

de a r t e .

A

televisão, o

rádio

e

o

disco,

por e x e m plo ,

não

evocaram

nenhuma

forma nova de música ou imagem.

Todos

es

ses me ios , em geral, limitaram-se a veicular o material s on or o e

visual criado fora de s eu âmbito.19 O cinema logrou criar

a

figura

do filme de ficção mas, via de regra, e s s e tomou como modelo a

novela

burguesa

do século

XVIII.

Resumidamente, Adorno sustentava que

a

produção destina

da ao s

m e i o s

de

difusão

em

massa é

moderna pelo

fato

de aceitar

os

esquemas industriais e me rcant is . A

novidade

não está nos

bens

que

gera, mas

nas

últimas

técnicas

descobertas

para

veiculá-

l a s

e

seus respectivos instrumentos propagandísticos. Entretanto,

1 8 ADORNO,

T .

  M u s i c a y t e c n i c a , h o y ,

p . 1 4 9 .

  ADORNO, T .   T h e

f o r m

o f

t h e

p h o n o g r a p h r e c o r d .

I n :

-

O c t o b e r 5 5 ( 5 6 - 6 1 )

1 9 9 0 .

p .

5 6 - 5 7 .   S o c i al c r i t i q u e o f

r a d i o m u s i c , p .

2 7 5 .

S t r a v i n s k i ,

Duchamps

e

B r e t o n , e n

t r e

o u t r o s ,

c o g i t a r a m e s s a

p o s s i b i l i d a d e

q u e . t o d a v i a ,

r e v e l o u - s e i m p r o d u t i v a s o c i a l

m e n t e . C f . K a h n , D .  

W h i t e h e a d ,

G .   o r g s . ) : W i re l e s s i ma gi na ti o n. C a m b r i d g e

( M A ) :

MIT

P r e s s ,

1 9 9 2 .

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14 0 F r a n c i s c o

R u d i g e r □ T h e o d o r

Adorno

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

convicção como e s sa não o impediu de

reconhecer em

seus escri

tos tardios que é possível produzir esteticamente com as técnicas

industriais,

porque,

em

última

instância,

as

mesmas forças

hu

manas de produção atuam por detrás do maquinismo tecnológico

e da técnica puramente a r t í s t i c a .

O perigo do

fetichismo

tecnológico e da

pesquisa

d i l e t a n t e e s t r a

nha ao verdadeiro significado da coisa não pode s e r substancial

men t e deplorado como uma

m era

aberração,

dado

que e s t e perigo

é um aspecto necessário e inseparável da presente c r i s e do sentido

musical

e

do

conjunto do s

f a t o r e s

e s t é t i c o s . 2 0

As

prédicas em favor da cultura contra

a

máquina s ão

tão r e -

acionárias

hoje

como o foram no passado, porque

 já

faz muito

tempo que a técnica e os

materiais

disponíveis vêm i nspi rando a

fantasia, a mesma fantasia

que os pedantes defendem contra

ela

[ i s t o é , a tecnologia] . Os procedimentos eletrónicos e o filme

s ão m e i o s através dos

quais

sem

dúvida

se pode

criar

obras o r i

ginais.

T ecnologicament e,

constituem,

tanto

um

quanto

o

outro,

  o processo

mais progressista

existente, porque possuem [em

princípio] o máximo

de liberdade em relação

ao material

que

lh e

chega pronto

e [em

tese] apenas aguarda

ser

descrito

e transmiti

do: a produção e a reprodução coincidem, produzindo-se

somen

t e o que

se

pode

ve r

na

tela [ou

no

alto-falante] .21

Conforme

explica

o

pensador,   o

antagonismo

no

conceito

de

técnica ,

que

opõe

a

idéia

  de

algo

intra-esteticamente deter

minado a

um de s en vo lvi m en t o e xt e ri or à s obras de a r t e , não po

de

conceber-se

de modo absoluto .

A

diferença

pode e

deve

ser

mediada.

Precisamos reconhecer que é  possível produzir a r t i s t i

camente

a partir

da

natureza

específica de

meios

de

origem extra-

a r t í s t i c a (Estética,

p .

4 6) . Ainda mais,

podemos

no s valer de

procedimentos artísticos

para corrigir

e ult rapas sar

as

técnicas

extra-artísticas

imanentemente

(idem,

p .

177).

A

construção

e a

montagem s ão meios artísticos que surgiram como e xp r e s s ã o da

era da técnica e

que,

no entanto,

podem

 desembocar

numa fo r

ma estética

ainda

desconhecida,

cuja

organização

racional

anun-

: o ADORNO. T . / / f i d o m a e s t r o s o s t i t u t o , p . 2 6 4 .

2 1

ADORNO,

T .

/ /

f i d o

m a e s t r o

s o s t i t u t o ,

p .

2 7 3 - 2 7 4 .

Page 145: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o p i a

e t r a g é d i a

14 1

cia a supressão

de

todas as categorias

da

administração e de

to

dos os seus reflexos na arte (idem,

p .

2 5 2 ) .

Visualizado em chave utópica, o processo poderia levar a

máquina e a arte a se voltarem contra o s co nce i to s

que

as

domi

nam

hoje

em

dia

( i s t o é , como indústria

cultural),

de modo que

não apenas as

fronteiras

que as demarcam

(seriedade

e

leveza,

criatividade

e consumo,

etc),

mas elas mesmas se apagassem ou

fossem superadas como princípios de

identidade

que se posicio

nam diferentemente na sociedade. Atualmente, a

criatividade

ar

t í s t i c a

em geral encontra-se virtualmente

dissolvida

na prática da

indústria da cultura.22 Entendida utopicamente, a salvação de

s e us r e sí duo s consistiria

na rejeição

das

fronteiras sempre variá

veis

e

difusas que separam

o alto e

o baixo, através da invenção

de uma forma superior de experiência capaz de reconciliar ou

a -

proximar

arte

e

técnica de um modo mais

avançado

socialmente

do

que o existente na s ua síntese caótica

e estacionária, promovi

da por e s sa prática que se converteu em sistema.

4 . 2 Técnica,

arte

e

entretenimento

A perspectiva

serve

de ponto de

partida

para fazermos uma

reavaliação do problema

da

própria

indústria

cultural, lembran-

do-se em primeiro

lugar

que s ua oposição

à arte

nova não deve

ser entendida de maneira dogmática, mas c r í t i c a e dialética. Em

última instância,

os espetáculos

baratos, que servem de

modelo

ou matriz

dessa indústria,

  s ão - esteticamente - confissões do

que

as

obras de arte autênticas ocultam em s i como o s eu a priori

secreto

(Estética,

p . 97).

Adorno

jamais quis

jogar a

arte séria contra

a

arte leve,

como

pretendem

alguns

de seus

detratores.

A

postura não

lh e caía

bem

até

porque,

hoje

em

d i a ,

em

s eu

modo

de

ver,

e s s a di vi s ão

passou

a ser criada e mantida pe la pr ópr ia indústria cultural (Música, p .

73). A suposição de

que

ambas

podem conviver

lado a lado e

de

BURGER, P . T e o r i a

d e l a

a v a n g u a r d i a . 3 .

e d .

B a r c e l o n a : P e n í n s u l a , 2 0 0 0 .  Quando

o s p r o t e s t o s d a v a n g u a r d a h i s t ó r i c a c o n t r a a a r t e i n s t i t u í d a chegam a se r c o n s i d e r a d o s

como a r t e , a a t i t u d e

d e

p r o t e s t o

p a s s a

a s e r

i n a u t ê n t i c a .

O r i g i n a - s e d a í a

i m p r e s s ã o d e

i n d ú s t r i a a r t í s t i c a q u e a s o b r a s n e o v a n g u a r d i s t a s co m f r e q u ê n c i a p r o v o c a m p . 1 0 7 ) .

Page 146: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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14 2 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

que cada um

pode

escolher

à

vontade

s eu

partido

é produto

de

um

pluralismo indigente e expr e s são

de

uma sociedade

onde

o

espírito

não

está

pre s o

a

nenhum

conceito

apenas

como ideo

logia.

Na

verdade,

os fenómenos encontram-se

integrados

numa

unidade superior, que

é a

da

indústria

da

cultura, constituindo

uma

totalidade concreta,   que

não se move s enão em constante

contradição (Dissonâncias, p .

26).

A preocupação do autor f o i , antes, esclarecer criticamente

e s sa situação, especialmente a

maneira

como s uas t e ns õe s

se

tor

naram

tão

profundas

no

capitalismo

avançado,

a

p a r t i r

da

inte

gração fo rç ada das esferas

da cultura superior

e arte bárbara

promovida pela indústria cultural. A c r í t i c a que

dirigiu à

conver

s ão de ss a indústria em s i s t e ma jamais pret e ndeu condenar, quer

em sentido moral, quer em sentido estético,

a

arte leve,

ainda

que

por ela não se interessasse. Os componentes estéticos dela origi

nados com que aquela

arte trabalha,

embora igualmente

c r i t i c a

dos,

não

s ão

alvo

do

mesmo

tipo

de

juízos

aplicado

à

prática

da

indústria cultural.

O filósofo, sem dúvida, defendeu o alto modernismo, mas

não

é

certo que

a principal

r az ã o par a

t e r

se

tornado

s e u intérpre

t e

tenha sido as do elitismo estético. A explicação

r e s i d i r i a ,

an

t e s , na capacidade de

resistência à

reificação, na condição de

sin

toma negativo do progresso que, segundo e l e , várias obras de ar

t e desse movimento expressariam.

A passagem seguinte, chocante à consciência, seria pr o va

disso:

As P é t i t e s

V i e l l e s

de

Baudelaire,

O

criminoso

de G e o rg e

[ e o u t r a s ]

s ão o bras que

chegam mais

perto

da pe rce pç ão da l e i

do

desmoro

namento

[da

c u l t u r a ] do que,

por exemplo, a

descrição contínua

e

i n f a t i g á v e l de favelas

e

minas

[ p e l a s

páginas do s j o r n a i s ] . Se a s

badaladas da

hora

h i s t ó r i c a ecoam nestas descrições, aqueles poe

mas

percebem

o que i s s o s i g n i f i c a .

[ . . . ] O

banal é destinado

ao

es

quecimento. O que

adquire

forma vale como h i s t o r i o g r a f i a s e c r e t a

(Prismas,

p . 220).

Adorno

não

pretende

com

isso

contestar

a eventual capaci

dade de

sensibilização

estética

e

de

esclarecimento

político

e

in

telectual contida

na

crescente difusão

de

i nfo rm aç õe s , t e ndo - a

realçado. Porém

mantinha

uma postura c r í t i c a , que não

isentava

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a

d a

a r t e :

u t o p i a e t r a g é d i a 14 3

a arte

s é r i a , ao notar que, em regra, e s sa difusão

depende,

quando

construtiva, de ideais

terapêuticos, afirmadores

de

um

modo

de

vida

sadio,

bem

estabelecido

e

organizado

burocraticamente.

Na prática, a

relação entre

as esferas da

arte

leve e da

arte

r i a , conforme observado acima, é mediada uma pela outra e está

sujeita ao processo histórico.

Significa

que

ela comporta a possi

bilidade de

superação. A

comprovação se encontra, a l i á s ,

na

ma

neira como se

vem

tentando

conciliar

essas

esferas ao

longo da

história e ,

às vezes, chegou-se mesmo

a superar

com s uce s s o s ua

contraposição.

Wolfgang Amadeus

Mozart,

por exemplo, manejou com t a l

maestria

suas diferenças

que, pode-se

dizer,

chegou ao ponto

de

ultrapassá-las em A Flauta Mágica. Molière, por s ua vez, sabia

divertir sem perder

a consciência

da

precariedade

da existência

humana. Já Collete escreveu narrativas profundas, sem se

inco

modar

com o

f i n a l ,

no qual

a

heroína

frígida encontra

o

prazer

nos braços do e s p o s o legítimo.

Atualmente, verifica-se, po r é m , que   a possibilidade desse

equilíbrio desvaneceu

e as tentativas de amálgama - a exemplo

dessas

assumidas

po r co m po s i t o r e s

diligentes no tempo em que

o

jazz se

t o rno u m ani a,

permanecem improdutivas .23 A

conversão

da indústria cultural

em si s t ema promoveu

a

s ua

integração for

çada,

como costumava

dizer Adorno.

Apesar

disso, precisamos

observar

que

a c r í t i c a

não

pretende

proibir

a

procura da

referida

superação,

nem

deveria

vedar

a

possibilidade

dela ser

encontra

da. Nessa hipótese,

talvez

pudesse ocorrer

que nos

situássemos,

ainda que

por

um momento, além

dos

limites

imposto s pelo pro

cesso sistemático

e

ampliado de transformação da cultura em

mercadoria.

O

pr edo m í ni o do entretenimento como sentido imediato do

consumo de bens culturais, vendo

bem,

seria uma espécie de

compensação

histórica

pela

perda

das

experiências

de

vida

onde

2 5

ADORNO,

T .

 On

t h e

s o c i a l

s i t u a t i o n o f m us ic ,

p .

1 6 0 . E x i s t e m v á r i o s e st ud os s o

b r e a q u e s t ã o

d o

j a z z e m

A d o r n o . C h r i s t i a n B é t h u n e

é a u t o r

d e

um

d o s

m e l h o r e s e

m a i s c o m p l e t o s . Resume bem uma

i d é i a

d e Adorno o j u í z o d e q u e , e m s e u s e s c r i t o s ,

  r e g r e s s i v o n o p l a n o a fe ti vo e e m s u a d i m e n s ã o e s t é t i c a , o

j a z z

também s e

r e v e l a

r e a -

c i o n á r i o

e m s ua e x p r e ss ã o s o c i a l

t a n t o

q u a n t o e m s u a s i m p l i c a ç õ e s p o l í t i c a s . P o r é m ,

c r e m o s , n ã o

s e g u e

d is so q ue , n o e n t e n d e r

d o

p e n s a d o r , o s a r t i f í c i o s

d e s s a

m ú s i c a s e

jam

t o d o

o o p o s t o   d a p r o m e s s a

d e

l i b e r d a d e r a d i c a l e n g e n d r a d a p e l a

a u t ê n t i c a o b r a

d e

a r t e

c f .

Adorno

e t l e

j a z z .

P a r i s :

K l i n c k s i e c k ,

2 0 0 3 ,

p .

2 7 ) .

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14 4

F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

o sério e o ligeiro ainda não estavam tão separados. Apenas por

caus a de s ua mutilação mercadológica,

pois,

  é que o vulgar re

presenta

o plebeu

posto

de

lado

pela

chamada

arte

nobre

(Esté

t i c a ,

p .

2 6 8 ) .

A contraposição entre cultura

e barbárie,

arte

séria e

d i s t r a -

ç ão barata,

sempre

existiu

enquanto

expr e s são da divisão da

so

ciedade e , se passou a ser vista

com

maus olhos

com

a ascensão

da era moderna, não deixou

de

indicar uma verdade a respeito da

sociedade: falsa é s ó

a

tentativa de fundi-las numa síntese mer

c a n t i l

pasteurizada.

Noutros

termos,

o

problema

com

a

indústria

cultural

é

que

e l a ,

 em detrimento de ambas, força

a

r e uni ão das

esferas da

arte

superior e da

arte i n f e r i o r ,

separadas

há milhares

de anos. A seriedade da

arte

superior é destruída através da espe

culação sobre s ua eficácia; a da inferior é perdida com a imposi

ç ão de coações civilizadoras

à

resistência rebelde que carregava

consigo

quando o controle social ainda

não

era total

(Indústria,

p .

93).

D en t r o

dela, a

arte

séria

viu-se privada de s ua força, passan

do a

ser

mais um motivo de distração,

e a

arte leve

t e r m in ou

se

questrada pelo

cálculo

puramente mercantil. A subordinação

da

produção cultural erudita não significou

a

democratização da

cultura, levando antes à

supressão do

projeto contido em

s eu

conceito.

 Os

conteúdos objetivos da formação cultural, c o i s i f i -

cados como mercadorias, sobrevivem [agora] à custa de s eu con

teúdo

de

verdade

e

de

suas

relações

vivas

com

o

sujeito

vivo,

o

que

de

certo modo

equivalia à

s ua

definição

(Pseudocultura, p .

2 4 5 ) .

Entretanto,

a

cultura

popular

também saiu perdendo.

O de

s en vo lvi m en t o

industrial tende

a

privá-la da espontaneidade,

transformando-a em artigo de

consumo uniformizado.

Aparen

t em ent e,

o s pr im ei ro s

filmes

de

animação eram fantasias que ten

tavam

dar

uma

segunda

vida

ao s

mutilados

pelo

progresso,

antes

de se t ornarem um meio de h ab it uar o s s e nt ido s

ao

rit mo da

vida

moderna. Ojazz f o i em

s ua origem

uma

expr e s são do

lumpesina-

t o

negro, que não

obstante

t e r m i nou sendo

cooptada

pela indús

t r i a ,

privada do s

s eus aspect o s críticos e

transformado em iguaria

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t o p i a

e

t r a g é d i a 14 5

de classe

média a l t a , a

despeito de suas

eventuais

qualidades,

s e

gundo

Adorno.24

A

racionalização

a

que

a

arte

bárbara

f o i

sub m e t ida

colocou-

a

na

dependência do processo de

divisão

do trabalho: agora, o

caçador

de

talentos, o produtor, o divulgador, o

vendedor, e t c .

dirigem e controlam seus impulsos. Os a r t i s t a s po pular es s ão

procurados, descobertos, reformatados e

divulgados

por

profis

sionais

de

classe

média. A aventura arriscada que,

às

ve ze s,

era

a

v i s i t a

ao

bordel converteu-se, para muitos,

no

hábito mais ou

menos

terapêutico

de

fazer

us o

dos

serviços

de

telessexo

e

com

prar

produtos eróticos no

comércio

especializado. A espontanei

dade

passou,

em suma, a

ser

canalizada no sentido de permitir

a

reprodução ampliada do

si s t ema

técnico e mercantil em que atu-

almente se tornou o todo da sociedade.

O principal problema, contudo, provém do fato dessa

síntese

perpetuar

a

própria separação entre cultura

e trabalho,

o caráter

cindido

da praxis humana,

conforme

f o i

definido

na origem da

sociedade.  O combate à cultura

de

massa s ó pode consistir em

assinalar s ua conexão com a

persistência

da injustiça

social , es

clareceu Horkheimer (Prismas, p .

109).

A verdadeira utopia civilizatória consiste não em reconhecer,

mas

em superar a

alternativa entre trabalho

e dive rs ão,

porque

 quem conhece

a

liberdade

acha

insuportável

todo divertimento

tolerado

[pela] sociedade [existente],

e fora de

s eu

trabalho

[,e m

que se r e a l i z a , ]

recusa-se

a se

entregar

a algum

prazer

substituto

(Minima, p . 113). No capitalismo, acontece que a possibilidade

de

realizar-se integralmente,

cultivar o próprio modo de s e r , es-

tendeu-se às massas, mas como diversão. A cultura tornou-se as

sim, po r é m , uma paródia

de

s i mesma, pois onde não envolve a

distração,

reveste-se

de

um caráter u t i l i t á r i o ou de

prestígio

s o

c i a l totalmente comprometido com

as regras

da

economia

m e r -

2 4 Lendo A d o r n o , c o n v i r i a d i st i ng u ir e n t r e s e u s j u í z o s h i s t ó r i c o s s o b r e , p o r e x e mp l o , o

j a z z , e s e u s j u í z o s t e ó r i c o s   h i s t ó r i c o s e

f i l o s ó f i c o s )

s o b r e , n o c a s o , a i n dú s tr i a c u l tu

r a l . T a n t o u n s q u a n t o o s o u t r o s podem e s t a r e r r a d o s o u e q u i v o c a d o s , mas n ã o n o

mesmo p l a n o . A b r i r

p o l ê m i c a

num d e l e s n ã o

i m p l i c a

a mesma

f o r m a

d e a r g u m e n t a ç ã o

q u e o o u t r o o e x i g i r i a . J u l g a m e n t o s f a c t u a i s e s t ã o s e m p r e s u j e i t o s à r e v i s ã o , mas

s ó

podem s e r

bem a v a l i a d o s

e m

r e l a ç ã o

a c o n t e x t o s c o n ce i t u ai s e s c l ar e c i do s e

q u e s e j a m

c ap az e s d e p e r m i t i r a

s ua c o n tí n u a r e c o n st ru ç ã o

h i s t ó r i c a e f i l o s ó f i c a .

D e f e n d e r

e s s a

t e s e ,

e

n ã o

o s j u í z o s d o f i l ó s o f o ,

como s e

v ê e m m u i t o s t r a t a m e n t o s d o a ss un to , é

uma

p r o p o s t a

c e n t r a l

d e s t e

T h e o d o r

Adorno

e

a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l .

Page 150: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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14 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

c a n t i l . A realização individual da maioria é

matéria

confiada da

m ane i ra m ai s baixa possível ao tempo livre colonizado pela i n

dústria

cultural

e

continua separada

da

práxis

produtiva

que

lh e

daria concretude.

N out r o s termos, o trabalho ou ação

instrumental

conserva o

aspecto coercitivo e , a cultura, é tratada de maneira improdutiva.

Na verdade,

e ss a virou motivo

de

uma profissão,

que

procura fa

z er esquecer do que temos de passar para sobreviver, ao invés de

um momento

integral e constante

da

própria

autoconservação.

As

mercadorias

e

serviços

culturais

são,

para

a

maioria,

um

sucedâ

ne o

da

possibilidade de pesquisar,

escolher

e

conduzir

a própria

vida segundo suas próprias intenções,

de

maneira realmente au

t ónoma.

Enquanto

em

sua e s t r u t u r a

[funcional] trabalho

e divertimento

s e

tornam cada vez mais

semelhantes,

a s

pessoas passam

a separá-los

de um modo cada ve z mais r í g i d o com i n v i s í v e i s l i n h a s de demar

cação.

De

ambos, foram

expulsos,

na

mesma

proporção,

o

prazer

e

o

e s p í r i t o . Lá

como cá imperam a

seriedade sem humor

e a pseu-

do-atividade

(Minima

moralia,

p . 1

1 4 ) .

A separação entre trabalho e

diversão

que sucede à oposição

entre

cultura

superior

arte bárbara esconde

o

fracasso

da cultura.

A

cultura

pretendia

superar

aquela divisão e , com

e l a , a própria

idéia

de di v e rt i m e nt o po rque , em

princípio,  as necessidades do

púb li co [ s e mpr e ]

englobam

ambos

os

aspectos:

a

exigência

hon

rada de

uma

[ a r t e ]

válida

e o desejo

turvo de evasão;

e nenhuma

reação isolada dele é suscetível

de

ser subsumida em uma ou ou

t r a categoria .

A crítica à indústria

cultural

é uma reflexão

que

conserva a

referida pretensão submetendo e s sa partilha a um exame que não

deve ser visto como

uma

tomada

de posição em favor da cultura

elevada

mas,

antes,

como

referencial

teórico

de

 um

método

ob-

jetivo

que

consiste

em determinar em cada ocasião,

a

p a r t i r da

função e

da natureza

[da

a r t e ] ,

até

que

ponto

esta cumpre

s ua

respectiva tarefa ou até que ponto s ua humanidade se limita e x

clusivamente

a

dissimular o

inumano (Cinema, p . 171).

A situação social v iv i da h o je impede que se po ssa definir por

princípio quais s ão

as

necessidades verdadeiras e f a l s a s ,

quais

obras, bens e m e i o s s ão a priori forjados ou autênticos. A

repro

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A D i a l é t i c a

d a a r t e : u t o pi a e t r a g é d i a

14 7

dução das co ndi ç õe s de vida e a s ua exploração mercantil, fanta

sia e

conformismo, formam uma unidade, que em tese

se

inscre

v e

em todas as

manifestações

da

sociedade. Ojulgamento precisa

ser

feito pois

caso a

caso, levando em

co nt a ai nda

as constela

ções históricas de

fatores

em que

eles

se

inserem.

Os s u j e i t o s humanos, incluindo os mais atrasados e presos à s co n

venções, t ê m d i r e i t o

à

s a t i s f a ç ã o de suas necessidades, ainda que

sejam

f a l s a s

necessidades. O pensamento que s e ocupa das v erda

d e i r a s

necessidades,

a s

o b j e t i v a s ,

levando-nos a pór

de

lado toda

subjetividade, sem

l h e dar a m e n o r consideração,

transforma-se em

opressão b r u t a l , seguindo o

exemplo

que [na p o l í t i c a ] contrapõe a

volonté générale

à

volonté de t o u s . At é

mesmo nas

f a l s a s necessi

dades que desfrutamos vigora um resquício de l i b e r d a d e . 2 5

Conforme escreve Adorno, a condenação do kitsch

e

da arte

leve   esconde um

aspecto da

barbárie, do mal-estar destruidor na

civilização (Estética, p . 77). Os hedonismos

populares

costu

mam

ser

julgados

como

uma

forma

degenerada

da

alta

cultura.

Entretanto,  quem os

lastima

como traição do ideal da

e xp r e s s ã o

pura está alimentando ilusões sobre a sociedade (Dialética, p .

127).

O en t re t en imen t o barato

ofertado

pela indústria é

um

teste

munho

menor

do

fracasso da referida

cultura

e , po r outro lado,

até mesmo

nesse

desastre

há um

bom auspício. O

conceito

de ar

t e

pura

não

existe

a priori:

surgiu pouco a

pouco, no decurso de

um processo marcado pela dominação. T i v e s s e e s sa tido um fim,

talvez a arte

viesse se

associar à

brincadeira.

A cultura superior é

apenas o presságio de uma

situação

social

e humana

mais

avan

çada em comparação com a produzida pelo passado .

  Para

quem

o

objetivo é a eliminação das classes

sociais

e das

carências ma

t e r i a i s , a dissolução da cultura até agora existente não é um

pr eço

muito alto

a

pagar

pela

s ua realização , disse Adorno.26

A

liberdade

das

massas

em

relação

às

exigências

postas pela

arte séria possui um sentido humano,

na

medida em que sinaliza

(abstratamente)

um estado

dessa

espécie, no

qual a cultura deixa

r i a de

ser exigida

ou i mpo s ta

à

sociedade.

A verdadeira

liberdade

é de ve r

que,

às

ve ze s,

 acontece de hav e r

mais verdade

no

que

2 5 ADORNO, T . L a r t e t l e s a r t s . P a r i s : D e sc lé e d e B r o u w e r , 2 0 0 2 , p . 9 8 .

2 6

HORKHEIMER,

M.

 

ADORNO,

T .

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d l

F r a n c o f o r t e ,

p .

1

5 0 .

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A

D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o p i a

e t r a g é d i a

14 9

nema. A aposta c r í t i c a em uma

utopia

radical, ao

contrário,

im

porta

na

possibilidade

de superar não apenas a prática da

indús

t r i a

cultural

mas,

também,

as

várias

formas

de

arte

elevada,

t a l

como as conhecemos até

a atualidade.

Deixando de

ser algo especial, poderiam

todas

as

formas

de

arte

vir

a

ser

apenas uma das

tantas

possibilidades de realização

do

indivíduo, sem o pe s o

morto que é

o

próprio conceito

de obra

de a r t e .

Quando

a

sociedade sem c l a s s e s promete

a

supressão da a r t e , supe

rando

a

tensão

entre

o

r e a l

e

o

p o s s í v e l ,

promete

também

o

i n í c i o

da

a r t e , do i n ú t i l , cuja noção tende à reconciliação com a natureza,

na medida em que, por essa v i a , a a r t e s e desvincularia do que é ú -

t i l

para

os seus exploradores.28

Historicamente, contudo,

aconteceu que os

privilégios

con

servados

pelas classes dominantes excluíram

as camadas

popula

res

da

possibilidade de t e r e m

uma formação

e

de

cada

um viver

de

acordo

com

suas

inclinações.

R e s t o u

a

elas

apenas

o

diverti

m en t o .

Destarte,

precisamos convir que

essas

camadas têm toda

a razão

em se

d i s t r a i r

durante o tempo em que não

têm de

lutar

pela sobrevivência.

Na

sociedade repressiva, o en tr e t enim ento

obrigatoriamente

t em ,

mesmo sendo em

geral

embrutecedor, um

significado

emancipatório.

Nós

não

podemos

culpar

a s

pessoas porque e l a s

estão mais i n t e r e s

sadas

na

esfera

privada

e

no

consumo

do

que

na

da

produção. Este

traço cont ém um

elemento utópico.

Na

Utopia a produção

não de

s e m p enha um papel decisivo: e l a é a t e r r a do

me l

e do l e i t e . Penso

que

é

de profundo significado que

a a r t e e a poesia sempre

mostra

ram uma afinidade com

o

consumo.29

Desde

o

início

do s

t e m p o s ,

o

entretenimento e a

arte

leve fo

ram

sinal

negativo

da dominação,

mas também

de liberdade

sub-

jetiva

e

corporal. Os

fenómenos

possuem

s ua

dialética,

na

medi

da em que

s e , de

um

lado,

significam uma

fuga

e , assim,

pór-se

de acordo, ainda que indireto, com

a

ordem social, de outro r e

pr e s en ta m uma antecipação

utópica

da boa sociedade,

a l i b e r t a -

2 8 HORKHE1MER. M.   ADORNO, T . / S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a d i

F r a n c o f o r t e ,

p . 1 6 8 .

2 9

Max

H o r k h e i m e r

a p u d

M a r t i n

J a y :

D i a l e c t i c a l

i m a g i n a t i o n .

p .

2 1 3 .

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15 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

ç ão das tarefas

mecânicas

e compulsórias:

eles

são, em síntese, a

aparência de um direito

objetivo

da humanidade.

A

transformação

da

indústria

cultural

em

s i s t e ma

alterou

o

sentido, mas não chegou a suprimir e s s e momento. Atualmente,

o

aparelho

de

televisão

  oferece

à

dona de casa, apesar dos f i l

mes

destinados a

integrá-la, um refúgio onde

ela pode passar a l

gumas

horas sem controle, assim

como

outrora, quando

ainda

havia lares e folgas vespertinas, ela podia

se

pór à

janela

para

f i

car olhando a rua

(Dialética, p .

130).

 A

argumentação

social

diretamente

dirigida

contra

a

indús

t r i a

cultural possui componentes ideológicos (Estética,

p .

29),

porque a esfera da a l t a cultura

é

mediada pela diversão e , mais,

todas as obras de a r t e , em alguma medida, sempre e s t iv e ram con

taminadas pelos esquemas mercantis da indústria (Cf. Indústria,

p . 106).  O e l e m en t o do desvario e do

burlesco

está contido de

m an e i r a s u bl im ada

 mesmo nas obras

mais

importantes

(Estéti

ca,

p .

139),

assim

como   os

refúgios

da

arte

circence

que

perdeu

a

alma

[no

â m b i t o da indústria] e v entualment e podem

 repre

sentar o

humano

contra o

mecanismo social (Dialética,

p .

134).

A separação

entre as

esferas

da cultura superior

e

da

arte

bárbara

é

produto de um processo histórico

mas,

por isso mesmo,

algo

que não

é absoluto.  O kitsch

mais miserável

e

que,

no

e n

tanto, se apresenta necessariamente

como

a r t e , não pode impedir

o que e le de te sta, o momento do em-si, a pretensão à verdade

enquanto, por outro

lado,

 mesmo na obra superior se encontra

oculto, sublimado até à s ua autonomia, o momento do para-

outro,

algo

que

busca

o resíduo

terreno

da

aprovação [social]

(Estética,

p .

3 4 5 ) .3 0

O conteúdo

de verdade

do s

vários

m e i o s

de

expr e s são

se

m odifica de maneira histórica: o

kitsch

pode tornar-se a r t e , assim

como a arte pode tornar-se kitsch.

Stephan

Zweig

conseguiu

produzir

 romances

bastante

mati

zados em

s ua juventude, mas

no

fim

sub m e t eu- s e

à   visão de

1 0 Em C u l t u r e I n d u s t r y , p . 6 1 , p o d e - s e c on fe ri r a m a n e i r a como e s s a c o n e x ã o moveu a

f i g u r a d o  show

d e

v a r i e d a d e s .

R o b e r t W i t k i n

c o m e n t a

q u e   a

s u s p e n s ã o

d o s p r o

c e s s o s d e d e s e n v o lv i me n t o , d o t e m p o r a l

e

d o h i s t ó r i c o

é a

p r ó p r i a

e s s ê n c i a d a s v a r i e

d a d e s .

Em A d o r n o , p r o s s e g u e ,

  o s

q u a d r o s

d e

v a r i e d a d e s demonstram

a r í g i d a do

m i n a ç ã o

d a r e p e t i ç ã o

q u e c ar ac te r iz a a

t é c n i c a , a p r o p r i a d a

n e l e s

como

l i b e r d a d e e n

c e n a d a

( A d o r n o o n p o p u l a r

c u l t u r e ,

o p .

c i t . ,

p .

6 5 - 6 7 ) .

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15 1

mundo do f i l i s t e u da cultura , ao pr et ender explorar

a

 psicolo

gia do homem criativo (Sociologia, p . 170 ). Art is tas que eram

modernos

h á

pouco

t e m p o ,

podem

se

tornar

populares com

o

passar dele, mas

também

vice-versa: o juízo

depende

de um

exame

do rumo tomado pela arte no contexto global da socieda

de

A c r í t i c a

que

se

pretende justa não deveria

condenar a

diver

são, porque t e r i a um caráter

desnaturado,

nem mistificar

a a r t e ,

porque é f e i t a fora

das

regras.

Conforme

escreve Adorno,  Mahler

criou

uma música

fo r

midável

não

a

despeito

do

kitsch

para

o

qual

ela

tende,

mas

por

causa da maneira como s ua

construção solta a

língua

do

kitsch,

liberando o

desejo

que o comércio explora e que em troca o k i t s

ch

serve .31 O

surrealismo

tomou

parte de

seus modelos da

por

nografia,

exemplo

acabado do fetiche

da

mercadoria cultural,

pa

ra

poder mostrar onde

chegamos com

a

completa

imposição

de s

sa

última

forma à

sociedade.

As

coisas

que

ocorrem

nas

colagens,

a s

coisas

que

são

convulsi

vamente

penduradas n e l a s ,

como a s l i n h a s l a s c i v a s

que

rodeiam

uma

boca, são

como

a s mudanças

que acont e ce m

na imagem por

nográfica no momento

em

que o

voyeur

chega

à

s a t i s f a ç ã o .

Os

s e i o s extirpados e os manequins com meias de sedas

que

vemos

nas

colagens

são

objetos

do s desejos

perversos que haviam

excita

do

a l i b i d o

(Literatura í , p .

8 9 ) .

Devemos

a

Andreas

Huyssen

uma

análise

s e mi nal de s s a

co

nexão insuspeita entre os conceitos de

arte

séria e

indústria cultu

r a l , conforme

ela

pode

ser

extraída do ensaio

de

Adorno s obre

Wagner.

Segundo o autor, o referido

livro

pode ser lido como

um relato sobre o nascimento

do

fascismo

do

conceito wagne

riano de o bra de

arte t o t a l

mas, também, do espírito da cultura de

massa de uma

das

expressões

a r t í s t i c a s

mais ambiciosas do

culo

XIX. Cedendo às forças mercantis

com

que suas obras

t i

nham

de

l i d a r ,

o

a r t i s t a   escondeu

o

crescente e s t ranhamento

do

compositor

perante o

público

ao

conceber

s ua música

como

ges-

T h e o d o r Adorno a p u d

U l r i c h

S c h õ n h e r r :  Adorno a n d J a z z . I n :

T e l o s

8 7 ( 8 5 - 9 6 )

1 9 8 7 , p . 9 5 . C f .

T h e o d o r

A d o r n o : M a h l e r .

B a r c e l o n a :

P e n í n s u l a . 1 9 8 7 . B e c k e t t

t a m

bé m p o d e r i a

s e r v i r

d e

e x e m p l o

d e s s a

r e l a ç ã o d i a l é t i c a e n t r e

a r t e s é r i a e a r t e

l e v e . S e

gundo c o n s t a , o s p e r s o n a g e n s e

a n t i - h e r ó i s d e s u a s

p e ç a s   f o r a m

i n s p i r a d o s

p e l o s

c l o w n s

e

p e l o

b u r l e s c o c i n e m a t o g r á f i c o

E s t é t i c a ,

p .

9 9 ) .

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15 2 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

t o impressionante e cooptar a audiência para suas obras através

de

efeitos calculados .32

Resumidamente,

Adorno

sugere,

n e s sa

análise,

que

a cultura

de mercado não se impõe à arte apenas do

exterior,

porque

a

própria arte se revela

portadora

de

seus

motivos, na medida em

que se emancipa das fo rmas de

arte

tradicional. As óperas

wag

nerianas

possuem

mais

do

que o

caráter mercantil:

as

fantasma

gorias por elas agenciadas em moldes tipicamente t ecnológico s

têm

em

s i

mesmas o cunho

de be ns

de

consumo.

 A totalidade da

música

parece

-

em

certos

casos

-

t e r

sido

concebida

primeiro

em

t e r m o s

da

batida e s ó

depois preencheu-se

s ua estrutura; es

pecialmente

nos primeiros estágios dos dramas musicais que o

músico estilizou, o tempo parece

ser

uma

espécie

de moldura

abstrata. 33

Em Mínima Moralia, o

pensador escreveu que

a e volução

das o br as de arte e a emergência da soberania do a r t i s t a como f i

gura

social

estão

ligadas

às

origens

da

prática

da

indústria

cultu

r a l :

A

cultura

de

massas contemporânea é historicamente

necessária

não só como

consequência

da

apreensão da t o t a l i d a d e

da vida po r

parte de enormes

empresas,

mas de o

que,

h o j e ,

parece s e r

o con

t r á r i o

mais

extremo da imperante estandardização da consciência:

a

subjetividade

e s t é t i c a . 3 4

Baudelaire,

Wagner

e

Manet,

embora

criadores

de

arte

s é r i a ,

abriram como tantos outros o caminho para s ua conversão

em

narcótico

sensual

e , assim, em

força

auxiliar no processo, ocorri

do

em

seguida, de t r an s fo r maç ã o

da

indústria cultural em s i s t e

ma. Ant es

deles,

 Meyerbeer já

tinha,

po r é m ,

reduzido

os t e mas

políticos a

mero

espetáculo, como

ocorre

nos

filmes em

technicolor ou biografias

de

celebridades

que

a indústria cultural

põe

no

mercado

em

no s so s

dias

(Wagner,

p .

1

1 4 ) .

Depois Stefan

George desprezaria a massa

para

  transformá-

l a ,

através de

uma

técnica

de

dominação

que

está

em

estreita r e -

1 2 HUYSSEN, A .  Adorno i n R e v e r s e ( A f t e r t h e g r e a t d i v i d e , o p . c i t . , p . 1 6 - 4 3 ) . Po

demos l e r do mesmo m o d o , a p e n a s co m a l t e r a ç ã o d e c a m p o , d a m ú s i c a p a r a l i t e r a t u r a ,

o

e n s a i o   G e o r g e e H o f m a n s s t h a l ( P r i s m a s , o p . c i t . , p . 1 8 7 - 2 2 1 ) .

3 3 ADORNO, T . I n : S e a r c h o f W a g n e r . L o n d r e s : V er s o , 1 9 9 1 , p . 3 0 - 3 1 .

3 4 ADORNO,

T .

Minima

m o r al i a. T r a d.

e s p :

C a r a c a s ,

Monte

A v i l a ,

1 9 7 5 ,

p .

1 8 8 .

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15 3

lação

com

a t écnica

a r t í s t i c a , em uma

massa

de consumidores

forçados

(Prismas,

p .

2 0 6) .

Schiller secretamente

antecipara,

contudo,

toda

a

situação,

consolidada

pelas

suas

práticas,

  na

qual a

arte

é pre scrit a a

homens

de

negócios

fatigados como

re

médio de

poltrona (Literatura I I , p .

2 4 8 ) , ao

defender que   a

vida

é

bela

em suas supracitadas Cartas.

A e x plicaç ão para

e s sa metamorfose está

no

fato de

que

a

emancipação da subjetividade estética

promovida

pelos tempos

modernos contém em

g e r m e ,

e

não s ó depois de

alguma traição,

a

conversão

do s

seus

conteúdos

expressivos

em

objeto

de

cálculo

por

parte

dos

veículos dessa indústria. A

arte

séria s ó de m ane ir a

excepcional e cada

ve z

menos

verificável

s e s ubt rai a um proces

s o de unificação

global,

em última instância promovido pelo

mercado.

Sinal disso é o tipo de exigência de e s t i l o que se póde cons

t a t a r ,

sobretudo,

na época do

art nouveau

e , em seguida, com o

modern s t y l e . O movimento que tornou todas as artes bens de

consumo de massa e os seus consumidores em objetos de cálculo

psicotecnológico estava

inscrito

socialmente como

possibilidade

histórica

nas

condições

de

nascimento tanto

da

arte

leve quanto

da

arte

s é r i a .

Richard

Wagner,

por

exemplo, conta-se

entre os

criadores

de

obras

de

arte puras

e ,

no

entanto, praticava

a indústria

cultural,

na medida em que, embora

autónomas,

suas obras,

como

as de

outros,35 articulam seus conceitos principais como fantasmago

r i a s . Significa que, em suas óperas , os

materiais

estéticos s ão

elaborados de mane ira regressiva. A técnica a r t í s t i c a serve para

criar

um refúgio onde

a

consciência pode encontrar abrigo, ao

invés

de

fazer frente ao s problemas que os referidos materiais co

locam historicamente.

As

experiências constitutivas da cultura

de

massa

-

fetichismo,

reificação, regressão,

pirotecnia e

m i t o -

não

T c h a i k o v s k y , M a e t e r l i n c k e

W i l d e

  E s t é t i c a ,

p . 2 6 8 ) ,

t a m b é m , c o n c e b e r a m m o d e l o s

p a r a e

  s e r v i r a m

à i n d ú s t r i a d a c u l t u r a ,

a n t e s

mesmo d e l a e n c o nt ra r s e u s v e r da de i ro s

c o n s u m i d o r e s

( T h e o d o r

A d o r n o :

Q u a s i u n a

f a n t a s i a . P a r i s :

G a l l i m a r d . 1 9 7 8 ,

p .

4 8 -

4 9 ) .   E s s a t e n d ê n c i a j á s e d e l i n e i a e m S a i n t - B e u v e ( S o c i o l o g i a , p . 1 7 0 ) .   P á g i n a s i n

t e i r a s

d e O s c a r

W i l d e p o d e r i a m

s e r v i r

como c a t á l o g o

d e j o a l h e r i a

( P r i s m a s , p . 2 1 5 ) .

G u s t a v M a h l e r e

P a u l

V a l é r y t e r i a m s i d o ,

a o

c o n t r á r i o , u n s d o s p r i m e i r o s a r e s i s t i r a

e s s e

p r o c e s s o

( L i t e r a t u r a

I ,

p .

9 8 - 1 0 8 ) .

Page 158: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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1 54

F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

somente se encontram contidas em embrião como s ã o elaboradas

de m ane ir a que preludia a indústria cultural do século XX.

Jovem,

N i e t z sche

t e r i a

  errado

ao

re conh e ce r na obra de

arte

do futuro o que nós podemos testemunhar ser antes o nascimento

do filme a p a r t i r do espírito da

música .

A

superação

do confron

to

entre as obras

de

arte

sérias

e

leves,

entre autonomia e he tero-

nomia estéticas, está potencialmente inscrita nas condições de

emancipação tanto de uma quan t o de

outra.

 Poucos

documentos

demonstram mais

e xp r e s s i v a m en t e como é

equívoco

afirmar

que

[os esquemas

da] cultura

de

massa

foram

i mpo s t o s

à

arte

desde

fora quanto as óperas de Wagner ( p . 107-108 ).

Contrariamente a

Mahler,

Wagner não logrou articular em

s ua

música

as rupturas

culturais de

s eu t e mpo, esforçando-se por

preservar

a autonomia

da obra de a r t e ,

virtualmente condenada,

através da criação de uma falsa harmonia que, de f a t o , apresenta-

se como

uma tentativa de retorno

à

mitologia.

O compositor

con

ceb eu

e

explorou

s ua

arte

como

matriz

de

efeitos

regressivos

e

mitificantes, fonte de intoxicação, pr ocurando am eni zar

as

rela

ções alienadas e reificadas existentes entre os homens e fazendo-

as soar

como

se ainda fossem

humanas

( p . 100).

A fantasmagoria

que

se

encontra

em suas criações por certo

é

extremamente complexa

e , no l i m i t e ,

veiculadora

de um impul

s o c r í t i c o , conforme demonstra a maneira como suas obras ques

tionam o prazer como figura doentia. A substância tóxica que

destila ilusões no público

é

ao

mesmo

tempo

responsável

pela

s ua eventual desilusão esclarecida. O ponto não deve nos fazer

ignorar, po r é m , que, por e s sa v i a , suas óperas, obras

de

arte to

t a i s ,

articularam

o

ingresso das fantasmagorias,   maravilhas

da

te cnologia , no â m b i t o da arte elevada

e ,

assim, anteciparam s ua

dissolução no meio do espetáculo

tecnológico

mercantil

contem

po r â n e o

( p . 91 -95).36

As

considerações

externadas acima

revelam

que

cabe

à c r í t i

ca

à

indústria

cultural matizar seus

juízos

negativos, porque, seus

criadores

tendo

visto

ou

não,

também

e s sa indústria

tem

s ua dia-

l é t i c a .

A pretendida

integração

mercantil das esferas

da

formação

e barbárie

não

exclui

momentos em que r eluz e m

m e i o s

de

corri-

3 6 C f . C a r t a d e A l f r e d

S o h n - R e t h e l

a

A d o r n o , 2 9 / 0 1 / 1 9 3 8 . C o r r e s p o n d ê n c i a

( 1 9 3 6 -

1 9 6 9 ) ,

Roma:

M a n i f e s t o

L i b r i ,

2 0 0 0 ,

p .

8 7 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o pi a e

t r a g é d i a 15 5

gir a

seriedade da

obra

de

arte negativa,

nem

a possibilidade

de

se proceder a uma verdadeira conciliação.

Os

processos sociais

que dão forma

à

cultura

de

massa

influenciam

até

mesmo

as

obras de arte com mais

a l t a ambição.

Mas então, a recíproca é

verdadeira.

Os procedimentos a r t í s t i c o s ,

em

princípio, também

podem se

fazer presentes na

cultura

de

mercado. A esfera do

kitsch que lh e serve de modelo por certo não pode dar lugar a

obras negativas, mas o

mesmo

não

vale para

o caso de

obras

bem-sucedidas esteticamente.

Adorno

jamais

deixou

de,

c r í t i c a

e

dialeticamente,

redimir

a

arte leve:

Existe verdade a t é

na

l i t e r a t u r a marginal [pulp

l i t e r a t u r e ] , para

qual o gosto l i t e r á r i o e a

sabedoria mundana fecham

o

n a r i z :

a s

coisas que o co rr e m

na r a i z

da

sociedade, no submundo de

sua es

f e r a produtiva,

s e

tomam

v i s í v e i s

pelas margens

(Literatura

l ,

1 2 3 ) .

Assim

sendo,

por

que não

podemos

especular

se

fenómenos

análogos não se manifestam no â m b i t o

da

indústria da cultura ?

Deborah

Cook baseia-se em

Adorno

para afirmar que

as

mercadorias culturais e v entualment e podem

satisfazer

necessi

dades sociais

que

transcendem ou escapam ao contexto da socie

dade

c a p i t a l i s t a .

A

produção

a r t í s t i c a e l i t e r á r i a voltada para o

mercado se

caracteriza

por renunciar a s ua autonomia e se apre

sentar

s ob

a

forma

de b e ns de

consumo

que

satisfazem

necessi

dade s pr e v iam e nt e estabelecidas.

Entretanto, convém

notar que

e s s e s bens

possuem diversos

graus de reificação, não devem ser

vistos de

maneira

unidimensional.

Conforme

explica

a

autora,   o

fato

de que

os estágios i n i c i a i s

do processo de trabalho cultural possuem certos aspectos

artesa

nais permite que alguns

produtos

menos

padronizados e

e n f e i t i

çados

possam

ch e gar ao

mercado

-

embora

a

formatação,

exces

sivamente inclinada a

imitar

os

produtos

bem-sucedidos,

contri

bua

para neutralizar e s sa possibilidade .37

COOK, D .

T h e

c u l t u r e

i n d u s t r y

r e v i s i t e d . Lanham

( M L ) :

Rowman a n d L i t t l c f i e l d ,

1 9 9 6 , p . 1 0 3 . Embora s e e s b o c e um p r o c e s s o d e d i v i s ã o

d o

t r a b a l h o n o â m b i t o d a s

e m p r e s a s m u s i c a i s ,   n ã o

s e

d e v e c o m p a r a r d e m a n e i r a m u i t o l i t e r a l o modo d e p r o d u

ç ã o d a m ú s i c a l i g e i r a , q u e e n s e j a

p r o d u t o s

m a s s i v o s , co m a

p r o d u ç ã o

d e

m a s s a

i n d u s

t r i a l ,

p o r q u e o p r o c e d i me n t o

p e r m a n e c e

p o r

a s s i m

d i z e r

a r t e s a n a l

e ,

e m

ú l t i m a

i n s -

Page 160: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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15 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Para Adorno, as obras de

arte

sérias

s ão

as que, eventual

m ent e, não apenas logram r e s i s t i r à reificação - revelando em

suas

formas

estéticas

um

momento

de

oposição

à

estrutura

social

dominante, mas - ainda - conseguem r e m e t e r as demandas não

atendidas pe lo s is te ma para fora do s e u

horizonte

ideológico. A

estratégia

para

tanto consiste em criar um f e i t i ç o capaz de rom

pe r o fetichismo

e , assim, proceder

à

negação do

s eu

caráter de

mercadoria.38

O

conceito de indústria cultural exclui em s i mesmo e s sa a l

ternativa,

mas

não

a

de

pr oduz i r o b ras

bem-sucedidas.

Conside

rando que

o caráter

mercantil é uma

condição

de

verdade

da obra

de

arte

e se é verdade que

a

m e r cado r ia p e r vade

s ua

estrutura

sem

privar-lhe

de

força, podemos

perguntar, de f a t o , por

que a

indústria

cultural

não

poderia

dar lugar

a alguma nova forma

de

arte

ou,

para

usar um t e r m o mai s brando,   bons produtos (Die-

t e r Prokop).

Adorno

chegou

a e scre ve r

que

  a

indústria

cultural

possui

s eu momento de verdade em

satisfazer

uma necessidade substan

c i a l , proveniente da

recusa

socialmente intensificada [ à felicida

de] , acrescentando

em

seguida

porém que,   mediante

o s e u tipo

de

concessão,

ela se torna

a inverdade absoluta .

A promessa

contida

no projeto

da

formação

estética

do homem

era

uma

ut o

p i a , porque conflitava abertamente com

a

realidade. As mercado

r i a s culturais da indústria s ão

ideologia,

porque

suas

agências

não cumprem o que

prometem e

ao

mesmo

tempo deixou

de ser

utópico: uma sociedade não mutilada pela mentalidade u t i l i t á r i a ,

o trabalho alienado e a disputa pelo

poder

económico.

A f e l i c i d a d e encontrada através de i n d ú s t r i a c u l t u r a l é simplesmen

t e s u b s t i t u t o e f a l s i d a d e , na medida em que, referindo-as sempre ao

estado de

coisas

que provoca

sua

f a l t a ,

consiste

na v er dade em

processo

pelo qual

s e

p l a n i f i c a

e explora a

necessidade de f e l i c i d a

de ( E s t é t i c a , p .

342).

t â n c i a , n ã o s e c h e g a à r a c i o n a l i z a ç ã o

t o t a l ( I n t r o d u z i o n e

a l a s o c i o l o g i a

d e l l a

m u s i

c a , p .

3 7 - 3 8 ) .

