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  • UM

    inho|2007

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao e Psicologia

    Ema Patrcia de Lima Oliveira

    Alunos sobredotados:

    A acelerao escolar como resposta

    educativa

    Junho de 2007

    Em

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    tiva

  • Tese de Doutoramento em Psicologia

    rea de Especializao em Psicologia da Educao

    Trabalho efectuado sob a orientao do

    Professor Doutor Leandro da Silva Almeida

    e do

    Professor Doutor Franz Mnks

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao e Psicologia

    Ema Patrcia de Lima Oliveira

    Alunos sobredotados:

    A acelerao escolar como resposta

    educativa

    Junho de 2007

  • AUTORIZADA A REPRODUO PARCIAL DESTA TESE

    APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO

    ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

  • AGRADECIMENTOS

    A concretizao da presente dissertao no teria sido possvel sem o precioso apoio e

    contributo de algumas pessoas, instituies e entidades, s quais aproveito para expressar

    publicamente o meu profundo agradecimento.

    Destaco, com especial apreo, o Prof. Doutor Leandro Almeida, pela brilhante forma

    como incentivou e orientou esta dissertao, e pela influncia exercida sobre o meu crescimento

    e formao, em termos acadmicos e pessoais.

    Ao Prof. Doutor Franz Mnks, co-orientador do doutoramento, agradeo o constante

    estmulo e suporte, bem como a oportunidade proporcionada na assessoria e partilha de

    experincias com outros investigadores, na Universidade de Nijmegen.

    Pelo apoio financeiro e logstico, respectivamente, agradeo Fundao para a Cincia

    e Tecnologia e Direco Regional da Educao do Norte.

    A todos os investigadores que contriburam no aprimoramento deste trabalho,

    proporcionando momentos incisivos de reflexo e debate, particularmente ao Prof. Doutor Willy

    Peters e aos meus colegas do Grupo de Investigao em Cognio, Aprendizagem e

    Desenvolvimento, agradeo a partilha e o esprito de entreajuda.

    A todos os pais, alunos e professores que participaram com os seus testemunhos e

    desempenhos na componente emprica deste trabalho, dirijo uma palavra de gratido pela a sua

    disponibilidade e colaborao.

    Aos meus alunos, Carlos Santos, Cristina Batista, Hugo Fernandes, Jaclin Freire,

    Lcia Costa, Maria Joo Gonalves, Marta Costa, Paulo Pessoa e Sara Vilar, agradeo a

    disponibilidade, dedicao e rigor com que ajudaram na cotao de algumas provas de

    avaliao.

    A todos os amigos e familiares, que acompanharam de perto o meu percurso ao longo

    do tempo dedicado a este trabalho, agradeo o encorajamento, o apoio emocional e a

    compreenso pelos momentos em que estive mais ausente.

    Aos meus pais, reconheo a segurana e o conforto constantes, bem como a mestria

    com que tm sabido ser meus professores e companheiros na escola da vida. A eles dedico este

    trabalho.

    i

  • ii

  • Alunos sobredotados: A acelerao escolar como resposta educativa Ema Patrcia Oliveira (Tese de Doutoramento em Psicologia, Universidade do Minho)

    Resumo: A educao dos alunos sobredotados tem justificado uma preocupao crescente por parte dos

    polticos e dos profissionais da educao, assim como dos investigadores nos domnios da psicologia e

    das cincias da educao. Algumas dificuldades emergem, no entanto, na delimitao do conceito,

    quando est em causa uma realidade complexa e multidimensional, assim como na sua identificao

    com o necessrio rigor e consequente especificao das medidas educativas mais apropriadas a cada

    caso. Tomando estas preocupaes, a parte terica da tese centra-se na definio, identificao e

    interveno, assumindo a parte emprica dois grandes objectivos: (i) estudar o funcionamento de algumas

    provas psicolgicas junto de alunos potencialmente sobredotados, e (ii) apreciar o impacto das medidas

    de acelerao escolar a nvel psicossocial e acadmico dos alunos. A amostra foi formada por alunos que

    frequentavam o 2 Ciclo do Ensino Bsico, em escolas pblicas e privadas dos distritos de Braga, Viana

    do Castelo e Porto. O grupo experimental foi composto por 107 crianas que foram alvo de medidas de

    acelerao escolar (entraram precocemente aos 5 anos para a escola ou avanaram um ano de

    escolaridade ao longo do 1 Ciclo do Ensino Bsico). Um grupo de comparao foi constitudo por 120

    alunos, colegas de turma das crianas do grupo anterior, mas que no beneficiaram de medidas de

    acelerao escolar. Vrios instrumentos de avaliao psicossocial e educacional foram considerados no

    estudo: Bateria de Provas de Raciocnio 5/6 (BPR-5/6), Escala de Inteligncia de Wechsler para Crianas

    - WISC-III (algumas provas), Testes de Pensamento Criativo de Torrance (alguns sub-testes), Bateria de

    Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - Habilidade

    Cognitiva/Aprendizagem (Avaliao do Director de Turma), Escala de Auto-Conceito para Crianas e Pr-

    adolescentes de Susan Harter (Self-Perception Profile for Children), e uma entrevista semi-estruturada aos

    pais. Os resultados obtidos apontam para diferenas estatisticamente significativas a favor dos alunos

    acelerados nas provas psicolgicas aplicadas e nas percepes das suas habilidades cognitivas e

    acadmicas por parte dos professores. Esta diferena sugere que nveis superiores de habilidade

    cognitiva, no momento da avaliao para suporte deciso de acelerao escolar, permanecem em

    idades posteriores, parecendo essa superioridade ser mais acentuada nas provas psicolgicas de

    contedo verbal (maior associao s actividades curriculares). As diferenas a favor dos alunos

    acelerados ocorrem seja na rea intelectual mais orientada para o pensamento convergente, seja nas

    tarefas mais voltadas para a avaliao da criatividade. Esta superioridade ocorre, tambm, na

    generalidade das matrias curriculares, exceptuando a Educao Visual e Tecnolgica e a Educao

    Fsica, assim como nas vrias dimenses do auto-conceito, em particular nas dimenses Competncia

    Escolar, Aceitao Social e Auto-Estima Geral. Finalmente, os pais mostram-se satisfeitos com esta

    medida educativa, estando os casos de insatisfao parental associados a aceleraes escolares mais

    justificadas por razes de idade do que da precocidade do desenvolvimento da criana, o que alis

    contraria o sentido da legislao.

    iii

  • Gifted students: Academic acceleration as an educacional provision

    Ema Patrcia Oliveira (Doctoral Dissertation in Psychology, University of Minho)

    Abstract: The education of gifted students has accounted for an increasing concern in sociopolitical and

    educational fields, as well as in research in psychology and educational sciences. Some difficulties arise

    from the delimitation of the concept when a complex and multidimensional reality is in question. Other

    difficulties stem from the definition of an appropriate process of identification and consequent specification

    of the educational practices most adjusted to each student. Taking these concerns, the theoretical part of

    the thesis is centered on definition, identification and intervention, the empirical part focusing on two

    central objectives: (i) to study the functioning of some psychological tests for the identification of potentially

    gifted students, and (ii) to assess the impact of academic acceleration in terms of the psychosocial and

    academic adjustment of students. The sample was formed by students who were attending the 2nd Cycle of

    Basic Teaching (5th and 6th grades), in state-run as well as private schools in the districts of Braga, Viana do

    Castelo and Porto. The experimental group was comprised of 107 accelerated students (by early entrance

    to grade school or skipping one year of primary schooling). A comparison group was comprised of 120

    students from the same classes of the previous group, who did not however benefit from academic

    acceleration. Several instruments of psychosocial and educational evaluation were considered in this

    research: Reasoning Tests Battery 5/6 (BPR-5/6), Wechsler Intelligence Scales for Children - WISC-III

    (some subtests), Torrance Tests of Creative Thinking (some subtests), Scales for the Identification of Gifted

    and Talented Students Cognitive and Learning Abilities (assessment by class Director), Self-Perception

    Profile for Children, and a semi-structured interview with the parents. The results suggest significant

    differences in favour of the accelerated students in the psychological tests applied and in teacher

    perception concerning their cognitive and academic skills. These differences provide evidence that

    superior levels of cognitive ability, at the moment of the evaluation that supported the decision of

    academic acceleration, remain in subsequent ages, this superiority seeming to be more accented in the

    psychological tests of verbal content (more associated with curricular activities). The differences in favour

    of the accelerated students occur either in the intellectual domain, more oriented towards convergent

    reasoning, or in the tasks more related to creativity. This superiority occurs, also, in the generality of the

    curricular matters, excepting Visual and Technological Education and Physical Education, as well as in

    some dimensions of the self-concept, especially in the dimensions School Competence, Social

    Acceptance and General Self-Esteem. Finally, parents show satisfaction with this educational provision,

    the cases of parental dissatisfaction being associated with acceleration practices more motivated by the

    childs age than they are by the precociousness of development, a fact that contradicts the sense and

    logic of national laws that should be applied to these cases.

    iv

  • NDICE

    INTRODUO 1

    CAPTULO 1 - SOBREDOTAO: CONCEITO, CARACTERSTICAS E IDENTIFICAO .. 8

    Introduo . 8

    Evoluo do conceito de sobredotao .. 10

    Primrdios do conceito 10

    Desenvolvimentos contemporneos do conceito . 13

    A Teoria Trirquica da Inteligncia de Sternberg ... 13

    O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento de Gagn .. 16

    A Teoria das Inteligncias Mltiplas de Gardner . 18

    A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis de Renzulli . 20

    O Modelo Multi-Factorial da Sobredotao de Mnks . 21

    Clarificao de conceitos e propostas de definio 22

    Diversidade de conceitos disponveis . 26

    Caractersticas dos sobredotados .. 29

    Caractersticas no funcionamento cognitivo 31

    Caractersticas scio-emocionais . 37

    Identificao dos alunos sobredotados 44

    reas de identificao .. 46

    Procedimentos de identificao 47

    Tipologia de instrumentos usados .. 51

    Diversidade de agentes na avaliao . 59

    Modelos de identificao de alunos sobredotados 65

    Revolving Door Identificatiom Model (Renzulli, 1984) ..................................................... 65

    Talent Search Model (Stanley, 1979) ............................................................................. 67

    Dificuldades na identificao . 68

    Em sntese ... 70

    CAPTULO 2 - INTERVENO EDUCATIVA JUNTO DE ALUNOS SOBREDOTADOS .. 71

    Introduo 71

    A educao diferenciada dos alunos sobredotados 72

    Acelerao escolar: Caracterizao .. 74

    Modalidades e formas de acelerao escolar . 77

    Benefcios da acelerao escolar . 83

    Inconvenientes da acelerao escolar 92

    Acelerao escolar: Tentativa de sntese .. 96

    Enriquecimento: Caracterizao . 99

    Formas e modelos dos programas de enriquecimento 100

    Schoolwide Enrichment Model (Renzulli & Reis, 1985) ................................................. 104

    v

  • Autonomous Learner Model (Betts & Knapp, 1981) ......................................................107

