texto 9 2013 assedio moral no ambiente de trabalho e a responsabilidade civil empregado e empregador

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    Assdio moral no ambiente do trabalho e a responsabilidade civil:

    empregado e empregador

    Rodrigo Cristiano Molon

    INTRODUO

    Em um novo ambiente de trabalho, forjado pela globalizao e a modernizao, indstrias e empresas vm cada vez mais forando o seu ritmo de trabalho na luta pelo lucro. A organizao do trabalho com a sua estruturao hierrquica, diviso de tarefas, jornadas de trabalho em turnos, ritmos, intensidade, monotonia, repetitividade e responsabilidade excessiva so fatores que contribuem para desencadear uma srie de distrbios ao trabalhador, sejam elas fsicas ou psquicas.

    Atualmente, as altas taxas de desemprego que assolam praticamente a maioria dos pases do globo refletem a instabilidade econmica atual. A competio da sociedade capitalista em que vivemos torna as pessoas cada dia mais inseguras quanto instabilidade no emprego. Em consonncia a isso, a busca desenfreada pelo poder influencia o mago de algumas pessoas e as fazem tornar o ambiente de trabalho um lugar de conflitos sem escrpulos. As diferenas, sejam elas sociais, tnicas, psicolgicas, polticas tornam o ambiente de trabalho lugar de discriminao e marginalizao.

    Para piorar, o contexto econmico atual propicia a busca desenfreada pelo lucro sem precedentes na histria: leis de mercado que geram competitividade exacerbada, a busca incessante do aperfeioamento profissional, a disciplina interna voltada para conseguir o mximo de produtividade com o mnimo de dispndio. Tudo isso tem contribudo para gerar um certo distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, um grau tamanho de impessoalidade com a conseqente adoo de procedimentos moralmente reprovveis.

    E ainda, como assevera Sebastio Geraldo de Oliveira, "no ambiente do trabalho, mais especificamente, no posto de trabalho, ocorre a confluncia de diversos riscos e agresses que afetam a sade e a integridade fsica do trabalhador." (1) Ou por melhor dizer, o ambiente do trabalho em nada progride para atender as expectativas do trabalhador. A mxima

  • individualizao do trabalho olvidando-se do indivduo como pessoa, vendo o outro como objeto ou coisa de serventia permite refletirmos sobre um novo ideal de sociedade. Para tanto, faz-se necessrio o estudo dos aspectos que permeiam o assdio moral no ambiente de trabalho, visto ser tal conduta depreciativa do carter humano mais grave, por vezes, que a prpria leso fsica, pois o esprito tem mais valia que o corpo. A autora francesa psiquiatra, psicanalista, e psicoterapeuta de famlia, formada em vitimologia Marie-France Hirigoyen comenta:

    Ao longo da vida h encontros estimulantes, que nos incitam a dar o melhor de ns mesmos, mas h igualmente encontros que nos minam e podem terminar nos aniquilando. Um indivduo pode conseguir destruir outro por um processo de contnuo e atormentante assdio moral. Pode mesmo acontecer que o ardor furioso desta luta acabe em verdadeiro assassinato psquico. Todos ns j fomos testemunhas de ataques perversos em um nvel ou outro, seja entre um casal, dentro das famlias, dentro das empresas, ou mesmo na vida poltica e social. No entanto, nossa sociedade mostra-se cega diante dessa forma de violncia indireta. A pretexto de tolerncia, tornamo-nos complacentes. (2)

    Em se tratando de assdio moral, conduta imoral imposta por um sujeito a outro sujeito influenciado por diversos fatores os quais sero analisados, notamos que h um hiato perante a sociedade em definir e explicar determinada conduta, bem como que conseqncias traz ao trabalhador que sofre com tal agresso. Assim, procuramos desvendar quais as conseqncias ao trabalhador assediado e seus aspectos, sejam eles relevantes ao mundo jurdico ou ao mundo organizacional.

    A relevncia de tal estudo reside na constatao de que s nas ltimas dcadas que o assdio moral veio a ser identificado como um fenmeno capaz de atormentar e depreciar as relaes humanas no ambiente de trabalho. O socilogo italiano Domenico De Masi assim comenta sobre as condies de trabalho nas empresas:

    [...] em muitas empresas reina um clima de indiferena ou suspeita recprocas, quando no de medo. Mas, mesmo quando as direes se esforam para criar uma atmosfera colaborativa, quase sempre o convvio tem um ar artificial, forado, as festas de trabalho e as reunies so sempre um pouco tristes e patticas. As panelinhas, as alianas, o bando de puxa-sacos so sempre grupos minados pela desconfiana, pela transitoriedade e pelo carreirismo. Muitas passam a vida inteira como unha e carne com os chefes e colegas de trabalho, sem abdicar do tratamento formal s por uma questo de compostura, exigida pela hierarquia e pelo clima de impessoalidade impostos pela empresa. E no so raros os casos quando algum se torna alvo de perseguies, bodes-expiatrios, objeto de mobbing. (3)

  • Atualmente a incidncia de danos ao trabalhador, cada vez mais volumosa, tem sido motivo de reflexo perante a sociedade. No basta o montante de leis, decretos e demais remdios legislativos para se afastar tamanho mal que acomete diariamente trabalhadores de nosso pas. O assdio moral, tambm conhecido como mobbing ou terror psicolgico, uma das espcies de dano pessoal advinda de um sujeito perverso e tem implicaes no que concerne responsabilidade das organizaes e dos trabalhadores para com os direitos fundamentais do trabalhador.

    O avano desenfreado da atividade industrial e as constantes violaes dos direitos fundamentais do trabalhador em face do emprego de tcnicas e procedimentos anti-ticos que importam risco sade do trabalhador bem como ao ambiente do trabalho so os focos do tema abordado. O novo Cdigo Civil e a nova abordagem que deu responsabilizao civil, aos direitos fundamentais j imersos na Carta Magna, infra legislao brasileira e estrangeira, a posio jurisprudencial dos Tribunais brasileiros e estrangeiros so algumas fontes que entram em consonncia com o presente estudo para proteger e repelir as atuaes danosas destes sujeitos perversos face os direitos do trabalhador.

    Em compasso a isso, o Direito do Trabalho atual mostra que o simples trabalho com a garantia de retribuio ao empregado incapaz de preservar a dignidade nas relaes de trabalho. Como disse acertadamente Irany Ferrari:

    O trabalho h de ser analisado tendo em vista o homem, em razo de sua capacidade criadora, j que definido, com acerto, como o animal que produz. A par de ser, para o homem, uma necessidade vital, tambm, e a sua importncia maior, o seu libertador, tanto individual como socialmente. (4)

    Assim, cabe-nos questionar: como possvel reconhecer, prevenir e combater a incidncia do assdio moral no ambiente do trabalho para se melhorar a qualidade de vida e o conseqente aumento na produtividade no ambiente das organizaes?

    O reconhecimento do assdio moral faz-se a partir da anlise da vtima no ambiente da organizao. importante frisar que o assdio moral sempre uma conduta imoral, repetida e freqente que um sujeito perverso aplica pessoa a quem ele quer vitimar. luz dos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituio Federal, h como atacar o assdio moral por fora de seus princpios. Sendo um direito do trabalhador o princpio sade e dignidade, devemos ampliar essa conotao para confortar a os que sofrem por esse dano.

  • Conjunto a isso, um remdio legislativo especfico para tais casos seria bastante capaz, seno para liquidar, mas para frear a incidncia do dano. Haja vista j existir cidades que aprovaram leis especficas nesse sentido. Vejamos ainda no Estado Democrtico de Direito imposto pela Constituio e suas garantias fundamentais alicerce para socorrer os que sofrem por tal fenmeno.

    Corroborando, no seria demais apresentar aqui, como j vem sendo feito em pases da Europa, a iniciativa de algumas empresas imprimirem um cdigo de tica para seus trabalhadores, visto estar a matria na esfera do contrato de trabalho. Uma conduta tica para os trabalhadores faz com que haja cooperao e o conseqente aumento na produtividade de cada meta.

    Em derradeiro, os sindicatos passariam a ter papel fundamental na assistncia s vtimas, por ser este ainda aliado na luta do trabalhador. Junto a este, a Comisso de Preveno de Acidentes das organizaes exercerem influncia no sentido de se prevenir e informar o trabalhador quanto aos mtodos malficos utilizados para se agredir moralmente os trabalhadores.

    Por tudo isso, fica que ainda a Carta Magna e seus Direitos Fundamentais, fonte maior do direito e a sua conseqente aplicao tornar-se- abrigo para se acolher os que sofrem por tais agresses. Sendo assim, acredita-se que a evoluo das relaes laborais, e por que no dizer da humanidade, tende a caminhar para uma reduo das desigualdades e para a busca de solues concretas para os conflitos gerados. Isso, para alcanarmos no s uma revoluo de ordem econmica, poltica ou social, mas tambm uma revoluo de ordem espiritual.

    1 NOES GERAIS SOBRE O ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO

    1.1 Panorama Histrico

    O assdio moral nos ltimos anos vem revelando-se um fenmeno social, cuja importncia no meio acadmico e no meio profissional, toma propores jamais vista antes. Casos divulgados pela mdia no mbito das organizaes, debates entre profissionais da rea mdica e jurdica, a criao de associaes, seminrios para a discusso do tema, e enfim, projetos de lei sendo encaminhados por municpios, so apenas alguns exemplos do porque o assdio moral est na pauta das discusses atuais.

    O termo mobbing, segundo a autora francesa Marie-France Hirigoyen:

  • [...] foi presumivelmente utilizado pela primeira vez pelo etnlogo Konrad Lorenz, a propsito do comportamento agressivo de animais que querem expulsar um animal intruso, e reproduzido nos anos 60 pelo mdico sueco, Peter Heinemann, para descrever o comportamento hostil de determinadas crianas em relao a outras, dentro das escolas." Em 1972, ele publicou o primeiro livro sobre mobbing, o qual trata da violncia de um grupo de crianas. (5)

    Segundo o dicionrio, o termo mobbing vem do verbo ingls to mob, cuja traduo maltratar, atacar, perseguir, sitiar. As primeiras pesquisas sobre o assdio moral no trabalho iniciaram no campo da Medicina e da Psicologia do Trabalho. Segundo a autora Mrcia Novaes Guedes, ao relatar os estudos do mobbing:

    [...] foi no comeo de 1984 Heinz Leymann publica, num pequeno ensaio cientfico contendo uma longa pesquisa feita pelo National Board of Occupational Safety and Health in Stokolm, no qual demonstra as conseqncias do mobbing, sobretudo na esfera neuropsquica, sobre a pessoa que exposta a um comportamento humilhante no trabalho durante certo lapso de tempo, seja por parte dos superiores, seja por parte dos colegas. (6)

    Os estudos de Leymann se desenvolveram, sobretudo na Sucia, para onde se transferira em meados dos anos cinqenta, e verificou que em um ano 3,5% dos trabalhadores, de uma populao economicamente ativa de 4,4 milhes de pessoas, sofreram perseguio moral por um perodo superior a 15 meses. Leymann estabeleceu que, para caracterizar a ao como de mobbing, era necessrio que as humilhaes se repetissem pelo menos uma vez na semana e tivessem a durao mnima de seis meses.

