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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DOUTORADO EM ECONOMIA FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER Orientadora Prof. Dra. Renata Del-Vecchio Co-Orientador Prof. Dr. Gervásio Castro de Rezende Niterói Estado do Rio de Janeiro – Brasil Agosto – 2010

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Page 1: Tese - Capa

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

DOUTORADO EM ECONOMIA

FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA

AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES

ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER

Orientadora Prof. Dra. Renata Del-Vecchio

Co-Orientador Prof. Dr. Gervásio Castro de Rezende

Niterói

Estado do Rio de Janeiro – Brasil

Agosto – 2010

Page 2: Tese - Capa

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

DOUTORADO EM ECONOMIA

FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA

AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES

ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER

Tese apresentada para o programa de doutorado em

economia da Universidade Federal Fluminense

como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Doutor em Economia.

Orientadora Prof. Dra. Renata Del-Vecchio

Co-Orientador Prof. Dr. Gervásio Castro de Rezende

Niterói

Estado do Rio de Janeiro – Brasil

Agosto – 2010

Page 3: Tese - Capa

ANA CECÍLIA DE MEDEIROS NITZSCHE KRETER

FORMALIZAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA

AGRICULTURA BRASILEIRA: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E IMPLICAÇÕES

Tese apresentada para o programa de doutorado em

economia da Universidade Federal Fluminense

como parte dos requisitos necessários para a

obtenção do título de Doutor em Economia.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________

Professora Doutora Renata Del-Vecchio – UFF (orientadora)

__________________________________

Professor Doutor José Pastore – USP

__________________________________

Professor Doutor Steven Helfand – Universidade da Califórnia Riverside

__________________________________

Professor Doutor Léo da Rocha Ferreira – UERJ

__________________________________

Professora Doutora Daniele Carusi Machado – UFF

Niterói

Estado do Rio de Janeiro – Brasil

Agosto – 2010

Page 4: Tese - Capa

iv

Dedico, com muito carinho,

a meus pais, Rodolpho e Maria Luiza.

Page 5: Tese - Capa

v

RESUMO

Esta tese apresenta uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois

temas foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra,

conhecida como empreitada. Entende-se por informalidade o não pagamento dos encargos

trabalhistas e contribuições sociais, e por intermediação de mão de obra, o sistema de

contratação de trabalhadores sazonais via intermediário.

O Artigo 1 apresenta uma perspectiva histórica sobre os direitos do trabalhador rural

no Brasil, suas relações de trabalho ao longo do século XX, e seus impactos nos salários

recebidos no campo. O Artigo 2 aprofunda a análise do papel do intermediário, através de

dois estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010. O primeiro deles, na região de

Piracicaba (SP), e o segundo, na Alemanha. Para finalizar, o Artigo 3 replica a estrutura do

mercado de trabalho brasileiro a partir dos dados da PNAD de 2008, e simula duas

alternativas para a inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social.

Os cenários apresentados no último artigo representam casos extremos de repasse dos

encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se

declararam informais em 2008. Mais do que refletir sobre a participação dos agentes

envolvidos (empregado e empregador), e do papel do governo federal como criador de

políticas sociais, a idéia é usar esses e futuros resultados para assegurar padrões razoáveis de

vida da população rural.

Palavras-chave: mercado de trabalho, agricultura, sazonalidade, Brasil, Alemanha.

Page 6: Tese - Capa

vi

ABSTRACT This thesis presents a collection of three articles on the agricultural labor market. Two issues

were highlighted in this study: the informality and the outsourcing of labor. In this study,

informality is understood as a non payment of taxes and social contributions, and outsourcing

of labor is a system of hiring seasonal workers via a third person.

Article 1 provides a historical perspective on the rights of rural workers in Brazil, its

labor relationship throughout the twentieth century and their impact on wages earned in this

sector. Article 2 deepens the analysis of the role of an outsourcing, through two studies

conducted between 2006 and 2010: the first one in Piracicaba (SP), and second one, in

Germany. Finally, Article 3 replicates the structure of the Brazilian labor market based on the

PNAD 2008, and simulates two alternatives for the inclusion of rural workers in the social

security system.

The scenarios presented in the last article represent extreme cases of payroll transfer

taxes and social contributions of the employees and self-employed, who declared informal in

2008.

These results reflect not only the role played by those agents (employees and employers), but

also by the federal government as a policy maker. The idea is to use these results to ensure

reasonable standards of living of the rural population.

Keywords: labor market, agriculture, seasonality, Brazil, Germany.

Page 7: Tese - Capa

vii

SUMÁRIO

Página

LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................... x

LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................................. xi

LISTA DE TABELAS ................................................................................................... xii

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 1

Artigo 1 – SALÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO CAM PO:

PERSPECTIVAS HISTÓRICAS

1 Introdução................................................................................................................ 4

1.1 Por que analisar os salários rurais? ......................................................................... 5

2 As fontes de dados e a metodologia........................................................................ 9

2.1 Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1920 ........................................... 9

2.2 Correspondência dos municípios ........................................................................... 10

2.3 Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1991 ......................................... 11

2.4 Correspondência das categorias ocupacionais....................................................... 11

2.5 Outras fontes de dados ........................................................................................... 13

3 Legislação trabalhista e relações de trabalho......................................................... 14

3.1 As relações de trabalho nas atividades agrícolas ................................................... 14

3.2 Histórico da legislação trabalhista no campo......................................................... 19

3.2.1 1ª fase: A criação da CLT ...................................................................................... 20

3.2.2 2ª fase: A criação do ETR ...................................................................................... 23

3.2.3 3ª fase: A criação da Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973..................................... 25

4 Houve impacto efetivo da legislação trabalhista nas atividades agrícolas? .......... 27

Page 8: Tese - Capa

viii

4.1 O que dizem os Censos...................................................................................... 27

4.2 O que dizem os dados de Remuneração do Trabalho Agrícola........................ 31

5 Considerações finais .......................................................................................... 35

Referências bibliográficas........................................................................................... 37

Anexo I Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007... 41

Anexo II Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991 .... 42

Anexo III Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, 1966 a

1999............................................................................................................................. 43

Artigo 2 – O MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA E A INTER MEDIAÇÃO

DE MÃO DE OBRA

1 Introdução.............................................................................................................. 44

2 Características do setor agrícola............................................................................ 45

3 Brasil: um estudo de caso sobre o corte de cana................................................... 48

3.1 As atividades dos empreiteiros na região de Piracicaba....................................... 48

3.2 As condições de vida dos trabalhadores sazonais em São Paulo........................... 51

3.3 As relações entre os agentes entrevistados na região de Piracicaba..................... 53

3.4 Tipos de contratos estabelecidos pelos intermediários .......................................... 55

3.5 Tipos de empreitada para as usinas na região de Piracicaba ................................. 56

4 Alemanha: uma visão geral sobre o fluxo migratório do Leste europeu............... 57

4.1 Uma visão histórica................................................................................................ 58

4.2 Os fluxos migratórios Leste-Oeste......................................................................... 62

4.3 As políticas alemãs para o mercado de trabalho agrícola...................................... 64

4.4 Como contratar um estrangeiro como trabalhador sazonal?.................................. 69

5 Considerações finais .......................................................................................... 72

Referências bibliográficas........................................................................................... 77

Anexo I Direitos dos trabalhadores sazonais, 2009........................................................ 80

Page 9: Tese - Capa

ix

Artigo 3 – COMO REDUZIR OS NÍVEIS DE INFORMALIDADE NA

AGRICULTURA? UM MODELO DE MICRO-SIMULAÇÃO PARA O BR ASIL

1 Introdução............................................................................................................... 81

2 Metodologia........................................................................................................... 82

2.1 Os modelos de micro-simulação........................................................................... 82

2.2 O algoritmo de conversão de renda bruta-líquida-bruta no modelo SM2............. 84

2.3 As fontes de dados utilizadas ................................................................................ 88

2.3.1 A PNAD ................................................................................................................. 89

2.3.2 O Sistema de Contas Nacionais (SCN).................................................................. 94

3 O sistema tributário no Brasil................................................................................. 98

3.1 Os custos sociais do trabalho no Brasil.................................................................. 99

3.2 As regras para a declaração do Imposto de Renda (pessoa física) ...................... 102

4 Aplicando o modelo SM2 .................................................................................... 105

4.1 Considerações específicas sobre o uso da PNAD no SM2.............................. 105

4.2 Checagem dos dados........................................................................................ 107

4.3 Os cenários analisados..................................................................................... 108

5 Resultados preliminares e considerações finais............................................... 110

Referências bibliográficas......................................................................................... 114

Anexo I Fluxograma de seleção dos dados da PNAD, 2008........................................ 116

Anexo II Variáveis consideradas como demais rendimentos, PNAD 2008................. 118

Anexo III Componentes dos rendimentos agregados, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor

agrícola, 2008............................................................................................................. 119

Anexo IV Componentes dos rendimentos médios, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola,

2008........................................................................................................................... 120

CONCLUSÃO............................................................................................................. 121

Page 10: Tese - Capa

x

L ISTA DE FIGURAS

Página

ARTIGO 1

1 Evolução da legislação trabalhista no campo ...................................................... 20

2 Direitos previstos na CLT para o trabalhador rural, 1943 ................................... 21

ARTIGO 2

1 Regiões de origem dos trabalhadores sazonais contratados pelos empreiteiros

de São Paulo......................................................................................................... 49

2 Relação entre os agentes participantes do mercado de trabalho agrícola

sazonal na região de Piracicaba ........................................................................... 54

3 Relações contratuais nas empreitadas de corte e transporte de cana ................... 55

4 Fluxo migratório do Leste europeu para a Alemanha.......................................... 63

ARTIGO 3

1 Relação básica entre os valores líquidos e brutos dos rendimentos..................... 84

2 Tipos de ocupação, PNAD 2008.......................................................................... 98

3 Canários analisados sobre a formalização do empregado, Brasil e setor

agrícola............................................................................................................... 109

Page 11: Tese - Capa

xi

L ISTA DE GRÁFICOS

Página

ARTIGO 1

1 Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007 ...... 7

2 Média da taxa de salário diário com e sem sustento, principais ocupações,

setor agrícola, 1920 .............................................................................................. 10

3 Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1920............................. 28

4 Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1991............................. 29

5 Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991 ........ 31

6 Salários reais pagos no setor agrícola, Brasil, 1966 a 1999................................. 32

7 Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, regiões

Sudeste e Nordeste, 1966 a 1999 ......................................................................... 34

ARTIGO 2

1 Participação do emprego por setor, Alemanha, 1950 a 2007............................... 59

2 Tamanho das propriedades por estado, Alemanha, 2007..................................... 60

3 Participação do emprego na agricultura, Alemanha, 1950 a 2007....................... 61

4 Emprego na agricultura e a Regra de Canto, 2007 e 2008................................... 75

Page 12: Tese - Capa

xii

L ISTA DE TABELAS

Página

ARTIGO 1

1 População ocupada na agricultura, 1920 a 1998.................................................... 8

2 Compatibilização das categorias ocupacionais nos Censos Demográficos de

1920 e 1991.......................................................................................................... 13

3 Relações de trabalho, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970 ......................... 16

4 Relações de trabalho, diaristas, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970 .......... 18

ARTIGO 2

1 Custos fixos e variáveis para o cálculo da tonelada de cana cortada, 2007......... 57

2 Número de estrangeiros contratados na Alemanha, por programa, 1991 a

1996...................................................................................................................... 66

3 Permissões de trabalho de acordo com as cláusulas de exceção do ASAV,

2006...................................................................................................................... 67

4 Trabalhadores sazonais, por país de origem, 1991 a 2007................................... 68

5 Contratação de trabalhadores sazonais, Brasil e Alemanha, 2010....................... 76

ARTIGO 3

1 Algoritmo de conversão de renda bruta em líquida ............................................. 85

2 Fontes de dados secundários disponíveis sobre o mercado de trabalho no

Brasil .................................................................................................................... 88

3 Definições básicas, PNAD 2008.......................................................................... 90

4 Ocupações, PNAD 2008 ...................................................................................... 91

5 Rendimento de outras fontes, PNAD 2008.......................................................... 92

Page 13: Tese - Capa

xiii

6 Variáveis de controle, PNAD 2008 ..................................................................... 93

7 Descrição dos componentes das famílias no SCN............................................... 95

8 Correspondência da PNAD no SCN.................................................................... 97

9 Contribuição social mensal no Brasil e suas respectivas alíquotas, 2008.......... 100

10 Benefício do salário-família por faixa de salário mensal, 2008......................... 100

11 Custos sociais do trabalho no Brasil, 2008 ........................................................ 102

12 Checagem da PNAD pelo SCN ......................................................................... 107

13 Principais componentes do rendimento, imposto, contribuições sociais e

deduções no sistema tributário no Brasil ........................................................... 110

14 Componentes dos rendimentos brutos, Brasil e setor agrícola, 2008 ................ 111

15 Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil, 2008...... 112

16 Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor

agrícola, 2008..................................................................................................... 113

Page 14: Tese - Capa

1

INTRODUÇÃO

Esta tese apresenta uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois

temas foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra, conhecida

como empreitada. Entende-se por informalidade o não pagamento dos encargos trabalhistas e

contribuições sociais, e por intermediação de mão de obra, o sistema de contratação de

trabalhadores sazonais via intermediário. Esses temas representam duas características

recorrentes no setor agrícola, que, sob alguns aspectos, se relacionam entre si.

O Artigo 1 apresenta uma perspectiva histórica sobre os direitos do trabalhador rural no

Brasil, suas relações de trabalho ao longo do século XX, e seus impactos nos salários recebidos

no campo. Dado que os trabalhadores rurais continuam a engrossar as estatísticas de

informalidade e pobreza, a hipótese adotada foi que os direitos trabalhistas previstos em lei estão

sendo cumpridos de forma insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou

positivamente os salários das atividades agrícolas. Para isso, foram estabelecidas três fases da

evolução da legislação trabalhista com base na criação da CLT, do ETR e da Lei no 5.889. A

partir dos Censos Demográficos de 1920 e 1991, dos dados de Remuneração do Trabalho

Agrícola e da metodologia de áreas mínimas comparáveis, desenvolvida pelo IPEADATA,

verificamos que a terceira fase foi a que teve maior impacto nos níveis de salários recebidos pelo

trabalhador rural, mas que esse impacto não foi homogêneo entre as cinco regiões brasileiras. Em

relação à contratação de mão de obra, o destaque é para o Estatuto do Trabalhador Rural, que, já

em 1963, introduziu a equivalência do proprietário com o empreiteiro e o parceiro no que se

refere às reclamações trabalhistas, embora, na prática, essa equivalência não tenha sido

observada. Mesmo assim, o fato do ETR ter incluído o intermediário como um dos três principais

agentes contratantes de mão de obra sazonal já na década de 1960 sinaliza para sua importância

no mercado de trabalho agrícola.

Nesse sentido, o Artigo 2 aprofunda a análise do papel do intermediário, através de dois

estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010. O primeiro deles, na região de Piracicaba (SP), e

Page 15: Tese - Capa

2

o segundo, na Alemanha. O Artigo mostra que ainda hoje a intermediação de mão de obra na

agricultura é considerada proibida pela legislação trabalhista brasileira. Isso porque a Lei no

6.019, que dispõe sobre as empresas de trabalho temporário, se restringe às áreas urbanas. Pelo

estudo de caso com o corte de cana em Piracicaba, ficou claro que os empreiteiros não são meros

intermediários de mão de obra. Todos os contratos estabelecidos entre empreiteiros e usinas se

baseiam no sistema de empreitada. Mas, como a Justiça do Trabalho não reconhece o

intermediário como empregador, se houver fiscalização, as usinas acabam arcando com todo o

ônus da contratação. Mesmo assim, a capacidade desse intermediário de distribuir os custos fixos

de contratação de mão de obra por vários produtores e de aliviar os produtores das tarefas difíceis

de seleção e de supervisão de mão de obra é que explicam a sua existência (ilegal) na agricultura

brasileira. Na Alemanha, os produtores contam com uma estrutura pública de apoio à contratação

de mão de obra sazonal, que pode ser interpretada até como uma espécie de intermediário. Sem

dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta de mão de obra, e conseqüentemente, a

qualidade do trabalho ofertado. Mas o intermediário, mesmo sob o papel do Estado, ainda não é

condição suficiente para garantir que todos os trabalhadores tenham carteira assinada. Por isso, o

Artigo 3 busca outras alternativas dentro da estrutura tributária vigente para a formalização do

trabalhador rural, com destaque para o sazonal.

Assim, o Artigo 3 replica a estrutura do mercado de trabalho brasileiro a partir dos dados

da PNAD de 2008 (cenário 1), e simula duas alternativas para a inclusão do trabalhador rural no

sistema de seguridade social. O cenário 2 repassa para os empregados todos os custos de

contratação, considerando que os empregadores não querem pagar além do que eles já pagam

pelo serviço de seus empregados. De forma contrária, o cenário 3 mantém o nível de salário dos

empregados, e repassa os custos de formalização para o empregador. Essas simulações foram

feitas para o Brasil e para o setor agrícola através da transformação do rendimento do trabalho

bruto em líquido utilizando o Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), que já foi utilizado

amplamente pelo EUROSTAT em outros países da Europa. Para o sistema tributário do Brasil,

consideramos os custos sociais do trabalho e as regras para a declaração do Imposto de Renda

(pessoa física). Apesar dos resultados ainda serem preliminares, observamos que tanto para o

Brasil, quanto para o setor agrícola, os rendimentos do trabalho foi o componente mais

significativo no total de rendimentos, seguido do rendimentos de aposentadorias e pensões. Na

comparação dos três cenários para o setor agrícola, verificamos que, no cenário 1, os encargos

Page 16: Tese - Capa

3

trabalhistas são bem inferiores à média brasileira. Já no cenário 2, os impostos e as contribuições

sociais do empregado são reduzidas. Contudo, a redução no rendimento líquido é mais acentuada

no Brasil do que no setor agrícola. Na comparação do cenário 1 com o cenário 3, apesar de não

haver diferença no rendimento líquido, o impacto do cenário 3 no custo final da mão de obra é de

5% para o Brasil e 14% para o setor agrícola, o que compromete qualquer política de repasse de

encargos trabalhistas no campo nesse cenário.

Os cenários apresentados no último capítulo representam casos extremos de repasse dos

encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam

informais em 2008. Mais do que refletir sobre a participação dos agentes envolvidos (empregado

e empregador), e do papel do governo federal como criador de políticas sociais, a idéia é usar

esses (e principalmente futuros) resultados para assegurar padrões razoáveis de vida da população

rural.

Page 17: Tese - Capa

4

Artigo 1

SALÁRIOS E LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO CAMPO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS

1. Introdução

No início do século XX, o Brasil era predominantemente rural, e sua economia dependia em grande

parte das exportações agrícolas. Nesse momento, o emprego de tecnologia para a produção de

excedente ainda era restrito, o que aumentava a importância da mão de obra nesse processo

produtivo. Se houvesse equilíbrio entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho agrícola, talvez

os trabalhadores rurais recebessem melhores salários. No entanto, três grupos distintos disputavam

as vagas então existentes: os brancos, os negros (ex-escravos) e os imigrantes recém chegados no

Brasil. E não havia um piso salarial que servisse de base para as diferentes atividades. Essas

questões, juntamente com a não-qualificação da mão de obra, não são novas, e poderiam servir de

justificativa para os baixos níveis de remuneração no campo no início do século XX. Contudo, quase

cem anos depois, os trabalhadores rurais continuaram a engrossar as estatísticas de pobreza no

Brasil. O presente artigo foi motivada por esta constatação, e tem como objetivo analisar os salários

recebidos nas atividades agrícolas durante esse período a partir da evolução dos direitos trabalhistas

conquistados pelo trabalhador rural. Entende-se que os salários recebidos têm uma relação direta

com a renda do domicílio e, conseqüentemente, com o grau de pobreza. A hipótese adotada no

presente estudo é que os direitos trabalhistas previstos em lei estão sendo cumpridos de forma

insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou positivamente os salários dos

trabalhadores rurais. De forma complementar, foi feita uma análise regional desses salários, dando

ênfase a singularidade entre as regiões brasileiras.

No intento de obter uma análise histórica, foram selecionados os Censos Demográficos de

1920 – o primeiro com informações sobre salário por categorias ocupacionais – e o de 1991 – o

último realizado no século XX e que nos fornece um nível desagregado das categorias ocupacionais,

o que facilitou a compatibilização com o primeiro Censo selecionado. Para o período intermediário,

quando são promulgadas as principais leis trabalhistas, foram utilizados os dados de Remuneração

do Trabalho Agrícola, publicado pela Fundação Getúlio Vargas.1 Para os anos posteriores a 1991,

1 Entende-se por promulgação a publicação de uma lei ou de um decreto pelo chefe de Estado (Michaelis, 2009).

Page 18: Tese - Capa

5

fez-se uso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), publicada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Este artigo possui cinco seções, e se inicia com a presente introdução. Essa introdução

também é acompanhada de uma discussão teórica sobre a importância da análise dos salários rurais

à luz da legislação trabalhista. A seção dois apresenta as fontes de dados e a metodologia empregada

de compatibilização das categorias ocupacionais selecionadas, bem como as fontes de dados

secundárias. A seção três, faz-se uma descrição das diferentes formas de relações de trabalho

existentes no meio rural, e da história dos direitos conquistados pelo trabalhador do campo ao longo

do século XX. A análise da evolução do salário rural e o impacto da legislação trabalhista nos seus

níveis encontram-se na seção quatro. Finalmente, a seção cinco apresenta as principais conclusões

do artigo.

1.1. Por que analisar os salários rurais?

A análise dos salários recebidos nos diferentes setores da economia é fundamental para entender não

apenas o processo de acumulação de capital, mas também as variações que se produzem na

distribuição de renda de um determinado país. No caso das atividades agrícolas, esse indicador é

ainda mais relevante. Primeiro, por ser até hoje o setor que mais emprega mão de obra não-

qualificada. Segundo, por ser o setor que possui os rendimentos mais próximos do nível mínimo

estabelecido pelo governo (salário mínimo). E terceiro, por ser o setor que mais emprega mão de

obra informal. A combinação dessas três características faz com que o campo ainda esteja associado

aos índices mais baixos de pobreza no Brasil.

A literatura brasileira, ao abordar os salários recebidos, tem se preocupado principalmente

com os indicadores que os determinam – como em Saylor (1974), Gasques (1975 e 1981), Cunha &

Maia (1984) e Staduto (2002) – e com a dinâmica do mercado de trabalho – como em Bacha (1979),

Gasques (1980), Rezende (1985), Sabóia (1985) e Rezende & Kreter (2007). Entre os fatores

determinantes dos salários rurais, encontram-se não apenas a promulgação da Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT), mas também o que é considerado como salário não-monetário, ou seja, a

concessão de moradia, alimentação, etc. Esses benefícios aparecem de forma bastante recorrente,

por exemplo, nos diferentes levantamentos feitos pelo Ministerio da Agricultura, Industria e

Commercio em 1911, através da distinção do salário a seco, ou com comida.

Os benefícios concedidos aos trabalhadores rurais nas primeiras décadas podem ser

interpretados como resquícios de relações de trabalho adotadas em períodos anteriores, quando o

empregado (escravo ou livre) também residia na propriedade onde trabalhava (Freyre, 2006). Por

Page 19: Tese - Capa

6

isso, o termo benefício aparece neste trabalho sempre entre aspas quando referido ao período

anterior à criação da CLT. E é por isso também que as diferentes formas de pagamento no campo

(monetárias e não-monetárias) foram contempladas neste artigo.

Além dessas duas perspectivas, os salários recebidos têm sido utilizados de forma

complementar para a análise do êxodo rural inter-regional, do movimento sindical e do movimento

populista – Harding (1973), Weffort (1980), Oliveira (2002), Mattos (2004), Paulo (2004) e Corrêa

(2007). Segundo Martine & Arias (1987), cerca de 30 milhões de pessoas sairam do campo entre

1960 e 1980.

Vale lembrar que, apesar da CLT ter sido promulgada em 1943, sua extensão ao campo não

foi observada de forma clara nos anos subseqüentes, nem mesmo após a criação do Estatuto do

Trabalhador Rural (ETR), em 1963. Mesmo assim, a possibilidade de incremento nos salários

recebidos a partir da criação do salário mínimo como piso estimulou um intenso debate na academia

durante a década de 1970.

Na literatura mais recente, o setor agrícola não tem tido a mesma atenção, talvez porque esse

setor, ao longo dos anos, tenha perdido sua importância na composição da renda nacional, ou talvez

porque muitos pesquisadores consideram que a extensão da legislação trabalhista ao campo tenha

solucionado os problemas vivenciados pelos trabalhadores nas áreas rurais.2 Para o primeiro

argumento, o Gráfico 1 ilustra a mudança na composição setorial da renda nos últimos sessenta

anos. Note que, na década de 1950, a participação da agropecuária e a da indústria eram muito

semelhantes. No final da década de 1990, a participação da agropecuária na renda já estava em torno

de 7%, enquanto que a indústria participava com 31%, e o setor serviços, com 52%. Em 2007, esses

percentuais passaram a ser 6%, 28% e 66%, respectivamente.

2 Para o aprofundamento dessa abordagem, consultar Silva (1997) e Balsadi (2007).

Page 20: Tese - Capa

7

Gráfico 1 Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1947 1950 1953 1956 1959 1962 1965 1968 1971 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007

%

Agropecuária Indústria ServiçosFonte: Ipeadata. Elaboração: Própria.

Apesar da redução de importância do setor agropecuário na composição da renda nacional, a

população economicamente ativa (PEA) agrícola ainda responde por cerca de 24% do total da PEA

nacional. Note, pela Tabela 1, que mesmo com a redução da população ocupada, a agricultura ainda

empregava quase 14 milhões de pessoas em 1998. A Tabela 1 também sinaliza para uma

acomodação no número de pessoas ocupadas nesse setor.

Page 21: Tese - Capa

8

Tabela 1 População ocupada na agricultura, 1920 a 1998

AnoPessoal Ocupado (mil

pessoas)Variação a.a. (%)

1920 6.312 -----1940 11.343 79,71

Censo 1950 10.997 -3,05Agropecuário 1960 15.634 42,17

1970 17.582 12,461975 20.346 15,721980 21.164 4,021985 23.395 10,541995 17.931 -23,36

PNAD 1996 13.905 -22,451997 13.679 -1,631998 13.758 0,58

Fonte: IBGE - Estatísticas Históricas do Brasil - Séries Estatísticas Retrospectivas, v.3, Séries Econômicas, Demográficas e Sociais, 1950 a 1985 e Censo Agropecuário de 1985 e 1995/1996 e IBGE - Diretoria de Pesquisas - Departamento de Contas Nacionais.

A queda significativa do número de empregos na agricultura a patir da década de 1990

coincide com o processo mais recente de modernização da agropecuária brasileira. Vários estudos

como Ávila & Evenson (1995), Gasques & Conceição (1997), Dias & Bacha (1998), Conceição

(1998) e Rezende (2006) analisaram essa modernização como resultado de um consistente aumento

da produtividade total dos fatores.3 Deve-se considerar, contudo, que o aumento da produção e da

produtividade de maneira diferenciada entre as regiões e estados no Brasil pode ter influenciado os

níveis dos salários rurais vigentes, assim como as políticas fundiária e creditícia, o custo de vida, a

sindicalização dos trabalhadores, etc. Apesar da importância desses aspectos, o presente artigo

abordou apenas dois deles: a efetividade das instituições jurídicas e a diversidade das relações de

trabalho.

3 Entendem-se como fatores de produção na agricultura os recursos naturais (terra), o trabalho (mão de obra) e o capital. Segundo Rezende & Kreter (2007), a agropecuária, mais do que os demais setores, é caracterizada pela maior flexibilidade na escolha de tecnologia. Essa diversidade deu lugar ao conhecido modelo de inovação tecnológica, de Hayami e Ruttan, onde, através dos casos americano e japonês, os autores mostram que as escolhas tecnológicas são variadas porque os preços desses fatores de produção também variam. Nos Estados Unidos, há abundância de terra e falta mão de obra. Já no Japão, a terra é que é o fator de produção escasso (Hayami & Ruttan, 1985). Vale lembrar que a tecnologia empregada na agropecuária pode ser analisada não apenas de forma temporal (histórica), mas também entre regiões e entre culturas. Normalmente as culturas voltadas para o mercado internacional costumam ser beneficiadas pelas políticas governamentais e, conseqüentemente, tendem a empregar mais tecnologia.

Page 22: Tese - Capa

9

2. As Fontes de Dados e a Metodologia

O presente trabalho utilizou como fonte de dados principal os Censos Demográficos de 1920 e 1991.

Para tanto, adotamos dois critérios básicos de adequação da metodologia desses Censos. Esses

critérios foram desenvolvidos pelo Ipeadata, e se baseam:

� Na compatibilização dos municípios e das ocupações: dado que o número de municípios

instalados em ambos os Censos é diferente, a comparabilidade foi feita através da

identificação das mudanças na divisão territorial. Isto permitiu o seguimento e o

monitoramento dos municípios instalados oficialmente no Censo de 1920, e sua

correspondência no Censo de 1991. Ex.: a área territorial de Resende e Itatiaia, no Censo de

1991 correspondia a Resende em 1920. O mesmo critério de compatibilização foi aplicado

para as categorias ocupacionais; e

� Na agregação dos salários por categoria ocupacional e por regiões geográficas: depois de

ter gerado a base de dados comparável, as informações foram processadas em grandes

agregados, possibilitando a elaboração de análises regionais. Os valores apresentados por

categoria ocupacional e por grandes regiões permitem uma melhor visualização e

compreensão das mudanças ocorridas no setor agrícola ao longo do século XX.

O termo salário no presente artigo se refere às taxas de salários diários das ocupações rurais,

ou seja, “o salário-base pago a força de trabalho não-qualificada no núcleo realmente capitalista de

uma economia” (Sabóia, 1985).

2.1. Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1920

O Censo Demográfico de 1920 – o qual abrangeu os Censos de População, Agricultura e Indústria –

registrou em 1˚ de setembro um total de 1.329 municípios instalados legalmente. Entre as profissões

apresentadas no Censo, selecionamos:

- Arador - Derribador de Madeira

- Carpinteiro - Ferreiro

- Carroceiro - Lenhador

- Oleiro - Vaqueiro

- Trabalhador de Enxada - Ordenhador

Page 23: Tese - Capa

10

Dentro do universo de municípios instalados, 748 possuíam algum tipo de informação para

os trabalhadores diaristas no setor rural.4 E, para esses municípios, foram coletadas informações

sobre os salários diários com e sem sustento por categorias ocupacionais. Embora o Censo de 1920

não seja muito claro ao definir esses dois conceitos, estamos supondo que, além da remuneração em

dinheiro, o trabalhador que recebia o salário sem sustento recebia também outros benefícios – como,

por exemplo, moradia – que não foram incluídos no salário com sustento. Isso pode ser comprovado

pelo próprio número de observações. O número de trabalhadores que se auto-declararam sem

sustento foi maior, e o valor da média do rendimento também foi 29% maior se comparado com o

salário diário com sustento (ver Gráfico 2).

Portanto, como não temos uma definição exata de ambos os conceitos, vamos considerar o

salário sem sustento como sendo o total dos rendimentos recebidos pelo trabalhador diarista, sendo

em dinheiro ou em espécie. Desse ponto em diante, ao mencionarmos o salário do Censo

Demográfico de 1920, estaremos nos referindo ao salário diário sem sustento.

2.2. Correspondência dos municípios

Sendo o objetivo deste artigo analisar historicamente o comportamento dos salários recebidos nas

atividades agrícolas, o passo seguinte foi compatibilizar os municípios dos Censos Demográficos de 4 Cabe mencionar que, entre os valores coletados, não conseguimos diferenciar valores zeros dos valores missing (valores perdidos ou ausência de informação fornecidos pelo programa SAS). Por isso, optamos por trabalhar unicamente com os municípios que tem declarado valores positivos nos rendimentos em pelo menos uma categoria ocupacional.

Page 24: Tese - Capa

11

1920 e de 1991. Em primeiro lugar, foram identificados os municípios de 1991 no Censo

Demográfico de 1970. Em seguida, vinculou-os com os municípios do Censo de 1940 até

chegarmos à correspondência dos municípios de 1940 com os declarados no Censo Demográfico de

1920. Essa compatibilização foi criada pelo Ipeadata e faz parte do projeto de geração de áreas

mínimas comparáveis (AMCs). Após a criação das AMCs com base no Censo de 1920, foram feitas

novas agregações para compor as atuais regiões brasileiras.5

2.3. Descrição dos dados do Censo Demográfico de 1991

Para a obtenção do salário diário por ocupação, utilizamos os microdados da amostra do Censo

Demográfico de 1991. O universo de análise se restringiu aos trabalhadores que se declararam

ocupados no período de referência da pesquisa. Para gerar uma base compatível com o Censo

Demográfico de 1920, foi necessário filtrar, na amostra dos microdados do Censo de 1991, as

pessoas ocupadas. São consideradas ocupadas aquelas pessoas que declararam ter trabalhado de

maneira habitual ou eventualmente durante os últimos 12 meses anteriores à data do Censo.6

Outro aspecto fundamental na base do Censo Demográfico de 1991 foi a construção do valor

total das remunerações salariais dos ocupados. Para a construção da renda dos indivíduos, no caso

de 1991, foram agregados três tipos de rendas:

� Renda por trabalho: valores brutos da ocupação principal e valores brutos das outras

atividades;

� Renda por transferências: rendimentos brutos de aposentadoria ou pensão; e

� Outras rendas: rendimentos brutos de outros rendimentos.7

Os valores de rendimentos para os ocupados são declarados mensalmente, de tal forma que

os valores foram divididos por trinta para se tornarem comparáveis com o Censo de 1920, que

coletou informações sobre os salários diários.

2.4. Correspondência das categorias ocupacionais

Para compatibilizar as categorias ocupacionais de 1920 e 1991, foram utilizados apenas os

municípios identificados em ambos os Censos Demográficos e que possuíam correspondência.

Como foi dito anteriormente, a partir das agregações municipais é que foram gerados os dados por

5 Para maiores informações, consultar http://www.ipeadata.gov.br. 6 Para este filtro foi utilizada a variável V0345. 7 As variáveis utilizadas para este filtro foram: V0356 para os valores brutos da ocupação principal; V0357 para os valores brutos das outras atividades; V0360 para os rendimentos brutos de aposentadoria ou pensão; e V0361 para os rendimentos brutos de outros rendimentos.

Page 25: Tese - Capa

12

região. Entretanto, mesmo obtendo a equivalência dos salários diários dos trabalhadores no setor

agrícola e das regiões, ainda seria necessária a seleção das ocupações (mencionadas no item 2.1).

A compatibilização dessas ocupações foi feita através do universo de ocupados na área

rural.8 Ao compatibilizar as estruturas ocupacionais do Censo Demográfico de 1991 com respeito ao

Censo de 1920 obtivemos três grandes grupos de compatibilização:

� Plena concordância: nesse caso, a categoria ocupacional apresentada no Censo Demográfico

de 1920 foi descrita de igual maneira em 1991, o que é o caso das seguintes ocupações:

carpinteiro, ferreiro, lenhador, oleiro e pedreiro;

� Reagrupação: aqui, duas ou mais categorias ocupacionais de 1920 se encontram juntas no

Censo de 1991. Esse é o caso dos carroceiros e tropeiros que no Censo de 1920 apareceram

com informações salariais independentes, mas que em 1991 possuíram o mesmo código de

atividade. Outro exemplo de nossa base se refere às três categorias ocupacionais: arador,

roçador de mato e trabalhador de enxada, que no Censo de 1991 se encontraram agrupadas

na categoria trabalhador braçal; e

� Código mais atividade: a terceira e última forma de compatibilizar as categorias

ocupacionais selecionadas foi misturar o código de ocupação com o código de atividade –

ambas variáveis presentes no Censo de 1991 – e dessa forma obter uma aproximação da

categoria ocupacional apresentada no Censo de 1920.9

Por exemplo, para obter a categoria ocupacional de derribador de madeira presente no Censo de

1920, foi necessário considerar a categoria ocupacional de serrador, mais o código de atividade de

extração de madeira, dessa maneira obtivemos uma aproximação da categoria ocupacional em 1920

(Tabela 2).