    Program for Academic and Creative Enrichment (Kolloff & Feldhusen, 1981) ................ 110

    Vantagens e limitaes dos programas de enriquecimento .. 111

    Agrupamento: Caracterizao .. 114

    Vantagens e limitaes das medidas de agrupamento 117

    Complementaridade das medidas de interveno ... 122

    Em sntese . 126

    CAPTULO 3 - METODOLOGIA DO ESTUDO EMPRICO 128

    Introduo . 128

    Objectivos e questes .. 129

    Amostra . 131

    Instrumentos 132

    Bateria de Provas de Raciocnio 5/6 (BPR-5/6) . 132

    Escala de Inteligncia de Wechsler para Crianas, WISC-III .. 133

    Testes de Pensamento Criativo de Torrance 134

    Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - HC/A . 136

    Escala de auto-conceito para crianas e pr-adolescentes de Susan Harter (SPPC) .. 138

    Entrevista semi-estruturada aos pais ou encarregados de educao . 139

    Procedimentos 140

    CAPTULO 4 - CONTRIBUTOS PRECISO E VALIDADE DE INSTRUMENTOS USADOS .. 142

    Introduo . 142

    Testes de Pensamento Criativo de Torrance .. 143

    Metodologia 143

    Resultados .. 145

    Estudo em torno dos ndices de flexibilidade e originalidade .. 150

    Escala de auto-conceito para crianas e pr-adolescentes de Susan Harter . 152

    Metodologia 153

    Resultados . 153

    Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - HC/A .. 159

    Metodologia 160

    Resultados .. 161

    Em sntese ... 163

    CAPTULO 5 - APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS .. 165

    Introduo . 165

    Caracterizao geral dos alunos com acelerao escolar . 166

    Anlise comparativa face aos alunos no acelerados . 170

    Resultados na rea cognitiva .. 171

    Resultados na rea da criatividade .. 174

    Resultados na realizao acadmica .. 179

    Resultados na avaliao do auto-conceito . 183

    vi

  • Especificidade do grupo de alunos com acelerao escolar 187

    Resultados na rea cognitiva .. 188

    Resultados na rea da criatividade .. 191

    Resultados na realizao acadmica .. 193

    Resultados na avaliao do auto-conceito . 194

    Dados qualitativos com base na percepo dos pais 195

    Em sntese ... 203

    CONCLUSO ... 205

    Retomando a parte terica .. 205

    Retomando a parte emprica .. 207

    Limitaes e pistas para futuros estudos .. 212

    Implicaes prticas deste estudo 213

    BIBLIOGRAFIA . 215

    ANEXOS .. 247

    Anexo 1-Grelha de entrevista semi-estruturada aos pais/encarregados de educao ..... 249

    Anexo 2-Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos (HC/A) . 253

    Anexo 3-Categorias e pontuaes em originalidade nos Testes de Pensamento Criativo de Torrance .. 255

    vii

  • ndice de quadros

    Quadro 1.1 - Caractersticas psicolgicas do sobredotado ... 30

    Quadro 3.1 - Descrio da amostra ... 131

    Quadro 4.1 - Mdias e desvios-padro nos TPCT por actividade, gnero e ano de escolaridade .. 145

    Quadro 4.2 - Estrutura factorial dos resultados nos TPCT .... 147

    Quadro 4.3 - Mdia e desvio-padro na flexibilidade e originalidade aps ponderao da fluncia . 151

    Quadro 4.4 - Mdias e desvios-padro na SPPC por sub-escala, gnero e ano de escolaridade .. 154

    Quadro 4.5 - Anlise de varincia nas dimenses da SPPC, segundo o gnero

    e o ano escolar dos alunos .. 156

    Quadro 4.6 - Anlise estatstica dos itens da BISAS/T-HC/A .. 161

    Quadro 4.7 - Mdias e desvios-padro na BISAS/T-HC/A por sub-escala,

    gnero e ano de escolaridade .... 162

    Quadro 4.8 Anlise de varincia nas vrias dimenses da BISAS/T-HC/A segundo

    o gnero e o ano escolar dos alunos ... 163

    Quadro 5.1 Mdias e desvios-padro na BPR-5/6 e na sub-escala cognio da BISAS/T,

    por grupo e gnero .. 172

    Quadro 5.2 - Anlise da varincia das provas cognitivas, por grupo e gnero dos alunos .. 173

    Quadro 5.3 - Anlise da varincia na dimenso cognitiva da BISAS/T, segundo o grupo e

    gnero dos alunos ... 174

    Quadro 5.4 - Mdias e desvios-padro na parte verbal dos TPCT, por grupo e actividade .. 175

    Quadro 5.5 - Mdias e desvios-padro na parte figurativa dos TPCT, por grupo e actividade .. 175

    Quadro 5.6 - Mdias e desvios-padro na parte verbal dos TPCT e na sub-escala

    de criatividade da BISAS/T, por grupo e gnero .... 176

    Quadro 5.7 - Mdias e desvios-padro na parte figurativa dos TPCT, por grupo e gnero .. 176

    Quadro 5.8 - Anlise da varincia nos parmetros dos TPCT, segundo o grupo e o gnero .. 177

    Quadro 5.9 - Anlise da varincia na dimenso criatividade da BISAS/T, segundo o grupo

    e o gnero .............................................................................................................................. 178

    Quadro 5.10 Mdias e desvios-padro nas notas escolares, por grupo e gnero ... 179

    Quadro 5.11 - Anlise da varincia nas notas escolares, segundo o grupo e o gnero .... 180

    Quadro 5.12 Mdias e desvios-padro nas sub-escalas aprendizagem e motivao

    e no total obtido na BISAS/T, por grupo e gnero . 182

    Quadro 5.13 - Anlise da varincia na BISAS/T-HC/A, por grupo e gnero ..183

    viii

  • Quadro 5.14 Mdias e desvios-padro nas dimenses do auto-conceito,

    por grupo e gnero .. 183

    Quadro 5.15 - Anlise da varincia nas dimenses do auto-conceito, segundo o grupo e o gnero ... 184

    Quadro 5.16 - Mdias e desvios-padro nas provas da BPR-5/6, por subgrupo . 188

    Quadro 5.17 - Anlise de varincia nas provas da BPR-5/6, segundo o subgrupo 188

    Quadro 5.18 - Mdias e desvios-padro nas provas da WISC-III, por subgrupo ... 189

    Quadro 5.19 - Anlise de varincia nas provas da WISC-III, segundo o subgrupo .. 190

    Quadro 5.20 - Mdias e desvios-padro na dimenso criatividade da BISAS/T e nos TPCT,

    por subgrupo .. 192

    Quadro 5.21 - Anlise de varincia nas dimenses dos TPCT, segundo o subgrupo . 192

    Quadro 5.22 - Mdias e desvios-padro nas notas escolares, por subgrupo .... 193

    Quadro 5.23 - Anlise de varincia nas notas escolares, segundo o subgrupo 194

    Quadro 5.24 - Mdias e desvios-padro nas dimenses do auto-conceito, por subgrupo ... 194

    Quadro 5.25 - Anlise de varincia nas dimenses do auto-conceito, segundo o subgrupo ... 195

    ndice de figuras e grficos

    Figura 1.1 - Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (adaptado de Gagn, 2000) . 17

    Figura 3.1 - Item exemplificativo do formato de respostas da SPPC .... 139

    Grfico 4.1 - Interaco do gnero e ano escolar na dimenso Aparncia Fsica 157

    Grfico 4.2 - Interaco do gnero e ano escolar na dimenso Importncia da Aparncia Fsica 157

    Grfico 5.1 - Efeito de interaco na prova RN, tomando as variveis gnero e acelerao ... 174

    Grfico 5.2 - Efeito de interaco na nota de Ingls, tomando as variveis gnero e acelerao . 181

    Grfico 5.3 - Efeito de interaco na disciplina de Educao Moral, tomando as variveis

    gnero e acelerao 181

    ix

  • INTRODUO

    Falar em sobredotao e na educao dos alunos sobredotados hoje bem mais fcil

    do que h algumas dcadas atrs. A sociedade, e em particular a escola, foi-se abrindo s

    diferenas interindividuais, passando a reconhec-las, a conviver com elas e a integr-las no seu

    funcionamento. No caso concreto dos alunos sobredotados, a sociedade passou a estar mais

    atenta sua educao, passou a reclamar das instituies de socializao espaos de maior

    individualizao para o seu atendimento e, logicamente, a rentabilizar mais as suas qualidades e

    capacidades singulares de aprendizagem e de realizao.

    A sensibilidade e o interesse crescentes pela problemtica da sobredotao e dos

    alunos sobredotados podem justificar-se, ainda, pelos avanos e pela maior difuso social dos

    temas da psicologia e da educao. Por exemplo, aceita-se mais facilmente a diversidade e a

    diferenciao humana, assim como o direito co-existncia e respeito dessa mesma diferena e

    individualidade. Por outro lado, acentua-se o carcter desenvolvimental das caractersticas

    psicolgicas, mais concretamente a percepo de que as capacidades cognitivas mais no so

    que meras potencialidades que podero ou no ser desenvolvidas pelos contextos educativos, o

    que alis contraria alguns dos esteretipos frequentes na rea da sobredotao (Tourn &

    Reyero, 2000; Winner, 1996). Por tudo isto ganha sentido, no mbito de uma poltica scio-

    educativa de igualdade de oportunidades, que a escola dita agora uma escola inclusiva - se

    preocupe com os seus alunos mais capazes e que deles possa esperar a excelncia na sua

    aprendizagem e rendimento acadmico.

    Por outro lado, a problemtica em apreo ganha maior visibilidade se atendermos a

    que, apesar das altas habilidades e elevados desempenhos em certas reas cognitivas, vrios

    destes alunos sobredotados passam despercebidos no sistema educativo ou, ainda, aparecem

    identificados apenas quando evidenciam particulares dificuldades de comportamento e de

    desenvolvimento. Incompreensivelmente, alguns alunos com caractersticas de sobredotao no

    domnio cognitivo apresentam problemas na aprendizagem e fracos desempenhos acadmicos

    (Olenchak & Reis, 2002; Peterson & Colangelo, 1996; Reis & McCoach, 2002; Simes, 2001a).

