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Av. Brigadeiro Faria Lima, 1993 – cj. 61 – São Paulo/SP– 01452-001 – fone: (11)3938-9400 www.abece.com.br [email protected] TÍTULO: Investigação do Colapso em Cadeia das Sacadas de Um Edifício Residencial em Maringá-PR AUTOR(ES): Souza, Rafael Alves de; Araújo, Mauro José de Souza; Lopes, Carlos Augusto Campêlo; Refundini, Tony Marcello ANO: 2012 PALAVRAS-CHAVE: Investigação estrutural; colapso estrutural; concreto armado; sacadas e-Artigo: 061 – 2012

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Av. Brigadeiro Faria Lima, 1993 – cj. 61 – São Paulo/SP– 01452-001 – fone: (11)3938-9400 www.abece.com.br – [email protected]

TÍTULO: Investigação do Colapso em Cadeia

das Sacadas de Um Edifício Residencial em Maringá-PR

AUTOR(ES): Souza, Rafael Alves de; Araújo, Mauro José de Souza; Lopes, Carlos Augusto Campêlo; Refundini, Tony Marcello

ANO: 2012 PALAVRAS-CHAVE: Investigação estrutural;

colapso estrutural; concreto armado; sacadas

e-Artigo: 061 – 2012

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ANAIS DO 51º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2009 – 51CBC0108 1

Investigação do Colapso em Cadeia das Sacadas de Um Edifício Residencial em Maringá - PR

Progressive Failure of Balconies of a Residential Building in Maringá - PR

Rafael Alves de Souza (1); Mauro José de Souza Araújo (2); Carlos Augusto Campêlo Lopes (3); Tony Marcello Refundini (4)

(1) Professor Doutor, Universidade Estadual de Maringá, Brasil;

(1) Prof. Mestre, Centro Universitário de Maringá, Brasil; (3) Engenheiro Civil, Prefeitura do Municipio de Maringá, Maringá, Brasil; (4) Engenheiro Civil, Prefeitura do Município de Maringá, Maringá, Brasil.

Endereço para Correspondência:

Av. Colombo, 5790, Bloco C67, CEP 87020-900, Maringá - PR, Brazil. e-mail: [email protected]

Resumo As ruínas estruturais, apesar de indesejáveis, trazem sempre consigo informações relevantes para o aprimoramento das técnicas de projetar e construir. Adicionalmente, a investigação e a consequente obtenção das causas das ruínas estruturais, fornecem a possibilidade de que erros e imprudências observados no passado não sejam novamente cometidos. No entanto, as causas de muitas ruínas estruturais não encontram-se registradas na literatura corrente, de maneira que apenas o enfoque sensasionalista da mídia se destaca em tais situações. A falta de relatos dessa natureza propicia a repetição de erros básicos, e mostra que descuidos de natureza muito simples podem levar estruturas ou parte das mesmas ao colapso global. Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo apresentar as causas principais de uma ruína em cadeia ocorrida com quinze sacadas em concreto armado em um edifício residencial na cidade de Maringá - PR. Com base nas investigações efetuadas, e objetivando contribuir para a melhoria do código estrutural brasileiro (NBR6118), algumas propostas relativas à segurança das estruturas em balanço são apresentadas. Palavra-Chave: Investigação estrutural, colapso estrutural, concreto armado, sacadas

Abstract

Despite the fact that structural failures are not desirable, one should observe that it always provides relevant information for the improvement of both design and building techniques. Additionally, failure investigations can provide a clear understanding of the involved technical problems, avoiding that known mistakes can be produced again on the future. However, the causes of many structural failures are not registered in the technical literature, in a way that some unsubstantiated information produced by the media is usually prominent. The lack of technical reports concerning structural failures gives rise to the repetition of very basic errors, which may inclusive produce chain failures. In this context, the present paper aims at providing the main reasons of the progressive failure of fifteen reinforced concrete balconies of a residential building in Maringá - PR. Taking into account the conducted investigations, and intending to contribute for the improvement of the Brazilian structural code (NBR6118), some proposals concerning the safety of free-standing balconies are presented. Keywords: Failure investigation, structural failure, reinforced concrete, balconies.