    Aps a difuso de seu estudo em 1995, Leymann acabou por difundir o resultado de suas pesquisas por toda Europa. Aps isso, a Alemanha adotou medidas de atendimento mdico especfico para amenizar o sofrimento das vtimas, e introduziu aspectos que envolvem o assdio moral em disciplina de estudo universitrio, como parte da cadeira de Psicologia do Trabalho. Na Frana, a vitimologia passou a ser especialidade na rea mdica e consiste em analisar as razes que levam um indivduo a tornar-se vtima, os processos de vitimao, as conseqncias a que induzem e os direitos que podem pretender.

    Foi a partir da divulgao dos estudos de Leymann que apareceram as primeiras estatsticas sobre a violncia psicolgica na Europa. Pesquisa demonstrada em 1998 mostrou que 8,1% dos trabalhadores europeus empregados sofrem violncia psicolgica de vrios tipos no ambiente do trabalho.

  • Dentre os pases pesquisados, destaca-se a Gr-Bretanha em primeiro lugar, com 16,3% dos trabalhadores violentados. Em segundo, a Sucia com 10,2%. A Frana com 9,9% e a Alemanha com 7,3%. A Itlia contou com 4,2%; todavia os estudiosos afirmam que estes nmeros no retratam a realidade, visto que o fenmeno poderia estar mascarado em face de aspectos culturais. (7) Os dados revelam que a Europa possui 12 milhes de indivduos que sofrem de assdio moral.

    1.2 Assdio Moral e Mobbing

    O assdio moral, uma espcie de dano pessoa, est presente em todo o mundo, e por essa razo seu conceito e caractersticas variam de acordo com a cultura e o contexto de cada pas. O fenmeno conhecido na Itlia, Alemanha e pases escandinavos como mobbing; na Inglaterra e Estados Unidos como bullying; no Japo como ijime, nos pases de lngua espanhola como acoso moral ou acoso psicolgico; e simplesmente assdio moral aqui no Brasil.

    Cada terminologia possui implicitamente diferenas culturais e organizacionais advindas dos pases, assim, procura-se analisar os mais utilizados. O mobbing, segundo Marie-France Hirigoyen citando Heinz Leymann, consiste em "manobras freqentes e repetidas no local de trabalho, visando sistematicamente a mesma pessoa e provm de um conflito que degenera, sendo uma forma particularmente grave de estresse psicossocial". (8) O bullying mais amplo que o termo mobbing, segundo a mesma autora:

    O termo bullying nos parece de acepo mais ampla do que o termo mobbing. Vai de chacotas e isolamento at condutas abusivas com conotaes sexuais ou agresses fsicas. Refere-se mais s ofensas individuais do que violncia organizacional. Em estudo comparativo entre mobbing e o bullying, Dieter Zapf considera que o bullying originrio majoritariamente de superiores hierrquicos, enquanto o mobbing muito mais um fenmeno de grupo. (9)

    Para sintetizar, os termos mobbing e bulling no tem o mesmo significado entre si, pois possuem caractersticas e acepes antagnicas. A diferena proposta pela autora bastante esclarecedora nesse sentido:

    - o termo mobbing relaciona-se mais a perseguies coletivas ou violncia ligada organizao, incluindo desvios que podem acabar em violncia fsica;

    - o termo bullying mais amplo que o termo mobbing [...];

    - o assdio moral diz respeito a agresses mais sutis e, portanto, mais difceis de caracterizar e provar, qualquer que seja sua procedncia. (10)

  • No decorrer do presente trabalho utilizar-se- tanto o termo assdio moral como o termo mobbing, em virtude de ambos os fenmenos estarem diretamente ligados violncia moral dentro das organizaes empresariais.

    1.3 Definies

    Antes de se discutir o que assdio moral deve-se buscar entender como se originou tal nomenclatura, pois segundo a autora francesa:

    [...] a expresso, ao passar linguagem corrente, terminou por englobar outros problemas que talvez no decorram, no sentido clnico do termo, do assdio moral, mas que expressam um mal-estar mais geral das empresas, que importante analisar. (11)

    Em outra anlise sobre a dvida do termo, a mesma autora conclui:

    Desde que o termo assdio passou para a linguagem corrente, tem sido freqentemente utilizado de forma abusiva e, algumas vezes mesmo, de forma perversa, ou seja, deturpado do seu sentido original. Parece-nos absolutamente essencial estarmos atentos a esses deplorveis desvios. (12)

    Assim, assediar, segundo o dicionrio Aurlio, "perseguir com insistncia, importunar, molestar, com perguntas ou pretenses insistentes". Ou seja, assediar um ato que s adquire significado pela insistncia.

    Por vezes, fala-se em assdio quando o trabalhador pressionado pelo tempo a realizar alguma tarefa ou meta, associando-se tal termo conjunto com o estresse. Neste caso no se configura assdio por no haver uma caracterstica fundamental: a freqncia do ato.

    O segundo termo - moral - diz respeito ao conjunto de costumes e opinies que um indivduo ou um grupo de indivduos possuem relativamente ao comportamento humano ou o conjunto de regras de comportamento consideradas como universalmente vlidas. A escolha do termo moral implica a tomada de deciso de que aquele assdio repugnado em nossa sociedade, e de que a finalidade do assdio atentar contra o mal.

    Para Leymann, citado por Guedes "a base do assdio moral no local de trabalho uma situao conflitiva mal resolvida". (13) Ou seja, o assdio moral inicia com um mal entendido das partes, que como uma "bola de neve" se transforma em um conflito. At o momento, os estudiosos do tema no chegaram a uma exata definio do tema, pois esse fenmeno pode der abordado sob diversos ngulos (medicina, sociologia, jurdico...), porm toma-se emprestado o conceito de Marie-France Hirigoyen:

  • O assdio moral no trabalho definido como qualquer conduta abusiva [gesto, palavra, comportamento, atitude...] que atente, por sua repetio, contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. (14)

    Em tal fenmeno, constata-se que a violncia isolada no verdadeiramente grave, o efeito destrutivo est nos microtraumatismos freqentes, repetidos e incessantes sob a vtima em um certo lapso de tempo. O deputado Georges Hage, defensor da proposta de lei da bancada comunista francesa, enviada Assemblia Nacional em 14 de dezembro de 1999, baseou-se na intencionalidade da ao para conceituar o assdio moral e o citou como "qualquer degradao deliberada das condies de trabalho". (15)

    Com efeito, identifica-se por qualquer ato que viole a dignidade do trabalhador, atitudes humilhantes que vo desde o isolamento, passa pela desqualificao profissional e acaba no terrorismo visando a destruio psicolgica da vtima. As razes de natureza pessoal podem ser a inveja que um colega desperta em outro, ou o modo como um chefe esconde sua limitao intelectual ou profissional, ou aquela em que a empresa desencadeia e acredita nesse tipo de perverso como modo de aumentar a produtividade, ou mesmo para se livrar de empregados incmodos. A Associao contra o Estresse Psicossocial e contra o mobbing, fundada na Alemanha em 1993, define-o como sendo:

    Comunicao conflitual no local de trabalho entre colegas ou entre superior e subordinados, na qual a pessoa atacada colocada numa posio de debilidade e agredida direta ou indiretamente por uma ou mais pessoas de modo sistemtico, freqentemente por largo tempo, com o objetivo e/ou conseqncia da sua demisso do mundo do trabalho. (16)

    Segundo a viso jurdica de Mrcia Novaes Guedes, autora e estudiosa do assunto, Juza do Trabalho Substituta da 5 Regio, assim conceitua assdio moral:

    Mobbing significa todos aqueles atos e comportamentos provindos do patro, gerente ou superior hierrquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contnua e extensiva perseguio que possa acarretar danos relevantes s condies fsicas, psquicas e morais da vtima. (17)

    Do conceito acima, nota-se que os termos j so empregados de forma a identificar os sujeitos e buscar uma aproximao jurdica com o fenmeno. Segundo Maria Barreto em dissertao de Mestrado em Psicologia Social na PUC de So Paulo em 2002, assim determinou:

  • a exposio dos trabalhadores e trabalhadoras a situaes humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exerccio de suas funes, sendo mais comuns em relaes hierrquicas autoritrias e assimtricas, em que predominam condutas negativas, relaes desumanas e aticas de longa durao, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relao da vtima com o ambiente de trabalho e a organizao, forando-o a desistir do emprego. (18)

    Dos conceitos citados, depreende-se que o assdio moral no ambiente do trabalho uma violncia contnua, que tambm mais tarde veremos que pode ser pontual, de um sujeito perverso direcionado a uma pessoa-vtima, qual seja colega, chefe ou subordinado, que tem como finalidade atac-la e anul-la moralmente, provocando a sua instabilidade fsica, emocional e moral, com conseqncias que escapam a esfera profissional.

    1.4 Caracterizao

    A caracterizao do assdio moral no trabalho faz-se necessria em virtude da dificuldade dos estudiosos do tema em identificar o que seja realmente tal fenmeno. Segundo a vitimloga Marie:

    o assdio moral no se confunde com estresse, conflito profissional, excesso de trabalho, exigncias no cumprimento de metas, falta de segurana, trabalho em situao de risco ou ergonomicamente desfavorvel. Tudo isso no assdio moral. (19)

    Alguns exemplos do que seja o assdio moral no ambiente do trabalho so, segundo a mesma autora a recusa da comunicao direta, a desqualificao, o descrdito, o isolamento, a obrigatoriedade ao cio, o vexame, o induzir ao erro, a mentira, o desprezo, o abuso de poder, a rivalidade, a omisso da empresa em resolver o problema, ou a ao da empresa em estimular mtodos perversos. (20) Estes exemplos no tm correlao com qualquer um dos problemas apontados anteriormente, pois aqui, tratam-se de problemas que ferem o mago da pessoa, a sua dignidade, e que pode gerar a perda da confiana que se tinha depositado na empresa, na hierarquia ou nos colegas.