    1

  • Por ltimo, numa organizao social que procura criar condies favorveis

    realizao pessoal e social dos cidados, torna-se difcil justificar a falta de ateno aos seus

    membros mais criativos e com maiores ndices de realizao em diversas reas. Seja num

    quadro de cooperao entre os cidados, seja num quadro de rentabilizao social das

    potencialidades de cada um, teria pouca lgica o no correcto aproveitamento dos recursos

    humanos de um pas, nomeadamente dos seus recursos mais habilitados e capazes.

    Infelizmente, estas propostas aparecem tomadas, por alguns, como apostas na segregao e

    criao de elites (Colangelo & Davis, 1997; Tourn & Reyero, 2000), ganhando este problema

    educativo contornos ideolgicos desnecessrios.

    Muito naturalmente, a sobredotao deve ser enquadrada nas actuais polticas de

    integrao escolar, mais concretamente no seio das "necessidades educativas especiais", e

    como tal pode fazer apelo a diferentes formas de actuao. Toda a educao deve ter como

    objectivo fundamental a promoo da excelncia e o desenvolvimento mximo do potencial

    humano em todas as reas de realizao, atendendo s caractersticas e necessidades de cada

    aluno em particular. No podemos, ento, considerar a educao dos sobredotados como uma

    questo de elitismo ou de segregao, pois tanto seria injusto tratar de modo diferente aqueles

    que so iguais, como tratar de modo igual aqueles que so diferentes (Tourn & Reyero, 2000).

    Tomando a ateno educativa diferenciada a estes alunos, importa evitar pretensas

    ideias de generalizao das medidas a todo e qualquer aluno sobredotado. O conceito de

    sobredotao muldimensional e complexo o seu desenvolvimento e a sua manifestao

    (Castell & Genovard, 1999; Gagn, 2004; Renzulli, 1978; Sternberg, 1993). A ideia de que a

    sobredotao se confina s habilidades intelectuais dos indivduos imperou durante muito tempo

    e mantm-se ainda predominante em sociedades como a portuguesa (Almeida & Oliveira, 2000;

    Falco, 1992). Os procedimentos de avaliao devem considerar a importncia do quociente

    intelectual (QI), mas no o assumir como critrio nico na identificao. A par de componentes

    mais cognitivas e acadmicas, necessrio considerar a criatividade, a motivao, bem como

    outros talentos especiais e caractersticas pessoais, num conceito mais alargado de

    sobredotao (Gagn, 2004; Gallagher, 1997; Gardner, 1993; Renzulli, 1986; Sternberg, 1985).

    Importa, assim, atender diversidade de talentos e capacidades humanas e s mltiplas formas

    como estes se podem combinar. A sobredotao emerge, neste quadro, mais como um perfil de

    competncia do que como um ndice ou trao exclusivo (Castell & Genovard, 1999; Tourn &

    Reyero, 2000). Em consequncia, o processo de identificao deve basear-se numa avaliao de

    2

  • reas mais ou menos fortes de um aluno, de forma a podermos desenvolver uma interveno

    educativa eficaz, potenciando ao mximo os seus talentos e apoiando, simultaneamente, o

    desenvolvimento dos seus pontos menos fortes. No limite, ao longo do ciclo de aprendizagem, o

    aluno pode ser sobredotado numa determinada rea acadmica e ter problemas ou dificuldades

    de aprendizagem noutra (Olenchak & Reis, 2002; Reis & McCoach, 2002; Tourn & Reyero,

    2000; Whitmore, 1980).

    Importa, sobretudo, pensar este aluno com um funcionamento cognitivo prprio, com

    claros reflexos na sua forma de aprender (Almeida, 1994; Rogers, 1986; Shavinina &

    Kholodnaja, 1996). A sobredotao no , apenas, uma questo de quantidade de talento, mas

    uma forma especial de talento, alis diversa de caso para caso. Por outro lado, importa atender

    aos alunos provenientes de contextos scio-culturais mais desfavorecidos e diferenciados, os

    quais tendencialmente apresentam resultados inferiores na escola e nos testes de avaliao

    estandardizados, o que os penaliza nos processos de sinalizao e seleco para programas de

    atendimento (Coleman, 1985; Ford, Howard, Harris & Tyson, 2000; Lindstrom & SanVant,

    1986). Dos educadores, e sobretudo dos professores em sala de aula, importa assegurar uma

    ateno a tais caractersticas. Muitas vezes so alunos com rara capacidade de ateno e de

    memria em determinados domnios; curiosos e persistentes em certos temas; desejosos de

    aprender mais e de forma mais rpida e independente; metacognitivos na sua forma de pensar e

    de resolver problemas; criativos nas suas produes; o que nem sempre se coaduna com aulas

    pautadas por grande planificao prvia e a pensar num pretenso aluno mdio. Importa,

    ento, aumentar a sensibilizao e a formao dos professores na rea da sobredotao.

    O estudo da sobredotao, especificamente no nosso pas, tem sido alvo de um

    crescente interesse e esforo por parte da comunidade cientfica (Almeida, Pereira, Miranda &

    Oliveira, 2003). A par de alguns projectos especficos de investigao, acresce algumas teses de

    mestrado e de doutoramento em educao e em psicologia tomando a sobredotao como

    objecto. Ainda assim, assiste-se em Portugal a uma relativa inrcia nas mudanas operadas no

    terreno na educao dos sobredotados, ainda que se vislumbre um interesse e esforo polticos

    em especificar linhas orientadoras ou directrizes nesta matria. O caso da precocidade do

    desenvolvimento psicolgico, e a possibilidade de uma entrada antecipada na escola, ilustra uma

    rea em que a legislao educacional apresenta, no nosso pas, alguma ateno educativa

    diferenciada aos alunos sobredotados.

    3

  • O nosso interesse pessoal pela temtica da sobredotao adquiriu maior relevo e

    proficuidade quando inicimos a nossa prtica profissional em psicologia escolar, especialmente

    a partir das experincias vivenciadas com alunos, famlias e escolas, no mbito da A.N.E.I.S.

    (Associao Nacional para o Estudo e Interveno na Sobredotao), que ajudmos a criar em

    1998. Muito importa investigar e sistematizar, desde a avaliao psicoeducativa, consulta

    psicolgica e programas de enriquecimento desenvolvidos junto de alunos com caractersticas de

    sobredotao, o aconselhamento e esclarecimento junto dos pais, a sensibilizao e formao

    de professores e outros tcnicos, at chegarmos consultadoria junto do Ministrio da

    Educao. Este caminho a percorrer motivou-nos suficientemente pela escolha do tema desta

    tese de doutoramento.

    Com este trabalho pretendemos, por um lado, contribuir no desenvolvimento de

    procedimentos e instrumentos de identificao mais eficazes dos alunos com caractersticas de

    sobredotao no nosso pas. Por outro lado, nosso objectivo apreciar a eficcia da acelerao

    escolar, e em que medida as suas potenciais consequncias se encontram relativizadas por

    outras variveis familiares e escolares. Simultaneamente, pretendemos conhecer melhor as

    prticas dos professores nesta matria. Assim, as questes centrais do nosso estudo centram-

    se, basicamente, na caracterizao dos alunos que so alvo de medidas de acelerao escolar;

    na confluncia entre a informao dos pais, dos professores e dos testes de avaliao

    psicolgica na sinalizao das altas habilidades; na adaptao escolar dos alunos que foram alvo

    de acelerao, e; no ajustamento psicossocial destes alunos.

    A sequncia estrutural desta tese inclui um primeiro captulo, no qual sintetizamos

    diversas teorias e concepes de sobredotao, bem como alguns dos principais modelos

    apresentados na literatura para o despiste e a identificao dos indivduos sobredotados.

    Auferindo um certo sentido evolutivo no estudo da temtica, atribumos especial nfase

    passagem de uma perspectiva unitria da sobredotao e da inteligncia (sendo estes, desde

    logo, dois constructos que ao longo deste captulo vo sendo tratados e aprofundados de forma

    conjunta e interligada, pela inevitvel associao existente entre ambos), traduzida na expresso

    do factor g ou do QI, para uma abordagem multifacetada que inclui diversas dimenses,

    componentes e domnios de realizao. Desta forma, abordamos a diversidade conceptual e a

    pluralidade terminolgica associada sobredotao desde os primrdios do seu estudo s

    teorias contemporneas e emergentes na actualidade, entre as quais destacamos a Teoria

    Trirquica da Inteligncia (Sternberg, 1985), o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento

    4

  • (Gagn, 1993), a Teoria das Inteligncias Mltiplas (Gardner, 1983), a Concepo de

    Sobredotao dos Trs Anis (Renzulli, 1986) e o Modelo Multi-Factorial da Sobredotao

    (Mnks, 1988).

    Seguidamente, centramo-nos numa descrio das caractersticas que comummente

    aparecem associadas sobredotao, desde factores inerentes ao prprio sujeito como as suas

    habilidades cognitivas, habilidades de aprendizagem de ndole mais acadmica, passando ainda

    pela criatividade, pelas habilidades sociais e caractersticas psico-afectivas, a outras variveis

    relacionadas com os contextos scio-culturais em que os indivduos interagem e que, de igual

    forma, podero contribuir, ou no, para o desenvolvimento e expresso da sua sobredotao.

    Ainda no Captulo 1, so desenvolvidas algumas questes inerentes ao processo de identificao

    de alunos sobredotados: cuidados gerais a tomar neste processo, reas e fontes de informao a

    considerar na avaliao e procedimentos e instrumentos existentes e mais comuns para este

    efeito. Seguidamente, desenvolvemos alguns dos modelos tericos mais relevantes no domnio

    da identificao: o Revolving Door Identification Model (Renzulli, Smith & Reis, 1981) e o Talent

    Search Model (Stanley, 1979). Algumas implicaes e dificuldades decorrentes do processo de

    identificao so, por fim, analisadas neste captulo.

    O Captulo 2 centra-se na interveno educativa junto de alunos sobredotados. As

    principais medidas educativas de apoio a estes alunos so descritas, bem como uma sntese da

    investigao acerca do seu impacto e dos argumentos apresentados na literatura, a favor ou

    contra a adopo de cada medida. Mais especificamente, fazemos uma referncia especial s

    medidas de acelerao escolar, seguindo-se o enriquecimento e, por fim, o agrupamento. Mais

    uma vez, procuramos enfatizar os contributos mais significativos ao nvel dos modelos que

    sistematizam as prticas mais frequentes na educao dos sobredotados, nomeadamente no

    que respeita aos programas de enriquecimento. Entre os programas de enriquecimento

    quisemos destacar o Schoolwide Enrichment Model (Renzulli & Reis, 1985), o Autonomous

    Learner Model (Betts & Knapp, 1981) e o Program for Academic and Creative Enrichment

    (Kolloff & Feldhusen, 1981). Este captulo termina com uma sntese em que afirmamos quo

    difcil delimitar estas trs grandes medidas (ou agrupamentos de medidas) e quo mais

    interessante pensar a sua complementaridade. Mais ainda, o decisivo encontrar para cada

    aluno a ateno educativa susceptvel de promover o seu talento e de potencializar todas as suas

    capacidades de aprendizagem, sem descurar as demais facetas do seu ser.