ZUIDERVAART, L . A d o r n o ' s a e st h e ti c t he o ry . C a m b r i d g e ( M A ) :

MIT

P r e s s , 1 9 9 1 ,

p . 8 8 - 8 9 . P a r a n ó s , Cook c o n f u n d e o c o n c e i t o d e o b r a d e a r t e a u t ó n o m a com o d e o -

b r a d e a r t e m o d e r n a   o p .

c i t . , p .

1 2 4 - 1 2 5 ) .

O

p r o b l e m a , p a r e c e - n o s , d e v e s e r t ra ta do a

p a r t i r

d a d i s t i n ç ã o a d o r n i a n a

e n t r e

S t r a v i n s k i e S c h o e n b e r g ( F i l o s o f i a d a n o v a m ú s i

c a ) .

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A D i a l é t i c a d a a r t e :

u t o pi a e

t r a g é d i a 15 7

A

felicidade

obtida nesse

caso é a felicidade

que

se

deve

à

especulação com a

felicidade

e , portanto, o s e u oposto,

mesmo

que sempre

haja

alguma

prova

da

autêntica.

A

gratificação

que

se acha nele coincide com o sequestro da existência individual

pelas condutas

rotinizadas

e a inserção

do planejamento no t e r r i

tório

da

experiência.

As satisfações

mais

ou menos brutais e

imediatas

que

a maior parte dos bens culturais da indústria pro

porciona

s ão uma

forma

de

a ordem

criadora de tantos

desatinos

pessoais e co le t iv os

se

perpetuar

além

do necessário.

Entretanto,

em

parágrafo

pouco

notado

de

s ua

T eo r ia

Estéti

ca ( p .

3 4 4 - 3 4 6 ) ,

o

filósofo

o b s e r va que, detrás da rígida dicoto

mia

entre

cultura elevada e a r t e

bárbara,

  esconde-se

um precon

ceito cultural . Ce rt am e nt e h á

boa

arte

medíocre,

como h á arte

boa e , no entanto,

medíocre. O

primeiro caso

ocorre,

por

exem

plo, com os chamados clássicos

populares

(evergreens], produtos

mas s i v o s

que parecem não-envelhecer

e

que

superam

os

ciclos

da

moda.

Os

clássicos

populares,

s e ja m

canções

ou

filmes,

resul

tam

de um processo de seleção

mercantil mas,

ao mesmo t e mpo,

possuem

uma

força estética

própria, que

lhes

permite distinguir-

se dos produtos comuns e conservarem-s e v iv os pe rant e o públi

co durante ext enso

período

de t e mpo, a ponto de   o idioma co r

rente

se tornar em produtos desse

tipo

uma segunda natureza que

comporta [no caso da música] algo similar à espontaneidade, à

genuína

idéia

melódica

(Música, p . 4 3 - 4 5 ) .

A e xplicação para tanto pode

ser

buscada no

fato

de que, de

vido à

pressão

do mercado, as e m p r e sa s

culturais empregam

muitos talentos autênticos que nem mesmo nes s e campo podem

ser

anulados

de

todo:

inclusive

na fase

avançada

da

comerciali

zação se encontram

idéias

de

primeira mão e lances

de geniali

dade. O principal, porém, é a conclusão que podemos extrair da

idéia

e que s e

e x p r e s s a

no

juíz o

segundo o qual

 não faltam

obras

que,

através

de

formulações

informais,

podendo

i r

do sim

ples

esboço

até ao decalque, e também através da ausência de es

truturação em favor

do efeito

calculado,

têm

o

s eu lugar

na

esfe

ra da circulação estética subalterna e que, no entanto, a ultrapas

sam graças a qualidades sutis (Estética, p . 3 4 5 ) .

3 9

Adorno

e x e m p l i f i c a

o

c a s o

com

o s

r o m a n c e s

d e

C o l l e i e .

Page 162: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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15 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

As

mercadorias culturais mais

baratas

às

v e z e s podem

cons

t i t u i r

um r e fúgi o le gí t i mo

dos

caracteres que

a arte

séria

obrigou-

se

a

renunciar

para

poder

continuar

s o b re v i v e ndo , e s p ecial me n t e

a comunicação com o público e a pr et e ns ão de validade univer

s a l .

 As poucas canções de

massa

realmente boas - por exemplo

-

s ão

um

protesto contra o

que

a

música de

a r t e , tornada

medida

de s i mesma,

perdeu

e não tem como compensar voluntariamen

te (Música, p . 4 5).

Resumindo, o

significado

disso é

que

o conteúdo

de

verdade

do s

vários

meios

de

expr e s são

se

m odifica de

maneira

histórica.

Os conceitos a s eu

respeito

não s ão critérios

de sentido

irremoví

v e i s . Destarte,

  o que originalmente f o i previsto

para

o

consumo,

atua por vezes, perante o consumo superiormente racionalizado,

como modelo de humanidade (Estética, p . 3 4 4 ) .

Segundo Dieter Prokop, responsável pela exploração dessa

hipótese,

experiências dessa

ordem podem

ser

encontradas no

que

ele

chama,

como

indicado,

de

  bons

produtos .

As

merca

dorias culturais da indústria não

precisam ser necessariamente

padronizadas;

eventualmente,

s ão desenvolvidas através

de

s í m

bolos e formas progressivas.

Nem s empr e são gr ande s o br as de arte mas apresentam-se como

produtos autónomos: s ã o , na sua

elaboração e s t é t i c a ,

m ai s co ns e

quentes

e

mais

c o n s i s t e n t e s .

Se u conteúdo é frequentemente menos

estereotípico

ou

então

os

estereótipos

da

cultura

de

massa

l h e

são

inseridos conscientemente. Ne s s e s produtos,

a

fascinação não p a r t e

de

momentos

que

s e preocupam com

o be m-e st ar e o

e q u i l í b r i o

psíquico. A fascinação - frequentemente desagradável

e

a t é

amea

çadora - r e s u l t a nesses produtos do f a t o de que o objeto apresenta

do e investigado é tratado de forma adequada à sua realidade

ou

suas

p o s s i b i l i d a d e s . 4 0

As contradições do objeto

de trabalho

estético,

nesse caso,

não s ão submetidas a uma padronização, mas analisadas de acor

do com suas próprias exigências e densidade, possibilitando o

de s e nv o lv i me nt o de uma

obra até

certo ponto autónoma

e

ques

tionadora. O

público

é mantido a

certa

distância do produto: não

4 0

PROKOP, D . S o c i o l o g i a ( O r g . d e C i r o M. F i l h o ) .

São

P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 6 , p .

1 5 4 .

E x e m p l o s d e b o n s p r o d u t o s podem s e r d e sc o be r to s n as c h a m a d a s p r o d u ç õ e s a l t e r n a

t i v a s .

E n t r e t a n t o ,

n a d a

i m p e d e q u e

e l a s

a p a r e ç a m

também

n o s

c i r c u i t o s

m a s s i v o s .

Page 163: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A D i a l é t i c a d a a r t e : u t op i a e t r a g é d i a

15 9

se

aprova

de m ane i ra mecânica s e u padr ão de go s to e preferência

e s t é t i c a . As técnicas

normalmente

empregadas para explorar o

mercado

s ão

colocadas

a s erviç o

de

uma

atitude reflexiva,

como

ocorre com a t écnica a r t í s t i c a strictu sensu, ao menos segundo a

visão de Adorno41.

A montagem da sensibilidade e da expressão, contrastada com

aquilo que é falsamente afirmado [na

mensagem];

[pode s e t o r n a r ]

um m e i o para

t o r n a r

a ideologia s o c i a l perceptível e v i s u a l i z á v e l

ao

espectador,

que

exerce um

acompanhamento

competente; e para

tornar

conscientes desejos

e u t o p i a s :

para

r e f l e t i - l a s

e

tornar

c l a r a s

a s

r a c i o n a l i z a ç õ e s . 4 2

Na sociedade a t u a l , a tendência das pe s s oas é r e j e i t a r as e x

periências que procuram

transcender o

fetichismo da mercadoria,

preferindo os pr odut o s e sque m át i co s , que não colocam risco de

dissonância à

recepção.

Os referidos esquemas, todavia,

não

e s

tão blindados ao emprego criativo. As convenções da arte de

massas

também podem

ser

usadas

para

pór

em

discussão

e s sa

tendência, questionar o

lazer

acomodatício, en fim sacudir com a

reificação da experiência.

Theodor Adorno conferiu, conforme v e r e m o s , um sentido

demasiado

negativo à

prática da indústria cultural,

não po rque

e s sa carecesse de contradições mas, antes, porque e s sas contradi

ções tendiam a ser reproduzidas através da canalização da e s po n

taneidade

não-reprimida

em

sentido

conformista

ou

mesmo

re

gr es s iv o. D e star te , o pensador se viu impedido de pesquisar a e x

tensão e os propósitos com os quais os produtos da indústria

cultural poderiam

dirigir-se e ativar os

impulsos pré-egóicos de

uma outra maneira [menos

r e a l i s t a ou

reacionária] .4 3

4 1

PROKOP,

D . S o c i o l o g i a , p . 1 1 5 . Max P a d d i s o n

c i t a como

e x e m p l o o s p r i m e i r o s

d i s

c o s

d e F r a nk Z a pp a,

  o s

q u a i s

l o g r a m

o b t e r

um

n o t á v e l

b a l a n c e a m e n t o

e nt r e a s

e s f e

r a s d a m ús ic a p o p u l a r e r a d i c a l , s o b r e t u d o a t r a v é s d o u s o c r i a t i v o d a p a r ó d i a ( A d o r

n o , modernism

and mass

c u l t u r e , p .

1 0 4 ) .

J á P r o k o p

d e s e n v o l v e a a n á l i s e l e v a n d o e m

c o n t a

o s f i l m e s

d e

G r i f f i t h , o b s e r v a n d o

q u e , n e l e s ,

a m o r a l i d a d e

  n ã o a p a r e c e

s i m

p l e s m e n t e como

l i ç ã o ,

q u e s e l e v a

p a r a

c a s a e m

p a l a v r a s

e a ç õ e s . mas r e s u l t a d a a n á l i

s e a r t í s t i c a c o n s e q u e n t e d a q u i l o q u e o o b j e t o e s t u d a d o p o r s i mesmo p r e t e n d e s e r . E l a

t e r i a

e f e i t o

p l a u s í v e l

a n t e s d e

m a i s n a d a p o r m e i o d i s t o e

s ó

e m

s e g u n d o

p l a n o

como

mensagem ( S o c i o l o g i a ,

o p .

c i t . , p . 6 2 - 6 3 ) .

4 2 PROKOP, D . S o c i o l o g i a , p . 8 4 .

4 3 HUYSSEN, A .

A f t e r

t h e g r e a t d i v i d e , p . 2 7. C f . H o h e n d a h l ,

P .

P r i s m a t i c T h o u g l u . p .

1 4 1 .

N o t a s

s o b r e

o

f i l m e

( 1 9 6 6 )

é

a

p r i n c i p a l

r e f e r ê n c i a

u s a d a

n e s s a

d i s c u s s ã o ,

cm

Page 164: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 0

F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

As perspectivas de análise da indústria cultural que se de s

cortinam dessa forma, de todo j e i t o , s ão amplas

e

estão larga

mente

por

explorar,

devendo

m e r e c e r

crescente

atenção

à

medida

que

os

processos culturais em curso

diante de

nosso s olhos mais

e mais colocam

ao pensamento o

problema de saber

se

e em até

que ponto a cultura

de mercado não está

levando à supressão da

idéia de

obra

de

arte

negativa ou s e ,

ao

contrário, a oposição que

surgiu entre seus vários

â mb it os po r

volta da virada para

o século

passado ainda continua sendo válida.44

A

possibilidade

de

se

criarem

essas

obras

por

certo

continua

hoje tão aberta e incerta como f o i desde

o s e u

surgimento.

A

cre scent e dificuldade em fornecer exemplos contemporâneos

sem

dúvida

conta-se, po r é m ,

entre os

fatores que têm levado

v á

rios

herdeiros

do

pensamento

frankfurtiano

a defender a tese de

que, esgotados os impulsos do alto modernismo, não somente

não h á mais uma di st inç ão v álida po ss í ve l entre a

arte

séria e a

arte

kitsch -

a

hipótese

da

indústria

cultural

-

como

a

reificação

chegou

a

t a l ponto que

nenhuma obra

mais tem

como lh e fazer

frente: a produção cultural identificou-se totalmente com o

pro

cesso de

mercantilização sistêmica

do capitalismo.45

Compositores como L i g e t i tiveram suas obras levadas ao cinema,

como

música

de filme de produções hollywoodianas,

t a i s

como

2007, uma

odisséia

no espaço

ou

Brilhante [ S h i n i n g ] ; o

s u r r e a l i s

mo,

o

dadaísmo

e a

pop

a r t e

fazem

muito

p a r t e

de nos so

ambi

ente

v i s u a l ,

desde

a s capas de r e v i s t a s

a t é a s chamadas

da MTV;

os

elementos l i t e r á r i o s

mais

avançados,

como a s

narrações e l í p t i c a s

q u e .

t o d a v i a , convém d i s t i n g u i r o s

a s p e c t o s

r e l a t i v o s a

l i n g u a g e m

e à

t é c n i c a c i n e m a

t o g r á f i c a s e o s

a s p e c t o s r e l a t i v o s

à

p r o d u ç ã o

e d i v u l g a ç ã o d o s f i l m e s (como b e n s c u l

t u r a i s ) .

Os

c o m e n t á r i o s

f e i t o s

e m

n o s s o

t e x t o ,

n e s t a

p a r t e ,

r e f e r e m - s e

é c l a r o a

e s s a

ú l

t i m a p r o b l e m á t i c a . R e l a t i v a m e n t e à a n t e r i o r , o t r a b a l h o q u e f o r m a p a r o u complemen

t a o t e x t o s o b r e o f i l m e , c r e m o s , é   V e r s u n e m u s i q u e i n f o r m e l l e ( 1 9 6 3 ) ( Q u a s i u n a

F a n t a s i a . L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 2 , p . 2 6 9 - 3 2 2 ) .

4 4 C f . ANDREAS HUYSSEN: Memórias d o m o d e r n i s m o . R i o d e J a n e i r o : UFRJ. 1 9 9 7 .

H a l l F o s t e r : R e c o d i f i c a ç ã o . S ã o P a u l o : C a s a E d i t o r i a l , 1 9 9 6. R us s el l B e r m a n : Modern

c u l t u r e and c r i t i c a l t h e o r y .

M a d i s o n ( W S ) :

The U n i v e r s i t y o f

W i s c o n s i n

P r e s s , 1 9 8 9 .

4 5 Segundo J a m e s o n , a t u a l m e n t e .   n ã o e x i s t e m a i s p o n t o a r q u i m é di c o p a r a a

f e i t u r a

d e

uma e x p e r i ê n c i a g e n u i n a m e n t e e s t é t i c a ( L a t e m a r x i s m : A d o r n o , p . 1 4 2 ) . C o n f i r a a

c r í t i c a b a s t a n t e j u s t a f e i t a a e s s a i d é i a p o r L a m b e r t Z u i d c v a a r t ( A d o r n o   s a e s t h e t i c

t h e o r y .

C a m b r i d g e ( M A ] :

MIT

P r e s s .

1 9 9 1 ,

p .

2 5 7 - 2 7 4 ) .

Page 165: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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A

D i a l é t i c a

d a

a r t e : u t o p i a

e t r a g é d i a

16 1

ou

a s

invenções v e r b a i s , são moeda corrente nos

anúncios

e peças

p u b l i c i t á r i a s . 4 6

Lucien

Freud,

Godard,

Handke,

Celan,

Boulez

e

tantos

ou

tros sem dúvida s ão prova viva de que, ainda hoje, s ão criadas

obras

de arte

que, s endo ou não bem-sucedidas, resistem à

mani

pulação

mercadológica.

No

entanto,

acontece também delas, ca

da

v e z mais, conv erter em-se em notícia,

revestindo-se

de

uma

aura,

associada

ao nome de

seus criadores, que

lhes

permite

fun

cionar como valor de t r o c a , ainda que não como imagem, ainda

que

sem

mediar

funcionalmente

a experiência.

A resistência ao

que

as

t endências pr evalecente s em

nos sa

época

fazem de nós não pode

se

i l u d i r

mais com

a

idéia de que

somos capazes de r e s i s t i r totalmente.

A

tentação de compactuar

com o si s t ema não pode ser evitada, porque nenhum de nós é

santo e , mesmo

se fosse,

estaria

em

situação precária na

a t u a l i -

dade.

Inclusive

o

comparecimento

aparentemente

inofensivo

ao

cinema,

ao qual nos condenamos, deveria s e r acompanhado da

percepção

de que ações como essas re alm ent e s ão uma t r a i ç ã o do s

i n s i g h t s

[sobre nossa s i t u a ç ã o ] que adquirimos e de que

e l a s

provavelmente

- e m b o ra em grau muit o pequeno, ainda que com e f e i t o s cumula

t i v o s - nos implicam em processos que acabarão nos convertendo

naquilo que nos

f o i destinado

e

que, assegurando

nossa conformi

dade, todavia t e mos de impor a nós mesmos a fim de sobreviver

mos.47

A

consciência

de

no s sa

impotência, todavia,

é

algo

que faz

parte do processo

da indústria cultural e , assim, algo que, uma

ve z

assumido,

é capaz de impe dir

que cedamos

por

completo

a

seguir nosso s próprios impulsos de m ane ir a mecânica. O funda

mental,

hoje,

reside muit o m ai s nisso

do

que em uma pretensão

de po de r

agir

de m ane ir a

transformadora.

A

praxis

política

está

coagulada e ,

potencialmente

mobilizada, precisa aprender a espe

rar

uma situação que

lhe seja favorável, se é

que e s sa

virá

-

o

que

lh e

exige

não t e r ilusões.

EICHEL, C .   E n t r e

a v a n t - g a r d e

e t

a g o n i e . I n :

Rue

D e s c a r t e s

( A c t u a l i t é s

d ' A d o r n o ) 2 3 ( 9 9 - 1 1 0 )

1 9 9 9 , p . 1 0 8 .

ADORNO, T . P r o b l e m s o f m o r a l p hi lo s o p hy . S t an fo r d ( C A ) : S t a n f o r d U n i v e r s i t y

P r e s s ,

2 0 0 1 ,

p .

1 6 8 .

Page 166: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Aparentem ente, o

pavoneio

da indústria cultural com os

comportamentos tabus,

a

violência

primária

e

os

fenómenos

b i

zarros

que

têm

se

o b s e r vado

nos

últimos

tempos

vêm

predispon

do certas camadas do público

a

tomar as obras de

arte

que ex

pressam resistência como sinais de distinção reificados, carentes

não apenas de valor de us o individual mas, também, do sentido

enigmático

de

que eram

portadoras quando a

conversão daquela

indústria em s i s t e ma en s ejou o aparecimento da

idéia de

obra

de

arte negativa.

Fugindo

ao nos so

escopo

e

competência,

a

matéria

e s t á ,

por

tanto, aberta à di scus s ão . Renato Russo e

s ua L eg i ão

Urbana fo

ram, em no s s o pas s ado recente, exemplos do que nos ref e rimos ?

A hipótese da supressão da

idéia

de obra de

arte

negativa estar se

concretizando

é provocativa. Sugere-nos,

po r é m ,

uma outra, a de

que, talvez, possamos estar assistindo

a uma

nova mudança na

relação entre os

vários

meios de expressão. O

resultado do

pro

gresso

da

indústria

da

cultura

bem

poderia

ser

o

surgimento

de

uma nova oposição no seio da produção cultural: uma

oposição

entre bons e

maus

produtos, entre

uma arte média

integrada e ,

outra, emancipatória,

que,

como

vi m o s, já chegou

a

pensar Die -

t e r Pro kop.

A circunstância dessa

oposição ser vivida

no

âmbito de

uma

indústria cultural que perpassa

todos os

momentos

da vida

e de

que o consumo de bons

pr odut o s po r

s i s ó não

leva

a um mundo

melhor - representa apenas um de seus s i n a i s , constitui razão

su

f i c i e n t e , po r é m , para não

nos

i ludi rm os s o br e

s e u

sentido e con

s e r var m o s

uma

atitude

c r í t i c a

diante de

s eu

processo de emer

gência. Atualmente, a reivindicação

de

um conteúdo crítico e an-

t i t é t i c o

propende

a

cair no

vazio:

vendo

mais de

perto, s eu

im

pulso

se insere

e

conserva num

contexto

mais amplo que , go st e

mos ou não, trabalha pela

s ua

neutralização.4

Importa notar, po r é m , que,   para Adorno, a arte não

é

um

bem m or al ape nas porque as

pessoas

se

divert em

com

e l a , ou

porque de la t ir am prazer ou excitação: ela

é

t a l coisa porque é

um meio

de

sustentação

do

sujeito e , portanto,

do e l e m e n t o

espi-

H e i n z S t e i n e r t d i s c u t e

o

p r o b l e m a

d e

m a n e i ra m u it o i n f o r m a d a ,

r e s p o n s á v e l

e e sc l ar e

c i d a

e m

C u l t u r e

I n d u s t r y ,

o p .

c i t . ,

p .

8 7- 9 8 ; 1 1 1 - 1 1 3 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 3

r i t u a l [do homem] . Destarte,

acontece

hoje

de

os indivíduos se

encontrarem emocionalmente ligados não apenas ao s produtos,

mas

ao s

próprios

esquemas

da

indústria

cultural.

A

referida

i n

dústria engendrou

uma

situação

em que exonerar-se dela s i g n i f i

ca renunciar

a

uma forma

líquida e

certa

de satisfação de

deter

minadas necessidades

subjetivas

imediatas.5

Entretanto,

o reconhecimento desse fato também não deveria

nos fazer fechar os olhos para os antagonismos

estéticos

que, não

parando de se manifestar, questionam desde dentro a pretensa

i n

tegração

das

esferas

da

arte

séria

e

da

arte

bárbara,

recolocam o

problema de s ua reconciliação e expõem o caráter de ideologia

da própria indústria cultural.

4 WITKIN, R . Adorno o n

p o p u l a r

c u l t u r e , o p . c i t . , p . 1 1 .

5 0 ADORNO, T .   D e m o c r a t i c l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l a t i o n [ 1 9 5 0 ] . I n : Gesam

m e l t e

S c h r i f t e n

[ v .

2 0 ] .

F r a n k f u r t :

S u h r k a m p ,

1 9 8 6 ,

p .

2 7 1 .

Page 168: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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5

Culturae

ideologia:

ovéutecnológico

.A.dorno argumenta

que a transformação

da

cultura

em

merca

doria é resultado de um

processo

histórico por

meio do

qual a

criação intelectual, a r t í s t i c a e l i t e r á r i a

passou

a servir

de

campo

para a acumulação do capital.

Através

dele, o público burguês e

as

massas

urbanas

se

tornaram

mercados

das

empresas

de

comu

nicação. Os

formidáveis de s en vo lvi m en t o s provocados por

este

acontecimento

tiveram,

também, pr o fun do i m pact o

na

formação

de no s sa

subjetividade. A colonização das

atividades culturais

pela

racionalidade

mercantil modificou a maneira como as for

mações espirituais costumavam afetar e s s e

processo, determi

nando

uma

mudança estrutural no

significado

e

função

da ideo

logia

na

sociedade

contemporânea.

A

i n d ú s t r i a

da

cultura surgiu da tendência u t i l i t á r i a própria do ca

p i t a l . Desenvolveu-se s ob a s l e i s do mercado, que a obrigaram a

adaptar-se a

seus consumidores. Posteriormente, no entanto,

con-

verteu-se em i n s t â n c i a que encerra e consolida

a

consciência na

sua forma e x i s t e n t e , conservando o s t a t u s quo e s p i r i t u a l ( E s c r i t o s ,

P -

1 2 ) .

No

presente

capítulo,

em

r e su mo,

trata-se

de

reconstruir

as

principais

conexões estabelecidas entre e s s e processo e a figura

da ideologia,

através

da análise da maneira

como

o

e l e m e n t o tec

nológico des envolvido pe lo s is te ma de vida capitalista se articula

com

a criatividade

cultural da

sociedade.

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 6 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

5.1

Tecnicismo

e

reificação

Conforme

o b s e r v a

o

filósofo,

a

cultura

como

obra

de

arte to

t a l f o i um projeto

concebido

pelas vanguardas do

início

do sé

culo passado para

livrar

o homem da alienação. Desejava-se o re

torno a

uma arte imediata

e

que propiciasse uma

experiência

e n

riquecedora cotidiana,

emancipada

do s requisitos

u t i l i t á r i o s da

vida burguesa.

O racionalismo

mercantil que preside

a

indústria

cultural, por um desses paradoxos históricos, tornou e ss e proje to

viável

socialmente.

Destarte,

hoje,

ele

passou

a

fazer

parte

do

modo de vida de extensas

camadas

da população,

estando pre

sente desde a

maneira

como

o s i ndi ví duo s

procuram definir s ua

identidade até na condução dos conflitos internacionais.

O des en v ol v i m en to

das

forças

produtivas

e a

tendência do

capital a expandir-se

em direção à esfera

do espírito,

pouco a

pouco,

fizeram surgir um

novo modo

de integração

social das

massas.

Em

t e r m o s esquemáticos,

podemos

ve r no curso da h i s t ó r i a ,

com e f e i t o , a sucessão de pelo

menos

t r ê s for mas de integração

da consciência individual à forma dominante de estruturação da

sociedade.

Durante

a maior

parte do

t e mpo,

vigorou

a forma

mítica,

ba

seada na

existência

de estruturas comunitárias e reproduzida

através

de

r i t u a i s .

Predominava,

então,

um

estado

de

heterono-

mia

do corpo

e

alma do s u j e i t o . A

coletividade, conforme

simbo

lizada, era a fonte da autoridade. Na modernidade clássica, o

fundamento da vida social

deslocou-se

para o mercado,

enquanto

a integração da consciência transferiu-se, em parte,

para

a órbita

da ideologia. A

legitimação das

relações

de poder

e justificação

das cont radiçõe s

sociais

perdeu o cunho transcendente que

tinha

aos

olhos dos homens e pas s ou m ai s e mais a depender de

s ua

práxis histórica

imanente.

Posteriormente, po r é m , cultura

e

economia começaram

a

convergir em

virtude

dessa

mesma práxis,

e ns ejando o apareci

mento de uma

indústria cultural, que

se tornou o principal

meca

nismo

de

sujeição

no

mundo

c a p i t a l i s t a , sem que as massas ch e

guem

a

crer seriamente em seus agenciamentos, como

nota

bem

Adorno.

Page 171: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a

e

i d e o l o g i a :

o v é u

t e c n o l ó g i c o 16 7

Na modernidade avançada, as

estruturas

sociais e relações de

poder legítimas não se mantêm

mais

com base

na

ideologia. A

dominação social

paulatinamente

se

d i l u i

em

mecanismos

de

controle oriundos do próprio modo

de

produção.

As mercadorias

e

serviços que e l e produz vendem ou impõem

o

sistema

s o c i a l

como um

todo. As

comunicações

em massa e

os

meios de t r a n s p o r t e , a s mercadorias c a s a , alimento e roupa, a pr o

dução

i r r e s i s t í v e l

da i n d ú s t r i a de

diversões e

informação trazem

consigo a t i t u d e s

e

hábitos p r e s c r i t o s , c e r t a s reações i n t e l e c t u a i s

e

emocionais

que

prendem

os

consumidores

mais

ou

menos

agrada

velmente

aos

produtores e , através d e s t e s , ao

todo [da

sociedade].1

Atribui-se

a Adorno

o e n t endi m en t o de que

a

prática da

i n

dústria cultural

realiza um

trabalho ideológico

de lavagem

cere

bral nas

massas

e , assim, as mantém num estado de falsa

cons

ciência. O juízo

não

condiz

com

suas

idéias mais

originais.

Al

gumas ve ze s, o filósofo chegou a diz er que a

televisão

  contribui

para divulgar

ideologias

e

dirigir

de m ane ir a equivocada

a

cons

ciência

do s

es pectadores .2

As principais re fe rê ncias à mídia

como ideologia f e i t a s

pelo

autor, contudo, não se situam nesse

plano.

 A concessão

de

reconhecer que

os

filmes difundem

ideo

lo gias j á é ela mesma uma

ideologia

difundida

(Mínima

mora-

l i a , p . 177).

Segundo ele afirmou

de

maneira simplista,

as

formações

ideológicas

seriam

agora

criadas

pelas

organizações

articuladoras

da indústria cultural e , portanto, precisam ser vistas como efeito

dos produtos culturais sobre o público consumidor (Sociologia,

p .

1

1 6 ) . Noutras

vezes, o filósofo postulou, po r é m ,

que as

propo

sições

com que

os

homens se deparam

ao

interagir com os

ve í

culos

e bens culturais

lhes

s ã o p re paradas

pela estrutura

social,

muito antes delas serem formatadas e promovidas pelos meios de

comunicação

da

indústria

cultural e

que,

por

i s s o ,

não

s ó

não

s ão

estranhas à s ua consciência imediata como s ão objeto de reflexão

consciente

e , muitas vezes, de reflexão

o r de nada ( L i n guag e m ,

p .

78).

A solução do diferendo, se existe, precisaria ser buscada,

cremos,

na

hipótese por ele avançada

de

que,

embora

aconteça o

 

MARCUSE, H .

A

i d e o l o g i a

d a

s o c i e d a d e i n d u s t r i a l ,

p .

3 2 .

2

ADORNO,

T .

Educação

e

e m a n c i p a ç ã o ,

p .

7 7

e

80 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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16 8

F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

agenciamento ideológico supramencionado, a

figura

da ideologia

possui cada v e z

menos efetividade

na sociedade administrada.

As

comunicações

e a

indústria

da

cultura

não funcionam

com

ba

se

na

transmissão

de

ideologia, por

mais que

também a

agen

ciem, na medida em

que

  s ó se

pode

falar em ideologia quando

um produto espiritual surge do processo

social como algo aut ó

nomo,

substancial e dotado de legitimidade ( T e mas , p . 2 0 0 ) .

O conceito de

ideologia pressupõe

a crença

ou engajamento

em

certas

idé ias e

valores. As

relações

sociais que

têm

lugar no

â m b i t o

da

indústria

da

cultura

carecem

dessa

legitimidade:

não

s ão

motivo

de

crença

por parte de

seus participantes.

 A descon

fiança

[popular]

contra a cultura tradicional enquanto ideologia

mescla-se [agora] à

desconfiança

contra a

cultura industrializada

enquanto fraude

(Dialética,

p . 150).

Afirmou Adorno

que

Husserl

t e r i a

perguntado

como se

pode

ser idealista

sem

ideologia. Avançando,

t r a t a r - s e - í a , segundo o

primeiro,

de

perguntar

se

a

indústria

cultural

é

sinal

de uma

or

dem em que a ideologia parece abrir mão dos i d e a i s . A

pecu

liaridade dos mecanismos de integração contemporâneos talvez

provenha

do fato deles nã o f unci o nar e m com

base

na ideologia.

A sujeição pode se dar, sobretudo, através da compulsão social a

produzir mais e mais bens e

necessidades.

O princípio de

inte

gração que hoje se impõe residiria

na

própria forma da mercado

r i a

(Estética,

p .

2 6 5 ) .

Costuma-se

pensar que

a

mídia

tem

um caráter ideológico,

porque veicularia certos conteúdos. No enfoque em juízo não se

pas s a de s s a

maneira.

O conteúdo

significante

dos be ns culturais

é

cada

v e z

mais

um l a s t r o i n ú t i l . As

pessoas precisam

ser

rápi

das, se

qui s e r e m

aproveitar o momento que

e s s e s

articulam.

O

efeito disso é

que

o valor espiritual e sentido humano concreto

deles passam a contar cada v e z m e n o s . A verdadeira

mediação

entre sociedade e

indivíduo,

resumindo, não

se

dá através da fa

mília, nem

da

mídia, mas do

caráter

de fetiche da

produção

mer

cantil tecnológica.3

 As criaturas se

reconhecem em suas

mercadorias; encon

tram s ua alma

em

s eu automóvel, casa em patamares, utensílios

C a r t a

d e

Adorno

a

B e n j a m i n ,

5 / 6 / 3 5

( C o r r e s p o n d ê n c i a ,

p .

1 0 2 ) .

Page 173: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e

i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o

16 9

de cozinha . As

situações

em que

podem

exercer

s eu

poder de

compra e as coisas que podem adquirir tomaram-se m o t i v o s de

s eu

afeto

e paixão.

O

conteúdo

espiritual

das

mesmas,

seja

de

que ordem f o r , passou a ser secundário numa era em que a

mer

cadoria

converteu-se em mediação universal. Agora, a capacida

de de cálculo e a agilidade de raciocínio s ão tão importantes

quanto

a eventual gratificação sensorial ou satisfação

intelectual

obtida

por s eu

intermédio.

Aparent ement e,

portanto,

o

problema

da

ideologia se transfe

r i u

para

o

significado

que

os pr óprio s

m e i o s

técnicos

passam

a

t e r

na v ida das

pessoas: encontra-se cada

v e z mais

na relação

das

pessoas

com e s s e s

m e i os e nquant o

aspecto do

chamado

v é u

tec

nológico. Em síntese,

o ponto

significa

que o

caráter

ideológico

das

comunicações

surge

à medida

que

a

televisão,

a

música

e

ou

tros

bens transformaram-se eles mesmos em principal

conteúdo

da consciência: o capitalismo, em

s ua fase

mais

avançada,

repro-

duz - s e sub j e t i vam e nt e

através

do

consumo

de

mercadorias.5

Os

procedimentos tecnológicos

de

reprodução,

em

especial,

desenvolveram-se

de maneira independente

em relação

a s eu

conteúdo

e , assim, adquiriram uma autonomia para os seres hu

manos. Ao progresso

dos mesmos

corresponde

o desejo das pe s

soas

em não ficar

para t r á s ,

não

importa

o sentido imanent e

e a

possibilidade

de us o do

que

lhes

é oferecido. O

fetichismo

da

mercadoria tecnológica

e

s e u

corresponde

v elam e nt o da expe

riência resultam desse  fervor fascinado com que se consome

os

processos mais recentes e que   não conduz apenas a uma indife-

renciação

ao

que é

fornecido , porque

i s s o , inclusive, favorece

o

consumo do

  refugo [cultural] estacionário

e

da  idiotice

cal

culada (Minima moralia, p .

103).

4

MARCUSE,

H .

A

i d e o l o g i a

d a

s o c i e d a d e i n d u s t r i a l , p . 2 9 . P a r e c e - n o s e q u i v o c a d a a

t e s e d e

R e n a t o

O r t i z ,

s e g u n d o

a

q u a l

o e l e m e n t o s o c i a l d e m e d i a ç ã o d a m o d e r n i d a d e

a v a n ç a d a , n a E s c o l a d e F r a n k fu r t , é a t e c n o l o g i a ( A E s c o l a d e F r a n k f u r t e a q u e s t ã o

d a

c u l t u r a .

I n : R e v i s t a b r a s i l e i r a d e c i ê n c i a s s o c i a i s 1 ( 4 3 -6 5) 1 9 86 ,

p .

4 6 ) . C o n f o r

me o b s e r v o u A d o r n o ,

p r e c i s a m o s

e v i t a r a i d é i a d c q u e o s p r o b l e m a s a t u a i s s e devem à

  r a c i o n a l i d a d e t é c n i c a , p o r q u e e l e s s e

o r i g i n a m

menos

d a

t e c n o c i ê n c i a como t a l

d o

q u e d a   c o n s t e l a ç ã o q u e a v i n c u l a a o   p r i n c í p i o u n i v e r s a l d o v a l o r d e t r o c a ( L a

s o z i o l o g i a è u n a s c i e n z a d e l l ' u o m o ? I n : Umberto F a d i n i   o r g . ) : D e s i d e r i o d e v i t a .

M i l ã o : M i m e s i s ,

1 9 9 5 , p .

8 9

e 9 5 ) .

MARCUSE.

H .

C o n t r a - r e v o l u ç ã o

e

r e v o l t a .

R i o

d e

J a n e i r o :

Z a h a r .

1 9 7

1 ,

p .

3 2

e

87 .

Page 174: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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170

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

□ T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Conforme Adorno

chama

a atenção, contrariamente ao

su

posto

por

seus c r í t i c o s ,

a aparelhagem cultural moderna

lida com

uma

  audiência

desiludida,

alerta

e

d i f í c i l

de

convencer

(Indús

t r i a , p . 139). A

civilização

moderna não

fez

os

homens

senh ores

de sua vida. No entanto, tirou-os da

alienação.

A subjetivação da

razão tornou-os mais conscientes de s ua situação, e os avanços

no s meios de informação ampliaram seus conhecimentos . O e s

clarecimento desencantou os homens

e

o mundo, expulsando-os

do

  jardim mágico em que viviam,

para

usar

a

expre s são

de

Weber.

  Agora, o

sujeito conhece

a s i mesmo como algo objetivo,

algo

subtraído da

contingência de sua

mera

existência,

mas

este

conhecimento, que

é verdadeiro, é também

ao mesmo tempo

não-verdadeiro

[ao encobrir-lhe a

dependência

em

relação

à

coletividade]

(Prismas,

p . 164). Embora estejam cada v e z mais

enredados nos mecanismos da indústria cultural, os indivíduos,

em

s ua

maioria,

realmente

não

crêem

que

a l i

se

decida

s e u

desti

no .

Eles

vêem-se através

de seus produtos como os senh ores de

s i que de fato

o

são,

mas não como os

criadores em conjunto

da

situação

perturbadora que procuram

resolver por meio

desse

consumo.

Em

função

desse

conflito l a t e n t e , as

pessoas conser

vam

uma distância

para

com

e s s e s bens, deixando

pistas

para

su

por

que, no

fundo,  as m as s as não vêem e aceitam

h á

muito

tem

po

o

mundo

t a l

como

lhes

é

construído

pela

indústria cultural

(Indústria,

p . 91).

[Durante algum tempo,] fizemos,

todos n ó s , a

suposição de que,

a t é

certo ponto,

a i n d ú s t r i a da

c u l t u r a a t u a l ,

a

qual d e v e m o s a t r i

buir

todos os

poderes de integração

s o c i a l em sentido

amplo, r e a l

mente

condiciona,

conf or ma ou pelo m e n o s conserva os indivíduos

t a l

como

s ã o .

No e n t a n t o , nesta

afirmação s e

esconde

algo

r e a l

mente dogmático e não-comprovado. Se há algo

que aprendi

no

curso

do s

últimos

anos

é

que não

s e

pode

a t r i b u i r e s t a

identidade

entre

os

estímulos

e

e s t r u t u r a s

objetivas

que condicionam

os

i n d i

víduos

e a

sua

conduta.6

ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n a

l a

s o c i o l o g i a ,

p . 2 0 0 .

A h i p ó t e s e

r e m o n t a ,

p e l o

m e n o s ,

a o i n í c i o d o s a n o s 1 9 6 0 :

 A

t o t a l i d a d e c o n s t i t u i d i m e n s ã o q u e , p a r a n ã o p e r e c e r , n ã o

s o m e n t e

e x i g e s u a p r ó p r i a

mudança

c o m o ,

e m

v i r t u d e d e s u a e s s ê n c i a

a n t a g ó n i c a ,

c a -

Page 175: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o

v é u

t e c n o l ó g i c o 171

No e n t endi m en t o

do pensador, o movimento

da

indústria

cultural precisa

ser visto de

maneira

histórica e dialética,

obser-

vando-se

que somente

  s e

não

t i v e s s e m

sobrevivido

muitos

resí

duos

do

período

pré-monopolista que

estão em

desacordo com a

indústria da cultura

e

dos be ns de consumo, resíduos e s s e s que os

homens devem voltar a le var em conta, [ é que] estaria realizada

algum

tempo aquela situação de utopia negativa, sobre a

qual

ironizam com prazer

os

escritores que não

querem a

positiva .

Entretanto, acrescenta,  somente os interessados poderiam deixar

de

reconhecer

que

os

efeitos

subliminais

da

comunicação

de

massa como s i s t e ma abrangente, acumulados com o t e mpo, s ão

mui t o

f o r t e s :

sugerindo-o o bastante a paixão com que os j o v e n s

se deixam

prender

ao s

mass

media

(Escritos, p .

2 3 5 ) .

O

problema da

c r í t i c a à

indústria

cultural, por i s s o ,

consiste

em

saber porque,   a despeito

de toda

a

desconfiança

e

ambiva

lência

possíveis (Dissonâncias,

p . 5 3), as pessoas

se

deixam

prender

às

relações

culturais

da

indústria;

por

que

elas

mantêm

e s s e sistema, apesar da   saturação e apat ia que ele não pode de i

xar de produzir entre os consumidores (Dialética, p . 151).

Resumidamente, a

hipótese

adorniana é a de que a indústria

cultural constitui

uma

resposta à questão psíquica de como pode

r e s i s t i r o sujeito s ob

uma racionalidade

que,

em

defini ti vo, é i r

racional

do

ponto

de

vista da espontaneidade.

A televisão, o c i

nema, o rádio, a música e as

revistas

s ão componentes

de uma

  irr acionalidade manufaturada , através da qual as pe ss oas pro

curam   esquecer a frieza da sociedade l i b e r a l administrada,

u t i l i -

zando-se dos meios [técnicos] que e s sa s o ci edade co loca à s ua

disposição

(Cinema, p . 79).

Os indivíduos participam de s eu agenciamento porque e n

contram nesse

contexto

uma compensação estética para

os pre

juízos com que têm de arcar por viverem nesse contexto. O ho

mem medieval

era alienado; s eu s uce s sor

moderno

é

cético

e ra

cional. A transformação

em s u j e i t o , todavia, f o i

paga

com uma

crescente reificação da existência

e

racionalização da vida

inte

l e c t u a l . Os i ndi ví duo s s ão

cada

v e z menos enganados pelo dis

curso ideológico, mas não

têm

claro o que querem,

fora

dos

or-

r e c e d o p o d e r

n e c e s s á r i o

p a r a

o b t e r a p l e n a

i d e n t i d a d e co m

o s h o m e n s ,

q u e

t a n t o

c o m p r a z

à s

u t o p i a s

n e g a t i v a s

( V .

I n d i c a d o r e s ,

p .

4 1 ) .

Page 176: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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172

F r a n c i s c o

R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

denamentos estabelecidos.

O resultado

é o aparecimento de uma

espécie de

vontade de ilusão, o surgimento de

um

desejo pela

imagem

de

um

mundo

f e l i z

e

sorridente:

apenas

maquiados

é

que

aparecerá às mas sas o lado obscuro e problemático da existência.

Tornando-se

dependente

do s i s t e ma económico em grau

muito profundo, acontece agora

de

a

consciência

precisar ser de

negada. N i e t z sche já d i z i a :  A verdade não

é boa

para

todos .

Atualmente,

a

desintegração acelerada

do tecido social e as

muti

lações subjetivas passaram a r epr es e nt ar s it uaçõe s b as t ant e dolo

rosas.

Quem

sabe,

encontre-se

a í

o motivo

porque,

cada

v e z

mais,

os

homens

pr e f e r e m a mentira

à

verdade.

Modelada a t é

em

suas ramificações últimas pelo princípio da t r o c a ,

a vida s e esgota na reprodução de s i mesma, na reiteração

do

s i s

tema, cujas exigências

desabam

sobre os

indivíduos de

maneira t ã o

dura

e despótica

que e l e s não mais conseguem s u s t e n t a r - s e

como

donos

de sua

própria

v i d a ,

nem experimentá-las

como fazendo par

t e

de

sua

condição

humana

(Pseudocultura,

p .

250).

Conforme escreve

Adorno,

a

sociedade

de

troca

tecnológica

s ó

em aparência

é boa e promissora. Na

realidade,

 empurra os

indivíduos

em direção a

uma

massa

amorfa

e manejável que

os

absorv e

positivamente e ,

por

i s s o , cada um sente espanto frente a

ess e

processo,

e xp e r i m en tado

como inevitável, de ser absorvido

completamente. Os fenómenos de indústria cultural podem

ser

v i s t o s ,

portanto,

como

 uma

tentativa

do

s e ns or ium de

elaborar

uma espécie

de

pr o t e çã o altam e nt e sensitiva contra

a coletiviza-

ç ão

ameaçadora e

exercitar-se

para e l a , ainda

que

nessas

horas

à

primeira

vista

dedicadas

ao

tempo

l i v r e continue-se

s eu

adestra

mento

como mais

um membro

da

massa

(Mínima

moralia,

p .

89).

Caberia

não

perder de vista

que   a fábrica

de

s o nho s [capita

l i s t a ]

fabrica

os

nosso s

s o n ho s

de

consumo

e ,

ao mesmo

t e mpo,

introduz neles os s o n ho s [de lucro] dos fabricantes (Indústria,

p . 80). Na modernidade avançada, a dominação pessoal pratica

mente desapareceu, cedendo lugar

à

dependência

ao s

mecanis

mos

técnicos

e

funcionais,

cuja

pressão

é , todavia, cada

v e z

mais

consciente. A racionalização do s i s t e ma

de dominação leva-a a

ser exercida

de

maneira

anónima

e

pontual

na

empresa,

na

esco

l a ,

no

hospital

e

nos

serviços públicos.

Verifica-se,

portanto,

o

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a

e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o

173

surgimento de uma

dominação

dispersa, através

da qual

se man

tém a sujeição

dos seres

humanos

ao

s i s t e ma

de vida

c a p i t a l i s t a .

As

mercadorias

culturais

que

se consome

tão

avidamente

são,

ao

mesmo

t e mpo,

uma

cifra da precária situação

social das

massas e uma forma

de

tornar

aceitável

e s sa situação. A civiliza

ç ão

produz pessoas racionais que tendem a ser mais difíceis de

i l u d i r ,

mas por outro

lado

tendem a se

deixar

fetichizar pelos

produtos culturais

da

indústria.

Os

indivíduos

propendem

a

de

s envolver uma

atitude

exagerada

e irracional

para com os

eletro-

domésticos,

t ê n i s ,

automóvei s

e

outros

b e ns de

consumo;

espe

rando benefícios em demasia da música, da m e di ci na

e

do s com

putadores. A sociedade - em suma - não sabe

 onde se

encontra

o limiar de uma atitude racional

para

com [esses bens] e aquela

supervalorização (Sociologia, p . 42).

O

racionalismo é ,

assim,

causador de uma irracionalidade,

segundo

a

qual tudo tem solução

técnica e

com relação

à qual as

tendências

ao

misticismo

s ão

uma

reação

igualmente

irracional.

A tecnificação da vida produz uma

sensação

de clausura, engen

dr a uma

monotonia,

tédio

e vazio cuja expressão mais comum

s ão os de s ejos de

f u g i r , encontrar

alguma

forma

de escape

ou,

pelo menos, de se acomodar à paisagem. A socialização cada v e z

mais

cerrada

e intensa,

promovida

através

do

emprego

maciço

de

tecnologia maquinística em todas as esferas de

ação

s o c i a l , é ge

radora de uma

resistência

inconsciente, às v e z e s passiva, às v e

z e s

engajada,

contra a

civilização.

 A sociedade

de

classes não se

decompõe

sem deixar resíduos:

sempre

resta um resíduo de vida,

que não é reproduzido, que so b r evi ve na não-e quivalência .7

O

movimento responsável pelo

surgimento

de uma indústria

da cultura se insere nes s e contexto, causador de uma profunda

mudança

nos

padrões de socialização. As tecnologias de comu

nicação

s ão

sucedâneos

das

relações sociais mais

imediatas

que

os

homens

tendem

a perder e que,

enquanto

t a i s ,

os

impedem

de

sentirem-se abandonados totalmente. A

televisão e

os

aparelhos

de reprodução musical, por e x e m plo , constituem, antes de mais

nada,

m e i o s através

dos quais os

homens

tentam

criar

 uma apa

rência

de

proximidade humana em no s s a s o ci e dade (Mínima

moralia,

p .

180).

7

HORKHEIMER

e

ADORNO.

/

S e m i n a r i

d e l i a

S c u o l a

d i

F r a n c o f o r t e ,

p .

1

6 9 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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174

F r a n c i s c o

R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

A massificação levou ao fechamento

do

e u s obre s i mesmo

e

à promoção

do

int e re s s e egoísta,

tanto quanto

à no s sa abertura a

toda

a

espécie

de

estímulo

externo

que

possa

servir

de

sucedâneo

da coletividade

(Intervenções, p .

1 5 3-1 5 5 ) . As mercadorias cul

turais tecnológicas

s ão

a principal

mediação desse

processo,

co r

respondendo

a e s sa

concepção de

mundo

segundo

a

qual

se pode

construir

a

sociedade diretamente a p a r t i r da tecnologia maqui-

n í s t i c a . A tecnologia

e

o mercado, parece claro, andam juntos e ,

para

e s sa concepção, podem resolver todos

os

problemas da vida,

do

homem

e

da

h i s t ó r i a .

Conforme Adorno observa, vista mais de perto,8 e s sa con

cepção

é mais ideológica do que

todas as

outras anteriores. Em

primeiro lugar, porque mistifica o

fato

de que os

problemas

s o

ciais s ão criados

pelos homens

e , em

t e s e ,

s ó

eles

podem

elimi

ná-los, s o b

dadas

condições. A transferência das faculdades hu

manas da

praxis social

para a máquina

é

ideológica porque,

re

almente,

a

tecnologia

se

tornou

um

denominador

comum

em

to

das as e sfe ras

e ,

assim, permite

às pessoas cr e r e m que têm res

posta para

seus problemas,

mas também porque

e s sa

crença

é

f a l s a :

a

tecnologia não somente

serve a

interesses poderosos co

mo obedece

a

uma regularidade

cega e

irracional, que não

tem

e s s e poder

e encontra

s ua e x pr e s sã o  no medo onipr es e nt e e

l i

v r e m e n t e

flutuante (Sociologia, p . 74).

A transformação da tecnologia em

ideologia via máquina

significa

sobretudo, po r é m , uma

mudança

de sentido no conceito

dessa última, porque e s sa nova

crença

se reduz, cada

v e z

mais,

à

afirmação

do indivíduo e do

mundo pura

e

s i m pl e s m en t e

como

s ão em

no s sa sociedade.

Acontece, então, de os valore s

e

i d e i

as serem coisificados

nas

mercadorias culturais tecnológicas. Na

modernidade

t a r d i a , a confiança

social

no

valor

das idéias

e a

crença em

s ua realização cederam

lugar

ao realismo desencanta

do

e à descrença em

verdadeiros

i d e a i s .  Os

valores perderam

s ua

substância e   s ão cada

v e z

menos

motivo

de crença

pelo i n

divíduo (Indústria, p . 141).

Qualquer

que seja a espécie de influência

por

elas exercida,

as

telenovelas

e séries filmadas permitem-nos comprovar que

N o u t r o s

t e r m o s ,

c o n s i d e r a d a a p a r t i r d a

m e t a f í s i c a h u m a n i s t a

q u e , e m ú l t i m a i n s t â n

c i a ,

embasa

h i s t ó r i c a

e

r e f l e x i v a m e n t e

a

t e o r i a

c r í t i c a

d a

s o c i e d a d e .

Page 179: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 175

ainda hoje há  te ntativas de incutir nas

pessoas

uma falsa

cons

ciência

e

um ocultamento da realidade (Educação, p . 80). A

constatação

não

deveria

nos

fazer

fechar

os

olhos,

po r é m ,

para

as

condições

históricas em que

mais e mais

vem se

dando a

forma

ç ão da subjetividade na sociedade contemporânea.

A reprodução da ideologia dominante, se é que e s sa ainda se

reproduz, acontece

cada

v e z menos pelo reforço da crença em

certas

i d é i a s .

Os

valores se acham em avançado estado de er o são

e não fazem mais sentido onde não ensejam uma vivência imedi

a t a ,

em

função

da

própria

indústria

da

cultura.

As

práticas sociais

que se

tornaram ver

televisão ou

navegar

pela

net

foram fetichi-

zadas

e ,

segundo

parece,

possuem pouco

poder de formação

ideológica: enquanto extensão dos hábitos de consumo são, em s i

mesmas, a

ideologia, se assim

podemos

nos expressar em relação

a

e s sa matéria.