    A autora Mrcia Novaes Guedes chega a comparar o assdio moral com o nazismo:

    O mobbing visa dominar e destruir psicologicamente a vtima, afastando-a do mundo do trabalho. Nesse sentido um projeto individual de destruio microscpica, mas que guarda profunda semelhana com o genocdio. Quando um sujeito perverso est decidido a destruir a vtima, retira-lhe o

  • direito de conviver com os demais colegas. A vtima afastada do local onde normalmente desempenhava suas funes, colocada para trabalha em local em condio inferior e obrigada a desempenhar tarefas sem importncia, incompatveis com sua qualificao tcnica profissional, ou condenada mais humilhante ociosidade. semelhana do nazismo, o mobbing ataca a espontaneidade. (21)

    O sujeito perverso emprega inmeras formas de atacar a vtima, quais sejam hostilidades, dar de ombros, olhar de desprezo, recusa da comunicao, recusa de uma explicao sobre aquele comportamento, crticas performance profissional, ataque vida privada, insinuaes, constrangimentos, calnias, mentiras, fofocas, isolamento da vtima do convvio com colegas, tudo para ver a vtima imobilizada, corrompida moralmente no seu prprio ambiente do trabalho. (22)

    Segundo Maria Barreto, a caracterizao do assdio moral se d pela seguinte forma:

    Caracteriza-se pela degradao deliberada das condies de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relao a seus subordinados, constituindo uma experincia subjetiva que acarreta prejuzos prticos e emocionais para o trabalhador e a organizao. A vtima escolhida isolada do grupo sem explicaes, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem tambm humilhados associado ao estmulo constante competitividade, rompem os laos afetivos com a vtima e, freqentemente, reproduzem e reatualizam aes e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o pacto da tolerncia e do silncio no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, perdendo sua auto-estima. (23)

    Abaixo est uma lista de atitudes hostis empregada pelos assediadores:

    1. Deteriorao proposital das condies de trabalho.

    - Retirar da vtima autonomia.

    - No lhe transmitir mais as informaes teis para a realizao de tarefas.

    - Contestar sistematicamente todas as suas decises.

    - Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada.

  • - Priv-la do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador...

    - Retirar o trabalho que normalmente lhe compete.

    - Dar-lhe permanentemente novas tarefas.

    - Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas inferiores s suas competncias.

    - Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores s suas competncias.

    - Pression-la para que no faa valer seus direitos (frias, horrios, prmios).

    - Agir de modo a impedir que obtenha promoo.

    - Atribuir vtima, contra a vontade dela, trabalhos perigosos.

    - Atribuir vtima tarefas incompatveis com sua sade.

    - Causar danos em seu local de trabalho.

    - Dar-lhe deliberadamente instrues impossveis de executar.

    - No levar em conta recomendaes de ordem mdica indicada pelo mdico do trabalho.

    - Induzir a vtima ao erro.

    2.Isolamento e recusa de comunicao.

    - A vtima interrompida constantemente.

    - Superiores hierrquicos ou colegas no dialogam com a vtima.

    - A comunicao com ele unicamente por escrito.

    - Recusam todo o contato com ela, mesmo o visual.

    - posta separada dos outros.

    - Ignoram sua presena, dirigindo-se apenas aos outros.

    - Probem os colegas de lhe falar.

  • - J no a deixam falar com ningum.

    - A direo recusa qualquer pedido de entrevista.

    3.Atentado contra a dignidade.

    - Utilizam insinuaes desdenhosas para qualific-la.

    - Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar de ombros...).

    - desacreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados.

    - Espalham rumores a seu respeito.

    - Atribuem-lhe problemas psicolgicos (dizem que doente mental).

    - Zombam de suas deficincias fsicas ou de seu aspecto fsico; imitada ou caricaturada;

    - Criticam sua vida privada.

    - Zombam de suas origens ou nacionalidade.

    - Implicam com suas crenas religiosas ou convices polticas.

    - Atribuem-lhe tarefas humilhantes.

    - injuriada com termos obscenos ou degradantes.

    4.Violncia verbal, fsica ou sexual

    - Ameaas de violncia fsica.

    - Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, empurrada, fecham-lhe a porta na cara.

    - Falam com ela aos gritos.

    - Invadem sua vida privada com ligaes telefnicas ou cartas.

    - Seguem-na na rua, espionada diante do domiclio.

    - Fazem estragos em seu automvel.

    - assediada ou agredida sexualmente (gestos ou propostas).

  • - No levam em conta seus problemas de sade. (24)

    Segundo Marie-France Hirigoyen, a durao da agresso pode variar entre seis meses a trs anos, porm no vislumbramos motivos que possam elevar ou at diminuir o lapso temporal da agresso, pois quanto antes identificado, menor sero as conseqncias. Quanto ao ambientes que o assdio perpetua-se com mais freqncias so o setor tercirio, o setor de medicina social e o do ensino. Entre o setor pblico e o privado nota-se algumas particularidades, pois no privado a durao do assdio menor e termina em geral com a sada da vtima, enquanto no pblico pode durar anos.

    No setor privado, o assdio acontece tanto em grandes, como pequenas e mdias empresas:

    [...] nas pequenas estruturas, uma vez que existem poucas instncias de regulao, a nomeao de um novo chefe pode transformar radicalmente, para melhor ou pior, as condies de trabalho dos assalariados. (25)

    Mrcia Novaes Guedes defende que o assdio moral pode ser regular, sistemtico e pode ser tanto de longa durao, quanto pode ser pontual quando adotado como prtica regular de uma empresa ou de seus prepostos no processo de seleo:

    Nesse caso, durao da violncia deve ser observada pelo lado do agressor. O fato de a vtima sofrer a violncia em um nico momento no diminui em absoluto o dano psicolgico, especialmente quando se trata de jovens que vo em busca de um estgio profissional ou do primeiro emprego. (26)

    Segundo a autora, a conduta de constranger os candidatos ao emprego no processo de seleo, no configura assdio moral, dada a exigidade do tempo. Porm, sob o ponto de vista jurdico e segundo a mesma autora, o conceito de assdio moral dever alargar-se para punir os que se aproveitam dessas situaes para maltratar e ofender a dignidade da pessoa humana.

    1.5 Sujeitos e Tipos de Assdio

    O assdio moral tem sujeitos que agridem e sujeitos que so vtimas. Tanto a chefia como os subordinados podem ocupar o lugar da vtima como o do agressor, como veremos a seguir. importante analisar os sujeitos para poder buscar a identificao e o nvel de responsabilizao do agressor.

    1.5.1 Assdio Horizontal

  • Este tipo de assdio freqente quando dois empregados disputam a obteno de um mesmo cargo ou uma promoo. H tambm a agravante de que os grupos tendem a nivelar seus indivduos e tm dificuldade de conviver com diferenas. Por exemplo, a mulher em grupo de homens, homem em grupo de mulheres, homossexualidade, diferena racial, religiosa, entre outras.

    Aqui, o conflito horizontal, e acontece quando um colega agride moralmente o outro e a chefia no intervm, recusando-se a tomar partido do problema, s reagindo quando uma das partes interfere na cadeia produtiva da empresa (quando falta seguidamente ao trabalho). O conflito tende a recrudescer pela omisso da empresa em no intervir. Mrcia Novaes Guedes conceitua e caracteriza esse tipo de assdio da seguinte forma:

    [...] a ao discriminatria desencadeada pelos prprios colegas de idntico grau na escala hierrquica. Os fatores responsveis por esse tipo de perverso moral so a competio, a preferncia pessoal do chefe porventura gozada pela vtima, a inveja, o racismo, a xenofobia e motivos polticos. [...] a vtima pode ser golpeada tanto individual como coletivo. (27)

    Aqui, interessante ressaltar a colocao da autora que afirma que o assdio pode partir tanto de um colega como de vrios. A inveja e inimizades pessoais aparecem tambm como causadores do conflito. Nestes casos, a empresa deve intervir de maneira justa, ou seja, agir de maneira educativa, aplicando sanes a ambos os empregados, pois do contrrio, havendo o apoio de um superior a um dos colegas, isto poderia reforar o processo de assdio moral.

    1.5.2 Assdio Vertical Ascendente

    Acontece rarssimas vezes quando por exemplo um superior recm contratado no alcana um nvel de empatia e de adaptao, ou possui mtodos que so reprovados por seus subordinados, e tambm quando no dispende nenhum esforo no sentido de impor-se perante o grupo. Isso pode levar a um nvel de descrdito que tende a desencadear o assdio moral. Segundo Mrcia Novaes Guedes:

    A violncia de baixo para cima geralmente ocorre quando um colega promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoo implica um cargo de chefia cujas funes os subordinados supem que o promovido no possui mritos para desempenhar[...] tudo isso extremamente agravado quando a comunicao interna inexiste entre superiores e subordinados. (28)

    Cabe referir aqui que, por ser um tipo de assdio mais raro que os demais, no deixa de ser menos repugnante para as relaes laborais. Marie-

  • France relata que pode haver diversas formas deste tipo de assdio moral, dentre as quais a falsa alegao de assdio sexual com o objetivo de atentar contra a integridade e reputao moral do superior, e reaes coletivas de grupo, onde acontece freqentemente em fuses ou compra de empresa por outra, as quais utilizam somente critrios estratgicos sem prvias consultas aos subordinados. (29)

    1.5.3 Assdio Vertical Descendente

    Este conflito j mais comum no contexto atual, e ocorre quando os subordinados so agredidos pelos empregadores ou superiores hierrquicos, e levados a crer de que tem que aceitar tudo o que imposto se quiserem manter seu emprego. Importante referir aqui, a comparao de Marie-France Hirigoyen:

    A experincia mostra que o assdio moral vindo de um superior hierrquico tem conseqncias muito mais graves sobre a sade do que o assdio horizontal, pois a vtima se sente ainda mais isolada e tem mais dificuldade para achar a soluo do problema. (30)

    As razes que levam a tal perseguio so, por vezes, o medo que um superior tem de perder o controle, ou quando este tem a necessidade de rebaixar os outros para engrandecer-se. Em alguns casos, a empresa est consciente de que o superior dirige seus subordinados de forma tirnica e consente com tal medida. Mrcia Novaes Guedes entende o mobbing descendente de forma a conceitu-lo como vertical e o define como:

    A violncia psicolgica perpetrada por um superior hierrquico [...] pode este contar com a cumplicidade dos colegas de trabalho da vtima e atravs destes a violncia pode ser desencadeada. [...] o grupo tende a se alinhar com o perverso, creditando vtima a responsabilidade pelos maus-tratos. (31)

    , assim, o tipo de assdio mais preocupante de todos, pois a vtima fica mais desamparada e desprotegida, tendo piores conseqncias psicolgicas ou fsicas.