    5

  • No que se reporta parte emprica da tese, apresentamos no Captulo 3 a metodologia

    seguida na conduo do estudo desenvolvido. Comeamos por enumerar os objectivos e as

    questes principais inerentes a este trabalho, seguindo-se a descrio da amostra seleccionada,

    dos instrumentos utilizados e dos procedimentos metodolgicos adoptados. Realamos, neste

    captulo, a descrio das provas de avaliao menos estudadas na populao portuguesa, sendo

    que estas provas constituem um alvo de maior aprofundamento no nosso estudo. Referimo-nos,

    designadamente, aos Testes de Pensamento Criativo de Torrance, Bateria de Instrumentos

    para a Sinalizao e Identificao de Alunos Sobredotados e Talentosos - Habilidades

    Cognitivas/Aprendizagem (BISAS/T-HC/A) e escala de auto-conceito de Susan Harter, Self-

    Perception Profile for Children.

    O Captulo 4 agrega os resultados obtidos das anlises estatsticas efectuadas, naquilo

    que podemos assumir como um primeiro estudo emprico desta tese, orientado para o estudo

    das propriedades mtricas de alguns dos instrumentos utilizados na nossa investigao.

    Pretendemos, neste captulo, descrever as caractersticas de preciso e/ou validade dos

    resultados em tais instrumentos, julgando que estes podero ser teis num eventual processo de

    sinalizao ou identificao de alunos sobredotados. Por outro lado, na medida em que so

    instrumentos menos usados em Portugal, este nosso estudo pode dar contributos a propsito do

    seu funcionamento na avaliao psicolgica junto de adolescentes portugueses.

    No ltimo captulo referente componente emprica da tese, o Captulo 5,

    apresentamos, analisamos e discutimos os resultados dos estudos desenvolvidos

    especificamente junto dos alunos que beneficiaram de medidas de acelerao escolar. Para esta

    anlise, tomamos em considerao os resultados nas mesmas provas psicolgicas e nas

    classificaes escolares de um grupo de comparao formado por colegas retirados das

    respectivas turmas. Tomando a sequncia de informao deste captulo, procedemos a uma

    caracterizao geral dos alunos acelerados, em primeiro lugar. Em seguida, avanamos com

    uma anlise comparativa deste grupo face aos alunos no acelerados em vrias reas de

    desempenho, tomando os dados obtidos junto dos alunos e dos respectivos Directores de

    Turma. Em terceiro lugar, analisamos algumas especificidades do grupo de alunos com

    acelerao escolar, nas diversas dimenses que foram alvo de avaliao, diferenciando de algum

    modo aqueles alunos que potencialmente foram acelerados na base de uma precocidade

    efectiva de desenvolvimento e aqueles alunos que foram acelerados muito porque faziam os seis

    anos no incio do ano civil. Por fim, realizamos uma anlise mais qualitativa dos resultados, a

    6

  • partir da informao recolhida junto dos pais dos alunos acelerados, facultada atravs de uma

    entrevista semi-estruturada.

    Finalmente, terminamos esta dissertao com uma concluso do trabalho realizado.

    Nesta concluso, destacamos os principais contributos tericos e empricos, logicamente mais

    os empricos, com a concretizao desta tese. Aproveitando esses contributos, traamos as

    principais implicaes decorrentes do mesmo, quer para a avaliao psicoeducativa e a

    interveno no domnio da sobredotao, quer para o prosseguimento de estudos futuros.

    Porque todas as investigaes e teses acabam por ter as suas prprias limitaes, importa

    entender o prosseguimento de estudos como fundamental para um melhor esclarecimento e

    compreenso do tema, nomeadamente face a um panorama nacional de crescente esforo

    cientfico e investimento no estudo da sobredotao.

    7

  • CAPTULO 1

    SOBREDOTAO: CONCEITO, CARACTERSTICAS E IDENTIFICAO

    If physicists had to agree on a definition of the nature of the universe

    before they could study it, we would still be working on pre-atomic theory

    (Cramond, 2004, p. 15).

    Introduo

    Falar de sobredotao implica analisar um conjunto de atributos psicolgicos, cuja

    definio e avaliao tm sido alvo de discusso e debate ao longo dos anos. Por um lado, as

    concepes mais tradicionais de sobredotao fornecem, ainda na actualidade, alguns

    fundamentos que podero ser teis para a anlise e compreenso da natureza da sobredotao

    e das necessidades dos alunos sobredotados. Por outro lado, teorias mais contemporneas tm

    emergido, quer em complemento das teorias anteriores nas dimenses psicoeducativas

    consideradas, quer sob a forma de crtica s perspectivas mais clssicas.

    Um adequado atendimento educativo aos alunos sobredotados e aos alunos com uma

    aprendizagem excepcionalmente precoce subjaz, desde logo, em formas de identificao

    eficazes destes alunos, as quais, por sua vez, derivam geralmente de modelos tericos

    compreensivos, que ajudam a fundamentar e explicar este fenmeno. A ambiguidade e a falta de

    consenso relativamente a uma definio de sobredotao acarretam, evidentemente,

    dificuldades acrescidas ao nvel da identificao e da actuao educativa junto dos alunos

    sobredotados. Neste contexto, fundamental conhecer o que a sobredotao e de que forma

    se manifesta. Tal como refere Cramond (2004), no seguimento da ideia expressa na citao

    introdutria a este captulo, um acordo universal numa definio de sobredotao traduz, de

    certa forma, uma expectativa irrealista, no entanto esta divergncia no dever constituir-se

    impeditivo no avano do seu estudo.

    8

  • A identificao dos alunos sobredotados, por sua vez, configura-se numa tarefa

    complexa, no isenta de vicissitudes. Apesar de se poderem generalizar algumas caractersticas

    nesta populao, estas podero manifestar-se de formas distintas, ou ainda revelarem diferenas

    interindividuais considerveis. Dependendo das experincias de vida que vo tendo, algumas

    destas crianas podem, inclusive, encobrir as suas caractersticas de sobredotao e no

    sobressair do resto da turma na sala de aula regular (Brown & Steinberg, 1990; Davis & Rimm,

    1998; Gross, 1993; Neihart, 2006). Por outro lado, algumas crianas sobredotadas podem no

    cooperar dentro da sala de aula resistindo rotina, exibindo comportamentos pouco

    conformistas e que os podem classificar de alunos com problemas de comportamento. Outras

    podem ser classificadas como tendo dificuldades de aprendizagem, sendo que, por vezes, a

    verdadeira causa para tais comportamentos pode ser o aborrecimento e desinteresse por

    assuntos j aprendidos, mostrando-se pouco participativas nas actividades escolares (Reis &

    McCoach, 2002).

    O objectivo da identificao deve ser, portanto, mais o da incluso do que o da

    excluso (Frasier, 1989). No se trata de avaliar para formular e colocar rtulos, evidentemente,

    nem to pouco o de criar um grupo de alunos privilegiado com um tratamento de elite, como

    muitas ideias pr-concebidas e injustificadas em torno da sobredotao possam fazer crer

    (Hewston, Campbell, Eyre, Muijis, Neelands & Robinson, 2005; Richert, 1997; Tannenbaum,

    1993; Tourn & Reyero, 2000). Como na demais avaliao psicoeducativa, trata-se de uma

    actividade enquadrada numa situao especfica de ajuda centrada na compreenso de um

    problema e numa orientao a dar ao longo do tempo a um caso educativo. Alis, no a

    avaliao que faz o rtulo, mas a forma como esta feita, como usada a informao recolhida

    ou como os pais e outros profissionais assumem essa informao. A identificao da

    sobredotao , portanto, uma questo complexa. Parte dessa complexidade deve-se a factores

    relacionados com a prpria definio e natureza da sobredotao, mas outros aspectos podem

    ser mencionados. Descreveremos, ao longo deste captulo, as etapas, os procedimentos, os

    critrios ou os instrumentos adoptados.

    Por ltimo, na elaborao deste captulo tivemos em ateno dois aspectos que nos

    parecem relevantes na identificao destes alunos. Por um lado, no confinar esta identificao

    s caractersticas cognitivas, ditas intelectuais, nem to pouco aplicao tradicional dos testes

    de QI. A sobredotao, com efeito, tem sido progressivamente alargada a outras reas do

    desempenho humano, ao mesmo tempo que se refora o papel dos pais, educadores e

    9

  • professores nesta identificao, aliando-os avaliao feita por especialistas, nomeadamente os

    psiclogos. Um segundo aspecto, que ao abordarmos a identificao dos alunos sobredotados,

    a assumimos como um processo complexo e faseado, e tendo sempre como objectivo o apoio

    educao e ao desenvolvimento psicossocial dos sobredotados.

    Evoluo do conceito de sobredotao

    O conceito de sobredotao, como outros termos nas reas da psicologia e da

    educao, sofreu alguma evoluo com o tempo, acompanhando por razes bvias a prpria

    evoluo do conceito inteligncia. Tomaremos aqui os primrdios do conceito de inteligncia e

    sobredotao, destacando as concepes mais recentes, e que se apresentam simultaneamente

    mais dinmicas e multidimensionais.

    Primrdios do conceito

    At aos anos 60, predominou uma leitura reducionista das altas habilidades,

    associando-se a sobredotao ao elevado QI (Feldhusen & Jarwan, 2000; Feldman, 1982;

    Pereira, 1998). Os trabalhos de Lewis Terman, nomeadamente a sua obra Genetic Studies of

    Genius em 1922, em torno da adaptao e aferio da Escala de Inteligncia Binet-Simon, e os

    estudos longitudinais subsequentes com uma amostra de sobredotados, fomentaram esta

    definio reducionista e linear. Considerava-se, mais especificamente, que o indivduo

    sobredotado deveria apresentar um QI igual ou superior a 140, ou seja, no mais que 1 a 2% da

    populao tomando a curva gaussiana de distribuio dos resultados (Terman, 1975). Com uma

    amostra de cerca 1500 sujeitos, o estudo de Terman e seus colaboradores teve incio em 1921

    e prolongou-se at actualidade (Davis & Rimm, 1985; Perleth, Schatz & Mnks, 2000;

    Simonton, 2000). Dois objectivos principais nortearam este estudo: em primeiro lugar, verificar

    quais os traos que caracterizam as crianas de elevado QI e, em segundo, acompanh-las o

    mximo de tempo possvel para analisar o padro de desenvolvimento da sobredotao no ser

    humano (Terman, 1975). Nas dcadas seguintes, estes sujeitos foram acompanhados em

    estudos de follow-up, tomando cerca de 90% do grupo original.