8 Variável V0346, também chamada de código da ocupação. 9 Variável V0347.

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13

Tabela 2 Compatibilização das categorias ocupacionais nos Censos Demográficos de 1920 e 1991

Atividade Ocupacional Posição na Ocupação1920 1991* 1991* 1991*

Carpinteiro CarpinteiroFerreiro Ferreiro

Lenhador LenhadorOleiro Oleiro

Pedreiro PedreiroCarroceirosTropeirosArador

Rocador Trabalhador BracalTrabalhador da EnxadaDerribador de Madera Serrador Extração de Madeira

OrdenhadorTripeiros, Peixeiros e

Leiteiros

Vaqueiro Criador de Gado Bovino PecuáriaTrab. Agr. Volante / Trab.

Dom. EmpregadoFonte: IBGE - Censos Demográficos de 1920 e 1991.* Para 1991 as ocupações se referem unicamente a área rural.

Categoria Ocupacional

Carroceiros, Tropeiros

Existe um caso na nossa base onde, além do código da ocupação e de atividade, foi

necessário controlar nossa variável pela posição na ocupação.10 Esse foi o caso dos vaqueiros, onde,

para ter certeza que nos referíamos aos assalariados desta ocupação, levamos em consideração

também o tipo de trabalho (trabalhadores agrícolas volantes ou trabalhadores domésticos

empregados). A Tabela 2 mostra as variáveis utilizadas no Censo Demográfico de 1991 para obter

de forma comparável as categorias ocupacionais pertencentes ao Censo de 1920.

2.5. Outras fontes de dados

Como foi apresentado na Introdução, utilizamos outras duas fontes de dados para complementar a

análise dos salários rurais. São elas:

� a Remuneração do Trabalho Agrícola, publicado semestralmente pela Fundação Getúlio

Vargas de 1966 a 2006; e

� a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), publicada anualmente pelo IBGE a

partir de 1967.

Para essas duas fontes, foram utilizadas apenas as categorias ocupacionais agregadas – mão de obra

eventual (sazonal) e mão de obra permanente.

10 Variável V0349.

Page 27: Tese - Capa

14

3. Legislação Trabalhista e Relações de Trabalho

O conjunto de leis, conhecido como direitos trabalhistas, é relativamente recente. Eles representam

conquistas adquiridas ao longo do século XX, mas que em grande parte se desenvolveram a margem

das atividades agrícolas. Esta seção tem como objetivo analisar as relações de trabalho existentes no

meio rural, e suas singularidades quando comparadas às cidades (3.1). Esta seção apresenta ainda

um histórico da legislação trabalhista, dando ênfase às leis que regularam e que ainda regulam o

campo (3.2).

3.1. As relações de trabalho nas atividades agrícolas

Nove horas da noite o silêncio enchia tudo e a gente se estirava nas tábuas que serviam de cama e dormíamos um sono só, sem sonho e sem esperanças. Sabíamos que no outro dia continuaríamos a colher cacau para ganhar três mil e quinhentos que a despensa nos levaria.

(p. 47, Cacau, 1933, Jorge Amado)

Jorge Amado ao descrever a produção de cacau na década de trinta estava retratando uma realidade

que não fazia parte somente dos campos baianos. Até 1970, boa parte dos trabalhadores rurais

passava toda a sua vida em uma única propriedade, normalmente onde nasciam. Dos seus pais eles

herdavam as condições de moradia e a dependência em relação à providência de alimentos que não

os produzidos por eles – o que é conhecido hoje em dia como dívida de carteirinha. Esse ciclo de

renovação de mão de obra se perpetuava dentro das famílias e era fomentado por uma espécie de

pacto informal com o proprietário da fazenda.

Box 1

O que são e quando surgiram as chamadas dívidas de carteirinha?

As dívidas de carteirinha são conhecidas assim nas áreas rurais do Brasil por serem comumente dívidas

anotadas em pequenos cadernos, em formato de cadernetas. Segundo a Organização Internacional do

Trabalho (OIT), as dívidas de carteirinha representam uma das formas de servidão por dívida, que foi

definida pela Convenção sobre Escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926, como sendo “o

estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de

uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços

Page 28: Tese - Capa

15

não for eqüitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for

limitada nem sua natureza definida”.

No setor agropecuário brasileiro, essa modalidade de dívida surgiu juntamente com o assalariamento

da mão de obra, já que no campo, mais do que nas cidades, boa parte do pagamento era feito em espécie. A

utilização de mercadorias como pagamento era a forma mais fácil que o produtor tinha para remunerar seus

empregados. Esses produtos poderiam ser vendidos no mercado local mais próximo ou trocados em outras

propriedades rurais. Ocorre que nem tudo que era consumido pelas famílias dos trabalhadores era produzido

nas regiões próximas. Como alternativa as mercadorias consumidas pelas famílias passaram a ser adquiridas

na cidade ou vila mais próxima pelos produtores (patrões) e a serem oferecidas em suas propriedades a um

determinado preço. Os armazéns – como eram conhecidos os estabelecimentos que estocavam os produtos

nas fazendas – eram locais de compra a crédito, onde os trabalhadores adquiriam mercadorias para si e para

as suas famílias. Eles também recebiam adiantamentos em dinheiro. O acerto do débito era feito entre o

trabalhador e o patrão no final do mês, ou por ocasião do recebimento do salário. De forma alternativa, foi

criado o pagamento em vale, que ampliava, mesmo que de maneira precária, as opções de compra. Nesse

caso, o trabalhador poderia adquirir mercadorias no armazém próprio do produtor ou em outros, onde o

produtor mantivesse conta aberta para compras a crédito. Note que algumas circunstâncias contribuíram para

que esse crédito se transformasse em dívida, dentre elas: a falta de mobilidade por parte do trabalhador para

buscar alternativas de consumo, a falta de conhecimento também por parte do trabalhador sobre o preço de

mercado do produto adquirido e a não obrigatoriedade de pagamento do salário em dinheiro. O governo

federal tentou solucionar a terceira delas através da CLT, que estabeleceu que 30% do valor do salário

deveria ser pago em dinheiro. Entretanto, mesmo hoje, que há obrigatoriedade do pagamento integral do

salário em dinheiro, a falta de mobilidade e o desconhecimento dos preços de mercado permanecem.

A Tabela 3 destaca as principais relações de trabalho existentes nas atividades agrícolas até a

década de 1970. Apesar das categorias apresentadas serem as mais relevantes, a nomenclatura

utilizada na Tabela 3 se baseou nas denominações comumente usadas no meio para caracterizar ou

classificar o status do trabalhador rural nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essas mesmas

categorias podem ser encontradas em outros estados com nomes distintos.

Page 29: Tese - Capa

16

Tabela 3 Relações de trabalho, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970

Categoria Principais Características Tipo de Contrato PagamentoTrabalhadores Proprietários Rurais

Eram os trabalhadores que executavam a maior parte de suas atividades em estabelecimento próprio, seja sozinho, seja com a ajuda da família.

Não há contrato. O que era produzido, era apropriado pelo trabalhador proprietário e pela família - em espécie, quando consumido diretamente, ou em dinheiro, quando o produto fosse vendido no mercado.

Colonos Eram os trabalhadores que residiam na propriedade rural e que executavam tarefas no período de safra nas culturas do café e da cana-de-açúcar, na época de colheita ou fora dela. Em algumas regiões, o empreiteiro também era conhecido como colono.

Por escrito, com os seguintes elementos: nome da propriedade e sua localização, nome das partes contratantes, valores dos pagamentos, processo a ser adotado na exploração do produto, preferência na aquisição das safras de cereais dos colonos, comportamento, penalidades, número de pés ou área a ser tratada sob sua responsabilidade e vigência do contrato. Esse contrato era assinado pelo proprietário, pelo colono e por duas testemunhas.

Em dinheiro e em espécie. A remuneração era fixa e estipulada por mil pés tratados ou por sacas de café em côco colhida, no caso dos cafeeiros, e por hectare de cultura e tonelada de cana, na cana-de-açúcar. O pagamento era estipulado no início da safra para vigorar durante uma safra completa. O colono não podia pleitear reajuste.

Empreiteiros Eram os trabalhadores contratados para a execução de um serviço por empreitada, ou seja, executavam uma tarefa mediante o recebimento de uma quantidade previamente estabelecida.

Os contratos por escrito eram praticamente inexistentes. Eles eram feito na maior parte das vezes por combinações verbais entre as partes ("contratos de boca").

Normalmente o pagamento era feito por uma quantia fixa em dinheiro, mas era comum em certas lavouras o recebimento da colheita total ou parcial das primeiras safras da cultura em formação.

Parceiros Eram todos os agricultores que pagavam aluguel pelo uso da terra - onde faziam suas explorações agrícolas ou possuíam animais.

O valor do aluguel era previamente combinado entre agricultor e proprietário. Entretanto, na maior parte das vezes, eram contratos verbais ("contratos de boca").

O pagamento do parceiro ao proprietário era feito através de um percentual da produção em troca do uso da terra.

Arrendatários Assim como os parceiros, eram todos os agricultores que pagavam aluguel pelo uso da terra - onde faziam suas explorações agrícolas ou possuíam animais.

Assim como os parceiros, o valor do aluguel era previamente combinado entre agricultor e proprietário. Entretanto, na maior parte das vezes, eram contratos verbais ("contratos de boca").

A forma de pagamento pelo uso da terra era a única característica que distinguia um arrendatário de um parceiro. No caso do arrendatário, o pagamento era feito através de uma quantidade fixa de dinheiro ou de produto.

Mensalista Eram os trabalhadores que prestavam serviço com base em uma remuneração mensal.

Não foi especificado. Em dinheiro. Raramente era feito o pagamento em espécie, a não ser o oferecimento de moradia dentro da propriedade e a lenha para o combustível.

Diarista Eram os trabalhadores que prestavam serviço com base em uma remuneração diária.

Fonte: Ettori (1955). Elaboração: Própria.

Todas as variações de contrato referentes aos diaristas encontram-se no Quadro 2.

A primeira categoria apresentada é a de trabalhadores proprietários rurais. De acordo com o

levantamento feito em 1955 pela Secretaria da Agricultura do estado de São Paulo, 84% desses

trabalhadores possuíam terras com área de até 99 hectares. Esse número decresce à medida que a

área aumenta. Isso porque, a produção em propriedades maiores necessitava de contratação de mão

de obra assalariada, e gerava renda independente do trabalho físico do proprietário. Essa renda, por

sua vez, variava de acordo com o tipo de mão de obra empregada e a tecnologia adotada para a

produção. Entretanto, a constatação mais relevante apresentada pela Secretaria de Agricultura foi

verificar que as propriedades paulistas com área de 10 a 99 hectares também contratavam um

Page 30: Tese - Capa

17

número expressivo de assalariados em 1955. Segundo a Instituição, diversas razões podem ter

contribuído para isso, dentre elas: a) a relativa facilidade de se obter mão de obra assalariada no

estado, bem como parceiros e arrendatários; b) a baixa remuneração em vigor na região; c) o baixo

emprego de tecnologias intensivas em capital; d) a precária legislação trabalhista e tributária; e e) a

pequena oportunidade de emprego nos centros urbanos. Note que um dos entraves enfrentados pelos

proprietários era a falta de liquidez. Nesse momento o sistema bancário era incompatível com as

necessidades creditícias da agricultura, e a renda monetária proveniente da comercialização dos seus

produtos era escassa e incerta, o que limitava o uso de energia – animal ou motorizada – e o

emprego de novas tecnologias.

Os colonos representam a segunda categoria apresentada na Tabela 3, e a única, dentre as

analisadas, que aparece com recorrência de contratos por escrito. Embora o termo colono seja

comumente referido ao imigrante europeu do final do século XIX e início do século XX,

denominamos colono, ou meeiro, todo trabalhador residente na propriedade rural que executava

tarefas no período de safra nas culturas do café e da cana-de-açúcar. Além dos dispositivos

apresentados na Tabela 3, para o estado de São Paulo, os contratos incluíam ainda direitos e deveres

sociais, sendo entendido como social, a cobrança de taxas para o clube de futebol, cinema,

cerimônias religiosas e outras recreações. A inclusão desses direitos e deveres sociais deve ser

interpretada com uma certa ressalva, porque não encontramos qualquer evidência no estado de São

Paulo que apresentasse o número de contratos que previam na prática essas cláusulas. Apesar dos

colonos serem também conhecidos em algumas regiões como empreiteiros, a denominação

empreiteiro na Tabela 3 se refere ao prestador de serviço por empreitada.

Os diaristas e os mensalistas eram prestadores de serviços e podiam ser contratados tanto

pelos arrendatários e parceiros, quanto pelos proprietários rurais de grandes explorações agrícolas,

ou que operavam no sistema intensivo em mão de obra. Em algumas regiões, esses trabalhadores

também eram conhecidos como camaradas11. Os mensalistas possuíam denominações próprias

derivadas da função que exerciam dentro da propriedade: mensalistas categorizados

(administradores e fiscais), mensalistas especializados (tratoristas e motoristas) e mensalistas

comuns (carroceiros, retireiros, peões e foiceiros). Contudo, de todas as categorias apresentadas na

Tabela 3, os diaristas representavam o maior grupo de assalariados, e o que possuía a maior

diversidade nas relações de trabalho. A Tabela 4 sintetiza as singularidades de cada subcategoria de

diarista.

11 Camarada é o indivíduo empregado no serviço de campo ou das fazendas (Michaelis, 2009).

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18

Tabela 4 Relações de trabalho, diaristas, atividades agrícolas, Brasil, 1900 a 1970

Subcategoria Principais CaracterísticasCom Comida Eram os menos representativos e costumavam ser organizados em turmas para a execução de serviços

especiais como, por exemplo, no desbravamento de terras ou na formação de agricultura em zonas novas.

A Seco Eram os mais comuns nas atividades agrícolas e, ao contrário dos diaristas "com comida", costumavam ser contratados avulso.

Permanente Eram os trabalhadores que residiam nas propriedades e desempenhavam trabalhos variados ou específicos durante o ano todo.

Temporário Eram os trabalhadores que residiam nas propriedades, e que possuíam, geralmente, outra função regular, tal como colono de café ou parceiro agrícola, mas prestavam, em ocasiões de necessidade, certos dias de trabalho como diarista.

Volante Eram os trabalhadores que residiam fora da propriedade rural, principalmente na zona urbana, e que se deslocavam para o estabelecimento para prestar serviços em determinadas épocas do ano.

Agregado Eram os trabalhadores que residiam na propriedade e que só prestavam serviço e recebiam o pagamento quando eram solicitados, pois não se acham obrigados a trabalhar diariamente. Eles ficavam à disposição do estabelecimento, em qualquer emergência e sem recebimentos.

Fonte: Ettori (1955). Elaboração: Própria.

Segundo Ettori (1955), a contratação de todas as modalidades de diaristas era feita

diretamente pelo produtor rural, a exceção dos volantes, que também eram contratados por um

encarregado da turma, conhecido já nessa época como gato. O volante é a única subcategoria que

aparece com pagamento exclusivamente em dinheiro, e com valor superior ao dos camaradas

residentes nas propriedades rurais. Eles poderiam ser contratados tanto por diárias quanto por

tarefas.

É importante lembrar que as categorias da Tabela 3 e as subcategorias da Tabela 4 aqui

apresentadas também poderiam ser combinadas entre si. Por exemplo, o parceiro ou o arrendatário,

em períodos de safra, se tornava diarista por um curto período para o dono da terra que eles

alugavam. O volante, se levasse a refeição para o trabalho, também era chamado de diarista com

comida. E assim por diante.

Além dos tipos de contrato de mão de obra, até a década de 1970 os valores das diárias e dos

salários pagos aos trabalhadores eram bastante variáveis, tanto dentro quanto fora das propriedades.

Tomemos como exemplo o colono da lavoura de café. Parte do seu pagamento era feita em espécie,

e parte em dinheiro. Entende-se como espécie todos os bens recebidos pelo colono e seus familiares

para consumo. Havia variação na quantidade, na qualidade e na composição dessa cesta de bens,

mesmo em regiões próximas. Os produtos que apareciam com mais freqüência eram: café

beneficiado, arroz, milho e lenha para combustível. O colono podia receber ainda terra para plantar

Page 32: Tese - Capa

19

seus cereais (isolada ou intercalada)12, pasto para seus animais e residência. As propriedades com

áreas menores forneciam os cereais ao invés de terras para o seu cultivo.

O pagamento dos colonos em dinheiro tinha uma parte fixa e outra variável. No caso da

lavoura de café, o valor recebido era fixado por mil pés de café por ano, proporcional ao tamanho

das famílias, que, no interior de São Paulo, tinha uma média de quatro a cinco pessoas. O colono era

responsável por três carpas anuais no cafezal, além da arrumação e da esparramação dos grãos. O

pagamento variável poderia ser por outros serviços no cafezal – como adubação e combate às pragas

–, pela participação na colheita – recebendo proporcionalmente à quantidade colhida na safra – e por

outros serviços dentro da propriedade – como roça de pasto, carpa de lavouras e concerto de cercas.

Entretanto, o colono não dispunha de muitos dias ao longo do ano para tarefas que não as acordadas

no contrato. Por isso, outras categorias de assalariados eram contratadas para complementar todas as

etapas da produção agrícola.

Como podemos verificar, as relações de trabalho nas zonas rurais brasileiras até 1970 eram

as mais diversas possíveis. Pela tradição colonial, havia uma ampla flexibilidade regional, baseada

nos usos e costumes locais. Entretanto, essa flexibilidade estava longe de ser uma negociação justa

entre empregado e empregador. Pelo contrário. O sistema de contratos era flexível ao comportar e

criar diferentes categorias de emprego e modalidades de pagamento, na maioria das vezes impostas

pelo empregador. Mesmo assim, o trabalhador compactuava com o patrão um acordo de

dependência mútua, onde ele o ajudava nos momentos de crise agrícola (quebra de safra, baixa dos

preços, etc.), e era ajudado quando sua família precisava, o que costumava ocorrer em casos como o

de falecimento e o de doença.13 Ainda hoje percebemos uma linha muito tênue entre o espaço

privado e o local de trabalho nas zonas rurais do Brasil, onde o patrão, além de empregador, tem

uma função social fundamental de assistência à família do empregado. Daí a maior dificuldade de

distinguir os direitos e deveres de cada parte.

3.2. Histórico da legislação trabalhista no campo

A história dos direitos dos trabalhadores rurais se confunde ainda hoje com o que está previsto na

legislação e o que de fato é cumprido. No campo, isso ocorre principalmente pela falta de

conhecimento por parte do empregado – seja pela baixa escolaridade, seja pela dificuldade de acesso 12 Entende-se como terra intercalada a área de terra limitada pelas ruas de café, e por terra isolada, a área de terra solteira, que poderia ser bruta ou preparada. Em todas elas, o mais comum era a utilização para o plantio de arroz, feijão e milho. 13 O termo proprietário está sendo usado somente quando a propriedade do estabelecimento rural é condição necessária. Nos demais casos, quando estão sendo analisadas apenas as relações de trabalho, usamos os termos empregador, patrão ou produtor com a mesma finalidade.

Page 33: Tese - Capa

20

à informação – e pelo desinteresse por parte do produtor em regularizar os contratos de trabalho em

sua propriedade. Mas é interessante observar que a própria academia não costuma considerar a

existência de uma legislação trabalhista que incluía o trabalhador rural antes de 1963. Nossa análise

começa com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de

maio de 1943, e com algumas leis e decretos especiais que poderiam ser aplicáveis aos contratos de

trabalho em atividades agrícolas. A Figura 1 apresenta as diferentes fases dos direitos trabalhistas

referente ao trabalhador rural.

Figura 1 Evolução da legislação trabalhista no campo

Elaboração: Própria.

3ª Fase

1999

1ª Fase 2ª Fase

1963 19731943

3.2.1. 1ª fase: A criação da CLT

Até 1963 não havia uma legislação específica para os trabalhadores rurais, mas a CLT tinha alguns

títulos e capítulos que eram explicitamente aplicáveis à eles. Isso serviu de base para o início de um

processo de inclusão do trabalhador rural e para as discussões que viriam posteriormente sobre

condições de trabalho, equipamentos de segurança, sistema previdenciário, etc. Em termos de

cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as regiões do Brasil. Entretanto, existe

um dado curioso: a Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo observou, já na década de

1950, certa recorrência nos tribunais competentes de desavenças entre diaristas e mensalistas contra

produtores, e de parceiros e empreiteiros contra proprietários. A reclamação mais comum era a

solicitação de direito a férias e repouso semanal remunerado, gozado com freqüência nos domingos.

De forma secundária, a Secretaria verificou as seguintes reivindicações: aviso prévio, contrato

individual de trabalho, remuneração (mesmo que parcial) em dinheiro, salário mínimo, indenização

por dispensa e estabilidade. As seis reivindicações que estavam previstas em lei serão analisadas

separadamente, de acordo com a Figura 2. Mas, antes de iniciar essa análise, é fundamental definir o

grupo que estava sendo considerado como trabalhador rural. De acordo com o artigo 7º da CLT,

trabalhadores rurais eram todos “aqueles que, exercendo as funções diretamente ligadas à agricultura

e à pecuária, não (eram) empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos

trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se (classificassem) como industriais ou comerciais”.

Page 34: Tese - Capa

21

A inclusão dos colonos nessa categoria não era clara, e variava conforme o entendimento dos

tribunais locais. As jurisprudências encontradas no estado de São Paulo, por exemplo, apresentavam

controvérsias.

Figura 2 Direitos previstos na CLT para o trabalhador rural, 1943

O primeiro direito previsto na CLT era o aviso prévio, aplicado à demissão sem justa causa.

A parte rescindente deveria avisar sua decisão à outra parte com antecedência mínima de oito dias,

para pagamentos semanais ou inferiores a uma semana, e trinta dias, para pagamentos quinzenais ou

mensais. Se uma das partes não concordasse com a concessão do período do aviso prévio, havia

necessidade de ressarcimento (art. 487). Por outro lado, o empregado que estava cumprindo o aviso

prévio poderia descontar duas horas de trabalho por dia do seu horário normal para uso próprio (art.

488). Ainda estava previsto a reconsideração da decisão de demissão, caso as duas partes

concordassem com a continuidade da prestação do serviço (art. 489), e a rescisão imediata do

contrato, caso uma das partes praticasse algum ato que justificasse essa rescisão durante o período

do aviso prévio (art. 490 e 491).

O segundo direito previsto se referia ao repouso semanal remunerado (Lei no 605, de 14 de

janeiro de 1949), que era entendido como um intervalo de 24 horas consecutivas de descanso,

preferencialmente aos domingos (art. 1º), exceto para os que trabalhavam em regime de parceria,

meação ou forma semelhante de participação na produção (art. 2º). Caso o empregado não

cumprisse integralmente seu horário na semana estritamente anterior e não apresentasse justificativa,

ele perderia o direito a gozar desse descanso (art. 6º). A remuneração do repouso semanal

Repouso Semanal Remunerado

Aviso Prévio

Salário Mínimo

Férias

Contrato Individual de Trabalho

Remuneração

Elaboração: Própria.

Page 35: Tese - Capa

22

correspondia a um dia de serviço (art. 7º). Os feriados civis e religiosos também eram remunerados,

sendo os feriados civis, com base na lei federal, e os religiosos, com base na lei municipal, de

acordo com a tradição local e sem ultrapassar sete dias anuais. Caso houvesse necessidade de se

trabalhar em tais dias, sem o acerto de folga em outro dia, o empregado receberia em dobro (art. 8º).

No mesmo ano, em 12 de agosto de 1949, o governo estabeleceu o Decreto no 27.048, que detalhava

os tipos de serviços que eram permitidos aos domingos e feriados nas atividades agrícolas – mais

especificamente, limpeza e alimentação dos animais em propriedades agropecuárias.

A CLT, através do art. 76º, também instituiu o direito ao salário mínimo. Foi definido como

salário mínimo “a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo

trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz

de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de alimentação,

habitação, vestuário, higiene e transporte”, que correspondia a 30 dias ou a 240 horas de trabalho

mensais (art. 76º). Para os trabalhadores que fossem contratados por empreitada ou por tarefa, a

remuneração diária deveria ser igual ou superior à do salário mínimo por dia (art. 78º). A CLT

previa o trabalho de menores aprendizes – de 14 a 18 anos – com remuneração de até 50% do salário

mínimo (art. 80º). Para o trabalhador rural, havia a opção de pagamento in natura, ou em espécie.

Nesse caso, o salário em dinheiro não poderia ser inferior a 30% do salário mínimo. O salário em

dinheiro era determinado pelo valor total do salário mínimo menos a soma dos valores das parcelas

em espécie na região, zona ou subzona (art. 82º). Em 13 de outubro de 1961, o Decreto no 51.336

definiu o montante máximo a ser descontado no pagamento em espécie: 30% para alimentação, 23%

para habitação, 10% para vestuário, 4% para higiene e 3% para transporte, num total de até 70%. Ou

seja, oficialmente a CLT garantia para o trabalhador 30% do salário mínimo em dinheiro.

O artigo 129º da CLT previa “direito ao gozo de férias, sem prejuízo da respectiva

remuneração”, “após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho” (art. 130º). O

período de férias deveria ser gozado durante os 12 meses seguintes (art. 131º), sendo proporcional

ao número de faltas sem justificativa. Os empregados que não tivessem cometido essa modalidade

de falta, teriam direito há 20 dias úteis (art. 132º). Qualquer afastamento por parte do empregado

deveria ser registrado na Carteira Profissional (art. 133º). Contudo, algumas situações estavam

previstas sem desconto, como os dias que não houvesse trabalho e a ausência do empregado por

doença ou acidente de trabalho (art. 134º). A escolha dos dias de férias ficava a cargo do

empregador (art. 139º), e a remuneração recebida nesse período era calculada a partir da média

percebida no período correspondente ao de férias (art. 140º). No caso das remunerações em espécie,

o empregador deveria pagar a quantidade equivalente a declarada na Carteira Profissional (art.

Page 36: Tese - Capa

23

140º). E todos os pagamentos deveriam ser realizados até a véspera do primeiro dia de férias (art.

141º).

A CLT também previa a firmação do contrato individual de trabalho, entendido como sendo

“o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” (art. 442º). Esse acordo poderia

ser verbal ou por escrito, por prazo determinado ou por prazo indeterminado (art. 443º), conforme

entendimento entre as partes interessadas (art. 444º). Entretanto, a prova de que havia contrato

individual de trabalho era feita a partir dos registros na Carteira Profissional ou de instrumentos

escritos, o que inviabilizava a comprovação dos acordos verbais. Para os contratos com prazo

determinado, a vigência não poderia ser superior a quatro anos (art. 445º). Se o contrato fosse

prorrogado mais de uma vez, ele passaria a vigorar sem determinação de prazo (art. 451º). A mulher

casada e o menor que tivesse entre 18 e 21 anos poderiam participar de contratos individuais, desde

que o trabalho não acarretasse ameaça aos vínculos familiares. A decisão de pleitear a rescisão por

esse motivo era facultada ao marido ou ao pai (art. 446º). No caso dos contratos de sub-empreiteiros,

a reclamação referentes ao inadimplemento das obrigações trabalhistas recaía sobre o empreiteiro

principal (art. 455º).

O último direito previsto pela CLT ao trabalhador rural era o recebimento de um salário

como pagamento pelo serviço prestado, em moeda corrente do país (art. 463º). Esse salário era

composto de um montante fixo estipulado, mas poderia ser acrescido de comissões, gratificações,

diárias, etc. (art. 457º). O montante fixo deveria ser igual ao pagamento feito por serviço equivalente

na mesma propriedade (art. 460º e 461º). Os intervalos entre o pagamento de um salário e outro não

poderiam ser superiores a um mês (art. 459º), sendo feito sempre em dia útil e no local de trabalho,

durante o expediente, ou imediatamente após o seu encerramento (art. 465º). Para cada salário pago,

havia a necessidade de se efetuar um contra recibo assinado pelo empregado. Caso ele fosse

analfabeto, a assinatura do empregado era substituída pela sua impressão digital ou ainda pela

assinatura de uma testemunha (art. 464º). Os descontos eram permitidos apenas em casos de

adiantamentos (art. 462º).

3.2.2. 2ª fase: A criação do ETR

Como foi dito no início desta seção, a partir de 1943, parte dos atuais direitos trabalhistas já

existiam. Entretanto, em termos de cumprimento, a CLT teve pouca repercussão no campo. Por essa

razão, em 1963 o governo federal criou uma legislação única para reger as relações de trabalho nas

atividades agrícolas brasileiras, já que o Brasil da década de 1960 ainda era predominantemente

Page 37: Tese - Capa

24

rural. Assim, o Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) foi escolhido como o marco inicial da segunda

fase da evolução da legislação trabalhista no campo (apresentado na Figura 1).

O ETR confirmava os dispositivos anteriores como aviso prévio, repouso semanal

remunerado, salário mínimo, férias, contrato individual de trabalho e remuneração. A seguir,

destacamos seis pontos novos introduzidos pelo Estatuto em 1963:

1. Criação do Conselho Arbitral vinculado ao Ministério Público: criação, em cada comarca,

de um Conselho Arbitral integrado por dois representantes dos empregadores, dois dos

empregados e presidido por representante do Ministério Público, com a finalidade de

solucionar de forma conciliatória disputas resultantes da aplicação do Estatuto;

2. Extensão do prazo de reclamação: estabelecimento do prazo de dois anos para reclamação

de qualquer direito trabalhista, a partir do fim do contrato de trabalho;

3. Estabilidade: o trabalhador rural que contasse mais de dez anos de serviço efetivo na mesma

propriedade não poderia ser despedido, a não ser por motivo de falta grave repetida ou em

circunstância de força maior, devidamente comprovada;

4. Equivalência do proprietário, do empreiteiro e do parceiro: igualdade de responsabilidades

entre o proprietário, o empreiteiro e o parceiro frente as reclamações trabalhistas;

5. Carteira Profissional obrigatória: instituição da carteira de trabalho para todos os

trabalhadores rurais; e

6. Jornada de trabalho: estabelecimento de oito horas por dia para a jornada normal de

trabalho.

Houve ainda queda no percentual das deduções de 23% para 20% do salário mínimo para

habitação, e de 30% para 25%, para alimentação. As demais deduções, assim como a

obrigatoriedade de 30% do pagamento em dinheiro, permaneceram. Contudo, a maior contribuição

do Estatuto foi a criação do seguro obrigatório que ficou a cargo do Fundo de Assistência ao

Trabalhador Rural (FUNRURAL)14 a partir de 1968. Tinha direito a esse seguro todo trabalhador

que exercesse atividade agrícola. Os benefícios prestados consistiam em aposentadoria por invalidez

e por velhice, pensão por morte, auxílio-maternidade, auxílio-doença, auxílio-funeral e assistência

médica.15 Em 1972, o plano básico foi novamente substituído pelo Programa de Assistência ao

Trabalhador Rural (PRÓ-RURAL)16, e os benefícios conferidos a esses trabalhadores e a seus

dependentes passaram a ser: aposentadoria por idade e por invalidez, pensão, auxílio-funeral, 14 Lei no 4.214, de 1963. 15 É importante destacar que a concessão efetiva da maior parte dos direitos previdenciários era restrita ao chefe ou arrimo de família. Para maiores informações, consultar Kreter (2005). 16 Decreto no 69.919, de 1972.

Page 38: Tese - Capa

25

serviço social, readaptação profissional e serviço de saúde. De fato, a previdência rural foi o único

dispositivo do ETR que recebeu regulamentação17 nesta fase. Mas foi um dispositivo de extrema

importância porque foi a primeira vez que se instituiu um mecanismo governamental que dissociasse

a assistência aos trabalhadores da benevolência do patrão ou das políticas de caridade locais. O

trabalhador teria a possibilidade de assumir certa independência, caso ele fosse impossibilitado de

exercer suas tarefas cotidianas.

Pela falta de regulamentação, o impacto do ETR no campo também foi praticamente

inexpressivo. Além disso, algumas dúvidas permaneceram em relação aos dispositivos citados. A

primeira delas era como enquadrar cada categoria de trabalhador e de produtor rural dentro das

modalidades empregado e empregador, levando em consideração as singularidades regionais. Em

relação à estabilidade, não estava claro se a agricultura seguiria a mesma interpretação das leis

trabalhistas para a indústria, ou seja, se o período de tempo anterior à publicação do Estatuto

também seria contado para efeitos de estabilidade. A terceira e última dúvida se referia a outro

problema recorrente na agricultura: o pagamento do trabalhador em dias prolongados de chuva

(salário chuva), quando a tarefa era suspensa parcial ou totalmente. Boa parte dessas questões

passaram a ser prevista em 1973.

3.2.3. 3ª fase: A criação da Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973

A última fase da evolução da legislação trabalhista no campo se inicia com a Lei no 5.889, de caráter

exclusivamente rural. Essa Lei é aplicada ainda hoje nos tribunais, ficando a cargo da CLT apenas o

que não colidir com ela (art. 1º). O primeiro ponto importante é que a definição de empregado rural

se tornou mais abrangente e passou a incluir “toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio

rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e

mediante salário” (art. 2º). Note que a identificação do trabalhador rural deixou de ser pelo critério

de exclusão – não sejam empregados em atividades classificadas como industriais ou comerciais.

Em relação à jornada de trabalho, ficou estabelecido um período mínimo de onze horas

consecutivas entre uma jornada e outra. Se a jornada for superior a seis horas, o trabalhador rural

passou a ter direito a um intervalo para repouso ou alimentação de acordo com os usos e costumes

locais (art. 5º). Também foi incluída a diferenciação entre trabalho diurno e noturno, com acréscimo

de 25% sobre a hora normal no segundo caso. Pela Lei no 5.889, considera-se trabalho noturno

aquele “executado entre as vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, na lavoura,

17 Entende-se por regulamentação a “conclusão do texto de uma lei, com os princípios que orientam o seu cumprimento” (Michaelis, 2009).

Page 39: Tese - Capa

26

e entre as vinte horas de um dia e as quatro horas do dia seguinte, na atividade pecuária” (art. 7º).

Veja que a diferença de jornada noturna entre a agricultura e a pecuária é uma forma de se adaptar

às especificidades do setor, como é o caso do trabalho do ordenhador, que tem por costume fazer a

primeira ordenha às quatro horas da manhã. Entretanto, o trabalho noturno continuou sendo vetado

ao menor de 18 anos (art. 8º).

A remuneração no valor de um salário mínimo foi estendida ao trabalhador rural maior de 16

anos. O empregado com menos de 16 passou a ter o salário fixado em 50% do valor de um salário

mínimo, e não mais negociado em até 50% (art. 11º). O menor de 14 anos continuou sendo proibido

de executar qualquer tarefa. Em 2000, a remuneração de 50% foi modificada para em pelo menos o

salário mínimo hora (Lei no 10.097).

Os descontos de até 20% do salário mínimo com habitação e de até 25% com alimentação

continuaram existindo (art. 9º), mas a partir de 1996, com a Lei no 9.300, esses descontos só

puderam ser efetuados mediante “contrato escrito celebrado entre as partes, com testemunhas e

notificação obrigatória ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais”. Essa foi mais uma forma de

garantir ao empregado transparência no valor do seu salário.

De todos os temas abordados pela Lei no 5.889, a maior contribuição foi a inclusão do

contrato de safra, com duração de acordo com as variações estacionais e sazonais. O contrato de

safra é uma espécie de contrato por prazo determinado, “certo quanto ao fato e incerto quanto ao

tempo”. Ao safrista está previsto o direito a férias, adicional de 1/3 de férias, 13º salário, descanso

semanal remunerado, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e salário-família. Quando o

contrato de safra é prorrogado por mais de uma vez, ele se transforma automaticamente em contrato

de prazo indeterminado. Teoricamente essa modalidade cobriria toda a demanda de curto e

curtíssimo prazos existentes no setor agrícola, que ocorre principalmente nos períodos de colheita.

Na prática, a burocracia enfrentada na contratação é tão grande, que para os pequenos produtores

contratarem demora mais tempo que a execução do próprio serviço. Esse é o caso, por exemplo, da

colheita do tomate e do feijão, que são intensivas em mão de obra e que duram em média 15 dias.