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1 Introdução Apesar de não possuir problemas naturais maiores como terremotos e tufões, e tampouco problemas com ações terroristas, o Brasil tem apresentado nas últimas décadas um número significativo de vítimas, decorrente da ruína de inúmeras construções em concreto armado, conforme atestam os trabalhos de CUNHA et alli (1996), CUNHA (1998) e SOUZA (2001). Em outros países, inclusive em nações mais desenvolvidas, também pode-se observar esse triste quadro no que se refere o caso específico de ruínas de construções habitacionais (BUCHHARDT et alli (1984), CARINO et alli (1983), KALTAKCI (2007), LEW et alli (1982), LIBBY (1987), VECCHIO & COLLINS (1990) e MINOR (2005)). Também não são raros os acidentes envolvendo outros tipos de construções em concreto armado e protendido, conforme atestam os trabalhos de CALDERÓN et alli (2009), JANNADIA & TAHIRB (2000), NIELSEN (1999), RUSSEL & ROWE (1985) e TREBUÑA et alli (2009). Evidentemente, muitos acidentes são resultados de imperícias e negligências, o que de certa maneira justifica a falta de registros dessa ordem na literatura. No entanto, a divulgação dos acidentes estruturais, de maneira a se deixar de lado o enfoque sensacionalista e priorizar a busca pelas explicações técnicas, poderia contribuir para a melhoria dos códigos normativos, bem como, para o aprendizado dos jovens engenheiros. Adicionalmente, a divulgação e a explicação técnica de acidentes estruturais ajudaria na conscientização dos engenheiros mais experientes em relação a necessidade de se manter o bom exercicio da profissão. Quando o bom exercício da profissão é deixado de lado e agentes externos agem de maneira sistemática, cria-se um panorama muito propício para a ocorrência de acidentes estruturais. Foi exatamente essa combinação perigosa a maior responsável por um colapso progressivo ocorrido na cidade de Maringá, Paraná. Na madrugada do dia 26 de outubro de 2008, os moradores de um edíficio residencial foram surpreendidos com a ruína frágil de 1 marquise e de 15 sacadas em concreto armado ao longo de uma das fachadas principais da edificação. O colapso progressivo ocorreu após chuvas intensas e felizmente, o que poderia se tornar uma tragédia sem precedentes, resultou apenas em um enorme prejuízo material e no abalo psicológico dos moradores do edifício em questão. Visando preservar as partes envolvidas, o presente artigo tem por objetivo apresentar apenas as causas principais do problema, levantando informações que possam contribuir para a melhoria das técnicas de projetar e construir as estruturas em balanço. Dessa maneira, serão omitidos o nome e a localização do edificio, bem como, o nome dos profissionais envolvidos na elaboração dos projetos e na construção do edifício.

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2 Descrição dos Projetos Arquitetônico e Estrutural Situado em região nobre na cidade de Maringá, estado do Paraná, Brasil, o edifício de padrão médio alto em questão possui uma cobertura, um pavimento térreo, um subsolo e mais 15 pavimentos tipo, sendo 2 unidades por andar. A Figura 1, ilustra a fachada do edifício onde pode-se visualizar a ruína ocorrida na lateral direita da edificação.