Aparentem ente, a autoconsciência

dos

contemporâneos r e j e i

tou

o

idealismo.

Os

homens

sabem

que

as idé ias

valem

muito

po uco . Re al me nt e , contam apenas os interesses, s eu e u

e

as

coi

sas tangíveis que podem

manipular de

maneira

objetiva. As

e s

truturas

ideológicas

que modelavam a consciência perderam o

caráter autónomo, passando

a se confundir com

a

cultura mate

r i a l . Entretanto,

po rque nã o acreditam

mais em i d é i a s ,   to rnou-se

cada

v e z

mais d i f í c i l persuadir as pessoas a colaborar (Dialéti-

ca, p . 135).

A sobrevivência no

interior

do s i s t e ma que a tudo abarca l e -

vou-as

a

r e nunciar a viver de acordo com s ua

aptidão e a

deixa

rem de procurar fazer o que fosse de s eu

go s to e inclinação. O

conformismo não significa, po r é m , que acreditem no sistema, na

medida em que

o modo

de ser da

vida

social se

tornou

transpa

rente. Os

fenómenos

ideológicos assumiram o contorno de um

v é u

tecnológico, porque se

por um

lado

os

homens aceitam a

m enti ra que se t ornou s ua vida, por outro conseguem enxergar

sem ilusões ess a realidade ( T e mas , p . 2 0 3 ) .

 Sabemos

que este programa é um lixo e pensamos que você

não vale

nada

po r

vê-lo,

mas

sabemos

também que você sabe

disso e , enfim, ambos sabemos que é tolo e pretensioso tentar a l

Page 180: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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176 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

go melhor : mais e mais, isso é algo que, ao invés de escondido,

é

deixado

muito

claro por boa parte da mídia, que assim

converte

a

consciência

c r í t i c a

espontânea,

ainda

que

resignada,

em

tema

criptomasoquista de en tr e t enim ento pervertido.

O

processo de posição da indústria

cultural faz

parte

desse

v é u

tecnológico: as mercadorias produzem um reencantamento

da realidade

e

uma aparência de imediaticidade que

valem como

efeito

ideológico.  O poderio social

que

os espectadores adoram

é

mais eficazmente

afirmado

na

onipresença do estereótipo im

posta

pela

técnica

do

que

nas

ideologias

rançosas

pelas

quais o s

conteúdos

e f ê m e r o s

devem

responder

(Dialética, p . 127).

O

ca

pitalismo

dissolveu

as

formações espirituais. A indústria da

cul

tura

é uma expressão do

agnosticismo desorientado

resultante

dessa

situação:

é

uma mediação através da

qual se

articula

a

consciência e a inconsciência

das

massas no capitalismo avançado.

Adorno

afirma várias

v e z e s que

o

principal

mecanismo em

que

se

baseia a

indústria

cultural

é

o da

identificação.

 Os

pro

gramas radiofónicos, os

shows

de

televisão e

os

filmes, sobretu

do, se caracterizam por mostrarem heróis, pessoas que de manei

ra positiva

ou negativa

r e s o l v e m seus

próprios

problemas. O es

pe ct ado r v ê a s i mesmo neles. Devido à

s ua

identificação com o

herói,

supõe

participar da suficiência que lh e f o i

negada

[na

s o

ciedade] .10

P e s qui s an do mai s a fundo, nota-se, po r é m , que e s sa i d e n t i f i

cação não tem verdadeiro significado psicológico.

O

relaciona

mento cotidiano com as fantasias é marcado, no

máximo,

pelo

esforço

de autodramatização. O público

s ó em poucos

casos

re

almente e s pe r a par a s i o que assiste na

mídia.

Embora jogue com

e s sa i d é i a , conserva

a

consciência de que se t r a t a sempre de uma

satisfação substituta e uma gratificação imaginária.

Em

última

9 STALLABRASS, J . G a r g a n t u a :

m a n u f a t u r e d mass c u l t u r e .

L o n d r e s : V e r s o , 1 9 9 6 ,

p .

2 0 2 - 2 0 4 . Conforme o b s e r v a bem o

a u t o r ,

a c e l e b r a ç ã o

d o

c i n i s m o e i r o n i a f e i t a p o r

c e r t o s p r o g r a m a s d e t e l e v i s ã o s i g n i f i c a um e s v a z i a m e n t o p r év i o d as c r í t i c a s q u e s e

l h e s p o d e

d i r i g i r ; i s t o

é , t r a t a - s e

d e

um

t r u q u e

c a f a j e s t e e d i v e r s i o n i s t a . q u e s e t o r n o u

i m p o r t a n t e e l e m e n t o d o e n t r e t e n i m e n t o .

P r o c e d e n d o

a s s i m ,

a c r e s c e n t a m o s ,

o s v e í

c u l o s , t o d a v i a ,

d e s t i l a m

s e u p ró p r io

a n t í d o t o

e ,

n o

l i m i t e ,

podem s e r um f a t o r d e s e n -

c a d e a d o r

d e r e a ç õ e s

c o n t r á r i a s

o u

mesmo o p o s i c i o n i s t a s a

a l g u m a s d e s u a s p r á t i c a s ,

e m b o r a n ã o a o s e u s i s t e m a .

1 0 ADORNO,

T .

B a j o

e l

s i g n o

d e

l o s

a s t r o s ,

p .

3 7.

Page 181: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u

t e c n o l ó g i c o

177

instância, as pr o m e s sa s f e i t a s pelas imagens têm

um

sentido

me

ram en t e mercadológico.

A

constante

repetição

do s

valores

convencionais

parece

s i g n i f i c a r

que esses valores perderam sua substância e s e t eme que a s pesso

a s

possam realmente

seguir seus impulsos

i n s t i n t i v o s

e

i n s i g h t s

conscientes, a m eno s que s e assegure de maneira

contínua

que não

o

f a r ã o . Quanto menos

a

mensagem

é

motivo de crença

e m e n o r

é

a sua harmonia com a existência r e a l do s espectadores, mais cate

goricamente e l a

é

mantida na

a t u a l cultura ( I n d ú s t r i a , p . 1 4 1 ) .

Na sociedade

de

troca

tecnológica,

o

característico

de

fato

não é a comunhão, mas   a incapacidade de identificação (Socio

logia,

p . 43). A

pretendida

identificação com

as

personagens e

condutas postas

em circulação pela

mídia, via

de regra,

é super

f i c i a l . Os sujeitos sabem que o que se passa nos

anúncios

não é

f a c t í v e l ,

mas

publicidade, e

que

os

romances

perfeitos

só e x i s t e m

nas t e l a s do cinema e

da

televisão.

A

conduta

pode

ser

comparada, em

síntese,

com aquela

que

tem lugar durante uma

s e s são

de hipnose:

trata-se

de uma

situa

ç ão

em que as pessoas se

deixam

lograr para

obter

certa

g r a t i f i

cação.

Os indivíduos conservam a

consciência de que

se

t r a t a de

um truque, que se

joga

com s ua anuência e que eles mesmos não

vão

fazer

nada

contra a s ua

vontade.

O superpoder s o c i a l

das

condições

materiais

de produção sobre os

indivíduos

é

t ã o

f o r t e ,

enquanto

a

eventualidade

de

auto-afirmar-se

é

t ã o

sem esperança, que e l e s

regridem e

s e assimilam ao i n e v i t á

v e l através

do

m i m e t i s m o

[consumista]

(Música,

p . 247).

A subjetividade e os co s tum e s s ão subme tidos a todo o tipo

de

manipulação

- e todos sabem disso, embora

não em toda

a s ua

extensão. As tecnologias produzem, através da máquina, uma

imediaticidade que tende

a ser tomada

pela realidade

mas,

ao

mesmo

t e mpo,

coloca

à

disposição

das pessoas

as

informações

com

as

quais elas pouco

a

pouco

v ão se

alertando

para s ua

oni-

presença. Os indivíduos

têm

consciência de que s ão alvo da pu

blicidade, embora sem saber

até

que ponto se tornaram

produto

dela,

assumindo

perante a mesma uma postura

de

reserva, sus

peita

ou

desconfiança. A complacência dos intelectuais

com

o

entretenimento

popular

se reflete nas massas,

visto que   a cons

Page 182: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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178 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

ciência dos consumidores está dividida entre o gracejo prescrito,

fornecido a eles pela indústria cultural, e uma dúvida mui to pou

co

escondida

s obre

seus

benefícios

(Indústria,

p .

89).

Conforme puderam observar pesquisas recentes, ratificadas

por

declarações

dos próprios gestores

do

ne gó ci o, o s

indivíduos

costumam a s s i s t i r

à

televisão porque

ela

está a í ,

porque

não

têm

outra alternativa. O tempo que passam à

s ua

frente é , muit as v e

zes, vivido com um certo pesar ou dissabor. A atividade é vista

como um

hábito

a que se entregam com excessiva complacência

  e

do

qual

não

conseguem extrair

um

s e nt im ent o de

autêntica

sa

tisfação .11

A formação de contrapúblicos pr e co ni z ada po r muitos inte

lectuais

progressistas

é um

processo

inscrito

nas

condições histó

ricas e sociais de

existência da indústria

cultural e ,

por i s s o , não

surpreende

que, nos últimos anos, a cultura da mídia venha dan

do lugar a personagens e situações cujo caráter

fraudulento

e h i

perbólico

não

lhes

permite

passar

por

modelos:

servem

apenas

para

que

o

público se

divirta

com alguma

paródia

de s i mesmo -

expediente que é ,

ele

mesmo, um dos princípios de conduta

do

minantes na atualidade.

O capítulo

s obre

a indústria cultural ainda

não havia

sido es

c r i t o , mas já se chamava a atenção para o

fato

de que

as

massas

possuem

uma

atitude  ambígua

para com

a manipulação . Em

bora

se divirtam com os bens

que

lhes s ão

oferecidos,

as pessoas

sabem

que

as

empresas

culturais

e veículos

de

informação

pas

sam

por

um

processo

de concentração económica, que afeta a

formação

da opinião pública. As

estratégias empregadas pelos

operadores

da

coisa se

choca,

portanto, com

um temor crescente

e

universal para com a

possibilidade

de que isso se traduza em

manipulação. Em r e su mo, trata-se

de

uma

atitude

que  começa

com a

resistência

às vendas

e

t er m ina

na

crença

semiconsciente

de que nenhuma palavra

dita

em público tem s e nt ido o bj e t iv o ou

mesmo

expr e s sa as

convicções

privadas

do indivíduo .1

1 JH

ALY, S . Os

c ó d i g o s d a

p u b l i c i d a d e , p .

2 3 2 - 2 4 1   I s l e i d e

F o n t e n e l l e

d i s c u t e o p o n t o

n a c o n c l u s ã o

d e s e u e s t u d o s o b r e a

c a d e i a d e f a s t - f o o d

M c D o n a l d ' s . C f .

O

nome d a

m a r c a , C a m p i n a s : B o i t e m p o , 2 0 0 2 , e s p . 3 0 2 - 3 0 4 .

1 2

ADORNO, T .   T h e p s y ch ol o gi c a l t e ch ni q ue o f

M ar t i n L ut h e r

R a d i o A d r e s s e s

[

1 9 4 3 ] .

I n :

Gesammelte

S c h r i f t e n

[ v .

9 . 1 ] .

F r a n k f u r t :

S u h r k a m p ,

1 9 7 5 ,

p .

1 5 .

Page 183: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a :

o v é u t e c n o l ó g i c o

179

Segundo Adorno,

a

explicação para tanto

deve

ser buscada

no processo civilizador moderno, que

en s ejou

o surgimento de

uma

consciência

dividida. O

homem

é esclarecido

e

supersticio

s o ,

zeloso

de

s ua privacidade

e disposto a

se

deixar

espionar, or

gulhoso de

ser

individualista

e

curioso com o que ocorre com os

outros. Atualmente,

as

pessoas ao mesmo tempo se distraem

e

conservam

uma postura r e a l i s t a

diante do mundo.   Po r

um

lado,

os

indivíduos obedecem

aos mecanismos de

personalização,

t a l

como s ão dirigidos pela indústria cultural; mas por outro [ . . . ]

sa

bem

que

isso

não

é

o

importante .13

A

corroboração

da

hipótese,

sugerida bastante cedo,

surgiu

ao longo de diversas pesquisas

conduzidas

pela

equipe do Instituto de Pesquisa

Social.

Desde

o i n í c i o , os críticos da indústria da

cultura

advertiram

que os estudos

de

conteúdo  proporcionam [relativamente

aos

efeitos] formulações cuja validez somente pode e deve ser defi

nida pesquisando [o

receptor] .14

A postulação dos

efeitos pe

culiares

de

um

bem

cultural

supunha

a

superação

  das

análises

de conteúdo mais antigas, que neces s ariam ent e par tiam demasia

do da intenção dos filmes, não considerando suficientemente a

am pl it ude de variação e nt re es ta

e

o

efeito

(Sociologia, p . 102).

Resumidamente,

entendiam

que  quaisquer que

sejam

as reações

dos espectadores frente

à televisão

a t u a l ,

essas

s ó poderiam

ser

estabelecidas ostensivamente mediante uma investigação mais

detalhada... com os espectadores (Intervenções, p .

69), embora

não

fosse

e s s e o

foco

do

programa

de

pesquisa que propuseram

com s ua disciplina.

A

pretendida

identidade

entre indústria cultural e

indústria

da consciência (Sociologia, p . 70 )

é

válida, desde que se esteja

ciente

de

que

esta

fórmula é falsa e verdadeira.

É

verdadeira e

falsa

ao

mesmo tempo

porque,

embora a

experiência

individual

seja esquematizada pelo processo, jamais se produz uma t o t a l fu

s ão

entre

ele

e a

consciência

do

indivíduo.

Portanto

  a

identidade

de

ambas não

está tão acima

de

toda e qualquer

dúvida como

imagina o intelectual c r í t i c o ,

enquanto

ele fica do lado da produ

ção, sem examinar empiricamente o lado da recepção (Sociolo

gia,

p .

106).

1 3

ADORNO,

T .

I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 2 0 0 .

M

ADORNO.

T .

B a j o

e l

s i g n o

d e

l o s a st ro s ,

p .

1

5 .

Page 184: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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1 80 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r Adorno e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Os

consumidores

de be ns

culturais

oscilam, do

pont o de vis

t a

da

construção

de

s eu conceito,

e nt re le var a

sério

e levar, co

mo

s e

d i z ,

na

brincadeira

os produtos,

s e ja m

filmes

ou

discos,

com

que

se deparam,

flutuando,

portanto,

entre a

compenetração

consequente e

a distração distanciada.

A

subjetividade parece

ser

geradora de excedentes em relação

à satisfação

das

necessidades.

O

s i s t e ma da indústria

cultural,

embora

procure

entretê-la, toda

via

não pode ou ainda não logrou apropriar-se de suas

fontes.15

Adorno concluíra

inicialmente

que

os

homens e a

indústria

se

ajustam

entre

s i ,

mas

cabe

duvidar

dessa

equação,

que

não

e x

pressa

s e u último

pont o de vista s obre a

matéria.

Observações

f e i t a s

ao acaso haviam sugerido que

os leitores das

colunas de

horóscopo

dos

jornais relutam em levá-las

a

sério e adotam uma

atitude

irónica

para com

s eu

hábito de l e i t u r a . Noutros t er m o s,

eles

 as aceitam com

o

que poderia definir-se de r e s er va m e ntal,

um

certo

jogueteio, que

consiste

em reconhecer com indulgência

a

irracionalidade

básica

da

astrologia

e

a

aberração

em

que

eles

mesmos incorrem

ao procurá-la .16

O

estudo s obre a recepção da

cobertura

que

a m ídia

alemã

deu às festas nupciais de figuras da n obr e za

européia,

entre ou

t r o s ,

demonstrou que

diversas

pessoas

 observavam

uma conduta

realista

e

avaliavam com

sentido

crítico a

transcendência

política

e

social

do aconte cime nto . O trabalho comprovou a idéia de que

 as

pessoas consomem

e

aceitam realmente o que indústria cultu

r a l

lhes

propõe durante

o

tempo

l i v r e , mas com uma espécie

de

reserva, s e melhante àquela com que mesmo os mais ingênuos

negam a realidade

dos

episódios

fornecidos

pelo teatro e

pelo

c i

nema .17

1 5 ADORNO, T . D i a l e c t i c a n e g a t i v a . M a d r i : T a u r u s , 1 9 7 1 ,

p .

9 6 .

1 6

ADORNO,

T .

B a j o

e l

s i g n o

d e

lo s a s t r o s ,

p .

3 0 .

1 7 Conforme

p e r m i t e m

c o n c l u i r p e s q u i s a s m a i s r e c e n t e s , a s

m a s s a s menos

f a v o r e c i d a s

cobram

d a

m í d i a o

f a t o d e l a , s o b r e t u d o e m shows e

f i c ç ã o , n ã o

s e r r e a l

- s e

p o r um

l a d o

i s s o

m o s t r a

q u e e l a s

a i n d a

querem t e r uma

r e l a ç ã o

co m o

mundo c o n c r e t o , p o r

o u t r o

m o s t r a

q u e e l a s t ê m c o n s c i ê n c i a d o i r r e a l i s m o d a m a i o r p a r t e d a s c o m u n i c a ç õ e s

  c f . J u l i a n S t a l l a b r a s s : G a r g a n t u a , o p. c i t . , p . 2 1 0 ) . Adorno s u g e r e , p o r é m , q u e o

t r a -

j e t o

o p o s t o também o c o r r e : e s t u d o s

l e v a d o s

a

c a b o

p e l o a u t o r m o s t r a r a m q u e

p r o g r a

mas r a d i o f ó n i c o s c o n c e b i d o s co m s e r i e d a d e e r a m o u p r e di s pu n ha m - s e a s e r

c o n s u m i

d o s , n a m e l h o r d a s h i p ó t e s e s , como e n t r e t e n i m e n t o p e l a m a i o r

p a r t e

d a a u d i ê n c i a   C f .

  S o c i a l c r i t i q u e o f r a d i o m u s i c e   A n a l y t i c a l S t u d y o f NBC M u s i c A p p r e c i a t i o n

H o u r ) .

Page 185: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C ul tu ra e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 18 1

A pesquisa social c r í t i c a mais recente tende a

concluir

que,

excetuando-se a recusa em consumir certos produtos,   nada na

recepção

[ das t e le no ve las ]

contradiz

seriamente

ou,

de

algum

modo, questiona as idéias e

intenções dos

produtores

dos pro

gramas

e

as

  abordagens [dos

mesmos]

sugeridas

[aos

telespec

tadores]

pela mídia

impressa . As leituras aberrantes

ou subver

sivas que escapam ao s modelos endossados pelas comunicações

s ão irrelevantes; ou

então

não o são:

convergem com

o emprego

mercadológico da ironia e do distanciamento para

com

os

bens

de

consumo

agenciado

v ia indús t ria

cultural.

Os

entrevistados

originários das

camadas

trabalhadoras tendem a ve r de maneira

mais realista o que lhes é apresentado mas, embora emocional

mente intensas

para

e l e s , as

situações

por eles presenciadas s ão

claramente definidas como expr e s sõ e s de um

modo

de vida es

tranho ao s eu e que como t a i s

não lhes

serve de

parâme tro

exis

t e n c i a l . 1 8

O

verdadeiro

ponto a notar com

relação

ao tópico

s e r i a , po

r é m ,

observar

a tendência, que

agora sabemos não

ser nova,

de o

púb lico das mais variadas classes,

em

consonância

com

a situa

ç ão supracitada, fazer

uma

leitura

irónica

do material com que se

defronta. As

pessoas adultas não têm r e a l

respeito pelo

que con

somem

via indústria

cultural. Os magazines de variedades

e

os

programas de televisão não s ão vistos como algo importante,

mas meios de preencher uma

pausa no s afazeres

ou

de relaxar

sem compromisso, depois do cumprimento das o br ig aç õe s coti-

dianas.

A significação do us o cotidiano da mídia t e m de s e r buscada

sobretudo nas r o t i n a s que o

sustenta

e cujo sentido em t ermos de

experiência pode

s e r ,

por

exemplo,

reafirmar um

prazer

inomi

nável

ao

invés de um evento emancipatório

[como

pretendem

c e r t o s investigadores pós-modernistas].19

O consumo de

bens

culturais é ,

em

geral,

um

passatempo

temporário e

fugidio,

que em s i mesmo não deixa traços durá

veis,

por

maior que t enha

sido s ua intensidade

como fonte de

sensação e conhecimento . As experiências por ele ensejadas va-

1 8 GRISPRUD,

J . T h e

D i n a s t y

y e a r s ,

p .

1 6 0 - 1 6 2 .

1 9

HERMES,

J .

R e a d i n g

women

  s

m a g a z i n e s . O x f o r d :

P o l i t y ,

1 9 9 7 ,

p .

1 4 8 .

Page 186: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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18 2 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

riam

de

p e s s oa para

pessoa,

mas tendem

a ser limitadas

em pro

porção

e a

ficar no

plano da

vivência

imediata. O fato

não

quer

dizer,

note-se,

que

e s sa

prática

seja

nula

e

não

t enha

um

sentido:

e s s e

existe e

deve

ser

procurado, mas

num plano mais abrangente

(o

da estruturação da

sociedade). A conclusão

que

nos

permite t i

r a r , po r é m ,

é

a

de que

s eu

alcance é

r e s t r i t o

e seus sujeitos não

s ão

marionetes

nas

mãos

dos

que comandam a prática da indús

t r i a cultural.

Em função disso, precisamos considerar com toda a s eri eda

de

a h ipó te s e

de

que

a

integração

sistêmica,

sempre

parcial,

não

quer dizer integração ideológica do indivíduo.

O caráter

simula

do

dessa

última mas , ao

mesmo t e mpo, a pressão material da

primeira,

da

qual quem

quer

sobreviver

não

pode f u g i r , sugerem

que o processo como um todo tem um aspecto ideológico.

Nou

t r a s

palavras, significa

que, apesar

dele:

Os i n t e r e s s e s r e a i s do indivíduo conservam s u f i c i e n t e poder

para

r e s i s t i r ,

dentro

de

c e r t o s

l i m i t e s ,

a

seu

t o t a l

aprisionamento. [Note-

s e

de

r e s t o que] e s t e f a t o e s t a r i a

de

acordo com o prognóstico so

c i a l segundo

o

qual uma sociedade cujas contradições

fundamen

t a i s permanecessem

i n a l t e r a d a s tampouco poderia

i n t e g r a r - s e

t o

talmente na consciência (Indicadores, p . 62-63).

Vendo bem, as formações ideológicas que circulam social

mente

através

das mercadorias da indústria não s ão de maneira

necessária

a

de

seus

clientes.

Atualmente,

a

tendência

é

se

rom

perem

os

vínculos espirituais entre o indivíduo e

a

sociedade. De

todo

modo,

a lembrança desse

e nt e ndi me nt o , po r

s i só, deveria

nos pór

em guarda e

questionar

o s j uí z os segundo

os

quais, nes sa

linha de

análise,

construiu-se

uma

visão

impositiva

da cultura

de

massa, que reduz as comunicações

a

 um processo unidirecional

direto de manipulação cultural do s co ns um ido r e s . 0

No

modo

de

ver

adorniano,

as

comunicações

de

massa

refor

çam

as

exigências

que a sociedade

coloca

a cada indivíduo

para

ela poder

funcionar

e

para

que este funcione

conforme

ela

neces

s i t a .

No

entanto, para que

seja assim, precisam

coadunar-se com

suas inclinações. As comunicações raramente t ransmit em algo

: 0

SWINGEWOOD,

A . O m i t o d a c u l t u r a d e m a s s a , p . 7 1 . Swingewood r e v i s o u

p a r t e

d o s

j u í z o s

e m it id o s n e s sa

o b r a

s o b r e a

E s c o l a d e

F r a n k f u r t

cm

C u l t u r a l

t h e o r y

and

t h e

p r o b l e m

o f m o d e r n i t y

(Nova

Y o r k :

S t .

M a r t i n ' s

P r e s s ,

1 9 9 8 ,

p .

3 7 - 5 2 ) .

Page 187: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e

i d e o l o g i a :

o v é u

t e c n o l ó g i c o

18 3

que

seus clientes

não tenham

aprendido

antes em s ua vida coti-

diana.

 A indústria

não impõe ao s

homens o que

des ejam : ela

  não

poderia

fazer

com

que

comprassem

os

bens

que

produz

se

eles não os quis e s s e m (Indicadores, p . 57). Apesar de podermos

discutir

até

que ponto

s ão

a r t i f i c i a i s ,

as

mercadorias culturais

s ão

produtos

da

praxis humana

que

estão baseadas

mais na explora

ç ão do que

na

negação das aspirações e desejos do indivíduo.

Levando

em

co nt a t udo i s s o , precisamos

r e l a t i v i z a r ,

por ou

t r o lado, a

afirmação segundo

a qual

o indivíduo precisa

ser

conscien t izado para

se

emancipar da

influência

da

indústria cul

t u r a l .

As pessoas

não s ão criaturas

passivas,

manipuladas pelos

meios de co muni caç ão . Conforme v e r e m o s , submeteram-se ao

fetichismo

da

mercadoria

cultural

tecnológica

porque

elas pró

prias foram se ajustando, ativamente, às condições

de

vida

surgi

das, através

de

s ua própria práxis, com o capitalismo.

Horkheimer e Adorno sempre chamaram a atenção para o fa

to

de

que

a

reflexão

por

s i

s ó

pode

servir

tanto

à

liberdade

quanto

à dominação. O indivíduo e sclarecido s ó pode se emancipar com

a sociedade e , po r i s s o ,

eles

atentavam para o risco

deste

indiví

duo, existente enquanto idéia

e

ideologia, embora

 criti camente

consciente, ainda permanecer

teleguiado de

uma det erminada

maneira em s eu comportamento, não sendo, em s ua aparente

e -

mancipação,

autónomo

no sentido que

se imaginava

nos primór

dios

da Ilustração . 1

Escreve

Deborah Cook que, segundo os frankfurtianos,   s e a

consciência não fosse despertada de

alguma

maneira, não

seria

possível

questionar

efetivamente

as

condições

sociais,

económi

cas e políticas fvigentes

na

atualidade] . A proposição precisa

ser nuançada porque, como eles

deixaram

entrever

várias

v e z e s e

a autora soube perceber,

na

realidade os indivíduos já se encon

tram ne s sa condição. O esclarecimento

tornou-os

todos adultos, e

a

mídia

ajudou

bastante

nesse

processo.

At ualm e nt e , o

homem

adapta-se

às condições

dadas

em

nome

do realismo . 23

2 1

ADORNO, T . Educação e

e m a n c i p a ç ã o , p .

1 8 4 - 1 8 5 . C f . P e t e r S l o t e r d j i k : C r í t i c a d e

l a

r a z ó n c í n i c a . M a d r i : T a u r u s ,

1 9 8 8 .

  COOK, D . T h e

c u l t u r e

i n d u s t r y r e v i s i t e d , p . 1 0 0 .

a

HORKHEIMER,

M.

 

ADORNO,

T .

Temas

b á s i c o s

d a

s o c i o l o g i a ,

p .

2 0 3 .

Page 188: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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1 8 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

O problema não

se explica

recorrendo

ao

conceito

de domi

nação

ideológica. A

transformação da realidade esbarra em nu

m e r o sa s

forças

contrárias

mas,

também,

no

fato

de

que

os

ho

mens até certo ponto querem ser enganados. A mediocridade es

p i r i t u a l

e a

po br e za de idéias presente na maior parte da

cultura

de mercado depende de uma constelação de interesses à qual não

é estranha a vontade das massas.

 Na

visão

de

Horkheimer

e

Adorno, o

des en v ol v i m en to da

indústria cultural

é

uma parte int ríns eca

do processo

de cresci

mento

da

racionalização

e

reificação

nas

sociedades

modernas,

um processo que t orna o s indivíduos cada v e z menos capazes de

pensamento independente

e sempre mais dependent e s

do s pro

cessos

sociais

sobre

os quais eles

possuem

pouco ou nenhum

controle .

Entretanto,

isso

não quer

dizer

que

a

indústria da

cul

tura   ocasionou

a

incorporação do s indivíduos

numa

totalidade

social racionalizada e reificada; frustou

sua

imaginação, extin

guiu

s e u

potencial

revolucionário

e

tornou-os

v ulne r áv e is à

ma

nipulação por

ditadores e

demagogos .

Na verdade,

a

prática da indústria cultural não tem e s s e po

der, limitando-se a t ornar moral

pública

uma conduta que

nasce

da

coação do sistema:

momento dele, ela apenas  confirma-os e

consolida-os na crença,

carente de verdadeira f é ,

em s ua própria

existê ncia .25

Os

indivíduos

respondem ao apelo dos be ns de consumo por

que s ua

práxis

perdeu o sentido produtivo e degenerou em uma

série de pseudo-atividades.

A experiência

do mundo favorece

cada

v e z

mais

a

procura

de diversões que os afastem

de suas

vidas. Destarte, conduzem-se como herdeiros da atitude burguesa

perante a arte e segundo a qual

  o

que me agrada

pode

ser mau,

fraude

fabricada,

para

alguém

deitar poeira nos olhos , mas

tam

bém algo de que necessito e , por

i s s o ,

uma fraude da qual  não

gostaria que me l e m b ras s e m , da mesma forma que não go s to

que me peçam   esforço e que me contrariem no

[m eu]

tempo l i

vre (Estética,

p .

3 4 3 ) .

Nas mercadorias culturais da

indústria,

os consumidores por

certo não v ão encontrar

a

felicidade, mas podem obter um a n t í -

 

THOMPSON, J .

B .

I d e o l o g i a e c u l t u r a m o d e r n a , p . 1 3 4 .

2 5

ADORNO,

T .

 

HORKHEIMER,

M.

Temas

b á s i c o s

da

s o c i o l o g i a ,

p .

2 0 3 .

Page 189: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u

t e c n o l ó g i c o

18 5

doto

contra

a s ua

infelicidade:  Não h á nenhum desfrute ou

pra

z er r e a l

apenas

a

liberação

do s en ti m ento

individual

de desprazer

e

a

extração

de

uma

satisfação

regressiva

com

o

fato

de

se

s ub

mergir

o e u

em um

[sucedâneo] de

comunidade .26 Kracauer não

ent endeu o problema corretamente. A pretensa realização dos de

sejos promovida pelos bens culturais não

é

s enão a

felicidade r e

sultante

do fato

de

saber e nf i m

que não

se é

f e l i z , embora, em t e

s e , se pudesse s e r ,

partindo

da

hipótese

de que a vivência dos c i

t ado s praz e r e s -

na verdade

- está bloqueada pela maneira como

s e e s t rutura

a

sociedade.27

Conforme afirma Adorno,  a sobrevivência da sociedade

e -

xistente [tornou-se] incompatível com a consciência de s i mes

ma

e e s s e

f a t o ,

se assim se

pode

dizer, é a s ua ideologia (Estéti

ca,

p .

3 4 3 ) . A

população sabe -em número cada

v e z maior

- que

as corporações transnacionais e os conglomerados

multimídia

detêm mais

e

mais poder, controlam

a economia e

conduzem

a

política

mundial.

As

adversidades

da

vida

não

s ó

passaram

a

ser

reconhecidas

de

maneira

imanente

mas, agora, s ão

enfrentadas

de m ane ir a

r e a l i s t a : todas as ilusões v ão se desvanecendo, à me

dida que avança o progresso tecnológico. O pr og re s s o das condi

ções materiais

de vida não quer dizer

que

a vida tornou- se menos

dura

para amplas camadas da população,

e o conhecimento de

que várias delas

mal

conseguem

sobreviver em

v árias par te s do

mundo grava a consciência global criada pelas telecomunica

ções.

Falando

em

linhas

gerais,

a subordinação do i ndi ví duo à e s

trutura social é o padrão dominante da civilização. Atualmente,

ela

perdeu

a aparência pessoal. Os indivíduos s ão até

certo

ponto

mais

l i v r e s .

Entretanto,

isso não quer dizer que

o

referido

padrão

desapareceu. O esclarecimento lhes trouxe maior clarividência, e

e s s a

lhes permite enxergar a rede de dependências em que

estão

enquadrados.

 Em

repetidas

ocasiões

as

pessoas

chegam

mesmo

a declarar

que

s ão s im ple s peões [jogados no tabuleiro] , salien

tando a

dificuldade de

e scapar das

 incessantes

exigências e

pro-

2

ADORNO, T .   T h e

p s y c h o l o g i c a l

t e c h n i q u e

o f

M a r ti n L u th e r R a d i o

A d r e s s e s ,

p .

1 8 .

2 7 ADORNO, T . Q u a s i

u n a

f a n t a s i a , p . 5 5 . C f. S i e g f r i e d K r a c a u e r : De C a l i g a r i

a H i

t l e r .

R i o

d e

J a n e i r o :

Z a ha r , 1 9 88 ,

p .

2 7 .

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18 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

vas requeridas

por uma sociedade regida po r

uma ordem mercan

t i l e

burocrática .

8

Para

Adorno,

o

fundamento

antropológico

em

que

se

baseia

a indústria cultural é

não

apenas a dificuldade psicológica e

mo

r a l em conviver

com e s s e fato sem paliativos,

mas

-

principal

mente - o desejo dos

homens

enganarem

a s i

mesmos acerca de

s ua situação. Trata-se de um desejo e s t i m ulado de maneira s e m i -

consciente pelas suas circunstâncias de existência. Os indivíduos

têm consciência do que

lhes

acontece. Entretanto,

desejam

crer

no

cont rário, a

despeito

de s sa

consciência.

Na

modernidade

avançada, o conformismo

se traduz

pois

em

cinismo bem

infor

mado.  A

indignação

com os

escândalos [transmitidos

pela mí

dia] na maioria dos casos

consiste

em uma racionalização su

p e r f i c i a l ; realmente o [público] r e t i r a algum

prazer

da estória .29

Aparentem ente, a característica dominante da subjetividade

atual é a falsa consciência

esclarecida,

como diz

Peter

Sloterdijk.

Os

valores

se

tornam

mais

e

mais

transparentes

como

e m bu s t e s ,

perdendo s ua eventual validade. Os indivíduos têm consciência

da precariedade

de

s ua existência

e

da

mentira que se tornou a

vida social

em

s ua

totalidade.

Contudo,

em

s eu

tempo l i v r e pre

f e r e m se ocupar com

a

fantasia oposta, apropriada

po r

meio da

procura

e consumo

de

entretenimento.

Destarte, podemos supor

que

o

indivíduo continuará consumindo as mercadorias da indús

t r i a enquanto e s t a s , explorando seus sentidos com estímulos

esté

t i c o s , oferecerem-lhe

os meios

para

esquecer

das

adversidades

deste mundo e de

s eu e st ado

de angústia diante da mentira que

ele s e

tornou,

enquanto elas conservarem um maior atrativo do

que o trabalhoso

processo de

desenvolver a experiência

individual.

5 . 2

Esquematismo

e

mercantilização

Para Adorno,

 as

tendências societárias essenciais... não

atuam de

maneira

uniforme, segundo a amostragem estatística da

população, mas de acordo com os interesses m ai s po de ro so s

e a

eficácia da ação

do s

que

fabricam

a opinião

pública

( T e mas , p .

2 8 ADORNO, T .

B a j o

e l s i g n o

d e

l o s a s t r o s , p . 1 1 4 - 1 1 5 .

ADORNO,

T .

  T h e

p sy c ho l og ic al t e ch n iq u e o f

M a r t i n L u th e r

R a d i o

A d r e s s e s ,

p .

6 8 .

Page 191: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a

e

i d e o l o g i a : o

v é u

t e c n o l ó g i c o 18 7

125).

As

comunicações expressam

as

relações de

força

vigentes

entre os

grupos sociais e a maneira como

cada um

deles logra fa

z er

us o

de

seus

recursos,

s ab endo -s e de

antemão

que,

hoje,

as

tendências

que

se impõem s ão as

ditadas

pelo c a p i t a l . Os promo

tores

da indústria

cultural

afirmam que dão às massas o que as

massas

querem: trata-se

de

um enunciado ideológico, pois se é

certo que o processo

conta

com o

apoio

das m as s as , ocorre que

as

demandas

dessa últ ima s ó tendem a ser

atendidas

quando po

dem dar lucro ao s

produtores.

A

pergunta

que

fica

é

pois

a

de

saber

por

que

as

massas

se

voltam

para

o consumo? Adorno deu

s ua

resposta

ainda nos

anos

30. A procura

pelos

bens

de

consumo se explica porque é s obre

tudo at rav é s de le s que as massas

compensam

as rotinas cotidia-

nas

que

têm

de

cumprir e

se

h ab ili t am a satisfazer

s ua subjetivi-

dade. As mercadorias culturais não s ão impostas de cima para

baixo:   representam uma tentativa

f ú t i l e

compulsiva de

evit ar a

perda

de

experiência

implícita

nos

modernos

modos

de

produção

e

de

escapar

da dominação da equivalência

abstrata, através

da

concreção [ e s p i r i t u a l ] obtida pes soalment e (self-made)

(Pris

mas, p . 85).

O

fundamento

  da poderosa indústria

da diversão, que cada

v e z

mais c r i a ,

satisfaz e

reproduz novas

necessi dades , por con

seguinte,

deve ser buscado

na

necessidade social

de

 re generar

as energias para o trabalho que as massas consumiram no a l i e

nante

processo de produção

(Cinema,

p .

1 3 ) . O consumo

de va

lores estéticos constitui antes de m ai s nada um meio de restaurar

os danos causados

pelo

processo

de trabalho,

a despeito

da

t en

dência a e s s e consumo converter-se em sentido do crescente

tempo l i v r e que,

desejando ou não,

as

pessoas estão

destinadas a

t e r no capitalismo avançado.

A

população

e s t á

preenchendo

suas

horas com

trabalho

simulado,

uma atividade f i c c i o n a l , cujos gestos apontam e zombam da f a l t a

de

trabalho

no

mundo r e a l . . . As centenas de jogos perdidos

ou

abandonados

à

medida em que são completados, que seus heróis

morrem ou caem no limbo

d i g i t a l ,

fazem e co ao

destino

de milhões

Page 192: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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18 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r

□ T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

de indivíduos que s e perdem no vasto jogo

promovido

pelo capi

t a l . 3 0

Simmel

f o i

o

primeiro,

parece,

a

ver

que

o

modo

de

vida

ur

bano e mercantil gera uma contínua agitação e s p i r i t u a l , marcada

pela pressa infindável, a multiplicação de contatos, a mecaniza

ç ão

da co ndut a e o fluxo de no v idade s despejado pelos

serviços

de

comunicação.

Nasce a í o desejo

moderno

de, ve z por

outra,

repousar na

calma

do gozo passivo e

no

desfrute do

l i v r e

j og o da

imaginação.

Adorno viu

em

s eguim en to

que,

na

produção

e con

sumo

dos be ns

culturais,

h á

uma

forma

de

lidar

com

e s sa

brutali

dade civilizada, na medida em que ambos, produção e consumo,

podem

ser vist os como uma forma de   r e laxam e n t o o rgan i zado

dos

cos tum e s (Dialética,

p . 132).

Em última instância, o desígnio

secreto dessas

práticas é , po

rém, ocupar e treinar a

mente

para servir

o sistema.

O sentido do

manejo

dos

órgãos e nervos, ao mesmo tempo superexcitados e

extenuados,

é

s a c i a r ,

ao

menos

momentaneamente,

as

faculdades

anímicas

e

corporais

com

estímulos diferenciados

o

bastante

pa

r a , mediante sua contrapo si ção concentrada, estabelecer a

recep

t iv idade e de s frut e

de

sensações e experiências, engendrar a mai

or

soma

possível

de interesse

e

prazeres.

A pretensão de que é por meio da indústria cultural que se

instalam socialmente fenómenos vazios ou irracionais é f a l s a : o

s i s t e ma

em

que

ela

se

t r an s fo r mo u r e po usa

menos

na

renúncia

do

que na

deformação de objetivos racionais ou razoáveis. O pro

cesso

é necessário, sobretudo, para a

reprodução

da no s sa capa

cidade de trabalhar e

consumir

 em um mundo que prepara os

homens para a reprodução dessa capacidade e constrange suas

necessidades

a se adequarem ao s

interesses

de suprimento e co n

t r o l e social [dominantes] (Prismas,

p . 109-1

1 0 ) .

Dificilmente

suportar-se-ia

sem

algo

para

mitigá-la

a

compreensão

[ e x i s t e n t e e n t r e o homem moderno] de que há uma dependência

cada

vez

maior:

s e os homens a

admitissem abertamente,

mal

po

deriam aguentar umas circunstâncias cuja mudança não s e coloca

1 0

STALLABRASS,

J .

G a r g a n t u a :

m a n u f a t u r e d

mass

c u l t u r e ,

p .

1 0 1 - 1 0 2 .

Page 193: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e i d e o l o g i a : o v é u t e c n o l ó g i c o 18 9

como objetivamente

possível

e para

a s quais não

sentem

possuir

a

devidas forças p s í q u i c a s . 3 1

Em

segundo

lugar,

as

mercadorias

culturais

precisam

ser

vis

t a s como

veículos de pseudo-individualização, porque

consti

tuem   o

cânone

dos padrõe s de conduta produzidos

sinteticamente (Indústria,

p .

78). O capitalismo

cada

ve z

mais

separa e individua as pessoas mas , ao mesmo

t e mpo,

as priva das

condições para cultivarem s ua personalidade. A procura de bens

simbólicos,

o

t e s t e

de modelos

e a montagem

de um

e s t i l o

de

vida

pessoal

através

deles

significam

uma

maneira

de

empregar

os recursos subjetivos

disponíveis e subtrair-se,

ao menos

parcialmente, da homogeneização da consciência promovida

pelas

rotinas

da

vida civilizada.

[ O co ns um o]

canaliza

aquele

í mpe to de

s e

e s t a r

presente

[ a s i

mesmo e aos outros] que, de outro modo, a t a c a r i a de forma i n d i s

criminada,

anárquica, como promiscuidade

ou

agressão selvagem,

a

c o l e t i v i d a d e ,

que,

no

entanto,

não

s e c o n s t i t u i

de

outras

pessoas

senão aquelas que

estão

neste caminho ( M í n i ma moralia,

p .

1 2 2 ) .

Finalmente,

a

prática da indústria cultural deve

ser

vista co

mo um

fator de e squematização da subjetividade. As mercado

r i a s culturais da indústria possibilitam às pessoas disporem de

um mecanismo de defesa perante

a fragmentação

da realidade

e

sublimarem a progressiva pe r da de sentido da

experiência.

[Na

modernidade

t a r d i a , ]

a experiência, a continuidade da

cons

c i ê n c i a , na qual perdura o não-presente e

na

qual o

exercício

e a

associação fundam uma

tradição

no indivíduo s i n g u l a r ,

é

s u b s t i t u í

da po r

um

estado informativo pontual - desvalido,

fungível

e efê

m e r o - sempre p r e s t e s a s e r apagado por outras informações no

i n s t a n t e

s e g u i n t e : no lugar do temps

durée,

conexão de um viver

em s i a t é certo ponto uníssono que des emboca em um j u í z o , colo-

ca-se

um

é

i s t o

sem

julgamento

(Pseudocultura,

p .

260).

Significa que,

hoje

em d i a ,

a fragmentação

da

experiência

produzida pelo

modo de

produção e as

relações

de

troca

é

reuni

ficada

(ideologicamente) através

da

mercadoria. Os

programas

de

televisão,

as histórias em quadrinhos, a música popular

basei-

1 1

ADORNO. T .   S u p e r s t i c i o n d e s e g u n d a

mano

I n : HORKHEIMER e

ADORNO,

S o c i o l ó g i c a ,

p .

2 1 7 ) .

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190 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

am-se

em fórmulas, técnicas

e

conceitos que permitem às

pe s

soas

e x e rci tar e m- s e nas vivências que

lhes

exige o sistema. As

sim,

os

sujeitos

dividem

seus

sentimentos

e

conservam

a comu

nicação

no

contexto de

uma sociedade que leva

seus

integrantes

a uma

desintegração moral cada

v e z

maior,

visto ser

aquela mais

e

mais

estruturada pela forma

mercadoria.

Como não pode oferecer o que , pe la própria condição, lh e

escapa

(uma solução

concreta),

a produção cultural

da indústria

procura levar às pessoas uma espécie de alívio permanente, pre

dicando

o

constante

consumo

do

que

ela

mesma

não

faz

s e n ã o

pór no mercado.

Segundo Kant,

o

indivíduo

possui em

s ua

alma um

meca

nismo

secreto

que

prepara

as sensações imediatas

de modo

a

se

ajustarem

ao s e u s is t e ma de pensamento. A multiplicidade da

experiência sensível precisa ser ordenada pelo sujeito - para fa

z er

sentido

-

através

de

um

processo

misterioso, que

o filósofo

chamou

de

e s qu e mat i s m o ,

em

s ua

Crítica

da

Razão

Pura.

Theodor

Adorno ent endeu que hoje e s s e segredo está deci

frado: a fragmentação da experiência produzida pela técnica de

vida moderna é a base do conceito filosófico

de

multiplicidade

sensível,

e o

sentido que se

costuma lh e

dar, um

subproduto

do s

esquemas

veiculados pelos bens

culturais

da indústria.

A percepção sensível

e a

consciência moral das

pessoas

e n

volvidas com

a economia

de

mercado e o

modo

de

produção

ca

p i t a l i s t a s ão

cada

v e z

mais

fragmentadas. Os indivíduos

encon-

tram-se

cada

v e z

mais

atomizados e sujeitos a shocks,

que os

ameaçam com o

caos

e s p i r i t u a l .

 O

esquematismo é o primeiro

serviço que

a

indústria

cultu

r a l

presta ao s clientes , referindo-se à

maneira

como as mercado

r i a s culturais tecnológicas, enquanto expressam certas relações

sociais,

sintetizam

os

dados da experiência

em

no s s a s o ci e dade

(Dialética,

117-118).

Atualmente,

a

presunção de possuir uma visão

pessoal das

coisas tende a ser um fator de perturbação. A experiência indivi

dual tende a ser nivelada,

na

medida em que o capital r e t i r a do

sujeito a

capacidade de

intermediar a

relação

entre a vida e o

sentido. O emprego de esquemas não s ó permit e que a vida se

torne mais f á c i l mas,

ainda,

que

se

di s po nh a de uma orientação

Page 195: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e

i d e o l o g i a :

o v é u t e c n o l ó g i c o 191

mais rápida

e

liberta da fadiga que imporia

a

compreensão das

complicadas relações criadas com

a e ra

da técnica

e

em que

se

sustenta

no s sa

civilização.

As

mercadorias culturais

podem ser v i s t a s , por

i s s o ,

como

  fantasias produzidas de maneira

esquemática

(Mínima mora-

l i a ,

p .

177):

elas

s int et iz am o s materiais estéticos

e

intelectuais

existentes para seus consumidores. O resultado do cuidado com

que se

procura cativar

o

consumidor, poupando-lhe o desgaste

psíquico,

é

o surgimento de uma série de e s que mas ,

através

dos

quais

as

mercadorias

estruturam

e

mediatizam

a

subjetividade

do

homem cont e m p o r â n e o .

Os

programas de auditório,

paradas

de sucesso, cade r no s de

variedades, talk-shows, revistas de moda e outros v e ículos

da

i n

dústria

cultural

de hoje em dia descendem das distrações que se

podiam

encontrar

nas pr im ei ras feiras l i v r e s m as , di ve r s am e nt e

do

circo,

do

music hall

e do

teatro de r e v i s t a , que sucederam,

ca-

racterizam-se

não

s ó

t r a t a r

o

público

 com

os

últimos

métodos

da

psicotécnica e

da

propaganda

mas

[estarem], eles

mesmos, cons

truídos com critérios propagandísticos .32

O

princípio mais importante em que e s s e s

veículos

se ba

seiam, em poucas

palavras,

é o do e f e i t o : o cálculo do s meios pa

ra obter uma resposta positiva (consumo) por parte do mercado.

Os

produtos precisam

ser

vendáveis e ,

assim, s ão feitos

antes de

mais

nada para

se adequar

à

expectativa

dos

consumidores. Nos

últimos

anos,

as empresas

culturais não

passaram

por nenhuma

democratização: aconteceu

apenas que

  a

tendência

para integrar

cada

v e z mais o público

à

produção encontrou uma

saída lógica

na

incorporação

ativa

de s s e púb li co [ . . . ] como

criador

de

um pe

daço do texto [dito interativo das comunicações ] .3 3

As mercadorias culturais,

realmente,

funcionam como se fos

sem um

t e s t e

sociopsicológico: modelos

e estímulos

de possíveis

projeções,

desejos

e

condutas

sociais. A

exploração

da

procura

por

satisfação e s t é t i c a ,

embora imediata, não é ,

porém, mecânica.

As

empresas culturais

por certo t entam controlar

a demanda,

ca

nalizá-la

em determinadas

direções,

mas

não podem

t e r certeza

a

respeito

do

que

é que vai t e r

sucesso.

Os modelos

com que se

3 2 ADORNO,

T . F i l o s o f i a d a

n o v a m ú s i c a ,

p .

9 3 .

1 3

MATTELART,

A .

O

c a r n a v a l

d a s

i m a g e n s .

S ã o

P a u l o :

B r a s i l i e n s e ,

1 9 8 9 ,

p .

1 7 7 .

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192

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

pode contar podem t e r

saído

de moda,

mas

esse não é

o principal

problema.

Os cálculos estéticos, po r definição, raramente s ão

eficientes

e ,

por

i s s o ,

a

própria

eficácia

dos

produtos

pode

ser

avaliada

po r

dados como

o

volume de

vendas

e

o

fluxo de con

sumo.

As necessidades subjetivas não e x i s t e m previamente, for-

mando-se de

fato através

da interação com oferta

e

os

mecanis

mos de publicidade (Estética, p . 272 ) .

O processo,

todavia, não

tem sentido único.

As

estratégias de produção

s ão

fixadas através

de

um

agenciamento

seletivo,

submetendo-se

os

bens

ao

t e s t e do

mercado. As pesquisas de mercado servem apenas de indicação,

na medida em

que

o próprio gosto

está sempre

mudando, de

acordo com as tendências que cria a sociedade. O cálculo da rea-

ç ão estética

é

sempre

estimativo,

sujeitando-se necessariamente

à

experimentação (idem, p .

296).

Os produtores reúnem em um

programa ou produto um pouco

dos

diversos e l e m e n t o s que, em

t e s e ,

pe rm i t e m -l h e

agregar

o

máximo

de

consumidores,

mas

o

efeito concreto da

composição depende de variáveis

que eles

não

controlam.

As mercadorias culturais aparecem num contexto de

forte

compe ti çã o e , portanto, precisam possuir traços que as diferen

ciem. A preocupação que se tem para que sejam vendidas em es

cala de massa

também

exige,

po r é m ,

que

não se

diferenciem

e x

cessivamente. A prática da indústria cultural requer que os pro

dutos possam ser distinguidos

de t odos os

outros

mas , ao

mesmo

t e mpo, carreguem marcas dos

modelos

que foram ou estão sendo

bem-sucedidos. Os produtos colocados no mercado precisam ser

originais, sem contudo exigir muito e s fo rç o ps í quico dos consu

midores. Os esquemas

s ão

resultado dessa situação paradoxal,

tanto quant o f or m as

através das quais

se

leva

a cabo

s ua

promo

ç ão

mercadológica, que, como

todavia

notado, não transforma

os

produtos em

sucesso automaticamente.

O

processo em

foco, note-se

contudo, precisa ser visto

de

maneira dialética: por um lado,

a

concentração económica em

larga escala favorece a e squemat i zação , t o r nando -a imperativa

por razões comerciais, como rotinizar

a

feitura dos bens, f a c i l i t a r

o

consumo e

não desagradar os clientes; por outro, e s s e s

esque

mas respondem a ce rt as demandas do público, como poupar as

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C ul t ur a e

i d e o l o g i a :

o v é u

t e c n o l ó g i c o

193

energias

psíquicas

e

dispor de meios para

enfrentar as

tendências

ao caos cognitivo

em

curso

na

no s sa época.