Os parceiros, os meeiros e os arrendatários foram excluídos da Lei no 5.889, mas têm

previsão legal no art. 95º do Estatuto da Terra (Lei no 4.504, de 1964), que foi alterado em 2007 – no

caso do arrendamento, pela Lei no 11.443, e no caso da parceria e da meação, pela Lei no 11.443.

Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela legislação

trabalhista em vigor, como a vulnerabilidade da produção frente às intempéries – a instituição do

salário chuva – e algumas modalidades de contratação de mão de obra. A Lei no 6.019, de 1974, que

dispõe sobre o trabalho temporário, só é válida para as empresas urbanas. A empreitada nas

Page 40: Tese - Capa

27

propriedades rurais também é restrita às atividades-fim, ou seja, à qualquer atividade fora do

processo produtivo, o que restringe a empreitada a colocação de cerca, a construção de celeiro, etc.

Existem alguns projetos de lei ainda hoje transitando no Congresso Nacional acerca desses entraves

no setor. Entretanto, é difícil prever quando uma nova mudanças será implementada.

4. Houve Impacto Efetivo da Legislação Trabalhista nas Atividades Agrícolas?

Esta seção tem como objetivo analisar o impacto das leis trabalhistas apresentadas na seção anterior

sobre as atividades agrícolas brasileiras. Dessa forma, utilizamos os dados dos Censos

Demográficos de 1920 e 1991 para verificar se houve mudanças nos níveis de salários recebidos,

tanto no agregado quanto por categoria ocupacional (4.1), e analisamos a evolução desses níveis

salariais a partir da década de sessenta, e a relação entre a regulamentação das leis trabalhistas e as

variações dos salários (4.2). Para essa análise, foram utilizados os dados de Remuneração do

Trabalho Agrícola da FGV.

4.1. O que dizem os Censos

Como foi apresentado na seção 2, selecionamos o Censo de 1920 por ser o primeiro a disponibilizar

a abertura dos salários por categorias ocupacionais, e o de 1991 por ser o último realizado no século

XX e por fornecer um nível desagregado de categorias ocupacionais compatível com o primeiro. A

análise dos extremos – primeiro e último Censos do século XX – é interessante porque inclui

situações antagônicas do ponto de vista jurídico, mas relativamente semelhantes do ponto de vista

do grau de informalidade. Os Gráficos 3 e 4 apresentam as médias dos salários rurais diários por

ocupação para os anos de 1920 e 1991, respectivamente. A média geral foi construída a partir das

ocupações selecionadas, e está representada em ambos os gráficos por uma linha horizontal.

De acordo com o Gráfico 3, observamos que, em 1920, das dez ocupações equivalentes,

apenas cinco se encontravam acima da média: carpinteiro, ferreiro, oleiro, pedreiro e derribador de

madeira. Não por acaso, as quatro primeiras são ocupações fundamentalmente não-rurais, e que

necessitam de qualificação técnica para exercê-la. Entretanto, a ocupação que aparece com maior

freqüência em todas as regiões é o trabalhador braçal, que, como foi apresentado na seção 3, pode

ser classificado como diarista, mensalista, colono, etc. Destacamos ainda em 1920 a elevada

variação entre os salários das ocupações selecionadas.

Page 41: Tese - Capa

28

Gráfico 3 Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1920

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

Carpinteiro Ferreiro Lenhador Oleiro Pedreiro Carroceiro /Tropeiro

TrabalhadorBracal

Ordenhador Derribador deMadeira

Vaqueiro

Mil-

Réi

s (R

s)

Fonte: Censo Demográfico de 1920. Elaboração: Ipeadata.

Ao compararmos os Gráficos 3 e 4, percebemos a permanência de praticamente as mesmas

ocupações acima da média, ou seja, a permanência de categorias ocupacionais sem especialização

propriamente rural como sendo as mais bem remuneradas no campo. Essa constatação corrobora a

percepção generalizada – e, de certa forma, equivocada – de que a atividade agrícola é uma

atividade não-qualificada, e que é, por isso, merecedora de salários mais baixos. Vale lembrar,

entretanto, que nem todas as pessoas estão aptas a exercer atividades agrícolas. Ao contrário dos

centros urbanos, em que a qualificação está relacionada ao grau de escolaridade e à especialização

técnica, no campo o critério de seleção é baseado na qualificação específica, ou seja, no

conhecimento do trabalhador sobre o cultivo de determinada cultura e/ou sobre o manuseio de

determinados equipamentos (Rezende e Kreter, 2007). Esse é o caso, por exemplo, dos cortadores

de cana e dos empregados na apanha do café.18

Outro ponto interessante observado no Censo Demográfico de 1991 é a distribuição das

categorias ocupacionais. Elas aparecem com pouca variação entre si e mais próxima do valor médio.

A pequena variação dos salários das categorias ocupacionais selecionadas pode ser resultado de um

processo de uniformização dos salários, ocorrido principalmente pela institucionalização do salário

18 De forma ilustrativa, podemos citar a tentativa da Prefeitura de Piracicaba (SP) no final da década de noventa de cadastrar os desempregados do município para contratá-los na produção de cana-de-açúcar. Ao final de uma semana, dos mil contratados, apenas dezenove permaneceram no emprego.

Page 42: Tese - Capa

29

mínimo como piso para todas as atividades no Brasil. Entretanto, em termos regionais, o efeito

uniformização não é tão perceptível (Gráfico 5).

Gráfico 4 Média dos salários rurais diários, por ocupação, Brasil, 1991

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

Carpinteiro Ferreiro Lenhador Oleiro Pedreiro Carroceiro /Tropeiro

TrabalhadorBracal

Ordenhador Derribador deMadeira

Vaqueiro

Cru

zeiro

(C

r$)

Fonte: Censo Demográfico de 1991. Elaboração: Ipeadata.

O Gráfico 5 apresenta a média dos salários rurais diários por ocupação e por região para os

dois anos selecionados. Devido às mudanças de moeda entre 1920 e 1991, optamos por calcular os

salários em número índice, sendo os dados referentes ao Brasil igual a 100. Dessa forma, a média

nacional, representada no gráfico por uma linha horizontal, é significativa para os dois anos.

Ao contrário do que esperávamos, a região Norte apresentou a maior variação positiva de

salário em quase todas as categorias. Por outro lado, a região Nordeste ficou com os piores

indicadores em todas as ocupações e para todos os anos, estando sempre abaixo da média brasileira.

De forma marginal, o efeito uniformização pode ser percebido pelas quedas nos salários de 1920

para 1991 em algumas ocupações, como foi o caso do pedreiro na região Sul, e do trabalhador braçal

na região Sudeste.

Como seguimos um critério rígido para a compatibilização das ocupações, a constatação da

volatilidade dos salários rurais per se indica que a criação do salário mínimo teve impactos

diferentes entre as regiões brasileiras, e que um aumento nos níveis salariais não significa garantia

Page 43: Tese - Capa

30

de pagamento dos encargos trabalhistas previstos em lei, o que é bastante coerente com os elevados

níveis de informalidade existentes ainda hoje no país.

Além da instituição do salário mínimo como piso para todas as atividades no Brasil, o

aumento nos níveis salariais rurais também pode ter sido resultado de outros fatores como, por

exemplo, custo de vida, organização dos trabalhadores, e efetividade das instituições jurídicas. Por

essa razão, a próxima seção analisa uma série anual de salários rurais, onde esse tipo de verificação

é possível.

Page 44: Tese - Capa

31

Gráficos 5 Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991

Carpinteiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Ferreiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Lenhador

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Oleiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul(B

rasi

l = 1

00)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Pedreiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Carroceiro e Tropeiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

150

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Trabalhador Braçal

60

70

80

90

100

110

120

130

140

150

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Ordenhador

60

80

100

120

140

160

180

200

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Derribador de Madeira

60

80

100

120

140

160

180

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

Vaqueiro

60

70

80

90

100

110

120

130

140

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

(Bra

sil =

100

)

1920 1991Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

4.2. O que dizem os dados de Remuneração do Trabalho Agrícola

A seção anterior apresentou a análise do primeiro e do último Censos do século XX, contemplando

o período anterior à legislação trabalhista e o posterior à Constituição Federal de 1988. De um modo

geral, as mudanças observadas nesse período indicam que a instituição do salário mínimo pode ter

Page 45: Tese - Capa

32

impactado os níveis salariais das atividades agrícolas através do efeito uniformização. Como outros

fatores também podem ter contribuído para essas mudanças, foram selecionados os dados de salários

pagos no setor agrícola ao trabalhador eventual (safrista) e ao empregado permanente, a partir de

1966. No caso dos diaristas, foi calculado o salário mensal considerando uma folga semanal, ou seja,

tomando como base vinte e seis dias de trabalho por mês. A idéia foi verificar o comportamento dos

salários nos anos subseqüentes à promulgação das leis discutidas na seção 3.

Gráfico 6 Salários reais pagos no setor agrícola, Brasil, 1966 a 1999

60

80

100

120

140

160

180

200

220

240

260

1966

1967

1968

1969

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Permante DiaristaFonte: FGVDados. Elaboração: Própria.

(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)

1973

1984

-198

6

1994

-199

5

O Gráfico 6 apresenta a evolução dos salários reais pagos no setor agrícola, e destaca três

momentos distintos: 1973, 1984-1986 e 1994-1995. O primeiro deles se refere à criação da Lei no

5.889, primeira lei regulamentada de caráter estritamente rural. Note que nos dois anos subseqüentes

houve um incremento substancial nos salários, em especial no salário do diarista.19 Esse incremento

na média dos salários recebidos no setor agrícola pode ser interpretado como conseqüência da

criação da Lei no 5.889. Os anos seguintes da década de 1970 foram anos de relativa estabilidade.

A partir de 1980, os salários rurais voltaram a sofrer queda acentuada. Não por acaso, esse

período foi marcado pela elevação da taxa de juros nos Estados Unidos – principal credor do Brasil

–, pelo conseqüente aumento do endividamento externo e pelo processo de inflacionário. As áreas 19 Vale lembrar que os diaristas, apesar de serem contratados pelo sistema de diárias, recebiam na maioria das vezes a remuneração no final de cada mês.

Page 46: Tese - Capa

33

rurais, em especial na região Nordeste, sofreram com períodos de seca e quebra de produção. Esse

cenário de crise no setor agrícola, juntamente com as quedas nos salários rurais, propiciou as

sucessivas greves dos trabalhadores, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. As

mais conhecidas ocorreram nas cidades paulistas de Guariba e Leme, entre os anos de 1984 e 1986 –

segundo destaque no Gráfico 6. Como foi amplamente documentado na época, dentre as principais

reivindicações estavam: a jornada de trabalho diária de 8 horas, a elevação do piso salarial, o

fornecimento de ferramentas, roupas e equipamentos de proteção individual, a melhoria das

condições de transporte para o local de trabalho, e o pagamento das horas de transporte e dos dias

não trabalhados por motivos alheios aos trabalhadores (Alves, 1993). No caso de São Paulo, havia

ainda reivindicações específicas do setor sucroalcooleiro, como o pagamento por metro de cana

cortada, em substituição do pagamento por tonelada.20 Nem todas as reivindicações foram atendidas,

entretanto, no segundo semestre de 1986 os salários rurais reais chegaram ao seu nível mais elevado

de toda a série.

A partir desse ano, os salários apresentaram quedas subseqüentes. Nesse momento o Brasil

vivia um acentuado processo de hiperinflação associado à perda generalizada do poder de compra. O

setor agrícola, particularmente, enfrentava a derrocada do Programa Pró-Álcool, e a política

nacional de tabelamento de preços no mercado doméstico. Esses fatores, juntamente com as duas

quebras de safra que viriam em 1990 e 1991 foram fundamentais para a derrocada da agricultura

brasileira (Rezende, 2000). Entre 1992 e 1993 foram registrados os níveis de salário mais baixos de

toda a série, tanto para o empregado permanente quanto para o trabalhador eventual. A partir de

1994, com a adoção do Real, o Brasil entra numa fase de estabilidade monetária. No setor agrícola,

o governo federal intensificou as linhas de crédito e houve nova expansão da produção. O aumento

nos níveis salariais a partir desse ano também pode ser explicado pela criação do Grupo Especial de

Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que iniciou um trabalho de

fiscalização na zona rural, através da instituição de multas pesadas e suspensão da produção para os

produtores que não pagassem todos os encargos trabalhistas previstos em lei. Mas, de que forma se

comportou os salários rurais nas diferentes regiões do Brasil? O Gráfico 7 apresenta os dados de

salários do Gráfico 6 para as regiões Nordeste e Sudeste em relação ao salário mínimo vigente. Note

que até 1973 os salários dos diaristas eram inferiores ao salário mínimo em ambas as regiões – cerca

20 Nessa modalidade de pagamento, cada metro de cana cortada teria um preço definido de acordo com o contrato coletivo de trabalho. Ao final de cada dia, o cortador de cana receberia um recibo, explicitando a quantidade de metros cortada por ele e o valor do metro de cana acordado para aquele eito. O valor do metro podia variar com o tipo de cana – cana de primeiro corte, cana caída, cana enrolada, etc. Assim, o trabalhador tinha controle da sua produção, já que o pagamento por tonelada era calculado na usina por não existir balança nos locais de produção.

Page 47: Tese - Capa

34

de 70% e 48% do mínimo, respectivamente. Isso indica que nos dois casos o diarista recebia de

salário em dinheiro em média mais do que os 30% previstos na CLT. Em 1973 observamos um

incremento nos salários em ambas as regiões, que pode ser atribuído à criação da Lei no 5.889.

Entretanto, no Nordeste esse incremento não foi suficiente para elevar o salário dos diaristas a níveis

superiores ao mínimo. Isso só vai ocorrer nessa região a partir de 1983.

O Gráfico 7 apresenta ainda as trocas de moeda ocorridas a partir de 1966.21 Note que a forte

variação observada nos salários rurais a partir de 1983 coincide com a reincidência dos planos

econômicos de contenção inflacionária adotados pelo governo federal, o que não descarta a

constatação anterior de forte relação entre as greves dos trabalhadores rurais com o pico nos salários

atingido no ano de 1986.

Gráfico 7 Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, regiões Sudeste e

Nordeste, 1966 a 1999

40

90

140

190

240

1966

1967

1968

1969

1970

1971

1972

1973

1974

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Salário Mínimo Sudeste NordesteFonte: Ipeadata e FGVDados. Elaboração: Própria.

(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)

Mudanças de Moeda

Se compararmos os Gráficos 6 e 7 com os dados dos Censos de 1920 e 1991 analisados na

seção anterior, verificamos que a Lei no 5.889 foi mais importante para as atividades agrícolas do 21 Em fevereiro de 1967, a moeda passou de Cruzeiro (Cr$) para Cruzeiro Novo (NCr$), em maio de 1970, voltou para Cruzeiro. Em agosto de 1984, os centavos foram eliminados, para retornarem em fevereiro de 1986, com os Planos Cruzado I e Cruzado II. Em janeiro de 1989, a moeda passou novamente de Cruzado para Cruzado Novo, com os Planos Collor I e Collor II. Em agosto de 1993, o Brasil entrou na fase de transição para o Plano Real, adotando como moeda o Cruzeiro Real (CR$). A última mudança ocorreu em julho de 1994, com a implantação do Real (R$).

Page 48: Tese - Capa

35

que a CLT e a Constituição Federal de 1988. De fato a regulamentação de leis trabalhistas teve

impacto positivo nos níveis de salários, mas não foi suficiente para garantir que os trabalhadores

rurais tivessem acesso a todos os direitos previstos em lei, como, por exemplo, a Carteira

Profissional. No campo, ao contrário dos centros urbanos, o estabelecimento de novas regras é mais

moroso. Por mais que haja um esforço por parte do MTE em fiscalizar as relações de trabalho nas

atividades agrícolas, onde há maior dificuldade, há também maior incidência de irregularidade.

5. Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi analisar os salários recebidos nas atividades agrícolas a partir da evolução

dos direitos trabalhistas conquistados pelo trabalhador rural. Entende-se que os salários recebidos

têm uma relação direta com a renda do domicílio e, conseqüentemente, com o grau de pobreza. A

hipótese adotada no presente estudo foi que os direitos trabalhistas previstos em lei estão sendo

cumpridos de forma insatisfatória, mas que a criação do salário mínimo impactou positivamente os

salários dos trabalhadores rurais.

Inicialmente identificamos três fases distintas da evolução da legislação trabalhista no

campo. A primeira delas se refere à criação da CLT, que incluía alguns títulos e capítulos

explicitamente aplicáveis aos trabalhadores rurais. Dentre os direitos previstos em 1943 estavam o

aviso prévio, o repouso semanal remunerado, o salário mínimo, as férias, o contrato individual de

trabalho e a remuneração em moeda corrente pelos serviços prestados. Verificamos que, em termos

de cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as regiões do Brasil. Entretanto, a

Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo identificou alguns processos de empregados contra

produtores rurais nos tribunais estaduais acerca desses direitos. A segunda fase da legislação

trabalhista no campo se refere à criação do ETR em 1963. Esse Estatuto foi instituído pelo governo

federal com o objetivo de criar uma legislação única para reger as relações de trabalho nas

atividades agrícolas brasileiras. Além da confirmação dos dispositivos da CLT, o ETR ainda

propunha a criação de um Conselho Arbitral vinculado ao Ministério Público, a extensão do prazo

de reclamação, a estabilidade no emprego, já garantida nos centros urbanos, a equivalência do

proprietário, do empreiteiro e do parceiro frente às reclamações trabalhistas, a obrigatoriedade da

Carteira Profissional e o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas. Contudo, a maior

contribuição do Estatuto foi a criação do seguro obrigatório (FUNRURAL), por ter sido a primeira

vez que se instituiu um mecanismo governamental que dissociasse a assistência aos trabalhadores da

benevolência do patrão ou das políticas de caridade locais. Aliás, a previdência rural foi o único

Page 49: Tese - Capa

36

dispositivo do ETR que recebeu regulamentação e, por isso, o único que efetivamente existiu. A

terceira e última fase da evolução da legislação trabalhista no campo se inicia com a criação da Lei

no 5.889. Além da ampliação da definição de empregado rural, a maior contribuição da Lei no 5.889

foi a inclusão do contrato de safra como alternativa para a contratação de mão de obra de curto e

curtíssimo prazos. Na prática, observamos que a burocracia concernente a essa modalidade de

contrato é tão grande, que para os pequenos produtores se torna inviável.

Concluímos que a maior dificuldade encontrada pelo governo federal para regular o mercado

de trabalho agrícola foi o enquadramento das diferentes modalidades de relações de trabalho em

apenas duas categorias – empregador e empregado – sem levar em conta o serviço de empreitada

(terceirização de tarefas) e a intermediação de mão de obra, ambas previstas nos outros setores da

economia. Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela

legislação trabalhista, como a instituição do salário chuva.

Através da análise do Censo Demográfico de 1920, observamos que, dentre as ocupações

selecionadas, as que se encontraram com salários acima da média foram aquelas fundamentalmente

não-rurais, e que necessitam de qualificação técnica. Entretanto, a ocupação que apareceu com

maior freqüência em todas as regiões foi o trabalhador braçal, que representava diversas categorias,

como diarista, mensalista, colono, etc. No Censo de 1991, percebemos a permanência de

praticamente as mesmas ocupações acima da média, mas os salários recebidos apresentaram menor

variação, ou seja, mais próxima do valor médio. Esse processo foi identificado como uniformização

dos salários, e pode ter ocorrido principalmente pela instituição do salário mínimo como piso para

todas as atividades no Brasil. Na análise regional, a região Norte foi a que apresentou a maior

variação positiva de salário em quase todas as categorias de 1920 para 1991. Por outro lado, a região

Nordeste ficou com os piores indicadores em todas as ocupações e para todos os anos, estando

sempre abaixo da média brasileira. Constatamos também que o efeito uniformização, perceptível

nos dados agregados, apareceu de forma marginal na análise regional.

A análise do impacto da legislação trabalhista nos salários rurais foi consolidada através da

série anual de Remuneração do Trabalho Agrícola da FGV referente ao trabalhador eventual

(safrista) e ao empregado permanente. Observamos que até o ano de 1973 os salários recebidos

estavam acima dos 30% do mínimo previsto em lei, e que depois desse ano houve um incremento

substancial nos salários, em especial no salário do diarista, que pode ser interpretado como

conseqüência da criação da Lei no 5.889. Contudo, a elevação dos salários rurais a partir de 1983 e o

pico da série em 1986 podem estar relacionados às reivindicações dos trabalhadores rurais por

melhores salários e condições de trabalho. Observamos também que as trocas de moeda e a

Page 50: Tese - Capa

37

hiperinflação, em especial na década de oitenta, contribuíram de maneira expressiva para a

volatilidade dos salários rurais.

A conclusão geral do presente artigo é que a legislação trabalhista, através da instituição do

salário mínimo, contribuiu para a elevação dos níveis de salários recebidos pelo trabalhador rural.

Entretanto, um aumento nos níveis salariais não significou garantia de pagamento dos encargos

trabalhistas, o que é bastante coerente com os elevados níveis de informalidade existentes ainda hoje

no país.

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ANEXO I Composição setorial da renda no Brasil, por setor de atividade, 1947 a 2007

Ano Agropecuária Indústria Serviços

1947 21,36 25,97 55,681948 23,44 24,87 54,561949 24,18 25,36 53,011950 25,08 24,96 53,331951 24,57 25,97 52,811952 25,81 24,97 52,511953 24,36 26,26 52,791954 24,99 26,69 51,931955 24,32 26,58 52,751956 21,80 28,23 53,341957 21,20 28,86 53,721958 19,01 32,15 52,161959 17,66 33,94 51,301960 18,28 33,19 51,481961 17,48 33,53 52,051962 18,05 33,57 51,741963 16,47 34,18 52,631964 16,86 33,68 53,041965 16,50 33,24 54,281966 14,77 34,21 55,441967 14,32 33,45 56,651968 12,32 36,34 55,861969 11,92 36,88 55,841970 12,35 38,30 56,221971 13,05 38,83 55,331972 13,08 39,51 54,201973 12,63 41,92 51,351974 12,19 43,16 51,241975 11,52 43,27 52,401976 11,71 43,03 53,091977 13,63 41,78 52,721978 11,19 43,08 54,801979 10,78 43,57 54,441980 10,89 44,09 52,731981 11,19 44,31 55,161982 9,69 45,77 55,611983 12,47 44,35 57,111984 13,79 46,20 53,461985 12,61 47,97 52,891986 12,09 47,20 48,691987 10,82 47,51 57,591988 11,39 46,76 58,641989 9,79 46,34 70,361990 8,10 38,69 70,341991 7,79 36,16 68,931992 7,72 38,70 77,501993 7,56 41,61 81,821994 9,85 40,00 64,251995 5,77 27,53 66,701996 5,51 25,98 68,501997 5,40 26,13 68,471998 5,52 25,66 68,821999 5,47 25,95 68,582000 5,60 27,73 66,672001 5,97 26,92 67,102002 6,62 27,05 66,332003 7,39 27,85 64,772004 6,91 30,11 62,972005 5,71 29,27 65,022006 5,47 28,78 65,752007 5,98 28,05 65,972008 6,70 27,96 65,34

Fonte: Ipeadata.

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ANEXO II Média dos salários rurais diários, por ocupação e por região, 1920 e 1991

(1920 = Mil-Réis, 1991 = Cruzeiro)

1920 1991 1920 1991 1920 1991 1920 1991 1920 1991 1920 1991Carpinteiro 8.100 2.125 5.236 1.495 7.278 2.334 7.342 1.9657.824 2.397 6.710 1.853Ferreiro 8.981 5.553 1.432 7.852 2.159 7.222 2.583 7.600 2.046 6.806 1.929Lenhador 3.248 1.610 2.399 900 4.086 1.600 3.841 1.567 4.4571.543 3.369 1.305Oleiro 5.000 1.714 3.356 950 5.500 1.781 5.084 1.557 5.470 1.757 4.475 1.338Pedreiro 6.613 2.012 5.230 1.543 7.211 2.286 7.156 2.419 8.634 2.328 6.707 2.014Carroceiro / Tropeiro 3.038 1.122 1.935 927 2.800 1.730 2.966 1.674 3.971 1.636 2.760 1.242Trabalhador Bracal 1.877 1.716 1.342 1.095 1.529 1.995 2.513 1.573 2.964 1.480 2.069 1.421Ordenhador 2.708 1.722 1.808 1.331 3.591 3.172 3.018 1.957 2.862 1.726 2.633 1.734Derribador de Madeira 3.681 2.050 2.666 1.116 3.929 2.5814.503 1.619 5.198 1.451 3.835 1.626Vaqueiro 2.613 1.433 2.102 843 1.923 1.218 2.803 1.274 2.2931.542 2.506 1.138

Sul BrasilCentro-Oeste Nordeste Norte Sudeste

Fonte: Censos Demográficos de 1920 e 1991. Elaboração: Ipeadata.

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ANEXO III Salários reais pagos no setor agrícola ao diarista e o salário mínimo, 1966 a 1999

(ago. 1994 = 100, Deflator: IGP-DI)

Brasil Nordeste Sudeste Brasil Nordeste Sudeste

jun-66 111,69 91,83 111,69 100,67 85,18 98,73 193,59dez-66 107,13 89,99 107,13 97,48 83,56 92,47 179,97jun-67 118,44 97,76 116,56 102,65 88,96 99,72 184,25dez-67 114,27 95,51 112,57 101,11 90,46 98,00 179,08jun-68 117,09 92,76 121,65 106,35 89,35 113,08 184,61dez-68 109,35 86,11 113,45 100,93 81,74 109,81 177,14jun-69 123,65 92,11 133,75 103,01 80,70 108,92 174,63dez-69 122,08 94,69 131,20 100,26 77,72 107,38 177,98jun-70 123,52 101,35 130,91 104,30 79,87 115,56 175,67dez-70 128,07 94,62 139,54 105,11 84,74 113,56 178,92jun-71 132,79 97,85 145,90 110,39 88,82 116,53 174,73dez-71 130,79 95,70 142,75 111,97 87,92 122,13 179,92jun-72 132,58 95,75 141,42 116,05 88,09 130,03 176,77dez-72 135,28 96,14 146,95 117,66 89,09 129,26 184,58jun-73 145,93 103,69 158,09 132,63 97,18 148,27 181,26dez-73 154,99 112,50 169,35 149,99 108,29 173,64 186,71jun-74 162,56 125,00 169,76 173,61 138,16 188,19 171,61dez-74 159,22 124,04 170,49 181,65 146,59 195,84 172,84jun-75 173,77 135,55 183,82 189,08 152,48 200,48 182,78dez-75 170,02 127,69 180,61 187,56 148,85 202,60 187,94jun-76 172,83 134,78 181,67 188,33 152,29 203,43 180,26dez-76 173,60 130,93 189,36 183,06 148,83 200,65 186,21jun-77 176,85 135,81 190,13 190,10 153,38 213,85 177,21dez-77 182,77 136,86 204,51 190,35 152,82 217,39 192,40jun-78 195,24 149,56 216,60 187,72 153,24 210,71 185,31dez-78 185,24 151,24 204,16 186,48 157,54 212,20 192,91jun-79 193,46 162,32 207,10 190,51 161,40 214,32 182,78dez-79 195,38 169,06 209,62 195,00 167,14 212,91 190,53jun-80 191,13 162,41 197,66 203,49 174,02 214,71 180,19dez-80 184,79 147,73 197,64 194,24 161,86 205,66 171,97jun-81 179,44 156,98 180,70 194,02 167,68 201,73 165,08dez-81 194,78 168,47 202,49 189,43 164,70 193,16 172,62jun-82 188,21 170,74 191,33 179,02 155,73 184,01 172,62dez-82 196,45 170,63 208,06 177,95 146,47 185,28 172,27jun-83 180,97 162,01 182,58 166,98 139,82 166,05 162,97dez-83 163,61 143,29 171,63 153,20 129,12 159,30 135,81jun-84 154,43 151,11 146,39 147,50 135,24 143,95 128,26dez-84 161,76 143,39 167,52 148,05 124,95 150,35 122,16jun-85 173,13 155,45 174,10 161,92 129,23 174,14 123,41dez-85 184,98 169,02 189,68 179,04 154,62 187,17 132,11jun-86 148,90 138,66 152,72 162,44 135,37 175,98 127,73dez-86 181,63 156,86 198,36 233,86 184,63 262,58 126,87jun-87 165,44 148,31 170,86 201,73 147,10 231,15 111,50dez-87 139,22 126,33 144,08 154,48 118,76 168,96 96,43jun-88 152,52 139,11 160,52 137,46 110,88 161,39 103,11dez-88 168,73 151,49 183,61 147,93 119,54 176,22 98,57jun-89 174,04 151,40 188,19 183,95 147,16 220,74 105,53dez-89 204,11 173,78 219,02 180,46 140,36 207,20 99,37jun-90 119,53 101,57 132,85 127,85 99,33 147,85 79,60dez-90 117,33 103,60 123,59 132,57 101,55 149,38 76,49jun-91 121,93 101,28 132,44 138,67 102,85 167,88 82,33dez-91 129,03 111,14 148,05 147,29 112,84 175,52 75,57jun-92 159,85 132,23 181,03 147,97 107,90 187,44 91,60dez-92 114,40 98,48 118,25 123,81 100,02 128,11 77,94jun-93 170,24 150,71 176,92 159,73 125,88 182,16 90,00dez-93 151,79 129,58 161,54 138,80 104,37 162,09 83,61jun-94 166,13 141,76 178,63 162,63 119,14 193,88 72,27dez-94 85,56 75,28 91,47 117,92 90,08 135,88 66,44jun-95 103,03 89,72 108,67 134,48 99,99 166,89 70,73dez-95 102,24 86,25 111,00 129,70 96,85 156,58 82,05jun-96 105,75 91,13 113,56 129,39 99,49 152,79 81,38dez-96 104,64 88,90 114,86 127,21 96,38 151,60 84,05jun-97 105,66 88,77 116,15 130,12 99,83 151,24 82,45dez-97 104,24 88,01 114,81 125,41 94,97 150,20 84,13jun-98 108,01 91,88 117,90 124,70 94,15 149,21 84,26dez-98 108,34 91,74 119,65 125,30 95,26 151,78 88,86jun-99 106,03 86,12 116,27 122,21 91,49 145,95 84,30dez-99 100,14 84,06 109,12 116,48 88,20 138,14 80,38

Fonte: Ipeadata e FGVDados.

P E R M A N E N T E E V E N T U A LAno Salário Mínimo

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Artigo 2

O MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA E A INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA 1

1. Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar uma compilação de dois estudos realizados entre os anos

de 2006 e 2010 sobre intermediação de mão de obra. O primeiro deles, na região de Piracicaba (SP),

e o segundo, na Alemanha.

A intermediação de mão de obra na agricultura, apesar de ser uma prática recorrente, ainda

hoje é proibida pela legislação trabalhista brasileira. Como apresentado em Kreter (2010), a

empreitada nas propriedades rurais é restrita às atividades-fim, ou seja, a qualquer atividade fora do

processo produtivo, quais sejam: colocação de cerca, construção de celeiro, etc. Situações como as

comumente vista entre prestadoras de serviço e montadoras de veículos automotores, por exemplo,

são impensáveis no campo, embora elas tenham muitas semelhanças quanto à divisão de tarefas nas

diferentes etapas de produção.

Na agricultura, a intermediação – ou empreitada, como é conhecida – sempre existiu, e por

ser ilegal, deve ser responsável por grande parte da informalidade e seus impactos sobre os níveis de

desigualdade e pobreza nesse setor. A intensificação da fiscalização nos últimos anos, como será

apresentado no estudo de caso em Piracicaba, melhorou as condições de trabalho e moradia dos

trabalhadores rurais. Mas, ao contrário do esperado, a mesma fiscalização, em conjunto com uma

política massiva de crédito de investimento por parte do governo federal desde a década de 1990,

vem acelerando o processo de mecanização e a conseqüente substituição dos trabalhadores sazonais

por máquinas, sem necessariamente serem absorvidos em outros setores da economia.2 Por outro

lado, é interessante notar que em países com alto grau de mecanização na agricultura, como é o caso

da Alemanha, determinadas culturas ainda demandam mão de obra em alguma etapa da produção.

Deve-se avaliar, portanto, se é possível mudar o padrão atual, em favor de um outro mais

consistente visando a manutenção dos postos de trabalho já existentes. Isso requereria uma mudança

1 Os estudos de caso presentes neste artigo foram financiados com verba da taxa de bancada do CNPq e da bolsa de doutorado sanduíche do DAAD/Capes. 2 Cabe ressaltar que a crítica ao processo de mecanização é restrita às linhas de crédito subsidiadas para a compra de máquinas e equipamentos. O destaque, nesse sentido, é para o programa Moderfrota. Ao contrário das décadas anteriores, hoje em dia o setor agrícola encontra-se capitalizado suficiente para financiar novos investimentos sem a necessidade de ajuda do governo federal.

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política que visasse absorver em maior quantidade tanto no setor agrícola quanto em outros setores

da economia um tipo de mão de obra hoje considerado pouco qualificada, embora passível de

adquirir, a um custo relativamente baixo, a qualificação necessária para esse novo padrão de

tecnologia.

O presente artigo está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução. A seção 2

apresenta as características do setor agrícola, dando destaque para a oferta de mão de obra e a

sazonalidade. Na seção 3 descreve os principais resultados da pesquisa de campo realizada com a

produção de cana-de-açúcar na região de Piracicaba (SP). Esta seção aborda as atividades dos

empreiteiros, as condições de vida dos trabalhadores sazonais em São Paulo, as relações entre os

agentes entrevistados na região de Piracicaba, os tipos de contratos estabelecidos pelos

intermediários e os tipos de empreitada na região de Piracicaba. A seção 4 contempla o segundo

estudo de caso do artigo: uma visão geral sobre o fluxo migratório do Leste europeu para a

Alemanha. Além de apresentar uma visão histórica do País, a seção descreve os fluxos migratórios

Leste-Oeste, as políticas alemãs para o mercado de trabalho agrícola, e o processo de contratação de

estrangeiros para o trabalho sazonal. Finalmente a seção 5 apresenta as considerações finais do

artigo.

2. Características do Setor Agrícola

Existem características gerais do mercado de trabalho, e características específicas para o setor

agrícola. Essas singularidades tornam-se claras quando pensamos, por exemplo, no processo de

contratação de mão de obra sazonal. Se o produtor morasse num centro urbano, ele provavelmente

deixaria um cartaz na porta do seu estabelecimento com os dizeres “procura-se trabalhador”. Mas na

zona rural, quanto mais isolada a propriedade, maior a probabilidade do cartaz nem ser visto. Claro

que esse problema pode ser amenizado com o crescimento das cidades, como já ocorre em muitas

regiões da Europa, mas a expansão dos centros urbanos está longe de ser considerada uma solução

para o processo de contratação de mão de obra no campo. Pelo contrário. Para aqueles que ainda

estão ocupados no setor agrícola, a cidade torna-se uma oportunidade para se especializar e,

conseqüentemente, adquirir salários melhores e mais estáveis em outras atividades. Assim, os

produtores enfrentam todos os anos a difícil tarefa de encontrar pessoas dispostas a trabalhar em

suas propriedades, com contrato de curtíssima duração e salários abaixo da média da região. Em

épocas de safra, quando a demanda por mão de obra aumenta consideravelmente, a situação é ainda

mais grave.

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Além do problema da oferta de mão de obra, outro fenômeno recorrente na agricultura é a

sazonalidade. A sazonalidade está presente em todos os setores da economia. No entanto, a razão

pela qual ela ocorre e suas respectivas conseqüências variam de um setor para o outro. Na

agricultura, particularmente, a sazonalidade explica grande parte dos empregos de curta duração, e

gera os seguintes problemas: (a) desincentivo ao investimento em mão de obra, devido à alta

rotatividade; (b) concentração de demanda por mão de obra em períodos curtos, especialmente

durante a época da colheita; e (c) como já apresentado, incerteza em relação à oferta de mão de

obra, muitas vezes como um problema de assimetria de informação (Rezende e Tafner, 2006).

Destaca-se ainda a possibilidade de quebra de safra por problemas climáticos, e a perda (parcial ou

total) da produção pelo atraso em algumas de suas etapas3, além do alto custo de supervisão.