    Independentemente dos factores de personalidade e ambientais que afectam o

    percurso dos sujeitos, Terman (1975) acredita que, tanto os padres de interesse como as

    10

  • aptides especiais, tm um importante papel no sucesso profissional obtido pelos sujeitos

    sobredotados, como ocorre com a inteligncia geral (traduzida por Spearman como factor g) nas

    aprendizagens acadmicas. Assim, o autor conclui que a capacidade de realizaes excepcionais

    pode ser detectada muito cedo, atravs de testes de avaliao bem construdos, onde haja um

    grande peso do factor g. A anlise do contributo de cada factor especfico, ou habilidades

    primrias na teoria de Thurstone, na predio do sucesso futuro em reas particulares, no se

    concretizou satisfatoriamente nestes estudos (Terman, 1975).

    Apesar das limitaes inerentes a estas investigaes, destaca-se o pioneirismo dos

    trabalhos de Terman, bem como o seu impacto na mudana das concepes vigentes na altura

    em torno da sobredotao (desfazendo o mito existente de que as crianas sobredotadas

    desenvolvem perturbaes psicticas ou outro tipo de desajustamento ao longo do seu percurso

    desenvolvimental). A dificuldade de se desenvolverem estudos longitudinais de to vasta

    amplitude reconhecida e apontada como um dos principais entraves investigao, no s no

    domnio da sobredotao em particular, como na psicologia e nas cincias da educao em

    geral (Simonton, 2000).

    A partir dos anos 60, educadores e psiclogos tornaram-se mais crticos e cpticos

    quanto ao significado e importncia do QI, quer para a descrio das habilidades e realizao

    cognitiva em geral, quer da sobredotao em particular. Em primeiro lugar, esta mudana

    prende-se com novas concepes de inteligncia onde esta surge menos descrita em termos de

    aptido ou capacidade genrica da mente, nem como um constructo unitrio de tipo QI (Getzels

    & Jackson, 1975; Neisser, 1979). Como exemplos destas novas concepes podemos

    mencionar o Modelo da Estrutura da Inteligncia de Guilford (1967) ou a Teoria das Inteligncias

    Mltiplas de Gardner (1983). Esta mudana na definio de inteligncia foi igualmente

    acompanhada por uma orientao mais cognitivista da inteligncia onde esta aparece descrita

    mais em termos de estratgias e de processos de tratamento de informao do que em termos

    de aptides mentais ou de factores, como ocorria na abordagem psicomtrica clssica (Almeida,

    1994; Sternberg, 1985). Os testes de QI parecem dizer pouco sobre a experincia cognitiva dos

    indivduos (Shavinina & Kholodnaja, 1996).

    Os trabalhos de autores como Thurstone, Cattell e Guilford sobre a anlise factorial de

    testes de inteligncia contriburam para a emergncia de uma nova concepo das habilidades

    humanas, atravs da identificao de factores especficos de inteligncia para alm do QI

    (Almeida, 1988). A multidimensionalidade do conceito de sobredotao (entendida como um

    11

  • conjunto de habilidades diferenciadas) ganha aqui as suas razes. Guilford (1967), no seu

    Modelo da Estrutura da Inteligncia, define a inteligncia como um conjunto sistemtico de

    aptides ou funes para processar diferentes tipos de informao de formas distintas, a qual se

    organiza em trs dimenses: operaes, contedos e produtos. As operaes referem-se s

    habilidades necessrias para adquirir e elaborar informao, os contedos referem-se aos

    diferentes modos de perceber e aprender, e os produtos, aos resultados obtidos da aplicao de

    uma determinada operao mental a um contedo concreto, para adquirir uma aprendizagem.

    Cada uma destas dimenses est dividida em diversas subcategorias que, combinadas entre si,

    do origem a mais do que uma centena de aptides ou factores (Almeida, 1994).

    Retendo algo bastante significativo de Guilford para a sobredotao, a inteligncia

    inclui dois tipos de pensamento: o convergente, relacionado com a memorizao, o raciocnio

    lgico e a reproduo de conhecimentos, e o divergente, relacionado com a utilizao de

    conhecimentos prvios atravs de formas inovadoras, originais e criativas. O pensamento

    divergente seria, ento, uma das cinco operaes intelectuais fundamentais da mente humana.

    Alm de ter originado uma ampliao definitiva dos componentes da inteligncia e dos

    procedimentos para a sua avaliao, este modelo destaca-se no domnio da sobredotao

    essencialmente pela incluso de factores como a criatividade (pensamento divergente) e a

    inteligncia social (Acereda & Sastre, 1998). a partir deste momento que os estudos sobre a

    criatividade e o pensamento divergente ganham um forte impulso, sendo analisados como uma

    habilidade diferente da inteligncia geral e necessria para compreender os comportamentos

    dos sobredotados (Castell, 1993). Tambm os trabalhos desenvolvidos por Torrance (1975) se

    centram na anlise do pensamento divergente, sendo este visto como um factor que engloba a

    fluncia, flexibilidade, originalidade e elaborao, acentuando uma nova perspectiva para o

    conceito de sobredotao.

    Adicionalmente, assiste-se na psicologia e na educao necessidade de incluso de

    outras variveis psicolgicas e sociais, que no estritamente cognitivas, para se explicar as

    capacidades cognitivas e o desempenho acadmico e profissional dos indivduos (Almeida,

    1996; Gagn, 2000; Mnks, 1988; Tannenbaum, 1983). Referimo-nos, por exemplo,

    importncia que passou a ser dada criatividade, motivao, personalidade e aos contextos

    sociais de vida, sobretudo os contextos educacionais. Esta diversidade de variveis foi

    progressivamente includa, tambm, na definio da sobredotao.

    12

  • Acompanhando estas evolues tm-se verificado muitos esforos em termos tericos

    e empricos para definir o constructo da sobredotao. No existe acordo entre os diversos

    autores quanto a uma definio e avaliao precisas da sobredotao, o que se deve, no

    entender de Feldhusen e Jarwan (2000) a vrias e divergentes concepes sobre a relao entre

    as definies de sobredotao, inteligncia, criatividade e talento. Por outro lado, Hallahan e

    Kauffman (1982) referem que este desacordo se deve essencialmente a quatro aspectos: o

    conjunto de competncias e comportamentos a que o termo sobredotao deveria ser aplicado

    demasiado vasto e heterogneo; a avaliao da sobredotao carece de unanimidade quanto s

    metodologias, dimenses e procedimentos; o limiar acima do qual uma criana pode ser

    considerada sobredotada reveste-se de grande ambiguidade e complexidade na comunidade

    cientfica, sendo este tambm um factor que gera controvrsia, no s em termos da sua

    definio, mas tambm, quando se trata de seleccionar alunos sobredotados para um

    atendimento educativo mais especfico e individualizado, e; a natureza do grupo de comparao

    nos estudos destinados ao tema, pois frequentemente no constituem verdadeiros grupos de

    controlo.

    Desenvolvimentos contemporneos do conceito

    Abordaremos, em seguida, algumas concepes tericas recentes sobre a inteligncia,

    privilegiando aquelas em que os prprios autores fazem alguma referncia ou estabelecem

    pontes com a sobredotao. Assim, daremos particular destaque Teoria Trirquica da

    Inteligncia (Sternberg, 1985), ao Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (Gagn,

    2000), Teoria das Inteligncias Mltiplas (Gardner, 1983), Concepo de Sobredotao dos

    Trs Anis (Renzulli, 1978, 1986) e ao Modelo Multi-Factorial da Sobredotao (Mnks, 1988).

    A Teoria Trirquica da Inteligncia de Sternberg

    Sternberg (1985) props e elaborou uma teoria trirquica da inteligncia, a qual

    reflecte essencialmente uma abordagem de processamento de informao do funcionamento

    intelectual humano, paradigma predominante durante as dcadas de 70 e 80. Nesta teoria, a

    nfase recai mais nos processos implicados na tarefa realizada pelo indivduo, na forma como

    este orienta o processo de resoluo de problemas mediante a codificao, combinao e

    comparao selectiva da informao, do que no produto final ou resultado em si.

    13

  • De forma resumida, podemos dizer que se pretende aqui delimitar os mecanismos ou

    elementos da inteligncia, explicar como funcionam e como se aplicam na resoluo de

    problemas, as relaes que o indivduo mantm com o seu mundo interno e externo, e como se

    manifestam essas relaes atravs da experincia, no contexto. De acordo com esta teoria, a

    inteligncia estrutura-se em trs partes interrelacionadas, ou subteorias: componencial,

    experiencial e contextual (Sternberg, 1985). A combinao destas trs subteorias fornece uma

    base de suporte cientfico para a explicao da inteligncia de nvel superior e para especificar o

    tipo de tarefas que permitem a avaliao da sobredotao intelectual (Sternberg, 1986a; 1990).

    A subteoria componencial relaciona a inteligncia com o meio interno do indivduo,

    reporta-se ao conjunto de processos utilizados para processar informao, a inteligncia analtica

    utilizada para lidar com a novidade ou com a automatizao do processamento de informao.

    As componentes de processamento de informao so sempre aplicadas em tarefas e situaes

    nas quais j se possui uma experincia prvia (Sternberg, 1993). De acordo com esta subteoria,

    existem trs processos mentais nos quais os alunos intelectualmente sobredotados podem

    mostrar superioridade: (i) metacomponentes, (ii) componentes de rendimento, e (iii)

    componentes de aquisio-conhecimento (Sternberg, 1981, 1985).

    As metacomponentes so processos executivos superiores que permitem a realizao

    de trs tipos de funes: planificao, direco e tomada de deciso durante a execuo de uma

    tarefa. Para Sternberg (1986a) os indivduos sobredotados so mais eficazes na execuo das

    metacomponentes e, alm disso, conseguem combin-las e utiliz-las de forma integrada a um

    nvel superior. As componentes de rendimento (ou execuo) so processos de ordem inferior

    (Sternberg, 1986b), cuja funo consiste em executar a tarefa de acordo com as instrues das

    metacomponentes. Estas componentes seriam passveis de avaliao atravs dos testes

    psicomtricos, sendo que incluem aspectos como a codificao de estmulos, a inferncia de

    relaes, o estabelecimento de correspondncias, a comparao, entre outros. Tambm a este

    nvel podem destacar-se as competncias dos indivduos sobredotados (Sternberg, 1986a).