As

estratégias

de

personalização

de

que

a

indústria

lança

mão, por e x e m plo , não se deixam reduzir à mera técnica de mar

keting. O esquema

funciona como

t a l porque

permite

às pessoas

 pr e s e r var e m um pouco da

espontaneidade

da

experiência,

a t r i

buindo

a

seres humanos vínculos (sociais) anónimos que não s ó

escapam à compreensão daqueles que não aceitam teorias como,

devido

à s ua t e r r í v e l

f r i e z a , não

s ão

toleráveis pela

consciência

(Literatura

I I ,

p .

2 4 3 ) .

As mercadorias s ão esquematizadas com princípios promo

cionais (glamourização, serialização, personalização, etc) que

sublimam tendências de gostos oriundos das próprias massas, as

convenções estéticas, fórmulas sensíveis e

platitudes

l i t e r á r i a s às

quais

elas se acostumaram e que, com o passar do t e mpo, foram

se

tornando uma segunda natureza, não importa o quant o s e j am

relativas

do

ponto

de

vista

histórico.

Destarte,

conviria observar que

os

esquemas não

s ão impos

tos

às

pessoas. Na

realidade, eles

s ão i mp o s t o s ao s produtos

pela

sociedade.

Provindos de necessidades

concretas, os

esquemas

não somente sublimam esteticamente certas relações sociais co

mo v ar iam de acordo com o

contexto cultural e

momento h i s t ó r i

co.

Benjamin

nos fornece um bom exemplo do assunto em s eu

ensaio

sobre Paris no tempo de

Baudelaire. Conforme

relata o

autor, os

t e m o r e s

pelo convívio

com estranhos que

a experiência

urbana causou

às pessoas

nos

primeiros

tempos da

era

burguesa

provocou o surgimento de uma peculiar l i t e r a t u r a de variedades.

O propósito das chamadas

fisiologias

era assegurar

que

qualquer

um seria

capaz de,

sem

ser perturbado, decifrar a

profissão, o

ca-

r á t e r , a origem e o modo de

vida

das pe ss oas com que tinha de

cruzar

pelas

ruas

das

grandes

cidades.

Entretanto, os esquemas que

desenhou

não

tiveram

vida lon

ga, s e ndo pouco a pouco suplantados pelos romances policiais,

cuja

origem

pode ser buscada nas

histórias de detetive

escritas

por Edgar Allan Poe.  Os pequenos calmantes que os

fisiologis

t a s

preparavam

passaram a

valer nada ,

a

p a r t i r

do

momento em

que  a concorr ência económica cada

ve z

mais aguda

levou

cada

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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194 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

um a afirmar seus interesses individuais . O conhecimento preci

s o desses interesses tornou-se bem mais

ú t i l do

que o da

suposta

essência

das pe s s oas

e ,

para dar

co nt a de s s a

nova

forma

de

reagir

ao ritmo da v i da ur bana, o romance policial acabou parecendo

melhor aparelhado.34

Segundo

Adorno,

entre

os principais

esquemas em

que

se

baseia

a

prática

da indústria cultural podem-se contar

os

seguin

t e s :

1 . Padronização -

O

procedimento refere-se

às

fórmulas

e

estru

turas

formais,

variáveis

conforme

a

época,

em

que

se

baseiam

os

conteúdos singulares das mercadorias. Os produtos s ão criados

de modo que espelhem uma norma ou padrão similar a de todos

os

outros do mesmo

gênero.  Desde o

começo do

filme

se sa

be

como ele termina, quem é

recompensado, e ,

ao

escutar

a

sica l i g e i r a , o

ouvido

treinado é perf ei tam ente capaz, desde os

primeiros compassos,

de

adivinhar o d e s e n v o l v i m e n t o do

tema

e

sente-se

f e l i z

quando ele

tem

lugar

como

previsto

(Dialética,

p .

118).

2 . Pseudo-individuação

-

As

mercadorias precisam

ser

padroni

zadas mas, ao mesmo t e mpo,

diferentes

entre e l a s , para

serem

vendidas no mercado. O

princípio

da pseudo-individuação refe

re-se às

marcas que o produto

cultural procura

t e r

para

poder se

distinguir

e competir

com os demais, apesar de possuir igual t r i

vialidade. A

padronização das

mercadorias da

indústria

costuma

ser escamoteada

por uma fachada de estímulos diferenciados. A

performance tangível,

o

detalhe

técnico

e os efeitos

especiais

s ão

alguns meios através dos

quais

se   quebra s ua rigidez.

3 . Glamourização - O esquema faz e co às práticas

de

promoção

que

constituem o próprio núcleo da indústria

cultural

e r e m e t e

ao s

expedientes

que procuram

dar

relevância

às

mercadorias,

conferindo

inclusive ao s seus aspectos

mais

banais a

co ndi ç ão de

grandes espetáculos. Na m ús ica, po r e x e m plo , significa aquelas

passagens que

parecem comunicar

a

atitude

agora vamos apre-

, 4 BENJAMIN, W.

 A

P a r i s

d o

I I

I m p é r i o

e m B a u d e l a i r e . I n :

- S o c i o l o g i a

( O r g . d e

F l á v i o

K o t h e ) . S ã o

P a u l o : Á t i c a , 1 9 8 5 , p . 6 5 - 8 2 . C f. S i e g f r i e d K r a c a u e r : L e romam

p o l i c i e r . P a r i s : P a y o t ,

1 9 7 1 . D a v i d F r i s b y :

  K r a c au e r a n d t h e

d e t e c t i v e n o v e l . I n :

T h e o r y ,

c u l t u r e

and

s oc ie ty 2

( 1 - 2 2 )

1 9 9 2 .

Page 199: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a e

i d e o l o g i a : o

v é u

t e c n o l ó g i c o

195

sentar

e ,

nos

filmes,

o e ncant o ou

atrativo adquirido

por

uma

simples refeição caseira ou rotina profissional.

4 .

Hibridização

-

Os

conteúdos

estéticos

dos be ns

culturais

da

indústria não s ó tendem a mesclar diversos gêneros como

costu

mam ser

distribuídos de m ane ir a mais ou

menos fungível,

vindo

a

formar uma espécie de coletânea, que os

faz desfilar

diante de

nós como se

e s t i v é s s e m o s em um show

de variedades. Nas t e l e

novelas, por e x e m plo , podem ser v i s t a s , lado a lado, convenções

e s t i l í s t i c a s extraídas de uma

vasta

gama de

gêneros,

desde o c i

nema

policial

e

o

teatro

de

revista

até

o

formato

noticioso

e

o

v i -

deoclipe.

5 . Esportização - As mercadorias s ão

esquematizadas

formal

mente

de

modo que suas

partes pareçam

ser ou fazer parte

de

um e v en t o esportivo. Nos filmes, por

exemplo,

as sequências

de

ação s ão

montadas

de modo a parecer que s ua

duração

pode

ser

cronometrada

e , nas coreografias musicais, as performances s ão

determinadas por regras

arbitrariamente estabelecidas.

6 . Aproximação - O consumo das mercadorias estimula o surgi

mento

da sensação

e squemática e ilusória de

que,

por

meio

delas,

se pode não apenas acessar de forma imediata, mas apoderar-se

da m ane ir a que

se

desejar da

essência

dos fenómenos sociais. A

televisão enseja a fantasia e squemática de

que

se pode possuir

qualquer

coisa,

mesmo

as

mais

distantes,

apenas

clicando

em

a l

guns

botões.

7 .

Personalização - os esquemas tratam os as pe ct os objetivos

do s conteúdos como se

não

pa s sa s s e m de problemas humanos e

individuais, associam os fat os às pessoas, promovendo uma curi

osidade para com os indivíduos, ao invés

do

e n t endi m en t o do

material. Na televisão, por e x e m plo ,

conflitos políticos

e

postu

ras

ideológicas

s ão

retratados

s o b

a

forma

de

conflitos

psicológi

co s e manifestações de caráter das pe s s oas

envolvidas

(Indústria,

p . 148-149).

8 .

E s t e r e o t ipag e m

-

As

mercadorias

s ão construídas através

de

procedimentos simplificadores,

que

funcionalizam o significado

e reduzem a complexidade contidas

no material

sujeito à a t i v i

Page 200: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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196 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

dade artística e intelectual, como se

constata,

por exemplo, na

elaboração de e nr e do s e construção de

personagens.

Aparent ement e, o esquema

de

fundo em que todos e s s e s

ca

sos tendem

mais

ou

menos

a

se encaixar

consiste, por

hipótese,

na fó rm ula dramática descrita uma v e z por uma dona-de-casa

como getting

into trouble and

out ofit

( m e t er - s e em

complicação

e s a i r dela) , já

que

ela   abrange

toda

a cultura

de

massa, desde o

mais cretino women's serial até a obra mais bem executada

(Dialética,

p .

1 42-1 4 3 ) . 3 5

Conforme

veremos na seguinte seção,

i sso estaria

de

acordo

com

a

tendência,

que

se

verifica

na

prática

da

indústria

cultural,

dela fornecer uma espécie de articulação

ao s mecanismos de sujeição estabelecidos no â m b i t o do capita

lismo avançado.

Entretanto,

referindo-o, não se pretende afirmar

que ele seja o

único

ou que as mercadorias culturais s e jam me

ramente

agenciamentos

de

e s qu e mat i s m o s .

A

matéria está aberta

à pesquisa e , também, à fortuna

que

lhe

reserva

o

movimento

concreto

da

indústria

cultural.

Visualizados

numa perspectiva de conjunto, pode-se afirmar,

po r é m , que os esquemas vêm a constituir uma espécie

de estrutu

ra

articuladora do fetichismo de mercadoria, na medida em que

procuram vesti-la de modo

a

fazê-la parecer que

tem

um

poder

guardado dentro de s i e

que,

e ss e pode r, é o de satisfazer inte

gralmente todas as

nossas

necessidades. Surgidos da prática da

indústria

cultural,

eles

delineiam

o

caráter

de

fetiche

dos

bens

mercantis, colaborando para

que

as relações do sujeito vi vo com

as coisas e os outros s e ja m

escondidas

desse sujeito e transplan

tadas

para o

corpo

morto dos bens de consumo. Os esquemas

têm

em comum, portanto, o propósito de representar as vanta

gens de cada mercadoria

como  uma revelação

que fosse

alterar

o curso inteiro de uma vida , encobrindo ao mesmo tempo o fato

de,

na

verdade,

cada

uma

delas

constituir

uma

coisa

menor,

 que

não faz r e a l diferença [para a vida das pessoas] .3 6

1 5 C f . ALAIN EHRENBERG: L e

c u l t e

d e l a p e r f o r m a n c e . P a r i s : C a l m a n n - L é v y ,

1 9 9 1 .

  HORKHEIMER, M.

E c l i p s e

d a r a z ã o , p .

1

1 0 .

C f .

B a r b a r a K l i n g e r :

  C o m m o d i f i c a -

t i o n a n d r e c e p t i o n i n m a s s c u l t u r e . I n : J a m e s

N a r e m o r c

J . ;

P a t r i c k B r a n t l i n g e r

  o r g s . ) : M o d e r n i t y and mass c u l t u r e . B l o o m i n g t o n   I N ) :

I nd ia na U n iv e rs it y P r e s s .

1 9 9 1 .

B e r n a r d

Gendron d i s c u t e co m

p r o p r i e d a d e , a i n d a

q u e

d e m a n e i r a

i n d i r e t a , o s

p r o b l e m a s

c o n t i d o s

n a c o n s t r u ç ã o

e

emprego

d o

c o n c e i t o

d e e s q u e m a ,

c o n f o r m e

e l a -

Page 201: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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C u l t u r a

e

i d e o l o g i a : o

v é u

t e c n o l ó g i c o 197

As mercadorias

que os

agenciam representam

uma

forma de

as pessoas se exercitarem nas situações e rotinas a elas impostas

pelo

modo

de

vida

c a p i t a l i s t a :

trabalhando com

materiais

sensí

v e i s , que remetem à totalidade

em

que as pessoas se i n s e r e m sem

consciência,

veiculam-se

nelas

os

princípios

estéticos com que

as

massas podem estruturar

para

s i

os problemas e tendências cria

dos por e s s e sistema.

Conforme o b s e r va Fredric Ja m e s o n, continuador da

explora

ç ão

teórica

dessa perspectiva em chave mais detalhada, os ele

mentos que

chamamos nesta

s e ç ã o

de

esquemas

fornecem

um

mínimo

de

orientação

com

a qual

as

pessoas

podem

se

guiar pe

los meandros do s i s t e ma mundial

globalizado depois

do fim

da

cosmologia. As mercadorias culturais são, em alguns casos, por

isso

tudo,

 f or mas no vas e

peculiares de realismo

( ou pelo

me

nos, de mimese

da

realidade), ao mesmo tempo em que podem

igualmente

ser analisadas como parte dos di ve r s os e s fo rç os

para

distrair-nos

e

desviar-nos

da

realidade

ou

encobrir

suas

contradi

ções, resolvendo-as em aparência, através de

diferentes

mistifi

cações

formais .37

Em

conclusão,

obs ervaríamos que

as

práticas de indústria

cultural

não

s ão geradoras

da

situação espiritual por nós

viven-

ciada

atualmente.

Os esquemas

que

elas veiculam po s sue m , po

r é m , um

efeito de conjunto,

que

consiste

em

tecer

um véu

ou l e

vantar

barreiras

para

a

clara percepção de suas r a í z e s . Também

são, nes s e sentido,

e l e m e n t o s

limitadores de s ua

eventual supera

ção,

no caso de haver

forças

sociais capazes, em t e s e , de

mover

t a l

campanha. Os esquemas

em

que

se

baseia a

indústria cultural,

de

cunho

ao

mesmo

tempo

afetivo e

racional,

tendem

a estruturar

  os padrões

de

conduta do público antes mesmo dele se confron

t a r

com qualquer

conteúdo específico e

de uma

maneira

que

de -

b o r a d o

e m

n o s s o

e x c u r s o

  c f .

  T h e o d o r

Adorno m e e t s The C a d i l l a c s , e m M o d l e s k i ,

T . S t u d i e s i n e n t e r t a i n m e n t , 1 9 8 6 ) .

JAMESON, F . P o s t m o d e rn i s m , o r t he c ul tu ra l l og ic o f l a t e c a p i t a l i s m .

Durham

( N C ) :

Duke U n i v .

P r e s s .

1 9 9 1 , p .

4 9 .

J a m e s o n e x e m p l i f i c a b a s t a n t e b e m ,

a i n d a

q u e sem u s a r

o

t e r m o , uma f o r m a d e e s q u e m a t i s m o d i s po n i b i li z a da p e l o s chamados f i l m e s

d e c o n s

p i r a ç ã o

e m

L a

E s t e t i c a

G e o p o l í t i c a . B a r c e l o n a :

P a i d ó s ,

1 9 9 5 .

C f .

n o s s o

e s t u d o   A

T r a m a : P a k u l a e a

f a n t a s m a g o r i a

m e l a n c ó l i c a d a

d e s i n t e g r a ç ã o d o

j o r n a l i s m o

n o e s p í

r i t o d o e s p e t á c u l o m e r c a n t i l i z a d o . I n : C h r i s t a B e r g e r

  o r g . ) :

J o r n a l i s m o n o C i n e m a .

P o r t o

A le g r e : U f rg s,

2 0 0 2 .

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198 F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

termina amplamente o modo como e s s e conteúdo está sendo

pe r

cebido

(Indústria,

p . 145).

A

transformação

da

cultura

em

mercadoria

e a

formação

de

uma

cultura

de

mercado constituem,

portanto, um movimento

que estrutura,

no

corpo e

alma

de seus sujeitos, a experiência

humana na atualidade. Contrariamente à opinião corrente, o f e

nómeno não se relaciona com a inculcação de ideologia através

da mensagem, porque em última instância  já não se precisa i n j e -

t a r nenhuma ideologia

(Indústria,

p . 57).

Os processos

em foco

dependem

da

convergência

das

carências

mat eriais e

fantasias

coletivas de seus consumidores potenciais com as satisfações e

prazeres

prome tidos pelos

bens culturais, agenciados

pela

prática

de

um ne g óci o am plo , variado e

complicado,

que precisa ser e n

tendido

dentro

do processo histórico e civilizatório.

A prática da indústria

cultural

não atua

através da

i mpo s i ç ão

direta de condutas, mas da elaboração cada ve z mais

sistêmica

e

sistemática

de

expedientes

e

técnicas

em

que

não

estão

ausentes

a consciência e a v o nt ade do s co ns um ido re s , porque seus sujei

t o s , em

última

instância,

s ão

tão moldados

por

ela

quanto

aqueles

procedimentos. O principal educador

das

massas, hoje, é o d i

nheiro,

e

s ua escola

é

o

mercado.

Os esquemas

através

dos

quais

os produtos s ão agenciados apontam para dire çõe s div ersas ape

nas no tocante aos

benefícios

concretos:

em todo o resto não dis

tinguem mais entre dominantes e

dominados no

mundo contem

porâneo.

Os consumidores não

s ão por certo dados,

mas

encontram-s e

pré-constituídos nas

estruturas económicas e

organizacionais

que

caracterizam

o tempo

presente.

As

mercadorias culturais consis

tem,

po r

i s s o , sobretudo em uma mediação, através da qual as

pessoas se

fazem mas

também,

pelos menos por alguns

instantes,

se

desfazem

como sujeitos em

no s sa

sociedade.

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6

Destinaçõesdo

sujeito:

regressão

e

assujeitamento

No

apítulo anterior,

apresentamos

proposta

de interpretação

do pensamento adorniano

que

nos

obriga a rever

o juízo segundo

o qual

a c r í t i c a da indústria cultural

baseia-se

na chamada hipó

tese

da audiência passiva.

Adorno a tratou

assim

em diversas

passagens,

chegando

ao

ponto

de

dizer

que,

privados

de

quais

quer resíduos de l i v r e - a r b í t r i o ,   o s i ndi v íduo s sucumbem sem re

sistência ao que lhes

é

oferecido (Dialética, p . 1 2 5 )

e

 tendem

a

produzir reações passivas, tornando-se meros centros de reflexos

socialmente condicionados (Sociologia, p . 144).

Entretanto, no método

dialético

o

momento

não deve

ser to

mado pelo todo, pouco importando se o pe ns ado r o bs e r v ou ou

não o

ponto

em relação ao

objeto debatido

nesta investigação. Os

juízos não querem

dizer

identidade. A passividade das audiências

é ideologia (aparência

socialmente

necessária):

significa que as

pessoas estão paralisadas, mas não totalmente. O sujeito social -

por

mais reificado que possa

estar

- continua v iv o e atuante

na

esfera

da indústria da cultura.

A despeito

do

grau de

reificação que

possuam na

r e a l i d a d e ,

ne

nhuma

das

categorias

em

foco

-

c u l t u r a e

administração

-

e s t á

t o

talmente r e i f i c a d a ;

da mesma f or ma que o mais formidável invento

cibernético

-

ambas r e m e t e m ao

s u j e i t o

humano ( l i v i n g

subject)

( I n d ú s t r i a , p . 1

1 3 ) .

A problematização

do

veredicto sobre

a

m o r t e do

suj eito his

tórico que se visualiza na perspectiva adorniana precisa ser e xa

minada

em

toda a s ua

densidade, na

medida

em que, partindo de

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 0 0 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r

Adorno

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

s ua vista global, a situação atual se deixa melhor entender em

t e r m o s r e l a t i v i s t a s ,

como

uma

situação

em que o

ser

humano

é

escandido,

s enão

arrastado,

por

forças

que,

no

contexto

da

indús

t r i a

da

cultura, o levam tanto ao assujeitamento

quanto

à desindi-

vidualização.

6 . 1 Resistência e as suj e i ta m en t o

O movimento

cultural

da

indústria

não

se

reproduz

de

ma

neira mecânica: é um processo mediado pelo sujeito, que não se

sustenta

co nt ra o s seres humanos, mas por s ua intermediação. O

processo se r e pr oduz po r meio do s homens que ele

produz

e , por

e s sa v i a ,

acompanha s e u destino e seus

atos de

liberdade. Os

c l i

entes

de

casas

de diversão

não s ão   o s i ndi ví duo s fas ci nado s e

passivos

que

se mostram neles e pelos

quais

eles mesmos se to

mam .1

As

mercadorias

culturais

não

chegam

às

pessoas

andan

do com

suas próprias

pernas. Precisam

ser ligadas

ao

sujeito

pelo

próprio sujeito (Escritos, p . 48). As condutas e

hábitos

em que

s ão

prescritas

-

assim

como

as

pessoas que nelas

se

espelham -

s ão

produtos

de um s i s t e ma de vida mais amplo, que não

é

aceito

sem

resistência

i n t e r i o r ,

exigindo

o emprego mais

ou

menos

consciente da vontade para se t ransformarem

em

comportamen

t o .

A crescente

integração

das pe s so as

que escapam

à margina

lidade

é funcional,

mas

isso

não

é o mesmo

que dizer automática.

A propaganda não basta para m ot iv á- las a a g i r :

é

uma condição

necessária, mas não

suficiente

(Música,

p .

43).

Conforme

escreve

Adorno, os comportamentos de massas não s ão resultado de pura

e simples doutrinação pelos m e i o s de comunicação:

A

explicação

segundo

a

qual

os interessados

em

t a l

situação

con

t ro lam t odo s os meios de opinião pública, j á a n t i g a , não basta por

s i só agora. As massas não s e deixariam enganar po r uma

propa

ganda primária e f a l s a , s e

algo

nelas mesmas não desse

acolhida

ADORNO,

T . Q u a s i

u n a f a n t a s i a , p .

5 6 .

A p a s s i v i d a d e

d a s a u d i ê n c i a s ,

como

s e

d i s s e ,

p r e c i s a

se r

e n t e n d i d a

como

i d e o l o g i a : a p a r ê n c i a s o c i a l m e n t e n e c e s s á r i a .

As p e s s o a s

consomem

a s

m e r c a d o r i a s

d a

i n d ú s t r i a

d e f o r m a

p a s s i v a ,

mas

s ó

a t é

c e r t o

p o n t o .

Page 205: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s do

s u j e i t o :

r e g r e s s ã o

a a s s u j e i t a m e n t o

2 0 1

a mensagens que falam [ a t é mesmo] em s a c r i f i c a r - s e e de viver

perigosamente ( E s c r i t o s ,

p . 3 5 ) .

A

planificação

sistemática

e

a

distribuição

organizada

de

mercadorias culturais, sem dúvida, s ão um fator importante, re

forçando as condições sociais favoráveis

para

uma apropriação,

pelo

indivíduo mutilado pelos processos

de trabalho,

do s

mode

los

de

conduta

afinados

com o modo de

vida

c a p i t a l i s t a .

A von

tade

com que as pes soas se

entregam

às práticas de

consumo

evidenciam, contudo, que h á

algo mais além

nisso

tudo.

O

pro

cesso

cultural

da

indústria

não

pode

ser

visto

de

maneira

l i n e a r .

A subjetividade jamais se deixa reificar totalmente,

constituindo

uma espécie de limite categorial, não obstante

s ua plasticidade.2

Segundo H o r k h e i m e r ,

as

contratendências

à

cultura de

massa

se manifestam

à

medida em que as pessoas procuram escapar de

l a .

 O

protesto contra

os

filmes não

se acha

tanto

nas críticas

amargas quanto no

fato

de as

pessoas

i re m ao cinema

e dormi

rem

ou

faz e r e m

amor .3 Para

Adorno,

elas

podem

ser

descober

t a s dentro

do

s e u pr ópr io consumo.  A resistência não desapare

ce

completamente

na rendição

a

forças externas, mas mantém-se

viva dentro do

indivíduo e

continua s obrevivendo

até mesmo

no

exato momento

do

con s e n t i m e n t o (Sociologia, p . 143).

O

indi

víduo continua

procurando

ele mesmo se fazer

sujeito ( no

senti

do ambíguo que e s sa expr e s são possui), mesmo

nas

condições da

cultura

de

massa

t o t a l ,

para

as

quais

nos

empurra

a

sociedade

de

troca

tecnológica

O sujeito

não se

reproduz

pela s i m pl e s coaç ã o,

mas na medida em

que

os seres

humanos

s ão

capturados

pelo

s i s

tema (Dissonâncias,

p .

45).4

C f .

GEORG LUKÁCS:

H i s t ó r i a e c o n s ci ê n c ia d e

c l a s s e , p .

1 1 5 .

Max H o r k h e i m e r a p u d M a r t i n J a y : D i a l e c i i c a l i m a g i n a t i o n ,

p .

2 1 4 . P e s q u i s a s

m a i s

r e c e n t e s

m o s t r a r a m q u e

p a r c e l a s

e x p r e s s i v a s

d a

a u d i ê n c i a

costumam

e nt r a r e

s a i r

d a

s a l a , s e n ã o f a z e r o u t r a s

c o i s a s ,

d u r a n t e o tempo e m q u e e s t ã o a ss is ti nd o à t el e vi sã o

( S u t J h a l l y . Os c ó d i g o s d a p u b l i c i d a d e ,

p .

1 2 8 ) .

C f . I n i r o d u c c i ó n a l a

s o c i o l o g i a ,

o p .

c i t . ,

p . 1 9 8 . A

c o r r o b o r a ç ã o

e m p í r i c a

d e s s a

h i p ó

t e s e e n c o n t r a - s e e m v á r i o s e s t u d o s , m a i s o u menos r e c e n t e s , o n d e s e m o s t r a q u e a s

p r á t i c a s

d e

consumo

c u l t u r a l

s ã o uma

f o r m a

d e a s p e s s o a s e n c o n t r a r e m

s o l u ç õ e s

i m a

g i n á r i a s p a r a s e u s p r o b l e m a s mas também d e f a z e r e m f r e n t e à d o m i n a ç ã o a t r a v é s d e

f o r m a s a g r a d á v e i s d e r e s i s t ê n c i a . C f . D i c k H e b d i g e : S u b c u l t u r e : T h e m e a n i n g o f

S t y l e . L o n d r e s :

M e t h u e n , 1 9 7 9 :

J a n i c e

R a d w a y : R e a d i n g

t h e

r o m a n c e . C h a p p e l l

H i l l

( N C ) : U n i v e r s i t y o f N o r t h C a r o l i n a

P r e s s , 1 9 8 7 ; D a v i d

B u c k i n g h a m : P u b l i c S e c r e t s .

L o n d r e s : B F I,

1 9 8 7 .

J o k e

H e r m e s : R e a d i n g

women's

m ag a z in e s . O x f o r d:

P o l i t y ,

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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202 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

No decurso

do

último

século, a

capacidade de o indivíduo

seguir seus

próprios

impulsos e a

consciência do s

interesses

que

se

cobrem

com

o

v é u

tecnológico

tornaram-se

parte

inseparável

da dialética da civilização.

O desenvolvimento tecnológico

tornou a s pessoas t ã o

r a c i o n a i s ,

a s t u t a s , c é t i c a s

e

r e s i s t e n t e s contra

a criação

de

todo

t i p o de cren

ças (frequentemente, s e há pont os v i t a i s em questão, e l a s conser-

vam-se

i n d i f e r e n t e s ,

inclusive

perante a mais

f o r t e

pressão

da

pr o

paganda),

que não pode haver

dúvida sobre a existência

de contra-

tendências

bastante

f o r t e s

cont ra o s

padrões

pervasivos

que

ema

nam de nos so m e i o

c u l t u r a l . 5

O esclarecimento não é

nem pode

ser revogado

de

maneira

arbitrária

e

mecânica

pela indústria da cultura.

As

performances

através

das quai s o s i ndi ví duo s encenam s ua pretendida i d e n t i f i

cação com condutas que, na verdade, sabem

fantasiosas e

ilusó

r i a s , embora fascinantes, não

somente

requerem

s e u e s fo rç o

mas

s ão

um

meio

de

se

fazer em

sujeitos

em

no s sa

sociedade.

 A

identificação com a instância que prescreve

o

prazer se efetua

de

t a l maneira que

o e u

impõe a s i mesmo a ordem de se deleitar e

que

a reação

instintiva oficial

não

se

produza

s e n ã o através de

uma

racionalização. 6

Os homens realmente não levam a sério esses modelos, mas

se

pautam por

e l e s ;

nem os

adotam

por

serem enganados, mas

porque,

até

certo

ponto,

eles

lhes

convêm e

se

coadunam

com

seus interesses. O

conhecimento

cada

v e z mais

amplo

do s

meca

nismos de reprodução da r ealidade e de criação estética e tecno

lógica medeia a

recepção do s bens culturais

da indústria.

A

re

presentação

do

mundo é vista como t a l , sendo

racionalizada.

O

resultado de tudo isso é que  as pessoas consentem com

a

cultura

de massa

[apenas] porque

sabem

ou suspeitam que através dela

lh e

s ão

ensinados

os

costumes

que

por

certo

lhes

serão

necessá

rios para se

inserir

na vida

social conforme ela

tem

lugar

no con

texto dos monopólios

(Indústria, p . 80).

1 9 9 7 . N i c k S t e v e n s o n :

U n d e r s t a n d i n g m e d i a

c u l t u r e s . L o n d r e s : S a g e , 1 9 9 5 ,

p .

7 5 -

1 1 3 .

5

ADORNO. T .   D e m o c r a t ic l e a d e r s h i p

a n d

m a s s

m a n i p u l a t i o n , p .

2 6 9 .

  ADORNO,

T . Q u a s i u n a f a n t a s i a ,

p . 5 6 . A h i p ó t e s e

r e m o n t a a o p r i m e i r o e s t u d o s o b r e

o y d Z Z ( D i s c o u r s e v .

1 1 ,

1

[ 4 5 - 6 9 ]

1 9 8 9 ) .

Page 207: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s d o s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 203

Em virtude

disso,

contudo, precisamos r e j e i t a r a

hipótese

de

que

a   espontaneidade

f o i

substituída pela cega aceitação do ma

t e r i a l

i mpo s t o

através

da

indústria

da

cultura

(Sociologia,

p .

146). Aquela existe por meio dos interesses e inclinações

especí

ficos

do indivíduo.

Porém

e s s e

é

definido

sobretudo socialmen

t e ,

através do

processo

histórico.

As orientações de

cada

aspecto

divergem e , po r i s s o , eles tendem a ser e l e m e n t o s antagónicos. O

capitalismo

avançado

se caracteriza

por

desencadear

processos

de

socialização

que tendem a integrar pela força e

de

modo radi

cal

a

espontaneidade.

A

capacidade

de

resistência

individual

das

pessoas, ainda

que de

maneira estereotipada,

todavia

so b r evi ve

mesmo s ob

e s sa

pressão do

poder

económico

(Cinema, p . 170-

171).

O movimento todo-poderoso que

emana

do s i s t e ma da indús

t r i a

cultural

e squematiza em

escala

cada ve z

maior a subjetivida-

de, mas isso não

implica

a absoluta eliminação da espontaneida

de.

A

liquidação

do

sujeito

histórico

e

político,

da

dimensão

his

tórica da subjetividade, não

atinge

s ua dimensão sistêmica

e

e co

nómica. A reprodução do referido movimento

é

um processo

humano e ,

portanto, algo

precário, que carrega consigo

as forças

que,

em

princípio, poderiam l i v r a r s eu sujeito s o c i a l , um

sujeito

sistêmico, das t e ndê nci as à r egr es s ão que

naquele

se abrigam.

A

crescente sujeição que se

exerce por

meio desse processo é me

diada pela consciência, e se tem algum êxito, é porque, mal ou

bem, também permite alguma expr e s são l i v r e e criadora da s ub

jetividade.

Theodor Adorno t r a t a a questão no

ensaio

Sobre a

música

Popular

(1941): o entusiasmo

pela

música popular

não

é

s i m

plesment e

espontâneo, mas também não

é produto

de

uma mera

ordem ou

pressão externa. Os estímulos estruturais, externos,

precisam ser elaborados interiormente. O consumo da

música

pop,

como

o

de

outros

bens

simbólicos,

deve

s e r ,

no ut r os t e rm os ,

comandado pelo s u j e i t o . A corrida

à

loja de

discos, a procura

de

notícias sobre os

astros, a formação

de

clubes,

o

comparecimento

ao s

s h o w s , os exercícios de

vassalagem pessoal,

etc, que se vê

entre

os fãs - tudo isso

envolve

um

ape lo ao s

impulsos e sp on t â

neos, uma decisão

no

sentido

de v e nce r

o s e n s o

crítico e

um

acionamento mais

ou menos consciente da vontade.

Page 208: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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204 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

Para

o

autor,

a resistência i n i c i a l a se engajar numa dessas

práticas

tem

de ser quebrada pel o pr ópr io indivíduo. Destarte,

  o

t a

da música

popular

precisa

ser

imaginado

como

pe r co rr e ndo o

s eu caminho com olhos f i r m e m en t e fechados e dent e s ce r rado s a

fim de evitar que se desvie

daquilo

que decidiu

a c e i t a r .

Uma v i

s ão clara e

calma colocaria em

pe rigo a

atitude que

lhe f o i i n f l i

gida e que, por s ua vez, ele tenta i n f l i g i r a s i mesmo (Sociolo

gia, p . 1 44-1 4 5 ) .

O consumo de be ns culturais depende da vontade em se

dei

xar

enganar,

e

não

de

uma

s u b m i s s ã o

mecânica,

mas

por

isso

mesmo e s s e s

bens carecem de

t o t a l

legitimidade.

Os indivíduos

manifestam-se com

ambivalência perante as práticas

da indústria

cultural: se de um lado as têm s ob

suspeita,

por outro as deman

dam. A estrutura económica e social está ordenada de maneira

que

estimula

o

  desejo de

ser manipulado passivamente , mas

ao

mesmo

tempo ninguém quer  re conhecer que é totalmente

dependente

e

se

deseja pr es er var

[pelo

menos]

a

ilusão

de

possuir

iniciativa privada

e

liberdade de escolha .8

Os indivíduos várias v e z e s sentem que não há saída para ce r

t a s situações:  A

constatação de

que ainda

pessoas que agem

e sp on tan eam en t e

não significa que possamos

representá-las

de

maneira que se atr ibua a

suas

ações uma influência decisiva

(Li

teratura I I ,

p .

2 4 3 ) .

Destarte, a solução

em que

a

maioria se e n

gaja é

procurar

manter o processo s o b s eu

próprio

controle, t i

rando o máximo proveito das circunstâncias. No l i m i t e ,  deseja-

se

[apenas] recostar na poltrona

e ser

alimentado com imagens

e

sons , chegando-se, ne s te cli ma, à di spo si ção de  identificar-se

com

as coisas

mais

estúpidas somente para satisfazer a

e s sa

ne

ces sidade . 9

O sujeito da indústria cultural tende a se parecer, por i s s o ,

com

  a p e s s oa

que

tomou consciência de

s i mesma,

aprendeu a

lidar

com

a

realidade

e

cuja

insanidade

aparente

t ã o - s o m en t e

confirma a insanidade objetiva dentro

da

qual os homens se

v ê

em enfim apanhados (Indústria, p . 74). A seguinte passagem.

7 ADORNO, T .

  T h e p s y c h o l o g i c a l

t e c h n i q u e o f M a r t i n L u t h e r Thomas R a d i o

A d r e s s e s , p . 5 .

8 ADORNO. T . S o ci a l

c r i t i q u e

o f r a d i o m u s i c , p . 2 7 8 .

9

PROKOP.

D .

S o c i o l o g i a ,

p .

1 5 4 .

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o

205

escrita por

um filho de

trabalhadores, parece-nos bastante reve

ladora dessa

intuição

teórica, ao observar que os

bens

de

consu

mo

não

os

enganaram

s obre

a existência

de

desigualdades

sociais

na América do Pós-Guerra.

As

mercadorias culturais não se deparam com consumidores

ludibriados pela mídia,   apenas tornam mais tolerável e prazero-

sa

s ua sit uação ,

como

registro um

sociólogo

norte-ame-

ricano:

Minha

f a m í l i a percebia

todo dia a s desigualdades de c l a s s e ,

mas

s e n t i a - s e

impotente

para

f a z e r

qualquer

coisa

a

r e s p e i t o .

Como

a

maior p a r t e

do s trabalhadores,

estávamos apenas

tendo

a melhor

vida que podíamos

com

a s oportunidades limitadas que e l a nos

propiciava. [ . . . ]

As pessoas ingerem

anestésicos para

a l i v i a r

os s i n

tomas de sua

a f l i ç ã o , não para

s e tornarem t o l a s

com suas

existên

c i a s .

Continuam

a s e r conscientes de sua presença e anseiam por

uma

c u r a , mas

nesse m ei o t e mpo procuram t o r n a r

ao

m en o s t o l e

r á v e l

sua má

s i t u a ç ã o .

Os trabalhadores

americanos lutaram

a t r a

vés

desse

século

po r

uma vida

melhor

para

s i

e

suas

f a m í l i a s .

To

davia, sempre que a cura para s eus males pareceu remota, foram

forçados a d e s i s t i r em favor do s p a l i a t i v o s individuais representa

do s

pelos

bens

de consumo.10

Visando fornecer

um esclarecimento mais

abrangente do

ponto, cabe

fazer uma

obs ervação metodológica. No método dia-

l é t i c o ,

parte-se do princípio de

que os fenómenos

não

podem ser

tratados

como

exemplo

de

algo

que já existe

como

dado

ou

está

di s pe ns ado de se

revelar

em s eu pr ópr io movimento. A aborda

gem exige que a coi sa seja explicada através

de

s ua g ên e s e e

i n

dividualização.

O s u j e i t o , por e x e m plo , é

um

resultado: consti-

tui-se

através de

um

processo contingente de

autoposição

em

condições sociais determinadas.

A

liquidação

dessa

figura é

uma

tendência inscrita nas estru

turas sociais

de

nossa

e r a ,

na

medida

em

que

a

praxis

que

lh e

de u

origem encontra-se cada

ve z

mais reificada. Acontece que,

por

isso mesmo, essa condição não deixa de ser reclamada do indiví

duo. A

sociedade

moderna é

aporética, porque

as pessoas preci

sam se

s u b m e t e r

a uma forma de vida cada ve z mais mecânica

que,

ao mesmo t e mpo, exige

que

se

tornem s u j e i t o s . A racionali-

GARTMAN,

D .

A u t o

o p i u m ,

p .

x i v .

Page 210: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 0 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

zação é correlata a uma reificação de

s i ,

dos

outros

e do mundo

cuja

outra

face é

o

s eu

assujeitamento.

O

pr o s s e gui m en t o da r e i

ficação

da

vida

social

-

requerido

pe lo capi t ali s mo

de

todos

aqueles

que pretendem

sobreviver e

serem

bem-sucedidos s o

cialmente

-

pressupõem a co ns e r v aç ão de sua

condição

de s u j e i -

tos.

A figura do sujeito histórico, princípio de instituição do

i n

divíduo, aparece

na

fase

atual

em estado de paralisia e i m p o t ê n

cia perante a realidade. O sujeito

social ou

sistêmico, s eu out ro

aspecto,

encontra-se

por s ua

v e z

tão

s o z i n h o

que

e s sa

condição

ele já quase não s e s uport a. A sujeição interior cada ve z mai s

profunda

requerida

pelo progresso

das

forças

produtivas e

pelo

avanço

das

relações mercantis tornou-se

sem sentido

com

a co r

relata ruptura da metafísica

tradicional.

A consciência das

mas

sas tem cada

v e z

mais presente a crise

do sentido

imanente no

mundo desencantado. A

consequência disso

é

que

a continuidade

do processo de assujeitamento passou a depender

da

descoberta

de um sucedâneo

desse

sentido, de algo que pe rm it a ao indivíduo

reagir com mai s e s pontan e idade à má irracionalidade do mundo

racional

enquanto administração.

Adorno ent endeu

que

os

esquemas culturais da indústria

se

encaixam nesse contexto, constituem

um

meio

através

do

qual o s

homens procuram e , até certo

ponto, constituem-se em

sujeitos

no

presente contexto histórico.  O jazz e s b o ç a esquemas de

con

duta social ao qual

estão

obrigados os homens,

sem

necessidade

de que o jazz o esquematize. Então, os homens exercitam no jazz

esse comportamento; além

disso

aficcionam-se a e l e , porque as

s i m o ine vi táve l s e lhe s torna mais f á c i l e agradável .12

O processo ocorreria não somente

no

plano individual, mas

também do s coletivos sociais, como sugere a observação de que,

na era da indústria cultural,  também vemos formar-se na base,

  HORKHEIMER, M.

C r i t i q u e

o f

i n s t r u m e n t a l

r e a s o n , p . 1

2 8 .

O c o n c e i t o

d e

s u j e i t o r e -

f e r e - s e

a o s

c o n t r o l e s e x t e r n o s q u e

a s

p e s s o a s i n t e r i o r i z a m ,

t o r n an d o - se p a rc i al m e nt e

p r i s i o n e i r a s

d e

s i

t a n t o q u a n t o

d a s o c i e d a d e

( I n d i c a d o r e s , p .

1 5 0 - 1 5 1 ) .

1 2 ADORNO, T .   Moda sem t e m p o . I n : - R e v is ta C i vi li z aç ã o B r a s i l e i r a 1 7 ( 1 8 5 - 1 9 7 )

1 9 6 9 , p . 1 9 1 .

O

p e n s a d o r chamava o j a z z , o b e a t

e

o p o p d e   a e s c ó r i a d a i n d ú s t r i a

c u l t u r a l . U l r i c h S c h õ n h e r r

s u m a r i a co m b om

s e n s o

o s

p o n t o s f a l h o s

d a

v i s ã o d o a u

t o r

s o b r e

o j a z z e m  Adorno a n d

j a z z

( T e l o s 8 7 [ 8 5 - 9 6 ] 1 9 8 7 ) . C f . H a r r y C o o p e r :

 On Uber J a z z ( O c t o b e r 7 5

[ 9 9 - 1 3 3 ]

1 9 9 6 ) ; R o b e r t

W i t k i n :

Adorno

o n m u s i c .

Lon

d r e s :

R o u t l e d g e , 1 9 9 8 :

C h r i s t i a n

B é t h u n e :

Adorno

e t

l e j a z z .

P a r i s :

K l i n c k s i e c k .

2 0 0 3 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o 2 0 7

como protesto espontâneo, inconsciente e frequentemente destru

tivo cont ra a pre ss ão e a

frieza

da sociedade de massas,

novas

configurações

de

microgrupos

que

oferecem

ao s

indivíduos

uma

cobertura coletiva,

e s t r e i t a solidariedade

e alguns

esquemas de

identificação ( T e mas , p . 74).

O agnosticismo desorientado que predomina hoje em dia co

locou s o b suspeita todos os fenómenos culturais mas , ao

mesmo

t e mpo,

mostra-se

sequioso

de experiências

que permitam

ao i n

divíduo estruturar s ua experiência

com algum

sentido, mesmo

que

e s s e

se

r e duz a ao

divertimento.

A

procura

por

bens

culturais

com o qual se liga constitui uma tentativa de restaurar as funções

que

a

tecnologia maquinística

lh e privou

como

sujeito

histórico.

Nas práticas

de

consumo, eliminam-s e os limites entre

ação

e

reação, e nt re fo rç as internas e externas. O

sujeito pode

se consti

t u i r

sem

coação imediata e ,

assim, conservar

a

s i

mesmo,

sem re

primir a subjetividade.

O consumidor de b e ns

culturais não é

simples

objeto

de

cálculo

mercadológico,

na

medida

em

que

a

decifração exigida pelas

mercadorias

co lab o ra para s ua própria

conversão em sujeitos

sociais, conforme nos

ajudou a

ve r

um e n

saio de Miriam Hansen.

Aparentem ente, Adorno

relaciona

a capacidade de

socializa

ç ão dos modelos de

identidade

propostos pela cultura de massa

apenas à

manipulação

da

audiência

enquanto conjunto de

recep

tores passivos. A referência não poucas v e z e s

f e i t a

a eles como

 centros de

reflexos

condicionados aos e st ímulos das comunica

çõ e s

comprova

que ele sucumbiu

na f a l t a de reflexão

em vários

momentos de s ua análise do fenómeno.

Na

verdade, po r é m ,

a

visão

do pensador não e ra tão

e s t r e i t a :

 ele chegou

a

elaborar um

modelo muito

mais

complexo

de co

mo cada

membro

da

sociedade

se integra

à

indústria cultural .13

Conforme ele

mesmo

escreveu,  sabemos bem

que

as pessoas

com

que

nos

ocupamos

ainda

s ão seres

humanos,

com

esponta

neidade e capacidade de se

autodeterminar,

apesar de e s tar e m

envolvidos

em

relações que

lhes

s ão obscuras;

como

sabemos

que é este e l e m e n t o de e s p ont ane i dade e

percepção

que impõe

limit es às l e i s da

maioria .14

1 3 STEINERT,

H .

C u l t u r e

I n d u s t r y , p . 3 4 .

1 4

T h e o d o r

Adorno

a p u d

W i g g e r h a u s ,

T h e

F r a n k f u r t S c h o o l ,

p .

4 5 4 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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208 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Adorno

tratou a mat éria

sem

pensar em t e r m o s

de i mpact o

isolado dos b e ns culturais s obre o indivíduo,

referindo-a a

um

amplo

processo

social

e

histórico.

Para

e l e ,

o

ponto

não

depende

de uma   questão

de

causa

e

e f e i t o : os

processos de

oferta

e

pro

cura s ã o e xpli cado s no

contexto

de uma formação

social,

na qual

o principal mecanismo

é

a mercantilização .15

Contudo,

notar i s

s o

ainda é

pouco. A consideração dos

textos

no s

permite

afirmar

que,

para

e l e , o consumo

de be ns culturais

da

indústria r e m e t e

também às

solicitações

que s ão

f e i t a s

a

eles enquanto seus l e i t o

res

ativos

e potenciais

especialistas.

Conforme

nota Miriam

Hansen,

o

pensador costuma

caracte

rizar os produtos culturais da indústria como um arranjo de mate

r i a i s estéticos em

constelações afins

à e s c r i t a . A

descoberta

obri-

ga-nos

a rever

certos

juízos

correntes, pois   a ênfase na escritura

implica uma forma de r ece pç ão mais próxima à leitura do que a

do consumo passivo a que em outras passagens se refere Ador-

no .16

Segundo

a

comentadora, as tecnologias de comunicação

sur

gidas no último

século

se caracterizam por transformar

a imagem

em e s c r i t a . Os

filmes,

o dis co, as novelas de televisão e

outras

mídias assemelham-se

ou

podem se r vis tos como hieróglifos. I s

to é , linguagens que contêm uma

mensagem

cifrada, escrita de

acordo com os códigos sociais dominantes, que precisa ser deci

frada

pelos

destinatários. A linguagem da cultura

de

massa é ela

b or ada de modo

a

ser desfrutada

por

suas propriedades

estéticas

mas, ao mesmo t e mpo, para serem decifradas em s e u

conteúdo

s o c i a l .

Destarte, Adorno não t e r i a impugnado a indústria cultural

por dar lugar

a

uma

audiência

passiva mas, antes, por dar lugar

a

  convenções

narrativas

e de

g ên e r o que

encorajam a

assistência

a

i r mais além dos mistérios aparentes do enredo ou da monta-

1 5

STEINERT, H .

C u l t u r e

I n d u s t r y , p . 1 3 0 .

HANSEN.

M.

 Mass

c u l t u r e

a s h i e r o g l y p h i c w r i t i n g . I n : T h e

a c t u a l i t y

o f

Adorno

  E d i t . p o r Max

P e n s k y ) .

A l b a n y ( N Y ) : Suny P r e s s , 1 9 9 7 ,

p .

8 5.

As

r e v i s t a s e c o l u n a s

d e a s t r o l o g i a c o m p a r t i l h a m

co m

o s f i l m e s d e s u c e s s o e a s c a n ç õ e s d a moda o f a t o d e

q u e

e n c e r r a m e m

h i e r ó g l i f o s s i t u a ç õ e s

c o t i d i a n a s

co m q u e o

p ú b l i c o

s e

h a b i t u o u e

q u e

s ã o p o r m e i o d e l e s

a p e n a s

r e f o r ç a d o s d e m a n e i r a i n d i r e t a

o u

c a m u f l a d a n a

c o n s

c i ê n c i a ,

p o r q u e ,

a p e s a r

d e t u d o ,

e l e

  j a m a i s

p o d e c h e g a r a s e i d e n t i f i c a r t o t a l m e n t e

com a s mesmas ( T h e o d o r A d o r n o :   S u p e r s t ic i ó n

d e

S e g u n d a M a n o . I n : S o

c i o l o g i c a .

M a d r i :

T a u r u s . 1 9 6 6 ,

p .

2 0 1 ) .

Page 213: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o

209

gem . Obs e r v e - s e que, nisso, seus produtos não

s ão

mui to dis

tintos

das demais obras

de a r t e ,

porque o conteúdo cognitivo

de

todas

elas situava-se ,

no

modo

de

ve r

do

filósofo,

na mane ira

como elas

estruturam os materiais estéticos de

forma

s e melhante

ou afim

à linguagem.

As obras

de arte s ão

de um jeito

ou

de

outro m i m e s e , na

me

dida em que

podem ser

caracterizadas

como

um texto, ou r eve

lam traços que lembram as fo rm as de linguagem ordinária, como

é

o caso - óbvio - da narrativa no cinema ou

literatura,

po r

e x e m plo .

A

experiência

ordenada

que

a

linguagem

comum

estru

tura no cotidiano é recriada ilusoriamente pelas obras de arte -

lembrando-s e

a

propósito

que, em

s i mesma, a existência

humana

não é uma forma narrativa ou significante:

e s sa lh e é dada

pela

nossa

capacidade

de invenção.

Pondo

de lado

a

tematização

do

ponto em relação

à

obra de

arte (séria

e leve), a

pergunta que se coloca

consiste

em saber pa

ra

que

lado

se dirige

e s sa

leitura

e

como

ela

lastreia

um

processo

de sujeição ao capital via indústria da cultura. O escrutínio do

problema passa

por

uma análise da diversão.

A publicidade

e as

estratégias de marketing, segundo tudo

indica,

por s i s ó não as

seguram a aceitação

dos b e ns de

consumo.

Para

Adorno, as

pessoas se sujeitam ao s i s t e ma

através

de

um cálculo u t i l i t á r i o , mas

a dí v ida

contraída por isso é d i f í c i l de

ser saldada.

A reificação

que elas impõem a s i mesmas não é

aceita sem

resistência.

O negócio da

diversão

é um

dos

meios

que

os

homens descobriram de vencê-la, extrair prazer da própria

renúncia em viver de modo justo e espontâneo. O consumo de

distração permite que eles se sujeitem sem f e r i r a consciência

moral,

enganem a

s i mesmos com mais facilidade, na medida em

que, por

ser

diversão, não pode

ser

levada

a

s é r i o , do modo

como

nos

exige o resto da vida.18

1 HANSEN, M.  Mass c u l t u r e a s h i e r o g l y p h i c w r i t i n g , p . 8 9 . J a m e s o n o b s e r v o u e s s a

t e n d ê n c i a e m r e l a ç ã o a o s

f i l m e s d e é p o c a m a i s

r e c e n t e s ,

c o m o ,

p o r e x e m p l o .

Os

d u e

l i s t a s

( R i d l e y

S c o t t , 1 9 7 7 ) e

A

é p o c a d a i n o c ê n c ia ( M a rt in S c o r c e s e ,

1 9 9 4 ) .

N e s s a s

  p r o d u ç õ e s c a r a s e b o n i t a s d e s e

v e r ,

o e s p e c t a d o r é e s t i m u l a d o a s e g u i r a n ar ra ti va

t a n t o q u a n t o a i r a l é m e p r o c e d e r a a l g o

como

 uma d e c i f r a ç ã o

d e

í nd i c e s e s i g n o s

h i s t ó r i c o s , uma i n s p e ç ã o do

f i g u r i n o

  e c e n á r i o ] ( A s m a r c a s d o v i s í v e l . R i o

d e

J a n e i

r o :

G r a a l , 1 9 9 5 , p .

2 2 8 ) .