Figura 1 – Ruína em cadeia das sacadas situadas na lateral direita da fachada do edificio

Conforme pode-se observar pela Figura 1, projetavam-se da fachada duas fileiras idênticas de sacadas em balanço com formato trapezoidal e área aproximada de 2,00 m2, conforme ilustra a planta de fôrmas da Figura 2(a). Além disso, o projeto arquitetônico especificava uma pequena floreira e um peitoril com altura igual a 1,0 m. Interessante notar que no projeto arquitetônico não havia especificação quanto ao tipo de piso a ser utilizado. As armaduras positivas e negativas, segundo o projeto estrutural, também são indicadas na Figura 2 (a). De acordo com o projeto estrutural, as duas fileiras de sacadas foram especificadas com uma espessura de 10 cm, revestimento de armaduras de 1,5 cm, concreto com resistência característica à compressão de 15 MPa e aço com resistência característica ao escoamento de 600 MPa. Para a cobertura das sacadas do décimo quinto pavimento foram utilizadas marquises em balanço, sendo que as mesmas faziam fronteira com uma laje adjacente ao piso da cobertura (L24), conforme ilustra a planta de fôrmas da Figura 2(b). Deve-se observar que as marquises foram especificadas com uma espessura de 7 cm, revestimento de armaduras de 1,0 cm, concreto com resistência característica à compressão de 15 MPa e aço com resistência característica ao escoamento de 600 MPa.

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26N

6.3

C/10

C=VA

R 7

20

4 N1 Ø 3.4 C/30 C=VAR

9N

3.4

C/30

C=VA

R

6 N3 Ø 3.4 C/20 C=VAR

L25h = 8 cm

L26h = 10 cm

P26(20 x 70)P25

(20 x 70)

V135

(12

x 4

0)

V136

(12

x 4

0)

V119 (12 x 40)

V120 (12 x 40)

Floreira

1335055 25

339 cm

106,

5

88

Armaduras Negativas das Sacadas

Armaduras Positivas das Sacadas

Floreira

51,5

51,5

123

cm

L25h = 8 cm

L26h = 10 cm

P26(20 x 70)P25

(20 x 70)

V135

(12

x 4

0)

V136

(12

x 4

0)

V119 (12 x 40)

V120 (12 x 40)

1335055 25

339 cm

106,

5

88

(a)

54 c

m11

N2

Ø 3

.4C/

15C=

VAR

5 2

0

7 N1 Ø 3.4 C/20 C=VAR

7N

3.4

C/20

C=VA

R

Armaduras Negativas das Marquises

Armaduras Positivas das Marquises

54 c

m

L24h = 8 cm

L25h = 7 cm

P26(20 x 67)P25

(20 x 67)

V234

(12

x 4

0)

V235

(12

x 4

0)

V222 (12 x 40)

V221 (12 x 40)

13356137 25

339 cm

57,5

L24h = 8 cm

L25h = 7 cm

P26(20 x 67)P25

(20 x 67)V2

34 (

12 x

40)

V235

(12

x 4

0)

V222 (12 x 40)

V221 (12 x 40)

13356137 25

339 cm

57,5

(b)

Figura 2 – Dimensões e armação das (a) sacadas e (b) marquises 3 Descrição do Acidente Estrutural A construção do edifício em questão teve seu inicio nos idos de 1987, porém logo em seguida, ainda na época da construção do subsolo destinado a garagem, a edificação foi objeto de luta judicial e permaneceu embargada por longos anos, sendo somente finalizada por volta de 1996. Segundo testemunhas, o embargamento do referido edifício ocorreu devido a procedimentos dúvidosos adotados para o dimensionamento e execução das cortinas de estacas justapostas utilizadas para constituir a estrutura de contenção do subsolo. Ao que tudo indica, as cortinas de estacas aparentemente colaboraram para a ocorrência de vários danos materiais em edificações vizinhas. Uma das edificações vizinhas ao edifício em questão, um prédio residencial de 8 pavimentos, chegou a apresentar recalques diferenciais de até 18 cm e um desnível de cerca de 35 cm. GRIGOLI (1999) relata que a edificação teve que passar por uma recuperação de nível e prumo com o auxílio de macacos mecânicos. Além disso, toda a fundação executada com estacas Strauss teve que ser substituída por tubulões e vigas de equilíbrio estrategicamente posicionadas para recompor a resistência do sistema. Ainda de acordo com GRIGOLI (1999), as anomalias verificadas na edificação vizinha ocorreram no dia 24 de maio de 1987, após a verificação de fortes chuvas. As cortinas de estacas do edifício em questão não foram capazes de suportar os empuxos horizontais do solo e acabaram ruindo. Os danos causados na edificação vizinha foram tão intensos que

