tese sobredotados.pdf
TRANSCRIPT
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UM
inho|2007
Universidade do Minho
Instituto de Educao e Psicologia
Ema Patrcia de Lima Oliveira
Alunos sobredotados:
A acelerao escolar como resposta
educativa
Junho de 2007
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Tese de Doutoramento em Psicologia
rea de Especializao em Psicologia da Educao
Trabalho efectuado sob a orientao do
Professor Doutor Leandro da Silva Almeida
e do
Professor Doutor Franz Mnks
Universidade do Minho
Instituto de Educao e Psicologia
Ema Patrcia de Lima Oliveira
Alunos sobredotados:
A acelerao escolar como resposta
educativa
Junho de 2007
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AUTORIZADA A REPRODUO PARCIAL DESTA TESE
APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO
ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.
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AGRADECIMENTOS
A concretizao da presente dissertao no teria sido possvel sem o precioso apoio e
contributo de algumas pessoas, instituies e entidades, s quais aproveito para expressar
publicamente o meu profundo agradecimento.
Destaco, com especial apreo, o Prof. Doutor Leandro Almeida, pela brilhante forma
como incentivou e orientou esta dissertao, e pela influncia exercida sobre o meu crescimento
e formao, em termos acadmicos e pessoais.
Ao Prof. Doutor Franz Mnks, co-orientador do doutoramento, agradeo o constante
estmulo e suporte, bem como a oportunidade proporcionada na assessoria e partilha de
experincias com outros investigadores, na Universidade de Nijmegen.
Pelo apoio financeiro e logstico, respectivamente, agradeo Fundao para a Cincia
e Tecnologia e Direco Regional da Educao do Norte.
A todos os investigadores que contriburam no aprimoramento deste trabalho,
proporcionando momentos incisivos de reflexo e debate, particularmente ao Prof. Doutor Willy
Peters e aos meus colegas do Grupo de Investigao em Cognio, Aprendizagem e
Desenvolvimento, agradeo a partilha e o esprito de entreajuda.
A todos os pais, alunos e professores que participaram com os seus testemunhos e
desempenhos na componente emprica deste trabalho, dirijo uma palavra de gratido pela a sua
disponibilidade e colaborao.
Aos meus alunos, Carlos Santos, Cristina Batista, Hugo Fernandes, Jaclin Freire,
Lcia Costa, Maria Joo Gonalves, Marta Costa, Paulo Pessoa e Sara Vilar, agradeo a
disponibilidade, dedicao e rigor com que ajudaram na cotao de algumas provas de
avaliao.
A todos os amigos e familiares, que acompanharam de perto o meu percurso ao longo
do tempo dedicado a este trabalho, agradeo o encorajamento, o apoio emocional e a
compreenso pelos momentos em que estive mais ausente.
Aos meus pais, reconheo a segurana e o conforto constantes, bem como a mestria
com que tm sabido ser meus professores e companheiros na escola da vida. A eles dedico este
trabalho.
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Alunos sobredotados: A acelerao escolar como resposta educativa Ema Patrcia Oliveira (Tese de Doutoramento em Psicologia, Universidade do Minho)
Resumo: A educao dos alunos sobredotados tem justificado uma preocupao crescente por parte dos
polticos e dos profissionais da educao, assim como dos investigadores nos domnios da psicologia e
das cincias da educao. Algumas dificuldades emergem, no entanto, na delimitao do conceito,
quando est em causa uma realidade complexa e multidimensional, assim como na sua identificao
com o necessrio rigor e consequente especificao das medidas educativas mais apropriadas a cada
caso. Tomando estas preocupaes, a parte terica da tese centra-se na definio, identificao e
interveno, assumindo a parte emprica dois grandes objectivos: (i) estudar o funcionamento de algumas
provas psicolgicas junto de alunos potencialmente sobredotados, e (ii) apreciar o impacto das medidas
de acelerao escolar a nvel psicossocial e acadmico dos alunos. A amostra foi formada por alunos que
frequentavam o 2 Ciclo do Ensino Bsico, em escolas pblicas e privadas dos distritos de Braga, Viana
do Castelo e Porto. O grupo experimental foi composto por 107 crianas que foram alvo de medidas de
acelerao escolar (entraram precocemente aos 5 anos para a escola ou avanaram um ano de
escolaridade ao longo do 1 Ciclo do Ensino Bsico). Um grupo de comparao foi constitudo por 120
alunos, colegas de turma das crianas do grupo anterior, mas que no beneficiaram de medidas de
acelerao escolar. Vrios instrumentos de avaliao psicossocial e educacional foram considerados no
estudo: Bateria de Provas de Raciocnio 5/6 (BPR-5/6), Escala de Inteligncia de Wechsler para Crianas
- WISC-III (algumas provas), Testes de Pensamento Criativo de Torrance (alguns sub-testes), Bateria de
Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - Habilidade
Cognitiva/Aprendizagem (Avaliao do Director de Turma), Escala de Auto-Conceito para Crianas e Pr-
adolescentes de Susan Harter (Self-Perception Profile for Children), e uma entrevista semi-estruturada aos
pais. Os resultados obtidos apontam para diferenas estatisticamente significativas a favor dos alunos
acelerados nas provas psicolgicas aplicadas e nas percepes das suas habilidades cognitivas e
acadmicas por parte dos professores. Esta diferena sugere que nveis superiores de habilidade
cognitiva, no momento da avaliao para suporte deciso de acelerao escolar, permanecem em
idades posteriores, parecendo essa superioridade ser mais acentuada nas provas psicolgicas de
contedo verbal (maior associao s actividades curriculares). As diferenas a favor dos alunos
acelerados ocorrem seja na rea intelectual mais orientada para o pensamento convergente, seja nas
tarefas mais voltadas para a avaliao da criatividade. Esta superioridade ocorre, tambm, na
generalidade das matrias curriculares, exceptuando a Educao Visual e Tecnolgica e a Educao
Fsica, assim como nas vrias dimenses do auto-conceito, em particular nas dimenses Competncia
Escolar, Aceitao Social e Auto-Estima Geral. Finalmente, os pais mostram-se satisfeitos com esta
medida educativa, estando os casos de insatisfao parental associados a aceleraes escolares mais
justificadas por razes de idade do que da precocidade do desenvolvimento da criana, o que alis
contraria o sentido da legislao.
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Gifted students: Academic acceleration as an educacional provision
Ema Patrcia Oliveira (Doctoral Dissertation in Psychology, University of Minho)
Abstract: The education of gifted students has accounted for an increasing concern in sociopolitical and
educational fields, as well as in research in psychology and educational sciences. Some difficulties arise
from the delimitation of the concept when a complex and multidimensional reality is in question. Other
difficulties stem from the definition of an appropriate process of identification and consequent specification
of the educational practices most adjusted to each student. Taking these concerns, the theoretical part of
the thesis is centered on definition, identification and intervention, the empirical part focusing on two
central objectives: (i) to study the functioning of some psychological tests for the identification of potentially
gifted students, and (ii) to assess the impact of academic acceleration in terms of the psychosocial and
academic adjustment of students. The sample was formed by students who were attending the 2nd Cycle of
Basic Teaching (5th and 6th grades), in state-run as well as private schools in the districts of Braga, Viana do
Castelo and Porto. The experimental group was comprised of 107 accelerated students (by early entrance
to grade school or skipping one year of primary schooling). A comparison group was comprised of 120
students from the same classes of the previous group, who did not however benefit from academic
acceleration. Several instruments of psychosocial and educational evaluation were considered in this
research: Reasoning Tests Battery 5/6 (BPR-5/6), Wechsler Intelligence Scales for Children - WISC-III
(some subtests), Torrance Tests of Creative Thinking (some subtests), Scales for the Identification of Gifted
and Talented Students Cognitive and Learning Abilities (assessment by class Director), Self-Perception
Profile for Children, and a semi-structured interview with the parents. The results suggest significant
differences in favour of the accelerated students in the psychological tests applied and in teacher
perception concerning their cognitive and academic skills. These differences provide evidence that
superior levels of cognitive ability, at the moment of the evaluation that supported the decision of
academic acceleration, remain in subsequent ages, this superiority seeming to be more accented in the
psychological tests of verbal content (more associated with curricular activities). The differences in favour
of the accelerated students occur either in the intellectual domain, more oriented towards convergent
reasoning, or in the tasks more related to creativity. This superiority occurs, also, in the generality of the
curricular matters, excepting Visual and Technological Education and Physical Education, as well as in
some dimensions of the self-concept, especially in the dimensions School Competence, Social
Acceptance and General Self-Esteem. Finally, parents show satisfaction with this educational provision,
the cases of parental dissatisfaction being associated with acceleration practices more motivated by the
childs age than they are by the precociousness of development, a fact that contradicts the sense and
logic of national laws that should be applied to these cases.