    Finalmente, as componentes de aquisio-conhecimento so mecanismos de processamento de

    informao que operam sobre as representaes mentais, tendo como funo aprender e

    transferir as aprendizagens para diferentes contextos. A aplicao destas componentes est

    dependente da relativa novidade da tarefa e do contedo da nova informao que se vai

    aprender.

    14

  • Desta forma, os alunos sobredotados podem mostrar um desempenho diferente dos

    restantes alunos na execuo destas funes (seleco de estratgias, formao de

    representaes mentais eficazes, entre outras), as quais se encontram em interaco recproca,

    num nvel qualitativa e quantitativamente superior nos sobredotados, destacando-se o papel

    central das metacomponentes. O funcionamento superior, activao e feedback entre as

    diferentes componentes do processamento de informao permitem uma melhor compreenso

    da sobredotao, pelo menos em termos intelectuais (Sternberg, 1981).

    A subteoria experiencial reporta-se capacidade para resolver problemas novos e

    pouco convencionais (criatividade), tomando parte da inteligncia ao nvel da aplicao dos

    processos cognitivos a tarefas e situaes especficas (Sternberg, 1981). De acordo com esta

    subteoria, a inteligncia melhor avaliada quando requer a aplicao das componentes de

    processamento de informao a tarefas ou situaes relativamente novas, por um lado, ou no

    seu processo de automatizao, por outro (Sternberg, 1993). Se uma tarefa totalmente

    desconhecida, provavelmente o indivduo no possuir os recursos mentais necessrios para a

    sua resoluo. Se a tarefa j est automatizada, no ficaremos com a noo do percurso de

    aprendizagem, de como essa automatizao foi estabelecida. A capacidade para lidar com a

    novidade e a capacidade para automatizar o processamento de informao esto inter-

    relacionadas. Quando se capaz de automatizar possui-se mais recursos para lidar com a

    novidade. Da mesma forma, se algum capaz de lidar bem com a novidade, possui mais

    recursos para a automatizao. Estas habilidades esto relacionadas com a subteoria

    componencial, pois as componentes da inteligncia aplicam-se em tarefas e situaes em vrios

    nveis de experincia.

    Os alunos sobredotados podero mostrar altas capacidades na resoluo de novos

    problemas e na automatizao do processamento de informao, atravs de uma habilidade

    intuitiva mais desenvolvida. A intuio envolveria trs processos psicolgicos inter-relacionados:

    codificao selectiva, combinao selectiva e comparao selectiva. Os problemas que exigem a

    aplicao deste tipo de processos consistem geralmente em situaes pouco estruturadas,

    possibilitando diversas formas de resoluo. Desta forma, os alunos sobredotados, seja em

    tarefas acadmicas, seja em situaes quotidianas, fariam uso destes processos com maior

    frequncia e de uma forma qualitativamente diferente, tornando-se mais eficazes e originais na

    execuo de processos de insight. Esta capacidade de insight ser, porventura, a caracterstica

    que mais diferencia o sobredotado dos restantes indivduos. A nfase aqui colocada no

    15

  • processo criativo em detrimento do produto, considerando-se a criatividade como o resultado do

    uso eficaz e reflexivo dos processos de codificao, combinao e comparao selectiva de

    informao.

    A subteoria contextual refere-se s habilidades sociais ou prticas dos indivduos,

    necessrias para lidar correctamente com qualquer tarefa ou trabalho (Sternberg, 1986a). Alm

    de se tornarem fundamentais para a adaptao do sujeito ao meio que o rodeia, estas

    habilidades envolvem ainda a seleco dos ambientes mais propcios para o desenvolvimento

    dos talentos, interesses, valores pessoais, assim como a modificao dos mesmos de acordo

    com as caractersticas e necessidades individuais. Em consequncia, os indivduos em geral - e

    os sobredotados em particular - quando no encontram um meio que os estimule de forma a

    desenvolverem o seu potencial, podem optar por seleccionar outro contexto mais adequado ou,

    em alternativa, modific-lo e adapt-lo de acordo com as suas necessidades.

    De acordo com Sternberg (1990), existem ento mltiplas componentes da

    sobredotao, mas tambm diversos tipos de sobredotao, conferindo um carcter plural a este

    constructo. Mais concretamente, quando aplicada sobredotao, a Teoria Trirquica da

    Inteligncia distingue trs tipos de sobredotao intelectual: analtica, criativa e prtica. O

    indivduo sobredotado poder destacar-se apenas num, em dois, ou nos trs domnios em

    simultneo (Sternberg, Ferrari, Clinkenbeard & Grigorenko, 1999). Alguns indivduos com altas

    habilidades podem mostrar elevada destreza na aplicao das componentes da inteligncia mas

    apenas, por exemplo, em situaes acadmicas, enquanto outros podem mostrar altas

    habilidades em situaes novas e pouco estruturadas, contudo apenas de forma sinttica e no

    analtica (Sternberg, 1986a); outros ainda, por exemplo, podem manifestar a sua excelncia

    exclusivamente em contextos externos.

    O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento de Gagn

    O modelo apresentado por Gagn (1985, 2000, 2004) reconhece a sobredotao,

    mas vai mais longe ao delinear a forma como talentos especficos podem emergir das influncias

    e interaces ambientais (cf. Figura 1.1). Segundo este autor, a sobredotao uma herana

    gentica, enquanto os talentos so o produto de uma interaco de predisposies naturais com

    o ambiente, ou seja, com os contextos fsicos e sociais que envolvem o indivduo,

    16

  • nomeadamente a famlia e a escola. Em sua opinio, o desenvolvimento de talentos , em

    grande parte, influenciado pela aprendizagem e pela prtica.

    Mais especificamente, Gagn (1985) prope que a sobredotao se refere existncia

    e uso de habilidades naturais (ou aptides), expressas de forma espontnea em pelo menos um

    domnio da actividade humana. Por outro lado, o termo talento designa a mestria superior de

    habilidades (ou competncias) que so desenvolvidas a partir do treino sistemtico e domnio de

    conhecimento em pelo menos uma rea da actividade humana (acadmica, artstica, desportiva

    e social, entre outras). Em termos de prevalncia, o autor situa a linha de corte para a

    sobredotao e o talento no percentil 90, ou seja, os indivduos com talento seriam os melhores

    10%, por comparao com os seus pares etrios (Gagn, 2000).

    O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (MDST) especifica quatro domnios

    de aptido (ou habilidades naturais): intelectual, criativo, scio-afectivo e sensrio-motor. A

    aprendizagem e o treino eficaz e sistemtico destas aptides permitem o desenvolvimento de

    competncias, fazendo emergir progressivamente o talento numa determinada rea de

    realizao. Por esta razo, e de acordo com o MDST, o talento implica necessariamente a

    sobredotao, mas o contrrio nem sempre se verifica (Gagn, 2000).

    Figura 1.1 - Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (adaptado de Gagn, 2000)

    TALENTO

    SOBREDOTAO

    Factor Sorte

    Impacto positivo/ negativo

    Factores Ambientais

    Contexto Pessoas

    Programas educativos

    Habilidades Naturais Domnios: Intelectual

    Criativo Scio-afectivo

    Sensrio-motor

    Factores Intrapessoais

    Fsico Motivao

    Personalidade

    Impacto positivo/ negativo

    Processo desenvolvimental Aprendizagem/prtica

    Competncias sistematicamente

    desenvolvidas Campos:

    Acadmico Artes

    Aco social Desporto

    Tecnologia

    17

  • O desenvolvimento do talento, tomando Gagn (2000), facilitado por dois tipos de

    catalizadores: intrapessoais (factores fsicos e psicolgicos) e ambientais (desde influncias a um

    nvel macroscpico, como factores demogrficos e sociolgicos, at contextos mais

    microscpicos como o agregado familiar e os estilos parentais, passando pelas pessoas que

    exercem influncia sobre o indivduo e que com ele interagem, como os professores e os pares).

    O factor sorte introduzido neste modelo, no apenas como influncia ambiental, mas

    tambm como um aspecto que pode exercer impacto ao nvel do patrimnio gentico herdado

    pelo sujeito (Gagn, 2000).

    Em sntese, Gagn prope neste modelo um processo de desenvolvimento de talento

    que assenta na transformao de habilidades inatas excepcionais em competncias

    sistematicamente treinadas e desenvolvidas, as quais determinam a excelncia, ou talento,

    numa determinada rea de realizao. Ao longo deste processo de desenvolvimento, intervm

    trs tipos de catalizadores: intrapessoais, ambientais e sorte. Propondo uma categorizao

    subjacente em nveis diferenciados dentro da prpria sobredotao, desde mais ligeira a mais

    profunda, Gagn (1999, 2000) sugere que as respostas educativas se ajustem ao subgrupo

    especfico em que se enquadrarem os alunos.

    A Teoria das Inteligncias Mltiplas de Gardner

    Howard Gardner (1999) entende a inteligncia como a biopsychological potential to

    process information that can be activated in a cultural setting to solve problems or create

    products that are value in a culture (p. 33). Esta definio traduz uma reconceptualizao na

    perspectiva inicialmente apresentada pelo autor, que mais recentemente salienta a importncia

    de se considerar a inteligncia em termos de potencial, que poder ou no ser activado

    mediante as caractersticas do indivduo e do meio envolvente. Na sua Teoria das Inteligncias

    Mltiplas, o autor ilustra uma abordagem multidimensional, ampla e pragmtica da inteligncia,

    procurando ultrapassar o reducionismo da perspectiva psicomtrica bastante centrada nas

    medidas de QI (Gardner, 1983).

    A inteligncia ser constituda por mltiplas habilidades, distintas entre si, pelo que se

    parte da premissa de que existem mltiplas inteligncias, as quais so independentes entre si.

    Apesar de diferenciadas, as vrias inteligncias so interactivas (por exemplo, a resoluo de um

    problema matemtico exige compreenso lingustica e no apenas raciocnio lgico-matemtico).

    18

  • Podemos, ento, falar em sobredotao para qualquer uma das sete formas de inteligncia que

    Gardner postula: lingustica, lgico-matemtica, espacial, musical, corporal-quinestsica,

    interpessoal, e intrapessoal. Mais tarde, o autor inclui nesta classificao um oitavo tipo de

    inteligncia: a naturalista, apontando ainda a possibilidade de mais duas: espiritual e existencial

    (Gardner, 1999).