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a estrutura teve que ser imediatamente escorada, tendo-se em vista a possibilidade de um colapso global em função dos grandes recalques observados. Aproximadamente 12 anos após o registro do primeiro incidente, a edificação em questão passou por outro episódio que poderia ter consequências imensuráveis, não fosse mais uma vez a ausência de vítimas. Na madrugada do dia 26 de outubro de 2008, verificou-se o colapso progressivo de uma marquise e mais 15 sacadas em concreto armado ao longo de uma das fachadas principais do edifício (fachada da lateral direita), conforme ilustra a Figura 1. Na ocasião do acidente, muitos moradores se assustaram ao ouvir um forte estrondo e naturalmente correram até a sacada de suas unidades para verificar o ocorrido. Felizmente, antes da abertura das portas de acesso das sacadas, todos perceberam que era exatamente dali que se originava todo o barulho. Por incrível que pareça, muitos moradores poderiam ter caído em queda livre pelas sacadas colapsadas, simplesmente por uma ação instintiva de curiosidade. O colapso em cadeia provocou a ruína de uma das lajes do subsolo (garagem), sendo que houve uma tendência de desvio do material em queda livre para o lado direito da fileira de sacadas (visão da cobertura do edíficio), conforme ilustra a Figura 3. Esse desvio lateral foi provavelmente decorrente da maior rigidez que existia no encontro das lajes das sacadas com o pilar P26, conforme ilustra a Figura 2 (a).

Figura 3 – Desvio lateral na queda das sacadas com acúmulo de entulho sobre uma das lajes do subsolo

tendo em vista ruptura da referida laje

Concentração do Entulho

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Conforme pode-se observar pela Figura 4 (a), o colapso em cadeia provocou a ruína de uma das lajes do subsolo (garagem), bem como, a inutilização de algumas vigas (Figura 4 (b)) e alguns pilares (Figura 4 (c e d)).

(a)

(b)

(c)

(d) Figura 4 – (a) Ruína de uma das lajes do subsolo, (b) Ruína de vigas, (c) Ruína de pilares e (d) Detalhe de

ruptura junto a cabeça de um dos pilares Com o risco de mais quedas, a marquise remanescente do último andar foi escorada e os escombros gerados imediatamente retirados da edificação. Apesar das providências terem sido tomadas imediatamente após o acidente, com o objetivo de resguardar a vida, deve-se observar que não foram seguidos os passos desejáveis do ponto de vista de engenharia forense, conforme recomendam por exemplo PERAZA & CUOCO (2000). Esse relativo despreparo das autoridades competentes, normalmente as primeiras equipes a chegarem ao local do sinistro, pode fazer com que provas importantes sejam retiradas do local do acidente e nunca mais encontradas, dificultando assim a obtenção de respostas plausíveis para o acidente. No caso em questão, o problemas encontrados foram tão grosseiros que a despeito da falta de metodologia de retirada dos escombros foi possível chegar as causas do colapso progressivo, conforme visto a seguir.