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NDICE
INTRODUO 1
CAPTULO 1 - SOBREDOTAO: CONCEITO, CARACTERSTICAS E IDENTIFICAO .. 8
Introduo . 8
Evoluo do conceito de sobredotao .. 10
Primrdios do conceito 10
Desenvolvimentos contemporneos do conceito . 13
A Teoria Trirquica da Inteligncia de Sternberg ... 13
O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento de Gagn .. 16
A Teoria das Inteligncias Mltiplas de Gardner . 18
A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis de Renzulli . 20
O Modelo Multi-Factorial da Sobredotao de Mnks . 21
Clarificao de conceitos e propostas de definio 22
Diversidade de conceitos disponveis . 26
Caractersticas dos sobredotados .. 29
Caractersticas no funcionamento cognitivo 31
Caractersticas scio-emocionais . 37
Identificao dos alunos sobredotados 44
reas de identificao .. 46
Procedimentos de identificao 47
Tipologia de instrumentos usados .. 51
Diversidade de agentes na avaliao . 59
Modelos de identificao de alunos sobredotados 65
Revolving Door Identificatiom Model (Renzulli, 1984) ..................................................... 65
Talent Search Model (Stanley, 1979) ............................................................................. 67
Dificuldades na identificao . 68
Em sntese ... 70
CAPTULO 2 - INTERVENO EDUCATIVA JUNTO DE ALUNOS SOBREDOTADOS .. 71
Introduo 71
A educao diferenciada dos alunos sobredotados 72
Acelerao escolar: Caracterizao .. 74
Modalidades e formas de acelerao escolar . 77
Benefcios da acelerao escolar . 83
Inconvenientes da acelerao escolar 92
Acelerao escolar: Tentativa de sntese .. 96
Enriquecimento: Caracterizao . 99
Formas e modelos dos programas de enriquecimento 100
Schoolwide Enrichment Model (Renzulli & Reis, 1985) ................................................. 104
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Autonomous Learner Model (Betts & Knapp, 1981) ......................................................107
Program for Academic and Creative Enrichment (Kolloff & Feldhusen, 1981) ................ 110
Vantagens e limitaes dos programas de enriquecimento .. 111
Agrupamento: Caracterizao .. 114
Vantagens e limitaes das medidas de agrupamento 117
Complementaridade das medidas de interveno ... 122
Em sntese . 126
CAPTULO 3 - METODOLOGIA DO ESTUDO EMPRICO 128
Introduo . 128
Objectivos e questes .. 129
Amostra . 131
Instrumentos 132
Bateria de Provas de Raciocnio 5/6 (BPR-5/6) . 132
Escala de Inteligncia de Wechsler para Crianas, WISC-III .. 133
Testes de Pensamento Criativo de Torrance 134
Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - HC/A . 136
Escala de auto-conceito para crianas e pr-adolescentes de Susan Harter (SPPC) .. 138
Entrevista semi-estruturada aos pais ou encarregados de educao . 139
Procedimentos 140
CAPTULO 4 - CONTRIBUTOS PRECISO E VALIDADE DE INSTRUMENTOS USADOS .. 142
Introduo . 142
Testes de Pensamento Criativo de Torrance .. 143
Metodologia 143
Resultados .. 145
Estudo em torno dos ndices de flexibilidade e originalidade .. 150
Escala de auto-conceito para crianas e pr-adolescentes de Susan Harter . 152
Metodologia 153
Resultados . 153
Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos - HC/A .. 159
Metodologia 160
Resultados .. 161
Em sntese ... 163
CAPTULO 5 - APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS .. 165
Introduo . 165
Caracterizao geral dos alunos com acelerao escolar . 166
Anlise comparativa face aos alunos no acelerados . 170
Resultados na rea cognitiva .. 171
Resultados na rea da criatividade .. 174
Resultados na realizao acadmica .. 179
Resultados na avaliao do auto-conceito . 183
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Especificidade do grupo de alunos com acelerao escolar 187
Resultados na rea cognitiva .. 188
Resultados na rea da criatividade .. 191
Resultados na realizao acadmica .. 193
Resultados na avaliao do auto-conceito . 194
Dados qualitativos com base na percepo dos pais 195
Em sntese ... 203
CONCLUSO ... 205
Retomando a parte terica .. 205
Retomando a parte emprica .. 207
Limitaes e pistas para futuros estudos .. 212
Implicaes prticas deste estudo 213
BIBLIOGRAFIA . 215
ANEXOS .. 247
Anexo 1-Grelha de entrevista semi-estruturada aos pais/encarregados de educao ..... 249
Anexo 2-Bateria de Instrumentos para a Sinalizao de Alunos Sobredotados e Talentosos (HC/A) . 253
Anexo 3-Categorias e pontuaes em originalidade nos Testes de Pensamento Criativo de Torrance .. 255
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ndice de quadros
Quadro 1.1 - Caractersticas psicolgicas do sobredotado ... 30
Quadro 3.1 - Descrio da amostra ... 131
Quadro 4.1 - Mdias e desvios-padro nos TPCT por actividade, gnero e ano de escolaridade .. 145
Quadro 4.2 - Estrutura factorial dos resultados nos TPCT .... 147
Quadro 4.3 - Mdia e desvio-padro na flexibilidade e originalidade aps ponderao da fluncia . 151
Quadro 4.4 - Mdias e desvios-padro na SPPC por sub-escala, gnero e ano de escolaridade .. 154
Quadro 4.5 - Anlise de varincia nas dimenses da SPPC, segundo o gnero
e o ano escolar dos alunos .. 156
Quadro 4.6 - Anlise estatstica dos itens da BISAS/T-HC/A .. 161
Quadro 4.7 - Mdias e desvios-padro na BISAS/T-HC/A por sub-escala,
gnero e ano de escolaridade .... 162
Quadro 4.8 Anlise de varincia nas vrias dimenses da BISAS/T-HC/A segundo
o gnero e o ano escolar dos alunos ... 163
Quadro 5.1 Mdias e desvios-padro na BPR-5/6 e na sub-escala cognio da BISAS/T,
por grupo e gnero .. 172
Quadro 5.2 - Anlise da varincia das provas cognitivas, por grupo e gnero dos alunos .. 173
Quadro 5.3 - Anlise da varincia na dimenso cognitiva da BISAS/T, segundo o grupo e
gnero dos alunos ... 174
Quadro 5.4 - Mdias e desvios-padro na parte verbal dos TPCT, por grupo e actividade .. 175
Quadro 5.5 - Mdias e desvios-padro na parte figurativa dos TPCT, por grupo e actividade .. 175
Quadro 5.6 - Mdias e desvios-padro na parte verbal dos TPCT e na sub-escala
de criatividade da BISAS/T, por grupo e gnero .... 176
Quadro 5.7 - Mdias e desvios-padro na parte figurativa dos TPCT, por grupo e gnero .. 176
Quadro 5.8 - Anlise da varincia nos parmetros dos TPCT, segundo o grupo e o gnero .. 177
Quadro 5.9 - Anlise da varincia na dimenso criatividade da BISAS/T, segundo o grupo
e o gnero .............................................................................................................................. 178
Quadro 5.10 Mdias e desvios-padro nas notas escolares, por grupo e gnero ... 179
Quadro 5.11 - Anlise da varincia nas notas escolares, segundo o grupo e o gnero .... 180
Quadro 5.12 Mdias e desvios-padro nas sub-escalas aprendizagem e motivao
e no total obtido na BISAS/T, por grupo e gnero . 182
Quadro 5.13 - Anlise da varincia na BISAS/T-HC/A, por grupo e gnero ..183
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Quadro 5.14 Mdias e desvios-padro nas dimenses do auto-conceito,
por grupo e gnero .. 183
Quadro 5.15 - Anlise da varincia nas dimenses do auto-conceito, segundo o grupo e o gnero ... 184
Quadro 5.16 - Mdias e desvios-padro nas provas da BPR-5/6, por subgrupo . 188
Quadro 5.17 - Anlise de varincia nas provas da BPR-5/6, segundo o subgrupo 188
Quadro 5.18 - Mdias e desvios-padro nas provas da WISC-III, por subgrupo ... 189
Quadro 5.19 - Anlise de varincia nas provas da WISC-III, segundo o subgrupo .. 190
Quadro 5.20 - Mdias e desvios-padro na dimenso criatividade da BISAS/T e nos TPCT,
por subgrupo .. 192
Quadro 5.21 - Anlise de varincia nas dimenses dos TPCT, segundo o subgrupo . 192
Quadro 5.22 - Mdias e desvios-padro nas notas escolares, por subgrupo .... 193
Quadro 5.23 - Anlise de varincia nas notas escolares, segundo o subgrupo 194
Quadro 5.24 - Mdias e desvios-padro nas dimenses do auto-conceito, por subgrupo ... 194
Quadro 5.25 - Anlise de varincia nas dimenses do auto-conceito, segundo o subgrupo ... 195
ndice de figuras e grficos
Figura 1.1 - Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (adaptado de Gagn, 2000) . 17
Figura 3.1 - Item exemplificativo do formato de respostas da SPPC .... 139
Grfico 4.1 - Interaco do gnero e ano escolar na dimenso Aparncia Fsica 157
Grfico 4.2 - Interaco do gnero e ano escolar na dimenso Importncia da Aparncia Fsica 157
Grfico 5.1 - Efeito de interaco na prova RN, tomando as variveis gnero e acelerao ... 174
Grfico 5.2 - Efeito de interaco na nota de Ingls, tomando as variveis gnero e acelerao . 181
Grfico 5.3 - Efeito de interaco na disciplina de Educao Moral, tomando as variveis
gnero e acelerao 181
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INTRODUO
Falar em sobredotao e na educao dos alunos sobredotados hoje bem mais fcil
do que h algumas dcadas atrs. A sociedade, e em particular a escola, foi-se abrindo s
diferenas interindividuais, passando a reconhec-las, a conviver com elas e a integr-las no seu
funcionamento. No caso concreto dos alunos sobredotados, a sociedade passou a estar mais
atenta sua educao, passou a reclamar das instituies de socializao espaos de maior
individualizao para o seu atendimento e, logicamente, a rentabilizar mais as suas qualidades e
capacidades singulares de aprendizagem e de realizao.
A sensibilidade e o interesse crescentes pela problemtica da sobredotao e dos
alunos sobredotados podem justificar-se, ainda, pelos avanos e pela maior difuso social dos
temas da psicologia e da educao. Por exemplo, aceita-se mais facilmente a diversidade e a
diferenciao humana, assim como o direito co-existncia e respeito dessa mesma diferena e
individualidade. Por outro lado, acentua-se o carcter desenvolvimental das caractersticas
psicolgicas, mais concretamente a percepo de que as capacidades cognitivas mais no so
que meras potencialidades que podero ou no ser desenvolvidas pelos contextos educativos, o
que alis contraria alguns dos esteretipos frequentes na rea da sobredotao (Tourn &
Reyero, 2000; Winner, 1996). Por tudo isto ganha sentido, no mbito de uma poltica scio-
educativa de igualdade de oportunidades, que a escola dita agora uma escola inclusiva - se
preocupe com os seus alunos mais capazes e que deles possa esperar a excelncia na sua
aprendizagem e rendimento acadmico.
Por outro lado, a problemtica em apreo ganha maior visibilidade se atendermos a
que, apesar das altas habilidades e elevados desempenhos em certas reas cognitivas, vrios
destes alunos sobredotados passam despercebidos no sistema educativo ou, ainda, aparecem
identificados apenas quando evidenciam particulares dificuldades de comportamento e de
desenvolvimento. Incompreensivelmente, alguns alunos com caractersticas de sobredotao no
domnio cognitivo apresentam problemas na aprendizagem e fracos desempenhos acadmicos
(Olenchak & Reis, 2002; Peterson & Colangelo, 1996; Reis & McCoach, 2002; Simes, 2001a).