Nesse sentido, duas considerações devem ser feitas acerca da qualificação da mão de obra. Se

o trabalhador sazonal é também pequeno produtor ou agricultor familiar, não há necessidade de se

investir em qualificação específica4. Contudo, mesmo que o trabalhador sazonal não tenha

experiência, não vale a pena para o produtor investir em qualificação. A incerteza em relação à oferta

de mão de obra poderia até induzir o produtor a investir em na sua para contratá-la na safra seguinte,

como uma espécie de pacto de fidelidade para contratações futuras. Na prática, isso não é observado,

já que boa parte dos trabalhadores mora em regiões distantes do local de trabalho – às vezes, em

outros países –, e acabam não possuindo qualquer vínculo com o local de trabalho atual.

Uma alternativa encontrada pelos produtores para minimizar o problema de oferta de mão de

obra é criação do condomínio dos empregadores. Através desse sistema, o trabalhador é contratado

em caráter permanente por uma cooperativa local e trabalha ao longo do ano em diferentes

propriedades. Entretanto, esse tipo de contratação só é adequada para regiões com diversidade de

produção. Se a região for monocultora, por exemplo, a demanda por mão de obra ocorrerá

simultaneamente, o que não permitirá um sistema de rodízio entre os produtores (Rezende e Kreter,

2007).

Outra alternativa defendida em muitos países e apoiada pela FAO, é o subsídio à agricultura

familiar, que barateia o custo do capital para o setor agrícola. Nesse caso, os picos sazonais de

demanda por mão de obra seriam minimizados pela divisão do trabalho entre os membros da família.

3 Esse atraso pode ser proveniente de greve dos próprios trabalhadores contratados, ou de alguma etapa externa, como no transporte. 4 Ao contrário da literatura tradicional, em que a qualificação é analisada a partir do histórico de educação, o presente artigo considera como qualificação específica a atividade agrícola caracterizada pelo uso extreme da força física, como no caso dos cortadores de cana, ou pela execução de uma determinada técnica, como no caso dos apanhadores de café. Assim como ocorre em qualquer atividade, nem todas as pessoas que buscam emprego estão aptas a trabalhar no setor agrícola.

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Nos países em que o sistema de crédito é utilizado por todos os produtores, em especial o crédito para

investimento, o agricultor familiar conta ainda com a possibilidade de mecanizar algumas etapas da

produção (Rezende, 2006). Mas no Brasil, além da agricultura familiar ter acesso restrito à políticas de

crédito, ela tem pouca representatividade na produção nacional.

Por parte do empregado, é importante destacar que o trabalho sazonal é percebido como

qualquer outro trabalho temporário. Ele pode representar renda complementar para os que já possuem

uma atividade principal, ou renda principal, para aqueles que não encontram outra alternativa no

mercado de trabalho permanente. De qualquer forma, o trabalho sazonal é característico por atrair uma

população de baixa renda, que, no caso do Brasil, é proveniente de regiões de periferias, e que, no caso

da Alemanha, é proveniente de países de fronteira.

Por muito tempo, a literatura internacional acreditou que os problemas decorrentes da oferta de

mão de obra seriam resolvidos através de um extensivo processo de mecanização, também conhecido

como modelo de inovação induzida. Essa percepção teve como base o modelo de Hicks, que analisa a

renda a partir da escolha entre capital e trabalho. Hayami e Ruttan (1985) aplicaram esse modelo no

Japão e nos Estados Unidos, e concluíram que no caso americano, onde há abundância de terra e

escassez de mão de obra, foram adotadas tecnologias poupadoras de mão de obra e intensivas em

terra. De forma inversa, no caso japonês, os autores verificaram que as tecnologias implementadas na

agricultura eram intensivas em mão de obra e poupadoras de terra. Mas mesmo nos Estados Unidos,

em que houve o uso massivo de tecnologia, alguns estados, como a Califórnia, ainda precisam recorrer

aos estrangeiros para suprir a demanda do setor.5 O mesmo problema ocorre na Alemanha, onde

estrangeiros se candidatam todos os anos a uma vaga na agricultura. Nesse sentido, o caso do Brasil é

único. Não há necessidade de se recorrer a outros países para suprir a demanda de mão de obra, o

salário permanece no País, e ainda aumenta a renda dos seus respectivos domicílios. Essa combinação

poderia ser realmente positiva se boa parte dessa mão de obra não trabalhasse aquém das condições

mínimas necessárias a qualquer trabalhador.

Mas as dificuldades encontradas no mercado de trabalho agrícola não se resumem ao seu

funcionamento per se. Tanto pesquisadores quanto o próprio governo têm dificuldade de analisar o

setor pela falta de dados, justificada tanto pela grande mobilidade da mão de obra e pelo alto grau de

informalidade, quanto pela falta de informação nas pesquisas com coletas regulares. Mais uma vez,

o Brasil é uma exceção. A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) dedica boa parte

do seu questionário sobre características do trabalho e rendimento dos moradores às atividades

5 Uma comparação entre os sistemas de intermediação de mão de obra da Califórnia, da Alemanha e do Brasil encontra-se em Kreter et al. (2010). Neste artigo, apresentamos apenas os casos do Brasil e da Alemanha.

Page 61: Tese - Capa

48

agrícolas. Contudo, em setembro – mês em que o questionário é aplicado – aqueles que estão

ocupados nas atividades sazonais da agricultura se encontram temporariamente fora do domicílio

(chamados, na década de 1980, como residentes ausentes), e seus dados são fornecidos por

terceiros, que muitas vezes não conseguem dar todas as informações. Isso pode ser verificado pelo

alto percentual de missing, principalmente na caracterização da mão de obra por cultura.

O estudo de caso apresentado na próxima seção trata do corte da cana no estado de São

Paulo. Ele é um exemplo interessante porque reúne não só o problema de oferta e de intermediação

de mão de obra, mas também porque apresenta muitos missings, se fosse analisado apenas pela

PNAD.

3. Brasil: Um Estudo de Caso sobre o Corte de Cana

Essa pesquisa de campo foi realizada em duas etapas entre os anos de 2006 e 2008 na região de

Piracicaba (SP). Na primeira delas, os agentes foram escolhidos tendo por base um estudo realizado

anteriormente pela UNIMEP6 e o Dossiê Mobilidade, produzido pela Pastoral do Migrante de

Guariba em 2003. Assim, foram entrevistados os seguintes agentes: Sindicato dos Empreiteiros,

Prestadores de Serviços de Mão de obra e Serviços Terceirizados na Área Rural de Capivari e

Região, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba e Saltinho, Central de Pastoral da Diocese

de Piracicaba, Subdelegacia do Ministério do Trabalho de Piracicaba e Grupo COSAN. Juntamente

com o Sindicato dos Empreiteiros, foi realizada ainda uma visita a dois dos alojamentos dos

empreiteiros na região. Nessa seção apresentamos os principais resultados da pesquisa.

3.1. As Atividades dos Empreiteiros na Região de Piracicaba

O Sindicato dos Empreiteiros, Prestadores de Serviços de Mão de obra e Serviços Terceirizados na

Área Rural de Capivari e Região foi criado em 2003. Sua primeira preocupação foi a de montar um

quadro de advogados para verificar a legalidade da atividade (terceirização). Em 2007, o Sindicato

possuía 139 sindicalizados, localizados nos municípios de Capivari e Rio das Pedras. A maior parte

dos associados era antigos fornecedores de cana das usinas, mas também tinham pessoas da região,

com capital, que decidiram investir na terceirização de serviços para o setor. É considerado pequeno

empreiteiro o que tem apenas uma turma7, médio, o que possui duas turmas, e grande o que possui

três ou mais (normalmente os grandes possuem cinco turmas). No caso dos grandes, para evitar o

6 Os resultados deste estudo foram apresentados sob forma de painel – O trabalho agrícola temporário assalariado na agroindústria canavieira: o caso do corte na região de Piracicaba – no Congresso da SOBER de 2005. 7 Cada turma tem cerca de 40 trabalhadores, o equivalente à lotação de um ônibus (que os transporta para o trabalho).

Page 62: Tese - Capa

49

pagamento de impostos mais pesados8, são abertas diversas empresas, com CNPJs distintos, cada

uma delas com uma ou duas turmas. Até 2006 cada empreiteiro fazia sua própria contratação. Os

contratos coletivos – ou seja, pelo sindicato – passaram a ser feitos a partir do ano seguinte. Os

custos iniciais de operação9 – principalmente o de contratação – são normalmente bancados pelos

pequenos empreiteiros. Os grandes recebem uma ajuda de custo das usinas. Os trabalhadores

contratados pelos empreiteiros vêm principalmente da Bahia (Feira de Santana e grande região), da

Paraíba (São José das Piranhas e Cajazeiras) e do Ceará, em iguais proporções (Figura 1).

Figura 1 Regiões de origem dos trabalhadores sazonais contratados pelos empreiteiros de São Paulo

Fonte: IBGE (2010).

Quando os trabalhadores são contratados pelos empreiteiros, antes da contratação é feita uma

pré-seleção ainda na origem. Todos eles recebem seguro de vida (com apólice na mão), contratação

no local de moradia com carteira assinada, exame admissional (hemograma completo e exame

clínico), registro em carteira e ônibus fretado com seguro para o transporte até São Paulo. Esse

ônibus também é vistoriado pela vigilância sanitária (NR24 – condições de higiene e segurança) e

segurado.

8 O Sindicato estava se referindo à possibilidade da utilização do SIMPLES pelas pessoas jurídicas associadas. 9 Estão sendo considerados como custos iniciais de operação todas as etapas necessárias para a viabilização da mão de obra, desde a seleção na cidade de origem dos trabalhadores, à chegada dos mesmos no estado de São Paulo.

Page 63: Tese - Capa

50

O transporte é dividido em duas etapas: o transporte da origem até o estado de São Paulo

(alojamentos), e o transporte diário dos alojamentos até o local de trabalho. O deslocamento dos

trabalhadores de sua origem só é permitido através de ônibus fretado e segurado. Normalmente o

sindicato negocia a vinda com empresas transportadoras que existem nas duas pontas do percurso.

Antes do embarque, a vigilância sanitária faz uma vistoria e concede também uma autorização. O

transporte até o local do corte da cana é feito por turmas de cerca de 40 trabalhadores. Cada turma

tem seu responsável, chamado turmeiro. Ele acompanha o grupo desde a saída do alojamento até seu

retorno. O turmeiro pode ser também um cortador de cana, sendo remunerado pelos dois serviços

realizados. Neste caso, os ônibus são fornecidos diretamente pelas usinas ou pelos empreiteiros. O

custo do transporte diário é negociado previamente no ato do contrato coletivo entre dos

empreiteiros e a usina.

O processo de contratação é iniciado com a demanda da usina com o número de

trabalhadores necessários para a próxima safra. A partir daí, os empreiteiros entram em contato com

um trabalhador conhecido na região de origem (geralmente por telefone) – norte do estado de Minas

Gerais e Nordeste. É esse trabalhador quem faz a propaganda na sua cidade. A propaganda, por sua

vez, é feita das mais variadas formas: pela rádio, na praça da igreja, na missa e até com o apoio da

prefeitura. Ex.: o padre avisa durante a celebração que num determinado horário as pessoas deverão

se reunir embaixo do pé do imbuzeiro. Com o pessoal reunido, é feita uma pré-seleção, que inclui o

exame admissional, o registro na carteira e o seguro de vida (todas as exigências do governo federal

descritas anteriormente). Os trabalhadores contratados através do Sindicado dos Empreiteiros têm

entre 18 e 40 anos, e são provenientes de cidades pequenas – de 2.000 a 5.000 habitantes. A maioria

possui até 30 anos de idade.

Um representante dos empreiteiros vai para a região de origem dos trabalhadores apenas uns

cinco dias antes. Sua primeira parada é no Ministério do Trabalho na capital do estado, ou na cidade

mais próxima da origem dos trabalhadores, quando ele dá entrada na documentação necessária para

a contratação, incluindo fotos dos alojamentos e das condições de trabalho. A autorização é

concedida em cerca de 24 horas, momento em que o empreiteiro segue viagem para efetivar a

contratação dos trabalhadores. Apesar de todas as condições de trabalho serem corroboradas com

fotos, o Ministério do Trabalho visita estes alojamentos para confirmar as condições declaradas. Por

isso, todos os alojamentos possuem na entrada, de preferência num local visível, uma cópia do

documento de vistoria da vigilância sanitária.

Page 64: Tese - Capa

51

Tanto o sindicato, quanto as usinas procuram contratar trabalhadores produtivos de safras

anteriores, ou que tiveram produção mediana e bom comportamento.10 Os empreiteiros participam

como intermediários das diferentes etapas de produção – plantio, controle de pragas, queima, corte,

limpeza da área cortada e transporte. Alguns podem até participar de mais de uma delas, mas o mais

recorrente é a especialização do empreiteiro em um dos serviços. A preferência é que os migrantes

sejam alocados no corte.

O contrato com os migrantes dura cerca de 6 meses. A média de produção é de 10 toneladas

por dia, com um salário mensal de R$1.000,00. Os gastos são em torno de R$250,00 por mês, que

inclui alimentação e alojamento. Do valor restante, apenas 25% é gasto na região de trabalho em

produtos, em geral, em eletroeletrônicos. Os outros 50% retornam com eles para as cidades de

origem.

Considerando 10 toneladas cortadas por dia por trabalhador, e 26 dias trabalhados no mês,

cada turma de 40 trabalhadores corta 10.400 toneladas mensais. Admitindo que o preço acordado na

última safra foi de R$6,59 por tonelada, a usina paga R$68.536,00 por turma ao empreiteiro. O

empreiteiro ganha, por turma e por mês, cerca de R$2.750,00, 4% do total pago pela usina.

3.2. As Condições de Vida dos Trabalhadores Sazonais em São Paulo

Os alojamentos modelo visitados na região de Piracicaba abrigam os trabalhadores sazonais

migrantes contratados somente pelo Sindicato dos Empreiteiros. Esse alojamento tem capacidade

para 120 trabalhadores, mas costuma receber entre 90 e 100 todos os anos. Os dois que visitamos

possuem cozinhas e refeitórios, e se localizavam dentro de antigas vilas de fazendas, juntamente

com os trabalhadores permanentes.

Todos os serviços extras oferecidos aos trabalhadores contratados pelos empreiteiros, como

moradia e alimentação, são pagos por eles mesmos, para evitar qualquer tipo de denúncia de

escravidão por dívida. Um dos serviços recorrentes é o de alimentação. Nos alojamentos visitados,

são contratadas cerca de três cozinheiras da origem dos trabalhadores para fazer a comida “do gosto

deles”. Os salários das cozinheiras e os alimentos que elas trazem estão incluídos no rateio dos

custos. O prato oferecido é sempre o mesmo todos os dias: arroz, feijão, farinha, carne (apenas de

vaca ou porco) e molho. O molho é uma mistura com sustância, tipo batata. A salada também é

oferecida, mas quase ninguém come. Nos armazéns próximos, os trabalhadores costumam comprar

10 O Sindicato nos confirmou a existência de uma lista de trabalhadores problemáticos, ou seja, uma lista com os nomes daqueles que pelo menos uma vez não cumpriram com todas as exigências dos contratos anteriores. Essa lista é trocada entre as usinas e os empreiteiros. Mas o contrário não acontece. Não há divulgação dos bons trabalhadores entre os dois.

Page 65: Tese - Capa

52

alimentos para lanche e objetos de utilidade. O produto mais consumido fora das refeições costuma

ser cachaça e biscoito. As cozinheiras iniciam as suas atividades às 3h30 para que a primeira

refeição possa ser servida às 5h. Neste horário, os trabalhadores comem o equivalente ao nosso

almoço e separam uma segunda refeição para levar para o campo. Além do lanche, cada trabalhador

recebe uma garrafa térmica de água e um medidor para fazer soro caseiro. Atualmente os ônibus

também são obrigados a transportar água fresca e a ter um toldo para a pausa do almoço. Note que,

apesar das refeições serem oferecidas nos locais de moradia, elas são pagas pelos próprios

trabalhadores. Não há desconto em folha (no contra-cheque). Eles se organizam e elegem um

representante. Esse representante, com o auxílio do gerente do alojamento, faz um balanço de

quanto de comida vai comprar. O valor final é rateado pelo número de pessoas que está no

alojamento. Por esse motivo, os trabalhadores podem repetir as refeições quantas vezes quiserem. A

comida é servida dentro de bacias (como as que usamos para lavar roupa). O responsável pelos

alojamentos disse receber vistorias regulares da vigilância sanitária (NR24), que concede, por sua

vez, uma autorização de funcionamento, renovado a cada safra. Cópia deste documento fica exposta

em local visível próximo à porta de entrada.11

Em relação aos quartos dos alojamentos visitados, eles abrigam de 4 a 12 trabalhadores. São

disponibilizados, para cada trabalhador, um armário e uma cama, com colchão e travesseiro. As

camas são, em sua maioria, beliches. Os quartos menores (para quatro pessoas) costumam não ser

propriamente em alojamentos, mas em pequenas casas em antigas vilas de trabalhadores, localizadas

nos canaviais. As casas destas vilas são adaptadas para os trabalhadores, e as refeições feitas num

refeitório, também localizado na mesma vila.

Nos alojamentos que possuem cozinha industrial, o acesso a essa cozinha é restrito. O mais

comum é encontrar alojamentos que possuem uma pequena cozinha disponível para os

trabalhadores. Eles só podem usá-las para tarefas simples, como fritar um ovo, mas não para

preparar refeições completas. No caso das vilas, cada casa possui uma dessas pequenas cozinhas,

com funções semelhantes.

Os sanitários, as duchas e as pias são construídos separadamente. No caso das duchas,

algumas possuem água quente, mas a maioria é com água fria. Cada trabalhador tem seu material de

higiene pessoal, mas poucos são os que usam sabonete, shampoo e pasta de dente.

11 Estas cozinhas podem ser montadas pelos empreiteiros nos moldes das cozinhas industriais, mas também existem casos em que as refeições são terceirizadas. Os pequenos empreiteiros não possuem capital para esses investimentos, então preferem comprar as refeições de empreiteiros maiores ou até mesmo de restaurantes.

Page 66: Tese - Capa

53

Em relação ao pagamento, os trabalhadores recebem até o dia 5 de cada mês. Para evitar

assaltos, o gerente do alojamento não avisa o dia preciso. Os pagamentos também são feitos por

turmas, nos dias de escala de folga. Nunca coincide do pagamento sair para todos ao mesmo tempo.

A escala de folga é de cinco pra um, ou seja, cinco dias trabalhados para um de folga.

Todos são orientados a não deixar qualquer quantia nos alojamentos. Aproveitando essa

orientação, um banco da região passou a oferecer à esses trabalhadores uma espécie de poupança, ou

a possibilidade de enviar seus salários para as suas respectivas famílias. Mas nem todos utilizam o

recurso por não conseguirem manusear o cartão magnético. Aliás, por esse motivo, o salário é pago

em cheque. Ainda sobre o pagamento, muitos trabalhadores trocam o cheque no próprio armazém,

próximo ao alojamento. O armazém, por sua vez, é avisado sobre a data e se prepara para fornecer o

dinheiro à vista. Os trabalhadores também têm a opção de irem até o centro da cidade para efetuar as

trocas nos bancos. Mesmo comprando diversas mercadorias, a grande maioria não gasta mais que

25% do salário na cidade de trabalho. Eles buscam economizar o máximo para levar o dinheiro de

volta para as suas famílias.

3.3. As Relações entre os Agentes Entrevistados na Região de Piracicaba

Antes de iniciar propriamente esta seção, é necessário apresentar a distinção entre dois personagens,

ora tratados pela literatura como semelhantes, mas que possuem posições singulares nas relações de

trabalho agrícola sazonal: o empreiteiro e o turmeiro. O empreiteiro é aquele que assina a carteira do

trabalhador, e pode ser classificado de acordo com o tipo de empreitada – pequeno, se tem apenas

um turmeiro, médio, se tem dois ou três turmeiros, ou grande, se tem quatro ou mais. O turmeiro é o

responsável pelo grupo de trabalhadores. Cada turma tem cerca de 40, o equivalente à lotação de um

ônibus (que os transporta para o trabalho). É bastante difícil ter turmas com número inferior de

trabalhadores. A Figura 2 apresenta os cinco agentes entrevistados e as relações entre os mesmos.

A Central de Pastoral, mais especificamente a Pastoral do Migrante, se relaciona apenas com

as usinas e com o Ministério do Trabalho. É pelas usinas que ela consegue a lista dos alojamentos a

serem visitados. Os seminaristas não visitam os alojamentos dos empreiteiros pela dificuldade de

acesso à listagem com a localização dos mesmos. Após as denúncias feitas pela Pastoral do

Migrante até as usinas passaram a restringir a atuação da igreja, já que ela se tornou uma ameaça à

sua produtividade. Aliás, as denúncias é que interligam a igreja e o Ministério do Trabalho.

Outra fonte recorrente de denúncia é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Os filiados que

se sentem de alguma forma prejudicados fazem a denúncia pessoalmente ou por telefone. O

Page 67: Tese - Capa

54

Sindicato, por sua vez, sai para verificar se a denúncia e procedente ou não. A partir do momento

que ela é constatada, faz-se necessário o registro no Ministério do Trabalho.

Figura 2 Relação entre os agentes participantes do mercado de trabalho agrícola sazonal na região de

Piracicaba

Fonte: Elaboração própria.

O Ministério do Trabalho também verifica se a denúncia é procedente e, embora o

denunciante permaneça no anonimato, todos seus dados são registrados. O intuito é evitar

emboscadas e possíveis mortes. Por isso, o Ministério não aceita denúncias por telefone e trabalha

com a Polícia Federal. A participação do Ministério Público é conseqüência do andamento do

processo.

As usinas são réus deste processo. Aliás, independente do contratante, ou seja, empreiteiro

ou não, as usinas são as únicas autuadas e punidas. Seus contratos podem ser diretos – entre a usina

e os trabalhadores, representados pelo Sindicato –, ou indiretos – entre a usina e os empreiteiros.

Ministério do Trabalho

Ministério Público Federal

Usinas

Sindicato dos Trabalhadores

Rurais

Central de

Pastoral

Sindicato dos

Empreiteiros

Page 68: Tese - Capa

55

3.4. Tipos de Contratos Estabelecidos pelos Intermediários

Na região de Piracicaba ficou claro que, quando o intermediário participa da negociação do contrato

de safra, o serviço prestado é oferecido sob a forma de empreitada, ou seja, o contrato é feito por

tarefa e não apenas com o compromisso de fornecer mão de obra. A empreitada demandada pela

usina pode ser para o corte da cana, ou para o transporte da mesma até a usina, sendo que o

trabalhador sazonal participa apenas da primeira etapa. As relações contratuais de tarefas pelo

intermediário são apresentadas na Figura 3.

De acordo com a Figura 3, é possível perceber que a usina funciona como agente central, ora

contratando os serviços dos intermediários, ora coordenando o corte de cana tanto por parte dos

fornecedores quanto em suas próprias terras. As empreitadas apresentadas neste processo, quando

são realizadas nas terras dos fornecedores, são sempre intermediadas pela usina.

No caso dos trabalhadores sazonais, como já foi dito, eles podem ser contratados diretamente

pela usina ou por um empreiteiro. Os contratos, em ambos os casos, são feitos por 6 meses no início

da safra – por volta de maio de cada ano. Nos períodos de entressafra os trabalhadores também são

contratados temporariamente. Neste caso, o contratante é normalmente a usina, os trabalhadores são

da região e a forma de remuneração é distinta da do período de corte – já que eles não podem se

basear na produção.

Figura 3 Relação contratuais nas empreitadas de corte e transporte de cana12

Fonte: Elaboração própria.

12 Além do corte e do transporte da cana, existem outros tipos de empreitada, que serão explicadas na seção seguinte.

U S I N A

corte da cana

transporte da cana para a usina

Trabalhador Sazonal

I N T E R M E D I Á R I O

Fornecedor de Cana

Page 69: Tese - Capa

56

3.5. Tipos de Empreitada para as Usinas na Região de Piracicaba

Os empreiteiros podem ser classificados de acordo com o tipo de serviço prestado, e, para cada tipo

de serviço, são feitos contratos distintos. O empreiteiro pode ser responsável pelo corte da cana, pelo

plantio ou pela aplicação de herbicida, ou ainda pela combinação dessas tarefas, embora a primeira

seja a mais recorrente. Essa primeira tarefa pode ser combinada com o fornecimento do trator e o

carregamento (transporte) da cana do local de corte até a usina. Existe ainda o empreiteiro que

executa as três tarefas, além de arrendar terras da usina.13 Nesse caso, ele é o conhecido fornecedor

de cana.

Para os serviços que utilizam mão de obra de outros estados, os contratos dos empreiteiros

com as usinas são feitos considerando todos os custos adicionais, ou seja, todos os custos extras que

são gerados pelo trabalhador se encontrar em outro município – transporte, alojamento, etc. Por isso,

a usina paga apenas pela empreitada, e o empreiteiro executa a tarefa. Para exemplificar a relação

do empreiteiro da região de Piracicaba com a usina, a Tabela 1 apresenta todos os custos fixos e

variáveis utilizados pelo Sindicato para o cálculo do preço da tonelada na safra 2005/2006.

Pela Tabela 1 é possível perceber que, a partir do valor base para o cálculo da tonelada, a

viagem e o alojamento estão entre os custos mais significativos. Porém, apesar do trabalhador de

outras regiões ser mais oneroso, ele possui qualidades que o torna necessário nesse processo de

produção, dentre elas a estrutura física e a experiência no roçado. A predominância de jovens

também delimita ainda mais o grupo, já que, além da probabilidade de maior produtividade, esses

jovens têm menos chance de serem reprovados nos exames admissionais.14

Nas negociações, o sindicato monta uma proposta de valor por tonelada (como a da Tabela

1) e manda para as usinas. Algumas retornam para marcar uma conversa, dizendo qual tarefa,

provavelmente, será contratada e, conseqüentemente, qual o número estimado de trabalhadores que

será necessário para tal tarefa. O contrato é fechado após os trabalhadores chegarem.

13 Para os fornecedores de cana, o mais comum é ter as terras arrendadas da usina, mas na região de Piracicaba alguns deles têm suas próprias terras para o plantio. 14 Nas cidades de origens, os trabalhadores fazem apenas um exame pré-admissional. Hemograma, Chagas, eletrocardiograma e exame clínico (em especial, anemia, hérnia e varizes) são feitos apenas quando eles já estão em São Paulo.

Page 70: Tese - Capa

57

Tabela 1 Custos fixos e variáveis para o cálculo da tonelada da cana cortada, 2007

DESCRIÇÃO R$ % Valor da base de cálculo (valor inicial por tonelada) 2,4444 33,2657 CUSTOS VARIÁVEIS Férias 0,2036 2,7708 1/3 sobre férias 0,0679 0,9240 13o salário 0,2036 2,7708 FGTS 0,2118 2,8824 Subtotal 0,6869 9,3480 CUSTO FIXO 1 Feriados 0,0682 0,9281 Exame admissional e demissional 0,0683 0,9295 Jornada 5X1 0,4093 5,5701 Horas transporte 0,2301 3,1314 Viagem 0,4167 5,6709 Alojamento 0,6750 9,1860 PPR* 0,0000 0,0000 EPIS* 0,0000 0,0000 Cesta básica* 0,0000 0,0000 Subtotal 1,8676 25,4160 CUSTO FIXO 2 Acidente de trabalho e auxílio doença 0,0417 0,5675 Escritório contábil e materiais de escritório 0,0875 1,1908 Transporte: combustível e manutenção 0,5833 7,9381 Toldo para ônibus 0,0333 0,4532 Salários fixos 0,1953 2,6578 Férias sobre os salários fixos 0,0163 0,2218 1/3 das férias sobre os salários fixos 0,0054 0,0735 13o salário sobre os salários fixos 0,0163 0,2218 FGTS sobre os salários fixos 0,0169 0,2300 Subtotal 0,9960 13,5545 LUCRO SOBRE O VALOR INICIAL DA TONELADA

0,6111 8,3164

Simples (8,10%) + ISS (2%) 0,7422 10,1006 TOTAL (Preço de Venda) 7,3481 100

Fonte: Sindicato dos Empreiteiros de Capivari (2007). * Itens estabelecidos na negociação como responsabilidade da usina.

4. Alemanha: Uma Visão Geral sobre o Fluxo Migratório do Leste Europeu

O estudo sobre a Alemanha foi realizado entre os anos de 2009 e 2010 no Instituto para o Futuro do

Trabalho (Forschungsinstitut zur Zukunft der Arbeit), em Bonn.

Page 71: Tese - Capa

58

4.1. Uma Visão Histórica

Nos últimos 20 anos a Alemanha passou por transformações políticas e econômicas nunca antes

imaginadas. O processo de reunificação começou com a possibilidade dos cidadãos da República

Democrática Alemã (DDR) cruzarem a fronteira da Hungria em setembro de 1989. Alguns meses

depois – em novembro –, o muro de Berlim caiu, e no dia 3 de outubro de 1990, a Alemanha

celebrou a reunificação. Durante a sua existência, a antiga DDR alocou uma quantidade

considerável de recursos nos setores agrícola, energético, de mineração e de processamento,

enquanto que o Oeste se concentrou nas áreas de comércio e finanças (Kirsche e Noleppa, 2000).

Também havia diferenças significativas em relação aos preços e incentivos por parte do governo.

Por exemplo, se compararmos os preços dos produtos agrícolas entre as duas Alemanhas após a

reunificação, o preço absoluto de cada produto no Leste era muito maior, apesar do preço dos

fatores ser bem menor. Até o ajuste macroeconômico de 1991, a agricultura permaneceu como

sendo o setor principal no Leste.15

Não por acaso, os estados que compunham a antiga DDR continuaram tendo as maiores

propriedades rurais – tanto apenas em tamanho médio, como também em área absoluta (Instituto

Federal de Estatística da Alemanha, 2009). Entretanto, isso não significou que o setor criou novos

postos de trabalho. O Gráfico 1 apresenta a participação do emprego por setor desde 1950. Como

apresentado abaixo, apesar das estatísticas oficiais do governo considerarem apenas o território da

antiga República Federal da Alemanha até 1990, a partir dessa data o setor agrícola no Leste não foi

suficiente para impactar significativamente a estrutura de trabalho do País. Kirsche e Noleppa

(2000) argumentam que isso aconteceu por duas razões. A primeira foi a migração. Após a

reunificação muitas pessoas do Leste foram atraídas pelas oportunidades de emprego no Oeste, em

especial por setores não agrícolas. A segunda razão foi a intervenção do governo via subsídios, que

impactou diretamente a taxa de desemprego na antiga DDR. Os autores estimam que, se essas duas

coisas não tivessem ocorrido, o desemprego no Leste poderia atingir 30% em vez de 18% como de

fato ocorreu no ano de 1990. Häger e Hagelschuer (1996) analisaram esse fenômeno profundamente,

e concluíram que apesar da migração Leste-Oeste ter sido intensa no início de 1990, somente

metade dos trabalhadores que deixaram a produção agrícola encontraram emprego em outro setor, e

a outra metade permaneceu desempregado.

15 O ajuste macroeconômico de 1991 fez parte de um conjunto de políticas adotadas após a reunificação e tinha como objetivo adaptar a economia do Leste, até então socialista, para os padrões capitalistas presentes no Oeste.

Page 72: Tese - Capa

59

Gráfico 1 Participação do emprego por setor, Alemanha, 1950 a 2007*

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

%

agricultura indústria serviços

Fonte: Secretaria de Migrações e Refugiados (2006). Elaboração própria.

* Até 1990, os dados incluem apenas o território da antiga República Federal da Alemanha. Entre 1950 e 1959 foram

excluídos as áreas de Berlim e Saarland. Entre 1950 e 1969 as definições não foram baseadas no Sistema Europeu de

Contas Econômicas Integradas (ESA) – discriminação pela classificação das atividades, edição de 1979. A partir de

1970, os resultados foram baseados na ESA, de acordo com a revisão 2005/2006 – discriminação seguindo a

Classificação das Atividades Econômicas, edição de 2003 (Instituto Federal de Estatística da Alemanha).

Adicionalmente a isso, foi implementada em 1990 a primeira Lei de Ajuste Agrícola, que

pretendia privatizar as terras usadas para a agricultura na antiga DDR. Até então, a agricultura do

Leste era baseada num sistema de cooperativas, onde o Estado controlava grande parte da produção

através da utilização de terras públicas. Essa Lei foi mudada várias vezes a fim de esclarecer as

regras de distribuição de terras; entretanto, algumas características permaneceram. Uma delas é o

tamanho das propriedades. O Gráfico 2 mostra a estrutura das propriedades na Alemanha, por

estado.

Page 73: Tese - Capa

60

Gráfico 2 Tamanho das propriedades por estado, Alemanha, 2007

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

Baden

-Wür

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(1 m

ilhão

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hect

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)

2-20 20-40 40-100 100-200 200-500 >500

Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.

De acordo com o Gráfico 2, os estados do leste – Brandenburg, Mecklenburg-Vorpommern,

Sachsen, Sachsen-Anhalt e Thüringen – ainda possuem as maiores propriedades, mas em termos de

número de propriedades os estados da Baviera e Niedersachsen são os principais. A estrutura das

propriedades e a sua distribuição territorial são muito importantes para estimar o número de

empregados necessários por cultura a cada ano. Isso reforça o impacto da distribuição de terras pela

Lei de Ajuste Agrícola, como a estrutura de emprego na agricultura alemã (Gráfico 3). Antes de

1990, a mão de obra prevalecente no setor era composta por conta própria. Típico das pequenas

propriedades – parte dos conta própria são provavelmente procedentes da agricultura familiar. Note

que, durante todo o período foi considerado o território da República Federal da Alemanha. Em

outras palavras, até 1990 o Gráfico 3 mostra somente o Oeste alemão, e a partir desse ano, o Leste e

o Oeste.

Page 74: Tese - Capa

61

Gráfico 3 Participação do emprego na agricultura, Alemanha, 1950 a 2007

10

20

30

40

50

60

70

80

90

1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

%

conta própria empregados

Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.

Hoje em dia o território da República Federal da Alemanha compreende uma área de cerca

de 357.000 km2. Apesar da alta densidade populacional, 55% dessa área ainda é usada para a

agricultura e 30% para a silvicultura (Instituto Federal de Estatística da Alemanha, 2008). Em 2007

aproximadamente 1,26 milhão de pessoas ainda trabalhavam em tempo integral ou parcial no setor

agrícola. Isso representou cerca de 3% da população economicamente ativa, ou 41,4 milhões de

pessoas em 2007 (Bundesministerium für Ernährung, Landwirtschaft und Verbraucherschutz,

2006). Dos 3%, 58% eram agricultores familiares, 14% eram empregados como não membros da

família e 28% eram trabalhadores sazonais. Regularmente, cerca de 336.200 deles trabalham

sazonalmente em propriedades rurais, mas existe um contingente de trabalhadores informais que

fazem o mesmo serviço. Sabemos que na Alemanha quase unicamente imigrantes dos países da

Europa Central e do Leste trabalham sazonalmente na agricultura (formal ou informalmente), apesar

da elevada taxa de informalidade no País e das restrições legais no mercado de trabalho por parte do

governo (Hess, 2006).

Page 75: Tese - Capa

62

4.2. Os Fluxos Migratórios Leste-Oeste

A Alemanha passou por seis fases de migração após a Segunda Guerra Mundial. São elas:

� De 1945 a 1950: é composta pelo movimento de refugiados e de pessoas do Leste alemão.