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Do acidente inesperado aprendeu-se a lição de que os orgãos responsáveis por resgates em ocorrências como esta (Corpo de Bombeiros e Defesa Civil) devem possuir em seu corpo auxiliar profissionais devidamente habilitados e disponíveis para serem acionados quando da ocorrência de novos acidentes. Dessa maneira, ao mesmo tempo que se preserva ou salva-se novas vidas, a presença de profissionais especializados possibilita ainda um procedimento de intervenção mais seguro e racional. 4 Causas Prováveis do Colapso Progressivo É fato incontestável que a ruína em cadeia das sacadas dos 15 pavimentos do edifício em questão foi provocada pela queda abrupta da marquise localizada sobre a sacada do décimo quinto andar, desencadeando assim o desabamento das demais sacadas de maneira sequencial. Os carregamentos atuantes nas marquises, conforme especificações existentes nos projetos arquitetônico e estrutural, foram estimados em cerca de 3,24 kN/m2. Tendo-se em vista o carregamento e o vão a ser vencido pelas marquises em balanço, uma armadura negativa de 0,25 cm2/m seria suficiente para o equilíbrio, tendo-se em vista um momento máximo negativo em torno de 0,535 kN.m/m. Conforme pode-se observar, a armadura negativa principal especificada pelo calculista (φ 3,4 mm c/ 15 cm, As ≅ 0,54 cm2/m) é praticamente o dobro daquela armadura requerida em função das ações atuantes. No entanto, a armadura especificada precisaria ainda atender a NB1-78 (norma em vigência na época da construção do edifício), conforme o item 6.3.1, transcrito a seguir:

“A área da seção transversal de armadura longitudinal de tração não deve ser inferior àquela com a qual o momento de ruptura calculado sem se considerar a resistência à

tração do concreto é igual ao momento de ruptura da seção sem armadura. Nos casos de seção retangular e seção T pode-se considerar As,min = 0,15%.bw.h”

Pela interpretação da referida norma, pode-se entender que a armadura mínima, cuja função é evitar uma ruptura frágil, deve respeitar o momento de fissuração e, na falta de quantificação desse momento, a taxa mínima de 0,15% poderia ser adotada. Para laje em questão, o momento de fissuração calculado estaria em torno de 1,22 kN.m/m, o que conduziria a uma armadura negativa em torno de 0,58 cm2/m, praticamente a mesma armadura especificada pelo calculista. Apesar do calculista ter especificado uma armação que vai de encontro com as exigências do código brasileiro da época, deve-se observar que as marquises encontravam-se do ponto de vista prático com uma baixa taxa de armadura. Além disso, a adoção de um pequeno diâmetro para as barras das armaduras longitudinais de flexão (não havia especificação na NB-1 quanto ao diâmetro mínimo a ser utilizado) favorece os efeitos decorrentes de uma eventual corrosão.

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Investigações realizadas no local do acidente, mais especificamente na marquise remanescente, revelaram a ocorrência de alterações significativas das dimensões originais, sem que houvesse ao mesmo tempo um aumento da quantidade de armadura longitudinal negativa. Conforme pode-se observar pela Figura 2(b), o balanço especificado nos projetos arquitetônico e estrutural era de 57,5 cm para um comprimento de 189 cm. As referidas marquises foram construídas com um balanço de 94 cm e um comprimento de 213 cm. Além disso, as lajes das marquises foram especificadas com altura de 7 cm e, apesar de não constar no projeto arquitetônico, era de se esperar que as mesmas receberiam apenas uma pequena camada de revestimento/acabamento e impermeabilização. Para a marquise ruída foi observada uma espessura final de 15,45 cm (sendo 10,5 cm relativo a altura da laje) enquanto que para a marquise remanescente foi observada uma altura final de 18,15 cm (sendo 11,75 cm relativo a altura da laje).

(a)

(b)

(c)

(d)

Figura 5 - (a) Vista da região de descolamento da marquise, (b) Carregamentos não previstos e executados sobre a marquise remanescente, (c) Ensaio com fenolftaleína indicando ambiente propício para corrosão de

armaduras e (d) Diminuição do diâmetro da armadura principal negativa indicando corrosão.