    A inteligncia lingustica refere-se capacidade para utilizar e estruturar os

    significados e funes das palavras e da linguagem oral e escrita, habilidade para aprender

    lnguas, tendo como sistema simblico e de expresso a linguagem fontica. O talento verbal,

    pela importncia que reveste nas outras formas de aprendizagem e pela valorizao que lhe

    atribuda em termos sociais e acadmicos, est muito relacionado com a auto-estima e a auto-

    eficcia. A inteligncia lgico-matemtica, por sua vez, implica um bom raciocnio matemtico,

    traduzido pela habilidade de efectuar clculos, quantificar, considerar proposies, estabelecer e

    comprovar hipteses, desenvolver operaes matemticas complexas, encontrar e estabelecer

    relaes entre objectos, analisar problemas do ponto de vista lgico e investigar assuntos

    cientificamente. A inteligncia lingustica e a lgico-matemtica so geralmente as mais

    valorizadas na escola e as que tipicamente se avaliam nos testes convencionais (Gardner, 1999).

    Os prximos trs tipos de inteligncia esto particularmente ligados s expresses. A

    inteligncia musical engloba competncias na realizao, composio e apreciao de formas

    musicais, bem como a habilidade para discriminar, transformar e expressar padres musicais,

    assim como a sensibilidade ao ritmo, ao tom e ao timbre. De acordo com Gardner (1999), a

    inteligncia musical estruturalmente paralela inteligncia lingustica, da que no faa muito

    sentido designar uma de inteligncia e a outra de talento (normalmente a rea musical mais

    identificada com o talento). A inteligncia corporal-cinestsica diz respeito habilidade de utilizar

    o corpo para resolver problemas ou criar produes, aparecendo em pessoas com uma grande

    capacidade no domnio desportivo e artstico. Esta inteligncia relaciona-se com o

    desenvolvimento psicomotor, pelo que implica a capacidade para controlar movimentos do

    prprio corpo e manipular objectos com destreza. A inteligncia visuo-espacial, por sua vez,

    refere-se capacidade para compreender com preciso os estmulos visuais e espaciais, para

    reconhecer e manipular os padres de um espao amplo assim como de reas restritas,

    efectuar transformaes nas percepes iniciais dos objectos, para elaborar representaes

    mentais de objectos complexos. Inerentes a este tipo de actividade esto o sistema simblico e a

    linguagem ideogrfica.

    19

  • A inteligncia interpessoal denota a capacidade para compreender intenes,

    motivaes e desejos de outras pessoas e, consequentemente, lidar com os outros de forma

    adequada e eficaz. Por outro lado, a inteligncia intrapessoal reporta-se ao conhecimento que a

    pessoa tem de si mesma: a capacidade de identificar e discernir os prprios sentimentos,

    emoes, desejos e aptides, bem como os processos metacognitivos e a utilizao correcta

    dessa informao na regulao da prpria vida.

    Cada inteligncia introduzida parte duma capacidade intelectual particular que social

    e culturalmente reconhecida e valorizada (Gardner, 1999). Assim, Gardner acrescenta uma

    oitava inteligncia na sua teoria, a naturalista, dado tratar-se de uma capacidade valorizada em

    muitas culturas. A inteligncia naturalista exige a capacidade para compreender e desenvolver

    experincias com o mundo natural, atravs da observao, planeamento e testagem de

    hipteses relativas aos fenmenos naturais, a percia no reconhecimento e classificao das

    espcies do meio ambiente.

    Em sntese, Gardner, tal como outros investigadores, defende uma viso pluralista da

    inteligncia, bem como a possibilidade do seu desenvolvimento e mudana face s interaces

    do indivduo com o meio. Em funo das influncias culturais e ambientais, tais inteligncias

    podem manifestar-se ou no, pois so vistas pelo autor como capacidades potenciais (Snchez,

    2005). A utilidade desta teoria rapidamente se traduziu na sua aplicabilidade prtica ao contexto

    educativo, atravs da estruturao de programas escolares, como guia e orientador no processo

    de ensino e a nvel curricular (Snchez & Garcia, 2001). Porm, a escassa fundamentao

    emprica subjacente formulao taxionmica desta teoria, bem como a dificuldade em reunir

    num processo de identificao procedimentos eficazes para o despiste das vrias inteligncias

    propostas e, ainda, o facto de no especificar os processos executivos inerentes a cada

    inteligncia, apontam-se entre as principais crticas teoria de Gardner (Feldhusen & Jarwan,

    2000; Sternberg, 1988).

    A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis de Renzulli

    Os trabalhos de Joseph Renzulli destacam-se como referncia na actualidade, na

    abordagem da temtica da sobredotao. Os contributos deste autor para a compreenso da

    sobredotao vo alm da concepo que apresenta e da investigao cientfica que tem

    desenvolvido com os seus colaboradores, traando uma ponte fundamental para a avaliao,

    20

  • identificao e interveno psicoeducativa junto dos alunos sobredotados. Comearemos, para

    j, pela apresentao do seu modelo mais conhecido, para em seguida abordar os trabalhos

    subsequentes que o aprofundam e complementam, nomeadamente ao nvel da identificao e

    da interveno.

    A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis (Renzulli, 1978, 1986) compreende a

    sobredotao como resultado da interaco de trs componentes: habilidade intelectual

    superior, criatividade e envolvimento na tarefa. As habilidades podem ser gerais (e. g. raciocnio

    numrico, fluncia verbal, memria, raciocnio abstracto, relaes espaciais) ou mais especficas

    (e. g. matemtica, msica, qumica, dana) e a este nvel podem manifestar-se pela aplicao de

    vrias combinaes das habilidades superiores gerais a uma ou mais reas especializadas de

    conhecimento ou de realizao humana (por exemplo, artes plsticas, liderana, fotografia).

    Dentro destas habilidades mais especficas, encontramos nos sobredotados a capacidade para

    adquirir e usar adequadamente conhecimento formal, conhecimento tcito, tcnica, logstica,

    estratgia na resoluo de problemas particulares a um nvel mais avanado, a capacidade de

    seleccionar informao relevante e irrelevante associada a um problema particular ou reas de

    estudo especficas, traduzindo a excelncia em reas especializadas de realizao.

    O envolvimento na tarefa traduz a capacidade para altos nveis de interesse,

    entusiasmo, fascnio e envolvimento num problema particular, perseverana, resistncia,

    determinao, esforo e prtica dedicada. Inclui, ainda, a auto-confiana e altas expectativas de

    auto-eficcia, bem como a orientao para a realizao, ou seja, uma motivao intrnseca. A

    criatividade, por sua vez, reporta-se capacidade para resolver problemas de forma original,

    flexvel, fluente e elaborada, requer um pensamento independente e produtivo, por oposio a

    uma atitude mais conformista e convencional.

    Nenhuma destas componentes, por si s, ser suficiente para a expresso da

    sobredotao. a interaco entre os trs factores que permite a realizao criativa-produtiva

    (Renzulli, 1977). Desta forma, a par da inteligncia, torna-se fundamental incluir a motivao e a

    criatividade, como as trs grandes variveis associadas sobredotao.

    O Modelo Multi-Factorial da Sobredotao de Mnks

    Numa tentativa de complementar o modelo dos trs anis de Renzulli (1977), Mnks

    (1988, 1992) aponta a necessidade das diversas dimenses anteriores exigirem condies de

    21

  • educao, de vida e de realizao adequadas ou estimulantes. O autor complementa a

    concepo anterior com uma perspectiva desenvolvimental, baseada nos mecanismos scio-

    culturais e psicossociais relacionados com a sobredotao. Neste modelo, Mnks enfatiza as

    interaces que o indivduo estabelece com o meio ao longo do seu percurso desenvolvimental

    para a manifestao da sobredotao. Assim, a par das caractersticas mais personalsticas ou

    variveis pessoais (habilidade superior, criatividade e motivao), o contexto social aqui

    considerado como aspecto fundamental, pois nesta interaco com o meio que o sujeito

    encontra oportunidades para aprender e desenvolver as suas habilidades. Neste contexto, jogam

    papel decisivo as instituies de socializao e de educao e desenvolvimento da criana, mais

    concretamente a famlia, a escola e o grupo de pares.

    Este Modelo Multi-factorial da Sobredotao pressupe que o comportamento

    sobredotado apresentado quando os seis factores se interrelacionam de forma adequada,

    proporcionando um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, sendo que as competncias de

    relacionamento interpessoal do indivduo formam uma base importante para uma boa

    adaptao. Desta forma, a par das variveis cognitivas e de personalidade, acrescenta-se, agora,

    o ambiente social. Esta confluncia parece ser sobretudo importante quando se espera, ou se

    deseja, que a alta capacidade se revele em alto rendimento (Parke, 1989; Whitmore, 1980).

    Com o modelo de Mnks, podemos aceitar que progressivamente a definio da

    sobredotao inclui dimenses psicossociais complementares da inteligncia ou das habilidades

    cognitivas dos indivduos sobredotados (Piirto, 1995). As altas capacidades cognitivas e os altos

    nveis de desempenho numa ou em vrias reas aparecem como elemento comum s vrias

    definies, tomando-se sobredotado como todo aquele que apresente uma habilidade

    significativamente superior quando comparado com a populao geral em qualquer uma das

    reas de desempenho, que no apenas em termos do QI (Passow, 1981).

    Clarificao de conceitos e propostas de definio

    Reportando-se especificamente ao domnio da sobredotao, Sternberg (1990)

    apresenta trs critrios a ter em conta na sua definio: (i) deve reflectir a forma como

    concebido o constructo, (ii) deve permitir a produo de estudos empricos e, (iii) deve ter uma

    utilidade prtica. A sobredotao algo que estabelecemos (Sternberg & Davidson, 1986), pelo

    22

  • que a sua definio est dependente do contexto social em que se insere, podendo

    inclusivamente variar em funo do meio scio-cultural e do perodo temporal e histrico em que

    se contextualiza (Chagas, 2007; Csikszentmihalyi & Robinson, 1986; Sternberg, 2007;

    Tannenbaum, 1993). Contudo, a utilidade desta definio traduz-se na possibilidade de

    concretizar efeitos positivos, tanto para a sociedade, como para o indivduo sobredotado

    (Blumen, 2000). S partindo de uma definio poderemos apontar critrios de identificao -

    evitando as consequncias de se identificarem falsos positivos e falsos negativos e, desta

    forma, possibilitar o delineamento de programas educativos e medidas interventivas mais

    ajustadas s necessidades especficas destes alunos. Mais uma vez, olhando a literatura sobre o

    tema, as definies abundam e esto longe de serem unnimes e convergentes.