Aproximadamente 8 milhões de refugiados migraram para a Alemanha nesse período;

� De 1950 a 1961 (ano em que o muro de Berlim foi construído): um número grande de

fugitivos e Übersiedler migraram da DDR para o Oeste. Esse período também testemunhou

o primeiro movimento de imigração dos Aussiedler provenientes da então União Soviética,

resultado de acordos especiais celebrados entre o Chanceler Adenauer e as autoridades

soviéticas;16

� Do final da década de 1950 a 1973: foi caracterizada pelos altos fluxos migratórios de

estrangeiros. Esses Gastarbeit, como eles acabaram sendo chamados, se mudaram para a

Alemanha no âmbito dos acordos de contratação bilateral com a Itália, Grécia, Iugoslávia,

Turquia, Espanha, Portugal, Marrocos e Tunísia. Dentre todos os países, destaque para a

Turquia. Esses acordos foram suspensos devido à primeira crise do petróleo em 1973;

� De 1973 até o fim da década de 1970: foi marcado pelas conseqüências da proibição da

contratação de mão de obra, mas que gerou novas formas de contratação: dos membros das

famílias dos Gastarbeit. A ida das famílias contribuiu para estender a estadia deles no País;

� De 1980 a 1988: foi caracterizado por dois desdobramentos bem diferentes: (a) pela

consolidação de fluxos migratórios dos Aussiedler, principalmente da Polônia, da União

Soviética e da Romênia; e (b) pelo acentuado aumento no número de requerentes de asilo

provenientes da Turquia, Polônia e Romênia. Para o primeiro grupo, o governo alemão se

baseou em políticas de apoio para a inserção desses países na economia de mercado e

possibilidade de cooperação econômica;17 e

� De 1988 em diante: foi marcado por uma série de eventos, como: afluxo crescente de

Aussiedler da Europa Oriental, movimentos migratórios de Übersiedler provenientes da

antiga DDR, e um movimento mais amplo vindo da Polônia e da ex-União Soviética,

aumento no número de requerentes de asilo da ex-Iugoslávia, da África e da Ásia (Figura 4).

16 Übersiedler eram os alemães do Leste que migraram da antiga DDR para o Oeste alemão. Já os aussiedler eram os alemães ou pessoas de origem alemã, que imigraram da Europa Central e Oriental para a Alemanha. 17 Os países que compõem a Europa Central e do Leste são chamados de MOE-Staaten.

Page 76: Tese - Capa

63

Figura 4 Fluxo migratório do Leste europeu para a Alemanha

Fonte: Instituto Federal de Estatística da Alemanha (2010). Elaboração própria.

Na Alemanha, a falta de oferta de mão de obra não é explicada apenas pela assimetria de

informação. Além dos salários pagos no setor agrícola não serem atrativos se comparados com os

outros setores, o País conta ainda com uma ampla rede de assistência social. A diferença entre o que

um alemão desempregado ganha do governo, e o que é pago pelo setor agrícola é mínimo – em

alguns casos, não há diferença no rendimento líquido. Por isso, não há grande interesse por parte dos

alemães em trabalhar na agricultura. Mas, aproveitando esses postos de trabalho temporário, a

Alemanha decidiu assinar acordos para importação de mão de obra de países de fronteira, sob

condições específicas, como permissão limitada à permanência no país de destino, estabelecimento

de uma remuneração mínima18, pagamento de contribuições sociais, etc. Essa foi uma tentativa de

evitar a entrada de imigrantes ilegais, adotada também por outros países europeus.

Apesar da migração mais significativa ter ocorrido depois da queda do muro, é sabido que

antes de 1989 alguns grupos tinham permissão de entrar na Alemanha para trabalhar

18 Embora a Alemanha tenha um mínimo recebido por atividade e por setor, não há um salário mínimo nacional como no Brasil.

Page 77: Tese - Capa

64

temporariamente (Eichhorst, 2000). Entretanto, desde 1990 o governo alemão desenvolveu políticas

de restrição dos fluxos migratórios Leste-Oeste, incluindo novas regras para regular o mercado de

trabalho e também para controlar o processo de contratação de mão de obra.19

4.3. As Políticas Alemãs para o Mercado de Trabalho Agrícola

Os acordos assinados pela Alemanha sobre a contratação de mão de obra do Leste europeu para o

setor agrícola faz parte de um grande programa criado em 1990, que oferece postos de trabalho

temporários no País. Essa política foi seguida por outros países da Europa, mas não com as mesmas

dimensões que na Alemanha.20 Assim, esse programa contemplava cinco formas de contratação: (a)

por vínculo a projetos; (b) trabalhadores da fronteira; (c) Gastarbeit; (d) enfermeiros; e (e)

trabalhadores sazonais.

O primeiro programa permitiu que empresas alemãs pudessem subcontratar empresas

estrangeiras para a execução de partes de projetos, com seus respectivos empregados. Esse programa

incluiu diversos setores da economia – como o de construção civil – mas não o setor agrícola. A

permanência do empregado na Alemanha dependia diretamente do contrato entre as empresas alemã

e estrangeira. Havia um limite máximo anual de contratações, que variava de ano para ano, e

também de acordo com a procedência de cada país: em 1992, 100 mil empregados entraram na

Alemanha com o contrato com vínculo a projetos. Em 1993 e 1994 a quota foi reduzida para 50 mil,

em resposta a pleitos de empresas alemãs sobre concorrência desleal. A quota chegou a ser

aumentada de novo nos anos seguintes, mas alguns critérios obrigatórios foram introduzidos. Esses

critérios deveriam ser satisfeitos antes da concessão do visto de trabalho. Por exemplo, as empresas

contratantes eram obrigadas a garantir que as empresas subcontratadas pagariam aos seus

empregados o piso salarial da categoria, de modo a equiparar os salários dos estrangeiros com o dos

alemães. Por outro lado, como os contratos entre as empresas subcontratadas e seus empregados

eram feitos em outro país, os encargos trabalhistas, como as contribuições sociais, deveriam ser

recolhidas nos países de origem. Isso significa que, mesmo tentando assegurar o piso salarial, o

custo total da mão de obra era muito mais baixo se comparado ao empregado alemão. O programa

por vínculo a projetos foi praticamente direcionado à indústria da construção civil e atividades

relacionadas a elas. Em julho de 1997, a concessão dessa forma de visto de trabalho foi suspensa

19 Está sendo considerado como atividade agrícola não só aquela desenvolvida dentro da propriedade rural, mas também as atividades da indústria de processamento (cadeia agroindustrial), como, por exemplo, a produção de derivados do leite. 20 Como a Alemanha é um país de fronteira com o Leste europeu, esses programas são uma tentativa de controle da imigração na fronteira.

Page 78: Tese - Capa

65

após uma intervenção legal da Comissão Européia. A Comissão alegou que esse tipo de contratação

viola o princípio da liberdade de contratação de serviços por excluir outros membros da UE dos

acordos bilaterais. Entretanto, os outros quatro programas persistem até hoje, inclusive o de

trabalhadores sazonais.

O segundo programa – denominado de trabalhadores da fronteira – foi criado para os

moradores da Polônia e da República Tcheca que vivem em um raio de até 50 km da fronteira

alemã. Esse grupo tem permissão para trabalhar na Alemanha, se a Secretaria do Trabalho local

identificar que os residentes das cidades que demandam mão de obra não estão disponíveis para

essas vagas. Além disso, a atividade demandante deve ser a principal do estrangeiro e não pode ser

na indústria da construção civil. Os trabalhadores da fronteira têm que continuar a residir nos seus

países de origem e voltar para casa diariamente. De forma alternativa, eles podem trabalhar na

Alemanha por no máximo 2 dias por semana com pernoite. Atividades em tempo parcial não são

permitidas. A instituição dos contratos é obrigatória, assim como o piso salarial da categoria.

Os Gastarbeit fazem parte do terceiro programa. O conceito geral do Gastarbeit é bem

conhecido na Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas as regras do programa

passaram por algumas mudanças. Desde 1990 esse programa permite aos jovens do Leste europeu e

alemães ir para outros países para melhorar as suas aptidões profissionais ou fluência na língua

estrangeira através de estadias de trabalho. Eles recebem pelo trabalho salário médio da categoria no

respectivo país. Os participantes devem ter entre 18 e 40 anos, ter concluído algum treinamento

profissional, e ter conhecimento básico do idioma do país de destino. Mas não há critérios de

admissão específicos sobre a avaliação da formação do jovem durante a sua estadia de trabalho.

O quarto programa é específico para enfermeiros estrangeiros. A maior parte deles é

proveniente da Iugoslávia. O quinto e último programa foi criado para preencher as vagas de curta

duração. Esse programa permite que estrangeiros ocupem os postos de trabalho sazonais, desde que

nenhum alemão queira ocupar essas vagas. Desde o final de 1993 a contratação de pessoas do Leste

europeu no âmbito desse programa tem sido limitada à agricultura e ao processamento de produtos

agrícolas, aos hotéis e restaurantes, e aos trabalhadores de feiras de negócios, porque até essa data,

muitos empregadores alemães usavam o programa de trabalho sazonal para contratar estrangeiros

para postos regulares – por exemplo, para preencher as vagas de empregados em férias na

construção civil. Com essa limitação, a agricultura e o processamento de produtos agrícolas

passaram a representar as principais atividades desse programa, com contratos de até 3 meses. Os

demais setores poderiam ainda contratar por um período um pouco maior. Outra característica do

programa é que a grande maioria dos estrangeiros contratados vem da Polônia. É importante

Page 79: Tese - Capa

66

destacar que os trabalhos sazonais sempre representaram o principal programa dos cinco criados

pelo governo, e ainda hoje é responsável por criar de 200 a 300 mil postos de trabalho na Alemanha

por ano. A Tabela 2 apresenta o número de contratações nos primeiros anos de cada um desses

programas para o Leste europeu.

Tabela 2 Número de estrangeiros contratados na Alemanha, por programa, 1991 a 1996

Programa 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Trabalhadores com vínculo a projetos (1) 51.770 93.592 67.270 39.070 47.565 44.020 Trabalhadores da fronteira (1) 7.000 12.400 11.200 8.000 8.500 7.500 Gastarbeit (2) 2.234 5.057 5.771 5.529 5.478 4.351 Enfermeiros (2) 1.455 506 412 367 398 Trabalhadores sazonais (2) (3) 90.000 212.000 164.377 140.656 176.590 203.856

Total 151.004 324.504 249.124 193.667 238.500 260.125 Fonte: Hönekopp (2003). (1) Pessoas ocupadas, média anual com base mensal. (2) Posições de trabalho. (3) Volume anual de trabalho.

De acordo com a Tabela 2, o programa de trabalhadores sazonais foi o mais significativo em

termos de política pública de geração de emprego para estrangeiros nos anos de 1990. Depois disso,

esse programa se tornou cada vez mais representativo – não só em termos de participação dentro dos

cinco programas para o Leste europeu, mas também se comparado com outras permissões de

trabalho do Anwerbestoppausnahmeverordnung (ASAV). A Tabela 3 apresenta o número de

permissões de acordo com as cláusulas de exceção.

Page 80: Tese - Capa

67

Tabela 3 Permissões de trabalho de acordo com as cláusulas de exceção do ASAV, 2006

Nacionalidade Trabalhadores

sazonais Outros Total

Polônia 212.883 8.796 221.679 Eslováquia 5.645 1.451 7.096 República Tcheca 1.084 1.269 2.353 Hungria 1.455 1.022 2.477 Eslovênia 117 61 178 Estônia 57 57 Letônia 48 48 Lituânia 4 102 106 Total Declarado 221.188 12.806 233.994

Fonte: Secretaria de Migrações e Refugiados (2006). Elaboração própria.

Não há informação detalhada por cada categoria. A desagregação mais próxima que

conseguimos da Secretaria do Trabalho na Alemanha a partir dos dados da Tabela 3 foi o país de

origem dos contratados para os trabalhos sazonais – agricultura, processamento de produtos

agrícolas e feira de negócios. Essa compilação de 1991 a 2007 se encontra na Tabela 4.

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68

Tabela 4 Trabalhadores sazonais, por país de origem, 1991 a 2007

Nacionalidade

Ano

CS

FR

(1)

Iugo

sláv

ia (

2)

Pol

ônia

Cro

ácia

Esl

ováq

uia

Rep

úblic

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Hun

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Rom

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Bul

gária

Tot

al D

ecla

rado

1991 13.478 32.214 78.594 4.402 128.688 1992 27.988 37.430 136.882 7.235 2.907 212.442 1993 143.861 6.984 7.781 12.027 5.346 3.853 1.114 71 181.037 1994 136.659 5.753 3.465 3.939 2.458 2.272 601 70 155.217 1995 170.576 5.574 5.443 3.722 2.841 3.879 600 131 192.766 1996 196.278 5.732 6.255 3.391 3.516 4.975 559 188 220.894 1997 202.198 5.839 6.365 2.347 3.572 4.961 466 203 225.951 1998 209.398 4.665 5.534 2.182 3.200 6.236 359 236 231.810 1999 205.439 5.101 6.158 2.031 3.485 7.499 302 332 230.345 2000 229.135 5.943 8.375 3.235 4.139 11.842 311 825 263.805 2001 243.405 6.157 10.054 2.913 4.783 18.015 264 1.349 286.940 2002 259.615 5.913 10.654 2.791 4.227 22.233 257 1.492 307.182 2003 271.907 5.069 9.578 2.235 3.504 24.599 223 1.434 318.549 2004 286.623 4.680 8.995 1.974 2.784 27.190 195 1.249 333.690 2005 279.197 4.598 7.502 1.625 2.305 33.083 159 1.320 329.795 2006 236.267 4.785 6.778 1.232 1.806 51.190 141 1.293 303.492 2007 228.807 4.647 5.122 1.087 1.800 56.893 119 1.182 299.657 Total 41.466 69.644 3.514.841 81.440 108.059 46.731 61.403 281.627 5.670 11.375 4.222.260

Fonte: Secretaria do Trabalho da Alemanha (2009). (1) Até 1992, esses dados se referem à Tchecoslováquia (CSFR). A partir de 1993, esses dados foram separados em Eslováquia e República Tcheca. (2) Até 1992, esses dados se referem à Iugoslávia. A partir de 1993, os dados não foram mais disponibilizados.

De acordo com a Secretaria do Trabalho, alguns critérios deveriam ser seguidos para a

contratação de trabalhadores sazonais. São eles:

� O trabalhador sazonal pode ser contratado durante a rotação de culturas;

� O salário pode ser pago por produto ou por peso;

� As atividades são ao ar livre, com periodicidade regular, não importando as condições do

tempo;

� Normalmente as atividades executadas pelo trabalhador sazonal exigem pouca qualificação,

mas muito esforço físico; e

Page 82: Tese - Capa

69

� Os trabalhadores sazonais devem ser transportados todos os dias de seus alojamentos para os

locais de trabalho nas áreas rurais.

No geral, os salários são inferiores aqueles pagos nos demais setores, e têm um baixo

reconhecimento social – determinado principalmente pela baixa qualificação.

4.4. Como contratar um estrangeiro como trabalhador sazonal?

De acordo com a Secretaria do Trabalho, a agricultura familiar era muito mais comum em épocas

anteriores na Alemanha. Hoje em dia as propriedades rurais alemãs são grandes produtoras, e

funcionam como uma indústria, sendo responsável pelas diferentes etapas de produção, incluindo as

que adicionam valor até o produto final. Esse tipo de empresa agrícola realiza, portanto, a seleção,

embalagem, rotulagem, transporte e venda dos seus produtos. Assim, quando se fala em mercado de

trabalho agrícola na Alemanha nos referimos a todas as etapas de produção.

Devido ao aumento no número de trabalhadores sazonais no mercado de trabalho (Tabela 4),

o governo decidiu iniciar uma política de substituição de mão de obra estrangeira por

desempregados alemães. Essa política foi iniciada com a safra 2006/2007. A idéia era fazer com que

os então desempregados dependessem menos da assistência social, começando com contratos de

curta duração – podendo ser renovados nas safras seguintes ou substituídos por contratos de longa

duração. O governo federal percebeu nessa política benefícios para ambos os lados: o trabalhador

teria a possibilidade de retornar para o mercado de trabalho, e o governo importaria menos mão de

obra – além de diminuir os gastos com a assistência social e a taxa de desemprego. O governo ainda

defende que a mão de obra nacional é mais barata, já que os produtores não precisam pagar os

alguns custos de contratação. Mas, na prática, a substituição proposta pelo governo não foi tão

simples assim.

Os atuais desempregados alemães alegam que o tipo de atividade exige esforço físico

demasiado, e os salários recebidos são muito próximos ao que eles já ganham de assistência social.

O desinteresse por parte dos alemães também pode ser verificado pela opinião dos agricultores.

Segundo eles, os alemães que são contratados para atividades sazonais na agricultura não executam

as tarefas de forma satisfatória. Foram identificadas situações em que eles abandonam o trabalho

antes do final do contrato, além de faltar confiança, motivação e até força física. Por outro lado, o

governo reconhece que mesmo que os desempregados migrem para o setor agrícola, eles não serão

suficientes para atender toda a demanda. Essa é a razão pela qual o governo alemão ainda tem que

pensar na contratação de estrangeiros, especialmente para períodos específicos, como o de colheita.

As leis que regulam esse mercado são: gesetzliche Regelungen und Verordnungen (Sozialgesetzbuch

Page 83: Tese - Capa

70

Drittes Buch – SGB III), Eckpunkteregelung des Bundesministerium für Arbeit und Soziales

(BMAS) mit Garantieregelung (SGB III), e Vermittlungsabsprachen mit ausländischen

Partnerverwaltungen. Na agricultura, além dos alemães, dois grupos de estrangeiros podem ser

contratados:

� Trabalhadores dos novos países membros da UE (Polônia, Eslováquia, Eslovênia, República

Tcheca, Hungria e Romênia)21; e

� Trabalhadores de países de terceiro mundo (Croácia).

O processo de contratação dos dois grupos é idêntico. A única diferença é que no segundo, o

governo alemão exige também visto de trabalho. Eles são contratados sob as seguintes condições:

� Para os estrangeiros, deve haver um acordo entre as Secretarias do Trabalho da Alemanha e

do país ofertante de mão de obra;

� A vaga ocupada pelo estrangeiro não deve gerar impactos adversos no mercado de trabalho

alemão; e

� Alemães e estrangeiros devem ter iguais condições de trabalho e salário – o que corresponde

à remuneração entre 3,30€ e 7,50€ por hora.22

Os estrangeiros são autorizados a trabalhar na Alemanha durante 4 meses por ano, no entanto

os produtores só podem usar mão de obra estrangeira por 8 meses. Isso significa que os produtores

têm que compartilhar seu calendário anual entre, pelo menos, 4 meses com mão de obra nacional e 8

meses com mão de obra estrangeira. Para algumas culturas, como o tabaco, vinho, frutas, legumes e

lúpulo, o período de contratação cai de 8 para 6 meses ao ano. Nesse caso, os produtores podem

contratar estrangeiros durante todo o ano.

Logo que os produtores sabem quantos trabalhadores eles querem contratar, eles entram em

contato com a Secretaria do Trabalho na Alemanha. Em seguida a Secretaria autoriza o

recrutamento e calcula quantos estrangeiros o produtor está autorizado a contratar.

21 A Alemanha só assinou acordo com esses novos países membros da EU. A única exceção é a Bulgária, que o acordo é restrito aos hotéis e aos serviços de bufê. 22 O salário pode variar de estado para estado, e também do tipo de cultura.

Page 84: Tese - Capa

71

Box 1

Como calcular a quantidade de estrangeiros contratados permitida por produtor?

A Eckpunktregelung (Regra de Canto)!

Como foi apresentado nessa seção, o governo mudou a regra de contratação, a fim de promover a

inserção de alemães no setor agrícola. Com a adoção dessa política, alguns passos devem ser seguidos. O

primeiro é verificar quantos estrangeiros foram contratados no ano civil anterior. Note que o governo

considera para a regra ano civil e não ano safra. Com base no total, os produtores estão autorizados a

contratar apenas 80% do número de trabalhadores contratados no ano anterior. Se a demanda do produtor for

superior a 80%, ele precisará obter uma permissão especial da Secretaria do Trabalho. A Secretaria verifica a

taxa de desemprego na região de demanda de mão de obra, e pode conceder a contratação de até 90%. Para os

pequenos produtores, é possível contratar até 4 estrangeiros sem a permissão da Secretaria. Outra exceção é

condicional à taxa de desemprego regional. Se essa taxa estiver abaixo de 20% da taxa nacional, os

produtores dessa região estão autorizados a contratar até 90% de estrangeiros sem permissão especial da

Secretaria do Trabalho.

Está claro que essa política pública tem como objetivo reduzir o desemprego e não depender tanto de

mão de obra estrangeira na produção agrícola!

Todas as formalidades contratuais são tratadas pela Secretaria do Trabalho, tanto para os

alemães quanto para os estrangeiros. Em ambos os casos, a Secretaria usa um contrato padrão, com

os dados do produtor e do futuro empregado.23 Se a contratação for feita fora da Alemanha, a

Secretaria transmite ao órgão responsável do país de origem a sua demanda. Esse órgão publica a

oferta de emprego na Alemanha e faz a primeira seleção dos candidatos. A demanda do produtor é

geralmente dirigida a um trabalhador conhecido ou indicado por alguém de confiança do produtor.

Para cada estrangeiro contratado, a Secretaria do Trabalho cobra 60€ por trabalhador, que

corresponde a um dos itens dos custos de contratação. O trabalhador recebe um visto de permissão

para 120 dias.24 Como apresentado, a Secretaria do Trabalho só contrata mão de obra provenientes

de países que assinaram o acordo de cooperação – novos países membros da EU e a Croácia.

Algumas considerações devem ser feitas sobre o pagamento das contribuições sociais para a

contratação dos trabalhadores sazonais. São elas:

23 É importante destacar que até 2004 alguns países que enviavam trabalhadores para a Alemanha – como no caso da Polônia – dividiam com a Secretaria do Trabalho alemã parte do processo de contratação. Hoje em dia, devido à Leis mais rígidas de entrada de estrangeiros no País, isso não é mais possível. 24 A Secretaria do Trabalho concede um visto de permanência maior para os estrangeiros que vão para a Alemanha trabalhar nas feiras de negócios, mas essa prorrogação não é válida para o setor agrícola.

Page 85: Tese - Capa

72

� Seguro para trabalhadores originários de países-membro da UE: é obrigatório possuir o

Cartão Europeu do Seguro Saúde (European Health Insurance Card). A contribuição é paga

no país de origem, embora a Alemanha exija que uma espécie de registro de controle.

Existem ainda regras específicas, como as referentes aos conta própria, mas como elas não se

referem aos sazonais, não serão mencionadas no presente artigo;

� Seguro saúde (Krankenversicherung): se o estrangeiro não tem o Cartão Europeu do Seguro

Saúde, o produtor tem que pagar o seguro saúde separadamente. Caso o produtor não pague,

ele se torna responsável por todos os custos do empregado (acidente, tratamento após o

acidente, e todas as situações que geralmente são cobertas pelo seguro saúde regular);

� Seguro contra acidentes (Unfallversicherung): pago na Alemanha para todos os

trabalhadores sazonais; e

� Contribuições sociais (Sozialversicherung): incluído nos contratos dos trabalhadores

sazonais apenas se a duração for superior a 2 meses.

5. Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo apresentar uma compilação de dois estudos realizados entre os anos

de 2006 e 2010 sobre intermediação de mão de obra. No estudo de caso sobre o corte de cana na

região de Piracicaba, verificamos que as diferentes atividades na produção de cana-de-açúcar –

plantio, controle de pragas, queima, corte, limpeza da área cortada e transporte – são quase sempre

intermediadas por um prestador de serviço, chamado de empreiteiro. Essa intermediação é bastante

heterogênea, inclusive para a mesma região, ou seja, o mesmo agente ora contrata e supervisiona,

ora só supervisiona, e ora apenas paga pelo serviço prestado.

A legalidade do empreiteiro é questionada tanto pelas usinas, como pelo Ministério do

Trabalho, mas o Sindicato dos Empreiteiros de Capivari sobrevive até os dias de hoje com base na

Lei no 6.019, que diz que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-

se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário”. Até a

visita ao Sindicato, acreditávamos que a dificuldade da instauração do trabalho sazonal na

agricultura estivesse na classificação da tarefa do trabalhador contratado. Caso fosse caracterizado

como atividade meio, estava assegurada a viabilidade jurídica. Do contrário, os trabalhadores se

encontrariam em situação ilegal. Contudo, a Lei no 6.019, que dispõe sobre as empresas de trabalho

temporário, se restringe às áreas urbanas. Não há, portanto, a menor possibilidade de se contratar

temporários e de se prestar serviço no setor agrícola.

Page 86: Tese - Capa

73

É importante observar que, após a visita a região de Piracicaba, ficou claro que os

empreiteiros não são meros intermediários de mão de obra. Na verdade, todos os contratos

estabelecidos entre empreiteiros e usinas se baseiam no sistema de empreitada, como apresentado na

Tabela 1. No ato do contrato, a usina tem uma estimativa de quantos trabalhadores serão necessários

para executar tal tarefa, mas a decisão de contratação e a responsabilidade da execução é do

empreiteiro.

Por isso, se a Lei no 6.019 fosse aplicável ao campo, o sistema de empreitada poderia ser

executado a partir do cumprimento das atividades acordadas. O empreiteiro poderia ser considerado

como um empregador rural, assim como a usina, já que, pela definição, “empregador rural é a

pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter

permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos com auxílio de empregados”,

respondendo por todas as obrigações contratuais. Assim como no caso do empregador rural, essas

atividades poderiam ser agrícolas, pastoris, hortigranjeiras, bem como extração de produtos

primários animais ou vegetais; e o que definiria se a atividade é rural ou não, seria o local de

execução da atividade – devendo ser em estabelecimento rural ou em prédio rústico. Essa é a

interpretação verificada na atuação do Sindicato dos Empreiteiros. Mas a jurisprudência dos

tribunais não entende de forma diferente.

Em relação à produção, observamos que o controle é feito pela quantidade produzida pelo

campeão. Campeão é o nome dado ao trabalhador que mais cortou cana naquele dia. Ele acompanha

o transporte até a usina e confere quanto ele próprio cortou. Os demais trabalhadores receberão

proporcional à ele, já que eles fazem a estimativa por trabalhador e por quadra. Os empreiteiros de

Capivari se encontram bastante organizados, com contratos padronizados, serviços básicos

oferecidos na própria sede, e estrutura de transporte e alojamento para os trabalhadores sazonais.

Apenas 20% dos que prestam este tipo de serviço na região ainda não é sindicalizado.

O sistema de empreitada na região de Piracicaba é um bom exemplo de como as relações de

trabalho podem beneficiar produtores, trabalhadores sazonais e os próprios intermediários.

Entretanto, sabemos que o sistema apresentado neste artigo é uma exceção dentro das condições

atuais oferecidas aos trabalhadores. O governo brasileiro deveria aproveitar a disponibilidade de um

contingente de sua própria população para suprir a demanda doméstica de mão de obra nas

atividades agrícolas. Nesse sentido, a legalização do intermediário e a redução da burocracia para os

contratos de safra poderiam representar não só o aumento no grau de formalização, mas também a

redução da pobreza nas áreas rurais através do impacto na renda domiciliar per capita.

Page 87: Tese - Capa

74

Como destaca Vandeman et al. (1991), a capacidade desse intermediário de distribuir os

custos fixos de contratação de mão de obra por vários produtores e de aliviar esses produtores das

tarefas difíceis de seleção e de supervisão de mão de obra é que explicam sua prevalência na

agricultura. Vandeman (1988) destaca ainda que a quantidade de trabalhadores contratados e suas

respectivas jornadas de trabalho não são suficientes para garantir um nível médio de produção, o

que, segundo a autora, reforça a importância da existência de um intermediário, que se

responsabiliza pelo cumprimento da tarefa. Entretanto, nos dois estudos apresentados, não há meios

legais de se viabilizar o intermediário. No caso do Brasil, mesmo ilegal, o intermediário continua

existindo. No caso da Alemanha, os produtores contam com uma estrutura pública de apoio à

contratação de mão de obra sazonal, que pode ser interpretada até como uma espécie de

intermediário. Sem dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta de mão de obra, e

conseqüentemente, da qualidade do trabalho ofertado. Mas também foi observado que os produtores,

em ambos os países, tendem a dirigir suas demandas aos trabalhadores conhecidos ou indicados por

alguém de confiança.25 Esse aspecto só reforça a importância da mão de obra na agricultura frente

aos demais setores porque, se o trabalhador fizer algo de errado ou entrar em greve, o produtor

poderá perder parte (ou toda) a sua produção daquele ano.

Outro aspecto merecedor de destaque é que o intermediário, mesmo sob o papel do Estado,

pode contribuir para a formalização, mas não é condição suficiente para garantir que todos os

trabalhadores tenham carteira assinada. No campo, o trabalhador não tem margem de negociação de

salário, nem opção de alimentação ou alojamento, o que contribui fortemente para condições de

trabalho precárias e salários abaixo da média nacional.

Com o intuito de reduzir ainda mais o número de trabalhadores informais na agricultura – em

especial os estrangeiros – e a taxa de desemprego no País, o governo alemão estabeleceu a Regra de

Canto a partir da safra 2006/2007. Em setembro de 2009, a Secretaria do Trabalho publicou os

primeiros resultados dessa política (Gráfico 4), que se mostraram bastante satisfatórios sob o ponto

de vista das metas estabelecidas. Novamente observamos uma forte intervenção do governo federal,

mas que dentre algumas safras, poderá esbarrar na falta de oferta de mão de obra nacional para o

setor.

25 Na cana, particularmente, os empreiteiros compartilham com as usinas a lista de trabalhadores que já apresentaram algum tipo de problema. Contudo, a lista com os nomes dos trabalhadores bons é mantida em segredo.

Page 88: Tese - Capa

75

Gráfico 4 Emprego na agricultura e a Regra de Canto, 2007 e 2008

0

50

100

150

200

250

300

350

Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Núm

ero

(1.0

00)

2007 2008 Regra de Canto

Fonte: Secretaria do Trabalho da Alemanha (2009). Elaboração própria.

Por fim, a Tabela 5 apresenta as principais características da contratação de trabalhadores sazonais

no Brasil e na Alemanha. Algumas delas são bastante semelhantes, como a idade de admissão, o tipo

de trabalho executado, e o local da assinatura do contrato. Mas duas características também chamam

a atenção. A primeira delas se refere aos custos com transporte – cidade de origem ao local de

trabalho e do alojamento ao local de execução da tarefa –, alimentação e alojamento. Todos esses

itens podem ser negociados nos contratos de trabalho na Alemanha, e variam de acordo com o

salário pago por hora e a localização da cidade de origem do trabalhador. No Brasil, a

responsabilidade desses custos é bem definida: todos os custos com transporte ficam a cargo do

produtor, e aqueles com alojamento e comida, a cargo dos sazonais.

A segunda característica se refere ao pagamento do seguro saúde na Alemanha. Até 2004,

não era obrigatório para os trabalhadores sazonais que tivessem contratos de até 3 meses, se eles

viessem de países não pertencentes a UE – o que representava praticamente todos os países que

tinham acordos com a Alemanha. Se o contrato fosse superior a 3 meses, o trabalhador entraria na

Lei de exceção ASAV.

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76

Tabela 5 Contratação de trabalhadores sazonais, Brasil e Alemanha, 2010*

Característica Alemanha Brasil Lei gesetzliche Regelungen und

Verordnungen (Sozialgesetzbuch Drittes Buch – SGB III), Eckpunkteregelung des Bundesministerium für Arbeit und Soziales (BMAS) mit Garantieregelung (SGB III), e Vermittlungsabsprachen mit ausländischen Partnerverwaltungen.

Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, e a CLT, para o que não colidir com ela.

Origem dos trabalhadores* A maior parte vem de fora do País, em especial da Polônia, Romênia, Eslováquia e Croácia.

Somente de dentro do País, em especial do estado de Minas Gerais, e das regiões Norte e Nordeste.

Idade* A partir de 18 anos. A idade predominante é de 20 a 39 anos, mas a idade não pode ser considerada uma barreira de entrada.

A partir de 18 anos, mas a maior parte deles tem menos de 30 anos, é homem, e trabalha em média por 5 safras.

Tipo de contrato Para o estrangeiro tem uma Lei de exceção (ASAV), válida para a agricultura e outros setores.

Válido somente para a agricultura.

Duração do contrato Até 3 meses por trabalhador estrangeiro, mas o proprietário pode contratar estrangeiros por até 8 meses.

Não há restrição.

Tipo de trabalho* Normalmente atividades referentes à colheita e ao processamento de produtos agrícolas.

Nas diferentes etapas de produção – plantio, controle de pragas, queima, corte, limpeza da área cortada e transporte. Mas o mais comum é no corte da cana.

Tipo de propriedade rural Pequenos e médios produtores (para os padrões brasileiros), produzindo para os mercados local e regional.

Grandes produtores. Os pequenos não têm conseguem arcar com os custos de contratação da forma como a Lei exige.

Salário Entre 3,30€ e 7,50€ por hora, que é uma remuneração baixa para o País. Estrangeiros e alemães devem receber o mesmo, mas os ilegais recebem ainda menos.

Oficialmente o salário é baseado no salário mínimo, mas sem contrato os trabalhadores aceitam receber menos.

Forma de contratação O produtor envia sua demanda à Secretaria do Trabalho. A Secretaria se responsabiliza por todo o processo de contratação.

Os produtores são responsáveis pela contratação de sua mão de obra.

Page 90: Tese - Capa

77

Onde o contrato de trabalho é assinado?

Na cidade de origem. Se o trabalhador for estrangeiro, ele já deve ter o visto de trabalho.

Na cidade de origem.

Custos de contratação Custo fixo de 60€ por trabalhador, pago à Secretaria do Trabalho.

Custo variável. Depende do local de origem do trabalhador.

Contribuições sociais Até 2004, os contratos com duração inferior a 3 meses não incluíam o pagamento de contribuições sociais.

As mesmas contribuições pagas aos trabalhadores permanentes.

Custos com transporte (cidade de origem ao local de trabalho e do alojamento ao local de execução da tarefa)

É negociado entre o produtor e o trabalhador no início do contrato.

Custos pagos pelos produtores.

Custos com alojamento e alimentação

É negociado entre o produtor e o trabalhador no início do contrato.

Custos pagos pelos trabalhadores.

Fonte: Elaboração própria. * No caso do Brasil, se refere às características específicas da produção de cana-de-açúcar.

No caso do Brasil, oficialmente o sazonal tem os mesmos direito que os trabalhadores

permanentes. Na prática, os custos de contratação são relativamente altos se comparado ao período

em que a tarefa é executada e, a associação com a dificuldade de fiscalização, contribui de forma

expressiva para os atuais 80% de informalidade na agricultura. Na expectativa de adequar a

legislação trabalhista ao padrão de produção agrícola brasileiro, existem alguns projetos de lei

transitando no Congresso Nacional. Entretanto, é difícil prever o desdobramento dessas propostas.

Enquanto isso, a expansão da mecanização é motivada pelo atrativo mercado de crédito de

investimento, uma dupla perda para o trabalhador agrícola.

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Page 93: Tese - Capa

80

ANEXO I Direitos dos trabalhadores sazonais, 2009*

PARCELAS Vigência do Contrato Despedida sem justa causa antes do término do contrato

Pedido de demissão antes do término do contrato

Na rescisão ou término do contrato

É direito Fundamento É direito Fundamento É direito Fundamento È direito Fundamento

Salário Sim Art. 78/CLT - - - - - - Descanso semanal remunerado Sim L. 605/Art. 2º - - - - - -

Salário-família Sim D. 3.048/99

Art. 81 Sim

D. 3.048/99 Art. 81

Sim D. 3.048/99

Art. 81 Sim

D. 3.048/99 Art. 81

Auxílio-doença (até 15 dias) Sim D. 3048/99

Art. 71 - - - - - -

Salário-maternidade Sim D. 3.048/99

Art. 93 - - - - - -

13º salário proporcional Não - Sim L. 4.090/62 Sim L. 4.090/62 Sim L. 4.090/62

Férias proporcional Não - Sim Art. 146/CLT Sim Súmula 261

do TST Sim Art. 147/CLT

Adicional constitucional de 1/3 das férias Não - Sim Art. 7º-

XVII/CF Sim

Art. 7º-XVII/CF

Sim Art. 7º-XVII/CF

FGTS Sim L. 8.036/90 Sim L. 8.036/90 Não - Sim L. 8.036/90 Indenização ref. a 50% do prazo restante Não - Sim Art. 479/CLT Não - Não - Multa de 40% do FGTS Não - Sim L. 8.036/90 Não - Não - Estabilidade provisória Não - Não - Não - Não - Aviso prévio Não - Não - Não - Não - Seguro desemprego Não - Sim L. 7.998/90 Não - Não - Horas extras Sim Art. 59/CLT Sim Art. 59/CLT Sim Art. 59/CLT Sim Art. 59/CLT Adicional noturno Sim L. 5.889/73 Sim L. 5.889/73 Sim L. 5.889/73 Sim L. 5.889/73

Licença paternidade Sim Art.