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A espessura exagerada verificada para a marquise de cobertura é resultado de tentativas frustradas objetivando resolver problemas anteriores de umidade. Conforme pode-se observar na face de ancoragem da marquise ruída (Figura 5 (a)), existem pelo menos duas camadas de impermeabilização, bem como camadas espessas de revestimento em argamassa executadas para a passagem de uma tubulação de água pluvial (ver Figura 5 (c)). Como se não bastassem todos os problemas citados anteriormente, foi ainda possível constatar o rebaixamento das armaduras negativas no interior da marquise ruída, bem como, a falta de uniformidade no que se refere ao espaçamento entre as barras longitudinais. No caso das armaduras negativas das marquises, constatou-se um espaçamento médio das armaduras em torno de 10,85 cm, quando o especificado era de 10 cm. No caso das marquises, o espaçamento médio verificado para armadura foi de 16,67 cm, quando deveria ser de 15 cm. Através de análise minusciosa levantou-se a hipótese de que a referida tubulação também tinha sido objeto de intervenções anteriores e encontrava-se com problemas de vazamento no interior da marquise. A hipótese de vazamento foi comprovada posteriormente com ensaio de fenolftaleína, que revelou a presença de grande umidade na região (Figura 5 (c)). Além disso, observou-se que o pequeno diâmetro da tubulação colocada na região central da marquise (Figura 5 (b)) seria insuficiente para o bom escoamento, possibilitando assim o acúmulo de água sobre a marquise. De maneira geral, o agente que desencadeou a corrosão das armaduras foi a infiltração provocada pelo rompimento da conexão de PVC que ligava a tubulação do ralo da marquise à prumada do edifício. O sistema hidráulico lesionado encontrava-se posicionado sobre a laje em balanço (marquise) e abaixo do sistema de impermeabilização, conforme ilustra a Figura 5(c). Através de minuciosa investigação em campo, pode-se constatar que as barras remanescentes se encontravam em elevado processo de corrosão, tendo-se em vista a diminuição do diâmetro das barras longitudinais negativas (Figura 5 (d)). Nas sacadas observou-se para as armaduras negativas um diâmetro médio de 5,8 mm (sendo o diâmetro original de 6,3 mm) enquanto que para as marquises observou-se um diâmetro médio de 3,0 mm (sendo o diâmetro original de 3,4 mm). Destaca-se ainda que o posicionamento da conexão danificada também contribuiu para a aceleração do processo de deterioração das armaduras, uma vez que esta se encontrava na região mais solicitada do conjunto estrutural, ou seja, na região de união da laje com a viga (região de posicionamento das armaduras principais). É oportuno lembrar que a detecção deste vazamento era de difícil constatação, já que para ser visível pela face inferior da marquise seria necessária a ocorrência de fortes e contínuas chuvas, a ponto de saturar toda a matriz de concreto. Desta maneira, tornava-se difícil identificar e quantificar o grau de abrangência do problema, a fim de adotar um plano de manutenção.

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Adicionalmente, conforme pode-se observar pela Figura 2 (a), as sacadas haviam sido especificadas para um balanço de 106,5 cm e um comprimento em torno de 233 cm, tanto no projeto arquitetônico quanto no projeto estrutural. Nas sacadas ruídas, assim como nas sacadas remanescentes, puderam ser observados balanços de 150 cm e comprimentos na ordem de 254 cm. No caso das sacadas, apesar das floreiras inicialmente previstas não terem sido construídas, foi possível constatar a presença excessiva de camadas de revestimento, regularização e enchimento. Para as sacadas ruídas observou-se uma espessura média de 20,74 cm (sendo a média de 9,24 cm relativo a altura da laje) enquanto que para as sacadas remanescentes observou-se uma espessura média de 19,75 cm (sendo a média de 10,27 cm relativo a altura da laje). A Figura 6 (a) ilustra o exagero das camadas de revestimento existentes sobre as lajes das sacadas, enquanto a Figura 6 (b) ilustra a irregularidade de espaçamento das armaduras negativas e seu respectivo rebaixamento. Conforme pode-se observar, a falta de controle na execução da edificação provocou um aumento de carga considerável sobre a marquise e as sacadas ruídas, de maneira que é impressionante o fato das mesmas terem suportado tais carregamentos por tanto tempo.