1
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Por ltimo, numa organizao social que procura criar condies favorveis
realizao pessoal e social dos cidados, torna-se difcil justificar a falta de ateno aos seus
membros mais criativos e com maiores ndices de realizao em diversas reas. Seja num
quadro de cooperao entre os cidados, seja num quadro de rentabilizao social das
potencialidades de cada um, teria pouca lgica o no correcto aproveitamento dos recursos
humanos de um pas, nomeadamente dos seus recursos mais habilitados e capazes.
Infelizmente, estas propostas aparecem tomadas, por alguns, como apostas na segregao e
criao de elites (Colangelo & Davis, 1997; Tourn & Reyero, 2000), ganhando este problema
educativo contornos ideolgicos desnecessrios.
Muito naturalmente, a sobredotao deve ser enquadrada nas actuais polticas de
integrao escolar, mais concretamente no seio das "necessidades educativas especiais", e
como tal pode fazer apelo a diferentes formas de actuao. Toda a educao deve ter como
objectivo fundamental a promoo da excelncia e o desenvolvimento mximo do potencial
humano em todas as reas de realizao, atendendo s caractersticas e necessidades de cada
aluno em particular. No podemos, ento, considerar a educao dos sobredotados como uma
questo de elitismo ou de segregao, pois tanto seria injusto tratar de modo diferente aqueles
que so iguais, como tratar de modo igual aqueles que so diferentes (Tourn & Reyero, 2000).
Tomando a ateno educativa diferenciada a estes alunos, importa evitar pretensas
ideias de generalizao das medidas a todo e qualquer aluno sobredotado. O conceito de
sobredotao muldimensional e complexo o seu desenvolvimento e a sua manifestao
(Castell & Genovard, 1999; Gagn, 2004; Renzulli, 1978; Sternberg, 1993). A ideia de que a
sobredotao se confina s habilidades intelectuais dos indivduos imperou durante muito tempo
e mantm-se ainda predominante em sociedades como a portuguesa (Almeida & Oliveira, 2000;
Falco, 1992). Os procedimentos de avaliao devem considerar a importncia do quociente
intelectual (QI), mas no o assumir como critrio nico na identificao. A par de componentes
mais cognitivas e acadmicas, necessrio considerar a criatividade, a motivao, bem como
outros talentos especiais e caractersticas pessoais, num conceito mais alargado de
sobredotao (Gagn, 2004; Gallagher, 1997; Gardner, 1993; Renzulli, 1986; Sternberg, 1985).
Importa, assim, atender diversidade de talentos e capacidades humanas e s mltiplas formas
como estes se podem combinar. A sobredotao emerge, neste quadro, mais como um perfil de
competncia do que como um ndice ou trao exclusivo (Castell & Genovard, 1999; Tourn &
Reyero, 2000). Em consequncia, o processo de identificao deve basear-se numa avaliao de
2
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reas mais ou menos fortes de um aluno, de forma a podermos desenvolver uma interveno
educativa eficaz, potenciando ao mximo os seus talentos e apoiando, simultaneamente, o
desenvolvimento dos seus pontos menos fortes. No limite, ao longo do ciclo de aprendizagem, o
aluno pode ser sobredotado numa determinada rea acadmica e ter problemas ou dificuldades
de aprendizagem noutra (Olenchak & Reis, 2002; Reis & McCoach, 2002; Tourn & Reyero,
2000; Whitmore, 1980).
Importa, sobretudo, pensar este aluno com um funcionamento cognitivo prprio, com
claros reflexos na sua forma de aprender (Almeida, 1994; Rogers, 1986; Shavinina &
Kholodnaja, 1996). A sobredotao no , apenas, uma questo de quantidade de talento, mas
uma forma especial de talento, alis diversa de caso para caso. Por outro lado, importa atender
aos alunos provenientes de contextos scio-culturais mais desfavorecidos e diferenciados, os
quais tendencialmente apresentam resultados inferiores na escola e nos testes de avaliao
estandardizados, o que os penaliza nos processos de sinalizao e seleco para programas de
atendimento (Coleman, 1985; Ford, Howard, Harris & Tyson, 2000; Lindstrom & SanVant,
1986). Dos educadores, e sobretudo dos professores em sala de aula, importa assegurar uma
ateno a tais caractersticas. Muitas vezes so alunos com rara capacidade de ateno e de
memria em determinados domnios; curiosos e persistentes em certos temas; desejosos de
aprender mais e de forma mais rpida e independente; metacognitivos na sua forma de pensar e
de resolver problemas; criativos nas suas produes; o que nem sempre se coaduna com aulas
pautadas por grande planificao prvia e a pensar num pretenso aluno mdio. Importa,
ento, aumentar a sensibilizao e a formao dos professores na rea da sobredotao.
O estudo da sobredotao, especificamente no nosso pas, tem sido alvo de um
crescente interesse e esforo por parte da comunidade cientfica (Almeida, Pereira, Miranda &
Oliveira, 2003). A par de alguns projectos especficos de investigao, acresce algumas teses de
mestrado e de doutoramento em educao e em psicologia tomando a sobredotao como
objecto. Ainda assim, assiste-se em Portugal a uma relativa inrcia nas mudanas operadas no
terreno na educao dos sobredotados, ainda que se vislumbre um interesse e esforo polticos
em especificar linhas orientadoras ou directrizes nesta matria. O caso da precocidade do
desenvolvimento psicolgico, e a possibilidade de uma entrada antecipada na escola, ilustra uma
rea em que a legislao educacional apresenta, no nosso pas, alguma ateno educativa
diferenciada aos alunos sobredotados.
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O nosso interesse pessoal pela temtica da sobredotao adquiriu maior relevo e
proficuidade quando inicimos a nossa prtica profissional em psicologia escolar, especialmente
a partir das experincias vivenciadas com alunos, famlias e escolas, no mbito da A.N.E.I.S.
(Associao Nacional para o Estudo e Interveno na Sobredotao), que ajudmos a criar em
1998. Muito importa investigar e sistematizar, desde a avaliao psicoeducativa, consulta
psicolgica e programas de enriquecimento desenvolvidos junto de alunos com caractersticas de
sobredotao, o aconselhamento e esclarecimento junto dos pais, a sensibilizao e formao
de professores e outros tcnicos, at chegarmos consultadoria junto do Ministrio da
Educao. Este caminho a percorrer motivou-nos suficientemente pela escolha do tema desta
tese de doutoramento.
Com este trabalho pretendemos, por um lado, contribuir no desenvolvimento de
procedimentos e instrumentos de identificao mais eficazes dos alunos com caractersticas de
sobredotao no nosso pas. Por outro lado, nosso objectivo apreciar a eficcia da acelerao
escolar, e em que medida as suas potenciais consequncias se encontram relativizadas por
outras variveis familiares e escolares. Simultaneamente, pretendemos conhecer melhor as
prticas dos professores nesta matria. Assim, as questes centrais do nosso estudo centram-
se, basicamente, na caracterizao dos alunos que so alvo de medidas de acelerao escolar;
na confluncia entre a informao dos pais, dos professores e dos testes de avaliao
psicolgica na sinalizao das altas habilidades; na adaptao escolar dos alunos que foram alvo
de acelerao, e; no ajustamento psicossocial destes alunos.
A sequncia estrutural desta tese inclui um primeiro captulo, no qual sintetizamos
diversas teorias e concepes de sobredotao, bem como alguns dos principais modelos
apresentados na literatura para o despiste e a identificao dos indivduos sobredotados.
Auferindo um certo sentido evolutivo no estudo da temtica, atribumos especial nfase
passagem de uma perspectiva unitria da sobredotao e da inteligncia (sendo estes, desde
logo, dois constructos que ao longo deste captulo vo sendo tratados e aprofundados de forma
conjunta e interligada, pela inevitvel associao existente entre ambos), traduzida na expresso
do factor g ou do QI, para uma abordagem multifacetada que inclui diversas dimenses,
componentes e domnios de realizao. Desta forma, abordamos a diversidade conceptual e a
pluralidade terminolgica associada sobredotao desde os primrdios do seu estudo s
teorias contemporneas e emergentes na actualidade, entre as quais destacamos a Teoria
Trirquica da Inteligncia (Sternberg, 1985), o Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento
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(Gagn, 1993), a Teoria das Inteligncias Mltiplas (Gardner, 1983), a Concepo de
Sobredotao dos Trs Anis (Renzulli, 1986) e o Modelo Multi-Factorial da Sobredotao
(Mnks, 1988).
Seguidamente, centramo-nos numa descrio das caractersticas que comummente
aparecem associadas sobredotao, desde factores inerentes ao prprio sujeito como as suas
habilidades cognitivas, habilidades de aprendizagem de ndole mais acadmica, passando ainda
pela criatividade, pelas habilidades sociais e caractersticas psico-afectivas, a outras variveis
relacionadas com os contextos scio-culturais em que os indivduos interagem e que, de igual
forma, podero contribuir, ou no, para o desenvolvimento e expresso da sua sobredotao.
Ainda no Captulo 1, so desenvolvidas algumas questes inerentes ao processo de identificao
de alunos sobredotados: cuidados gerais a tomar neste processo, reas e fontes de informao a
considerar na avaliao e procedimentos e instrumentos existentes e mais comuns para este
efeito. Seguidamente, desenvolvemos alguns dos modelos tericos mais relevantes no domnio
da identificao: o Revolving Door Identification Model (Renzulli, Smith & Reis, 1981) e o Talent
Search Model (Stanley, 1979). Algumas implicaes e dificuldades decorrentes do processo de
identificao so, por fim, analisadas neste captulo.
O Captulo 2 centra-se na interveno educativa junto de alunos sobredotados. As
principais medidas educativas de apoio a estes alunos so descritas, bem como uma sntese da
investigao acerca do seu impacto e dos argumentos apresentados na literatura, a favor ou
contra a adopo de cada medida. Mais especificamente, fazemos uma referncia especial s
medidas de acelerao escolar, seguindo-se o enriquecimento e, por fim, o agrupamento. Mais
uma vez, procuramos enfatizar os contributos mais significativos ao nvel dos modelos que
sistematizam as prticas mais frequentes na educao dos sobredotados, nomeadamente no
que respeita aos programas de enriquecimento. Entre os programas de enriquecimento
quisemos destacar o Schoolwide Enrichment Model (Renzulli & Reis, 1985), o Autonomous
Learner Model (Betts & Knapp, 1981) e o Program for Academic and Creative Enrichment
(Kolloff & Feldhusen, 1981). Este captulo termina com uma sntese em que afirmamos quo
difcil delimitar estas trs grandes medidas (ou agrupamentos de medidas) e quo mais
interessante pensar a sua complementaridade. Mais ainda, o decisivo encontrar para cada
aluno a ateno educativa susceptvel de promover o seu talento e de potencializar todas as suas
capacidades de aprendizagem, sem descurar as demais facetas do seu ser.