10/ADCT/CF - - - - - -

Fonte: CNA.

* Siglas: D = Decreto; L = Lei; CF = Constituição Federal; CLT = Consolidação das Leis do Trabalho; e Art. = Artigo.

Page 94: Tese - Capa

81

Artigo 3

COMO REDUZIR OS NÍVEIS DE INFORMALIDADE NA AGRICULTURA?

UM MODELO DE MICRO-SIMULAÇÃO PARA O BRASIL 1

1. Introdução

Em setembro de 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com a qual foi possível calcular o

percentual de informalidade nas atividades agrícolas para o ano de 2008. Entende-se por

informalidade o não recolhimento da contribuição para um instituto de previdência.2

Apesar do aumento da fiscalização federal e da mobilização da Justiça do Trabalho no

intuito de punir com mais rigor os produtores que não cumprem a legislação trabalhista no

campo, para o ano de 2008 a informalidade presente nas relações de trabalho continuou próxima

dos 80%, pouco se diferenciando dos 86% calculados a partir da mesma pesquisa para o ano de

1998.3 Esse percentual, além de significativo, indica que os esforços de diferentes agentes do

governo não estão sendo suficientes para melhorar as condições de vida dos trabalhadores rurais.

Em outras palavras, os resultados dessas ações estão muito aquém do necessário para garantir as

condições mínimas de vida desse contingente. O objetivo do presente artigo é apresentar

alternativas para a redução dos níveis de informalidade nas atividades agrícolas através da

flexibilização dos encargos trabalhistas e, conseqüentemente, da pobreza nas áreas rurais do país.

Flexibilizar, nesse caso, não significa perda de direitos para os trabalhadores. Pelo contrário. Os

resultados apresentados neste artigo podem servir de base para futuros estudos sobre políticas de

inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social. Nesse sentido, a hipótese adotada

1 Artigo elaborado com o apoio financeiro do Projeto Nemesis (http://www.nemesis.org.br), em parceria como Departamento de Economia Política da Universidade de Siena (Itália). Uma versão preliminar está no prelo como texto para discussão na Universidade de Siena: http://www.econ-pol.unisi.it/dipartimento/en/frontpage. 2 Note que o termo setor informal foi utilizado pela primeira vez pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais especificamente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), para descrever as atividades dos trabalhadores pobres que executavam suas tarefas sob condições não reconhecidas, registradas, protegidas ou reguladas pelas autoridades públicas na África em 1972 (Vargha, 1992). De lá pra cá esse termo foi sendo incorporado pelas diferentes áreas da ciência, e hoje em dia raramente se analisa o mercado de trabalho sem falar de informalidade. O cálculo da informalidade a partir da contribuição previdenciária é uma das alternativas possíveis na PNAD. 3 Para o cálculo da informalidade foram usadas as variáveis V4747 e V4711, que se referem à contribuição para um instituto de previdência – federal, estadual ou municipal. Outra possibilidade de análise da informalidade pela PNAD é a verificação da assinatura da carteira de trabalho (V4706). Pela legislação brasileira, essas duas condições são necessárias. Entretanto, optamos pela primeira porque é sabido que alguns empregadores, apesar de assinar a carteira de seus empregados, atrasam com o pagamento da contribuição social. Além disso, como será visto na seção 3, a contribuição social é o que conta para efeito do Imposto de Renda.

Page 95: Tese - Capa

82

aqui é que há um problema estrutural de regulação, e que para se reduzir o cenário atual de

informalidade, faz-se necessária uma revisão na legislação trabalhista vigente.

A proposta do presente estudo foi possível a partir da análise dos rendimentos mensais de

cada indivíduo. Assim, pelos microdados da PNAD recompomos os agregados do setor famílias

das Contas Econômicas Integradas (CEI), utilizando as regras do Imposto de Renda (IR) e a

legislação trabalhista. Após a checagem desses agregados, doravante chamado de realidade,

foram simulados mais dois cenários alternativos para o Brasil e para o setor agrícola, quais

sejam: a formalização via empregador – onde apenas o empregador paga os encargos trabalhistas

– e a formalização via empregado – onde o empregador não abre mão de gastar o montante atual

pelo serviço prestado, cabendo, portanto, ao empregado pagar todos os encargos trabalhistas.

Utilizamos como base de dados a PNAD do ano de 2008, os dados da CEI do Sistema de Contas

Nacionais (SCN) de 2006, e as regras da declaração do IR de 2009, que tem como ano base

fiscal o ano-calendário de 2008, além da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e da Lei no

5.8894, que estatui as normas reguladoras do trabalho rural no Brasil.

A passagem da condição de cada indivíduo empregado de informal para formal foi feita

através do Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), que é um modelo robusto de conversão

de rendimento bruto em líquido, a nível domiciliar e individual – e que já foi utilizado

amplamente pelo EUROSTAT em outros países da Europa.5

O presente artigo está organizado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda

seção apresenta uma descrição detalhada da metodologia, das bases de dados empregadas, e da

compatibilização da PNAD com a CEI para a checagem dos resultados do cenário 1, doravante

chamado de realidade. A seção três descreve o sistema tributário brasileiro vigente em 2008, o

que inclui os custos sociais do trabalho e as regras para a declaração do imposto de renda. A

aplicação do modelo SM2 é feita na seção quatro, onde também são apresentadas as

considerações adotadas para o uso da PNAD e descritos os cenários propostos tanto para o Brasil

quanto para o setor agrícola. Finalmente a seção cinco apresenta os resultados preliminares e

considerações finais sobre o presente estudo.

2. Metodologia

2.1. Os Modelos de Micro-Simulação

Os modelos de micro-simulação são amplamente utilizados como parte integrante do processo de

avaliação e elaboração de políticas públicas tributárias e sociais, especialmente nos Estados

4 Lei de 8 de junho de 1973. 5 Para a descrição detalhada do SM2, consultar Betti et al. (2010).

Page 96: Tese - Capa

83

Unidos, Canadá, Reino Unido e em vários outros países do norte da Europa (Martini e Trivellato,

1997). Ao longo das últimas três décadas, a micro-simulação passou de uma descrição do

impacto distributivo dos sistemas fiscal e de transferência de renda para uma complexa

ferramenta de avaliação de propostas de mudanças para o sistema já existente.

Exemplos bem conhecidos de modelos fiscais incluem: o TAXBEN elaborado pelo

Instituto de Estudos Fiscais (Institute for Fiscal Studies) do Reino Unido; o STINMOD, que é

um modelo de micro-simulação do Imposto de Renda e do sistema de transferências construído

pelo Centro Nacional de Modelagem Sócio-Econômica (National Centre for Social and

Economic Modelling) da Austrália; o TRIM (Modelo de Transferência de Renda), que é um

modelo de micro-simulação mais abrangente do Instituto Urbano (Urban Institute) de

Washington DC, Estados Unidos; o SPSD/M (Modelo e Base de Dados de Simulação de

Políticas Sociais) desenvolvido pela Agência de Estatística do Canadá (Statistics Canada) para

avaliar as interações financeiras entre o governo e os indivíduos; e o Euromod (Sutherland, 2001;

Sutherland et al., 2008), representando um modelo integrados de diversos países para a União

Européia.6 Esses modelos foram desenvolvidos para simular impostos, encargos sociais,

benefícios e outras transferências recebidas que sejam relevantes para a transformação de renda

bruta em líquida, e vice-versa, contemplando as especificidades do sistema fiscal de cada país.

O presente artigo trata de alguns aspectos puramente estatísticos de modelagem de

rendimento individual e domiciliar. O Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2), adotado

neste artigo, foi desenvolvido como uma ferramenta versátil para transformar informações sobre

renda – coletadas de pesquisas domiciliares ou outras fontes – em formas padronizadas

necessárias para diversas análises, dentre elas, a simulação de mudanças fiscais (Verma et al.,

2003, Betti et al., 2010). Para isso, o sistema SM2 é composto de dois núcleos principais: (a) um

conjunto padronizado de rotinas, que pode lidar com uma grande diversidade de formas de

entrada de dados e sistemas fiscais; e (b) rotinas elaboradas para cada país, que considera

parâmetros específicos do sistema tributário nacional. Esse modelo foi oficialmente adotado por

alguns membros da União Européia, como Portugal, Itália, Turquia, Grécia e Espanha. Este

artigo é a primeira aplicação prática fora da Europa.

Embora o SM2 permita a conversão de renda bruta em líquida a nível nacional, nosso

foco é o mercado de trabalho agrícola. Como foi mencionado na seção anterior, o objetivo é criar

alternativas para realocar trabalhadores rurais do mercado informal para o sistema de seguridade

social no Brasil, o que é possível através da análise da incidência dos encargos trabalhistas nos

salários.

6 Para maiores informações, consultar: http://www.ifs.org.uk/ para o Reino Unido, http://www.canberra.edu.au/centres/natsem/ para a Austrália, http://www.urban.org/ para os Estados Unidos, http://www.statcan.gc.ca/ para o Canadá, e http://www.iser.essex.ac.uk/research/euromod para a União Européia.

Page 97: Tese - Capa

84

2.2. O Algoritmo de Conversão de Renda Bruta-Líquida-Bruta do Modelo SM2

A Figura 1 mostra a relação básica entre as formas bruta e líquida de rendimento, quando estão

envolvidos mais de um componente do rendimento e possivelmente mais de um indivíduo na

unidade fiscal7, como proposto por Betti et al. (2010). As relações entre o rendimento bruto

tributável para um componente específico, Hi, e as quantidades, como o rendimento bruto (Gi) e

a renda após o IRRF (XSTi) são geralmente simples – depende apenas do i, do componente do

rendimento em questão, que é determinado de forma independente de outros componentes e de

outras pessoas na unidade fiscal. O mesmo se aplica à relação entre Hi (rendimento bruto

tributável) e Ni (rendimento líquido por componente) que são tributados separadamente a uma

alíquota fixa ou variada de acordo com o valor unitário desse componente. Os componentes

isentos de tributação também são separados. Às vezes, a aplicação da regra de tributação

depende da relação do componente analisado com outras fontes de renda, mas em sua grande

maioria esses componentes estão simplemente sob a forma de limites máximos.

Figura 1 Relação básica entre os valores líquidos e brutos dos rendimentos

Fonte: Betti et al. (2010).

7 Entende-se como unidade fiscal a declaração de dois ou mais indivíduos para o Imposto de Renda. O exemplo mais recorrente é a declaração conjunta de pessoas casadas. Todas as formas de declaração conjunta estão na seção 3.2.

Gi

H i

Ni

Tributação conjunta

XSi, XT i, XSTi

Deduções na Fonte

Contribuições Sociais

Tributação separada

Isento de tributação

Page 98: Tese - Capa

No entanto, todos ou a maioria dos rendimentos tributáveis são agrupados em componentes

e em pessoas nas unidades fiscais para determinar o montante de imposto devido. A relação entre

Hi e Ni para os componentes do grupo é mais complexa do que parece na Figura 1. Em todo o

caso, a transformação de Hi em Ni é menos problemática se as regras tributárias forem uma

função de Hi, ou seja, do rendimento bruto tributável. Essas relações estão especificadas com

mais detalhe na Tabela 1.

Mas para chegar em Hi a partir de Ni é preciso se adotar soluções interativas.8 As entradas da

Tabela 1 têm as seguintes interpretações: as duas últimas linhas definem as medidas de

rendimento de acordo com as linhas anteriores; já as colunas se referem ao rendimento total e ao

rendimento por componente.

Tabela 1 Algoritmo de conversão de renda bruta em líquida

Medida de Renda Total Por Componente(1) 1 RENDIMENTO BRUTO (2) G = ∑Gi ← Gi

2 Contribuição para o INSS Si = Si(Gi)

3 RENDIMENTO BRUTO TRIBUTÁVEL H = ∑Hi ← Hi = Gi - Si

4 Componentes de deduções específicas Di = Di(Hi) 1.1. Agregação por componentes e indivíduos em unidade fiscal

5 RENDIMENTO TRIBUTÁVEL Y = ∑Yi ← Yi= Hi - Di

6 Deduções comuns D0 = D0(H)

7 Rendimento tributável (0) Y0 = Y - D0

8 Imposto devido (0) W0 = W0(Y0)

9 Isenções tributárias comuns C0 = C0(Y0)

10 IMPOSTO DEVIDO W = W0 - C0

11 Componentes específicos de isenções tributárias C = ∑Ci ← Ci = Ci(Yi)

12 TOTAL PAGO X = W - C

13 TOTAL LÍQUIDO N = H - X

14 Alíquota de imposto (0) R0 = X/H

15 ALÍQUOTA DE IMPOSTO = IMPOSTO DEVIDO / RENDIMENTO TRIBUTÁVEL R = W/Y

1.2. Desagregação – rendimento pessoal por componente

16 Alíquota proporcional por componente Xi= R * Yi - Ci

17 LÍQUIDO POR COMPONENTE Ni = Hi - Xi Fonte: Elaboração própria. (1) As relações funcionais nesta coluna podem ser um pouco mais complexas ou variadas. (2) A renda bruta, que inclui a contribuição dos empregadores para a seguridade social (SS), é: GG=G+SS(G1)

8 Estas soluções serão detalhadas na próxima seção.

85

Page 99: Tese - Capa

86

Contribuições sociais. As contribuições sociais Si, quando aplicáveis ao componente, são

geralmente uma função do rendimento bruto (Gi), mas no caso do rendimento do trabalho, sem a

contribuição do empregador (veja nota (2) da Tabela 1). A relação funcional Si(Gi) é específica

para o componente e para o país. Por isso, o SM2 tem uma subrotina nos programas de

aplicação, onde a relação funcional é calculada separadamente da estrutura comum apresentada

na Tabela 1. No entanto, algumas situações mais complexas podem ser incorporadas pelo

modelo, mantendo a estrutura básica. Mais especificamente, o SM2 pode permitir a dependência

de Si para qualquer componente particular i em qualquer conjunto de componentes do

rendimento. No sistema francês, por exemplo, as contribuições de associados para uma série de

componentes podem estar sujeitas a um limite máximo comum.

Deduções. Os rendimentos (líquidos) tributáveis (linha 7 da Tabela 1) são obtidos subtraindo do

rendimento tributável bruto a parte que está isenta do imposto – as deduções. Essas deduções são

determinadas em função do rendimento tributável bruto. Elas podem ser de dois tipos: (i)

deduções específicas aplicáveis aos componentes do rendimento particular Di (linha 4); e (ii)

deduções comuns aplicáveis aos rendimentos (tributáveis restantes) de todas as fontes em

conjunto (linha 6). No caso (i), a relação funcional Di(Hi) é específica para o componente i, ou

seja, Di depende da renda bruta tributável Hi para o componente em questão. De um modo geral,

o modelo pode permitir a dependência de Di para qualquer componente particular i em qualquer

conjunto de componentes do rendimento, ou seja, uma relação funcional da fórmula Di = Di(HI),

– mais genericamente como Di = Di(HI, GI) – em que o I se refere a um conjunto de

componentes do rendimento (normalmente incluindo o i particular). No caso (ii) , uma relação

funcional da fórmula D0(H) é, em termos de rendimento total bruto, tributável, ou seja, de todos

os componentes juntos. Ambos os tipos de função são, evidentemente, específicos de cada país.

Novamente, no SM2 essas relações podem ser especificadas separadamente da estrutura comum

representada na Tabela 1.

Agregação. Após a retirada das deduções específicas do componente, é necessário somar os

rendimentos dos indivíduos na mesma unidade tributável e por componente, que são tratados em

conjunto para efeito de tributação. Alguns componentes do rendimento podem ser excluídos

desse “agrupamento” comum e tributados separadamente; esse tipo de situação é o adotado no

presente modelo.

Isenções tributárias. O imposto devido inicial é calculado em função do rendimento tributável

total (linha 8). Ele é determinado pelo ano-calendário do Imposto de Renda de cada país,

normalmente aplicado aos rendimentos obtidos a partir de diferentes fontes. Esse imposto é

normalmente reduzido por isenções tributárias. As isenções tributárias são baseadas, na sua

maioria, em características individuais (mãe solteira, pensionista, etc.) ou são dadas como

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compensação de despesas particulares (médicas, educacionais, etc.), ou seja, não são específicas

a uma fonte de renda particular. Nós nos referimos a elas como isenções tributárias comuns

(linha 9), nas quais são normalmente expressas como uma função do total do rendimento

tributável. O resultado é uma expressão mais precisa do imposto total devido (linha 10).

Adicionalmente às isenções tributárias comuns, há também componentes específicos de isenções

tributárias (linha 11). Geralmente, eles são baseados no rendimento tributável líquida para o

componente em questão. No entanto, a relação funcional pode ser mais complexa, envolvendo

outros componentes de renda e/ou outras formas de rendimento (bruto, bruto tributável, etc.).

Imposto pago e rendimento líquido. As deduções das isenções tributárias do montante do

imposto devido (conforme definido na linha 10) nos dá o imposto a ser pago (linha 12), ou seja,

o imposto total a ser pago é igual ao imposto devido menos todas as isenções tributárias (as

comuns e as específicas). Da mesma forma, o rendimento líquido total é igual ao rendimento

bruto tributável total menos o imposto pago (linha 13). Essas duas quantidades, imposto pago e

rendimento líquido (linhas 12 e 13), se referem nessa fase ao rendimento total, e não ao

rendimento de cada componente.

Alíquota de imposto. É a alíquota efetiva de imposto aplicada aos componentes agregadas. A

alíquota de imposto na Tabela 1 foi definida de duas formas. A primeira (linha 14), é uma

medida descritiva que representa a razão entre o montante total do imposto a ser pago, e do

rendimento bruto tributável (linha 12 / linha 3), e que é, portanto, um indicativo da carga

tributária geral. A segunda forma (linha 15) fornece uma medida mais analítica no seguinte

sentido: é a razão entre o montate do imposto devido total – antes de levar em conta quaisquer

componentes específicos de isenções tributárias (linha 11) – e o rendimento tributável total após

a dedução dos componentes de deduções específicas (linha 4). Ao eliminar todos os aspectos dos

componentes específicos, que são os de isenções tributárias e de deduções, o R pode ser visto

como uma alíquota comum aplicável a todos os rendimentos tributáveis, independente da fonte,

que foram agrupadas e estão sujeitos a um calendário fiscal comum.

O parâmetro R tem duas funções. Em primeiro lugar, fornece um meio de desagregação do

imposto total e dos rendimentos líquidos em componentes, quando necessário for. Em segundo

lugar, o R é o parâmetro de interação do rendimento líquido para o bruto, como descrito em Betti

et al. (2010).

Desagregação dos impostos e do rendimento líquido por componente. Essa alíquota de imposto

comum pode ser vista como uma alíquota aplicável para cada componente individualmente, e

não apenas uma alíquota média aplicável ao rendimento total. Isso permite a decomposição da

alíquota paga por componentes do rendimento (linha 16) e, conseqüentemente, a decomposição

do rendimento líquido total em componentes (linha 17). Geralmente, uma decomposição como

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88

essa requer menos informação do que a repartição do rendimento bruto por cada componente

individualmente.

2.3. As Fontes de Dados Utilizadas

Existem sete fontes secundárias com periodicidade regular que podem ser usadas para analisar o

mercado de trabalho. Essas fontes são classificadas em: registros administrativos ou pesquisas

domiciliares. Segundo o MDA (2007, p.7), “os registros administrativos referem-se a cadastros

que, por obrigação legal, são preenchidos pelas empresas com informações referentes ao

empreendimento e a seus empregados, enquanto as pesquisas domiciliares resultam de

questionários aplicados no domicílio”. A Tabela 2 apresenta suas principais características.

Tabela 2 Fontes de dados secundários disponíveis sobre o mercado de trabalho no Brasil

1.1. Pesquisas domiciliares

Publicação Instituição Periodicidade Abrangência Início da Série Censo Demográfico

IBGE decenal Todos os municípios brasileiros. 1872

Censo Agropecuário

IBGE decenal Todos os municípios brasileiros. 1920

PNAD IBGE anual, exceto em anos de Censo Demográfico

Todas as Unidades da Federação, grandes regiões e Brasil.

1967

PME IBGE mensal Regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

1980

PED DIEESE mensal Distrito Federal e regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Recife, Salvador e Belo Horizonte.

1984

1.2. Registros administrativos

Publicação Instituição Periodicidade Abrangência Início da Série RAIS MTE anual Todos os empregos formais do

setor privado e os vínculos empregatícios do setor público.

1975

CAGED MTE mensal Todos os empregos formais do setor privado.

1965

Fonte: Elaboração própria.

De acordo com a Tabela 2, o Brasil possui sete pesquisas regulares sobre mercado de

trabalho. As duas primeiras são os Censos e têm a vantagem de serem significativos a nível

municipal, abrangendo os setores formal e informal. Como desvantagem encontra-se a

periodicidade, que não permite a construção de séries temporais. A terceira pesquisa (PNAD) é a

mais usada nas análises sobre mercado de trabalho agrícola. Seu questionário anual segue o

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Censo predecessor, com a vantagem de ser publicada anualmente – exceto nos anos de Censo.

Pela restrição da amostra, sua principal desvantagem é a abrangência, que para análises gerais é

estadual e para análises específicas – como o estudo de uma determinada cultura – é nacional.9 A

Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), apesar de

serem mensais, só abrangem as regiões metropolitanas e, por isso, não se adequam ao estudo em

questão. A RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) e o CAGED (Cadastro Geral de

Empregados e Desempregados) são os dois principais registros administrativos criados para

operacionalizar ações de caráter fiscalizador do governo federal. Ambos oferecerem

desagregações por setor de atividade (CNAE 1.0) e por ocupação (CBO 2002), mas se

restringem ao emprego formal.

Para este artigo foram selecionados os dados da PNAD 2008 e, de forma complementar,

o Sistema de Contas Nacionais (SCN), como apresentado a seguir.

2.3.1. A PNAD

Como Barros et al. (2007) destacaram, pesquisas domiciliares com abrangência nacional são

utilizadas no mundo inteiro como uma das principais fontes de informação para estudos sobre

desigualdade de renda. Essas pesquisas também são importantes para servir de base para

modelos de simulação de políticas públicas. O Banco Mundial, bem como o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apontaram a PNAD como a melhor fonte de

informação sobre o Brasil.10

A PNAD é uma pesquisa domiciliar, implementada em 1967 pelo IBGE. Trata-se de uma

pesquisa anual que tem a vantagem de adotar a mesma metodologia por toda a década. Mas essa

não foi a razão pela qual a PNAD foi escolhida como fonte de dados principal para o presente

estudo, mas sim pela sua cobertura – setores formal e informal, áreas urbanas e rurais – e pelas

características de trabalho e renda dos moradores dos domicílios. Para o modelo SM2,

organizamos os dados em quatro grupos de variáveis: definições básicas, indentificação do

domicílio e da família, ocupações e composição do rendimento.

Definições básicas. A primeira definição básica se refere ao período de referência. Embora a

PNAD ofereça quatro opções – semana de referência, 358 dias, mês de referência e ano de

referência –, escolhemos a primeira. A segunda se refere ao rendimento total e rendimento per

capita. Nesse caso, foram utilizados ambos os conceitos: unidade domiciliar e família. Note que

cada família tem que ter pelo menos duas pessoas, não importando se em um mesmo domicílio

vivem uma ou mais famílias juntas. Existe apenas uma exceção: aqueles que moram sozinhos

9 Até 2003, a PNAD não incluía a área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 10 Barros et al. (2007) destacaram três estudos que mencionam a PNAD: Deninger e Squire (1996), Banco Mundial (2005) e PNUD (2005).

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90

também são contados como domicílio e família. Assim, na mesma unidade domiciliar é possível

identificar: (a) quantas pessoas moram juntas no mesmo domicílio; (b) quem é a pessoa de

referência na unidade domiciliar (pessoa de referência); (c) quem é a pessoa de referência em

cada família (pessoa de referência secundária); (d) quantas famílias moram juntas na mesma

unidade domiciliar (número de famílias); e (e) quem é quem em cada unidade domiciliar

(número de ordem). No último caso, o número um é dado sempre à pessoa de referência. Depois

dela, vêm seus familiares – cônjuge, filho(s) – se mais de um, do mais velho para o mais novo –,

outro(s) parente(s), agregado(s), pensionista(s), empregado(s) doméstico(s) e parente(s) do

empregado(s) doméstico(s). A descrição das definições básicas encontra-se na Tabela 3. Se a

unidade domiciliar tiver mais de uma família, a(s) família(s) secundária(s) segue(m) a mesma

ordem apresentada para a família principal. É importante destacar que a ordem das famílias é

dada pela variável número da família.

Tabela 3 Definições básicas, PNAD 2008

Nomenclatura Descrição Semana de referência

De 21 a 27 de setembro de 2008.

Unidade domiciliar Os domicílios são classificados em dois grupos: os domicílios particulares e os domicílios coletivos. O primeiro deles é a moradia onde o relacionamento é ditado por laços de parentesco, de dependência doméstica ou por normas de convivência. São eles: casas, apartamentos, as unidades em apart-hotéis, casas de cômodos e cortiços ou cabeças-de-porco. Também são particulares os domicílios situados em edifícios em construção, embarcações, veículos, barracas, tendas, grutas e estabelecimentos comerciais, desde que estejam servindo de moradia. Já o domicílio coletivo é a moradia onde prevalece o cumprimento de normas administrativas. São domicílios coletivos os estabelecimentos destinados a prestar serviços de hospedagem (hotéis, pensões e similares) ou as instituições que possuem locais para residência e alojamento das pessoas institucionalizadas (orfanatos, asilos, casas de detenção, hospitais, etc.). São incluídos ainda os alojamentos de trabalhadores em canteiros de obras.

Família É o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que more na mesma unidade domiciliar. A pessoa que mora só em uma unidade domiciliar também é considerada família.

Dependência doméstica

É a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e agregados da família.

Normas de convivência

São as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas, sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica.

Morador É a pessoa que tem a unidade domiciliar como local de residência habitual, na data da entrevista.

Pessoa de referência É a pessoa responsável pela unidade domiciliar ou que assim for considerada pelos demais moradores. Note que a pessoa de referência não é necessariamente a pessoa que está respondendo o questionário.

Pessoa de referência secundária

É a pessoa de referência da família. Em cada unidade domiciliar, o número da pessoa de referência secundária se refere ao número da família.

Número da família É o número de famílias que vivem na mesma unidade domiciliar. Número de ordem É o número de ordem de cada morador. Cônjuge É a pessoa que vive conjugalmente com a pessoa de referência na unidade

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domiciliar, existindo, ou não, o vínculo matrimonial. Filho É a pessoa que é filho, enteado, filho adotivo ou de criação da pessoa de

referência na unidade domiciliar ou do seu cônjuge. Outro parente É a pessoa que tem qualquer grau de parentesco com a pessoa de referência na

unidade domiciliar ou com o seu cônjuge, exclusive aqueles relacionados anteriormente.

Agregado É a pessoa que não é parente da pessoa de referência da unidade domiciliar ou do seu cônjuge e não paga hospedagem nem alimentação na unidade domiciliar.

Pensionista É a pessoa que não é parente da pessoa de referência na unidade domiciliar nem do seu cônjuge e paga pela sua hospedagem e/ou alimentação na unidade domiciliar.

Empregado doméstico

É a pessoa que presta serviços domésticos remunerados em dinheiro ou somente em benefícios, a membro da unidade domiciliar.

Parente do empregado doméstico

É a pessoa que é parente do empregado doméstico e não presta serviços domésticos remunerados a membro(s) da unidade domiciliar.

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

Identificação do domicílio e da família. A identificação do domicílio é possível pelas variáveis

número de série (V0103) e número de controle (V0102). A identificação da família dentro da

mesma unidade domiciliar é feita pela variável V0403, que corresponde ao número da família,

como explicado na Tabela 3.

Ocupações. De acordo com a PNAD, é possível distinguir dois grupos de ocupação: as agrícolas

e as não agrícolas. O primeiro grupo inclui os empregados, os empregados temporários, os conta

própria, os empregadores, os trabalhadores não remunerado (membro da unidade domiciliar ou

outros), e os trabalhadores na produção para o próprio consumo. O segundo grupo inclui os

empregados, os empregados domésticos, os conta própria, os empregadores, os trabalhadores não

remunerado (membro da unidade domiciliar ou outros), e os trabalhadores na construção para o

próprio uso. Nesse grupo encontram-se também os militares e os funcionários públicos

estatutários. A Tabela 4 apresenta a descrição de cada ocupação. Na análise, consideramos não

só a ocupação principal, mas também a segunda, a terceira, e assim por diante.

Tabela 4 Ocupações, PNAD 2008

Nomeclatura Descrição Empregado É a pessoa que trabalha para um empregador (pessoa física ou jurídica),

geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo em contrapartida uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, comida, roupas, etc.).

Empregado temporário

É a pessoa que trabalha como empregada temporária em empreendimento do ramo que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal, pesca, pisicultura e caça ou nos serviços auxiliares deste ramo.

Empregado doméstico

É a pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado, em dinheiro ou benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares. Estão incluídas nesta categoria ocupações como a empregada doméstica, a faxineira, o motorista, a babá, o mordomo, etc.

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Conta própria É a pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não remunerado.

Empregador É a pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, com pelo menos um empregado.

Trabalhador não remunerado (membro da unidade domiciliar)

É a pessoa que trabalha sem remuneração, durante pelo menos uma hora na semana, em ajuda a membro da unidade domiciliar que era empregado na produção de bens primários (que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal ou mineral, caça, pesca e pisicultura), conta própria ou empregador.

Trabalhador não remunerado (outros)

É a pessoa que trabalha sem remuneração, durante pelo menos uma hora na semana: em ajuda a instituição religiosa, beneficente ou de cooperativismo, ou ainda como aprendiz ou estagiário.

Trabalhador na produção para o próprio consumo

É a pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na produção de bens, do ramo que compreende as atividades da agricultura, silvicultura, pecuária, extração vegetal, pesca e pisicultura, para a própria alimentação de pelo menos um membro da unidade domiciliar.

Trabalhador na construção para o próprio uso

É a pessoa que trabalha, durante pelo menos uma hora na semana, na construção de edificações, estradas privativas, poços e outras benfeitorias (exceto as obras destinadas unicamente à reforma) para o próprio uso de pelo menos um membro da unidade domiciliar.

Militar É a pessoa que é militar do Exército, Marinha de Guerra ou Aeronáutica, inclusive aquele que presta serviço militar obrigatório.

Funcionário público estatutário

É a pessoa que é empregada regida pelo Estatuto dos Funcionários Públicos (federais, estaduais, municipais ou de autarquias).

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

Composição do rendimento. Normalmente costuma-se relacionar rendimento com renda do

trabalho, mas existe uma série de receitas que derivam de outras fontes. Todos esses rendimentos

estão sendo considerados. Para o rendimento do trabalho, a PNAD identifica o rendimento de

cada um – primeiro (ou principal), segundo, terceiro ou mais. A Tabela 5 apresenta uma parte

das receitas de outras fontes. Além delas, há também os juros de poupança, os investimentos, os

dividendos, os programas sociais, etc.

Tabela 5 Rendimento de outras fontes, PNAD 2008

Nomenclatura Descrição Aposentadoria de instituto de previdência ou do governo federal

É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008 recebido de jubilação, reforma ou aposentadoria do Plano de Seguridade Social da União ou de instituto de previdência federal (INSS), estadual ou municipal, inclusive do FUNRURAL.

Pensão de instituto de previdência ou do governo federal

É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de pensão das forças armadas, do Plano de Seguridade Social da União ou de instituto de previdência federal (INSS), estadual ou municipal.

Outro tipo de aposentadoria

É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de complementação ou suplementação de aposentadoria paga por entidade seguradora ou de participação em fundo de pensão.

Outro tipo de pensão É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de pensão de caixa de assistência social, entidade seguradora ou fundo de pensão, na qualidade de beneficiária de outra pessoa, e de pensão alimentícia (espontânea ou judicial).

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Abono de permanência

É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de abono de permanência em serviço (benefício que é concedido à pessoa que, embora tenha tempo de serviço suficiente para se aposentar, permanece trabalhando sem requerê-la). Este benefício é comumente chamado de “pé-na-cova”.

Aluguel É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido do aluguel, inclusive sublocação ou arrendamento de móveis, imóveis, máquinas, equipamentos, animais, etc.

Doação recebida de não morador

É o valor do rendimento mensal, em setembro de 2008, recebido de doação ou mesada, sem contrapartida de serviços prestados, provenientes de pessoas não moradoras na unidade domiciliar.

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

Além desses quatro grupamentos de variáveis, foram selecionadas algumas variáveis da PNAD

para a checagem dos resultados. À exceção da V9120, as demais variáveis são chamadas de

derivadas por terem sido geradas pelo IBGE a partir do questionário original, como uma espécie

de apêndice da pesquisa. A Tabela 6 apresenta as variáveis derivadas selecionadas.

Tabela 6 Variáveis de controle, PNAD 2008

Descrição Característica da Variável V4711 = Contribuição para um instituto de previdência em qualquer trabalho na semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade

Dummy (sim ou não)

V4707 = Horas habitualmente trabalhadas por semana em todos os trabalhos da semana de referência para pessoas de 10 anos ou mais de idade

Unidade

V9120 = Era contribuinte de alguma entidade de previdência privada, no mês de referência (pessoa de 10 anos ou mais de idade)

Dummy (sim ou não)

V4719 = Rendimento mensal de todos os trabalhos para pessoas de 10 anos ou mais de idade

Valor (R$)

V4720 = Rendimento mensal de todas as fontes para pessoas de 10 anos ou mais de idade

Valor (R$)

V4721 = Rendimento mensal domiciliar para todas as unidades domiciliares*

Valor (R$)

V4742 = Rendimento mensal domiciliar per capita Valor (R$) V4722 = Rendimento mensal familiar para todas as unidades domiciliares* Valor (R$) V4750 = Rendimento mensal familiar per capita Valor (R$) V4724 = Número de componentes da família** Unidade V4741 = Número de componentes do domícilio** Unidade V4713 = Condição de atividade no trabalho principal do período de referência de 365 dias para pessoas de 10 anos ou mais de idade (economicamente ativas?)

Dummy (sim ou não)

V4814 = Condição de ocupação no período de referência de 365 dias das pessoas de 10 anos ou mais de idade (ocupadas?)

Dummy (sim ou não)

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria. * Exclusive o rendimento das pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico e das pessoas de menos de 10 anos de idade. ** Exclusive as pessoas cuja condição na unidade domiciliar era pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico.

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2.3.2. O Sistema de Contas Nacionais (SCN)

O SCN é uma consolidação dos agregados do produto, da renda e da despesa nacionais em um

dado ano. Esse sistema utiliza diversas pesquisas disponíveis, inclusive a própria PNAD, para

estimar os agregados do Brasil. Apesar dos conceitos utilizados por ambos não serem

semelhantes, ainda é possível compará-los nesse nível agregado. Isso significa que podemos

analisar o nível e a composição da renda das famílias, mas não a forma como a renda é

distribuída entre elas.11 O SCN constitui a fonte de informação mais completa sobre a renda das

famílias, e essa é a principal razão para a sua seleção neste estudo.

O SCN é composto basicamente de cinco blocos, que “se articulam e são totalmente

consistentes porque utilizam os mesmos conceitos, definições, classificações e regras contábeis”

(IBGE, 2008b, p. 18). Ainda segundo o IBGE (2008b), esses blocos são:

Contas Econômicas Integradas (CEI), nas quais apresenta todo o conjunto de contas dos setores

institucionais e do resto do mundo.

Tabela Recursos e Usos (TRU), que agrupa as atividades econômicas e os produtos (bens e

serviços) de acordo com o tipo de operação econômica, produção, consumo intermediário,

consumo final, e os componentes do valor adicionado.