P a r a f r a s e a n d o A d o r n o , o s u j e i t o d a

i n d ú s t r i a c u l t u r a l é a p e s s o a

q u e

d e s e j a

q u e

o s

p r o g r a ma s s e j a m

e x c i t a n t e s

e

o

c o t i d i a n o ,

e c o n ó m i c o ,

q u a n d o

o

o p o s t o ,

n o

c a s o ,

s e r i a

Page 214: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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210 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r

Adorno

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

A padr oni zaç ão do s b ens culturais da indústria não se deve

apenas

a razões administrativas; também está ligada ao fato de

permitir

às

pessoas

pouparem

s ua

energia

mental,

minada

pela

própria administração.  O caráter de produto pré-consumido

se

consolida, justifica e prepondera cada v e z mai s fi r m e me nt e

quant o m ai s

ele se refere àqueles

que

s ó podem consumir

aquilo

que já f o i pré-consumido (Indústria, p . 58).

O fetichismo da mercadoria cultural, todavia, não se baseia

apenas n e s s e mecanismo, pertencente

à

economia

psíquica

de to

do

indivíduo.

Envolve

ainda

a

produção

de

um

sucedâneo

do

prazer

que as

pessoas não

encontram

em

seus empregos e

outras

atividades cotidianas. Os mecanismos

de

sujeição capitalistas

não se baseiam na

força

nem na ideologia, mas na produção de

prazer com o

consumo de

bens e serviços. Os indivíduos se s ub

metem

às práticas

da indústria da cultura porque, mal ou

bem,

obtêm satisfação com elas e seus correlatos.20

Entretanto, por que se escreve que   a indústria cultural não

sublima, mas reprime ? (Dialética,

p .

131). A

expr e s são é

forte

e

s ó se esclarece entendendo o que está sendo recalcado. Segundo

Adorno, podemos

falar em repressão porque, embora

costumem

oferecer

a plenitude

da

vida,

as

práticas

da

indústria cultural ao

mesmo

tempo ajudam

às forças

que

agem

no sentido de nos

p r i

var dela. O s i s t e ma restringe-a ao s prazeres proporcionados pela

economia de mercado e a indústria das comunicações.

O princípio

[que r ege essas

p r á t i c a s ]

impõe que todas a s necessi

dades [do indivíduo] l h e sejam apresentadas como podendo

s e r

m a i s d e s e j á v e l . A p o l ê m i c a co m

a

d i v e r s ã o q u e

s e

t ra va n es te c o n t e x t o -

n o t e - s e

- b a -

s e i a - s e n a p ró p ri a a po r ia

c o n t i d a

n o c o n c e i t o , como

j á

f o r a

p e r ce b id o p o r A r i s t ó t e l e s

  C f .

É t i c a a

N i c ó m a c o . L i v r o 1 0 . B r a s í l i a : E d i t o r a

d a

U n i v e r s i d a d e , 1 9 9 4 ) .

1 9 Conforme

e x p l i c a o p e n s a d o r

e m j u í z o , o r e co n h e c im e nt o é

uma

d a s f u n ç õ e s b á s i c a s

d a

c o n s c i ê n c i a

humana

e

s e r i a

a b s u r d o

n e g a r

q u e

e l e

e x i s t e

e m

t o d a s

a s

á r e a s

d a

v i d a .

i n c l u s i v e n a a r t e e r u d i t a . N e s s e c a s o porém s e u s e l e m e n t o s s ã o , e m p r i n c í p i o , d i s p o s

t o s d e f o r m a d i s t i n t a ; s ã o a rr an ja do s p ar a p ro d uz ir a s e n s a ç ã o d o n o v o , a l g o q u e , d e

v i d o

a um

j o g o

d e t e n s õ e s m a i s o u menos e l a b o r a d o ,

b r o t a d o

v e l h o

mas

n ã o p o d e a

e l e s e r

r e d u z i d o , p e r m i t i n d o a o

s u j e i t o

s u p e r a r o j á c o n h e c i d o .

Na

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l ,

e s sa r e la ç ã o e n t r e o v e l h o e

o

n o v o t e n d e a s e r d e s t r u í d a . R e c o n h e c e r t o r n a - s e um

f i m .

a o i n v é s d e s e r um m e i o , s o b r e t u d o d e v i d o à d e pe n dê n c ia d o s

m e c a n i s m o s

d e

promo

ç ã o

p u b l i c i t a r i a

( S o c i o l o g i a , p . 1 3 0 - 1 3 6 , e   A n a l y t i c a l S t u d y o f NBC , p . 3 5 8 - 3 6 0 ) .

2 0

Adorno o p e r a co m o s d o i s r e g i s t r o s

- o

s o c i a l e

o

p s í q u i c o , sem q u e s e p o s s a i n d i c a r

co m

c e r t e z a o

d o m i n a n t e .

Segundo n o s s o modo d e v e r ,

o

p r i m e i r o

t e m

e m s u a

o b r a

m a i o r

a l c a n c e e p i s t e m o l ó g i c o .

Page 215: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 2 11

s a t i s f e i t a s

[ . . . ] mas , por outro l a d o ,

que

essas necessidades sejam

de antemão organizadas de t a l s o r t e

que

s e veja nelas unicamente

como

um

eterno

consumidor,

como objeto

da

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

( D i a l é t i c a , p .

1 3 3 ) .

Os procedimentos dessa indústria substituíram a promessa de

felicidade,

f e i t a um dia

pela

a r t e ,

por

uma

promessa de

prazer

re

a l , que todavia as

massas,

em geral,

não

têm como

obter

de

no s sa

sociedade. A satisfação obtida com

as

mercadorias é ,

pois,

uma

forma de prazer preliminar não sublimado que se transformou

em

masoquismo.

A

realização

pessoal,

sensualidade,

conforto,

beleza, poder, bem-estar e tudo

o

mais que é ofertado nunca

ch e

ga à vida das pessoas. Constrói-se

a imagem

da família

f e l i z

mas,

na melhor das

hipóteses,

se entrega apenas

a

manteiga com

que

f o i associada; ao

invés

da m ulh er , t e m- se

a

foto da

modelo.

Re

sumidamente,

 em

v e z do que lhes

é negado, as

massas

fruem

reativamente

e

por

rancor

o que

a renúncia

lhes

engendra

e

que

ocupa

o

lugar

do

que

lhes é

recusado

(Estética,

p .

269).

O

entretenimento como ideologia, todavia, não

significa

a

construção do sujeito apenas

como

pseudo-atividade porque,

se

de um

lado

o sujeito o procura para

distrair-se

de s i mesmo, de

outro

e s sa

distração

mais

e

mais

exige a

volta

e

a ação

do s u j e i t o .

As

mercadorias

prometem

satisfação

mas,

em

última instância,

s ua principal linha de

fuga é a

do

autocontrole

da subjetividade.

A

prática

da

indústria

cultural

cerceia

o

prazer,

porque

as

pessoas

s ó conseguem t e r acesso

a

ele com   o molho de chaves da razão

capitalista

(Dialética,

p . 133).

A MTV sem dúvida,

é

um recurso de que m ui t os j ov e ns po

dem se valer para afirmar s ua po s iç ão social e elaborar s ua iden

tidade

mas

essa,

além de pouco plausível para eles mesmos, r e -

sume-se

à

montagem de uma imagem que

não

motiva s e n ã o um

tipo

de

ação:

o

consumo de

produtos,

e v ento s e situações que,

vistas como em s i mesmas

prazerosas,

reconduzem seus sujeitos

di r et am e nt e par a o

centro

do s i s t e ma que os

enfraquece

i n s t i t u

cionalmente.21

O problema,

convém

notar, não é que

o s i s t e ma proponha

diversões,

mas o

fato

de que

ele confunde

ou estraga o

prazer

2

 

ROGERS, F .

 

REAL.

M.

T h e o r i n g

P o s t m o d e r n

S t a r s ,

p .

2

1

5 - 2

1

6 .

Page 216: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 12 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e

a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

imediato a que as pessoas afinal

de

contas não s ó precisam

como

têm todo o d i r e i t o , ligando-o de m an e i ra m e di ata a todo

o

tipo de

negócio

e

ação

mercantil.

As

experiências

que

o

acionam tendem

a

ser

ligadas ao

consumo de mercadorias ou

a alguma espécie de

sucesso económico. O reconhecimento do prazer do texto pro

porcionado

pela

indústria

cultural é uma exigência intelectual

que não deveria

nos fazer

esquecer que

esse

prazer, em geral,

serve para

manter certas relações de pode r e as estruturas

de con

t r o l e

social

c a p i t a l i s t a s .

A

Revista

Nova

(Cosmopolitan),

por

e x e m plo ,

enseja

uma

prática de

leitura

em que

o prazer do texto é

inseparável da mo

bilização

vicária das pai xõe s consumistas. A exaltação da femi

nilidade por ela

promovida

exagera

os

poderes transformadores

do

a r t i f í c i o adquirido no mercado. O acompanhamento das maté

r i a s

conjuga

satisfação imediata com

o texto

e estabelecimento

de uma agenda de consumo.

A

experimentação

subjetiva com

a

identidade é inseparável

do

s eu disciplinamen t o mercadológico,

de

modo que não

surpreende

o

fato de   a artificialidade ser nela

frequent ement e celebrada como uma forma

de

trucagem, que

permite [ à

l e i t o r a ]

criar

um

e u

mais bonito,

s e x y e desejável do

que o permitido pelo existente . 22

À

primeira vista

liberado

de todo f r e i o , o hedonismo a t u a l ,

de f a t o ,

não pode

ser

desligado

das rotinas racionais de vida

e

prejuízos

interiores que

advêm de nossa

dependência

à economia

de

mercado

e ao s i s t e ma empresarial. O

divertimento

t e nde a ser

viciado por forças externas,

que

bloqueiam s eu emprego

produ

t i v o , quando não

desviam para

outros

fins

suas

fontes mais

e s t i

mulantes. As pessoas consomem

não

apenas porque esse é diver

t i d o , mas porque todo o

mais

que também poderia sê-lo é de s

prezado

pelo

s is t e ma dominante.

As satisfações obtidas pelo consumidor

implicam

a repressão

de quas e

todos

os

desejos

que não

se

coadunam

com

o

valor

de

troca e os regramentos mercantis. Os esquemas mediante os

quais se obtém um

certo prazer

importam em um disciplina

mento da

subjetividade.

Portanto,

não

é fortuita a

circunstância

OULLETE,

L .

  I n v e n t i n g

th e

Cosmo G i r l .

I n :

M e d i u , C u l t u r e & S o c i e t y v .

2 1 :

3 5 9 -

3 8 3 , 1 9 9 9 . C f . F r a n c i s c o

R u d i g e r :

 Você s . a . , o u E u ,

c i a .

I t d a . I n : A n a i s

d a

9 Reu

n i ã o

A n u a l

d a

C o m p ô s .

P o r t o

A l e g r e :

Compôs,

2 0 0 0 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 213

de até mesmo

os

espetáculos mais

cómicos

serem produzidos

com recursos

e valore s at rav é s

do s quais, em paralelismo com

a

vida, se

representam

a

violência

de

classe

disfarçada

de

sorte

dos

pobres, o profissional

bem-sucedido, o

shopping-center, as

mansões do bairro

burguês,

a

balconista loquaz

e simpática e , f i

nalmente, os

eletrodomésticos, auto m ó v e i s

e

roupas

da moda,

i n

clusive quando estes

bens não s ão

postos

na

conta da publicidade

como merchandising (Dialética, p . 134).

Os sujeitos se div e rt em mas , ao

mesmo t e mpo,

 nenhum po

de

mais

se

perder

de

s i

mesmo

(Dialética,

p .

136),

porque

e s sa

diversão continuamente os reconduz

de

maneira semiconsciente

ao s i s t e ma

do qual

pretendem

se

d i s t r a i r ou desejam

se

esquecer,

ainda que

momentaneamente. A linguagem em

que

se

baseia

suscita

sem

parar a

vontade de

saber

o objetivo

comercial

que

ela

persegue e pel o qual o público não tem menos

interesse,

até por

que

pode

ser

a

oferta

de

outra diversão.

As

mercadorias culturais

se

caracterizam

pelo

fato

de propiciarem

satisfações

que

rara

mente conduzem o indivíduo para

fora da

ordem c a p i t a l i s t a . A

música

popular revive

nas pessoas

a sensação

de que

têm um

corpo mas, vendo

mais perto, nota-se que os movimentos

 re

produzidos

pelo

ritmo, repetido com rigidez mecânica,

s ão

idên

ticos

àqueles dos

processos

de

produção que espoliaram o indi

víduo daquelas

funções corporais

(Música, p .

64).

Na

verdade,

as mercadorias têm para as pessoas

o

valor mais

ou menos combinado de esquemas de ação e , como se verá adi

ante, pólos de absorção. Os estímulos ao cultivo mercantil

do

e u

interagem com outros, em que e s s e e u

é

instado a se dissolver em

alguma

forma

supra-individual. O

e squeci m en t o de s i mesmo,

a

regressão da consciência e a indiferença momentânea proporcio

nados pela

dis tração e

o prazer

do

texto s ão atravessados por

mensagens que lhes sugerem formas para recuperar, via consumo

simbólico,

o que lhes

é

alienado

socialmente.

O

palavreado furado e a lenga-lenga que as pessoas toleram

nos m e i o s de comunicação

se parecem

por

isso

com um

ingre

diente ao mesmo tempo penoso, através do qual

elas

procuram

saber como conduzir s ua

vida

pessoal na sociedade c a p i t a l i s t a ,

enquanto o circo

romano

e o bordel a

cé u

aberto

pelos

quais e l a s ,

em

virtude de tudo

que lhes acontece, secretamente

anseiam e

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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214

F r a n c i s c o

R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

dos

quais

e s tamo s

cada

v e z

mais

próximos não lhes s ão provi

denciados

pela indústria

do

divertimento.

Nos

lazeres

industriais,

verifica-se,

portanto,

uma

tendência

à felicidade ceder

lugar

à categoria

da excitação

sensível.

A

r e

flexão

exigida pela primeira mais

e

mais dissolve-se na sensação

passível

de

comércio. O espanto com a vida moderna desejado

pe los po et as malditos converte-se

 em excitante

de massa, no

destrutivamente embriagador, no s hock como bem de consumo

(Mínima moralia, p .

136).

Os

prazeres

não

podem

ser

separados

dos

negócios,

cada

v e z

mais uma esfera

é

mediada pela outra: o entretenimento exercita

o

indivíduo

no pr e enchi m en t o das co ndi çõe s s o b as quais

ele

está

mais ou menos

obrigado a viver

na sociedade

contemporânea. Os

conteúdos hedonistas não

podem ser

separados do s

disciplinares.

Em Invasão de privacidade (Philip Noyce, 1993), por exemplo,

o apartamento

e o s apar e lh o s

eletrónicos

merecem

tanto interesse

quanto

o

enredo.

Os Flinstones,

s ó para

c i t a r

mais

um

caso,

cria

ram,

através

de

todo

o

tipo

de produto

mercantil,

um mundo que

não se permite entender apenas como fantasia estapafúrdia, po

voada

por personagens humorísticos: o

cómico é

mantido em

suspenso

devido ao s e s tí mulo s à inspeção dos padrõe s de vida,

dis traçõe s e be ns de consumo disponíveis pelos trogloditas

da

era tecnológica.23

Em síntese, o fenómeno sugere que o consumo de diversão e

lazer

industrial

é

 um r i t u a l em que

os

sujeitos

celebram s ua su

jeição

(Indústria,

p . 77). Os esquemas de que se

r e v e s t e m

os

bens

culturais

incentivam os s e us consumidores a decifrar suas

figuras

no

plano

de

s ua

própria vida,

na medida

em que

s eu

digo

de escrita é a publicidade. Os indivíduos

tendem e

s ão e s t i

mulados

a

l e r

o

material posto

diante de

s i

como roteiros

da con

duta recomendável no contexto do modo de vida

c a p i t a l i s t a .

A

carreira a r t í s t i c a

dos

astros é acompanhada como podendo servir

de

modelo para um

e s t i l o

de

vida, e a novela, como roteiro para

mudança

de comportamento.

Consequentemente

precisamos

concluir que a mensagem se

creta das mercadorias culturais com as

quais

as pessoas se diver-

2 3

C f .

JANET WASCO.

M.  

PHILLIPS,

ERIC PURDIE:

 Hollywood

m e e t s M a d i s o n

A v c n u e .

I n :

M e d i a ,

C u l t u r e

&

S o c i e ty 1 5

( 2 7 1 - 2 9 3 )

1 9 9 3 .

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 215

tem é a

mensagem do c a p i t a l .  As

pessoas podem

l e r por entre as

linhas [que lhes dão o prazer do texto, mas falam] a língua do

poder

e ,

semiconscientem ente,

 elas compreendem

e

se

ajustam

a

e s sa

linguagem [ . . . ]

embora não

como

uma

criança

que

tem

uma confiança natural na autoridade, mas como um adulto que

desiste da

individualidade

já adquirida . 4

O capitalismo avançado se reproduz

em

boa parte

porque

as

pessoas

se div ertem

e ,

assim,

se

convertem nos sujeitos

de que o

s i s t e ma

necessita

para sua reprodução. A resistência que se man

tém

mesmo

diante

da

pressão

t o t a l

da

economia

de

mercado

é

uma resistência que tende a se inscrever dentro de seus l i m i t e s . O

en t re t en imen t o po ssi velm ent e

representa

pois

uma

das

bases

se-

miconscientes, embora pouco

legítima para

seus

próprios agen

t e s ,

do

que poderíamos chamar de servidão voluntária moderna.

Na

prática da

indústria cultural articula-se

mais uma

fórmula

geral de

governo

dos

homens, a

modalidade que

-

pelos

m o t i v o s

externados

- chamaríamos

de

terapêutica,

do que

um

s i s t e ma

de

dominação, por

mais

direta

que

seja s ua

conexão com

os funda

mentos

em

que

se sustenta o

capitalismo.

6 . 2 A regre s s ã o da consciência

Adorno

procura

explicar

a

maneira

como

a

indústria

cultural

se

insere na estrutura de poder

vigente

na sociedade contemporâ

nea. A

perspectiva

não significa, porém, que visualize

na mesma

um simples instrumento de dominação. A instrumentalização das

técnicas

e

m e i o s dessa indústria com

objetivo estratégico

de

do

minação

e r a , para e l e , um processo eventual. A circunstância

de

pe ndi a de uma ação política por princípio estranha à indústria da

cultura.

Para dar conta dessas

situações, que estudou

com algum i n t e

resse, o

pensador

valeu-se

antes

do

velho conceito de propagan

da.25 Entretanto, convém notar que, para e l e ,

tanto essa, em

s ua

2 4 HORKHEIMER,

M. E c l i p s e d a r a z ã o , p . 1 1 0 - 1 1 1

.

C f . ADORNO. T .

  C r i t i q u e

o f D i e

t o t a l i i á r e propaganda D e u t s c h l a n d s und U a t t e n t

b y

S i e g f r i e d

K r a c a u e r [

1 9 3 9

]

  I n é d i t o ) ;

  A n t i - s e m i t i s m a n d f a s c i s t p r o p a g a n d a

1 9 4 6 ]

  I n :

T h e

s t a r s

down

t o

e a r t h .

L o n d r e s , R o ut l e d ge ,

1 9 9 4 ) ;

  D e m o c r a t i c

l e a d e r

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216 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

forma f a s c i s t a ,

quanto aquela baseiam-se no s mesmos mecanis

m o s . Ambas se

relacionam,

antes

de

mais nada, com a explora

ç ão

do

que

chamou

de

impulso

mimético, variando

apenas

a

finalidade (política ou económica).

Segundo

s e u

modo de ver,

tanto

a propaganda t o t a l i t á r i a

quanto

a indústria cultural

s ó

funcionam

na medida em

que ma

nipulam e s s e impulso.

Quer

uma, quer

outra

constituem uma

forma de canalização do inconformismo contra a sociedade que

desde o

princípio habita

o indivíduo civilizado.26

A

civilização

se

e rgueu

em

cima

da

repressão

de

det ermina

dos instintos, significa um

controle cada

v e z mais

intenso

dos

impulsos primitivos.

O

progresso

cultural como

um

todo

consiste

em

boa

parte na conversão desses impulsos em condutas racio

n a i s . As renúncias que dis s o r e sultam, todavia, não s ão fáceis de

suportar e não se obtêm sem prejuízo.

A

tendência

para

retornar

à s it uaç ão primitiva, as explosões

de

violência, a

morbidez cole-

tiva

e

outros

fenómenos

regressivos

dependem

do

maior

ou

me

nor

êxito com que

e s s e

pr oce s s o pe rm it e

ao s homens

se

auto-

realizarem

e

serem felizes

pessoalmente.

O

esquematismo

promovido pela indústria cultural constitui

uma forma

de

articular e s s e s impulsos recalcados, construindo

modelos

de

comportamento.

O

progresso não

cumpriu suas

pro

messas, sobretudo

a

de permitir uma vida justa para

todos.

As

mercadorias culturais da indústria fornecem uma compensação,

já que, através delas, os indivíduos se habilitam a administrar o

que

lhes

subministra a psicodinâmica que

advém de serem parte

s h i p a n d

m a s s

m a n i p u l a t i o n

[

1 9 5 0 ] ;   F r e u d i a n t h e o r y a n d

t h e p a t t e r n o f f a s c i s t

p r o p a g a n d a

[ 1 9 5 1 ]

  I n :

T h e

C u l t u r e i n d u s t r y .

L o n d r e s ,

R o u t l c d g e , 1 9 9 2 ) .

Leo

L o w e n t h a l e N o r b e r t G u t e r m a n n : P r o p h e t s o f d e c e i t . Nova Y o r k , H a r p e r , 1 9 4 9 . Con

f o r m e

s a b e m o s

p o r

d e c l a r a ç õ e s

d o

p r i m e i r o

a u t o r ,

a

i n t r o d u ç ã o

e

d i v e r s a s

o u t r a s

p a s

s a g e n s

d e s s a ú l t i m a o b r a b a s e a r a m - s e e m

e s b o ç o s

e s u g e s t õ e s

d e

A d o r n o . C f . P a u l

A p o s t o l i d i s :

S t a t i o n s

o f t h e C r o s s :

T h e o d o r Adorno and

th e r i g h t t v i i t g

C h r i s t i a n

r a

d i o . Durham ( N C ) :

Duke

U n i v . P r e s s , 2 0 0 0 . P o d e - s e

c o n s u l t a r t r a d u ç ã o

d o s t e x t o s

s o b r e

p s i c o l o g i a d e

m a s s a s

e p r o p a g a n d a t o t a l i t á r i a

n o s i t e

< h t t p : / / m e m b e r s . f o r t u n e c i t y . c o m / f r a n r u d i g e r / A d o r n o i n t r o . h t m > .

2 6

C f . HORKHEIMER,

M. E c l i p s e d a

r a z ã o , p . 1 2 9 - 1 3 8. S é rg io

P a u l o

R o u a ne t : T e o ri a

c r í t i c a

e

p s i c a n á l i s e ,

p . 1 1 7 - 1 5 6 .

D e s n e c e s s á r i o

s u b l i n h a r , p a r e c e - n o s , a

p r e s e n ç a

d a s

i d é i a s f r e u d i a n a s n e s t a

a v a l i a ç ã o . A

p r o p a g a n d a

f a s c i s t a e a i n d ú s t r i a c u l t u r a l s ã o

f o r m a s

d e   p s i c a n á l i s e a o

i n v e r s o ,

como

g o s t a v a m

d e d i z e r

o s v e l h o s

f r a n k f u r t i a n o s

  a

e x p r e s s ã o

f o i

c u n h a d a

p o r

Le o

L o w e n t h a l ) .

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o 2 17

das

massas

e

que

ao mesmo t e mpo,

po r é m , favorece

s ua

massifi-

cação

(Escritos, p . 66).

Atribui-se a

Adorno

simplificações

a

respeito

do

poder da

mídia que, na verdade, s ão as dos propagandistas das comunica

ções.

Observa o pensador que , r e alm e nt e ,

não

e x i s t e m métodos

seguros para controlar

ou

conduzir as massas. O resultado de sua

aplicação varia conforme a disposição delas para s e r e m seduzi

das:

Ouve-se

frequentemente afirmar que os modernos recursos de co

municação

de

massa,

como

o cinema, o

rádio

e a

t e l e v i s ã o ,

ofere

cem a quem

disponha deles

a

garantia

de

dominar

a s massas, gra

ças

à

manipulação

desses meios t é c n i c o s .

Mas

os veículos

de co

municação,

por

s i s ó ,

não constituem o

perigo s o c i a l . O

seu co n

formismo

não

f a z

mais

do

que reproduzir

ou ampliar a s

predispo

sições para

uma

submissão

ideológica,

a qual

encontra

s eu ob je to

na ideologia apresentada

pela

comunicação de massa (Temas, p .

8 7 ) .

Para

Adorno, a e xplicação pas sa pelo que chama

de

manipu

lação ideológica

das

massas. No entanto, e s sa

deve

ser

bem e n

tendida. Manipulação não

é

um

conceito

c r í t i c o , mas ideológico.

Em primeiro

lugar,

porque,

na

indústria

da cultura,

aquela

não

é

instrumental.

 A transferência

de conexões funcionais e

de

res

ponsabilidades objetivas para pe s s o as também faz parte

da

ideo

logia dominante (Indústria,

p .

103). Os

profissionais do

ramo

constituem na

melhor

das hipóteses

um

bode

expiatório,

geral

mente

empregado

pelos ade pt os das teorias conspiratórias, até

porque não se pode negar que h á

 pessoas com

posições c r í t i c a s ,

autónomas e às v e z e s até oposicionistas na mídia tanto quanto

na sociedade.27

Elizabeth Taylor e Michael Jackson,

com

todas as suas ma

nias

e esquisitices, mostraram maior

espírito

humanitário

do

que

boa parte do s líderes   populares africanos conhecidos em nos so

passado recente, ao coordenarem campanhas em favor das mas

sas famélicas e dos doentes de Aids nos anos 1 9 8 0 ( We are the

world ). Bono

Vox e

outros astros da música

pop

têm puxado

campanhas

portadoras

de

consciência m or al m ui to maior

do

que

2 7 ADORNO, T . Educação e

e m a n c i p a ç ã o , p . 8 2 .

C o n f i r a ,

p o r é m ,

a s

r e s s a l v a s

q u e s e i m

põem

à

h i p ó t e s e

e m

N o t e s

t o

L i t e r a t u r e

I I ,

p .

2 9 9 - 3 0 4 .

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218 F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

a

revelada

pela maior

parte dos líderes

polí ticos norte-

americanos do

século

XX. No Brasil, Renato Aragão, encenador

de

comédias

populares

baratas

e

primárias

no

cinema

e televisão,

ajudou

a mobilizar recursos em favor da infância desvalida em

volume maior do que o fizeram muitos minis té rios e governos

republicanos.

O

ponto não

é pois

esse: na c r í t i c a

à indústria cultural, as

pesquisas s ão

orientadas no

sentido de descobrir   os mecanismos

objetivos

da popularização

do

popular antes que as manipulações

e

intrigas

dos

charlatões (Indicadores,

p .

124).

Atualmente,

a

man i pulaç ã o de v e ser vista como uma faceta

do

espírito

objetivo,

dos processos

em

ação

na

estrutura

da

sociedade.

O

procedimen

t o não se confunde com

os

expedientes maquiavélicos

de

que

lançam mão pequenos grupos que, no entanto, têm s ua parcela de

responsabilidade:

[ o expediente] impõe-se v i a regras de experiência, avaliações de

s i t u a ç õ e s ,

c r i t é r i o s

t é c n i c o s ,

cálculos

economicamente

i n e v i t á v e i s ,

em todo o peso específico do aparato i n d u s t r i a l (Minima moralia,

p . 1 8 0 ) . 2 8

Em

segundo

lugar, precisamos

notar que, relativamente

a

es

se processo,

verificável na

conduta dos produtores quanto

na

dos

consumidores, as

técnicas

pouco têm a ver: o fenómeno se baseia

numa predisposição construída

ao

longo da civilização.  As

ne

cessidades

culturais

s ão

um

tanto

inarticuladas;

mesmo

as

p r á t i

cas da indústria cultural nã o pr o duz i r am a í

tantas modificações

como querem fazer crer e como facilmente se assume (Estética,

p .

272).

As tecnologias de difusão da cultura

seguem

a

linha

da me

nor resistência: d e s e n v o l v e m - s e com

base

nos mecanismos de

oferta e procura e se aproveitam de disposições

psicológicas,

 cuja

existência

entre

os

homens devemos

admitir

como

dada

[historicamente] (Intervenções,

p .

1 34-1 3 5 ) .

O capitalismo moderno

não

engendrou a indústria cultural e

depois

os seus

diversos

públicos: produziu ambos ao mesmo

  A e s c u t a d a m ú s i c a l i g e i r a n ã o é m a n i p u l a d a t a n t o p e l o s i n t e r e s s a d o s e m s u a

p r o d u

ç ã o

e

d i f u s ã o t a n t o q u a n t o p o r e l a mesma, p e l a s u a

n a t u r e z a

i m a n e n t e , q u e e s t a b e l e c e

um s i s t e m a d e r e f l e x o s c o n d i c i o n a d o s e m s ua s v ít im as

( I n t r o d u z i o n e

a l a s o c i o l o g i a

d e l i a

m u s i c a ,

p .

3 6 )

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D e s t i n a ç õ e s do

s u j e i t o :

r e g r e s s ã o

a

a s s u j e i t a m e n t o

219

t e mpo, conforme um processo de de pe ndê nci a reciproca,

cujas

bases, po r é m ,

remontam

às origens

da

vida

em

sociedade. As

práticas

em

que

se

baseia

semeiam

em

terreno

cultivado. Os

consumidores com

as quais

lida estavam famintos

de

magazines,

cinema

e televisão muito tempo

antes

deles

surgirem,

ainda

que

não o s o u b e s s e m .

A complexidade

de

conjunto, que fomenta

a

crença segundo a

qual

os

senhores do próprio e s p í r i t o são também

os

senhores da

época,

repousa

unicamente

na circunstância de que inclusive

aquelas

ma

nipulações

que

reiteram

a

adoção

de

uma

conduta

adequada

à

rea

l i d a d e entre

o

público

também

s e

referem a

momentos da

vida

consciente

ou inconsciente

do s consumidores e que, sob

a

capa

de

j u s t i f i c a ç ã o , eliminam o sentimento de culpa

[ d e

não poderem

s e r

vividos na r e a l i d a d e ] ; na circunstância de

que,

em

relação

à censu

r a e adestramento a um comportamento

conformista, sugeridos

pe

l o s gestos mais contingentes do

espetáculo

t e l e v i s i v o , o processo

todo

conta não apenas

com

os homens configurados segundo

um

esquema

de

cultura

de

massa

que

remonta,

com

todo

seu

p r e s t í g i o ,

aos i n í c i o s da novela inglesa do f i n a l do século XVII, mas sobre

tudo

com a s

formas de r e a g i r postas

em funcionamento durante t o

da

a

idade

moderna

e que s e i n t e r n a i

izaram como

uma segunda

na

tureza muito

antes

de

s eu

e m p r eg o

em manobras

ideológicas ( I n

tervenções, p . 7 1 ) . 2 9

Os monopólios da

cultura

retiram muita força de s e u poderio

económico

e

do

controle

da

oferta,

mas

não

se

manteriam

se as

mercadorias não con t i v e s s e m em s i

mesmas

um conteúdo social

e humano, não

encontrassem

a

devida

acolhida na subjetividade.

As práticas da

indústria

cultural   precisam relacionar a

técnica

com

os sujeitos, momento

que

logo

r e m e t e

à estrutura

social

e

ao s conflitos

típicos

entre o e u

e

a

sociedade .30

Segundo Adorno,

em última instância, e s s e momento é a i n

tegração

do

associal,

a

corroboração

das t e ndê ncias

primitivas

P a r a A d o r n o , a t u a l m e n t e j á n ã o é m a i s

p o s s í v e l

e s t a b e l e c e r

uma

r e l a ç ã o d e

c a u s a

e

e f e i t o n e s t e

c a m p o ,

n ã o é m a i s

p o s s í v e l

s a b e r

  em

q u e m e d i d a o s m a s s m e d i a moldam

o e s t a d o d e c o n s c i ê n c i a e , d e modo i n c o n f e s s a d o . também

o

e s t a d o d e i n c o n s c i ê n c i a

d e s e u s c o n s u m i d o r e s ,

mas também

e m q u e

m e d i d a e s s e s

j á n ã o

e s t ã o

m o l d a d o s a o s

m a s s

m e d i a

e o s

a l m e j a m

f i x a d o s

n o s e m p r e

i g u a l

( P o d e o

p ú b l i c o

q u e r e r ' /

I n :

C -

h r i s t i a n

K i e l i n g   o r g . ) :

T h e o d o r Adorno -

e l e m e n t o s p a r a a

c r i t i c a d a i d é i a

d e o p i n i

ão

p ú b l i c a .

P o r t o A l e g r e :

U f r g s , 2 0 0 2

[ m o n o g r a f i a d e

g r a d u a ç ã o ] , p .

5 0 ) .

1 0

ADORNO,

T .

 Moda

sem

t e m p o ,

p .

1 9 4 .

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2 2 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o

e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

reprimidas pela marcha

do

progresso.

O

fundamento em que se

baseia a indústria cultural é um mecanismo arcaico, que é explo

rado

e

dirigido

pela

tecnologia

mais

moderna,

 consist indo

nos

instintos reprimidos das m as s as , ou mais, simplesm ente, não sa

t i s f e i t o s , ao s quais se orientam direta ou

indiretamente

as merca

dorias culturais

(Intervenções,

p .

70).

Vendo

bem,

o

hedonismo

ordinário, o gosto bárbaro e as

v i

brações

coletivas, cuja

e scalada hoj e constatamos, não s ão fruto

do primado

que

teriam readquirido os ideais comunitários, como

quer

Michel

Maffesoli.31

Os

fenómenos

tão

bem

descritos

pelo

pensador se explicam, por hipótese, de outra maneira. O retorno

do

sensualismo

primitivo ao proscênio

social é ,

na

verdade, uma

espécie de regresso ao reino das imagens arcaicas promovido pe

l o poder económico mais avançado.

O primitivismo de tantas manifestações da cultura de merca

do

é tão moderno

quanto

os selvagens que as consomem; o ele

mento

individualista

moderno

que

nelas

às

v e z e s

se

encontra

é

tão ilusório quanto o e l e m en t o coletivista arcaico: representam

umas

e

outros  uma tentativa

de romper com o mundo do f e t i -

chismo da mercadoria, sem

de

fato

mudá-lo, e

que,

por causa

disso, vê-se cada ve z mai s enredado neste mundo .

As tecnologias do imaginário não s ão movidas por nenhum

desejo de comunhão,

mas

pela vontade

de

poder

do

c a p i t a l ,

dos

seus

sujeitos,

que não deixam

de

explorar as

válvulas

de escape e

linhas de fuga do s i s t e ma que os criou e eles reproduzem .

As

mercadorias culturais praticam desde fora par a de nt r o o que de

fato provém

de uma tendência

regressiva interior à consciência,

mas essa,

convém

notar,

é , em

última

instância, produzida pelas

contradições do movimento civilizatório.

A i n d ú s t r i a c u l t u r a l modela-se pela regressão mimética, pela mani

pulação de impulsos de imitação

recalcados e ,

para i s s o , e l a s e s e r -

C f . A c o n q u i s t e i d o p r e s e n t e . R i o d e

J a n e i r o :

R o c c o , 1 9 8 4 . A Sombra d e D i o n í s i o . R i o

d e

J a n e i r o :

G r a a l , 1 9 8 5 . O t e m p o

c i a s t r i b o s .

R i o

d e J a n e i r o :

F o r e n s e , 1 9 8 7 .

A

c o n

t e m p l a ç ã o

d o m u n d o . P o r t o A l e g r e : A r t e s

 

O f í c i o s , 1 9 9 5 .

No

f u n d o d a s a p a r ê n c i a s .

P e t r ó p o l i s : V o z e s , 1 9 9 7 . V e r F r an c is c o R u d ig e r : C i v i l i z a ç ã o e B a r b á r i e

n a

c r í t i c a d a

c u l t u r a c o n t e m p o r â n e a : L e i t u r a d e M i c h e l M a f f e s o l i . P o r t o A l e g r e : F . d i p u c r s , 2 0 0 2 .

ADORNO, T .  On j a z z , p . 5 3 . E s c r e v e Adorno a B e n j a m i n :  O a r c a i c o é uma f u n

ç ã o d o n o v o : e n q u a n t o t a l , é

s ó

a lg o h i st o ri ca me n te p r o d u z i d o

e ,

p o r i s s o , a l g o

d i a l é -

t i c o

e

n ã o

p r é - h i s t ó r i c o

( C o r r e s p o n d ê n c i a ,

0 5 / 0 4 / 1 9 3 4 , .

o p .

c i t . ,

p .

5 4 ) .

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o

2 2 1

ve do

m é t odo

de antecipar

a

imitação dela mesma pelo espectador

e de fazer aparecer como j á subsistente o assentimento que e l a pre

tende

s u s c i t a r .

Ela

consegue

f a z ê - l o t a n t o

melhor

quanto

mais,

em

um sistema e s t a b i l i z a d o , e l a pode contar de f a t o com t a l a s s e n t i

mento, precisando

muito mais

r e p e t i - l o de m ane ir a r i t u a l

do

que, a

r i g o r , produzi-lo. O

que

e l a produz

não

é um estímulo, mas um

modelo para maneiras de r e a g i r

a

estímulos ( M í n i ma moralia, p .

1 7 6 ) .

Escrev e

Adorno que,  atualmente , as

ne ce ss idade s s ão

completamente

externas

a

seus

portadores

e ,

satisfazê-las,

vem

a

ser seguir as regras

dos

anúncios (Escritos,

p . 49). A

fidelidade

ao método

crítico exige

que

se

abra mão dos t er mos absolutos da

sentença porque, como

diz

o próprio autor, inclusive na indústria

cultural

  continua

a

se faz e r valer

constantemente a

consideração

dos interesses reais

das

massas, das estruturas reais dos interesses

e

de s ua existência r e a l , mesmo que de maneira solapada .33

Fredric Jameson captou bem o ponto

observando,

em

segui

mento a

e s sa

linha de

raciocínio, que

as expressões da cultura de

mercado s ó s ão disciplinadoras ou, como ele d i z , ideológicas, na

medida

em que

contêm

e l e m e n t o s utópicos implícitos ou

explíci

t o s ,

com as quais sati sfaz em mas , ao mesmo t e m p o , manejam as

necessidades do s co ns um i do r e s. A prática da indústria cultural

a r t i c u l a ,

gerencia e

desativa os problemas

sociais e impulsos

in

dividuais

dos

seres

humanos s ob

as

condições

atuais

de um mo

do que,

por

mais

que esteja

distorcido e previament e

finalizado,

permite que se expressem no s so s medos mas também nos sos an

seios com relação à

vida

em sociedade.34

O processo

social não

i n f l u i

sobre

as

pessoas apenas

desde

fora e

cada v e z os controla menos exteriormente, embora efeitos

como e s s e s não tenham

desaparecido

po r co m ple t o . Quem

agen

cia

as tendências

ordenadoras

mas, também,

as

desintegradoras

do

s i s t e ma

dominante

s ão

sempre

os

seres

humanos

em

condi

ções determinadas. O

de s en vo lvi m en t o de

uma

ação

autónoma e

de

um

modo de

vida

independente é

mais uma imagem

do

que

algo

r e a l

para

a

grande maioria dos

integrantes da sociedade.

ADORNO, T .   CANETTI, E .   D i á l o g o s o b r e a s

m a s s a s ,

o medo e a m o r t e . I n :

No

v o s e s t u d o s C e b r a p 2 1   1

1 6 - 1 3 2 )

1 9 8 8 . p . 1 2 1 .

JAMESON. F .   R e i f i c a ç ã o e u t o p i a n a c u l t u r a

d e

m a s s a . I n :

A s

m a r c a s do v i s í v e l .

R i o

d e

J a n e i r o :

G r a a l ,

1 9 9 5 ,

p .

9 - 3 5 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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222

F r a n c i s c o R i i d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

 Aquele que se nega a aceitar e s s e fato e se

conduz

como se isso

não tivesse ocorrido não andará, será arrastado [pelo sistema]

(Dissonâncias,

p .

189).

Conforme

pr ogr ide a di ss oluç ão das relações

imediatas,

as

sociadas com a família, a oficina e o pequeno negócio,

verifica-

se que mais e mais os átomos sociais, que formam as novas cole-

tividades, anseiam po r s e gur anç a

económica, proteção

s o c i a l ,

conforto

psíquico e l i v r e expr e s são

da

subjetividade.35 Os

con

sumidore s se ajustam externamente, mas s en t e m - s e inseguros

em

nível

mais

profundo.

As

diversões

encobrem

todo

o

tipo

de

ansi

edades. O

entusiasmo com

as

últimas

novidades postas no

mer

cado e a euforia com

as

diversões repousam em uma consciência

facilmente abalável e

sujeita

à infelicidade.  A consciência feliz

revelada em público esconde um e u f r á g i l ,   é uma delgada

super

f í c i e sobre o temor, a decepção e o desgosto .3 6

As

mercadorias

culturais da indústria podem ser v i s t a s , nes s e

sentido,

como

um

apelo

consolador

do

capital

à

multidão

s o l i t á

r i a , na medida em que permitem à sociedade administrar a expe

riência

coletiva e a satisfação das nece s s idade s que dela

decor

re m . A exploração dos espectadores pela televisão e da televisão

pelos e spectadore s para

satisfazer as suas

necessidades

é

uma es

pécie de co o pe r aç ã o em grau primitivo, mesmo que os interesses

dos últimos não s e ja m totalmente claros para

e l e s , mesmo

que

eles também s e jam em parte fraudados pelos m e i o s de comuni

cação.

O

consumismo e

o lazer promovem um estado de

( f a l s a )

e u

foria que, todavia, contém um

momento

de

verdade, na medida

em que

se

 não há felicidade que não

esteja

comprometida com a

satisfação

de um

desejo socialmente constituído,

também não há

nenhuma que não prometa

alguma coisa

qualitativamente

dife

rente desta espécie de satisfação (Prismas, p .

87).

A racionali

zação das condições

de

existência

acarreta um

disciplinamento

mercantil da subjetividade que,

via

indústria

cultural, estende-se

à esfera íntima

e ,

talvez, não fosse

s upo rt áv e l pe la

maior parte

das pessoas se e s sa indústria não contivesse uns momentos

emancipatórios.

3 5 ADORNO, T .   D e m o c r a t ic l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l at i o n , p . 2 8 3 .

1 6

MARCUSE,

H .

A

i d e o l o g i a

d a

s o c i e d a d e

i n d u s t r i a l ,

p .

86 .

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D e s t i n a ç õ e s

do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o

223

N out r o s

termos,

a

proposição

significa que o caráter s o

cialmente reificado

dos anseios

e

demandas

s ó funciona porque

capta algo

reprimido

pela sociedade.

As

vanguardas

paradoxal

mente colaboraram para fornecer ao público

uma

formatação da

vivência do shock que, junto com os m o t i v o s da arte bárbara, l e

vou a s ua

integração

às práticas da indústria c u l t u r a l . O f e t i c h i s -

mo da mercadoria

cultural não

é

somente uma projeção

das rela

ções sociais

c a p i t a l i s t a s ,

  representa

ainda alguma

coisa

não

t o

talmente

absorvida

em s eu interior (idem, p .

85).

Consta que

 Adorno

não

póde

dialetizar

o

U n t e n

(baixa

cul

tura) porque t e r i a

que

descobrir,

mesmo no

kitsch, mesmo na

r a -

dionovela,

mesmo no cinema comercial, ao lado do e l e m e n t o r e

pressivo,

alguns

grânulos de esperança

utópica .37 O

julgamento

precisa ser revisto. Como Ernst Bloch e ele próprio em relação à

art e le ve , o filósofo percebeu, embora muito

m od e s tam en t e,

que

nos lazeres industriais está

contido

mercantilmente um momento

estético

de

transcendência

das relações de produção

e troca capi

t a l i s t a s ,

sem

com

isso

ceder à bazófia populista de

que

a

cultura

de massa é

um

instrumento

de

emancipação.

Seria

romântico

assumir

que a

a r t e

a n t e r i o r era

totalmente

pura,

que o a r t i s t a criador

pensava

apenas em termos da consistência i n

terna do a r t e f a t o , e não também no e f e i t o da mesma sobre os es

pectadores. A a r t e t e a t r a l , em e s p e c i a l , não

pode

s e r separada das

reações da

audiência.

Do mesmo modo, v e s t í g i o s da reivindicação

e s t é t i c a

de s e r algo de autónomo, um mundo em s i

m e s m o ,

subsis

t e m a t é

mesmo

no mais t r i v i a l produto da

c u l t u r a

de massas ( I n

d ú s t r i a , p . 1 3 7 ) .

Os processos de

sujeição que a indústria

cultural

enseja

não

implicam a completa eliminação da espontaneidade mas, sim,

que ela é

levada para estratos

cada

ve z

m ai s pr o fundo s da estru

tura psicológica do indivíduo (Sociologia, p . 43). A saturação e a

apatia que o s i s t e ma económico e a própria indústria cultural não

podem

deixar de produzir

entre

os consumidores (Dialética, p .

151) s ó conseguem ser quebradas

com

o emprego de forças cada

v e z mais primárias que, todavia, fazem surgir necessidades e co

rouANET, S . P . É d i p o e o a n j o , p . 8 1 . I l u s t r a n d o a p r o p o s i ç ã o d o a u t o r , p o d e r í a m o s

d i z e r

q u e

f a l t a r i a

à c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l a a b o r d a g e m d a a r t e

s é r i a

p r e s e n t e , p o r

e x e m p l o ,

e m

 Museu

V a l é r y

P r o u s t

( P r i s m a s ,

p .

1 7 3 - 1 8 5 ) .

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224 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o c a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

locam

novas

demandas à

indústria

do entretenimento. O consu

mo

de be ns culturais

é algo que protesta contra

a

repressão da

espontaneidade,

exigida pelo

progresso,

ainda

que

s ó

seja

capaz

de fazê-lo participando do processo histórico global de racionali

zação.

O resultado é a

tendência à re gr es são da consciência, que a -

companha

a

conduta social na era da indústria da cultura. A cres

cente integ ração s ocial s e faz acompanhar da regressão individu

a l . O esforço que

v e z por

outra se encontra

no

sentido cont rário é

via

de

regra

um

esforço

paralisado.

A

fragmentação

da

experiên

cia

está se tornando

objeto

de mercantilização.

A economia l i b i d i n a l [assim

c r i a d a ]

revela-se sobretudo nos bares

da

moda, locus

da sociabilidade pós-moderna,

nos

quais os i n d i v í

duos

descentrados movem-se sem parar de encont ro em encontro,

enquanto

o

ruído gerado pela

música assegura

a

obsolescência

da

linguagem e a superfluidade da comunicação.38

O

realismo

cínico,

a

conduta

manipulatória

e

a crescente

de

silusão para com

os out ros

s ão

sinais de

uma vida

interior

e s v a

ziada

de conteúdo

vivo,

que tem contrapartida na tendência a e x

pr es s ar mo s no ss o modo de ser de forma impulsiva, imediata e

indiferenciada,

sempre

que

se colocam

condições

favoráveis e

boas

oportunidades.

Segundo

Adorno,

podemos

identificar dois tipos de

consu

midor

de

música

popular:

o

emotivo

e

o

obediente,

que,

para

e l e ,

correspondem ou s ão

análogos

ao s

princípios de

construção

ex-

pressivo-dinâmico e

rítmico-espacial da música de vanguarda do

século XX. A prática da indústria cultural atua em duas frentes, à

luz desse esquema.

Por

um lado,

a

do progresso

civilizador,

ma

nifesto

negativament e no s processos de sujeição;

de outro, a

da

regressão irracionalista, manifesto

em

igual sentido

no s

proces

sos

de

desintegração

da

subjetividade.

Conforme nos revela

a

convergência entre cois ificação e o

subjetivismo, trata-se de processos que não constituem opostos

absolutos, mas

contrários

condicionados

reciprocamente pelo

movimento

histórico. O

primeiro está

na

r a i z , sim, da formação

da

individualidade emancipada

mas,

sobretudo,

da

conduta

ma-

1 8 BERMAN,

R .

Modem

c u l t u r e

and

c r i t i c a l

t h e o r y ,

p .

4 6 .

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 225

nipuladora

e

calculista para com s i mesmo

e

para com os outros.

O segundo, em oposição, embora se comunique com a esponta

neidade,

r e m e t e

às

experiências

pelas

quais

o

sujeito

se

entrega

a

situações que

lh e

acenam com a possibilidade mais ou

menos

momentânea de

se

reduzir

a

uma espécie de

coisa viva, de

encon

t r a r um estado de desindividualização.

A

exemplo do

surrealismo, embora

noutro

plano, pois em es

sência carece de proposta c r í t i c a

e

construtiva, a experiência que

se faz por meio das

mercadorias que

veiculam o

segundo proces

s o

oscila

entre a

reificação

e

a esquizofrenia.

 A

subjetividade,

então, não se entende mais como a alma do cosmo e - como no

simbolismo

-

se

entrega ao maravilhoso,

que

se

realizaria

como

se as meras matérias, destituídas

de

sentido, reanimassem a s ub

jetividade

em

processo

de

dissolução (Prismas, p .

21 8- 219 ) .

A progressiva reificação das relações

sociais

fez com

que os

antagonismos sociais pa s sa s s e m

a desaguar

di re t am e nt e s o br e o

indivíduo, tornando cada ve z mais d i f í c i l o trabalho de sujeição,

a ponto de,

no

l i m i t e , a autoconservação passar a

satisfazer

o

in

divíduo unicamente pelo eventual logro

de

s ua formação,

 atra

vé s

de uma regressão que

ele

mesmo s o l i c i t a

à

indústria cultural

(Escritos, p .

62).

As práticas da indústria cultural agenciam cada v e z mais s i

tuações

em que

a cultur a burguesa e

suas

instituições, como a

família

e a

escola, em v e z de

serem

reforçadas,

s ão expostas a

uma

série de ataques

sem precedentes.

As mercadorias ensejam

situações em que,

à primeira v i s t a , a

figura

do sujeito,

em v e z de

reforçada, é

submetida

a

todo

tipo

de desconstrução. O problema

não é s ó que e s s e seja assim retratado, pois não é dife re nt e o pro

cesso

que

se pode

flagrar em boa

parte

da

arte

dita séria de n o s s o

t empo. A faceta

a notar é

o caráter fragmentário

e

desordenado,

s enão caótico e apocalíptico, mas só até certo ponto, das

suas

formas

e

s eu

acento

claramente

celebratório,

que

o

associam

mais

à orgia

primitiva

do

que

à reflexão pós-moderna.

[Em OMas s a cr e da s e r r a - e l é t r i c a

e

Sexta-Feira

1 3 ,

po r exemplo,]

a s

pessoas

são praticamente intercambiáveis,

j á

que nada apren

demos

sobre e l a s como indivíduos

e

virtualmente não há

constru

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226

F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

ção de qualquer

clímax -

apenas variações sobre a temática do a s

s a s s i n a t o ,

que criam um

padrão

mais

ou menos

r e v e r s í v e l . 3 9

Adorno

escreve,

n e s s e

sentido,

que,

  provavelmente,

as

co

municações de

massa envolvem em todos os seus níveis t odos os

mecanismos de consciência e

inconsciência evidenciados

pela

psicanálise

(Indústria,

p . 142). As

mensagens

s ão

estruturadas

em múltiplas

camadas de sentido. Embora   a

mensagem

de

ajus

ta m en t o e obediência cega pareça ser a dominante e mais perva-

siva

(idem,

p . 140), constata-se que

  a

um

número de gratifica

ções

reprimidas,

que

exercem

um

papel

importante

no

plano

l a

tente da mensagem, é

permitido de

algum modo

manifestar-se

na

superfície

como motivo de zombaria, obs ervaçõe s

empalideci

das, situações

sugestivas

e ardis s e melhante s

(idem,

p . 142).