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No que se reporta parte emprica da tese, apresentamos no Captulo 3 a metodologia
seguida na conduo do estudo desenvolvido. Comeamos por enumerar os objectivos e as
questes principais inerentes a este trabalho, seguindo-se a descrio da amostra seleccionada,
dos instrumentos utilizados e dos procedimentos metodolgicos adoptados. Realamos, neste
captulo, a descrio das provas de avaliao menos estudadas na populao portuguesa, sendo
que estas provas constituem um alvo de maior aprofundamento no nosso estudo. Referimo-nos,
designadamente, aos Testes de Pensamento Criativo de Torrance, Bateria de Instrumentos
para a Sinalizao e Identificao de Alunos Sobredotados e Talentosos - Habilidades
Cognitivas/Aprendizagem (BISAS/T-HC/A) e escala de auto-conceito de Susan Harter, Self-
Perception Profile for Children.
O Captulo 4 agrega os resultados obtidos das anlises estatsticas efectuadas, naquilo
que podemos assumir como um primeiro estudo emprico desta tese, orientado para o estudo
das propriedades mtricas de alguns dos instrumentos utilizados na nossa investigao.
Pretendemos, neste captulo, descrever as caractersticas de preciso e/ou validade dos
resultados em tais instrumentos, julgando que estes podero ser teis num eventual processo de
sinalizao ou identificao de alunos sobredotados. Por outro lado, na medida em que so
instrumentos menos usados em Portugal, este nosso estudo pode dar contributos a propsito do
seu funcionamento na avaliao psicolgica junto de adolescentes portugueses.
No ltimo captulo referente componente emprica da tese, o Captulo 5,
apresentamos, analisamos e discutimos os resultados dos estudos desenvolvidos
especificamente junto dos alunos que beneficiaram de medidas de acelerao escolar. Para esta
anlise, tomamos em considerao os resultados nas mesmas provas psicolgicas e nas
classificaes escolares de um grupo de comparao formado por colegas retirados das
respectivas turmas. Tomando a sequncia de informao deste captulo, procedemos a uma
caracterizao geral dos alunos acelerados, em primeiro lugar. Em seguida, avanamos com
uma anlise comparativa deste grupo face aos alunos no acelerados em vrias reas de
desempenho, tomando os dados obtidos junto dos alunos e dos respectivos Directores de
Turma. Em terceiro lugar, analisamos algumas especificidades do grupo de alunos com
acelerao escolar, nas diversas dimenses que foram alvo de avaliao, diferenciando de algum
modo aqueles alunos que potencialmente foram acelerados na base de uma precocidade
efectiva de desenvolvimento e aqueles alunos que foram acelerados muito porque faziam os seis
anos no incio do ano civil. Por fim, realizamos uma anlise mais qualitativa dos resultados, a
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partir da informao recolhida junto dos pais dos alunos acelerados, facultada atravs de uma
entrevista semi-estruturada.
Finalmente, terminamos esta dissertao com uma concluso do trabalho realizado.
Nesta concluso, destacamos os principais contributos tericos e empricos, logicamente mais
os empricos, com a concretizao desta tese. Aproveitando esses contributos, traamos as
principais implicaes decorrentes do mesmo, quer para a avaliao psicoeducativa e a
interveno no domnio da sobredotao, quer para o prosseguimento de estudos futuros.
Porque todas as investigaes e teses acabam por ter as suas prprias limitaes, importa
entender o prosseguimento de estudos como fundamental para um melhor esclarecimento e
compreenso do tema, nomeadamente face a um panorama nacional de crescente esforo
cientfico e investimento no estudo da sobredotao.
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CAPTULO 1
SOBREDOTAO: CONCEITO, CARACTERSTICAS E IDENTIFICAO
If physicists had to agree on a definition of the nature of the universe
before they could study it, we would still be working on pre-atomic theory
(Cramond, 2004, p. 15).
Introduo
Falar de sobredotao implica analisar um conjunto de atributos psicolgicos, cuja
definio e avaliao tm sido alvo de discusso e debate ao longo dos anos. Por um lado, as
concepes mais tradicionais de sobredotao fornecem, ainda na actualidade, alguns
fundamentos que podero ser teis para a anlise e compreenso da natureza da sobredotao
e das necessidades dos alunos sobredotados. Por outro lado, teorias mais contemporneas tm
emergido, quer em complemento das teorias anteriores nas dimenses psicoeducativas
consideradas, quer sob a forma de crtica s perspectivas mais clssicas.
Um adequado atendimento educativo aos alunos sobredotados e aos alunos com uma
aprendizagem excepcionalmente precoce subjaz, desde logo, em formas de identificao
eficazes destes alunos, as quais, por sua vez, derivam geralmente de modelos tericos
compreensivos, que ajudam a fundamentar e explicar este fenmeno. A ambiguidade e a falta de
consenso relativamente a uma definio de sobredotao acarretam, evidentemente,
dificuldades acrescidas ao nvel da identificao e da actuao educativa junto dos alunos
sobredotados. Neste contexto, fundamental conhecer o que a sobredotao e de que forma
se manifesta. Tal como refere Cramond (2004), no seguimento da ideia expressa na citao
introdutria a este captulo, um acordo universal numa definio de sobredotao traduz, de
certa forma, uma expectativa irrealista, no entanto esta divergncia no dever constituir-se
impeditivo no avano do seu estudo.
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A identificao dos alunos sobredotados, por sua vez, configura-se numa tarefa
complexa, no isenta de vicissitudes. Apesar de se poderem generalizar algumas caractersticas
nesta populao, estas podero manifestar-se de formas distintas, ou ainda revelarem diferenas
interindividuais considerveis. Dependendo das experincias de vida que vo tendo, algumas
destas crianas podem, inclusive, encobrir as suas caractersticas de sobredotao e no
sobressair do resto da turma na sala de aula regular (Brown & Steinberg, 1990; Davis & Rimm,
1998; Gross, 1993; Neihart, 2006). Por outro lado, algumas crianas sobredotadas podem no
cooperar dentro da sala de aula resistindo rotina, exibindo comportamentos pouco
conformistas e que os podem classificar de alunos com problemas de comportamento. Outras
podem ser classificadas como tendo dificuldades de aprendizagem, sendo que, por vezes, a
verdadeira causa para tais comportamentos pode ser o aborrecimento e desinteresse por
assuntos j aprendidos, mostrando-se pouco participativas nas actividades escolares (Reis &
McCoach, 2002).
O objectivo da identificao deve ser, portanto, mais o da incluso do que o da
excluso (Frasier, 1989). No se trata de avaliar para formular e colocar rtulos, evidentemente,
nem to pouco o de criar um grupo de alunos privilegiado com um tratamento de elite, como
muitas ideias pr-concebidas e injustificadas em torno da sobredotao possam fazer crer
(Hewston, Campbell, Eyre, Muijis, Neelands & Robinson, 2005; Richert, 1997; Tannenbaum,
1993; Tourn & Reyero, 2000). Como na demais avaliao psicoeducativa, trata-se de uma
actividade enquadrada numa situao especfica de ajuda centrada na compreenso de um
problema e numa orientao a dar ao longo do tempo a um caso educativo. Alis, no a
avaliao que faz o rtulo, mas a forma como esta feita, como usada a informao recolhida
ou como os pais e outros profissionais assumem essa informao. A identificao da
sobredotao , portanto, uma questo complexa. Parte dessa complexidade deve-se a factores
relacionados com a prpria definio e natureza da sobredotao, mas outros aspectos podem
ser mencionados. Descreveremos, ao longo deste captulo, as etapas, os procedimentos, os
critrios ou os instrumentos adoptados.
Por ltimo, na elaborao deste captulo tivemos em ateno dois aspectos que nos
parecem relevantes na identificao destes alunos. Por um lado, no confinar esta identificao
s caractersticas cognitivas, ditas intelectuais, nem to pouco aplicao tradicional dos testes
de QI. A sobredotao, com efeito, tem sido progressivamente alargada a outras reas do
desempenho humano, ao mesmo tempo que se refora o papel dos pais, educadores e
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professores nesta identificao, aliando-os avaliao feita por especialistas, nomeadamente os
psiclogos. Um segundo aspecto, que ao abordarmos a identificao dos alunos sobredotados,
a assumimos como um processo complexo e faseado, e tendo sempre como objectivo o apoio
educao e ao desenvolvimento psicossocial dos sobredotados.
Evoluo do conceito de sobredotao
O conceito de sobredotao, como outros termos nas reas da psicologia e da
educao, sofreu alguma evoluo com o tempo, acompanhando por razes bvias a prpria
evoluo do conceito inteligncia. Tomaremos aqui os primrdios do conceito de inteligncia e
sobredotao, destacando as concepes mais recentes, e que se apresentam simultaneamente
mais dinmicas e multidimensionais.
Primrdios do conceito
At aos anos 60, predominou uma leitura reducionista das altas habilidades,
associando-se a sobredotao ao elevado QI (Feldhusen & Jarwan, 2000; Feldman, 1982;
Pereira, 1998). Os trabalhos de Lewis Terman, nomeadamente a sua obra Genetic Studies of
Genius em 1922, em torno da adaptao e aferio da Escala de Inteligncia Binet-Simon, e os
estudos longitudinais subsequentes com uma amostra de sobredotados, fomentaram esta
definio reducionista e linear. Considerava-se, mais especificamente, que o indivduo
sobredotado deveria apresentar um QI igual ou superior a 140, ou seja, no mais que 1 a 2% da
populao tomando a curva gaussiana de distribuio dos resultados (Terman, 1975). Com uma
amostra de cerca 1500 sujeitos, o estudo de Terman e seus colaboradores teve incio em 1921
e prolongou-se at actualidade (Davis & Rimm, 1985; Perleth, Schatz & Mnks, 2000;
Simonton, 2000). Dois objectivos principais nortearam este estudo: em primeiro lugar, verificar
quais os traos que caracterizam as crianas de elevado QI e, em segundo, acompanh-las o
mximo de tempo possvel para analisar o padro de desenvolvimento da sobredotao no ser
humano (Terman, 1975). Nas dcadas seguintes, estes sujeitos foram acompanhados em
estudos de follow-up, tomando cerca de 90% do grupo original.