Tabela tridimensional das operações financeiras e dos estoques de ativos e passivos financeiros,

na qual estão diretamente representadas as relações entre os setores institucionais (de quem a

quem).

Tabeça de algumas operações dos setores institucionais, que são apresentadas de acordo com sua

função.

Tabelas de população e emprego.

Dentre esses blocos, selecionamos a CEI por ela apresentar uma visão geral do conjunto

da economia, e o setor famílias. Além desse setor, a CEI é composta por mais quatro setores,

quais sejam: empresas não-financeiras, empresas financeiras, administração pública e

instituições sem fins lucrativos à serviço das famílias. Somente através da tabela da CEI, é

possível comparar os usos – todas as ofertas de bens e serviços – e os recursos – todas as suas

respectivas demandas. Conseqüentemente, os saldos são obtidos através da diferença entre

recursos e usos. A Tabela 7 apresenta a descrição dos componentes selecionados no SCN.

11 Para o SCN, o setor família representa não só todas as famílias brasileiras (domicílios), mas também um grupo razoável de empresas – todas elas, exceto as 100 mil maiores.

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Tabela 7 Descrição dos componentes das famílias no SCN

6.1. Ocupações, ordenados, salários e rendimentos Componente Descrição Ocupações com vínculo formal

As ocupações com vínculo reúnem os assalariados com carteira de trabalho assinada, os funcionários públicos estatutários, os militares e os empregadores (sócios e proprietários) de empresas formalmente constituídas.

Ocupações sem vínculo formal

As ocupações sem vínculo formal constituem-se dos assalariados sem carteira de trabalho assinada e dos trabalhadores autônomos.

Autônomos Agregam os trabalhadores por conta própria, os trabalhadores não-remunerados e os empregadores informais, ou seja, proprietários de empresas não constituídas em sociedade, portanto, que pertencem ao setor institucional famílias.

Ordenados e salários (D.11)

Correspondem ao valor dos salários e ordenados recebidos em contrapartida do trabalho, quer em moeda ou em mercadorias. Os salários são contabilizados em bruto, isto é, antes de qualquer dedução para previdência social a cargo dos assalariados ou recolhimento de imposto de renda. Os salários e ordenados incluem: importâncias pagas no período a título de salários, remuneração de férias, honorários, comissões sobre vendas, ajudas de custo, gratificações, participações nos lucros, retiradas de sócios e proprietários dentro dos limites fixados pelas autoridades fiscais, e auxílio-alimentação, nos casos em que foi possível distingui-lo no conjunto de despesas das empresas.

Rendimento misto bruto ou de autônomos (B.3)

Os trabalhadores por conta própria e os empregadores recebem rendimento misto, e não remuneração de empregados. A denominação rendimento misto é devida à natureza do ganho do trabalhador, que não pode ser especificada como rendimento do trabalho e do capital.

6.2. Contribuições sociais Componente Descrição Contribuições sociais (efetivas) dos empregadores (D.121 e D.6111)

Referem-se às contribuições previdenciárias dos empregadores registradas nos documentos contábeis das administrações públicas e das instituições que gerenciam a previdência complementar, em contrapartida dos pagamentos realizados pelo setor famílias.

Contribuição social dos empregados (D.6112)

Referem-se às contribuições previdenciárias obrigatórias dos empregados regidos por regimes próprios ou pelo regime geral de previdência, do INSS, registradas nos documentos contábeis das administrações públicas, como também às contribuições voluntárias dos empregados registradas nos documentos contábeis das instituições que gerenciam a previdência complementar, em contrapartida dos pagamentos realizados pelas famílias.

Contribuição social dos não-assalariados (D.6113)

Referem-se às contribuições previdenciárias dos não-assalariados (autônomos) registradas nos documentos contábeis do INSS e das instituições que gerenciam a previdência complementar, em contrapartida dos pagamentos realizados pelos empregados autônomos, classificados no setor famílias.

6.3. Benefícios Componente Descrição Benefícios de seguridade social em numerário (D.621)

Referem-se aos benefícios previdenciários pagos pelas administrações públicas, através do regime geral de previdência do INSS, bem como aos benefícios de natureza social, pagos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) por conta do abono salarial e do seguro-desemprego, tendo como contrapartida o setor famílias.

Benefícios sociais com constituição de fundos (D.622)

Referem-se aos saques do FGTS e do fundo remanescente do PIS/PASEP, bem como os benefícios previdenciários pagos pelas administrações públicas aos seus funcionários (famílias), exceto os benefícios considerados dentro do circuito das contribuições sociais imputadas. Mostra, também, os

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96

benefícios pagos pelas empresas que gerenciam a previdência complementar às famílias.

Benefícios de assistência social em numerário (D.624)

Refere-se ao valor dos benefícios assistenciais pagos pelas administrações públicas às famílias, realizados fora de um esquema de seguro social, e tem como objetivo a transferência direta de renda. As fontes destas informações são os documentos contábeis das administrações públicas.

6.4. Rendas de propriedade Componente Descrição Juros (D.41) O juro é uma forma de remuneração recebida pelos proprietários de

determinados ativos financeiros (depósitos, títulos exceto ações, empréstimos e outros créditos) que representa direitos dos credores. Os juros devem ser registrados pelo montante contratualmente previsto no momento em que se tornam uma obrigação para o devedor, isto é, no momento devido, e registrados na base de direitos constatados (regime de competência). Devem, ainda, ser registrados pelo valor nominal.

Dividendos e retiradas (D.42)

Representam todas as rendas que as empresas, em vista dos resultados de sua atividade, decidem distribuir, sob a forma de dividendos e outros rendimentos, aos detentores do seu capital (os acionistas). Os dividendos devem ser registrados no momento em que são efetivamente pagos.

Rendimentos de propriedade atribuído a detentores de apólices de seguros (D.44)

São os rendimentos primários provenientes da aplicação das provisões técnicas. As provisões técnicas constituídas pelas empresas de seguros, apesar de serem detidas e geridas pelas seguradoras, são consideradas ativos dos detentores das apólices de seguro ou beneficiários, no caso de provisões para sinistro. Essas provisões são investidas pelas seguradoras sob a forma de ativos financeiros, terrenos ou edifícios, e seus rendimentos são distribuídos pelos segurados proporcionalmente aos prêmios pagos.

Rendas da terra e direitos do subsolo (D.45)

São as rendas recebidas pelos proprietários de terra e de ativos do subsolo como contrapartida da cessão do direito de seu uso, tais como: foros, laudêmios, arrendamentos e royalties pagos às administrações públicas pela exploração de recursos hídricos, minerais e pela extração de petróleo e gás natural. Esta operação é composta pelas remunerações de um direito de uso e não pela transferência de propriedade. O produto desta última não é uma operação de renda e sim de capital.

6.5. Impostos e transferências Componente Descrição Impostos correntes sobre a renda, patrimônio, etc. (D.5)

Compreendem todos os pagamentos obrigatórios cobrados periodicamente pelo Estado, que incidem sobre a renda e o patrimônio dos agentes econômicos. Seu valor corresponde à arrecadação líquida, ou seja, deduzidas as devoluções e restituições.

Outras transferências correntes: prêmios líquidos de seguro não-vida (D.71)

Referem-se às operações ligadas à cobertura de seguros de responsabilidade civil, incêndio, inundação, acidente, roubo e outros riscos, incluindo, ainda, o seguro de reembolso de despesas de assistência médico-hospitalar. São os chamados seguros elementares.

Outras transferências correntes: indenizações de seguros não-vida (D.72)

São pagamentos que, em função de contratos de seguro contra danos, as com- panhias de seguros são obrigadas a efetuar para cobertura de sinistros sofridos por pessoas ou bens e, no caso específi co do seguro-saúde, para cobertura das despesas com assistência médico-hospitalar.

Outras transferências correntes: transferências correntes diveresas (D.75)

São operações de repartição que não foram classificadas em outros itens e para as quais não se julgou relevante criar categorias separadas. Compreendem: contribuições voluntárias (com exceção das transferências de capital) às instituições sem fins de lucro a serviço das famílias; pagamento de multas e indenizações por infração de regulamentos, bem como multas por atraso no pagamento de impostos; pagamento, pelas famílias, de taxas e emolumentos obrigatórios quando da utilização de determinados serviços não-mercantis das administrações públicas (por exemplo, custos de emissão de passaporte, carteira de motorista, etc.);

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pagamentos, pelas empresas, de taxas e emolumentos semelhantes (por exemplo, para obtenção de alvará); contribuições internacionais, pagamentos a organismos internacionais e remessas de residentes para não-residentes e vice-versa.

Ajustamento pela variação das participações líquidas das famílias nos fundos de pensões, FGTS e PIS/PASEP (D.8)

Esta operação representa um ajuste com o objetivo de mostrar a alocação, na poupança das famílias, da variação dos seus ativos oriundos da variação do patrimônio dos fundos de pensão, FGTS e PIS/PASEP.

Fonte: IBGE (2008c). Elaboração própria.

A fim de validar os resultados da PNAD, a Tabela 8 apresenta a correspondência entre os

componentes do SCN e as agregações da PNAD.

Tabela 8 Correspondência da PNAD no SCN

7.1. Ocupações

Categoria GG SI (empregador) G SI Empregado

Empregado temporário

Empregado doméstico

Empregador

Calculado D.121 ou D.6111 D.6112

Militar ---- ---- ----

Funcionário público estatutário ---- ----

D.11

----

Conta própria ---- ---- B.3 D.6113

Aposentadorias e pensões ---- ---- D.621 ----

Constituição de fundos ---- ---- D.622 ----

Assistência social ---- ---- D.624 ---- 7.2. Renda e rendimento

Categoria Recebidos Pagos

Juros D.41 D.41

Dividendos e retiradas D.42 ----

Rendimentos de propriedade atribuído a detentores de apólices de seguros

D.44 ----

Renda da terra ---- D.45

Total (rendas de propriedade) D.4 D.4

Impostos correntes sobre a renda, patrimônio, etc. ---- D.5

Prêmios líquidos de seguro não-vida ---- D.71

Indenizações de seguro não-vida D.72 ----

Transferências correntes diversas D.75 D.75

Fundos de pensão, FGTS e PIS/PASEP D.8 ---- Fonte: Elaboração própria.

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98

3. O Sistema Tributário no Brasil

Para descrever o sistema tributário no Brasil, esta seção foi dividida em duas partes. A primeira

contempla os custos sociais do trabalho, e a segunda, as regras de declaração do Imposto de

Renda. Em ambos os casos, consideramos sete das onze ocupações mencionadas na Tabela 4

(seção 2.3.1). A principal razão para excluir as outras quatro categorias é que todas elas não são

remuneradas.

Como foi apresentado na seção anterior, a PNAD agrupa todas essas onze ocupações em

dois setores: agrícola e não agrícola (ver Figura 2). Algumas delas são específicas de cada setor.

Isso acontece, por exemplo, com o trabalhador temporário no setor agrícola, e com o trabalhador

doméstico no setor não agrícola. No entanto, de acordo com Kreter (2010), a legislação

trabalhista brasileira distingue o trabalhador temporário e do trabalhador sazonal. De acordo com

a Lei no 5.889 (de 8 de junho de 1973), todas as atividades agrícolas que ocorrem de tempos em

tempos são obrigatoriamente reguladas pela lei do trabalho rural. Isso inclui, por exemplo, as

atividades de plantio e colheita. E, de forma bem explícita, a legislação brasileira coloca que as

atividades temporárias são restritas às empresas urbanas (Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974).

Por isso, embora haja essa distinção entre sazonal e temporário, a PNAD considera o temporário

exclusivamente no setor agrícola. Essa é a razão pela qual chamamos excepcionalmente sazonal

de temporário neste artigo.

Figura 2 Tipos de ocupação, PNAD 200812

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

12 O fluxograma completo de seleção de variáveis da PNAD encontra-se no ANEXO I.

Agrícola:

Empregado Empregado temporário

Conta própria Empregador

Trabalhador não remunerado de membro da unidade familiar

Outro trabalhador não remunerado Trabalhador na produção para o próprio

consumo

Empregado Empregado doméstico

Conta própria Empregador

Trabalhador não remunerado de membro da unidade familiar

Outro trabalhador não remunerado 7 Trabalhador na construção para o próprio

Posição na ocupação no trabalho principal da semana de referência

Não Agrícola:

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99

3.1. Os Custos Sociais do Trabalho no Brasil

Desde 1943, quando a CLT foi promulgada, o mercado de trabalho segue regras estatutárias.13

Pela CLT prever regras gerais e rígidas, a maioria dos itens presentes nos contratos de trabalho

não são passíveis de negociação entre empregador e empregado, salvo se for para uma condição

melhor para o empregado do que a estabelecida em lei. De uma forma geral, isso significa que as

mesmas regras são aplicadas para todos os setores e todas as categorias. Por exemplo, como

Pastore (2006) apontou, de acordo com a CLT, as paradas para o almoço devem ser de uma hora.

Se o trabalhador quiser ter apenas trinta minutos de almoço para ir para casa trinta minutos mais

cedo, a legislação não permite. Esse é um pequeno exemplo de que regras rígidas não significam

sempre benefício para o trabalhador.

Quanto aos custos sociais do trabalho, embora o Brasil tenha uma regulamentação

específica para os funcionários públicos e militares, o INSS é o maior sistema, que inclui os

empregadores, todos os empregados privados e os conta própria. Seus segurados são chamados

de celetistas. As regras para cada categoria estão descrita a seguir.14

Contribuição social (Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990). Todo celetista tem que recolher a

contribuição para o INSS. A Tabela 9 apresenta a alíquota de aplicação, que é proporcional ao

valor do salário mensal. Note que, para os empregados, é obrigatório o pagamento de ambos os

lados: do empregado (seguindo a Tabela 9) e do empregador. No último caso, o percentual é fixo

em 12%.15

FGTS (Lei no 5.107, de 13 de setembro de 1966). O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço foi

criado pelo governo federal para proteger todo celetista demitido sem justa causa. O FGTS é

constituído de conta vinculada, aberta em nome do empregado, a partir do primeiro depósito do

empregador. A contribuição do FGTS recolhida pelo empregador é fixa em 8,0% do valor do

salário pago para o empregado.

Férias (artigo 129 a 145, da CLT). Após cada período de doze meses de vigência do contrato de

trabalho, todo empregado tem direito ao gozo de um período de férias, sem prejuízo de

remuneração. Além da remuneração mensal, a qual o empregado tem direito durante o período

13 De acordo com Pastore (2006), “o quadro legal no campo do trabalho é formado por 46 dispositivos constitucionais, 922 artigos da CLT, mais de 100 leis subsidiárias, 153 normas do Ministério do Trabalho, 114 normas do Ministério da Previdência, 68 convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, 363 enunciados, 375 orientações jurisprudenciais e 119 precedentes normativos do Tribunal Superior do Trabalho”. 14 Desde 1940 o governo brasileiro estabeleceu um valor específico como salário mínimo nacional. Esse valor é o menor salário que um empregador pode pagar legalmente a seu empregado pelo tempo e esforço gastos na produção de bens e serviços. De 1o de abril de 2007 a 29 de fevereiro de 2008, o salário mínimo foi de R$ 380. Entretanto, para o SM2, consideramos R$ 415 como salário mínimo por esse ter sido o valor ajustado pelo governo federal em 1o de março de 2008, e que permaneceu ao longo do resto do ano – inclusive no mês de setembro, quando os questionários da PNAD foram aplicados. 15 Não consideramos os tributos especiais para as pequenas e médias empresas, conhecido como Simples.

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100

de férias, o empregador deve pagar um adicional que corresponde a 1/3 do valor do salário do

empregado.

Tabela 9 Contribuição social mensal no Brasil e suas respectivas alíquotas, 2008

Salário Mensal Alíquota Aplicada (%) Empregado ou empregado doméstico Até R$ 911,70 8,00 De R$ 911,71 a R$ 1.519,50 9,00 De R$ 1.519,51 a R$ 3.038,99 11,00 Mais de R$ 3.038,99 11,00 de R$ 3.038,99 Conta própria ou empregador R$ 415,00 (valor mínimo) 11,00 De R$ 415,00 a R$ 3.038,99 20,00 Mais de R$ 3.038,99 (valor máximo) 20,00 de R$ 3.038,99

Fonte: INSS (2010).

13o salário (artigo 7, da Constituição Federal). O 13o salário é uma gratificação natalina que o

empregado faz jus na proporção de 1/12 avos por mês ou fração acima de 15 dias de exercício

durante o ano – corresponde ao valor da remuneração percebida em dezembro. É importante

destacar que o empregador precisa recolher também o FGTS sobre o 13o salário.

Salário-educação (artigo 212, § 5º, da Constituição Federal). O salário-educação foi estabelecido

em 1964 e é definido como uma contribuição social destinada ao financiamento de programas,

projetos e ações voltados para o financiamento da educação básica pública. É calculada com base

na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelos

empregadores, a qualquer título, aos empregados.

Salário-família (Lei no 4.266, de 3 de outubro de 1963). É um benefício pago aos empregados,

exceto os domésticos, com salário mensal de até R$ 710,08 para auxiliar no sustento dos filhos

de até 14 anos de idade ou inválidos de qualquer idade (para saber o valor do benefício, consultar

a Tabela 10). O benefício é encerrado quando o filho completa 14 anos, em caso de falecimento

do filho, por ocasião de desemprego do empregado e, no caso do filho inválido, quando da

cessão da incapacidade. Quem financia esse benefício é a Previdência Social.

Tabela 10 Benefício do salário-família por faixa de salário mensal, 2008

Salário-Família Benefício (R$/por filho) Até R$ 472,43 24,23 De R$ 472,44 a R$ 710,08 17,07 Mais de R$ 710,08 ----

Fonte: INSS (2010).

Page 114: Tese - Capa

101

Seguro acidente de trabalho (artigo 7, 195 e 201 da Constituição Federal). O SAT é um seguro

garantido ao empregado de acordo com a atividade preponderante da empresa. A alíquota é

fixada com base no grau de risco dessa atividade – 1% (risco leve), 2% (risco médio) ou 3%

(risco grave). Os empregadores são responsáveis pelo pagamento, que deve constar na folha de

salários, mas a administração é feita pela Previdência Social. Pela Lei no 8.213, acidente do

trabalho é todo aquele ocasionado em função da prestação do serviço à empresa ou pelo

desempenho da atividade do segurado, o qual acarreta lesão corporal ou perturbação functional

que dê ensejo à morte ou à perda de capacidade, total ou parcial, para o trabalho. Também são

consideradas como originadas de acidentes do trabalho as doenças profissionais e, de forma

geral, as doenças surgidas em decorrência do trabalho em condições especiais ou a ele

diretamente relacionadas.

Sistema “S”. Existe um grupo de contribuições que são específicas de cada setor da economia.

As mais importantes são: o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Social do Comércio

(SESC), e o Serviço Social do Transporte (SEST), todos eles com alíquota de 1,5%; e o Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

(SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), e o Serviço Nacional de

Aprendizagem do Transporte (SENAT), com alíquota de 1,0%.

SEBRAE (Lei no 8.029, de 12 de abril de 1963). O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas foi criado com o objetivo de atender a execução da política governamental de apoio a

essas empresas, sendo exigida como tributo complementar às contribuições para o Sistema “S”.

A alíquota aplicada é de 0,60%.

INCRA (Lei no 2.613, de 12 de abril de 1955). A contribuição ao INCRA foi instituída para

custear as atividades do Serviço Social Rural (SSR) e, apesar de ter como foco as atividades

agrícolas, todas as empresas têm que pagar 0,2%, mesmo as não-agrícolas.

A Tabela 11 apresenta um resumo de todos os custos sociais do trabalho, por categoria.

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Tabela 11 Custos sociais do trabalho no Brasil, 2008*

Empregado Empregado Temporário

Empregado Doméstico

Custos Sociais do Trabalho

EE ER EE ER EE ER

Empregador ou Conta Própria

INSS X X X X X X X FGTS X X opcional Férias + 1/3 X X X 13. salário X X X FGTS sobre o 13. salário X X opcional

Salário-educação X Salário-família X X

SAT X SESI/SESC/SEST X SENAI/SENAC/SENAT X SEBRAE X INCRA X Fonte: Elaboração própria. * EE representa a contribuição social do empregado, e ER a contribuição social do empregador.

3.2. As Regras para a Declaração do Imposto de Renda – Pessoa Física

Esta seção traz um resumo do Manual de Preenchimento do Imposto de Renda, Pessoa Física,

2009 (ano-calendário 2008), publicado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB).16

Existem duas formas de se fazer a declaração do IR: (a) pelo modelo completo, que podem ser

utilizadas todas as deduções legais, desde que comprovadas; ou (b) pelo modelo simplificado.

No segundo caso, é utilizado um desconto de 20% dos rendimentos tributáveis, limitado a R$

12.194,86. Esse desconto substitui todas as deduções legais da declaração completa, sem a

necessidade de comprovação.

Quem declara obrigatoriamente Imposto de Renda? Quem recebeu rendimentos tributáveis em

2008, cuja soma foi superior a R$ 16.473,72 – tais como, rendimentos do trabalho assalariado,

não-assalariado, proventos de aposentadoria, pensões, aluguéis, atividade rural; quem recebeu

rendimentos isentos, não-tributáveis ou tributados exclusivamente na fonte em 2008, cuja soma

foi superior a R$ 40.000,00; quem teve posse ou propriedade de bens ou direitos, em 31 de

dezembro de 2008, inclusive terra nua, cujo valor total foi superior a R$80.000,00; quem

realizou em 2008 alienação de bens ou direitos em que foi apurado ganho de capital, sujeito à

incidência do imposto, ou operações em bolsa de valores, de mercadorias, de futuros e

assemelhadas; e ainda quem teve em 2008 receita bruta em valor superior a R$ 82.368,60

relativamente à atividade rural.

16 Este manual pode ser acessado em: http://www.receita.gov.br/Publico/programas/irpf/2009/Orientacoes/Instrucoesmodelocompleto2009.pdf

Page 116: Tese - Capa

103

Situações individuais. Existem oito categorias de declaração de IR individual. A primeira se

chama contribuinte casado. Nessa categoria é possível apresentar a declaração em separado ou

em conjunto com o cônjuge. Se for feita em conjunto, a declaração deve constar o nome de uma

das pessoas do casal com o rendimento de ambos, inclusive os provenientes de bens gravados

com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, e as pensões de gozo privativo. Se eles

optarem por fazer a declaração em separado, cada cônjuge deve incluir na sua declaração os

rendimentos próprios e 50% dos rendimentos produzidos pelos bens comuns, compensando 50%

do imposto pago ou retido sobre esses rendimentos; ou um dos cônjuges inclui na sua declaração

os rendimentos próprios e o total dos rendimentos produzidos pelos bens comuns, compensando

o total do imposto pago ou retido na fonte, independentemente de qual dos cônjuges tenha

sofrido a retenção ou efetuado o recolhimento. Nesse caso, o outro cônjuge inclui na sua

declaração somente os seus rendimentos próprios. A segunda categoria chama-se contribuinte

com companheiro. Assim como a primeira, é possível apresentar a declaração em separado ou

em conjunto. Se o casal fizer em conjunto, a declaração deve ser apresentada em nome de um

deles. Nela devem ser incluídos os rendimentos de ambos, inclusive os provenientes de bens

gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, e as pensões de gozo

privativo. Se eles fizerem em separado, cada um deve incluir na sua declaração os rendimentos

próprios e 50% dos rendimentos produzidos pelos bens em condomínio, salvo estipulação

contrária em contrato escrito, quando deve ser adotado o percentual nele previsto. Pode ser

compensado o imposto pago ou retido, na mesma proporção dos rendimentos tributáveis

produzidos pelos bens em condomínio. A terceira categoria é a do contribuinte viúvo. O

contribuinte deve apresentar a declaração com o seu número de inscrição no CPF, abrangendo os

rendimentos próprios. No curso do inventário, o viúvo pode optar por tributar 50% dos

rendimentos produzidos pelos bens comuns na sua declaração ou integralmente na declaração do

espólio. A quarta categoria é a do contribuinte separado de fato, que segue as mesmas regras do

contribuinte casado. O contribuinte separado judicialmente ou divorciado é a quinta categoria,

que apresenta declaração na condição de solteiro, caso não esteja casado ou vivendo em união

estável em 31/12/2008. E as três últimas categorias seguem as mesmas regras. São elas:

contribuinte menor, contribuinte menor emancipado e contribuinte incapaz.

Rendimentos declarados.17 O rendimento individual é composto de todas as receitas possíveis

provenientes do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, tais como: (a) salários e ordenados

(inclusive férias), de reserva ou de reforma, pensões civis e militares, gratificações e

participações no lucro, verbas de representação e remuneração de estagiários e de residentes; (b)

17 Se o rendimento não está em Real, os valores devem ser convertidos para a moeda brasileira. Mas, como a PNAD não declara rendimentos em outra moeda, não estamos apresentando a tabela de conversão do Banco Central.

Page 117: Tese - Capa

104

benefícios recebidos de entidades de previdência privada, de Plano Gerador de Benefício Livre

(PGBL) e de Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI); (c) despesas ou encargos

pagos pelos empregadores em favor do empregado, como aluguéis, contribuições

previdenciárias, imposto de renda, seguro de vida, despesas de locomoção; (d) 25% dos

rendimentos do trabalho assalariado recebidos em moeda estrangeira por servidores de

autarquias ou repartições do governo brasileiro situadas no exterior; (e) rendimentos de profi

ssões, de ocupações e de prestação de serviços (inclusive de representante comercial autônomo);

(f) honorários de autônomos, como médico, dentista, engenheiro, advogado, veterinário,

professor, economista, contador, jornalista, pintor, escultor, escritor e leiloeiro; (g) direitos

autorais; (h) 10%, no mínimo, dos rendimentos recebidos pelos garimpeiros, de empresas

legalmente habilitadas, pela venda de metais preciosos, pedras preciosas e semipreciosas, por

eles extraídos; (i) 40%, no mínimo, do rendimento do trabalho individual no transporte de carga

e de serviços com trator, máquina de terraplenagem, colheitadeira e assemelhados, quando o

veículo ou a máquina utilizada for de propriedade do contribuinte ou locado e conduzido

exclusivamente por ele; e (j) 60%, no mínimo, do rendimento do trabalho individual no

transporte de passageiros, quando o veículo for de propriedade do contribuinte ou locado e

conduzido exclusivamente por ele.

Bens declarados. São considerados bens declarados: (a) todas as propriedades, como prédios

(residências e comerciais), galpões, apartamentos, casas, terrenos, terra nua, salas ou conjuntos,

construções, benfeitorias, lojas, etc., incluindo propriedades financiadas; (b) todos os bens

móveis, como veículos (caminhão, automóvel, moto, etc.), aeronave, embarcação, linha

telefônica, etc., incluindo os bens móveis financiados; (c) jóias, quadros, objetos de arte, etc.; (d)

outros bens e direitos, que custaram R$ 5.000,00 ou mais; (e) conta corrente, conta de poupança

e outros investimentos, que somados chegam a R$ 140,00 ou mais; e (f) ações, ouro e outras

operações financeiras, que somadas chegam a R$ 1.000,00 ou mais.

Deduções. Assim como em outros países, no Brasil é possível fazer deduções de algumas

despesas na declaração do Imposto de Renda. São elas: (a) despesas com instrução própria do

contribuinte ou de seus dependentes, no Brasil ou no exterior; (b) despesas com médicos,

dentistas, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, no Brasil ou no exterior; (c)

despesas com hospitais, clínicas e laboratórios, no Brasil ou no exterior; (d) despesas com

pensão alimentícia, no Brasil ou no exterior; (e) despesas com contribuições a entidades de

previdência privada; (f) Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI); (g) despesas

com advogados, engenheiros, arquitetos e demais profissionais liberais; (h) aluguéis de imóveis;

(i) despesas com arrendamento rural; (j) doações em espécie; e (k) doações em bens e direitos. O

contribuinte que não declarar todos os bens está sujeito a multa de 20% do valor não declarado.

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105

Dependente. O contribuinte pode deduzir R$ 1.655,88 por pessoa considerada dependente,

mesmo que a relação de dependência tenha existido por menos de doze meses no ano-calendário

2008, como nos casos de nascimento ou falecimento. A SRFB considera como dependente: (a)

companheiro(a) com o qual o(a) contribuinte tenha filho ou viva há mais de cinco anos, ou

cônjuge; (b) filho(a) ou enteado(a) até 21 anos de idade; (c) filho(a) ou enteado(a) uiversitário(a)

ou cursando escola técnica de 2o grau, até 24 anos; (d) filho(a) ou enteado(a) em qualquer idade,

quando incapacitado física e/ou mentalmente para o trabalho; (e) irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a)

sem arrimo dos pais, do(a) qual o contribuinte detém a guarda judicial, até 21 anos; (f) irmão(ã),

neto(a) ou bisneto(a) sem arrimo dos pais, com idade de 21 até 24 anos, se ainda estiver cursando

estabelecimento de nível superior ou escola técnica de 2 o grau, desde que o contribuinte tenha

detido a guarda judicial até os 21 anos; (g) irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a) sem arrimo dos pais,

do qual o contribuinte detém a guarda judicial, em qualquer idade, quando incapacitado física

e/ou mentalmente para o trabalho; (h) pais, avós e bisavós que, em 2008, tenham recebido

rendimentos de até R$ 16.473,72, tributáveis ou não; (i) menor pobre, até 21 anos, que o

contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial; e (j) a pessoa absolutamente

incapaz, da qual o contribuinte seja tutor ou curador.

Limites de dedução. Existem algumas regras sobre os limites permitidos para a declaração do

Imposto de Renda. São elas: (a) a previdência social pública pode ser deduzida integralmente;

(b) a previdência social privada ou o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI)

pode ser deduzido em até 12% do total do rendimento tributável; e (c) como apresentado no item

anterior, o contribuinte pode deduzir até R$ 1.655,88 por pessoa considerada dependente.

Imposto de Renda Retido na Fonte. Se o rendimento anual do trabalho for inferior a R$

16.473,72, não há IRRF. Se o rendimento anual estiver entre R$16.473,73 e R$ 32.919,00, o

contribuinte paga a alíquota de 15,0% e pode deduzir até R$ 2.471,06. Mas se o rendimento

anual do trabalho for maior que R$ 32.919,00, a alíquota paga pelo contribuinte é de 27,5%, com

dedução de até R$ 6.585,93.

4. Aplicando o Modelo SM2

4.1. Considerações específicas sobre o uso da PNAD no SM2

Para replicar a estrutura do mercado de trabalho brasileiro em 2008, algumas considerações

foram adotadas na implantação do modelo SM2. Sobre renda e rendimento, foram:

� Todas as variáveis usadas estão sendo convertidas para mensais. No caso da PNAD,

apesar dela ter quatro tipos de recorte temporal – semana de referência, 358 dias, mês de

referência e ano de referência –, a principal razão de ter escolhido a primeira opção foi a

Page 119: Tese - Capa

106

qualidade da informação disponível, muito superior às demais. Além disso, comparamos

as variáveis da semana de referência e dos 358 dias, e os resultados foram semelhantes.18

� Para as variáveis referentes ao rendimento individual, consideramos para sem declaração

ou não aplicável rendimento igual a R$ 0 (zero). Estamos conscientes de que essa

suposição subestima as rendas familiar e domiciliar per capita e, conseqüentemente,

sobreestima os níveis de pobreza. Entretanto, é importante destacar que essa consideração

foi adotada para apenas 1% dos indivíduos, o que não implica impactos significativos nos

resultados como um todo. Por exemplo, no caso da variável V4718 representou 0,77%,

da variável V1252, 0,10%, da variável V9982, 0,08%, e de todas as demais variáveis de

rendimento juntas representou também 0,08%.

� Na construção das rendas familiar e domiciliar para o cálculo dos níveis de pobreza,

consideramos o rendimento mensal em valor dos produtos e mercadorias. Dessa forma,

reconstruímos as variáveis V4650 e V9532 calculadas pelo IBGE. Vale lembrar que para

efeito de simulação, esse rendimento é excluído da análise porque é considerado não

tributável.

As considerações sobre o trabalho foram:

� Além do trabalho principal, consideramos, se declarado, o segundo e o terceiro trabalho

na semana de referência. Como a PNAD não informa quanto tempo essas atividades

secundárias foram exercidas, adotamos para elas a mesma duração da principal.

� Para a condição de formal ou informal, consideramos apenas se o indivíduo era

contribuinte para um instituto de previdência (federal, estadual ou municipal), ao invés de

considerar se ele tinha carteira de trabalho assinada.19 A principal razão é que, para a

declaração do Imposto de Renda, o pagamento da contribuição é mais importante do que

a assinatura da carteira per se. Além disso, dessas duas variáveis, apenas a contribuição

para um instituto de previdência aparece nos três trabalhos, o que permite uma análise

mais homogênea dos encargos trabalhistas.

As considerações sobre os custos sociais do trabalho foram:

� Como foi apresentado na seção anterior, a alíquota do SAT depende da atividade

principal da empresa. Estou considerando para o SAT apenas os empregados de

empresas. Também não estou considerando os autônomos (por exemplo, os médicos). O

grau de risco varia entre 1 e 3%. Estou considerando 2%.

18 Outra razão que contribuiu para a conversão dos dados foi a declaração do tempo de trabalho. Embora a PNAD pergunte separadamente quantos meses e quantos anos o indivíduo está na ocupação principal, mais de 50% declarou o tempo de trabalho para o número de anos. 19 As duas opções estão disponíveis na PNAD.

Page 120: Tese - Capa

107

� Excluímos o repouso semanal remunerado da relação de custos sociais do trabalho por

ela ser específica de algumas categorias (como, por exemplo, de porteiros) e pela

informação não estar disponível na PNAD.

� Por questões metodológicas, algumas deduções não são passíveis de identificação na

PNAD, e por essa razão, apesar de aparecerem na declaração do imposto de renda, foram

excluídas do modelo. Dentre elas, destacam-se todos os honorários de autônomos

(médicos, dentistas, advogados, etc.), pensão alimentícia, salário educação, salário

família, etc. De acordo com EUROSTAT (2003), a inclusão dessas despesas no modelo

representam uma variação de menos de 1% (EUROSTAT 2003 e 2004).

4.2. Checagem dos dados

Na seção 2 foram apresentadas as variáveis da PNAD selecionadas e seus componentes

referentes no Sistema de Contas Nacionais (Tabela 8). Apesar da primeira base de dados ser do

ano de 2008, e a segunda, de 2006, na comparação dos agregados, os resultados foram bastante

semelhantes (Tabela 12).

Tabela 12 Checagem da PNAD pelo SCN

Contas Nacionais PNAD a partir do SM2 Componente R$* % R$* %

PNAD/SCN (%)

Custos sociais do trabalho 1.771.937 100,0 1.755.338 100,0 99,1 Contribuições sociais 304.784 17,2 297.675 17,0 97,7 Rendimento bruto 1.467.153 82,8 1.457.663 83,0 99,4 Impostos 81.950 4,6 89.775 5,1 109,5 Rendimento líquido 1.385.203 78,2 1.367.888 77,9 98,7 Fonte: IBGE (2008a e 2008b). Elaboração própria. * Valores em R$ 1.000.000.

O componente calculado que apresentou a maior variação entre a PNAD e o SCN foi os

impostos. Esse resultado já era esperado, dado que a PNAD agrupa em uma única variável

(V1273) os juros de caderneta de poupança e de outras aplicações financeiras, dividendos e

programas sociais, ou seja, rendimentos tributáveis e não tributáveis sob a ótica do governo.20

Barros et al. (2007) argumentam ainda que a PNAD inclui os rendimentos de ativos recebidos,

mas não desconta os pagos, como é o caso dos juros. Esses foram os principais fatores que

contribuiram para superestimar o montante arrecadado com impostos no ano de 2008. A exceção

dos impostos, os demais componentes obtiveram percentuais acima do esperado. Nesse caso, os

20 Os demais rendimentos considerados no modelo SM2 estão disponíveis no Anexo II.

Page 121: Tese - Capa

108

resultados podem ser atribuídos fundamentalmente ao alto grau de informalidade – onde o

rendimento do trabalho bruto acabou sendo igual ao líquido. Limitamos, assim, a aplicação das

regras tributárias mais complexas no SM2 ao restrito grupo de indivíduos que declararam ter

recebido rendimentos que não do trabalho em 2008.