A contrapartida do cálculo mais ou

menos racional através

do

qual os

indivíduos se deixam enganar

pelas

prom e s sas da i n

dústria, exercitando-se como

sujeitos

enquanto se

divert em e

in

formam,

s ão

os

momentos

de

regressão

da

consciência

que

se

obtêm através desse mesmo entretenimento. A espontaneidade é

virtualmente

disciplinada mas, em troca, é preciso satisfazer os

impulsos

reprimidos pela

civilização. A

l e i t u r a

das

mensagens

do

capital

é entremeada por momentos de escape e diversão em que

se

pode

regredir, livrar-se

com prazer do próprio e u

e , assim, do

processo de

assujeitamento.

A

sociedade jamais

h e s i t a

em

colocar

no

mercado

os

segredos

em

cuja irracionalidade a sua própria

e s t á

entrincheirada, v i s t o que o

proibido

deleitosamente

conservado

escondido

pode fornecer ao

c a p i t a l novas possibilidades

de

investimento nos meios de comuni

cação (Literatura I I , p . 4 3 ) .

As

mercadorias

culturais dominantes s ão presas da chamada

sedução da barbárie, na medida em que desenham esquemas de

reações

sensíveis

à

disciplina

que

o

s i s t e ma

social

exige

do ho

mem. Os espetáculos

que reúnem multidões, as casas

noturnas,

os filmes e a

música

de consumo,

mas

também

os

entorpecentes

e as explosões de violência

permitem

ao s sujeitos, privados de

ilusões,

contemplarem,

s e nã o v i ve nci ar e m o

passado primitivo

e

livrarem-se, ainda que s ó

po r uns

instantes, das

angústias

criadas

MODLESKI,

T .

  T h e

t e r r o r

o f

p l e a s u r e .

I n :

S t u d i e s

i n

e n t e r t a i n m e n t ,

o p .

c i t . ,

p .

1 6 1 .

Page 231: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s do

s u j e i t o :

r e g r e s s ã o

a

a s s u j e i t a m e n t o 2 2 7

por s ua condição de civilizados. A

manipulação

dos

e l e m e n t o s

arcaicos não

v i s a ,

então,

à

estimulação de uma rememoração

c r í

t i c a ,

pedagógica

ou

emancipatória,

mas

o

s e u

oposto:

a

satisfação

mais

ou menos

vicária

do s i mpuls o s regressivos

e de s t rut iv os de

seus sujeitos, o abandono

prazeroso

e ressentido

dos

restos de

consciência individual e s en ti m ento de humanidade ainda po s su

ídos.

As

fantasias

transgressivas, cabe notar, não s ão em s i mes

mas de ordem

regressiva,

porque também fornecem imagens de

realidade

diferenciadas.

O

indivíduo,

l e m b r e m o s ,

é

tanto

produto

do processo s o c i a l , quanto centro de

poder

que a e s sa r e s i s t e . A

possibilidade de reelaboração

progressista

das

heranças m ít icas e

atavismos individuais tende, po r é m , a ser posta de lado na esfera

cultural

da

indústria. A linha de força,

nela, é a da promoção

de

suas

violências

e fascínio em chave

de apropriação mitológica.

Conforme

anunciado

em

grande

e s t i l o pelas obras de

arte to

t a i s

wagnerianas,

é

isso

que

é

mais

tarde

empregado

pelos

mo

v i m e n t o s t o t a l i t á r i o s e , hoje, explorado

com

maior ou menor vo

racidade

e estupidez pelos espetáculos

vendidos

a

baixo pre ço

pelas agências culturais e e mpr e sas

de

comunicação,

das quais

dariam exemplo hoje a maior parte

dos

videojogos.

Detrás do esforço abnegado

posto

nos jogos de computador jaz

um

outro sonho, que

toma

bombardeios

indiscriminados por

espetácu-

l o ,

e

matanças

po r

heroísmo:

encontra-se

o

sonho

do

apocalipse,

da instrumentalização, do esquecimento e da estupidez mecaniza

d a . 4 0

No princípio

de s ua reflexão sobre

a

matéria,

pareceu

ao f i

lósofo que a prát ica da indústria cultural possuía sobretudo um

s entido ideológico. Os espetáculos representativos seriam regi

do s por um esquema genérico, que atuaria como meio de morali

zação

mercantil

das

massas

desmoralizadas.

As

investigações

sobre

a propaganda fascista e

os

programas de televisão não o

levaram a

negar e s s e

aspecto mas, antes, a precisar

s eu lugar na

constelação

histórica

e

cultural formada através

dessa atividade.

Adorno

percebeu

que

o entretenimento

superficial

por

ela

produzido se encontra

mesclado

a um

discurso o f i c i a l , composto

4 0

STALLABRASS,

J .

G a r g a n t u a ,

m a n u f a c t u r a i

nuas

c u l t u r e ,

p .

1 0 9 .

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2 2 8 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

por

mensagens ideológicas desgastadas, e vice-versa;

mas

não

s ão

e s s e s

e l e m e n t o s que realmente

capturam

o público

e

s i m os

conteúdos

mercantis

que

se

mesclam às

esperanças,

fantasias,

desejos

e necessidades dos indivíduos, conforme elas se de s e n

volvem

no

contexto de

vida

em sociedade. O conteúdo

manifesto

encobre um

material

latente que, e s s e

sim,

interessa

e

a t r a i as

pessoas

para os produtos:

Enquanto

a intenção continuamente

s e

v o l t a contra

o playboy,

a

dolce

v i t a e a s wild p a r t i e s , a oportunidade de dar uma olhadela

nisso

parece agradar

mais

do

que o

apressado

veredicto

condenató

r i o (Sociologia, p . 1 0 3 ) .

Os produtos

e

serviços

culturais que

o

público consome con

têm uma mistura de preceitos

ideológicos

realistas com fantasias

conscientes

e inconsciente s,

de satisfação de desejos com amea

ças de punição, de e s t í mulos produtivos e dissuasivos, de expres

sões conformistas e projeções utópicas cujo sentido, todavia, é

regressivo,

devido

à

dependência

ao

valor

de

troca,

à

necessidade

de o conjunto

atender

às expectativas, mesmo as inconscientes,

dos consumidores. Os progressos tecnológicos em que se basei

am

não

importam

na

eliminação ou mesmo redução

das

tendên

cias regressivas

em que se manifesta

a

raiva co nt ra o s

controles

i mpo s t o s pela civilização mas, antes, na s ua reativação controla

da e até certo ponto funcional.

Destarte,

a repetição

da

mensagem

de

que o

crime

não

com

pensa

permite às pessoas verem banhos de s angue

e

estupros de

inocentes, enquanto os ritmos da

moda

fornecem um pretexto pa

ra as pessoas simularem

atos sexuais sem censura pública. Nou

t r a s

veze s, a

violação da l e i

e a

própria

m o r t e

s ão associadas

à

sensação de liberdade, e pretensas denúncias

sobre

as mazelas da

sociedade

servem

para revelar os

encantos da

sordidez

e da

pe r

versão.

O fascínio

e

interesse

até

certo

ponto

crítico

com

que

se

assiste à destruição de bens de consumo, especialmente automó

veis e objetos de luxo, permanecem escondidos, através da ence

nação

a r t í s t i c a , o pretexto de

dis tração e

o f or m at o r e gul am e nt a

do.

A

constatação

revela que

a subjetividade

das

massas

consti

t u i ,

ao

mesmo t e m p o , a matéria-prima

e

a

arena

ondé emerge

uma

esfera

pública

articulada

pela

forma

mercadoria.

As

merca

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o

a

a s s u j e i t a m e n t o

229

dorias

  produzidas pela

indústria da consciência

s ão

criadas

com

os conteúdos e desejos da consciência de indivíduos concretos

que

vêem

a

s i

mesmos

como

consumidores:

s ão

essas

pessoas

que produzem os monopólios da mídia, ainda que sem

sabê-

lo 41

O

conformismo dominante no

discurso o f i c i a l e a leitura dis

traída

das

mensagens

do capital se

sustentam

na veiculação de

conteúdos culturais transgressivos,

cada

ve z mais explícitos, cujo

horizonte é uma ou

outra forma

de sensacionalismo. Os esque

mas

permitem

uma

liberação

controlada

do s i mpuls o s

recalcados

pela sociedade. As

mercadorias

culturais s ão produtos da

indús

t r i a mas, também, formações reativas através das quais s e canali

zam socialmente os resíduos do s i mpuls os

corporais

e t e m o r e s

primordiais herdados

da

pré-história

da

subjetividade

(Dialética,

p .

168-174).

O esclarecimento do ponto, por outro lado, nos permit e e n

tender o

significado ambivalente

das práticas

da

indústria

cultu

r a l . A

contradição

em que

se

encontram os s eus

sujeitos

  se e x

pressa de m ane ir a e xt re m a no fato de que os indivíduos, ainda

não de todo

coisificados, desejam

subtrair-se v e z por outra ao

mecanismo

de coisificação

à

mercê

do

qual se

encontram,

mas

também

e

ao mesmo

tempo

que em cada uma de

suas

rebeldias

contra

o fetichismo não façam s enão enredar-se

de

maneira mais

profunda e inextricável neste fetichismo (Dissonâncias, p . 56).

As celebridades e heróis

da

mídia, por

exemplo,   capacitam

as pessoas a vestirem-se, agirem e serem o que

quiser em

mas, ao

mesmo tempo, s uj eit am-nas à necessidade de desenvolverem

uma

imagem,

faz e r e m poses, construírem uma identidade com

e s t i l o ,

forçando-as

a se

preocupar com

a aparência e a maneira

como se

vestem

tanto quanto com a maneira

como

os outros rea

gem à s ua i mag e m . 4 As

pesquisas

de re ce pção mais sensatas

concluíram

que

a

l e i t u r a

de

romances

de

consumo,

por

e x e m plo ,

 fornece à l e i t o r a uma estratégia para tornar s ua situação atual

mais confortável, sem

que

se faça mudanças substanciais

em

s ua

4 1 NEGT, O .   KLUGE, A . P ub li c s p h e r e and e x p e r i e n c e , p . 1 3 3 .

KELLNER, D . Media c u l t u r e . Nova

Y o r k :

R o u t l e d g e , 1 9 9 5 , p . 2 8 5 . C f . L a u r c n

L a n g m a n :

  S h o p p i n g

f o r

s u b j e c t i v i t y .

I n : S h i e l d s , R . L i f e s t y l e s h o p p i n g .

L o n d r e s :

R o u t l e d g e ,

1 9 9 2 .

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230 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

estrutura,

mais do que um programa abrangente

para

reorganizar

sua vida

de modo

a

buscar

a satisfação de

um maior número

de

necessidades .43

Os sujeitos

da indústria

não se encontram submetidos a ne

nhuma manipulação externa,

porque

os

m o t i v o s

que os prendem

às mercadorias,

em última instância,

de fato lhes

pertencem.

A

consciência com a qual e s sa indústria trabalha deseja, sem o con

f e s s a r ,

liberar o impulso mimético recalcado.

As

mercadorias da

indústria

carregam as

esperanças, necessidades

e

desejos

dos

i n

divíduos,

que

secretamente

têm

v o nt ade de

se

liberar

dos

contro

l e s

racionais,

por

não

t e r e m sido bem-sucedidos

em

se enquadrar

razoavelment e

no

doloroso

processo

civilizatório

(Dialética,

p .

161).

Para

nós,

a circunstância

m o s t r a

que a espontaneidade ainda

está

viva,

escapa à s ua

completa

reificação e , enfim, que   no que

o púb lico e s pe r a

da [mídia] h á

também uma parcela

de verdade

(Cinema,

p .

170). O

sujeito

sistêmico

a

que

se

reduz

o

homem

em

no s s o

tempo

não o toma por i n t e i r o . Co nt r ar i am e nt e ao su

posto

pelos críticos culturais

reacionários,   na

cinzenta monoto

nia da consciência nivelada e reificada das massas

h á

muitos

im

pulsos

que servem de refúgio para

uma melhor

situação .

A l i t e r a t u r a de mercado, o cinema

comercial

e a

música

po

pular,

para não

c i t a r

casos mais evidentes,

possuem vários

exem

plos de obras em que

transparece

e se vivencia de maneira i m e -

4 RADWAY, J .

R e u d i n g

t h e

r o m a n c e .

C h a p p e l l H i l l ( N C ) :

N o r t h

C a r o l i n a U n i v .

P r e s s ,

1 9 8 7 , p . 1 4 4 .

4 4 ADORNO, T .

/ /

f i d o m a e s t r o

s o s t i t u t o , p . 2 5 9 . Os c h a m a d o s

e s t u d o s

c u l t u r a i s c r í t i c o s

vêm

s e d e d i c a n d o

a r e v e l a r

e s s e

c o m p o n e n t e

u t ó p i c o

p r e s e n t e

n a i n d ú s t r i a c u l t u r a l ,

sem l e v a r e m

c o n t a

a m o l d u r a m a i s a m p l a d e st e c o nc e it o ,

q u a n d o n ã o

a p r ó p r i a i d é i a

d e

t e o r i a c r í t i c a

d a s o c i e d a d e .

C f .

T a n i a

M o d l e s k i : L o v i n g

w i t h a v e n g e a n c e .

Hamdem

( C O ) : M e t h u e n ,

1 9 8 2 ;

J u d i t h

W i l l i a m s o n :

Consuming

p a s s i o n s .

L o n d r e s : M a r i o n

B o y a r s .

1 9 8 6 .

N i k o

V i n k :

T h e

n o ve l a s

n a r r a t i v e

o f

o p p r e s i o n

and

c h a n g e .

A m s t e r -

d a m : K o n i n k l i j k I n s t i t u u t v o o r d e T r o pe n , 1 9 8 8 ; A n g e l a M c R o b b i e : F e m i n i s m and

y o u t h c u l t u r e . L o n d r e s :

M a c m i l l a n ,

1 9 9 1 ; I a n A n g : L i v i n g

room

w a r s . L o n d r e s :

R o u t l e d g e .

1 9 9 6 ;

D o u g l a s K e l l n e r : Media s p e c t a c l e s . L o n d r e s :

R o u t l e dg e . 2 0 0 2 .

Deixamos

d e

r e f e r i r

  o s

t r a b a l h o s s o b r e

o consumo d o s s u p o s t o s e l e m e n t o s

u t ó p i c o s

d a c u l t u r a d e m a s s a q u e - sem q u e r e r - m o s t r a m como

e l e s [ n a

r e a l i d a d e ]

s e r v e m

p a r a

m a n t e r o s i n d i v í d u o s s a t i s f e i t o s com o c a p i t a l i s m o ( D e b o r a h C o o k : T h e c u l t u r e i n -

d u s t r y r e v i s i t e d , p . 1 3 4 ) .

C f .

J i m McGuigan: C u l t u r a l p o pu li sm . L o n dr e s: R o u t l e d g e .

1 9 9 2 .

J o h n F r o w : C u l t u r a l

s t u d i e s

and

c u l t u r a l

v a l u e . O x f o r d :

C l a r e n d o n

P r e s s , 1 9 9 5 .

M a r j o r i e

F e r g u s o n e P e t e r G o l d i n g   e d i t o r e s ) : C u l t u r a l s t u d i e s t u q u e s t i o n . L o n d r e s :

S a g e ,

1 9 9 7 .

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 2 3 1

diata uma

série

de esperanças

e fantasias

sobre como poderia ou

deveria

ser a

vida

coletiva fora do s ordenamentos burocráticos e

mercantis.

A

realidade

pode

não

ser

que s t i o nada m as ,

durante

certos

momentos, as pessoas deixam de pensar

e

agir

como

sujei

t o s , transcendendo as

duras exigências

que elas a s i mesmas têm

de se

colocar para

s e r e m bem-sucedidas individualmente.

A referência, todavia, explica

também

porque a

esquemati

zação da subjetividade promovida através da indústria cultural se

tornou um meio

sistêmico

de controle social jamais sonhado ( I n

dústria,

p .

138-39),

que

a

reabilitação

do

corpo,

do

afeto,

da

ação,

do

sexo, das cores

e s en ti m ento s

primitivos verificada,

mesmo nes s e s

casos,

não pode

ser dissociada, como é

regra no

r e s t o , do

interesse

racional

em

t i r a r proveito

económico, s enão

em conduzir

as

massas de acordo com

a

vontade de

poder

de

l i

deranças populistas e demagógicas.

A pretendida

descoberta de

elementos

utópicos que ocorreria

por

m e i o

dessa

estetização

manipuladora

da

atividade

s o c i a l

representa

pouco mais do

que

a capitulação diante do poderio

da

m e r c a n t i l i -

z a ç ã o . 4 5

Embora devamos conservar em vista s e us e v e nt uai s conteú

dos emancipatórios, o processo dialético que move a prática da

indústria cultural é , no f i n a l

das

contas,

o

processo que articula

fantasia e

controle

em favor

desse

último,

ao tentar

- sempre sem

sucesso

- reconciliar

as

aspirações

por

uma

boa

vida

com

os

ob-

jetivos e s tratégicos do capitalismo planetário.

O

e l e m e n t o utópi

co por

ela

mobilizado

é

o que tende

a se

tornar lubrificante

do

sistema, porque

as

pessoas que o

fornecem já

estão de

muito

presas

ao

ordenamento

dominante. Queiramos ou

não,

vivemos

em um mundo onde s ó parece fazer sentido

a idé ia

de que,

  se

h á

soluções a serem encontradas [para qualquer problema], elas de

verão

ser

compradas .46

As experiências

morais

e estéticas que têm lugar através da

mídia

não podem

ser vistas

de

maneira abstrata.

Os

comporta

mentos

e fat ore s irracionais

promovidos

pela indústria cultural,

precisamos notar, s ó em parte s ão naturais ou espontâneos.

*

BERMAN,

R .

Modern

c u l t u r e

and c r i t i c a l

i h e o r y , p . 4 8 .

4 6

EWEN,

S .

C h a n n e l s

o f d e s i r e ,

p .

4 2 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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232 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r

Adorno

e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Quem

os traz à

tona

s ão técnicas

exploradas

pelos monopólios

com

objetivos económicos . Na

atualidacie,

a possibilidade

de

ra

cionalizar

tecnicamente

os e st í mulos

estéticos

e s t á ,

em

essência,

a

serviço da regressão da

consciência, e a capacidade

de

trans

cender a realidade

que

a espontaneidade potencialmente possui é

prisioneira da forma mercadoria.

A

racionalização da

c u l t u r a ,

que abre a s

janelas à natureza,

absor-

ve-a [ . . . ]

po r

esse meio,

eliminando

junto com

a

diferença

o p r i n c í

pio

da c u l t u r a :

a possibilidade

de uma

conciliação

(M ínima mora-

l i a ,

p .

7 2 ) .

As práticas

da indústria

cultural expressam e exploram o

im

pulso da natureza humana no sentido de se subtrair dos controles

externos e int ernos

que

nos impõe a vida civilizada, tornando s o

cialmente aceitável e até certo

ponto

legítima s ua satisfação.

Contraditoriamente,

porém,

nem

mais

isso

poderia

invocar para

sua salvação

pois, em

geral, procedem de

acordo com

parâmetros

que,

vistos

mais

de

perto,

s ão

todo

o

oposto

daquilo

que

h á

pou

co

ainda chamávamos de

libertação.

A violência cega, brutal e sem sentido, o s pr ot agoni s tas

de

filmes

pornográficos,

os magnatas carismáticos

e

populistas, as

superstições b e s t i a i s , a nulidade espiritual das carreiras públicas

mais almejadas e

as

performances socialmente irracionais nos

terrenos

mais

variados da existência, por e xe m plo , nã o s ão ima

ge ns de

outro

e s t i l o

de

vida,

mas

aberrações

ou

tipos

da

mesma

vida [vigente],

servindo mais

como

afirmação do que

como

ne

gação

da

ordem estabelecida .47

Em casos

como

esses, a sociedade revela,

ainda

que

pró-

forma,

a

sensibilidade perversa de

suas

criaturas,

deixando ve r

que, já há um t e mpo, as posturas antagónicas não provêm mais

apenas dos

que discordam

do

s i s t e ma de

vida dominante,

mas de

s eus próprios

sujeitos

sociais,

mobilizados

por

imagens

clara

mente regressivas e destrutivas, que servem de criptogramas de

uma esquizofrenia administrada

racionalmente.

Douglas Kellner comenta

que

as h is tórias de Be avis e

Butt-

Head, para c i t a r um e x e m plo , não ob st ant e os eventuais conteú

dos utópicos ( na verdade, diríamos, anárquicos),

celebram

c i n i -

4 7

MARCUSE.

H .

A

i d e o l o g i a

d a

s o c i e d a d e

i n d u s t r i a l ,

p .

7 1 .

Page 237: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s d o s u j e i t o : r e g r e s s ã o a a s s u j e i t a m e n t o 233

camente   a visão de uma sociedade de famílias

arruinadas,

co

munidades desintegradas

e

indivíduos

anómicos, carentes

de me

t a s

e

valores .

A

exploração

das

cenas

de

violência,

sexo,

estupi

de z e baixeza t e s t e m un ha

a

espécie de s en ti m ento de que se nu

t r e m certas

parcelas da coletividade, excluídas

de um modo ou

de outro dos proce s s o s educacionais que, em t e s e , poderiam

f a -

zê-las

buscar

outras experiências.

[Os desenhos]

cristalizam

a s experiências e sentimentos de

a l i e n a

ção e desespero

produzidos

po r

uma sociedade desintegrada,

colo-

cando-as em

l i n h a

de

identificação

com

roqueiros

e

delinquentes,

o

heavy metal e a violência n i i l i s t a . 4 8

O resultado

do

processo, noutros termos, não

é

o apareci

mento de um

novo

sujeito histórico, mas

a

regressão da cons

ciência durante os momentos de diversão, a

produção do

prazer

de não ser

um e u

obtida através

de

m e i o s

técnicos

e mercantis,

conforme se pode ver, ainda por e x e m plo , nos shows de música

pop,

quando

muitos

s uje it os s e

entregam

a

 um

êxtase

estilizado

segundo os

embalos

da batida dos

tambor e s

de

guerra, bastante

próximo daquele que

costumam exercitar os selvagens (Disso

nâncias, p .

57).

A regressão da

consciência

que

se pode

constatar nesse

e

em

outros

casos

é ,

em

t e s e , algo

que contagia todo o comportamento

individual. No entanto, convém vê-la com prudência: não se po

de

mensurar

empiricamente

a

capacidade de

reforço

e

potencial

de estímulo de que e s s e fenómeno é portador em relação às con

dutas regressivas

e

irracionais que mais

e

mais vêm tendo lugar

na vida cotidiana de nossas sociedades, conforme essas se

dei

xam

documentar,

por e x e m plo ,

no

conhecido

Livro Guin e s s

do s

Recordes.

Theodor Adorno, sem dúvida, é

passível

de c r í t i c a por ja

mais

t e r

explorado

a

hipótese

de

que

a

indústria

cultural

e v e n

tualmente pode ensejar o surgimento de esquemas emancipató-

r i o s , capazes de engajar a consciência de uma maneira não r e

gressiva.

A

possibilidade

de difer enciar entre espontaneidade

produtiva e integrada, porém não só existe, como vimos , mas ,

 

KELLNER,

D .

Media

c u l t u r e ,

p .

1

5

1

.

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 3 4 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

pasme-se, f o i posta em prática pe lo pr ópr io autor, conforme nos

revela um ó t i m o

ensaio

de Thomas Levin.

De

r e s t o ,

o

pensador

defendeu

a

formação

de

grupos

de

ca

pazes de r e s i s t i r criticamente à ação da mídia, a organização das

pessoas interessadas em promover uma oposição cidadã, para a -

tuar em

salas

de aula,

locais

de comércio

e

entidades profissio

nais.  À primeira v i s t a , a e s pe r anç a de que

algo desta

natureza dê

certo

parece

i r

contra

tudo, mas sempre

um chance r e a l :

Os milhões

de

homens que consomem uma c u l t u r a

de

massas

s ob

medida

não

pos suem

qualquer

consciência

uniforme

entre

s i .

Os

consumidores

pressentem

vagamente

que

são logrados, porque é

f i n a

a camada

ideológica que

recobre a capa de cada

j o r n a l

i l u s t r a

do

e cada música de sucesso empacotada em

celofane.

Provavel

mente, a s pessoas consentem

com

o

que l h e s

é

dado

de comer ape

nas de modo forçado [socialmente], devendo a f a s t a r a consciência

d i s s o ,

enquanto não pos suem algo d i f e r e n t e . Caberia t e n t a r desper

t a r essa consciência contra

o

abuso

dominante

e , dessa maneira,

a s

próprias

forças

humanas

que

hoje

estão

mal

direcionadas

e

ligadas

a esse abuso.5

Russell Berman

faz

notar que  uma economia que oscila e n

t r e o culto do e u e as visões de solidariedade

imediatas

é incapaz

de articular as tensões [sociais] genuinamente, suprimindo-as

com t a l violência que elas terminam sendo antes

realimenta-

das .51 A referência f e i t a antes m o s t r a que,

apesar de s ua

e f e t i v i -

dade, conviria, po r é m , não

entender

e s sa tendência

de

maneira

dogmática.

A

c r í t i c a à indústria cultural é

c r í t i c a

à

medida que

P r o c e d e n d o à j u s t i f i c a t i v a

t e ó r i c a

d e

uma

s é r i e d e p r o g r a m a s s e u s

q u e

f o r a m

t r a n s m i

t i d o s p e l o r á d i o , b a s e an do - s e n a montagem c o m e n t a d a d a s p a s s a g e n s m u s i c a i s d e s u a

p r e d i l e ç ã o . o f i l ó s o f o d e f e n d e u , p o r é m , q u e a s e le çã o . c i t a ç ã o e r e p e t i ç ã o d e s s e m a t e

r i a l

e m

c h a v e

a o

mesmo

tempo p o l ê m i c a e d i d á t i c a .

embora t i v e s s e m

um

c a r á t e r r e i f i -

c a n t e e m r e l a ç ã o à m at ér ia , p o d e r i a m s e r também uma

f o r m a d e

  l i b e r a r a a u d i ç ã o d a

n e u t r a l i z a ç ã o

[

m e r c a n t i l

[ ,

d i r e c i o n a n d o - a

p a r a

a

c o m p r e e n s ã o

[ d o

p r o c e s s o

g l o b a l

d e

c o m p o s i ç ã o ]

( T h e o d o r

Adorno [ 1 9 6 3 ] a p u d Thomas L e v i n :   F o r t h e r e c o r d , c i t . , p .

4 6 ) . O b s e r v e - s e , c o n t u d o , q u e Adorno c h e g o u a c o n d e n a r e x p l i c i t a m e n t e e s s a p r á t i c a

e m   S o c i al c r i t i q u e o f r a d i o m u s i c [ 1 9 4 5 ] . Segundo M a r t i n J a y , o p e n s ad o r a p e n a s

p a u l a t i n a m e n t e   s u p e r o u s u a a n i m o s i d a d e

p a r a

com o s

m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o

e m

m a s s a ,

e m

um e s f o r ç o

a u t o c o n s c i e n t e

p a r a

i nf lu e nc ia r a

o p i n i ã o p ú b l i c a ,

c o n f o r m e

d e m o n s t r a

s u a

c o l a b o r a ç ã o

com o

r á d i o

e a

i m p r e n s a

a l e m ã s

n o

P ó s - G u e r r a ( U r b a n

F l i g h t s :

The

I n s t i t u t e o f S o c i a l

r e s e a r c h b c e t w e n F r a n k f u r t a n d

N e w Y o r k . I n :

D a v i d

R a s m u s s e n   o r g . [ : T h e Handbook o f

c r i t i c a l

t h e o r y . O x f o r d : B l a c k w e l l , 1 9 9 6 ,

p .

4 8 ) .

 

ADORNO, T . Pode o p ú b l i c o

q u e r e r ?

o p . c i t . , p . 5 7.

 

BERMAN.

R .

Modern

c u l t u r e

and

c r i t i c a l

t h e o r y ,

p .

5 3 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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D e s t i n a ç õ e s do s u j e i t o : r e g r e s s ã o a

a s s u j e i t a m e n t o

235

não se

deixa t o mar de modo absoluto

e ,

portanto, não

deve

ser

vista como um contexto teórico monolítico e

sem

contradição,

conforme

pr e t end em

muitos

de

seus

adversários.

O

fenómeno

em

juízo é , para

e l a , ambival ent e , porque, se

por

um lado reproduz

uma vontade que, s ob certas condições, pode ser forte o bastante

para l i v r a r a consciência do

indivíduo do

fetichismo da

mercado

r i a ,

constitui

em

outros

aspectos um

dos

fatores de

involução

da

consciência

do

homem contemporâneo (Sociologia,

p .

74).52

E u g ê n i o T r i v i n h a s u b m e t e à c r í t i c a

b r i l h a n t e

e a r r a s a d o r a um e x e m p l o c a b a l d o q u e

e s t a m o s

f a l a n d o

p o r

ú l t i m o e m C o n t r a

a

câmera e s c o n d i d a . S ã o

P a u l o : E d i t o r a

d o

A u t o r .

1 9 9 8 .

P r o c u r a m o s s e g u i r

s u a s

p e g a d a s e m   A n t i n o m i a s d o z o o l ó g i c o h u m a n o :

s o c i a b i l i d a d e s e l v a g e m , r e a l i t y s h o w s e r e g r e s s ã o

d a c o n s c i ê n c i a .

I n : G a l á x i a , S ã o

P a u l o :

P u c s p .

8

 

( 2 0 0 4 .

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7

Programadepesquisa:

premissas e

discurso

do

método

-A. c r í t i c a adorniana à indústria cultural pode

ser

entendida co

mouma reflexão de ordem

histórica e

filosófica sobre

a estrutura

e sentido

das

mudanças ocorridas na cultura

moderna

com

a s ub

sunção

de suas

formas de produção, difusão

e consumo ao cal

culo

mercantil.

N e s s e

sentido,

a

disciplina

encontra-se

na bas e

de

um programa de pesquisa

cujo

sentido o ri ginal é decifrar a ma

neira como as

contradições

sociais e

os

problemas do

homem

moderno se articulam

e

expressam, s ão mediados, através da

produção

dos be ns

culturais.

As proposições

teóricas

em que se sustenta

devem,

idealmente, poder servir de chave interpretativa

no estudo da

mercadoria

cultural

tecnológica

na

sociedade

contemporânea.

Atualmente, as verdadeiras obras de arte

 renunciaram

à

ilusão

de

obter

uma

comunicação r e a l

entre

os homens;

s ão

mo

numentos

de

uma vida s o l i t á r i a

e desesperada

que não encontra

nenhuma ponte para com outras consciências e ,

às

ve ze s, nem

sequer com

a

s ua própria . Acontece, todavia, que  o de se spe ro

também

pode

ser descoberto fora da a r t e

pura, na

chamada diver

s ão

e

no

mundo

dos

b en s culturais,

mas então

é preciso partir

do

exterior,

mediante

a teoria psicológica e sociológica ,1 dizia Max

Ho r k h e i m e r .

Conforme procuramos mostrar

no s

capítulos anteriores, a

c r í t i c a à indústria cultural

pode

ser

entendida

como um capítulo

dessa

t e o r i a . Encontra-se nela um conjunto de proposições histó-

  HORKHEIMER, M.   A r t e e c ul tur a

d e m a s s a s .

I n :

T e o r i a

c r í t i c a . B a r c e l o n a : B a r r a l ,

1 9 7 4 ,

p .

1 2 2 - 1 2 3 .

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238

F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e

a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

ricas

e filosóficas que

pode

servir de embasamento

para uma

ciência social c r í t i c a preocupada em pesquisar a fortuna da exp e

riência

cultural

humana

na

era

da

técnica,

a

p a r t i r

de

um

trabalho

  determinado por um interesse emancipatório no conhecimen-

to .

Horkheimer

r e sum iu

os princípios orientadores de uma ciên

cia

dessa espécie em

quatro pontos, hoje tornados clássicos. Nes

sa ciência, pontua:

1 . O conhecimento

é

construído

historicamente,

procedendo-se

ao

estudo

da

formação

do

fenómeno e

do

modo

como

e s s e

fenómeno se

insere

em

uma dada

forma s o c i a l .

2 . O conhecimento

é construído

criticamente, procedendo-se

a

um confronto entre

os valores

formadores dos

fenómenos

em

estudo

com o s eu

processo

concreto de criação e posição na

sociedade.

3 . O conhecimento é

construído

dialeticamente,

procedendo-se

a

um

exame

da

maneira

como

a

forma

social

anima

e

move

a

formação do fenómeno

e

suas correspondentes representa

ções.

4 .

O conhecimento é construído hermeneuticament e, proceden

do-se a uma análise da maneira como o sentido dos referidos

fenómenos

depende da m ane i ra

como

se relaciona,

em diver

s os momentos,

com

a

totalidade.3

Situado

neste

âmbito,

o

conhecimento

teórico

sobre

a

pro

blemática da

indústria

cultural pode ser visto como uma força a

serviço

de uma prática

de

pesquisa histórica movida

pelo

desejo

de traz er à

consciência

a maneira

como

a referida

indústria

cola-

: HABERMAS,

J .

  C o n h e c i m e n t o

e

i n t e r e s s e . I n : C i ê n c i a e

t é c n i c a

como i d e o l o g i a .

L i s b o a : E d i ç õ e s 7 0 ,

1 9 9 2 , p . 1 4 0 .

1

HORKHEIMER,

M.

  N o t e s

o n

I n s t i t u t e a c t i v i t i e s .

I n :

S t e p h e n

B r o n n e r

e

D o u g l a s

K e l l n e r   o r g s . ) : C r i t i c a l t h e o r y and s o c i e t y . Nova Y o r k : R o u t l e d g e , 1 9 8 9 .

C f .

Theo

d o r A d o r n o :

  S o c i o l o g ia e

p e s q u i s a e m p í r i c a ,   D i a l é t i c a

e p o s i t i v i s m o e m s o c i o l o

g i a E s c r i t o s , p . 1 8 9 - 2 0 9

e

2 3 9 - 3 1 3 )

e

E p i s t e m o l o g i a y

c i e n c i a s

s o c i a l e s ( M a d r i :

C á t e d r a . 2 0 0 1 ) ;

J i i r g e n

H a b e r m a s : L ó g i c a d e

l a s c i e n c i a s s o c i a l e s ( M a d r i :

T a u r u s ,

1 9 8 8 ) ;

B r i a n F a y :

C r i t i c a l

s o c i a l s c i e n c e ( I t h a c a [ N Y ] : C o r n cl l U n iv e r si ty P r e s s ,

1 9 8 7 ) ;

Raymond Morrow:

C r i t i c a l t h e o r y

and m e t h o d o l o g y ( T h o u s a n d Oaks ( C A ) :

S a g e ,

1 9 9 5 ) . D e s e n v o l v i m e n t o h i s t o r i o g r á f i c o e s i s t e m á t i c o d o s p o n t o s t r a t a d o s n e s t e

c a p í t u l o ,

n o â m b i t o

d a p e s q u i s a e m c o m u n i c a ç ã o ,

p o d e s e r

c o n f e r i d o

n o l i v r o d e

n o s

s a a ut o ri a i n t i t u l a d o

C i ê n c i a

s o c i a l c r í t i c a e p e s q u i s a

em

c o m u n i c a ç ã o :

t r a j e t ó r i a

h i s

t ó ri c a e

e l e m e n t o s

d e

e p i s t e m o l o g i a

( S ã o

L e o p o l d o :

U n is in o s, 2 0 0 2 ) .

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P r o g r a m a

d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 239

bora

com a

manutenção

de

certas

relações de

poder e

articula os

problemas do homem moderno em

nossa

sociedade.

Interessa-nos,

nesta

altura explicitar

os

princípios

filosóficos

e gnosiológicos

em que se baseia e s sa reflexão, passível de

ser

entendida

como uma espécie

de

c r í t i c a da cultura lida em chave

de

filosofia da

história

e

teoria c r í t i c a da sociedade. Antes,

po

r é m , convém explicitar as premissas

e

estratégias metodológicas

em que se

pode fundar

e ,

de

f a t o , vêm se desenvolvendo um

pro

grama de investigação

bastante

devedor dessa reflexão

no campo

de

estudos

da

cultura

e

da co municação .

7 . 1 Linhas gerais da investigação

Conforme f i z e m o s notar no primeiro capítulo, o conceito de

indústria cultural exprime o

movimento

r e a l

do

capitalismo mo

derno

como

um

todo s ob o

aspecto

da

subjetividade

encarnada

nos indivíduos

e instituições.

A figura da indústria

cultural

de

signa um

momento

desse

todo e

deve

ser

entendida

como

uma

mediação formadora do

processo de

po si ção de s s a

subjetividade

na

sociedade.

Vendo bem, a expr e s são em foco não se re fe re às técnicas de

produção e difusão da cultura,

nem

ao s eu impacto

no s

processos

de

interação. Em

função

disso,

pretender entendê-la

com

as

cate

gorias da teoria da

comunicação,

como

muitos

querem,

significa

de s valo ri z ar e s s a

t e o r i a ,

perder de vista seus méritos e mal

e n

tender a Escola

de

Frankfurt.

Os

frankfurtianos nunca foram teóricos da comunicação -

pelo menos até ocorrer a guinada

nes sa

direção, dada

por

Ha-

bermas.4

Aparent ement e,

parecia-lhes

absurdo

que a indústria

cultural

- co-responsável pelo fechamento do universo da

l o

cução - pudesse ser explicada com o s co nce it os da teoria da co

municação.5

O raciocínio que relaciona a estrutura e

sentido dos

HABERMAS,

J .

T e o r i a

d e

l a

a c c i ó n

c o mu ni c at iv a . M a dr i :

T a u r u s ,

1 9 8 7 .

T e o r i a d e

l a

a c ci ó n c o m u ni c a ti v a:

c o m p l e m e n t o

y

e s t u d i o s

p r e v i o s . M a d r i :

C a t e d r a ,

1 9 8 9 .

ADORNO. T . t n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 1 9 4 . C f . F r an ci sc o R u di g e r :

I n t r o d u

ç ã o à

t e o r i a

d a c o m u n i c a ç ã o . 2 .

e d .

S ã o

P a u l o : E d i c o n ,

2 0 0 3 , p .

8 9 - 1 0 8 .  Comunica

ç ã o é - c o n f o r m e s u g e r i d o p o r K r a u s - a e x p r e s s ã o c i e n t í f i c a e v a l o r a t i v a m e n t e n e u

t r a co m

q u e

s e

chama

um

p r o c e s s o d e

t r a n s m i s s ã o

q u e

p e r m i t e

a

uma

p e s s o a

f a l a r

a

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 4 0 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

bens

culturais

com

seus efeitos

sobre o s u j e i t o , ou

a difusão s o

c i a l de

mensagens com

s ua

recepção e

consumo,

era em essência

estranho

à

s ua

maneira

de

entender

a

cultura

contemporânea.

Inclusive

quando

incluem

cogit açõe s s obre s eu

aspecto ma-

nipulatório, sempre que os estudiosos do assunto deixam de  re-

f l e t i r

sobre o

que

e s s e conceito

significa, de que

modo

e ,

sobre

tudo,

com

que

condicionamentos se transformou e s s e conceito ,

s ão

grandes

suas

chances de caírem nesse  inventário

i n ú t i l

e

conceitualmente

vazio que

é próprio

de o que hoje em

dia se

de

nomina, em

geral,

de

teoria

da

comunicação .6

Segundo

Adorno,

a

c r í t i c a

à

indústria

cultural

constitui parte

de uma teoria c r í t i c a da sociedade.

Os

fenómenos

de m í dia

não

podem

ser e s t udado s de maneira

autónoma.

O

problema,

para

e l e , consiste em saber

como

e s s e s fenómenos se in s e r e m na

crise

da cultura moderna provocada pelo progresso do capitalismo.

Nesse sentido, a referida c r í t i c a representa uma proposta de estu

do

transdisciplinar,

em

que

se

 combina

o

exame

da

produção

e

da economia

política da cultura com análises textuais, nos

quais

os artefatos culturais

s ão contextualizados em s e u

meio sócio-

histórico, mais [eventuais] estudos de r e ce pç ão

e

us o desses

tex

tos por suas audiências .7

Resumidamente,

a proposição

significa que

a reflexão

s obre

a

matéria

obedece

ao s

seguintes princípios:

1

.

A

perspectiva

de

interpretação

pensa

a

estrutura

e

função

da

cultura

mercantil

no

contexto do

processo histórico

global

da

sociedade.

2 . A

h ipó t e s e b ás i ca é

a de

que e s sa cultura

produz

e

reproduz

em t e r m o s

económicos,

técnicos

e

espirituais

as

categorias

e

contradições sociais dominantes.

3 . Os fenómenos

de

indústria cultural s ão tratados

como fatos

sociais

que

devem

ser

julgados

de

acordo

com

certos

c r i t é

rios de

valor

imanentes

e

que , as s im , devem

ser descobertos

através de uma reflexão histórica.

o u t r a d e modo a

e s c o n d e r o f a t o

d e q u e ,

p o r

s e u i n t e r m é d i o , a s

p r i n c i p a i s

f o r ç a s d o

p o d e r

e c o n ó m i c o

c o n c e n t r a d o e s e u s a s se s s o r e s a d m in i s tr a ti v o s enganam a s m a s s a s a

e l a s s e a j u s t a n d o ( L i t e r a t u r a I I , p . 4 3 ) .

ADORNO, T . I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a , p . 1 9 4 .

  KELNER, D .   C r i t i c a i T h e o r y a n d c u l t u r a l s t u d i e s . I n : J i m McGuigan   o r g . ) : C u l

t u r a l

m e t h o d o l o g i e s . L o n d r e s :

S ag e , 1 9 9 7,

p .

2 6 .

Page 245: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e

p e s q u i s a : p r e m i s s a s e

d i s c u r s o

do método

2 4 1

4 .

A

c r í t i c a considera o

homem

como sujeito e situa

a indústria

cultural em

relação ao s

mecanismos

existentes

entre estrutu

ra

social,

as

formas

de

consciência

e

o

de s en vo lvi m en t o

ps í

quico do

indivíduo.

5 . Finalmente,

sustenta-se que

os e s tí mulos pr o duz i do s na

esfe

ra da indústria

cultural

  s ão um fenómeno histórico, e que a

relação entre e s s e s

estímulos

e a r es po st a [ do púb li co ] é pré-

formada e pré-e s truturada pelo destino histórico do estímulo

tanto quanto

do sujeito

que a ele

responde .8

Para

Adorno,

Kracauer

conferiu

à

c r í t i c a

cultural

uma

função

de

c r í t i c a social

que pretendia válida também para s eu próprio

trabalho.

Em s eu

modo

de ver,

a leitura c r í t i c a da produção cul

t u r a l é , também, um meio de fazer uma diagnose da sociedade.

Embora negasse que e s sa produção fos se r efle xo da

vida s ub

consciente,

assim

como da vida s o c i a l ,

o

pensador acreditava,

como o

autor

citado,

a

hipótese

de que

os

lazeres industriais e

as

práticas

de

consumo

cultural

s ão

expressão

da

ascensão

das

mas

sas promovida pelo capitalismo. Noutros termos,

podem

ser

cor

relacionados com as condições psicológicas

e

sociais peculiares

das

camadas médias assalariadas em no s sa sociedade, com a

transformação desses grupos em matriz de onde

passam a

emanar

os princípios

de

estruturação

da

vida

cotidiana

na

era

contempo

rânea.

Segundo

o

pensador,

a

pesquisa

e

estudo

das

condições

económicas e institucionais que estruturam a produção

e

consu

mo dos be ns culturais

é

uma parte essencial

do

e n t endi m en t o do

fenómeno. A s s i m , podemos compreender como as e mpr e sas cul

t u r a i s se estruturam e funcionam.

 O

estudo das condições e co

nómicas

e políticas

dos

mercados

de massas

é

parte integrante

da

análise

das

modernas instituições de lazer e sem a

qual

essas ú l -

C f . LEO LOWENTHAL:   H i s t o r i c a l p e r s p e c t i v e s o n p o p u l a r c u l t u r e [ 1 9 5 0 ] . I n : L i t -

e r a t u r e

and

mass

c u i t u r e . p .

1 5 - 1 7 .

Conforme

s a b e m o s h o j e , e s s a s p á g i n a s d o

r e f e r i

d o

t e x t o f o r a m

e s c r i t a s e m c o n j un t o p o r

Adorno

e L o w e n t h a l . C f . Le o

L o w e n t h a l :

C r i t i c a l T h e o r y and F r a n k f u r t t h e o r i s t s , p . 5 0 e 1 4 0 - 1 4 2 . C o n f i r a a i n d a n o s s a mono

g r a f i a C i ê n c i a

s o c i a l c r í t i c a e

p e s q u i s a

e m c o m u n i c a ç ã o ( S ã o L e o p o l d o : U n i s i n o s ,

2 0 0 2 ) .

Page 246: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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242

F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

timas

não

podem ser entendidas ,

escreve

um

seguidor do enten

dimento

frankfurtiano.9

A

perspectiva,

contudo,

é

insuficiente

para dar

conta

do

mo

v i m e n t o global da

coisa,

pois não logra dar conta de qual é o s e n

tido da produção cultural na sociedade. Os produtos culturais s ão

oriundos de uma matriz social concreta, em que predominam os

fatores institucionais, políticos e económicos. O fato exige que

e s sa conexão, não menos que o

conteúdo

cultural, s eja trazida à

análise. Porém,

enquanto

disciplina de pesquisa, a c r í t i c a precisa

avançar

além

do

que costuma

prever

a

chamada

economia

p o l í t i

ca das

comunicações.10

A reflexão

s obre

a estrutura e a pesquisa do s

processos que

as estruturam em t e r m o s económicos, políticos e

organizacionais

é , para

e s sa

c r í t i c a , apenas

um

pré-requisito necessário de

um

trabalho histórico

e

filosófico

que se efetiva,

essencialmente, no

plano

da

análise cultural dos

fenómenos surgidos no processo c i -

v i l i z a t ó r i o .

A s s i m , as pesquisas deveriam

orientar-se

no sentido

de

superar tanto o

economicismo

da

economia política tanto

quanto o

culturalismo

da c r í t i c a

cultural. O recomendável

é em

preender uma reflexão

histórica e

hermenêutica s obre

os

proces

s os e fenómenos de indústria cultural orientada criticamente em

relação ao s problemas estruturais de no s sa sociedade.

PROKOP,

D .

  P r o b l e m s

o f

p r o d u c t i o n a n d c o n s u m p t i o n

i n

t h e

m a s s m e d i a . I n :

Me

d i a , c u l t u r e and

s o c i e t y 1

( 1 0 1 - 1 1 6 ) 1 9 8 3 .

1 0

C f .

VINCENT

MOSCO:

T h e p o l i t i c a l economy o f

c o m m u n i c a t i o n .

L o n d r e s :

S a g e ,

1 9 9 6 . A l a i n H e r s k o v i t z : Economia p o l í t i c a d a c u l t u r a e d a c o m u n i c a ç ã o . V i t ó r i a

( E S ) : U n i v e r s i d a d e F e d e r a l , 1 9 9 6 . C é s a r B o l a n o : I n d ú s t r i a

c u l t u r a l , i n f o r m a ç ã o

e

c a

p i t a l i s m o . S ã o P au lo : H u ci te c , 2 0 0 0 . A p e r ce p ç ã o d e q u e e s t e

e n f o q u e

p r e c i s a i n c o r

p o r a r o

exame

d o e l e m e n t o c u l t u r a l d a t a d e p e r í o d o r e c e n t e . C f . P e t e r G o l d i n g e G r a

ham M u r d o c k :   C u l t u r e , c o m m u n i c a t i o n a n d p o l i t i c a i e c o n o m y . I n : J a m e s C u r r a n e

M i c h a e l G u r e v i t c h   e d i t o r e s ) : Mass

m e d i a

and s o c i e t y . L o n dr e s: A r n o ld , 1 9 9 6 , 2 . e d . ,

p .

1 7 - 1 8 .

N i c h o l a s

G a r n h a m :

E m a n c i p a t i o n ,

t h e

m e d i a

and

m o d e r n i t y .

O x f o r d :

Ox

f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , 2 0 0 0 .

  C f . THOMAS MCCARTHY e DAVID

HOY:

C r i t i c a l T h e o r y .

O x f o r d : B l a c k w e l l ,

1 9 9 4 . S t u a r t E w e n : C a p t a i n s

o f c o n s c i o u s n e s s .

Nova Y o r k : M c G r a w - H i l l , 1 9 7 6 .

C h a n n e l s o f d e s i r e . Nova Y o r k : M c G r a w - H i l l , 1 9 8 2 . C a b e r i a n o u t r a o c as iã o o b s e r va r

como

e s s e s

d o i s ú l t i m o s

e s t u d o s c o n j u g a m c r i t i c i s m o c u l t u r a l e

c i ê n c i a s o c i a l c r í t i c a

e m

c h a v e

q u e c o n v e r g e com o s e n f o q u e s p r o p o s t o s p o r M i c h e l

F o u c a u l t .

C f . Thomas

M c C a r t h y :   L a c r í t i c a d e l a r a z ó n i m p u r a : F o u c a u l t y l a E s c u e l a d e

F r a n k f u r t .

I n :

I d e a l e s e l l u s i o n e s . M a d r i :

T é c n o s ,

1 9 9 2 .

X a v i e r

D e l c o u r t :   L e s

E t a t s - U n i s ,

s o c l e h i s -

t o r i q u e p o u r

c o m p r e n d r e e t a g i r

s u r

l e s

m é d i a s . I n : R o b e r t B o u r e e

I s a b e l l e

P a i l l a r t

  o r g s . ) :

L e s

T h é o r i e s

d e

l a

c o m m u n i c a t i o n .

C i n é m A c t i o n

6 3

( 3 3 - 3 9 )

1 9 9 2 ,

p .

3 4 - 3 7 .

Page 247: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a :

p r e m i s s a s e d i s c u r s o do

método

243

A pr opo s iç ão po r certo implica em discussão, porque o pen

sador em foco neste

estudo contestou-a

diretamente em uma ou

outra

de

suas

reflexões

sobre

a

indústria

cultural.

As

expr e s sõ e s

do s i s t e ma em que e s sa se

tornou

não seriam, para e l e , parte do

espírito objetivo da época, lê-se em um t e x t o . As situações que a

tipificam

seriam

função   da s ua

posição

de

monopólio, sobretu

do das

suas engrenagens e

controles,

altamente desenvolvidos e ,

em particular, do plugging, i s t o é , [do mecanismo que é ]

s ua

re

petição

planejada,

às custas de tudo o

mais

que

pudesse

ser ofe

recido

em

sentidos

diferentes

( T e ma s ,

p .

1

1 7 ) .

Efetivamente,

Adorno

defendeu às v e z e s que e s s e processo

seria melhor

estudado a p a r t i r

de fora,

deixando

entender

que ele

ficaria

bem,

se circunscrito

ao

campo da

economia

p o l í t i c a . O

frankfurtiano

tinha a abordagem como essencial, contrariamente

ao

que apregoam alguns

de seus

críticos

mais à e sque rda, segui

dores

-

no caso

-

da

chamada

economia

política das

comunica

ções.