Independentemente dos factores de personalidade e ambientais que afectam o
percurso dos sujeitos, Terman (1975) acredita que, tanto os padres de interesse como as
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aptides especiais, tm um importante papel no sucesso profissional obtido pelos sujeitos
sobredotados, como ocorre com a inteligncia geral (traduzida por Spearman como factor g) nas
aprendizagens acadmicas. Assim, o autor conclui que a capacidade de realizaes excepcionais
pode ser detectada muito cedo, atravs de testes de avaliao bem construdos, onde haja um
grande peso do factor g. A anlise do contributo de cada factor especfico, ou habilidades
primrias na teoria de Thurstone, na predio do sucesso futuro em reas particulares, no se
concretizou satisfatoriamente nestes estudos (Terman, 1975).
Apesar das limitaes inerentes a estas investigaes, destaca-se o pioneirismo dos
trabalhos de Terman, bem como o seu impacto na mudana das concepes vigentes na altura
em torno da sobredotao (desfazendo o mito existente de que as crianas sobredotadas
desenvolvem perturbaes psicticas ou outro tipo de desajustamento ao longo do seu percurso
desenvolvimental). A dificuldade de se desenvolverem estudos longitudinais de to vasta
amplitude reconhecida e apontada como um dos principais entraves investigao, no s no
domnio da sobredotao em particular, como na psicologia e nas cincias da educao em
geral (Simonton, 2000).
A partir dos anos 60, educadores e psiclogos tornaram-se mais crticos e cpticos
quanto ao significado e importncia do QI, quer para a descrio das habilidades e realizao
cognitiva em geral, quer da sobredotao em particular. Em primeiro lugar, esta mudana
prende-se com novas concepes de inteligncia onde esta surge menos descrita em termos de
aptido ou capacidade genrica da mente, nem como um constructo unitrio de tipo QI (Getzels
& Jackson, 1975; Neisser, 1979). Como exemplos destas novas concepes podemos
mencionar o Modelo da Estrutura da Inteligncia de Guilford (1967) ou a Teoria das Inteligncias
Mltiplas de Gardner (1983). Esta mudana na definio de inteligncia foi igualmente
acompanhada por uma orientao mais cognitivista da inteligncia onde esta aparece descrita
mais em termos de estratgias e de processos de tratamento de informao do que em termos
de aptides mentais ou de factores, como ocorria na abordagem psicomtrica clssica (Almeida,
1994; Sternberg, 1985). Os testes de QI parecem dizer pouco sobre a experincia cognitiva dos
indivduos (Shavinina & Kholodnaja, 1996).
Os trabalhos de autores como Thurstone, Cattell e Guilford sobre a anlise factorial de
testes de inteligncia contriburam para a emergncia de uma nova concepo das habilidades
humanas, atravs da identificao de factores especficos de inteligncia para alm do QI
(Almeida, 1988). A multidimensionalidade do conceito de sobredotao (entendida como um
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conjunto de habilidades diferenciadas) ganha aqui as suas razes. Guilford (1967), no seu
Modelo da Estrutura da Inteligncia, define a inteligncia como um conjunto sistemtico de
aptides ou funes para processar diferentes tipos de informao de formas distintas, a qual se
organiza em trs dimenses: operaes, contedos e produtos. As operaes referem-se s
habilidades necessrias para adquirir e elaborar informao, os contedos referem-se aos
diferentes modos de perceber e aprender, e os produtos, aos resultados obtidos da aplicao de
uma determinada operao mental a um contedo concreto, para adquirir uma aprendizagem.
Cada uma destas dimenses est dividida em diversas subcategorias que, combinadas entre si,
do origem a mais do que uma centena de aptides ou factores (Almeida, 1994).
Retendo algo bastante significativo de Guilford para a sobredotao, a inteligncia
inclui dois tipos de pensamento: o convergente, relacionado com a memorizao, o raciocnio
lgico e a reproduo de conhecimentos, e o divergente, relacionado com a utilizao de
conhecimentos prvios atravs de formas inovadoras, originais e criativas. O pensamento
divergente seria, ento, uma das cinco operaes intelectuais fundamentais da mente humana.
Alm de ter originado uma ampliao definitiva dos componentes da inteligncia e dos
procedimentos para a sua avaliao, este modelo destaca-se no domnio da sobredotao
essencialmente pela incluso de factores como a criatividade (pensamento divergente) e a
inteligncia social (Acereda & Sastre, 1998). a partir deste momento que os estudos sobre a
criatividade e o pensamento divergente ganham um forte impulso, sendo analisados como uma
habilidade diferente da inteligncia geral e necessria para compreender os comportamentos
dos sobredotados (Castell, 1993). Tambm os trabalhos desenvolvidos por Torrance (1975) se
centram na anlise do pensamento divergente, sendo este visto como um factor que engloba a
fluncia, flexibilidade, originalidade e elaborao, acentuando uma nova perspectiva para o
conceito de sobredotao.
Adicionalmente, assiste-se na psicologia e na educao necessidade de incluso de
outras variveis psicolgicas e sociais, que no estritamente cognitivas, para se explicar as
capacidades cognitivas e o desempenho acadmico e profissional dos indivduos (Almeida,
1996; Gagn, 2000; Mnks, 1988; Tannenbaum, 1983). Referimo-nos, por exemplo,
importncia que passou a ser dada criatividade, motivao, personalidade e aos contextos
sociais de vida, sobretudo os contextos educacionais. Esta diversidade de variveis foi
progressivamente includa, tambm, na definio da sobredotao.
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Acompanhando estas evolues tm-se verificado muitos esforos em termos tericos
e empricos para definir o constructo da sobredotao. No existe acordo entre os diversos
autores quanto a uma definio e avaliao precisas da sobredotao, o que se deve, no
entender de Feldhusen e Jarwan (2000) a vrias e divergentes concepes sobre a relao entre
as definies de sobredotao, inteligncia, criatividade e talento. Por outro lado, Hallahan e
Kauffman (1982) referem que este desacordo se deve essencialmente a quatro aspectos: o
conjunto de competncias e comportamentos a que o termo sobredotao deveria ser aplicado
demasiado vasto e heterogneo; a avaliao da sobredotao carece de unanimidade quanto s
metodologias, dimenses e procedimentos; o limiar acima do qual uma criana pode ser
considerada sobredotada reveste-se de grande ambiguidade e complexidade na comunidade
cientfica, sendo este tambm um factor que gera controvrsia, no s em termos da sua
definio, mas tambm, quando se trata de seleccionar alunos sobredotados para um
atendimento educativo mais especfico e individualizado, e; a natureza do grupo de comparao
nos estudos destinados ao tema, pois frequentemente no constituem verdadeiros grupos de
controlo.
Desenvolvimentos contemporneos do conceito
Abordaremos, em seguida, algumas concepes tericas recentes sobre a inteligncia,
privilegiando aquelas em que os prprios autores fazem alguma referncia ou estabelecem
pontes com a sobredotao. Assim, daremos particular destaque Teoria Trirquica da
Inteligncia (Sternberg, 1985), ao Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (Gagn,
2000), Teoria das Inteligncias Mltiplas (Gardner, 1983), Concepo de Sobredotao dos
Trs Anis (Renzulli, 1978, 1986) e ao Modelo Multi-Factorial da Sobredotao (Mnks, 1988).
A Teoria Trirquica da Inteligncia de Sternberg
Sternberg (1985) props e elaborou uma teoria trirquica da inteligncia, a qual
reflecte essencialmente uma abordagem de processamento de informao do funcionamento
intelectual humano, paradigma predominante durante as dcadas de 70 e 80. Nesta teoria, a
nfase recai mais nos processos implicados na tarefa realizada pelo indivduo, na forma como
este orienta o processo de resoluo de problemas mediante a codificao, combinao e
comparao selectiva da informao, do que no produto final ou resultado em si.
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De forma resumida, podemos dizer que se pretende aqui delimitar os mecanismos ou
elementos da inteligncia, explicar como funcionam e como se aplicam na resoluo de
problemas, as relaes que o indivduo mantm com o seu mundo interno e externo, e como se
manifestam essas relaes atravs da experincia, no contexto. De acordo com esta teoria, a
inteligncia estrutura-se em trs partes interrelacionadas, ou subteorias: componencial,
experiencial e contextual (Sternberg, 1985). A combinao destas trs subteorias fornece uma
base de suporte cientfico para a explicao da inteligncia de nvel superior e para especificar o
tipo de tarefas que permitem a avaliao da sobredotao intelectual (Sternberg, 1986a; 1990).
A subteoria componencial relaciona a inteligncia com o meio interno do indivduo,
reporta-se ao conjunto de processos utilizados para processar informao, a inteligncia analtica
utilizada para lidar com a novidade ou com a automatizao do processamento de informao.
As componentes de processamento de informao so sempre aplicadas em tarefas e situaes
nas quais j se possui uma experincia prvia (Sternberg, 1993). De acordo com esta subteoria,
existem trs processos mentais nos quais os alunos intelectualmente sobredotados podem
mostrar superioridade: (i) metacomponentes, (ii) componentes de rendimento, e (iii)
componentes de aquisio-conhecimento (Sternberg, 1981, 1985).
As metacomponentes so processos executivos superiores que permitem a realizao
de trs tipos de funes: planificao, direco e tomada de deciso durante a execuo de uma
tarefa. Para Sternberg (1986a) os indivduos sobredotados so mais eficazes na execuo das
metacomponentes e, alm disso, conseguem combin-las e utiliz-las de forma integrada a um
nvel superior. As componentes de rendimento (ou execuo) so processos de ordem inferior
(Sternberg, 1986b), cuja funo consiste em executar a tarefa de acordo com as instrues das
metacomponentes. Estas componentes seriam passveis de avaliao atravs dos testes
psicomtricos, sendo que incluem aspectos como a codificao de estmulos, a inferncia de
relaes, o estabelecimento de correspondncias, a comparao, entre outros. Tambm a este
nvel podem destacar-se as competncias dos indivduos sobredotados (Sternberg, 1986a).