    1.5.4 Assdio Misto

    Para este caso tambm difcil de acontecer, ocorre quando a vtima atacada tanto pelos colegas de mesma linha hierrquica, como pelo superior hierrquico ou empregador. Acontece, geralmente, em empregos onde h alta competitividade interna e m gerenciamento de recursos humanos, bem como em locais de trabalho onde impera a gesto por estresse, onde o chefe ou o patro imprime um nvel elevadssimo de exigncia. Aqui, Marie-France Hirigoyen se posiciona da seguinte maneira:

  • Mesmo se trate de uma histria muito particular, raro um assdio horizontal duradouro no ser vivido, depois de algum tempo, como assdio vertical descendente, em virtude da omisso da chefia ou do superior hierrquico. [...] Quando uma pessoa se acha em posio de bode expiatrio, por causa de um superior hierrquico ou de colegas, a designao se estende rapidamente a todo o grupo de trabalho. A pessoa passa a ser considerada responsvel por tudo que d errado. (32)

    Mrcia Novaes Guedes esclarece sobre esse tipo de assdio moral como uma espcie de mobbing vertical e estratgico:

    Verifica-se o assdio moral do tipo vertical quando a violncia psicolgica perpetrada por um superior hierrquico. Neste caso, a ao necessariamente no precisa ser deflagrada e realizada pelo superior, mas pode este contar com a cumplicidade dos colegas de trabalho da vtima e atravs destes a violncia pode ser desencadeada. (33)

    Como referido, o incio da agresso pode partir do prprio superior ou chefe, e da, as agresses se alastrarem e partirem dos prprios colegas da vtima, por medo de represlias futuras do chefe assediador. H a uma tomada de posio dos colegas da vtima coadunada com o comportamento tirnico do superior.

    1.6 Conseqncias s vtimas

    As conseqncias s vtimas de assdio moral esto diretamente ligadas com fatores que se relacionam com a intensidade e a durao da agresso. As conseqncias especficas em curto prazo pelas vtimas do assdio moral so o estresse e a ansiedade combinado com um sentimento de impotncia e humilhao. Destes prejuzos decorrem perturbaes fsicas: cansao, nervosismo, distrbios do sono, enxaqueca, distrbios digestivos, dores na coluna, etc. Diga-se que tais perturbaes seriam uma autodefesa do organismo a uma hiperestimulao e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situao. (34)

    Em longo prazo, as conseqncias tornam-se agravadas, e a confuso, agora d lugar ao choque, ansiedade, a perturbaes psicossomticas, ou a um estado depressivo. Segundo a vitimloga Marie-France Hirigoyen:

    Esses estados depressivos esto ligados ao esgotamento, a um excesso de estresse. As vtimas sentem-se vazias, cansadas, sem energia. Nada mais lhe interessa. No conseguem mais pensar ou concentrar-se, mesmo na atividade mais banais. Podem, ento, sobrevir idias de suicdio. O risco ainda maior no momento em que elas tomam conscincia de que foram lesadas e que nada lhes dar a possibilidade de verem reconhecidas suas razes. Quando h um suicdio, ou tentativa

  • de suicdio, isso conforta os perversos em sua certeza de que o outro era fraco, perturbado, louco, e que as agresses que lhe eram infligidas eram justificadas. (35)

    Alguns distrbios tambm so diagnosticados nas vtimas do assdio moral em estgio mais avanado com conseqncias fisiolgicas ocasionando problemas digestivos (gastrites, colites, lceras de estmago), ganho ou perda de peso, doenas cardiovasculares, doenas de pele, etc.

    Passa-se no prximo captulo a anlise da responsabilidade civil, onde sero abordados aspectos histricos, definies dos mais variados autores estrangeiros e brasileiros, as diferentes teorias da responsabilidade, e os pr-requisitos para sua existncia efetiva.

    2 A RESPONSABILIDADE CIVIL

    2.1 Aspectos histricos

    A idia de delito sempre esteve associada responsabilidade do agente desde os tempos remotos, porm, antigamente no existia a distino entre a responsabilidade civil e a penal. Marco Aurlio S. Viana afirma que

    [...] os romanos no desenvolveram uma noo geral e abstrata a respeito da teoria do ato ilcito. [...] O direito civil vinha indicado na lei e implicava na pena civil. No era qualquer delito que autorizava o pagamento de multa ao ofendido. Apenas o furto, o roubo e a rapina tinham esse condo. Tnhamos a responsabilidade ex delicto. A lei no continha todas as hipteses de dano. [...] Partindo da casustica romana elaborou-se a teoria do ato ilcito, que desembocou da distino entre delito e quase-delito, da gradao de culpa em lata ou grave [h inteno dolosa ou a negligncia imprpria ao comum dos homens], a leve [evitvel pela ateno ordinria] e a levssima [que poderia ser vencida pela ateno extraordinria, ou por especial habilidade e conhecimento regular]. (36)

    Naquela poca existia a composio por meio da vingana a qual importava na reparao de um dano com a prtica de outro, equiparando-se um delito a outro, tendo como base na lei de Talio, ou "olho por olho, dente por dente". Mas foi em Roma, por intermdio da Lei das XII Tbuas, que alguns princpios gerais da responsabilidade foram introduzidos e o procedimento da autocomposio foi se desenvolvendo, passando o direito romano a responsabilizar o autor do delito pelo seu ato ilcito.

    Uma inovao nos conceitos jus-romansticos em termos de responsabilidade civil com a Lex Aquila ou aquiliana, ou a

  • responsabilidade extracontratual em oposio a contratual, onde seu maior valor consiste em "substituir as multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado." (37) A partir disso, foi se firmando a idia da responsabilidade conforme Roberto Senise Lisboa que afirmou que "a noo de responsabilidade no se assentou, como se percebe, no conceito de culpa, mas de dano, pois o delito se caracteriza pela existncia do prejuzo". (38) A culpa foi sendo introduzida juntamente na legislao, como um elemento subjetivo que passou a integrar a noo de responsabilidade como fator indispensvel.

    Por essa razo, o elemento culpa esteve presente nas codificaes at ser introduzida a teoria do risco da atividade, porm o dano imaterial ou moral s passou a ser concebido na ltima fase do direito romano, o qual relevou considerar algumas atividades perigosas por disposio legal ou por sua prpria natureza. Aps, o direito moderno passaria a ter suporte quanto ao direito de ressarcimento pelos danos sofridos pela vtima. Carlos Alberto Bittar, sinteticamente, afirma que a teoria da responsabilidade:

    [...] relaciona-se liberdade e racionalidade humanas que impem pessoa o dever de assumir os nus correspondentes a fatos a ela referentes. Nesse sentido, a responsabilidade corolrio da faculdade de escolha e de iniciativa que a pessoa possui no mundo ftico, submetendo-a, ou o respectivo patrimnio, aos resultados de suas aes, que, quando contrrios ordem jurdica, geram-lhe no campo civil, a obrigao de ressarcir o dano, ao atingir componentes pessoais, morais ou patrimoniais da esfera jurdica de outrem. (39)

    Por isso que o direito de responsabilizar quem comete agresso faculdade e garantia do agredido. Assim, mediante esse breve histrico, faz-se necessrio apresentar a seguir o conceito da responsabilidade civil para que melhor seja introduzida, analisada e discutida a responsabilidade civil no ambiente do trabalho.

    Conceitos

    Na evoluo da responsabilidade civil, a sociedade foi percebendo que os danos sofridos poderiam ser reparados e seus causadores responsabilizados pelos seus atos. Tanto doutrina estrangeira com a doutrina brasileira no chegam a um consenso quanto definio de responsabilidade civil. Porm, tomamos emprestado o conceito de Savatier, de sua obra Trait de la Responsabilit Civile, citado por Caio Mrio, onde seja a "obrigao que pode incumbir a uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou das coisas dependentes a ela." (40)

    A teoria da responsabilidade civil passa a ter relevante importncia no direito brasileiro, onde o dano que gerasse prejuzo material e moral a

  • outrem, deveria ser indenizado pelo autor, como demonstra Nlson Godoy Bassil Dower quando afirma que:

    [...] a responsabilidade civil consiste na obrigao de uma pessoa indenizar o prejuzo causado a outrem quando h prtica do ato ilcito.[...] A teoria da responsabilidade civil foi criada para alcanar as aes ou omisses contrrias ao direito, que geram para o seu autor a obrigao de reparar o dano ocasionado. Nasce, assim, a teoria da responsabilidade civil, que constitui a obrigao pelo qual o agente fica obrigado a reparar o dano causado a terceiro (41).

    Uma vez comprovado o dano, cabe a responsabilizao civil do agente causador, devendo ser reparado o dano sofrido, pois a conseqncia jurdica do ato ilcito a obrigao de indenizar. Segundo Roberto Senise Lisboa, "a responsabilidade constitui uma relao obrigacional cujo objeto o ressarcimento". (42)

    Desta forma, a responsabilidade civil o ressarcimento dos prejuzos acarretados ao lesado que sofreu tanto em seu patrimnio como em componentes de sua pessoa ou personalidade. Nessa esteira, cabe a Justia, em ltima instncia, reparar as perdas experimentadas e os danos morais sofridos pela vtima do assdio ou ato ilcito, s custas do agressor e de forma pecuniria.

    Orlando Gomes, ao referir-se sobre a responsabilidade civil, nos dita que "a doutrina da responsabilidade civil tem por fim determinar quem o devedor da obrigao de indenizar quando um dano produzido". (43) Isso porque, a partir de determinado ato ilcito, deve haver a responsabilizao agente que comete o dano.

    Por outro lado, como a matria de interesse apenas do prejudicado, se este se resignar a sofrer o prejuzo e se mantiver inerte, nenhuma conseqncia advir para o agente causador do dano, pois o prprio lesado quem deve requerer a indenizao.