(a)

(b)

Figura 6 - (a) Camada de regularização exagerada e (b) detalhe do rebaixamento e falta de uniformidade no espaçamento das armaduras

Tendo-se em vista a queda livre da marquise do décimo quinto pavimento e, levando-se em consideração que as sacadas também já estavam no limite de sua resistência, não é de se estranhar que o colapso progressivo tenha ocorrido, mesmo verificando que as resistências médias dos materiais utilizados (aço e concreto) tenham apresentado valores superiores aos valores especificados em projeto. Ensaios experimentais nas sacadas remanescentes revelaram que o concreto utilizado possuía resistência média de 30 MPa (o valor especificado era de 15 MPa) e que as armaduras possuíam resistência média na ruptura de aproximadamente 883 MPa (para as barras com 3,4 mm) e 694 MPa (para as barras com 6,3 mm). A alta resistência dos materiais explica em parte o fato de uma estrutura com tantos problemas ter permanecido

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em equilíbrio durante tantos anos. Adicionalmente, o presente caso revela que mesmo em estruturas isostáticas, onde a capacidade de redistribuição de esforços é limitada, pode-se chegar a valores consideráveis de resistência, tendo-se em vista o dimensionamento em estado limite último através da consideração de coeficientes de segurança para as ações e para os materiais. 5 Conclusões Um acidente estrutural nunca ocorre por um único fator, mas sim por múltiplas causas que se somam nas condições mais desfavoráveis. No entanto, problemas relativamente simples podem desencadear ruínas globais, fazendo com que problemas mais graves se manifestem de maneira definitiva. O acidente estrutural ora aqui descrito é uma prova incontestável de tal afirmação e deve servir de alerta para os profissionais de engenharia e para a sociedade. Basicamente, o acidente ocorrido foi resultado de um sistema ineficiente de drenagem, com a ruptura do sistema de águas pluviais no interior da marquise e consequente corrosão das armaduras principais de flexão. A esse efeito ainda se somaram outros fatores, tais como: rebaixamento das armaduras negativas na marquise e sacadas, alteração geométrica de marquises e sacadas sem atualização da quantidade de armaduras, carga permanente excessiva não prevista sobre a marquise e sacadas (revestimentos) e fortes chuvas/ventos na ocorridas na noite do acidente. Tendo-se em vista a insegurança gerada pela proporção do sinistro, bem como pelas características construtivas verificadas nas sacadas que se encontravam em balanço, foi feita a recomendação para que a marquise e as demais sacadas remanescentes no lado esquerdo da fachada frontal do edifício fossem imediatamente demolidas. ARAÚJO et alli (2009) apresenta maiores informações a respeito do processo de demolição e reconstrução das sacadas ruidas, sendo que as atividades conduzidas possibilitaram o resgate da confiança dos moradores da edificação avariada em relação à engenharia. Recomenda-se que NBR6118 (2003) inclua em futuras versões a adoção de mecanismos para se evitar o colapso progressivo de estruturas em balanço, de maneira que caminhos resistentes alternativos possam ser gerados em uma situação de risco. A obrigatoriedade de taxas mínimas de armaduras positivas e armaduras do tipo caranguejo para se evitar rebaixamento, bem como a especificação de diâmetros mínimos para as barras longitudinais de flexão são medidas simples que trazem grandes benefícios do ponto de vista de ductilidade. Finalmente, fissuras de grande abertura, manchas de infiltração, deformações exageradas (flechas), portas e janelas com dificuldade de fechamento e descolamento de pisos quase sempre são indícios de problemas graves que afligem o sistema estrutural. Esses problemas poderiam ser facilmente constatados caso houvesse a preocupação de se realizar inspeções períódicas nas edificações a cada dois anos, pelo menos. O histórico de acidentes estruturais no Brasil tem demonstrado a necessidade de se estabelecer de maneira urgente leis que obriguem tal procedimento. Até quando esperar?

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