Finalmente, as componentes de aquisio-conhecimento so mecanismos de processamento de
informao que operam sobre as representaes mentais, tendo como funo aprender e
transferir as aprendizagens para diferentes contextos. A aplicao destas componentes est
dependente da relativa novidade da tarefa e do contedo da nova informao que se vai
aprender.
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Desta forma, os alunos sobredotados podem mostrar um desempenho diferente dos
restantes alunos na execuo destas funes (seleco de estratgias, formao de
representaes mentais eficazes, entre outras), as quais se encontram em interaco recproca,
num nvel qualitativa e quantitativamente superior nos sobredotados, destacando-se o papel
central das metacomponentes. O funcionamento superior, activao e feedback entre as
diferentes componentes do processamento de informao permitem uma melhor compreenso
da sobredotao, pelo menos em termos intelectuais (Sternberg, 1981).
A subteoria experiencial reporta-se capacidade para resolver problemas novos e
pouco convencionais (criatividade), tomando parte da inteligncia ao nvel da aplicao dos
processos cognitivos a tarefas e situaes especficas (Sternberg, 1981). De acordo com esta
subteoria, a inteligncia melhor avaliada quando requer a aplicao das componentes de
processamento de informao a tarefas ou situaes relativamente novas, por um lado, ou no
seu processo de automatizao, por outro (Sternberg, 1993). Se uma tarefa totalmente
desconhecida, provavelmente o indivduo no possuir os recursos mentais necessrios para a
sua resoluo. Se a tarefa j est automatizada, no ficaremos com a noo do percurso de
aprendizagem, de como essa automatizao foi estabelecida. A capacidade para lidar com a
novidade e a capacidade para automatizar o processamento de informao esto inter-
relacionadas. Quando se capaz de automatizar possui-se mais recursos para lidar com a
novidade. Da mesma forma, se algum capaz de lidar bem com a novidade, possui mais
recursos para a automatizao. Estas habilidades esto relacionadas com a subteoria
componencial, pois as componentes da inteligncia aplicam-se em tarefas e situaes em vrios
nveis de experincia.
Os alunos sobredotados podero mostrar altas capacidades na resoluo de novos
problemas e na automatizao do processamento de informao, atravs de uma habilidade
intuitiva mais desenvolvida. A intuio envolveria trs processos psicolgicos inter-relacionados:
codificao selectiva, combinao selectiva e comparao selectiva. Os problemas que exigem a
aplicao deste tipo de processos consistem geralmente em situaes pouco estruturadas,
possibilitando diversas formas de resoluo. Desta forma, os alunos sobredotados, seja em
tarefas acadmicas, seja em situaes quotidianas, fariam uso destes processos com maior
frequncia e de uma forma qualitativamente diferente, tornando-se mais eficazes e originais na
execuo de processos de insight. Esta capacidade de insight ser, porventura, a caracterstica
que mais diferencia o sobredotado dos restantes indivduos. A nfase aqui colocada no
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processo criativo em detrimento do produto, considerando-se a criatividade como o resultado do
uso eficaz e reflexivo dos processos de codificao, combinao e comparao selectiva de
informao.
A subteoria contextual refere-se s habilidades sociais ou prticas dos indivduos,
necessrias para lidar correctamente com qualquer tarefa ou trabalho (Sternberg, 1986a). Alm
de se tornarem fundamentais para a adaptao do sujeito ao meio que o rodeia, estas
habilidades envolvem ainda a seleco dos ambientes mais propcios para o desenvolvimento
dos talentos, interesses, valores pessoais, assim como a modificao dos mesmos de acordo
com as caractersticas e necessidades individuais. Em consequncia, os indivduos em geral - e
os sobredotados em particular - quando no encontram um meio que os estimule de forma a
desenvolverem o seu potencial, podem optar por seleccionar outro contexto mais adequado ou,
em alternativa, modific-lo e adapt-lo de acordo com as suas necessidades.
De acordo com Sternberg (1990), existem ento mltiplas componentes da
sobredotao, mas tambm diversos tipos de sobredotao, conferindo um carcter plural a este
constructo. Mais concretamente, quando aplicada sobredotao, a Teoria Trirquica da
Inteligncia distingue trs tipos de sobredotao intelectual: analtica, criativa e prtica. O
indivduo sobredotado poder destacar-se apenas num, em dois, ou nos trs domnios em
simultneo (Sternberg, Ferrari, Clinkenbeard & Grigorenko, 1999). Alguns indivduos com altas
habilidades podem mostrar elevada destreza na aplicao das componentes da inteligncia mas
apenas, por exemplo, em situaes acadmicas, enquanto outros podem mostrar altas
habilidades em situaes novas e pouco estruturadas, contudo apenas de forma sinttica e no
analtica (Sternberg, 1986a); outros ainda, por exemplo, podem manifestar a sua excelncia
exclusivamente em contextos externos.
O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento de Gagn
O modelo apresentado por Gagn (1985, 2000, 2004) reconhece a sobredotao,
mas vai mais longe ao delinear a forma como talentos especficos podem emergir das influncias
e interaces ambientais (cf. Figura 1.1). Segundo este autor, a sobredotao uma herana
gentica, enquanto os talentos so o produto de uma interaco de predisposies naturais com
o ambiente, ou seja, com os contextos fsicos e sociais que envolvem o indivduo,
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nomeadamente a famlia e a escola. Em sua opinio, o desenvolvimento de talentos , em
grande parte, influenciado pela aprendizagem e pela prtica.
Mais especificamente, Gagn (1985) prope que a sobredotao se refere existncia
e uso de habilidades naturais (ou aptides), expressas de forma espontnea em pelo menos um
domnio da actividade humana. Por outro lado, o termo talento designa a mestria superior de
habilidades (ou competncias) que so desenvolvidas a partir do treino sistemtico e domnio de
conhecimento em pelo menos uma rea da actividade humana (acadmica, artstica, desportiva
e social, entre outras). Em termos de prevalncia, o autor situa a linha de corte para a
sobredotao e o talento no percentil 90, ou seja, os indivduos com talento seriam os melhores
10%, por comparao com os seus pares etrios (Gagn, 2000).
O Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (MDST) especifica quatro domnios
de aptido (ou habilidades naturais): intelectual, criativo, scio-afectivo e sensrio-motor. A
aprendizagem e o treino eficaz e sistemtico destas aptides permitem o desenvolvimento de
competncias, fazendo emergir progressivamente o talento numa determinada rea de
realizao. Por esta razo, e de acordo com o MDST, o talento implica necessariamente a
sobredotao, mas o contrrio nem sempre se verifica (Gagn, 2000).
Figura 1.1 - Modelo Diferenciado de Sobredotao e Talento (adaptado de Gagn, 2000)
TALENTO
SOBREDOTAO
Factor Sorte
Impacto positivo/ negativo
Factores Ambientais
Contexto Pessoas
Programas educativos
Habilidades Naturais Domnios: Intelectual
Criativo Scio-afectivo
Sensrio-motor
Factores Intrapessoais
Fsico Motivao
Personalidade
Impacto positivo/ negativo
Processo desenvolvimental Aprendizagem/prtica
Competncias sistematicamente
desenvolvidas Campos:
Acadmico Artes
Aco social Desporto
Tecnologia
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O desenvolvimento do talento, tomando Gagn (2000), facilitado por dois tipos de
catalizadores: intrapessoais (factores fsicos e psicolgicos) e ambientais (desde influncias a um
nvel macroscpico, como factores demogrficos e sociolgicos, at contextos mais
microscpicos como o agregado familiar e os estilos parentais, passando pelas pessoas que
exercem influncia sobre o indivduo e que com ele interagem, como os professores e os pares).
O factor sorte introduzido neste modelo, no apenas como influncia ambiental, mas
tambm como um aspecto que pode exercer impacto ao nvel do patrimnio gentico herdado
pelo sujeito (Gagn, 2000).
Em sntese, Gagn prope neste modelo um processo de desenvolvimento de talento
que assenta na transformao de habilidades inatas excepcionais em competncias
sistematicamente treinadas e desenvolvidas, as quais determinam a excelncia, ou talento,
numa determinada rea de realizao. Ao longo deste processo de desenvolvimento, intervm
trs tipos de catalizadores: intrapessoais, ambientais e sorte. Propondo uma categorizao
subjacente em nveis diferenciados dentro da prpria sobredotao, desde mais ligeira a mais
profunda, Gagn (1999, 2000) sugere que as respostas educativas se ajustem ao subgrupo
especfico em que se enquadrarem os alunos.
A Teoria das Inteligncias Mltiplas de Gardner
Howard Gardner (1999) entende a inteligncia como a biopsychological potential to
process information that can be activated in a cultural setting to solve problems or create
products that are value in a culture (p. 33). Esta definio traduz uma reconceptualizao na
perspectiva inicialmente apresentada pelo autor, que mais recentemente salienta a importncia
de se considerar a inteligncia em termos de potencial, que poder ou no ser activado
mediante as caractersticas do indivduo e do meio envolvente. Na sua Teoria das Inteligncias
Mltiplas, o autor ilustra uma abordagem multidimensional, ampla e pragmtica da inteligncia,
procurando ultrapassar o reducionismo da perspectiva psicomtrica bastante centrada nas
medidas de QI (Gardner, 1983).
A inteligncia ser constituda por mltiplas habilidades, distintas entre si, pelo que se
parte da premissa de que existem mltiplas inteligncias, as quais so independentes entre si.
Apesar de diferenciadas, as vrias inteligncias so interactivas (por exemplo, a resoluo de um
problema matemtico exige compreenso lingustica e no apenas raciocnio lgico-matemtico).
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Podemos, ento, falar em sobredotao para qualquer uma das sete formas de inteligncia que
Gardner postula: lingustica, lgico-matemtica, espacial, musical, corporal-quinestsica,
interpessoal, e intrapessoal. Mais tarde, o autor inclui nesta classificao um oitavo tipo de
inteligncia: a naturalista, apontando ainda a possibilidade de mais duas: espiritual e existencial
(Gardner, 1999).