    A definio proposta por Sidney Marland (1972, in Stephens & Karnes, 2000) constitui

    um marco de referncia na educao dos sobredotados, ao integrar a legislao em vigor nos

    Estados Unidos da Amrica. Nesta definio estabelecem-se linhas orientadoras na

    conceptualizao da sobredotao, designam-se reas especficas de realizao e de talento,

    salienta-se a necessidade de uma identificao elaborada por profissionais especializados, bem

    como de uma diferenciao educativa junto dos alunos sobredotados. Tomando Marland, Gifted

    and talented children are those identified by professionally qualified persons who by virtue of

    outstanding abilities are capable of high performance. These are children who require

    differenciated educational programs and/or services beyond those normally provided by the

    regular school programs in order to realize their contribution to self and society. Child capable of

    high performance include those with demonstrated achievement and/or potencial ability in any of

    the following areas single o in combination: (1) general intellectual ability, (2) specific academic

    aptitude, (3) creative or productive thinking, (4) leadership ability, (5) visual and performing arts,

    (6) psychomotor ability (Marland, 1972, p. 5, in Stephens & Karnes, 2000). A ltima categoria

    apresentada nesta definio foi, contudo, posteriormente retirada da definio oficial (Reis,

    1989; Robinson & Clinkenbeard, 1998).

    r

    A especificao das diversas reas da sobredotao surge tambm expressa na lgica

    do World Council for Gifted and Talented Children (Alencar, 1986), considerando-se sobredotada

    a pessoa com elevado desempenho, ou elevada potencialidade, em qualquer dos seguintes

    aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptido acadmica especfica,

    pensamento criativo ou produtivo, talento especial para as artes visuais, dramticas e musicais,

    capacidade motora, e capacidade de liderana.

    23

  • Numa das definies mais universalmente aceites, e j referida anteriormente,

    Renzulli (1986) prope que a definio de sobredotao deve considerar a interaco entre

    habilidade acima da mdia, criatividade e envolvimento na tarefa. Adicionalmente, Renzulli

    (1986) agrupa a sobredotao em duas categorias distintas: escolar e criativa-produtiva. A

    sobredotao escolar implica altos nveis de realizao em reas acadmicas e pode ser avaliada

    atravs de testes de QI ou outros testes cognitivos padronizados; enfatiza uma aprendizagem

    dedutiva e o treino estruturado dos processos cognitivos, sendo geralmente a mais valorizada no

    contexto escolar e nas situaes de aprendizagem tradicionais. A sobredotao criativa-produtiva,

    pelo contrrio, exige a utilizao e aplicao da informao e processos cognitivos de forma

    indutiva, integrada e orientada para a resoluo de problemas reais. Consideram-se aqui as

    habilidades que enfatizam a construo e desenvolvimento de produes originais, elaboradas

    com o propsito de criar uma influncia num pblico-alvo (Renzulli & Fleith, 2002).

    Renzulli (1986) insiste na necessidade de se valorizar o indivduo sobredotado por algo

    mais do que as suas habilidades, medidas atravs de testes psicomtricos. So as pessoas que

    produzem novos conhecimentos e que contribuem com obras socialmente valorizadas e

    reconhecidas as que marcam a histria e o progresso da sociedade: a histria diz-nos que as

    pessoas criativas e produtivas, os produtores ao invs dos consumidores do conhecimento, os

    reconstrutores do pensamento em diversas reas de desempenho humano so os que tm sido

    reconhecidos como indivduos verdadeiramente superdotados (Renzulli & Fleith, 2002, p.

    15). Assim, o mrito destas pessoas ultrapassa a mera reproduo e execuo de ideias ou

    competncias, sendo necessrio atender a outro tipo de caractersticas e factores na anlise dos

    mecanismos subjacentes sobredotao e produo criativa, de ndole pessoal e social, os

    quais permitiro, ou no, o desenvolvimento das habilidades potenciais dos indivduos e a

    expresso da sobredotao (Renzulli, Sytsme & Berman, 2003).

    A definio de sobredotao apresentada por Feldhusen (1996a), semelhana da de

    Renzulli, inclui a motivao e a criatividade, bem como um complexo de aptides, talentos,

    competncias e percia, caractersticas que permitiro ao indivduo um desempenho produtivo

    em reas ou domnios valorizados numa determinada cultura e numa determinada poca. Este

    autor defende que os factores genticos determinam as habilidades potenciais e traam limites

    ao nvel de desenvolvimento do talento, no entanto, a emergncia destas habilidades e aptides

    est dependente de outro tipo de factores, como a experincia prvia e as motivaes do

    indivduo. As competncias criativas de insight, o conhecimento funcional e as competncias

    24

  • criativas metacognitivas fornecem os ingredientes finais para a emergncia de talentos

    especficos (Feldhusen, 1996a).

    Sternberg (1993) apresenta a Teoria Pentagonal Implcita da Sobredotao, na qual

    expe cinco critrios para a delimitao deste conceito, os quais podem tambm ser

    considerados na sua identificao. Mais concretamente, nesta teoria a sobredotao implica:

    excelncia (superioridade numa ou mais dimenses; alto nvel de sucesso); raridade (atributos

    raros, pouco frequentes em relao aos pares); produtividade (a dimenso ou as reas em que o

    indivduo avaliado como sobredotado deve conduzir produtividade, ou, pelo menos, ser um

    potencial para a produtividade); demonstrao (a sobredotao dever ser verificvel, ou passvel

    de avaliao, atravs de diferentes meios e procedimentos); e valor (deve ser demonstrada numa

    ou em mais reas, socialmente relevantes e valorizadas, ou culturalmente reconhecidas). O

    critrio excelncia coloca-nos perante a controversa questo acerca do nvel a partir do qual se

    considera a existncia da sobredotao. No entanto, seja qual for o contexto, a excelncia dever

    sempre aliar-se raridade: as altas habilidades do indivduo num determinado domnio devero

    ser pouco comuns, tomando como referncia o seu grupo etrio (Sternberg, 1993). O critrio

    produtividade, por sua vez, rene maior consenso na idade adulta do que na infncia (aqui a

    nfase ser colocada mais no potencial do que na produtividade alcanada). Assim, de acordo

    com Sternberg, a sobredotao no tem que ser algo estvel ao longo do tempo: uma criana

    que demonstre um elevado potencial nem sempre se converte num adulto eminente.

    Relativamente ao ltimo critrio, necessrio ter em considerao que o reconhecimento e o

    valor atribudos pela sociedade a cada rea de desempenho variam de acordo com o contexto

    cultural onde a pessoa se insere, mas tambm ao longo do tempo (Sternberg, 1993).

    Por ltimo, Tannenbaum (1993) apresenta uma definio psicossocial da

    sobredotao, na qual considera a sobreposio de cinco factores: inteligncia geral superior

    mdia; aptido especfica excepcional (ou vrias aptides); facilitadores no cognitivos

    (motivao, auto-conceito); influncias do contexto (e.g. suporte familiar); e factores meramente

    ocasionais ou fortuitos (e.g. sorte, circunstncias imprevistas, oportunidades). Os factores no

    cognitivos so fundamentais para a concretizao do potencial em excelncia. As influncias

    ambientais que proporcionam estmulo e apoio (famlia, escola, comunidade) permitem, no s

    maximizar as potencialidades do sujeito, como tambm ajudar a determinar o tipo de evoluo

    que decorrer posteriormente. Esta definio aproxima-se, em larga medida, do Modelo

    Diferenciado de Sobredotao e Talento anteriormente apresentado. Inclusivamente,

    25

  • Tannenbaum tambm inclui catalizadores pessoais e ambientais na manifestao da

    sobredotao. Como catalizadores pessoais, o autor considera a motivao (iniciativa, interesse

    e persistncia) e a personalidade (auto-estima e estilos atribucionais), enquanto que os

    catalizadores ambientais incluem aspectos tais como: os recursos econmicos, o apoio familiar

    ou o reconhecimento e apreo por parte de actores sociais envolvidos na respectiva rea em que

    o talento se manifesta (Tannenbaum, 1993).

    Alm do debate em torno da origem da sobredotao (hereditria e/ou ambiental),

    tambm as questes em torno da sua natureza (quantitativa e/ou qualitativa) so alvo de

    discusso na literatura e tm implicaes no enquadramento conceptual em que se insere este

    constructo. Por exemplo, alguns autores (Heller, 1993; Kanevsky, 1990; Sternberg, 1981)

    defendem que a sobredotao no se traduz apenas numa diferenciao quantitativa, mas

    tambm na qualidade, ou forma como as competncias e habilidades de excelncia so

    utilizadas. Assim, estes autores fazem referncia, entre outros aspectos, estrutura interna de

    conhecimento, aos processos de resoluo de problemas, s estratgias de pensamento,

    metacognio, preferncia por uma soluo pessoal para os problemas e ao reconhecimento

    fcil das caractersticas de vrias tarefas (aprendizagem, generalizao).

    Conforme podemos constatar, progressivamente foi-se caminhando para uma

    definio multidimensional da sobredotao, tomando outras dimenses complementares

    capacidade intelectual no sentido do raciocnio lgico ou do QI (Castell & Genovard, 1999;

    Wieczerkowski & Cropley, 1986). Daqui decorre que, muito embora permaneam os testes de QI

    como os meios formais de identificao mais usados (Milgram, 2000; Pereira, 1998), certo que

    se abriu a designao de sobredotados aos sujeitos com capacidades de realizao em

    diferentes reas que no apenas a intelectual e acadmica (Eysenck & Barrett, 1993; George,

    1997).

    Diversidade de conceitos disponveis

    Consultando a literatura especializada, assistimos a uma relativa profuso de

    conceitos na rea (Pereira, 2000; Sternberg & Davidson, 1986). Por exemplo, algumas vezes

    fala-se em sobredotao como sinnimo de precocidade, genialidade, talento, prodgio ou

    percia. Aprofundaremos em seguida cada uma destas terminologias, numa tentativa de clarificar

    as semelhanas e/ou diferenas apresentadas nas vrias definies revistas.

    26

  • Desde logo, verifica-se uma certa sobreposio entre sobredotao e talento. Tomando

    algumas referncias consultadas, sobredotao reportar-se-ia mais s habilidades intelectuais,

    enquanto os talentos cobrem outras habilidades, no estritamente intelectuais e acadmicas.

    Por outro lado, aceita-se que a sobredotao se reporta habilidade ou s aptides na sua

    essncia, enquanto o talento diz mais respeito ao desempenho (Feldhusen, 1996a; Passow,

    1981). Nesta linha, os talentos denotam aptides cada vez mais especializadas que se

    desenvolvem nos jovens em funo da habilidade geral (g ou inteligncia), dos interesses, das

    motivaes e das experincias educativas do sujeito nos vrios contextos em que interage

    (Feldhusen, 1996a; Gagn, 2000, 2004). Segundo Feldhusen (1996a), o domnio de um talento

    geral vai sendo progressivamente definido numa ocupao mais especfica ao longo do tempo, e

    cada vez mais se funde com a percia. Nesta altura, nem sempre aptido e desempenho andam

    juntos. Gagn (1985, 2004), por exemplo, sugere que a sobredotao est geralmente