    Requisitos fundamentais

    2.3.1 Ato ilcito

    Busca-se primeiramente o conceito de ato ilcito dado pelo legislador do Cdigo Civil, antigo artigo 159 do Cdigo Civil de 1916:

    Art. 186. Aquele que por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.

  • O ato ilcito a prtica de uma conduta em desacordo com a ordem jurdica, que causa dano a outrem, violando direito subjetivo individual, que pode produzir efeitos jurdicos. Marco Aurelio S. Viana (44) nos dita que "o ato ilcito ou ato jurdico ilcito a ao humana contrria ao direito. O exerccio regular do direito a realizao de seu destino prprio". a ao diversa daquela que se espera e que se tem como normal e correta.

    No entendimento de Slvio de Salvo Venosa, os atos ilcitos so "os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurdicos, mas contrrios ao ordenamento". (45) Em outras palavras, ato contrrio ao exerccio regular do direito, moral e aos bons costumes, pois na medida em que o ser humano atua fora dos limites dos preceitos jurdicos, est desviando da real finalidade do ordenamento, ofendendo desta forma, o direito de outrem e estando sujeito a ter as conseqncias dos efeitos gerados pelo ato praticado. Com efeito, tal conseqncia jurdica a obrigao de reparar o dano sofrido por algum mediante ressarcimento ou compensao.

    2.3.2 Culpa ou dolo

    A noo genrica de culpa de relevante importncia uma vez que elemento que faz distino entre as modalidades de responsabilidade civil. Por conseguinte, caber a reparao do dano se o agente agiu culposa ou dolosamente.

    Quanto ao dolo, este verifica-se quando o agente intencionalmente comete o evento danoso ou, assume o risco de provoc-lo, consciente das possveis conseqncias. Quanto culpa, o agente no tinha a inteno de causar o prejuzo, mas, decorrente de uma atitude negligente, imprudente ou imperita, acaba por causar. Slvio Rodrigues, ao tratar da atuao dolosa ou culposa do agente, afirma que:

    [...] age com dolo aquele que, intencionalmente, procura causar dano a outrem; ou ainda aquele que, consciente das conseqncias funestas de seu ato, assume o risco de provocar o evento danoso. Atua culposamente aquele que causa prejuzo a terceiro em virtude de sua imprudncia, impercia ou negligncia. (46)

    Assim, tanto o agente que atua com dolo ou culpa e que comete ato ilcito, deve reparar os danos advindos de sua ao. No mesmo sentido Maria Helena Diniz afirma que:

    [...] a culpa em sentido amplo, como violao de um direito jurdico, imputvel a algum, em decorrncia de fato intencional ou de omisso de diligncia ou cautela, compreende: o dolo, que a violao intencional de dever jurdico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela

  • impercia, imprudncia e negligncia, sem qualquer deliberao de violar um dever. Portanto no se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente querido pelo agente, pois ele no deixar de ser responsvel pelo fato de no se ter percebido do seu ato nem medido as suas conseqncias. (47)

    Roberto Senise Lisboa vincula culpa e a responsabilidade civil subjetiva, da seguinte maneira:

    Culpa o pressuposto de responsabilidade civil subjetiva. Desconsiderada como pressuposto da responsabilidade objetivada, a culpa apenas exsurge nesta teoria para eventual discusso sobre a existncia da excludente de responsabilidade. Assim, a culpa exclusiva da vtima, ou de terceiro pode excluir a responsabilidade do agente, porm ele responde mesmo que tenha se conduzido sem culpa (48).

    Percebe-se que, a culpa neste sentido, aquela que d suporte teoria subjetiva da responsabilidade que ser aprofundada posteriormente. Miguel Maria de Serpa Lopes entende, numa concluso a qual chegou a partir do pensamento de diversos estudiosos que:

    [...] o que resta de positivo o seguinte: todos esto de acordo em que, para a configurao da culpa, e, por conseguinte, para se ter uma responsabilidade civil delitual, necessrio se torna a prova de um ato prejudicial em si mesmo, objetivamente ilcito, em razo do que a culpa importa, necessariamente na realizao de um ato objetivamente ilcito, voluntariamente perpetrado (49).

    A culpa, diferentemente de como era tratada no passado, no mais diferenciada por seu grau, isto , grave, leve ou levssima. Conforme Slvio Rodrigues, ao referir-se ao Cdigo Civil em vigor, diz que "mantendo como tal a regra geral, entretanto criou uma importante exceo. Com efeito, o caput do art. 944 consigna a regra geral, (50) ao dizer que a indenizao se mede pela extenso do dano, mas o pargrafo nico traz a exceo, considerando o grau de culpa". (51)

    A culpa pode ser dividida em cinco modalidades: culpa in eligendo, que aquela na qual feita uma m escolha do representante; culpa in vigilando, que quando no h a devida fiscalizao por parte do patro; culpa in omittendo, quando h uma absteno, isto , negligncia; culpa incommittendo, quando h uma prtica positiva, imprudente; e culpa in custodiendo, que aquela que se demonstra na ausncia de cuidado em torno de alguma pessoa, animal ou coisa que se encontra sob os cuidados do agente. Alm da culpa, importante se faz a comprovao do liame causal do fato danoso e da conduta do autor do evento.

    2.3.3 Nexo de causalidade

  • Outro requisito o nexo de causalidade, onde uma vez havendo dano, cabe estabelecer se o agente foi o causador ao agir de determinada maneira para que se possa responsabiliz-lo no mbito civil, analisando-se a relao que teve com o evento danoso. Washington de Barros Monteiro dita a respeito do nexo que:

    [...] desde que determinada condio, porm se tornou necessria para que o dano surgisse, dever ser ela admitida como causa no sentido jurdico, apta a gerar a responsabilidade civil [...] nem todas as condies necessrias podero ser tidas como causas. S sero consideradas como tais as que se vincularem ao resultado final por adequada relao de causalidade. (52)

    Encontra-se assim, a relao entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vtima, que um dos elementos indispensveis ao presente tema. Brevemente, Roberto Senise Lisboa comenta que o nexo de causalidade:

    [...] a relao entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vtima. Somente cabe a responsabilidade civil quando se pode estabelecer que o agente foi o causador do dano sofrido pela vtima, ao agir de determinada maneira (53).

    Estabelecida a relao entre o ato praticado pelo autor e o prprio dano experimentado pela vtima, caber a responsabilizao. Nas palavras de Rui Stoco, "o nexo causal se torna indispensvel, sendo fundamental que o dano tenha sido causado pela culpa do sujeito". (54) Para que haja o ressarcimento das perdas que o ato ilcito veio a causar, alm da prova de culpa ou de dolo e a do prejuzo, necessrio que exista essa relao de causalidade entre o comportamento do agressor, numa idia de causa e efeito. No estando presente o nexo causal, no h de se cogitar em ressarcimento decorrente deste ato.

    2.3.4 Dano

    O dano nada mais do que o prejuzo sofrido por uma pessoa decorrente de um ato, podendo ser material ou moral. Deve, em ambos os casos ser certo, isto , fundado em fato determinado e que no seja uma mera hiptese. Caio Mrio da Silva Pereira nos dita que "a doutrina entende que o dano, como elemento da responsabilidade civil, h de ser atual e certo". (55) J Roberto Senise Lisboa nos ensina que o:

    [...] dano (damnum) o prejuzo causado a outrem ou a seu patrimnio. No h responsabilidade civil onde no existe o prejuzo, razo pela qual o dano elemento essencial para constituio da obrigao sucessiva, substitutiva ou suplementar. (56)

  • Ele analisado a partir dos resultados nocivos, produzidos pelo evento que trouxe conseqncias jurdicas para o agente, decorrentes das perdas sofridas pela vtima. Os danos podem ser classificados como puramente materiais, puramente morais, e materiais e morais (mistos).

    Os puramente materiais so aqueles que atingem o patrimnio em prejuzos que podem refletir em valor monetrio, que se expressem em bens corpreos, incorpreos e direitos propriamente ditos que constituem o patrimnio em si. Os puramente morais, inclusos na Carta Magna de 1988 dentre os direitos e garantias fundamentais, nos seus incisos V e X (57), so aqueles que atingem o plano psquico, e no o plano material como no outro caso. No se baseiam em valor pecunirio, pelo simples fato de no ser possvel estimar valores para a personalidade, sendo a leso de cunho psicolgico.

    Os danos morais e materiais so aqueles em que os dois mbitos so lesados. A vtima pode ser indenizada tanto material como moralmente, tanto no plano econmico como no psquico, mesmo que decorrentes do mesmo fato gerador, sendo que a procedncia do dever de reparao de uma, no influi na procedncia da outra e vice-versa. Maria Helena Diniz, sintetiza a ocorrncia de um dano com as seguintes palavras:

    Para que haja pagamento da indenizao pleiteada, alm da prova da culpa ou do dolo, necessrio comprovar a ocorrncia de um dano patrimonial ou moral [...], fundados no na ndole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da leso jurdica. De modo que quando a vtima reclama a reparao pecuniria em virtude do dano moral que recai sobre a honra, nome profissional e famlia, no pede um preo para sua dor, mas apenas que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as conseqncias do prejuzo. Na reparao do dano moral, o dinheiro no desempenha a funo de equivalncia, como no dano material, porm, concomitantemente, a funo satisfatria e a de pena. O dano patrimonial compreende o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, a efetiva diminuio no patrimnio da vtima e o que ela deixou de ganhar.[...] No se pode haver responsabilidade civil sem a existncia de um dano a um bem jurdico, sendo necessria a prova real e concreta dessa leso. (58)

    Perante tal distino, observa-se que as indenizaes podem ser cumulveis por danos material e moral, no entanto, podem ser pleiteadas apenas pelo dano material como tambm, apenas pelo dano moral. Finalmente, cabe destacar-se que, sem a presena de um destes requisitos fundamentais, no h de se falar em responsabilidade civil, pois no caracteriza se no existe o evento danoso que tenha surgido de alguma conduta ilcita.

    2.4 Responsabilidade Civil Subjetiva

  • A responsabilidade subjetiva a modalidade de responsabilidade civil que se assenta fundamentalmente na idia de culpa, isto , de como o comportamento do agente contribuiu para o prejuzo sofrido pela vtima, sendo na sua forma de culposa propriamente dita ou na forma dolosa. Baseada na idia de culpa, a responsabilidade civil subjetiva est disposta no artigo 186 do Cdigo Civil Brasileiro (59) e se relaciona com as definies de ao ou omisso voluntria, negligncia e imprudncia, ficando certo que o comportamento ilcito do agente foi o causador do ato lesivo.