Em 1954,

por

exemplo, cogitou editar uma

coletânea de

e s

t udo s s ob re

a cultura de massa,

em

que pretendia

fornecer uma

visão sistemática sobre o assunto,

a partir

de uma colaboração

i n

terdisciplinar. A explanação do projeto que se encontra em uma

carta escrita a um de seus principais companheiros t er m ina com

a

revelação

da

seguinte

dificuldade, que bem dá conta

do

que es

tamos

falando:

Naturalmente e s t á

faltando

algo

decisivo,

ou

s e j a : uma

análise

económica das

fundações

da cultura de massa. Entretanto, quem

poderia

fazer algo do

gênero?12

Nessa

mesma a l t u r a , o pensador criticou

a supressão

das

questões económicas no tratamento do s processos e formas de

socialização,

argumentando

que   a ciência que

pensa

poder fazer

aparecer

o

social

prescindindo

da

referência

ao s

momentos

da

problemática da

autoconservação

da sociedade se

vê obrigada

a

fetichizar o que sobra: as relações interpessoais,

omitindo

a

fun

ç ão

destas no

metabolismo

com a

natureza

e com a totalidade so-

1 2

T h e o d o r Adorno

a p u d

Le o L o w e n t h a l : C r i t i c a l

t h e o r y

and f r a n k f u r t

t h e o r i s t s . Ne w

B r u n s w i c k

( N J ) :

T r a n s a c t i o n , 1 9 8 9 ,

p .

1

1 7 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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244

F r a n c i s c o R u d i g e r □

T h e o d o r

Adorno

e a

c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

c i a i , tanto quanto o

conjunto

de

suas

contradições

fundamen-

t a i s . 1 3

Lambert

Zuidervaart

salienta,

porém, que não

em

s ua

obra análise

do modo de

produção

dos b e ns culturais da indús

t r i a .

Curiosamente,

o fato

é

que:

A

c r í t i c a ao processo de mercantilização da cultura

proposta

po r

Adorno não engendra um exame completo do processo de produ

ção

no

capitalismo

avançado.

Ele parece contente em descobrir a s

relações de

produção

dominantes dentro das mercadorias c u l t u r a i s

e

da

experiência

i n d i v i d u a l . 1 4

Em última instância,

as pesquisas

que

empreendeu

sugeri

riam pois,

segundo

n o s s o ver, que a abordagem em chave de l e i

tura

económica

por s i s ó é insuficiente. Hoje em

d i a ,

a medição

de reações

objetivas

seria

mais relevante do

que

a análise do s e n

tido dos

b en s culturais.

A razão seria que

os

produtos

culturais

  s ão cada

v e z

menos formas espirituais autónomas,

constituindo

antes

frutos

de

um

cálculo ajustado

a

categorias mercantis. Os

produtos

da

indústria cultural podem ser melhor compreendidos

com

as

categorias das

pesquisas

de

mercado do

que com

critérios

e s t é t i c o s . . . porque s e u

único propósito

é

captar

o

público

como

clientela

mediante truques psicológicos .15

Contudo, a documentação por nós consultada não permit e

concluir

qual e r a ,

de f a t o , s e u j uí z o últ im o s obr e a mat é ria. D e i

xando

claro

que

não poucas

v e z e s

ele

sucumbiu

a

uma

concep

ç ão reducionista e de certo modo mecânica

do problema,

cremos

que

seus

escritos, em

conjunto,

permitem

desenvolv er

um enten

dimento bem mais plástico e aberto a

respeito.

Também nos pro

cessos de indústria cultural far-se-iam

presentes

o que , r eco rr e n

do à terminologia hegeliana,

ele

chamou de expr e s sõ e s do

espíri

to objetivo da sociedade.

A

pesquisa

das

condições

históricas

económicas

e

políticas

que

ensejam

a produção e

o consumo das mercadorias culturais

1 3

ADORNO, T .

E p i s t e m o l o g i a

v

c i e n c i a s s o c i a l e s .

M a d r i : C á t e d r a ,

2 0 0 1 , p .

6 8 - 6 9 .

1 4 ZUIDEV AART,

L .

Adorno

  s

a e s t h e t i c t h e o r y , p .

8 1 .

1 5 ADORNO.

T .

E p i s t e m o l o g i a y c i e n c i a s s o c i a l e s , p .

5 0 .

 No

u n i v e r s o d o s

p r o d u t o s d a

c u l t u r a d e m as sa s, o s m é t o d o s d a s c i ê n c i a s humanas d e i x a r a m d e s e r a p r o p r i a d o s p .

5 1 ) . P o r é m , também o s e s t ud o s com m é t o d o s

o b j e t i v a n t e s

possuem s e u s r i s c o s : a o s e

a n a l i s a r a s f o r m a s d e r e a ç ã o d a s

p e s s o a s ,

p o r e x e m p l o ,

  n ã o

s e p o d e p a s s a r p o r a l t o o

f a t o

d e

q u e

n e l a s

e x i s t e

um

momento

d e

i r r a c i o n a l i d a d e

p .

5 4 ) .

Page 249: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e

p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 245

da

indústria constitui o

pressuposto

fundamental de

um

trabalho

que deve

culminar com

uma

análise c r í t i c a do s e nt ido o bj et iv o

desses

bens,

especialmente

a

maneira

como

o

contexto

por

eles

formado colabora no processo de constituição dos sujeitos. As

mercadorias culturais

s ão

o foco da análise, na

medida

em que

articulam

essas

condições em conjunto, porque repre s entam s ua

principal mediação

social no

capitalismo

avançado.

O

problema nuclear

não consiste,

porém

e apenas,

em

saber

como elas s ão produzidas e chegam ao público

consumidor:

ain

da

mais

relevante

é

saber como

o

processo

s ocial s e

estrutura

em

s e u

interior e de que modo podemos decifrá-lo

através

da

aná

l i s e

de sua

posição dentro da sociedade.

Apesar

de não disporem

da

autonomia que podemos e ncont rar nas

obras

de arte s é r i a s ,

também

os produtos culturais da indústria podem ser examina

dos,

em

primeiro

lugar,

procurando-se ver,

social

e culturalmen

t e ,

a forma como

eles agenciam os s eus

conflitos

e problemas;

mas,

em

seguida,

colocando-lhes,

sempre

que

possível,

a

questão

de

s e u valor e

sentido histórico.

O trabalho consis te pois em descobrir como a t o t a l i d a d e

s o c i a l ,

concebida

como

uma unidade

internamente c o n t r a d i t ó r i a ,

manifes-

t a - s e na obra

de a r t e

e de que

modo

a ob ra de

a r t e

permanece sub

missa

e/ou

s e e de

que

modo e l a transcende a sociedade. ( L i t e r a t u

ra

I , p . 39)

A

produção

cultural

como

um

todo

confere

forma

-

de

ma

neira mais ou menos

consciente -

às

contradições

existentes

em

s eu meio social

de

origem e inserção, sendo pois mais

ou

menos

ideológica;

mas

ela também figura - de maneira

mais

ou menos

utópica -

as suas possibilidades,

dando

face e

voz

ao que aquela

produção

r a t i f i c a

através

de

seus

recursos

estéticos e criativos,

por mais que

não

possa convertê-las

em

realidade co ncre ta: a

partir

dessas

premissas

é

que

pode

ser

devidamente

pesquisada

a

produção cultural, origine-se ou não da indústria cultural.

Observamos que Adorno permaneceu prisioneiro de um jul

gamento preconcebido e

estreito

a respeito das formas e obras da

arte de

massas, que em s i mesmas

suscitavam-lhe

pouquíssimo

interesse.

Conforme o b s e r v a

Peter Hohendahl,

o pensador não

fez nenhuma tentativa

séria de

estudar

os produtos culturais da

indústria:

suas

declarações

ficam

sempre

no

plano

das

avaliações

Page 250: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

http://slidepdf.com/reader/full/theodor-adorno-e-a-critica-a-industria-cultural 250/296

2 4 6 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

gerais e

dos fenómenos

t í p i c o s .

Aparent ement e,

ele estava con

vencido de que lhes f a l t a r i a a capacidade de transcender c r i a t i

vament e,

i s t o

é ,

em

figura

e

forma,

o

meio

social

em

que

se

o r i

ginavam. Apenas as obras de arte s é r i a s , f e i t a s às suas margens,

seriam passíveis de adquirir a capacidade de superar

idealmente

os condicionamentos

materiais

i mpo s t o s pelas circunstâncias de

produção,

circulação e reprodução dominantes.

Entretanto, verifica-se também que nada na c r í t i c a à indús

t r i a

cultural

que propós proíbe ou obsta a priori que e s s e aspecto

possa

ser

investigado.

A

prática

da

indústria

cultural

r e m e t e

ao

processo

social

como um todo, à pr áxis humana,

e , por i s s o , seus

produtos - assim como a

arte s é r i a , podem

se r vis tos como mó-

nadas. Através e l a s , é possível

encontrar

a

fisionomia

da socie

dade em

seus

aspectos positivos

mas,

também

e

em

t e s e , pros

pectivos,

quer no plano

histórico,

quer no

plano

filosófico.

O sentido social desses produtos se

encontra,

primeiramente,

em

s ua

própria

estrutura,

e

não

na

maneira

como

eles

se comuni

cam

com

o

público: contudo, sendo assim,

por

hipótese eles

não apontam apenas para o

existente,

mas também para s uas

perspectivas: e v entualment e

eles carregam

consigo um

significa

do

prospectivo do ponto

de vista

histórico.

Prova desse enfoque é a maneira como Adorno resiste em

privilegiar o momento da

recepção,

quer no campo da arte

s é r i a ,

quer no

campo

dos processos relacionados

à indústria cultural.

A

recepção é fonte de

problemas que,

se

bem podem

ser estudados,

esclarecem-nos muito pouco

a

respeito

da função daquela

prática

e

s e u sentido. A principal razão para tanto, relativamente à re

cepção,

é que   a subjetividade

dos

informantes [de uma

pesqui

s a ] não é redutível

ao s processos

subjetivos de

formação

da opi

nião

pública,

nem vice-versa (Música,

p .

180).

Crítica cultural e sociedade ( 19 51 )

e lab or a o s

princípios ge

r a i s da análise proposta pel o pe n sado r. Conforme ele no ta ne ss e

ensaio, h á

dois

métodos

de

estudo crítico

das

formações cultu

r a i s . A

abordagem transcendente consiste em

colocar-se em uma

posição

exterior ao s fenómenos

e

remetê-los ao s

interesses

mate

r i a i s que agem

por s e u

intermédio e

por

e s sa mediação se acham

encobertos.

Page 251: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s

e

d i s c u r s o do método 2 4 7

O método imanente, ao contrário, procura

lê-los

desde den

t r o , baseando-se

na

hipótese

de que

a falsidade das

ideologias

não

está

nelas

mesmas,

mas

na

pretensão

de

coincidir

plenamen

t e com a

realidade.

 Significa

entender, na

análise

de

s ua estrutu

ra e de s eu

sentido,

a contradição entre a idéia objetiva dessas

formações

e

aquela pretensão, nomeando aquilo que expr e s sa

a

consistência

e a inconsistência dessas

formações em si , em

face

da constituição do estado

de

coisas existente (Sociologia,

p .

89).

Segundo o raciocínio do autor, a c r í t i c a à indústria cultural

seguiria,

à

primeira

v i s t a ,

o

primeiro

caminho

mas , de

f a t o ,

está

obrigada, por razões históricas e filosóficas, a observar o s e gun

do,

porque

 já

não há

lugar fora

da engrenagem

social a partir do

qual

se

po s sa

nomear

a fantasmagoria:

s ó em

s ua

própria incoe

rência é

que se pode encaixar

a

alavanca

(idem,

p.74). A pers

pectiva pode ser comprovada, cremos,

onde

é t r ab alh ada

com

mais

desenvoltura e base empírica. Isto é , em um dos primeiros

estudos

de

c r í t i c a

à

indústria

cultural:

a

pesquisa

sobre

a

estrutu

ra e

sentido

das colunas de

horóscopo

publicados

na

grande im

prensa que se encontra em The

Stars

down

to

Heart

(1957).

N e s t e estudo,

Adorno procura

mostrar que

as páginas

de

ho

róscopo s ão resultado da

exploração comercial

de

determinadas

situações psicossociais

e

que

elas

tanto

pressupõem

quanto

cor

roboram

as

tendências históricas em

curso

mundo contemporâ

neo. A abordagem -

em

di ve r so s as pe ct o s tediosa e

insípida

-

des envolve de

maneira

embrionária os dive rs os instrumentos de

análise do programa de pesquisa adorniano, revelando em senti

do

mais

amplo

o caráter de ideologia da indústria

cultural

e , por

extensão,

o

sentido

em que a c r í t i c a dessa indústria pode ser

e n

tendida como

uma

c r í t i c a

da

ideologia

(ldeologiekritik).ib

Em r e su mo,

a interpretação é

construída

objetivando

mostrar

que

  na astrologia existe implícita uma metafísica da adaptação

por

t r á s

do

conselho

específico

para

se

adaptar

na

vida

cotidia-

1 6 O e n t e n di m e n to d e q u e a r a c i o n a l i z a ç ã o

i n d u s t r i a l

d a c ul tu ra é t ão c on tr ad it ór ia q u a n

t o

o

é n o

campo

e c o n ó m i c o também

s e

f az p re se n te , p o r

e x e m p l o ,

n o e s t u d o

p i o n e i r o

Composing f o r th e f i l m s ( 1 9 4 4 ) .

As

e m p r e s a s

c u l t u r a i s p r o c u r a m

l e v a r a m ú s i c a a s é

r i o p a r a v e n d e r s e u s p r o d u t o s , mas o p r ó p r i o o b j e t i v o é c o n t r a d i t ó r i o . O e s f o r ç o p a r a

u s a r a

m ú s i c a

p a r a f o r m a r c l i e n t e l a é t a m a n h o q u e , n o l i m i t e . * a m ú s i c a j á

n ã o p r o d u z

nenhum

e f e i t o .

Como

a s

t o m a d a s d e c â m a r a t r i v i a i s , ninguém

a

l e v a e m

c o n t a ,

e l a

p o u c o o u n a d a

s i g n i f i c a   p .

8 1 ) . C f .

P e t e r

R o s e n :

 Adorno

a n d f i l m

m u s i c .

I n :

Y u l e

f r e n c h

s t u d i e s

6 0

( 1 5 7 - 1 8 2 )

1 9 8 0 .

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2 4 8 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

na . Para Adorno, as colunas astrológicas esquematizam de

terminados

estados

de consciência

resultantes

da situação

social

vivida

pelo

homem

moderno

e

segundo

os quais

e x i s t e m

certas

regras

de

conduta necessárias para

obter

uma vida bem-sucedida.

Afirma-se nessas colunas que, comportando-se de acordo com o

sugerido, as coisas

acabam

bem. Quando não s ão observadas

suas prescrições, ao contrário, tudo acaba mal.

O

público preferencial

é formado

por aqueles

que,

i n s a t i s f e i

tos

com

a superficialidade

da vida moderna, sentem f a l t a de algo

mais

sólido e

profundo,

mas

carecem

dos

meios ou não

querem

fazer

o esforço adequado para

deles se aproximarem.

N e s t e s veículos, a pretendida

legislação

que

os astros

exerce

riam

sobre os

destinos

humanos corresponderia

à t ransfe r ência

dos

princípios

de autoridade

social

para um ordenamento

anóni

mo, misterioso e impessoal, responsável

pela

boa

ordem das

coi

sas

e que

zela

para

que tudo saia

de

maneira positiva, desde

que

as

pessoas

o

conheçam

e

o

obedeçam.

Em suma,

a

necessidade

de

adaptação social vivida

hoje

é

explicada em bases metafísicas

e explorada

comercialmente. Par

ticularmente interessante,

nes s e

sentido, é

a

maneira como

autor

trabalha a

hipótese do

caráter

voluntário em

que se baseiam os

mecanismos de sujeição vigentes na indústria da cultura. D e s s e

modo, desloca-se

o

foco

de

análise

do fenómeno das

crenças pa

ra

o da psicologia das m as s as . A

astrologia, sustenta

o

filósofo,

não funciona à base de ideologia, mas

construindo

um equilíbrio

formal entre as

exigências

contraditórias que se colocam

ao

ho

mem

moderno

e

que

ela

precisa levar em

conta

se

quiser

sujeitar

seus leitores (Stars, p . 51).

Os procedimentos através dos quais os leitores s ão inscritos

na coluna e se esquematizam suas correspondentes relações hu

manas sustentam-se em mecanismos

textuais

(chamados,

pelo

autor,

de fórmulas

difásicas),

onde se procuram

equilibrar as exi

gências conflitantes de liberdade individual e dependência social,

trabalho

e

prazer e , por fim, adaptação e individualidade.

  ADORNO. T . T h e S t a r s down t o e a r t h

( T r a d .

e s p . : B a r c e l o n a ,

L a i a , 1 9 8 6 ) . p . 6 7 . D o

r a v a n t e , o

t e x t o s e r á

c i t a d o ,

n o

c o r p o d o

t e x t o ,

como

S t a r s . C f . B l a n c a Munoz: T h e o

d o r A d o r n o , t e o r i a c r í t i c a y c u l t u r a d e

m a s a s ,

p . 1 2 8 - 1 4 3 ;

R o b e r t W i t k i n :

Adorno o n

p o p u l a r

c u l t u r e ,

p .

7 6 - 8 2 .

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P r o g r a m a

d e

p e s q u i s a :

p r e m i s s a s e d i s c u r s o

d o

método 249

Contrariamente à

imagem atribuída

à

s ua linha de análise,

a

conclusão do pensador salienta

que

esse

equilíbrio realmente

não

pode

ser

alcançado,

embora seja

e s sa

a

pretensão

de

s eu

discurso

programático.

Os horóscopos populare s s ão tão incoerentes

quanto

a

sociedade que os produz

e

consome

- mesmo

quando

s ão muito bem acabados formalmente. Significa

que

eles s ão

ideologia não porque

 passem

alguma mensagem para

seus

consumidores, mas porque reproduzem

subjetivamente

os pro

blemas par a o s quais afirmam ser a solução.

A

leitura que

chamaríamos

hoje

de

desconstrutiva

da

coluna

sugere que os sujeitos da astrologia de fato não acreditam na

conformação do

indivíduo às

normas sociais vigentes. O caráter

anárquico

da

produção e

da

vida social capitalista está

inscrito

no

texto

zodiacal.

A atmosfera de resignação que emana do material

não chega a esconder s eu incentivo à alguma forma

de

delin

quência. As configurações a que ele se refere

esperam

que o i n

divíduo

cumpra

apenas

as

exigências

sociais

inevitáveis,

deixan

do

claro

que ele poderá

  recorrer

a uma espécie

de

impetuosida

de

anárquica, sempre

que

t e nh a s ua

imunidade

garantida (Stars,

p .

69).

Cremos que

a proposição

corrobora a hipótese mencionada

acima, segundo

a qual a

indústria

cultural é tão

antagónica quan

t o a

sociedade que enseja o s eu aparecimento (Indústria, p . 157).

As contradições

sociais,

realmente, não s ão resolvidas pelas mer

cadorias

culturais da indústria,

embora seja e s s e

o

princípio de

s ua po s iç ão na sociedade. Os conflitos que se originam dessa ú l

ti ma s ão mantidos pelas páginas

de

horóscopo,

  ratificando de

maneira implícita a impossibilidade r e a l

da

tão exaltada

integra

ção [do

indivíduo à

sociedade] (Stars, p .

67).

O

e n t endi m en t o assim avançado

permit e

ao

autor sublinhar

que

os fenómenos relacionados

com

a

popularização da astrolo

gia

não

s ão

im pos t os de

cima

para

baixo,

constituindo

antes

e x

pressão de movimentos de massa, cujo s e nt ido o bj e t iv o consiste

em fazer

aceitável à

subjetividade

a

precária

situação vivida

pela

maior parte das

pessoas

no

mundo

contemporâneo . Mercadorias

culturais da

indústria como e s sa s ão consumidas s o br e t udo po r

que

propendem

a fortalecer

as formações

reativas

às mutações

no s r e g i m e s

de

poder ocorridas em n o s sa época.

Basicamente,

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250 F r a n c i s c o

R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

elas   reforçam o que [ a s

pessoas]

aprenderam

consciente

ou i n

conscienteme nte , muito antes de se

dar s ua

intervenção

(Stars,

p .

42).

O material

confirma,

portanto, a

hipótese

que,

embora

de

maneira

bastante

desfigurada, as

pessoas tendem

aceitar os pro

dutos que, mal ou bem, acenam com

a satisfação

de

suas

neces

sidades psicológicas

e interesses

económicos,

conforme

defini

das pelo s i s t e ma

social

vigente. As

colunas

de

horóscopo

s ão

l i

das pelo fato de fazer em e co a um estado de ânimo coletivo, res

ponder

à

angústia

flutuante

s obre

o

destino

da

própria

vida

em

condições sociais cada v e z mais

anónimas e

impessoais, mas que

essas

colunas todavia ajudam

a

manter objetivamente,

apresen

tando as ansiedades do homem moderno como um problema que

possui

uma razão

ocult a, e t a l

razão

como um recurso que

não

pode

nem

deve ser buscado naquelas condições

de vida,

devido

ao

fato

deste s ó poder

ser

descoberto nas cartas

astrológicas.

Nesse

estudo,

como

em

outros

que

seria

preciso

escrever,

tratar-se-ia de

fazer um   confronto

dos

textos com o

s e u pr ópr io

e e nfát ico co nce it o, com

a

verdade

visada por

cada um, mesmo

que ele

não

a t enha

em

m en t e , abalar a

pretensão

da

cultura,

l e -

vando-a

a meditar s obre

s ua

inverdade (Sociologia, p . 183).

Adorno

não faz

qualquer

menção

ao

possível conteúdo ut ó

pi co das colunas de

astrologia.

A postura c r í t i c a

que

elas

e

outras

expressões da

indústria

cultural

nos

exige, contudo, não proíbe

investigá-lo.

Conforme v imos , o pensador confiava

mui to

pouco

nes sa hipótese,

da

existência de

um

conteúdo utópico, embora

não

a

t enha ratificado de mane ira

absoluta.

Pr o va disso é que

a

possibilidade

aberta desse jeito

vem

sendo estudada há alguns

anos por intérpretes do legado frankfurtiano, que, encontrando-a

em estágio latente inclusive no capítulo sobre o anti-semitismo

de s ua obra

maior, revelam a presença

dos

impulsos utópicos em

vários bens

e

situações dependentes do cálculo que comanda

a

indústria cultural.

Conforme o b s e r va

Fredric

Ja m e s o n,

[A

c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l ] deve

s e r exercida, no trabalho p r á t i

co de l e i t u r a e

i n t e r p r e t a ç ã o ,

simultaneamente como uma h e r m e

nêutica marxista positiva

[ d a s

condições materiais

e h i s t ó r i c a s das

quais dependem os fenómenos]

e

uma decifração do s i mpuls os

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 2 5 1

utópicos desses mesmos textos culturais [por causa disso] ainda

ideológicos.18

A

proposição nos

recomenda,

com

razão,

observar

que

os

produtos

portadores

de significado valorativo possuem uma

fun

ç ão utópica ao lado da ideológica; e que s ó por meio da primeira

é que a

segunda,

quando é

o

caso, adquire concretude histórica.

A c r í t i c a

à

indústria

cultural não se

pode

limitar

ao

exame

das

ideologias com que

o si s t ema

se reproduz, devendo especificar

também

os

momentos subversivos e

oposicionistas

contidos em

s e u

modo

de

posição.

As

contradições

de

que

ela é

palco

obri-

gam-na

a

de algum

modo

expressar tanto os e sforç os no sentido

de manter

quanto no de

contestar

as

formas

existentes

de domi

nação.

O

pesquisador

deve

proceder à l e i t u r a

da mídia

em função

do

modo como e l a s e relaciona com a s e s t r u t u r a s de dominação e

forças de r e s i s t ê n c i a tanto quanto com a s posições ideológicas

que

e l a s

sinalizam dentro

do

contexto

dos

debates

e

l u t a s

s o c i a i s

em

curso no momento.19

O

tópico

visto acima é

válido

como

princípio de pesquisa

e

está bem

notado,

mas não deveria nos fazer

esquecer

dois

pon

t o s .

O primeiro

e

menos relevante em t er mo s mai s imediatos re

mete ao e nt e ndi me nt o ado r ni an o de que o problema em relação

às

perspectivas da

c r í t i c a

à indústria cultural não

é

tanto o

conte

údo utópico que

os produtos e v entualment e veiculem, mas s i m o

de s ua autonomia e s t é t i c a ,

política e epistêmica.

Vimos que

nada

o b s ta

a que e s sa autonomia seja

buscada

ou mesmo

chegue

a se

instalar com

a

ajuda dos m e i o s técnicos. A convergência entre as

artes

e a

técnica maquinística

é

uma tendência inscrita em ambas,

porque

ambas fazem

parte do

mesmo movimento histórico.

Porém,

convém

que

se

distinga

o

processo

enquanto

repõe

um e spaço social para a criação autónoma (pelo menos com a l

gum significado transcendente) e ,

ao

contrário, enquanto força

que, quando

não

abole, leva à submissão dessa criação, qualquer

1 8 JAMESON, F . O I n c o n s c i e n t e

p o l í t i c o .

São

P a u l o :

Á t i c a . 1 9 9 2 , p . 3 0 4 . C f .   R e i f i c a -

ç ã o e u t o p i a n a c u l t u r a d e m a s s a ( M a r c a s do v i s í v e l , o p . c i t . , p .

9 - 3 5 ) .

 

KELLNER,

D .

Media

c u l t u r e .

L o n dr e s: R o u tl e dg e ,

1 9 9 5 .

p .

9 5 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 5 2 F r a n c i s c o R í i d i g e r □

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r i t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

que

seja s ua modalidade, ao s horizontes

culturais

e existenciais

definidos pela racionalidade mercantil e empresarial.

A

t e cnologi zaç ã o das

artes

é

um

movimento

cujo

sentido

é

ao mesmo tempo o

de

s ua integração económica e o

de

s ua a l i e

nação e s t é t i c a , embora nada disso se defina de m ane ir a absoluta:

integração e co nó mi ca, po rque h á poucos setores da

vida

que

es

capam à s ua mediação; alienação

e s t é t i c a ,

porque, assim, as artes

perdem

a especialização

que lhes

permitia

elaborar um

conteúdo

específico e os sujeitos que poderiam articulá-la autonomamente.

A

presença

de el e m en t o s

utópicos

na

cultura

de

mercado

não

quer

dizer que

s e us pr odut os , por

i s s o , tenham

adquirido auto

nomia estética enquanto meios criadores de uma imagem indica

dora do totalmente outro,

de uma figuração

alternativa

da vida

e

do homem; assim como não quer dizer que, por i s s o , esses

ele

mentos

s e ja m

m e i o s

veiculadores de uma atitude c r í t i c a ou escla

recida em relação à sociedade existente.  Qualquer que seja a

utopia, qualquer coisa que

ela venha a

s e r ,

s ó

será

utopia

se

for

uma

transformação

da t o t a l i d a d e . . .

s ó

assim e vitamos uma falsa

utopia, uma utopia que

po ssa

ser comprada , disse o pensador

em diálogo com Ernst

Bloch.20

A aceitação da

possibilidade

não deveria

servir

de motivo

para renunciarmos a pensar o ponto

em

s ua positividade. A c r í t i

ca

e a

utopia s ão condições que não

se

conferem a priori, por

meio de

juízos formais e postulações

de

princípio.

As caracterís

t i c a s

ou aspectos citados s ó podem

ser

atribuídos, quando

isso é

possível, após um esforço,

sempre

arriscado

de dar

errado, de

julgamento

esclarecido

e

independente.

O segundo ponto a observar, ainda mais importante, é a ne

cessidade de levarmos

em

conta a hipótese adorniana

de

que, pe

l o

fato de hoje as contradições e conflitos reproduzidos pela

i n

dústria

cultural serem vividos em contexto que

e s sa

mesma

i n

dústria

ajudou

a

moldar,

o

alcance desses

antagonismos

se

e n

contra

limitado.

Através dessa indústria, ocorre muito mais do

que

s ua mera articulação: a

crescente

mediação do conjunto dos

processos sociais por suas agências a tornou uma das arenas em

ADORNO. T .   BLOCH. E . S o m e t h i n g ' s m i s s i n g : a d i s c u s s i o n ( 1 9 6 4 ) . I n : E r n s t

B l o c h :

T h e

u t o p i a n f u n c ti o n o f a r t and l i t e r a t u r e . C a m b r i d g e (MA): M1T P r e s s .

1 9 8 8 ,

p .

3 - 4 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a :

p r e m i s s a s

e d i s c u r s o

do

método 253

que

se

produzem agora

os próprios sujeitos

históricos

dess e s

conflitos e

contradições.

As

contradições veiculadas

pelas

comunicações

dificilmente

poderão

ser superadas no contexto a t u a l , porque e s s e mais e mais

existe pela mediação dessas comunicações, embora não t o t a l

m ent e . A relação entre

elas e

os

homens é

mais

e

mais pré-

ordenada pelo contexto assim formado. O resultado é uma situa

ç ão

que, relativamente

ao de s en vo lvi m en t o

da experiência

histó

r i c a , favorece

sobretudo

uma prática: a

do

consumo estético mas

sificado.

7. 2 Ciência

social crítica e cultura de

mercado

Theodor Adorno nunca pretendeu co nt es tar a pertinência e

validade

epistêmicas

da pesquisa

s o c i a l ,

observando,

po r é m ,

que

  à

sociologia caberia

analisar

quais

problemas

permitem

t r a t a

mento

empírico adequado,

e quais

não o

permitem

sem sacrifício

de

sentido , e

s obre isso

  não é

possível um julgamento e s t r i t a

mente

a

priori a

respeito (Indústria, p . 1 4 3 ) . 2 1

Atualmente, a investigação

s obre os

fenómenos de comuni

cação

se

colocou,

por várias

razões,

no

centro de interesse

da

ciência

s ocial e

das políticas

públicas.

A

pesquisa social empírica

tornou-se

uma

exigência,  tanto

mais

urgente

quanto

o

crescente

domínio

exercido pelos mass media sobre

a população

aumenta

a

pré-formação

da

s ua

consciência, a ponto

de

quase não mais

permitir a

existência

de

um espaço l i v r e

para

pe r ce b e r aque la

pré-formação

(Escritos,

p .

197).

Entretanto,

precisamos considerar,

po r outro lado,

que as

manifestações aparent ement e

primárias e

imediatas

do público

receptor,

colhidas

por

meios

objetivos

ou

etnográficos,

s ão

em

s i

mesmas

mediatas

e não

fornecem

uma base suficiente

para

o co

nhecimento

sociológico.

O problema

não

é

s ó com os primeiros,

que reduzem

o homem ao e l e m e n t o e s t a t í s t i c o , mas

também com

os segundos, que os

induzem a

fazer uma

falsa idéia

de

s i

mes-

S o b r e a s p e s q u i s a s r e a l i z a d a s p e l o I n s t i t u t o d e P e s q u i s a S o c i a l ,

m u i t a s

n a á r e a d o s e s

t u d o s d e c o mu n i c a ç ã o , c f . A l e x D e m i r o v i t c h : Der n o n k o r f o r m i s t i c h e i n t e l l e k t u e l l e .

F r a n k f u r t :

S u r h k a m p ,

1 9 9 9 .

Page 258: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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254

F r a n c i s c o

R u d i g e r

T h e o d o r

A d o r n o

e a

c r í t i c a

à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

m o s . Destarte,  quem sente

uma

responsabilidade teórica deve

fazer

frente,

sem m e i o s

termos,

às

aporias do

teoricismo e

à insu

ficiência

do

simples

e mpiri s m o .

[ . . . ]

Diante

da

investigação

s o

c i a l

empírica, é tão necessário o

conhecimento profundo

de seus

resultados

quanto a

reflexão

c r í t i c a sobre

os

seus

princípios

( T e mas , p.122).

Apesar de poderem revelar e l e m e n t o s significativos,

as

pes

quisas s obre

efeitos

e recepção possuem em s i mesmas limita

ções

não

menos problemáticas do que o s e s tudo s que se fixam no

registro institucional

(económico

e

político)

dos

processos

de

produção da

cultura

no capitalismo avançado. N e s t e caso,

o

pro

blema diz re spe it o ao

d é f i c i t

de sentido sugerido por um exame

do s processos culturais em que a cultura é reduzida não apenas

no

plano

concreto mas também no

plano

epistêmico ao s princí

pios sistêmicos

da

economia p o l í t i c a .

No

primeiro, ao

invé s, a d i

ficuldade

está

na

subordinação desses

processos ao

significado

que lhes

é dado por sujeitos que, na maior parte do t e mpo, estão

subordinados ao s i mpe r at i vo s do referido

sistema.

A pretendida

influência das comunicações não pode ser medida nem pela von

tade

de

quem as confecciona, nem pe lo s eu

conteúdo,

nem pela

maneira

como

s ão

consumidas.

Quem solicita

uma hermenêutica c r í t i c a

do

material

investi

gado é

o próprio

processo de criação

da coisa,

porque

e s s e sem

pre contém,

em

potência, um momento auto-reflexivo. Embora

aquela

não negue

o material

empírico extraído de

informantes, o

sentido por ela elaborado é rem etido ao co nt e xt o social

mais

am

plo e ao processo

histórico abrangente, um e outro lidos

com

ba

se nas

proposições da

economia política e

da

reflexão emancipa-

tória

s obre

os processos civilizatórios.

A

verdadeira

interpretação

é o contrário da

doação subjetiva

de

sentido pelo indivíduo que conhece ou age socialmente. O concei

t o

de

uma t a l

doação de sentido

induz

à f a l s a conclusão

afirmativa

de que o

processo

s o c i a l e a o rd em s o c i a l , conforme entendidos

pelo s u j e i t o e

do

modo como a e l e

pertencem,

justificam e

c o n c i l i -

am-se com

o modo

em

que

e l e é s u j e i t o .

Um

conceito d i a l é t i c o

de

sentido não s e r i a um c o r r e l a t o da compreensão de sentido de que

f a l a

Weber, mas da essência

s o c i a l

que cunha os

fenómenos, neles

s e

manifesta e

neles s e

esconde ( E s c r i t o s , p . 280).

Page 259: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a

d e

p e s q u i s a :

p r e m i s s a s

e

d i s c u r s o do método

255

Aparent ement e, a resistência do pensador não era à

prática

da

pesquisa social empírica, mas à tendência ao abandono

da

re

flexão

que

nela

tem

lugar,

sobretudo

entre

o s e s t udi os os

das

co

municações.  A sociologia dos chamados m e i o s

de

comunicação

de massa nada mais pretende do que investigar opiniões e a t i t u

des,

para delas extrair consequências

crítico-sociais

(Escritos,

p .

128).

Entretanto, precisamos pe r guntar pr i me i r o se e ssas opi

niões

e atitudes

não

e s tão elas

mesmas

mediadas pelas comuni

cações,

partindo-se da

hipótese

de

que, passados tantos anos, a

experiência encontra-se

mais

ou

menos

condicionada

pela

indús

t r i a da cultura e as e m p r e sa s

formadoras

de opinião.

[ D e s t a r t e , ] conviria

[ a i n d a ]

que a investigação d i l u c i d a s s e , em

primeiro

l u g a r , a t é

que ponto

t a i s reações subjetivas

do s

indivíduos

são em realidade

t ã o

espontâneas

e

imediatas como dão

a

entender

os s uj e i t o s ; a té

que

ponto, d e t r á s daquela, escondem-se

não

só os

mecanismos

de propaganda

e

a força

de

sugestão do aparelho, mas

também

a s

conotações objetivas do s meios

e

o material com que

são confrontados os ouvintes

e ,

por f i m , a s e s t r u t u r a s s o c i a i s mais

amplas, a t é chegar à

sociedade

global (Indicadores, p . 1 12-1

1 3 ) .

A

prática

da indústria

cultural é

um processo que condiciona

tanto suas

expressões

isoladas

quanto

s ua

recepção e , portanto,

é

formadora de fenómenos que não se desencadeiam apenas com o

consumo

dos

produtos

culturais. Os homens e s tão sujeitos a e s sa

prática

pelo

simples

fato

de

viverem

cada

v e z

mais

s o b

condi

çõ es

mediadas por s eu s i s t e ma há várias décadas. A conclusão

que se t i r a daí é que a

condição

e o

sentido

dos dados obtidos dos

sujeitos, quando

não a

própria

visão

do pesquisador,

dependem

em última instância

da

estrutura económica e das relações

de

po

de r vigentes

em

s ua

sociedade.

As pesquisas

que

levantam, sondam ou lidam com opiniões,

quaisquer

que s e ja m

seus

m é t odo s ,

precisam considerar que,

sim,

essas devem

ser

registradas,   porque também a ide ologia, a falsa

consciência necessária, é uma parte da sociedade que deve ser

conhecida por quem

deseja conhecer e s sa última ;

mas,

ao mes

mo

t e mpo,

devem ser

criticadas,

  porque a estrutura

que

lhes é

própria,

s eu caráter subjetivo, depende de mecanismos objetivos

que

lhe

determinam o conceito (Escritos, p .

2 0 8 - 2 0 9 ) .

Page 260: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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256 F r a n c i s c o R í i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

A pr es ença

da indústria

cultural em

n o s s o meio de

vida

sig

nifica que

  os

momentos opostos da produção e

do

consumo se

acham

respectivamente,

subordinados

entre

s i

e

não

s ão

depen

dentes reciprocamente de m ane ir a isolada , conforme pretendem

os esquemas

derivados

da teoria da comunicação (Dissonâncias,

p .

45).

As

comunicações s ó

influenciam

os

indivíduos, se tanto,

secundariamente: os segmentos de público que se expõem às

prá

t i c a s da indústria cultural não

s ão

apenas s eu obje to

mas,

antes,

seus

próprios

sujeitos

( no

sentido

ambíguo possuído pela expres

são).

A formação da opinião é função de um jogo de forças histó

rico e

coletivo:

O indivíduo

não

forma sua opinião, po r as s im d i z e r , no vácuo, mas

na contínua

comunicação

com

os

o u t r o s ,

como p a r t e

do processo

s o c i a l do

qual e l e depende,

pelo qual

é influenciado e o

qual

e l e ao

mesmo

t e m p o

codetermina.22

Atualmente,

não

se

pode

mais

sustentar

a

divisão

entre

opi

nião pe s soal e impos ta: os conce it os de influência e persuasão

encontram-s e

ultrapassados.

Provenientes do

liberalismo clássi

co, supunham a exi s tência

de sujeitos

em princípio livres e

pos

suidores de s ua própria consciência. A compenetração cada v e z

maior entre

as

esferas social e

íntima

conduziu à

s ua

caducidade.

As

comunicações

não

chegam à

consciência como algo estranho:

e s sa

é ,

antes,

por

elas

 reforçada

em

seus

valores

m é dios , na

me

dida em que a mídia, ao desenhá-las, leva em conta antes de mais

nada suas chances de absorção

por

parte

dos

consumidores

(Música, p . 80).

As perspectivas de estudo das comunicações costumam se

dividir entre as abordagens segundo as quais

a

m ídia

exerce

um

poder

sobre a vida

social

e ,

outras,

em que e s s e poder

é

colocado

na de pe ndê nci a da

sociedade.

Os

estudos

de

c r í t i c a

à

indústria

cultural caracterizam-se e distinguem-se dessas pe rs pe ct iv as , à

medida que procuram examinar como a

sociedade se

e xpr e s sa

através

das

suas várias

formas

de atividade cultural e

processos

de co municação .

  ADORNO.

T .

  O p i n i ã o p ú b l i c a

e p e s q u i s a d e o p i n i ã o . I n :

C h r i s t i a n

K i e l i n g

( o r g ) :

T h e o d o r

Adorno

- e l e m e n t o s

p a r a

a c r í t i c a

d a i d é i a

d e o p i n i ã o

p ú b l i c a . P o r t o

A l e

g r e :

UFRGS,

2 0 0 2

( m o n o g r a f i a

d e

g r a d u a ç ã o ) ,

p .

4 2 .

Page 261: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a

d e

p e s q u i s a :

p r e m i s s a s e d i s c u r s o

do método

257

O programa

desses

estudos

não se

centra nem na

produção,

nem na recepção da

mensagem mas,

antes, no

processo através

do

qual

e s s e s

momentos

s ão

mediados

em

conjunto

pelas

comu

nicações enquanto mercadorias. O esclarecimento do problema

da

produção, conforme explicado acima,

constitui um

pressupos

t o . A recepção

é , por s ua

vez, um ponto que

re m e t e ao contato

com a coisa,

precisando

ser entendido como um momento do

processo em s ua totalidade.

Os conhecimentos que po ss uí mo s e os juí zos que e mit imos são

mediados

pela

t o t a l i d a d e

das

representações

com

a s

quais

vive

mos: os fenómenos chegam a nossa consciência passando por uma

s é r i e

i n f i n i t a

de

e s t r u t u r a s

[ s o c i a i s ] o b j e t i v a s . 2 3

O enquadramento da matéria no conceito

de

mediação signi

f i c a , assim, que o

fenómeno não é

em s i

mesmo, mas através das

relações que o formam e em que ele s e ins ere socialmente. Nou

tros t ermos , os fenómenos

de indústria

cultural adquirem

sentido

social

objetivo

através

das

relações

que

o

perpassam

em

uma

da

da época

e contexto: eles

podem ser

entendidos

através

de

 estruturas sociais concretas, historicamente definidas e que s ó

s ão reconhecíveis através

da

análise e

reconstrução da história

( T e mas , p . 20).

Conforme nota Douglas Kellner, a pesquisa c r í t i c a s ó conse

gue

ser

iluminadora, se situa o fenómeno em estudo em s eu con

texto

histórico

de nas ci me nt o

e

inserção.

Os

produtos

culturais

podem ser lidos como textos, cujo conteúdo é

formado

por suas

relações internas tanto quanto por suas relações com a situação

s o c i a l . Por i s s o ,

quanto

mais relações a leitura c r í t i c a descrever,

mais ampla e esclarecida será a s ua interpretação.24

A pesquisa social

empírica tende a reduzir

o sentido da

obra

ao s juízos do

público,

a proj eç õe s subjetivas, com relação às

quais a

o b ra

não

passa

de

estímulo.

O

problema,

portanto,

con

s i s t e

em

saber a

relação entre as massas

e os

bens que

elas

con

somem no â m b i t o da indústria

cultural.

Pretende-se quase sem

pre

que

os bens s ão definidos pelas reações do

público.

O corre -

t o , po r é m ,

s e r i a ,

ao invés,

analisar a

relação

social

entre

ambos

u ADORNO, T . / / c o n c e i t o

d i

f i l o s o f i a . Roma:

M a n i f e s t o , 1 9 9 8 ,

p . 1 1 7 .

KELLNER,

D .

Media

c u l t u r e ,

p .

9 9 . C f . C r i t i c a l T h e o r y ,

Marxism and

M o d e r n i t y .

B a l t i m o r e

(MA):

J o h n s

H o p k i n s

U n i v .

P r e s s .

1 9 8 9 ,

p .

1 2 1 - 1 4 5 .

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258 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r

Adorno

e a

c r í t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

dentro de um único

e

mesmo contexto:   unicamente

a compreen

s ão ge né t ica da forma de reação pré-formada

e de

s ua relação

com

o

sentido

do que

é

exp er i m en tado

permite

decifrar

os

fenó

menos

registrados

[pela pesquisa

social

empírica] (Escritos,

p .

197).

Destarte, Adorno defendeu a

hipótese

metódica de que,

par

tindo da totalidade do movimento histórico, pode-se fazer infe

rências relativas à fortuna do indivíduo muito mais raci onai s e

plausíveis que aquelas obtidas

através

da

observação

pseudona-

t u r a l i s t a

e

experimental.

A

investigação

social

empírica

do

fe

nómeno precisa ser subsumida hermeneuticamente ao movimen

to

de

abordagem

daquela totalidade.

A interpretação do s f a t o s conduz à

t o t a l i d a d e ,

sem

que

e s t a mesma

s e j a

um

f a t o . Não há

nada, nenhum

f a t o s o c i a l , que não tenha

seu

lugar e

valor próprio

na t o t a l i d a d e . Ela e s t á pré-ordenada perante

os s u j e i t o s s i n g u l a r e s ,

po r

que

e s t e s

obedecem à

sua

coação e ,

po r

causa

d e s t a ,

representam

a totalidade

em

sua

constituição

monado-

lógica ( E s c r i t o s ,

p . 2 5 1

) .

As

pe s qui s as s o br e

os

efeitos e

os estudos de

recepção ten

dem

a fracassar

ou produzir escassos resultados, porque

nenhu

ma investigação específica

sobre a influência

de uma transmissão

ou ciclo de transmissões televisivas, po r e x e m plo , poderia de

terminar

mudanças m e ns ur áv e is na co ndut a ou mesmo na atitude

de

um

público

frente

ao

fenómeno

reportado.

A

recepção

por

parte

do

público ou os

efeitos

das mensagens sobre s e us r ece pt o

res tendem a ser

contingentes, no

sentido

de que tanto público

quanto recepção e efeitos não dependem apenas deles mesmos.

Simplesmente não

há relação direta

e imediata

entre e s s e s

e l e m e n t o s e o conteúdo das m en sag en s . A experiência das co

municações é pré-formada e ,

por

i s s o ,   se quisermos

entender

a

televisão,

[por

exemplo],

não

basta

procurar

as

implicações

dos

vários shows e

tipos

de s h o w s ; precisamos ainda

examinar

as

pr e s s upo s i ç õe s de nt r o dos quais

essas implicações

funcionam an

t e s mesmo de ser dita qualquer palavra (Indústria, p . 145).

Os pr o ce di m e nt o s m e t o do ló gi co s que se

limitam a

concei

tuar situações

ou descrever

fatos não

bastam

para

dar

conta

do s

processos

sociais. Os e l e m e n t o s em foco s ó adquirem sentido

dentro

do

s e u

movimento

conjunto

em

uma

totalidade.

A

verifi

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a

d e p e s q u i s a :

p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 259

cação de que os

indivíduos integrantes

de

uma amostragem pos

suem

informações sobre um assunto é uma prova tão precária de

que

realmente

o

conhecem

quanto,

ao

invés,

s ua

f a l t a

seria

prova

de

desconhecimento. O caráter da recepção   s ó pode ser deduzi

do

da tendência

social

para o

processo

de consumo

como

t a l e ,

[então], identificado em traços específicos. Não se pode inferi-lo

de atos de

consumo arbitrariamente isolados e quantificados .25

O problema dos efeitos não

se

relaciona apenas à estrutura

do pr odut o m as , também, ao s e u contexto

de

atuação: é um pro

blema

situado

na

longa

duração,

cumulativo

e ,

em

última

instân

c i a , vinculado à dinâmica histórica do conjunto da sociedade. As

pesquisas

sobre os

efeitos

esquecem que o

impacto

que procuram

depr e ende r deste ou daquele filme s ono ro , deste ou daquele

evento, não se pode  atribuir a nenhum deles isoladamente, mas

s ó a

todos em

conjunto

na

sociedade

(Dialética,

p . 1

1 9 ) .

As

pesquisas empíricas

demonstraram que

  a

chamada im

prensa

de

rua

põe

em

leilão

[ . . . ]

contrabandos

políticos

de

extre

ma d i r e i t a , sem que

isso

t enha

influenciado

muito [por ém]

os

mi

lhões

de

leitores nos países anglo-saxões . Entretanto,

ser íamos

ingênuos pensando que s e u sentido é nulo, t ant o quanto se a

i s entás s em o s de toda e qualquer

responsabilidade

pelo que acon

tece na

sociedade

contemporânea.

A

existência da

indústria cul

t u r a l por

s i

s ó revela uma sociedade em antagonismo

e ,

por i s s o ,

  é mais recomendável refinar a

análise

de seus

estímulos [ . . . ] ,

s i -

tuando-se além da tese

originária que lh e

associa

à

realização

ideológica

dos desejos, do

que p e r s i s t i r

com o

estudo

dos efeitos,

que facilmente perde de vista o

conteúdo concreto

que produz os

e f e i t o s : a conexão com o

contexto

(Literatura I I , p .

67).

2 6

2 5 ADORNO, T .  Mensagens numa g a r r a f a . I n : S l a v o j Z i z e k   o r g . ) : Um mapa

d a

i d e o

l o g i a .

R i o

d e

J a n e i r o :

C o n t r a p o n t o ,

1 9 9 6 ,

p .

4 7 .

As

i n v e s t i g a ç õ e s

e m p í r i ca s s o b r e o s

e f e i t o s m o s t r a m q u e e l e s

t e n d e m

a s e r

i n s i g n i f i c a n t e s , p o i s

o n d e s ã o

d e t e c t a d o s

d ã o

margem à

d i s c u s s ã o

o u

n ã o

t ê m a l c a n c e p e r t i n e n t e . C f . W i l l i a m M c G u i r e :   T h e m y t h

o f m a s s i v e

m e d i a i m p a c t . I n : G e o r g e Comstock   o r g . ) : P u b l i c c o m m u n i c a t i o n and

b e h a v i o u r . O r l a n d o ( F L ) :

Academic P r e s s , 1 9 8 6 ,

V o l . L S o n i a L i v i n g s t o n e :  On t h e

c o n t i n u i n g p r o b l e m o f m e d i a e f f e c t s . I n : J a m e s C u r r a n e M i c h a e l G u r e v i t c h

  o r g s . ) :

C o m m u n i c a t i o n

n a

s o c i e t y .

2 .

e d . L o n dr e s : A r n o ld ,

1 9 9 6 .

* C f . GABRIEL COHN: S o c i o l o g i a d a

c o m u n i c a ç ã o . S ã o

P a u l o :

P i o n e i r a ,

1 9 7 3 ,

p .

1 5 1 - 1 5 5 .

Segundo A d o r n o ,

o

p i o n e i r i s m o

d a

a n á l i s e c u l t u r a l

d o s

f e n ó m e n o s d e m í di a

d e v e

s e r

a t r i b u í d o

a K r a c a u e r

( l o c c i t . ) . C f . S i e g f r i e d

K r a c a u e r :

  T h e

c h al l e n g e o f

q u a n t i t a t i v e

c o n t e n t

a n a l y s i s .

I n :

P ub li c o p in i o n

q u a r t e r l y

v .

1 6 ( 6 3

1 - 6 4 2 ) 1 9 5 2 .

Page 264: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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260 F r a n c i s c o

R u d i g e r □ T h e o d o r

A d o r n o e

a c r i t i c a

à

i n d ú s t r i a c u l t u r a l

As

experiências f e i t a s até

o

momento

sugerem que

  não é

possível

extrair nenhuma conexão

causal

entre, por ex empl o, as

repercussões

isoladas

das

canções

da

moda

e

seus

efeitos

psico

lógicos sobre os

ouvintes

(Dissonâncias,

p .

45).

O m o ti vo , t a l

vez, não

seja apenas um

defeito dos métodos empregados, embo

ra

e s s e s

s e jam

fonte

de

formidáveis

dificuldades epistemológi

cas. A crescente reificação da vida moderna pode t e r levado à

restrição

da

autonomia do indivíduo

e , assim, a

uma situação em

que, conforme f o i explicado, ele não pode ser mais influenciado.

A

prática

da

indústria

cultural

não

tem

poder

sobre

a

conduta

dos indivíduos:   limita-se apenas a

confirmar

o que já s ão s o b

coação do s is te ma, a

controlar

as lacunas, inserindo-se

na

práxis

como public

moral, ao propor-lhes modelos de imitação (Escri

t o s ,

p .

3 4 8 ) . A

ressonância que

por ventura encontra é função de

s ua convergência

maior ou

menor com as predisposições dos

su

jeitos sociais, que

aquela

prática confirma e fortalece numa dada

direção

h egemónica.

O pesquisador que

representa m en tal m en t e

o significado s o

c i a l dessa

prática

e

percebe

a maneira

como

ela modela os ho

m e n s , a despeito de s ua opinião

sobre

a coisa,   possui um

bom

s en s o mais seguro do que aquele que procura em v ão

obter

o e -

f e i t o da

totalidade

medindo efeitos s ingulare s e

controláveis

(Escritos, p . 2 3 5 ) .

Os

fenómenos

de mídia podem ser entendidos

com

categori

as

rudimentares.