A inteligncia lingustica refere-se capacidade para utilizar e estruturar os
significados e funes das palavras e da linguagem oral e escrita, habilidade para aprender
lnguas, tendo como sistema simblico e de expresso a linguagem fontica. O talento verbal,
pela importncia que reveste nas outras formas de aprendizagem e pela valorizao que lhe
atribuda em termos sociais e acadmicos, est muito relacionado com a auto-estima e a auto-
eficcia. A inteligncia lgico-matemtica, por sua vez, implica um bom raciocnio matemtico,
traduzido pela habilidade de efectuar clculos, quantificar, considerar proposies, estabelecer e
comprovar hipteses, desenvolver operaes matemticas complexas, encontrar e estabelecer
relaes entre objectos, analisar problemas do ponto de vista lgico e investigar assuntos
cientificamente. A inteligncia lingustica e a lgico-matemtica so geralmente as mais
valorizadas na escola e as que tipicamente se avaliam nos testes convencionais (Gardner, 1999).
Os prximos trs tipos de inteligncia esto particularmente ligados s expresses. A
inteligncia musical engloba competncias na realizao, composio e apreciao de formas
musicais, bem como a habilidade para discriminar, transformar e expressar padres musicais,
assim como a sensibilidade ao ritmo, ao tom e ao timbre. De acordo com Gardner (1999), a
inteligncia musical estruturalmente paralela inteligncia lingustica, da que no faa muito
sentido designar uma de inteligncia e a outra de talento (normalmente a rea musical mais
identificada com o talento). A inteligncia corporal-cinestsica diz respeito habilidade de utilizar
o corpo para resolver problemas ou criar produes, aparecendo em pessoas com uma grande
capacidade no domnio desportivo e artstico. Esta inteligncia relaciona-se com o
desenvolvimento psicomotor, pelo que implica a capacidade para controlar movimentos do
prprio corpo e manipular objectos com destreza. A inteligncia visuo-espacial, por sua vez,
refere-se capacidade para compreender com preciso os estmulos visuais e espaciais, para
reconhecer e manipular os padres de um espao amplo assim como de reas restritas,
efectuar transformaes nas percepes iniciais dos objectos, para elaborar representaes
mentais de objectos complexos. Inerentes a este tipo de actividade esto o sistema simblico e a
linguagem ideogrfica.
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A inteligncia interpessoal denota a capacidade para compreender intenes,
motivaes e desejos de outras pessoas e, consequentemente, lidar com os outros de forma
adequada e eficaz. Por outro lado, a inteligncia intrapessoal reporta-se ao conhecimento que a
pessoa tem de si mesma: a capacidade de identificar e discernir os prprios sentimentos,
emoes, desejos e aptides, bem como os processos metacognitivos e a utilizao correcta
dessa informao na regulao da prpria vida.
Cada inteligncia introduzida parte duma capacidade intelectual particular que social
e culturalmente reconhecida e valorizada (Gardner, 1999). Assim, Gardner acrescenta uma
oitava inteligncia na sua teoria, a naturalista, dado tratar-se de uma capacidade valorizada em
muitas culturas. A inteligncia naturalista exige a capacidade para compreender e desenvolver
experincias com o mundo natural, atravs da observao, planeamento e testagem de
hipteses relativas aos fenmenos naturais, a percia no reconhecimento e classificao das
espcies do meio ambiente.
Em sntese, Gardner, tal como outros investigadores, defende uma viso pluralista da
inteligncia, bem como a possibilidade do seu desenvolvimento e mudana face s interaces
do indivduo com o meio. Em funo das influncias culturais e ambientais, tais inteligncias
podem manifestar-se ou no, pois so vistas pelo autor como capacidades potenciais (Snchez,
2005). A utilidade desta teoria rapidamente se traduziu na sua aplicabilidade prtica ao contexto
educativo, atravs da estruturao de programas escolares, como guia e orientador no processo
de ensino e a nvel curricular (Snchez & Garcia, 2001). Porm, a escassa fundamentao
emprica subjacente formulao taxionmica desta teoria, bem como a dificuldade em reunir
num processo de identificao procedimentos eficazes para o despiste das vrias inteligncias
propostas e, ainda, o facto de no especificar os processos executivos inerentes a cada
inteligncia, apontam-se entre as principais crticas teoria de Gardner (Feldhusen & Jarwan,
2000; Sternberg, 1988).
A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis de Renzulli
Os trabalhos de Joseph Renzulli destacam-se como referncia na actualidade, na
abordagem da temtica da sobredotao. Os contributos deste autor para a compreenso da
sobredotao vo alm da concepo que apresenta e da investigao cientfica que tem
desenvolvido com os seus colaboradores, traando uma ponte fundamental para a avaliao,
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identificao e interveno psicoeducativa junto dos alunos sobredotados. Comearemos, para
j, pela apresentao do seu modelo mais conhecido, para em seguida abordar os trabalhos
subsequentes que o aprofundam e complementam, nomeadamente ao nvel da identificao e
da interveno.
A Concepo de Sobredotao dos Trs Anis (Renzulli, 1978, 1986) compreende a
sobredotao como resultado da interaco de trs componentes: habilidade intelectual
superior, criatividade e envolvimento na tarefa. As habilidades podem ser gerais (e. g. raciocnio
numrico, fluncia verbal, memria, raciocnio abstracto, relaes espaciais) ou mais especficas
(e. g. matemtica, msica, qumica, dana) e a este nvel podem manifestar-se pela aplicao de
vrias combinaes das habilidades superiores gerais a uma ou mais reas especializadas de
conhecimento ou de realizao humana (por exemplo, artes plsticas, liderana, fotografia).
Dentro destas habilidades mais especficas, encontramos nos sobredotados a capacidade para
adquirir e usar adequadamente conhecimento formal, conhecimento tcito, tcnica, logstica,
estratgia na resoluo de problemas particulares a um nvel mais avanado, a capacidade de
seleccionar informao relevante e irrelevante associada a um problema particular ou reas de
estudo especficas, traduzindo a excelncia em reas especializadas de realizao.
O envolvimento na tarefa traduz a capacidade para altos nveis de interesse,
entusiasmo, fascnio e envolvimento num problema particular, perseverana, resistncia,
determinao, esforo e prtica dedicada. Inclui, ainda, a auto-confiana e altas expectativas de
auto-eficcia, bem como a orientao para a realizao, ou seja, uma motivao intrnseca. A
criatividade, por sua vez, reporta-se capacidade para resolver problemas de forma original,
flexvel, fluente e elaborada, requer um pensamento independente e produtivo, por oposio a
uma atitude mais conformista e convencional.
Nenhuma destas componentes, por si s, ser suficiente para a expresso da
sobredotao. a interaco entre os trs factores que permite a realizao criativa-produtiva
(Renzulli, 1977). Desta forma, a par da inteligncia, torna-se fundamental incluir a motivao e a
criatividade, como as trs grandes variveis associadas sobredotao.
O Modelo Multi-Factorial da Sobredotao de Mnks
Numa tentativa de complementar o modelo dos trs anis de Renzulli (1977), Mnks
(1988, 1992) aponta a necessidade das diversas dimenses anteriores exigirem condies de
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educao, de vida e de realizao adequadas ou estimulantes. O autor complementa a
concepo anterior com uma perspectiva desenvolvimental, baseada nos mecanismos scio-
culturais e psicossociais relacionados com a sobredotao. Neste modelo, Mnks enfatiza as
interaces que o indivduo estabelece com o meio ao longo do seu percurso desenvolvimental
para a manifestao da sobredotao. Assim, a par das caractersticas mais personalsticas ou
variveis pessoais (habilidade superior, criatividade e motivao), o contexto social aqui
considerado como aspecto fundamental, pois nesta interaco com o meio que o sujeito
encontra oportunidades para aprender e desenvolver as suas habilidades. Neste contexto, jogam
papel decisivo as instituies de socializao e de educao e desenvolvimento da criana, mais
concretamente a famlia, a escola e o grupo de pares.
Este Modelo Multi-factorial da Sobredotao pressupe que o comportamento
sobredotado apresentado quando os seis factores se interrelacionam de forma adequada,
proporcionando um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, sendo que as competncias de
relacionamento interpessoal do indivduo formam uma base importante para uma boa
adaptao. Desta forma, a par das variveis cognitivas e de personalidade, acrescenta-se, agora,
o ambiente social. Esta confluncia parece ser sobretudo importante quando se espera, ou se
deseja, que a alta capacidade se revele em alto rendimento (Parke, 1989; Whitmore, 1980).
Com o modelo de Mnks, podemos aceitar que progressivamente a definio da
sobredotao inclui dimenses psicossociais complementares da inteligncia ou das habilidades
cognitivas dos indivduos sobredotados (Piirto, 1995). As altas capacidades cognitivas e os altos
nveis de desempenho numa ou em vrias reas aparecem como elemento comum s vrias
definies, tomando-se sobredotado como todo aquele que apresente uma habilidade
significativamente superior quando comparado com a populao geral em qualquer uma das
reas de desempenho, que no apenas em termos do QI (Passow, 1981).
Clarificao de conceitos e propostas de definio
Reportando-se especificamente ao domnio da sobredotao, Sternberg (1990)
apresenta trs critrios a ter em conta na sua definio: (i) deve reflectir a forma como
concebido o constructo, (ii) deve permitir a produo de estudos empricos e, (iii) deve ter uma
utilidade prtica. A sobredotao algo que estabelecemos (Sternberg & Davidson, 1986), pelo
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que a sua definio est dependente do contexto social em que se insere, podendo
inclusivamente variar em funo do meio scio-cultural e do perodo temporal e histrico em que
se contextualiza (Chagas, 2007; Csikszentmihalyi & Robinson, 1986; Sternberg, 2007;
Tannenbaum, 1993). Contudo, a utilidade desta definio traduz-se na possibilidade de
concretizar efeitos positivos, tanto para a sociedade, como para o indivduo sobredotado
(Blumen, 2000). S partindo de uma definio poderemos apontar critrios de identificao -
evitando as consequncias de se identificarem falsos positivos e falsos negativos e, desta
forma, possibilitar o delineamento de programas educativos e medidas interventivas mais
ajustadas s necessidades especficas destes alunos. Mais uma vez, olhando a literatura sobre o
tema, as definies abundam e esto longe de serem unnimes e convergentes.