    Por ao ou omisso voluntria entende-se que o ato de fazer ou de deixar de fazer algo por livre e espontnea vontade, sem que se tenha consentimento de outrem. Por negligncia, entende-se a falta de ateno, de diligncia, isto , o desleixo injustificado da ao do autor em determinado momento, ocorrendo quando o agente podendo prever os acontecimentos, no tenta evit-los. E a imprudncia, por sua vez, por ser a falta de cuidados bsicos, a atuao irrefletida, irracional e de displicncia no agir.

    Orlando Soares nos d a base da responsabilidade civil subjetiva da seguinte forma:

    Em outras palavras, a responsabilidade subjetiva se baseia na capacidade de entendimento tico-jurdico e determinao volitiva (vontade), adequada (a certo fato), que constitui pressuposto necessrio aplicao de determinada sano, com fundamento na culpabilidade [...]. (60)

    Por isso, para surgir a responsabilizao civil subjetiva do agente e o possvel direito indenizao pelos danos sofridos aos fatores concretos, dever ser associado o elemento culpa, o que a diferencia da responsabilidade civil objetiva.

    2.5 Responsabilidade Civil Objetiva

    Esta modalidade, por sua vez, obriga o agente a reparar o dano sem mesmo que haja a presena do elemento culpa, bastando que haja o risco a outrem. A evoluo da responsabilidade subjetiva para a objetiva deu-se pois o elemento culpa como pressuposto subjetivo no mais comporta as demandas dos litgios sociais, conforme argumento o Professor Paulo Srgio Gomes Alonso:

    Elementos de carter social, de eqidade, de solidariedade, de preveno, de assistncia, e de segurana concorrem para a imposio da nova concepo de responsabilidade, de forma a lhe possibilitar a sua sustentao, formando os seus pressupostos. (61)

    Aqui, no se deve levar em considerao, para efeito de reparao, a culpa ou inteno do agente. Basta que se prove a relao de causa e efeito

  • entre o comportamento do agente e o dano sofrido pela vtima. Segundo Carlos Alberto Bittar, citado pelo Professor e Magistrado Trabalhista Alexandre Agra Belmonte (62), os princpios defendidos pelo sistema objetivo so: a socializao dos riscos, por meio da idia de coletivizao da responsabilidade; a limitao legal ou contratual da responsabilidade em determinados nveis; princpio da responsabilidade pelo fato do exerccio de atividade econmica perigosa; e o princpio da responsabilidade fundada no risco em substituio s idias de ato ilcito e culpa. O mesmo autor aduz:

    [...] para que haja responsabilidade civil, necessria se faz em qualquer das suas espcies - a conjugao de certos elementos. Cumpre se renam, em concreto, os seus pressupostos, que so: a) uma ao; b) o dano e c) o vnculo entre ambos. (63)

    Assim, importante trazer o pargrafo nico do artigo 927 do Cdigo Civil Brasileiro que efetivou a teoria objetiva, dispondo que "haver a obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

    Portanto, conclui-se que para a caracterizao da responsabilidade civil objetiva indispensvel que haja a conjugao de trs elementos que a pressupe: a ao, o dano e a relao existente entre ambos. Em no havendo algum destes elementos, o direito reparao ser obstativo no gerando responsabilidade civil.

    2.5.1 A Teoria do Risco

    A rigidez da teoria da culpa cede lugar teoria do risco. Isto porque a responsabilidade baseada somente na culpa insuficiente para responder s necessidades da atualidade. Na rea de produo de bens, por exemplo, pode-se elencar a elevao do ritmo de trabalho, a precarizao do ambiente do trabalho sem condies de exerc-lo com respeito sade do trabalhador, a alta competio entre trabalhadores na gesto por competitividade, entre outros.

    Assim a responsabilidade subjetiva no responde com eficcia realidade imposta pelo desenvolvimento. Em muitos casos resta impossvel ao autor da ao provar a culpa ou dolo do agente causador do dano. Neste sentido a indagao de Slvio Rodrigues exemplar: "Como poder o viajante que caiu do trem demonstrar que os empregados da estrada negligenciaram em fechar as portas do vago ao sair o comboio da ltima estao?" (64)

    Na mesma linha de raciocnio, Alvino Lima nos apresenta com clareza as razes pelas quais a teoria da culpa apresenta-se inadequada para

  • atender ao anseio do ressarcimento de dano produzido sem o ato voluntrio do seu autor:

    Os problemas da responsabilidade so to-somente os problemas de reparao de perdas. O dano e a reparao no devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da leso de um bem jurdico, a fim de se manterem inclumes os interessem em jogo, cujo equilbrio manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites da responsabilidade subjetiva. (65)

    Podemos analisar, ainda, que h casos que no se pode partir do pressuposto de que h uma relao de igualdade entre as partes, como presume a teoria subjetiva. Existem casos em que uma parte no se enquadra neste perfil, onde uma portadora de hipossuficincia, como o caso dos trabalhadores diante do empregador. Nesse caso, a aplicao da teoria subjetiva da responsabilidade, vinculada comprovao do dano torna-se ineficiente. Das prprias condies da relao entre estas partes, observa-se que os trabalhadores ficam impossibilitados para demonstrarem a culpa, posto que quem tem o controle da fabricao e da administrao do processo produtivo o empregador.

    Nesse passo, a evoluo do Direito, os inconvenientes da rgida teoria da culpa (responsabilidade subjetiva) passa a ser substitudo pela a teoria do risco (responsabilidade objetiva). A teoria do risco representa uma evoluo da responsabilidade civil e baseia-se no fundamento de que a pessoa que cria o risco deve arcar com a reparao dos danos que sua atividade pode causar a outrem. Assim, a reparao do dano no depender da prova da culpa do agente, sendo suficiente que se evidencie o nexo de causalidade entre a ao danosa e o prejuzo advindo.

    O jurista francs Savatier, citado por Slvio Rodrigues, define a responsabilidade baseada no risco como "aquela de repara o prejuzo causado por uma atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle". (66) O novo Cdigo Civil trouxe inovaes no que diz respeito responsabilidade. O assunto foi sistematizado e organizado num tpico especfico do novo Digesto, mais precisamente no Livro I, Ttulo IX, captulo I, compreendendo os artigos 927 a 954.

    bem verdade que o novo Cdigo mantm como regra geral a tese da responsabilidade com culpa, quando em seu artigo 186 repete praticamente as disposies contidas no artigo 159 do Cdigo Civil anterior, que sujeita a caracterizao do ilcito ao comportamento culposo do agente. No podemos olvidar, todavia, a evoluo ocorrida em matria de responsabilidade civil, quando se admite a teoria do risco.

    A novidade que h a admisso da responsabilidade sem culpa. O artigo 927, 1, admite genericamente a aplicao da teoria do risco no

  • campo da responsabilidade civil. (67) Assim, claramente a nova lei instituiu duas hipteses para a teoria do risco: nos casos especificados em lei ou quando o autor, em funo de sua atividade, causar risco. Comentando a evoluo deste tipo de responsabilidade, bem frisou Caio M. S. Pereira, citado por Paulo Srgio Gomes Alonso, ao dizer que

    [...] partindo da concorrncia de culpa, caracterizado pela culpa in eligendo ou in vigilando; passando pela presuno de culpa do preponente; e marchando para a responsabilidade objetiva, que, de iure contendo, ser a meta prxima, com a teoria do risco. (68)

    Salienta-se que vrios foram os motivos que levaram a essa tendncia em matria de responsabilidade civil: o crescente nmero de vtimas sofrendo as conseqncias das atividades do homem; o desequilbrio flagrante entre "criadores de risco" poderosos e suas vtimas; os princpios de eqidade que se revoltavam contra essa fatalidade jurdica de se impor vtima inocente, no criadora do fato; e o peso excessivo do dano muitas vezes decorrente da atividade exclusiva do agente. Conclui Alvino Lima que "a responsabilidade deve surgir exclusivamente do fato, considerando-se a culpa um resqucio da confuso primitiva entre a responsabilidade civil e a penal". (69)

    Do exposto acima, passamos a anlise da responsabilidade do empregado e empregador com base nas diferentes teorias da responsabilidade civil e com base nos conhecimentos que obtivemos at o momento sobre o assdio moral, seu conceito, tipificao e caracterizao.

    3 ASSDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL: EMPREGADO E EMPREGADOR

    3.1 Assdio Moral como Dano Pessoal

    No assdio moral, os direitos essenciais da pessoa que so atacados. Nesse passo, o dano moral est inserido dentro do aspecto do dano pessoal, segundo entendimento do professor Paulo Eduardo Vieira de Oliveira:

    [...] se entenderemos, pois, que o dano moral tem a mesma compreenso que o dano pessoal, isto , que ele se verifica pela leso integridade fsica, psquica, intelectual, tica e social da pessoa humana, ambos se identificam. (70)

    Segundo Mrcia Novaes Guedes, "no terror psicolgico so precisamente os direitos essenciais da pessoa, aqueles que compe a medula

  • da personalidade e que resultam da entrada do ser humano no mundo jurdico, que so atacados". (71) Portanto, o dano sofrido pela vtima pessoal, porquanto so atacados tanto atributos psquicos que se compe de direitos liberdade, intimidade, integridade psquica e ao segredo, e quanto os direitos morais propriamente ditos, formados pelo direito identidade, honra, ao respeito, dignidade, ao decoro pessoal e s criaes intelectuais.