Os

resultados

das pe squisas

empíricas geralmente

não reque

rem os

esforços que nelas

s ão despendidos, sendo passíveis de

o b t en ç ão através emprego

da

reflexão histórica

e

sociológica.  A

pergunta a respeito de o

que

a indústria cultural traz ao s homens

é ,

certamente,

demasiado

ingênua

porque, segundo tudo indica,

realmente

não

h á um efeito

específico, conforme o

sugere a for

ma da interrogação . Na era do s m o no pó li o s ,   a

época

vazia pre-

enche-se com o vazio, não

produz

falsa

consciência ,

exceto a

que

existe e

sobrevive

dificilmente

(Estética,

p . 275 ) .

Theodor Adorno

sugeriu

às ve ze s, como v imos, que os pro

dutos culturais

da

indústria não

s ão textos

para serem

lidos

e

analisados,

constituindo ant e s s inali zado re s de de te rm inadas

constelações sociais, que podem ser entendidas exteriormente,

Page 265: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 2 6 1

levando em

conta

apenas

a

existência de s ua

produção e consu

mo.

As comunicações meramente expressariam,

através da

forma

mercadoria,

as mudanças

nas

relações

de

poder

e

conflitos

ideo

lógicos

que

têm lugar no

capitalismo

l i b e r a l

avançado.

No

entanto,

s e us pr ópr io s

estudos

sobre a

matéria

confirmam

que

e s s e

expediente

não

bastava.

A c r í t i c a é levada para

dentro

desses produtos, visando a mostrar a maneira como eles a r t i

culam essas

constelações. As

referidas

mudanças

e

conflitos não

se refletem

neles

como

se

e s t i v e s s e m diante de um

espelho,

s e n

do,

na

verdade, elaboradas

por

seus

e squemas,

de

acordo

com

c r i t é r i o s que

têm

o r ig e m

na

dinâmica

interna

da

indústria

c u l t u r a l .

O verdadeiro

problema de pesquisa

para

o

crítico

dessa

i n

dústria consiste,

portanto,

em

interpretar o

sentido

histórico dos

fenómenos com que

se

associa e ,

assim,

determinar

a

maneira

como mediatizam o movimento global da

sociedade. Em

linhas

gerais, o pesquisador deveria estabelecer um número

de

concei

tos

teóricos, baseando-se em

conh eci m en t o s prévios, inclusive

os

pr ov indo s de pesquisas empíricas, para, através deles, r e f l e t i r s o

bre a repercussão das comunicações na subjetividade. Em sínte

s e ,

proceder à c r í t i c a

da

indústria cultural significa analisar suas

manifestações

e

r e s t i t u í - l a s

ao conjunto formado pela

cultura

moderna e a civilização c a p i t a l i s t a .

A explicação dos fenómenos

de

massa é uma tarefa em

que

conta mais a

construção

de categorias históricas com base na

análise da coisa do que os levantamentos acerca das o pi ni õe s de

diferentes grupos sobre

os

mesmos,

 i nclusiv e

quando

baseados

em sólidas proposições protocolares, t a i s como as afirmações

originais de participantes de uma amostragem

(Escritos, p .

293). As

mensagens devem

ser analisadas levando-se em conta

suas pressuposições sociais

e ,

em seguida,

interpretadas à luz

de

suas contradições

ideológicas

e mecanismos

psicossociais.

I s t o

é ,

em

relação

ao s

impulsos

instintivos

tanto

quanto

ao s

controles

sociais implicados, às

contradições entre indivíduo e sociedade

tanto

quanto

ao

sentido que

lhes é conferido pela indústria da

cultura (Indústria, p . 142).

Atualmente,

o controle s ocial é mantido por

meio da

explo

ração económica da psicologia de massas, através de processos

de

sujeição, mas

isso

não significa

que

seus e xpe di e nt e s e s t e j am

Page 266: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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2 6 2 F r a n c i s c o R u d i g e r

T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

privados de conflitos e contradição. A subjetividade esquemati

zada pela indústria cultural, embora

se encontre

subsumida no

fetichismo

da

mercadoria,

por

isso

mesmo,

é

mediada

pelos

an

tagonismos existentes na

sociedade.

A principal tarefa da leitura c r í t i c a dos fenómenos a que dá

lugar consiste em,

primeiro,

revelar

es s e

conteúdo l a t e n t e , proce

dendo

à

análise

do

manifesto,

e , em

seguida, descobrir as ten

dências da sociedade nas figuras do texto

e

ações

através

das

quais os

homens

se subsumem

às

práticas da referida indústria. A

c r í t i c a

não

deveria

t e r

por

objetivo

pesquisar

ou

saber

os

efeitos

dess e s

produtos

mas, antes,

mostrar que em

s eu

próprio acaba

mento e s s e s

produtos

tendem a ser tão antagónicos quanto

a s o

ciedade

que enseja

s e u surgimento.

O

caminho para

tanto

s e r i a ,

em suma, o

exame

da m ane i ra como as

diversas camadas

de s e n

tido

desses

produtos e

o

contexto

histórico

em

que

estão

i n s e r i

dos se deixam mediar reciprocamente.

7. 3 L i m i t e s da crítica à indústria cultural

Para Adorno, constatamos, a c r í t i c a à indústria cultural deve

ser

vista

como

uma

tentativa de

transcender

a c r í t i c a cultural

burguesa com os meios da teoria s o c i a l . As transformações de

que

tem

sido

palco

no s sa

cultura

têm

suscitado

um

berreiro

con

t r a o nivelamento, a

superficialidade

e a massificação. A c r í t i c a à

indústria

cultural

não pode

se deixar levar

por

e s sa

conversa

f i a

da,

que ignora suas raízes materiais e , a

pretexto

de de fe nde r

a

cultura

da

desumanização,

volta-se para

t r á s ,

mantendo-se

no

â m b i t o do conservadorismo.

A preocupação em manter a cultura pura ou em tecer elogios

ao

espírito

às

expensas

da

técnica

tem

mui t o mais

a

ve r

com

a

construção de

monumentos

para os

quais ninguém

dá bola

do

que com a idéia

de

humanidade. A fortuna

das

massas que

cus

tearam ou mesmo ergueram com s eu suor e sangue os caracteres

da a l t a cultura e obras de arte do passado

certamente

f o i pior do

que

a

vivida

pelos pobres

coit ado s que ,

não

tendo algo

melhor

para fazer, hoje passam

todo

o

s eu tempo l i v r e

ouvindo rádio ou

assistindo à

televisão.

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a

d e p e s q u i s a :

p r e m i s s a s e d i s c u r s o do método 263

De

r e s t o , a

cultura, no sentido original,

está

morta,

suplanta

da que f o i

pela

indústria

cultural e ,

agora, cada

ve z mais, pela

s ua

e s sê ncia, a

indústria

do

entretenimento.

A

falência

das

p r á t i

cas format i vas ,

não

devemos nos enganar,

é , po r é m , um

proble

ma que não se

deve

imputar à cultura de massa em s i mesma,

mas à forma como se estruturou no s sa sociedade.

As devastações que s e atribuem

à

época

desprovida

de e s t i l o e que

s e

criticam no

plano

e s t é t i c o não

são

expressão de um e s p í r i t o do

t e mpo k i t s c h , mas produtos de um

elemento

e x t r a - a r t í s t i c o , da f a l

sa

racionalidade

da

i n d ú s t r i a

governada

pelo

lucro

( E s t é t i c a ,

p .

232).

O

pr og r e s s o

técnico não é o causador dos

males

de n o s sa

época,

nem uma cultura

que apenas espera

ser enterrada deve

servir

de fetiche.

A barbárie

que

os

críticos

culturais

imputam

ao

estádio avançado do e s p í r i t o , na verdade, tem s ua origem na d i

nâmica histórica da economia de mercado. A cultura

em

nome

da

qual

eles

tanto

praguejam

sempre

se

associou,

em

parte,

à

domi

nação,

derivando disso

o caráter ideológico de s eu discurso. Nas

jeremiadas

e imprecações contra

os

hábitos das massas costuma

vegetar uma

atitude

cujo principal temor

parece

ser o advento

de

uma

situação

em que

e s sa dinâmica se

tornasse

supérflua e cuja

pretensão

pedagógica muitas

v e z e s

esconde um desejo de

eterni

zação

do

que

agora

está

estabelecido

socialmente.

Entretanto,

precisamos

observar

que

e s s e

e n t endi m en t o

não

significa conformismo ou resignação

perante a realidade s ocial e

p o l í t i c a . A c r í t i c a tampouco pode abster-se de

julgar

as mudan

ças ocorridas

à

luz

do processo histórico, emprestando

s eu apoio

às tendências em curso, responsáveis por uma liquidação da ideia

de cultura, pois,

  n e s s e caso, ela far-se-ia

cúmplice direta da

r e

gressão

à

barbárie (Pseudocultura, p . 2 6 5 ) .

Destarte,

o

caminho

consiste

em

não

hipostasiar

o

conceito

de cultura, mas em seguir s ua

trajetória

histórica, confrontando

suas manifestações particulares com as pretensões contidas

em

s ua própria i d é i a ,

conforme e s sa

se modifica historicamente. A

transmutação dos valores modernos promovida pela negociação

sistêmica da

cultura se presta

ao s

juízos apocalípticos.

A pers

pectiva não

é a

mais adequada.

Page 268: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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264 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Adorno

pretende

afirmar

com

isso que a c r í t i c a ao

fenómeno

deveria colocar-se:

numa

situação

que

nem

jurasse

a c u l t u r a ,

conservando

seus

r e s t o s ,

nem acabasse com e l a , mas antes e s t i v e s s e acima da

contraposição

entre formação

e f a l t a de formação, e n t r e c u l t u r a e natureza; a pos

t u r a

requer que não apenas

s e

quebre a absolutização da c u l t u r a ,

mas também

que não s e h i p o s t a s i e , que não s e coagule em uma t e

s e a d i a l é t i c a sua

interpretação como

algo não independente,

como

m e ra função da práxis e m e r o remeter a essa práxis [como sugere o

marxismo]

(Pseudocultura,

p . 266).

A c r í t i c a

à indústria cultural é uma atividade

que

não

se con

funde ou reduz à c r í t i c a das ideologias, t a l como a propó s o mar

xismo, na

medida

em que e s sa não s ó tende a subestimar o f e

nómeno,

como se tornou antiquada diante da nova situação

histó

r i c a . O caráter

de

ideologia das formações simbólicas já

não

po

de

ser

analisado

de

um ponto

de vista externo,

mostrando

a

ma

neira

como

s eu

conteúdo

depende

de

interesses

materiais

numa

situação

determinada.

O des en v ol v i m en to das forças produtivas converteu os valo

res

culturais

em

produtos de

consumo,

pelos quais

as pessoas es

tão dispostas a

pagar,

direta

ou

indiretamente. O contexto social

em que se encontram agora privou e ss es v alo re s de

sentido

obje-

t i v o .

O resultado é que o pr e ench im en to do

vácuo

da

consciência

tornou-se

mais

importante

do

que

o

conteúdo

ideológico

do

pro

duto e , por i s s o ,   concei to s vulgar es como distração s ão muito

mais

adequados

do que

pretensiosas

e x plicaç õe s s o b re o fato de

que um e scritor s e ja representante da pequena burguesia e

o ou

t r o

da

a l t a burguesia (Sociologia, p . 87).

Os acontecimentos

históricos que conduziram

à

formação da

indústria

cultural

obrigam

a uma

mudança

na

m an e ir a de

estudar

os

fenómenos

ideológicos, deslocando

sua

ênfase

para o aspecto

mercantil e s eu

significado

na

subjetividade.

[ D e s t a r t e ] a c r í t i c a t e m m e n o s de s a i r em busca de determinadas s i

tuações

de i n t e r e s s e

à s quais deverão adjudicar-se

fenómenos

c u l

t u r a i s

do que

d e c i f r a r da tendência da sociedade como um todo o

que a í s e manifesta e através do qual s e

impõem

os i n t e r e s s e s

mais

poderosos (Sociologia, p . 8 7 ) .

Page 269: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a : p r e m i s s a s e d i s c u r s o d o

método

265

A transformação da c r í t i c a cultural em c r í t i c a da indústria

cultural que se processa assim significa que o fenómeno repre

senta

uma

espécie

de

fisionomia

da

sociedade

e

que

r e f l e t i r

sobre

suas

formas

de expr e s são requer,

primeiro,

estudar os processos

históricos que

conduziram

à mudança

de sentido

da

ideologia.

Depois,

é

preciso

  analisar a

que configurações psicológicas

querem

se

r e f e r i r , para s e r vi re m -s e

delas;

que disposições dese

jam incutir nos

homens

com suas especulações, que s ão uma

coi

sa inteiramente distinta do que se apres enta nas declamações o f i

c i a i s .

Existe

depois

a

questão

de

perguntar por

que

e

como

a

s o

ciedade moderna produz homens capazes

de

reagir a estes e s t í

mulos,

do s quais,

inclusive, sentem necessidade ( T e mas ,

p .

192).

A perspectiva não

significa,

po r é m , que o

fenómeno

não de

va ser confrontado com

s ua pretensão

de

verdade.

A explicação

de s ua estrutura e sentido não dispensa a r efle xão sobre s ua l e g i

timidade.

A pesquisa com que está

comprometida

requer que se

entenda

seus fenómenos a p a r t i r da dialética

entre razão

e desra-

zão.

A

circunstância do s

mesmos se

encontrarem nes sa zona e n

t r e a consciência

e

o

corpo,

entre

a

racionalidade

e

o d e l í r i o , o-

briga

a

que os

expliquemos em

t e r m o s empíricos

e

normativos,

histórico-sociais e filosófico-culturais.

As

mercadorias culturais da

indústria mal ou bem

se

apresen

tam com a pretensão de s e r e m bom divertimento, quando não

conservam, a

despeito de tudo,

traços de

obras de arte

(leves

ou

s é r i a s ) . O entendimento corrente de que as comunicações

s ão

um

negócio

que

dá às massas

o que

as massas

querem

é

ideologia

porque, se

por

um lado

existe

e s sa

convergência,

também se

de s

cobre nela uma pretensão de i r além e ser um bom espetáculo.

Declarou um

diretor

de cadeia de televisão que, enquanto

t a l ,

  não está interessado em cultura, não está interessado em

valores

pró-sociais :

 Tenho

apenas

um

interesse,

que

é

o

de

saber

se as

pessoas assistem

à

programação. [É assim que e u faço] minha

definição

de

bom,

e s sa

é a

minha

[linha de ]

definição

do

mau .27

A consciência cínica

revelada

desse modo precisa ser meditada

com cuidado porque, vendo bem,

possui

como correlato o esfor-

2 1

ARNOLD

BECKER a p u d Todd G i t l i n : I n s l d e

p r i m e

t i m e .

Nova Y o r k : P a n t h c o n ,

1 9 8 3 ,

p .

3 1 .

Page 270: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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P r o g r a m a d e p e s q u i s a :

p r e m i s s a s

e

d i s c u r s o do

método

2 6 7

Durante a maior

parte

da

história, os

homens

domaram os

t e m o r e s e a

dor com

a

repressão.

O

pr ogr e s s o das

condições ma

t e r i a i s

de

vida

e

a

emancipação do

indivíduo

evidenciaram

a

ca

rência

de

sentido desse

expediente.

Hoje em d i a , a espontaneida

de não tem mais como ser sufocada, ainda que

s ua

liberação ten

da a

ser

i l u s ó r i a .

A sociedade

administrada

t e m uma

tendência

no sentido de

e s t r a n

gular toda espontaneidade ou, pelo menos,

canalizá-la

no sentido

da pseudo-atividade.

Entretanto,

i s s o não é

obtido

totalmente sem

dificuldade,

como

o s age nt es

desse

mundo

gostariam de imaginar

( I n d ú s t r i a , p .

1 7 4 ) .

As presentes condições históricas continuam sendo um fator

de mal-estar que,

se

por um lado predispõe

as

pessoas

a

se distra

írem,

por

out ro lado e ns eja

sensações

de revolta

que, s o b

certas

situações, podem t o mar um caminho produtivo, da qual a c r í t i c a

à

indústria cultural pretende

ser expressão.

A

verdade é

que   o

potencial

de

algo

melhor

se

deixa

reconhecer

até

mesmo

nos

l i

mites da

manipulação .' 11

Atualmente,

a cultura

se

encontra

liquidada:

a barbárie f o i

suprimida

às custas

de s ua sublimação. Os conteúdos utópicos

daquela, quando se fazem presentes, tendem a reinscrever

os

su

jeitos sociais

nas

estruturas vigentes. O pensamento crítico é um

produto

dessa

situação

aporética,

através da qual

a reflexão his

tórica

procura

manter

viva

dentro

de

s i

a

idéia

de

cultura

s o b

a

forma negativa de c r í t i c a da indústria cultural, i s t o é : enquanto

 auto- reflexão

c r í t i c a s obre

a pseudocultura,

na

qual

a cultura

como t a l se

converteu

necessariamente (Pseudocultura, p .

  ADORNO. T .   P e sq u i s a d e o p i n i ã o e e s f e ra p úb l i c a . I n : C h r i s t i a n K i e l i n g   o r g . ) :

T h e o d o r Adorno - e l e m e n t o s p a r a a c r í t i c a d a i d é i a d e o p i n i ã o p ú b l i c a , p . 6 3 .

, : A

p e r s p e c t i v a

d e

a n á l i s e

e m

f o c o

s e

s u p l e m e n t a

d e

uma

p o l í t i c a c u l t u r a l c u j a s b a s e s

s e

acham

e s b o ç a d a s

e m

  C u l t u r a

e

A d m i n i s t r a ç ã o

c f .

I n d ú s t r i a ,

p .

9 3 - 1

1 3 ) .

Page 272: Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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Conclusão

 r í t i c a da indústria cultural se encontra h oj e v ir t ualm e nt e

encerrada em

suas

possibilidades de jul gam e n t o histórico,

e a

s ua

situação não é

melhor

do que a existente na época de s eu surgi

m en t o . A civilização moderna completou um c i c l o , situando-se

numa nova plataforma. A suposição de que os homens

se torna

riam

m e l h o r e s

e mais f e l i z e s , se pudessem viver sem

os

regimen

tos

mercantis,

tornou-se

ainda

mais

utópica.

Atualmente, não se pode vislumbrar nenhuma forma superior

de sociedade.

A

colonização

pelo

valor

de

troca já quase não es

capa nenhum

momento da vida cultural: os entretenimentos

tec

nológicos

se impuseram por toda a parte enquanto a

arte

s é r i a ,

confinada em um gueto, prossegue

s eu

declínio,

inscrito

em s eu

próprio programa, cada v e z mais distante da

população.

Na

verdade,

a

c r í t i c a

ao pr oce s s o

através

do

qual

a

experiên

cia

vem sendo

empacotada e vendida

como bem de

consumo

está

em parte

envelhecida.

As

fantasias sintéticas buscam cada

v e z

mais simular

a ação

que

f a l t a ,

em

ve z de pr e e nch e r s ua

ausência

com

representações.

Parece-nos

corr et a a

percepção de Eugênio

Trivinho,

comu

nicada v e r balm ent e , de que a e xpr e s s ã o indústria cultural, ain

da

que

não

o

processo

por

ela

indicado,

tende

a

se

tornar

obsole

t a ,

a

p a r t i r

do

momento em que o processo histórico

se

encarrega

de

relegar para um

plano

secundário

as

atividades industriais.

D e r i va disso, mas não apenas,

a

necessidade de, ao

empregá-la,

pensar-se sempre que,

por s eu

intermédio, referimo-nos antes

de

mais nada

a

uma prática social, através da

qual

a cultura, reifica

da,

converte-se

em mercadoria e , essa, em matriz

do

modo

de

v i

da

e

princípio

de

existência

da

coletividade.

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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270 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à

i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

A teoria c r í t i c a já sugeriu, po r é m , que e s sa obs ervação tam

bém

atinge

o adjetivo

cultural.

 Benjamin

e

Adorno

viram

os

começos

da

e ra

da

televisão;

nós entramos

na nova era do en tr e t enim ento interativo . 1 A  cul

tura disponível pelas massas (a pseudocultura) mostr a-se a cada

dia

mais profana e

já quase

não

abriga

o s r es í duos dos chamados

valores

superiores.

As

mercadorias funcionais, serviços coletivos

e

agências do capital conv erteram-se

elas mesmas

em matriz es

p i r i t u a l ,

deixando

um e spaço menor até mesmo para os sucedâ

neos

industriais

das

velhas

formas

estéticas,

a r t í s t i c a s

e

l i t e r á r i a s .

Declina

socialmente a referência

às

atividades

industriais

mas,

também, a substância do que f o i

concebido

na e ra burguesa co

mo o

â m b i t o

da

cultura,

em que pes e

o depriment e

palavrório a

s e u

respeito que repe te a nova intelectualidade.

D i s n e y w o rld, Nintendo,

McDonalds,

Virgin

Megastores,

Hard

Rock

Café, Nasa,

as

Copas do Mundo,

a

Fórmula 1

e out ras

empresas

do

gê ne ro, par a

não

falar

da

publicidade,

praticam

a

  indústria cultural de modo que deixa

pouco

ou nenhum lugar

para a velha idéia de obra, presente até mesmo nos piores filmes,

best-sellers e

canções

de

sucesso.

I s s o ,

a l i á s ,

leva

muitos

a

acre

ditar que,

no

futuro, consolidada a era

dos j o gos com realidade

v i r t u a l , restará apenas o consumo de lazer mercantil. A tecnolo

gia

maquinística

cada

v e z

mais tomará para s i no s sa capacidade

de expressão, e pode ser que, para a maior parte

das

pessoas, a

formação da

consciência

sensível se reduza

ao s

esquemas

origi

nados

dos par que s de diversão, como

ocorre em parte

atu-

almente.

No passado,

os

parques de diversões e espetáculos de feira

puderam servir de

sanatórios

auxiliares

para

as massas

urbanas.

As tecnologias

atuais tornaram seus vários sucedâneos uma for

ma de

vivência i mpe r at i va par a t o do s aqueles

que

desejam

lem

brar

que

possuem

uma vida

e , de

algum modo, querem

manter

STALLABRASS, J . G a r g a n t u a : m a n u f a c t u r e d

mass

c u l t u r e , p . 8 5 . C f. F r e d r i c

J am e s o n : P o s t m o d e rn i s m , o r t h e

c u l t u r a l

l o g i c o f l a t e

c a p i t a l i s m .

Durham ( N C ) :

Duke

U n i v . P r e s s , 1 9 9 1 . A

t r a n s f o r m a ç ã o

p o r q u e p a s s a a i n d ú s t r i a d a

c o n s c i ê n c i a ,

e m v i r t u d e

d a

d e s c o b e r t a d e n o va s

t e c n o l o g i a s ,

t e m e n se j ad o m ui ta

e s p e c u l a ç ã o .

C f .

D a v i d B e l l e B a r b a r a Kennedy

  o r g s . ) :

T h e c y h e r c u l t u r e s r e a d e r . L o n dr e s: R o u tl e d g e .

2 0 0 0 .

F r a nc i sc o R u d ig e r :

I n t r o d u ç ã o

à s

t e o r i a s

d a c i b e r c u l t u r a . P o r t o

A l e g r e : S u l i n a .

2 0 0 3 .

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C o n c l u s ã o

2 71

viva s ua espontaneidade no â m b i t o

da sociedade

administrada.

T o rn ou- s e at o desesperado,

ainda

que

não

menos

relevante

mo

ralmente,

a

proposta

de

levar

as

pessoas

a

r e f l e t i r

s ob re s uas

pró

prias

atitudes e

opiniões,

usualmente

tomadas sem análise, mas

sem fornecer

soluções

teóricas para o que s ó pode

encontrar saí

da,

se

é que e s sa existe,

pela

praxis coletiva e sem cair na atitude

indulgente para com o que os costumes têm de mais primário

e

regressivo.2

A

confiança

n a co ndut a e spontânea e

nos

impulsos utópicos

dos

seres

humanos

não

parece

mais capaz

de

justificar

a reflexão

c r í t i c a ,

reduzida

à

condição de esforço moral de

pequenas

mino

r i a s . Através

dessa

reflexão, e xpr es s a- se h oj e

menos a perda

de

s e u e v ent ual mando cultural - como se comprazem em dizer os

porta-vozes

das

atuais e l i t e s niveladoras, do que a

resistência

e

inconformismo de

s ua

subjetividade

ao avanço da

barbárie tec

nológica.

O s i s t e ma da

indústria

cultural é pois,

por

isso tudo,

cada

ve z

mais

o

que seus primeiros pensadores

tinham visto

co

mo sendo s eu sentido essencial: a exploração mercantil

organi

zada

do l a z e r ,

do entretenimento e

da

experiência.

A transformação da cultura em mercadoria

não s ó

a colocou

s ob

a

dependência do s

conceitos de

consumo,

informação e

lazer

mas, devido às suas pr ó pr ias m í dias , levou

à

desintegração da

idéia de formação

e à

maquinização da subjetividade. Atualmen-

t e ,

as

relações sociais que

as pessoas travam

através do capital

estão

virando, como

imagem, no

principal

motivo

da indústria

cultural em que se

tornou

o conjunto da produção de

mercado

r i a s .

Aparent ement e, o capitalismo não sofre

mais

dos

problemas

de legitimação: o

problema agora é como

não

ficar de fora

do

si stema, inclusive para a intelectualidade.

O objetivamente procurado e desejado não só pela criação c u l t u

r a l mas,

em

última i n s t â n c i a , pela sociedade s e

encontra agora em

um isolamento totalmente i s e n t o de e spe rança (Dissonâncias,

1 9 0 ) .

As fronteiras entre

e s sa produção e

a vida das

massas

continuam se apagando, embora

nenhuma mudança

profunda

tenha

havido na

segunda, e entre

os

espetáculos

estéticos

de

Embora a n o s s o j u í z o e q u i v o c a d a , a m p l a r e f l e x ã o s o b r e o a s s u n t o p o d e s e r c o n f e r i d a ,

como

d i t o , e m

S c o t t

L a s h :

C r i t i q u e

o f i n f o r m a t i o n .

O x f o r d :

P o l i t y ,

2 0 0 2 .

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2 72 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

havido na segunda,

e

entre os

espetáculos estéticos

de

primeira

grandeza que os homens se dão,

além do consumo

de todo o

tipo

de

quinquilharia,

contam-se

cada

ve z

mais

os

exercícios

ofereci

dos pelos

divertimentos eletrónicos e os processos

de s ua

própria

conversão, calculada nos

mínimos detalhes,

em coletivos abstra-

t o s , conforme

se pode ver, por exemplo, durante

as

cerimónias

olímpicas e

os

funerais

das

celebridades (Élvis

Presley,

Ayrton

Senna, Princesa Diana).

 Theodor Adorno soube calibrar como

ninguém

a moderni

dade

cultural

em

todas

as

suas

ambiguidades ''

e ,

por

i s s o ,

con

cordaria

com os críticos e sclarecidos que,

passando

por alto s o

bre

os textos que

e sc r e v eu

a

respeito

do

assunto,

lhe opõem a

idéia

de

que, embora ainda mais adversa à mudança,

e s sa

situa

ç ão carrega em s i

a

possibilidade de uma

regressão

cultural ainda

mais profunda tanto quanto de

novas

formas de liberdade.

Conforme

o b s e r v a Douglas

Kellner,

o

capitalismo atual é

ambíguo,

porque

representa

ao mesmo

tempo

progresso

e

domi

nação:

[O capitalismo contemporâneo] é uma forma

de

progresso,

porque

pr oduz no vas tecnologias

e

modos

de

informação que produzem

impacto

benéfico

na

vida

humana.

Porém,

também é um sistema

de

dominação,

na

medida em

que

post erga muitas

de

suas

poten

c i a l i d a d e s ,

empregando-as

primeiramente

como elemento de impo

sição

continuada de mercantilização e de trabalho a s s a l a r i a d o , o

que

exacerba

a s

desigualdades

de

c l a s s e ,

ao

mesmo

t e mpo

que

i n

t e n s i f i c a a

miséria

e

o

sofrimento

de milhões

de pessoas por

todo

o

mundo.4

Adorno não contestaria

a

proposição, mas observaria que o

caráter crítico de

s ua

análise não provém desse reconhecimento:

a c r í t i c a às indústrias da cultura e do l a z e r , em particular, não é

uma

forma

de

historicismo

transcendental. Cer ta m en t e

há mo

mentos

utópicos

e

de

liberação

da

espontaneidade

nas

manifesta

ções da cultura de m as s as a t u a l . A reflexão c r í t i c a , todavia, abas-

tardar-se-ia se se contentasse em

atestar e s s e

f a t o , porque, via de

regra,

o

sentido histórico

concreto desses momentos

é

regressivo.

O

significado

deles permanece, em geral,

imanent e

e s u b m i s s o à

WELLMER, A . S o b r e l a

d i a l é c t i c a d e

m o d e r n i d a d

y p o s tm o d e rn i da d , p . 1 3 .

KELLNER,

D .

C r i ti c al t h e o r y ,

Marxism

and

M o d e r n i t y ,

p .

1 8 2 .

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C o n c l u s ã o 273

ordem

vigente,

quando e s s e s

momentos não s ão

pura e simples

mente

explorados

com finalidades

políticas e económicas

pelos

poderes

organizados.

A

c r í t i c a à indústria cultural s abe -s e h oj e uma atividade cada

ve z

mais

sem

s uj ei to e

escoras, praticada com

consciência

de que

 fazer

uma

apologia da

cultura

realmente

não

valeria mais do

que aquela da

barbárie

(Música,

p .

39). Como

antes, ela

conti

nua sem

poder

fazer nenhuma

promessa.

A experiência

histórica

ensinou à teoria que a fidelidade ao espírito da ut opi a s ó se man

tém

tratando-a de

maneira

negativa.

Destarte, a c r í t i c a não

tem como dizer s e , na

hipótese de uma

s upr e s s ã o das relações mercantis, o progresso técnico deixaria de

se acompanhar de

regressão espiritual

ou, mesmo, se continuaria

a

haver

qualquer

progresso. Os

homens teriam novas chances de

buscar a

vida

justa mas,

também, poderia ocorrer uma

estagna

ç ão geral do esclarecimento. O futuro s ó pode ser definido pela

capacidade de ação

e

criação da sociedade

-

é isso que ensina

a

Escola de Frankfurt.

A resistência

que se expressa na atitude c r í t i c a ,

todavia,

não

pode furtar-se

ao

exame da m ane i ra como, hoje em d i a ,

os

suce

dâneos da cultura burguesa convergem com a barbárie, s ob abri

go do espírito pós-modernista. A aceitação de que, em última

instância, as fontes do

mal-estar

na cultura escapam à própria

cultura, tem a ver como o modo de ser

do

homem,

não deveria

servir

de

pretexto

para apoiar

uma

exploração

económica

e

polí

t i c a que não

s ó

reforça

mas

legitima e s t e t icam e nt e s uas

atuais

formas

de manifestação.

Atualmente, assiste-se entre

os

indivíduos intelectualizados a

um entusiasmo com o

pluralismo

cultural

que é ,

no mínimo,

c í

nico, porque

a

euforia com que pessoas sabidamente lúcidas

e

cultas

se

expressam sobre

a

cultura de

massa

esconde uma má

consciência.

Na

verdade,

essas

pessoas

sabem

que

a

maioria

dos

fenómenos com que consentem está aquém de suas próprias exi

gências intelectuais

e

não condiz com s ua subjetividade.

Os fenómenos

de

pseudocultura

s ão uma cicatriz

que

a s o

ciedade tem

de

carregar

por

não t e r resolvido suas

contradições

mais

profundas

e

perturbadoras.

A

alternativa,

precisa ficar

claro,

não

é

validar

a situação. A recomendação pedagógica

ou

doutri

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274 F r a n c i s c o R i i d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a

c u l t u r a l

nária

do

videogame em v e z de um bom

livro

ou do rock and r o l l

em

v e z

da música

erudita,

como o inverso,

não

é um meio de

desmanchar

a

mentira

afirmativa

da

cultura

mas,

sim,

 um

pre

texto à barbárie e

ao s

interesses comerciais da indústri a cultural

(Estética, p . 3 51) .

Afirmações

correntes

que pretendem passar por conclusões

de

pesquisas

bem informadas, como as de que o consumo permi

t e às pessoas e xp r e s sa r e m s eu

e u de

forma autónoma, a porno

grafia tem um sentido pedagógico e , pela

Internet recriamos

as

condições

para

viver

a vida

em

comum

não

diferem,

em

síntese,

daquelas que costuma lançar mão

a publicidade.

Porém

isso

não

é o mais grave. O raciocínio

subjacente

deixa

de lado o

fato

de

que

essas práticas

não s ó colaboram na manutenção do

r eg i m e de

poder vigente

quanto

são,

por e l e ,

requeridas,

exploradas

e

j u s t i

ficadas. O

significado emancipatório que elas e v entualment e

têm

s obre

a

ação

é

determinado

pela forma

mercadoria.

A

cultura

de

massa

não

precisa

de mai s

legitimação:

ela

dispõe de meios e advogados em número mais

do

que suficiente.

A suposição

de

que

a t é cni ca

por

s i

s ó

resulta em maior

forma

ção,

porque coloca os

bens culturais

ao

alcance de todos, é tão

falaciosa quanto

a de

que a

televisão,

por e xe mplo , não

passa de

bom divertimento. A cultura em defesa da qual ainda se erguem

algumas v o z e s não mais existe,

e

os lazeres

industriais estão t o

tal me n t e co lo ni z ado s pelo espírito dos negócios, como não fa

zem questão

de esconder s eus explorador es .

Os

progressos

da

indústria da consciência,

po r outro

lado,

convém

notar, não

afetaram

os fundamentos

de

s ua prática, nem

significam que se completou

a

reificação da

sociedade.

Os frag

mentos em que se desintegra a cultura

s ão

cada

v e z

mais marca

dos

pelo

movimento identitário da

forma mercadoria. Já as co

municações

não passaram a ser o momento decisivo ou exclusivo

do

processo

de promoção do

conformismo com o s i s t e ma e

re

gressão da consciência. A consciência

cí nica e

as tendências

à

regressão continuam tendo raízes profundas, que

penetram

na

própria

estrutura

da sociedade

e

s ão engendradas por e s sa última,

antes

mesmo de a

indústria cultural

lh e

dar e s tí m ulo

e legit imi

dade.

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C o n c l u s ã o 275

Em última instância,

a

acumulação de c a p i t a l ,

e

não as co

municações,

é

que

estrutura

as

relações

sociais

e põe os homens

em

movimento.

O

verdadeiro

problema

não

reside

na

mídia,

mas

na forma como se ordena a vida coletiva. A crise por que passa a

cultura é

uma

expr e s são menor dos

an tag o ni s m o s cada

v e z

mais

profundos que dilaceram, antes, a própria vida humana em s o

ciedade.

Os fenómenos de

cultura

de massa, por

mais

baixos

que

sejam,

p e r t enc e m à

esfera

social

do luxo, i s t o é , uma esfera em

que

as carências v i t a i s e os próprios problemas centrais do ho

mem

moderno

não

estão

envolvidos

de

maneira

imediata.

As esperanças que os pobres de espírito i n v e s t e m nas tecno

logias de

comunicação, e a

pequena-burguesia numa

cultura

h á

muito tempo defunta, s ó

podem s er pos tas , vera zm ent e, numa

mudança da sociedade. A capacidade

de

recepção a t i v a , e sponta

neidade criat iva e reflexão intelectual s ão valores importantes

sempre

que não s ão cobrados ou esperados de

todo

o mundo,

porque a passividade, distração e alienação, sempre que assumi

das l i v r e e

conscientemente,

não o s ão

menos:

igualmente repre

sentam

provas de

humanidade.

O futuro digno do nome, utopicamente, seria aquele em que

os

homens criassem as condições par a t o do s serem como quises

s e m , sem imporem qualquer coação, dever ou mal-estar a seus

semelhantes. A formação integral do ser humano é uma idéia

que

s ó pode ser salva se completarmos s ua dessacralização, posta

em

marcha

de m ane ir a perversa pela indústria cultural. A postulação

de que as

massas

precisam

de

uma educação e cultura das quais

estão alienadas,

porque

esses

bens fariam parte dos direitos

do

homem, baseia-se num mal-entendido.

A l i t e r a t u r a , as artes e as ciências não s ão em s i mesmas bens

mais

especiais do

que

quaisquer outros

pe lo s quai s o

homem

po s sa e de se je vive r em coletividade: s ão m últ iplo s o s

modos

de

se

ser

f e l i z

e

de

se

encontrar

realização

individual.

Aqueles

que

nelas encontrassem

s ua vocação por

certo

não

as reivindicariam

como

práticas especiais

ou de

maior

valor do que, po r

exem

plo,

cozinhar,

pescar, amar, dormir, praticar esportes ou cuidar

de pessoas necessitadas, uma v e z v i v endo numa sociedade

l i v r e

e emancipada.

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276 F r a n c i s c o R u d i g e r □ T h e o d o r A d o r n o e a c r í t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

Destarte, a crítica à indústria cultural precisa manter-se

atenta

para

não empolgar ainda mais

o mi t o

da cultura,

desvian

do

nos sa

atenção

de

assuntos

de muito

maior

importância

histó

r i c a , social

e individual, ao

denunciar

a caída dos valores

no e n

tretenimento.

 A possibilidade

da redenção da formação pela

educação , como

por

qualquer

outro

expediente, vista num con

texto

que

a

nega

por princípio, pode

convergir

para   a

postura de

autocrítica que busca reapropriar-se do não-idêntico imanente ao

próprio i dê nt ico [ da cultura] , mas

também,

equivocadamente,

para

a

preservação

das

ideologias

de

salvação

pela

educação

ou

qualquer

outra instituição cultural

ou

p o l í t i c a . 5

Theodor Adorno propós uma forma

de

estudos culturais em

que os processos

de sujeição

precisam ser entendidos

no contex

t o histórico dentro do qual eles

têm lugar

e ,

de

f a t o , adquirem

sentido. Os conglomerados multimídia e as comunicações midia-

das não produzem

efeitos

sozinhos e ,

e s t e s ,

resultam em

primeiro

lugar

  da

tendência económica geral

fundadora

da sociedade

contemporânea, que

não pretende

em suas fo rm as de consciência

superar o

status

quo,

mas t r a t a

insaciavelmente de

reforçá-lo

e ,

onde se

ameaçada,

de tornar

a restaurá-lo

(Intervenções,

p .

64).

Deborah Cook co nfi rm a m ui t o bem que

Adorno

 criticou

duramente a

visão

de

que os indivíduos

s ão objetos cegos e

sem

vontade dentro de um s i s t e ma de dominação insuperável no capi

talismo

tardio ,6 mas isso

não

deveria

servir

de co ns o lo

narcisis

t a , na medida em que o

problema que

muitos

supõem

estar para o

pe ns ado r na indústria cultural se desloca para onde ele de fato o

situava: o plano do problema que é o homem para o próprio ho

mem.

A prática da indústria cultural reproduz as pessoas

t a i s

como

as

modelou o

movimento

do capital

em s e u

todo: não

é

i mpo s ta

por

forças

externas,

nem

uma

expressão

e spontânea

da

vida

em

coletividade. Qualquer tentativa de compreendê-la e , talvez,

transformar

s eu modo

de ser s ó

é possível

procurando-se pelo

processo histórico que a

criou,

pelas

circunstâncias

materiais, r e -

C f .

ANTÔNIO ZUIN: I n d ú s t r i a

c ul tu ra l e e d u c a ç ã o . C a m p i n a s : A u t o r e s

A s s o c i a d o s ,

1 9 9 9 , p . 1 4 9 .

COOK,

D .

T h e

c u l t u r e i n d u s t r y

r e v i s i t e d ,

p .

6 7.

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C o n c l u s ã o 2 77

lações

de

força e

fantasias culturais que

a converteram

em s i s t e

ma.

Vendo

bem,

a

sociedade

não

é pior

do

que

os

homens

que

a

formam, e vice-versa, porque não se pode separar totalmente e s

sas

categorias. Sendo

assim, a manutenção dessa prática

precisa

ser vista como

um

fato

que, em última instância,

baseia-se

no

consentimento das mas sas . Indústria cultural

é

uma

figura

da

servidão voluntária

que

recriamos no século

XX.

 A

verdade em

tudo i s s o , em síntese, é que o po de r da indústria cultural provém

de

s ua

identificação

com

a

necessidade

produzida,

não da sim

ples

oposição

a e l a : é equivocado supor que as pessoas

s ão

me

ramente

violentadas por e l a , defendeu com

vergonha o

pensador

(Dialética, p .

128).

Conforme escreve em linha conv ergente e t e r m o s similares

Wright Mills,

o problema

político e moral definidor da fortuna

dos tempos modernos

como forma de

vida

consiste

no

fato

de

que

hoje

  se

tornou

evidente

que nem t odos os homens querem

por natureza

ser

l i v r e s ; que nem todos os homens estão dispostos

ou

s ão

capazes,

segundo

o

caso,

de esforçarem-se

para

adquirir a

racionalidade exigida

para

se t e r liberdade .7

A resistência enfrentada pela perspectiva

adorniana

provém

em boa parte

da proposição

desse entendimento, radicalmente

c r í t i c o , que traz

à

consciência o que as pessoas procuram

esque

ce r

e no s chama, ainda que sem esperança,

à

responsabilidade.

O

consumo dos

bens culturais da indústria

e

serviços

de

lazer

da

economia mercantil como o conhecemos é i mp o s t o pelo capita

lismo, mas

por

isso mesmo um fenómeno em que se expr e s sa

o

s u j e i t o ,

criador

e

criatura

dessa

sociedade.

Diante

de

Adorno, retrocederá  aquele que não fo r capaz de

se responsabilizar

por

idéias nas

quais

ventila

por

s i mesmo um

perigo moral para

a

consciência

cotidiana ,

como

ele

mesmo

dis

se

a

propósito

das

idéias

de

Benjamin.

Nelas,

problematizam-s e

não somente

a

sociedade, mas os homens que

a

engendram: con-

sidera-se o próprio homem como motivo de c r í t i c a . Noutros t e r

m o s ,

a

c r í t i c a

à

indústria cultural

é

causadora de mal-estar por

que  revela para

[os

sujeitos

dessa

indústria] que

[em

última

ins

tância] eles mesmos, assim como s ua ideologia, re pre s ent am o

7

MILLS, W.

L a

i m a g i n a c i ó n

s o c i o l ó g i c a .

M é x i c o :

FCE,

1 9 6 1 .

p .

1 8 7 .

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278

F r a n c i s c o R u d i g e r

□ T h e o d o r A d o r n o e a c r i t i c a à i n d ú s t r i a c u l t u r a l

problema

[da

moderna indústria da propaganda

e

do mundo ad

ministrado] .8

Os

indivíduos

não

se

vêem

i mpe di do s de

procurar

a l t e r n a t i

vas ao

s i s t e ma

porque

o

exercício

da indústria

cultural

os desvia

de s ua

suposta

vocação histórica mas, antes, porque as mercado

r i a s

que

ela põe à s ua disposição até

certo ponto

respondem a

seus

interesses.

 A linha de

fuga

que hoje predetermina s ua vida

é ao mesmo tempo a linha

da

menor resistência. 9 O esclareci

mento não pode ser revogado

de todo e ,

por i s s o , a

característica

central

da

consciência

moderna

não

é

a alienação

nos

bens

de

consumo

mas um cinismo bem informado, a

que

as luzes

da

ra

z ão conduziram em virtude de s e u enredamento com o capitalis

mo. O

verdadeiro

sujeito

da indústria

cultural, noutros termos, é

o homem que, motivadamente, se auto-aliena,

e

não o indivíduo

narcotizado

de mane ira insidiosa pelos

m e i o s

de comunicação

(Música, p .

2 4 4 - 2 4 5 ) .

Horkheimer fez

h á

alguns anos

atrás

a obs ervação

de que

o

e n t endi m en t o de que a sociedade se encontra no caminho que

vai

do liberalismo, caracterizado

pela

concorrência entre vários em

presários, à

co mp e t i ç ão

entre entidades coletivas, sociedades

a -

nónimas, associações e b loco s co m e rciai s e políticos, enfim,

ao

mundo

administrado

não enseja necessariamente

a

resignação,

conforme pretendem os críticos hostis à

Escola

de Frankfurt.

A

significação

[ p o l í t i c a

e s o ci a l ]

do

indivíduo

s e

acha em

v i a s

de

desaparecer; no entanto esse pode i n t e r v i r criticamente ne sse pro

ce ss o, t ant o na

t e o r i a

quanto na p r á t i c a ,

contribuindo,

mediante

métodos adequados

à

época,

para a

formação

de entidades c o l e t i

vas inadequadas para e l a

e

que t a l v e z

pos sam conservar

o

i n d i v í

duo em uma autêntica s o l i d a r i e d a d e . 1 0

Os acontecimentos

históricos

mais recentes tornaram bastan

t e

duvidosa

a

possibilidade

dessa

última

suposição

v i r

a

ocorrer

a

curto

prazo.

A concepção

segundo

a

qual se poderia associar

uma práxis otimista ao pessimismo teórico f o i posta em hiberna-

8

ADORNO.

T .   D e m o c r a t i c l e a d e r s h i p a n d m a s s m a n i p u l at i o n , p . 2 8 0 .

As

c a t á s t r o f e s

a q u e a ss is ti mo s h o je n ã o l i v r a m d e r e s p o n s a b i l i d a d e a f i g u r a do i n d i v í d u o , e s c r e v e

n o u t r o l u g a r

o

p e n s a d o r ( L i t e r a t u r a

I I , p . 2 4 2 ) .

9 HORKHEIMER, M.

S t u d i d i

f i l o s o f i a

d e l i a s o c i e t à .

p . 2 2 5 .

1 0

HORKHEIMER,

M.

A p u n t e s :

1 9 5 0 - 1 9 6 9 .

C a r a c a s :

Monte

Á v i l a ,

1 9 7 6 ,

p .

2 5 9 .

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C o n c l u s ã o 279

ção. O exercício da reflexão c r í t i c a sobre a indústria da cons

ciência

todavia

ainda pode ser visto

como um e l e m e n t o teórico

de

resistência

e

inconformismo,

sempre que

l ogr em o s manter

n o s sa indepe ndência em relação à s it uaç ão dominante, a

sensibi

lidade para pe rce b e r

o

significado e implicações

mais

profundas

do s fatos e a consciência da relatividade de no s sa posição, inte

resses

e

objetivos.

Aquele que

possuir

essas faculdades e pretende

de

algum

modo viver ou sobreviver nesse mundo precisa estar preparado

para

enfrentar

o

inverno,

porque

embora

possa

v i r

a

ser

f e l i z ,

es

tará em meio

a

um

deserto e s t é r i l ,

seco

e

b r u t a l ,

mal encoberto

pe la po ei ra de cores, sons e espasmos levantada pela indústria

cultural. Apenas se

conservando viva,

porém, é que a pretendida

encarnação

do s

valores realmente esclarecidos

e

progressistas

pode esperar,

atuando

sempre que possível, a eclosão de um no

vo

movimento de solidariedade e luta pela criação

de uma

forma

de vida mais avançada.

Qualquer que

seja a

escolha

a fazer,

continua valendo,

de

to

do modo, a idéia de

que

a

eventual

criação de

coisa

melhor

n e s s e

domínio pressupõe a recusa consciente em

compactuar

com

o

s i s t e ma (subtrair-se às

redes), a

capacidade

de

s e desapegar

dos

expedientes

que

a ele nos

mantêm

presos e a

elevação

dessa

rea-

ç ão ao nível reflexivo. Absolutamente jamais a sustentação de

um otimismo barato em relação à s prát icas dessa indústria, que

acrescenta à prostração

na

idiotia existente hoje a

visão

ainda

mais idiota

de que, conduzidos por meio

delas,

nosso s cos tum e s

v ão bem quando , de f a t o , v ão mal e e stão a exigir, antes de mais

nada, a

adoção de uma postura c r í t i c a e

a manutenção

da capaci

dade de i mag inar alternativas

realmente diferentes

de existência.

Afinal de contas,   enquanto

houver

pessoas

que pensem, que

ponham em

questão o

s i s t e ma

social

ou s e u próprio

s i s t e ma

de

vida

haverá

uma

criatividade

histórica

que

ninguém

pode

traçar

de ant e mão .

Nosso vínculo com e s sa

criatividade

depende

de i n

divíduos vivos e es se s indivíduos

existem,

ainda

que

s eu número

seja hoje muito reduzido e ainda que, de f a t o , a situação atual

não

seja nada aprazível .

CASTORIADIS, C . E l a s c e n s o

d e l a i n s i g n i f i c a n c i a . M a d r i : C át e dr a , 1 9 9 8 , p .

1 7 7 .

C f .

F i g u r a s

d e i

p e n s a b l e .

M a d r i :

C á t e d r a , 1 9 9 9 .

p .

1 7 6 .

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Referências

A listagem abaixo objetiva apenas fornecer algumas indicações de l i v r o s

sobre a matéria,

não

mencionando

todos

os documentos

usados

na

montagem

do

t e x t o :

para t a n t o ,

recomenda-se

ver a s notas

de rodapé.

ADORNO, Theodor. The P s y c h o l o g i c a l t e c h n i q u e of Martin Thomas Radio

A d r e s s e s [ 1 9 4 2 ] .

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m u s i c a [ 1 9 4 4 ] .

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Minima Moralia

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São

P a u l o : Á t i c a , 1 9 9 2 .

  I n

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of

Wagner

[ 1 9 5 2 ] . L o n d r e s : V e r s o ,

1 9 9 1 .

. I n t r o d u z i o n e a l l a

s o c i o l o g i a

d e l l a musica [ 1 9 6 1 ] ,

Turim:

E i n a u d i ,

1 9 7 1 .

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. T e o r i a e s t é t i c a

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F o n t e s ,

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  . S c r i t t i S o c i o l o g i c i

[ 1 9 7 2 ] .

Turim: E i n a u d i , 1 9 7 6 .

. I n t r o d u c c i ó n a l a s o c i o l o g i a . B a r c e l o n a : G e d i s a , 1 9 9 6 .

. S o c i o l o g i a ( O r g .

de

G .

Cohn). São P a u l o :

Á t i c a , 1 9 8 6 .

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. The

S t a r s

down t o e a r t h ( O r g . de S . Crook).

L o n d r e s :

R o u t l e d g e ,

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Temas

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1 9 9 9 .

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8/16/2019 Theodor Adorno e a Crítica à Indústria Cultural

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282

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A

produção

e s t é t i c a

integra-se

à

produção mercantil

em

g e r a l . Em

tomo

desse núcleo

gravitam

questões

c r u c i a i s ao discernimento

do s

rumos

da

atual etapa

c i v i l

izatória : a po s

s i b i l i d a d e

de

contradições

na

produção

cultural, cujas estruturas aparen

temente

s ão inabaláveis

em

s ua

capacidade de

efetivar

a

integração

social;

a

emergência de

uma

pseudocultura, em que e s t í mulos

e s t é t i c o s e

informações tomam o

lugar

da

idéia de fo rm aç ão , e a cultura

confunde-se

com

diver ti m ento;

a

industrialização da subjetividade e

a

possibilidade do

us o de mo cr át ico do s

meios de

comunicação,

dada a

ev olução das

forças

produtivas; o

declínio

da

noção

de ideologia

e o

aparecimento de uma

nova esfera

pública, articulada

pela

mercadoria; e ,

enfim, a hipótese de que, em certa

medida,

surgiu

agora

uma

espécie

de

obediência voluntária

a

essa e s f e r a .

O

autor reconhece

que a c r í t i c a

à

industria c u l t u r a l

se

encontra

atual-

mente em situação

tão ou mais d i f í c i l

que

à

é poca de s eu

aparecimento,

a

ponto de

a

exigência de reflexão c r i t i c a

t e r

se

tornado

at o

desesperado

e

em

que

pe s e

os

momentos

utópicos e

emancipatórios contidos

i n

nuce na

cultura de

massa.

Conclusão

pessi

mista ? A l e i t u r a , altamente proveitosa,

de s t e texto sugere interpretação

alternativa. Adorno afirmou que a

integração sistémica não significa

necessariamente

integração

ideo

lógica mas então, se e assim, brechas

s ão possíveis

e , t a l v e z , nem tudo e s t e j a

perdido.

Carlos

Roberto

Winckler

 

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