A definio proposta por Sidney Marland (1972, in Stephens & Karnes, 2000) constitui
um marco de referncia na educao dos sobredotados, ao integrar a legislao em vigor nos
Estados Unidos da Amrica. Nesta definio estabelecem-se linhas orientadoras na
conceptualizao da sobredotao, designam-se reas especficas de realizao e de talento,
salienta-se a necessidade de uma identificao elaborada por profissionais especializados, bem
como de uma diferenciao educativa junto dos alunos sobredotados. Tomando Marland, Gifted
and talented children are those identified by professionally qualified persons who by virtue of
outstanding abilities are capable of high performance. These are children who require
differenciated educational programs and/or services beyond those normally provided by the
regular school programs in order to realize their contribution to self and society. Child capable of
high performance include those with demonstrated achievement and/or potencial ability in any of
the following areas single o in combination: (1) general intellectual ability, (2) specific academic
aptitude, (3) creative or productive thinking, (4) leadership ability, (5) visual and performing arts,
(6) psychomotor ability (Marland, 1972, p. 5, in Stephens & Karnes, 2000). A ltima categoria
apresentada nesta definio foi, contudo, posteriormente retirada da definio oficial (Reis,
1989; Robinson & Clinkenbeard, 1998).
r
A especificao das diversas reas da sobredotao surge tambm expressa na lgica
do World Council for Gifted and Talented Children (Alencar, 1986), considerando-se sobredotada
a pessoa com elevado desempenho, ou elevada potencialidade, em qualquer dos seguintes
aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptido acadmica especfica,
pensamento criativo ou produtivo, talento especial para as artes visuais, dramticas e musicais,
capacidade motora, e capacidade de liderana.
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Numa das definies mais universalmente aceites, e j referida anteriormente,
Renzulli (1986) prope que a definio de sobredotao deve considerar a interaco entre
habilidade acima da mdia, criatividade e envolvimento na tarefa. Adicionalmente, Renzulli
(1986) agrupa a sobredotao em duas categorias distintas: escolar e criativa-produtiva. A
sobredotao escolar implica altos nveis de realizao em reas acadmicas e pode ser avaliada
atravs de testes de QI ou outros testes cognitivos padronizados; enfatiza uma aprendizagem
dedutiva e o treino estruturado dos processos cognitivos, sendo geralmente a mais valorizada no
contexto escolar e nas situaes de aprendizagem tradicionais. A sobredotao criativa-produtiva,
pelo contrrio, exige a utilizao e aplicao da informao e processos cognitivos de forma
indutiva, integrada e orientada para a resoluo de problemas reais. Consideram-se aqui as
habilidades que enfatizam a construo e desenvolvimento de produes originais, elaboradas
com o propsito de criar uma influncia num pblico-alvo (Renzulli & Fleith, 2002).
Renzulli (1986) insiste na necessidade de se valorizar o indivduo sobredotado por algo
mais do que as suas habilidades, medidas atravs de testes psicomtricos. So as pessoas que
produzem novos conhecimentos e que contribuem com obras socialmente valorizadas e
reconhecidas as que marcam a histria e o progresso da sociedade: a histria diz-nos que as
pessoas criativas e produtivas, os produtores ao invs dos consumidores do conhecimento, os
reconstrutores do pensamento em diversas reas de desempenho humano so os que tm sido
reconhecidos como indivduos verdadeiramente superdotados (Renzulli & Fleith, 2002, p.
15). Assim, o mrito destas pessoas ultrapassa a mera reproduo e execuo de ideias ou
competncias, sendo necessrio atender a outro tipo de caractersticas e factores na anlise dos
mecanismos subjacentes sobredotao e produo criativa, de ndole pessoal e social, os
quais permitiro, ou no, o desenvolvimento das habilidades potenciais dos indivduos e a
expresso da sobredotao (Renzulli, Sytsme & Berman, 2003).
A definio de sobredotao apresentada por Feldhusen (1996a), semelhana da de
Renzulli, inclui a motivao e a criatividade, bem como um complexo de aptides, talentos,
competncias e percia, caractersticas que permitiro ao indivduo um desempenho produtivo
em reas ou domnios valorizados numa determinada cultura e numa determinada poca. Este
autor defende que os factores genticos determinam as habilidades potenciais e traam limites
ao nvel de desenvolvimento do talento, no entanto, a emergncia destas habilidades e aptides
est dependente de outro tipo de factores, como a experincia prvia e as motivaes do
indivduo. As competncias criativas de insight, o conhecimento funcional e as competncias
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criativas metacognitivas fornecem os ingredientes finais para a emergncia de talentos
especficos (Feldhusen, 1996a).
Sternberg (1993) apresenta a Teoria Pentagonal Implcita da Sobredotao, na qual
expe cinco critrios para a delimitao deste conceito, os quais podem tambm ser
considerados na sua identificao. Mais concretamente, nesta teoria a sobredotao implica:
excelncia (superioridade numa ou mais dimenses; alto nvel de sucesso); raridade (atributos
raros, pouco frequentes em relao aos pares); produtividade (a dimenso ou as reas em que o
indivduo avaliado como sobredotado deve conduzir produtividade, ou, pelo menos, ser um
potencial para a produtividade); demonstrao (a sobredotao dever ser verificvel, ou passvel
de avaliao, atravs de diferentes meios e procedimentos); e valor (deve ser demonstrada numa
ou em mais reas, socialmente relevantes e valorizadas, ou culturalmente reconhecidas). O
critrio excelncia coloca-nos perante a controversa questo acerca do nvel a partir do qual se
considera a existncia da sobredotao. No entanto, seja qual for o contexto, a excelncia dever
sempre aliar-se raridade: as altas habilidades do indivduo num determinado domnio devero
ser pouco comuns, tomando como referncia o seu grupo etrio (Sternberg, 1993). O critrio
produtividade, por sua vez, rene maior consenso na idade adulta do que na infncia (aqui a
nfase ser colocada mais no potencial do que na produtividade alcanada). Assim, de acordo
com Sternberg, a sobredotao no tem que ser algo estvel ao longo do tempo: uma criana
que demonstre um elevado potencial nem sempre se converte num adulto eminente.
Relativamente ao ltimo critrio, necessrio ter em considerao que o reconhecimento e o
valor atribudos pela sociedade a cada rea de desempenho variam de acordo com o contexto
cultural onde a pessoa se insere, mas tambm ao longo do tempo (Sternberg, 1993).
Por ltimo, Tannenbaum (1993) apresenta uma definio psicossocial da
sobredotao, na qual considera a sobreposio de cinco factores: inteligncia geral superior
mdia; aptido especfica excepcional (ou vrias aptides); facilitadores no cognitivos
(motivao, auto-conceito); influncias do contexto (e.g. suporte familiar); e factores meramente
ocasionais ou fortuitos (e.g. sorte, circunstncias imprevistas, oportunidades). Os factores no
cognitivos so fundamentais para a concretizao do potencial em excelncia. As influncias
ambientais que proporcionam estmulo e apoio (famlia, escola, comunidade) permitem, no s
maximizar as potencialidades do sujeito, como tambm ajudar a determinar o tipo de evoluo
que decorrer posteriormente. Esta definio aproxima-se, em larga medida, do Modelo
Diferenciado de Sobredotao e Talento anteriormente apresentado. Inclusivamente,
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Tannenbaum tambm inclui catalizadores pessoais e ambientais na manifestao da
sobredotao. Como catalizadores pessoais, o autor considera a motivao (iniciativa, interesse
e persistncia) e a personalidade (auto-estima e estilos atribucionais), enquanto que os
catalizadores ambientais incluem aspectos tais como: os recursos econmicos, o apoio familiar
ou o reconhecimento e apreo por parte de actores sociais envolvidos na respectiva rea em que
o talento se manifesta (Tannenbaum, 1993).
Alm do debate em torno da origem da sobredotao (hereditria e/ou ambiental),
tambm as questes em torno da sua natureza (quantitativa e/ou qualitativa) so alvo de
discusso na literatura e tm implicaes no enquadramento conceptual em que se insere este
constructo. Por exemplo, alguns autores (Heller, 1993; Kanevsky, 1990; Sternberg, 1981)
defendem que a sobredotao no se traduz apenas numa diferenciao quantitativa, mas
tambm na qualidade, ou forma como as competncias e habilidades de excelncia so
utilizadas. Assim, estes autores fazem referncia, entre outros aspectos, estrutura interna de
conhecimento, aos processos de resoluo de problemas, s estratgias de pensamento,
metacognio, preferncia por uma soluo pessoal para os problemas e ao reconhecimento
fcil das caractersticas de vrias tarefas (aprendizagem, generalizao).
Conforme podemos constatar, progressivamente foi-se caminhando para uma
definio multidimensional da sobredotao, tomando outras dimenses complementares
capacidade intelectual no sentido do raciocnio lgico ou do QI (Castell & Genovard, 1999;
Wieczerkowski & Cropley, 1986). Daqui decorre que, muito embora permaneam os testes de QI
como os meios formais de identificao mais usados (Milgram, 2000; Pereira, 1998), certo que
se abriu a designao de sobredotados aos sujeitos com capacidades de realizao em
diferentes reas que no apenas a intelectual e acadmica (Eysenck & Barrett, 1993; George,
1997).
Diversidade de conceitos disponveis
Consultando a literatura especializada, assistimos a uma relativa profuso de
conceitos na rea (Pereira, 2000; Sternberg & Davidson, 1986). Por exemplo, algumas vezes
fala-se em sobredotao como sinnimo de precocidade, genialidade, talento, prodgio ou
percia. Aprofundaremos em seguida cada uma destas terminologias, numa tentativa de clarificar
as semelhanas e/ou diferenas apresentadas nas vrias definies revistas.
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Desde logo, verifica-se uma certa sobreposio entre sobredotao e talento. Tomando
algumas referncias consultadas, sobredotao reportar-se-ia mais s habilidades intelectuais,
enquanto os talentos cobrem outras habilidades, no estritamente intelectuais e acadmicas.
Por outro lado, aceita-se que a sobredotao se reporta habilidade ou s aptides na sua
essncia, enquanto o talento diz mais respeito ao desempenho (Feldhusen, 1996a; Passow,
1981). Nesta linha, os talentos denotam aptides cada vez mais especializadas que se
desenvolvem nos jovens em funo da habilidade geral (g ou inteligncia), dos interesses, das
motivaes e das experincias educativas do sujeito nos vrios contextos em que interage
(Feldhusen, 1996a; Gagn, 2000, 2004). Segundo Feldhusen (1996a), o domnio de um talento
geral vai sendo progressivamente definido numa ocupao mais especfica ao longo do tempo, e
cada vez mais se funde com a percia. Nesta altura, nem sempre aptido e desempenho andam
juntos. Gagn (1985, 2004), por exemplo, sugere que a sobredotao est geralmente