    Nesse passo, a doutrina define o dano moral partindo da idia de negar o que dano patrimonial, e da idia de conceitu-lo positivamente, como fez Antnio Jeov Santos citado na obra de Oliveira:

    O que configura o dano moral aquela alterao do bem-estar psicofsico do indivduo. Se do ato de outra pessoa resultar alterao desfavorvel, aquela dor profunda que causa modificaes no estado anmico, a est o incio da busca do dano moral. (72)

    A definio de Ramn Daniel Pizarro, ainda citado pelo mesmo autor, se refere ao aspecto no patrimonial e enfoca entendimento amplamente aceito:

    El dao moral importa, pues, una minoracin en la subjetividad de la persona, derivada de la lesin a un inters no patrimonial. Com mayor precisin, una modificacin disvaliosa del espritu, en el desenvolvimiento de su capacidad de entender, querer o sentir, consecuencia de una lesin a un inters no patrimonial, que abr de traduzirse en un modo de estar diferente de aquel al que se hallaba antes del hecho, como consecuencia de ste y animicamente perjudicial. (73)

    Tanto doutrina como jurisprudncia apaziguaram o entendimento em relao ao conceito do que seja o dano moral, e deste estar inserido no mbito do dano pessoal, como bem conclui Oliveira:

    H de se reconhecer, todavia, que o termo tecnicamente correto, porque melhor exprime o conceito jurdico do instituto, dano pessoal ou dano personalidade, tomado o termo pessoa em toda sua ampla dimenso, compreendendo a integridade psicofsica, a intelectual, a afetiva, a moral e a social. (74)

    De nossa concluso, concordamos e o assdio moral est inserido em uma espcie de dano moral e, por conseqncia, um dano pessoal, pois tal fenmeno pode transgredir diferentes faculdades da pessoa humana, seja moral, intelectual ou social. E, portanto, resguardado o princpio do artigo 5, X, da Constituio Federal (75), as vtimas por tal dano podem buscar o justo ressarcimento pelo prejuzo moral.

  • 3.2 Assdio Moral como Acidente de Trabalho

    O assdio moral, alm de ser um dano pessoal, pode ser interpretado como acidente do trabalho, sendo aquele que decorre pelo exerccio do trabalho, provocando leso corporal ou perturbao funcional que cause a morte ou reduo da capacidade permanente ou temporria para o trabalho. (76)

    Ou seja, trata-se de um evento nico ou continuado, imprevisto e com conseqncias geralmente imediatas, no qual o assdio moral est inserido.

    A Constituio Federal em seu artigo 7, XXVIII, assim se pronuncia quanto aos acidentes de trabalho:

    Art. 7 So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: [...]

    XVIII seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que est obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

    A norma constitucional colocou o ressarcimento dos danos decorrentes dos acidentes do trabalho nos campos objetivos e subjetivos. Ademais, a lei infraconstitucional subdivide as doenas ocupacionais em doenas profissionais e doenas do trabalho, estando previstas no artigo 20, I e II da Lei 8.213/91. (77) As primeiras so desencadeadas pelo exerccio profissional peculiar a determinada atividade, e decorrem de micro traumas que cotidianamente agridem e vulneram as defesas orgnicas, que por efeito cumulativo deflagram o processo mrbido. J as doenas do trabalho so desencadeadas em funo das condies especiais em que o trabalhado realizado e com ele se relacionem diretamente, tambm havendo a incidncia de microtraumatismos acumulados.

    Ambas diferenciam-se devido s doenas profissionais resultarem de risco especfico direto (caracterstica do ramo de atividade), e pela necessidade de comprovao do nexo causal via vistoria no ambiente laboral, enquanto as doenas do trabalho tm como causa o risco especfico indireto, e h uma presuno legal da comprovao do nexo de causalidade. (78)

    Ao comentar sobre o rol de doenas ocupacionais expostas no Regulamento da Previdncia Social, Antnio Lopes Monteiro ensina:

    De acordo com o Regulamento, apenas as doenas profissionais causadas pelos agentes patognicos relacionados no Anexo II poderiam ser assim consideradas. Contudo, a jurisprudncia ao longo das diversas legislaes, j consolidou o entendimento de que tal relao meramente exemplificativa. (79)

  • O Regulamento prev uma srie de agentes patognicos causadores de doenas ocupacionais no seu Anexo II, conforme o artigo 20 da Lei 8.213/91, sendo, portanto, seu rol meramente exemplificativo e no exaustivo. H, ainda, previso na prpria legislao previdenciria de que doenas no existentes enquadradas naquelas referidas acima, podem ser consideradas como acidente de trabalho. (80)

    Somando-se a isso, h ainda na legislao referida, enquadramento em acidente de trabalho aquele que, embora no tenha sido causa nica, haja contribudo diretamente para morte do segurado, para a reduo ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido leso que exija ateno mdica para sua recuperao. E ainda, considera-se acidente de trabalho, a agresso praticada por terceiro ou companheiro de trabalho em horrio e em local de trabalho, e ofensa fsica intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho. (81)

    Cabe ressaltar, nesse ponto, que o trabalhador que assediado moralmente e, por conseqncia desta agresso, acometido de qualquer molstia, poder reclamar o benefcio do auxlio-acidente (82) desde que segurado pela Previdncia Social, tendo ainda garantia de estabilidade como reza o artigo 118 da Lei 8.213/91 (83).

    o que decidiram os magistrados no seguinte acrdo, onde a empregada foi despedida sem respeito estabilidade do referido artigo:

    ESTABILIDADE REINTEGRAO INDENIZAO Caracterizada a doena do trabalho, estando a reclamante em gozo do respectivo benefcio, encontra-se suspenso o contrato de trabalho, sendo nula, portanto, a despedida e, ao trmino do benefcio, ainda ter estabilidade por doze meses, como reconhecido na sentena. Incabvel, no presente caso, a substituio do direito reintegrao pelo pagamento de indenizao compensatria, uma vez que o objetivo da lei de garantia no emprego. Provimento negado. COMPENSAO Considerada nula a despedida, incabvel o pagamento de aviso prvio e das demais parcelas rescisrias, impondo-se a compensao dos valores pagos sob tais rubricas. Recurso provido. TRT 4 R. RO 01368.030/98-0 3 T. Rel Juza Vanda Krindges Marques J. 14.11.2001. (84)

    Conclui-se, portanto, conforme o referido acima que as molstias originadas por agresses morais podem constituir acidente de trabalho, e, por conseqncia, o trabalhador assediado buscar os benefcios de auxlio-acidente, bem como a estabilidade de 12 meses do contrato de trabalho aps a cessao de tal benefcio.

    3.3 Responsabilidade Civil do Empregado e do Empregador

  • Sobre a responsabilidade civil, importante no se olvidar dos ensinamentos de Caio Mrio da Silva Pereira, sobre a pessoa jurdica:

    Sendo, como muitos a entendiam, uma fico, a pessoa jurdica seria incapaz de querer e, em conseqncia, no seria possvel imputar-lhe o fato danoso [...]. Por outro lado, no dispondo de rgos fsicos que permitam uma ao direta, e devendo elas mesmas proceder por ao ou omisso de seus prepostos e de seus rgos, seriam esses os responsveis e no a pessoa jurdica, contra os quais o lesado haveria de agir. (85)

    Assim, demonstrados os malefcios empregados s vtimas do assdio moral, bem como que os danos aplicados so de natureza pessoal (moral) devendo haver a devida reparao no mbito civil, cabe questionar quem ser compelido a reparar os prejuzos sofridos, visto haver empregado e empregador sujeitos e vtimas do assdio moral.

    Preliminarmente, cabe extrair da agresso os elementos principais para buscar a reparao. Primeiro, a identificao dos sujeitos, ou de quem parte a agresso e a quem dirigida. Trazendo os sujeitos elencados na primeira parte deste trabalho, verifica-se que a agresso pode partir de: a) empregado, b) superior hierrquico ou c) colega de mesma linha hierrquica. Podendo ser dirigida, da mesma forma a empregado, colega ou superior hierrquico. Aps os outros elementos pr-requisitos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam o dano, a existncia de culpa, dolo ou risco, e o nexo de causalidade.

    Segundo as referncias expostas no captulo anterior em relao ao nexo causal, no podemos olvidar do art. 2 da Resoluo n 1.488 de 11 de fevereiro de 1998, do Conselho Federal de Medicina, o qual diz que:

    Art. 2 - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de sade e as atividades do trabalhador, alm do exame clnico (fsico e mental) e os exames complementares, quando necessrios, deve o mdico considerar:

    I - a histria clnica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnstico e/ou investigao de nexo causal;

    II - o estudo do local de trabalho;

    III - o estudo da organizao do trabalho;

    IV - os dados epidemiolgicos;

    V - a literatura atualizada;

  • VI - a ocorrncia de quadro clnico ou sub-clnico em trabalhador exposto a condies agressivas;

    VII - a identificao de riscos fsicos, qumicos, biolgicos, mecnicos, estressantes e outros;

    VIII - o depoimento e a experincia dos trabalhadores;

    IX - os conhecimentos e as prticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou no da rea da sade.

    Quanto ao conjunto de diretrizes acima, acrescentaramos ainda a anlise do lapso temporal da agresso, ou seja, o quanto perdurou a agresso sofrida pelo trabalhador. Dito isso, passamos a anlise de cada caso e qual a responsabilidade civil concernente.

    3.3.1 Empregado que assedia superior hierrquico ou empregador

    Como j referido, esse caso bem mais difcil de acontecer, porm no impossvel, caracterizando-se pelo ataque do empregado ou empregados ao superior hierrquico ou o prprio empregador. Segundo a legislao trabalhista, a empresa ao identificar a agresso, deve apenas dispensar o empregado naquelas hipteses que incidam sobre a justa causa, elencados na CLT no artigo 482 da CLT (86).

    Dentre as hipteses do referido artigo, notamos as seguintes que podem ser interpretadas como assdio moral do empregado: o mau procedimento; a indisciplina e o ato lesivo da honra praticado contra o empregador e superiores hierrquicos. Seno vejamos, mau procedimento, segundo Amador Paes de Almeida, quem "dolosamente, (...) faz ameaas a colegas de servio, agressivo ou hostil aos fregueses da empresa para a qual trabalha". (87) Ou como diz o professor Wagner D. Giglio:

    De uma maneira geral, ou doutrinadores classificam como mau procedimento o comportamento incorreto do empregado, atravs da prtica de atos que firam a discrio pessoal, as regras do bem viver, o respeito, o decoro e a paz; atos de impolidez, de grosseria, da falta de compostura, que ofendem a dignidade. (88)

    Indisciplina, segundo o mestre Valentin Carrion, o "descumprimento de ordens gerais do empregador dirigidas impessoalmente ao quadro de empregados." (89) Enquanto que o ato lesivo contra a honra do empregador e superiores hierrquicos, Almeida ensina que:

    As ofensas podem ser dirigidas ao empregador ou a superiores hierrquicos, assacando contra eles fatos

  • extremamente ofensivos a sua dignidade pessoal e que, sabidamente, no so verdadeiros. Entendemos que, sobretudo em relao ao empregador, irrelevante que tais ofensas tenham sido proferidas fora do local de servio; alcanada repercusso na comunidade, caracterizada est a falta nominada. (90)

    Os atos de mau procedimento, indisciplina e ato lesivo da honra, no s poderiam como deveriam ser interpretadas ampliativamente, de modo a afastar o empregado que assedia moralmente superior hierrquico ou empregador.