Se compararmos os percentuais da PNAD/SCN da Tabela 12 com os dos demais países

que utilizaram a mesma metodologia (EUROSTAT, 2003 e 2004), o Brasil foi o que alcançou os

resultados mais próximos das Contas Nacionais. Vale lembrar que além de ser a primeira vez

que o modelo foi aplicado a um país fora da União Européia, o presente estudo foi também o

primeiro a analisar um setor específico, a simular cenários com sistemas tributários distintos e a

usar uma pesquisa domiciliar de âmbito nacional sem tratamento metodológico prévio de

padronização de dados. Isso porque o SM2 foi criado originalmente para atender a uma demanda

do EUROSTAT de cálculo de transformação de rendimentos brutos em líquidos a partir de uma

base de dados construída, o EU-SILC21. Destaca-se, portanto, não só a qualidade desse modelo

de micro-simulação, como também dos dados da PNAD.

4.3. Os cenários analisados

A partir da legislação trabalhista e das regras do IR vigentes em 2008, foram simulados três

cenários para dois grupos populacionais – Brasil e setor agrícola. A Figura 3 ilustra esses

cenários, e apresenta a atribuição dos agentes envolvidos a fim de formalizar o empregado e o

conta própria. Note que, em termos de contribuição social, esses dois grupos são completamente

diferentes. O primeiro depende do empregador para regularizar a sua situação no mercado de

trabalho. Já o segundo grupo tem autonomia para decidir se participa ou não do sistema de

seguridade social. O salário também pode explicar parte da informalidade em ambos os casos. A

dependência do empregado sobre a escolha de ser formal geralmente ocorre em estratos de renda

mais baixos, onde não há muito poder de barganha sobre as condições do trabalho. A situação

dos conta própria é um pouco diferente. Por eles não possuírem contrato de trabalho, e pelo

recolhimento do INSS poder ser feito em atraso, a não contribuição pode ser um reflexo da

decisão de se ganhar mais no presente e comprometer a renda no futuro. Assim, apesar do

modelo SM2 ter como base todos os setores e todas as ocupações informadas na PNAD, as

alternativas de tributação propostas na Figura 3 (cenários 2 e 3) se referem exclusivamente aos

empregados e aos conta própria. Mas, antes de simular qualquer proposta de formalização de

mão de obra, reproduzimos o sistema tributário vigente (cenário 1). Note que parte de seus

21 O EU-SILC é uma base de dados cross-section sobre rendimento, pobreza, exclusão social e condições de moradia dos países da União Européia. Essa base foi criada pelo EUROSTAT a partir dos dados já existentes em cada país – pesquisas domiciliares ou registros administrativos. Para maiores informações, consultar: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/microdata/eu_silc

Page 122: Tese - Capa

109

resultados já foram apresentados na Tabela 12, e seu principal objetivo foi testar a eficácia do

modelo SM2 para o caso brasileiro. Nesse cenário, consideramos os formais e os informais. Para

os formais, o rendimento do trabalho líquido foi menor do que o bruto – ou seja, N<H. No caso

dos informais, N=H. Para todos os cenários, assumimos a hipótese de que o salário declarado na

PNAD para todos os indivíduos é o bruto.

Figura 3 Cenários analisados sobre a formalização do empregado, Brasil e setor agrícola

Fonte: Elaboração própria.

O cenário 2 reflete a seguinte situação: nos casos de informalidade, os empregadores não

querem pagar além do que eles já pagam pelo serviço de seus empregados, por isso, todos os

encargos trabalhistas foram descontados do atual salário (área cinza da Figura 3). Por isso,

incluímos as contribuições sociais e os impostos pagos dos então informais até chegar nos seus

respectivos rendimentos líquidos. No caso dos formais, mantivemos a estrutura original do

cenário 1.

De forma contrária, o cenário 3 mantém o nível de salário dos empregados, e repassa os

custos de formalização para o empregador, como as contribuições sociais (S1 ou S2). Em outras

palavras, o cenário 3 é uma política que certamente beneficiaria grupos de baixa renda, que a

princípio representam a maior parte dos informais e que não teriam poder de barganha para

RENDIMENTO DO TRABALHO

INFORMAL

Contribuições Sociais, Impostos

e Deduções

Salário Líquido para o

Trabalhador (Ni)

Contribuições Sociais, Impostos

e Deduções

(Ni)

CENÁRIO 1 Realidade

CENÁRIO 3 Custos pagos somente

pelo empregador

CENÁRIO 2 Custos pagos somente

pelo empregado

Page 123: Tese - Capa

110

manter seus salários. A Tabela 13 apresenta um resumo de como os componentes selecionados

na PNAD foram implementados no SM2.

Tabela 13 Principais componentes do rendimento, imposto, contribuições sociais e

deduções no Sistema Tributário no Brasil

N Componentes do Rendimento

Contribuições Sociais (Si) Imposto

Incluído na Agregação Comum

Componentes de Deduções Específicas

(Di)

1 Rendimento do trabalho Empregador S0(G1) Empregado S1(G1)

IRRF Sim D1(Y1)

2 Rendimento do trabalho por conta própria

S2(G2) IRRF Sim D2(Y2)

3 Outros rendimentos do trabalho

Não Não Não

Não

4 Rendimento de aluguel Não IRRF Não Não

5 Rendimento em espécie / bens

Não Não Não

Não

6 Aposentadorias e pensões Não IRRF Não Não

7 Rendimento de abono permanência

Não Não

Não Não

8 Rendimento de doação de não morador

Não Não

Não Não

9 Outros rendimentos Não Não Não Não Fonte: Elaboração própria.

5. Resultados Preliminares e Considerações Finais

Os resultados desta seção são preliminares e foram resumidos em três tabelas.22

A Tabela 14 apresenta os componentes dos rendimentos brutos dos indivíduos declarados

na PNAD. Tanto para o Brasil, quanto para o setor agrícola, os rendimentos do trabalho foram

em 2008 o componente mais significativo, com 76% e 95% de participação no total de

rendimentos, respectivamente. Note que os empregados do setor agrícola – e conseqüentemente

seus familiares – são muito mais dependentes do salário. Isso sugere que qualquer proposta de

mudança no sistema tributário terá um impacto mais expressivo nas atividades agrícolas. O

segundo componente de maior destaque na Tabela 14 são os rendimentos de aposentadorias e

pensões, com 20% e 3%. Apesar do baixo percentual no setor agrícola, a soma desses dois

componentes ultrapassa 95% em ambos os casos. Ainda sobre a aposentadoria, boa parte dos 3%

calculados para o setor agrícola pode representar o benefício da aposentadoria rural,

implementada pelo governo federal desde 1992.23 Essa verificação, porém, será contemplada em

22 As tabelas completas encontram-se nos Anexos III e IV. 23 A aposentadoria rural foi criada pelo governo federal com o objetivo de incluir no sistema previdenciário os trabalhadores rurais que tivessem em idade para se aposentar, mas que não tivessem contribuido para o INSS. Esse

Page 124: Tese - Capa

111

projetos futuros, onde analisaremos, além da aposentadoria rural, o impacto de outros programas

sociais no campo.

Outra verificação pertinente sobre os resultados apresentados na Tabela 14 se refere aos

rendimentos dos conta própria no setor agrícola. Tanto para essa categoria, quanto para as

categorias outros rendimentos do trabalho, rendimentos em espécie e abono permanência,

obtivemos valor total igual a R$ 0 (zero). No caso do abono permanência, esse resultado já era

esperado, mas dos rendimentos em espécie e principalmente dos rendimentos dos conta própria,

não. Em outras palavras, isso significa que para o setor agrícola só teremos resultados das

simulações para os empregados.

Tabela 14 Componentes dos rendimentos brutos, Brasil e setor agrícola, 2008

(R$ 1 000 000) Brasil Setor Agrícola

Var Componentes do Rendimento R$ % R$ %

H1 Rendimento do trabalho (empregado) 770.580 52,9 26.451 94,9

H2 Rendimento do trabalho (conta própria) 337.650 23,2 0 0,0

H3 Outros rendimentos do trabalho 347 0,0 0 0,0

H4 Aluguel 24.565 1,7 132 0,5

H5 Rendimento em espécie / bens 223 0,0 7 0,0

H6 Aposentadorias e pensões 286.746 19,7 909 3,3

H7 Abono permanência 162 0,0 0 0,0

H8 Doação de não morador 7.465 0,5 26 0,1

H9 Outros rendimentos 29.539 2,0 340 1,2

Total 1.457.277 100 27.865 100 Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

A Tabela 15 apresenta os rendimentos totais líquidos para os três cenários. Essa tabela

exemplifica a composição dos cenários 2 e 3. A passagem do cenário 1 para 3 é facilmente

percebida, já que os custos de formalização foram incididos diretamente sobre os salários

declarados. Os rendimentos do trabalho de todos os empregados que se encontravam fora do

sistema de seguridade social foram considerados rendimentos líquidos (note que o N1 continuou

com o mesmo valor), ou seja, esses trabalhadores não tiveram perdas salariais. Entre os cenários

1 e 3 também não houve mudança no montante pago de impostos. O maior impacto ocorreu no

componente contribuições sociais, que pelas regras vigentes seria repassado para os empregados

e empregadores (cerca de 18% para cada um). Mas, como supusemos que o aumento do custo da

benefício – sem contribuição compulsória – é concedido ainda hoje. Para maiores informações, consultar Kreter (2004).

Page 125: Tese - Capa

112

mão de obra foi pago apenas pelo empregador, a diferença total – R$ 51.530 bilhões, ou cerca de

24% – foram somadas ao SS.

Para o cenário 2, os rendimentos brutos dos empregados formais foi repetido, com seus

respectivos encargos e contribuições sociais. Para os informais, descontamos do salário bruto

todos os custos de formalização. Por isso, pode-se dizer que a diferença apresentada em tax1, S1,

SS e GG nos cenários 2 e 3 se referem exclusivamente aos informais. No caso do cenário 2, o

repasse dos custos para o empregado gerou, na prática, uma queda de quase 12% do salário final

do empregado. Como as regras do sistema tributário permaneceram as mesmas, e dado que elas

são proporcionais ao H1 de cada trabalhador, o resultado foi que além do empregado sofrer

perdas salariais, o empregador pagou menos encargos e contribuições e o governo recolheu

impostos. A exceção do empregador, todos saíram perdendo.

Tabela 15 Componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3, Brasil, 2008

(R$ 1 000 000) Brasil Var Componente

Cen 1 Cen 2 Cen 3 N1 Rendimento líquido 712.022 627.619 712.022

tax1 Impostos 58.558 32.773 58.558

H1 Rendimento bruto 770.580 660.392 770.580

S1 Contribuição do empregado 58.231 51.630 58.231

SS Contribuição do empregador 213.201 179.304 264.731

GG Encargos trabalhistas + contribuições sociais 1.042.012 891.326 1.093.542

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

A Tabela 16 compara os cenários 1, 2 e 3 do Brasil com o do setor agrícola. Nela, em vez

de apresentarmos os valores totais, como feito até agora, optamos por mostrar as médias dos

salários, a fim de dimensionar o impacto de cada cenário no montante recebido pelo empregado.

Entretanto, as tendências verificadas nas Tabelas 14 e 15 permaneceram. Três considerações

podem ser feitas.

A primeira delas é que os encargos trabalhistas (tax1) do setor agrícola são bem

inferiores à média brasileira. Assim, pela Tabela 16, contratar mão de obra no campo é menos

oneroso que em outros setores. Esse resultado já era esperado. A maior parte dos empregados

contratados no setor agrícola é composta de temporários, e pela Tabela 11 (seção 3) percebemos

que alguns encargos comuns para os empregados permanentes são excluídos dos temporários.

Mas isso não pode ser interpretado simplesmente como uma vantagem na contratação de mão de

obra no campo. De acordo com os rendimentos do trabalho declarados na PNAD 2008, os níveis

Page 126: Tese - Capa

113

salariais no setor agrícola foram maiores do que a média do Brasil. Esse resultado contradiz com

o apresentado por Kreter (2010) a partir das séries de salários da Remuneração do Trabalho

Agrícola da FGV, e precisará ser revisto. O alto grau de informalidade poderia explicar um

incremento no salário líquido do conta própria ou de alguns empregados dos centros urbanos,

mas é pouco provável que explique a remuneração do trabalhador rural.

Tabela 16 Média dos componentes dos rendimentos do trabalho, cenários 1, 2 e 3,

Brasil e setor agrícola, 2008 (R$)

Brasil Setor Agrícola Var COMPONENTE Cen 1 Cen 2 Cen 3 Cen 1 Cen 2 Cen 3

N1 Rendimento líquido 301,38 265,66 301,38 490,74 464,93 490,74 tax1 Impostos 24,79 13,87 24,79 7,54 3,19 7,54 H1 Rendimento bruto 326,17 279,53 326,17 498,28 468,12 498,28 S1 Contribuição do empregado 24,65 21,85 24,65 25,21 22,62 25,21 SS Contribuição do empregador 90,24 75,90 112,05 84,77 76,12 172,34

GG Encargos trabalhistas + contribuições sociais 441,06 377,28 462,87 608,26 566,86 695,83

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

O cenário 2 confirma o já identificado na Tabela 15: o custo total da mão de obra (GG) é

menor do que no cenário 1. Proporcionalmente os impostos e as contribuições sociais do

empregado são reduzidas, em especial para o setor agrícola. Contudo, a redução no rendimento

líquido é mais acentuada no Brasil (12%) do que no setor agrícola (5%), o que novamente pode

ser percebido como reflexo da Tabela 11 (seção 3), já que mantivemos a mesma estrutura

tributária.

No cenário 3, os quatro primeiros componentes da Tabela 16 (N1, tax1, H1 e S1) foram

mantidos, passando os custos de formalização do empregado somente para o empregador. Note

que incluir o empregado no sistema de seguridade social além de ser mais oneroso para o setor

agrícola (103%) do que para o Brasil (24%), para o trabalhador rural, não há diferença no

rendimento líquido (que foi um dos pressupostos adotados nesse cenário). Na prática, o impacto

do cenário 3 no custo final da mão de obra é de 5% para o Brasil e 14% para o setor agrícola, o

que compromete qualquer política de repasse de encargos trabalhistas no campo.

Os cenários apresentados nesta seção representam casos extremos de repasse dos

encargos trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam

informais em 2008. Essas simulações, juntamente com o cenário 1, foram elaboradas em caráter

experimental, no intuito de reproduzir através da PNAD os agregados das Contas Nacionais, e de

verificar o comportamento dos componentes dos rendimentos do trabalho para futuras propostas

Page 127: Tese - Capa

114

de inclusão dos informais no sistema de seguridade social brasileiro. Essas propostas são

fundamentais para o setor agrícola, que, como apresentado no início do presente artigo, ainda

hoje possui cerca de 80% de trabalhadores sem carteira assinada. Mais do que refletir sobre a

participação dos agentes envolvidos (empregado e empregador), e do papel do governo federal

como criador de políticas sociais, a idéia é usar esses (e principalmente futuros) resultados para

assegurar padrões razoáveis de vida da população rural.

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the model (model description and application to the ECHP data for Spain).

Luxembourg: EUROSTAT, 2003. (EU-SILC 122/03)

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v.24)

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Sistema de Contas

Nacionais: Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2008c. (Série Relatórios Metodológicos,

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Page 128: Tese - Capa

115

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http://www.josepastore.com.br/artigos/rt/rt_136.htm

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SUTHERLAND, H. EUROMOD: an integrated European benefits-tax model (Final Report).

Örebro: Örebro University, 2001. (Working Paper n.EM9/01)

SUTHERLAND, H.; FIGARI, F.; LELKES, O.; LEVY, H.; LIETZ, C.; MANTOVANI, D.;

ALARI, P. Improving the capacity and usability of EUROMOD (Final Report).

Örebro: Örebro University, 2008. (Working Paper n.EM4/08)

VARGHA, C. Study on international labour standards and micro-enterprises. Genebra: ILO,

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VERMA, V.; BETTI, G.; BALLINI, F.; NATILLI, M.; GAL GANI, S. Personal income in the

gross and net forms: applications of the Siena Micro-Simulation Model (SM2).

Siena: Università degli Studi di Padova, 2003. (Working Paper n.54)

Page 129: Tese - Capa

116

ANEXO I

Fluxograma de seleção dos dados da PNAD 2008

CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE …

Neste trabalho (trabalho principal ):

Número de horas habitualmente trabalhadas por semana (V9058) Número de anos contados até a data de referência (V9611)

Número de meses contados até a data de referência (V9612) Rendimento mensal (V4718)

Trabalhou na semana de referência? (V9001)

2 Sim 4 Não

Agrícola (V9008):

Se for empregado, defina: (V9032) 2 Setor privado 4 Setor público

Moradores de 10 anos ou mais de idade (semana de referência)

1 Sim 3 Não

Não Agrícola (V9029):

Se não for empregado:

Esteve afastado temporariamente do trabalho remunerado que tinha na semana de referência? (V9002)

Posição na ocupação no trabalho principal da semana de referência (trabalho principal )

01, 02, 03 Empregado 04 Empregado temporário 05, 06, 07 Conta própria 08, 09, 10 Empregador

11 Trabalhador não remunerado de membro da unidade familiar

12 Outro trabalhador não remunerado 13 Trabalhador na produção para o próprio

consumo

1 Empregado 2 Empregado doméstico

3 Conta própria 4 Empregador

5 Trabalhador não remunerado de membro da unidade familiar

6 Outro trabalhador não remunerado 7 Trabalhador na construção para o próprio uso

Era contribuinte para um instituto de previdência? (V9059) 1 Sim 3 Não

Se for setor público, defina:

Militar (V9034) ou Funcionário público estatutário (V9035)

Se for setor

privado:

Page 130: Tese - Capa

117

Neste trabalho (trabalho principal ):

Número de horas habitualmente trabalhadas por semana (V9058) Número de anos contados até a data de referência (V9611)

Número de meses contados até a data de referência (V9612) Rendimento mensal (V4718)

Número de trabalhos que tinha na semana de referência (V9005) 1 Um (trabalho principal , informações acima)

3 Dois (trabalho secundário, informações abaixo) 5 Três ou mais (três trabalhos ou mais, informações abaixo)

Neste trabalho (trabalho secundário):

Número de horas habitualmente trabalhadas por semana(V9101) Rendimento mensal em dinheiro (V9982)

Neste trabalho (três trabalhos ou mais):

Era contribuinte para um instituto de previdência? (V9103)

Número de horas habitualmente trabalhadas por semana (V9105)

Rendimento mensal em dinheiro (V1022)

What kind of occupation did you have? (V9092) (trabalho secundário)

Se for empregado, defina: (V9093) 1 Setor privado 3 Setor público

Se for setor público, defina: Militar (V9095) ou

Funcionário público estatutário (V9096)

Se não for empregado:

Se for setor

privado:

Era contribuinte para um instituto de previdência? (V9099)

1 Sim 3 Não

1 Empregado 2 Trabalhador doméstico

3 Conta própria 4 Empregador

5 Trabalhador não remunerado de membro da unidade domiciliar

6 Outro trabalhador não remunerado

Page 131: Tese - Capa

118

ANEXO II

Variáveis consideradas como demais rendimentos, PNAD 2008

Descrição Variável (R$) Variável (dummy)

Aposentadoria de instituto de previdência ou do governo

federal

V1252 V1251

Pensão de instituto de previdência ou do governo federal V1255 V1254

Outro tipo de aposentadoria V1258 V1257

Outro tipo de pensão V1261 V1260

Abono permanência V1264 V1263

Aluguel V1267 V1266

Doação de não morador V1270 V1269

Juros de caderneta de poupança

Investmentos

Dividendos

Programas sociais

Outros rendimentos

Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

R$ = V1273

Dummy = V1272

Page 132: Tese - Capa

119

ANEXO III Componentes dos rendimentos agregados, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola, 2008

(R$ 1 000 000) Brasil Setor Agrícola Componente Var

Cen 1 Cen 2 Cen 3 Cen 1 Cen 2 Cen 3 Rendimento do trabalho (empregado) N1 712.022 627.619 712.022 26.050 24.680 26.050 Rendimento do trabalho (conta própria) N2 332.683 306.904 332.683 0 0 0 Outros rendimentos do trabalho N3 347 347 347 0 0 0 Aluguel N4 22.442 22.442 22.442 129 129 129 Rendimento em espécie / bens N5 223 223 223 7 7 7 Aposentadorias e pensões N6 265.305 265.305 265.305 895 895 895 Abono permanência N7 162 162 162 0 0 0 Doação de não morador N8 7.465 7.465 7.465 26 26 26

Líqu

ido

Outros rendimentos N9 29.539 29.539 29.539 340 340 340 Rendimento do trabalho (empregado) H1 770.580 660.392 770.580 26.451 24.849 26.451 Rendimento do trabalho (conta própria) H2 337.650 310.388 339.417 0 0 0 Outros rendimentos do trabalho H3 347 347 347 0 0 0 Aluguel H4 24.565 24.565 24.565 132 132 132 Rendimento em espécie / bens H5 223 223 223 7 7 7 Aposentadorias e pensões H6 286.746 286.746 286.746 909 909 909 Abono permanência H7 162 162 162 0 0 0 Doação de não morador H8 7.465 7.465 7.465 26 26 26

Bru

to

Outros rendimentos H9 29.539 29.539 29.539 340 340 340

ENCARGOS TRAB. + CONTR. SOCIAIS GG 1.754.333 1.573.055 1.848.330 33.702 31.505 38.351 Contribuição do empregador SS 213.201 179.304 253.587 4.500 4.041 8.112 Contribuição do empregado S1 58.231 51.630 69.375 1.338 1.201 2.375

Con

tr.

Soc

iais

Contribuição do conta própria S2 25.624 22.295 66.325 0 0 0

TOTAL BRUTO H 1.457.277 1.319.826 1.459.043 27.865 26.263 27.865 Rendimento do trabalho tax1 58.558 32.773 58.558 400 169 400 Rendimento de trabalhador por conta própria tax2 4.968 3.484 6.734 0 0 0 Rendimento de aluguel tax4 2.123 2.123 2.123 3 3 3

Impo

stos

Aposentadorias e pensões tax6 21.441 21.441 21.441 14 14 14

TOTAL LÍQUIDO N 1.370.187 1.260.005 1.370.187 27.448 26.078 27.448 Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

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ANEXO IV Componentes dos rendimentos médios, cenários 1, 2 e 3, Brasil e setor agrícola, 2008

(R$) Brasil Setor Agrícola Componente Var

Cen 1 Cen 2 Cen 3 Cen 1 Cen 2 Cen 3 Rendimento do trabalho (empregado) N1 301,38 265,66 301,38 490,74 464,93 490,74 Rendimento do trabalho (conta própria) N2 140,82 129,91 140,82 0,00 0,00 0,00 Outros rendimentos do trabalho N3 0,15 0,15 0,15 0,00 0,00 0,00 Aluguel N4 9,50 9,50 9,50 2,43 2,43 2,43 Rendimento em espécie / bens N5 0,09 0,09 0,09 0,13 0,13 0,13 Aposentadorias e pensões N6 112,30 112,30 112,30 16,86 16,86 16,86 Abono permanência N7 0,07 0,07 0,07 0,00 0,00 0,00 Doação de não morador N8 3,16 3,16 3,16 0,49 0,49 0,49

Líqu

ido

Outros rendimentos N9 12,50 12,50 12,50 6,41 6,41 6,41 Rendimento do trabalho (empregado) H1 326,17 279,53 326,17 498,28 468,12 498,28 Rendimento do trabalho (conta própria) H2 142,92 131,38 143,67 0,00 0,00 0,00 Outros rendimentos do trabalho H3 0,15 0,15 0,15 0,00 0,00 0,00 Aluguel H4 10,40 10,40 10,40 2,48 2,48 2,48 Rendimento em espécie / bens H5 0,09 0,09 0,09 0,13 0,13 0,13 Aposentadorias e pensões H6 121,37 121,37 121,37 17,12 17,12 17,12 Abono permanência H7 0,07 0,07 0,07 0,00 0,00 0,00 Doação de não morador H8 3,16 3,16 3,16 0,49 0,49 0,49

Bru

to

Outros rendimentos H9 12,50 12,50 12,50 6,41 6,41 6,41

ENCARGOS TRAB. + CONTR. SOCIAIS GG 742,57 665,84 782,36 634,89 593,50 722,47 Contribuição do empregador SS 90,24 75,90 107,34 84,77 76,12 152,81 Contribuição do empregado S1 35,49 31,29 57,44 25,21 22,62 44,73

Con

tr.

Soc

iais

Contribuição do conta própria S2 24,65 21,85 29,36 25,21 22,62 44,73

TOTAL BRUTO H 10,85 9,44 28,07 0,00 0,00 0,00 Rendimento do trabalho tax1 616,84 558,66 617,58 524,92 494,75 524,92 Rendimento de trabalhador por conta própria tax2 36,86 25,32 37,61 7,85 3,49 7,85 Rendimento de aluguel tax4 24,79 13,87 24,79 7,54 3,19 7,54

Impo

stos

Aposentadorias e pensões tax6 2,10 1,47 2,85 0,00 0,00 0,00

TOTAL LÍQUIDO N 579,97 533,34 579,97 517,07 491,26 517,07 Fonte: IBGE (2008a). Elaboração própria.

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121

CONCLUSÃO

Esta tese apresentou uma coletânea de três artigos sobre o mercado de trabalho agrícola. Dois temas

foram destaque neste estudo: a informalidade e a intermediação de mão de obra, conhecida como

empreitada.

O Artigo 1 teve como objetivo analisar os salários recebidos nas atividades agrícolas a partir

da evolução dos direitos trabalhistas conquistados pelo trabalhador rural. Inicialmente identificamos

três fases distintas da evolução da legislação trabalhista no campo. A primeira delas se referiu à

criação da CLT, que incluía alguns títulos e capítulos explicitamente aplicáveis aos trabalhadores

rurais. Verificamos que, em termos de cumprimento, os resultados foram inexpressivos para todas as

regiões do Brasil. Entretanto, a Secretaria de Agricultura do estado de São Paulo identificou alguns

processos de empregados contra produtores rurais nos tribunais estaduais acerca desses direitos. A

segunda fase da legislação trabalhista no campo foi caracterizada pela criação do ETR, que, além de

confirmar os dispositivos da CLT, esse Estatuto ainda propunha outros benefícios ao trabalhador

rural, como a estabilidade no emprego e o estabelecimento da jornada de trabalho de 8 horas, já

garantidos nos centros urbanos. Contudo, o ETR foi fundamental para a criação do seguro

obrigatório (FUNRURAL). A terceira e última fase da evolução da legislação trabalhista no campo

se iniciou com a criação da Lei no 5.889. Além da ampliação da definição de empregado rural, a

maior contribuição da Lei no 5.889 foi a inclusão do contrato de safra como alternativa para a

contratação de mão de obra de curto e curtíssimo prazos. Na prática, observamos que a burocracia

concernente a essa modalidade de contrato é tão grande, que para os pequenos produtores, seguir

todas as exigências estabelecidas pela lei, torna sua produção inviável, não só pelo custo per se, mas

também pelo tempo gasto em cumpri-la.

Concluímos que a maior dificuldade encontrada pelo governo federal para regular o mercado

de trabalho agrícola foi o enquadramento das diferentes modalidades de relações de trabalho em

apenas duas categorias – empregador e empregado – sem levar em conta o serviço de empreitada

(terceirização de tarefas) e a intermediação de mão de obra, ambas previstas nos outros setores da

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122

economia. Além disso, outras características específicas do campo não foram abordadas pela

legislação trabalhista, como a instituição do salário chuva. A análise do impacto da legislação

trabalhista nos salários rurais foi consolidada através da série anual de Remuneração do Trabalho

Agrícola da FGV referente ao trabalhador eventual (safrista) e ao empregado permanente.

Observamos que até o ano de 1973 os salários recebidos estavam acima dos 30% do mínimo

previsto em lei, e que depois desse ano houve um incremento substancial nos salários, em especial

no salário do diarista, que pode ser interpretado como conseqüência da criação da Lei no 5.889.

Contudo, a elevação dos salários rurais a partir de 1983 e o pico da série em 1986 podem estar

relacionados às reivindicações dos trabalhadores rurais por melhores salários e condições de

trabalho. Observamos também que as trocas de moeda e a hiperinflação, em especial na década de

oitenta, contribuíram de maneira expressiva para a volatilidade dos salários rurais.

A conclusão geral do Artigo 1 foi que a legislação trabalhista, através da instituição do

salário mínimo, contribuiu para a elevação dos níveis de salários recebidos pelo trabalhador rural.

Entretanto, um aumento nos níveis salariais não significou garantia de pagamento dos encargos

trabalhistas, o que é bastante coerente com os elevados níveis de informalidade existentes ainda hoje

no país.

Nesse sentido, o Artigo 2 aprofundou a análise do papel do intermediário, através de dois

estudos realizados entre os anos de 2006 e 2010 na região de Piracicaba (SP) e na Alemanha. No

estudo de caso sobre o corte de cana na região de Piracicaba, verificamos que as diferentes

atividades na produção de cana-de-açúcar são quase sempre intermediadas por um prestador de

serviço, chamado de empreiteiro. Esse agente desempenha diferentes tarefas: ora contrata e

supervisiona, ora só supervisiona, e ora apenas paga pelo serviço prestado.

A legalidade do empreiteiro é questionada tanto pelas usinas, como pelo Ministério do

Trabalho, mas o Sindicato dos Empreiteiros de Capivari sobrevive até os dias de hoje com base na

Lei no 6.019, mesmo sabendo que essa lei se restringe às áreas urbanas. Não há, portanto, a menor

possibilidade de se contratar temporários e de se prestar serviço no setor agrícola.

É importante observar que os empreiteiros da região de Piracicaba não são meros

intermediários de mão de obra. Na verdade, todos os contratos estabelecidos entre empreiteiros e

usinas se baseiam no sistema de empreitada. A decisão de contratação e a responsabilidade da

execução são exclusivas do empreiteiro. Por isso, se a Lei no 6.019 fosse aplicável ao campo, o

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123

sistema de empreitada poderia ser executado a partir do modelo que já existe nessa região, com a

diferença de que os empreiteiros responderiam por todas as obrigações contratuais.

O sistema de empreitada na região de Piracicaba é um bom exemplo de como as relações de

trabalho podem beneficiar produtores, trabalhadores sazonais e os próprios intermediários.

Entretanto, sabemos que o sistema apresentado neste artigo é uma exceção dentro das condições

atuais oferecidas aos trabalhadores. Nesse sentido, a legalização do intermediário e a redução da

burocracia para os contratos de safra, como já existe na Alemanha, poderiam representar não só o

aumento no grau de formalização, mas também a redução da pobreza nas áreas rurais. A

intermediação de mão de obra, como existe atualmente no Brasil, é lamentável tanto pelo aspecto

social, quanto pelo aspecto econômico. Mas isso não significa que a presença do intermediário de

um modo geral seja ruim. Pelo contrário. A sua capacidade de distribuir os custos fixos por vários

produtores e de aliviar esses produtores das tarefas difíceis de seleção e de supervisão de mão de

obra é que explicam sua prevalência ainda hoje na agricultura.

No caso da Alemanha, também não há intermediação de mão de obra. Entretanto, os

produtores contam com uma estrutura pública de apoio à contratação, que pode ser interpretada até

como uma espécie de intermediário. Sem dúvida, essa estrutura reduz bastante o problema de oferta

de mão de obra, e conseqüentemente, da qualidade do trabalho ofertado. Entretanto, no caso da

Alemanha, acabou gerando um outro problema: a migração ilegal de estrangeiros. Para tentar

reduzir a informalidade, o governo alemão estabeleceu a Regra de Canto a partir da safra 2006/2007,

que teve como objetivo incentivar a contratação da população local a partir do nível de desemprego

da região. Os primeiros resultados dessa política se mostraram bastante satisfatórios sob o ponto de

vista das metas estabelecidas, mas nos próximos anos o governo federal poderá esbarrar na falta de

oferta de mão de obra nacional para o setor, e a entrada ilegal de estrangeiros poderá aumentar.

Ao compararmos o sistema de contratação de trabalhadores sazonais no Brasil e na

Alemanha, observamos que em muitos aspectos eles são bastante semelhantes, tais como a idade de

admissão, o tipo de trabalho executado, e o local da assinatura do contrato. Mas esses sistemas se

divergem quanto aos custos com transporte, alimentação e alojamento. No caso da Alemanha, todos

esses itens podem ser negociados nos contratos de trabalho, e variam de acordo com o salário pago

por hora e a localização da cidade de origem do trabalhador. No Brasil, a responsabilidade é

exclusiva do produtor.

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124

O Artigo 2 termina destacando a importância da formalização do intermediário no processo

de contratação de mão de obra, e as dificuldades ainda hoje enfrentadas pelos trabalhadores no

campo. O caso alemão mostra que a presença do Estado contribui para o maior equilíbrio entre a

oferta e a demanda de mão de obra, mas que isso não é condição suficiente para garantir a legalidade

de todos os trabalhadores. No campo, o trabalhador não tem margem de negociação de salário, nem

opção de alimentação ou alojamento, o que contribui fortemente para condições de trabalho

precárias e salários abaixo da média nacional.

Como o objetivo de reduzir a informalidade nas atividades agrícolas, o Artigo 3 simulou dois

cenários para a inclusão do trabalhador rural no sistema de seguridade social, além da reprodução do

sistema atual (cenário 1). No primeiro deles (cenário 2), todos os custos de contratação foram

repassados para os empregados. De forma contrária, o segundo (cenário 3) manteve o nível de

salário dos empregados, e repassou os custos de formalização para o empregador. Essas simulações

foram feitas para o Brasil e para o setor agrícola através da transformação do rendimento do trabalho

bruto em líquido utilizando o Modelo de Micro-Simulação de Siena (SM2).

Apesar dos resultados ainda serem preliminares, observamos que tanto para o Brasil, quanto

para o setor agrícola, a variável rendimentos do trabalho foi o componente mais significativo no

total de rendimentos, seguido do rendimentos de aposentadorias e pensões. Na comparação dos três

cenários para o setor agrícola, verificamos que, no cenário 1, os encargos trabalhistas são bem

inferiores à média brasileira. Já no cenário 2, os impostos e as contribuições sociais do empregado

são reduzidas. Contudo, a redução no rendimento líquido é mais acentuada no Brasil do que no setor

agrícola. Notamos, assim, que os empregados do setor agrícola são muito mais dependentes do

salário. Isso sugere que qualquer proposta de mudança no sistema tributário terá um impacto mais

expressivo nas atividades agrícolas. No caso dos rendimentos de aposentadorias e pensões, boa

parte do resultado obtido para o setor agrícola pode representar o benefício da aposentadoria rural.

Essa verificação, porém, será contemplada em projetos futuros, onde analisaremos, além da

aposentadoria rural, o impacto de outros programas sociais no campo, como o Programa Bolsa

Família.

Na comparação dos cenários 1, 2 e 3 para o Brasil e o setor agrícola, verificamos que os

encargos trabalhistas do setor agrícola são bem inferiores à média brasileira. Esse resultado já era

esperado, já que parte dos encargos comuns para os empregados permanentes são excluídos nos

contratos de curta duração. Mas isso não pode ser interpretado simplesmente como uma vantagem

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125

na contratação de mão-de-obra no campo. Em 2008, os níveis salariais no setor agrícola foram

maiores do que a média do Brasil.

Os cenários apresentados no Artigo 3 representam casos extremos de repasse dos encargos

trabalhistas e contribuições sociais dos empregados e conta própria que se declararam informais em

2008. Essas simulações, juntamente com o cenário 1, foram elaboradas em caráter experimental, no

intuito de verificar o comportamento dos componentes dos rendimentos do trabalho para futuras

propostas de inclusão dos informais no sistema de seguridade social brasileiro. Essas propostas são

fundamentais para o setor agrícola, que, como apresentado no desde o Artigo 1, ainda hoje possui

cerca de 80% de trabalhadores sem carteira assinada. Mais do que refletir sobre a participação dos

agentes envolvidos, e do papel do governo federal como criador de políticas sociais, a idéia é usar

esses e futuros resultados para assegurar padrões razoáveis de vida da população rural.