    Se a agresso no for alguma daquelas elencadas nas hipteses, e tambm no se enquadrar em mau procedimento ou ato lesivo honra, pode o empregador promover a dispensa sem justa causa, indenizando o empregado-assediador.

    Cumpre salientar, que aps este trmite, pode o empregador promover ao com vistas a responsabilizar objetivamente o empregado-agressor, buscando o ressarcimento material ou/e moral que entender necessrio a demanda, tendo como competncia a Justia do Trabalho se o agredido for o empregador ou superior hierrquico. Porm, aqui se torna necessrio a reflexo: se o agredido o superior hierrquico, a competncia poder ser a Justia Civil, se entendermos que o superior tambm empregado, no se amoldando na competncia do artigo 114 da Constituio Federal, visto ser uma agresso de empregado direcionado a outro empregado. (91)

    Nossa opinio de que o preposto, superior hierrquico, que exerce cargo de chefia, de direo, de liderana dentro da empresa, est por refletir a poltica, bem como as ordens do proprietrio empregador. Ele a pessoa quem repassa os comandos do chefe mor, da decorrendo ser ele prprio a figura fictcia do empregador, portando incompetente a justia comum.

    Ademais, para o caso de ser superior hierrquico o assediado, a alternativa do remanejamento da vtima para outro setor de trabalho resoluo paliativa para o problema, pois tal alternativa no tem o condo de coibir futuras agresses por parte do empregado agressor ou empregados agressores. Ainda, em relao s micro e pequenas empresas, as quais no contam com muitos setores, seria impossvel o remanejamento por ser a empresa de pequeno porte, supondo-se no haver estrutura que comporte tal procedimento.

    3.3.2 Empregado que assedia empregado

    Aqui, o caso mais comum e consiste quando o agressor o prprio colega de trabalho na mesma linha hierrquica que o agredido. Acontece freqentemente na concorrncia por cargos melhores e ainda mais em

  • empresas com uma gesto de competio interna voltada especificamente ao lucro sem limites.

    Em uma primeira anlise, verifica-se a incompetncia da Justia do Trabalho em abarcar agresses entre trabalhadores, pois da anlise do artigo 114 da CF depreende-se:

    Art.114. Compete a Justia do Trabalho conciliar e julgar os dissdios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito pblico externo e da administrao pblica direta e indireta dos Municpios, do Distrito Federal, dos Estados e da Unio, e, na forma da lei, outras controvrsias decorrentes da relao de trabalho, bem como os litgios que tenham origem no cumprimento de suas prprias sentenas, inclusive coletivas.

    In casu, o entendimento do Superior Tribunal de Justia o de afastar os Juzos Trabalhistas para julgar os danos entre trabalhadores, porm, verificado um nvel da culpa in vigilando e in eligendo por parte do empregador, pois houve desdia do empregador em cuidar dos atos de seus prepostos, bem como elegeu mal o empregado que assediou, torna-se responsvel subjetivamente pelo ato de seu preposto. Sob essa anlise, verifica-se portanto a competncia da Justia do Trabalho, ainda mais quando h a smula 341 do STF, dizendo que " presumida a culpa do patro ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".

    Ademais, h a Smula 736 do STF na qual afirma que "compete Justia do Trabalho julgar as aes que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas segurana, higiene e sade dos trabalhadores."

    Ainda, h o projeto de lei n 6.671 de 2002 que pretende ampliar a competncia da Justia do Trabalho para comportar julgamentos de litgios decorrentes de relaes entre representantes comerciais autnomos, corretores, empreiteiros, sub-empreiteiros, parceiros, arrendatrios, cooperados e os tomadores de seus servios.

    A justificativa do projeto baseia-se na alegao de que a transformao da realidade social obriga a ampliao da competncia da Justia do Trabalho, como medida de aprimoramento da eficcia da prestao jurisdicional e tambm na alegao de que o Juiz do Trabalho tem vocao a decidir as demandas que envolvam prestao de servios do homem. Porm, tal projeto em nada contribui para abarcar litgios entre os prprios trabalhadores.

    Aps essa referncia competncia do dano, h que se verificar se o agredido busca uma soluo no decorrer do contrato de trabalho, seja

  • alertando superiores sobre as agresses sofridas, seja buscando ajuda de mdico da empresa, ambas atitudes com a inteno de solucionar o problema. Surtindo efeitos, e a empresa colaborar com a vtima no sentido de dispensar o agressor ou remanej-lo, cabe vtima buscar a indenizao que entender possvel junto Justia do Trabalho contra o agressor.

    E ainda, mesmo que a empresa tenha ajudado a vtima, poder inclu-la no plo passivo da demanda, por fora da teoria objetiva imposta pelo Cdigo Civil, art. 932, III. Porm, isto no ser eticamente bem vindo aos olhos do magistrado que julgar a ao, podendo ser minorada a indenizao, visto ter a empresa auxiliado a vtima quando careceu, ou ainda podendo no ser condenada por seu ato positivo auxiliando o empregado agredido, a qual depender da hermenutica do julgador.

    Se a empresa no colaborar com o empregado agredido, o trabalhador assediado poder rescindir o contrato de trabalho e pleitear uma indenizao pelo assdio moral dos agressores, empresa e agressor, por fora das alneas "c" e/ou "e", do artigo 483 da CLT, que dizem que o "empregado poder considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenizao quando:(...) c) correr perigo manifesto de mal considervel (...) e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua famlia, ato lesivo da honra e da boa fama".

    Risco de mal considervel, como ensina a doutrina, aquele mal originado da inrcia da empresa em prover aos empregados um ambiente de trabalho saudvel, cumprindo com normas de segurana e medicina do trabalho. Antnio Lamarca citado pelo professor Amador Paes de Almeida esclarece:

    H profisses em que o risco inerente [mineiros, aviadores, pra-quedistas, escafandristas, homens-r, etc.]. Esses riscos, porm, devem ser os normais da profisso; se agravados pela incria patronal, cabe o direito de resistncia. (92)

    A inrcia da empresa na busca de resolues para o conflito, bem como na busca pela melhora constante do ambiente do trabalho implicar em um nvel de culpa na relao contratual. Quanto aos atos lesivos da honra e da boa fama, estes tambm compreendem a calnia, difamao ou a injria. (93)

    Em relao ao meio ambiente do trabalho, Rodolfo de Camargo Mancuso citado por Julio Cesar de S da Rocha averigua que o "habitat laboral, isto , tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtm os meios para prover o quanto necessrio para sua sobrevivncia". (94)

  • Aqui, aplica-se a teoria subjetiva, pois a empresa deixou, ou vacilou em vigiar corretamente (culpa in vigilando) atos de seus prepostos, devendo o agredido incluir a empresa na demanda. Concorrendo ainda com isso, a empresa responde objetivamente, agora, segundo o Cdigo Civil, por atos de seus prepostos. (95) E ainda, havendo interesse do lesado, poder incluir o agressor-preposto no plo passivo da demanda aplicando-lhe tambm a responsabilidade objetiva por ato doloso.

    Diga-se que poder perseguir a indenizao durante o contrato de trabalho, mas sabido que isso quase humanamente impossvel. Marie-France se posiciona da seguinte forma:

    Quando as ocorrncias de assdio moral provm de colega ou de pertinentes hierarquia, ser necessrio, se forem graves, processar o autor diretamente, da mesma maneira que o empregador. [...] A responsabilidade do empregador deve ser por ele assumida a partir do momento em que toma ou deveria tomar conhecimento, mas no adota as providncias necessrias para coibir tais comportamentos. As empresas so responsveis por seus empregados, sendo, pois, absolutamente normal que sejam condenadas juridicamente se um de seus empregados adotar um comportamento inadmissvel. (96)

    Pois, ento, concordamos com a autora no sentido de incluir a empresa na demanda, tendo como competente a Justia Trabalhista, porm, aos olhos dos magistrados, estes devem ter um nvel de precauo ao aplicar a teoria objetiva do empregador, pois se levada ao extremo, o ambiente de trabalho pode se tornar verdadeiro campo de batalhas, onde h apenas um responsvel: o empregador.

    3.3.3 Superior hierrquico ou empregador que assedia empregado

    Deste tipo de assdio moral, j estamos mais convencidos de que a empresa responde objetivamente por fora da nova legislao cvel. O preposto no deixa de ser o representante hierrquico da empresa, exprimindo seu poder de chefia originado da poltica da empresa, e por vezes de comando diretos dos patres. "Normalmente, ela age por via de seus administradores ou dirigentes, que so seus rgos" (97) afirma Rui Stoco ao comentar a responsabilidade da empresa, e ainda, citando De Page, que:

    [...] a pessoa jurdica responde como proponente pelos atos de seus empregados ou prepostos [responsabilidade por fato de terceiro], como tambm pelo de seus rgos [diretores, administradores, assemblias etc.], o que vai dar na responsabilidade direta ou por fato prprio. (98)

    Por vezes, os responsveis recebem poder que extrapola e como demonstrado, faz crescer o descontrole das pessoas que exercem a liderana

  • no ambiente do trabalho. Nessa coerncia de idias, o superior que dolosamente assedia trabalhador incorre objetivamente com a inteno de lesar, enquanto a empresa que coaduna com atos que tendem a incorrer em leses, responde objetivamente ao caso especfico do artigo 932, III, do novo Cdigo Civil, o qual reza que so "tambm responsveis pela reparao civil: (...) o empregador ou comitente, por seus empregados, serviais e prepostos, no exerccio do trabalho que lhes competir, ou em razo dele".

    Arnold Wald citado por Terezinha Lorena Pohlmann Saad ensina que:

    [...] a primeira condio para que haja responsabilidade do comitente pelo fato do preposto , pois, a existncia do vnculo de preposio. O segundo requisito que o dano tenha sido causado no exerccio ou por ocasio do trabalho. No necessrio que o dano tenha sido oriundo de uma atividade do preposto devidamente ordenada pelo comitente. Basta, para que haja responsabilidade do comitente, que o ato danoso tenha sido produzido ou facilitado pela situao do preposto como empregado ou comitente. H, pois, responsabilidade desde que o trabalho tenha propiciado ao preposto a oportunidade de causar o dano. H respons